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2008 JORGE MACIEL A InCorporAccao Precoce Dum Jogar de Qualidade Como Necessidade Fenomeno Ecoantroposocialtotal PDF
2008 JORGE MACIEL A InCorporAccao Precoce Dum Jogar de Qualidade Como Necessidade Fenomeno Ecoantroposocialtotal PDF
Porto, 2008
A (In)(Corpo)r(Acção) Precoce dum jogar de
Qualidade como Necessidade
(ECO)ANTROPOSOCIALTOTAL
Futebol um Fenómeno AntropoSocialTotal, que «primeiro se estranha
e depois se entranha» e … logo, logo, ganha-se!
Porto, 2008
Maciel, J. (2008). A(In)(Corpo)r(Acção) Precoce dum jogar de Qualidade como
Necessidade (ECO)ANTROPOSOCIALTOTAL - Futebol um Fenómeno
AntropoSocialTotal, que «primeiro se estranha e depois se entranha» e … logo,
logo, ganha-se! Porto: J. Maciel. Dissertação de Licenciatura apresentada à
Faculdade de Desporto da Universidade do Porto.
II
Dedicatória
III
“A principal esperança das nações reside na educação da sua juventude.”
(Erasmo, cit. por Goleman, 2003, pp. 283)
“Porém, será que temos ideias claras quanto ao lugar da ciência na totalidade
da vida humana – o que deverá exactamente fazer e por que fins se deve
pautar? Este último aspecto é crucial, pois, a menos que a ciência seja
orientada por uma motivação consciente ética, em especial pela compaixão, os
seus efeitos podem não ser benéficos. Na realidade, podem provocar grandes
danos.” (Dalai-Lama, 2006, pp. 17)
“Quando lhe contaram que tinha sido publicado um livro intitulado Cem Autores
contra Einstein, exclamou: «Porquê cem? Se estivesse errado, bastaria um.»”
(Hawking, 2002, pp. 26, referindo-se a Albert Einstein)
Agradecimentos
Fazendo minhas as palavras de J. Bento (2004, pp. 27) “sei que a memória
dos homens raramente vai além da missa do sétimo dia. A memória e a
gratidão. E não obstantes as duas qualidades são elevadas à categoria de
virtudes no contexto da cultura ocidental. A tal ponto que a falta de gratidão é, a
par da traição, porventura o maior dos pecados mortais.
Ora é precisamente para me pôr a salvo da tentação de incorrer em tal
infâmia que me apresso a agradecer” a todos aqueles que colaboraram e
contribuíram para a feitura desta Ecodissertação, que como tal, também lhes
pertence. Assim agradeço:
A realização e orientação desta Monografia, àquele que não aceita que haja
alguém mais “maluco” por Futebol do que ele, “um cérebro científico como é o
do professor Vítor Frade”, como um dia referiu José Mourinho (in Record Dez
de 25 de Fevereiro de 2006).
É para mim, um enorme orgulho poder ter sido orientado por alguém que é,
um dos mais conceituados pensadores do Jogo e do treino a nível
internacional, como se pode ler no jornal “A Bola” do dia 10 de Novembro de
2007, no qual é igualmente reconhecido por Carlos Queiroz, como o símbolo
máximo da qualidade do trabalho desenvolvido na Faculdade de Desporto da
Universidade do Porto, que “só não é suficientemente e devidamente
reconhecida em Portugal.”
Professor, as ideias são suas, limitei-me a colocá-las no papel imbuído pelo
contágio apaixonante com que fala de Futebol e com que acompanhou a
“feitura” deste documento. OBRIGADO!!! E OBRIGADO por me ter tirado, ou
levado a tirar muitas das palas que me estorvavam a compreensão do Jogo.
Motivo pelo qual me revejo, na história de Tamarit (2007) que vindo de
Espanha para a nossa Faculdade, reconheceu a existência de duas correntes
de entendimento do Jogo e do treino, uma semelhante à que se verifica em
todo o lado, e outra “opuesta a la existente en las Metodologias de
Entrenamiento impartidas en todas las Faculdades” da qual me tornei um
V
aficionado esclarecido, “poco a poco fui creyendo en sus ideas, hasta
convertirme en un fiel seguidor a sus teorias.” (Tamarit, 2007, pp. 20/21). Estes
anos têm sido fascinantes.
À minha FAMÍLIA, de modo especial aos meus PAIS. Não sei se os genes
que herdei são bons ou maus, também não sei se sou “Talento” ou não, sei
apenas que sou fruto de um processo de construção e de exponenciação que
fez de mim o que com orgulho sou, e no qual o “nicho ecológico” que me
proporcionaram foi determinante. Por tudo o que temos vivenciado juntos, e
pelo processo de Especificidade Precoce de preparação para Vida que me
proporcionaram, MUITO OBRIGADO. Vocês sabem.
VI
Índices
Índice Geral
DEDICATÓRIA III
AGRADECIMENTOS V
RESUMO XV
ABSTRACT XVII
RÉSUMÉ XIX
3.4 – «Mostra-me como jogas dir-te-ei quem és», Futebol e as suas Idiossincrasias: 59
VII
Índices
4.3 - Futebol «uma dimensão das duas faces que a moeda (da Vida) tem»: 107
VIII
Índices
4.7.1.4 – A necessidade de Dissipação, um “Doping” numa Cultura que desde muito cedo
deve ser de Risco. 168
IX
Índices
6.4 – Quanto mais e mais cedo melhor, desde que seja Futebol?! 267
6.5 – Especificidade Precoce e a Qualidade dos Ingredientes que podem Nutrir o Útero
Artificial: 285
6.5.2 – Jogo(S) Reduzir Sem Empobrecer, para Enriquecer o Talento e o Prazer: 295
7.4.1- A importância dos Hábitos num Futebol que tem de ser como o Inferno, «cheio de
boas intenções»! 404
X
Índices
10 – ANEXOS I
Anexo 1: Entrevista a Manuel Sobrinho Simões I
XI
Índices
Índice de Figuras
XII
Índices
Índice de Quadros
XIII
RESUMO
RESUMO
O Futebol é um fenómeno Humano único a nível mundial. Por este motivo
influencia e é influenciado pelas diversas sociedades. Por conseguinte exerce
desde idades muito precoces, um fascínio especial sobre os indivíduos,
tornando pertinente a racionalização dos processos de Formação. Estes, se
devidamente racionalizados, permitem que a prática precoce se revele
favorável ao desenvolvimento de Talentos, que no Futebol, têm de revelar uma
adaptabilidade especial, mas, cuja expressão qualitativa, é tanto mais possível,
quanto mais precocemente se iniciar a prática de qualidade do Futebol. O
presente estudo, articula informação proveniente de diferentes domínios, os
quais nos permitiram responder aos seguintes objectivos: (1) evidenciar que o
Futebol é um Fenómeno Social Total; (2) realçar a pertinência do conceito
AntropoSocialTotal; (3) apresentar o Futebol como um fenómeno complexo; (4)
evidenciar que o Futebol é aparentemente ContraNatura; (5) evidenciar como
determinantes as práticas de infância dos Talentos; (6) sustentar essas
práticas; (7) evidenciar que a racionalização do processo de Formação, torna
exequível o Trinómio Mais Futebol, Mais Criança, Mais Educação; (8)
evidenciar, que a prática precoce de qualidade é determinante; (9) inferir
acerca dos efeitos da prática precoce sobre o Corpo; (10) sustentar a
importância da prática precoce na alteração da funcionalidade Corporal; (11)
explicitar que a Inteligência de Jogo, é uma Inteligência Corpórea adquirida por
InCorporAcção; (12) evidenciar a importância da Aculturação ao fenómeno
fazendo-se com base em referenciais de qualidade; (13) evidenciar a
necessidade de uma lógica congruente, conceptual e metodologicamente,
entre a realidade do Futebol de Formação e do Futebol dos adultos.
Destacamos em termos de conclusões, que o parto de Jogadores e de
Talentos (realidade Ecogenética), pode encontrar-se facilitado se nos
processos de Formação tiverem subjacente uma Concepção Metodológica
(Periodização Táctica/Periodização à La Long) e uma Cultura de Jogo (Modelo
de Jogo) comum e congruente com a realidade sénior, respeitando
coerentemente o Trinómio Modelo de Jogo, Modelo de Jogador, Modelo de
Treino, desenvolvendo a Inteligência de Jogo, através da sua InCorporAcção.
Palavras-Chave: CORPO; FENÓMENO ANTROPOSOCIALTOTAL;
INCORPORACÇÃO; PERIODIZAÇÃO à LA LONG; PRECOCIDADE.
XV
ABSTRACT
ABSTRACT
In a world standard, Soccer is a unique Human phenomenon. By this reason,
it persuades and is persuaded by divers societies. Consequently, it exerts since
young ages, a special enchantment over individuals, rendering suitable the
rationalization of the Forming process. These, if properly rationalized, permit
that precocious practice will be favorable for the development of Talents, that in
Soccer, have to reveal exceptional adaptability, but whose qualitative
expression, is much more possible according to the sooner or more
precociously the individual initiates soccer practice. The present study,
articulates information coming from divers sphere’s, that permits us to answer
the following matters: (1) to clearly show that soccer is a Total Social
Phenomenon; (2) to emphasize the relevancy of the “TotalAnthropoSocial”
concept; (3) present Soccer as a complex phenomenon; (4) highlight that
soccer is totally counter-natural; (5) to clearly show as determinant the
precocious practice of Talents; (6) to sustain those practices; (7) to obviously
show that the rationalization of the Forming process, makes executable the
Trinomial More Soccer, Better Child, Better Education; (8) clearly show that
premature quality practice is determinant; (9) to infer about the effects on Body
of precocious practice; (10) sustain the importance of premature practice in the
modification of Corporal Functionality; (11) clarify that the Intelligence of Game,
is a Corporal Intelligence acquired by “InCorpusAction”; (12) highlight the
importance of Culture on this phenomenon basing itself on quality references;
(13) showing the need of a consistent logic, conceptual and methodologically,
between the reality of Soccer Forming and of Adult Soccer. As conclusive we
affirm, that birth of Players and of Talents (“Ecogenetic” reality), can be easier if
in the process of Forming they have as underlying Methodological Conception
(Tactical Spacing/ À La Long Spacing) and a Game Culture (Game Model)
common and consistent with Senior reality, coherently respecting the Trinomial
Game Model, Player Model, Training Model, developing the intelligence of
game through its InCorpusAction.
Key-Words: BODY; TOTALANTHROPOSOCIAL PHENOMENON;
INCORPUSACTION, À LA LONG SPACING; PRECOCIOUS.
XVII
RÉSUMÉ
RÉSUMÉ
Le Football c’est un phénomène humaine unique a niveau mondiale. Par ce
motif, il influence et est influencié pour les divers societés. Par conséquent il
exerce dés jeune âge, une fascination spécial sur les individus, ce qui en fait la
rationalisation des procédures de Formation. Ceux-ci sont correctement
rationalisés, permets les débuts sera propice au devéloppement de Talents,
que dans le Football, doit montrer une capacité d’adaptation spécial, mais, dont
le terme qualititif, est d’autant plus possible, plus tôt car il commence la pratique
de qualité de Football. Cette étude, articule informations de différents
domaines, que nous permettent de répondre aux objectifs suivantes : (1)
montrer que le football est un phénomène social total ; (2) mettre en évidence la
pertinence du concept « AnthropoSocialTotal » ; (3) présenter le Football
comme un phénomène complexe ; (4) rendre évident que le Football est
apparemment contre nature ; (5) montrer comme les pratiques de l’enfance
sont déteminants de Talents ; (6) soutenir ces pratiques ; (7) montrer que la
racionalisation des process de formation, rend possible le triangle Plus de
Football, Plus d’Enfant, Plus d’Éducation ; (8) se mettre en avant, que la
pratique prématuré de la qualité est essential ; (9) deduire sur les effets de la
pratique precoce sur le corps ; (10) soutenir l’importance de la pratique precoce
sur l’altération de la fonctionnalité corporel ; (11) préciser que l’intelligence de
jeu, c’est une Intelligence Corporel acquisé par InCorporAction ; (12) mettre en
évidence l’importance de l’Acculturation au phénomène et faire sur la base de
critères de qualité; (13) se mettre en évidence la nécessité d’une logique
cohérent, conceptuel et méthodologiquement, entre la realité de Formation de
Football et de Football pour les Adultes. Mis en évidence en termes
d’achèvement, que la naissance de joueurs ou de Talents (realité
Ecogénétique), sera plus facilité si dans les process de formation se trouver
sous-jacent une Conception Méthodologique (Périodisation Tactique/
Périodisation À La Long) et une Culture de Jeu (Modèle de Jeu) commun et
cohérant avec la réalité sénior, toujours en respectant le Triangle Modèle de
Jeu, Modèle de Joueur, Modèle d’Entraînement, a développé l’Intelligence de
Jeu, par l’intermédiaire de sa InCorporAction.
Mot-Clé : CORP ; PHÉNOMÈNE ANTHROPOSOCIALTOTAL ;
INCORPORACTION, PÉRIODISATION À LA LONG ; PRÉCOCITÉ.
XIX
Introdução
1
Introdução
2
Introdução
3
Introdução
4
Introdução
5
Introdução
6
Introdução
7
Introdução
8
Introdução
9
Abordagem Etnometodológica um Imperativo para o decifrar de um Fenómeno AntropoSocialTotal
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Abordagem Etnometodológica um Imperativo para o decifrar de um Fenómeno AntropoSocialTotal
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Abordagem Etnometodológica um Imperativo para o decifrar de um Fenómeno AntropoSocialTotal
notar ainda, que tem ao longo da sua vida profissional vindo a dedicar-se ao
processo de EnsinoAprendizagem de uma modalidade colectiva, o Andebol,
tanto na realidade escolar como nos clubes, tendo contactado com alguns dos
maiores Talentos femininos desta modalidade.
Paulo Cunha e Silva: pelas diversas valências científicas que revela,
Mestre em Medicina Desportiva, Doutorado em Ciências do Desporto,
Professor da Faculdade de Deporto da Universidade do Porto, tem centrado a
sua investigação na problemática do Corpo, personificando assim o carácter
multidisciplinar que procuramos conferir ao presente estudo, sendo deste modo
um elemento fundamental, numa dissertação que se preza de ser
multidisciplinar. Sendo ainda os seus relatos pertinentes, por ser um Cientista
que revela uma familiarização inequívoca com as problemáticas mais em voga
da Ciência, e uma posição e um tipo de conhecimento rejuvenescido não
desfasado com a realidade contemporânea, o que lhe permite ter uma visão
sistémica e complexa da realidade. Importa também salientar, que o seu
contributo se justifica ainda pela abordagem em torno da problemática do
Corpo, como foi referido, uma temática basilar nesta dissertação.
Marisa Gomes: Licenciada em Ciências do Desporto pela Faculdade de
Desporto da Universidade do Porto, foi durante quatro épocas coordenadora da
Escola do Dragão do Futebol Clube do Porto, encontrando-se actualmente a
desempenhar o cargo de treinadora no escalão de sub-13 do Futebol Clube do
Porto, pode considerar-se, do conjunto dos nossos entrevistados, a “Cientista
do Terreno” que procura, fundamentar a sua praxis num corpus de
conhecimentos teóricos, em constante actualização e evolução, motivo pelo
qual se encontra a frequentar uma (mais) Licenciatura em Neurofisiologia, o
que por si só poderia justificar a pertinência dos seus relatos. Mas além destes
motivos, o seu contributo justifica-se, não somente pela temática abordada na
sua Tese de Monografia, recentemente convertida em livro; “O
desenvolvimento do jogar segundo a Periodização Táctica”, como também, por
se encontrar actualmente envolvida num processo de Formação, que sabemos
ser balizado por muito do que sugerimos no presente estudo, e por lidar com
escalões etários mais baixos, tornando deste modo o seu contributo muitíssimo
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Epifenómeno: fenómeno secundário e acessório que acompanha outro reputado primário e
acidental (DiciopédiaX, 2006).
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“ «Você só pensa em futebol. Vai ver que já nem se lembra do dia do nosso casamento», diz a
esposa.
- «Claro que me lembro, meu amor. Véspera de um Santos – Corinthians. Jogaço, ganhou o
Santos, 4-1», responde o marido apaixonado”.
(Betty Mary in “O país e a bola”, s.d. cit. por Lobo, 2007, pp. 90).
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Jogo: ao longo desta dissertação a palavra Jogo, encontra-se por vezes escrita com a
primeira letra em maiúsculas, quando tal se verifica, reportamos-nos à dimensão macro, isto é,
ao Jogo todo o qual é composto por diferentes jogares. Quando nos reportamos ao jogo
praticado por uma determinada equipa, esta palavra será redigida em minúsculas. Sendo
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contudo pertinente ter em consideração, que “no Jogo global quem interfere é o jogo de letra
pequena.” (V. Frade, 2006). Ou seja, não são realidades desconexas, que como tal se
influenciam mutuamente.
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Pinheiro, 2004). Não admira por isso, que em Portugal, haja três jornais diários
desportivos, cujo conteúdo é quase na sua totalidade dedicado ao Futebol,
tendo volumes de vendas muito significativos, e também que os telejornais
dediquem, parte considerável do tempo atribuído, ao Futebol (A. d. S. Costa,
2004). Por tudo isto, percebe-se que não são despropositadas as palavras de
D. S. e. Sousa (1983, pp. 132), ao afirmar que, “o país bebe mais futebol do
que leite”.
Depreende-se deste modo, “que o futebol português é um dos símbolos mais
expressivos de identificação nacional é uma certeza que todos podemos ter,
nomeadamente viajando um pouco através de outros países.” (A. d. S. Costa,
2004, pp. 60).
Podemos concluir, que o Futebol é inequivocamente um acontecimento, ou
conjunto de acontecimentos, muito peculiares cuja dimensão enquanto
fenómeno, se revela enorme. Importa a este respeito salientar, que é o
acontecimento, plano mais micro que confere dimensão, e que consubstancia o
fenómeno, plano mais macro, que resulta, do conjunto de acontecimentos
decorrentes em torno de uma realidade.
“Acontecimento, até no sentido epistemológico do termo, é qualquer coisa
que aparece, e que se manifesta e se evidencia e subitamente nos convoca
para a sua diferença (…) consegue rasgar a pele da realidade e impor-se, a
partir da sua diferença e da sua capacidade de provocar perplexidade em
quem o observa.” (Paulo Cunha e Silva, Anexo 4). Depreendendo-se deste
modo, e face ao que foi exposto, que inequivocamente o Futebol é um
acontecimento, ou melhor dizendo um conjunto de acontecimentos, que
marcam as sociedades.
Assim, consideramos suficientemente evidente o impacto que o Futebol
exerce sobre a generalidade das sociedades mundiais, e de forma especial
sobre a nossa sociedade, o que nos leva a considerá-lo, como muito
provavelmente, o Fenómeno Social Mais Total de todos, e que por esse motivo,
exerce um fascínio especial, sobre as Crianças e jovens, o que deverá implicar,
da parte de quem lhes dá a conhecer o fenómeno, uma conveniente qualidade
de intervenção, e a necessidade de lhes propiciar contextos igualmente
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“Na história do mundo os governos de direita sempre exploraram mais as proezas desportivas
do que os poderes de esquerda, descontando aqui, por revestir outros contornos, a questão dos
países de Leste.”
(Lobo, 2002, pp. 219).
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tem feito do Futebol, ainda não é suficiente. Tal, para se efectuar de forma
devidamente sustentada, só é possível em nosso entendimento, tendo por
base uma perspectiva temporal mais alargada, e não imediatista. E em
segundo lugar, porque apesar das Democracias se terem generalizado, há
nelas ainda vestígios de antepassados mais opressivos, o que coíbe os
especialistas, de escreverem sobre o assunto. Não obstante este facto há
quem o faça, e quanto a nós de forma bastante pertinente. Alegre (2006, pp.
16) conclui que da mesma forma que a Política se tem servido do Futebol,
também os dirigentes desportivos se têm servido da Política, acrescentando
que tal “não é bom para o futebol nem para a política, muito menos para a
democracia”. Acrescentando que como é sabido, as ditaduras utilizaram o
Futebol, mas não foram somente estes regimes que se serviram do Futebol,
sugerindo por isso, que é tempo, para reflectir sobre a promiscuidade que se
tem verificado em Democracia, na relação existente entre Política e Futebol.
“Em que o futebol se parece com Deus? Na devoção que desperta em muitos crentes e na
desconfiança que desperta em muitos intelectuais.”
(Galeano, 2005, pp. 36).
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“O futebol está melhor publicitado que nunca: é moda, um fenómeno social, um produto do
consumo de primeira necessidade, mas até ao momento está melhor vendido que jogado.”
(J. Valdano, 1998, pp. 21).
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“… diz-se que houve, de facto, um cessar-fogo de quarenta e oito horas, observado apenas para
nós, e os meus companheiros lembram-se de terem visto bandeiras brancas e cartazes dizendo
que haveria paz só para verem Pelé a jogar.”
(Pelé, 2006c, pp. 152).
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“No final achei difícil manter uma atitude demasiado hostil face à globalização. Com os seus
inúmeros defeitos, levou o futebol aos cantos mais remotos do mundo e à minha vida.”
(Foer, 2006, pp.13).
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“A mulher não podia ficar indiferente ao gosto, tendência e moda do seu envolvimento. E é
assim que a mulher entra no mundo fascinante do futebol organizado e institucionalizado.”
(Morais, 1993, pp. 185).
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“Enquanto prática social, o futebol tem uma história, inclusivamente, uma geografia. Daí, não se
tome por único o que é plural, e por plural o que é único. O futebol pré-existe à ideia que dele se
tem. O problema está em saber, se as ideias que dele se tem, se lhe ajustam.”
(V. M. d. C. Frade, 1990, pp. 3).
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que apesar do esbater das fronteiras, ainda é o peso histórico de cada nação
que continua a moldar os estilos das várias “nações futebolísticas”. Em
consonância encontra-se Foer (2006) o qual sugere que a história de alguns
países pode ser contada, através da história dos respectivos “futebois”. Por
estes motivos, o Futebol assume-se como um ícone, identitário dos vários
países e povos, razão pela qual Cruyff (2002) salienta, que a responsabilidade
dos Jogadores é grande, uma vez que representam um conjunto de adeptos e
as “cores” dos seus clubes e selecções. Assim, “para além das opções tácticas,
sobre cada estilo de jogo predomina sempre uma noção básica de entender o
futebol (e para nós também a Vida, num sentido lato): para os latinos, a
técnica, para os sul – americanos, os valores individuais, para os alemães a
força e, para os ingleses, o sentido colectivo do jogo.” (Lobo, 2002, pp. 131).
Na verdade, a epopeia do Futebol pelo Mundo tornou-o, num “viajante
incansável”, que levou a bola a percorrer todos os continentes, sendo que,
“cada país a recebeu, acariciou e tocou de forma diferente (…) Nele (Futebol)
se espelham os traços dos países, climas e atmosferas, o sentir e o pulsar dos
seus povos e a história que os moldou. Podemos tentar entender o fascínio do
futebol através de várias formas. A mais sublime e romântica é a lendária,
numa simbiose de desporto e cultura, que são indispensáveis para admirar e
observar na sua dimensão plena” (Lobo, 2002, pp. 10).
A relação entre Desporto e Cultura, não é algo recente. Segundo Caillois
(1967), o ludismo um aspecto configurador do Desporto apresenta, uma
génese contemporânea ao fenómeno desportivo, sendo que ambos
estabeleceram ao longo da história, uma evolução paralela. Huizinga (1977) vai
mais longe, considerando que o “jogo” pode ser considerado o berço da
Cultura. Ideia partilhada por A. d. S. Costa (2004, pp. 59) que, especificando
para o domínio do Futebol salienta que este é, além de um fenómeno
eminentemente cultural, um poderoso meio de expansão cultural. Este autor
acrescenta inclusive que, “podemos efectivamente conhecer o temperamento e
talvez mesmo a cultura de um povo, analisando a maneira como os seus
jogadores se comportam no terreno de jogo. Os Portugueses, por exemplo, não
jogam como os Alemães, os Brasileiros não jogam como os Europeus, etc. Os
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jogadores são, no terreno, uma imagem do seu povo”. Desta citação, pode
depreender-se, que o Futebol, como evidenciaremos com mais pormenor mais
adiante, apresenta múltiplas formas de se expressar, o que em nosso
entendimento, se consubstancia, numa maior riqueza para este Fenómeno,
que assim se revela plural. Na mesma linha de pensamento, com o autor
anterior, encontra-se Lobo (2002, pp. 22), que defende, que, “cada estilo de
futebol é produto das idiossincrasias em que cresceu e viveu. Técnico ou em
força, lento ou em velocidade, o futebol é diferente em todo o mundo. Nenhum
país ou continente joga da mesma maneira.” Um Fenómeno plural, portanto.
Acrescentando ainda que, “olhando cada selecção a jogar, viajamos através
dos vários estilos que habitam o planeta do futebol e nele detectamos as suas
atmosferas e a história que os gerou.”
Para Valdano (2002) o Futebol, por responder a uma determinada maneira de
ser e por implicar que os Jogadores actuem como a sociedade exige, pode
considerar-se como sendo Cultura, acabando por se parecer com o sítio onde
se cresce, sem ainda escapar à época em que se joga. Corroborando deste
modo, a ideia por nós já apresentada, de que o Futebol é um fenómeno situado
no espaço e no tempo. Deste modo, o Futebol espelha a mestria, o génio, os
valores a história e a atitude face à Vida, ou seja, é um reflexo da expressão
cultural de um povo (Lobo, 2002), funcionando assim como um Jogo de
espelhos entre Vida e Futebol, detectável em todos os continentes (Lobo,
2007), reflectindo, enquanto fenómeno situado, os locais e as personalidades
das suas pessoas.
Todos estes factos, apesar de relevarem o impacto social do fenómeno,
apresentam por conseguinte algumas implicações que importa não ignorar, e
que se revelam de especial pertinência para os processos de Formação, os
quais deverão atender às idiossincrasias dos lugares em que o Futebol é,
jogado. Os Talentos assumem-se, como uma expressão muito peculiar, do
local onde se desenvolveram, e foram sendo construídos. Sendo
especialmente importante realçar a este respeito, a necessidade dos processos
de Formação, contemplarem os traços identitários de cada local, e não
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As referências à autora M. Silva (2008), reportam-se a considerações que se podem
encontrar no livro, "O desenvolvimento do jogar, segundo a Periodização Táctica”, da autoria
da nossa entrevistada Marisa Gomes, citada ao longo desta dissertação do seguinte modo:
Marisa Gomes (Anexo 5).
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coco. A paixão está assegurada”. (Valdano, 2002, pp. 15). Depreende-se deste
modo, que o Futebol brasileiro, mais do que espelhar as idiossincrasias deste
país, assume-se ele mesmo, como parte integrante das idiossincrasias daquele
país.
A Itália, quando comparada com o Brasil representa uma forma de estar e de
entender o Futebol completamente antagónica. No Futebol italiano, o
conservadorismo foi sendo uma tónica dominante, assim como, a exacerbação
de Concepções de Jogo de predominância defensiva, em detrimento da
criatividade, que caracteriza o Futebol brasileiro. Não obstante, os juízos de
valor que se possam efectuar, em relação aos diferentes tipos de Futebol,
entendemos ser de enaltecer o facto, da Itália ter permanecido fiel às suas
origens (Lobo, 2002). Uma fidelidade, em muito sustentada pelo facto de
grande parte dos êxitos do Futebol italiano, desde os anos 30, era de Vitorio
Pozzo, terem sido alcançados, com este tipo de abordagem, que se reflectiu de
forma muito profunda na Concepção cultural que o Futebol adoptou naquele
país. As repercussões, que tal assume na Aculturação futebolística observada
nos jovens em Itália, leva a que este seja “o único país do Mundo em que os
miúdos, desde as peladas de rua, querem ser defesas em vez de avançados
(…) nesta preferência, emergente quase desde o primeiro pontapé no couro,
está escondida a raiz da classe que, ao longo dos tempos, os defesas italianos
sempre demonstraram ter com a bola nos pés, em contraste com os de outras
regiões ou nações futebolísticas (…) Pátria onde nasceu o libero, génese das
grandes tácticas defensivas e contra-ataque, a Itália, por natureza e cultura,
impôs aos seus futebolista a obrigação estilística de saber tratar a bola” (F.
Lobo, 2002). Ficando deste modo evidente, o quanto a construção de Talentos
se relaciona, com o contexto em que se insere, e também o modo como tal
afecta a expressão dos “futebois”, que caracterizam cada país.
As equipas italianas, continuam a revelar-se «traiçoeiras», sendo por isso
mesmo, geralmente apelidadas de “equipas cínicas”.
Pelo que pudemos verificar, “a Itália permaneceu sempre fiel às suas raízes
(…) O mundo italiano é hoje o mesmo que há meio século. O perfil dos seus
jogadores é o mesmo (…) É, ao fim e ao cabo, a expressão da sua mais
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genuína escola e ninguém pode condenar um país por permanecer fiel às suas
raízes estilísticas” (Lobo 2002, pp. 190). Algo que é igualmente defendido por
um Jogador que quanto a nós, pode personificar com bastante rigor, a
influência que este contexto exerceu e exerce, na expressão futebolística dos
Talentos daquele país, Fábio Cannavaro (s/d, cit. por Oliveira, B. 2002, pp. 27),
que refere, “toda a gente critica Trapattoni, afirmando que a Itália joga um
futebol feio (…) mas, quando é que alguma vez a selecção italiana jogou um
futebol bonito?!”
A Alemanha é outro país, que tanto a nível de concepção como a nível
estético, pelo que pudemos observar, se aproxima pelo pragmatismo e frieza
que caracterizam o seu Futebol, daquele que se pratica em Itália. Para uma
melhor compreensão dos traços caracterizadores do Futebol alemão importa
desde já evidenciar, alguns dos aspectos que tornam tão peculiares os
cidadãos alemães. De acordo com Lottar Matthaus (s/d, cit. por Lobo, 2002, pp.
152), “um alemão jamais se desconcentra. Ele nunca é batido. É uma questão
de mentalidade, de orgulho e vontade. Diante da adversidade e das
circunstâncias difíceis, ele supera-se. É essa a sua grande força!”. Uma
qualidade, que como evidenciaremos mais adiante se revela determinante, na
construção de Talentos, e que a julgar, pelo que sucede com o povo alemão é,
um traço de personalidade, fomentado também, pelo contexto envolvente. A
este respeito, parece-nos pertinente relembrar aquilo que já aludimos
anteriormente aquando da reflexão sobre as relações entre o regime nazi e o
Futebol da época. O que pretendemos sugerir é, que o clima de ameaça e
suspeição que marcou essa época, poderá ter sido determinante, para a
construção e manifestação de uma mentalidade muito própria, que se espelha
no Futebol praticado pelo povo alemão. Um “estilo burocrático que lhes é tão
comum. Sempre igual: quando alguém se começa a aborrecer, é golo da
Alemanha.” (J. Valdano, 1998, pp. 21). Ou seja, pragmático, à semelhança de
Adolf Hitler na aplicação dos seus ideais xenófobos. O ex. Guarda-Redes Maier
(2007) salienta que, como Jogadores de Futebol, os alemães não revelam
tanto Talento como outros países, “mas no que respeita à moral e à atitude
estamos à frente dos outros todos”. Facto evidenciado por Cruyff (2002, pp.
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função da mesma coisa ao mesmo tempo (B. Oliveira, et. al., 2006; Valdano,
2002).
A Holanda é culturalmente um país diferente, tendo mesmo se demarcado
dos restantes países. Damásio, (2004) refere, que desde o princípio do século
XVII, a Holanda se afigura como uma “terra prometida”, distanciando-se deste
modo, dos restantes países europeus, pela sua estrutura política e social
marcada por uma relativa tolerância, da qual resultou, uma boa parte daquilo
que hoje se reconhece como justiça e capitalismo modernos, no fundo “obras
dos holandeses desta época.” Destas palavras, depreende-se que os
holandeses sempre tiveram uma mentalidade avançada para as épocas em
que se encontravam, característica que ainda hoje preservam, e que os levam
sem qualquer relutância a afirmarem “que se Deus inventou o Mundo, foram os
holandeses que inventaram a Holanda”.
A Cultura holandesa, revela como traços caracterizadores, o culto da
diferença, e da tolerância, motivo pelo qual a consideramos, no Mundo actual,
um referencial social a seguir, tratando-se assim de uma sociedade, que num
contexto de intolerância crescente se assume como uma elite, sem contudo
serem elitistas. Aspectos que permitiram ao Futebol deste país, retirar
dividendos relevantes. Tendo mesmo possibilitado que nos anos 80, o Futebol
holandês fosse revigorado, sofrendo algumas metamorfoses na sua identidade,
em muito devido à inclusão de Jogadores provenientes do Suriname, os quais
acrescentaram ao Futebol holandês algo de diferente. Como realça Lobo
(2002, pp. 149), “ao mesmo tempo que em finais dos anos 70 a era mágica do
futebol holandês chegava ao fim, um pequeno país nas margens da América
do Sul tornava-se independente: o Suriname.
Com o fim do ciclo dos holandeses voadores, o futebol holandês perdeu, por
momentos, o encanto da geração Cruyff” acrescentando contudo que em 1988
se observou, o “renascimento da Laranja Mecânica” advertindo no entanto,
para o facto desta ser porém, uma selecção diferente, de “tez negra”, e com
“ritmo tropical”, sendo liderada por Jogadores mestiços como Gullit ou Riijkard,
transportando desse modo para o campo, a Cultura reagge, do Suriname. Algo
que é, ainda nos dias de hoje facilmente verificável, através da observação das
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emoção como até então, mas também, pela qualidade de jogo que nela se
pratica, e pelos êxitos a nível internacional das suas equipas.
Na Argentina, à semelhança do que referimos para outros países, o contexto
social que envolve o Futebol, exerce desde idades muito precoces, forte
influência sobre a construção de Talentos naquele país. “No meu povo não há
um único cesto de basquetebol. Nem falar de pista de atletismo. Só o ténis
ganhou um lugar desde que Guillermo Vilas passou as ganas de jogar a todo o
país, incluindo gordos e descoordenados. Jogar futebol é obrigação porque é
uma paixão comum, é barato e não há outra coisa”. (J. Valdano, 1998, pp. 95).
Lobo (2002, pp. 165) complementa, referindo em relação ao envolvimento em
que se desenvolvem os jovens Jogadores argentinos, o seguinte; “carregando
quase todos um melancólico semblante, onde o tango parece alma, os
passionais bairros porteños adoptaram o futebol como uma expressão da sua
personalidade.”
Pode deste modo concluir-se, que “o futebol é uma expressão de arte
popular. Reflecte as idiossincrasias de cada povo, e a sua morfologia acima de
tudo. Todos os países, nenhum foge disso” (Lobo, 2002 pp.190). O Futebol
além de exercer o seu impacto sobre as sociedades, é igualmente influenciado
por esta, motivo pelo qual cada país, ou nalguns casos como salientamos cada
região, enceta um processo de Aculturação ao Jogo muito próprio, capaz de
transmitir e de perpetuar identidades de jogo muito peculiares, que nada mais
são, que um reflexo dos lugares em que decorre esse processo. Entendemos
que para uma maior qualidade de tais processos se torna pertinente, a
identificação dos traços identitários dos jogares de diferentes lugares, para que
de forma criativa, e não redutora, estes possam servir de base orientadora para
a operacionalização dos processos de Formação, que deste modo, poderão
desenvolver Talentos, que apesar de únicos, quando formados em locais
comuns, partilham as idiossincrasias do lugar em que foram construídos.
“Cada país tem a sua cultura muito própria e isso tem influência na formação
desportiva do indivíduo (…) o próprio Futebol é amado de maneiras diferentes
conforme a cultura e a sociedade de cada país.” (B. Oliveira, 2002, pp. 22).
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“Ainda gostamos muito de amar as semelhanças, damo-nos muito bem com aqueles que se
parecem connosco, quando o nosso gosto, também deveria ser por aquilo que é diferente.”
(A. d. Silva, 2002, pp. 109).
“Os grandes homens de séculos passados nunca tinham pressa, e é por esse motivo que o
mundo nunca terá pressa de os esquecer.”
(Dr. Cecil Webb-Johonson, s/d, cit. por Gleick, 2003, pp. 23).
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Intensificadores: são lugares e objectos que representam impaciência (Gleick, 2003).
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de facto, houve uma substituição dos pais pela escola e pelos tempos de
acompanhamento extra-escolar.” (Sobrinho Simões, Anexo 1).
Vivemos num período cultural de aceleração, uma perversidade da pressa
instigada pela sede insaciável de tempo, que se encontra fortemente
fomentada pela sociedade industrial (Gleick, 2003), o qual exerce a sua
influência desde os momentos mais precoces da Vida, e que é um reflexo, da
sociedade industrial, que como vimos tem sobre o Futebol um impacto
tremendo, ajudando deste modo a perceber como este “mal da pressa”, afecta
o Futebol.
P. Varela (2006) salienta, que esta realidade apressada conduz a uma
excessiva ansiedade, algo que caracteriza as sociedades actuais, e se
repercute numa deturpação do sentido da vida e da transcendência. Uma
opinião partilhada também por Goleman (2003), que sugere que a ansiedade
que caracteriza cada vez mais pessoas é, uma ansiedade negativa por ser
geralmente desproporcionada e deslocada. Encontramo-nos culturalmente
condenados à ansiedade, o que leva à adopção por parte da sociedade de
comportamentos psicóticos, o que se revela profundamente drástico para a
forma como os mais jovens se desenvolvem (Capra, 2005). Por este motivo,
Sobrinho Simões (Anexo 1), não tem dúvidas em afirmar, que “se tiver que
identificar um aspecto negativo da evolução da sociedade, no que diz respeito
à organização familiar, parte dele é resultado dessa pressa”, sugerindo ainda,
que tal tem repercussões a nível patológico, que se expressam de formas
muito diversas, podendo mesmo classificar-se tais estados como sendo
verdadeiras doenças, das quais resultam alterações gravíssimas ao nível do
cansaço, défices de atenção, fibromialgias, hiperactividade, entre outras
alterações.
Pode depreender-se assim, o quanto pode ser perniciosa a edificação de
pessoas cuja Formação decorre neste contexto doentio. Podendo antever-se
também o que poderá suceder, se tal se verificar igualmente na Formação de
jovens Talentos. Ou seja, perante tal contexto, o risco do Futebol ficar doente,
“psicótico”, e de por tudo o que já salientamos, não somente ser contagiado
mas também contagiar a sociedade parece-nos ser bastante elevado.
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para a resposta são favoráveis quando a mesma pode ser efectuada sem
pressa, no melhor momento, conferindo ao mesmo tempo ao organismo um
estado pós-resposta satisfatório. A noção de timing, vai de encontro à
necessidade de ausência de pressa, e da necessidade de subtileza, o que
quanto a nós é de extrema relevância. No entanto, o Desporto actual encontra
na “velocidade” uma palavra-chave (P. C. e. Silva, 2007). E de facto
concordamos com tal afirmação, no entanto advertimos para o facto desta
“velocidade”, não somente poder ser perniciosa, se indevidamente entendida,
mas também, e por conseguinte, para a necessidade de conferirmos a este
conceito, um sentido polissémico. Ou seja, julgamos ser mais ajustado referir
por isso mesmo as velocidades, e não a velocidade como a palavra-chave do
Desporto.
J. G. Oliveira (2004) esclarece que para se efectuar determinada acção com
êxito, esta se pode realizar sem movimento ou a grande velocidade,
dependendo do contexto do envolvimento, relativizando deste modo, o
convencional conceito de “velocidade”. Importa também realçar, que é desde
há muito sabido, que existe uma relação inversa entre velocidade ou pressa e a
qualidade dos desempenhos (Fitts, 1954; Woodworth, 1899, cit. por Tani,
2002).
No que se refere ao Futebol, também este se encontra atormentado pela
pressa, podendo mesmo definir-se como um “mundo de impaciência” (J. A.
Santos, 2004), isto apesar de como adverte J. Valdano (1998) a impaciência
não apresentar quaisquer virtudes pedagógicas. Contudo, aquilo que parece
caracterizar o Futebol actual é um aumento desta “impaciência”, em
consonância com o que se verifica na sociedade em geral.
Amieiro (2005) apelida este estado de impaciência de “vertigem da pressa”,
algo que se revela em campo pelo desejo dos Jogadores fazerem tudo de
forma apressada, algo que como sugere, contraria aspectos fundamentais do
Futebol de qualidade, no qual é decisivo, correr e parar, acelerar e travar,
antecipar e esperar. Lobo (2007, pp. 108) adverte que do mesmo modo que se
torna impossível ler apressadamente um bom livro, “é impossível ler um bom
jogo em alta velocidade”, destacando igualmente a necessidade de fazer
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devidamente as pausas que o jogo requisita, para que este possa ser alvo de
uma leitura mais ajustada. A pausa é, o segredo dos grandes Jogadores e
equipas de Futebol (J. Valdano, 1998).
Michael Laudrup (s/d, cit. por Lobo, 2007) prognostica que no futuro, não
haverá lugar no Futebol a Jogadores como ele, pois todos irão “preferir atletas”,
o que evidencia que Jogadores como o ex. internacional dinamarquês, que
conheciam a importância da pausa no jogo não terão mais lugar. “Futebol é um
esporte difícil não é, para qualquer um não (…) no meu tempo o Futebol era
jogado com mais classe, mas muito lento, valia mais a qualidade do Jogador
como um organizador, como um finalizador. Hoje o que vale é, a velocidade. O
Homem tem que ser mais veloz, Futebol tem de ser jogado com mais rapidez,
e o Homem também, ele quase se iguala à velocidade do jogo, entende. O
Homem hoje tem de ser muito veloz para jogar Futebol. Mudou muito”. (Moreira
& Moreira, 2006).
Alguns autores (Lobo, 2007; J. Valdano, 1998) realçam a importância da
ausência de pressa no Futebol, ao evidenciarem que Jogadores “grandes”
como, Rivaldo, Giovanni, Suker, Romário, Kiko, Zidane, Deco, Rui Costa, Kaká
ou Baggio apresentavam em comum, o facto de “nenhum ter pressa”, isto
apesar de por vezes serem catalogados de lentos, uma “ilusão óptica” (Lobo,
2007). “A aparente lentidão é uma mentira do corpo, o disfarce que usam os
que têm a velocidade escondida na inteligência” (J. Valdano, 1998, pp. 141).
Garganta (1999), salienta que o Futebol se caracteriza por um aumento da
velocidade, facto corroborado por Lobo (2007) que destaca que o tempo para
pensar escasseia, motivo pelo qual os Jogadores têm de decidir
apressadamente. A este respeito importa advertir para o que foi referido
anteriormente em relação à correlação inversa existente, entre velocidade e
proficiência. O Futebol actual tende deste modo, a perder proficiência e
qualidade, pelo excesso de pressa que de uma forma geral o caracterizam.
Em Portugal, a pressa encontra nos estádios um espaço privilegiado para se
manifestar, como denunciou Andrade (2003), ao salientar, que a principal
diferença entre o Futebol espanhol e o português reside no facto de em
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típico dos adultos. Gleick (2003), apresenta uma opinião consonante com o
autor anterior, salientando igualmente que o facto das Crianças terem deixado
de ter tempo para brincar, implica igualmente uma redução no desenvolvimento
do espírito criativo e da espontaneidade, traços que como salientaremos mais
adiante neste trabalho enriquecem significativamente o Futebol. Estes factos,
quando manifestados na Formação de Jogadores conduzem à “ vertigem pelo
piloto automático”, ou a um tipo de Formação “sobre carris”, que leva à não
Formação, isto é, à formatação de Jogadores, que deste modo se constroem
sem criatividade, autonomia e com comportamentos altamente estereotipados
(B. Oliveira, et al., 2006). A este respeito, Laig (1978, cit. por Capra, 2005 pp.
370), salienta e indo de encontro ao que foi referido por Sobrinho Simões
(Anexo 1), que tal se tem reflectido num crescente número de Crianças com
problemas psiquiátricos, acrescentando que, estamos a tornarmo-nos mais
eficazes na condução das Crianças à loucura, do que na educação das
mesmas, suspeitando que tal facto, poderá ser devido à forma como as
estamos a educar, e que as tem conduzido à “loucura”. Também Goleman
(2003, pp. 262) salienta que a sociedade cada vez mais sedentária e
acomodada, está a caminhar para a “Era da Depressão”, uma “epidemia” que
como o próprio salienta, se está a apoderar das populações mais jovens. “A
depressão infantil, outrora praticamente desconhecida (ou pelo menos não
reconhecida) está a emergir como uma característica constante da cena
moderna. Panksepp (1998) apresenta a hipótese, do síndrome de
hiperactividade infantil, que é crescente nas nossas sociedades, resultar do
facto dessas Crianças serem privadas de quantidades adequadas de
brincadeiras. O que nos leva a questionar e especular se a “vertigem da
pressa” que caracteriza o Jogo, o poderá tornar “hiperactivo”, e se tal poderá
estar relacionado com um hipotético, reduzido e possivelmente desajustado
tempo, que é proporcionado aos jovens para desfrutarem do Jogo?! “Em
ciência, fazer a pergunta certa é muitas vezes a chave para encontrar a
resposta.” (Hawking, 2002, pp. 142).
