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Métodos qualitativos e quantitativos

TEMAS LIVRES FREE THEMES


na pesquisa social em saúde: algumas
estratégias para a integração

Qualitative and quantitative methods


in social research on health: some strategies
for integration

Mauro Serapioni 1

Abstract The objective of this paper is to dis- Resumo Este artigo discute questões relacio-
cuss the employment of qualitative and quanti- nadas ao uso de métodos qualitativos e quanti-
tative methods in social research on health. tativos em pesquisa social na área da saúde.
Some strategies for integration of these methods Tem como objetivo apontar algumas estratégias
are discussed and theoretical considerations que possibilitem a integração desses métodos e,
from different authors who have been working para esse fim, apresenta considerações teóricas
during the last 30 years to overcome the opposi- de diferentes autores que têm trabalhado nos
tion between the two perspectives are presented. últimos trinta anos para superar a contraposi-
In addition, the characteristics of each method ção entre as duas perspectivas. Aborda também
are listed and the applicability of each one is as- as especificidades de cada método, identifican-
sessed, taking into account the objet of the study do a melhor adequação de cada um, considera-
and the different stages of the research. This ar- dos o objeto do estudo e sua aplicabilidade nos
ticle also stresses the occurrence of preconcep- diferentes momentos da investigação. Por fim,
tions and false dilemmas regarding the debate evidencia a existência de preconceitos e falsos
on the methods and emphasizes the need to dilemas no debate sobre os métodos e propõe a
overcome communication problems between superação da incomunicabilidade entre pesqui-
qualitative and quantitative researchers. sadores qualitativos e quantitativos.
Key words Qualitative Methods; Quantitative Palavras-chave Métodos Qualitativos; Méto-
Methods; Social Research on Health dos Quantitativos; Pesquisa Social em Saúde

1 Escola de Saúde Pública


do Ceará, Av. Antônio
Justo 3.161 – 60165-090,
Fortaleza, CE.
mauro@esp.ce.gov.br
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Serapioni, M.

