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CETOSE DOS BOVINOS E LIPIDOSE HEPÁTICA*

1. CETOSE DOS BOVINOS

Introdução

Os sistemas de produção que objetivam a maximização da produção individual

do animal têm-se deparado, na última década, com o desafio de alimentar um animal de

extrema capacidade produtiva, sobretudo nos primeiros meses de lactação. O aumento

da demanda energética no final da gestação, uma maior predisposição a mobilização de

gordura corpórea e a redução da capacidade ingestiva nas últimas semanas antes do

parto são fatores que quando reunidos colocam o animal em uma situação de extremo

desafio, predispondo-o a diversos distúrbios metabólicos e suas implicações (Juchem et

al., 2000).

No período entre o final da gestação e o início da lactação em vacas leiteiras

especializadas, existe maior risco de doenças metabólicas, quando comparadas com

outras fases do ciclo de lactação (Conti et al., 2002).

Segundo Duffield et al. (1999), a principal predisposição a estes distúrbios são

devido a extrema demanda de energia com maior mobilização de gordura corpórea e a

redução na capacidade de ingestão de matéria seca, afetando a produção leiteira e a

reprodução.

A cetose e a lipidose hepática são doenças inter-relacionadas, associadas ao

balanço energético negativo e à carência de carboidratos precursores de glicose, típicas

do periparto de vacas de alta produção leiteira. Neste período ocorre também a época de

* Seminário apresentado na Disciplina Bioquímica do Tecido Animal do Programa de Pós-Graduação em


Ciências Veterinárias da UFRGS pelo aluno ALEXANDRE NUNES MOTTA DE SOUZA, no semestre
2003/1. Professor da disciplina: Félix H. D. González.
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reprodução, fato importante a considerar, uma vez que o aumento das demandas

metabólicas diminui a fertilidade das vacas diminuindo a meta de se obter uma cria por

ano (Wittwer, 2000).

Etiologia da cetose das vacas leiteiras

A cetose é uma doença relativamente comum em vacas de alta produção leiteira,

sendo as multíparas mais afetadas que as primíparas. Geralmente, a enfermidade ocorre

entre os dias 8 e 60 do pós-parto, período que o animal enfrenta um balanço energético

negativo (González & Campos, 2003).

Segundo Aroeira (1998), vacas em início da lactação têm o apetite influenciado

pelas concentrações de hormônios estrogênicos e outros fatores característicos deste

estado. Neste período, a prioridade dos nutrientes disponíveis no metabolismo do

animal é para manter a lactação.

A cetose começa a ser moléstia apenas quando a absorção e a produção de

corpos cetônicos chega a exceder seu consumo pelo ruminante como fonte de energia, o

que resultará em elevados níveis sangüíneos de corpos cetônicos e de ácidos graxos

livres ou não esterificados e hipoglicemia (Fleming, 1993).

Normalmente são produzidos corpos cetônicos pela parede do rúmen e pelo

fígado. A produção de corpos cetônicos pela parede ruminal se torna insignificante

durante a cetose clínica.

Vacas de alta produção leiteira geralmente apresentam algum nível de cetose

durante a curva ascendente de lactação.

Doenças como deslocamento do abomaso, metrite, mastite e peritonite são

entidades nosológicas primárias comuns que levam ao surgimento de cetose secundária

(Fleming, 1993).
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Classificação e sinais clínicos da cetose

A cetose clínica pode ser classificadas em quatro tipos: primária, secundária,

alimentar e espontânea (Aroeira, 1998). Na cetose primária, a vaca não recebe a

quantidade de alimentos adequados. Na secundária, a ingestão de alimentos é diminuída

em conseqüência de outra doença. Na alimentar, a ingestão é rica em precursores

cetogênicos e na espontânea a vaca apresenta elevadas concentrações de corpos

cetônicos no sangue, mesmo ingerindo uma dieta aparentemente adequada.

A cetose subclínica pode ser definida como um estágio pré-clínico da cetose,

caracterizando-se por uma elevação dos corpos cetônicos no sangue sem as

manifestações clínicas da doença. Os sinais clínicos mais característicos da doença,

além do odor de acetona no hálito e na urina, são perda de apetite, especialmente por

concentrados, diminuição da produção leiteira e rápida perda de condição corporal.

