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Os Maias de Eça de Queiroz

Episódios da vida romântica

1. Título e Subtítulo
N’ Os Maias a intriga principal surge entrelaçada com a crónica de costumes (constituindo uma crítica à
sociedade da época), algo que se reflete no título e subtítulo da obra. O título, informa-nos que a obra vai
tratar da história de uma família – Os Maias, o subtítulo propõe – Episódios da Vida Romântica – que vão
servir de pretexto para a comédia de costumes.

Eça de Queiroz propõe a história de uma família lisboeta da alta burguesia, apresentada em três gerações
sucessivas:
1.ª geração– Caetano da Maia que representa o português antigo, apoiante do absolutismo em decadência; –
Afonso da Maia que lutou contra o absolutismo e pela implantação do liberalismo;
2.ª geração– Pedro da Maia que representa as crises do liberalismo e a mentalidade frustrada de um
romantismo que começa a entrar na falência e na catástrofe;
3.ª geração- Carlos da Maia que representa a decadência do liberalismo e a Regeneração, mostrando os
ambientes e os hábitos de uma sociedade em crise cultural, social e política.

A par da história da família dos Maias surgem vários episódios que retratam a sociedade burguesa lisboeta
dos finais do século XIX. Eça de Queiroz dá uma visão crítica do clima social e político dessa sociedade,
apresentando os seus costumes, vícios e, virtudes (poucas...), através de personagens que tipificam um
vício, grupo e/ou profissão. O subtítulo propõe – Episódios da Vida Romântica – que vão servir de pretexto
para a comédia de costumes.

A visão crítica do mundo social e político dessa sociedade, surge sobretudo nos seguintes episódios:
- O jantar no Hotel Central;
- O jantar dos Gouvarinhos;
- O episódio dos jornais (A Corneta do Diabo e A Tarde);
- A corrida de cavalos;
- O sarau da Trindade;
- O passeio final de Carlos e Ega por Lisboa.

2. Os Maias - Enredo
Estrutura da obra
A introdução, que corresponde à apresentação de Afonso da Maia, permitindo situar no tempo e no espaço o
início da ação.
O desenvolvimento, que, depois de apresentar o passado de Afonso, Pedro e Carlos da Maia, revela os
principais acontecimentos.
O desenlace que se dá com a viagem de Carlos, após a morte do avô, e o seu regresso a Lisboa 10 anos
depois.

Os Maias - Intriga
A intriga principal e secundária apresenta a história da família dos Maias nas suas várias gerações:
- Intriga principal – 3.ª geração;
- Intriga secundária – 1.ª e 2.ª gerações.

As ações secundárias ajudam a compreender a intriga principal e contribuem para a crítica social.

Surgem ainda outras ações secundárias como:


• os amores adúlteros de Carlos com a Gouvarinho;
• o amor entre Ega e Raquel Cohen;
• a pulhice de Dâmaso Salcede, reveladora de degradação moral, do jogo de influências políticas, de
corrupção, ignorância e hipocrisia;
• a educação tradicionalista de Eusebiozinho em contraste com a educação britânica moderna de Carlos.

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Estrutura do Romance Ação aberta e ação fechada

A ação
A ação é aberta em relação à crónica de costumes, pois Eça de Queiroz não aponta a solução definitiva para
o destino das personagens que dela participam.

A obra apresenta uma ação fechada relativamente à intriga principal, ou seja, a relação incestuosa entre
Carlos da Maia e Maria Eduarda, pois o destino final destas personagens é revelado. A ação fecha-se com a
separação de Carlos da Maia e Maria Eduarda: esta parte para Paris e Carlos viaja pela Europa durante dez
anos. É de salientar, o desencanto e ceticismo final de Carlos, assumindo o seu falhanço na vida. Contudo,
no final da obra, mantém o gosto de viver, correndo para saborear «o prato de paio com ervilhas», deixando
em aberto o seu futuro. Aponta, ainda assim, para uma abertura da ação, pois não apresenta uma solução
definitiva para o destino da personagem.

Ação trágica
N’ Os Maias estão patentes algumas características da tragédia clássica: hybris, peripécia, destino, clímax,
anagnórise, pathos, catástrofe e a catarse. Da ação trágica fazem ainda parte os presságios ou indícios:
referências, afirmações ou acontecimentos que contribuem para a atmosfera trágica, prevendo um
fatalidade inevitável.

