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HISTÓRIA DA POLÍCIA MILITAR DO AMAZONAS

O Batalhão Policial
no
Bombardeio de Manaus. 1910

Largo de São Sebastião. (Manáos, 1902)

Alcides Ferreira Costa


Parte II – Primeira República

O BATALHÃO POLICIAL NO BOMBARDEIO DE MANAUS (1910)

*Alcides Ferreira Costa1

Manaus nos primeiros anos do século XX.

“Em 8 de outubro de 1910, tropas do Exército e da Marinha de Guerra atacaram o


Palácio do Governo e bombardearam a cidade de Manaus, após travarem combates
de rua com integrantes da Força Policial. As granadas atingiram o Quartel da Força
Policial, Hospital da Beneficência Portuguesa, Igreja dos Remédios, residências e
vários pontos comerciais da cidade. [...] Refugiado no Quartel da Polícia, o
Governador Antônio Bittencourt ordenou medidas de defesa para a cidade (Jornal A
“Província do Pará”, de 8 de novembro de 1910)”.

O episódio foi o primeiro confronto sério entre as forças políticas no


Amazonas na primeira década do Sec. XX e, possivelmente, o mais prestigioso e
mítico dos movimentos que Manaus testemunhou. Nessa senda, não é casual dizer
que também se trata de parte da desconhecida história da Polícia Militar, esta como
estrutura militar ligada à manutenção da ordem e com responsabilidade primeira
para assegurar a paz e a tranquilidade da sociedade amazonense.
Na realidade, o movimento foi uma espécie de intervenção militar com
apoio ostensivo de um poderoso cacique político da nação brasileira. Entretanto, os
fatos e objetivos do bombardeio, em face das incontáveis interpretações traçadas a
seu redor, dão como motivo principal a tomada do poder do Estado por uma facção
política local.
O bombardeamento se deu independentemente da vontade do cidadão
Antônio Clemente Ribeiro Bittencourt2, Governador do Estado do Amazonas, no
1
Oficial RR da Polícia Militar do Amazonas, licenciado em filosofia e – um “curioso” da história da
PMAM e do Amazonas. [e-mail: alcides.fcosta@hotmail.com].
2
BITTENCOURT, Antônio Clemente Ribeiro. Nasceu em Manaus em 23.11.1853, filho de José Ferreira
Bittencourt e Damiana Filipa de Souza. Serviu como Alferes na guarnição de Manaus. Trabalhou como
guarda aduaneiro, depois exerceu o cargo de amanuense na Secretaria Geral do Amazonas, função na qual se
aposentou. Ingressou no Partido Democrata, sendo eleito três vezes Deputado Estadual. Foi Secretário Geral
no governo de Silvério Nery (1900-1903). Em 1903, foi eleito Senador pelo Amazonas, tendo sua vitória
anulada pela Comissão dos Cinco, apoiada pelo político Pinheiro Machado, então, saindo vencedor José da Costa
Azevedo (Barão de Ladário), após acirrada disputa no Senado Federal. Retornando ao Amazonas, foi eleito
vice-governador na chapa de Constantino Nery, assumindo o cargo em 23.07.1904. Em 1908 foi eleito
governador do Amazonas. Ao longo de sua administração sofreu forte oposição do Senador gaúcho José
período de 1908-1912, na medida em que este prestou apoio político ao Senador
Ruy Barbosa, candidato à presidência da República em 1910.
Na época, o Amazonas com uma população de 358.695 habitantes3, vivia
expressivo desenvolvimento econômico-social e sua capital com cerca de 64.614
moradores, crescia e ganhava contornos urbanísticos devido a ampliação de ruas,
aterramento de igarapés, construção de pontes, palácios e outras edificações públicas
- obras que se confundiam com a vasta e densa vegetação no seu entorno.
No campo político, os irmãos Silvério José e Constantino Nery se
revezavam no poder distribuindo cargos e representações do Estado entre parentes
e amigos, além de controlarem importantes diretórios políticos, estabelecendo assim
divisão de poder com a proteção do governo central.
Na primeira república, as agremiações partidárias dos Estados eram
construídas em torno de um nome ou grupo. Cada unidade da federação contava
com um Partido Republicano (Partido Republicano Mineiro, Paulista, Paranaense, etc.)
com caráter regional e liderado por membros das elites politicas, em face da
ausência de um partido essencialmente nacional.
Para o historiador Leon Basbaum (1997), esses partidos estaduais
sustentavam seu poderio nos coronéis e nas oligarquias estaduais mais fortes,
organizavam as listas dos candidatos aos cargos eletivos, federais, estaduais e
municipais, fiscalizavam as eleições, elaboravam as atas e empossavam os eleitos –
das suas listas.
De fato, o processo político se dava pelo sistema de facção política ou
oligarquia na configuração do Coronelismo4 ou dos partidos, caracterizando-se
pelo continuísmo. “Uma vez instalados no poder, só seriam removidos por
circunstâncias ou acontecimentos políticos (a violência era a regra) especiais, pois,
pelo processo político normal não era possível qualquer alteração” diz Nadai e al.
(1988).
Em momento de pesar da nação com a morte do Presidente Afonso Pena,
em 1909, antes do fim do mandato, deu-se o rompimento da tradição dominante
nas sucessões presidenciáveis, o que resultou na primeira campanha democrática do
País.
Dessa forma, diante da impossibilidade de uma candidatura unânime à
Presidência da República a disputa se deu entre os candidatos Marechal Hermes
Rodrigues da Fonseca (hermista), que representava a coligação política de Minas
Gerais e Rio Grande do Sul com apoio do Senador gaúcho José Gomes Pinheiro
Machado5, líder do senado e árbitro do jogo político federal; e o Senador Ruy

Gomes Pinheiro Machado, pelo fato de apoiar Rui Barbosa, candidato a Presidência da República, em 1910.
No ano de 1912 foi deposto por um golpe da Força Policial. Foi ainda Presidente do Congresso Estadual.
Casou duas vezes: em primeira núpcia com Antônia Bittencourt, depois com sua prima Amélia de Souza
Bittencourt. Faleceu em Manaus no dia 3 de março de 1926. Fonte: BITTENCOURT, A. Dicionário
Amazonense de Biografias: vultos do passado. Conquista: RJ, 1973.
3 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estatísticas do Século XX, 1910. Disponível