Aquilo para o qual queremos alertar é, para os perigos de estarmos a
submeter os jovens a uma Formação “psicótica” e ou “depressiva”, e também
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para as repercussões que tal pode representar, para a qualidade dos Talentos,
e por consequência para a qualidade do futuro do Futebol.
Para Cruyff (2002) o segredo da Formação de jovens Jogadores reside no
facto da maturação destes, se dever fazer lentamente, refutando assim
quaisquer lógica apressada. No entanto, a pressa em descobrir novos Talentos
tem se tornado numa obsessão (Lobo, 2007), facto que conjuntamente com o
sugerido acima, em nosso entendimento, é altamente pernicioso para a
qualidade dos Jogadores, cuja Formação se deve caracterizar por um
processo, que em nosso entendimento, não se coaduna com lógicas
apressadas. Todos estes factos, juntamente com o desejo insano de aprender
de forma rápida (Gleick, 2003), levam J. O. Bento (2004) a realçar
relativamente à Formação de Jogadores, que se trata de uma “transgressão do
processo normal de desenvolvimento de um menino”, o facto de se
submeterem jovens a alterações profundas nas suas vidas, obrigando-os a
entrar apressadamente na vida adulta, e a apagarem prematuramente os
referenciais que os ligam às suas origens, aumentando-se deste modo,
segundo este autor, “a vulnerabilidade do menino”.
Tem se observado na Formação de Jogadores de Futebol, que o desejo de
alcançar objectivos imediatos tem sido enfatizado, repercutindo-se no
interiorizar de erros que posteriormente são dificilmente corrigidos, por não se
conceber este processo como um processo moroso, que não se coaduna com
lógicas apressadas (Pacheco, 2001). Por estes motivos, sugerimos que o
processo de construção de Talentos deve ser perspectivado a longo prazo, isto
é, respeitando uma lógica de Periodização à La Long.
Outro facto que caracteriza a sociedade apressada e consumista em que nos
encontramos é, a lógica de “comprar pronto” (Gleick, J., 2003), algo que quanto
a nós, tem reflexos muito evidentes no modo como é actualmente concebida a
Formação de Jogadores, e no descrédito que se lhe encontra por vezes
associado. A lógica do comprar pronto tem também caracterizado as políticas
de contratações dos clubes de Futebol, especialmente em Portugal, onde o
número de estrangeiros contratados pelos clubes é crescente, o que se
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“A quem entende a diferença como igualdade fractal – feita da emergência das diferenças.”
(P. C. e. Silva, 1999, pp. 11).
Pelo que verificamos, outro mal social, o qual não deve ser dissociado do
referido anteriormente e que tem atormentado o Futebol é, a homogeneização,
um fenómeno tendencialmente crescente nos últimos tempos. A este respeito
não podemos ignorar o impacto que a globalização, como já salientamos,
exerce sobre o Futebol, visto que a homogeneização é fortemente
condicionada pelo processo de globalização. De acordo com Reeves et al.,
(2006), corremos o risco de perder a diversidade que nos caracteriza, pelo
facto da Cultura tender a tornar-se homogénea e o Mundo global. Uma das
principais consequências da globalização é, o facto do capitalismo
multinacional tender a homogeneizar e a destruir tradições culturais (Klein,
2002). Por tudo o que já salientamos, percebe-se o impacto que tais tendências
podem exercer sobre o Futebol, um fenómeno que deste modo tende
igualmente a ver diluídas as suas idiossincrasias, tendendo a uma crescente
homogeneização. Uma forma relativamente simples de percebermos, como
este fenómeno se manifesta na sociedade é, olhando para a tendência que as
pessoas têm para aderir às modas, levando por exemplo, a que a generalidade
das pessoas se vista de forma muito semelhante, nalguns dos casos,
substituindo o vestuário globalizado e globalizante, como as jeans e as t-shirt’s,
pelos trajes e indumentárias que ostentavam durante anos, exibidos com
orgulho e que se constituíam como símbolos de uma determinada Cultura.
Sobrinho Simões (Anexo 1) salienta a este respeito, que a influência das
marcas sobre os jovens é extremamente limitante. “E portanto os miúdos
quererem todos comprar o mesmo tipo de sapatilhas, beberem os mesmos
iogurtes…” Ainda de acordo com Sobrinho Simões (Anexo 1), outros aspectos
relevantes, e que conduzem à homogeneização das Crianças são, o efeito da
comunicação social e das brincadeiras cada vez mais pré-formatadas a que as
Crianças são submetidas. Este último aspecto é quanto a nós de especial
relevância, por entendermos que grande parte da homogeneização que se
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“O futebol não se aprende mais ao ar livre e no espaço aberto: nas ruas, nas praças e nos
campos por cultivar. É ensinado no recinto fechado. A autorização para participar no jogo passou
da amizade com o dono da bola para a matrícula numa escolinha.”
(J. O. Bento, 2004, pp. 204).
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“Uma imagem romântica e fiel à parábola das grandes estrelas, de Pelé a Maradona, cujo génio
nasceu e cresceu na maior e melhor escola de futebol do mundo: a rua.”
(Lobo, 2002, pp. 16).
Não obstante, tudo o que foi já referido consideramos que os efeitos mais
significativos das alterações que se têm verificado nas sociedades se reflectem
no Futebol, pelo eclipsar do Futebol de Rua, algo que se constituía como um
espaço fundamental para a construção de Talentos. O Futebol de Rua foi, o
responsável pelo começo dos grandes Talentos (J. Valdano, 1998). Contudo,
temos vindo a observar, que as alterações que se observam nas sociedades,
aumento da pressa, a falta de segurança, o desejo dos pais conferirem aos
filhos uma Formação diversificada, com a intenção, à primeira vista louvável,
de os dotar de competências várias para enfrentarem o futuro que se afigura
cada vez mais competitivo, acaba por lhes retirar tempo, para as suas
brincadeiras fundamentais (Ginsburg, 2007), sendo que, conjuntamente com
tudo o que acabamos de referir, também a estrutura das cidades em alguns
países, nomeadamente na Europa ocidental, se alterou profundamente, sendo
já raros os espaços que permitem aos jovens viver a realidade do Futebol de
Rua, e o conjunto de vivências que lhe estavam associadas, também elas
fundamentais para a edificação de Talentos no Futebol (Michels, 2001). Face
às alterações verificadas nas cidades, afigura-se difícil encontrar ruas em que
os jovens possam jogar (Cruyff, 2002), assumindo-se deste modo o Futebol de
Rua, como uma realidade cada vez menos presente nas sociedades actuais
(Valdano, 2002). Também J. O. Bento (2004) salienta o facto do Futebol de
Rua ter sido a escola dos grandes Talentos, e também o facto, deste ter sido
no passado a actividade dominante da generalidade dos jovens, acrescentando
no entanto, que as alterações sociais que se têm verificado, não permitem mais
que tal suceda.
Face ao exposto, aquilo que era culturalmente inevitável e espontâneo,
considerado como a melhor Escola de Futebol do Mundo (Lobo, 2002, 2007;
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“O jogo ao deus-dará cedeu o terreno à utilidade de aprender a ser jogador. O futebol virou
negócio, uma possibilidade choruda de investir e ganhar dinheiro, ainda que revestida de
preocupações e enfatizações educativas”
(J. O. Bento, 2004 pp. 204).
“… não surpreende que muitas crianças cresçam hoje acreditando que o alimento vem das
prateleiras do supermercado”
(Capra, 2005, pp. 247).
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inicialmente o Futebol podia ser considerado “um jogo de alta roda”, que foi
adoptado pela elite de aristocratas e burgueses. “Para a elite portuguesa, que
ditava as modas, o futebol foi, desde logo, visto como actividade selecta”.
No sentido de perceber um pouco melhor, o facto do Futebol tender quanto a
nós, a correr o risco de se tornar elitista, e com isto renunciar às
potencialidades que apresenta, enquanto fenómeno aglutinador, importa alertar
para algumas particularidades das sociedades actuais.
Efectuando uma análise social em torno do proliferar das Academias de
Futebol, verificamos que tal fenómeno tem subjacente necessidades impostas
pelo mercado, assumindo-se deste modo a Formação de Jogadores, nestes
moldes, como um serviço prestado, e «explorado» de acordo com uma lógica
empresarial. Tendo presente esta noção, devemos ter em consideração que a
procura destes espaços por parte dos pais, a qual aumentou
consideravelmente, poderá ter subjacente o facto da pertença a uma Academia
de Futebol, se constituir como um certificado de estatuto social considerado.
Motivo pelo qual, julgamos que o proliferar das Academias e da procura destes
espaços, poderá estar a tornar-se num modismo, com tudo o que de perverso
daí pode advir, nomeadamente, o aproveitamento interesseiro dos
responsáveis pelos processos de Formação, e os efeitos sucedâneos das
modas, a indiferença e banalização de uma realidade. Note-se contudo, que há
ainda outros possíveis motivos que podem explicar a crescente procura destes
espaços por parte dos pais. Os problemas que a sociedade enfrenta são
bastante profundos, e como muitas vezes se ouve, radicam num “problema
base”, decorrente de processos educativos desajustados, mas que infelizmente
imperam, e condicionam significativamente os jovens. O clima “eduquês” que
caracteriza a Educação conduziu-nos, para situação presente (Crato, 2006b).
Além disso, o conjunto de alterações sociais significativas que se têm registado
deu origem a uma educação super-proteccionista, que se repercute num
processo educativo desabstractizado, que conduz os jovens a uma construção
e percepção desajustadas, da realidade e consequentemente a uma
incapacidade para se confrontarem com esta, a qual quando lhes é dada a
conhecer, se revela muito diferente dos estereótipos que foram desenvolvendo
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“Os números não enganam e falam a mesma linguagem um pouco por toda a parte. O mundo do
futebol está cheio de muitos milhares de meninos que sonharam atingir o estrelato e vivem
defraudados e desiludidos porque o sonho não se cumpriu.”
(J. Bento 2004, pp. 206).
No sentido de perceber, quais os motivos que levam a que cada vez mais, e
cada vez mais cedo, os jovens sejam inscritos pelos pais em Escolas de
Futebol, não podemos, em nossa opinião deixar de evidenciar que o contexto
em que os jovens se desenvolvem actualmente é, cada vez mais exigente e
competitivo. Neste sentido, os pais encontram no Futebol um complemento
para a Formação dos progenitores.
A Formação que os pais idealizam para os jovens, procura nos dias de hoje,
ser a mais diversificada possível, com o intuito de dotar os jovens de
competências que lhes permitam dar respostas às exigências que terão de
superar, quando adultos. Parece-nos a este respeito pertinente evidenciar que
o Futebol se afigura, face ao contexto em que nos encontramos, precário e
altamente instável a nível de emprego, como uma saída profissional muito
viável por parte dos pais para os seus progenitores.
O facto dos Jogadores de Futebol se revelarem heróis e modelos sociais de
milhões de pessoas, leva a que os pais depositem no Futebol a esperança de
um futuro bem sucedido para os seus filhos. ”Para muitos meninos o futebol é
depositário de um sonho de vida, palpitante e realizável num futuro próximo e
perfeitamente acessível. Um sonho cristalizado e reforçado na consciência
pelos media, quando enaltecem a fama, o dinheiro e o prestígio e transformam
em virtude a irrelevância dos poucos jogadores bem sucedidos, de um modo tal
que difundem a ilusão de que tudo isso está ao alcance de todos.” (J. Bento,
2004, pp. 208).
Uma recente sondagem efectuada por Mendonça (2007), refere-se às
preferências dos pais, relativamente às futuras actividades profissionais dos
filhos. Tendo se concluído, que no caso dos filhos do sexo masculino, “se não
for possível ter um médico ou engenheiro na família, então que apareça um
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Futebol um universo de Relações
97
Futebol um universo de Relações
“As pessoas sempre culpam as circunstâncias. Quem se sai bem neste mundo são as pessoas
que saem à procura das circunstâncias que desejam e, se as não encontram, criam-nas.”
(George Bernard Shaw, s/d, cit. por J. Bento, 2004, pp. 186).
98
Futebol um universo de Relações
poderosa e com grande propensão para a inércia” (A. d. Silva, 2002), como são
um conjunto de concepções, que consideramos erróneas, e que afectam o
Futebol, e em particular a Formação de jovens Jogadores. De facto trata-se de
uma questão, não de meios mas sim de vontade, como realça Cruyff (2002) o
qual alerta para algo que consideramos pertinente, e denunciador daquilo a
que designamos, de embuste das condições para a Formação de Jogadores.
“Quantas crianças não utilizaram, as carteiras, as mochilas, os sacos ou umas
simples pedras para marcar a baliza? Este detalhe, e tantos outros parecidos,
demonstram-nos que nem sempre é necessário ter todos os elementos e que
as carências se superam com imaginação e ilusão.” (Cruyff, 2002, pp. 21). O
que vai de encontro ao que refere J. Valdano (1998) que relembrando afirma
que o Futebol é, “uma matéria de aprendizagem silvestre onde a pobreza
ensina melhor que a abundância.” Ou seja, “se queres podes” (Cruyff, 2002), e
no caso julgamos pertinente acrescentar, que se sabes o que é o Futebol de
Rua e “se queres podes”. Torna-se deste modo pertinente, que se identifiquem
os traços caracterizadores do Futebol de Rua, isto é, que se reconheça a sua
essência, e com base nessa matriz, se procure reproduzi-la em contextos que
não os da rua, com o intuito de revitalizar tal processo, que não mais parece
ser possível reproduzir nos moldes originais, uma inevitabilidade nos dias de
hoje (H. Fonseca, 2006; Tamarit, 2007).
Tal como evidenciamos, o conjunto de alterações registadas nas sociedades,
levou a que a Formação passasse do Futebol de Rua para as Academias, facto
que justifica uma “profunda reflexão” (J. O. Bento, 2004). Para Ramos (2003,
pp. 19) “as práticas elementares que a criança utiliza nos seus jogos de rua,
pode bem servir para uma intervenção correcta do adulto, quando intervém no
processo de aprendizagem das crianças”. Partindo deste pressuposto,
consideramos que a crescente procura das Academias de Futebol, poderá
representar algumas vantagens, se os processos de Formação que nelas se
desenvolvem forem ajustados, o que se revela possível, se esses processos
não ignorarem “as práticas elementares que a criança utiliza nos seus jogos de
rua”. Entendemos que poderão representar vantagens, pois desde logo,
constitui-se à priori como mais uma forma dos jovens conhecerem e
99
Futebol um universo de Relações
100
Futebol um universo de Relações
qualidade de Jogo. Pensamos contudo, que esta será a maior dificuldade, pois
as alterações sociais são profundas, e o Espírito do Futebol de Rua, a placenta
que nutria este tipo de Futebol, é de recreação difícil e complexa, sendo deste
modo dificilmente recuperável. A dificuldade de gerar uma “Placenta Artificial” é
deste modo, muito provavelmente o maior entrave à implementação dos Úteros
Artificiais. Mas, não nos esqueçamos que “se queres podes”, e não há nada
como tentar. É nossa intenção ao longo deste trabalho, explicitar alguns dos
elementos que poderão permitir tornar exequível a ideia dos Úteros Artificiais,
aplicada à exponenciação de Talentos.
Desde já importa realçar, que face à lógica comercial que cada vez mais
impera nos processos de Formação, as instituições e pessoas responsáveis
por esses mesmos processos, deverão adoptar como pregão ou slogan a frase,
“eu não vendo pão vendo o fermento” (V. Frade, 1979, pp. 6). Um fermento
que, mais do que alimentar Talentos, permite que estes levedem, e deste
modo, cresçam e se maximizem.
101
Futebol um Fenómeno AntropoSocialTotal
“O futebol é um romântico de carne e osso. É feito por homens e faz os homens menos
arqueados.”
(J. O. Bento, 2004, pp. 199).
“A complexidade situa-se num ponto de partida para a acção mais rica, menos mutiladora. Creio
profundamente que quanto menos um pensamento for mutilador, menos mutilará os humanos.
É preciso lembrar os estragos que as visões simplificadoras fizeram, não apenas no mundo
intelectual, mas na vida. Muitos dos sofrimentos que milhões de seres suportam resultam dos
efeitos do pensamento parcelar e unidimensional” (Morin, 2003, pp. 122).
5
Ao longo desta dissertação, serão escritos como uma unicidade, conceitos distintos, com o
intuito de enfatizar, as múltiplas conexões que estabelecem entre si, e desse modo evidenciar
aquilo a que mais adiante, iremos apresentar como inteireza inquebrantável.
6
Antropo: é o elemento de formação de palavras que exprime a ideia de Homem, de Ser
Humano (DiciopédiaX, 2006).
103
Futebol um Fenómeno AntropoSocialTotal
104
Futebol um Fenómeno AntropoSocialTotal
Como adverte Capra (2005, pp. 14) “vivemos hoje num mundo globalmente
interligado, no qual os fenómenos biológicos, psicológicos, sociais e ambientais
são todos interdependentes. Para descrever esse mundo apropriadamente,
necessitamos de uma perspectiva ecológica que a visão de mundo cartesiana
não nos oferece”, acrescentando ainda a necessidade de “um novo
«paradigma»”. Ainda segundo este autor, o “pensamento complexo” apresenta-
se como uma forma de suprir, “a visão de mundo cartesiana”.
“A complexidade situa-se num ponto de partida para a acção mais rica,
menos mutiladora. Creio profundamente que quanto menos um pensamento for
mutilador, menos mutilará os humanos. É preciso lembrar os estragos que as
visões simplificadoras fizeram, não apenas no mundo intelectual, mas na vida.
Muitos dos sofrimentos que milhões de seres suportam resultam dos efeitos do
pensamento parcelar e unidimensional” (Morin, 2003, pp. 122). Também Paulo
Cunha e Silva (Anexo 4) adverte para os perigos mutiladores que revestem
este pensamento, que ainda nos condiciona significativamente, e que impele à
necessidade da fragmentação para nos organizarmos.
Importa contudo realçar, que “a acção humana é um fenómeno complexo,
multidimensional e imprevisível”, podendo dentro desta se englobar o Futebol
(Lourenço & Ilharco, 2007, pp. 253). O Futebol e o Desporto em geral são,
actividades exclusivamente Humanas, feitas por e para Homens. R. P. Garcia
(2006, pp. 16) salienta que no Desporto, “acima de tudo vêem-se pessoas
humanas”, acrescentando ainda que a essência do Desporto reside na reflexão
sobre a “pessoa humana”. O Desporto por representar uma criação do Homem,
transporta consigo a sua própria natureza (Marques, 2004). O Desporto é
ainda, “um campo de demonstração da extraordinária competência do Homem
e do seu corpo” (Bento, 2007, pp. 24), pois tal como salienta Serpa, (2007, pp.
371) no Desporto “é e será sempre a pessoa a realizar as acções que integram
e harmonizam as competências e capacidades necessárias à espetacularidade
do alto rendimento.” Conseguimos deste modo, descobrir e encontrar no
Desporto uma forma de encenação da essência Humana (A. d. S. Costa,
2006).
105
Futebol um Fenómeno AntropoSocialTotal
Sendo o que foi referido válido para o Desporto em geral, depreendemos que
é tanto ou mais válido no Futebol, um Fenómeno (Antropo) Social Mais Total.
Deste modo, e face ao que já salientamos, urge para o conveniente
entendimento deste fenómeno omnipresente no quotidiano das sociedades,
uma abordagem não redutora, mas sim, em complexidade. “É preciso ver a
complexidade onde ela parece em geral ausente, como por exemplo, na vida
quotidiana” (Morin, 2003, pp. 83). Apesar do Futebol ser praticado, não raras
vezes com o intuito de criar um mundo à parte do real, “é um fenómeno
complexo e atravessado pelas realidades que o circundam” (Valdano, 2002, pp.
47), ou seja, é parte de um todo maior, é um fio da extensa “Teia da Vida”
(Capra, 1996). Sendo assim importante não ignorar, que a “relação
antropossocial é complexa, porque o todo está na parte, que está no todo”
(Morin, 2003, pp. 109). Importa a este respeito salientar, que o facto de
apresentarmos o conceito, por nós sugerido para o Futebol, redigido como
unicidade, AntopoSocialTotal, pretende evidenciar o que nos sugere Morin
(2003), ou seja, “que o todo está na parte, que está no todo”.
De acordo com J. O. Bento (2004, pp. 199), para quem o Futebol é um
“romântico de carne e osso”, podemos caracterizá-lo por ser “feito por homens”
e ser capaz de fazer os “homens arqueados, mais direitos, menos soturnos,
mais alegres e transparentes, de coração mais potente, de passadas mais
amplas e de braços mais fortes e apertados”, constituindo-se deste modo, face
ao exposto como um fenómeno fundamental na edificação do Homem, logo
AntropoSocialTotal.
Com o intuito de compreender e desvendar as múltiplas conexões que o
Futebol estabelece com o Homem, devemos encetar uma abordagem científica
“humanológica”, logo complexa, visto que “as regras que gerem esse mundo de
contrastes não são escritas, estão implícitas nas relações humanas” (J. A.
Santos, 2004, pp. 219), reforçando-se deste modo, a pertinência da adopção
do prefixo “Antropo”, ao conceito apresentado por Mauss (1979).
Consideramos, que partindo do pressuposto de que o Futebol é, um Fenómeno
AntropoSocialTotal, “no treino, como na competição, o futebol só tem a ganhar
se assumir frontalmente a sua humanidade” (Garganta, 2004, pp. 228).
106
Futebol um Fenómeno AntropoSocialTotal
4.3 - Futebol «uma dimensão das duas faces que a moeda (da Vida)
tem»:
“Ora eu creio que no desporto e num simples jogo de futebol mora todo um mundo maravilhoso
de expressões e cores da vida.”
(J. Bento 2004, pp. 30).
Recordando Bill Shanckly (s/d cit. por. Alegre, 2006, pp. 15), “o futebol não é
um caso de vida ou de morte, é muito mais que isso”. Talvez seja um exagero,
contudo, seguidamente procuraremos evidenciar que o Futebol e a Vida são
duas realidades que constituem uma vasta e complexa rede, não podendo por
isso, serem percebidos de forma dissociada. Motivo pelo qual adaptamos as
palavras de Frade (in Carvalhal, 2002), e tenhamos sugerido que o Futebol é,
“uma dimensão das duas faces que a moeda” da Vida tem.
Com o intuito de explicitar, o facto do Futebol se ter assumido para a
generalidade dos seus intervenientes como um aspecto central nas respectivas
Vidas, decidimos apresentar de seguida algumas citações, que nos pareceram
conclusivas a este respeito.
“Para mim, o futebol foi mais do que a própria vida!” (Ferenc Puskas, s/d cit.
por Lobo 2002, pp. 82).
107
Futebol um Fenómeno AntropoSocialTotal
“Está aqui a bola que me ajudou muito. Ela e as irmãs dela. São uma família
por quem tenho uma gratidão enorme. Na minha passagem pela Terra, ela foi a
principal. Porque sem ela ninguém joga. Eu comecei numa fábrica de Bangu.
Trabalhando até que encontrei esta minha amiga. E estive sempre muito feliz
com ela a meu lado. Graças a ela conheço o mundo inteiro, viajei muito tive
muitas mulheres.” (Domingos da Guia, s/d, cit. por Galeano, E. 2005, pp. 83).
Beckenbauer (s/d, cit. por Lobo, 2002) salienta que para ele o Futebol não foi
trabalho, tendo-se diluído com a sua própria Vida.
Além dos relatos acima transcritos, parece-nos como forma de complemento
importante evidenciar, que o Futebol acompanha o processo ontogenético de
muitas pessoas. Repare-se que muitas pessoas, no dia do nascimento se
tornam, embora não de forma autodeterminada, sócias de clubes de Futebol,
alimentando e fortalecendo esse laço de afecto ao longo dos anos, ao ponto de
alguns, no dia em que são enterrados ostentarem símbolos dos seus clubes,
como por exemplo, bandeiras que são colocadas em volta do caixão. Há ainda
pessoas que perpetuam a sua ligação a clubes além do período de Vida,
exemplo disso, são os adeptos do Boca Juniores, um clube que tem um
cemitério próprio para os seus adeptos.
Uma vez que nos encontramos a abordar um tema tão complexo, a Vida,
importa tecer algumas considerações prévias pertinentes. Assim, “a vida é, não
uma substância, mas um fenómeno de auto-eco-organização
extraordinariamente complexo que produz autonomia” (Morin, 2003, pp. 21) o
que lhe confere, segundo este autor, a necessidade de uma abordagem que
não dissolva nem oculte a “complexidade antropossocial”.
A utilização da palavra Vida, não deve fazer-se de uma forma banal, devendo
mesmo ser por vezes evitada, pois de acordo com Laborit (1987, pp. 135), “não
se sabe onde ela começa e onde ela acaba, e porque nos arriscamos a fazer
dela uma qualidade esotérica”. Trata-se de uma advertência, que devemos
108
Futebol um Fenómeno AntropoSocialTotal
considerar nesta abordagem, e que nos alerta também para algo que nos
parece fundamental, ou seja, para a compreensão das múltiplas conexões que
esta estabelece, é que “não se sabe onde ela acaba e onde ela começa”. Não
obstante, como tentaremos evidenciar independentemente de qual o seu
princípio e fim o seu percurso pode, e geralmente é uma inevitabilidade, passar
também pelo Futebol, daí que este se possa apresentar como uma dimensão
das duas faces da moeda da Vida.
Segundo Jacquard (1995, pp. 11) “a palavra «vida» não define uma
propriedade específica reservada a certos objectos, exprime o nosso
deslumbramento diante dos poderes dos objectos hipercomplexos” o que ajuda
a perceber as relações que a Vida pode ter com o Futebol, um objecto
“hipercomplexo”, que como salientamos, não deixa ninguém indiferente,
apresentando por isso um poder de deslumbramento enorme, o qual se
observa desde idades muito precoces. Este fascínio pode explicar-se pelo facto
do Desporto não ser apenas um complemento da Vida, mas sim, um fenómeno
“essencial das propriedades da existência”, capaz de revelar existência
Humana e de permitir aceder à realização da existência pessoal (Lenk, 1989).
O Futebol remete-nos na sua essência para uma relação com a Vida, sendo
pela própria Vida que os adeptos se deslocam aos estádios (J. O. Bento,
2004). Ideia reforçada por Alegre (2006) que evidencia a existência de uma
relação muito próxima entre a Vida e o Futebol, um epifenómeno que a
acompanha. Considerámo-lo deste modo, por estar subjacente e coexistir com
o fenómeno mor, a Vida.
Lourenço & Ilharco (2007), referindo-se à relação entre Futebol e Vida
salientam, a importância de na operacionalização de uma determinada forma
de jogar, os treinadores não poderem ignorar “o homem todo”, realçando ainda,
a necessidade de não haver separação entre Vida profissional e social dos
intervenientes no processo. Verifica-se assim, que não existem fronteiras entre
Vida e Futebol, sendo deste modo, duas realidades que coexistem. Note-se
que o conceito de fronteira, não se coaduna com a perspectiva ecológica que
aqui desejamos desenvolver. Numa abordagem aos sistemas complexos, o
recurso a este tipo de terminologia é, inadequado. Capra (1996) refere a este
109
Futebol um Fenómeno AntropoSocialTotal
respeito, que aquilo que se pode observar é uma engendração entre sistemas
mais ou menos complexos, obedecendo a uma hierarquia em forma de
pirâmides, pois como salienta, na Natureza não existe “acima ou abaixo”, nem
hierarquias, o que existe são redes “aninhadas” dentro de outras redes. De
acordo com Lohrey (2004), as ordens hierárquicas não devem ser confundidas
com as redes de relações, uma vez que nas redes, nenhuma parte é mais
fundamental que as restantes.
Uma opinião muito semelhante é apresentada por Laborit (1987, pp. 87)
quando afirma que “há muito tempo que insistimos sobre o facto de que a
palavra «hierarquia» não convinha para descrever essa noção. Não podemos
evitar – é essa a nossa linguagem – atribuir a essa palavra um juízo de valor,
quando afinal não pode haver juízo de valor na natureza do «superior» e do
«inferior».” Existe deste modo uma sinergia, uma “deshierarquia, no sentido
que não há, que não é uma anarquia, mas é uma deshierarquia” (Paulo Cunha
e Silva, Anexo 4).
Estas opiniões contrapõem-se, deste modo à existência de “hierarquias”,
procurando abolir a concepção rígida de “fronteira”, evidenciando assim um
pensamento ecológico, no qual a noção de hierarquias dá, lugar à noção de
redes (Capra, 1996). “E assim, cada organismo representa o Universo e cada
porção do Universo representa, de certo modo, os organismos que estão no
interior.” (Laborit, 1987, pp. 86).
Das múltiplas conexões que a Vida e o Futebol estabelecem, podemos ainda
destacar o facto, de partilharem das três grandes questões que se colocam à
Humanidade. Tal como na Vida, também no Futebol, para melhor sistematizar
o processo de exponenciação de Talentos e de jogares, devemos questionar
sobre, “Quem somos?... Onde estamos? (…) Onde podemos vir a estar?”; com
a particularidade de no Futebol existir ainda uma outra grande inquietação, “a
mãe de todas” que é a interrogação que todos colocam, mas nem sempre o
fazem na Vida, “ganharemos?” (J. Valdano, 1998).
O Futebol pode ainda espelhar e funcionar como meio de divulgação dos
ideais de Vida dos seus protagonistas, segundo Menotti (s/d cit. por Lobo,
110
Futebol um Fenómeno AntropoSocialTotal
2002, pp. 176), “através da maneira como faço jogar as minhas equipas eu falo
da sociedade em que gostaria de viver”.
De acordo com Arendt (2001) mais importante que a imortalidade da Vida é o
facto desta ser um “bem supremo”. Opinião de que partilhamos, daí que em
nosso entendimento, só possa “haver compromisso com o futebol se antes
existir um compromisso com a vida” (J. Valdano 1998, pp. 166). Por esse
motivo, poderão ser exageradas as palavras com que abrimos este ponto, “o
futebol não é um caso de vida ou de morte, é muito mais que isso”. Não
obstante, se a Vida é um bem supremo, o Futebol foi, é e será, pelo menos
para alguns, um meio supremo para o alcançar, o que confere per si um mérito
bastante relevante, e simultaneamente uma responsabilidade acrescida
àqueles que nele intervém, e de modo especial, para aqueles que o dão a
conhecer às Crianças, através dos processos de Formação. Uma Formação,
que como tal não se pode cingir ao ensinar a jogar, contemplando também, o
ensinar a viver.
Dalai-Lama (2006) salienta algo que qualquer treinador deve ter em
consideração, quando refere que entre os princípios éticos fundamentais e
universais podemos encontrar o “reconhecimento da preciosidade da vida”.
Uma vez que, “sempre que olhamos para a vida, olhamos para redes” (Capra,
1996, pp. 78), o que importa reter é que o respeito pela Vida passa também
pelo respeito pelo Futebol e vice-versa.
“Ora eu creio que no desporto e num simples jogo de futebol mora todo um
mundo maravilhoso de expressões e cores da vida.” (J. Bento 2004, pp. 30).
“Um desportista de alto rendimento pode ser considerado um recurso humano, mas perde-se a
noção de que é um ser humano com recursos”
(Serpa, 2007, pp. 388).
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Futebol um Fenómeno AntropoSocialTotal
“selo de humanidade em cada indivíduo, para que seja pessoa” (J. Bento,
2004, pp. 68).
Marinho (2007, pp. 244) salienta que “nós, eternos devotos da paideia
desportiva, caminhamos de mãos dadas com o desporto, contribuindo para a
construção do ser-se humano de um modo mais íntegro e atingindo um estágio
mais probo.” O Desporto é deste modo, “o artefacto por excelência, criado pela
nossa civilização, para corresponder ao desejo de instituir o corpo como palco
de socialização em princípios e valores que elevam a pessoa e a vida” (Bento
2006, pp. 9). Lourenço & Ilharco (2007, pp. 252), partilham de tal ideia, ao
sugerirem que o Futebol pode ser entendido “como parte do processo
civilizacional”, capaz de transformar “instintos primitivos num acto competitivo
socialmente aceitável”.
J. O. Bento (2004) considera os estádios de Futebol, como um dos poucos
locais que no mercado quotidiano em que vivemos, nos proporcionam um
encontro simples com a nossa Humanidade, debilidade e humildade.
Depreendendo-se deste modo, que se trata de um potente meio para que cada
um se encontre e se situe no Mundo. J. A. Santos (2004, pp. 224) reforçando
esta ideia, salienta que o Futebol é um espaço, em que “o homem, qualquer
que seja a sua condição, encontra-se a si próprio encontrando o outro.
Descobre-se, descobrindo o outro”. Este efeito congregador é, quanto a nós,
uma virtude fantástica, sobretudo nos nossos tempos. Deste modo, o Futebol e
o Desporto de uma forma geral, podem ser considerados como espaços que
proporcionam um “encontro simples com a nossa humanidade” (Bento, 2004,
pp. 200). Mas, o Futebol pode funcionar como mais do que um lugar de
encontro com a Humanidade, podendo também ser fundamental para a
construção da própria Humanidade em cada pessoa, como mais adiante, e
com mais pormenor evidenciaremos, tornando ainda mais relevante a
problemática da Formação de Jogadores. O Futebol apresenta de facto muitas
valências em termos formativos de tal forma que Tenreiro (2007, pp. 103),
realça que o investimento no Desporto é, “um investimento em capital humano
de altíssima qualidade e que o retorno de cada euro investido é muito elevado.”
No entanto, não podemos ignorar que estamos a tratar de um investimento,
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Futebol um Fenómeno AntropoSocialTotal
que implica o Homem, daí que seja importante advertir para a perniciosidade
que tal pode representar. “Um desportista de alto rendimento pode ser
considerado um recurso humano, mas perde-se a noção de que é um ser
humano com recursos” (Serpa, 2007, pp. 388).
Face ao exposto, consideramos que o Futebol é, um Fenómeno
AntropoSocialTotal que nos permite, “realizar a epopeia de vestir com roupa e
próteses humanas o macaco nu, de que nos fala o livro de Desmond Morris” (J.
Bento, 2004, pp. 43), sendo para tal necessário o respeito por quem o pratica,
o Homem, e no caso da Formação, o Homem com particularidades especiais, a
Criança, “o melhor do Mundo” (Pessoa, s/d).
“Não esqueçamos que o segredo do homem é a sua própria infância.” (J.
Bento, 2004, pp. 111).
“Muito embora muitas vezes pareça que estão divorciados, a mente e o corpo andam sempre
juntos na nossa vida (…) Para marcar um golo nem o corpo basta, nem o espírito chega; ambos
são necessários em igual medida em pé de igualdade e em perfeita harmonia.”
(Bento, 2007, pp. 25).
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Futebol um Fenómeno AntropoSocialTotal
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7
Corpo: ao longo desta dissertação, a palavra corpo, será escrita com a primeira letra em
maiúsculas, para evidenciar a noção de um Corpo íntegro, ou seja, como um todo, composto
pelo corpo-propriamente-dito, cérebro e mente, e as relações entre estas partes. Pretendemos
deste modo, distingui-lo do vulgar entendimento de corpo, “couraça óssea e muscular” (J.
Bento, 2004), ou seja, do corpo-propriamente-dito (Damásio, 2003a).
117
Futebol um Fenómeno AntropoSocialTotal
Malson (1988, p.212), quando salienta que “é a conexão intima que une o
homem físico ao homem intelectual (…) tudo se confunde nos limites em que
se entrechocam estas duas ordens de funções”, acrescentando que “o seu
desenvolvimento processa-se de modo simultâneo e sujeito a recíproca
influência”. Corroborando deste modo, o que sugerimos.
O Corpo apresenta-se como uma realidade bastante complexa, que pode ser
mesmo definida, como “a materialização da complexidade humana” (Sérgio,
2003, pp. 182).
“Muito embora muitas vezes pareça que estão divorciados, a mente e o corpo
andam sempre juntos na nossa vida, mesmo que pouco sintonizados na acção.
No entanto o desporto proporciona situações em que eles ficam num estado de
total e inigualável imbricação, intimidade e cumplicidade. No desporto,
enquanto manifestação de humanidade, o diálogo entre a mente e o corpo é de
tal ordem que um não consegue subjugar o outro. Para marcar um golo nem o
corpo basta, nem o espírito chega; ambos são necessários em igual medida
em pé de igualdade e em perfeita harmonia. No desporto ambos se misturam
para revelar e celebrar a maravilha exaltante da humana competência” (Bento,
2007, pp. 25).
Segundo, P. C. e Silva (1999, pp. 26) o Corpo deve ser entendido a partir de
um “lugar fractal”, ou seja, “um lugar que o reconheça no pormenor, mas que o
identifique no todo”. O Homem é um fractal do que vive, e reflecte o modo,
como se inscreve no que o envolve (Marisa Gomes Anexo 5). É neste lugar
fractal, o lugar do Corpo, que todas as disciplinas se encontram para o tentar
compreender, motivo pelo qual se torna possível, a partir deste lugar, entender
melhor todas as disciplinas, este Corpo, no sentido Humano é, um óptimo local
de observação (Paulo Cunha e Silva, Anexo 4).
Julgamos assim, que o Homem e o Corpo que Jogam devem ser
considerados como “inteirezas inquebrantáveis”8 (Amieiro, 2005). A
utilização deste conceito tem subjacente e vai de encontro, a ideias
8
Inteireza inquebrantável: o entendimento e respeito por este conceito é determinante para a
operacionalização aquisitiva da Organização Colectiva de um determinado jogar, de acordo
com o modo, como entendemos que o treino deve ser perspectivado.
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9
SupraDimesão Táctica: o entendimento de Táctica, tal como nos foi sugerido por Marisa
Gomes (Anexo, 5) reporta-se a uma determinada Cultura, “uma variabilidade cultural” que
comporta uma determinada qualidade de jogo, a qual se relaciona, com o padrão de
interacções expresso pelos Jogadores que dão Vida a um determinado jogar. Motivo pelo qual
deverá ter um entendimento plural. Apresentámos esta dimensão, como SupraDimensão, por
entendermos que é esta que se deve assumir, como o referencial balizador de todo o processo,
ou seja, é a partir de um determinado Táctico, que todas as restantes dimensões emergem, e
devem ser operacionalizadas.
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“O futebol é uma linguagem universal com vários dialectos corporais. Existem mais de mil
maneiras de ganhar ou perder um jogo. A mais educativa é aquela que respeita o talento. A mais
cruel é a que ignora as boas ideias”
(Lobo, 2007, pp. 7).
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Adaptabilidade: capacidade de adaptação a novos envolvimentos, não definidos à partida
(V. Frade, 1979). Procuramos com este termo, uma alternativa àquilo que geralmente se
entende no treino por adaptação, um conceito desajustado, sendo por norma, utilizado como
não comportando a flexibilidade devida, e que como tal, não se coaduna com a realidade dos
fenómenos complexos. Adaptação é um conceito do qual nos servimos para conceber a
realidade, mas que se encontra contudo, mutilado, conduzindo desse modo a acções
mutiladoras (V. Frade, 1979).
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As questões relacionadas com os aspectos genéticos, epigenéticos e com as vivências dos
indivíduos, serão abordadas com mais pormenor posteriormente.
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Importa salientar que em rigor, o facto da Humanidade ter como característica a
Antrpodiversidade, observada também a nível genético, leva a que na nossa espécie não
possamos distinguir, e como tal considerar a existência de diferentes raças, as quais são
consideradas, como um conjunto de indivíduos ou populações, que apresentam em comum,
uma parte significativa dos respectivos patrimónios genéticos (Jacquard, 1995).
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Rendimento Superior: consideramos tratar-se do nível de rendimento mais elevado a que
se pode aspirar e no qual constam, as principais equipas e Jogadores a nível mundial.
Devendo deste modo assumir-se, como o referencial orientador dos processos de Formação.
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“Os físicos gostam de pensar que tudo o que é preciso é dizer: estas são as condições; o que é
que acontece a seguir?”
(Richard P. Feynman, s/d, cit, por Gleick, 2005, pp. 33).
“Foi Wittgenstein quem desferiu o primeiro golpe em Aristóteles, puxando o tapete às suas
definições rígidas do que é uma categoria.”
(Levitin, 2007, pp. 146).
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obstante o facto de cada objecto ser único, assumimos muitas vezes, que estes
pertencem a classes ou categorias. É a capacidade de categorização que
permite que cada experiência se transforme num conjunto mais limitado de
categorias, às quais os seres Humanos, e outros organismos respondem
(Varela, et al., 2001).
Remonta a Aristóteles, o método no qual se baseiam filósofos e cientistas
para compreender o modo como os conceitos se formam nos Humanos,
método que sugere, que as categorias resultam de listas de características
definidoras, sendo a atribuição de uma categoria efectuada através de uma
análise das suas propriedades, comparando-a com a definição de determinada
categoria específica (Levitin, 2007). Os processos de categorização foram ao
longo dos tempos utilizados de forma indevida, durante a era behaviorista da
Psicologia, as categorias foram tratadas como arbitrárias, sendo as tarefas de
categorização utilizadas em Psicologia apenas, para estudar as leis da
Aprendizagem (Varela, et. al. 2001).
“Desde Aristóteles, passando por Locke e até aos dias de hoje, as categorias
foram tidas como questões lógicas e os objectos estavam dentro ou fora de
uma categoria.” (Levitin, 2007, pp. 146). De onde se depreende, que os
processos de categorização se caracterizaram, por alguma rigidez,
inflexibilidade e impermeabilidade, conferindo-se deste modo, um carácter
estanque às categorias. Uma vez que, os fenómenos complexos têm
subjacentes variáveis de ordens de complexidade elevadas, que além disso, se
implicam mutuamente, não podem ser categorizáveis, com base nos processos
de categorização convencionais (Paulo Cunha e Silva, Anexo 4).
Mais recentemente, têm se desenvolvido algumas pesquisas substanciais,
neste âmbito, e com o propósito de superar as limitações que caracterizam o
processo de categorização. Foi Ludwing Wittgenstein, após um hiato de dois
mil e trezentos anos, quem através de uma simples pergunta; “O que é o jogo?”
relançou o trabalho empírico sobre a formação de categorias, tendo em
contraposição com Aristóteles, sugerido que a integração numa categoria
deveria ser determinada pela semelhança familiar, e não por uma definição
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Protótipo: pode definir-se como a tendência nuclear, ou como o elemento médio da categoria
(Levitin, 2007).
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“… o segredo dos segredos parece ser, na realidade, a noção daquilo que, há já trinta anos,
designo de «níveis de organização»”
(Laborit, 1987, pp. 15).
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15
Pensamento sistémico, é por vezes também designado de teoria geral dos sistemas, e
apresenta-se como o tipo de pensamento, que de acordo com uma determinada concepção
metodológica do Futebol, a qual está subjacente a esta dissertação, a Periodização Táctica, se
apresenta como o mais ajustado para a compreensão deste fenómeno.
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Longe-do-equilíbrio: “estado de não-equilíbrio do sistema, ou seja, um estado em que o
comportamento é facilmente alterado para uma forma qualitativamente diferente por pequenas
perturbações ao acaso. Implica instabilidade, caos, comportamento fractal.” (Stacey, 1995, pp.
548).
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Sensibilidade às condições iniciais: pode entender-se como a propriedade amplificadora dos
mecanismos de feedback não-lineares, o que significa que alterações minúsculas podem sofrer
uma escalada até à mudança completa do comportamento a longo-prazo (Stacey, 1995).
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“Em resumo: a simples introdução «de um balde de peixes», pode ocasionar alterações
profundas económicas, sociais e ecológicas.
(Mendes, 2007, pp. 353).
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“Há um truque a que nós podemos recorrer para podermos manter todos os
jogadores da equipa motivados e empenhados, e que eu utilizo no Manchester.
É colocar a jogar todos os jogadores da minha equipa, nem que seja em
competições diferentes. Assim, todos se sentem bem, porque participam nos
êxitos da equipa.
É importante manter os jogadores motivados, e ter também em consideração
que um jogador em Inglaterra, pode chegar a fazer sessenta jogos numa
época, o que é uma loucura”. (Alex Fergusson, 2003, cit. por Pacheco, 2005,
pp. 77).