Destaquemos as seguintes: Hybris, Peripécia, Destino, Clímax ,Anagnórise, Pathos, Catástrofe, Cartarse.
- O hybris (desafio) de Pedro quando casa com Maria Monforte, contra a vontade do pai, Afonso da Maia, e
de Carlos que desafia os valores morais da sociedade, quando concretiza a relação amorosa com Maria
Eduarda, pois julgava-a casada.
- O clímax é atingido na consumação do incesto.
- O reconhecimento/anagnórise da identidade de Maria Eduarda como irmã de Carlos da Maia.
- O sofrimento/pathos provocado pela descoberta da identidade de Maria Eduarda.
- A cartarse dá-se no último encontro de Carlos com o avô e na separação dos dois amantes: Carlos viaja
pela Europa e Maria Eduarda parte para Paris.
- A catástrofe, originada pelo reconhecimento do grau de parentesco entre Carlos e Maria Eduarda.
- A peripécia, ou seja, a mudança súbita de situação: as casuais revelações de Guimarães a Ega, preparadas
pelo seu encontro com Maria Eduarda, mudando assim a relação entre Carlos e Maria Eduarda.
- O destino, corporizado por Guimarães, mensageiro do grau de parentesco entre Carlos e Maria Eduarda.

Exemplos mais significativos de Presságios:


– Momento em que Afonso da Maia vê Maria Monforte pela primeira vez: «Afonso […] olhava cabisbaixo
aquela sombrinha escarlate que agora se inclinava sobre Pedro, quase o escondia, parecia envolvê-lo todo –
como uma larga mancha de sangue alastrando a caleche sob o verde triste das ramas.»;
– A mudança para o Ramalhete para que Carlos aí se instalasse. Esse, fechado há anos, segundo Vilaça
«aludia […] a uma lenda, segundo a qual eram sempre fatais aos Maias as paredes do Ramalhete. O sr.
Afonso da Maia riu de agouros e lendas… Pois fatais foram!»;
– As semelhanças fisionómicas que Maria Eduarda apontou entre Carlos e a sua mãe: «- Sabes tu com quem
te pareces às vezes?... É extraordinário, mas é verdade. Pareces-te com a minha mãe! […] - Tens razão –
disse ela – que a mamã era formosa… Pois é verdade, há um não sei quê na testa, no nariz… Mas sobretudo
certos jeitos, uma maneira de sorrir… Outra maneira que tu tens de ficar assim um pouco vago,
esquecido… Tenho pensado nisto muitas vezes…»;
– A decoração da Toca que perturba Maria Eduarda, pressentindo que o seu futuro «seria confuso e escuro»
como o aspeto desta.

3. Os Maias – o espaço

O espaço social n’Os Maias é constituído pelos episódios que retratam a sociedade burguesa lisboeta dos
finais do século XIX.

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O jantar no Hotel Central - (Cap. VI)

Objetivos do episódio:
-Homenagear o banqueiro Jacob Cohen;
-Proporcionar a Carlos um primeiro contacto com o meio social lisboeta e a visão de Maria Eduarda;
-Apresentar a visão crítica de alguns problemas.

Personagens envolvidas

João da Ega
•«Figura esgrouviada e seca», com «os pêlos do bigode arrebitados», «com nariz adunco, um quadrado de
vidro entalado no olho direito».
•Amigo íntimo de Carlos, estudante de direito, original, ateu, demagogo, audaz, exagerado, revolucionário,
boémio, satânico, rebelde, sentimental.
•Promotor da homenagem a Cohen, amante de Raquel e representante do Realismo/Naturalismo.

Jacob Cohen
•Baixo, apurado, de olhos bonitos, suíças pretas e luzidias, mão com diamante, irónico, respeitado,
irresponsável e marido de Raquel.
•O homenageado, representante das altas finanças, é diretor do Banco Nacional.

Tomás de Alencar
•Muito alto, face escaveirada, nariz aquilino, «longos, espessos, românticos bigodes grisalhos», calvo na
frente, dentes estragados, teatral «em toda a sua pessoa havia alguma coisa de antiquado, de artificial e de
lúgubre», incoerente, desfasado do seu tempo e íntimo de Pedro da Maia.
•Poeta Ultrarromântico.

Dâmaso Salcede
•Rapaz baixote, gordo, bochechudo, cabelo frisado, ar provinciano, vestido de modo ridículo, exibicionista,
oportunista, vaidoso, cobarde e grosseiro na expressão linguística e gosta de imitar Carlos.
•O novo-rico, representante dos vícios.

Carlos da Maia
•«Formoso e magnífico moço, alto, bem feito, de ombros largos, com uma testa de mármore sob os anéis
dos cabelos pretos e os olhos dos Maias (…) de um negro líquido, ternos como os dele e mais graves. Trazia a
barba toda, muito fina, castanho- escura, rente na face, aguçada no queixo – oque lhe dava, com o bonito
bigode arqueado aos cantos da boca, uma fisionomia de belo cavaleiro da Renascença.»
•Viajado, culto, requintado, médico, inteligente, diletante e dandy.