www.seculoxx.ibge.gov.br/população.html
4
Fenômeno social e político típico da República Velha. Era o chefe político local ou regional, geralmente um
latifundiário, cujo poder era maior ou menor de acordo com o número de votos por ele controlado. (...) E era muito
comum os grupos políticos serem formados por famílias. Cf. História do Brasil: Colônia, Império e República, São
Paulo, Ed. Moderna, 1976.
5
Político experiente, dotado de argúcia, obcecado pelo domínio público e sempre alerta por entrar nas lutas
necessárias para alcançar o seu objetivo maior: ter o poder. Cf. Vera Lúcia Bogéa Borges. Campanha Presidencial de
Barbosa de Oliveira, este apoiado pelas facções políticas dos Estados de São Paulo
e Bahia por meio da campanha denominada civilista, que pregava a luta pela
consolidação da ordem civil no país.
No Amazonas o governador Bittencourt tentava rechaçar as repetidas
intervenções de Pinheiro Machado na política local, razão para apoiar a candidatura
do notável jurista Ruy Barbosa. O caráter civil e democrático que o senador baiano
procurava imprimir à sua campanha impressionava o governador amazonense.
O apoio provocou divergência com o Senador Silvério José Nery, ex-
integrante do Partido Democrata, chefe político Republicano no Amazonas, aliado
histórico de Pinheiro Machado e o principal nome da oligarquia que dominava a
política no Estado desde 1898.
Sobre o domínio político dos Nerys, destaca Edgard Carone na sua obra “A
História da República”:

“(...) o Amazonas era dominado pelos Nerys desde o começo do século. Em 1900, é eleito
Silvério José Nery; em 1904, Antônio Constantino Nery; em 1908, um elemento do seu
grupo, Antonio Clemente Ribeiro Bittencourt. Porém este último entra em divergência
política com os Nerys e apoia a candidatura civilista (Rui Barbosa)”. CARONE, Edgard. A
República Velha II - (Evolução Política), SãoPaulo, Divisão Europeia do Livro, 2ª ed.,
1974.

Contudo, a cizânia política não para por aí. Na Convenção de 11 de


Fevereiro de 1910, Antônio Bittencourt foi eleito presidente do Partido Republicano
no Amazonas. A escolha foi considerada um golpe as pretensões de Nery e
Machado que não tinham a intenção de se verem afastados dos interesses políticos
do Estado e da região.
Meses depois do triunfo do governador, o Senador Nery animado com a
esperança de conseguir apoio para o seu projeto político, consegue aglutinar forças
em torno de seu nome atraindo a maioria dos deputados do Congresso Legislativo
do Estado - e até do vice-governador Antônio Sá Peixoto, para retomar as rédeas da
política no Estado.
A manobra que tanto se reproduzia na política amazonense não tardou a
desencadear seus efeitos. Eis que, na Sessão Extraordinária de 07 de outubro de
1910, o congresso amazonense declarou vago o cargo de governador do Estado, em
face de Antônio Bittencourt ser societário da Tipografia Amazonas, empresa que
mantinha relações comerciais com o governo, consignando em ATA que:

“O Congresso dos Representantes do Estado do Amazonas, considerando que a


Constituição do Estado, no seu art. 43, proíbe expressa e terminantemente que o
governador tome parte em qualquer empresa industrial ou comercial, como membro
da administração ou como simples associado. (...) Considerando que a infração desse
preceito salutar não é um dos crimes de responsabilidade previstas no art. 51, mas
um caso de perda de mandato pelo exercício de ocupação que a lei considera
incompatível; e atentando que o Senhor Coronel Antonio Clemente Ribeiro
Bittencourt, quer na vigência da Constituição, continuar a fazer parte da empresa
tipográfica AMAZONAS, que mantém transações avultadas com o governo do
Estado e com os Municípios e que, ainda é credora do Estado por diversas contas de

1909-1910 na correspondência de Rui Barbosa e Hermes da Fonseca. Seminário de Cultura e Política na


Primeira República. UESC, 9 a 11 de junho 2010.
fornecimento de obras, algumas das quais já processadas e mandadas a pagar no seu
tempo de governo, resolve declarar vago o lugar do governador do Estado,
oficiando-se ao Sr. Dr. Vice-Governador do Estado para que assuma imediatamente
o exercício desse cargo, na forma da Constituição.
Sala das Sessões, 7 de outubro de 1910.
(Ass): José Duarte Sobrinho, Domingos de Andrade, Adolfo José Moreira, Castella
de Simões, Joaquim Cardoso Faria, Joaquim Barros Alencar, Manoel Antonio
Garcia, Hildebrando Antony, Monsenhor Fonseca Coutinho.6

Nesse mesmo dia a mesa do Congresso envia ofício ao vice-governador Sá


Peixoto noticiando que fora declarado vago o cargo de Chefe do Estado. Tão logo
recebendo o documento, Peixoto comunicou as autoridades do Estado que tinha
assumido o poder, embora tal deliberação tenha sido tomada como fato estranho e
inexplicável - não só por parte das autoridades como também da sociedade.
Receosos com possíveis manifestações de apoio a Bittencourt, os atores da
medida excepcional fizeram correr o boato de que o governador tinha expedido
ordem de prisão contra os deputados que assinaram a Ata, estendendo-se tal decreto
à pessoa do vice-governador.
A esse tom, os acontecimentos se precipitaram. Na noite do mesmo dia os
deputados ameaçados se recolheram ao quartel do 46º Batalhão de Caçadores do
Exército (46º BC) e o vice Sá Peixoto refugiou-se no Aviso de Guerra Comandante
Freitas. Nessa condição solicita ao Coronel Joaquim Pantaleão Telles de Queiroz
Filho7, Inspetor da 1ª Região Militar (1ª RM) e do Capitão-de-Corveta Francisco
da Costa Mendes, Comandante da Flotilha de Guerra no Amazonas - apoio militar
para promover INTERVENÇÃO no Estado8,.
O clima de intranquilidade na cidade agrava-se. Às dezesseis horas o
governador fora avisado de que as forças federais estavam de prontidão para depô-lo.
A pressão não ficou só nas palavras, por volta das 20 horas o mandatário recebe a