Também Mourinho (2002) salienta que a rotatividade é, fundamental para
manter os índices de motivação elevados numa equipa, pois como afirma, “a
rotatividade é melhor para a motivação dos jogadores”.
A rotatividade pode ainda ser contemplada tendo em consideração, a
necessidade do desenvolvimento de um plano estratégico20 para a abordagem
de um determinado jogo.
Em suma, perante quadros competitivos de elevada exigência e densidade, a
rotatividade torna-se necessária, contudo, deve fazer-se com prudência, devido
à extrema sensibilidade às condições iniciais que caracteriza o Futebol. A
rotatividade deve atender a quatro aspectos, gestão da Fadiga21 acumulada
pela elevada densidade competitiva, assegurar a evolução qualitativa de todos
os Jogadores, para manter elevados os índices motivacionais dos Jogadores, e
ainda por motivos relacionados com nuances estratégicas para abordagem à
Competição.
Ao nível de equipas de Rendimento Superior, a elevada densidade
competitiva, o elevado nível de exigência e elevado nível de pretensão são,
aspectos presentes ao longo de toda a época, contudo, estas deparam-se com
a grande dificuldade que é, sobreviver preservando a sua integridade e
identidade, num contexto de extrema sensibilidade às condições iniciais, o que
20
A dimensão estratégica e as implicações desta tendo em perspectiva a teoria do caos serão
abordadas mais adiante.
21
Fadiga: ao longo desta dissertação a palavra Fadiga aparecerá escrita com “F” maiúsculo de
modo a diferenciar a fadiga periférica da “fadiga táctica” (Carvalhal, 2002; Freitas, 2004).
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Reduzir Sem Empobrecer: revela-se determinante para a operacionalização aquisitiva de
um jogar. Dependendo o correcto entendimento deste conceito, de um conveniente
entendimento da fractalidade do Jogo e dos jogares.
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“Numa simples interpretação literal das palavras elas parecem inconciliáveis ou inimigas. A
ordem está para limitar o talento. O talento, esse, está para subverter a ordem. Errado. Ambas
estão para o futebol como a moldura e a tela para a pintura.”
(Lobo, 2007, pp. 48).
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de igual modo, a desordem pura, não permite nenhuma existência, uma vez
que não haveria qualquer elemento de estabilidade para fundar uma
determinada organização. Paulo Cunha e Silva (Anexo 5) salienta a este
respeito, que o Corpo se organiza a partir de dois pressupostos, o corpo
centrípeto, que acumula e organiza, e o corpo centrífugo, que busca a
excitação e tende para a dissipação, não podendo contudo permanecer
permanentemente numa destas dimensões sob pena de se dissipar, pelo
contrário, para sobreviver necessita de viver sobre a tensão que esta
bipolaridade lhe coloca.
Depreende-se deste modo, que todos os sistemas necessitam de ordem e
de desordem. Sendo fundamental, que se encontre um “sentido da divina
proporção” (B. Oliveira et al., 2006), tal como no Futebol, onde se torna
fundamental encontrar um meio que possibilite o mínimo de ordem e o máximo
de liberdade (J. Valdano, 1998). Na verdade as equipas de qualidade
caracterizam-se por viverem longe do equilíbrio, sem contudo, perderem a
ordem que serve de suporte a tal liberdade, não libertina.
O Futebol, como na generalidade dos sistemas vivos, encontra-se num
estado de continua flutuação entre um limite inferior e superior (Capra, 2005).
Por este motivo, são sistemas que vivendo na “fronteira do caos” (Stacey,
1995), apresentam como vantagem o facto de poderem incorporar o novo, e de
revelarem uma grande flexibilidade comportamental, por serem capazes de
sobreviver numa determinada “franja” ou “zona fluída” (Paulo Cunha e Silva,
Anexo 4).
Os sistemas vivos caracterizam-se deste modo, por viverem afastados do
equilíbrio, sendo um organismo em equilíbrio24, “cristalizado”, um organismo
morto (Marisa Gomes, Anexo 5; Paulo Cunha e Silva, Anexo 4). É o facto de se
encontrarem afastados do equilíbrio que lhes confere Vida, e é graças a este
24
Equilíbrio: “estado em que não há tendência para o movimento para além de um
determinado modelo de comportamento. Poderá ser um estado estável ou instável, mas é
sempre ordenado, no sentido de que o mesmo modelo de comportamento é sempre
observado. O comportamento em equilíbrio é repetitivo e previsível, pelo menos em alguns
níveis.” (Stacey, 1995, pp. 547).
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25
AutoHeteroEvolução: optamos por redigir este termo como um todo, com o intuito de
enfatizar a necessidade da evolução dos Jogadores (Auto) e de um jogar (Hetero), ser
entendida como uma inteireza inquebrantável. Entendimento fundamental, para o modo como
perspectivamos o Jogo. Os Jogadores, os treinadores, o jogar, e tudo o que os envolvem,
encontram-se imbricados num mesmo “nicho ecológico” (Marisa Gomes, Anexo 5).
26
Periodização à La Long: trata-se de um conceito nuclear, para o modo como entendemos a
Formação, e que visa estabelecer como premissa o facto do processo de Formação, o qual
decorre ao longo de vários anos (à La Long), ter subjacente a emergência de um determinado
jogar, cuja complexidade deverá emergir paulatinamente, para níveis de complexidade
crescentes. Sendo para tal necessário, que a complexidade a que se aspira, seja previamente
sistematizada, “quantificação à priori” (V. Frade, 2006), requisitando uma Periodização de uma
determinada complexidade, Táctica, e que decorre ao longo dos vários anos de Formação.
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“No mundo vivo das estruturas dissipativas, a história desempenha um papel importante, o
futuro é incerto e a incerteza está no cerne da criatividade”.
(Capra, 1996, pp. 158).
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“Aliás, o que é individualizar (constituir um indivíduo, estabelecer uma identidade) senão auto-
organizar?”.
(P. C. e. Silva, 1999 , pp. 118).
27
Auto-organização: “processo em que os comportamentos comunicam espontaneamente
entre si e cooperam subitamente num comportamento comum, coordenado e concertado.”
(Stacey, 1995).
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Este conceito é de tal forma importante, que Kafatos, (1998, cit. por
Drãgãnescu & Kafatos, 2004) indicou que fosse proposto, como princípio
fundamental na Filosofia da Ciência.
Laborit (1987) refere que nos encontramos perante um organismo vivo, se
este revelar as seguintes características; auto-conservação, auto-regulação,
auto-organização e auto-reprodução. Em conformidade para Reeves et al.,
(2006) um organismo vivo caracteriza-se por ser um sistema capaz de
assegurar a sua própria conservação, de se gerir a si próprio e de se
reproduzir. No mesmo comprimento de onda Dalai-Lama (2006) salienta, que
uma das características-chave dos organismos é, o facto de serem sistemas
auto-sustentados.
Foi evidente, através da abordagem efectuada ao conceito de estruturas
dissipativas, que os sistemas que se desenvolvem longe do equilíbrio, são
capazes de a partir da desordem gerar ordem (P. C. e. Silva, 1999). Em todo o
mundo vivo o caos é transformado em ordem (Capra, 1996). Daqui resulta a
importância da auto-organização que, segundo Atlan (1993, cit. por P. C. e.
Silva, 1999) é um processo de criação e de estabilização da novidade.
Como já salientamos, de acordo com Capra (2005), existe entre os seres
vivos, uma tendência comum para formarem estruturas de múltiplos níveis, que
diferem na sua complexidade, devendo esta ser entendida como um princípio
básico da auto-organização. Nos diferentes níveis de complexidade
encontramos sistemas integrados, todos auto-organizadores, que consistem
em partes menores, mas que simultaneamente actuam como partes de
totalidades maiores, assim a ordem num nível sistémico é consequência da
auto-organização num nível maior. Lourenço & Ilharco (2007) reconhecendo
que a desordem é parte fundamental da Vida, sugerem que os seres vivos se
conseguem auto-organizar. Sendo fundamental para a compreensão dos
fenómenos auto-organizados, a compreensão da noção de padrão (Capra,
1996). Ainda de acordo com este autor, o seu entendimento é crucial para o
entendimento do mundo vivo, e ainda, para uma compreensão científica da
Vida.
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“A minha opinião sobre esse assunto deve ter tido o homem, que pela primeira vez, afrontou um
cavalo: também ele pensou que o cavalo, com um coice apenas, o poderia inutilizar para sempre.
Mas esse homem achou que não, que a única coisa a fazer era inventar a arte da equitação
montando o cavalo.”
(A. d. Silva, 2002, pp. 58).
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assim ser considerada, como uma característica Antropológica, que como tal,
se assume como uma característica essencial, num Fenómeno
AntropoSocialTotal como o Futebol.
Foi a criatividade que permitiu ao Homem reinventar-se, superar-se, com isto
complexificar-se e coexistir com o meio envolvente, e inclusive dominá-lo, com
tudo o que de menos bom daí pode advir. De acordo com Jones (2006, pp. 61)
“a evolução humana segue a regra das outras criaturas e as leis da natureza
vão acabar por vencer.” No entanto, acrescenta que no caso do Homem “nem
sempre, a popularidade significa sucesso”. De facto, o Homem não tem, como
denuncia Capra (1996; 2005), conseguido uma coexistência respeitosa e
harmónica com a Natureza por se encontrar obcecado pelo seu domínio,
ignorando que o segredo da existência reside na coengendração da teia da
vida, e não na adopção de uma postura altiva e desrespeitosa face ao que o
envolve. O Homem é uma extensão da Natureza, não devendo entre estes
haver qualquer “cisura” (Paulo Cunha e Silva, Anexo 4). Note-se contudo, que
o Homem revela manifestações interessantes de coexistência com o mundo
envolvente e reveladoras do seu enorme poder criativo. Segundo Vítor Hugo
(cit. por J. Bento, 2004, pp. 54), “os vencedores serão sempre aqueles que
inventaram o mundo e não aqueles que se limitaram a responder-lhe”. Também
no Futebol esta premissa se assume como determinante para o emergir de
complexidades crescentes, e para o consequente maior espanto e fascínio
criado nas pessoas. A possibilidade de dominar algo, que era à partida pouco
verosímil, desperta nas pessoas um sentimento especial, e revela o poder
criativo do Homem.
A criatividade, pode ser definida de acordo com Capra (1996) como a
geração de configurações que são constantemente novas. Para A. Goswami
(2004), criatividade consiste na descoberta de novos contextos de
pensamentos. Segundo Damásio (2003a, pp. 199) “criar consiste não em fazer
combinações inúteis mas em efectuar aquelas que são úteis” acrescentando
que é inventar, é discernir e escolher. Desta definição depreende-se o carácter
utilitário e funcional deste processo, que encontra também no Futebol um
espaço para se manifestar, e que entronca na definição daquilo, a que vulgo se
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autor, reforça a ideia que Futebol é um sistema caótico, “caminho nem sempre
é regular e a direito”, reconhecendo ainda a importância da criatividade, “algo
mais”, para conseguir dominar esse caos aparente. Uma vez mais, importa
realçar que esta criatividade deve sempre ter subjacente um determinado
padrão, para que não se descaracterize a totalidade do sistema. Como adverte
Cruyff (2002,) a criatividade não se encontra dissociada da disciplina, “no
futebol tudo, incluindo a criatividade, necessita de se apoiar na ordem” (J.
Valdano, 1998, pp. 27)
Para Colina (2006) a criatividade “é inovação, a criatividade é construir. A
criatividade é inventar algo novo e apresentar coisas antigas sob uma nova
luz”. Este ex. árbitro acrescenta ainda que no Futebol, “talvez apenas se ganhe
com a mistura certa de criatividade e organização.” Nestas palavras, destaca-
se o facto da criatividade ser sustentada em algo que já existe, “apresentar
coisas antigas sob uma nova luz”, o que realça o papel do treino na criação
dessas “coisas antigas”, que servem de suporte ao acto de criação. Além deste
facto, realça-se uma vez mais, a importância de conciliar “criatividade e
organização”, sendo para tal determinante o “sentido da divina proporção” (B.
Oliveira et al., 2006).
“A recuperação não é sequer uma face da moeda, é uma dimensão das duas faces que a moeda
tem.”
(Frade, 2000, cit. por Carvalhal, 2002, pp. 92).
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preparado para criar, para poder improvisar, então eu costumava dizer que as
duas podem. Junto é melhor, mas a criatividade é a melhor.” (Pelé, 2006a).
Relativamente a esta afirmação, sendo o Futebol “inteireza inquebrantável”, e
a criatividade uma emergência que não se pode dissociar de tudo o que a
envolve e se encontra implicado no Jogo, não devemos adoptar uma
perspectiva fragmentária do fenómeno, como sugerem as palavras
supracitadas, não obstante, o que importa reter é o facto daquele que é
considerado o maior Talento do Futebol mundial de todos os tempos,
reconhecer a criatividade como uma dimensão fundamental do Jogo. Além
deste facto, Pelé (2006a) adverte para algo que consideramos muito relevante
para a expressão da criatividade. Considera ser determinante, um Jogador não
se encontrar fatigado para poder criar. Note-se que apenas se refere à fadiga
periférica, uma perspectiva limitadora, pois não contempla a verdadeira
dimensão da Fadiga implicada no Futebol, a “fadiga táctica” (Carvalhal, 2002;
Freitas, 2004).
De acordo com Leal (2008) o cansaço, ou se quisermos a Fadiga, não é
sempre igual, devendo mesmo ser entendido como algo plural. Salientando que
na generalidade das vezes, o tipo de cansaço ou Fadiga, que mais nos
atormenta tem subjacente motivações pouco perceptíveis à partida, mas cujo
reflexo é muito relevante nos estados de alma que experienciamos, e no
destroçar da alma, como sugere. Este entendimento de Fadiga, mais
abrangente, o qual se repercute num mal-estar, e como veremos mais adiante,
por conseguinte num mal pensar, revela-se pertinente para o entendimento do
tipo de Fadiga implicada no Futebol. A “fadiga táctica” assume-se como um
aspecto fundamental, a considerar quando um treinador tem pretensão, que do
seu jogar, emirja com regularidade a criatividade. Freitas (2004, pp. 75) refere,
não ser “possível realizar todas as unidades de treino com o mesmo grau de
concentração. O treinador deverá «respeitar» uma certa alternância, devendo
distribuir temporalmente pelo microciclo (Morfociclo) padrão, os princípios, sub-
princípios e sub-princípios dos sub-princípios dos sub-princípios, de forma a
que a sua intervenção emocional, em função dos diferentes objectivos dos
vários dias do microciclo (Morfociclo) padrão, seja também ela diferenciada.”
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Marisa Gomes (Anexo 5), salienta que os acentuados índices de Fadiga, que
se encontram associados ao treino aquisitivo, se reflectem no modo como o
detalhe se manifesta, ou no caso, como não se manifesta, e também pelo
desajuste entre as intenções prévias e as intenções em acto28 dos Jogadores.
Sendo por este motivo, que salienta ser determinante a contemplação da
recuperação ao longo do processo, visto que somente deste modo se torna
possível a manutenção da qualidade ao longo do processo.
Importa deste modo, ter em consideração o efeito limitador subjacente aos
desempenhos que a vivenciação de um jogar, na Competição ou no treino tem,
sobre os Jogadores. “Parece-nos que só deste modo terá em consideração o
princípio do efeito limitador e evitar forçar o jogador a ter um conjunto de
atitudes e comportamentos, que vão massificar novamente os mesmos centros
nervosos” (Freitas, 2004, pp. 75).
Necessitando a criatividade no Futebol de assentar numa ordem, um
determinado Modelo de Jogo, que é corporizado pelos respectivos Princípios
de Jogo, para uma maior qualidade, e rentabilidade, tanto em treino como em
Competição, torna-se fundamental que na operacionalização se contemple os
aspectos relacionados com a “fadiga táctica”, para que a criatividade se
manifeste de forma mais regular. O que nos reporta, para a necessidade de
respeitar o “Princípio Metodológico da Alternância Horizontal em
Especificidade”29 (B. Oliveira et al., 2006; M. Silva, 2008), um princípio
metodológico que deverá ser também na Formação convenientemente
equacionado. Ainda que nas idades mais precoces, até por volta dos catorze
anos, este Princípio Metodológico, possa não ter a relevância que assume
posteriormente. No que ao padrão de desempenhos semanal diz respeito,
torna-se fundamental contemplar devidamente a gestão dos desempenhos e
da Fadiga a que os jovens são submetidos. A distribuição do padrão de
esforço, e o modo como é contemplada a recuperação nestas idades, não
28
Intenções prévias e intenções em acto, serão alvo de esclarecimentos mais adiante.
29
Princípio Metodológico da Alternância Horinzontal em Especificidade: para um conveniente e
aprofundado esclarecimento deste Princípio Metodológico, aconsellhamos a consulta da obra
de B. Oliveira et al. (2006), Mourinho - Porquê tantas vitórias?.
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Sistema bipolar: sistema em que se encontram apenas dois elementos em interacção.
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“Um jogador que evolui, que corre, que salta, pode ser um artista como
Nureyev. Pode ser um artista como outras pessoas. Por que não? Eu sinto
mais prazer a ver alguém como o Zidane que um grande bailarino, pois é a
31
Superfícies de passe: apresentamos este conceito como alternativa, ao que vulgo se designa
de “linhas de passe”, algo que julgamos ser redutor uma vez que, o Futebol se pratica, e
permite explorar uma realidade tridimensional.
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minha forma de ver a arte. E também a minha forma de compreender que arte
não é apenas poesia, dança, ballet, Ravel…” (Platini, 2006a).
Para o actual presidente da UEFA, um Jogador pode ser considerado como
um artista, salientando que as suas afinidades com o Futebol lhe alteram a
forma de conceber a Arte, conferindo a este fenómeno um carácter relativista,
cuja relevância para uma ou outra forma de manifestação, depende dos
“óculos” que colocámos, para as contemplar. “Mudei o nível de percepção do
OBJECTO e, nesse mesmo acto, mudei o Objecto. (…) Mudar o nível de
percepção multiplica os Objectos, como uma espécie de espelho diabólico”
(Roland Barthes in Conversa com Stephen Heath, s/d, cit. por Frade, 1990, pp.
2). “Os homens observam o mundo através dos sentidos e, mais ainda, através
dos seus conceitos”. (Jacquard, 1995, pp. 7). Também o Jogo, como foi
evidenciado por Marisa Gomes (Anexo 5) é entendido e vivido através de
conceitos, sendo que no caso dos jovens, por serem “mais plásticos” e
“adaptáveis”, os conceitos com que jogam, são os nossos. “…com esses
miúdos os conceitos são nossos (…) é óptimo, porque só fazendo acontecer é
que a coisa resulta” (Marisa Gomes, Anexo 5).
O que releva a importância desses conceitos, que são dos treinadores se
ajustarem aos devidos propósitos. “O futebol pré-existe à ideia que dele se tem.
O problema está em saber, se as ideias que dele se tem, se lhe ajustam.” (V.
M. d. C. Frade, 1990, pp. 3).
A nossa entrevistada adverte, que quando se refere à problemática dos
conceitos, estes devem ser alvo de um entendimento para além da sua
superficialidade conceptual, realçando que são algo que se regista no Corpo,
ou seja, são corpóreos. “…quando falo em conceito, não é em termos
conceptuais só. Entendo o conceito em termos conceptuais e também em
termos corpus, na capacidade de realização (…) essa mapeação dos
conceitos, não resulta só da cabeça para os pés, também resulta dos pés para
a cabeça” e a prova disso são os miúdos a aprender um jogar, como
acrescenta. Um entendimento que como salientaremos mais adiante, vai de
encontro a muitos dos aspectos centrais desta dissertação.
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Platini (2006a) reconhece, que não é fácil por vezes a aceitação do Futebol
enquanto expressão artística, sobretudo em contextos em que este conceito se
encontra sujeito a uma forte inércia conservadora. “É uma noção difícil de
transmitir no mundo cultural francês. Os desportistas não são artistas. Ouvi
grandes filósofos como Bernard Henri Levy dizer: «não se deve comparar os
desportistas com os artistas.» Isso é um grande erro. Creio que os desportistas
são artistas.” (Platini, 2006a). Este facto, reforça a ideia por nós defendida, de
que o Futebol é um fenómeno situado, que no caso da França, “emoldurado
por entre um universo de glamour cultural e iconoclasta, durante muito tempo o
futebol não despertou grandes paixões na tranquila Velha Gália” (Lobo, 2002,
pp. 192).
Nistelrooy (2006) estabelecendo um paralelismo entre Zidane e um dos
maiores dançarinos clássicos de sempre, Nureyev, à semelhança de Platini
(2006a) refere que, “quando os defesas se aproximam, ele afasta-se no
momento exacto. Ele liberta-se na altura certa.” Acrescentando que tal como
Nureyev na sua Arte, também Zidane, tem sempre a posição certa e está
sempre controlado. O que ajuda a suportar a ideia apresentada por Platini
(2006a), de que um Jogador pode ser entendido como um artista, sendo vários
os aspectos que partilham e têm em comum. O Jogador holandês acrescenta
ainda que ao olharmos para certos Jogadores na história do Futebol,
nomeadamente, os que acederam ao mais alto nível mundial, “essas imagens
permanecem na mente das pessoas como quadros. Vejam o golo de Maradona
contra a Inglaterra, por exemplo. A forma como driblou quatro ou cinco
adversários.” Independentemente, da controvérsia que se possa verificar, em
torno da consideração do Futebol como Arte, como realça Nistelrooy (2006),
ambos despertam o lado emocional, “imagens permanecem na mente”,
realçando ainda, que tal como nos artistas as suas obras, sobretudo as mais
criativas, eternizam-nos e elevam-nos à condição de Heróis e de Deuses, como
vimos anteriormente.
Kaká (2006) socorrendo-se igualmente do exemplo de Zidane, também o
compara a Nureyev, referindo que todos o admiravam a jogar, “porque é um
jogador que tem esse estilo, que está flutuando, que está realmente dançando,
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que está com tranquilidade”. Destacando deste modo, algo para o qual já
alertamos, ou seja, para a necessidade de “tranquilidade”, o que nas
sociedades actuais, não é fácil.
Para Tutu (2006), ex-arcebispo anglicano da Cidade do Cabo e Prémio Nobel
da Paz, quando o Jogo e os Jogadores têm qualidade, é frequente considerar-
se que “não pode haver nada mais belo. O seu movimento é maravilhoso.
Vemos uma coreografia maravilhosa.” Futebol e a Dança podem ter muitos
pontos em comum, tal como sugere Henry (2006), o qual afirma
eloquentemente que o Futebol é uma Arte. “Por vezes, sinto que os jogadores
dançam. Dançam com a bola e, para mim, isso é uma arte.”
“Para mim, a arte é despertar algo nos outros que eles não sabiam ter, mas
que existia dentro deles. O futebol pode atingir uma beleza que se pode tornar
arte realmente. Ao mesmo tempo, uma arte individual, mas sobretudo uma arte
colectiva.” (Wenger, 2006). Este treinador destaca deste modo, o facto do
Futebol ter potencial para poder ser considerado Arte, depreendendo-se ainda
das suas palavras que nem todos os «futebois» se podem considerar como tal.
O Futebol que ascende à categoria de Arte, deverá, segundo estas
declarações, “despertar algo nos outros que eles não sabiam ter, mas que
existia dentro deles”, ou seja, e indo de encontro ao que já sugerimos, o
Futebol Arte, assume-se como um meio para o Homem se encontrar com a
Humanidade, se revelar, e se autocriar. De realçar ainda a particularidade do
Futebol, poder segundo as palavras supra transcritas, ser considerado, não
somente como uma “arte individual”, mas também como uma Arte partilhada,
“arte colectiva”. Ou seja, no Futebol os quadros (jogares) que se criam são
pintados em conjunto, sendo o contributo de cada pintor (Jogador)
determinante para a obra final. Esta é uma das peculiaridades do Futebol, e
que lhe confere, quanto a nós, uma complexidade muito mais acrescida do que
aquela que se verifica em modalidades individuais, em que a tela se preenche
por um único pintor, uma “arte individual”, exclusivamente individual.
As analogias possíveis de estabelecer entre o Futebol e a Arte, não se
circunscrevem apenas à Dança ou à Pintura, segundo Wender (2006), “o
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existem Jogadores maus e bons, sendo que alguns conseguem aceder a níveis
de genialidade, considerando-os como Talentos. Este actor esclarece ainda
que “esse talento tem de ser criativo para conseguirem o que querem. Mas
algumas pessoas usam os pés e a cabeça melhor que outros.” O que vai de
encontro ao sugerido por Marisa Gomes (Anexo 5) para quem o Talento é
necessariamente criativo.
Também Lobo (2007), reportando-se à fenomenologia implicada nas
manifestações de Talento, que se observam no Jogo, as define como Arte,
julgamos contudo, que se torna pertinente sustentar cientificamente as várias
opiniões de que nos socorremos anteriormente, encetando para tal uma
abordagem um pouco mais pormenorizada e menos expositiva, em torno das
relações entre Futebol, Arte e Estética.
De acordo com J. Bento (2004) a matriz moral, ascética e ética do Desporto
comporta a dimensão Estética. Pela perplexidade que desperta nas pessoas, o
Futebol comporta uma dimensão Estética (Paulo Cunha e Silva, Anexo 4).
O conceito de Estética (DiciopédiaX, 2006) remete-nos para a Filosofia do
século XVIII, tendo por base os pensamentos de Baumgarten e Kant,
apresentando-se assim, como uma disciplina filosófica. Este termo deriva, do
grego, aistesis, que significa "sensação". A Estética era, no contexto grego,
entendida como o supremo objectivo da Arte.
Actualmente Estética é, considerada a disciplina filosófica que trata dos
problemas da Arte.
Apesar da controvérsia existente em torno da afirmação, “o Futebol é Arte”,
consideramos que o Desporto e o Futebol partilham, com a Arte várias
dimensões, entre as quais a dimensão Estética. A. Marques (1993), destaca a
pertinência desta problemática ao referir que, “uma questão emergente nas
reflexões e formulações teóricas centra-se na consideração da existência ou
não de factores de aproximação entre desporto, a estética e a arte” (A.
Marques, 1993, pp. 33) acrescentando, e indo de encontro à possível
controvérsia, da afirmação a que aludimos anteriormente; “Futebol é Arte” que,
“mais polémica e complexa é a discussão das relações entre desporto e arte.”
(A. Marques, 1993, pp. 36). Sugerindo ainda, que apesar de ser consensual e
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pessoas.” Por este motivo, Lourenço & Ilharco (2007, pp. 84) salientam, tal
como o autor anterior que o Homem é, um ser essencialmente social, referindo
que “como seres-no-mundo somos-com-os outros.” O que vai de encontro a
Savater (s/d, cit. por J. Bento, 2004a, pp. 72) quando refere que “ser-se
humano (…) consiste principalmente em ter relações com outros seres
humanos (…) a vida humana boa é vida boa entre seres humanos ou, caso
contrário, pode ser que seja vida, mas não será nem boa nem humana”. Ideias
igualmente evidenciadas por Marisa Gomes (Anexo 5) a qual salienta que “o
individual, não se restringe a nós (…) Porque nós não vivemos sem
circunstâncias (…) isso não é vida, isso não é jogo, isso não é nada (…) o
Homem não é Homem, sem circunstâncias, nem Homem sem outros Homens.”
Sugerindo, e de encontro ao que já evidenciamos, que somos um fractal do
que vivemos, e do modo como nos inscrevemos no que nos rodeia.
“Se não houvesse a sociedade e a sua cultura, uma linguagem, um saber
adquirido, não seríamos indivíduos humanos” (Morin 2003, pp. 108).
Somos deste modo, animais sociais por excelência (Goleman, 2006), como
tal, caracterizamo-nos por termos hábitos de animais sociais (Jones, 2006), um
dos quais pode ser ir ao estádio de Futebol e conviver, num encontro de
Humanidade e com a Humanidade.
Enquanto seres sociais, possuímos um sistema de comunicação simbólico, e
axiológico que nos permite uma convivência que se revela muito interessante,
e não raras vezes proveitosa. “Nós, os humanos modernos, somos uns
primatas, e até podemos dizer uns humanos, extraordinariamente sociais,
sempre atentos, de forma permanente, aos sinais que nos chegam de outros
humanos e que nos ajudam a ler as suas mentes e a prever os seus actos”
(Arsuaga, 2007, pp. 365). Esta Inteligência Colectiva é, um aspecto
determinante para o Jogo de qualidade, pois é esta que se encontra subjacente
à possibilidade de um colectivo, expressar um pensamento em função da
mesma coisa e ao mesmo tempo (B. Oliveira et al., 2006; Valdano, 2002).
Laborit, H. (1987, pp. 25) esclarece que em comunidades tribais, e já
salientamos que o Futebol pode ser entendido deste modo, o indivíduo existe e
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registar essa resposta e por fim enviar a resposta para que possa ser cumprida
pelos órgãos efectores32. Cruyff (2002) salienta que o facto do Futebol ser uma
modalidade “menos mecânica” e mais imprevisível que as outras, implica uma
grande Inteligência para poder ser praticado. Platini (2006a) salienta, que
devido à existência de algumas Leis de Jogo, o Futebol se tornou num Jogo
distinto, “se não houvesse fora-de-jogo, este seria o jogo mais idiota de todos
(…) mas o fora de jogo criou este desporto inteligente, muito inteligente.”
Para J. Valdano (1998), a Inteligência de um Jogador é um aspecto
determinante, importando contudo realçar que a Inteligência de um Jogador,
deverá ser entendida como algo funcional, e que somente faz sentido se
entendida de forma contextualizada. Ou seja, o conhecimento dos Jogadores
deverá ir de encontro ao que refere Diderot (s/d, cit. por Changeux, 2003, pp.
76), para o qual o “conhecimento só é verdadeiro na medida em que há
conformidade entre as nossas ideias e a realidade das coisas”. Mais uma vez,
nesta citação, consideramos ser possível estabelecer uma grande proximidade
com o conceito de TácticoTécnica por nós apresentado.
Lobo (2007, pp. 180) refere que dos aspectos mais tranquilizantes no Futebol
é, “encontrar um jogador inteligente”, uma opinião partilhada por Garganta
(1999), que sugere que face às exigências do Futebol actual, a Inteligência e a
velocidade de pensamento são aspectos determinantes. Por este motivo
Menotti (1999, pp. 161) refere de forma inequívoca que, “não existe dentro de
campo maior força que a da inteligência”. Venglos (2001) sugere que a partir
do momento em que no Futebol, se reconhecer a importância da Inteligência,
este caminhará para o seu período mais prestigiante. È com o intuito de
contribuir para que tal suceda, que grande parte desta dissertação se centra
nesta problemática, e na necessidade de um entendimento e contemplação
32
Concordamos com Castelo (1998), quando refere que a Inteligência é determinante no
Futebol, contudo, conforme explicitaremos mais adiante, o modo como esta se expressa neste
fenómeno, vai muito para além da aparente linearidade processual proposta por este autor,
implicando uma fenomenolgia muito mais complexa, na qual se encontram implicadas e em
conexão diversas estruturas.
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“É engraçada a forma como você fala no plural. São de facto isso, inteligências. Há múltiplas
inteligências”
(Paulo Cunha e Silva, Anexo 4).
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Damásio (2004, pp. 183) considera ser “legitimo concluir que, na ausência de
emoções e sentimentos normais, especialmente na ausência de emoções
sociais, a emergência de comportamentos éticos seria improvável”
acrescentando, que “a eliminação da emoção e do sentimento acarreta um
empobrecimento da organização da experiência humana (…) a construção
cultural daquilo que deve ser considerado bom ou mau seria mais difícil”. Esta
citação reporta-nos, para a importância que as emoções podem ter no Futebol,
ao nível da construção de uma identidade social, isto é de uma Cultura, uma
Táctica, no seio de uma equipa e ainda, para a necessidade do cumprimento
dos “comportamento éticos”, que atendendo à Especificidade de um
determinado jogar, podem ser considerados, como sendo os respectivos
Princípios de Jogo.
O Futebol enquanto actividade Humana, comporta a presença em
permanência das emoções, visto tratar-se de uma dimensão omnipresente na
acção Humana. Segundo Cruyff (2002), o Futebol é um Jogo de emoções.
Uma opinião, sustentada por Jones (2006) que realça que as emoções têm no
Futebol um papel determinante e uma actividade bastante considerável, sendo
isso verificável, como sugere, através da variação dos níveis de testosterona,
decorrente das diferentes vivências possibilitadas por este fenómeno. Por este
motivo, Valdano (2002, pp. 250) salienta que “há aspectos puramente
emocionais de importância transcendental no desenrolar de um encontro de
futebol.”
Também a acção do treinador é, ou deverá ser altamente emocional na
condução de todo o processo, Lourenço & Ilharco (2007) salientam a
importância da Inteligência Emocional em diversos domínios da acção
Humana, incluindo no Futebol, tanto ao nível da operacionalização, por via da
“descoberta guiada”33, como também, nos processos de liderança. O
treinador enquanto líder é igualmente, um gestor de emoções, das suas e do
grupo. “O treinador deve assumir uma atitude interventiva imbuída de emoção
diferenciada (que «conduza» os jogadores ao processo do «sentir a emoção»),
33
Descoberta guiada: é uma das dimensões da operacionalização do processo. Mais adiante,
serão tecidas considerações mais pormenorizadas sobre este conceito.
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“E a mais fundamental das descobertas desta nova disciplina é: fomos concebidos para
conectar.”
(Goleman, 2006, pp. 11).
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Smith & Szathmáry, 2007). Estes dois factos, quanto a nós não devem ser
entendidos de forma dissociada, pelo contrário, sugerimos, que a evolução
nestes dois planos se fez de forma complementar. Algo que é corroborado por
Damásio (2004), o qual releva o papel das “emoções sociais” nos processos de
interacção e socialização. De acordo com Goleman (2006) o facto de termos
sido concebidos para conectar, levou a que a concepção do cérebro Humano
contribuísse, para a interconexão cerebral e por consequência corporal, entre
sujeitos, sugerindo mesmo, como já referimos, a existência de um “cérebro
social” e de uma “inteligência social”. Reeves et al. (2006) sugerem que o
funcionamento simultâneo de indivíduos conduz a uma Inteligência Colectiva,
algo que consideramos de grande importância no Futebol, uma actividade na
qual se pretende que diferentes indivíduos, e em número considerável, pensem
em função da mesma coisa, ao mesmo tempo (B. Oliveira et al., 2006;
Valdano, 2002), para que as Dinâmicas Colectivas e a qualidade de jogo,
possam emergir satisfatoriamente. Note-se contudo, que Smith & Szathmáry
(2007, pp. 227) salientam que a Inteligência Social não é exclusiva dos
Humanos, uma vez que é uma das características partilhadas pela
generalidade dos primatas. Apesar, de não se apresentar como uma
característica exclusiva da espécie Humana, constitui-se como um aspecto
determinante, ao ponto dos teóricos da evolução considerarem, “que a
inteligência social foi o talento primordial do cérebro humano” (Goleman, 2006,
pp. 485). Assim, o que importa reter é que os Humanos, são simultaneamente
indivíduos racionais e parceiros sociais (Changeux, 2003), sendo que outro
aspecto importante, e que não deverá ser ignorado é, o facto de todas as
dimensões da Inteligência Social, poderem ser aperfeiçoáveis (Goleman,
2006), à semelhança do que sucede com a Inteligência Emocional. Motivo pelo
qual, entendemos igualmente que os processos de Formação deverão
possibilitar o desenvolvimento das competências sociais, até porque,
consideramos ser de especial relevância para que os potenciais Talentos, não
perdendo a sua individualidade, a consigam expressar em conformidade com
um projecto colectivo.
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“Há vários tipos de inteligência: uma inteligência literária, uma inteligência musical, uma
inteligência corporal (…) há uma inteligência emocional (…) também há uma inteligência
futebolística, que jogadores como Pelé ou Maradona foram capazes de levar até às ultimas
consequências, até ao ponto de transmitirem a sensação de serem verdadeiros milagres
genéticos.”
(Valdano, 2002, cit. por Pacheco, 2005, pp. 76)
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“A evolução é isso mesmo: ela não se dedica a produzir a perfeição na engenharia, mas antes
adapta o que já existe, de modo simples e tão bem quanto consegue, a uma nova tarefa quando a
necessidade surge. E a evolução também não é gratuita: toda a mudança na concepção que
origine um benefício incorre inevitavelmente num custo”
(Dunbar, 2006, pp. 188).
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(seres humanos, térmitas) diferentes de si, enquanto um ser vivo seria definido
como resultado da evolução.”
Uma vez que anteriormente apresentamos o Futebol enquanto Fenómeno
AntropoSocialTotal, julgamos pertinente conhecer algumas particularidades
associadas à evolução da espécie Humana. Através da incursão, ao percurso
filogenético da espécie Humana, procuraremos especular, tendo em
consideração o Futebol, acerca da existência ou não, de hipotéticos
constrangimentos e ou potencialidades filogenéticas.
“A libertação dos membros anteriores como (enquanto) órgãos de locomoção, assim como a
horizontalização da visão ambos condicionados pela adopção do Bipedismo, permitiram a um
grupo restrito de vertebrados terrestres o domínio completo da Terra, devido ao aparecimento de
uma alteração anatómica bipedismo-dependente, caracterizada pelo desenvolvimento
extraordinário do encéfalo.”
(J. Leandro Massada, 2001, pp. 119).
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Desde então “temos estado sós no mundo. Não há espécie animal que se
pareça verdadeiramente com a nossa, uma vez que somos únicos” segundo
refere Arsuaga (2007, pp. 27), acrescentando ainda que existe um abismo, a
separar-nos no corpo, e sobretudo na mente (Corpo) dos restantes seres,
advertindo ainda que nenhum outro mamífero é bípede.
O bipedismo de facto assume-se, como uma característica bastante própria
do Homem, como salienta Craig Stanford (in Ackerman, 2006, pp. 53) “o
bipedismo é uma forma bizarra de locomoção. Entre mais de 250 espécies de
primatas, apenas uma se desloca sobre duas pernas.”
Para J. Leandro Massada (2001) o bipedismo pode ser entendido como uma
antiga conquista hominídea, sugerindo-a como sendo talvez, a primeira e mais
importante conquista evolutiva dos hominídeos. Importa contudo salientar, que
tendo em consideração a história das espécies, a qual se reporta a uma escala
de milhões ou biliões de anos, somente acerca de 300000 anos esta
característica se revelou com um padrão próximo daquele que conhecemos
actualmente, sendo assim em termos relativos, uma conquista que se pode
considerar recente (Lenadro Massada, Anexo 2).
Reichholf (1996) refere-se à adopção do bipedismo, e à possibilidade de
adoptarmos uma postura erecta, como uma característica especial,
apresentando a marcha na vertical como a característica exterior mais saliente
do Homem. Em conformidade, Dunbar (2006, pp. 37) salienta que entre outros,
o bipedismo é, um marcador fundamental da Humanidade, apresentando-o
mesmo, como a primeira característica a tornar-nos diferente das restantes
espécies. Percebe-se deste modo, que não é de estranhar que Platão (s/d, cit.
por Jones, 2006, pp. 199) tenha definido o Homo Sapiens como “um animal
bípede sem penas”. Numa versão um pouco mais refinada, Arsuaga, (2007)
apresenta-nos enquanto espécie, como “bípedes pensantes”. Este mesmo
autor, refere no entanto, que o bipedismo é, de forma unânime considerada a
menos «nobre» das senhas identitárias da espécie Humana. Não obstante,
importa reter neste ponto, que independentemente de ser, mais ou menos
«nobre», ou de quaisquer outro tipo de juízos que se possam efectuar, em
torno da aquisição do bipedismo, esta não deixa de ser uma senha identitária,
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“As patologias que nos desportistas privilegiam as regiões púbica e inguinal são ainda motivo
de especulação e, assim de controvérsia. Para isso contribui a complexidade anatómica da região
inguinal do Homem, evolutivamente mal preparada para suportar esforços mecânicos
determinados pela adopção do bipedismo e significativamente ampliados pela prática desportiva”
(J. L. Massada, 2003, pp. 231).
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bipedismo do Homo Sapiens” (J. Leandro Massada, 2001, pp. 143). Daqui se
depreende, que das regiões anatómicas em que se verificaram alterações mais
significativas se destacam, as observadas ao nível da pélvis, cujas alterações
apesar de determinantes para o sucesso da marcha bípede, implicaram custos
secundários consideráveis (Arsuaga, 2007). Para este autor, o estreitamento
das ancas observado como consequência das alterações pélvicas,
aproximando-as do centro de gravidade, rentabiliza energeticamente a marcha
bípede. Dunbar (2006, pp. 31) reportando-se às alterações pélvicas
observadas na nossa espécie refere, que a pélvis dos Humanos modernos,
apresenta uma forma muito peculiar, em forma de taça, tendo sido concebida
para proporcionar simultaneamente, uma plataforma estável sobre a qual
equilibrar o tronco e, um suporte em forma de “balde para as entranhas, que de
outro modo cairiam incontrolavelmente para a frente e ficariam pendentes
sobre os joelhos”, acrescentando ainda, que estas são, características
intimamente associadas a uma marcha bípede. A região pélvica, na espécie
Humana, observa os maiores índices pélvicos entre os primatas, e apresenta
um conjunto de particularidades muito distintas de outras espécies, podendo
ser considerada a estrutura que mostra maiores diferenças entre o Homem e
os simiídeos e os antropóides (J. Leandro Massada, 2001).
Consideramos, que o conjunto de alterações observadas ao nível da pélvis,
se assume de especial relevância quando é abordada a problemática do treino
de Futebol, como sucede no presente trabalho. “No Homem a extensão
completa da articulação coxofemural, determinada pela adaptação do
bipedismo, fragilizou evolutivamente a região inguinal” (J. L. Massada, 2003,
pp. 222).
O que pretendemos evidenciar com esta abordagem é, que a identificação da
funcionalidade das cadeias musculares centrais, e dos segmentos anatómicos
mais solicitados no Futebol, como são o caso das estruturas existentes na
região pélvica é, uma condição indispensável para um correcto entendimento e
operacionalização do binómio EsforçoRecuperação. O treino de Futebol,
implica da parte dos treinadores um conhecimento relativamente aprofundado
das bases fisiológicas e da anatomia funcional dos grupos musculares mais
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“No Homem, o punho e o cotovelo estruturaram-se de tal forma que permitiram que a mão se
tornasse quase um órgão inteligente”
(J. L. Massada, 2001, pp. 160).
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de cada indivíduo, estes poderão ter maior ou menor propensão para diferentes
lesões “que alimentam a indústria da podologia”, podendo ir de fracturas de
fadiga, à formação de joanetes, um problema mais comum entre as mulheres,
possivelmente por estas apresentarem ancas mais largas (Ackerman, 2006).
O conjunto de alterações registadas ao nível do pé levou a que o Homem
passasse a dispor de uma estrutura especializada na locomoção bípede, o pé,
tendo prescindido deste como ferramenta, como adverte Ackerman (2006).
Trata-se assim de uma tendência evolutiva, antagónica à verificada ao nível do
trem superior, e de modo mais concreto ao nível das mãos, que se
emanciparam, a partir do momento em que o Homem se tornou bípede. A mão
especializou-se em tarefas de preensão, tendo-se vocacionado para acções
manipulativas delicadas em detrimento de acções que implicam manipulações
de maior vigor e força (J. Leandro Massada, 2001; Ruiz, 2006). O que pelo que
foi anteriormente referido, se revela uma antítese relativamente ao que
sucedeu com os pés.
Para Ackerman (2006) o bipedismo revelou-se um modo de vida gerador de
múltiplas vantagens, tendo sido a libertação das mãos, muito provavelmente, a
principal. R. Garcia (2006) considera que foi a posição bípede, que ao permitir
a libertação das mãos para tarefas que não as de locomoção, possibilitou um
salto evolutivo considerável, sugerindo ainda, que a libertação das mãos,
tornou possível alterar o processo evolutivo, que deste modo, passou a ter um
significado Cultural e não exclusivamente Biológico. Ainda de acordo com R.
Garcia (2006) a característica anátomo-funcional mais diferenciada do Homem
é, a sua mão. Uma ideia igualmente partilhada por J. Leandro Massada (2001)
que salienta, que tal se deve à especialização deste segmento, a qual foi
definida pela oponência do polegar, o que pode ser considerado como um
aspecto muito importante para a evolução Humana. O desenvolvimento
tecnológico observado na espécie Humana, foi já por nós salientado como uma
consequência da adopção do bipedismo, contudo, importa realçar que este só
foi possível, pois a nova postura adoptada pelo Homem, conferiu uma enorme
liberdade às mãos, relativamente às restantes partes em movimento (Alfred
Russel Wallace, in Ackerman, 2006). Muito provavelmente ao tornar-se bípede,
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o Homem serviu-se mais das mãos, o que lhe permitiu desenvolver com maior
perfeição os seus utensílios (Reeves et al., 2006). A nova funcionalidade
conferida às mãos que implicava uma motricidade mais refinada, típica da
nossa espécie (Ackerman, 2006), levou o Homem a desenvolver de modo mais
aperfeiçoado os seus instrumentos, permitindo-lhe deste modo, uma relação
mais facilitada e inclusive dominadora, ainda que por vezes desrespeitosa, face
ao meio envolvente.