Alguns animais tornam-se excitados, embora a maioria permaneça apático. A

temperatura corporal permanece dentro dos limites fisiológicos.

Fleming (1993) descreve como sinais clínicos fezes secas e firmes, depressão

moderada e, por vezes, relutância em se movimentar (Figura 1). A motilidade ruminal

poderá estar reduzida se o animal estiver anoréxico há vários dias. Pode-se observar

depravação do apetite. O odor de corpos cetônicos poderá ser detectado na respiração,

no leite e na urina. Sinais clínicos nervosos como cambaleio e cegueira eventualmente

poderá ocorrer em alguns períodos da doença.


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Figura 1. Animal com relutância em movimentar-se e incoordenação motora devido a cetose.

Fisiopatologia da cetose

As necessidades diárias de uma vaca leiteira aumentam acima da manutenção

normal em 30% na gestação avançada e em torno de 75% no início da lactação. Nos

ruminantes, apenas 10% da glicose necessitada está disponível sob a forma de glicose.

As fontes de energia de uma vaca em lactação normal são provenientes do fígado, sob

forma de ácidos graxos voláteis (AGV), proteína bacteriana, pequena quantidade de

glicose e proteína não degradáveis no rúmen. O acetato, o propionato e butirato são os

principais AGV e são produzidos na proporção de 70:20:10, no rúmen, respectivamente.

O acetato é usado principalmente na síntese de gorduras, embora sugere-se que

esta fonte não seja a principal fornecedora de glicose, por ingressar ao nível de

acetoacetil CoA. O butirato é condensado em acetil CoA, que pode ser parcialmente

oxidado até formação de corpos cetônicos ou ser transformado em acetil CoA, que

poderá ingressar no ciclo de Krebs sem ganho final de glicose. O propionato penetra

diretamente no ciclo de Krebs ao nível de succinil CoA (equivalente a 30-50% da

produção de glicose no ruminante). Conclui-se que o acetato e o butirato são


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cetogênicos e o propionato é glicogênico. A proporção de produção de AGV no rúmen

são 4 AGV cetogênicos:1 AGV glicogênico.

A eficiente oxidação do acetil CoA depende de suprimento adequado de

oxaloacetato, gerado de precursores gluconeogênicos, principalmente o propionato

(rúmen) e o lactato e o piruvato (metabolismo anaeróbico da glicose). O lactato e o

propionato são desviados para a produção de lactose em grande quantidade em vacas

lactentes.

No balanço energético negativo o oxaloacetato encontra-se com as reservas

reduzidas retardando o ciclo de Krebs e o uso da acetil CoA. A reserva de acetil CoA é

desviada para a formação de corpos cetônicos. Na tentativa de aumentar a

gluconeogênese para compensar o equilíbrio energético negativo, ocorre uma grande

mobilização de triglicerídios a partir de reservas corporais (Church, 1993). O resultado

final é o aumento na liberação de ácido graxos livres, que tentam ingressar no ciclo de

Krebs através do acetil CoA, contribuindo para a formação de corpos cetônicos.

O acúmulo de corpos cetônicos promovem um acidose metabólica nos animais

acometidos de cetose. Segundo Ortolani (2003a), a geração de outros ácidos orgânicos,

que não o ácido láctico, também ocorre com alguma freqüência em ruminantes, sendo

mais comum a cetoacidose presente em ovelhas e cabras com toxemia da prenhez e na

acetonemia ou cetose da vaca leiteira.

Corpos cetônicos

Os corpos cetônicos são compostos primários formados do metabolismo das

gorduras e do butirato representados pelo β-hidroxibutirato, acetoacetato e acetona.

O acetoacetato é quimicamente instável e pode ser transformado em acetona e

dióxido de carbono. Normalmente, os corpos cetônicos são formados em pequena


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quantidade no organismo. Em caso de grande mobilização de gorduras, como ocorre na

cetose bovina e na toxemia da prenhez dos pequenos ruminantes, ele se acumula no

organismo causando graves transtornos como acidose metabólica e distúrbios cerebrais.

Hormônios envolvidos na apresentação da cetose

A disponibilidade de glicose parece ser o fator limitante para a produção de leite

e o suprimento dela depende da gluconeogênese, que por sua vez, é estimulada pelo

glucagon e inibido pela insulina.