Introdução Qualitativo-quantitativo: um falso


problema e muitos desentendimentos
A atual discussão sobre as vantagens e desvan-
tagens dos diversos métodos de pesquisa so- A partir do final da década de 1960, muitos
cial desenvolvidos na área da saúde requer um cientistas sociais e pesquisadores (Lazarsfeld &
exame muito atento acerca de alguns proble- Barton, 1967; Wallace, 1971; Boudon, 1979; Rei-
mas relacionados à integração entre as pers- chardt & Cook, 1979; Minayo & Sanches, 1993,
pectivas qualitativa e quantitativa. O debate e entre outros) têm trabalhado para superar es-
a contraposição freqüentemente registrada en- ta contraposição, sem renunciar a evidenciar
tre as duas abordagens não são novos, nem ex- as características e as contribuições de cada
clusivos do campo das ciências sociais aplica- abordagem. De fato, como observam Cipolla
das à saúde. A discussão vem se desenvolven- & De Lillo (1996), trata-se de duas perspecti-
do desde a fundação das ciências sociais, e pre- vas aparentemente incompatíveis para aproxi-
cisamente desde a análise durkheimiana do mar-se da realidade observada, mas ambas es-
suicídio. tão relacionadas às mesmas questões: Quais as
As correntes positivistas e neopositivistas condições que permitem ao pesquisador ter aces-
definem como científicas somente as pesquisas so à realidade social? Quais critérios possibili-
baseadas na observação de dados da experiên- tam estabelecer se os procedimentos e as regras
cia e que utilizam instrumentos de mensuração interpretativas são adequados para representar
sofisticados. Por isso, afirmam que os méto- os processos de construção do sentido dos atores?
dos qualitativos não originam resultados con- Do ponto de vista metodológico, não há
fiáveis. Por outra parte, os teóricos qualitati- contradição, assim como não há continuida-
vistas sustentam que os quantitativistas, na de, entre investigação quantitativa e qualita-
medida que não se colocam no lugar do sujei- tiva. Ambas são de natureza diferente. A in-
to, não realizam investigações válidas. vestigação quantitativa atua em níveis de rea-
Existe já uma abundante literatura que re- lidade e tem como objetivo trazer à luz dados,
flete este debate, mas ainda poucos são os tra- indicadores e tendências observáveis. A inves-
balhos que tentam desenvolver caminhos e es- tigação qualitativa, ao contrário, trabalha com
tratégias de integração, bem fundamentadas, valores, crenças, representações, hábitos, atitu-
entre as perspectivas qualitativa e quantitati- des e opiniões (Minayo & Sanches, 1993).
va. Uma parte significativa da literatura sobre As experiências das pesquisas de campo,
o tema, porém, está ainda preocupada em fo- baseadas em uma perspectiva mais pragmáti-
calizar a contraposição entre as duas aborda- ca e menos orientada para um sectarismo epis-
gens, utilizando justaposições superficiais das temológico, sugerem que da combinação das
ferramentas mais simples dos dois métodos duas abordagens (cada uma no seu uso apro-
(Steckler et al., 1992). De fato, embora exista priado) é possível obter ótimos resultados. Por
uma pluralidade de convergências e divergên- exemplo: queremos saber quantas pessoas de
cias, muitas vezes a literatura reduz esta opo- uma comunidade conhecem as Doenças Se-
sição a um simples estereótipo: a observação xualmente Transmissíveis (DST), ou o que a
participante em contraposição à sondagem de população desta comunidade sabe sobre as
opinião (Agodi, 1996). DST? Para responder às preocupações formu-
Nos últimos vinte anos tem se observado ladas neste exemplo, precisa-se utilizar méto-
que tanto os teóricos da abordagem quantita- dos qualitativos e quantitativos.
tiva, como aqueles da abordagem qualitativa De fato, os métodos quantitativos são dé-
dedicaram uma parte consistente de suas aná- beis em termos de validade interna (nem sem-
lises polemizando contra o outro método (Nie- pre sabemos se medem o que pretendem me-
ro, 1987; Ferrarotti, 1999). Isto, segundo a opi- dir), entretanto são fortes em termos de vali-
nião de alguns estudiosos (Niero, 1987; Caval- dade externa: os resultados adquiridos são ge-
li 1996), ocorre mais como resultado de uma neralizáveis para o conjunto da comunidade.
opção epistemológica, do que de uma signifi- Ao contrário, os métodos qualitativos têm
cativa prática de pesquisa social. muita validade interna (focalizam as particu-
laridades e as especificidades dos grupos so-
ciais estudados), mas são débeis em termos de
sua possibilidade de generalizar os resultados
para toda a comunidade (Perrone, 1977; Nie-
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ro, 1987; Castro & Bronfman, 1997). Por isso, lises dos problemas estudados, é o caso das in-