“A liberdade das mãos para fazer ferramentas, manejar armas e atirar pedras
estimulou o contínuo crescimento do cérebro, o que é uma característica da
evolução humana e pode mesmo ter contribuído para o desenvolvimento da
linguagem” (Capra, 1996, pp. 205). Daqui se depreende que a libertação das
mãos para novas funções, foi determinante para a aquisição de faculdades que
nos tornam únicos. De acordo com Reichholf (1996, pp. 212) “com o
desenvolvimento da linguagem, o Homem dominou o último grande passo da
hominização”, acrescentando, que foi a partir do momento em que o Homem
pôde falar, que se tornou num Humano completo.
A mão funcionou pelo exposto, ao longo da filogénese Humana, como um
utensílio pessoal extraordinário (J. C. Mendes, 1985), capaz de proporcionar ao
Homem conquistas importantes que o afastaram das restantes espécies. “No
Homem, o punho e o cotovelo estruturaram-se de tal forma que permitiram que
a mão se tornasse quase um órgão inteligente” (J. L. Massada, 2001, pp. 160).
Tendo em consideração, que tal como pretendemos evidenciar neste
trabalho, a Inteligência não deve ser entendida como algo centralizado num
único órgão, o cérebro, mas sim como uma potencialidade e faculdade
Corpórea, sugerimos que a adopção de uma nova funcionalidade para as
mãos, a partir da adopção do bipedismo, que foi sendo culturalmente
perpetuada e aprimorada, levou a que as mãos se emancipassem
relativamente a outras estruturas anatómicas, tornando-se, face ao refinamento
das suas acções e potencialidades das mesmas, como estruturas Inteligentes
(J. L. Massada, 2001). Sendo importante realçar, que se os pés se
submetessem a um processo evolutivo análogo, poderiam teoricamente
constituir-se como duas estruturas Inteligentes, cérebros (Leandro Massada,
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“Sempre nos foi difícil admitir esse parentesco, como sabe. A origem animal do homem choca
com tal violência contra as convicções filosóficas ou religiosas que recebe ainda numerosas
reticências …”
(Reeves et al., 2006, pp. 97).
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aparentemente ContraNatura
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aparentemente ContraNatura
Figura 1 - Cladograma relativo aos hominóides actuais (Adaptado de Arsuaga, 2007, pp. 33).
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aparentemente ContraNatura
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acrescenta, ser um facto, que não revela falta de mérito uma vez que, são
muito mais hábeis com os pés do que os Humanos. Conforme esclarece J. L.
Massada (2001, pp. 167) “entre os primatas, a acção de garra mostra-se
plenamente desenvolvida na mão e no pé, facto que não se observa no Homo
Sapiens ao nível do pé.” Em conformidade Will Harcourt-Smith (in, Ackerman,
2006) salienta que de entre os primatas somos a única espécie, que abdicou
do pé como órgão dominantemente vocacionado para agarrar objectos. Nos
primatas, como os gorilas ou os chimpanzés, verificou-se a perpetuação do pé
preênsil, a marcha vertical equilibrada observa-se numa forma ainda
rudimentar, nestes as «patas» anteriores são na verdade braços, utilizados
para funções próprias das mãos, como agarrar e suspenderem-se em árvores,
mas não para correr, contrariamente ao que sucedeu no Homem, em que o pé
apto para a marcha bípede e corrida, se desenvolveu de forma muitíssimo mais
significativa, o mesmo não sucedendo com as mãos (Reichholf, 1996).
Como afirma Ackerman (2006, pp. 59) “o pé do chimpanzé é um atributo
espantosamente útil e versátil, essencial para trepar ás árvores e capaz de
tanto movimento e manipulação como a sua mão. Em contraste, o pé humano
é um órgão hiperespecializado, concebido para (…) impulsionar o corpo em
frente e absorver o choque resultante desse movimento.” Acrescentando, que
“o bipedismo pode ter libertado as mãos, mas manietou os pés.” Por este
motivo aludimos no título do ponto anterior, para o facto das bases anatómicas
da Hominização nos terem «atado» de pés, mas não de mãos. A mesma
autora refere ainda, que a proficiência revelada pelos pés de um chimpanzé
resulta, do facto de apresentarem dedos oponíveis. Uma característica que
como salienta Reichholf (1996), não se verifica no pé Humano, sendo nesta
espécie apenas evidente ao nível das mãos, que como realça, apresentam
como característica especial, o facto do polegar se encontrar separado dos
restantes dedos, possibilitando deste modo, uma preensão firme e ainda, com
o auxílio do dedo indicador, segurar objectos com enorme delicadeza,
efectuando acções idênticas à de uma pinça. Também J. L. Massada (2001,
pp. 167) realça o facto evidenciado pelos autores anteriores, ao afirmar que “ao
contrário do Homem, a grande maioria dos primatas mostra uma grande
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Plasticidade: é uma temática que será suficientemente abordada mais adiante nesta
dissertação.
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a) b)
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“Os organismos, por outro lado, mostram um elevado grau de flexibilidade e de plasticidade
internas (…) deixam margem para variação e flexibilidade, e é essa que habilita os organismos
vivos a adaptarem-se a novas circunstâncias”
(Capra, 2005, pp. 262).
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Em busca da Exequibilidade do Trinómio Mais Futebol, Mais Criança, Mais Educação
“O que é que vamos fazer das nossas crianças e do nosso compromisso com elas? Não
esqueçamos que o segredo do homem é a sua própria infância”
(J. Bento, 2004, pp. 111).
“A brincadeira tem vantagens muito sérias; através de anos e anos a brincar, as crianças
adquirem uma vasta gama de competências sociais”
(Goleman, 2006, pp. 262).
“Brincava a criança
Com um carro de bois.
Sentiu-se brincando
E disse, eu sou dois!
Há um a brincar
E há outro a saber
Um vê-me a brincar
E o outro vê-me a ver”
(Pessoa, s/d.).
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Em busca da Exequibilidade do Trinómio Mais Futebol, Mais Criança, Mais Educação
“Tudo aquilo que aprendi sobre a moral dos homens, aprendi-o nos campos jogando futebol”
(Alberto Camus, s/d, cit. por Lobo, 2002, pp. 64).
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Em busca da Exequibilidade do Trinómio Mais Futebol, Mais Criança, Mais Educação
cresceu enquanto pessoa, destacando que estar envolvido desde muito cedo
no Desporto, e de forma particular no Futebol, o levaram a interiorizar regras
que lhe permitiram ascender ao nível que alcançou, pois ensinaram-lhe a
respeitar e a aplicar-se nos compromissos assumidos.
Face às evidências por nós apresentadas, o Futebol deverá ser entendido
como um espaço capaz de contribuir para a Formação integra dos jovens, o
que se por um lado lhe aumenta o estatuto, acarreta-lhe simultaneamente
responsabilidades acrescidas, para as quais, tanto clubes, como treinadores, e
outros agentes desportivos terão de estar preparados, pois só deste modo,
corresponderão às expectativas dos educadores que incumbem o Desporto e o
Futebol, da responsabilidade de contribuírem para a Formação dos seus
educandos, e por conseguinte, de contribuírem para a construção do futuro das
sociedades. O aumento de responsabilidades a este nível, implica quanto a
nós, da parte dos intervenientes neste processo a interiorização da seguinte
advertência de Bento (2007, pp. 51), “o desporto não quer apenas ver
aumentada a sua prática. Quer que ela seja conforme a padrões garantes de
qualidade educativa”.
Face ao exposto, se devidamente levado a efeito torna-se exequível, através
de Mais Futebol aceder a Mais Educação.
“Desporto e pedagogia
Se os juntassem como irmãos, esse conjunto daria
Verdadeiros cidadãos!
Assim sem darem as mãos o que um faz, o outro atrofia”
(António Aleixo, s/d, cit. por J. O. Bento, 2004, pp. 205).
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Em busca da Exequibilidade do Trinómio Mais Futebol, Mais Criança, Mais Educação
Não obstante este facto tem se observado que o treino, e de modo particular
o treino de jovens tem permanecido divorciado, mesmo sem nunca ter casado,
da Aprendizagem Motora, devido ao incorrecto tratamento e entendimento das
suas matérias de ensino (V. Frade, 1979; Tani, 2002). Por este motivo, e tendo
por base as palavras de António Aleixo (s/d, cit. por J. O. Bento, 2004),
Desporto e Pedagogia têm adoptado orientações divergentes, “atrofiando-se”
reciprocamente.
O Futebol tem recebido influências da evolução genérica dos conceitos
existentes no âmbito do treino desportivo, revelando-se predominantemente
durante a sua evolução, mais receptor do que transmissor de ideias e
conhecimentos, o facto de ser mais influenciado do que influenciador conferiu-
lhe um défice de informação no âmbito desportivo (Ramos, 2003). O facto do
Futebol não se ter constituído como uma temática específica, motivou que
fosse atomizado (Sobral, 1995) e colonizado pelas restantes modalidades,
especialmente pelas modalidades individuais, o que motivou que o percurso
adoptado pelo treino em Futebol se tenha caracterizado pela exacerbação da
dimensão física, tendo prevalecido na área do Desporto um entendimento
redutor, e como tal desajustado, segundo o qual apenas os conhecimentos
provenientes da Biomecânica e Fisiologia do Exercício, são considerados
relevantes para o sucesso das prestações desportivas (Tani, 2002). O mesmo
autor faz notar contudo, que se tem observado uma ligeira alteração,
permitindo que áreas como a Psicologia do Desporto e a Cineantropometria,
contribuam com os seus conhecimentos para o Desporto, permanecendo no
entanto, e de forma paradoxal, a área da Aprendizagem Motora divorciada,
sem que esta se tenha casado em momento algum, com o Desporto de
Rendimento. Depreende-se deste modo, que a dimensão energética tem sido
sobrevalorizada relativamente aos aspectos relacionados com o tratamento da
informação, ignorando-se assim, o papel do cérebro no processo de treino, e o
papel do músculo enquanto órgão sensitivo, entendendo-se este último como
um mero efector de movimento, capaz de transformar energia química em
energia mecânica. Em conformidade Lopes (2007) denuncia, que o treino de
jovens se encontra fortemente influenciado pelo que se faz convencionalmente
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6.4 – Quanto mais e mais cedo melhor, desde que seja Futebol?!
“O jogador de futebol devia colocar uma bola debaixo da cama para, logo ao acordar, a tocar,
acariciar, dar o primeiro toque, ganhar sensibilidade, e, assim, criar intimidade com ela.”
(Didi, 2006).
Como já foi por nós suficientemente salientado, o Futebol pelo seu impacto
social assume uma relevância imensa no quotidiano das sociedades,
condicionando, e sendo também condicionado pelas tendências destas. “A
evolução dos tempos, da sociedade e as recentes transformações operadas
nos hábitos desportivos dos cidadãos, faz com que cada vez mais cedo se
inicie a prática desportiva de crianças e jovens” (Pacheco, 2001, pp. 11).
Apesar desta evidência verifica-se que essa prática, considerada formal, se
afasta um pouco daquela que se observava outrora, e cuja tendência,
decadente, é antagónica à observada pelas práticas formais institucionalizadas.
A prática informal de Desporto, e em particular de Futebol, onde o Futebol de
Rua se destacava, são realidades que se têm eclipsado, tal como também já
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Em busca da Exequibilidade do Trinómio Mais Futebol, Mais Criança, Mais Educação
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Em busca da Exequibilidade do Trinómio Mais Futebol, Mais Criança, Mais Educação
Hunt, 1969; Janelle & Hillman, 2003; Jensen, 2002; Kotulak, 1996; Levitin,
2007; Salmela & Moraes, 2003; Sprinthall & Sprinthall, 1993; J. Starkes &
Ericsson, 2003; Stein, 1997; Stemberg, 1997; Stones, Hong, & Kozma, 1993)
que sugerem que o alcance de desempenhos de excelência, ou construção de
Talentos em diferentes domínios, é fortemente condicionado por aspectos
exógenos, dos quais a elevada quantidade de estímulos e de prática, ao longo
de vários anos assume especial relevo. Daí que possamos especular, acerca
das potencialidades que poderão advir, da cada vez mais precoce prática
desportiva, no que à exponenciação de Talentos no Futebol diz respeito.
Nas últimas décadas a problemática dos Talentos tem no âmbito da
Psicologia Geral, e também da Psicologia do Desporto, sido alvo de diversos
estudos, fazendo com que a temática da “Expertise” tenha registado uma das
expansões mais significativas nas áreas da Psicologia e das Ciências
Cognitivas (Ericsson & Smith, 1991). Sendo actualmente consensual
considerar-se, que o desenvolvimento do Talento, e o alcance de
desempenhos de excelência resultam de um continuado incremento nas
prestações, ao longo de um processo que ocorre durante anos e décadas
(Ericsson, 2003; J. L. Starkes & Ericsson, 2003).
“…se um miúdo tiver uma predisposição enorme para jogar futebol, e nunca
jogar, concerteza que não vai ser um talento um «expertise». Porque a prática,
o meio não estimula o desenvolvimento desse talento.” (Marisa Gomes, Anexo
5). A nossa entrevistada acrescenta ainda, que o Futebol apresenta como
particularidade o facto de requisitar, pela sua especificidade funcional, um
processo de adaptabilidade muito longo.
O que acabamos de salientar é facilmente observável se analisarmos o
percurso de Vida de alguns dos maiores Talentos de diferentes áreas a nível
mundial, como do Desporto, da Música e das Ciências, verificando-se que
todos eles têm em comum muitos anos de labor nas respectivas actividades
(Buzan, 2003; Levitin, 2007). Ao longo deste processo à La Long, são vários os
aspectos que contribuem para o alcance, ou não, de um patamar de
excelência, sendo o contexto em que os Talentos se desenvolvem um aspecto
determinante (Côté, Baker, & Abernethy, 2003; Côté, Macdonald, Baker, &
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Em busca da Exequibilidade do Trinómio Mais Futebol, Mais Criança, Mais Educação
Abernethy, 2006; Dias, 2005; Ericsson, 1996; Salmela & Moraes, 2003; Stein,
1997; Stemberg, 1997; Stones, Hong, & Kozma, 1993). Sendo o Futebol um
Fenómeno AntropoSocialTotal, capaz de exercer enorme influência sobre o
contexto social em que os jovens se desenvolvem, tal poderá representar a
existência de um contexto propenso ao desenvolvimento de Talentos nesta
modalidade. Dos vários aspectos relacionados com o contexto a influência dos
familiares, dos pares e dos treinadores assume especial importância (Almeida,
Paiva, Rodrigues, & Sousa, 1991; Côte, Baker, & Abernethy, 2003; Ericsson,
1996; Salmela & Moraes, 2003), não sendo de descurar também o contexto
sócio-económico em que os Talentos estão inseridos (Côté et al., 2006;
Salmela & Moraes, 2003; Stein, 1997; Stemberg, 1997) e ainda, os estilos de
vida (Stones et al., 1993). A relação entre o contexto e Talento, é de tal forma
próxima, que podemos entendê-los como um sistema (Stein, 1997).
Não obstante a relevância dos aspectos referidos anteriormente, e que
afectam de forma indirecta o desenvolvimento dos Talentos, vários autores
(Buzan, 2003; Goleman, 2003; Janelle & Hillman, 2003; Levitin, 2007) são
unânimes em apontar a quantidade de prática como um aspecto preponderante
para o alcance de desempenhos de excelência, podendo mesmo ser sugerida
como o denominador comum, para o alcance da excelência (Janelle & Hilman,
2003).
A importância da prática no desenvolvimento de Talentos tem vindo a ser
estudada com base na Teoria da Prática Deliberada, sugerida por Ericsson &
Charness (1997), como o grande mecanismo capaz de despoletar níveis de
performance excelentes. A Prática Deliberada é descrita, como uma forma de
prática bastante estruturada, que permite o alcance de Aprendizagens
efectivas, requerendo esforço e concentração, produzindo recompensas não
imediatas, e sendo motivada por objectivos relacionados com a melhoria dos
desempenhos (Côte et al., 2003; Ericsson, 1996; J. L. Starkes, Deakin, Allard,
Hodges, & Hayes, 1996). A Prática Deliberada pode ainda ser caracterizada,
pela existência, de tarefas ajustadas ao nível de cada indivíduo, de feedback
informativo, de oportunidade de repetição, de correcção de erros e esforço e de
concentração durante as sessões de prática, sem que deste tipo de prática
270
Em busca da Exequibilidade do Trinómio Mais Futebol, Mais Criança, Mais Educação
tenha de resultar uma situação de prazer imediato, embora este possa estar
inerente à actividade e ao alcance dos objectivos estabelecidos (Ericsson,
1996). Em nosso entendimento, e como procuraremos evidenciar mais adiante
nesta dissertação, a possibilidade de desprazer não se coaduna, com aquela
que era a realidade observada outrora, quando os jovens se iniciavam no
Futebol. Pensamos tratar-se mesmo, da principal objecção à aplicabilidade da
Teoria da Prática Deliberada ao Futebol, uma actividade em que o Talento se
desenvolve de forma tanto mais evidente, quanto mais prazenteiro for o
processo. Contudo, reconhecemos nesta teoria alguns aspectos que nos
parecem determinantes para o desenvolvimento do Talento, como o facto de
considerar determinante, a quantidade de prática a que os indivíduos são
submetidos nas respectivas actividades. Ericsson (1996) um dos pioneiros da
investigação neste domínio, com base em alguns estudos sugere uma regra,
que determina que para se alcançarem desempenhos de excelência, os
Talentos devem despender de pelo menos 10 anos de preparação, sugerindo
ainda, que a quantidade de horas diárias dispendida na prática de tarefas
relacionadas com o alcance dos objectivos pretendidos, é essencial, podendo o
período de exercitação, estender-se por 4 ou 5 horas. Sendo o Futebol uma
actividade, cuja iniciação ao nível do Rendimento Superior se verifica em
idades não muito avançadas, e sendo a carreira de um Jogador neste nível, de
relativamente curta duração, torna-se pertinente face a tais evidências, que o
início da prática se faça em idades ainda precoces.
Os efeitos de uma elevada quantidade de prática numa determinada
actividade têm repercussões claramente vantajosas, sobre os diferentes
domínios da “Expertise”, domínio fisiológico, técnico, cognitivo e emocional
(Ericsson, 1996; Janelle & Hillman, 2003; Shea & Paull, 1996). Importa ainda
reter, relativamente à teoria da Prática Deliberada, que de acordo com alguns
autores (Ericsson, 1996; Ericsson & Charness, 1997), a sua relevância não se
cinge apenas à aquisição de performances excelentes, mas também, à
manutenção dessas performances. De acordo com Goleman (2003) a
quantidade de prática é determinante para o alcance de desempenhos de
excelência, sugerindo que da iniciação precoce numa determinada actividade
271
Em busca da Exequibilidade do Trinómio Mais Futebol, Mais Criança, Mais Educação
advêm vantagens que duram para o resto da vida. O mesmo autor refere ainda,
que determinados traços emocionais, como a persistência e entusiasmo, são
determinantes, uma vez que permitem que os Talentos de diferentes domínios,
se dediquem durante largos períodos das suas Vidas, às respectivas
actividades, mesmo submetendo-se a árduas rotinas. “Se o indivíduo tiver
capacidade de tolerância à dor, se o indivíduo for persistente, se o indivíduo
tiver determinados objectivos, esse pode fazer emergir todo o talento (…) se
ele não tiver nada disso e a sociedade neste momento está a fazer, esse
mesmo grupo de indivíduos que estão desinteressados esse talento nunca
emerge.” (Leandro Massada, Anexo 2).
272
Em busca da Exequibilidade do Trinómio Mais Futebol, Mais Criança, Mais Educação
grupo. Algo que nos parece fazer todo o sentido, uma vez que se trata de uma
modalidade colectiva, que como tal, tem uma complexidade diferente,
presumivelmente maior, o que poderá explicar o motivo pelo qual o número de
anos para se alcançarem desempenhos de excelência, seja um pouco superior
àquele que se observa noutros domínios estudados, geralmente actividades
centradas em actividades de carácter individual.
Helsen et al. (1998) sugerem ainda, que nas idades mais precoces a prática
deverá ser mais individualizada, para depois em idades mais adiantadas,
nomeadamente a partir dos 9 anos, se ir tornando progressivamente mais
intensa e colectivizada.
Dias (2005) com base na sua pesquisa, realça a importância de um elevado
número de horas de prática relacionada com o Futebol, advertindo contudo,
para um aspecto que consideramos de enorme relevância, ao sugerir que essa
quantidade de prática deverá encontrar-se associada à qualidade. A mesma
autora, referindo-se à questão do hipotético desprazer inerente à Prática
Deliberada no Futebol, sugere que se trata de uma falsa questão, visto que os
Jogadores sentem prazer, mesmo que de forma indirecta, ao verificarem que
evoluem ao nível dos seus desempenhos. No mesmo trabalho a autora analisa
as questões relacionadas com o contexto sócio-cultural, salientando que o
papel de pais, treinadores e pares, pode ter efeitos positivos e negativos sobre
a performance dos talentos.
R. Costa (2005) afirma ser um mito, considerar-se que o Talento é
determinado geneticamente, salientando que os desempenhos de excelência
revelados pelos indivíduos, em áreas como o Futebol, resultam do empenho
investido nas actividades ao longo de vários anos de prática, permitindo-lhes
alcançar melhorias extraordinárias.
Os aspectos que consideramos mais importantes reter, relativamente à
Teoria da Prática Deliberada são, o facto de realçar a importância de grande
quantidade de prática, e por conseguinte, da necessidade de iniciar
precocemente a prática numa determinada actividade.
Já anteriormente salientamos, que o facto da carreira de um Jogador de
Futebol, num nível de rendimento elevado se iniciar e terminar precocemente,
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Em busca da Exequibilidade do Trinómio Mais Futebol, Mais Criança, Mais Educação
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Em busca da Exequibilidade do Trinómio Mais Futebol, Mais Criança, Mais Educação
“Tudo o que fazia, cada passo que dava, tinha a ver com isso, com a bola
(…) saía de casa às duas (…) e, às duas e um quarto, já estávamos a jogar.
Sempre a dar-lhe, sob os raios de sol!, e não nos importávamos nada e
dávamos tudo por tudo (…) Por volta das sete, parávamos um bocadinho,
pedíamos água nalguma casa e continuávamos. Jogávamos na escuridão, era
igual. E agora oiço dizer, por aí, que em tal campo falta luz (…) Não sei se
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Em busca da Exequibilidade do Trinómio Mais Futebol, Mais Criança, Mais Educação
“Lembro da primeira bola (…) estava sempre comigo, dormia, estava sempre
no meu quarto, quando estudava ela estava presente, e fazia parte do meu dia
a dia.” (Sabrosa, 2005).
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Em busca da Exequibilidade do Trinómio Mais Futebol, Mais Criança, Mais Educação
“Eu comecei a jogar Futebol na minha terra, Campos. E a minha terra sempre
foi um dos grandes celeiros, do Futebol brasileiro. Quando eu comecei, aos 11,
12 anos, ao lado de minha casa, havia vários terrenos baldios, e a gente
conseguia cada semana, roubar uma meia da mamãe ou do papai, e aí nós
começávamos a fazer as nossas bolinhas para que pudesse dar sequência às
boas peladinhas, ao lado de casa” (Didi, 2006).
“O jogador de futebol devia colocar uma bola debaixo da cama para, logo ao
acordar, a tocar, acariciar, dar o primeiro toque, ganhar sensibilidade, e, assim,
criar intimidade com ela.” (Didi, 2006).
“… São um pouco os pais (…) que nos traçam o destino, que definem como é
que vamos ser na vida.” (Zidane, 2002).
“… Era sempre, sempre, sem parar (…) a única coisa que me interessava era
jogar à bola, era jogar futebol.” (Zidane, 2002)
“Quando era criança, não tinha brinquedos, nem me interessava muito por
eles, nem pelos carrinhos. Só me interessava por Futebol. Dormia agarrado à
bola e a minha primeira palavra foi «golo», e a segunda foi «Benfica».” (R.
Costa, 2006).
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Em busca da Exequibilidade do Trinómio Mais Futebol, Mais Criança, Mais Educação
“Eu fui criado desde pequeno, no meio do Futebol, eu com 2 anos de idade
fui, morar no PPI, são nove prédios de apartamentos, quase mil apartamentos,
quase 5 mil pessoas, e tinha vários campos no meio desses prédios, inclusive
em cada prédio tinha um pátio interno. E, desde pequenininho fui, criado ali
jogando Futebol.” (Tostão, 2006).
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Em busca da Exequibilidade do Trinómio Mais Futebol, Mais Criança, Mais Educação
“Passei muito tempo em Chase Lane Park. Se não estava com os rapazes
mais crescidos, estava com o meu pai (…) Ficávamos lá horas sem fim, a
treinar. Todos os meus pontos fortes no jogo, aprendi-os e pratiquei-os com o
meu pai há vinte anos atrás (…) até ficar tão escuro que já não víamos um
palmo à frente do nariz.” (Beckham, 2004, pp. 29).
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Em busca da Exequibilidade do Trinómio Mais Futebol, Mais Criança, Mais Educação
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Especificidade Precoce: importa realçar que o nosso entendidento de Especificidade
Precoce deverá implicar algo mais, que especificidade funcional relativa à prática de Futebol.
Na verdade, apenas se poderá designar de Especificidade, e não especificidade, se esta tiver
subjacente uma determinada concepção de jogo, que orienta e se afigura como referencial
último de todo o processo de Formação. Ou seja, deverá ter subjacente uma determinada
Cultura (um jogar), cuja “variabilidade cultural” deverá ser dada a conhecer desde idades muito
precoces aos jovens. Implicando deste modo, a necessidade de se ponderar devidamente o
que se entende por Cultura, sendo para tal fundamental entender o Jogo (Marisa Gomes,
Anexo 5), visto que é através de uma Cultura de qualidade, que se tornará facilitado o acesso
ao Rendimento Superior.
280
Em busca da Exequibilidade do Trinómio Mais Futebol, Mais Criança, Mais Educação
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Cargas: por entendermos tratar-se de um conceito muito conotado com a norma do treinar, e
por entedermos ser associado a um entendimento redutor da essência do treino, uma vez que
se reporta convencionalmente à dimensão física que o Jogo comporta, sugerimos como
alternativa, e tendo em consideração a globalidade do fenómeno, o conceito de desempenho.
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Em busca da Exequibilidade do Trinómio Mais Futebol, Mais Criança, Mais Educação
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Em busca da Exequibilidade do Trinómio Mais Futebol, Mais Criança, Mais Educação
nas idades mais baixas, tem que ser uma aposta clara nos escalões de
formação … não nos juniores nem nos juvenis … também tem que ser nestes
escalões, mas sobretudo cá em baixo (…) Um treinador que não entenda o
jogo e a essência do jogo, a trabalhar com estes miúdos é matar muitos
talentos.” (Marisa Gomes, Anexo 5).
O que pretendemos neste ponto é, ao “mesmo tempo que estamos a apreciar
o percurso «natural» do praticante, desde que se inicia «na rua», até ao futebol
mais institucional, (…) destacar que essas práticas mais naturais, utilizadas na
rua, nas primeiras etapas da sua evolução, podem ser excelentes processos
para a criação de metodologias próprias do futebol, em que se transferem para
o «treino sério», muitas das formas que a Criança utiliza na rua, evidentemente
com graus de exigência necessários a cada nível de competição.” (Ramos,
2003, pp. 15).
“Está aqui a bola que me ajudou muito. Ela e as irmãs dela. São uma família por quem tenho
uma gratidão enorme. Na minha passagem pela Terra, ela foi a principal. Porque sem ela ninguém
joga. Eu comecei numa fábrica de Bangu. Trabalhando até que encontrei esta minha amiga. E
estive sempre muito feliz com ela a meu lado. Graças a ela conheço o mundo inteiro, viajei muito
tive muitas mulheres.”
(Domingos da Guia, s/d, cit. por Galeano, 2005, pp. 83).
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Em busca da Exequibilidade do Trinómio Mais Futebol, Mais Criança, Mais Educação
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Neste ponto do trabalho, pontualmente serão feitas alusões ao conceito de “técnica”, contudo
queremos relembrar que este deverá ser entendido, de acordo com o conceito de
TácticoTécnica, já por nós apresentado. “O gesto somente faz sentido na harmonia com o
contexto; não tem valor em si mesmo.” (Bento, 2005).
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Em busca da Exequibilidade do Trinómio Mais Futebol, Mais Criança, Mais Educação
“Ronaldo arrancou, passou a bola por cima do cão (…) e antes da bola cair
no chão, já ele estava do outro lado para a segurar no ar e retroceder fintando-
o pelas costas (…) Ronaldo já corria pela sala de jantar, como se todos
aqueles móveis fossem seus adversários num jogo de futebol. As cadeiras, a
mesa (…) fintava-as pela direita, pela esquerda, pelo centro…” (Fabra, 2005,
pp. 14).
“A bola é quase a minha vida toda, não tenho nenhuma recordação que não
inclua uma bola. No meu bairro em Porto Alegre passei a infância a jogar à
bola. Nunca me separava da bola, driblava, driblava, driblava sem parar.
Jogava na rua com os meus colegas, mas também jogava horas sozinho ou
com o meu cão o «Bombom», que era incansável. Com ele, tentei todas as
fintas possíveis, para evitar que ele trincasse a bola, com excepção do «túnel»,
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Em busca da Exequibilidade do Trinómio Mais Futebol, Mais Criança, Mais Educação
“Para mim, era uma amiga. Mas, para certos jogadores é sua inimiga. Creio
que a bola é uma amiga para o artista. É como o pintor. O pincel é o seu
amigo.” (Platini, 2006a).
“Desde que me lembro de ser gente, que a bola é a minha mais fiel
companheira.” (Ricardinho, 2007, in Brás, 2007, pp. 14).
“Tudo o que fazia, cada passo que dava, tinha a ver com isso, com a bola. Se
a Tota me mandava buscar alguma coisa, levava qualquer coisa comigo que se
parecesse com uma bola para poder ir jogando com o pé: podia ser uma
laranja, bolas de papel, ou de trapos. Assim subia as escadas da ponte sobre o
caminho-de-ferro, a saltar num pé – o direito – e levava fosse o que fosse no
esquerdo, tac, tac, tac… Assim ía para a escola também, ou sempre que a
Tota me mandava fazer um recado.” (Maradona, 2005, pp. 14/15).
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Em busca da Exequibilidade do Trinómio Mais Futebol, Mais Criança, Mais Educação
meia, ou uma bexiga de boi, compreendeu. Tudo isso é para ele começar a
jogar Futebol.” (Moreira & Moreira, 2006).
“Você pode fazer uma porção de coisas com a bola. Só que tem gente que
não gosta de perder tempo com isso (…) então se você quiser aprender,
aprende como a bola mexe. Fica sozinho com a bola você aprende coisas
dessas (…) agora tem de gostar dela.” (Zizinho, 2006).
“Se você quiser aprender muito mesmo, às vezes você comete um erro numa
partida que, depois vai para o campo treina e aquele erro é, uma coisa que
você vai usar muitas vezes, o que para muita gente é um erro, você passa a
usar como se fosse uma virtude sua, que partiu de um erro. Se aprende sim.”
(Zizinho, 2006).
“Na rua, não há, não há obrigações. Só há obrigação de fazer o que nos
apetece! Com a bola é assim, felicidade pura!” (Zidane, 2002).
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Em busca da Exequibilidade do Trinómio Mais Futebol, Mais Criança, Mais Educação
Com base no exposto acima, torna-se evidente que a bola foi ao longo da
infância dos Talentos uma companhia, e que a intervenção quando existia
visava guiar e não limitar a criatividade, encontrando-se essencialmente
centrada no desenvolvimento da relação com a bola, e não com os aspectos
considerados secundários (Cruyff, 2002).
De acordo com Ramos (2003) o conjunto de práticas naturais, que
caracterizou a iniciação destes Jogadores no Futebol, poderá servir de guião
para um conveniente desenvolvimento de Talentos no Futebol. Por este motivo,
apresentaremos algumas indicações, que quanto a nós, poderão ajudar na
criação de um Útero Artificial:
Nas idades mais precoces e até a Criança abandonar o egocentrismo
que a caracteriza, nos primeiros contactos com o Jogo (Pacheco, 2001) torna-
se fundamental que experimentem e descubram, num clima relativamente
informal, as infinitas formas de contacto com a bola. O contacto diversificado da
bola com diferentes partes do Corpo é apontado como um aspecto fundamental
nestas idades (Garganta & Pinto, 1998; Pacheco, 2001; Wein, 2004).
Realização de actividades nos treinos, como por exemplo, concurso de
toques, exibição de habilidades como fintas e dribles com bola, desafios de
precisão de passe (“Futebol Golfe”, “Rabia ou Meinho) e de remate (“Bola aos
postes”, “Remate de Precisão”, “Baliza em Baliza”), jogos que explorem as
qualidades de drible e finta, associadas ao remate (“Jogo de Todos contra
Todos”, “Jogos realizados em «gaiolas»”), entre outras actividades (ver Cruyff,
2002; Michels, 2001 Pacheco, 2001; Ramos, 2003; Valdano, 1998, 2002; Wein,
2004) que fazendo parte das infâncias de outrora, são altamente estimulantes e
divertidas, permitindo desenvolver de forma entusiasta, motivante e competitiva
os aspectos relacionados com a “técnica individual”. Note-se que todas as
sugestões efectuadas deverão contemplar diferentes variantes, com o intuito
de estimular de forma mais propensa todas as partes do Corpo que podem
contactar com a bola. Consideramos que estas actividades, “resultam em
grandes vantagens no processo ofensivo, quer na segurança individual na
«manutenção da posse da bola», quer nos desequilíbrios na defesa adversária
quando, evidentemente, articulados em coerência às acções colectivas.”
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(Ramos, 2003, pp. 28). Esta evidência parece-nos muito pertinente para o
desenvolvimento de Jogadores capazes de expressar subliminarmente jogares
de cariz táctico-técnico (J. G. Oliveira, 2004) e de dominância marcadamente
ofensiva, como consideramos ser desejável para a elevação da qualidade de
Jogo.
As Crianças deverão ser incitadas pelos treinadores, a explorarem em
contexto que não o de treino a relação com a bola. Como se observa em
alguns dos relatos supratranscritos, grande parte da Aprendizagem dos
Talentos no Futebol, resultou de um processo que se prolongava muito para
além daquilo que faziam nos treinos. Cruyff (2002) sugere que deve ser
fomentado nos jovens o desejo de desenvolverem o Talento, também por conta
própria. Sendo o treino como evidenciamos um processo de
EnsinoAprendizagem, consideramos ser pertinente que os treinadores atribuam
tarefas para os jovens realizarem em casa, à semelhança do que sucede nas
escolas. De acordo com Michels (2001) deverão ser sugeridas às Crianças,
pelos treinadores tarefas para realizarem como trabalho de casa, sendo os
trabalhos de casa, posteriormente verificados durante aquilo a que vulgo se
designa de aquecimento. Propomos por este motivo, que o kit habitualmente
fornecido às Crianças, claro está depois de pago, aquando da entrada numa
Escola de Futebol, deverá conter uma bola para que as Crianças possam
exercitar em contextos extra treino, e para que possam fazer-se acompanhar
da respectiva bola nos treinos, responsabilizando-se por esta e deste modo,
ganharem uma maior afinidade e apego a esse objecto tão precioso, como é
relatado pela generalidade dos Jogadores de Elite.
Deve reconhecer-se, à semelhança do que refere Zizinho (2006) que o
erro é parte do processo de iniciação, e mais que isso, que esse erro poderá
tornar-se altamente fecundo, e daí resultar um traço muito próprio do jogar de
cada Jogador. Não obstante, observa-se que a liberdade para errar não se
encontra contemplada pelas metodologias convencionais, acreditando-se que o
processo de Aprendizagem se constitui como sendo uma sucessão de
respostas correctas, ignorando-se deste modo que o erro é intrínseco ao
Homem, sendo mesmo determinante para a construção do conhecimento
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“É preciso talento para que o erro se torne fecundo” (Morin, 2003, pp.170),
mas por outro lado, entendemos face ao exposto, que também o erro pode
fecundar o Talento.
A promoção da lateralidade deve ser uma preocupação presente nas
idades mais precoces. Valdano (2002) refere que a nível sénior, as exigências
que o Jogo coloca, obrigam o Jogador a socorrer-se daquilo que se encontra
nele mais enraizado, acrescentando que por esse motivo, é muito mais difícil
Aprender a utilizar o pé não dominante quando se é profissional. Reforçando-
se deste modo, a necessidade de desenvolver precocemente a lateralidade dos
jovens Jogadores, através da solicitação regular das partes do Corpo menos
hábeis, à partida. As questões relacionadas com o desenvolvimento da
lateralidade são complexas, contudo quanto mais precocemente a lateralidade
cerebral for estimulada melhor se desenvolve (Mendonza 1998). Consideramos
que nas diferentes tarefas propostas nos treinos de jovens, deverão ser
contempladas variantes de exercitação que incitem o desenvolvimento da
relação da bola com ambos os pés e pernas. N. Marques (2008), refere-se a
uma recente terapia utilizada na área da reabilitação que apresenta resultados
muito significativos em poucas semanas, ou dias, e que permite que pessoas
que sofreram acidentes vasculares cerebrais, recuperem da perda de
funcionalidade dos membros afectados. Trata-se de uma terapia utilizada pelo
neurocientista Edward Taub, que a designa de Terapia do Movimento
Constrangido-Induzido (CIMT, sigla original em inglês), e que consiste na
restrição do membro menos afectado pelo acidente vascular cerebral, com o
intuito de induzir a necessidade de utilização dos membros mais afectados. O
tempo a que as pessoas são submetidas a estes constrangimentos
diariamente, é na ordem das seis horas, durante duas-três semanas, sendo os
resultados muito significativos, e comprovados pelo seu mentor em estudos
efectuados em mais de 300 pacientes (N. Marques, 2008). Entendemos, que
estes dados realçam a importância da contemplação da estimulação da
lateralidade nos treinos de jovens. Claro está, que não pretendemos que os
jovens sejam submetidos a um processo semelhante durante horas. Até
porque, sendo o processo de Formação extensível a vários anos, e não a duas
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“A forma humana, a saúde e a felicidade, a vida boa e a arte de viver prendem-se também com a
competência para jogar (…) Postulado magistral a dizer-nos – em linguagem de contornos
conceptuais é certo, mas despida de fórmulas pomposas e gongóricas – que a filosofia emerge da
vida quotidiana. Que os homens inventaram os jogos, mas que estes fazem o homem: o Homem
do sonho, da aventura, do risco, das emoções, dos sentimentos, do choro, do riso, do enlevo e do
canto, do corpo em festa e da alma transbordante de abertura ao mundo e à vida.”
(J. Bento, 2004, pp. 76).
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abaixo. Tem que ser sempre e a todos os níveis.” (Marisa Gomes, Anexo 5). A
nossa entrevistada reforça deste modo, a necessidade deste Princípio
Metodológico ser extensível a todo o processo, independentemente das idades
dos intervenientes. Salientando ainda, que o contexto tem de ser propício para
o emergir de determinados comportamentos, encontrando-se o treinador, um
“alquimista”, como refere, incumbido da tarefa de criar esses contextos, sendo
para tal determinante ter muito bem definido os objectivos pretendidos, os
quais se relacionam pela dinâmica e evolução intrínseca ao processo. Este
Princípio Metodológico, parece-nos quanto a nós operacionalizavél através do
recurso, devidamente ponderado, a jogos, como os jogos reduzidos, que se
obedecerem a uma lógica de Redução Sem Empobrecimento, permitem
exponenciar e enriquecer o Talento das Crianças.
Importa contudo advertir que os jogos reduzidos, por si só são, um fractal do
Jogo, e numa lógica de Especificidade Precoce pretende-se mais do que
contemplar a especificidade, procura-se através deles vivenciar e
operacionalizar uma determinada Especificidade. Face ao exposto, o jogo
reduzido, mais do que ser um fractal do Jogo tem de ser um fractal de um
determinado jogar. Procurando-se com este entendimento de redução, não
somente que as propensões se centrem na gestualidade própria da
modalidade, mas mais do que isso, que as propensões se centrem na
gestualidade, nos hábitos, nos padrões comportamentais e de interacção
(Princípios de Jogo) que Corporalizam e permitem o expressar de um
determinado jogar. Trata-se portanto de uma redução, mais do que natureza
quantitativa (efectivo numérico e espaço), de uma redução qualitativa, uma vez
que se reporta à complexidade de um jogar.
Somente este entendimento reflecte o verdadeiro sentido da Redução Sem
Empobrecimento, que como salientamos, se refere à complexidade inerente a
uma determinada “variabilidade cultural” (Marisa Gomes, Anexo 5), vivenciada
através de jogos que contemplem, níveis de complexidade “reduzidos” de uma
determinada qualidade, isto é, de um determinado jogar. De onde resulta a
necessidade de uma articulação de sentido, entre esses diferentes níveis de
complexidade, tornando assim pertinente a necessidade de periodizar essa
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maneira como falam para eles, vão-se tornar selectivos a um idioma. Isto é que
é cultura. E é como no jogo, no ensino do jogo, os miúdos estão ali e não
sabem jogar. Óptimo! Vamos então dar-lhes essa noção e com isso, eles vão-
se tornando selectivos com a prática que têm. No entanto (…) todo o treinador
que nas escolas está a pedir «passa daqui para ali e daqui para acolá» (…)
está a querer formatar um jogo… isto é, está a reduzir a variabilidade e está a
ser castrador a qualquer talento… Porque esses bebés, já está provado, por
vários estudos, por exemplo vão-se acostumando ao que ouvem. E eu acho
piada às pessoas… Por exemplo, eu tenho uma sobrinha de um ano e eu digo
à minha mãe para ela ouvir o máximo de línguas possíveis, e sabes o que é
que a minha mãe me diz? A minha mãe, a minha irmã e as minhas tias dizem-
me: «então ela não sabe português e vai saber outras línguas?!» Como se isto
fosse, uma construção por etapas: primeiro, o português, depois as outras
línguas. Não! A selectividade resulta daquilo que a gente faz e portanto, se ela
for ouvindo várias línguas agora, a cultura dela vai ser muito mais abrangente.
É a mesma coisa no jogo.” (Marisa Gomes, Anexo 5).
Importa contudo reforçar a ideia que não devemos ignorar, que esta
variabilidade cultural é na verdade, uma variabilidade dentro de uma
determinada Cultura, ou seja, consiste na possibilidade de permeabilidade às
dimensões não cientificáveis de um jogar, sem hipotecar a integridade desse
mesmo jogar, isto é, do padrão que este tem subjacente e das regularidades
que conferem identidade a esse jogar, os Princípios de Jogo.
Como temos salientado, é pertinente que as vivências proporcinadas por
essa variabilidade se reportem ao Futebol e tenham subjacentes conceitos
relevantes para a expressão de jogares de níveis de complexidade mais
elevados.
Ramos (2003, pp. 18) salienta que a Criança foi capaz de captar a essência
do Jogo, mostrando-nos que é possível e aconselhável Aprender e Ensinar
Futebol com base nestas estratégias, “Joga em número reduzido de jogadores,
como os adultos só aprenderam a fazer, muito tempo depois das crianças
utilizarem estes métodos, como meio preferencial das suas aprendizagens.”
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Note-se ainda que o carácter relativamente informal com que decorriam estas
actividades de infância, nas quais as regras eram bastante flexíveis, e
condicionadas pelo próprio contexto em que os jogos decorriam (Zidane, 2002)
parece ser um aspecto a ter em consideração aquando da operacionalização
destas actividades nos pretensos Úteros Artificiais.
Levitin (2007) adverte que o desinteresse por vezes observado pela
Aprendizagem através dos jogos resulta, destes apresentarem por vezes
regras excessivamente complicadas.
O Jogo a apresentar às Crianças, deverá ser caracterizado pela existência de
regras simples e facilmente perceptíveis (Garganta & Pinto, 1998), devendo as
adaptações introduzidas nos exercícios, serem igualmente de fácil apreensão
pelas Crianças (Campbell, 1998).
Importa também salientar que uma das potencialidades que o recurso ao
Jogo, entenda-se Reduzido Sem Empobrecimento, parece possuir é o facto de
despertar uma maior satisfação e prazer naqueles que nele participam (H.