Existem hipóteses que a taxa do hormônio de crescimento/insulina regularia o

suprimento de glicose e de outros nutrientes para a glândula mamaria (Herbein et al.

apud Aroeira, 1998).

A cetogênese depende dos hormônios reguladores da glicose no sangue. No

entanto, no início da lactação, as concentrações de glicose, de insulina e a taxa de

insulina glucagon são baixas e aumentam com a progressão da lactação. Nesta fase o

hormônio de crescimento e as taxas de hormônio de crescimento/insulina são elevadas e

decrescem com a evolução da lactação (Harmon apud Aroeira, 1998).

Diagnóstico laboratorial

Os corpos cetônicos são solúveis no plasma e não requerem de proteínas

transportadoras, ultrapassam facilmente a glândula mamaria e sua dosagem pode ser

feita no leite (González & Campos, 2003).

O diagnóstico pode ser confirmado através de análises de glicose e dos ácidos

graxos livres no sangue, e dos corpos cetônicos no leite, sangue ou urina (Anderson

apud Aroeira, 1998)


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González & Campos (2003), apontam que o leite tem sido muito utilizado para o

diagnóstico de cetose. No entanto, os autores ressalvam que a cetose é uma doença que

se desenvolve sem um diagnóstico seguro, já que a maioria dos casos são apresentados

na forma subclínica, podendo chegar a 34% dos casos, enquanto que os clínicos

apresentam-se em média de 7%.

Geishauser et al. apud González & Campos (2003) apresentaram amplo estudo

para testes de detecção de cetose subclínica, utilizando tiras ou tabletes tanto no leite

como no sangue para detectar acetoacetato, β-hidroxibutirato e acetona. A dosagem do

β-hidroxibutirato no leite mostrou sensibilidade e especificidade na detecção de cetose

em vacas leiteiras.

A urina apresenta-se de forma eficiente no diagnóstico da cetose. Segundo

Ortolani (2003b) o ideal é após a colheita da urina, que seja realizado o mais rápido

possível a análise de corpos cetônicos, pois estas substâncias são muito voláteis

(acetona) ou de certa instabilidade química (acetoacetato). A análise destas substâncias,

cerca de 30 minutos após a colheita reduz suas concentrações em até 40%.

Parte dos corpos cetônicos podem ser utilizado como forma de energia pelos

diversos tecidos, inclusive o renal. Cerca de 10% dos corpos cetônicos são excretados

pela urina, leite e ar exalado. Pequenas quantidades de corpos cetônicos no sangue não

chegam a alcançar a urina, pois mesmo sendo filtrados pelos glomérulos, em seguida

são reabsorvidos pelos túbulos renais.

Em altas concentrações, os corpos cetônicos ultrapassam os limiares renais,

sendo excretados em abundância (principalmente acetona e acetoacetato). Segundo

Ortolani (2003b) para 4 moles de corpos cetônicos na urina encontra-se 1 no sangue e

0,5 no leite. Em casos de suspeita de cetose, deve-se fazer a primeira triagem pela urina.
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Geralmente, casos de cetose clínica, apresentam concentrações glicêmicas de 20

a 40 mg/dl, os corpos cetônicos totais acima de 30 mg/dl, corpos cetônicos urinários

acima de 80 mg/dl e corpos cetônicos totais acima de 10 mg/dl (Fleming, 1993).

Existem testes no mercado que detectam acetona e/ou acetoacetato, sendo

amplamente utilizados como tiras e pastilhas reativas urinárias (Tabela 1).

A determinação do β-hidroxibutirato é feita através de técnica

espectrofotométrica ultravioleta no sangue, onde a técnica tem um nível de detecção de

0,1 mmol/L, considerando-se como valor máximo aceitável 0,5 mmol/L, salvo em vacas

em início de lactação, que se aceita níveis de até 0,8 mmol/L (Wittwer, 2000). Também

tem sido relatados que testes de determinações semiquantativas de β-hidroxibutirato em

amostras de leite, mediante química seca apresentam-se ser métodos sensíveis, simples,

prático e rápido para se obter um controle preventivo da cetose subclínica em vacas

leiteiras, requerendo ainda maiores informações sobre esta técnica para utilização em

nossas condições (Wittwer, 2000).

Tabela 1. Testes de triagem disponíveis para cetose.