Craft
•Baixo, loiro, pele rosada e fresca, inglês, aparência fria, musculatura de atleta, de educação britânica,
modo calmo e plácido, excêntrico, viajado, rico, colecionador de obras de arte.
•Representante da cultura artística e britânica, o árbitro das elegâncias, o “homem ideal”.

A Literatura e a Crítica Literária

Tomás de Alencar
•Defensor do Ultrarromantismo;
• Incoerente: condena no presente o João da Ega que cantara no passado;
• Falso moralista
•Defensor do Realismo/moral, por não ter outra arma de Naturalismo
• Desfasado do seu tempo;
VS João da Ega
•Exagera, defendendo a cientificidade na literatura
• Defensor da crítica literária da não distingue Ciência e natureza académica
- Preocupado com aspetos formais em detrimento da dimensão temática
- Preocupado com o plágio.

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Carlos e Craft
• Defendem a arte como ares científicos do realismo;
• Defendem que os caracteres se manifestam pela ação.
• Recusam o ultrarromantismo de Alencar;
• Recusam o exagero de Ega

As Finanças
•O país tem absoluta necessidade dos empréstimos estrangeiro;
•Cohen é calculista cínico: tendo responsabilidades pelo cargo que desempenha, lava as mãos e afirma
alegremente que o país vai direitinho para a bancarrota.

A História Política
João da Ega
-Aplaude as afirmações do Cohen
-Delira com a bancarrota como determinante da agitação revolucionária;
-Defende a invasão espanhola
-Defende o afastamento violento da Monarquia e aplaude a instalação da República
-Considera que a raça portuguesa é a mais covarde e miserável da Europa: «Lisboa é Portugal! Fora de
Lisboa não há nada.»
Tomás de Alencar
-Teme a invasão espanhola: é um; perigo para a independência
-Defende o romantismo político; -Uma república governada por génios; -A fraternização dos povos;
-Esquece o adormecimento geral do país.
Dâmaso Salcede
- Se acontecesse invasão espanhola, ele «raspava-se» para Paris;
- Toda a gente fugiria como uma lebre.

Linguagem e estilo - Recursos estilísticos significativos


Hipálage
“Fora um dia de Inverno suave”
-Transferência das qualidades do sujeito para o objeto.

Uso expressivo do adjetivo


“Um esplêndido preto”
“Uma deliciosa cadelinha escocesa”

Uso expressivo do advérbio


“Carlos, tranquilamente, ofereceu dez tostões”
“mas horrivelmente suja”
“maravilhosamente bem feita”

Uso do Gerúndio
“Estava mostrando a Craft”
“Fora comprando, descobrindo”
“Conversando com um rapaz baixote”

Uso do diminutivo com valor pejorativo


“Dez tostõezinhos! Se o quadrinho tivesse por baixo o nomezinho de Fortuny, valia dez continhos de réis.
Mas não tinha esse nomezinho bendito… Ainda assim valia notazinhas de vinte mil réis”

Uso de Empréstimos
“Très chic”“Petits pois à la Cohen”
Galicismos
“Tinha um bouquet de rosas!”
“Shake-hands”
Anglicismos
“Gentleman”

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Discurso Indireto Livre “Dez tostõezinhos! Se o quadradinho tivesse por baixo o nomezinho de Fortuny, valia
dez continhos de réis. Mas não tinha esse nomezinho bendito… Ainda assim valia dez notazinhas de vinte mil
réis”.

Marcas de Oralidade
“Eu a bordo atirei-me. E ela dava cavaco! (…) mas trago-a de olho (…) sentir umas cócegas... E, se me pilho
só com ela, ferro-lhe(…) minha teoria é esta: atracão! Eu cá, é logo: atracão!”

- O jantar dos Gouvarinhos- Capítulo V

- o primeiro jantar na casa dos Gouvarinhos


Neste capítulo há a caracterização de uma certa camada social e da sociedade portuguesa em geral,
principalmente a entrada interessante do Conde de Gouvarinho, que é a personificação do político imbecil
“O Conde passou os dedos pela testa, com um ar quase angustioso: não se lembrava de nada disso! Queixou-
se logo amargamente da sua falta de memória. Uma coisa tão indispensável em quem segue a vida pública,
a memória! E ele, desgraçadamente, não possuía nem um átomo”.