é muito importante poder contar com acha- vestigações sobre a mortalidade infantil. Se-
dos obtidos com métodos qualitativos e quan- gundo Castro & Bronfman (1997), as pesqui-
titativos, que permitem garantir um razoável sas tradicionais sobre esse assunto têm chega-
grau de validez externa e interna. Dessa for- do a um beco sem saída. Existe, de fato, uma
ma, é possível também formular políticas e grande abundância de trabalhos, baseados em
programas de intervenção concretos e adequa- investigações quantitativas, que demonstram
dos às particularidades de todos os setores so- uma estreita relação entre variáveis socioeco-
ciais que se pretende atingir (Castro & Bronf- nômicas e sociodemográficas e o risco de mor-
man, 1997). talidade infantil. Entretanto, esses achados,
A pergunta fundamental sobre um método, sempre atentos ao respeito do princípio da ge-
afirma Perrone (1977), não é se, e quanto, ele nerabilidade dos resultados, deixam os gesto-
é verdadeiro, mas se, e quanto, ele é útil para res dos serviços de saúde sem informações es-
arar o terreno empírico que temos em frente. Em pecíficas acerca dos processos que conduzem a
outras palavras, nosso juízo sobre o valor do que, em situações similares, algumas famílias
método deve ser relacionado à sua fertilidade alcancem a sobrevivência de seus filhos, enquan-
para nos aproximar da realidade estudada. to outras fracassam reiteradamente e têm que
Segundo Cannavó (1989), a contraposição suportar a morte de vários deles (Castro &
metodológica entre as abordagens qualitativa Bronfman, 1997). Por essa razão, é importan-
e quantitativa é abstrata, na medida que não te encaminhar estratégias de pesquisa quali-
considera as seguintes categorias de análise: a tativa que podem dar conta das diferenças de-
orientação ao problema e as finalidades da pes- tectadas, das características familiares e da e-
quisa. Em outras palavras, as metodologias, xistência de redes sociais de apoio, que podem
como explicitam Downey & Ireland (apud Del- determinar a sobrevivência de crianças meno-
li Zotti, 1996), não são nem apropriadas e nem res de um ano. Ao mesmo tempo, a pesquisa
inapropriadas, até que sejam aplicadas a um qualitativa facilita a identificação dos contex-
problema específico de pesquisa. Essas coloca- tos específicos em que se produzem os óbitos,
ções são muito úteis para se evitar assumir alimentando, assim, o desenho de políticas ba-
uma postura epistemológica reducionista ou, seadas em dados que permitem encaminhar
simplesmente, ideológica, diante dos métodos ações de saúde específicas e não gerais (Cas-
a serem utilizados em nossas pesquisas. Por is- tro & Bronfman, 1997). Na experiência de cam-
so, ao começarmos uma pesquisa, a fim de po conduzida por estes autores em uma co-
aprofundar o conhecimento de um problema, munidade rural do México, técnicas de análi-
é bom sermos mais pragmáticos e perguntar- ses estatísticas muito sofisticadas (análises de
mos: Qual é o objeto de nosso interesse? Qual regressão), junto a técnicas qualitativas com-
é a natureza do problema que queremos in- plexas (entrevistas familiares em profundida-
vestigar? de), permitiram aprofundar o problema e cons-
Pode-se assumir, portanto, a partir destas truir os dados para comprovar as hipóteses.
colocações, que as estradas que conduzem à
integração ou, pelo menos, à complementari-
dade entre métodos qualitativos e quantitati- Quando utilizar a análise
vos não são fechadas, mas suficientemente qualitativa ou a quantitativa
abertas. De outra forma, como aponta Can-
navó (1989), a pesquisa empírica se reduz, al- Uma vez que se aceite a complementaridade
ternativamente, ou na apresentação de estu- entre as duas abordagens e a forma de propor
dos de casos e biografias recolhidas sem crité- alguma integração, a partir do reconhecimen-
rios de representatividade, ou na apresenta- to das especificidades de cada uma, é possível
ção de índices, figuras e gráficos considerados identificar de que maneira podem ser mais
auto-evidentes e sem uma adequada interpre- bem incorporadas ao desenho da pesquisa.
tação do contexto problematizador e o apro- Se o objeto de estudo está bem definido, já
fundamento de aspectos importantes e eluci- que outras pesquisas têm acumulado um cor-
dadores da realidade pesquisada. po suficiente de conhecimentos sobre o tema,
Outro exemplo em que a combinação dos trata-se então de verificar somente se este cor-
dois métodos de pesquisa se revela estratégi- po de conhecimentos vale em outras situações,
ca, evidenciando uma inegável riqueza de aná- ainda não exploradas empiricamente. Neste
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Serapioni, M.

