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Disciplina

Semântica

Coordenador da Disciplina

Prof. Ricardo Leite

8ª Edição
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Créditos desta disciplina

Realização

Autor

Professor Ricardo Lopes Leite


Professor Paulo Mosânio Teixeira Duarte
Sumário
Aula 01: O surgimento da Semântica ...................................................................................................... 01
Tópico 01: A abordagem diacrônica de Bréal ........................................................................................ 01

Aula 02: Definição e obj. da Semântica: os impasses para a elaboração de uma teoria sincrônica .. 03
Tópico 01: O que é Semântica? O que a Semântica estuda? ................................................................. 03
Tópico 02: Os objetivos de uma teoria semântica: a proposta de Katz-Fodor ....................................... 09

Aula 03: Semântica Léxica ....................................................................................................................... 13


Tópico 01: A Sinonímia ......................................................................................................................... 13
Tópico 02: Antonímia ............................................................................................................................ 16
Tópico 03: Hiponímia e Hiperonímia .................................................................................................... 18
Tópico 04: Polissemia e Homonímia ..................................................................................................... 21
Tópico 05: A Teoria dos Campos Léxicos ............................................................................................. 22

Aula 04: Sintaxe, Semântica, Discurso .................................................................................................... 26


Tópico 01: A sintaxe-semântica de Katz-Fodor ..................................................................................... 26
Tópico 02: Sinonímia Frasal: A Paráfrase ............................................................................................. 29
Tópico 03: Relações de Acarretamento e Pressuposição ....................................................................... 33
Semântica
Aula 01: O surgimento da Semântica

Tópico 01: A abordagem diacrônica de Bréal

Você sabe que toda ciência é mais bem compreendida se nós conhecemos a sua a história. No caso
da Semântica, isto se aplica mais ainda, pois ao contrário de outras ciências da linguagem, ela foi
inicialmente elaborada sob uma perspectiva diacrônica (histórica). Conforme veremos nesta aula, o
estudo diacrônico do significado não foi suficiente para determinar o lugar da semântica nos estudos
linguísticos, ao lado da fonologia, da morfologia e da sintaxe. A morfologia também teve um início
semelhante, mas é mais fácil de ser compreendida, uma vez que trata de objetos mais tangíveis, passíveis
de verificação científica, como afixos, raízes, etc. O “significado”, por sua vez, é um objeto cujo estudo
científico é bastante complexo, além de ser disputado por várias outras ciências, como a Filosofia, a lógica
e a Psicologia. Esses fatores dificultaram a elaboração de uma teoria semântica estritamente linguística.
Vamos, então, dar início ao curso, falando da história desta complexa disciplina.

A Semântica (como disciplina científica) nasceu no final do século XIX, com a obra de Michel Bréal
(1897[1992]), Essays de Sémantique (Ensaio de Semântica), que se fundamenta em visão diacrônica.
Nessa fase, o estudo das modificações do sentido das palavras levava em conta os resultados da
comparação de seus significados ao longo do tempo, da história da língua. A preocupação era, portanto,
etimológica e histórica.

O linguista francês estudou os fenômenos da restrição e da ampliação semânticas, bem como a


metáfora e o espessamento de sentido. Além de Bréal, existem outros autores que trataram
diacronicamente a Semântica. Hermann Paul (s.d.) foi um desses autores. Além dos fenômenos
estudados por Bréal, reconheceu outros, que, em essência, não alteram a contribuição do precursor da
Semântica.

Exemplos de fenômenos estudados por Bréal (1897[1992])

Restrição semântica
A palavra latina adulterare significava “mudar”, “alterar”. De adulterare
matrimonium, “alterar, falsificar o casamento”, originou-se um sentido especial
que passou a adulterium.

Ampliação de sentido
A palavra spatium, de onde veio a palavra espaço, no começo, “espaço onde
corriam os cavalos”, para depois assumir o significado de “qualquer espacial.”

Metáfora
O autor cita numerosos exemplos. Assim pensar é “calcular”: daí em
português o verbo pesar (pensare). “Um caráter simples é comparado a uma
roupa que não tem uma ruga sequer (simplex): os motivos tidos como falsos são
bordas que dissimulam o defeito do tecido (praetextum)”.

Espessamento
Uma palavra abstrata torna-se o nome de um objeto material, podendo a
palavra modificada guardar os dois sentidos ou não. O sufixo latino tus, por
exemplo, deriva substantivos abstratos como cantus e cultus. Entre esses

1
substantivos acha-se fructus, “a ação de desfrutar, de fruor (usufruir) que se
solidificou para os frutos da terra, das árvores, a tal ponto de pensarmos que há
uma metáfora em “viver do fruto do seu trabalho”.

EXPLICANDO: o processo de restrição de significados ocorria quando se verificava que, na sua


evolução semântica, uma palavra tinha menor número de referentes do que antes. Se uma palavra
passava a designar maior número de referentes do que em fases anteriores eram incluídas no processo de
extensão/ampliação de significados (MARQUES, 2001).

APROFUNDANDO: leia o texto “A semântica de Michel Bréal: recontextualização, fortuna crítica e


aplicação” [1] (páginas 74 até 89) para aprender mais sobre os fenômenos de restrição, ampliação,
espessamento e metáfora, estudados por Bréal.

FÓRUM
Mostre que os fenômenos de restrição e ampliação de sentido são susceptíveis de serem
estudados do ponto de vista sincrônico. Considere as seguintes palavras: companheiro, amigo e
colega. Considere também as palavras destino, fortuna, sorte e sina.

REFERÊNCIAS
BRÉAL, M. Ensaio de semântica. São Paulo: Editora da PUC-SP, 1992.

MARQUES, M.H.D. Iniciação à semântica. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1990.

PAUL, H. Princípios fundamentais de história da língua. Lisboa: Calouste Gulbenkian, (s.d.).

Fontes das Imagens

1 - http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8142/tde-22082007-160018/pt-br.php

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Semântica
Aula 02: Definição e objeto da Semântica: os impasses para a elaboração de uma teoria
sincrônica

Tópico 01: O que é Semântica? O que a Semântica estuda?

Afinal, o que é Semântica? Responder a essa questão não é tarefa simples, uma vez que não há
consenso entre os estudiosos da linguagem quanto a uma definição absoluta desse termo. Em linhas
gerais, costuma-se definir a Semântica como “o estudo do significado” (LYONS, 1977; PALMER, 1976), ou
ainda, como “o estudo da significação das formas linguísticas (MARQUES, 2001). Essas definições são
vagas porque não explicitam adequadamente os limites da semântica, no que diz respeito ao tratamento
das questões sintáticas e pragmático-discursivas. Do ponto de vista estritamente linguístico, a Semântica
seria o componente responsável pelo significado das palavras e pela interpretação das sentenças, se
pensarmos em um sistema linguístico composto por um Léxico (vocabulário), uma Fonologia, uma
Morfologia e uma Sintaxe.

Note que essas definições são imprecisas, pois, para se propor uma definição exata sobre o que é
Semântica, é necessário delimitar o seu objeto de estudo: o significado. Ou seja, o semanticista deve
fornecer uma resposta satisfatória à pergunta:

Qual o significado de
significado?

Para responder a essa pergunta, os estudiosos forneceram diversas respostas, muitas vezes
conflitantes, o que mostra a natureza plurívoca relacionada ao conteúdo do termo significado. Para você
ter ideia, apresentamos brevemente algumas teorias a respeito do termo em questão.

Teoria Mentalista: o Imagismo


O Imagismo baseia-se no fato de que há no cérebro uma imagem correspondente a uma dada
expressão. Não sabemos, todavia, o que é e nem como se estrutura semelhante imagem, pois isso é
assunto para áreas como a Psicologia cognitiva e a neurolinguística. Por exemplo, qual seria a imagem
mental da palavra “casa”? Seria uma imagem universal de uma “casa”, ou dependeria das experiências e
crenças individuais de um indivíduo com o objeto “casa”? Que imagem se constitui a partir dos diversos
morfemas gramaticais, como as preposições e as conjunções? Isto sem falar de nomes designadores de
emoções e sentimentos, a exemplo de amor e ódio. Além disso, pode-se ter mais de uma imagem mental
para uma mesma expressão ou duas expressões para uma mesma imagem (pensem na expressão “o
canto do pássaro, que pode se referir tanto ao som quanto ao lugar).

Ferdinand Saussure (1977). O linguista genebrino, como se sabe, reconhecia duas faces na entidade
signo: significado e significante. Ou, em outros termos, conceito e imagem acústica.