Capítulo XII - o segundo jantar na casa dos Gouvarinhos


O objetivo
-reunir a alta burguesia e aristocracia, apresentando a ignorância das classes dirigentes que revelam
incapacidade de diálogo e manifestam falta de cultura, “Os desconfortos da vida, segundo ele, tinham
começado com a libertação dos negros”. Durante o jantar, Gouvarinho e Sousa Neto discutem. O primeiro,
que vai ser ministro, revela imensa ignorância, “posso afirmar que não há hoje colónias nem mais
susceptíveis de riqueza, nem mais crentes no progresso, nem mais liberais do que as nossas!”, não
compreendendo a ironia de Ega. É retrógrado, tem lapsos de memória, “Agora me lembro… Esta minha
desgraçada memoria”, comenta muito desfavoravelmente as mulheres e não acaba nenhum assunto, “O
conde sorria com superioridade”. Sousa Neto desconhece o sociólogo Proudhon, é deputado, não entra nas
discussões e acata pacificamente as opiniões alheias. Defende a imitação do estrangeiro, acompanha as
conversas sem intervir e defende a literatura de folhetins, de cordel.
- O jantar em casa do Conde Gouvarinho permite através das falas e atitudes das personagens, mostrar a
degradação dos valores sociais, “Isto é um país desgraçado”, o atraso intelectual do país, “Creio que não há
nada de novo em Lisboa, minha senhora, deste a morte do Senhor D. João VI”, a mediocridade mental de
algumas figuras da alta burguesia e da aristocracia, principalmente o Conde Gouvarinho e também Sousa
Neto

Sobre a educação da mulher


- Diz o Conde Gouvarinho, “o lugar da mulher era junto do berço, não na biblioteca…”
-Diz o Sousa Neto, “Uma senhora, sobretudo quando ainda é nova, deve ter algumas prendas”. Sousa Neto é
representante da administração pública e demonstra-se superficial nas suas intervenções.

Cultura e política
- Sousa Neto mostra como se encontra a cultura dos altos funcionários do estado, “E de repente calou-se,
embaraçado, levando a chávena aos lábios”.

-O exemplo disso é quando Ega percebe que Sousa Neto não sabe nada sobre o socialismo utópico de
Proudhon, “Sr. Sousa Neto, sabe o que diz Proudhon? Não me recordo textualmente, mas…”, e que nem é
capaz de manter um diálogo decente, “É meu costume, Sr. Ega, não entrar nunca em discussões, e acatar
todas as opiniões alheias, mesmo quando elas sejam absurdas”. Sousa Neto ainda manifesta a sua
curiosidade e interesse em relação aos países estrangeiros, mostrando o seu aprisionamento cultural
confinado às terras portuguesas.

- O episódio dos jornais (A Corneta do Diabo e A Tarde); (cap. XV)

-Critica-se, nestes episódios, a decadência do jornalismo português, pois os jornalistas deixam-se


corromper, motivados por interesses económicos (é o caso de Palma Cavalão, do jornal A Corneta do Diabo)

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ou evidenciam uma parcialidade comprometedora, originada por motivos políticos (é o caso de Neves,
diretor do jornal A Tarde).

-A Corneta do Diabo
Carlos dirige-se, com Ega, a este jornal, que publicara uma carta, escrita por Dâmaso Salcede, insultando
Carlos e expondo, em termos degradantes, a sua relação amorosa com Maria Eduarda. Palma Cavalão revela
o nome do autor da carta e mostra aos dois amigos o original, escrito pela letra de Dâmaso Salcede, a troco
de «cem mil réis»; - A Tarde
Neves, o diretor do jornal, acede a publicar a carta em que Dâmaso Salcede se confessava embriagado ao
redigir a carta insultuosa, mencionando a relação de Carlos e de Maria Eduarda, por concluir que, afinal,
não se tratava do seu amigo político Dâmaso Guedes, o que o teria levado a rejeitar a publicação.

- A corrida de cavalos; (cap. X)


Este episódio espelha a crítica à tendência dos portugueses para imitar aquilo que se fazia nos países
estrangeiros e que se considerava como sinal de progresso, quando, afinal, muitas vezes, não nos
identificávamos com as ideias ou medidas que importávamos. Assim, o ambiente que deveria ser
requintado, mas que também deveria apresentar a ligeireza desportiva para que remete o acontecimento,
torna-se o espelho da falta de gosto e de educação dos participantes.
É Dâmaso Salcede quem representa a mentalidade que se pretende, a todo custo, estrangeirar, para
parecer mais civilizado, «chic a valer».
As corridas de cavalos são organizadas precisamente com o objetivo de transpor para Lisboa uma atmosfera
de cosmopolitismo que, por postiço, a capital acaba por não suportar, quebrando o verniz de civilização e
requinte social. Desmascara-se a aparência e salta à vista a essência provinciana da mentalidade lisboeta.
Há um contraste entre o ser e o parecer, que a visão de Carlos focaliza de uma forma muito crítica.
Alvo de crítica:
- a falta de coerência entre o traje e a ocasião, o que fazia com que alguns cavalheiros se sentissem
«embaraçados e quase arrependidos do seu chique» e com que as senhoras se apresentassem com «vestidos
sérios de missa»;
- a sensaboria, motivada pelo facto das pessoas não revelarem qualquer interesse pelo evento;
- a desordem, originada pelo jóquei que montava o cavalo Júpiter e que insultava Mendonça, o juiz das
corridas, pois considerava ter perdido injustamente, por «compadrice e ladroeira» em detrimento de
Pinheiro, que montara o Escocês e que obtivera a vitória «por ser íntimo do Mendonça». Tomava-se partido,
havia insultos, até que o Vargas resolveu «com um encontrão para os lados» desafiar o jóquei – foi, então,
que se ouviu uma série de expressões como «Morra» e «Ordem», se viram «chapéus pelo ar», se ouviram
«baques surdos de murros».