6
Votaram contra o ato os Deputados Bento Brasil e Lima Bacury
7
Conhecido no exército como Quincas Telles, de gênio arrebatado e irascível; foi Comandante da Brigada Militar do
Rio Grande do Sul [Polícia Militar] no período de 1892 a 1897. Acerca do militar o historiador Hélio Moro
Mariante na obra Crônica da Brigada Militar, Porto Alegre, Imprensa Oficial, 1972, noticia que “(...) após uma
pequena crise em que se viu envolvido, o Coronel Joaquim Telles mostrou desejos de amotinar algumas Unidades da
Corporação sob seu comando, em ato de represália contra o Governo do Estado, face a incidente pessoal com o
Desembargador do Superior Tribunal, o Dr. Paulino Rodrigues Fernandes Chaves, porém, não logrando êxito no
intento”. Tem-se que Joaquim Telles, em plena luz do dia, desferiu coronhadas de revólver na cabeça do
desembargador, por ter este proclamado sentença em desfavor de um membro de sua família. Confirma a ocorrência
o Major Miguel José Pereira no livro “Esboço Histórico da Brigada Militar”, 1º vol., 2ª. ed. gráfica da Brigada
Militar, 1950, p. 343: “[...] O certo é que o coronel Quincas Telles lhe desferiu profundo golpe com o revólver, e
que o venerando e querido magistrado pouco tempo depois falecia, não sabemos se devido ao traumatismo físico, se
ao abalo moral formidável que experimentou, ou se devido a outra qualquer causa”. As informações foram colhidas
do artigo Um litigio tumultuoso do fim do século 19: A Questão Telles, do Procurador de Justiça do Rio Grande do
Sul, Dr. Sérgio da Costa Franco.
8
O relatório final da comissão nomeada por Bittencourt para apurar os fatos de sua deposição concluiu que: i) a
sessão de 7 de outubro, do Congresso Nacional, não se realizaria por falta de quórum. E, dos dezenove deputados
presentes em Manaus, doze tinham ido recepcionar o Dep Monteiro de Souza no Porto, embora a Ata estivesse
assinada por apenas onze; ii) das onze assinaturas da Ata, somente quatro eram verdadeiras. Aquela sessão só havia
comparecido nove deputados; iii) o deputado Antonio Francisco Monteiro, fora levado às 02h30 do dia 8 de
outubro pelos deputados Castelo Simões e Telesfero de Almeida, para bordo do navio da Marinha, onde fora
obrigado a assinar a Ata, em presença do Dr. Sá Peixoto; (...) O bombardeio se deu no dia 8; pois a 9 ainda andavam
recolhendo assinaturas. Vide LOUREIRO. Antônio José Souto. Síntese da História do Amazonas, Manaus, 1978.
primeira ordem para entregar o poder; temeroso, envia telegrama ao Presidente Nilo
Peçanha comunicando o fato.
As Forças do Exército e Marinha estacionadas em Manaus, teoricamente
reuniam cerca de setecentos homens, estando assim distribuídos:
Exército:
. 46º Batalhão de Caçadores, com 253 praças e 09 oficiais;
. 19° Grupo de Artilharia, com três (3) Peças de Artilharia reunindo 126 praças
e 04 oficiais. Ainda, os efetivos do Corpo de Saúde e de Engenharia.
A Marinha possuía:
. Canhoneira Fluvial Amapá, com 30 praças e 04 oficiais, equipada com um
(1) Canhão de 6 libras, quatro (4) Metralhadoras Maxim e um (1) Obuserio
Armstrong 87mm.
. Canhoneiras Jutaí, Juruá e Teffé, com o efetivo de 44 homens cada, além
de disponibilizarem 1 (um) Canhão Hotchkiss 47mm e duas (2) Metralhadoras
Nodenfelt 11 mm em cada unidade.
. Mais o contingente da Capitania dos Portos.

Naquela noite o governador resolveu pernoitar no Quartel do Batalhão


Militar do Estado, hoje Polícia Militar, onde juntamente com o seu Comandante
Interino Tenente-Coronel Pedro Vidal de Negreiros e oficiais, planejou sua
permanência no poder e a defesa da cidade. Ainda, por força de confiança convoca
o então Comandante do Batalhão, Tenente Coronel Pedro José de Souza, militar
aguerrido e de reconhecida honradez, que na ocasião encontrava-se afastado do
serviço ativo da instituição para tratamento de saúde.
O Batalhão Militar contava com o efetivo de 450 homens, distribuídos em
2 (duas) Companhias de Infantaria, 1 (um) Esquadrão de Cavalaria, 1 (uma) Bateria de
Artilharia e 1 (uma) Companhia de Bombeiros. Grande parte do efetivo já tinha
experiência em combate, haja vista a participação na Guerra de Canudos (Bahia-
1897) e nos conflitos da Anexação do Acre ao território brasileiro (1902-03) junto
a Plácido de Castro.
Então, pensando em garantir-se no poder com esse contingente o
governador oferece resistência negando-se a atender o ultimatum do Coronel
Joaquim Telles para entregar o cargo. Cresce a tensão e a cidade torna-se explosiva.

Ataque ao Palácio

No sábado, 08 de outubro, por volta das 05h30, à população foi


despertada pelo disparo de canhão de um dos navios da flotilha: era o sinal para o
início das hostilizações. Minutos após, um contingente da marinha subindo pela Rua
São Vicente (atual Bernardo Ramos) sob comando do 1° Tenente Paulo Emílio
Silva, e outro do Exército pela Rua Municipal (hoje 7 de Setembro), comandado
pelo 1° Tenente Firmo Dutra, atacaram o Palácio do Governo (prédio da atual
Prefeitura Municipal) na Praça D. Pedro II.
A Guarda do Palácio organizada e reforçada na noite anterior com cerca
de quarenta (40) praças da Força Policial, sob o comando dos Tenentes Sérgio
Rodrigues Pessoa Filho e Rodrigues Varella, rechaçou com bravura o ataque
inicial e, através de grupos avançados fez cessar momentaneamente as ações das
tropas agressoras.
Ante o inesperado – ou já esperado – ataque, o Governador transmitiu ao
Presidente Peçanha o seguinte comunicado:

“Acaba de ser atacada a guarda do Palácio por forças desembarcadas das canhoneiras
fluviais e do quartel da força federal, ostensivamente artilhado. Confirmando
telegramma hontem, aguardo providencias enérgicas, urgente de V. Exc., a fim de
restabelecer socego publico perturbado. Por minha parte manterei toda força
princípios constitucinaes. Bittencourt, Governador”9.

Horas depois a luta recrudesceu sangrenta. O 46º BC com duas (2) Peças de
Artilharia, postando-se à frente do Palácio o atingia repetidamente, produzindo
estragos na edificação, nas árvores do jardim, residências e comércios vizinhos.
A guarda palaciana defendendo-se da fúria dos federais contra atacava com
repetidas descargas de fuzil e metralhadora, numa delas alvejando o 1º Tenente do
Exército Antonio Lins de Carvalho e o Soldado João de Miranda Reis, ambos
do Grupo de Artilharia.
Por volta das nove horas e vinte minutos houve nova trégua. O Coronel
Joaquim Telles enviou ao Quartel de Polícia o sobrinho, Tenente Pantaleão
Telles, no sentido de intimar o governador a transmitir o cargo ao vice, tendo o
mesmo recusado a aquiescer tal ordem.
Mais tarde, o Governador recebeu a visita do Ten-cel Ex. Coriolano de
Carvalho, que lhe trouxe um ofício assinado pelo Inspetor da Região para que
entregasse o cargo, dizendo tratar-se de uma ordem em reservado do Presidente da
República, sendo esta mais uma vez rechaçada.
Nesse clima, foram distribuídos panfletos em toda a cidade, tanto do lado
do Governador como do Vice, ambos procurando esclarecer os acontecimentos que
se sucediam. Dizia o Vice-governador e as Forças Federais:

Aviso à População

“Insistindo o Governador do Estado em não passar o exercício ao seu substituto


legal, depois de ter perdido o mandato, em virtude do disposto no art. 43 da
Constituição, conforme reconheceu o Congresso do Estado, as forças de terra e mar,
solicitada pelo Vice-governador em exercício avisam a população que vão
bombardear a cidade a partir de uma hora da tarde, a fim de que tomem as devidas
precauções para garantir a segurança de suas vidas”
Assignado: Antônio Gonçalves Sá Peixoto, Vice-governador; Coronel Joaquim
Pantaleão Telles de Queiroz, Comandannte da 1ª Regiao Militar; Francisco da
Costa Mendes, Comandannte da Flotilha de Guerra.