Sobre ela, assim se exprime o mestre de Genebra:

esta não é o som matéria, coisa puramente física, mas a impressão


(empreinte) psíquica desse som, a representação que dele nos dá o
testemunho de nossos sentidos; tal imagem é sensorial e, se chegamos a
chamá-la “material”, é somente neste sentido, e por oposição ao outro termo da
associação, o conceito, geralmente mais abstrato (1977, p. 80).

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Saussure, assim nos parece, não estava interessado em explicar a natureza dessa imagem e nem em
descrevé-la, pois o assunto remete à Psicologia. Sendo assim, melhor seria separar o imagismo ingênuo
citado acima, do conceptualismo de Saussure, conforme a célebre passagem do curso:

“o signo linguístico une não uma coisa e uma palavra, mas um conceito
e uma imagem acústica” (1977, p. 80).

Sendo assim, Saussure tem o signo linguístico como entidade de duas faces, ambas de natureza
psíquica, mas explicadas no âmbito de uma Psicologia Social. Em outros termos, a natureza arbitrária do
signo, garantida pela indissociabilidade entre significante e significado permite que o conceito
(significado) seja explicado sob uma perspectiva puramente relacional, dentro de um sistema, que é a
língua, sem que se recorra a uma explicação extralinguística. A doutrina de Ferdinand de Saussure sobre o
signo linguístico nos parece mais ambiciosa do que pode parecer à primeira vista. A ideia desta entidade
persiste ao longo do Curso, sinal de sua importância. Não é o caso aqui de avaliarmos a amplitude desta
noção.

Hjelmslev (1975) refina a proposta de Saussure conjugando as seguintes noções do Curso:


significante/significado; forma/substância, as quais você deve ter estudado nas disciplinas de Introdução
à Linguística e de Formalismo.

O esquema hjelmsleviano para o signo, em que conjuga, de um lado, as noções de expressão e


conteúdo e, de outro, as de forma e substância, é o exposto abaixo:

PLANO DO CONTEÚDO Substância do conteúdo – (SC) O mundo extralinguístico

Forma do Conteúdo – (FC) Gramática

PLANO DA EXPRESSÃO Substância da Expressão – (SE) O som enquanto entidade física

Forma da expressão – (FE) Fonologia

Descrição da tabela:
PLANO DO CONTEÚDO
Substância do conteúdo – (SC)
O mundo extralinguístico
Forma do Conteúdo – (FC)
Gramática

PLANO DA EXPRESSÃO
Substância da Expressão – (SE)
O som enquanto entidade física
Forma da expressão – (FE)
Fonologia

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DESAFIO
Discuta com o tutor e seus colegas, como forma de revisão, os pares de noções citados, bem
como o quadro do parágrafo acima.

Teorias Não Mentalistas


A teoria behaviorista
Existe uma tentativa de explicar o significado sem necessidade de recorrer-se a entidades tidas como
metafísicas: mente, consciência, pensamento. Estamos nos referindo à teoria behaviorista, cujas quatro
características apresentamos abaixo, embora não sejam necessariamente indissociáveis:

Característica 1
Rejeição ao mentalismo: o que implica o afastamento de noções como mente e
consciência, atribuindo-se ao pensamento o caráter de discurso inaudível;

Característica 2
Identificação essencial entre o comportamento humano e animal: o que conduz
à biologização da psicologia;

Característica 3
Empirismo: que leva à ênfase na experiência como meio primordial de
conhecimento;

Característica 4
Determinismo mecanicista: segundo o qual os fenômenos que acontecem no
universo, inclusive as ações humanas, são determinados conforme as mesmas leis
físicas.

Entre os linguistas de tendência behaviorista, cabe especial menção a Bloomfield, na citada obra
Language (1933), que analisou o significado em função de três fatores:

a) situação do falante;
b) o enunciado;
c) a resposta do ouvinte;

O exemplo clássico de Bloomfield para um acontecimento de fala é este: Jack e Jill passeiam e Jill vê
uma maçã numa árvore. Como está com fome, solicita a Jack que a apanhe. Este sobe na árvore, dá a
maçã a Jill, que a come. Interpretando:

1. o fato de Jill ter fome constitui o estímulo (S);


2. ao invés de dar resposta mais direta (R), subindo ela própria na árvore para pegar a maçã, produz uma
resposta substituta (r), que é um enunciado;
3. ao agir sobre Jack, o enunciado tem status de estímulo substituto (s);
4. o estímulo-substituto provoca em Jack uma resposta (R);
Bloomfield simboliza a cadeia estímulo-resposta do seguinte modo:

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S→r≅s→R

A descrição do evento peca pelo excesso de mecanicismo. Assim, a fome de Jill é descrita em termos
de contrações musculares e fluidos secretados no estômago dela. As ondas luminosas provenientes da
maçã vermelha atingiam os olhos de Jill, que, em vez de ter ido apanhar, preferiu recorrer a um enunciado
verbal, através do qual estimulou vicariamente Jack a apanhar a maçã. Mas nem sempre as explicações
são claras em Bloomfield. São por vezes vagas como os fatores predisponentes (predisposing factors),
que ocorrem para explicar “acidentes” no percurso estímulo-resposta. Bloomfield assim se expressa:

A ocorrência de um discurso (e, como veremos, a verbalização dele) e toda


história dos eventos práticos antes e depois dele dependem da história de vida
inteira do falante e do ouvinte (1933, p. 23).

É esta variável que determina os fatores predisponentes e fogem ao controle de qualquer observador,
dadas as inúmeras particularidades que envolveriam cada caso. Portanto, não estamos perante ideias,
mas eventos práticos, supostamente aferíveis na situação extralinguística, pois “cada forma linguística
tem um significado constante e específico”, consequentemente, “a formas fonêmicas diferentes
correspondem significados diferentes” (BLOOMFIELD, 1933). Trata-se de meio de não recorrer a termos
fisiológicos, a fim de evitar alusões a processos não físicos, como pensamento, conceito, imagem,
sentimento, ato de vontade.

O autor reconhece que, em muitas circunstâncias de fala, as pessoas,


muito frequentemente, enunciam uma palavra como maçã, quando nenhuma
maçã está presente. Uma criança, na hora de dormir pode muito bem dizer I’m
hungry (estou com fome), para evitar que sua mãe a leve para a cama, ao que
ela não aquiesce. Bloomfield trata ambas as situações como discurso
deslocado (displaced speech), porque num caso e noutro não ocorreram
estímulos efetivos: a maçã não está presente e a criança não está de fato
sentindo fome.

Ora, se devemos tratar esses eventos como exemplos de discurso deslocado, uma série de outros
fenômenos de linguagem como a mentira, a ironia, a poesia e a ficção narrativa, também deveriam receber
o mesmo rótulo. Porém, o behaviorismo está longe de fornecer uma explicação satisfatória para essa
questão.

Na ilusão de definir o significado das formas linguísticas, recorrendo aos diversos campos do saber
humano, como a Química, a Botânica, a Zoologia, Bloomfield admite, no entanto, que “não temos meios
precisos de definir palavras como amor e ódio, concernentes a situações que não têm sido ainda
perfeitamente classificadas”.

A teoria extensionalista
Linguistas há, assim como filósofos, que tratam do significado de uma palavra em termos de relação
entre ela e os objetos a que ela remete, relação esta a que se dá o nome de referência. A tal concepção de
significado chamamos de extensionalista.

Expliquemos o que foi dito acima em termos do conhecido triângulo de Ogden e Richards (1972), em
sua obra O significado de significado, abaixo apresentado:

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Descrição da imagem:
Pensamento ou referencia
Correto
Simboliza (uma relação causal)
Adequado
Refere-se a (outras relações causais)
Símbolo – representa – referente
(uma relação imputada)

Expliquemos agora detalhes conceituais importantes sobre a figura.

O símbolo equivale aproximadamente ao significante saussureano. Mantém com a referência ou


significado, na terminologia de Saussure, uma relação direta. Por sua vez, entre o símbolo e o referente (ou
coisa, na nomenclatura de Saussure) estabelece-se uma relação indireta. Diz-se então que há, entre um e
outro, uma conexão arbitrária ou, mais propriamente, imotivada.

Aqui preferimos empregar referente em vez de coisa porque o primeiro termo sugere uma acepção
mais ampla que aquela sugerida pelo segundo. Se empregarmos, por exemplo, um nome próprio, dizemos
que ele se refere a um dado indivíduo. Se utilizarmos um substantivo comum, ele poderá designar um só
indivíduo (ex.: este livro) ou uma classe deles (ex.: o livro, em sentido genérico). Caso usemos um adjetivo
como vermelho, podemos defini-lo em termos de propriedade observáveis.

EXEMPLO
Exemplo, em objetos que ostentam a referida cor. Até mesmo advérbios podem definir-se
referencialmente: o significado de devagar pode ser apreendido através de ações que exibem a
propriedade da lentidão.