- O sarau da Trindade; (cap. XVI)


Este episódio evidencia o gosto convencional e fossilizado dos portugueses, dominados por valores caducos,
enraizados num sentimentalismo educacional e social ultrapassados. É de enfatizar a total ausência de
espírito crítico e analítico da alta burguesia e da aristocracia nacionais e a sua falta de cultura.
Exemplo disso são:
- Rufino, o orador «sublime», que pregava a «caridade» e o «progresso», representa a «orientação mental»
daqueles que o ouviam; a sua retórica vazia e impregnada de artificialismos barrocos e ultra-românticos
traduz a sensibilidade literária da época; por outra lado, o seu enaltecimento à nação e à família real
revelam uma forma de estar específica daqueles que se querem ver reconhecidos, recorrendo à idolatria em
relação a quem os pode promover, o que aliás, é vivamente contestado por Alencar, que desejaria, antes,
que «os homens de letras se deviam mostrar como são, filhos da Democracia e da Liberdade»;
- Cruges, que tocou Beethoven, representa aqueles (poucos!) que, em Portugal, se distinguiam pelo
verdadeiro amor à arte e que, tocando a Sonata Patética, surgiu como alvo de risos mal disfarçados, depois
de a marquesa de Soutal dizer que se tratava da «Sonata Pateta», o que o tornaria o «fiasco» da noite;
- Alencar declamou «A Democracia», depois de «um manganão gordo» lamentar «que nós, Portugueses»,
não aproveitávamos a «herança dos nossos avós», revelando um patriotismo eloquente. O poeta aliava,
agora, poesia e política, numa encenação exuberante, que traduzia a sua emoção pelo facto de ter ouvido
«uma voz saída do fundo dos séculos» e que o levava a querer a República, essa «aurora» que viria com Deus
(e os aplausos foram numerosos). 

- O passeio final de Carlos e Ega por Lisboa – visão pessimista do Portugal da Regeneração (cap. XVIII

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O episódio final funciona como um epílogo do romance, dez anos depois de encerrada a intriga, e quando
Carlos visita Lisboa, vindo de Paris, imbuído de um grande pessimismo. Durante a última conversa entre
Carlos e Ega, a par do sentimento de desilusão pessimista que domina os dois amigos, o instinto da vida, a
faceta romântica, aliada ao sonho, continuam a dominar as personagens que, apesar de tudo, e
contradizendo-se face à teoria que desenvolvem, correm «desesperadamente pela Rampa de Santos pelo
Aterro», para não perderem o americano.
O que marca, fundamentalmente, este último diálogo é o facto de os dois amigos terem determinado «a
teoria definitiva da existência – o fatalismo muçulmano», que consistia no facto de «nada desejar e nada
recear», «[e] mais que tudo não ter contrariedades». Esta teoria sintetiza aquilo que está no âmago da
corrente naturalista, segundo a qual a literatura deveria ser uma aplicação das teses científicas e filosóficas
mais recentes. Aqui assistimos à ideia de que o ser humano não tem capacidade para determinar os
acontecimentos que lhe estão destinados.
No fundo, esta obra propõe uma reflexão sobre o destino do Homem no mundo.
Em Lisboa, as pessoas traduziam a decadência do país, caracterizando-se, principalmente, pela inação, pela
ociosidade crónica que os levava a vagabundear, sem destino certo, numa moleza doentia ou a «pasmar»
para quem passava.
A visão pessimista do escritor manifesta-se, contudo, através das atitudes de Carlos e de Ega que,
«enquanto vencidos da vida», significam a negação da essência ideológica da Geração de 70 – desistindo de
lutar, permitindo que os seus ideais sejam esmagados pelo meio em que estão inseridos, abdicam da
construção de uma nova fase na vida mental portuguesa.
É essa a conclusão de Ega, no final da obra: - Falhámos na vida, menino!
- Creio que sim... Mas todo o mundo mais ou menos a falha. Isto é, falha-se sempre na realidade aquela vida
que se planeou com a imaginação.
É importante ainda referir que o passeio que Carlos e Ega dão a Lisboa é altamente simbólico. Os espaços
que atravessam têm profundas conotações históricas e ideológicas:
- o Largo de Camões – representa o Portugal heroico, glorioso, mas perdido, envolvido por uma atmosfera
de estagnação;
- O Chiado – representa o Portugal do presente, o país decadente da Regeneração;
- Os Restauradores – símbolo de uma tentativa de recuperação falhada, e a prová-lo está o ambiente de
decadência e amolecimento que cerca o obelisco;
- Os bairros antigos da cidade (Graça e Penha) – representam a época anterior ao liberalismo, o Portugal
absolutista, um tempo que, não obstante a sua autenticidade, é recusado por Carlos por causa da sua
intolerância e do seu clericalismo, que levam a que toda a descrição esteja eivada de conotações negativas.
Concluindo, este episódio traduz a degradação progressiva e irremediável da sociedade portuguesa, para a
qual não se visualiza qualquer saída airosa