O Governador apoiado pelas tropas do Batalhão do Estado, acreditando no


sucesso da resistência convoca a população para pegar em armas, fazendo circular a
seguinte mensagem:

9
Por opção reproduzimos a grafia da época (ofício, aviso, telegramas, etc.).
Povo Amazonense!

As nossas liberdades estão perigando! Os grandes interesses do Estado sacrificados à


sanha gananciosa de um grupo de despeitados, prestigiados pela força federal. É
necessário reagir quanto antes em defesa desses direitos periclitantes.
O governo do benemérito Coronel Antonio Bittencourt, confia e espera na
solidariedade do povo amazonense. Cada cidadão deve ser um defensor desse
governo de honestidade.
As armas, povo amazonense!
No Quartel da Polícia há armamento para defesa do governo.
Governo do Estado.

A mensagem dos agressores e a convocação do povo pelo governo fizeram


efervescer mais ainda o clima de hostilidade. Segundo Agnello Bittencourt (1973),
muitos cidadãos movidos pelo sentimento de patriotismo pegaram em armas “(…)
o Dr. Adriano Jorge foi um dos primeiros que apareceram no Quartel do Batalhão
Policial, oferecendo os seus serviços, não de médico em hospital de sangue, mas de
soldado, a fim de defender a legalidade. Recebeu um fuzil e, com uma pequena
equipe ocupou um lugar estratégico”.
Nas ruas dão-se frequentes choques entre as tropas da Força Estadual e das
Forças Federais. O Governador exortava bravura e tenacidade na defesa do poder e
da cidade, já os agressores pregavam a deposição do executivo a qualquer custo.
A igreja, o mercado e as casas de comércio fecharam suas portas. A
população histérica e em pânico fugia para os sítios e vilas afastadas da cidade com
ajuda dos integrantes da Companhia de Bombeiros, conforme atestavam as
correspondências enviadas pelo Corpo Consular ao Presidente da Câmara dos
Deputados no Rio de Janeiro.
Próximo ao largo de São Sebastião foram vitimados o Cabo José
Francisco e Soldado Luiz Pinho, ambos do Batalhão de Polícia, em confronto com
grupos do exército. No Bairro dos Tocos (hoje Aparecida) houve enfrentamento
das tropas da Policia com a Marinha, porém sem registros de vítimas.

O Bombardeio

Canhoneira “Amapá” da Flotilha do Amazonas.


Ao fim da manhã, as forças federais não conseguindo vencer a resistência do
governador, então se preparam para desfechar o BOMBARDEIO. Assim, faltando
onze minutos para as 13h00 daquele sábado, a Flotilha utilizando-se dos Vasos de
Guerra Amapá, Juruá, Jutahy e Teffé rompeu o bombardeio sobre a cidade10.
As bombas atingiam o Palácio do Governo e prédios vizinhos no Bairro
de São Vicente, o jardim da Igreja da Conceição (Matriz) no Bairro da Conceição,
além de residências e comércios no Bairro dos Remédios. Ainda, o Colégio D.
Pedro II, o Quartel do Batalhão Militar onde se achava o governador, o Hospital da
Beneficente Portuguesa, Mercado Público e outros pontos da cidade11.
Às quinze horas fizeram cessar o bombardeio. A prudência e o bom
senso de Bittencourt em evitar maiores danos à cidade e aos seus moradores o
demoveram a suspender a resistência, bem como, em atender as súplicas do Corpo
Consular e membros da Associação Comercial do Amazonas.
Depois de assinar uma ATA juntamente com representantes do corpo
consular e outras autoridades, o governador retirou-se do quartel da Força Pública -
sem renunciar. Mais tarde lavrou protesto no cartório da Seção Judiciária Federal,
por meio de seu advogado, Dr. Bernardino Paiva, cuja petição narrava de forma
sucinta os acontecimentos.
A perseguição ao chefe do executivo persistiu, obrigando-o a refugiar-se
no Consulado da República da Argentina, juntamente com o Deputado Monteiro de
Souza e outros políticos. Regressando a sua residência foi preso e levado à presença
do Dr. Nelson Maranhão, cunhado de Silvério Nery, que acabara de assumir a Chefia
Geral de Polícia do Estado.
Da Chefatura de Polícia foi conduzido a residência do Vice-governador
onde fora obrigado a assinar uma carta de renúncia do cargo, cujas linhas foram ditadas
pelo próprio Dr. Sá Peixoto12.

10
Há controvérsias quanto à hora do início do bombardeio pela Flotilha, entretanto, levando-se em conta que
o aviso distribuído à população apontava a “uma da tarde”, esta realmente foi a hora - ou talvez a mais
próxima das hostilidades. O Jornal do Norte de 7.10.1912, estranhamente registra o bombardeio por volta das
10 horas; já outras fontes registram tiros na madrugada. Apenas excesso de informações ou exagero, pois,
coloca-se em dúvida a logística da flotilha para, durante seis ou sete horas despejar bombas sobre a cidade,
tendo em vista que o bombardeio cessou às 15h00.
11
Também há divergências sobre os pontos atingidos pelas granadas. Nesse passo, o Jornal “A Província do
Pará”, de 8 de novembro de 1910, revela-se como fonte importante para prestar a informação, verbis: “(...)
graças à atividade do nosso representante junto à comitiva que acompanhou o Dr. Antonio Bittencourt a
Manaus, podemos oferecer a curiosidade de nossos leitores no seguinte: uma granada que não chegou a
explodir foi encontrada no Palácio do Governo e lançada de um dos navios da flotilha por ocasião do
bombardeio; uma espoleta de granada que rebentou atrás do Hospital da Beneficente Portuguesa e outra
que destruiu o telhado da enfermaria; os estilhaços de granadas encontradas junto à residência do Coronel
Antonio Bittencourt e dentro da casa do Dr. Coelho Resende, a Rua dos Remédios e ao largo de São
Sebastião; do estabelecimento industrial do Sr. Dias dos Santos, restam apenas às paredes, tal foi o fragor
das balas caídas sobre ele, arrazando-o”.
12 Dizia o documento: “Manáos, 10 de outubro de 1910. Exmo. Sr. Dr. Vice-governador, do Estado.