Esclarecida a noção de referente, podemos estabelecer uma condição para que a referência tenha
êxito: a expressão referencial, em termos de nomes próprios, substantivo comum, adjetivo ou advérbios
(ou qualquer entidade linguística passível de ancorar-se no referente, a exemplo e verbos como andar e
ler), deve permitir que o interlocutor identifique o “indivíduo”.

À primeira vista, parece simples, até mesmo primário, definir o significado de uma palavra em função
do “objeto” (“coisa” ou “indivíduo”) a que ela remete. Contudo, há situações embaraçosas para uma teoria
da referência. No continuum das cores, por exemplo, quais os limites precisos, numa situação comum de
intercâmbio verbal, para delimitar onde começa e termina o vermelho? O mesmo se diga com relação aos
limites entre monte e montanha, entre andar e correr.

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Outras objeções se põem: que significado atribuir aos instrumentos gramaticais, preposições e
conjunções, e, em termos de referente, a entidades históricas, como Napoleão e César, e a entidades
míticas, como unicórnio e duende?

Além das dificuldades de natureza teórica, referidas acima, existe outra, de natureza tópica,
relacionada aos diversos significados de significado. Lyons (s.d) apresenta as sentenças abaixo para
demonstrar os diferentes sentidos que o termo assume em cada uma delas:

Qual o significado de ‘sesquiáltero’?

A vida sem fé não tem significado.

A celebridade e a riqueza não têm significado para ele.

Qual o significado da observação dele?

Neste quadro, as cores e as linhas têm significado


próprio?

As nuvens escuras significam chuva.

FÓRUM
Pesquise os conceitos de “,arbitrariedade do signo” e “referente”. Em seguida, discuta com seu
tutor e seus colegas se os dois conceitos são compatíveis ou incompatíveis entre si.

REFERÊNCIAS
BLOOMFIELD, L. Language. New York: Henry Holt Company, 1933.

_____. Prolegômenos a uma teoria da linguagem. São Paulo: Perspectiva, 1975.

HJELMSLEV, L. T. Ensayos linguisticos. Madrid: Gredos, 1943.

LYONS, J. Semântica I. Lisboa: Presença, (s.d.).

MARQUES, M.H.D. Iniciação à semântica. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1990.

OGDEN, C. K. e I. A. RICHARDS. O significado de significado. Rio de Janeiro: Zahar editors, 1972.

PALMER, F. R. Semântica. Lisboa: Edições 70, (s.d.).

SAUSSURE, F. de. Curso de lingüística geral. São Paulo: Cultrix, 1977.

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Semântica
Aula 02: Definição e objeto da Semântica: os impasses para a elaboração de uma teoria
sincrônica

Tópico 02: Os objetivos de uma teoria semântica: a proposta de Katz-Fodor

Outro obstáculo não menos importante para a elaboração de uma teoria semântica diz respeito ao
fato de que o estudo do significado leva o semanticista a enfrentar a relação entre linguagem e mundo,
uma questão que diz respeito não somente à Linguística, mas também a outras áreas do conhecimento,
como a Filosofia, a Lógica e a Psicologia. Porém, o que essas áreas do saber de fato abarcam são as
diversas manifestações do significado.

A questão básica continua: o que é significado?

Você vê que o problema é de difícil solução. Para contorná-lo, Katz (1982) apresenta uma proposta
operacional. O linguista argumenta da seguinte maneira:

Em Física os estudiosos não podem dizer o que é a matéria, mas somente


identificar um vasto número de fenômenos através dos quais ela se manifesta.
Do mesmo modo, somente através das manifestações dos significados é que
se pode construir uma teoria semântica.

A natureza do significado, segundo o autor, é objeto da Psicologia e da Filosofia. Assim, em vez de


perguntarmos “o que é o significado”, podemos estudar os seguintes fenômenos:

relação de igualdade que se dá respectivamente entre palavras


a) sinonímia e
(garoto e menino) ou entre frases (João ama Maria ou Maria é
paráfrase
amada por João);

que ocorre entre conjuntos de lexemas que têm em comum um


b) similaridade traço semântico (exemplo tia, vaca, freira, irmã, mulher, égua,
semântica atriz com o traço comum fêmea) e sua diferença semântica em
relação a outros conjuntos de lexemas;

que se estabelece a partir de diferença semântica devido à


c) antonímia
incompatibilidade de componentes (amor/ódio, aberto/fechado);

d) hiperonímia e seu em que palavras superordenadas e subordenadas se relacionam


inverso, hiponímia (flor/tulipa);

e) significatividade e que se deve ao fato de sintagmas ou sentenças terem significado e


anomalia semântica outros não apresentarem significado (cócega mal cheirosa);

f) ambiguidade isto é, a multiplicidade de sentidos de palavras ou sentenças (é o


semântica, que acontece com palavras como botão ou pé e com a sentença vi o
rapaz da janela);

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que acontece quando os componentes de significado dos
g) redundância
modificadores se incluem nos constituintes centrais (um nu
semântica
despido);

que ocorre quando o significado do sujeito contém a propriedade


h) verdade analítica
expressa pelo predicado (reis são monarcas);

que se estabelece em virtude de o significado do sujeito conter


i) contradição informação incompatível com a que é atribuída a ele pelo
predicado (bebês são adultos);

em que a verdade ou a falsidade de uma sentença não é


j) sinteticidade determinada pela linguagem, mas pelo que ocorre na realidade
(reis são generosos);

em que é impossível atribuir simultaneamente verdade ou


k) inconsistência falsidade a sentenças como João está vivo e João está morto, pelo
fato de a verdade de uma implicar a falsidade da outra;

que é a relação entre duas sentenças pela qual uma se segue


necessariamente da outra em virtude de uma certa relação
l) implicação
semântica entre elas (monarcas são pródigos implica rainhas são
pródigas);

em que uma sentença só apresenta sentido de verdade lógica, se


m) pressuposição decorre de outra sentença implícita verdadeira (Onde está a
chave? pressupõe a chave está em algum lugar);

que pressupõe uma compatibilidade entre sentenças interrogativas


n) resposta possível e sentenças afirmativas (João chegou ao meio-dia, João chegou
terça-feira são respostas possíveis a quando João chegou?);

o) questão auto em que, por implicação semântica, a resposta está incluída na


respondida própria pergunta (Qual é a cor do meu carro vermelho?).

Descrição da tabela:
a) sinonímia e paráfrase relação de igualdade que se dá respectivamente entre
palavras (garoto e menino) ou entre frases (João ama Maria ou Maria é amada por João);

b) similaridade semântica que ocorre entre conjuntos de lexemas que têm em comum um
traço semântico (exemplo tia, vaca, freira, irmã, mulher, égua, atriz com o traço comum
fêmea) e sua diferença semântica em relação a outros conjuntos de lexemas;

c) antonímia que se estabelece a partir de diferença semântica devido à incompatibilidade


de componentes (amor/ódio, aberto/fechado);

d) hiperonímia e seu inverso, hiponímia em que palavras superordenadas e subordenadas


se relacionam (flor/tulipa);

e) significatividade e anomalia semântica que se deve ao fato de sintagmas ou sentenças

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terem significado e outros não apresentarem significado (cócega mal cheirosa);

f) ambiguidade semântica, isto é, a multiplicidade de sentidos de palavras ou sentenças (é


o que acontece com palavras como botão ou pé e com a sentença vi o rapaz da janela);

g) redundância semântica que acontece quando os componentes de significado dos


modificadores se incluem nos constituintes centrais (um nu despido);

h) verdade analítica que ocorre quando o significado do sujeito contém a propriedade


expressa pelo predicado (reis são monarcas);

i) contradição que se estabelece em virtude de o significado do sujeito conter informação


incompatível com a que é atribuída a ele pelo predicado (bebês são adultos);

j) sinteticidade em que a verdade ou a falsidade de uma sentença não é determinada pela


linguagem, mas pelo que ocorre na realidade (reis são generosos);

k) inconsistência em que é impossível atribuir simultaneamente verdade ou falsidade a


sentenças como João está vivo e João está morto, pelo fato de a verdade de uma implicar
a falsidade da outra;

l) implicação que é a relação entre duas sentenças pela qual uma se segue
necessariamente da outra em virtude de uma certa relação semântica entre elas (monarcas
são pródigos implica rainhas são pródigas);

m) pressuposição em que uma sentença só apresenta sentido de verdade lógica, se


decorre de outra sentença implícita verdadeira (Onde está a chave? pressupõe a chave está
em algum lugar);

n) resposta possível que pressupõe uma compatibilidade entre sentenças interrogativas e


sentenças afirmativas (João chegou ao meio-dia, João chegou terça-feira são respostas
possíveis a quando João chegou?);

o) questão auto respondida em que, por implicação semântica, a resposta está incluída na
própria pergunta (Qual é a cor do meu carro vermelho?).