Gerhasdt’s
Teste Multistix* Acetest* KetoCheck Rothera pó*
test
Corpos cetônicos detectados AcAc AcAc, Ac AcAc, Ac AcAc, Ac AcAc
Corpos detectados não
Ac, BHB BHB BHB BHB Ac, BHB
detectados
AcAc: 5-10 AcAc: 1-5
Limiar de detecção (mg/dl) AcAc: 5-10 AcAc: 5 AcAc: 25-50
Ac: 20-25 Ac: 10-15
Tipo de amostra urina urina, leite urina, leite urina, leite urina
(Adaptado de Fleming, 1993). * Reações falso-positivas podem ser causadas por SBF, PSP, fenilcetonas,
L-dopa.
AcAc: acetoacetato; Ac: acetona; BHB: β-hidroxibutirato.

Devido o papel fundamental no metabolismo dos ruminantes, o surgimento da

cetose pode estar associado a elevações das enzimas hepáticas e testes anormais da

função hepática. A aspartato aminotransferase (AST) e a sorbitol desidrogenase (SDH)

séricas podem estar aumentadas nos casos graves. O grau de disfunção hepática é
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branda, comparativamente às vacas com síndrome do fígado gorduroso. O teste de

depuração (clearance) da sulfobromoftaleína (SBF) pode ser usado na avaliação da

função hepática e na obtenção de dados basais em vacas hipercondicionadas, sob risco

de acometimento da síndrome do fígado gorduroso.

Desde 1970 têm se usado os Perfis Metabólicos para o diagnóstico e estudo das

doenças metabólicas, onde por meio de análises sangüíneas permite estabelecer em

grupos representativos de animais, seu grau de adequação nas principais vias

metabólicas relacionadas com energia, proteínas e minerais, bem como a funcionalidade

de órgãos vitais para a produção de leite, como é o caso do fígado (Wittwer, 2000).

Controle da condição corporal na prevenção da cetose

A condição corporal permite avaliar de forma subjetiva, o grau de deposição de

gordura no animal, utilizando uma escala de 1 a 5, onde 1 é um animal muito magro e 5

um animal muito gordo. Em bovinos de leite recomenda-se determinar a condição

corporal em 4 oportunidades do ciclo produtivo assim: vacas secas até o parto (valores

de 3 a 4), primeiro dois meses de lactação (2,5 a 3) e depois ao longo da lactação

(recuperando a condição para 2,5 a 3,5) (Wittwer, 2000).

Somatrotopina bovina na prevenção da cetose

A somatrotopina bovina (BST), produzida através da técnica do DNA

recombinante, representa um dos primeiros produtos da biotecnologia utilizados na

produção animal. O aumento da produção de leite promovido pelo BST é uma

conseqüência de dois mecanismos de ação: partição de nutrientes (envolvendo

adaptações metabólicas em vários tecidos) e efeito mitogênico (mediado por IGF-I)

(Gama et al., 2001). Sua administração para vacas leiteiras têm resultado em aumentos
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sem precedentes na produção de leite e na eficiência produtiva dos animais (Bauman,

1992).

Segundo Aroeira (1998), vacas que receberam na lactação anterior BST

apresentaram maiores ingestão de alimentos, menores concentrações de ácidos graxos

livres e corpos cetônicos, além de uma glicemia mais elevada, concluindo na sua

revisão bibliográfica, que o BST pode exercer um benefício na redução do risco de

doenças metabólicas associadas à mobilização de lipídios no pós-parto.

Niacina na prevenção da cetose

A utilização de vitaminas do complexo B na alimentação de vacas leiteiras tem

ajudado a evitar maiores complicações e manter o desempenho produtivo do rebanho.

Dentre elas, a niacina (B3), nome genérico do ácido nicotínico e da nicotinamida, tem

desenvolvido importante papel na alimentação de vacas de alta produção, interferindo

no processo de mobilização de reservas energéticas e de gordura, contribuindo para a

diminuição do surgimento de cetoses (Borges, 2003a).

O resultado do uso de niacina como suplemento apresenta-se de forma bastante

rápida, sendo de grande importância para o criador (Tabela 2), onde os animais que

podem responder economicamente incluem-se os rebanhos de alta produção, vacas com

balanço energético negativo, vacas com tendência a cetose, vacas secas com grande

deposição de gordura e vacas com baixo consumo de matéria seca no início da lactação.