Fonseca, 2006; Lopes, 2007; Michels, 2001; Pacheco, 2001; Ramos, 2003;
Wein, 2004), um prazer que ao ser recriado nos Úteros Artificiais através
destes jogos, poderá permitir que neles se instale o clima de permanente
SupraMotivação, que caracterizava o Futebol de Rua, e que se revelou
determinante para o alcance de níveis de excelência por parte dos Talentos no
Futebol. De acordo com Tamarit (2007), a existência do prazer subjacente à
prática do Futebol de Rua pode explicar, o motivo pelo qual este se revela tão
importante para o desenvolvimento de Talentos no Futebol:
“O que me deixa bastante feliz é, fazer aquilo que eu gosto de fazer, que é a
minha paixão, é o Futebol, é isso que me deixa bastante feliz.” (Ronaldo,
2008).
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“…Isso é o mais importante, para além de fazer aquilo de que mais gosto. O
futebol tornou-se um trabalho, mas é um trabalho que me apaixona, e é por
isso que consigo dedicar-me inteiramente a ele.” (Piero, 2006).
“A base de tudo radica nas crianças desfrutarem jogando futebol, não que se
aborreçam” (Cruyff, 2002, pp. 35).
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a actividades nas quais o prazer poderá não ser contemplado, (Ericsson, 1996)
hipervalorizando-se deste modo, a importância do esforço, contribuindo assim,
para a convicção de que a melhoria dos desempenhos somente se verificará
através de actividades pouco prazenteiras (H. Fonseca, 2006). Ainda de acordo
com H. Fonseca (2006) esta teoria tem vindo a ser confrontada com alguns
estudos no domínio desportivo, que fragilizam tal convicção, demonstrando que
o prazer parece potenciar e melhorar a Aprendizagem. Também Dias (2005)
partilha desta opinião ao salientar que a sugestão de desprazer associada a
desempenhos de excelência é, uma falsa questão. Marisa Gomes (Anexo 5)
salienta igualmente que o prazer, é determinante para o “mapeamento” do
Jogo.
A análise das declarações acima transcritas dos Talentos no Futebol,
relativas aos jogos que realizavam nas respectivas infâncias expressa um
estado emocional muito próprio, o qual nos remete, para a Teoria Flow. O
prazer despoletado pelos jogos tem fundamento neurológico, uma vez que as
experiências sensório-motoras, são directamente enviadas para os centros
cerebrais associados ao prazer (Jensen, 2002).
Csikszentmihalyi (1990) foi pioneiro na investigação e recolha de relatos de
sujeitos com desempenhos de excelência em diferentes domínios, designando
o estado de êxtase presenciado por estes indivíduos e esta área de
investigação, através do termo “flow”, traduzido para a nossa língua como
“fluxo”. Goleman (2003, pp. 112) estabelece a relação entre esta teoria e os
estados emocionais experienciados pelos sujeitos, sendo estes caracterizados
como um estado de auto-esquecimento; “é uma experiência gloriosa: a
característica específica do fluxo é uma alegria espontânea, um êxtase.
Fazendo-nos sentir tão bem, o fluxo é inerentemente gratificante. É um estado
em que as pessoas em estado de fluxo ficam tão absortas no que estão a fazer
que perdem toda a consciência de si mesmas (…) Paradoxalmente, as
pessoas em estado de fluxo são exímias no controlo daquilo que fazem, as
suas reacções ficam perfeitamente sintonizadas com exigências da tarefa. E
embora as pessoas desempenhem no seu melhor quando em fluxo, isso não
as preocupa minimamente, não são assaltadas por pensamentos de êxito ou
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que procurar se dedicar àquilo, com amor, com carinho. Procurar fazer bem,
procurar cada dia se corrigir, e por aí começam as coisas para o Futebol.” (Didi,
2006).
O prazer e a paixão pelo Futebol largamente incrementados pelo Jogo, são
fundamentais para a construção de Talentos. Motivo pelo qual consideramos
que tal como a elevada quantidade de relação com bola, também a presença
constante de Jogo(S), se revela um sustentáculo da Especificidade Precoce,
devendo este igualmente ser operacionalizado num clima de espontaneidade e
naturalidade, capaz de despertar a paixão e a vocação dos Talentos (Goleman,
2003).
Sendo a paixão e o prazer pelo Jogo determinantes, “já sabemos uma
maneira de não fabricar um Jogador: impondo a vocação.” (Valdano, 2007b).
“Os organismos vivos têm um potencial inerente para se superar a si mesmos a fim de criar
novas estruturas e novos tipos de comportamento. Essa superação criativa em busca da
novidade, a qual, no devido tempo, leva a um desdobramento ordenado da complexidade, parece
ser uma propriedade fundamental da vida”.
(Capra, 2005, pp. 278).
“O grande equívoco de muitos treinadores, digamos que mais teóricos, é que pensam que as
crianças de 7 ou 8 anos não querem ganhar. É um tremendo erro. Elas querem ganhar! Inclusive
mais que muitos adultos!”
(Cruyff, 2002, pp. 43).
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“Toda a gente diz que não gosta de perder, eu também vou dizer, mas faço
para que isso não aconteça. A gente diz, «ah, eu não gosto de perder», mas
não faz para que isso aconteça. Eu faço o máximo para não perder. Claro que
não gosto de perder, odeio perder, mas faz parte, temos de saber perder
também.” (Ronaldo, 2008)
“Eu sempre tive a ambição de ser o melhor, eu digo que a minha profissão,
que eu não tenho profissão, digo que isto é uma bênção de Deus. Porque é
aquilo que eu gosto de fazer, é aquilo que eu mais gosto de fazer e claro, se é
isto que eu gosto de fazer, o que eu mais quero é ser o melhor (…) eu não vou
esconder que gostava de um dia ser o melhor, mais que uma vez. Quero deixar
marca, quero deixar a minha marca no Futebol, na história do Futebol. E acho
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“Mais do que ninguém quando entrava dentro de campo eu era (…) ganhar
tudo, par ou impar eu queria ganhar já logo no início, quando tirava o cara e
coroa com os árbitros, e queria já ganhar, começar dali. Colectiva, brincadeira,
2 toques, a gente tem sempre que ganhar, buscar a vitória, correr atrás da
vitória dentro dos espíritos, do espírito da lealdade, do respeito pelas regras,
isso tudo” (Zico, 2006).
“Detesto perder, seja em que jogo for. Já quando era criança, jogava «futebol
de botão».” (Pelé, 2006c, pp. 258).
“Também sou muito competitivo – creio que é necessário ter uma veia
competitiva, se queremos competir ao mais alto nível.” (Pelé, 2006c, pp. 257).
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“Tive uma infância óptima. Não tínhamos muitas coisas, talvez comêssemos
carne uma vez por mês, mas acho que foi melhor assim. Porque hoje, com
tudo aquilo que tenho, sou feliz e a grandeza não me sobe à cabeça” (Zidane,
2006).
“Talvez por isso, a separação dos meus pais tenha sido um dos episódios
mais difíceis que já tive de enfrentar em toda a minha vida. Para ser sincero,
ainda hoje tento superá-lo (…) já enfrentei vários problemas ao longo da minha
carreira e acho que sempre fui capaz de os resolver (…) sempre reagi aos
desafios enfrentando-os.” (Beckham, 2004, pp. 325).
“Sempre achei que devíamos estabelecer objectivos audaciosos para nós
mesmos” (Beckham, 2004, pp. 225).
“O United prometeu-me então que, se tudo corresse como previsto, poderia
assinar como profissional dentro de quatro anos e meio.
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Em busca da Exequibilidade do Trinómio Mais Futebol, Mais Criança, Mais Educação
Por acaso, eu até acho que esta incerteza nos fazia bem, a mim e aos outros
rapazes que entraram na mesma altura. Eu sabia que eles me queriam, mas
sabia também que seria posto à prova dentro dos próximos quatro anos. Se eu
soubesse desde o princípio que ser jogador profissional era um dado adquirido
– escrito num papel, preto no branco – quem sabe se não teria deixado
esmorecer a minha determinação em provar que merecia estar ali? Acho que
esta vontade acrescida de o provar contribui muito para o sucesso”. (Beckham,
2004, pp. 56/57).
“Uma vez, quando eu tinha dez anos, tive que sair a meio de um jogo por me
ter lesionado (…) o meu problema foi no calcanhar (…) tive de parar
completamente de jogar e de treinar. Não podia sequer dar uns toques no
parque. Aquelas foram as cinco mais longas semanas da minha vida”.
(Beckham, 2004, pp. 37).
“Vir para uma cidade tão grande como Lisboa, sem dúvida que era naqueles
primeiros tempos assustador, eu fazia praticamente sempre o mesmo caminho,
que era, estádio, escola, escola, treino e não fazia mais até ganhar confiança.
E no início foi assustador, mas depois foi passando, é claro havia muitas
saudades pelo meio, da minha mãe. Fazia sempre um choradinho à telefonista
do Sporting para me deixar telefonar todos os dias, porque nós éramos cerca
de 30 no centro de estágio, e podíamos telefonar só 2 vezes por semana,
naquela altura eu telefonava praticamente todos os dias, a senhora deixava-
me, e isso aí era importante, haver uma comunicação com a família. Sem
dúvida que da maneira como eu cresci, e os anos que eu tive na Formação do
Sporting foram importantes, porque vivi tudo e isso ajudou a ter também, a ver
de maneira diferente o futuro.” (Sabrosa, 2005).
“Eu me lembro da minha infância, não nasci num berço de ouro” (Eusébio,
2006).
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quando ele não queria batia, e a gente não apanhava de chinelo nem de
paulada não, era de tala. Ele não queria que nós fossemos Jogadores de
Futebol, então nós colocávamos uns garotos amigos nossos, tomando conta
dos caminhos que levavam ao campo onde nós estávamos jogando, quando o
nosso pai vinha, para ver se estávamos jogando, eles vinham correndo avisar,
«olha seu pai vem aí», nós nos escondíamos, porque senão tínhamos que
apanhar.” (Moreira & Moreira, 2006).
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Karpov (s/d, cit. por Valdano 1998, pp. 168) referia que a sua “força mental”,
provinha da sua infância que havia sido “duríssima”.
Ainda de acordo com Goleman (2006, pp. 269), o contexto de superprotecção
em que as Crianças se desenvolvem na actualidade, é para elas uma forma de
privação; “a ideia de que a criança deve evitar a infelicidade a todo o custo
distorce tanto as realidades da vida como a maneira como as crianças
aprendem a encontrar a felicidade.” A prova de tal evidência é o relato
supratranscrito de Moreira & Moreira (2006), os quais se sujeitavam à
intolerância do pai, para poderem ir de encontro à felicidade, a qual tinha lugar
num campo de Futebol com os amigos. A evidência efectuada por Goleman
(2006) reforça também a nossa convicção, de que a resiliência deve ser
potenciada pelo contacto dos jovens com o Futebol, ao longo dos respectivos
processos de Formação através da exposição destes a cenários de
Competição, formalizada ou no local de treino.
Importa ter em consideração que “a resiliência numa determinada situação
não é necessariamente demonstrada ao longo do tempo ou transferida para
outras situações de desafio” (Carla Antunes, 2006), o que confere um carácter
contextual e específico a esta potencialidade. Assim, sabendo que a resiliência
se deve desenvolver precocemente (Goleman, 2006) e que esta parece ter um
carácter específico (Carla Antunes, 2006), deverá ser também considerada
como um traço caracterizador da Especificidade Precoce. Um processo de
Formação, que visa desenvolver Talentos Competitivos, com Cultura de vitória,
até porque, “o instinto competitivo é fundamental para vencer” (Lourenço &
Ilharco, 2007, pp. 27), no qual o Princípio da Especificidade (Especificidade
Precoce) deve dirigir todo o processo procurando como tal, recriar-se nos
treinos a Competição (Frade, 1998).
A Especificidade Precoce tem necessariamente de contemplar a Competição,
a qual deverá ser entendida como um conceito plural. “Eu tenho alguma
dificuldade, em imaginar um treino em que não tenha competição, um exercício
que não tenha competição.” (Luísa Estriga, Anexo 3).
Para tal, as actividades propostas nos treinos deverão ser imbuídas de um
cariz de Competição permanente, capaz de promover nas Crianças uma
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Em busca da Exequibilidade do Trinómio Mais Futebol, Mais Criança, Mais Educação
“… e depois há uma coisa, mais tarde, é pá, um gajo começa a ver, é que
nós apostávamos castanhas (…) eu dava 10 toques numa bola do ténis, e o
outro nada, é pá, então com o pé esquerdo e foi sempre, fomos ganhando a
técnica.” (Eusébio, 2006).
“No caminho para casa era o concurso de toques. Todos os dias tentava
superar o meu record. Chegado a casa era comer à pressa para que o intervalo
no jogo não fosse prolongado.” (Sousa, 2006).
“Desafiava-me, tentando sempre superar a minha classificação. Quando se
tornava fácil e o desafio era superado, logo criava um novo. Então, a bola tinha
de ir ao telhado e eu, sem a deixar cair, rematava para os pontos. Se a bola
caísse não contava! O desafio seguinte foi colocar-me de costas viradas para a
baliza” (Sousa, 2006).
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Em busca da Exequibilidade do Trinómio Mais Futebol, Mais Criança, Mais Educação
“Se colocarem um menino que joga muito bem Futebol com meninos que jogam muito mal, pode
meter dez golos num jogo, mas não vai aprender. O homem cresce ao nível das dificuldades que
encontra, o mesmo sucede quando colocamos alguns rapazes a jogarem ao lado de grandes
jogadores, melhoram.
Quando se joga ao lado dos medíocres, não se evolui. Daí que o talento necessite de outros
talentos para se poder desenvolver.”
(Valdano, s/d, cit. por, Venda & Marques, 2002).
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Em busca da Exequibilidade do Trinómio Mais Futebol, Mais Criança, Mais Educação
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Em busca da Exequibilidade do Trinómio Mais Futebol, Mais Criança, Mais Educação
Jogadores como Maradona, Rui Barros, João Pinto, Romário (Pacheco, 2001)
entre muitos outros como Puskas, Platini, Nené, Zico, Pelé, Maradona, Messi,
Fabregas, Garrincha, ou até o Liedson… cujos perfis morfológicos, eram ou
são a antítese do protótipo do Atleta38, que muitos treinadores continuam
erroneamente a perseguir:
“No início ninguém imaginava que faria uma carreira daquelas. Era baixo.
Fisicamente, em relação aos miúdos da mesma idade, era franzino, mas isso
obrigou-o a melhorar o seu driblar. Foi assim que começou. O pai ensinou-o a
dar pontapés na bola.” (Platini, 2006b).
“Durante algum tempo, o Clube de Futebol do Metz recrutou jovens. Eles
tinham de se inscrever, eram reunidos e os melhores eram seleccionados; é
claro que ele (Platini) foi escolhido. Fizeram-lhe vários testes físicos. Um dia,
após uma longa corrida, pediram-lhe que soprasse para um espirómetro e ele
desmaiou.” (Frederic Bragard in Platini, 2006b).
“Platini, versão de Asterix como jogador de futebol.” (Lobo, 2002, pp. 195).
38
Atleta: consideramos que este conceito, por se encontrar conotado historicamente com perfis
morfológicos, ideias de força e de robustez física, assim como a modalidades cuja essência
difere substancialmente do Futebol, não faz muito sentido numa modalidade como o Futebol,
em que a Antropodiversidade deverá ser assegurada. Sugerimos por isso, a utilização de
termos como Jogador de Futebol ou Futebolista. Quando nesta dissertação nos referirmos ao
termo Atleta, pretendemos evidenciar o entendimento padronizado do perfil morfológico, que
convencionalmente se lhe encontra associado.
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Em busca da Exequibilidade do Trinómio Mais Futebol, Mais Criança, Mais Educação
“… É verdade, eu também sentia isso. Parecia que havia uma regra segundo
a qual o melhor jogador era o mais aplicado, o mais forte, potente e lutador. Se
tudo isso fosse mesmo imprescindível, nunca teria sido jogador de futebol. Não
me atirava para o chão porque não era preciso; não ía ao choque se
percebesse antecipadamente que ía ficar sem bola; não corria atrás de lances
perdidos, nem fazia carrinhos inúteis pela linha lateral só para agradar aos
adeptos (…) Não me metia em confusões que só serviam para me
desconcentrar. Tinha mais que fazer. Andava por ali, avaliava os movimentos
dos adversários, procurava detectar os pontos fracos e, como não entrava no
jogo deles, não ía em provocações ou picardias, estava sempre no sítio certo
para marcar os meus golos e cumprir com aquilo que me pediam. Sempre
considerei que, para lá de um pormenor insignificante, não sujar os calções era
uma prova de inteligência.” (Nené, 2007).
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Em busca da Exequibilidade do Trinómio Mais Futebol, Mais Criança, Mais Educação
“Ronaldo tinha nove anos e jogava com rapazes de dez e de onze. Era o
«benjamim» do grupo. Mas também era o melhor jogador da equipa, o que os
tornava diferentes, o que lhes dava aquela qualidade especial, e eles sabiam-
no.” (Fabra, 2005, pp. 43).
“Giampero Boniperti (…) tinha dito que alguém com um físico como o meu
não podia ir a lugar nenhum. Bem, a algum lado cheguei, não? O futebol é tão
lindo, tão incomparável, que tem lugar para todos. Até para os anões como eu.”
(Maradona, 2005, pp. 87).
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Em busca da Exequibilidade do Trinómio Mais Futebol, Mais Criança, Mais Educação
“O anjo das pernas tortas, como um dia escreveu Vinicius de Morais. Era o
desequilíbrio perfeito a jogar futebol. Um enigma para muitos médicos para
quem Garrincha nem devia poder andar, quanto mais correr e fintar, como
nenhum outro fez na história do futebol mundial (…) Garrincha era a negação
do corpo de atleta” (Lobo, 2002, pp. 114).
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Em busca da Exequibilidade do Trinómio Mais Futebol, Mais Criança, Mais Educação
sugerirem uma alternativa à idade cronológica, também esta parece não ser a
mais indicada, além de implicar custos consideráveis e utilização de
metodologias invasivas para uma correcta determinação da idade cronológica
dos jovens (Silva et al., 2004), podendo mesmo a sua utilização revelar-se uma
utopia, por não conseguir dar resposta às diferenças genéticas existentes entre
diferentes grupos populacionais, facto mais marcante na África equatorial, onde
a maturação óssea, indicador utilizado para determinar a idade biológica,
relativamente a outras etnias inclusive do mesmo continente, se observa em
idades consideravelmente mais precoces (J. L. Massada, 2003).
Aceitamos deste modo, que se continue a utilizar a idade cronológica como
indicador para estabelecer diferentes escalões competitivos, pelo maior
comodismo que representa, e maior facilidade processual.
Foi por nós salientada no ponto anterior a necessidade do desafio ser parte
integrante do processo de exponenciação de Talentos, motivo pelo qual,
iremos sugerir de seguida, que o estabelecimento de grupos de treino de
qualidade equilibrada se torna pertinente. Relativamente a este aspecto, se ao
nível das Federações e Associações de Futebol se torna tarefa difícil, arbitrária
e ainda mais utópica, a separação dos Jogadores por níveis de qualidade de
Jogo, que a diferenciação com base na idade cronológica, entendemos que a
nível interno, cada clube deveria se responsabilizar por seleccionar, agrupar e
diferenciar os seus jovens por níveis, tendo sempre como referência o perfil de
Jogador ou melhor dizendo de Jogadores que pretendem Formar, em função
da forma de jogar para a qual pretendem preparar os seus Talentos,
Especificidade Precoce.
Lopes (2007) sustenta a necessidade de separar os Jogadores por níveis ao
advertir, para a necessidade de nos treinos as forças em confronto serem
equilibradas. O que tendo em consideração também as palavras de Valdano
(s/d, cit. por, Venda & Marques, 2002) que sugerem, que os Talentos
necessitam de outros Talentos para se desenvolverem, sustenta ainda mais a
nossa proposta. Esta nossa sugestão é também apoiada por Michels (2001) o
qual considerava desejável colocar os Jogadores mais evoluídos, de uma
determinada idade, perante um nível de Jogo mais complexo, pois como
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Em busca da Exequibilidade do Trinómio Mais Futebol, Mais Criança, Mais Educação
“Eu comecei a jogar à bola na rua (…) e só mais tarde, é que comecei a jogar
no campo com os mais velhos, que começaram a deixar-me entrar, a pouco e
pouco, porque normalmente nesses jogos de rua ou de campo, também os
mais novos ficam sempre de parte, eles é que são os melhores, e eu tive a
felicidade de eles me poderem deixar entrar pouco a pouco, e então aí acho
que também foi importante no meu crescimento, como futebolista.” (Sabrosa,
2005).
“Agora que há tantas complicações com isso das idades (…) devo dizer que
comigo se passou a mesma coisa, mas ao contrário. Tinha doze anos, menos
três do que os meus colegas, mas o Francis mesmo assim punha-me no
banco. Se as coisas corriam mal, obrigava-me a jogar.” (Maradona, 2005, pp.
22).
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Em busca da Exequibilidade do Trinómio Mais Futebol, Mais Criança, Mais Educação
“Eu fui prestar provas para o Benfica com outros 500 miúdos. O nome do
treinador era Eusébio. Estes 500 miúdos iam ser avaliados durante 10 minutos
(…) 10 minutos para cada um dos 22 jogadores. Eu fiz as provas e ao fim de
10 minutos tinha tocado duas vezes na bola. O Eusébio chamou-me e disse:
«volta amanhã.» Dos 500 miúdos que prestaram provas, eu fui o único que
passou e no dia seguinte comecei. No primeiro dia, comecei logo a treinar com
a equipa principal. Só me apercebi disso no fim do treino. Não compreendia
nada.” (R. Costa, 2006).
“Jogava sempre com os mais velhos, isso também, fez com que crescesse
mais e não ter medo de estar sempre no meio deles.” (Ronaldo, 2007).
“Eu tenho uma lembrança muito marcante na minha vida. Com sete anos de
idade, havia um team de Futebol do bairro (…) E com sete anos esse team foi
jogar, contra o team do Atlético, na categoria. O Atlético Mineiro, no estádio do
Atlético, então era uma glória para a equipa do bairro jogar no campo do
Atlético. E eu fui, assistir ao jogo, não fui para jogar porque eu era, tinha sete, o
mais novo depois de mim tinha doze, treze anos, uma diferença muito grande
(…) faltou o ponta esquerda aí me colocaram para jogar no meio dos
grandalhões. E eu entrei como ponta esquerda nesse jogo, eu tenho inclusive
essa fotografia, a faixa, tinha uma faixa horizontal na camisa, que não aparecia,
332
Em busca da Exequibilidade do Trinómio Mais Futebol, Mais Criança, Mais Educação
caía debaixo do calção. E eu entrei nesse jogo, e nós ganhamos de dois a um,
eu dei o passe para o primeiro golo e fiz o segundo golo.” (Tostão, 2006).
“Quando nós chegamos aqui em Santos, o primeiro treino como falei para
você, com 15 anos eu treinei, para integrar a team de baixo para ver qual era a
minha capacidade, contra o team principal, era o Formiga na época, o Zito, o
Álvaro (…) e eu dei um chapéu no Formiga (…) eu acho que foi isso que me
fez o contrato”. (Pelé, 2006b).
“Pensava que iam testar-me com jogadores da minha idade, mas não o
fizeram. Lançaram-me às feras, fui colocado entre os profissionais (…) Não
tinha medo, já tinha jogado com adultos em Bauru e não estava intimidado.”
(Pelé, 2006c, pp. 67/68).
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“Nós jogávamos ali à bola 3x3, 4x4 (…) uma bola de trapos (…) uma bola de
ténis e depois mais tarde, uma bola de borracha” (Eusébio, 2006).
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“Se a Tota me mandava buscar alguma coisa, levava qualquer coisa comigo
que se parecesse com uma bola para poder ir jogando com o pé: podia ser
uma laranja, bolas de papel, ou de trapos. Assim subia as escadas da ponte
sobre o caminho-de-ferro, a saltar num pé – o direito – e levava fosse o que
fosse no esquerdo, tac, tac, tac... Assim ía para a escola também, ou sempre
que a Tota me mandava fazer um recado.” (Maradona, 2005, pp. 14/15).
“E nem precisava de ser uma grande bola, podia ser uma bola qualquer – até
porque a vida não estava para grandes gastos – bastava ser redonda! Levava-
a debaixo do braço para a escola e qualquer pequeno intervalo servia para
jogar com os amigos.” (Ricardinho, 2007, in Brás, 2007, pp. 14).
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Em busca da Exequibilidade do Trinómio Mais Futebol, Mais Criança, Mais Educação
“Estava sempre a jogar à bola, era o que mais gostava de fazer com os meus
amigos, e era assim que eu passava o tempo. (…) A rua era a subir, e a gente
jogava aí, os autocarros passavam, os carros, as motas, e a gente metia
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Em busca da Exequibilidade do Trinómio Mais Futebol, Mais Criança, Mais Educação
“Gosto que seja na rua porque certos automatismos não se podem treinar no
campo. Se tu és maior que eu e chocarmos, irei ao solo. E quando há pedra ou
cimento, raspas-te. O que tenho de fazer é esquivar-me. Nesse momento
começas a pensar em outras coisa além da bola. Na rua, a bola não rola tão
bem, sai em qualquer direcção, há que utilizar uma quantidade de coisas que
normalmente não usarás no campo relvado. Portanto, é algo extra que podes
dar a uma criança sem cair em algo muito sério.” (Cruyff, in Valdano, 2002, pp.
83/84).
“A gente fazia uns joguinhos, os garotos da rua Ruben’s Arruda, com a rua
170. Então a rua 170, era um pouquinho melhor arrumada que a rua Ruben’s
que só tinha pedra, buraco (…) quando eu já passei a entender um pouquinho
melhor, 10 para 12 anos, nós jogávamos num campo que era perto da Vila
Falcão que, a gente jogava para cima ou para baixo, quando a gente ía tirar a
sorte na moeda, a gente falava, «vamos jogar primeiro para baixo, porque a
gente mete 2, 3, depois a gente não precisa de descer», porque o campo tinha
uma trave lá em cima e outra em baixo. Então nessa época a gente jogava em
tudo o que era tipo de campo.” (Pelé, 2006b).
“Primeiro, é porque quando nós tínhamos de jogar com equipas mais fracas,
a gente sempre preferia jogar com um campo melhor, porque um campo
melhor é mais fácil de você driblar, mais fácil de você tocar a bola, você fazer a
jogada mais rápido. O campo ruim, facilita quando o teu team só destrói, só
vem destruir, então tinha muita influência. E a outra influência também, é o
local. Por exemplo, quando nós saímos do nosso bairro para jogar (…) era
difícil porque lá os campos geralmente eram ruins, bem ruins e lá era bem
difícil, na parte da torcida, que era uma torcida brava, e a parte técnica (…)
então realmente o campo tinha muita influência nessa época.” (Pelé, 2006b).
339
Em busca da Exequibilidade do Trinómio Mais Futebol, Mais Criança, Mais Educação
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Importa salientar, que aquilo que se procura evidenciar com a afirmação “não existe
proprioceptividade”, é que em determinados contextos, pode verificar-se um enfraquecimento
proprioceptivo, que em nosso entendimento é prejudicial à exponenciação do Talento no
Futebol. De realçar ainda, que um conveniente entendimento deste conceito, implica ponderar
as “influências recíprocas dos sistemas de movimento, de coordenação, de aprovisionamento e
do estado psicológico” (V. Frade, 1979, pp. 28), e também a necessidade da sua Aculturação,
tendo em vista a especificidade funcional da modalidade em questão, e de modo particular, da
Especificidade de um determinado jogar. Ou seja, deverá ser concebida como algo em
concreto e não abstracto. Tomando como exemplo o que refere V. Frade (1979, pp. 29) “a
velocidade de contracção impossibilitada de melhorar («lei do tudo ou nada»!). A velocidade de
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Em busca da Exequibilidade do Trinómio Mais Futebol, Mais Criança, Mais Educação
condução e de coordenação do estímulo possível de ser melhorada. Como qualidade dita física
e sua relação com o (s) processo (s) de descriminação. (…) A aquisição de velocidade (por
exemplo) pode resultar duma transformação do comportamento através da modificação na
compreensão dos sinais vindos do jogo e através da modificação das acções dos jogadores em
função desses sinais. «Só se faz bem o que se compreende bem».” E compreender bem passa
por treinar em Especificidade.
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“Eu me lembro da minha infância, não nasci num berço de ouro, pé descalço,
jogávamos à bola com bola de trapo” (Eusébio, 2006).
“Telê Santana (…) dizia que nenhuma bota no mundo conseguiu reproduzir a
intimidade entre o pé e a bola com que jogam os garotos descalços das favelas
e dos baldios brasileiros: «Acho que jogar descalço aumenta a habilidade para
driblar e dominar a bola.»” Lobo (2007, pp. 175).
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jogadores que tem de se sentir muito confortável com aquilo que veste, não só
o equipamento, mas também as chuteiras (…) sou incapaz de jogar com dois
pares de meias (…) Pode ser tudo psicológico, mas este tipo de fenómenos
influencia-me. Ainda o jogo não tinha começado e já eu me sentia preso com
aquela tralha vestida (…) não me sentia bem, não por causa da lesão, mas por
causa dos calções (…) Bem, se não me doía assim, também não havia de doer
sem os calções de lycra. Corri até à linha lateral e despi-os (…) ter-me livrado
dos calções fez toda a diferença para mim: senti-me logo muito melhor, mais
livre” (Beckham, 2004, pp. 234).
De acordo com J. L. Massada (2003) o recurso ao taping profilactico do
tornozelo, embora represente uma prática recorrente no Futebol, são
desconhecidos ainda quais os verdadeiros efeitos ao nível da incidência de
entorses no tornozelo, acrescentando que a este respeito nada se encontra
comprovado, sugerindo que na sua opinião, este tipo de imobilização rígida ao
nível do tornozelo, potencia a gravidade das lesões no joelho. Inferimos deste
modo, que a adopção destas práticas mesmo podendo não trazer malefícios,
parece constituir-se como um estorvo para a funcionalidade e sensibilidade dos
Jogadores, como comprovam as palavras de Beckham (2004) e de alguns dos
elementos que compõem a amostra de H. Fonseca (2006). Por este motivo,
sugerimos que os jovens deverão treinar, apenas com o material desportivo
necessário, sem quaisquer tipos de adornos adicionais, como ligaduras,
calções térmicos e inclusive caneleiras. No caso das últimas, também por
motivos relacionados com o desenvolvimento da destreza Corporal, e do
reportório motor, proprioceptividade, pois da mesma forma que sentirão
necessidade de se esquivarem das quedas nos pisos, também terão a
necessidade de se esquivarem, astutamente dos contactos com os
adversários. Quanto à utilização de equipamentos usualmente utilizados no
Inverno, como por exemplo blusões desportivos, estes deverão ser evitados, o
que não significa que os jovens não se devam apresentar com estes no treino,
para no final do mesmo, entre o período que medeia o término do treino e o
banho, se possam agasalhar convenientemente.
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“Nas partidas caseiras também havia muros, tabelas ou casas que usávamos
de extremos. A parede jogava para as duas equipas apoiando o que tinha bola.
Titular indiscutível.” (Valdano, 2002, pp. 219).
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“Não existe ser humano que não tenha sido modelado na comunidade humana.”
(Lourenço & Ilharco, 2007, pp. 115).
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“Para um drible, posso inspirar-me em algo que tenha visto na televisão, pois
presto atenção a tudo o que fazem os fenómenos como Ronaldo ou Zidane.
Entre nós existe como que uma emulação á distancia. É muito engraçado. No
Treino estou sempre a tentar pequenas coisas para ver o que dá. É uma
mistura entre instinto e treino. Se funcionar, aperfeiçoo o movimento e tento
explorá-lo em jogo.” (Ronaldinho, 2004).
“Bochini (…) Bertoni (…) Beto Alonso (…) Rivelino (…) eu via-os a todos e
aprendia.” (Maradona, 2005, pp. 20/21).
“Agora já sei o que quero ser quando for grande. Quero ser como Kopa e
fazer em campo as mesmas coisas que ele faz!” (Platini, cit. por Lobo, 2007,
pp. 205).
“Dizia: «sim, sou o Platini». Quando jogava com um amigo, eu era o Platini e
ele era outro jogador.” (Zidane, in Platini, 2006).
“Queria ser como ele (De Francescoli) porque era lindo vê-lo jogar.” (Zidane,
2002).
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Michels (2001) e Cruyff (2002) partilham desta nossa sugestão, sugerindo que
após o término das respectivas carreiras, os Futebolistas poderiam
desempenhar funções muito diversas relacionadas com o Futebol, entre as
quais, a possibilidade de colaborarem no Ensino do Jogo aos mais jovens,
contribuindo-se deste modo, para um mais prestigiante e facilitado abandono
da actividade ao mais alto nível.
Numa época, em que a generalidade das formas de Cultura se
encontram subordinadas à tecnologia (Capra, 1996), sendo assim uma
realidade muito presente, sobretudo no quotidiano das Crianças, estas
poderiam ser utilizadas de forma proveitosa para o Futebol. Consideramos que
a facilidade de acesso por parte dos jovens, à Internet deveria ser aproveitada
pelos treinadores, no sentido de os incitarem a visitar sítios onde possam
observar desempenhos dos grandes Talentos da actualidade no Futebol
Mundial. Podendo para tal fornecer aos jovens, um conjunto de endereços
electrónicos, nos quais poderão acerder a vídeos com tais desempenhos. Esta
mesma sugestão, poderia quanto a nós, partir dos responsáveis pelos próprios
clubes, academias ou escolas de Futebol, que por sinal geralmente publicitam
os seus serviços, com interesses marcadamente comerciais na Internet,
criando para o efeito páginas electrónicas próprias. Um local que quanto a nós,
deveria permitir aos jovens acederem a vídeos com os desempenhos dos
maiores Talentos da actualidade, através do estabelecimento de ligações
paralelas ao site oficial do clube, academia ou escola de Futebol.
Outra estratégia que poderia ser adoptada, numa época designada como
sendo a de novas tecnologias é, marcar alguns momentos especiais, como por
exemplo o aniversário de um jovem, com a oferta de vídeos ou DVD’s,
contendo imagens ou filmes com os desempenhos dos maiores Talentos do
Futebol actual e do passado, ou ainda com um conjunto de habilidades que
poderiam servir de mote, às propostas feitas pelos treinadores para trabalho de
casa. Poderá ser igualmente interessante, que o conteúdo das ofertas se
circunscreva a um único Talento, devendo o perfil deste, condizer com as
potencialidades funcionais e posicionais que o jovem apresenta para a prática
de Futebol. Estas ofertas poderiam ser ainda utilizadas, como forma de premiar
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Em busca da Exequibilidade do Trinómio Mais Futebol, Mais Criança, Mais Educação
nos treinos fazia gestos ainda mais especiais. Só ele conseguia fazê-los!
Lembro-me de um em particular. Era pôr-se praticamente na área dos seis
metros, quase na linha e enviar a bola à trave para que voltasse para ele. É
difícil consegui-lo nem que fosse só uma vez. Mas ele fazia isso 4, 5 vezes (…)
Guardo essa imagem. Isso para dizer que ele tinha uma precisão incrível, ia
dizer incredible, ía falar italiano!” (Zidane, 2002).
Algumas das sugestões por nós efectuadas, encontram-se explícitas nas
seguintes palavras de Cruyff (2002, pp. 27), que consciente da inevitabilidade
das novas tecnologias, não se opõem a estas tentando em vez disso,
aproveitar as vantagens que daí podem advir; “considero que há bastante vida
mais além do que se ensina em geral. Por isso sempre quis encontrar um
modo de ensinar essas coisas. Treinando, por supuesto, mas também através
de aulas de futebol, mediante mestres, ou simplesmente, com um CD-rom ou
um jogo de PC em que apareçam todos esses elementos e tu, logo, podes
praticar em casa. Assim qualquer um poderia aceder a eles e interpretá-los à
sua maneira.”
Ficou neste ponto evidente, que no treino de jovens deveremos estar
conscientes da necessidade de uma abordagem sociológica ao tema da
Aprendizagem, a qual nos leva a concluir que durante o processo de
sociogénese, as Crianças alteram os seus comportamentos, no caso num
domínio específico de actividade, o Futebol, como consequência da
modelagem a outras Crianças pertencentes ao mesmo grupo, ou outros
indivíduos que reconheçam como modelos. A Especificidade Precoce, implica o
reconhecimento do que acabamos de referir, revelando-se deste modo
necessário transportar para os pretensos Úteros Artificiais, referenciais de Jogo
de qualidade, isto é, permitir que desde idades muito precoces as Crianças
contactem e observem jogares e Jogadores de qualidade.
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O Futebol como a Coca-cola, «primeiro estranha-se depois entranha-se»! A Importância da
InCorporAcção Precoce do Jogo na Exponenciação de Talentos
“Diamantes nada mais são do que pedaços de carvão que fizeram o seu trabalho com
competência.”
(Malcon Forbes, s/d, cit. por J. Bento, 2004, pp. 111).
“… entendo como talento esse fio que ata as virtudes quase sempre com o correcto, e
às vezes com o distinto.”
(J. Valdano, 1998, pp. 161).
365
O Futebol como a Coca-cola, «primeiro estranha-se depois entranha-se»! A Importância da
InCorporAcção Precoce do Jogo na Exponenciação de Talentos
sendo assim, algo que prediz aqueles que apresentam maiores probabilidades
de se notabilizarem. Acrescentam ainda, que apenas uma minoria pode aceder
a esta categoria, caso contrário o conceito deixaria de fazer sentido. Ou seja,
podemos depreender que aqueles que são considerados Talentos pertencem a
uma Elite. De acordo com Marisa Gomes (Anexo 5) o Talento é “uma
predisposição que as pessoas têm para fazer, para determinadas coisas (…)
uma predisposição que se vai desenvolvendo ao longo do tempo, porque um
talento pode ter uma predisposição, mas se não se manifestar, não é talento
(…) Se deixam de as manifestar, deixam de ser talento.” Para a nossa
entrevistada, o Talento é ainda definido pela sua singularidade, e pela
capacidade que tem em se exprimir qualitativamente de forma regular. O
conceito de Talento, pressupõe regularidade e persistência de desempenhos
elevados, a excelência desportiva requer a manutenção de performances de
nível superior, durante um período de tempo alargado (J. Starkes & Allard,
1993). “O que é importante é distinguir neles, qualquer coisa que eles têm e
que com o crescimento não desaparece.” (Marisa Gomes Anexo 5). A
excelência desportiva é um fenómeno multifacetado (Stemberg, 1997), sendo
sugeridos quatro domínios na excelência desportiva; domínio fisiológico,
domínio técnico, domínio cognitivo (táctico \ estratégico; perceptivo \ tomada de
decisão) e o domínio emocional (Costa, 2005; Dias, 2005; Janelle & Hillman,
2003). Contudo, Janelle & Hillman (2003) advertem para algo que
consideramos muito pertinente quando sugerem, que contrariamente ao que
tem sido efectuado nas pesquisas em torno da excelência desportiva seria
fundamental, para um melhor esclarecimento, se os efeitos do Talento nos
diferentes domínios fossem analisados de uma forma conjunta. Esta
advertência vai de encontro, ao que sugerem alguns autores relacionados com
o Futebol. Também nós entendemos, que tal como o Jogo, também o
entendimento do Talentos não se coaduna com perspectivas fragmentadas,
pois são inteirezas inquebrantáveis. O Futebol, não deve ser entendido através
da compartimentação de vários factores, visto que se trata de algo mais do que
o conjunto desses factores (Ferreira & Queiroz, 1982).
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genética; não há talento sem estímulo depois funcional e não há talento que
possa emergir se esse indivíduo não tiver um objectivo, e esse objectivo tem a
ver fundamentalmente com os aspectos psicológicos dessa própria pessoa.”
Indo de encontro ao que refere o nosso entrevistado Levitin (2007), salienta
que a genética é apenas um ponto de partida, uma vez que todos os
«fenómenos imediatos», na verdade necessitam de anos para se tornarem no
que são, salientando deste modo, que todos os Talentos necessitam de se
exponenciar através de um meio favorável. Segundo Rocha (2001), a
comparação de desempenhos desportivos de desportistas com proveniências
distintas, implica necessariamente a avaliação da relação entre factores de
determinismo genético e ambiental. A actividade física, assim como outros
aspectos de natureza multifactorial, é inequivocamente um produto resultante
do efeito aditivo e interactivo de genes e meio ambiente (Silva et al., 2004).
Torna-se deste modo pertinente compreender, a influência da hereditariedade
e do meio no comportamento Humano e de modo particular, na expressão do
Talento no Futebol.
A problemática da hereditariedade e do meio foi, durante muito tempo
discutida, verificando-se inicialmente uma tendência para se considerar que as
faculdades mentais dos sujeitos, provinham maioritariamente dos nossos
genes, Natureza, sugerindo-se a existência de um determinado gene para cada
faculdade. Contudo, aqueles que defendiam a influência do meio ambiente,
foram com o tempo ganhando alguma notoriedade, sendo hoje consensual,
que a hereditariedade fornece entre trinta a setenta por cento da nossa
estrutura neural e que quarenta a setenta por cento resulta do impacto
ambiental. A variação justifica-se, pois depende do traço ou do comportamento
específico que estivermos a considerar (Jensen, 2002).
Para Changeux (2003) estando a expressão de um determinado gene, de
certa forma dependente de um contexto, torna-se pertinente questionar até que
ponto fará sentido, no vocabulário científico alusões a «genes da inteligência»
ou «genes da linguagem». Face ao conjunto de informação de que dispomos
actualmente sobre esta problemática, parece não fazer sentido a falácia que
sugere que genes e ambiente são independentes, uma vez que estes se
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Genoma: totalidade da soma dos genes existente nos nossos cromossomas (Damásio,
2003a).
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Epigenética: “mecanismos de transmissão fora dos genes” (Paulo Cunha e Silva, Anexo 4).
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Jacquard, 1995; Jensen, 2002; Jones, 2006; Levitin, 2007; Malson, 1988;
Mendonza, 1998; Nava, 2003; P. C. e. Silva, 2007; Simões, 2007; Smith &
Szathmáry, 2007; Varela et al., 2001).
Relativamente à etiologia da palavra epigenética, Changeux (2003, pp. 217)
esclarece que “a palavra «epigenético» compõem-se de dois étimos gregos:
epi, que significa «por cima» e génesis, que quer dizer «nascimento»”. O
conceito epigenética combina assim segundo este autor dois significados, a
ideia de sobreposição à acção dos genes, sobretudo como resultado da
Aprendizagem, e a de desenvolvimento coordenado e organizado. Para Habib
(2003) Epigenético, pode considerar-se tudo o que não é genético. Uma
definição que nos parece contudo insuficiente, e que poderá não respeitar a
reciprocidade e interdependência existente entre o que é genético e o que o
pode influenciar, mesmo não sendo genético. Para Mendonza (1998) trata-se
de uma teoria, que se opõe àquela que sugere a preformação estritamente
determinada pelos genes, para este autor, consiste numa teoria segundo a qual
um indivíduo se desenvolve, por diferenciação sucessiva de novas estruturas.
De acordo com Goleman (2006) reporta-se ao estudo acerca do modo como as
experiências alteram a funcionalidade dos genes. Reforçando assim a ideia
sugerida por outros autores (Changeux, 2003; Paulo Cunha e Silva, Anexo 4),
de sobreposição à acção dos genes. Podemos considerar que Epigenética é, a
propriedade evidenciada pelos fenómenos que dependem da influência do
envolvimento sobre a expressão genómica.