Espaço Físico - Espaços Exteriores e Interiores


É importante distinguir espaço físico exterior de cenários interiores.
- Os principais espaços geográficos são os de Coimbra, Lisboa e Santa Olávia.
- Os principais espaços interiores são o Ramalhete, a Toca, a Vila Balzac, o quarto do Hotel Central e o
consultório de Carlos.

Coimbra
É o espaço onde decorre a vida estudantil de Carlos, onde vive as suas primeiras aventuras amorosas, onde
se dedicou à literatura e à arte e concluiu o seu curso de Medicina. A sua existência surge marcada pela
boémia, pelo diletantismo e pelo Romantismo.

Lisboa
É o espaço privilegiado para a visão crítica da vida política e económica do país, da literatura e do
jornalismo, ou seja, dos estratos dominantes da sociedade portuguesa.
Neste espaço surgem vários microespaços que permitem a caracterização das personagens, das situações e
do espaço social que as envolve.

O Ramalhete surge como o cenário que acompanha o evoluir da intriga. Este surge na obra repartido em três
fases: a instalação de Carlos no Ramalhete, os dois anos que viveu em Lisboa e o seu reencontro com este
espaço em 1887.
O Ramalhete acompanha o evoluir da intriga e constitui um espaço de crónica de costumes, apresentando-
se como um local de «luxo maciço e sóbrio» e confortável «a luz (…) coada, caindo sobre os damascos
vermelhos das paredes, dos assentos, fazia um adoce refracção cor-de-rosa.», ou seja, um espaço propício
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à tranquilidade e à felicidade. Contudo, «uma venerável cadeira de braços, cuja tapeçaria mostrava ainda
as armas dos Maias no desmaio da trama de seda» pressagia algo de trágico.
O reencontro de Carlos com este espaço é marcado pela decadência: o desconforto e o abandono, imbuídos
de uma atmosfera de morte e sofrimento: «Em cima, porém, a antecâmara entristecia, toda despida, sem
um móvel, sem um estofo, mostrando a cal lasca dos muros. (…) Depois, no amplo corredor, sem tapete, os
seus passos soavam como um claustro abandonado»; «Carlos pôs também o chapéu: e desceram pelas
escadas forradas de veludo cor de cereja, onde ainda pendia, com um ar de ferrugem, uma panóplia de
velhas armas. Depois na rua Carlos parou, deu um longo olhar ao sombrio casarão, (…) mudo, para sempre
desabitado, cobrindo-se já de tons de ruína». O «ar de ferrugem» simboliza a decadência de um poder e de
um prestígio perdidos, «os tons de ruína» que predominavam antes das reformas do Ramalhete, instalaram-
se nesta fase para sempre.
Na primeira e última fase da narrativa, o Ramalhete denota tristeza e abandono.
No jardim destacam-se três símbolos do amor puro e imortal: o cipreste e o cedro, unidos, inseparáveis pela
união das raízes que resistem a tudo, envolvidos num amor puro e eterno. Este amor não é o de Carlos e
Maria Eduarda pois este é impuro, mas sim a amizade de Carlos e Ega, pura e eterna.
Surge ainda a Vénus Citereia, ligada à sedução e volúpia. Deusa do amor, desejo e prazer,
metonimicamente, surge ligada às três fases do Ramalhete: na primeira, relaciona-se com a morte de Pedro
da Maia «… uma estátua de Vénus Citereia enegrecendo a um canto…»; na segunda, a estátua aparece
restaurada, cheia de esplendor, simbolizando o renascer, uma nova vida, sem deixar de indiciar algo
trágico; na última fase, esta estátua, símbolo do Amor e do Feminino, surge «… coberta de ferrugem verde,
de humidade», ou seja, lembra os amores que destruíram a harmonia da família dos Maias.