PARADA OBRIGATÓRIA
Procure no elenco de fenômenos semânticos acima, aparentes incoerências terminológicas com
base nos seguintes pares: inconsistência/contradição; implicação/pressuposição e redundância/
questão auto respondida.

A construção de uma teoria semântica mesmo com base em suas manifestações é muito complexa,
como você pode perceber. Diante disso, os estudiosos preferem propor diversas semânticas, cada uma
elegendo sua noção particular de significado, para, a partir daí, construir seu método de investigação.
Entre essas semânticas podemos destacar a formal, a estrutural, a argumentativa e a cognitiva.

LEITURA COMPLEMENTAR
Comente com o tutor e seus colegas os objetivos de cada uma das semânticas citadas acima.
Para tanto, leia os textos disponibilizados pelo seu tutor no ambiente SOLAR.

REFERÊNCIAS
KATZ, J.J. e J.A. FODOR. Estrutura de teoria semântica. In: LOBATO, L.M.P. A semântica na
linguistica moderna: o léxico. Rio de Janeiro: F. Alvez, 1977.

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KATZ, J.J. O escopo da semântica. In: DASCAL M. (Org.) Semântica. Edição financiada pelo
organizador, com a colaboração de professores e alunos do departamento de lingüística. Campinas:
Instituto de Estudos da Linguagem da UNICAMP, 1982.

Fontes das Imagens

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Semântica
Aula 03: Semântica Léxica

Tópico 01: A Sinonímia

Um dos assuntos mais controversos em teoria semântica é a sinonímia, em virtude de uma grande
variedade de fatores que interferem no fenômeno, acerca dos quais falaremos mais adiante.

Para Perini (1995) “a noção de sinonímia permanece intuitiva e bastante


nebulosa” (1995, p. 249).

Afirma o autor que os chamados dicionários de sinônimos apresentam na verdade palavras de


significados muito próximos, sendo, de fato, dicionários de ideias afins. Argumenta com duas palavras,
costume e hábito. A língua impõe restrições de emprego a uma e outra.

Por exemplo: é correto falar de usos e costumes da nossa tribo, mas não
usos e hábitos da nossa tribo.

A despeito da exposição de Perini, não pense que inexistem palavras cujo significado não se
interseccionam. Maduro na expressão menino maduro pode ser muito bem substituído por adulto. A
sinonímia parcial pode ser prevista dicionarialmente e se dá em conformidade com o contexto. A
admissão desta modalidade de sinonímia é ponto pacífico entre diversos linguistas, a exemplo de Câmara
Jr (1978, p. 54-5):

[...] É fácil afirmar, por exemplo, diferenças de acepção entre termos


como luta e guerra, tomados isoladamente; mas numa frase sobre “a guerra
na Coréia” se pode usar, em substituição, luta sem qualquer prejuízo do
alcance informativo.

a) um termo é mais geral que outro: recusar/rejeitar;

b) um termo é mais intenso que outro: repudiar/rejeitar;

c) um termo é mais emotivo que outro: gana/vontade;

d) um termo pode implicar aprovação ou censura moral enquanto o outro é neutro: parco,
frugal/econômico;

e) um termo é mais profissional que outro: óbito/morte;

f) um termo é mais literário que outro: passamento/morte;

g) um termo é mais coloquial que outro: recusar/declinar;

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h) um termo é mais local ou dialectal que outro: tangerina/mexerica

i) um dos sinônimos pertence à linguagem infantil: papá/pai.

DESAFIO
Encontre outros exemplos (pares de palavras) para cada um dos critérios elencados acima.

Martins (1989) reconhece que é difícil traçar uma distinção clara entre os parâmetros b e c porque
intensidade e emotividade se imbricam. Outra coisa a destacar é o critério baseado no discurso literário,
simplesmente porque não há palavras privativamente literárias. Palavras comuns podem pertencer ao
discurso literário. Uma palavra, por ser rara, não significa que seja literária. É melhor dizer registro formal
em vez de fazer referência à literatura. Por outro lado, traços como intensidade, valoração positiva ou
negativa, emotividade, definidos na língua já implicam ausência de sinonímia no seio do próprio sistema.
Por isso, reformulamos o quadro de Ullmann da seguinte maneira:

PARADA OBRIGATÓRIA
Distinção em termos de valores evocativos que, segundo Bally (1951, p. 203) se referem à origem
ou à variedade sociolinguística de uma palavra:

• um termo é mais profissional que outro: cirurgia/operação; escabiose/sarna.


• um termo é mais coloquial ou mais vulgar que outro: bagunça/desordem; boia/comida; unha de
fome/avaro; milico/soldado.
• um termo é mais real ou dialetal que outro: vasquim/escasso; quicé/faça; quengo/cabeça.

Acreditamos que há sinônimos, uns de natureza unidirecional, por exemplo: luta pode substituir
guerra, mas não o contrário. Outros são bidirecionais mas dependem do contexto: vida pode substituir
existência, em certos contextos, mas em Biologia, por exemplo, só se usa vida,em Filosofia, existência.

DESAFIO
Poderia haver sinonímia bidirecionais sem ressalvas, como entre lindo e belo?

Em termos de linguística textual, como bem observou Fávero (1991, p. 24):

O importante é a identidade referencial, pois a sinonímia não é um


problema puramente léxico, mas textual.

Em essência é o mesmo parecer de Guimarães (1990, p. 31), para quem são lexemas sinônimos os
que possuem identidade referencial.

Discursivamente, algumas palavras assumem sentido que o dicionário não abona.

14
EXEMPLO
Exemplificando: no discurso dos conservadores Socialismo e Comunismo são sinônimos. No
discurso da Economia ou da Filosofia, por sua vez, o Socialismo é apenas uma fase de transição para
o Comunismo.

REFERÊNCIAS
BALLY, C. Traité de stylistique française. Paris: Klincksieck, 1951.

CAMARA JR. J. M. Contribuição à estilística portuguesa. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1978.

FÁVERO, L. L. Coesão e coerência textuais. São Paulo: Ática, 1991.

GUIMARÃES, E. A articulação do texto. São Paulo: Ática, 1990.

MARTINS, N.S. Introdução à estilística. São Paulo: EDUSP, 1989.

PERINI, M.A. Gramática descritiva do português. São Paulo: Ática, 1995.

ULLMANN, S. Semântica: uma introdução à ciência do significado. Lisboa: Calouste Gulbenkian,


(s.d.).

15
Semântica
Aula 03: Semântica Léxica

Tópico 02: Antonímia

No estudo da antonímia, vamos nos basear em Lyons (s.d). Este autor, entretanto, estabelece vários
tipos de contraste e oposição, com diversas terminologias, que não nos interessam de perto. Por isso,
para fins didáticos, vamos denominar todos esses fenômenos de antonímia. Dispensamos, assim, tipos
de oposições e contrastes, como, por exemplo, os dias da semana, por serem marginais.

A antonímia propriamente dita se caracterizaria pela graduabilidade,


como nos pares quente/frio, alto/baixo, capazes de sofrer gradação: podemos
dizer X é mais quente que Y e X é tão alto quanto Y.

Pode-se atribuir outra característica: a predicação de um dos membros do par implica a predicação
do outro, sem que haja reversibilidade: X é quente implica que X não é frio, mas X não é quente não implica
necessariamente que X é frio.

A antonímia também pode manifestar-se lexicalmente, isto é, por supleção mórfica ou heteronímia:
belo/feio, bom/mau. Pode manifestar-se também morficamente por meio de prefixos: legítimo/ilegítimo,
formal/informal, leal/desleal, normal/anormal.

DESAFIO
Procure saber o que significa supleção mórfica (ou heteronímia), relacionando-a com a antonímia
propriamente dita.

Fonte [1]

Para Lyons, opostos não graduáveis, como macho/fêmea, vivo/morto, recebem o nome de
complementares, Todavia, como explicar construções como (01) e (02):

• (01) João é mais macho que Pedro.


• (02) O rapaz está mais morto que vivo.
Trata-se de um emprego “valorado” dos adjetivos, considerando-se não os aspectos biológicos
inerentes aos mesmos em outras possíveis construções frasais, mas um continuum entre macho e
não macho, entre vivo e morto, do qual o emissor da mensagem elege alguns traços para definir o grau
de macheza e de vitalidade. São na verdade antônimos propriamente ditos (graduáveis).