O desenvolvimento dos organismos vivos, pode deste modo ser explicado
com base em processos Epigenéticos, os quais dependem da relação entre o
genoma e o meio ambiente (Smith & Szathmáry, 2007). Arsuaga (2007)
salienta que as inovações morfológicas e comportamentais observadas na
nossa espécie ao longo do processo filogenético resultaram, de um jogo entre
forças genéticas e forças ecológicas. “Portanto, a função é extremamente
importante, quer num acto de vida intra-uterina, quer depois quando a criança
nasce e começa a adoptar o bipedismo, o estímulo da função é que o vai
desenvolver. Desenvolver em termos de funcionalidade e a expressão genética
dos seus genes ligados ás características genéticas da população, neste caso
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abordagem como a que foi encetada até ao momento, na qual tem vindo a ser
mais acentuada a tónica nos aspectos relacionados com o meio, podendo
deste modo passar a ideia, errada, de que estes de modo exclusivo, poderão
explicar o Talento. Como se pode ler, de acordo com Jones (2006) para os
extremos, ou seja, para os fora de série onde se incluem os Talentos, a
componente genética parece ter um papel relevante, mais relevante segundo
este autor do que para aqueles que são considerados normais, contudo, e
reforçando uma vez mais esta ideia, as possíveis vantagens a nível genético,
relativamente à norma, não são suficientes para de modo exclusivo, explicar a
expressão da perícia num determinado domínio. Serão as experiências de
cada um que acentuarão as diferenças entre os indivíduos, por razões
genéticas, Epigenéticas e relacionadas com a experiência vivida, não há dois
seres vivos iguais (Coutinho, 2005). Depreende-se assim que para além da
genética e da Epigenética, há outras dimensões que deverão igualmente ser
contempladas. Simões (2007) refere a este respeito, o conceito de
Ecogenética, o qual consiste na regulação ambiental do funcionamento dos
genes. Ecogenética “é a capacidade que o meio tem de nos influenciar” (Paulo
Cunha e Silva, Anexo 4). Epigenética e Ecogenética, embora conceitos muito
próximos não deverão ser tomados como sinónimos, conforme esclarece
Sobrinho Simões (Anexo 1), que não diferenciando de forma muito significativa
estes dois conceitos, não os toma como sinónimos, afirmando que a
“Epigenética é para nós um conceito mais operacional. A Ecogenética tem a
ver mais com a extensão da Epigenética para níveis que nós sabemos que
existem mas que ainda não conhecemos bem.” Também Paulo Cunha e Silva
(Anexo, 4) diferencia estes dois conceitos, esclarecendo que Epigenética se
relaciona com os mecanismos de transmissibilidade que decorrem fora dos
genes, sendo assim mecanismos eferentes, enquanto que Ecogenética se
relaciona com a capacidade que os Humanos apresentam de inscrever o que
os rodeia dentro de si, isto é, reporta-se à capacidade que o meio tem de nos
influenciar, podendo deste modo considerar-se como mecanismos aferentes. O
nosso entrevistado sugere e esclarece, que através da Ecogenética
recebemos, e da Epigenética transmitimos.
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atitude que leva, não somente à não contribuição para a exponenciação dos
Talentos, como ainda, para o “estragar” desses potenciais Talentos (Marisa
Gomes, Anexo 5).
Face ao exposto e de acordo com Howard Gardner (s/d, cit. por Goleman,
2003, pp. 57) “chegou a altura de alargar a nossa noção do espectro de
talentos. A contribuição mais importante que a escola pode fazer para o
desenvolvimento de uma criança, é ajudar a encaminhá-la para a área onde os
seus talentos lhe sejam úteis, onde se sinta satisfeita, e competente.” Esta
afirmação realça o papel da escola, e como tal dos Úteros Artificias, ao nível da
exponenciação de Talentos, salientando a importância de se respeitar a
vocação dos jovens, o que sugere que o Talento não deve ser imposto,
realçando também que este deverá ser desenvolvido num domínio específico
de actividade. Compete aos treinadores criar contextos em que haja uma maior
propensão à ocorrência de “interacções talentosas”. (Araújo, 2004). Um
aspecto que Marisa Gomes (Anexo 5) realça, igualmente como sendo decisivo.
Contextos relacionados, em nosso entendimento, com os ingredientes que
consubstanciam a qualidade da Especificidade Precoce. Levitin (2007) refere
que para se ser basquetebolista, não basta nascer alto, é preciso Aprender o
Jogo e praticar durante anos. Reforçando-se deste modo, a importância da
Aprendizagem do Jogo e contacto prolongado com este processo. De acordo
com Toledo (2004) o fenómeno Pelé resulta, de um processo altamente
complexo, que contempla as premissas evidenciadas anteriormente, Aprender
e praticar, e também tudo o que o envolveu ao longo da sua ontogénese. Ou
seja, a construção e exponenciação daquele que é considerado o maior
Talento do Futebol Mundial, é resultado de um processo de construção
Ecogenético.
Podemos assim depreender que no Futebol o entendimento do Talento não
se pode cingir à componente genética, visto que os Talentos praticam mais, o
que explica o nível de desempenho de excelência que conseguem alcançar (H.
Fonseca, 2006). Importando contudo não ignorar que essa maior quantidade se
relaciona com determinada qualidade, Futebol, o qual confere especificidade e
Especificidade ao Talento, não devendo este ser entendido, como uma
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“Que desgraça para um homem envelhecer sem nunca ter visto a beleza e a força de
que é capaz o corpo.”
(Xenofonte, 427 -355 A. C., cit. por J. Bento, 2004, pp. 89).
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2003; Jeannerod, 2007; Jensen, 2002; Klingler, 2007; Levitin, 2007; Lledo &
Gheusi, 2007; Mendonza, 1998; Nava, 2003; Simões, 2007; Valente, 2007).
Sobrinho Simões (Anexo 1) considera que “a grande descoberta em termos
de plasticidade neuronal foi, não só que ela era brutal, como se prolongava ao
longo da vida, com especial «força» nos primeiros anos, até ao ano e meio,
dois anos.”
Parece ser aceite actualmente que o cérebro Humano, inclusive no adulto, é
capaz de criar novos neurónios, processo designado de neurogénese, e
também que este órgão apresenta uma forte potencialidade para se
reorganizar. A conclusão geral dos trabalhos desenvolvidos neste âmbito
sugere que a rede neural não é uma estrutura de todo determinada, pelo
contrário sugere que se submete a permanentes alterações (Lledo & Gheusi,
2007).
As provas mais fecundas dos estudos que têm vindo a ser realizados nos
últimos anos, remetem-nos para a surpreendente capacidade que o cérebro
revela para se reorganizar, tendo por base um conjunto de neurónios definitivos
e invariantes à partida (Chollet, 2007).
As ciências que estudam o cérebro têm assim, vindo a debruçar-se sobre a
tentativa de compreensão do processo adaptativo, que este órgão desenvolve
face à informação que recebe, reconhecendo-se actualmente que a estrutura
organizacional do cérebro depende, da interacção de aspectos genéticos e de
aspectos relacionados com o meio ambiente, motivo pelo qual, Changeux
(2003) sugere a existência a nível cerebral, de uma plasticidade epigenética.
Damásio (2003a) adverte que sendo o cérebro um sistema auto-organizado,
necessita que a plasticidade cerebral tenha subjacente estabilidade, a qual é
conferida por estruturas cerebrais que permanecem inalteradas. Em
consonância, Changeux (2007) salienta que apesar do córtex cerebral a nível
macroscópico apresentar muitas invariâncias, na sua anatomia e capacidades,
contempla igualmente uma enorme variabilidade, suportada pela plasticidade
que se observa ao nível das conexões entre neurónios e as sinapses
(Changeux, 2007).
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“O que me interessa não é criar um mapa do cérebro, mas compreender como funcionam,
como coordenam as diferentes regiões do cérebro a sua actividade, como originam os
pensamentos a simples descarga neuronal e os diferentes movimentos dos neurotransmissores,
gargalhadas e os sentimentos de intensa alegria e tristeza, e como é que todos estes, por sua vez,
nos levam a criar obras de arte duradouras e com sentido. Estas são as funções da mente e não
me interessa saber onde ocorrem a menos que o «onde» nos possa dizer algo sobre o «como» e o
«porquê». Esta é precisamente uma das pretensões da neurociência cognitiva.”
(Levitin, 2007, pp. 102).
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Massa cinzenta / massa branca: por massa cinzenta entende-se a parte do cérebro que
contém os corpos celulares, os axónios e as dentrites, e é considerada a parte responsável
pelo processamento de informação, enquanto que a massa branca é a responsável pela
transmissão dessa informação (Levitin, 2007).
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Importa esclarecer que o conceito jogar, se reporta a algo muito para além da
estrutura acontecimental verificada nas imediações da bola.
Damásio (2004) refere existirem duas espécies de imagens de corpo, sendo
que em ambas o mecanismo de produção é idêntico, isto é, em primeiro lugar,
verifica-se uma alteração estrutural transitória do corpo, produzida pela
actividade desencadeada numa região do corpo. Em segundo lugar, o cérebro
constrói mapas dessas alterações em regiões apropriadas para esses
mapeamentos, sendo essa construção efectuada com o auxílio de sinais
químicos transportados pela corrente sanguínea e por sinais electroquímicos
provenientes dos feixes nervosos. Por fim, em terceiro lugar, os mapas neurais
formados com base nestes mecanismos são transformados em imagens
mentais. O fundamento das imagens mentais, que constituem a “corrente
mental”, é uma colecção de mapas cerebrais. (Damásio, 2004). Este autor
esclarece ainda, que das duas espécies de imagens que considera, as
primeiras são designadas, de imagens da carne, e são constituídas por
imagens do interior do corpo, baseadas na representação da estrutura e do
estado visceral e do meio interior, enquanto que o segundo tipo de imagens, se
reporta a componentes particulares do corpo-propriamente-dito, sendo estas
imagens provenientes, de sondas sensoriais especiais, tendo por base a
actividade dos órgãos sensoriais periféricos. Este segundo tipo de imagens
ocorre quando essas partes especializadas são modificadas por objectos
exteriores ao Corpo, resultando deste modo, do contacto físico directo desses
objectos com o corpo. Este autor acrescenta ainda, que no caso do tacto se
observa um contacto mecânico de um objecto com a pele, que por sua vez
modifica a actividade das terminações nervosas, sendo com base neste
processo, que formamos imagens sobre a forma e textura de um objecto. As
imagens mentais provenientes das sondas sensoriais especiais são de especial
relevância, em nosso entendimento, para a familiarização dos jovens com o
Futebol, que deste modo lhes vai «entrando pelos poros da pele», e também
para a familiarização com a bola. Com base nestes mecanismos, parece
tornar-se possível a criação de imagens mentais da bola. Através do contacto
mecânico, especialmente se feito de forma directa, verificado entre os órgãos
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“… às vezes lembro-me de receber a bola e, num curto espaço, com marcações em cima, fintar
um, dois, três adversários e sair a jogar. Tudo em fracções de segundo. Como por magia, ficando,
depois, na minha cabeça, a perguntar-me: mas como foi possível tu teres feito isto?”
(António Oliveira, s/d, cit. por Lobo, 2007, pp. 112).
7.4.1- A importância dos Hábitos num Futebol que tem de ser como o
Inferno, «cheio de boas intenções»!
“… os judeus ortodoxos ensinam os filhos a urinar com as mãos livres. Segundo eles, «é melhor
uma má pontaria do que um mau hábito!»
(Jones, 2006, pp. 214).
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Rui Faria (s/d, cit. por Lourenço & Ilharco, 2007, pp. 145) afirma relativamente
à importância da habituação que “nos treinos, insistimos muito na habituação.
O treino cria o hábito e depois, no jogo, em vez do acto ser pensado, este
surge de forma subconsciente e natural.”
“No início, a relação entre a intenção mental e o acto corporal não está nada
desenvolvida – mentalmente sabemos o que fazer, mas fisicamente somos
incapazes de o executar. Á medida que praticámos, a relação entre intenção e
acto torna-se mais próxima, até que eventualmente o sentimento de diferença
se desvanece. Atingimos uma tal condição que fenomenologicamente não
parece nem puramente mental nem puramente física; trata-se mais de um
género específico de unidade mente-corpo.” (Varela et al., 2001, pp. 56).
Presume-se destas palavras, que o treino é determinante para o
desenvolvimento e aperfeiçoamento das intenções em acto, as quais se
caracterizam por serem processos de tomada de decisão a velocidade elevada.
De acordo com José Mourinho (s/d, cit. por B. Oliveira et al., 2006), através da
Periodização Táctica, procura-se que os Jogadores adquiram um conjunto de
intenções prévias, isto é, representações mentais, relativas à Especificidade de
um determinado jogar, promovendo-se no treino o aparecimento de intenções
em acto, em conformidade com as intenções prévias relativas àquele jogar.
Acrescenta ainda, que é tarefa do treinador reduzir as discrepâncias entre
intenções prévias e intenções em acto, o que se torna possível como
esclarece, treinando em Especificidade, através da Repetição Sistemática, para
que os hábitos relativos a determinado jogar se instalem nos Jogadores.
“Se você quiser aprender música, vá ver um músico e o músico poderá falar
muito sobre música com você, e ainda assim não lhe dará a menor ideia do
que é música. Por isso um bom músico sempre manda o aluno sentar no piano
ou outra coisa semelhante”. (J. Spencer Brown, s/d, cit. por Goswami, 2004,
pp. 275). “Tenho a certeza que para fazer música é preciso muito treino. Por
exemplo, para ser um bom pianista é preciso treinar como o diabo.” (Sobrinho
Simões (Anexo 1). As analogias que se podem estabelecer com o treino de
Futebol são, em nosso entendimento, mais do que evidentes tal como sugerem
as palavras de José Mourinho. Fica evidente, que sendo o hábito um saber
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O título original da obra de M. Silva (2008); “Do Pé como Técnica ao Pensamento Técnico
dos Pés dentro da caixa preta da Periodização Táctica”, elucida de forma sublime, este saber
fazer Corpóreo implicado no Jogo.
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“Penso que é uma espécie de intuição. Nem sequer temos tempo para pensar nisso. É mais um
sentimento que nos faz agir de imediato. Uma reacção, uma decisão que tomamos num instante.”
(Nistelrooy, 2006).
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“Normalmente 70% 80% dos passes são calculados, tem ideia de fazer o
passe, 20% 15% você faz na intuição.” (Kaká, 2006).
“Penso que é uma espécie de intuição. Nem sequer temos tempo para
pensar nisso. É mais um sentimento que nos faz agir de imediato. Uma
reacção, uma decisão que tomamos num instante.” (Nistelrooy, 2006).
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devam ser alvo de escárnio, chacota e menosprezo, como não raras vezes se
verifica, sendo utilizadas para ridicularizar os Talentos do Futebol,
considerando-os como ignorantes, quando na verdade o que sucede é, que
estes Jogadores são Inteligentes de uma forma alternativa, um saber tácito,
mas não somente, que é também Somatizado e como tal Corpóreo, o qual não
pode ser aferido por testes de QI. Isto é, possuem um tipo de Inteligência
Intuitiva, própria da actividade que praticam, o Futebol, um saber que não se
expressa verbalmente, mas sim com o Corpo através da relação com os outros
e com a bola. Segundo Marisa Gomes (Anexo 5) a aquisição desta Inteligência
Intuitiva resulta, de tudo o que vivemos, e não menos importante do que ainda
se vai viver (futuro o elemento causal), e é determinante para a interacção
entre os Jogadores e o emergir de uma determinada Cultura de Jogo, adquirida
pela prática sem que se observe perda da singularidade de cada Jogador.
Devemos ter em consideração que a intuição, é a chave do sucesso de
muitas decisões, uma vez que ao nível do não consciente se encontra
fundamentada uma poderosa fonte de informação (Menezes, 2006).
Na intuição, “resposta de tiro rápido”, o sentimento parece preceder ou
ocorrer em simultâneo com o pensamento, e assume o controlo das nossas
acções em situações de urgência, mobilizando-nos para de forma instantânea
fazermos face às emergências (Goleman, 2003), o que vai de encontro ao que
referimos acima, acerca da manifestação do comportamento habitual em
situações de pressão e stress emocional consideráveis. Segundo Menezes
(2006b), quando necessitamos de tomar decisões de forma rápida, em
contextos de stress emocional, utilizamos o lado não consciente do cérebro,
uma faceta que se pode revelar como sugere, extremamente benéfica.
Recorremos à intuição quando o cérebro tem necessidade de avançar com um
palpite sobre o que existe no mundo real, fazendo-o de forma muito célere e
em regra de forma não consciente (Levitin, 2007).
A Inteligência Intuitiva é um tipo de Inteligência subtil e não consciente de
conhecimentos, que em colaboração com a mente emocional possibilita uma
leitura abrangente da realidade que percepcionamos (N. Lima, 2006).
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“Uma pré-representação que foi seleccionada como representação global no seio do espaço de
trabalho pode permanecer activa, de uma maneira autónoma, e resistir às modificações da
estimulação periférica durante tanto tempo que recebe sinais de recompensa positivos.”
(Changeux, 2003, pp. 107).
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“O nível tácito corresponde ao grau de complexidade mais básico na relação com o mundo
exterior, o nível da subsistência física. Cabem aqui todas as «intuições» sobre o modo como
manter-se vivo e alimentar-se, bem como reproduzir-se, isto é, os gostos e os afectos. É o nível
fundamental do conhecimento em termos de sobrevivência”
(Caraça, 2005, pp. 183).
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Conhecimento sobre o saber fazer fazer, remete quanto a nós, para o entendimento de Jogo,
assunto a abordar mais adiante.
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pareça, mas tem que ter. Quer de si para os outros, quer dos outros para si;
isto é, o jogador de futebol que seja um fora de série tem que perceber o que
os outros estão a pensar, e tem que induzir nos outros estímulos que os levem
a pensar de outra maneira. E portanto há, no Maradona, no Garrincha,
elementos engraçadíssimos de, se você quiser, inteligência negocial,
capacidade de enganar o outro. Vamos vender-lhe laranjas caríssimas porque
o «gajo» está convencido que está a comprar umas laranjas muito boas”.
Na transcrição anterior evidenciam-se, dois aspectos determinantes em
nosso entendimento, e que como verificaremos mais adiante, se encontram
exponenciados pela actividade consciente; o tornar comum um conjunto de
princípios e normas de acção, Princípios de Jogo, e a tentativa de dissimular
com mestria, um determinado plano estratégico de acção. Este último aspecto,
o qual se reporta à micro dimensão do detalhe é determinante para a
expressão qualitativa dos jogares e dos Talentos. Em conformidade com
Sobrinho Simões (Anexo1), Valdano (1997, pp. 36) refere que “o bom jogador é
um grande mentiroso”, é alguém que faz bluff com todo o Corpo (Valdano,
2002).
Importa neste ponto salientar, que a mentira é um processo que se
desenvolve ao nível da via superior (Goleman, 2006), podendo mesmo definir-
se como sendo uma falsificação consciente, que permite que quem mente o
saiba, mas não necessariamente quem recebe o discurso (Changeux, 2003).
As Inteligências evidenciadas nas palavras acima transcritas, Inteligência
Comunicacional e Negocial, reportam-nos para os domínios da criatividade,
respectivamente, para a criatividade convergente, no sentido em que tem um
referencial comum, um Modelo de Jogo, para o qual todos os comportamentos
deverão convergir, e para a criatividade divergente, no sentido que permite com
base nos padrões de convergência assimilados, recriar e fazer evoluir um
determinado jogar, tanto a nível Individual como Colectivo. Sendo determinante
considerar também a articulação entre estes dois tipos de criatividade, o que
permite a AutoHetero Evolução de Jogadores e jogares, uma componente
fundamental no treino de qualidade e, que implica envolver conscientemente os
Jogadores na fabricação de um jogar, fazendo com que estes sintam
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“…trata-se de fazer com que o jogador, o profissional globalmente e por ele mesmo «descubra»,
sentindo e fazendo-o em cada situação concreta, e assim, aprendendo algo de novo, apreendendo-
o transformando-se; não tanto em função do que o treinador ordena ou prescreve, mas em função
de um resultado que emerge da intencionalidade operante de um jogador concreto numa situação
específica.”
(Lourenço & Ilharco, 2007, pp. 254).
O treino para ser aquisitivo, e como tal, permitir aceder à esfera do saber
sobre um saber fazer, necessita de cumprir o SupraPrincípio da Especificidade
para que deste modo, se estabeleça a relação mente e hábito, determinante
para passar do saber fazer ao saber sobre um saber fazer (Carvalhal, 2002;
Tamarit, 2007).
Pinto (1996) evidenciando a importância do treino enquanto processo de
EnsinoAprendizagem, salienta que este deverá ser consciente, uma vez que
utiliza procedimentos e exercícios que visam alcançar determinados objectivos
(intenções prévias relativas a um jogar), procurando desenvolver os
comportamentos que se pretendem evidenciar em Competição. Acrescentando
que deverá contudo ser igualmente intencional. Em complementaridade, de
acordo com M. Silva (2008), é necessário que o papel do treinador seja
interventivo ao longo do desenvolvimento e concretização do projecto de jogo a
que aspira, para que esse jogar se crie de forma efectiva.
Face aos pressupostos evidenciados pelos autores anteriores, consideramos
pertinente aludir para a necessidade de contemplar o conceito de descoberta
guiada no treino de Futebol, uma dimensão que julgamos relevante, na
fenomenotécnica do treinar.
A descoberta guiada consiste numa dimensão metodológica, que procura
impelir o Jogador a descobrir por si próprio o caminho, sob a orientação e
pistas do líder (Lourenço & Ilharco, 2007). Fazendo deste modo jus ao
provérbio chinês que sugere, que se alguém tem fome em vez de se lhe dar um
peixe, é fundamental ensiná-lo a pescar.
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“As consciências humanas não têm consciência dos caracteres físicos e biológicos dos
fenómenos humanos. As ciências naturais não têm consciência da sua inscrição numa cultura,
numa sociedade, numa história. As ciências não têm consciência do seu papel na sociedade. As
ciências não têm consciência dos seus princípios ocultos que comandam as suas elucidações. As
ciências não têm consciência de que lhes falta uma consciência.”
(Edgar Morin, in Ciência com Consciência, cit. por V. Frade, 1979, pp. 4).
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Pandilhas neuronais: são grupos de neurónios especializados em armazenar diferentes
aspectos da vivência.
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“Qualquer experiência da consciência – desde a mais terra-a-terra até à mais elevada – tem uma
certa coerência e, ao mesmo tempo, um alto grau de privacidade, o que significa que existe
sempre do ponto de vista particular. A experiência da consciência é inteiramente subjectiva.”
(Dalai-Lama, 2006, pp. 113),
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“Como vemos, a percepção é já, de certa forma, acção, porque o corpo se encontra
comprometido com o mundo quando percepciona: como que o antecipa.”
(P. C. e. Silva, 1999, pp. 57).
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(1983) e de Ângela Sirigu (2004) evidencia que parece claro, que a execução
de um determinado gesto é iniciada antes dos sujeitos terem consciência do
mesmo. Este autor acrescenta ainda, que as pesquisas levadas a efeito por
Ângela Sirigu (2004) evidenciam, que a tomada de consciência é gerada
directamente pelo desencadeamento não consciente, o que nos permite
compreender a razão pela qual, o nosso cérebro inicia os movimentos antes de
tomarmos consciência da intenção de os realizar. Gladwell (2007, pp. 17)
reportando-se a estudos realizados com jogadores de cartas salienta, que
estes “apercebiam-se do sistema de jogo, antes de se aperceberem que já se
tinham apercebido; começavam a fazer os ajustamentos necessários, antes de
estarem conscientes dos ajustamentos que supostamente deveriam ter feito.”
Por este motivo Paulo Cunha e Silva (Anexo 4) sugere que “antes de fazermos
já estamos a fazer. No momento em que se percebe, já se começa a agir,
antes de se agir de facto.” O nosso entrevistado acrescenta ainda, que sendo
uma concepção atrevida e radical, há já dados “arrepiantes” que o parecem
comprovar. Esclarecendo também, que “na via motora há dois neurónios, um
primeiro neurónio cujo corpo celular está na circunvolução frontal ascendente,
que é o neurónio da vontade e o segundo neurónio, o neurónio motor que está
no corno anterior da medula e que é o neurónio cujo axónio, vem até ao
músculo proporcionar a contracção. E portanto, o normal é que primeiro exista
a vontade da pessoa se mexer e depois a pessoa se mexa (…) Há dados
estranhíssimos que revelam que o segundo neurónio se pode estimular antes
do primeiro. Portanto como se a acção fosse anterior ao pensamento da acção
e à vontade da acção (…) uma espécie de antecipação da acção por parte dos
músculos”. Um entendimento que como salienta, inverte todos os paradigmas
da Neurofisiologia e que implica uma nova noção de cognição, percepção e de
acção, revertendo deste modo a linearidade convencional e o princípio de
causalidade entre percepção e acção.
Revoy (2006) esclarece que esses processos cerebrais não conscientes, se
desenrolam com base na funcionalidade das zonas frontais, as quais
anteriormente tinham memorizado os padrões motores implicados numa
determinada tarefa, estimulando posteriormente o córtex parietal, responsável
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Figura 9 – Córtex Cerebral 1, Adaptado de Les Dossiers De La Recherche Nº 30, Février, 2008, pp.50.
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Figura 10 – Córtex Cerebral 2, Adaptado de Les Dossiers De La Recherche Nº 30, Février, 2008, pp.51.
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“O que esta formulação pretende transmitir é que a reflexão não se exerce só sobre a
experiência, mas que a reflexão é ela própria uma forma de experiência”.
(Varela et al., 2001, pp. 54).
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InCorporAcção: optamos por redigir deste modo, com o intuito de evidenciar que a
incorporação resulta de um processo fenomenológico em que a cognição é um fenómeno
Corpóreo, resultante da acção, nomeadamente da “acção corporalizada” (Varela, et al., 2001).
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“Podemos dizer que metaforicamente, o treino obriga o cérebro a descer (…) a vir até à periferia
(…) a articular-se melhor com as extremidades”
(Paulo Cunha e Silva, Anexo 4).
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Petit, 2006), assim como de reverter aquilo que se pode considerar a norma do
treinar (B. Oliveira et al., 2006). Relembramos também, que de acordo com
Paulo Cunha e Silva (Anexo 4) se tem revelado uma falácia conceber os
órgãos efectores do movimento como “implicados passivos”, visto que parece
haver dados que sugerem, que são capazes de agir por iniciativa própria e de
inclusive condicionar os mecanismos de decisão que supostamente os
deveriam controlar.
Face ao exposto, torna-se pertinente ter em consideração que o exercício
físico, não é exclusivamente “trabalho muscular”, até porque, grande parte do
cérebro se encontra envolvida em movimentos complexos (Jensen, 2002).
“Estudos detalhados do organismo físico, a partir dessa perspectiva, mostram
que as distinções convencionais entre nervos, músculos, pele e ossos são
frequentemente muito artificiais e não reflectem a realidade física. Todo o
sistema muscular do organismo está coberto de tecidos conjuntivos que
integram os músculos num todo funcional, e que não podem ser separados,
física ou conceptualmente, do tecido muscular, das fibras nervosas e da pele.
Segmentos desse tecido conjuntivo estão associados a diferentes órgãos (…)
Como o sistema muscular é um todo integrado, uma perturbação em qualquer
de suas partes propagar-se-á a todo o sistema, e, como todas as funções
corporais são sustentadas por músculos, cada enfraquecimento do equilíbrio
do organismo reflectir-se-á no sistema muscular de modo específico.” (Capra,
2005, pp. 339)
Com base neste entendimento Leandro Massada (Anexo 2) afirma que, “as
nossas estruturas podem-se tornar em alguns «minicérebros» (…) nas nossas
estruturas tendinosas, esqueléticas e miotendinosas fundamentalmente,
músculo, tendão e o próprio osso, temos sensores que estão ligados ao
cérebro, à proprioceptividade, sensores ligados à tensão, ligados ao
movimento, que nos indicam em que posição espacial estão determinadas
áreas. Nós temos esses sensores nos ligamentos, temos esses sensores nas
estruturas musculares, quase que nós podemos dizer que temos milhões de
«minicérebros». Ora, se essas estruturas estiverem a ser estimuladas muito
rapidamente e se forem estimuladas precocemente e se forem continuamente
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formar mapas dos estados do corpo. Podemos ainda, e de modo não menos
relevante, «muscular» o cérebro, utilizando o termo «muscular» de acordo com
o entendimento convencional, no sentido de evidenciar a possibilidade de o
desenvolver através do treino. Uma vez que como salientamos, trata-se de um
órgão que além de sensitivo e Inteligente, permite pela plasticidade que o
caracterizam desenvolver as suas potencialidades através do treino. Paulo
Cunha e Silva (Anexo 4) concorda que o treino favorece a “descentralização”
ou cerebralização do músculo e simultaneamente a corporalização do cérebro.
Sem contudo, ignorar a necessidade de consolidação Específica da relação
entre estes processos, salientando a este respeito, que a prática precoce
favorece a “delegação” pelo cérebro, o que confere às partes que se encontram
na periferia, uma maior responsabilização que passa pelo “assumir a sua
capacidade prestativa (…) de parte inteligente e auto-suficiente”, falando assim
do “todo melhor que o todo fala de si”.
“…porque o jogo reclama uma actividade cerebral, como todas as
actividades do dia-a-dia, e se antes de ser uma preocupação física é uma
inexorabilidade táctica, consciente ou não, a sua transformação deve ser uma
preocupação diária e permanente do treinador. Antes de atingir o músculo deve
preocupar-se com o cérebro.” (Gaiteiro, 2006, pp. 122). E também com os
«minicérebros» e com os mecanismos de “delegação”.
A ideia de cerebralizar o corpo e «muscular» o cérebro, poderá evidenciar
uma perspectiva dualista, o que não se pretende neste trabalho. “Não quero
ser acusado de assumir uma atitude «mecanicista», a pior injúria que se pode
fazer a um intelectual contemporâneo” (Laborit, 1987, pp. 81). Motivo pelo qual
advertimos, que tanto ou mesmo mais importante que treinar as duas
dimensões que evidenciamos, é treinar e desenvolver as conexões que são
estabelecidas entre ambas. Como esclarece Castelo (1998), educar o Corpo
não é somente exercitar o músculo, mas também habituar o cérebro a
comandar o corpo. “Podemos dizer que metaforicamente, o treino obriga o
cérebro a descer (…) a vir até à periferia (…) a articular-se melhor com as
extremidades” (Paulo Cunha e Silva, Anexo 4). Uma articulação que dá sentido
à acção Humana e que no treino de Futebol, deverá ser uma “articulação de
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“Um enorme espanto e uma desmedida admiração perante aquilo que se deve chamar a
«inteligência do movimento»: nenhum jogador tem tempo para pensar, para analisar, para
estabelecer um diagrama da situação. Um jogador corre mais depressa do que pensa. Mas a
corrida que faz, a finta que engendra e o passe que efectua são formas de pensamento”
(E. P. Coelho, 2004).
47
Remetemos para o ponto 3.2 da presente dissertação (ver nota de rodapé nº 2), um
esclarecimento acerca da distinção entre o conceito de Jogo (letra maiúscula) e o de jogo (letra
minúscula).
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branco” (Paulo Cunha e Silva, Anexo 4). Ou seja, a Inteligência de Jogo, tem
subjacente como as demais uma base comum, uma Inteligência, que sendo
mais genuína se encontra à partida por Aculturar, podendo tornar-se mais
propensa para o emergir da Inteligência de Jogo, caso a acção coporalizada o
privilegie. Daí que se possa também considerar como uma Inteligência ao Lado
da Natura.
Gaiteiro (2006, pp. 122) sugere que esta, não se trata de uma Inteligência
qualquer, mas sim específica e que se encontra “subjacente ao jogar futebol,
um saber que se concretiza na acção.”
“Um enorme espanto e uma desmedida admiração perante aquilo que se
deve chamar a «inteligência do movimento»: nenhum jogador tem tempo para
pensar, para analisar, para estabelecer um diagrama da situação. Um jogador
corre mais depressa do que pensa. Mas a corrida que faz, a finta que engendra
e o passe que efectua são formas de pensamento” (E. P. Coelho, 2004).
A Inteligência de jogo reporta-se às ligações que os Jogadores estabelecem
entre si e ao modo como preenchem o Jogo, sendo uma faculdade que não se
vê (nem se avalia com testes de QI), mas que se expressa por indicadores
relacionados sobretudo, com o modo como os Jogadores criam contextos e se
ajustam a estes, e ainda com o modo intencional com que se relacionam
(Marisa Gomes, Anexo 5). O que implica que o fomento da Inteligência de
Jogo, através da vivenciação de um determinado jogar tenha subjacente um
Padrão de Conexões.
Uma vez que o Jogo, é uma actividade que se concretiza na acção (Gaiteiro,
2006; M. Silva, 2008), tal como a sua Aprendizagem, a solução e o futuro do
Futebol passam pela Inteligência em acção (J. A. Santos, 2004), isto é, pela
acção corporalizada, ou seja, pelo fomento da Inteligência Corpórea específica
do Futebol, a qual designaremos de Inteligência de Jogo, e que resulta da
InCorporAcção do Jogo e de modo particular de um jogar.
Um dos aspectos mais relevantes da Inteligência de Jogo, em nosso
entendimento, e enquanto Inteligência em acção resulta do seu carácter
operativo e funcional (Paulo Cunha e Silva, Anexo 4), uma necessidade
inerente a esta actividade. São também estas características que permitem
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“Se procurar um antecedente do golo que fiz aos ingleses, encontro-o ali; fintei sete e vacinei-
os.
Ah!, também tenho um antecedente do outro golo nos Cebollitas, aquele da mão de Deus. No
Parque Saavedra fiz um golo com a mão (…) Sei que não está certo fazer isso, mas uma coisa é
dizê-lo a frio e outra, muito diferente, é tomar a decisão no calor do jogo. Queres chegar à bola e a
mão vai sozinha.”
(Maradona, 2005, pp. 57).
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O Futebol como a Coca-cola, «primeiro estranha-se depois entranha-se»! A Importância da
InCorporAcção Precoce do Jogo na Exponenciação de Talentos
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O Futebol como a Coca-cola, «primeiro estranha-se depois entranha-se»! A Importância da
InCorporAcção Precoce do Jogo na Exponenciação de Talentos
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Evidências Conclusivas
8. Evidências Conclusivas:
“… quero-te como és, um jogo simples cheio de mistérios grandes. Digo-o em semana
perdedora: o futebol é apaixonante.”
(J. Valdano, 1998, pp.174).
Depois de tudo o que foi salientado no presente estudo podemos concluir que
o Futebol é, inquestionavelmente, um Fenómeno Social Total, podendo mesmo
considerar-se que no nosso espaço geográfico, comparativamente a outros
fenómenos e a outras modalidades desportivas é, um Fenómeno Social Mais
Total. Este facto tem sobre o fenómeno repercussões muito diversas, pelas
múltiplas relações que o Futebol estabelece com as diferentes instâncias
sociais, tendo por conseguinte reflexos muito evidentes no fascínio que o
Futebol desperta nas populações, desde idades muito precoces, o que se
reflecte nos processos de Formação e no modo como as Crianças iniciam a
prática do Futebol. A este respeito, observam-se na sociedade actual
alterações muito profundas que têm vindo a reflectir-se, no modo como os
jovens descobrem o Jogo. O Futebol de Rua é uma realidade decadente, que
contudo consideramos conveniente recuperar, o que torna pertinente a
recriação dessa mesma realidade nos locais em que os jovens iniciam a prática
de Futebol, que como tal se devem assumir como Úteros Artificiais.
Devemos ainda ter em consideração, que sendo o Futebol um fenómeno que
influencia e se vê influenciado pela sociedade, não fica imune aos males de
que esta padece, e para os quais devemos nos encontrar devidamente
alertados para uma intervenção mais qualitativa.
Sendo evidente que o Futebol é um Fenómeno Social Total, consideramos
que a devida expressão deste fenómeno, apenas se observa se este conceito
for complementado pelo prefixo Antropo. Assim sugerimos para o Futebol a
classificação de Fenómeno AntropoSocialTotal, por entendermos que só deste
modo se atende à verdadeira complexidade inerente ao Futebol, uma
actividade que contempla toda a complexidade Humana, na qual se pode
observar a expressão de diversas categorias antropológicas. Concluímos
ainda, que para dar respostas à complexidade inerente a uma actividade
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Morfociclo Padrão: a coloração verde corresponde, à complexidade inerente ao Jogo
(Competição). Para um conveniente entendimento do significado do algoritmo subjacente à
simbologia das cores, que na verdade se constitui como «algo que dá ritmo» à construção de
um jogar, deve entender-se que o emergir do verde resulta do que esta dimensão comporta, o
azul e o amarelo, que devidamente conjugados e nuanciados permitem a expressão qualitativa
de um jogar, verde. “Assim, fracciona-se o «jogar» (todo = verde) em níveis de organização
que se constituem nas partes representadas por: branco + verde claro + azul + verde escuro +
amarelo + amarelo claro = verde.” (M. Silva, 2008, pp. 94/95). Importa ainda salientar que o
branco, «cada um pinta como quizer» (sem entrar em desvarios) e que o amarelo claro resulta
da junção do branco com o amarelo, e se reporta à necessidade de treinar e recuperar, de
forma mais recreativa, mas sempre em Especificidade, daí que não deixe de ser amarelo, ou
seja, não deixa de representar um determinado nível de organização do jogar. Atente-se ainda,
que é da correcta calibragem das cores sugeridas, que resulta a devida operacionalização do
Princípio Metodológico da Alternância Horizontal em Especificidade.
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Consideramos mais ajustado a adopção do termo instâncias em alternativa a “estações de
ligação” ou “pontes”, por contemplar a imprevisibilidade contextual e consequente adequação
comportamental, que caracterizam o Jogo.
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8. Jogo Posicional:
Em cada momento da Organização Ofensiva, e em função da posição
da bola, cada Jogador tem que saber como se posicionar e em que espaços
deve jogar.
Entenda-se a posição de um Jogador não como um ponto do espaço,
mas uma área desse espaço.
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Jogo triangulado: apesar de ser apresentado no documento que se encontra em anexo este
conceito, e de nós já anteriormente o termos utilizado, achámos que sendo o triângulo uma
figura geométrica fechada, tal como o losango, mais do que triangulado, o jogo deverá ser
sobretudo, «Dabliguado» (W), ou seja, consubstanciado por interacções geométricas, que
respeitando a importância da estruturação dinâmica em diagonais, permitem a formação de
triângulos imaginários abertos. Que como tal por não terem vértices unidireccionais e de
convergência única, comportam e conferem possibilidade de abertura às condições diversas
que o jogar apoiado pode expressar, não estereotipando, consequentemente o modo como a
equipa toca a bola e a faz chegar aos Extremos. Relembramos que para a Periodização
Táctica, e como tal para a Periodização à La Long, o Jogo é; “muito mais a arte das
trajectórias, do que a teoria dos alvos” (B. Oliveira et al., 2006), daí a relevância do jogar
«Dabliguado» e da noção de instâncias.
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adoptar para o treino destes Jogadores, sem que esta ignore o caminho que se
pretende que seja seguido, pelo Guarda-Redes e pela equipa.
Aquando da análise dum Jogo (Competição), se identifique qual a sua
influência e como potenciar as suas acções no jogar da equipa.
Todos os intervenientes no processo tenham um entendimento comum,
da funcionalidade pretendida para este Jogador (preocupação que deverá ser
extensível às demais posições).
A exponenciação do Talento se verifique à La Long, num processo que
se desenvolve durante 10 anos ou mais, para que a manifestação efectiva de
Talento se verifique antes dos 28 / 30 anos, idades em que convencionalmente
se diz, serem os Guarda-Redes “confirmados”.
A adopção de situações de treino, seja condizente, com a funcionalidade
desejada para este Jogador, nos quatro Momentos de Jogo, de modo a que a
sua intervenção, nesse jogar seja devidamente contextualizada e se evidencie
como algo de concreto e intencional no jogar da equipa, capaz de se
manifestar como um saber fazer e também como um saber sobre um saber
fazer.
As situações de treino, sejam situações reais, isto é, fractais de um
determinado jogar, em que a propensão para a intervenção do Guarda-Redes
se encontre potenciada. Estas situações deverão permitir:
- Um ajustado entendimento da relação mente hábito.
- Muitas repetições (propensões), devidamente orientadas.
- Confronto com oponentes.
- Tensão emocional o mais aproximada possível à verificada na Competição.
- Jogo de Posição.
- A presença do Prazer.
Se coloque o primado da sua intervenção e Aculturação na decisão.
Tendo para isso, de ser capaz de em cada instante analisar e efectuar uma
leitura do Jogo correcta, e balizada pelo jogar de que é parte prestativa. Deste
modo, e pela posição “privilegiada” que têm em campo, serão capazes de
orientar bem os restantes Jogadores.
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fundamentalmente uma pessoa que vive no seu habitat natural. (…) Sinto-me
cada vez mais forte perante a pressão. Gosto de desafios altos. Se os outros
não trouxerem pressão à minha vida, eu vou à procura dela. Não quero nem
gosto de desafios pequenos. Por isso, o meu próximo desafio vai ser daqueles
em que todos dirão: «ele vai ter que ganhar». E é esse o nível de expectativa
que me alimenta e me fascina».” Depreende-se deste modo, que tal como os
Jogadores, também os treinadores, para chegarem e se manterem a TOP, têm
de se revelar competidores ambiciosos e adoptar uma Cultura de Risco, para
que possam dar uma conveniente resposta, ao lado adrenalinico mais
emergente da Competição, e que no fundo, confere sentido à actividade de um
treinador. “E é esse o nível de expectativa (e de excitação) que me alimenta e
me fascina (…) É viciado na adrenalina? Sou. É o meu habitat natural. É a
minha própria essência.” Face ao exposto, os treinadores lideres não deverão
desconsiderar, o que é referido no anúncio da GALP, no presente momento em
que decorre o Europeu de Futebol; “a ambição é uma energia positiva”.
Aprender Sempre, Não Estagnar, Evoluir sustentado em Princípios
coadunando-os com o contexto: “Vamos sempre aprendendo. Mas
fundamentalmente, acho que o mais importante é não perdermos a noção que
a liderança se exerce num determinado grupo e os grupos são todos
diferentes, bem como os elementos de cada grupo também são diferentes. (…)
O «eu» treinador do Porto era diferente do «eu» treinador do Chelsea e o «eu»
treinador do Chelsea será diferente com toda a certeza do próximo treinador
que terei de ser. É muito importante que a nossa identidade se mantenha. Mas,
caso a caso, é preciso analisar bem e definir claramente os princípios que
serão mais importantes para que possamos ser líder eficaz. (…) A liderança é
depois algo que se vai aprendendo a exercer.”
Munir-se de Conhecimentos e Competências Multidisciplinares:
“Estamos numa época em que o conhecimento é importante. E é importante
que as pessoas sejam competentes, tenham muita qualidade e estejam
focadas naquela que é a sua missão. Quanto maior for o nível de
conhecimento e de competências, mais fácil será exercer a liderança. (…)
Conhecimento gera competência e entre esta e a liderança eu acredito que não
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Disciplina Táctica: é o conceito adoptado por B. Oliveira et al. (2006), para designar o modo
como é contemplada a subdimensão, liderança na operacionalização de um jogar, de acordo
com a Periodização Táctica. Para um esclarecimento conveniente deste conceito, sugerimos a
consulta da obra de B. Oliveira et al. (2006), na qual são dados exemplos que se reportam ao
modo de operacionalizar esta subdimensão da fenomenotécnica do treinar, que face ao
desenvolvimento do mesmo poderá implicar, uma RePeriodização do jogar, no sentido de
atingir os objectivos pretendidos, conforme também se esclarece na obra aconselhada.
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Anexo 1 (Entrevista a Manuel Sobrinho Simões)
10 – Anexos
Jorge Maciel (J. M.) - Uma vez que é uma pessoa que viaja bastante pelo
mundo, qual é a percepção que tem do futebol enquanto fenómeno
social?
(M. S. Simões) - Não, porque… (lá está, nem tem tempo) exactamente.
Apesar de sair muitas vezes para o estrangeiro, a única vez que me lembro de
ter ido, ou as únicas vezes que me lembro de ter ido ao futebol durante essas
minhas saídas profissionais foram no Brasil, no Rio de Janeiro e em São Paulo,
por causa da vontade de ir ao Maracanã, e para ir ver a final do Campeonato
Paulista.
I
Anexo 1 (Entrevista a Manuel Sobrinho Simões)
(J. M.) - Numa intervenção que tem nas conferências “Despertar para a
Ciência” da fundação Calouste Gulbenkian em 2005, aborda a temática da
Epigenética e da Ecogenética. Diferencia de uma forma muito significativa
estes conceitos ou eles são sinónimos?
(M. S. Simões) - Acho que sim. Conheço mal algumas actividades artísticas
mais “intuitivas” e não sei portanto se, para criar música, é preciso muito treino.
Tenho a certeza que para fazer música é preciso muito treino. Por exemplo,
para ser um bom pianista é preciso treinar como o diabo. Não sei se para
escrever numa pauta uma coisa genial é preciso muito treino. Se excluirmos as
actividades artísticas “intuitivo-criadoras”, tudo o resto é sobretudo suor. (Mas o
futebol também se engloba aí, se calhar) …tem uma componente. Mas depois
o futebol tem outra coisa que ainda é mais importante para mim do que estes
dois exemplos que lhe dei que é o problema de ser uma modalidade colectiva,
II
Anexo 1 (Entrevista a Manuel Sobrinho Simões)
(M. S. Simões) - E isso vai ser cada vez mais óbvio à medida que nós
conhecemos melhor os genes, por estranho que pareça. Isto é, a descoberta
da genética… (a qualidade dos genes) exactamente. A descoberta do genoma
veio-nos permitir perceber muito bem de onde é que nós vimos, em termos de
espécie, em termos de seres humanos … mesmo em termos de origem da
vida, mas não nos ensina nada para onde é que nós vamos.