A Vila Balzac é a casa de João da Ega em Lisboa. O nome escolhido remete para as características
temperamentais de Ega: a tendência para a criação literária e a personalidade contraditória, pois escolhe
Balzac, um escritor romântico como padroeiro, sendo ele um adepto do Realismo e do Naturalismo. No
entanto, preconiza reações e comportamentos eivados de Romantismo.
A própria decoração da Vila Balzac constitui o prolongamento das conceções de Ega, que afirma que « o
móvel deve estar em harmonia com a ideia e o sentir do homem que o usa!»; logo a exuberância afetiva e
erótica de Ega reflete-se neste espaço: o leito «enchia, esmagava tudo»; a predominância do encarnado, o
«fundo vermelho», o «felpo escarlate», a «seda da Índia avermelhada», sugerindo também o satanismo
manifestado muitas vezes por esta personagem. Por outro lado, o espelho à cabeceira acentua o
temperamento exibicionista e narcisista e contrasta com o «aparato de tabernáculo», vincando novamente
o comportamento contraditório de Ega.

A Toca é o recanto idílico nos Olivais, onde Maria Eduarda e Carlos trocam juras de amor e onde surgem
objetos que apontam para a tragédia que os atingirá através do incesto.
Este espaço surge envolto de exotismo, excentricidade e anormalidade. Esta última destaca-se pelos
seguintes objetos: «o armário da Renascença» com os seus dois faunos, simboliza a atração carnal; «a taça
de faiança» com o seu «renque de negros ciprestes» e o «ídolo japonês».
Este espaço, como o próprio nome indica, é a habitação de alguns animais. À semelhança de alguns animais,
Carlos e Maria Eduarda têm o seu lugar, o seu canto de união. Por outro lado, as cores predominantes são o
amarelo e o dourado, cores que representam a luxúria, as sensações fortes e proibidas (o incesto).

O quarto do Hotel Central e a casa na Rua de S. Francisco são cenários que envolvem Maria Eduarda, daí que
Carlos os observe, assim como os objetos que os constituem, tentando adivinhar a sua personalidade.
No quarto do Hotel Central, quando Carlos visita Rosa destaca uma atmosfera de intimidade e de ligeira
sensualidade: «delicado alvejar de roupa branca, todo um luxo secreto e raro de rendas e baptistes»; «um
sofá onde ficara estendido, com as duas mangas abertas, à maneira de dois braços que se oferecem, o
casaco de veludo lavrado de Génova».
A casa na Rua de S. Francisco, segundo Carlos, projeta o temperamento de Maria Eduarda: «e em tudo
havia a ordem clara que tão bem condizia com o seu puro perfil». Carlos é atraído pela decoração, pois
Maria Eduarda tenta atenuar o desconforto deste espaço com os seus «retoques de conforto e de gosto»: as
cortinas novas, o pequeno contador árabe, um cesto de porcelana duas taças japonesas.

Santa Olávia
É o solar da família dos Maias, situa-se em Resende, na margem do rio Douro. Simboliza a vida e a
regeneração, pois é o local de purificação de Afonso da Maia, opondo-se ao espaço citadino degradado. Por
outro lado, é o espaço onde Carlos é educado por um precetor inglês, recebendo uma educação britânica.

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Microespaços relevantes
Alguns objetos e pormenores da decoração assumem particular importância, pois evocam, indiciam, o
desenrolar da intriga:
- A cena em que Carlos beija a condessa de Gouvarinho junto do «busto em barro do conde» Gouvarinho;
- O quarto em casa de Miss Jones, onde Carlos e a condessa se encontram: «um nicho de Bíblias»; as
paredes «forradas de cartonagens impressas em letras de cor irradiando versículos duros da Bíblia, ásperos
conselhos de moral, gritos de salmos, ameaças insolentes de Inferno…»;
- A ornamentação espampanante de Dâmaso contrasta ironicamente com a falta de moral desta
personagem.

Espaço Psicológico
O espaço psicológico é um espaço subjetivo, porque está relacionada com as vivências íntimas das
personagens. N’Os Maias, este espaço surge, sobretudo, em função da personagem central da obra, Carlos
da Maia, ocupando também João da Ega, um lugar de destaque.

O espaço psicológico aparece na obra através das seguintes situações:


- O sonho de Carlos, após a primeira visão de Maria Eduarda em frente ao Hotel central, evocando-a como
uma deusa;
- A imaginação de Carlos relativamente às formas do corpo de Maria Eduarda, aquando da ida a Sintra;

4. Ao Maias - Tempo
O tempo da história é definido por datas ou pelo decurso e duração dos acontecimentos; corresponde ao
tempo em que decorre a ação.
N’Os Maias conta- se a história da família dos Maias nas suas várias gerações: Caetano, Afonso, Pedro e
Carlos. 1800 1820 a 1822 1830 / 43 / 58 / 70 1875 a 1877 1887

Tempo psicológico
Refere-se ao tempo filtrado pelas vivências subjetivas e n’Os Maias temos acesso ao tempo psicológico
através das personagens, sobretudo de Carlos e de Ega, e nos momentos em que a intriga se aproxima do
desenlace. - A noite em que Pedro da Maia se apercebeu do desaparecimento de Maria Monforte,
comunicando esta situação ao pai;
- Quando Carlos reflete acerca do passado dos pais;
- As horas passadas no consultório, que Carlos considera monótonas e «estúpidas»;
- Quando Carlos recorda o primeiro beijo que a condessa de Gouvarinho lhe dera;
- No último capítulo, em que Carlos e Ega visitam o Ramalhete, contemplando-o e refletindo sobre o
passado e o presente, recordando com emoção e nostalgia o tempo aí passado.