Tabela 2. Resultados obtidos com o uso de niacina na alimentação de vacas leiteiras.


Níveis de Dias de
N Resultados obtidos
niacina (g) utilização
3,6 39 35 + 1,6% na produção de leite
+ 9,9% na produção de leite e + 13,1% de
6,0 39 49
gordura
4,6 42 84 + 3,7% na produção de leite
(Adaptado de Borges, 2003a)
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Para se manter os níveis mais altos de niacina no parto e para minimizar a

formação do fígado gorduroso, a niacina deve ser suplementada de 1 a 2 semanas no

pré-parto e a até 10-12 semanas pós-parto (Borges, 2003a).

Ionóforos e propileno-glicol na prevenção da cetose

Nos últimos anos uma série de trabalhos envolvendo a administração de

compostos gluconeogênicos, modificadores de fermentação ruminal, manipulação de

dietas pré e pós-parto tem buscado esclarecer este assunto mais detalhadamente. Dois

produtos têm sido freqüentemente citados como alternativas potenciais para este

problema, um pela capacidade gluneogênica intrínseca (propileno-glicol) e o outro pela

alteração fermentativa que produz no rúmen (monensina), favorecendo a maior

participação de ácido propiônico no “pool” ruminal (Juchem et al., 2000).

O propionato e os aminoácidos são precursores da gluconeogênese, sendo que o

aumento desses, causado pelos ionóforos, podem explicar o aumento da glicose e de

lactose e aumento da produção de leite (Bagg apud Conti et al., 2002)

A monensina sódica promove a redução de distúrbio ruminais como a acidose

lática e a cetose (Pereira et al., 2001). Ferreira e Del’Porto (1999) descrevem os

ionóforos com compostos lipossolúveis que podem agir formando canais ou poros que

permitem o transporte de íons. O transporte de íons através da membrana compromete a

produção de ATP pelas mitocôndrias, exaurindo, desta forma, a fonte de energia dos

parasitas (bactérias gram-positivas).

Os ionóforos são aditivos alimentares utilizados para incrementar a eficiência

digestível em nível de rúmen, através de mudanças na fermentação, metabolismo,

velocidade de passagem e população bacteriana. A ação dos ionóforos no rúmen dos


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animais depende basicamente da afinidade que cada droga possui em relação aos íons

(Borges, 2003b).

Tratamento da cetose

O principal fator a corrigir na terapia da cetose é a ingestão deficitária de

alimentos, retornando ao equilíbrio energético. Dentre os procedimentos terapêuticos

pode-se utilizar da administração subcutânea ou endovenosa de glicose, fornecimento

de precursores como propionato ou propileno-glicol por via oral (Figura 2) ou injeções

intramusculares de adrenocorticóides. A função terapêutica dessas substâncias é de

aumentar o suprimento de glicose e indiretamente da insulina, e de aumentar os níveis

de glicogênio e dos intermediários glucogênicos para o animal.

Figura 2. Administração de propileno-glicol via oral na prevenção e tratamento de cetose.

Os glicocorticóides tem a característica de deprimir a produção de leite, e o grau

da diminuição está correlacionado positivamente com o grau de aumento da glicose

sangüínea, sugerindo que a redução da utilização da glicose para a síntese de lactose

seja parcialmente responsável pelo aumento da glicose sangüínea. O princípio ativo


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mais utilizado é a dexametaxona (10 mg/animal), resultando numa hiperglicemia e

numa hipoacetonemia.

Alguns autores recomendam associações terapêuticas, utilizando 500 ml de

glicose 50% (endovenosa), 130 ml de propileno-glicol (via oral) e insulina em doses de

0,33 U/kg de peso vivo cada 12 horas, durante dois ou três dias consecutivos.

Prejuízos Econômicos

Enjalbert et al. apud González & Campos (2003) citam que a cetose afeta

significativamente a produção do leite e a reprodução, causa queda na imunidade e está

associada com o aumento na freqüência de deslocamento de abomaso.

Conti et al. (2002) observaram uma diferença numérica de 279 kg de leite a mais

em animais suplementados com ionóforos (monensina).

Aroeira (1998) cita que o aumento dos corpos cetônicos no leite está associado

a uma diminuição da produção de 1 a 1,4 kg de leite/dia e as perdas totais de 233 kg de

leite nos primeiros cem dias de lactação.