(J. M.) - Pegando agora na metáfora que utilizou, acha que um talento no
futebol é mais um “Super-homem”, um “Popeye” ou um “Tarzan”?
Lembro que o “Tarzan”, refere, é um homem mas que é criado e treinado
por macacos…
(M. S. Simões) - Mas era muito só o físico, não era? O “Tarzan” e o “Popeye”
são sobretudo físicos no sentido da sobrevivência. Há, no caso do Tarzan, as
dificuldades do meio ambiente. No caso do Popeye, há competição com uns
tipos maiores do que ele. Eu penso que um jogador de futebol genial… (é um
bocado de todos) é um bocado de todos e tem uma coisa que tem que ter…
que não está evidente nem no Tarzan nem no Popeye, que é…tem que ter
muita inteligência comunicacional, por estranho que pareça, mas tem que ter.
Quer de si para os outros, quer dos outros para si; isto é, o jogador de futebol
que seja um fora de série tem que perceber o que os outros estão a pensar, e
tem que induzir nos outros estímulos que os levem a pensar de outra maneira.
III
Anexo 1 (Entrevista a Manuel Sobrinho Simões)
IV
Anexo 1 (Entrevista a Manuel Sobrinho Simões)
ela era brutal, como se prolongava ao longo da vida, com especial “força” nos
primeiros anos, até ao ano e meio, dois anos.
(J. M.) - Daí é que eu considero que este contra natura é de certa forma
muito flexível se devidamente estimulado. Esse determinismo não existe.
(M. S. Simões) - Pois não. Mas não é contra natura. Se você quiser, é ao
lado da natura. Quer dizer, porque você agora vai poder desenvolver… (uma
flexibilidade dentro desta…) exactamente, mas não é necessariamente contra.
(J. M.) - Se calhar esta precocidade de estímulos explica a razão por que
pessoas que nascem, por exemplo, com os membros superiores
amputados, fruto da talidomida e dos efeitos perversos da talidomida que
foram imponderados, explica, de certa forma a razão pela qual eles
conseguem ter uma funcionalidade praticamente normal, diga-se assim,
conferindo ao trem inferior uma funcionalidade que convencionalmente
se dá e que culturalmente se atribui aos membros superiores.
(M. S. Simões) - Eu sei, mas você sabe que hoje em dia, uma das coisas que
os treinadores fazem, e você deve conhecer isso melhor que eu, é treinar os
defesas laterais nos lançamentos, e eles são tipos excepcionais como
lançadores…portanto, eles transformam os lançamentos de linha lateral em
verdadeiros cantos. Fazem treino específico do trem superior.
V
Anexo 1 (Entrevista a Manuel Sobrinho Simões)
(J. M.) - Sim, exacto, mas se calhar é uma regra que se calhar devia ser
alterada …
(M. S. Simões) – Não sei, isto tem muita graça… e é uma discussão
interessantíssima. Outra coisa a ter em conta, não se esqueça, é o problema
do equilíbrio e do centro de gravidade etc. E portanto, … (Estão implicados. O
corpo é um todo não é?) estão implicados…
VI
Anexo 1 (Entrevista a Manuel Sobrinho Simões)
(M. S. Simões) - Não sabemos… quer dizer, está agora a pôr um problema
que é dos mais discutidos de toda a hereditariedade moderna, que é a
hereditariedade dos caracteres adquiridos. Portanto, agora esqueça a
talidomida e a funcionalidade “excessiva” etc, porque… o que quero dizer é que
o filho de uma pessoa que se desenvolveu extraordinariamente por ter de se
adaptar a condições adversas, isto é, desenvolveu, funcionalidades e
operacionalidades que não estavam presentes porque tinha um defeito, que é
um defeito de nascença, de que ele não teve “culpa”, o filho dessa pessoa sairá
com potencialidades genéticas distintas por causa da adaptação do pai? Não
sei se esse é um exemplo bom para a discussão que é… até que ponto nós
herdamos caracteres adquiridos? Isto é, se você for um excelente pianista
porque se treinou imenso, será que os seus filhos vão ser melhores pianistas?
E houve muita gente que se atreveu a dizer que isso era impossível. Mas hoje
sabemos que há alguma hereditariedade “adquirida”, isto é, há transmissão de
características epigenéticas. Você tem possibilidade de imprimir coisas - e aqui
estamos em plena epigenética - você tem possibilidades de imprimir coisas nos
seus espermatozóides, e a sua futura mulher tem possibilidade de imprimir
coisas no seu óvulo, que podem ser consideradas como uma espécie de
marcas transmissiveis para a sua progenia, portanto, para os seus filhos.
Ninguém sabe com precisão como é que isto se passa, mas vai haver
mudanças, quer dizer, a espécie humana não está só a evoluir por selecção
genética, que evoluiu pouco porque passámos a ter os diagnósticos pré-natais
e sempre que há alterações, mesmo translocações equilibradas, a maior parte
das mulheres prefere interromper a gravidez. Mas a espécie humana pode
estar a evoluir através de processos no âmbito da chamada “hereditariedade
epigenética”.
VII
Anexo 1 (Entrevista a Manuel Sobrinho Simões)
(M. S. Simões) - Não sei. Essa é a tal coisa… eu não percebo nada disso.
(M. S. Simões) - Claro. Mas eu não sei. Não sei nada disso. A grande
discussão é saber … porque isto põe problemas interessantíssimos, por
exemplo, sobre políticas de escolas de jogadores. Se você achar que se puser
as crianças todas em contacto com a bola e com exercícios físicos adequados
pode começar a fazer gerações de futebolistas está a seguir uma via discutível
mas com muito interesse. Por exemplo, na Europa de Leste, fizeram algumas
tentativas na ginástica. Estamos a falar de selecção e treino de miúdos.
(algumas um bocado aberrantes) Não sei mas a ideia era essa. Não faço a
mínima ideia se tudo o que se disse é verdade ou se o que aconteceu, nesses
miúdos, foi um conjunto excepcional de características e circunstâncias … os
genes deles, a educação dos pais, a necessidade de se afirmarem num meio…
(um meio mais favorável porque lhes eram propiciadas condições que aos
outros não … em termos de alimentação) exactamente, é uma coisa muito
darwiniana, selecção natural pura. Isso depois… isso era o que estava a dizer
no princípio Jorge, isso é ciência mesmo, há gente que sabe muito disso. Não
faço a mínima ideia se é verdade…
VIII
Anexo 1 (Entrevista a Manuel Sobrinho Simões)
(M. S. Simões) - Não sei. Mas isso que você está a dizer é verdade e outra
coisa que também é homogeneizadora é a comunicação social com estímulos
poderosíssimos como, o “branding”. Acho que até mais limitante do que os
miúdos não brincarem nas ruas é a influência espantosa das marcas. E
portanto os miúdos quererem todos comprar o mesmo tipo de sapatilhas,
beberem os mesmos iogurtes…, mas ao mesmo tempo há uma outra realidade
que é a Internet que veio abrir outro tipo de horizontes eu não sei… está a ver,
essas são as tais coisas que eu não sei.
(J. M.) - Lá está, a tal Internet que nos vai levar para a tal geração do
pulgar, do maior sedentarismo. Até que ponto a perpetuação disto pode
ter algumas alterações em termos sociais e mesmo estruturais?
(M. S. Simões) - Não sei… Acho que é uma pergunta muito boa, mas não
sei. Mas de certeza que há gente que já pensou nisso.
(J. M.) - Esta tendência… lá está, não sabe, mas pode contrariar por
assim dizer ou mesmo hipotecar a antropodiversidade.
(M. S. Simões) - Não sei… não faço a mínima ideia. Por um lado há uma
coisa, em relação à antropodiversidade, que você tem que considerar que é
nós curamos muito mais patologias hoje. Portanto há muitos miúdos que há 50
anos morreriam antes de ter filhos e que agora sobrevivem e têm filhos. O
desenvolvimento da medicina pura e dura tem aumentado a esperança média
de vida e tem permitido chegar à idade da procriação, miúdos com alterações
genéticas que de outra maneira não teriam filhos. Morriam antes. Portanto aí
há uma força no sentido da diversificação. Se os comportamentos se tornarem
todos muito homogéneos, muito sedentários, muito determinados pelas
IX
Anexo 1 (Entrevista a Manuel Sobrinho Simões)
(M. S. Simões) - Mas muito. Você ponha…, como dizem os meus internos
brasileiros, “bote muito nisso”.
(J. M.) - De que forma é que isto pode afectar as crianças desde muito
novas?
(J. M.) - Acha que há mesmo uma somatização da pressa nas nossas
sociedades?
X
Anexo 1 (Entrevista a Manuel Sobrinho Simões)
(M. S. Simões) - Não sei, mas se…. (há comportamentos que indiciem isso?)
isso há.
(M. S. Simões) - Isso há, penso que sim mas, é a tal coisa, não sei… Se
você ler os tipos bons da área das neurociências eles dizem que sim, com as
expressões mais variadas; quer dizer, não sei se até com expressões que
podem ser classificadas como doença, mas com alterações gravíssimas de
cansaço, de perda da atenção, fibromialgias, hiperactividade, … (os problemas
de ansiedade dos próprios miúdos) que são no fundo, semelhantes aos dos
pais, eles têm-nos por um aspecto mimético, não é que eles tenham razões
objectivas para isso. Os miúdos mantêm, apesar de tudo, uma boa
performance, mas não é aí que está o problema; o problema é muito mais eles
verem a vida “desgraçada” dos pais e dos avós. Os avós agora também já
trabalham…
(M. S. Simões) - É verdade. Não tenho dúvida que se tiver que identificar um
aspecto negativo da evolução da sociedade, no que diz respeito à organização
familiar, parte dele é resultado dessa pressa.
(M. S. Simões) - Não sei, não sei…Não estou a dizer que não há nada, mas
não sei.
XI
Anexo 1 (Entrevista a Manuel Sobrinho Simões)
(M. S. Simões) - Penso que sim, mas não tenho a certeza, quer dizer, não fiz
nenhuma experiência, não tenho nenhuma capacidade de comparar isto com
alternativas, percebe? E não sei se a receita que funcionou para mim
funcionará, por exemplo, para os meus filhos, não tenho a certeza. O que sei é
que, em relação às personalidades como a minha, a competição, o ganhar e
perder, é um percurso que faz sentido, em termos de formação da
personalidade. Agora não sei se não haveria outra alternativa melhor. Esse é o
grande problema quando você estuda percursos individuais.
(J. M.) - Acho que focou aí um aspecto muito interessante que foi o
ganhar e perder. Se calhar às vezes aprende-se bastante a perder. Uma
coisa que se nota é que grande parte dos jogadores que atingiram um
nível muito elevado têm momentos na vida marcantes, alguns deles se
calhar até traumatizantes para a generalidade das pessoas mas que eles
conseguiram superar e talvez isto tenha sido muito importante para a
construção da personalidade deles, e a resiliência que eles conseguiram
evidenciar aí, até que ponto pode ser importante para eles mais tarde
virem a…
(M. S. Simões) - Não sei, mas acho que, de novo, é uma boa pergunta. E é
provavelmente verdade, não sei se já há dados sobre isso, mas acho que é
muito interessante pensar a influência no jogador de futebol de um problema
que não nos acontece a nós, académicos, que é o da limitação física por lesão.
E há alguma imprevisibilidade de qual vai ser a retoma. E quando é joelhos e
tornozelos, eles têm medo porque conhecem histórias de alguns colegas em
XII
Anexo 1 (Entrevista a Manuel Sobrinho Simões)
(J. M.) - Isto mesmo também para as crianças, numa sociedade cada vez
mais competitiva e apressada, se calhar também pode ser…
(M. S. Simões) - Pode… mas aí ainda é mais complicado e eu não sei nada
disso mesmo.
(M. S. Simões) - Não sei… de qualquer maneira não sei se ele não seria
sempre assim muito sério. Quando você agora vai a um caso muito concreto,
não faço a mínima ideia. E não sei se haverá muita coisa escrita sobre isso.
(M. S. Simões) - É, mas não será nada fácil porque você não pode arranjar
controlos adequados. É o que lhe dizia há bocado. Os casos de sucesso ou
insucesso manifesto são sempre muito difíceis de ser avaliados do ponto de
vista científico pela sua especificidade … (e complexidade de tudo o que o
envolve) exacto, complexidade enorme (é uma fenomenologia) é. Por exemplo,
que é verdade que o Ronaldo… eu sigo muitas vezes os jogos ingleses, e ele,
perante uma situação de, por exemplo, assobios do público, reage pela positiva
XIII
Anexo 1 (Entrevista a Manuel Sobrinho Simões)
(M. S. Simões) – Claro, mas isso só lhe serve enquanto tiver vinte e tal anos,
não é? O problema é quando ele for mais velho. Estamos aqui a discutir não só
as coisas que são boas para eles, enquanto jogadores de futebol, mas depois
enquanto seres vivos aos 40 anos. E eu não sei se ele desenvolveu estratégias
inteligentes para essa fase ulterior, não sei.
(J. M.) - Mas esse aspecto da sociedade a envelhecer, não significa que
… por exemplo o facto de ter pegado, n a ideia do timing das inteligências
XIV
Anexo 1 (Entrevista a Manuel Sobrinho Simões)
pode até ser, muito interessante para o futuro, e para a fase de depois da
carreira dos jogadores de futebol?
(J. M.) - Se calhar isso explica o fracasso que muito dos grandes
talentos tiveram depois de deixarem de jogar … por exemplo Garrinchas,
Maradaonas, temos o caso mais recente de um ex. jogador da Juventus
que se tentou suicidar, Pessoto.
XV
Anexo 1 (Entrevista a Manuel Sobrinho Simões)
XVI
Anexo 2 (Entrevista a Leandro Massada)
XVII
Anexo 2 (Entrevista a Leandro Massada)
(L. Massada) - Fundamentalmente por causa disso, pela influência que tem,
pelo mediatismo que tem, pela forma de libertação muitas vezes do stress
emocional das pessoas que através do futebol se podem libertar. Outras vezes
o próprio futebol em si, muitas vezes não é valorizado nesse aspecto, mas
serve como forma de afirmação de determinadas regiões. Por exemplo, se nós
repararmos aqui o caso de Guimarães/Vizela, em que os indivíduos de
Guimarães são extremamente aguerridos em relação à defesa do Guimarães e
os de Vizela com as lutas politicas que tinham nós vamos encontrar, por
exemplo, um número muito elevado de indivíduos de Vizela ligados ao F.C.
Porto e o próprio clube tem ligações ao F.C. Porto, porque é uma forma de
contrariar o domínio que o Guimarães teve sobre Vizela. Isto verifica-se noutras
situações, por exemplo em Mondim de Bastos que é uma terra incluída no
distrito de Vila Real. Em Vila Real o núcleo influenciado pelo tempo do
Salazarismo continua a ser os benfiquistas da era dos anos 50 e Mondim de
Bastos é um núcleo de portistas. Quer dizer, o aparecimento do núcleo de
portistas em Mondim de Bastos traduz a guerra que há, em termos políticos do
domínio do Vila Real sobre o Mondim de Bastos e isso serve de contra-
corrente. Portanto futebol é utilizado em todos os aspectos e, a influência que
tem sobre nós é extremamente importante.
(L. Massada) - Não, não é bem assim. O talento em princípio é genético. Nós
não podemos pôr um burro a cantar ópera. O talento é genético, portanto o
indivíduo nasce já com determinadas características para determinadas áreas,
para a música, para a matemática, etc, que depois se forem bem “treinados”,
XVIII
Anexo 2 (Entrevista a Leandro Massada)
XIX
Anexo 2 (Entrevista a Leandro Massada)
(J. M.) - Sendo um defensor das ideias lamarckistas pode dizer-se que não fará
muito sentido alguém estar num treino orientado por uma premissa que seja
XX
Anexo 2 (Entrevista a Leandro Massada)
aquela, de que o talento só nasce, ou seja, para estar no treino, concorda comigo
que é importante que um treinador reconheça potencial ao treino, no sentido de
induzir alterações e permitir a manifestação do talento, o tal talento inato que vai
precisar? Não será um contra-senso encontrar-se pessoas no treino que
acreditam que o talento só nasce e não é preciso fazer quase nada?
XXI
Anexo 2 (Entrevista a Leandro Massada)
como eles colocam a bola, eles conseguem subverter essas dificuldades, têm
alguma técnica. Agora, quando surgem situações de jogo, ou situações sociais,
de stress, falando fora do desporto, que sejam diferentes daquilo a que eles
estão habituados a fazer, têm mais dificuldade, menos criatividade.
XXII
Anexo 2 (Entrevista a Leandro Massada)
(J. M.) - O Professor falou nos tais genes filogenéticos. Esses encontram-se
mais latentes ou culturalmente não se manifestam porque culturalmente a
funcionalidade não os desperta? Por exemplo no caso da talidomida evidencia-
se que há uma funcionalidade que na generalidade das pessoas parece estar
meia latente e adormecida, e no entanto, desperta porque essas pessoas
sentiram essa necessidade e se adaptaram, tiveram uma funcionalidade
diferente.
XXIII
Anexo 2 (Entrevista a Leandro Massada)
(J. M.) - E esta funcionalidade mais ancestral, que estas pessoas com
talidomida conseguem conferir aos pés, pode ter repercussões a nível da
representatividade cerebral?
(L. Massada) - Teoricamente, numa fase assim tão curta da existência não
há possibilidades disso, teoricamente! O que eu quero com isto dizer é que,
enquanto que a funcionalidade da mão está muitíssimo marcada no córtex
cerebral, e isso desenvolveu-se com a espécie. Grande parte do córtex está
vocacionada para a mão e para a fala; em relação ao membro inferior, vamos
imaginar um miúdo que nasce sem membros superiores e que começa a fazer
um tipo de trabalho com os membros inferiores que lhe permite pintar, agarrar
objectos e lhe permite fazer um tipo de actividades de preensão do pé como se
tivesse uma mão, teoricamente poderia acontecer aquilo que aconteceu em
relação às mãos. Isto é, vamos imaginar que agora tínhamos um grupo de
XXIV
Anexo 2 (Entrevista a Leandro Massada)
miúdos que nasciam em determinadas áreas e que nasciam todos sem mãos.
Provavelmente, sendo a natureza de tal maneira perfeita, que o que iria
acontecer, se tivéssemos gerações e gerações de miúdos que nascessem sem
mãos, ao fim de muitas gerações, a capacidade genética que o indivíduo tinha
de poder de nascer com um determinado tipo de características funcionais dos
mesmos inferiores que lhe permitissem a acção de garra aí, eu tinha quase a
certeza absoluta que isso iria acontecer. Havia a capacidade, e isso já está
demonstrado, de que alguns caracteres ligados à função, se forem
considerados úteis para a espécie, poderão ser inscritos no genoma. Isso já
está demonstrado, e verifica-se por exemplo com o bipedismo: como somos
obrigados a trabalhar com o joelho em extensão, a rótula tem tendência a sair.
Isso, o que é que acontece? O bordo externo da tróclea femural, está mais
saliente e mais projectada para a frente, para quê? Para evitar que a rótula
saia. Quando nós nascemos, nascemos já com esse dado no fémur, o que não
acontece com os outros primatas. E isso só começou a acontecer, a partir do
momento em que nós começamos a trabalhar com o joelho em extensão. Nós
temos essa expressão, nascemos com esse dado no fémur, mas ele só se
exprime na sua totalidade se o miúdo fizer actividade física, se começar a
andar. Se não começar a andar esse dado filogenético ligado ao trabalho do
joelho em extensão e para evitar que a rótula luxe, só se estabelece se o miúdo
começar a andar. Se por algum motivo o miúdo tiver uma paralisia infantil, se
tiver uma paralisia cerebral e não seja estimulado a andar, essa expressão do
bordo externo da rótula não se exprime na sua totalidade e a probabilidade do
miúdo, mesmo sentado, ao fazer movimentos, a rótula pode sair, pode ficar
instável. Portanto o que quero dizer, e voltando ao que falávamos à pouco, se
tivermos um grupo de mil miúdos que nascessem sem braços, e estamos a
falar de um filme de ficção cientifica, e isso iria ser transmitido às gerações
seguintes, eu tinha quase a certeza absoluta que, tal como aconteceu ao
Homem em relação a outras facetas biomecânicas, ao fim de algumas
gerações, os miúdos que nascessem já tinham os pés a actuarem como as
mãos.
XXV
Anexo 2 (Entrevista a Leandro Massada)
(J. M.) - ...Sim, não estava a dizer que é uma característica exclusiva, mas pelo
menos uma característica da nossa espécie, mesmo que não exclusiva.
(L. Massada) - É uma das nossas características, mas todos os outros animais que
perderem determinado tipo de actividade funcional, em termos locomotores, têm
características na ultra-estrutura do tendão, do músculo e do osso. As características
biomecânicas e biótipas que eles têm são semelhantes às nossas. Os picos de tensão
intra-ósseas, quando um osso é sujeito a uma deformação plástica desenvolve
potenciais eléctricos no seu seio. Esses potenciais eléctricos são iguais no peru, no
cavalo, no Homem, por muito que as pessoas fiquem horrorizadas.
(J. M.) - Eu acho que não percebeu, eu referi que “não exclusivo ao Homem”...
XXVI
Anexo 2 (Entrevista a Leandro Massada)
(J. M.) - ... É uma característica dos seres vivos, por assim dizer.
(L. Massada) - Nós, essas adaptações temos verificado, por exemplo, em relação à
funcionalidade, em relação aos outros animais. Há animais, por exemplo os cães os
quais são fundamentalmente os exemplos que nós verificamos com mais facilidade,
que nascem alguns sem as duas patas, ou que por um traumatismo são obrigados a
andar a três patas, eles conseguem ter uma funcionalidade através da hipertrofia, a
atrofia de uns e a hipertrofia de outras estruturas esqueléticas, conseguem compensar
essas alterações mecânicas fisiológicas. Portanto, eles conseguem ter alguma
funcionalidade e desenvolver funcionalidades que não tinham quando, por algum
motivo, sofrem de algum género de insuficiência motora. O animal, e nós não somos
diferentes deles, uma vez que todos os animais vertebrados derivam de uma espécie
comum. E, portanto, essas variações que se verificaram ao fim de milhões de anos
determinaram que houvesse uma divergência dos ramos da árvore. Mas ao fim e ao
cabo, muitas das nossas características mecânicas e da funcionalidade, não estamos a
falar em termos cerebrais, mas em termos de trabalho, dos factores que gerem o
músculo, o tendão e o osso, são factores que são comuns a todas as espécies de
animais.
(J. M.) - Uma vez que o futebol requisita uma funcionalidade mais ancestral, no
sentido daquilo que estivemos a falar, daí que se torne pertinente que os miúdos
começarem (quanto mais cedo melhor) uma sentimentalidade maior ao objecto
com que contacta, como o caso da bola, uma gestualidade mais refinada se
calhar quanto mais precocemente....
XXVII
Anexo 2 (Entrevista a Leandro Massada)
(L. Massada) - ...quanto mais precoce melhor para os miúdos, porque aí a questão é
a intensidade e a repetição das cargas. A intensidade e a repetição das cargas se
forem feitas de acordo com a idade cronológica que o indivíduo tem, esses podem ser
estimulados relativamente cedo. O grande problema que nós podíamos pôr aqui é, se
o excesso de intensidade das cargas tem um efeito deletério. Nós sabemos que as
cargas fisiológicas estimulam o crescimento. Por exemplo, num caso particular é que o
excesso de cargas determina muitas vezes o atraso do crescimento. Ora, portanto, em
relação aos estímulos, quanto mais precocemente a espécie for estimulada, melhor e
mais rapidamente desenvolve qualidades motoras e qualidades cerebrais. Agora, o
estímulo deve estar dependente da intensidade das cargas, da qualidade das cargas e
da resposta que o indivíduo tem em relação a essas cargas. No caso da actividade
motora, ela, neste caso, é fundamental que elas não sejam de tal maneira intensas que
levem ao patológico. E o patológico é quando nós estamos a fazer muitas “asneiras”,
as quais aparecem com claudicação, com dor. A própria natureza diz, que nós
estávamos a fazer mal. Agora, nos miúdos, desde que os estímulos sejam feitos de
acordo com a idade cronológicas que eles apresentem, melhor; melhor é para eles.
(J. M.) - Esta adaptabilidade, pode-se dizer que é um saber corpóreo por
assim dizer, ou somatizado, por todo o corpo? Uma inteligência corporal
por assim dizer. O jogador de futebol, no caso, mais do que processar
informação ao nível do cérebro processa ao nível do corpo, no sentido de
soma, de uma globalidade não só cá em cima, mas de todo o corpo,
inclusive a inteligência dos músculos, o músculo como um órgão
pensante e não só como um órgão efector de movimento.
XXVIII
Anexo 2 (Entrevista a Leandro Massada)
quase que nós podemos dizer que temos milhões de “minicérebros”. Ora, se
essas estruturas estiverem a ser estimuladas muito rapidamente e se forem
estimuladas precocemente e se forem continuamente estimuladas, esses
“minicérebros” que estão, por exemplo, ligados à proprioceptividade, isto é, à
forma como o indivíduo faz o movimento, à cinemática do movimento. Nós
sabemos que os miúdos que treinam desde muito jovens, essa
proprioceptividade, esses sensores que estão ligados nas articulações, nos
músculos e nos tendões, essa proprioceptividade onde não há participação
consciente, é uma participação inconsciente e que nos informa
momentaneamente esses milhões de cérebros ao nosso cérebro, ao sistema
nervoso central, ao computador central e que nos informa da posição espacial
da perna, do joelho, do tornozelo, da anca, e que nos informa se o pulmão está
a respirar ou se não está a respirar, se o coração bate ou não está a bater, e
na qual nós não temos participação consciente e aí, a hiperparticipação desses
milhões de “minicérebros” permite, por exemplo, em termos de adaptabilidade
desportiva, diminuir drasticamente o número de lesões. E se permite diminuir
drasticamente o número de lesões, em termos de motricidade, em termos
motores, praticamente se o músculo for estimulado pode quase transformar-se
em “minicérebros” e em estímulos quase como que reflexos.
XXIX
Anexo 2 (Entrevista a Leandro Massada)
(J. M.) - Mas os gestos técnicos mais refinados por assim dizer, quando
se vê um…
XXX
Anexo 2 (Entrevista a Leandro Massada)
XXXI
Anexo 2 (Entrevista a Leandro Massada)
XXXII
Anexo 2 (Entrevista a Leandro Massada)
(J. M.) - Há no futebol, por vezes, uma tendência para considerar que o
jogador deve responder a um determinado morfótipo padronizado. Sendo
o futebol uma modalidade, tal como as outras, onde deve haver um
entendimento plural, onde a antropodiversidade se deve demonstrar, fará
algum sentido isto, de seleccionarem um tipo ideal de jogador, se calhar
os “Garrinchas” que o professor fala, dos “Romários “não
corresponderiam muito a esse estilo.
XXXIII
Anexo 2 (Entrevista a Leandro Massada)
tipos de características de fibras musculares que eles têm. Agora que, neste
momento, e nós verificamos isso. Porque é que as equipas portuguesas neste
momento são eliminadas com mais facilidade ao nível das Taças dos
Campeões? Porque o campeonato português é de tal maneira tão pouco
competitivo que a velocidade e a força não são treinadas nos termos que
deveriam. Isso significa que, indivíduos que dentro do nosso país têm
características de grandes jogadores, quando jogam em jogos internacionais,
essas característica desaparecem.
(J. M.) - Não sendo tão específico nos termos do tipo de fibras musculares, fará
sentido seleccionar ou excluir um jogador só porque ele é “gordo” ou
“baixinho”? Se calhar os “Maradonas”…
(L. Massada) - Não! Não! Teoricamente, desde que o indivíduo, é aquilo que penso
em todas as modalidades desportivas, se tivermos uma equipa para competir pelo
campeonato é uma coisa, e uma equipa para a manutenção é outra, mas se tivemos
um gordinho com características genéticas de alguma habilidade, características de
velocidade e força, características que o indivíduo veja que possam ser adaptadas à
actividade que o individuo pretende fazer, eu acho que neste momento é um erro, e as
escolas portuguesas têm feito isso, eliminar indivíduos baixos ou relativamente baixos
no Voleibol e Basquetebol. Acho que é um erro. Nós devemos aproveitar as nossas
características genéticas e depois melhorá-las substancialmente. Quer dizer, se no
andebol não temos indivíduos com possibilidade de apanhar os indivíduos com 2
metros de altura com velocidade e força, pelo menos não eliminamos indivíduos com
1.70 metros, mas o treino, o papel do treino, vai permitir que esses indivíduos de 1.70
metros tenham uma velocidade e força mais elevada do que os indivíduos de 2 metros.
E se nós lhe melhorarmos, as características mecânicas velocidade e força, vamos
poder dar-lhe características que poderão até ultrapassar as características do
indivíduo mais alto. Aí, o papel do treino é fundamental.
(J. M) - E a biomecânica tem de ser entendida como um plural, e não como uma
única biomecânica...
XXXIV
Anexo 2 (Entrevista a Leandro Massada)
(L. Massada) - ...E eles ao fazerem isso, o próprio treinador que o está a fazer, está a
excluir-se ele mesmo do papel de treino. Ao estar a eliminar determinados miúdos...
(J.M.) - Lá está, era aquilo que eu dizia, até que ponto fará sentido alguém estar
no treino se está a seleccionar. Não acredita naquilo que faz...
(J. M.) - Na conferência salientou uma coisa bastante importante, pelo menos
para o tema da minha monografia, que é as vivências do futebol de rua; o futebol
de rua e as vivências que lhe estão associadas. Até que ponto, isto pode ser
relevante na construção de um talento, no caso do futebol?
XXXV
Anexo 2 (Entrevista a Leandro Massada)
(J. M.) - Falou agora do treino cada vez mais mecânico. Isso pode levar a um
futebol cada vez mais homogeneizado?
É aquilo que se verifica, se você já reparar nisso, nas equipas do centro da Europa, a
Suíça, os suíços, não é aquela mistura com outros indivíduos brasileiros mas se você
vir os suíços, os austríacos e no norte da Europa, os noruegueses e os suecos, o
futebol está muito mecanizado. Porquê? Porque os miúdos não fazem o treino da
proprioceptividade, a habilidade motora não é desenvolvida, e eles fazem o
desenvolvimento de técnicas, em especial a recepção do passe, do cabeceamento,
que são técnicas monótonas e aplicados a todos eles. A individualidade também tem
XXXVI
Anexo 2 (Entrevista a Leandro Massada)
XXXVII
Anexo 2 (Entrevista a Leandro Massada)
momento para o outro começa a ser protegido pela acção do calçado, por
muitas alterações biomecânicas que surjam, pela diminuição de um
determinado jogo articular, pelas articulações que trabalham de uma forma
mais marcada, outras de forma menos marcada o que se verifica é que,
teoricamente, em termos biomecânicos, ao fim de um ano um ano e meio a
natureza habitua-se a isso, habitua-se a essa nova mecânica. Quer isto dizer
que o indivíduo que nasça e que ande descalço, em que a sua cultura não usa
sapatos, nas primeiras fases há um período de adaptação e que depois,
curiosamente, o que se verifica é que quando eles deixam de usar sapatos e
voltam a andar descalços não conseguem fazer isto. (já faz parte deles por
assim dizer, o calçado).
XXXVIII
Anexo 2 (Entrevista a Leandro Massada)
essas imobilizações não deverão ser rígidas, não ser funcionais e permitam,
uma mobilidade quase normal do tornozelo para lhes permitir com que os
movimentos normais das articulações possam ser feitas.
(J. M.) - Agora, para terminar, o professor refere que o desporto em geral
não é uma fábrica de deficientes. Pode se dizer que a prática do futebol,
desde que balizada por determinadas orientações, no caso porque não
pegar em muito do que se fazia no futebol de rua, pode ser indicada sem
qualquer reserva à generalidade das crianças? Não vê qualquer potencial
patológico?
(L. Massada) - Não. Nós verificamos que todos os atletas de alta competição
campeões do mundo, no caso específico do futebol e de todas as modalidades
desportivas, mesmo sendo sujeitos muitas vezes devido aos traumatismos das
cirurgias repetitivas, quer a nível dos joelhos quer a nível das ancas, o que nós
verificamos é que ao fim de um ano, ano e meio após o abandono da pratica
desportiva a maior parte dos sintomas desaparecem. Qualquer que seja a
modalidade desportiva, mesmo naquelas potencialmente agressivas como o
halterofilismo, em que os indivíduos fazem arrachés de 200 quilos, o que é que
se verifica? Que mesmo havendo essa incidência da chamada falsa artrose do
desportista, com alterações degenerativas das articulações hipersolicitadas, os
futebolistas, ao fim de um ano, ano e meio de abandonarem a prática
desportiva são indivíduos normalíssimos em todos os aspectos. Normalíssimos
não só, em relação à incidência de patologias. Em termos esqueléticos eles
deixam de ser assintomáticos, nós verificamos isso, que a maior parte deles
continuam a fazer pratica desportiva através de treinadores, e nós não vemos
treinadores mancos. Teoricamente até seria uma vergonha para eles, andarem
a treinar mancos. E depois voltam, ao fim de uma ano, ano e meio, volta tudo à
normalidade, em termos de stresses mecânicos os sintomas desaparecem na
maior parte das articulações. E uma coisa que é extremamente importante, é
que um campeão olímpico, um campeão do mundo de futebol aos trinta anos
que abandonou a prática desportiva, deixou de fazer actividade desportiva, ele
XXXIX
Anexo 2 (Entrevista a Leandro Massada)
XL
Anexo 3 (Entrevista a Luísa Estriga)
Jorge Maciel (J. M.) - Tendo vindo a tentar entender até que ponto a
especificidade do processo de treino se relaciona com a maior ou menor
incidência de lesões nos desportistas, no caso, mais no andebol
feminino. A que conclusões tem chegado, e com base no que tem lido, o
que é que é sugerido?
Luísa Estriga (L. E.) - Porque é que há tantas lesões? É isso que me estás a
perguntar?
(L. Estriga) - Sobre isto quero dizer-te que talvez eu não tenha entendido
bem a tua questão. Mas para esclarecer, a especificidade do treino tem tudo a
ver com as patologias específicas de cada modalidade, particularmente no que
diz respeito às de sobrecarga (overuse). Mas se quiseres ir mais longe também
interfere, e muito, na re(abilitação) desportiva pós lesão (pós alta médica). Há
um outro domínio que decorre da especificidade da carga inerente ao próprio
jogo. E há algumas diferenças, por exemplo, entre homens e mulheres
relativamente à incidência lesional. Incidência é o número de lesões por 1000
horas de prática ou por 1000 horas de jogo. Deste ponto de vista não há
grandes diferenças entre os homens e mulheres, em especial quando
estudadas as competições internacionais mais importantes (seniores). Mas
existem diferenças metodológicas e amostrais que limitam a comparação entre
estudos. Por exemplo, é difícil comparar um campeonato regional com o mais
alto nível de prática, fundamentalmente por causa do modelo de jogo, estamos
a falar de modelo de jogo e modelo(s) de atleta(s) completamente diferentes.
Aquilo que me parece é, que de facto há aqui uma especificidade de um
XLI
Anexo 3 (Entrevista a Luísa Estriga)
XLII
Anexo 3 (Entrevista a Luísa Estriga)
(J. M.) - E essas funções e essas posições, se calhar, são tanto mais de
risco quanto menos especificidade for contemplada no processo de
treino.
(J. M.) - Ou seja, vai de encontro com aquilo que eu procuro defender,
que a especificidade deve de facto ser um requisito do treino, mas não do
treino só a nível do rendimento superior, também na formação, aí se
calhar é tanto mais fundamental e faz cada vez mais sentido, visto que os
miúdos e as miúdas, cada vez começam mais cedo a procurar a prática
formal das modalidades, e nesse sentido a necessidade de prevenir,
porque as lesões quando surgem, pelo que disse, são aos 17, 18, 19 anos,
quando elas...
XLIII
Anexo 3 (Entrevista a Luísa Estriga)
(J. M.) - Ou seja, há uma habituação, e uma adaptação do corpo que não
é talvez a mais ajustada, para a especificidade da actividade que eles vão
desempenhar.
(J. M.) - Além de para o próprio jogo, também para o jogo em termos de
gerais para a competição, sobretudo. O que eu depreendo daí é que se
calhar o treino, além de não contemplar uma determinada especificidade
de jogo ou de um jogar de uma determinada equipa para o qual, se calhar
os jovens já deviam ser preparados, também não contemplam, pelo que
tenho visto ao longo da pesquisa que tenho feito na minha monografia,
que é a competição que é fundamental na formação dos miúdos. Ou seja,
o treino desde as idades mais precoces deve contemplar, para fazer
sentido a tal lógica de especificidade, a competição. E se calhar é esse o
grande défice que acontece na formação e se calhar os próprios quadros
competitivos serem desajustados, porque de um momento para o outro
há um choque, por assim dizer, para o qual não estão preparados, e no
entanto quando passam a seniores tem de se confrontar com eles.
XLIV
Anexo 3 (Entrevista a Luísa Estriga)
XLV
Anexo 3 (Entrevista a Luísa Estriga)
toque que elas ficam desequilibradas. Há muitas lesões que têm a ver com
isso.
(J. M.) - Quando focou, o facto das miúdas não jogarem, e do jogo ser
suportado em duas ou três, e mesmo assim elas não terem propensão
para determinados comportamentos que seria a mais desejada, tanto em
jogo como no treino, isso evidencia muito a importância de jogos
reduzidos no treino.
(L. Estriga) -…no treino e nessas idades, até na própria competição devia
ser um jogo reduzido, porquê? Por causa do espaço, para perceberem qual a
lógica do espaço, no andebol. Aquilo até é demasiado espaço...
(L. Estriga) - Tudo! Isso é outro dos aspectos determinantes. Eu acho que há
aqui uma quebra grande, e não tenho dúvidas nenhumas. E que o problema
está no treino, está. E que o problema está na formação até ali, está. Não
tenho dúvidas.
(J. M.) - Em relação àquilo que falou, lá está, o corpo é um todo, e esse
processo de treino ao longo de anos durante a formação, se calhar
desajustado, vai se repercutir a esse nível, no todo também. Até que
ponto esta plasticidade que o treino induz numa adaptabilidade, até que
ponto, isto é tanto mais possível quanto a especificidade for
contemplada, e de que forma isso se revela tanto no cérebro como no
músculo como nas relações entre ambos, que talvez seja o mais
importante.
XLVI
Anexo 3 (Entrevista a Luísa Estriga)
que com a prática as atletas chegassem aos 17, 18 anos mais desequilibradas,
que isso fosse um factor. Estás a acompanhar o meu raciocínio? Nós
verificamos, que elas são mais desequilibradas nos primeiros anos e quando
entram. Quer dizer, que elas se tornam mais equilibradas com a prática. Ainda
assim têm valores abaixo dos valores de referência, mas todas elas têm. Todas
elas têm níveis, o rácio entre isquíotibiais e quadrícipetes inferior àquilo que é
proposto na literatura. Factor de risco todas têm, mas é curioso que só algumas
se lesionam, e é quando estão a fazer determinada função (lá está, porque se
calhar há uma adaptação mecânica...); agora, os músculos são muito
importantes. São muito importantes na estabilização do joelho, são
determinantes para tudo. Os músculos do trem inferior, e olhando só para
esses, e esses são importantes na estabilização activa do joelho para a função,
daquelas posições. Eles falham, falha a parte muscular e falha a parte
ligamentar. Quer dizer que eles são expostos a algo, que ocorre no jogo que eu
não consigo reproduzir no treino, ou mais que isso, não consigo prevenir no
treino. O que levanta sérias questões, mesmo do ponto de vista muscular. Se
isso é tão importante, também ao nível de propriocepção. Se depois há algo
que tem a ver com o inconsciente, que tem a ver com o como é que eu decido,
a percepção que eu tenho da situação e como é que eu decido, naturalmente
que deve ter. Fadiga não é, porque elas lesionam-se em qualquer altura, não
se lesionam no final do jogo nem no final... (Final das épocas, nem.. ) Não! Não
há uma relação entre uma fadiga e isto. Há provavelmente um problema de
controlo muscular, neuromuscular. Hoje a grande orientação está no controlo
neuromuscular.
(L. Estriga) - É nessa lógica que faz sentido que, eles estejam a investir
neste momento na prevenção nos escalões de formação nessa questão
XLVII
Anexo 3 (Entrevista a Luísa Estriga)
(J. M.) - Uma vez que lida mais com jovens do sexo feminino se calhar
não tem tanta percepção, mas provavelmente também tem, porque vê o
andebol masculino, também tem um filho percebe o que é que se passa
com ele. O facto, de cada vez menos as vivências dos miúdos irem no
sentido da variabilidade e do enriquecimento do repertório motor, por
exemplo quando andavam descalços, brincavam na rua saltavam, até que
ponto isto também ser um aspecto importante ou pode levar a uma maior
prevenção, por uma educabilidade desses neurotransmissores e das
estruturas propcioceptivas. Até que ponto isto, pode interferir na maior
propensão de lesões, a diminuição destas vivências?
(L. Estriga) - No caso feminino é claro, mas nós não temos muitos padrões
de comparação vou-te explicar porquê. Porque o boom da participação da
mulher no desporto é mais recente. (Pois, por isso é que se calhar não há uma
percepção tão grande.) É difícil, mas parece que o número de lesões não tem
vindo a aumentar. Houve um boom de lesões, particularmente quando se
começaram a ver mais jovens na prática desportiva. Entendes o que eu estou a
dizer? (Se calhar houve um descurar do treino...) É difícil estar a avaliar isso,
mas eu não tenho dúvidas que essas vivências motoras enriquecedoras, e de
alguma forma também de exploração motora que as crianças hoje não têm, de
descoberta, não têm essa possibilidade, eu acho que é limitador e tanto mais
limitador, quanto mais eles entram num processo de especialização, de
XLVIII
Anexo 3 (Entrevista a Luísa Estriga)
XLIX
Anexo 3 (Entrevista a Luísa Estriga)
(L. Estriga) - Exactamente, por isso quanto mais cedo eu começar este
reeducação, com estas preocupações do ponto de vista neuromuscular, e da
orientação do membro inferior na realização de determinadas situações. Mas,
eu também só consigo corrigir se for dentro daquela especificidade que ocorre
no jogo. Se eu estiver a fazer, a corrigir o alinhamento do membro numa
situação em que ela está na posição frente à baliza, não faz muito sentido.
(J. M.) - Podemos então, desta conversa, até ao momento, ter pelo
menos três pontos-chave, que talvez entronquem naquilo que eu defendo
L
Anexo 3 (Entrevista a Luísa Estriga)
(J. M.) - E lá está, o talento para mais tarde vir a afirmar-se tem de ter
esta competição, tem de ter a capacidade de superação e isso tem de ser
contemplado, senão, se ele se vê de um momento para o outro deparado
com uma situação para a qual não consegue dar resposta, pode ser a
frustração total e além…
LI
Anexo 3 (Entrevista a Luísa Estriga)
(J. M.) - Competição pode ser muito vasto, agora aquela competição
deve estar não só ajustada aquela pessoa, aquele grupo no caso, neste
caso são jovens e crianças na formação, e também ajustado aquilo que o
treinador pretende para aquele grupo. Daí a especificidade não só da
actividade, mas do jogar que se pretende.
LII
Anexo 3 (Entrevista a Luísa Estriga)
(J. M.) – Mas, o que eu estava a tentar dizer é que a existência de uma
concepção de um modelo de jogo, e isto, modelo de jogo cada equipa
LIII
Anexo 3 (Entrevista a Luísa Estriga)
pode ter um, poderá indicar diferentes... ou seja, não pode levar a que nós
entendamos os jogadores de uma forma estanque, ou seja, este jogador
para este jogar pode ter uma adaptabilidade diferente do que aquele
jogador se submetido a um processo que contemple, outro modelo de
jogo e aí a especificidade vai contemplar diferentes inteligências, próprias
daquele jogar, diferentes anatomias próprias daquele jogar e diferentes
biomecânicas, próprias também daquele jogar.
LIV
Anexo 3 (Entrevista a Luísa Estriga)
problemas, não consegue porque são miúdos ainda muito imaturos, aquilo
resolve e ele é o “maior lá da terra dele”, ou do “clube dele”, da “quinta dele”,
porque até ganhou, e foi campeão nacional de infantis. Mas para se jogar
daquela maneira, perguntas como é que treinei, treinei com jogadas, cai por
terra tudo aquilo que estávamos a dizer. Isto traduz-se no modelo de jogo
alicerçado na lógica do ganhar. Ele vai criar um modelo de jogo para aquela
lógica do ganhar (para aquele nível é suficiente, mas...) mas sem estar
preocupado com o resto. Não tem se calhar capacidade para perceber, a outra
dimensão, e a importância que isso tem. (Tudo isto vai reforçar a necessidade
da especificidade precoce.) Agora, quando estamos nos seniores é diferente.