16
Além dos antônimos propriamente ditos, como belo/feio, alto/baixo, existem aqueles tidos por Lyons
como opostos conversos, como marido/mulher, cuja semelhança se dá em termos de valência. Ambos
podem ser considerados predicados de dois lugares: X é marido de Y implica Y é mulher de X. Do mesmo
modo, podem ser considerados dar/receber, comprar/vender.

EXEMPLO
João deu o livro a Pedro implica Pedro recebeu o livro de João.  Em vez da denominação dada por
Lyons preferimos a denominação antônimos complementares.

Lyons reconhece, além das oposições acima citadas, a direcional, que é melhor ser chamada
antonímia polar, típica de pares que têm em comum uma implicação de movimento numa de duas
direções opostas em relação a um dado lugar, a exemplo de subir/descer, chegar/partir, ir/vir. Também
são polares pares como direita/esquerda, a frente/atrás, quando utilizados em expressões direcionais,
comportam-se como subir/descer.

Em suma, existem 3 tipos básicos de antonímia:

a propriamente dita,
a complementar e,
a polar.

Outros tipos citados por Lyons, como a ortogonal, a exemplo de norte/leste, a antipodal, como norte
sul são improdutivas e limitadas demais. Não merecem destaque.

A antonímia, no entanto, nem sempre se estabelece somente em termos de dicionário, de itens


lexicais, mas também em termos de contexto discursivo. Isto não se encontra muito bem explorado, uma
vez que entram aí em jogo o conhecimento de mundo, as intenções do locutor e a recepção por parte do
ouvinte/leitor.

DESAFIO
Ouça a canção Catavento e Girassol (Guinga e Aldir Blanc) [2], cantada por Leila Pinheiro.

Procure analisar o modo como a antonímia discursiva se manifesta. Observe, por exemplo, o
título “Catavento e Girassol”, bem como as frases “eu sou um gato de subúrbio, você é litorânea” e
“Quando assovio uma seresta você dança havaiana”. Em que medida se pode falar de oposição de
significado ou antonímia nessa canção?

Quais são as marcas lexicais e sintáticas presentes na letra da canção que ancoram a antonímia
discursiva?

REFERÊNCIAS
LYONS, J. Semântica I. Lisboa: Presença, (s.d.).

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Semântica
Aula 03: Semântica Léxica

Tópico 03: Hiponímia e Hiperonímia

A relação entre lexemas (as palavras tais como estão no dicionário) também pode ocorrer em termos
de inclusão.

Exemplo: dizemos que flor é um termo geral, que abrange outros, mais
específicos, como tulipa e violeta. Ao termo geral, chamamos hiperônimo ou
superordenado e aos específicos chamamos de hipônimos.

Hiperônimo e hipônimo são, contudo, termos relativos. Tomando, por exemplo, o eixo semântico da cor
verificamos que este superordena, vermelho e verde. Vermelho, por seu turno, é hiperônimo de escarlate.

Palmer (s.d., p. 91) adverte para o fato de o mesmo termo aparecer em vários pontos da hierarquia, o
que só é possível se o termo for polissêmico. Exemplificamos com o lexema animal, que pode ser usado (1)
em contraste com vegetal, incluindo ao mesmo tempo aves, peixes, insectos e também mamíferos, (2) no
sentido de “mamífero”, em contraste com aves, peixes e insectos, incluindo seres humanos e bichos, (3) no
sentido de “bicho”, em contraste com seres humanos. Isto pode ser ilustrado da seguinte maneira:

Descrição da imagem:
SERES;
COM VIDA: VEGETAL, ANIMAL (AVE, PEIXE, INSETO, ANIMAL – HUMANO ANIMAL);
SEM VIDA;

A ilustração acima dada por Palmer apresenta em bloco os significados dicionariais de animal, todos
superpostos, para aclarar os conceitos de hiperonímia e hiponímia. Todavia, num dado discurso, apenas um
dos significados pode aflorar.

REFLEXÃO
É temerário apresentar uma ilustração como esta acima sem considerar, além dos significados, os
registros de ocorrência. Baleia, por exemplo, pode ser hipônimo de animal tanto na linguagem científica,
quanto na linguagem corrente, como pode ser hipônimo de peixe, mas só na linguagem corrente. Na

18
linguagem científica, é mamífero. Não podemos, portanto, fazer um diagrama como o exposto acima.
Diga-se o mesmo do lexema sal que, na Química, é hiperônimo de cloreto de sódio, sulfato de sódio,
fosfato de potássio (os lexemas designadores de sais são sufixalmente marcados por –ato, -eto, -ito).
Na linguagem usual, porém, sal só se refere ao cloreto de sódio.

A hiponímia, por seu turno, implica uma relação lógica de consequência. Dizer isto é um gato pressupõe
isto é um felino. A frase que contém o hipônimo pressupõe a que contém o hiperônimo. O termo hiperonímico
pode pressupor o hiponímico se o hiperônimo for entendido como referente a todos os membros de uma
classe. Dizer todos os felinos são bonitos implica dizer todos os gatos são bonitos.

Um ponto que merece destaque é o fato de que o conhecimento das relações de inclusão é importante
como recurso para se estabelecer coesão no discurso, a exemplo destas frases extraídas de Koch (1989, p.
46):

(01) Vimos o carro do ministro aproximar-se. Alguns minutos depois, o veículo estacionava diante
do Palácio do Governo.

(02) O professor mandou os alunos desenharem quadrados, retângulos e trapézios. Os


quadriláteros encontravam-se empilhados uns sobre os outros na mesa dianteira da sala...

Fávero (1991, p. 24) mostra que tanto se pode dar a direção hiperônimo/ hipônimo, como a direção
hipônimo/ hiperônimo:

(01) Gosto muito de doces. Cocada, então, adoro.

(02) Os corvos ficaram à espreita. As aves aguardavam o momento de se lançarem sobre os


animais mortos.

A direção hiperônimo/ hipônimo não nos parece muito usual. No exemplo, o que a justifica é a ilustração.
Fávero (1991, p. 24) tende a ver como mais “normal” a direção hipônimo/ hiperônimo.

EXEMPLO
Exemplo, a substituição de moto por veículo é mais justificável que a de veículo por moto. No primeiro
caso, “há uma relação de inclusão, e o segundo componente tem uma extensão maior”. No segundo caso,
a extensão maior está no primeiro componente, o que dificulta a substituição, a não ser em casos
excepcionais como a exemplificação.

Em suma, as relações de hiperonímia/hiponímia podem ser vistas sob o ângulo linguístico ou situacional.
A título de ilustração, observe o seguinte slogan publicitário:

19
" Skol: a cerveja que
desce redondo"

DESAFIO
Você é capaz de perceber as implicações discursivas decorrentes da relação de inclusão no exemplo
acima?

REFERÊNCIAS
FÁVERO, L. L. Coesão e coerência textuais. São Paulo: Ática, 1991.

ILARI, R. &GERALDI, J.W. Semântica. São Paulo: Ática, 1990.

KOCH, I.G.V. A coesão textual. São Paulo: Contexto, 1989.

PALMER, F. R. Semântica. Lisboa: Edições 70, (s.d.).

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Semântica
Aula 03: Semântica Léxica

Tópico 04: Polissemia e Homonímia

Na visão tradicional, a homonímia ocorre quando duas palavras coincidem foneticamente em sua
evolução histórica (diacronia), mas diferem quanto ao significado. Por exemplo: as palavras latinas
vigilare (fazer vigília) e velare (cobrir com o véu) convergiram para a palavra velar, que cobre,
sincronicamente, os dois significados.Assim apresentado, o fenômeno da homonímia parece bastante
simples. Todavia, outro conceito correlato, o da polissemia, contribui para complicar a descrição da
homonímia. Como sabemos, polissemia é o fenômeno que consiste em uma palavra apresentar dois ou
mais significados, conforme uma perspectiva sincrônica.

Tradicionalmente, a polissemia é tratada como um fenômeno mais amplo do que a homonímia. Por
conta disso, muitos autores preferem distinguir dois tipos de polissemia: a latu sensu e a strictu sensu. No
primeiro caso, são tratados os casos de homonímia, em que os significados de uma palavra não mantêm
relação uns com os outros (por exemplo, a palavra Banco: instituição financeira e objeto para sentar). No
segundo caso, ocorre a polissemia propriamente dita, pois os vários significados de uma palavra possuem,
entre si, um traço comum (por exemplo, a palavra rede: rede de dormir, de pescar, de computadores, etc. Em
todas as ocorrências, temos a presença do traço “entrelaçamento”). Embora existam outros critérios, este
nos parece ser o mais coerente para distinguir os dois fenômenos. Como vemos, a questão é complexa. É
difícil sistematizar os dois fenômenos, pois o critério etimológico utilizado para a homonímia não é
confiável, pois a regra se aplica a um pequeno número de casos. Além disso, não sabemos onde começa ou
termina a polissemia ou a homonímia de uma palavra: há zonas intermediárias de significado. Assim, uma
palavra como pena pode significar “estrutura que reveste o corpo das aves”, mas também pode significar
“sofrimento” ou “castigo”, neste caso temos uma homonímia. No entanto, se considerarmos que a palavra
pena pode significar uma “concha interna do corpo das lulas, semelhante a uma pena de ave”, teríamos aí
um caso de polissemia, já que teríamos um traço semântico comum aos dois significados.