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2. LIPIDOSE HEPÁTICA

Introdução

Esta doença é provocada pelo desequilíbrio entre a captação hepática dos ácidos

graxos e sua utilização (Aroeira, 1998). A presença excessiva de lipídios dentro do

fígado é denominada de lipidose hepática ou degeneração gordurosa e ocorre quando o

índice de acumulação de triglicerídios excede seus índices de degradação metabólica ou

liberação como lipoproteínas (MacLachlan e Cullen, 1998).

As principais doenças que podem causar lipidose hepática são: síndrome da vaca

gorda, toxemia da prenhez em vacas de corte, toxemia da prenhez em ovelhas e cabras e

cetose dos bovinos.

Fiosiopatologia da lipidose hepática

O armazenamento da excessiva energia em forma de gordura é fundamental em

animais onde a mobilidade do tecido adiposo tenha importante participação na

manutenção do metabolismo energético.

O fígado deve processar não apenas os quilomicrons e ácidos graxos voláteis

absorvidos, mas também grande parte dos ácidos graxos livres e do glicerol decorrentes

da mobilização da gordura do tecido adiposo. O fígado dos grandes herbívoros tem

funções únicas, visto que grande parte da energia nutricional é absorvida em forma de

ácidos graxos voláteis, e não como glicose (Pearson e Maas, 1993).

Mesmo assim, existe uma grande necessidade de glicose (principalmente na

lactação) que deve ser produzida pela gluconeogênese, onde 85% deste mecanismo

ocorre no fígado.
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Nos períodos de balanço energético negativo, a gordura é mobilizada para que

haja ácidos graxos livres (AGL), ácidos graxos não esterificados (AGNE) e glicerol

como substratos de energia. No fígado o glicerol pode ser usado na produção de glicose,

ou ser recombinado com AGL e AGNE para a síntese de triglicerídios (MacLachlan e

Cullen, 1998).

O fígado utiliza a β-oxidação dos AGLs e dos ácidos de cadeia longa (AGCL)

para obtenção de energia. Dois ácidos de dois carbono convertidos até acetil-CoA

combinam com o oxaloacetato, para ingresso no ciclo de Krebs. Parte do ácido

oxaloacético pode ser usado para a gluconeogênese, limitando a quantidade de

acetil-CoA derivada da β-oxidação, que pode ingressar no ciclo de Krebs.

O excesso de acetil-CoA é incompletamente oxidado até a formação de corpos

cetônicos. Os triglicerídios eventualmente deixam o fígado, como lipoproteínas de

densidade muito baixa (VLDL), que são complexos plasma solúveis de fosfolipídios,

colesterol, triglicerídios e apoproteínas. A lipidose hepática (Figura 3) ocorre quando a

velocidade de formação de triglicerídios hepáticos excede a oxidação dos AGCL e a

formação e liberação das LDMB para a circulação periférica (MacLachlan e Cullen,

1998).

Figura 3. Lesão macroscópica de um fígado com lipidose hepática.


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Todas as vacas leiteiras com elevada produção apresentam quantidades de

gordura aumentadas (15 a 32%) no fígado antes do parto e durante as primeiras semanas

após o parto.

A lipidose hepática parece ser uma causa reversível se for removida a causa e

retomado o equilíbrio energético. Em vacas em jejum e realimentadas, todas as

principais funções retornaram ao normal dentro de 18 dias após a realimentação, onde a

estrutura hepática era a mesma dos animais controle e todas as vacas leiteiras

apresentavam conteúdo normal de gordura hepática 6 meses após o parto (Pearson e

Maas, 1993).

Tratamento da lipidose hepática

O mais importante é a eliminação do equilíbrio energético negativo e as moléstia

que causam este desequilíbrio. Os demais tratamentos segue o protocolo descrito para a

cetose dos bovinos.

Considerações finais

Com a intensificação dos sistemas produtivos no Brasil, a cetose e a lipidose

hepática vão se tornar cada vez mais freqüentes nos animais de alta produtividade

leiteira. Os técnicos atuantes na área devem buscar alternativas nutricionais e

terapêuticas viáveis para reduzir os efeitos drásticos que estas doenças promovem,

comprometendo a sustentabilidade do sistema de produção.


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