5. Perspetiva Narrativa
O ponto de vista ou perspetiva narrativa corresponde à adoção de uma determinada posição por parte do
narrador para contar a história - n’Os Maias a perspetiva narrativa utiliza:
- a focalização omnisciente em que o narrador se coloca, em relação à história, numa posição de
transcendência, ou seja, dispõe de todas as informações sobre a história, caracterizando exaustivamente as
personagens e os espaços;
- a focalização interna em que o narrador conta a história de acordo com o conhecimento de uma
personagem integrada na história.

N’Os Maias o ponto de vista das personagens predomina, sobretudo através das personagens Carlos e João
da Ega. Sendo Carlos da Maia a personagem central do romance, faculta o seu ponto de vista pessoal,
representando, simultaneamente, o universo sociocultural d’Os Maias e complementando a caracterização
de outras personagens da intriga.

6. Personagens
N’ Os Maias surgem dois tipos de personagens: as personagens de ambiente e as personagens da intriga. As
personagens de ambiente existem em função da crítica social. Movimentam-se em espaços sociais
constituindo, através dos temas e das ideias que revelam em diálogos, os episódios da crónica de costumes.
Estas personagens-tipo são também personagens planas pois apenas existem com o intuito de crítica social,
evidenciando passividade pois não alteram o seu comportamento, nem evoluem psicologicamente. São
personagens sem densidade psicológica, sem vida interior.

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Personagens de ambiente: Dâmaso Salcede Eusebiozinho Tomás de Alencar Craft Cohen Raquel Cohen Conde
Gouvarinho Condessa Gouvarinho Sousa Neto Palma Cavalão Steinbroken Castro Gomes Guimarães Cruges
Vilaça (Pai e Filho) Taveira

As personagens da intriga estão na origem ou contribuem para a concretização do incesto entre Carlos e
Maria Eduarda.
Estas personagens, embora algumas possam potencialmente ser um pouco modeladas, como Carlos da Maia
e João da Ega, revelando alguma densidade psicológica, são personagens planas, dado que são personagens
estáticas, incapazes de surpreender pelas suas atitudes e comportamentos.

7. Realismo e Naturalismo n’ Os Maias


Os Maias é considerado um romance realista-naturalista pois retrata espaços sociais da alta burguesia
portuguesa dos finais do séc. XIX, construindo uma crónica social, cultural e política da sociedade da época.

Trata-se de um romance realista- naturalista pois faz um verdadeiro fresco caricatural da sociedade da
época, sob uma abordagem científica.

A abordagem científica de Os Maias traduz-se na observação objetiva e minuciosa da realidade, ou seja, dos
espaços onde decorre a ação, e na análise das circunstâncias sociais que envolvem as personagens,
condicionando o seu comportamento.

Eça de Queiroz elabora, aparentemente, a história de uma família, mas, constrói, sobretudo, uma crónica
social, cultural e política, através da qual conhecemos o espaço social da época em que a obra foi
produzida, ou seja, da sociedade da alta burguesia portuguesa do século XIX. Por isso, se diz que a obra Os
Maias é um romance realista-naturalista

Os termos Realismo e Naturalismo surgem muitas vezes associados: há quem considere o Naturalismo como
o prolongamento do Realismo e quem diga que o Naturalismo é um Realismo exacerbado.

O Realismo é uma corrente estética e literária que surge como reação ao idealismo e subjetivismo
românticos. Procura a conformação com a realidade e, por isso, as suas características estão ligadas ao
momento histórico em que surgiu, refletindo essa época, ou seja, representando o mundo exterior de forma
fidedigna. O Realismo preocupa-se com a verdade dos factos, com a realidade concreta, vista de forma
objetiva, explicando os comportamentos das personagens, voltada para a análise das condições políticas,
económicas e sociais.

O Naturalismo é uma conceção filosófica que considera a realidade como a única realidade existente,
aceitando apenas o que pode ser explicado através das ciências naturais. Analisa o comportamento das
personagens tendo em conta as circunstâncias sociais que as condicionam, ou seja, a obra naturalista
procura explicar as personagens através da análise aos antecedentes familiares, aos problemas e/ou
doenças hereditárias, à sua educação e à sua posição económica, tendo em conta o meio social em que se
inserem.

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