Como registrar a polissemia e a homonímia no dicionário?

Conforme a polissemia, podemos considerar sincronicamente cada uma das palavras homônimas
como uma só entrada de dicionário correspondente aos vários sentidos que ela assume. Ilustrando: nora s.f.
(1)“esposa do filho”; (2) “engenho de extrair água”.

OBSERVAÇÃO
Como você percebe, a homonímia faz o percurso inverso: parte do conteúdo para a expressão.
Tomemos o mesmo exemplo acima: nora(1): s.f. “ esposa do filho”; nora(2) “engenho de extrair água”.

REFERÊNCIAS
ULLMANN, S. Semântica: uma introdução à ciência do significado. Lisboa: Calouste Gulbenkian, (s.d.).

_____. The principles of semantics. Glasgow: Jackson, Son & Co, 1951.

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Semântica
Aula 03: Semântica Léxica

Tópico 05: A Teoria dos Campos Léxicos

Diversas tentativas têm sido feitas no sentido de se estabelecerem os princípios sobre os quais se
organiza o vocabulário de uma língua. O campo léxico constitui uma esfera conceitual recoberta por um
conjunto de vocábulos estruturados, sendo cada termo limitado pelos demais. Em suma, toma como ponto
de partida a análise do conteúdo com base nas oposições funcionais entre vocábulos. O conteúdo de um
termo estaria vinculado aos traços significativos por ele apresentados.

Esclarecendo: para constituir um campo léxico temos que eleger dada


esfera representativa da vida biosocial: vestuário, vias fluviais, meios de
transportes, etc.

Existem diversas teorias do campo léxico, que se encontram resenhadas em Vilela (1979) e bem
resumidas e analisadas em Geckler (1984). Não pretendemos examinar o extenso leque de teorias a
respeito do assunto. Por isto, vamos nos ater ao autor mais divulgado, Pottier (1978, 1992).

Pottier, em sua descrição semântica, lida com os seguintes conceitos referentes à lexia, unidade lexical
memorizada:

SEMA
traço mínimo do conteúdo;

SEMENA
conjunto de semas;

SEMENA ABSOLUTO
conjunto de semas efetivamente presentes na lexia;

SEMENA RELATIVO
semema obtido em uma lexia, a partir da comparação com outra;

22
ARQUISSEMA
é o sema que domina um campo semântico qualquer;

ARQUILEXEMA
é, conforme bem assinala Lopes (s.d., p. 269), um cover-word, “por ser a base
comum de um campo semântico ao qual domina”.

Exemplificamos abaixo com o campo lexical de assento, adaptado de Vilela (1979, p. 81):

S1 S2 S3 S4 S5 S6

Banco + - - - + +

Cadeira + + + - + +

Poltrona + + + + + -

Sofá + + - + + -

Divã + - + - + -

Sendo:

s1: ‘objeto construído para a gente se sentar’


s2: ‘com encosto’
s3: ‘para uma pessoa’
s4: ‘com braços’
s5: ‘com pés’
s6: ‘feito de material rijo’

Teremos assim, para os quatro primeiros lexemas, os seguintes semas:

banco: s1 + s5 + s6
cadeira: s1 + s2 + s3 + s5 + s6
poltrona: s1 + s2 + s3  + s4 + s5
sofá: s1 + s2  + s4 + s5

O conjunto destes semas (indicados por s) é o semema. O semema relativo de cadeira em relação a
poltrona é  s1 + s2 + s3+ s5 + s6 + s4.

s1 e s5 são os semas comuns a todos os lexemas do campo. Os referidos semas definem


conteudisticamente o arquilexema assento, que funciona como hiperônimo ou superordenado.

23
Além dos semas, tais como definidos acima, Pottier lidou com classema que “põe o semema em
relação com classes semânticas funcionais de distribuição pertencentes à langue mas selecionados no
interior de frases” (LOPES, s.d., p. 271). O classema é, pois, um sema relativo à classe. Assim um verbo
como comer seleciona um SN sujeito de traço (+ animado) e ler seleciona um SN sujeito (+ humano).

Pottier também distingue os semas conotativos, os virtuemas, que “caracterizam de uma maneira
estável e muitas vezes individual a significação de um signo” (POTTIER, 1978, p. 30). O autor nos fornece
pistas, mesmo que limitadas, sobre o virtuema, este elemento "que é patente na memória associativa do
falante e cuja atualização está ligada aos fatores variáveis das circunstâncias de comunicação" (1978, p.
74). Exemplificando:

Exemplo 1
As conotações espontâneas (que não são definidas). Dá como exemplo de um
nome de animal aplicado a um ser humano metaforicamente: ser um cavalo = “ser
grosseiro”; outro exemplo é a associação dos números com conceitos: treze = “azar”,
vinte e quatro = “afeminado”. Um outro exemplo decorre de contextos discursivos
como em ele é belo, mas inteligente: a beleza é associada à ausência de dotes
intelectuais.

Exemplo 2
As conotações contextuais (não definidas). O autor exemplifica com a frase
ladrões visitaram o Museu de Curitiba, em que visitar ganha o traço semântico
adicional de “intenção de roubar”. O traço “percorrer para ver” se articula com o
anterior, já que a finalidade da visita não é apreciação estética que se pode ver em os
turistas visitaram o Museu de Curitiba.

Exemplo 3
As conotações analógicas, que decorrem de comparações socioculturalmente
estabelecidas: mais branco que a neve, mais feliz que um Rei.

Feitas as considerações acima, apresentamos a súmula da proposta de Pottier:

ATIVIDADE DE PORTFÓLIO
Comente os pares sinonímicos abaixo conforme os parâmetros estudados.

Clique aqui (Visite a aula online para realizar download deste arquivo.) para ler a atividade
de portfólio.

REFERÊNCIAS
GECKELER, H. Semântica estructural y teoria del campo léxico. Madrid: Gredos, 1984.

POTTIER, B. Lingüística geral: teoria e descrição. Rio de Janeiro: Presença, 1978.

_____. Sémantique générale. Paris: Presses Universitaires de France, 1992.

VILELA, M. Estruturas léxicas do português. Coimba: Almedina, 1994.

24
Fontes das Imagens

1 - http://2.bp.blogspot.com/_vXL6xZ1Xg0Q/S-MY_AgoIGI/AAAAAAAAAVc/fnzC_zRZnWg/s1600/Opostos+c%C3%B3pia.jpg
2 - https://www.youtube.com/watch?v=_ShiqGQp8hQ

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Semântica
Aula 04: Sintaxe, Semântica, Discurso

Tópico 01: A sintaxe-semântica de Katz-Fodor

A proposta de Katz-Fodor (in: LOBATO, 1977, p. 59-76) é uma tentativa de ir além do campo léxico, que
você estudou na aula anterior, para estudar as relações de significado entre palavras na frase. Segundo a
referida proposta, uma teoria semântica deve encerrar dois subcomponentes:

A) UM DICIONÁRIO
O primeiro diz respeito ao conjunto de itens lexicais ou palavras, como
entradas associadas às definições, em termos que especificaremos mais adiante.

B) UMA REGRA DE PROJEÇÃO


O segundo se relaciona com a capacidade de codificar e decodificar a
informação veiculada pela frase. Tais regras devem ser conhecidas pelo usuário,
mas não o dicionário, dada a lista teoricamente ilimitada que o mesmo implica.

Suponhamos uma frase como (01).

(01) Esse banco é grande.

Deve-se registrar que ela é potencialmente ambígua, uma vez que banco pode ter duas leituras:
“instituição financeira” ou “determinada tipo de assento”. Ambos os sentidos são compatíveis com o do
adjetivo grande. A mesma frase poderia ser desambiguizada no contexto sentencial abaixo, em virtude da
presença do sintagma “mal equipado de computadores”.

(02) O banco é grande, mas é mal equipado


de computadores.

A teoria semântica teria de dar conta também de frases como (03) abaixo, indicando-lhe a anomalia,
porque há incompatibilidade entre o adjetivo silenciosa e o substantivo tinta.