Desejando evitar perturbação de ordem publica com a especulação de quem quer que seja, communico a v.
excia. para que dê conhecimento ao publico que me conformei com a declaração do Congresso que decretou
a perda de meu mandato pois não pretendo mais voltar ao exercício do cargo de governador que renuncio.
Devo mesmo acrescentar que ainda que o Sr. Presidente da Republica determinasse a minha volta ao
exercício de tal cargo eu não aceitarei mais. Saudações. Antonio Clemente Ribeiro Bittencourt.”. Cf. Diário
do Congresso Nacional n° 145, de 11 de outubro de 1910, p. 1497.
Mais tarde, o vice-governador expediu telegrama ao Presidente Nilo
Peçanha informando que tinha assumido o poder no Estado. Este, por sua vez,
endereçou telegrama ao Congresso Legislativo do Amazonas nos seguintes termos:

“Tendo o Sr. Vice-governador desse Estado communicado hoje ao governo federal


haver assumido a administração, por ter o Congresso declarado vago o cargo de
governador, de acordo com o art. 43 da Constituição do Amazonas, rogo a Vossa
Excelência informar-me com urgencia se, de facto, o poder legislativo decretou
procedente a accusação ao governador Antonio Bittencourt, e a sua suspensão,
conforme o art. 52 parágrafo único da Constituição desse Estado.
V.Exa. informara igualmente como e quando o Congresso assim deliberou.
Attenciosas saudações. (a) Nilo Peçanha”.

Quatro dias depois, Antônio Bittencourt embarca para Belém.PA, sendo


recebido com honras de Chefe de Estado. Na capital paraense assumiu a condição
de governante deposto para falar do movimento e de suas agruras à imprensa local:

“(...) Não me era licito desconfiar da lealdade do Sr. Sá Peixoto, porquanto, ainda
no dia 5 do corrente mês, celebrando em minha casa uma data intima, ele almoçou e
jantou comigo, dando-me sempre demonstração de amizade. Fiquei extremamente
surpreendido quando, ao dar-se o movimento revolucionário, deparei entre os que se
insurgiram contra mim os Drs. Castello Simões, Cardoso Faria, José Duarte e
outros, que se diziam meus amigos. O fato ainda mais surpreendente é o de estar
entre os sediciosos o Dr. Castello Simões, médico, que três dias antes da revolta,
pedira uma filha minha em casamento”13.

A historiadora Lêda Boechat Rodrigues na obra História do Supremo Tribunal


Federal - Tomo II (1889-1910), relata que o Presidente Nilo Peçanha surpreso e
desconfiado com o havido convocou os seus líderes, Senadores Francisco Glicério e
Quintino Bocaiúva. A seguir reuniu-se com o General Bernardino Bormam e
Almirante Alexandrino de Alencar, ministros da Guerra e Marinha respectivamente.
Aos militares, além de pedir justificativa para as ocorrências, declarou: – “Não há
explicações para essa brutalidade; desejo a punição dos culpados”. Ao Ministro da
Justiça indagou se lhe seria lícito repor, desde logo, o Governador deposto,
acrescentando: - “Em caso afirmativo assim procederei, fira a quem ferir”.
Sobre a decisão do Presidente da República, o Jornal O Estado de São Paulo
de 12 de outubro de 1910, de forma acanhada noticiou:

“O Sr. Nilo Peçanha viu-se obrigado, perseguido pelo clamor público a mandar
repor ao governo do Amazonas o Sr. Antônio Bittencourt. [...] os protestos
veemente e enérgico que o país levantou contra esse crime inominado pelo órgão de
sua imprensa e da Câmara dos Deputados – não do parlamento porque o Senado
ainda é uma feitoria do Sr. Pinheiro Machado – tiveram força bastante para
compelir o Presidente da República a atender às exigências da moralidade e do
dever, obrigando-o a retroceder do propósito criminoso em que se achava de aceitar
os fatos como eles se tinham dado”.
13
Jornal “Correio do Povo”, Porto Alegre, 24.10.1910.
O inspetor da 1ª Região, Coronel Joaquim Pantaleão Telles, instado a
manifestar-se sobre a intempestiva ação, enviou telegrama ao Presidente da
Republica informando-o sobre os fatos, contudo, fazendo-o de modo a suavizar sua
desastrada participação no caso, ipsis litteris:

Manáos (Urgente). Presidente da Republica. No dia 7 de corrente, à tarde, recebi


communicação do vice-governador de que o Congresso Estadoal decretara vago
logar do governador e convidava-o a assumir governo. Diante ameaça de prisão, o
vice-governador recolheu-se bordo capitanea flotilha, acompanhado do presidente
do Congresso e alguns deputados, outros procuraram refugio quartel 46º Caçadores.
No dia 8, vice-governador pediu auxilio commandante flotilha e meu para
tomar conta palacio e desembarcava protegido força marinheiros, quando esta foi
atacada pela policia.
Diante requisição escripta vice-governador mandei auxiliar os marinheiros,
sendo a força recebida por violento ataque.
Para manter autoridade legalmente constituída prestei auxilio material
necessário, atirando exclusivamente quando forças policiais tentavam investidas
contra o quartel. De accordo cônsules estrangeiros, procurei todos os meios
convencer coronel Bittencourt cessar hostilidades, entregar governo, lembrando
reunião Congresso haver votado a perda de seu cargo accordo art. 43 Constituição
Estado, recebendo como resposta de que resistiria até aniquilamento cidade.
Finalmente, coronel Bittencourt exigiu eu declarasse governo federal ordenava
apoio requisição vice-governador e officiaes Congresso.
Para evitar inútil derramamento de sangue, estragos cidade, declarei annuir
exigência do coronel Bittencourt, que só então fez cessar tiroteio, abandonando
quartel policia. Cidade pouco sofreu; absolutamente normal. Coronel Telles”.

A 11 de outubro os advogados Pedro Couto e Orlando Lopes impetraram


Habeas Corpus no Supremo Tribunal Federal a favor do governador, que foi
concedido pelo Ministro Relator Pedro Lessa.
Através do Habeas Corpus n° 2.950, julgado na Sessão de 15 de outubro de
1910, decidiu o relator que tendo sido o paciente obrigado a abandonar o Palácio do
Governo, estava-se diante de um caso em que o direito de locomoção se atrelava ao
exercício de funções políticas. Deixando ainda assentado que a matéria dos autos
não tinha caráter político, podendo ser apreciado pelos tribunais.