(J. M.) - Mas aquilo que eu penso que se verifica, é que através da
contemplação da especificidade, o que acontece é que se olha para o
Homem que joga como um ser plural. Ou seja, o facto de haver
especificidade no processo de treino e no jogo em termos gerais, ou seja,
o facto do futebol e o andebol permitirem que haja diferentes jogares,
além de pelo facto que já conversamos, poder permitir diferentes
inteligências, diferentes anatomias e diferentes biomecânicas, vai permitir
que também a expressão dos Homens que jogam seja muito diversa. Ou
seja, a antropodiversidade, quanto a mim só é possível, ou à partida só se
expressa devidamente se contemplada no treino a especificidade.
(J. M.) - E isso tanto mais válido, quanto mais precoce for essa
especificidade no jogar.
LV
Anexo 4 (Entrevista a Paulo Cunha e Silva)
Jorge Maciel (J. M.) - Há vários autores que têm sugerido para o futebol
a aplicação do conceito “fenómeno social total”, de Marcel Mauss. Nós
contudo, apesar de concordarmos com a aplicabilidade deste conceito,
consideramos pertinente para o futebol, que ele deve ser complementado
com o prefixo “antropo”. Entendemos que só assim o futebol se expressa
na verdadeira complexidade do fenómeno que é. Por entendermos que
além de ser um fenómeno exclusivo do Homem, comporta toda a
complexidade do Homem. Até que ponto acha pertinente este
preciosismo, ou não?
Paulo Cunha e Silva (P. C. e Silva) - Eu não creio que seja um preciosismo,
até porque aquilo que verificamos é que a sociologia é cada vez mais também
uma antropologia, ou seja, é difícil concebermos uma sociologia que exclua o
indivíduo da sua centralidade absoluta. Cada vez mais o entendimento das
sociedades, da sua organização e do seu funcionamento, é um entendimento
que não pode desprezar o indivíduo na sua radicalidade participativa. O
indivíduo é seguramente alguém que condiciona a sociedade. É claro que há
depois mecanismos de balanço entre o indivíduo e a sociedade, um regime de
trocas aberto entre o indivíduo e a sociedade, são sistemas abertos. Acho que
uma sociologia atenta ao Homem, uma sociologia humanística se quiser, não
pode deixar de ser uma antropossociologia, e portanto, nesse sentido, essa
extensão até ao futebol, acho que pode ser absolutamente pertinente. Mas aí
atrevia-me a falar também e a pôr ainda um outro prefixo que seria o de
bioantropossociologia, portanto, acho que o futebol é uma
bioantropossociologia, no sentido de que não dispensa a natureza biológica do
Homem e a convoca e por isso é que o futebol é um sistema de camadas
LVII
Anexo 4 (Entrevista a Paulo Cunha e Silva)
LVIII
Anexo 4 (Entrevista a Paulo Cunha e Silva)
LIX
Anexo 4 (Entrevista a Paulo Cunha e Silva)
LX
Anexo 4 (Entrevista a Paulo Cunha e Silva)
(P. C. e Silva) - Sim, aliás já escrevi isso. O exercício e o treino devem ser
um fragmento daquilo que irá acontecer.
(J. M.)- Contudo, este número três pode ter alguma pertinência (porquê
o número três, isso é que eu não percebo)… três elementos em
interacção. Para contemplar a criatividade se calhar só a partir do terceiro
é que isso se torna mais evidente.
LXI
Anexo 4 (Entrevista a Paulo Cunha e Silva)
(P. C. e Silva) - É engraçada a forma como você fala no plural. São de facto
isso, inteligências. Há múltiplas inteligências, podemos até falar numa espécie
de inteligências de superfície, inteligência do pé como se a inteligência tivesse
LXII
Anexo 4 (Entrevista a Paulo Cunha e Silva)
(P. C. e Silva) - Sim, concordo. A inteligência deve ser operativa neste caso,
e portanto, no caso do jogo e do desporto a operacionalidade da inteligência é
fundamental. Eu trabalhei um pouco em torno desses dois conceitos, não sei
se viu, que são o corpo centrífugo e o corpo centrípeto, que são dois conceitos
que tentam explicar justamente mecanismos, por um lado, de concentração e
de organização, e depois mecanismos de desconcentração e de libertação. (e
pensamento convergente e pensamento divergente…) Sim podemos ir por aí,
mas é mais a ideia do corpo centrípeto e do corpo centrífugo, e portanto, a
ideia que desenvolvi é que durante o treino o corpo tem um comportamento
centrípeto, no sentido de acumular, e durante a competição tem um
comportamento centrífugo, no sentido de libertar. Fui buscar de facto duas
categorias antropossociais se quiser: a ideia de vigilância e punição de
Foucault, que é um antropólogo fundamental e que escreveu uma obra muito
importante que se chama “vigiar e punir” e a do Elias & Dunning na busca da
excitação, e portanto, todos os corpos se organizam a partir destes dois
pressupostos, ou seja, todos os corpos desejariam ser sempre centrífugos,
mas o problema é que se fossem todos centrífugos acabavam por se dissipar,
ou seja, no limite todas as pessoas gostariam de estar sempre a drogar-se
porque isso, deve proporcionar sentimentos fantásticos, mas o problema é que
se se drogassem sempre nunca se drogariam, ou seja não faria sentido. O
corpo percebe isto e existe nesta tensão entre a necessidade de acumular e de
se organizar e a necessidade de se abrir e de se dissipar. E é por isso que o
processo de treino é um processo de incorporação no sentido de criação de um
corpo centrípeto, que depois na altura da competição se abre e se liberta. A
LXIII
Anexo 4 (Entrevista a Paulo Cunha e Silva)
LXIV
Anexo 4 (Entrevista a Paulo Cunha e Silva)
ele vive sempre nessa dualidade, nunca se confina com uma só circunstância,
quer ser centrípeto e quer ser centrífugo ao mesmo tempo, porque ele precisa
de se reorganizar. Mesmo um atacante tem que voltar atrás e tem que ter
períodos defensivos. Viu o filme do Zidane, que se chama “Zidane, um retrato
do século XXI”? É de um videasta contemporâneo importante que se chama
Douglas Gordon e de um cineasta francês que se chama Phillipe Parreneau, e
eles colocam vinte e tal câmaras que o filmam só a ele, num jogo da Liga
Espanhola, o Real Madrid-Villareal, e só filmam o Zidane, e o Zidane que é um
atacante aparece na maior parte do filme em posições completamente
alienadas. Durante a maior parte do tempo ele está numa postura
completamente alienada. Ele precisa dessa alienação para depois, precisa
desses momentos de centrifugação para se conseguir reorganizar.
(J. M.) - É muito curioso isso porque, até que ponto jogadores que
parecem distantes de um momento para o outro ressurgem…
(P. C. e Silva) - Renascem das cinzas, são uma espécie de “Fénix”, dão a
ideia de que estão mortos, de que estão numa espécie de letargia, que estão a
hibernar, e subitamente aquilo dispara.
LXV
Anexo 4 (Entrevista a Paulo Cunha e Silva)
(J. M.) - E é isso mesmo que nós tentamos evidenciar com o conceito de
somatização, não somente o processo de informação passar pelo cérebro
e pela mente, sem dissociar do corpo, mas o facto do músculo e as
estruturas relacionadas com o movimento estarem implicadas nessa
tomada de decisão, por vezes não consciente.
LXVI
Anexo 4 (Entrevista a Paulo Cunha e Silva)
(P. C. e Silva) - Não é que eles não estivessem sempre implicados, mas nós
olhamos para eles como implicados passivos, ou seja, eles fazem aquilo que
os outros mandam fazer. Agora, será muito perturbante se se vier a confirmar
que eles fazem por iniciativa própria e portanto são decisores activos e que
depois convencem os outros que deviam mandar neles, que a decisão foi (ou
que nós entendemos que devíamos mandar neles…) E portanto, isso é curioso
e é perturbante e vem inverter todos os paradigmas de uma relação. (implica
uma reorganização acerca do que é a cognição…) Do que é cognição, do que
é acção, do que é percepção, e esta lógica linear e este princípio de
causalidade entre percepção e acção passaria a ser um bocadinho invertido.
(P. C. e Silva) - Sim, mas também não devemos ser assim tão totalizantes
nesse sentido. Eu falei também a esse respeito numa espécie de dois corpos,
um corpo branco que chamei protocorpo, e depois um corpo pintado que seria
LXVII
Anexo 4 (Entrevista a Paulo Cunha e Silva)
mais um corpo aculturado. Portanto, o corpo motor, nesse sentido, seria uma
espécie de protocorpo, um corpo antes do corpo, e o corpo desportivo seria um
corpo mais pós-moderno, no sentido de que é um corpo feito da sobreposição
de vários fragmentos não é? Cada modalidade tem a sua sintaxe e a sua
gramática, mas usa o mesmo alfabeto, é uma espécie de alfabeto motor
comum. A ortografia do futebol é diferente da ortografia do andebol, apesar do
alfabeto motor ser comum às várias modalidades motoras. Agora, reivindicar
para o futebol uma radicalidade absoluta parece-me exagerado.
(P. C. e Silva) - Não. Com certeza que é diferente, agora o que estou a dizer
é que o futebol partilha com as outras modalidades esse mesmo corpo branco,
esse mesmo protocorpo.
(J. M.) - Lá este a tal categorização da inteligência também não pode ser
estanque…
(P. C. e Silva) - Claro. Até podemos dizer que esse protocorpo que é um
corpo pré-cultural, é um corpo… não quero dizer sem inteligência, mas é um
corpo com uma inteligência que não foi culturalizada. Qual é a distinção
fundamental entre a inteligência e a Cultura? É essa, passa justamente por aí.
A Cultura é a capacidade de convocarmos a memória de uma forma inteligente,
enquanto que a inteligência pode dispensar a memória, a inteligência é a
capacidade de resolvermos uma situação, mas podemos resolvê-la quase sem
memória.
LXVIII
Anexo 4 (Entrevista a Paulo Cunha e Silva)
(J. M.) - Se calhar a Cultura vai requisitar mais uma consciência alargada
e a inteligência pode requisitar a consciência alargada ou mais nuclear,
mas também o não consciente e o inconsciente…
(J. M.) - Mas até que ponto esses acontecimentos não poderão também
condicionar a prestação da inteligência.
(P. C. e Silva) – Pois eu acho que não faz. Acho que a análise de conteúdo é
muitas vezes uma falácia das ciências moles, ou uma insuficiência das ciências
moles, perante o determinismo das ciências duras. E portanto, há situações,
em que a análise de conteúdo não funciona de todo.
LXIX
Anexo 4 (Entrevista a Paulo Cunha e Silva)
(P. C. e Silva) – Nas várias fases e nos vários momentos há sempre uma
determinada consciência corporal, ou seja, apesar das representações
corporais acontecerem tendencialmente no córtex cerebral, há uma espécie de
consciência periférica, se quiser dizer, e essa consciência periférica não pode
ser suprimida.
(J. M.) - E aqui o papel do treino e a qualidade do treino acaba por ser
determinante e, se calhar o sentido do treino, não só no sentido da
hipertorfia…
(J. M.) - Este facto da importância da precocidade que é uma coisa que
nós sugerimos, desde que alicerçada numa determinada qualidade do
processo, é possível porquê? Pela maior plasticidade que existe durante
este período, na infância, ou não? Ou é também pelo facto de haver um
enraizar comportamentos que é menos notório, ou seja, há um corpo
mais branco, mais um protocorpo na infância do que propriamente na
idade mais adulta.
LXX
Anexo 4 (Entrevista a Paulo Cunha e Silva)
(P. C. e Silva) – Claro, portanto, aquele ditado popular que diz que «burro
velho não aprende línguas» também é isto e é um bocadinho pertinente não é?
(mas não aprende por que se calhar também já aprendeu algumas) Também, e
porque é menos plástico, ou seja, o burro velho tem menos plasticidade que o
mais novo nesse sentido e portanto tem também uma maior dificuldade em
incorporar o novo, e também porque a sua capacidade de espanto, espanto
aqui num sentido antropossociológico ou até biológico, um espanto biológico,
ou seja, as pessoas mais velhas têm uma capacidade menor para se
espantarem com aquilo que vêem, porque o novo tem uma capacidade menor
em condicioná-las.
(J. M.) - Um dos paradigmas que acho que é a prova, mais do que
evidente de que o treino pode fazer muito, ou pode actuar sob a
LXXI
Anexo 4 (Entrevista a Paulo Cunha e Silva)
(J. M.) - Esta inteligência, este saber que se vai adquirindo ao longo de
um processo que é complexo e ao longo do tempo através da acção e da
vivenciação, e do passar pelas situações, implica um percurso individual
mas não isolado, que é único. Entendemos nós assim que se trata, de um
processo ecogenético, uma construção individual ecogenética, onde são
muitas as variáveis ou as dimensões que estão a interagir.
(P. C. e Silva) - E que tem a ver sobretudo com isso, ou seja, com a
capacidade que os Humanos têm em inscrever o espaço e aquilo que se passa
à sua volta dentro de si, e em transformar essa ecogenética numa epigenética,
percebe o que quero dizer com isto? Transformar uma ecogenética numa
epigenética, que foi uma coisa que me surgiu agora, seria: o meio tem a
capacidade de se inscrever dentro de nós, mas essa capacidade de inscrição
seria uma capacidade transmissível epigenéticamente, ou seja, fora do sistema
genético. E hoje em dia há uma quantidade muito grande de estudos que falam
disso, até mesmo em termos da capacidade de transmissibilidade que existe
por exemplo no ambiente ecogenético mais pequeno e mais próximo que é o
ambiente citoplasmático. Portanto, o próprio ambiente citoplasmático teria esta
capacidade de transmissão epigenética, e o que tem a ver com esta
capacidade que temos de adquirir e de incorporar informação que não está só
LXXII
Anexo 4 (Entrevista a Paulo Cunha e Silva)
(P. C. e Silva) - É um conceito que até é utilizado até pelas ciências sociais.
(J. M.) - Que até mesmo os genes são permeáveis a tais influências…
LXXIII
Anexo 4 (Entrevista a Paulo Cunha e Silva)
(P. C. e Silva) - Sim, tem a ver com isso, tem a ver com o que ele transporta
e com o que o meio lhe pode fornecer. E da relação entre os dois.
(J. M.) - Face àquilo que fomos dizendo ao longo da entrevista, pode-se
depreender que a prática, não só do futebol, mas no caso do futebol e
sobretudo em idades precoces, desde que respeitando o ser que joga,
neste caso as crianças, com particularidades muito próprias. Dentro da
permeabilidade da dimensão “antropo”, ao lado da natura, permite que …
(P. C. e Silva) - Mas eu gostaria, que não ficasse com a ideia de que entre
Natura e Cultura há uma cisura. A Cultura é uma extensão da Natura, ou seja,
a Cultura é a Natura do Humano se quiser. Acho que isso é importante, a
Cultura é a Natura do Humano. Repare, passando da questão ecogenética
para a questão ecológica propriamente dita, é por isso que sou muito céptico
da ecologia numa perspectiva simplista estilo: “vamos salvar o planeta, o
LXXIV
Anexo 4 (Entrevista a Paulo Cunha e Silva)
(J. M.) - Agora, para terminar, e pegando numa das ideias principais que
fui retendo na entrevista, o facto do treino, começando precocemente,
talvez até por aquilo que fomos dizendo, levar à tal descentralização, ou à
tal cerebralização e aculturação do músculo e também, simultaneamente
à corporalização do cérebro, no sentido em que há uma alteração da
representatividade cerebral, e mais do que isso, à solidificação num
determinado regime motor, se quisermos, específico, à consolidação das
relações entre estes que é o mais importante…
LXXV
Anexo 4 (Entrevista a Paulo Cunha e Silva)
(P. C. e Silva) - Sim, é aquela história de que o cérebro delega, mas depois a
periferia também adquire um pouco mais de responsabilidade, é um sistema de
“governence” biológico, ou seja o cérebro promove essa delegação para a
periferia mas a periferia tem que assumir as suas responsabilidades, e assumir
as suas responsabilidades é assumir a sua capacidade prestativa, ou seja, é
assumir a sua capacidade intelectual (se manifestar enquanto parte de um
todo…) e de parte inteligente e auto-suficiente. Mais uma vez regressamos aos
fractais. Os fractais, de facto, são fragmentos que transportam dentro de si as
qualidades do todo, ou seja, são fragmentos em que o todo delegou as suas
características. São fragmentos que falam do todo melhor do que o todo fala de
si.
(J. M.) - E não se justifica a ideia de hierarquia, mas sim de uma rede, de
uma teia…
LXXVI
Anexo 5 (Entrevista a Marisa Gomes)
LXXVII
Anexo 5 (Entrevista a Marisa Gomes)
(J.M.) – E se partir do princípio que não tem muito a fazer, no fundo não
está a fazer nada, porque não acredita naquilo que faz.
(M. Gomes) – Pior do que não estar a fazer nada, está a estragar! Está a
estragar! Mas isso também acontece no contrário porque vemos miúdos em
escalões mais baixos que tinham um potencial enorme e que até o conseguem
manifestar por diversas razões mas depois acabam por desaparecer. Porquê?
Porque temos de ver a evolução do jogador como a evolução das espécies. A
analogia que eu faço é essa. É que as espécies vão evoluindo ao longo do
tempo mas esse talento tem que ter determinadas condições para se
manifestar. E nós sabemos que a extinção de vários animais aconteceu quase
sempre devido a uma questão: o estarem com determinadas características
demasiado adaptadas às coisas (ao contexto). Então, à mínima variabilidade
desapareceram. Acontece o mesmo com o talento no futebol. Se o jogador for
LXXVIII
Anexo 5 (Entrevista a Marisa Gomes)
LXXIX
Anexo 5 (Entrevista a Marisa Gomes)
(M. Gomes) – Para mim, a Especificidade Precoce tem de ser vista como um
processo cultural, como nas sociedades. Os bebés nascem com determinadas
predisposições e ao longo do processo vão passando por tudo aquilo que
fazem e pelo que são sujeitos e vão assim adquirindo determinadas coisas. Um
bebé nascendo no calor ou no frio, é diferente por aquilo que vão vivenciando.
Num processo de treino é exactamente a mesma coisa. Agora, essa cultura
nas idades mais baixas tem de ser uma cultura muito bem entendida porque
não vamos dizer a um bebé o impossível… Isto da cultura tem muito que se lhe
diga porque um bebé nasce e sabemos que até aos dois anos tem uma grande
capacidade para absorver o maior número de estímulos possíveis. Só que
depois vai-se tornando selectivo. Aliás, o envelhecimento é isso mesmo. Nós
sabemos que, por exemplo, os idosos têm uma capacidade de adaptação
muito baixa. Essa selectividade vai acontecendo ao longo da vida e portanto, o
envelhecimento é exactamente isso. É a diferenciação. (a poda neural).
Exactamente! Essa diferenciação resulta do que a gente vive e daquilo que
fazemos mais vezes, dos hábitos. Um idoso que tenha tido uma profissão no
campo tem uma configuração, a todos os níveis, totalmente diferente de um
que tenha sido professor. Pela prática que teve, pelos hábitos que tem, por
tudo isso. E a criança é igual.
No jogo, essa Especificidade Precoce tem que ser do seguinte modo: quando
a criança começa a jogar temos que lhe dar a entender o que é o jogo. O jogo
não é um conjunto de jogadores ali a jogar. Porquê? Porque quando os miúdos
são pequeninos, não existe uma representatividade como nos adultos. (a
capacidade de abstracção deles é mais condicionada). E porquê? Porque é
que os miúdos não têm capacidade de abstracção? Porque eles não têm
LXXX
Anexo 5 (Entrevista a Marisa Gomes)
(J. M.) – Tem bases para isso… dentro do jogo ou dentro das línguas...
(Exactamente…dentro de tudo…) Dentro de determinada qualidade no
caso do jogo, variar dentro do jogo… o problema é que muitas vezes
confundem-se as coisas…
LXXXI
Anexo 5 (Entrevista a Marisa Gomes)
(M. Gomes) - Porquê?! Porque nós adultos normalmente temos uma ideia de
jogo… É a mesma questão da minha mãe, temos uma ideia de jogo e que ele
se constrói do 1 para 1, do 2 contra 2, do 3 contra 3 e o jogo não é nada disso.
A gente põe os miúdos a jogar 4 contra 4 e 5 contra 5 e eles jogam com maior
ou menor qualidade de jogo. E interferir no jogo com estes miúdos é que é
determinante. Trata-se de intervir no jogo através do jogo.
(J. M) – Exacto… eu penso que muitas das vezes a tarefa mais complexa
e mais difícil de um treinador é procurar, através dos exercícios escusar-
se. Ou seja, evitar ao máximo através dos exercícios que vai criando, para
LXXXII
Anexo 5 (Entrevista a Marisa Gomes)
(M. Gomes) – Mas eu acho que o treinador tem de intervir durante o treino.
Agora, o jogo, o exercício tem que ser entendido como um nicho ecológico. Isto
é, temos um conjunto de jogadores e vamos promover um nicho ecológico que
permita desenvolver esta variabilidade cultural, que é o nosso jogo. Quando
digo jogo é o jogo que resulta dos jogadores estarem em ligação entre eles.
Depois, os exercícios têm que ser estimuladores de qualquer coisa. Quando
estive com os mais pequeninos, miúdos com 4/5 anos e adorava trabalhar com
eles. Porquê!? Porque a minha intervenção no jogo tinha que ser através de
jogo, através da bola. E aprendi imenso com isso…
(M. Gomes) - Isso das propensões tem de ser de cima a baixo. Tem que ser
sempre e a todos os níveis. Só que com esses miúdos os conceitos são nossos
e como os miúdos (como já dissemos) não têm capacidade de abstracção, isso
é óptimo porque só fazendo acontecer é que a coisa resulta…
(J. M.) – É óptimo, mas acaba por ser uma faca de dois gumes, porque
tanto pode dar para o óptimo como pode dar para o péssimo, depende do
contexto a que eles forem submetidos desde idades muito precoces. Lá
está a absorção deles é menos selectiva.
LXXXIII
Anexo 5 (Entrevista a Marisa Gomes)
conceitos. (são mais genuínos) São mais plásticos. Costumo dizer que os
miúdos pequeninos são mais plásticos porque são mais adaptáveis. Eu punha
miúdos de 4/5 anos a jogar com duas balizas laterais e havia circulação de
bola. Agora, nunca falei em circulação de bola porque eles nem sequer sabiam
o que era a palavra circulação. Mas faziam, jogavam, viviam. Do mesmo modo
que para intervir nesse jogo, tinha de ser consoante aquilo que eu queria. Por
exemplo, se queria que eles desaglomerassem. A aglomeração nestes miúdos
resulta de quê?! Da única coisa concreta que existe para eles. A única coisa
que existe concreta no jogo é a bola… e o jogo para eles é a bola. E portanto,
eles jogam. Como? Com a bola. Eles não se ligam aos colegas, nem ao
adversário e até a baliza às vezes não existe para eles. E por isso, este lado da
inexistência de conceitos é que os torna tão plásticos. E quando falo em
conceitos não é só em termos conceptuais. Entendo conceito em termos
conceptuais e também em termos corpus, na capacidade de realização.
(J. M.) – E aí vai uma coisa muito importante que é, ele sentir prazer…
LXXXIV
Anexo 5 (Entrevista a Marisa Gomes)
(M. Gomes) - Sem dúvida! Nós sentimos prazer porquê?! Porque fazemos
qualquer coisa…
(J. M.) – Há uma necessidade de os fazer sentir ainda mais, porque eles
já o têm, e para substituir, por assim dizer, eles têm…
(M. Gomes) - ...Eu não queria que ele substituísse, queria que ele tivesse
mais essa opção. Como que é que tive que fazer?! Tive que fazer duas coisas.
Primeira: dificultar-lhe o puxar a bola sempre para dentro, ou seja, as vezes em
que o fazia, nalgumas perdia a bola e isso comportava algum risco. Do mesmo
modo que fazia com que houvesse sempre um apoio na lateral. Se quero dizer
ao meu jogador para ele abrir mais vezes por fora e não há um extremo viável
para receber a bola, este contexto é propício!? Não é propício. Portanto, isto
aqui é decisivo. Um treinador tem que ser um alquimista! Para criar estes
contextos. Mas para criar os contextos é preciso saber os objectivos. É para
LXXXV
Anexo 5 (Entrevista a Marisa Gomes)
(J. M.) – Vemos o jogo com conceitos que são corpóreos. Nesse sentido
o treino é um processo de ensino e de aprendizagem corpóreo, acima de
tudo.
LXXXVI
Anexo 5 (Entrevista a Marisa Gomes)
Competir, mas como? O lado que a competição nos dá e que o treino não nos
consegue dar é o seguinte: no meu treino e no meu processo existe, em termos
macro, uma filosofia e portanto, no padrão de problemas que colocam as
equipas umas às outras reconhecemos um padrão de problemas. Que, se
calhar, é diferente de um treinador que trabalha ao lado. Porquê!? Porque ele é
um treinador diferente, os comportamentos são diferentes e os problemas são
muito diferentes contra outra equipa. Agora, eu tenho que reconhecer como
treinadora que se vou jogar contra escolas, o padrão de problemas é uma coisa
e se vou jogar contra a equipa mais velha o padrão de problemas é outro. E
portanto, sei perfeitamente quando vou jogar contra as escolas vou ter um
padrão de problemas que a minha equipa vai ter que resolver e contra os mais
velhos é um padrão diferente que vamos ter que resolver. É esta variabilidade
que não consigo ter no treino, mesmo que queira modelar as coisas não
consigo. E, a competição tem uma coisa que é, a equipa tem que ser capaz de
dar resposta agora, no momento. O lado emergente da competição, é mais real
e é mais decisivo.
(M. Gomes) - Por isso é que o treinador tem uma intervenção muito menor
que no processo de treino. O lado inopinado acaba por ser mais relevante. Até
porque começamos o jogo e sabemos como vamos jogar porque há uma
cultura. Existem os padrões que nos ajudam e salvaguardam dentro daquilo
que a gente quer, ou da maneira como nos relacionamos para resolver os
problemas, dentro de uma determinada lógica. Mas existe o outro lado, o
reconhecer como é que o adversário joga, o superar dos padrões da equipa
adversária e contrariar as dificuldades que nos coloca a equipa adversária no
desenvolvimento do nosso jogo. Isso é o lado que o treinador não consegue
modelar. E esse lado é aquilo que dá pica à competição e é isso que os faz
crescer porque o lado da descoberta emergente está mais presente.
LXXXVII
Anexo 5 (Entrevista a Marisa Gomes)
(M. Gomes) – Eu não sei que considerações de níveis estás a fazer, mas…
(nível de qualidade.) Exactamente, tem que ser de qualidade…
(J. M.) – Por exemplo, um infantil do primeiro ano, que já resolve muito
bem os problemas dentro daquele contexto, dentro daquela equipa,
porque não passá-lo para um escalão superior?
(J. M.) E nas crianças sobretudo, porque eles sentem… (E nos adultos)
… eu penso que nas crianças por não terem… Lá está, se calhar nos
adultos menos, porque o adulto habitua-se pelo contexto que o envolve, e
em Portugal isso é mais evidente, se calhar a acomodar-se mais um
bocado… (Mas se o processo o levar à auto-hetero superação) em
Portugal como há um pessimismo generalizado, o adulto vai se acomodar
um bocado a isso. Enquanto que nas crianças, o sentimento de
superação é ainda mais genuíno. Não tem nada a estorvar ainda.
LXXXVIII
Anexo 5 (Entrevista a Marisa Gomes)
(J. M.) - E pelo mapeamento dessa última sessão que foi menos
conseguida, se calhar, eles vão até regredir. Porque sentiram e
vivenciaram coisas que fizeram antes bem, mas que no treino a seguir,
por não estarem devidamente recuperados fizeram com mais erros,
interiorizaram esses mesmo erros e se calhar, vai constituir-se como um
estorvo para o jogo seguinte.
LXXXIX
Anexo 5 (Entrevista a Marisa Gomes)
(M. Gomes) – Sim, mas repara a interiorização não se faz de uma só vez.
(exacto) Faz-se com a continuidade e é por isso que se fala em hábitos.
XC
Anexo 5 (Entrevista a Marisa Gomes)
do que fazer dez minutos em que não hajam condições para que isso possa
acontecer. Porque o talento não se manifesta.
(J. M.) – Há pouco tivemos a falar do talento se calhar, ter… falamos que
o talentos por vezes desaparece, ou quase que desaparece, aquando da
passagem de um escalão para outro. Para mim, a noção de talento vai,
muito de encontro à necessidade de inteligência de jogo. Daí a
necessidade desta inteligência, ter timings diferentes, no sentido em que
por exemplo, ele nos infantis por ser mais alto, por ser aparentemente
mais forte do que os outros, se vai socorrer dessas valias, para aquela
idade, mas contudo, ele só é talento se depois quando passar para os
iniciados ou juvenis, quando essas diferenças se esbatem, ele consegue,
fruto de uma adaptabilidade que desenvolveu, dar respostas socorrendo-
se de outros atributos.
(M. Gomes) – Por isso é que tem de se ver e perceber o jogo e o talento
porque ninguém consegue olhar e ver um talento se não perceber o jogo.
Sobretudo na formação. Na formação é muito mais difícil. Tu falas em
inteligência de jogo porquê? Porque a inteligência de jogo ou aquilo que se diz
inteligência de jogo, recorre àquilo que para mim é fundamental num talento. O
que é? É o tipo de ligações que os jogadores fazem entre si e depois o modo
como eles preenchem o próprio jogo. Eu vejo o jogo assim: existe um conjunto
de jogadores que se estiverem parados, não há jogo. E se estiverem com um
adversário e eles estiverem desconectados entre si ou separados entre si, não
há jogo. Ás vezes até nem precisa de haver adversário. Há jogo mesmo sem
haver adversário, desde que haja ligação entre os jogadores. Por isso, é que as
partes do jogo não são os jogadores, são as ligações entre os jogadores! E o
que é isso das ligações? É aquilo que existe e que se fala como sendo
comunicação e que se fala em inteligência. Porque a inteligência leva-nos para
aquilo que não se vê. Ou para aqueles indicadores em que vemos qualquer
coisa e dizemos “este miúdo tem qualquer coisa que os outros não têm”. (a
inteligência de jogo, não se mede com teste de QI, mas sim pelo jogar).
XCI
Anexo 5 (Entrevista a Marisa Gomes)
Exactamente! Pelo jogar. (pelas respostas que eles dão ao jogo, ao contexto
que se vai criando no jogo) Sobretudo no modo como criam contextos. E no
modo como são capazes de se ajustarem aos contextos. Por isso é que dizia
que, para mim, um talento em qualquer escalão seja demasiado adaptado não
é um verdadeiro talento, por mais sucesso ou insucesso que tenha. Isto é, não
tem esta adaptabilidade contextual nas relações que estabelece com os outros.
Por isso, para mim, nunca vai ser um talento (tende a morrer). Exactamente,
tende a morrer. (não contempla a criatividade, estagna e morre). Exactamente.
Porquê? Porque a auto-hetero superação resulta disso. (e que é também uma
auto-hetero inteligência) Sem dúvida. Essa adaptabilidade é inteligente. Por
isso é que falamos de inteligência, no tipo de ligações. A inteligência é o quê?
É o modo como nos ajustamos. É o lado estratégico, o lado táctico. Quando
falo de táctico aqui é o intencional. Por isso é que às vezes vejo jogadores que
ninguém dá um chavo por eles apesar do modo intencional como eles se
relacionam com os outros, mesmo que muitas vezes não tenham sucesso
porque são pequeninos, são derrubados ou até porque a própria equipa não
joga com eles. (quem tem percepção, e quem conhece o jogo, consegue
identificar ali, o que eles têm, e valorizar o que têm) Exactamente. Por isso é
que eu às vezes vejo alguns jogadores no jogo e digo “este jogador é
fantástico”, é super inteligente. Nós temos um caso desses nos infantis, um
lateral direito que eu acho que é uma coisa fantástica na maneira como ele
resolve os problemas e se relaciona com os outros. Nesta qualidade de
intenções. No entanto, se falar nisto a outras pessoas, passam a olhar para ele
e o que é que dizem? Primeiro, só o analisam quando tem bola. Segundo, só
analisam o comportamento em si. E não analisam… (o que está subjacente a)
Porque o difícil não é ver aquilo que acontece mas ver para além daquilo que
acontece. (ou que poderia acontecer, o que está subjacente àquilo que
acontece) Exactamente. Subjacente e posterior àquilo que acontece.
XCII
Anexo 5 (Entrevista a Marisa Gomes)
(M. Gomes) – Aí está, porquê? Por isso é que digo que há necessidade de
reequacionar o jogo de outra maneira.
(J. M.) – Muitas vezes, no treino sinto que o miúdo vai a fazer uma coisa
fantástica, mas no entanto, não saiu. Não sai, mas aquilo, acho que é…
tem que se dar valor. (Exacto.) Porque aquilo mais tarde vai sair. E há
pormenores desse tipo que se calhar ninguém detecta, que são mesmo
fundamentais, e é isso que os vai distinguir. Mesmo eles errando, se
calhar se déssemos um reforço negativo, ele nunca mais o iria fazer.
XCIII
Anexo 5 (Entrevista a Marisa Gomes)
pivot, que naturalmente tende a jogar mais atrás. Através desta escolha e nesta
situação estou a influenciar não só este jogador mas e sobretudo o
desenvolvimento colectivo.
(J. M.) – Eu por exemplo defendo que a inteligência de jogo, passa não
só pelo jogador, mas também pelo treinador, nesse sentido, em que ele
também tem de tomar decisões e tem que se ajustar a contextos. Só que a
inteligência de jogo, também é no fazer, que num jogador é mais
observável, embora também tenha intenções, O treinador também o
expressa, contrariamente ao que se observa por exemplo nos cronistas,
nos jornalistas, que opinam, mas não revelam inteligência por não terem
que interferir sobre o jogo.
(M. Gomes) – Do mesmo modo que temos treinadores que não sabem
conscientemente o que fazem… mas fazem! Desenvolvem um processo que se
forem a explicar nem sabem muito bem porque é que fazem. (mas fazem) E
alguns até o fazem com muita qualidade, com muita coerência.
XCIV
Anexo 5 (Entrevista a Marisa Gomes)
(M. Gomes) – Sem dúvida. Agora a questão é mais do que isso. Dou-te um
exemplo: no início desta época tinha uma activação para o jogo e acontecia
que entravamos sempre mal no jogo. Uma vez, duas vezes e pensei: ”não
pode ser coincidência”. Aconteceram três vezes e aí tive a certeza de que
alguma coisa estava mal. Era a predisposição para o jogo. O que é que
acontecia? Acontecia que havia uma predisposição para o jogo na qual não
conseguia tocar no lado subconsciente. Foi isso o que eu conclui. E tocar no
lado subconsciente, ao nível da auto-hetero superação, é naquele nível que a
gente não sabe porque é que fazemos aquilo. É naquele nível em que estamos
a jogar e não sabe porque é que meteu o calcanhar mas meteu! Isso só é
conseguido com o quê? Com muita intensidade, aquilo a que chamo de
intensidade máxima. Isto é que é intensidade máxima. É perguntarmos ao
jogador «porque é que fizeste isso?» E ele nem saber, não saber explicar.
(mas fez) E olha para trás e até consegue explicar. Mas isto aqui é necessário
acontecer no jogo (e no treino). No treino, eu já nem falo nisso! Já só falo neste
XCV
Anexo 5 (Entrevista a Marisa Gomes)
(M. Gomes) – Sem dúvida (sem deixar de lado, o plano individual, que
também é fundamental.) Não é fundamental. Existe, ele está lá! (está lá).
Porque, um extremo que recebe a bola e vai sempre no um contra um, os
médios interiores, inconscientemente, não se aproximam para receber pois ele
não esperam que ele vá passar. Um pivot que passa quase sempre de
primeira, os colegas estão predispostos para receber de primeira. Naturalmente
e espontaneamente porque existe o lado de ligação subconsciente. E quanto
maior for a oposição, a exigência e a necessidade de fazer aquilo com
intensidade, mais forte se estabelecem estas ligações. É quando há um
entrosamento, que costumo dizer que há uma fusão na qual nem sentimos a
bancada, não ouve o treinador. O treinador tem de fazer parte desta fusão. Não
é estando sempre a berrar no banco mas dizendo determinadas coisas (quase
uma telapatia). Exactamente. Vendo as coisas da maneira como elas são para
os jogadores e interferindo nos pontos certos. Sobretudo, no caso da
XCVI
Anexo 5 (Entrevista a Marisa Gomes)
(M. Gomes) – Sem duvida, sem duvida alguma que é uma fatalidade. E o
pior é que não é uma fatalidade para o treinador. É uma fatalidade para os
jogadores e equipa. Porque pior do que um treinador chegar ao treino e dar
uma bola ao miúdos e pô-los a jogar, são os treinadores que exigem que eles
façam outras coisas ou então que os concentram demasiado em aspectos
abstractos. E isto é uma tentação e reconheço isso. O querermos que os
miúdos façam determinadas coisas. Miúdos e graúdos. E quando esse lado os
ocupa, isto é, ele ia a fazer aquilo mas já não vai fazer ou não o faz com a
mesma espontaneidade. Não lhe sai, não é subconsciente, não existe uma
fusão subconsciente na concretização dessas coisas, então, aí há dedo do
treinador. E já começa a ser um constrangimento. O saber, gerir isto é decisivo.
É difícil? É mas é decisivo.
XCVII
Anexo 5 (Entrevista a Marisa Gomes)
(M. Gomes) – Foi pelo seguinte: eu acredito muito no lado das intenções,
naquilo que não se vê, naquilo que nos liga agora para além das palavras. E
procurei a neurofisiologia porquê? Porque acho que preciso de entender bem
este lado do mapeamento. Por exemplo, estive no futebol e reconheço que
faço coisas e gestos, tenho uma sensibilidade com os pés que normalmente as
mulheres não têm. O que é normal face ao mapeamento que eu tive da minha
prática. (e também pelo que se vê) Sem duvida também pelo que vejo. E não é
só nisto, estende-se na própria vida. Dou aulas a idosos e acho incrível
perceber que todas as pessoas expressam os hábitos que viveram ao longo da
sua vida sobretudo a parte do trabalho. Portanto, é assim: somos uma espécie
mas dentro da espécie existe uma determinada variabilidade e dentro dessa
variabilidade existe um mapeamento. A palavra que eu encontrei é mesmo,
mapeamento. Nós somos aquilo que fazemos e que queremos fazer.
XCVIII
Anexo 5 (Entrevista a Marisa Gomes)
(J. M.) – Temos um invólucro, que vai aumentando e que vai sendo
criado ao longo da ontegénese, por assim dizer. Porque no início
possivelmente é muito ténue, e daí a maior permeabilidade e maior
plasticidade, mas que depois se vai tornando cada vez mais difícil de
chegar lá ao núcleo…
(M. Gomes) – É porquê? Porque nós somos um ser que nasce com uma
plasticidade enorme. Se calhar somos o ser com mais capacidade de
adaptabilidade. E por isso é que somos plásticos…
(J. M.) – Por isso é que temos necessidade de uma infância mais
prolongada, daí a importância do treino contemplar isso e aproveitar essa
hipótese. Porque se a infância está prolongada, então há que aproveitar.
XCIX
Anexo 5 (Entrevista a Marisa Gomes)
vamos adquirindo hábitos e os hábitos são o que nos liga. Porque os hábitos
são o modo como a gente se inscreve no contexto. E então, são a prova
evidente de que não vivemos isolados e por isso é que se fala em sociologias,
em psicologias mas tudo reside no mesmo, no Homem. E o Homem não é
Homem sem circunstâncias, nem é Homem sem outros Homens. (somos nós e
as nossas circunstâncias, havia quem dissesse isso, e faz todo o sentido.)
Porquê? É aquilo que te dizia há bocado sobre o jogo. Nós enquanto seres
estáticos e isolados não existimos. Nós somos um fractal daquilo que vivemos
e da maneira como nos inscrevemos no sítio onde vivemos. E acho que isso é
o cerne desta questão.
C
Anexo 6 (Após conversa com Guardiola – “Esboço de uma ideia de jogo”)
Vou tentar agora descrever uma das ideias mais curiosas e interessantes do
Guardiola. Aliás, foi o tê-la ouvido por terceiros que me fez ir a Barcelona
conversar com ele! Porquê? Porque constatar uma série de treinadores
espanhóis encantados com uma prelecção sua onde supostamente defende a
ideia de, em construção, o jogador em posse conduzir a bola para de seguida
jogar no homem livre – repetindo-se esta acção numa espécie de “efeito
dominó” – é, à primeira vista, inquietante, estranho … sobretudo contrastante
CI
Anexo 6 (Após conversa com Guardiola – “Esboço de uma ideia de jogo”)
CII
Anexo 6 (Após conversa com Guardiola – “Esboço de uma ideia de jogo”)
centrais saiam a jogar por dentro. Guardiola não quer que se saia a jogar por
fora, pelos laterais, na medida em que essas zonas são zonas onde o
adversário vai pressionar (a entrada da bola no lateral é muitas vezes indicador
de pressão) e onde é mais fácil pressionar. Mas ele adverte: “Gastem dinheiro
com os defesas, sobretudo com os centrais!!”. Tem consciência de que os
defesas têm de ser muito bons em posse. Transportando esta ideia para a
formação, muito cuidado com o perfil de defesa que define como modelo de
prospecção e formação.
Outro aspecto interessante que ele não se cansa de salientar é que quem
tem a bola (e julgo também que o mesmo se aplica àqueles que a podem
receber) deve centrar a sua atenção nos adversários próximos, isto é, deve
estar preocupado em ver os adversários e não tanto em procurar os colegas…
esses ele sabe onde estão!! Daí que ele tenha ideias concretas, perfeitamente
definidas para o posicionamento dos jogadores à medida que o jogo se vai
desenvolvendo… jogo posicional, claramente outra “obsessão” sua!
Dois pormenores que Guardiola salienta: a linha defensiva deve equilibrar a
iniciativa do central, sobretudo o lateral desse lado, fechando por dentro; a
equipa pode sair por fora se o lateral receber na frente do seu adversário
directo.
Ainda no que diz respeito à lógica onde se alicerça a construção de situações
de finalização, uma segunda ideia muito querida para Guardiola prende-se com
o chamado TERCEIRO HOMEM. Segundo ele, Cruyff era quase que obcecado
com esta ideia que acaba por ser uma dinâmica comportamental relativamente
simples mas que também é difícil de contrariar por parte de quem defende.
Tal como referi, a ideia simples: quem está em posição avançada em relação
à bola pede para dar de caras … com quem está de frente para o jogo.
Por exemplo, o pivô está em posse e PL pede a bola não com a intenção de
ficar com ela e rodar, mas para dar a um dos interiores. No fundo, trata-se de
olhar para quem está de costas para o jogo (fruto da posição relativa face à
bola) como “segundo pivôs” ou se quisermos “estações de ligação”, “pontes”
com colegas que estão de frente para o jogo, muitas vezes “pontes” para o
homem livre que se cria com a dinâmica do “provocar para atrair”.
CIII
Anexo 6 (Após conversa com Guardiola – “Esboço de uma ideia de jogo”)
CIV
Anexo 6 (Após conversa com Guardiola – “Esboço de uma ideia de jogo”)
CV
Anexo 7 (“Viva a brincadeira”. Por Carlos Neto, in Notícias Magazine de 01 de Junho de 2008, pp.
56/57.)
CVII
Anexo 7 (“Viva a brincadeira”. Por Carlos Neto, in Notícias Magazine de 01 de Junho de 2008, pp.
56/57.)
CVIII
Anexo 8 (“PRIMEIRA LINHA” – Entrevista a José Mourinho”, in Jornal de Negócios de 30 de Maio
de 2008, pp. 4 – 7.)
CIX
Anexo 8 (“PRIMEIRA LINHA” – Entrevista a José Mourinho”, in Jornal de Negócios de 30 de Maio
de 2008, pp. 4 – 7.)
CX
Anexo 8 (“PRIMEIRA LINHA” – Entrevista a José Mourinho”, in Jornal de Negócios de 30 de Maio
de 2008, pp. 4 – 7.)
CXI
Anexo 8 (“PRIMEIRA LINHA” – Entrevista a José Mourinho”, in Jornal de Negócios de 30 de Maio
de 2008, pp. 4 – 7.)
CXII