(03) *Ele pintou as paredes com tinta


silenciosa.

A Semântica, segundo Katz-Fodor, além de dar conta do número de leituras duma sentença e de
construções semanticamente anômalas, deve considerar, também, as sinonímias sintáticas, como o
exemplo abaixo:

26
(04) João matou Pedro /Pedro foi morto por
João.

Acrescentemos que a teoria deve ser aplicada às sentenças isoladas de contexto, embora os próprios
autores admitam que uma teoria semântico-contextual é mais poderosa do que uma teoria de sentenças em
isolamento. Afirmam: Clique aqui para saber.

TEORIA DE SENTENÇAS EM ISOLAMENTO

mas uma teoria contextual precisará ter como uma de sua partes uma teoria de interpretação
semântica, porque as leituras que um falante atribui a uma sentença num contexto são resultado de
uma seleção das leituras que a sentença possui isolada. Em termos gerais é evidente que uma sentença
não pode ter leituras num contexto que não sejam também admitidas em isolamento. Naturalmente, há
casos em que uma sentença pode ter uma dada leitura para alguns falantes em certos contextos e não
tê-la em isolamento para todos os falantes. Tais casos, no entanto, são essencialmente idiomáticos, na
medida em que se determina o seu significado ou por convenções especiais (senhas, palavras
cunhadas para ocasiões ou grupos particulares etc.), ou por regras especiais (alguns códigos e
construções semelhantes), ou por informações especiais acerca das intenções do falante. Se uma
teoria do efeito seletivo do contexto tivesse de tratar desses casos, não seria possível construí-la,
porque se poderia fazer qualquer sentença ter o significado que se desejasse pela simples construção
do contexto de modo a incluir as convenções apropriadas. Portanto, uma vez que as leituras que um
falante atribui a uma sentença em contexto correspondem a uma seleção das leituras que a sentença
admite em isolamento, uma teoria de interpretação semântica é logicamente prioritária em relação a
uma teoria do efeito seletivo do contexto. (1977, p. 89-90).

Ainda à mesma página, os autores especificam melhor a questão da seleção contextual, através da qual
se procura dar conta do modo como aspectos do mundo biossocial determinam a compreensão de
sentenças. Assim se referem às diversas variantes desta possível teoria.

É claro, porém, que qualquer variedade de uma teoria dessa natureza terá,
necessariamente, de satisfazer à condição de que, na sua elaboração, o contexto
seja defendido de forma a que se torne capaz de representar toda e qualquer
informação não linguística exigida pelos falantes para a compreensão de
sentenças. Na medida em que uma teoria deixe de satisfazer a esta condição, ela
será incompleta, pois haverá informações que determinar o modo pelo qual os
falantes compreendem uma sentença que a teoria não incluiu na representação
do contexto daquela sentença. Se uma teoria deixa de representar informações
que os falantes realmente utilizam para compreensão de sentenças, a teoria
deixa de explicitar, em todos os seus aspectos, o mecanismo através do qual tal
informação contribui para o processo de compreensão.

No entanto, uma completa teoria dessa natureza, em princípio, não é


possível, porque, para satisfazer à condição necessária acima indicada, seria
imprescindível que a teoria representasse todo o conhecimento que os falantes
têm do mundo (1977, p. 90-1).

É bom que você saiba que existem fenômenos discursivos que a teoria não contempla. Vejamos as
frases abaixo:

27
Um homem deve se comportar como um homem (o item, homem, é conotado, difere do sentido
do primeiro, não há redundância).

Os comunistas continuam a vestir o vermelho ( vermelho tem duas leituras: cor e orientação
políticas, polissemia discursiva)

Adultos são bebês (não há contradição nem inconsistência, pois bebê é empregado
metaforicamente).

Quem tiver olhos para ver que veja (a forma veja salienta uma forma de ver atenta por oposição
a ver sem profundidade).

A personalidade de algumas pessoas favorece que amem e não amem ( não há contradição, pois
amem assume significados incompatíveis simultâneos e possíveis).

FÓRUM
Conforme vimos, a teoria de Katz e Fodor deve dar conta das possíveis interpretações semânticas
de uma sentença. Discuta com seus colegas como esta teoria resolveria a ambiguidade das seguintes
sentenças: “A menina gosta desse canto” e “ O juiz julgou as meninas culpadas”.

OLHANDO DE PERTO
Leia o texto do link abaixo, para aprofundar a discussão sobre a teoria semântica proposta por Katz-
Fodor:

A teoria Katz e Fodor – Os filhos heterodoxos de uma gestação ortodoxa [1] (Visite a aula online
para realizar download deste arquivo.).

REFERÊNCIAS
KATZ, J.J. e J.A. FODOR. Estrutura de teoria semântica. In: LOBATO, L.M.P. A semântica na linguistica
moderna: o léxico. Rio de Janeiro: F. Alvez, 1977.

28
Semântica
Aula 04: Sintaxe, Semântica, Discurso

Tópico 02: Sinonímia Frasal: A Paráfrase

Como é do seu conhecimento, a paráfrase não é estudada nas gramáticas tradicionais. Para que você
acompanhe os fundamentos desse fenômeno, vamos tomar como base Perini (1995, p. 46-9).

Em princípio, a paráfrase constitui “um relacionamento sintático especial entre frases (...) além do
evidente parentesco semântico” (1995, p.49). Acolhe duas espécies de correspondência entre frases: a total
e a parcial.

Observe a tabela abaixo:

Total
Duas formas A e B serão totalmente correspondentes se for possível estabelecer
entre todos os termos de A e todos os termos de B um relacionamento um a um tal
que: (i) os membros de cada par assim formado sejam preenchidos por itens léxicos
idênticos; e (ii) para qualquer preenchimento léxico idêntico dos pares, a aceitabilidade
de A implique a aceitabilidade de B, e vice-versa; e a inaceitabilidade de A implique a
inaceitabilidade de B, e vice-versa (1995, p. 208).

Parcial
Uma forma A será parcialmente correspondente a outra forma B se for possível
estabelecer entre todos os termos de B e alguns termos de A um relacionamento um-
a-um tal que: (i) os membros de cada par assim formado sejam preenchidos por itens
léxicos idênticos; e (ii) para qualquer preenchimento léxico idêntico dos pares, a
aceitabilidade de A implique a aceitabilidade de B (mas não vice-versa) (1995, p. 209).

Constituem exemplos de paráfrase com correspondência total:

TOPICALIZAÇÃO
Leo comeu o peixinho imediatamente.

O peixinho, Leo comeu imediatamente.

ANTECIPAÇÃO DOS PRONOMES INTERROGATIVOS


Você procuram o quê?

O que vocês procuram?

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CLIVAGEM (MARCADA POR FOI QUE OU É QUE)
Mamãe fez os sanduíches.

Foi mamãe que fez os sanduíches.

MOVIMENTAÇÃO DE CLÍTICOS
Mariquinha se estava maquiando.

Mariquinha estava se maquiando.

Mariquinha estava maquiando-se.

MOTIVENTAÇÃO DE QUANTIFICADORES
Todas as adolescentes gostam de tango.

As adolescentes todas gostam de tango.

As adolescentes gostam todas de tango.

Constituem, por sua vez, exemplos de correspondência parcial:

a) a relação ativa/passiva: b) alçamento de objeto:

(14) (15)

a. João ama Pedro. a. Mastigar farinha é difícil.

b. Pedro é amado por João. b. Farinha é difícil de mastigar.

Mais amplas são as correspondências estabelecidas por Ilari & Geraldi (1990, p. 48-50), embora não
definam correspondência e nem procurem tipificá-la, interessados que estão na sinonímia estrutural ou
paráfrase. Constituem, para os autores, exemplos de relações parafrásticas:

A) A RELAÇÃO VOZ ATIVA/VOZ PASSIVA


(16) Pedro matou João./ João foi morto por Pedro.

30
B) A CONSTRUÇÃO DE COMPARATIVO DE IGUALDADE
(17) Pedro é tão bom quanto José. / José é tão bom quanto Pedro.

C) A CONSTRUÇÃO DOS COMPARATIVOS DE SUPERIORIDADE E


INFERIORIDADE, FORMULADOS NOS DOIS
SENTIDOS
(18) Pedro é mais esperto do que José. / José é menos esperto que Pedro.

D) A CONSTRUÇÃO COM TER/A CONSTRUÇÃO COM SER DE


(19) Pedro tem João como amigo. / João é amigo de Pedro.

E) CONSTRUÇÕES NOMINALIZADAS / CONSTRUÇÕES NÃO


NOMINALIZADAS
(20) Primeiro o coral cantou o hino, depois a banda executou a marcha
fúnebre. / O canto do hino pelo coral foi seguido pela execução da marcha fúnebre
pela banda.