caso podem-se utilizar métodos de pesquisa dida a experiência relatada pode ser compar-
quantitativa como um questionário estrutu- tilhada por outros ou, simplesmente, ser o re-
rado ou uma sondagem. sultado de circunstâncias casuais. Por isso, é
Porém, existem áreas de interesse em que importante passar à validação dos resultados
não se tem ainda desenvolvido um adequado obtidos, submetendo nossas hipóteses a uma
conhecimento teórico e conceitual, ou não fo- mais ampla e representativa amostra de casos,
ram formuladas hipóteses precisas ou ainda para poder melhor avaliar a importância da
não sabemos com clareza o que estamos bus- descoberta. Esta etapa precisa de instrumen-
cando. Nesses casos, os métodos qualitativos tos mais rígidos de levantamento de dados, já
ajudam no trabalho de construção do objeto que assim é menor o risco de não ter conside-
estudado, facilitam na descoberta de dimensões rado algumas características relevantes do pro-
não conhecidas do problema e permitem tam- blema estudado. Os métodos quantitativos,
bém formular e comprovar novas hipóteses. por suas possibilidades de réplica, pelo fato de
Os métodos qualitativos devem ser utili- adotarem procedimentos intersubjetivamente
zados quando o objeto de estudo não é bem controláveis e por seu rigor de indicar as mar-
conhecido. Por sua capacidade de fazer emer- gens de erro que podem ocorrer na formula-
gir aspectos novos, de ir ao fundo do signifi- ção da inferência, são aptos a dar sólidos fun-
cado e de estar na perspectiva do sujeito, são damentos às descobertas e às hipóteses formu-
aptos para descobrir novos nexos e explicar sig- ladas (Delli Zotti, 1997).
nificados. De fato, durante a pesquisa, freqüen- Entretanto, outros cientistas sociais dis-
temente emergem relações entre variáveis, mo- cordam destas argumentações. Castro & Bronf-
tivações e comportamentos completamente man (1997), por exemplo, sustentam que exis-
inesperados, que não surgiriam utilizando um tem diversas estratégias válidas de generaliza-
questionário estruturado, cuja característica ção dos métodos qualitativos. Entre elas, cabe
técnica é a uniformidade do estímulo. destacar a que os autores definem generaliza-
Por isso, os métodos qualitativos são mui- ção conceitual ou analítica, que permite aos
to importantes na fase preliminar da pesquisa. métodos qualitativos generalizar sobre as ca-
Segundo Ferrarotti (1999), não há nenhuma racterísticas conceituais, sem pretender gene-
dúvida de que as técnicas de validação (context ralizar em termos numéricos. A esse respeito,
of validation) sejam importantes, mas em todo Castro & Bronfman (1997) explicam: No estu-
caso o contexto do descobrimento (context of do de processos sociais de um reduzido grupo de
discovery) chega antes. casos, busca-se obter informações que nos per-
Cabe destacar, porém, que a fase prelimi- mitem teorizar sobre o processo que nos interes-
nar pode ser legitimamente considerada o sa, sem pretender saber quanto aqueles proces-
ponto de chegada da pesquisa (Cavalli, 1996). sos sociais são freqüentes dentro da sociedade.
Em outras palavras, a análise qualitativa po- Uma outra estratégia, que se inspira na es-
de também não chegar a quantificar e, por ou- cola fenomenológica (Schutz, 1960), conside-
tra parte, nada exclui que a análise quantita- ra que a validade externa de uma pesquisa se
tiva implique a necessidade de novas análises baseia nos recursos do sentido comum que re-
qualitativas. A contraposição entre qualidade fletem a normalidade predominante entre os su-
e quantidade torna-se, portanto, matizada, e jeitos estudados (Castro & Bronfman, 1997).
a integração, inevitável. Como observam os autores, é na mesma lin-
guagem dos entrevistados que se torna possí-
vel perceber as chaves que permitem presumir
O problema da generabilidade a generalização dos achados, pelo menos nas
dos dados qualitativos comunidades que compartilham as mesmas
características socioeconômicas e culturais dos
O ponto débil dos métodos qualitativos, se- sujeitos analisados. De fato, com base na aná-
gundo a opinião de muitos cientistas sociais, lise da linguagem dos entrevistados podem-se
refere-se aos problemas da representativida- identificar aquelas expressões quotidianas tí-
de e generabilidade dos conteúdos que emer- picas que representam a experiência coletiva
gem durante a pesquisa. Poderíamos ter obti- do grupo (Castro & Bronfman, 1997). Nessa
do informações muito interessantes por meio mesma linha, estão as reflexões de Minayo &
de histórias de vida de alguns sujeitos, mas não Sanches (1993), quando afirmam que a fala
estamos em condições de apreciar em que me- dos entrevistados torna-se reveladora de con-
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dições estruturais, de sistema de valores, nor- abordagem. A este respeito é interessante uti-
mas e símbolos e reproduz as representações de lizar a tipologia elaborada por Reichardt &
grupos determinados em condições históricas, Cook (1979) que, depois de terem declarado
socioeconômicas e culturais específicas. seus objetivos de superar a contraposição en-
Na opinião de Agodi (1996), essa divergên- tre métodos qualitativos e quantitativos – no
cia a respeito da generabilidade do material trabalho Beyond qualitative versus quantita-
qualitativo representa a última formulação da tive method –, listam as diferentes caracterís-
dicotomia qualidade/quantidade, que reitera ticas das duas perspectivas.
a contraposição entre os dois objetivos da in-
vestigação cientifica: produzir conhecimentos Métodos qualitativos:
sobre regularidades generalizáveis ou produ- fenomenologia e compreensão
zir descrições aprofundadas. Trata-se, explica
a autora, de uma versão contemporânea da dis- • analisam o comportamento humano, do
puta entre objetivos ideográficos e objetivos no- ponto de vista do ator, utilizando a observa-
motéticos nas ciências histórico-sociais. Porém, ção naturalista e não controlada;
no intento de superar este dilema, Agodi (1996) • são subjetivos e estão perto dos dados
acrescenta: o limite à generalização está na his- (perspectiva de dentro, insider), orientados ao
toricidade (dos significados, dos processos e das descobrimento;
instituições sociais) e uma descrição aprofun- • são exploratórios, descritivos e indutivos;
dada não pode dar-se sem recorrer a conceitos • são orientados ao processo e assumem uma
gerais. De fato, as generalizações devem ser realidade dinâmica;
construídas de maneira a gerar descrições que • são holísticos e não generalizáveis.
considerem as especificidades histórico-cultu-
rais (seja um ato, um evento, um processo so- Métodos quantitativos:
cial ou uma instituição), sem se limitar a men- positivismo lógico
cioná-las (Pawson apud Agodi, 1996). Por ou-
tro lado, as características das especificidades • são orientados à busca da magnitude e das
histórico-culturais não podem ser descritas, a causas dos fenômenos sociais, sem interesse
quem não tem conhecimento direto delas, sem pela dimensão subjetiva e utilizam procedi-
recorrer a conceitos gerais (Agodi, 1996). mentos controlados;
Nessa mesma linha de análise, que reco- • são objetivos e distantes dos dados (pers-
nhece a existência de nexos de interdependên- pectiva externa, outsider), orientados à verifi-
cia entre processos de generalização e parti- cação e são hipotético-dedutivos;
cularização do conhecimento, estão as obser- • assumem uma realidade estática;
vações de Minayo & Sanches (1993) sobre a • são orientados aos resultados, são replicá-
importância do confronto da fala e da prática veis e generalizáveis.
social na investigação qualitativa. Para os re-
feridos autores, uma análise qualitativa com-
pleta interpreta o conteúdo dos discursos ou da Conclusão
fala cotidiana dentro de um quadro de referên-
cia, onde a ação e a ação objetivada nas insti- À guisa de conclusão deste trabalho, cujo ob-
tuições permitem ultrapassar a mensagem ma- jetivo é contribuir para a superação da inco-
nifesta e atingir os significados latentes municabilidade entre pesquisadores qualita-
(Minayo & Sanches, 1993). tivos e quantitativos, faz-se necessário chamar
a atenção sobre dois preconceitos que têm ca-
racterizado o debate a respeito destes dois mé-
Características dos métodos todos.
qualitativos e quantitativos O primeiro aspecto a ser analisado e supe-
rado na dialética qualitativo-quantitativo é a
Uma vez resolvido o conflito entre métodos questão da sensibilidade, geralmente atribuí-
qualitativos e quantitativos, evidenciando a da aos pesquisadores qualitativos. Cabe assi-
complementaridade entre eles e a possibilida- nalar, conforme explicita Cavalli (1996), que
de de encaminhar estratégias de integração na a particular sensibilidade do pesquisador ou
prática da investigação, é preciso identificar aquela que ele chama a penetração empática
as características e as especificidades de cada não é um método, mas uma capacidade subje-
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Serapioni, M.