“(...) em caso nenhum podem forças federais, destacadas em um Estado, sem ordem
do Presidente da República e com violação dos preceitos constitucionais, que
garantem a autonomia dos Estados, coagir um governador ou presidente retirar-se da
sede do governo. O Supremo Tribunal Federal, visto não se poder considerar
prejudicado o habea corpus, por ainda persistirem os efeitos da coação ilegal de que
foi vítima o governador do Estado do Amazonas, Coronel Antonio Bittencourt,
concede a este a ordem impetrada, a fim de que cesse o constrangimento ilegal,
devendo-se telegrafar ao juiz seccional do Amazonas para que faça cumprir a
presente ordem, requisitando-se, se for necessário, força federal.”

Segundo os periódicos da capital da República, a participação do Senador


Pinheiro Machado se deu de forma direta no acontecimento, sendo este “o maior
responsável”, fato que levou o Presidente Nilo Peçanha a afastar-se definitivamente
do poderoso político gaúcho. .
Antônio Bittencourt reassumiu o governo em 30 de outubro, apontando o
vice-governador Sá Peixoto e o senador Nery como os verdadeiros protagonistas
do bombardeio, movidos pela sua discordância em não aderir o continuísmo de
desmandos do antecessor Constantino Nery, principalmente no concernente aos
abusos das finanças do Estado.
De volta ao poder a situação política se inverteu. O Congresso Estadual
declarou vago o cargo de vice-governador e perda de mandato de Sá Peixoto, sendo
eleito para preencher a superior investidura o político parintinense Coronel José
Furtado Belém, tendo este assumido o referido cargo em 8 de maio de 1911.
O escritor e historiador, Robério dos Santos Braga, então um intelectual
encantado pela história do Amazonas, no seu artigo “Depois do bombardeio de
1910”, publicado no Jornal “A Crítica” de 25 de maio de 2013, acrescentou sobre o
episódio:

“Retomado o governo por Bittencourt, depois de muitas idas e vindas, veio a


desmoralização do clã Nerysta. Sob o título de “São eles os ladrões...” vários artigos
de jornal lançados no Diário Amazonas de 1912 foram desvendando o véu dos
governos Silvério e Constantino Nery, envolvendo vários membros da família dentre
irmãos, cunhados, primos, amigos e asseclas, tudo traduzido como assalto sobre
assalto aos cofres públicos. No rol dos crimes apontados pela defesa de Bittencourt
após o bombardeio podem ser listados serviços, negócios e obras realizados de forma
irregular e alegadamente desonesta: compras de cavalo para o Regimento Militar;
desapropriação de terras de forma ilegal; (...) empréstimos em libras esterlinas; farsa
das apólices de ouro do Estado; ordens de pagamento por serviços fantasmas;
exploração das viúvas pelo tesouro público; (...) entre outras questões que foram
denunciadas como falcatruas que envolviam sempre Silvério Nery e algum parente
próximo”.

Vítimas do conflito

Por ocasião das comemorações póstumas do episódio, o Jornal do Comércio,


de 9 de outubro de 1911, periódico que se intitulava independente, noticiou o
cerimonial de homenagens as vítimas do bombardeio no Cemitério Municipal São
Joao Batista, após a realização de uma missa campal.

“[…] Vinte e oito bondes reservados, gentilmente oferecidos ao público pela


Manaós Tramways circularam até quase meio dia em direção ao campo santo,
conduzindo leva e levas de romeiros.
Além das famílias e cavaleiros que viajavam a bonde, no trajeto até o cemitério
de S. João Batista encontrava-se uma constante romaria de pessoas a pé, outras
a carro e a automóvel, o que fez ficar quase intransitável a parte da necrópole
onde repousam os restos mortais das vitimas do bombardeio.
As bandas de música do 46° Batalhão de Caçadores e do Corpo Policial
tocavam sentidas marchas fúnebres. Foram visitadas por todos os romeiros,
inclusive o Senhor Coronel Governador e outras autoridades civis e militares,
as sepulturas do malogrado 1° Tenente do Exército Antonio Lins de
Carvalho, morto durante o tiroteio, do português Cândido de Oliveira Dixo,
pensionista da Beneficente Portuguesa e que fora esmagado sob os escombros
de parte do teto desse hospital; do italiano e arquiteto Emilio Tosi, morto por
uma granada quando almoçava tranquilamente, da donzela Maria de Oliveira
Pimenta, vítima de uma granada que lhe decepara uma das pernas, à Rua
Leonardo Malcher, do Cabo e de um Soldado da Polícia Militar mortos em
luta, de praças do Exército e de varias outras vitimas do terrível bombardeio.
[…] Sobre a campa da infeliz mocinha Maria de Oliveira Pimenta, destacava-
se uma rica corôa com a seguinte inscrição: Maria de Oliveira Pimenta,
victima das granadas de Costa Mendes em 8 de outubro de 1910. Justiça!
A não ser das notas tristes das marchas fúnebres só se ouve no campo santo os
soluços dos parentes das vitimas e o significativo silêncio dos circunstantes
enlutados.”
Foto: Arquivo Fundação Casa de Ruy Barbosa.

Prédio do Bazar Amazonense, Rua dos Barés, n° 35, atingido pelas granadas.

Preito ao Batalhão do Estado

O Batalhão Militar do Estado, tendo à frente os Tenentes-coronéis Pedro


José de Souza e Pedro Vidal de Negreiros, mereceu por parte da população, da
imprensa e autoridades as mais justas homenagens.
O comportamento do Batalhão foi registrado no Jornal Diário do
Amazonas, de 22 de novembro de 1910, nas seguintes linhas:

“Está bem viva na memória de toda população, a lembrança comovida do


heroísmo e abnegação com que a 8 de outubro os oficiais e praças do
Batalhão Militar do Estado cumpriram o seu dever, defendendo o poder
constituído e a autonomia do Amazonas.
Dois desses heróis, o Cabo José Francisco de Oliveira e o praça Luiz Pinho,
morreram durante a ação.
Para que se perpetue esse exemplo admirável de dedicação à causa da
legalidade, o Diário do Amazonas, proporcionando ao povo amazonense um
ensejo de revelar sua gratidão e simpatia a Força Policial do Estado, resolve
abrir um subscrição cujo contrato será aplicado à construção de um mausoléu
destinados a estes heróis”.
O Coronel Joaquim José Paes da Silva Sarmento, Superintendente
Municipal, através da Lei n° 678, de 28 de agosto de 1911, concedeu auxílio de
1:000$000 para construção de um monumento em memória dos soldados falecidos
por ocasião do Bombardeio de 8 de outubro de 1910.
Os oficiais da Força Policial também contribuíram com donativos para a
construção do monumento que, até hoje, se ostenta no Cemitério de S. Joao Batista,
com prova do carinho e súbita homenagem prestada aos policiais militares que
morreram em combate com dignidade.
A inauguração do mausoléu se deu às 09h00 do dia 11 de maio de 1911,
com a presença do Governador Antonio Bittencourt, que presidiu a cerimônia. No
monumento, as seguintes inscrições.