F) CONSTRUÇÃO COM MESMO


(21) Wladimir Zatopek corre 3000 metros no mesmo tempo que o irmão do
João. / O irmão do João corre os 3000 metros no mesmo tempo que Wladimir
Zatopek.

G) PARÁFRASE LEXICAL E ESTRUTURAL AO MESMO TEMPO


(22) O camelô vendeu-me este descascador de batatas que não funciona. /
Comprei do camelô este descascador de batatas que não funciona.

Os autores são explícitos quanto à abordagem da paráfrase meramente estrutural.

Como no caso da sinonímia lexical, a escolha entre duas frases sinônimas por razões estruturais nunca
é completamente inocente. Assim, ao passar da voz ativa para a passiva, fica alterada a atribuição dos
vários participantes dos papéis de tema e rema (isto é, a passiva topicaliza o objeto da ativa) (1990, p. 49).

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As frases comparativas também não podem ser consideradas sinônimos perfeitos. Se dizemos A é
mais X que B ao invés de B é menos X que A, muda a orientação argumentativa. No primeiro caso, o
discurso é orientado no sentido de salientar a superioridade de A. No segundo, de ressaltar a inferioridade
de B.

Exemplo:

a) João é mais competente do que Pedro.

b) Pedro é menos competente do que João.

Aprofundando
O fenômeno da paráfrase não é uma relação exclusiva entre sentenças, podendo se manifestar também
na dimensão textual/discursiva. Para saber mais sobre o assunto, leia o texto, hospedado no link abaixo.

Elementos para o estudo da paráfrase [2].

REFERÊNCIAS
ILARI, R. &GERALDI, J.W. Semântica. São Paulo: Ática, 1990.

PERINI, M.A. Gramática descritiva do português. São Paulo: Ática, 1995.

32
Semântica
Aula 04: Sintaxe, Semântica, Discurso

Tópico 03: Relações de Acarretamento e Pressuposição

O assunto que vamos tratar é controverso, consoante você verá ao longo desta exposição. Vamos
começar por tratar da implicação.

A implicação, segundo Faria (1982), pode ser formulada genericamente nos


seguintes termos: uma frase A implica uma frase B se a verdade de B
depende necessariamente da verdade de A e se parte do significado de B
está contido em A. Nestes termos, implicação equivale à noção de
acarretamento semântico.

Ela se manifesta de três maneiras. Uma delas é no nível formal, como relação entre duas frases:

• Ontem à noite, Helena viu aquele deputado na festa.

• Aquele deputado foi visto ontem à noite na festa.

Observe atentamente a tabela abaixo:

A primeira forma
É formalmente distinta da segunda, uma vez que ela está na ativa, enquanto a
segunda encontra-se na passiva. Contudo, há um significado comum entre ambas: um
deputado esteve na festa. Uma ressalva se faz necessária quanto aos dêiticos aquele
e ontem. No plano da língua, para haver implicação, há de se partir do pressuposto de
que aquele se refere ao mesmo deputado nas duas frases e de que ontem aponta para
o mesmo momento.

Em suma, deve-se considerar aspectos relativos ao discurso e à pragmática. É


preciso que se estabeleçam condições interpretativas, fundadas no acordo entre
falante e ouvinte quanto a determinados itens altamente dependentes da situação de
fala.

A segunda forma
De manifestação da implicação é de natureza lexical, conforme podemos
depreender destes exemplos de Faria.

a. Ontem à noite, Helena viu aquele deputado na boite.

b. Aquele homem foi visto ontem à noite na boite.

Ambas as frases diferem quanto à voz: (a) está na voz ativa e (b), na passiva.
Semelhantemente ao exemplo anterior, o agente foi omitido em (b). Além disso, há
uma troca de itens lexicais: o substantivo deputado aparece em (a), enquanto em (b),
temos o substantivo homem. Todavia, ambas compartilham os traços (+humano),
(+masculino), (+singular). A explicação para isso está no plano da própria língua:
deputado é hipônimo de homem, que é um item genérico.

33
Mais uma vez, há que se partir de um suposto acordo entre os interlocutores,
quanto à mesma referência de deputado e homem. Diga-se o mesmo dos dêiticos, o
que já foi comentado no exemplo anterior.

A terceira forma
De implicação diz respeito às escalas de quantidade e qualidade, como nos
exemplos abaixo:

3a. A sopa está ótima .

3b. A sopa está boa.

4a. João bebeu um litro de vinho.

4b. João bebeu vinho.

A diferença entre (03)a e (03b) é de grau. Segundo Faria, a afirmação de que a sopa está ótima, implica
a afirmação de que ela está boa. Do mesmo modo, se admite que João bebeu um litro de vinho, admite-se
também que João bebeu vinho.

Concordamos quanto à relação de implicação quantitativa entre (04)a e (04)b, mas não quanto à
relação qualitativa entre (03)a e (03)b. No uso efetivo da língua, a escalaridade qualitativa é estanque, tanto
que se pode dizer (05).

(05) A sopa não está boa, está


ótima.

Poderíamos, no entanto, estabelecer relações de implicação entre as frases abaixo? Cremos que sim,
desde que se admita (06)a como verdadeira.

(06) a. João bebeu um litro de vinho.

b. João bebeu meio litro de vinho.

A implicação também está ligada ao fenômeno da sinonímia, quer no nível do léxico, quer no nível da
frase: duas palavras ou duas frases sinônimas se baseiam nas mesmas condições de verdade.

Uma vez tendo-nos referido à implicação, resta falarmos de outro mecanismo lógico: a pressuposição,
definida por Faria (1983) nos seguintes termos:

diz-se que uma asserção A1 pressupõe outra asserção A2 se a verdade de A2 for


uma condição necessária mas não suficiente da verdade de A1, i.e, a verdade de
A2 não garante a verdade de A1. (1983, p. 166)

A autora dá como exemplos as frases reproduzidas em (07)a e (07)b.

(07) a. Todos os cães da quinta são


mansos.

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b. A quinta tem cães.

A verdade de (07) a pressupõe a verdade de (07)b, mas a verdade de (07)b não garante (não é condição
suficiente para) a verdade de (07) a. Um fator de ordem linguística interfere nisto: a ausência do adjetivo em
(07) b, capaz de delimitar o substantivo cães. Deste modo, em (07) b, o que interessa é a existência de cães
enquanto gênero, não importando sua qualidade: se selvagens, amigos, traiçoeiros etc.

REFLEXÃO
A diferença estabelecida por Faria entre implicação e pressuposição não é tão clara quanto parece.
Na prática, pode trazer complicações. Para simplificar, podemos afirmar o que se segue: acarretamento
e pressuposição são, em geral, interligados, por isso, são de natureza discursiva e pragmática. Se
dissermos houve um roubo no banco, não há necessariamente a interpretação de que o banco foi
assaltado (acarretamento), pode haver outra leitura: alguém foi assaltado dentro do banco
(pressuposição).

Em casos de lógica formal, de natureza matemática, podemos falar numa interligação de cunho
apenas discursivo como em:

Se João parou de bater na mulher, então João não bate mais na mulher. O caráter discursivo
garante tratar-se dos mesmos referentes por causa do conectivo que legitima a implicação estrutural:
se...então.

ATIVIDADE DE PORTFÓLIO
1. Mostre até que ponto existem paráfrases entre os pares de sentenças abaixo.

LEIA
a) O rapaz leu o livro. / O livro foi lido pelo rapaz.

b) O carro de João é mais veloz que o de Pedro. / O carro de Pedro é menos veloz que o de
João.

c) Maria chegará. / Maria ainda não chegou.

d) Pedro deve vir hoje. / É provável que Pedro venha hoje.

2. Analise os aspectos semântico-discursivo-pragmáticos envolvidos nas frases abaixo, valendo-se das


críticas feitas à sintaxe-semântica de Katz-Fodor:

LEIA
a) o juiz julgou as meninas culpadas.

b) Rodrigo disse a Paulo que sua mulher estava na casa de Maria.

35
c) mulheres são meninas.

d) Homens gostam de mulheres.

3. Nos pares de sentenças abaixo, discuta se há acarretamento (implicação) ou pressuposição.

LEIA
a) João é casado / João não é solteiro.

b) O sol está brilhando / o sol está quente.

c) Maria é bela / Maria é muito bonita.

d) Pedro trabalha comigo/ Eu trabalho com o Pedro.

Fontes das Imagens

1 - http://www.repositorio.ufc.br/bitstream/riufc/26307/1/2004_art_pmtduarte.pdf
2 - http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/letras/article/view/2852/2334

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