tiva que tem que ser rigorosamente distinta do gens com características bem distintas, mas
método compreensivo. Em outras palavras, os ambas dentro do mesmo método científico.
métodos qualitativos não estão relacionados Para finalizar é interessante utilizar a me-
à sensibilidade e intuição do pesquisador. A táfora do honesto e humilde artesão, que Carda-
sensibilidade é um atributo necessário e dese- no tem elaborado para superar, com criativi-
jável em todos os tipos de pesquisa social. dade e eficácia, o dilema metodológico (qua-
Por outro lado, há que se superar também litativo-quantitativo) que sempre angustiou
outro preconceito que atribui maior cientifi- aos pesquisadores sociais. Nas palavras de Car-
cidade à abordagem quantitativa. Em verdade, dano (1991), os pesquisadores de tradição quan-
os métodos qualitativos são tão rigorosos quan- titativa parecem inspirar-se na produção em sé-
to os quantitativos. Qualquer método requer rie (...) mostrando como os procedimentos ado-
um conjunto de regras e procedimentos, que tados se inscrevem em um modelo científico uni-
permitem controlar os componentes subjetivos forme e amplamente compartilhado (...) Por ou-
da interpretação (Cavalli, 1996). Do ponto de tro lado, na pesquisa qualitativa prevalece um
vista epistemológico, sublinham Minayo & modelo de argumentação que parece inspirar-
Sanches (1993), nenhuma das duas abordagens se na produção artística. Aqui se propõe um per-
é mais científica do que a outra (...) Uma pes- curso alternativo, que, às figuras míticas do ar-
quisa, por ser quantitativa, não se torna objeti- tista solitário e de produção em série, se substi-
va e melhor. Enfim, trata-se de duas aborda- tui a produção mais modesta do artesão.

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