“A memória dos heróis da Força Policial do Estado José Francisco e Luiz


Pinho.
Detém-te um pouco e considera este pobre tumulo. Em seu seio guarda os
restos mortais de duas victimas do crime de 8 de outubro.
Ambos praças da Força Policial do Estado, os quaes victimas da honra e do
dever, cahiram varados por balas assassinas, quando em defesa do governo
legalmente constituído, em 8 de outubro de 1910, repelliam a horda de
ambiciosos que tentavam assaltar o poder e subverter as leis.
Seja seus exemplos seguidos por quantos tenham amor às instituições
republicanas e presem o nome de verdadeiros patriotas.
Recordações de seus camaradas!”.

Apontando os culpados

O bombardeio foi um acontecimento real. Para os cronistas da terra a


tomada do poder fora planejada pelo Senador Silvério Nery com apoio do Vice Sá
Peixoto, sob a batuta do poderoso Senador da República Pinheiro Machado “o
condestável da República”14.
O imaginário popular também construiu a sua, dando como causa a falta
de uma vírgula no telegrama do Presidente Nilo Peçanha ao Vice-governador Sá
Peixoto, se este deveria ou não usar de força caso Bittencourt recusasse a entregar o
cargo. Segundo os populares, dizia o telegrama: “NÃO TENHA CAUTELA”,
entretanto, o original acusava uma vírgula entre as palavras NÃO e TENHA, o que
deixou de ser anotado pelo telegrafista que captou a mensagem.
Já na interpretação de historiadores independentes, o episódio teve seu
início no processo de eleição para o cargo de Grão-Mestre Estadual da Maçonaria
14
Tem-se ainda que “o estopim do bombardeio não se deu apenas pelo governador Antônio Bittencourt, que
em mensagem ao legislativo deu continuidade ao que o ex-governador Afonso de Carvalho havia divulgado
sobre a gestão de Constantino Nery seu antecessor e irmão de Silvério Nery, que esvaziou os cofres públicos
com gastos pessoais, desvios de verbas e um empréstimo de 50.000.000$000 ouros com juros de 5% (cinco por
cento) em 50 anos a Societé Marsellaise, em maio de 1906, ressaltando para os congressistas que o referido
valor não entrou nos cofres públicos e endividou o Estado, deixando um buraco na Receita que não
conseguiu sair do déficit”. Ver FEITOSA, Orange Matos. À Sombra dos Seringais: militares e civis na
construção da ordem republicana no Amazonas (1910-1924). Programa de Pós-graduação em História Social
(Tese de Doutoramento). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - Universidade de São Paulo,
2015.
do Amazonas, cargo que Antônio Bittencourt ocupava e tentava a reeleição, tendo
como concorrente Antonio Gonçalves Sá Peixoto que contava com o apoio do
também maçom Silvério José Nery.
Entrementes, esta última deve ser tomada com reserva, uma vez que os
obreiros da Arte Real sempre buscaram a fraternidade e solidariedade na mais
perfeita disciplina. Quer dizer, numa quase perfeita disciplina, já que aqui e acolá um
ou outro ousava contrariar os postulados da ordem.
Sobre a coincidência - ou possibilidade - colhe-se da magnífica obra
intitulada “Rio Negro Centenária” da lavra do maçom e historiador Wolfang
Guminiak, filiado a Grande Benemérita Loja Simbólica Rio Negro n° 04, o suposto
indício:

“O ano de 1910 caracterizou-se pela grandiosidade das refregas políticas e


que tiveram como cenário principal a cidade de Manaus, além de ter reflexos
menos intensos no Rio de Janeiro junto ao governo Federal, bem como em
Belém.Pará.[…] Neste período Manaus era um cenário vivo para a encenação
de peças políticas maquiavélicas, onde os meios de qualquer maneira
justificavam os fins. A classe política se extravasava em sórdidas vinganças de
parte a parte e poucos foram aqueles que souberam se portar com nobreza e
sentimentos de humanidade ou tolerância em relação ao seu próximo.
Desde o pequeno soldado até os mais altos cargos tanto políticos como
militares, todos eram aviltados pela ganância ao dinheiro fácil ou ao poder.
Contam os registros históricos, que movidos pelo interesse escuso, pela ânsia
do poder de uma meia dúzia de políticos e militares, “bombardeou-se” a
cidade de Manaus, através de “vasos bélicos” ancorados no porto, sem se dar
a mínima importância à população já amedrontada e cansada de assistir a
desfechos violentos, no meio político. E tudo isto sem se contar o numero de
vidas que inutilmente foram ceifadas por causa de interesse de alguns
privilegiados, que a todo custo não queriam perder a “dolce vita” que
levavam, ou as honrarias que certos cargos lhes conferiam. Estes entreveros
maquiavélicos ainda se prolongaram por mais alguns anos e sem sombra de
dúvidas deixariam um saldo deveras lamentável.
Até a Maçonaria viu-se envolvida pelos tentáculos deste monstruoso entrevero
político, chegando mesmo a vitimar alguns irmãos que se viram severamente
prejudicados. Por questões políticas, e atitudes de mera vaidade, culpava-se e
punia-se àqueles que agiam de boa fé e isentava-se de responsabilidade a
outros que realmente deveriam receber punição adequada pelos seus
tresloucados atos. Todavia, jamais a Maçonaria se haveria de espelhar em
atitudes negativas. Pelo contrario; afastou do seu convívio e puniu com todos
os rigores, àqueles que não primavam pela retidão e pela honradez de
procedimento e com forças redobradas levou adiante os seus ideais de primar
pelo bem da humanidade, a livre manifestação do pensamento e a formação de
um ser humano cada vez mais íntegro e principalmente voltado para o bem
comum.”
Tal revelação não ficaria completa sem uma menção aos personagens
[maçons] que ocuparam o epicentro do movimento e que desempenharam papel
vital nas ações de ataque e defesa da cidade. E deles temos as seguintes referências:

Antônio Clemente Ribeiro Bittencourt (1853-1923). Foi Deputado, Senador


e Governador do Amazonas. Iniciou na Loja “Esperança e Porvir” em 1874.
Filiou-se a Loja Rio Negro n° 4, onde foi venerável nos períodos de
1918/19, 1920/21 e 1922/23. Exerceu o cargo de Grão Mestre Estadual
no período de 1908-1914. Foi um maçom dedicado e rigorosamente honesto.
Era comerciante e funcionário da Secretaria Geral do Governo.
Antônio Gonçalves Pereira de Sá Peixoto (1869-1932). Foi Deputado,
Senador e Vice-governador do Estado. Iniciou na Loja Ganganelli (Rio de
Janeiro) e filiou-se na Loja “Esperança Porvir”. Tomou parte na fundação das
Lojas “Conciliação Amazonense” e “Rio Negro”, das quais foi Venerável e
Benemérito. Era desembargador e exerceu o cargo de Presidente do Tribunal
de Justiça, por duas vezes.
Tenente-Coronel Pedro José de Souza (1866-1942). Comandante da Força
Policial nos períodos de 1908/11 e 1923/24. Iniciou na Loja Rio Negro n°
04, sendo venerável nos períodos de 1909/1910 e 1923/1924. Por ocasião
do “Bombardeio” ocupava o cargo de Venerável da Loja. Exerceu ainda o
cargo de Grande Tesoureiro Geral da Grande Oriente Estadual do Amazonas.
Tenente-Coronel Pedro Vidal de Negreiros (1874–1915). Comandante da
Força Policial no período de 1911/12. Iniciou na Loja “Conciliação
Amazonense” n° 03. Pouco se sabe de suas atividades maçônicas. O ínclito
militar participou dos combates na Guerra de Canudos, na Bahia (1897) e
faleceu cinco anos após o episódio do bombardeio na cidade.
Silvério José Nery. (1858-1934). Vereador, Deputado Estadual e Federal,
Senador por diversos mandatos e Governador. Iniciou na Loja “Amazonas”
em 1885. Exerceu o mais alto cargo da Maçonaria do Amazonas (Grão
Mestre) no período de 1917 a 1923. Foi maçom dedicado no desempenho
do cargo confiado ao seu prestígio
José Gomes Pinheiro Machado (1851-1915). Senador(RS), advogado,
pecuarista, general honorário do Exército e Chefe Político Nacional. Iniciado
na Loja Firmeza de Itapetininga(SP), onde também iniciaram Ruy Barbosa e
Joaquim Nabuco, assassinado em 11.09.1915 no hall do Hotel dos
Estrangeiros, Largo do Machado, RJ, apunhalado pelo padeiro Francisco
Manço Paiva Coimbra, também gaúcho, por considerá-lo o homem mais
nefasto do país.

O Coronel Pantaleão Telles e o Capitão Costa Mendes, oficiais de terra


e mar, foram exonerados dos cargos e seguiram presos para o Rio de Janeiro onde
foram submetidos a Conselho de Guerra para serem condenados em 15 de janeiro
de 1911. O primeiro com a pena de 6 (seis) meses de prisão cominada no parágrafo
único do art. 112 do Código Processual Criminal Militar, e o último com exclusão das
fileiras da Marinha. Contudo, por força de recurso na Justiça castrense Costa
Mendes retornou ao serviço da Armada através do Decreto n° 2.435 de 29 de maio
de 1911. Quanto a Joaquim Telles, após a condenação passou a viver uma espécie
de purgatório profissional, só retornando à órbita das atividades militares no final de
1911 para atuar no Regimento de Mato Grosso. Já em 1924, a Revolução de São Paulo
o encontra à frente de uma Brigada, contra-atacando as tropas revolucionárias de
João Cabanas, Tenente de Cavalaria da Força Pública de São Paulo (PMSP).

Considerações finais

É próprio afirmar, em conclusão, que a restituição do governador ao poder


não amenizou o descontentamento da oposição para promover a pacificação das
forças políticas no Estado. O jogo político no Amazonas tinha suas cartas marcadas
e os interesses envolvidos para alcançar o poder eram demasiadamente fortes para
sinalizarem um acordo de paz.
O coronelismo que imperava em quase todo o País, também presente na vida
social e política do Amazonas, muitas das vezes amparados pelas forças militares
federais ou estaduais a depender dos interesses em questão, mantinha o privilégio
exclusivo das nomeações de autoridades para os principais cargos públicos estaduais
e até nas intendências municipais. Dessa forma, a conquista de uma posição no
quadro político era inviável para quem não pertencesse à confraria de uma alguma
oligarquia local, fato que provavelmente levou ao insucesso a pretensão política de
muitos nomes no Estado e até da Campanha Civilista de Ruy Barbosa com sua
motivação de alcançar a cadeira da presidência.
A despeito da desastrada participação das forças federais no episódio, as
investigações tomadas a respeito não foram determinantes para esclarecer se a
intervenção se deu de modo independente ou que tenha sido influenciada por forças
externas – sendo esta última a mais provável. Embora sendo-lhes reservado o
direito constitucional de participação na política, porém, com desambição ao poder
que tanto os caracterizava, a atuação equivocada dos comandantes das guarnições
do exército e armada estacionadas em Manaus, acabaram permitindo que influências
negativas da política invadissem os seus quartéis.
Pelo caráter que o movimento assumiu no plano da historiografia
amazonense, muito ainda precisa ser dito ao relação a este. Nesse sentido, a pesquisa
aqui apresentada, para mim ainda inconclusa, constitui-se apenas em um diminuto
esforço para tentar compreender o episódio em si e sua relação com a quebra do
jogo político praticado pelas oligarquias na república velha. Todavia, independente
de qualquer interpretação a respeito – é inegável que tenha sido um dos maiores
acontecimentos da história do Amazonas e da participação de sua Força Policial no
conflito, fato que o torna mais dinâmico e interessante.

***
Fontes documentais.

Semanário Pacotilha, Maranhão, 9 de outubro de 1910, n° 241.


Jornal O Estado de São Paulo, 9 de outubro de 1910.
Jornal Diário do Amazonas, 23 de outubro de 1910.
Diário do Congresso Nacional, 11 de outubro de 1910, p. 1497.
Jornal do Comércio do Amazonas, de 11 de outubro de 1910.
Jornal O Estado de São Paulo, 12 de outubro de 1910.
Jornal Diário do Amazonas, 22 de novembro de 1910.
Jornal do Comércio, Amazonas, 9 de outubro de 1911.
Jornal Correio do Povo, Rio Grande do Sul, 22 de outubro de 2010.
Mensagem lida perante o Congresso do Amazonas, pelo Exmo. Sr. Antônio Clemente Ribeiro
Bittencourt, Governador do Estado, 10 de Julho de 1911.
Jornal A Crítica, de 25 de maio de 2013. Manaus.AM

Referências bibliográficas.

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Amazonas (1910-1924). Programa de Pós-graduação em História Social (Tese de Doutoramento).
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas -, Universidade de São Paulo, 2015.
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2011.
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