O capítulo discute as limitações do realismo puro como uma filosofia política. Apesar de sua lógica, o realismo não fornece motivos para ação política e exclui objetivos, apelos emocionais, julgamentos morais e espaço para agência humana. Isso o torna incompatível com o pensamento político eficaz.
O capítulo discute as limitações do realismo puro como uma filosofia política. Apesar de sua lógica, o realismo não fornece motivos para ação política e exclui objetivos, apelos emocionais, julgamentos morais e espaço para agência humana. Isso o torna incompatível com o pensamento político eficaz.
O capítulo discute as limitações do realismo puro como uma filosofia política. Apesar de sua lógica, o realismo não fornece motivos para ação política e exclui objetivos, apelos emocionais, julgamentos morais e espaço para agência humana. Isso o torna incompatível com o pensamento político eficaz.
o DESMASCARAMENTO, pela crítica realista, da fragilidade do edi
fício utópico é a primeira tarefa do pensador político. Somente quando a simulação for demolida que poderá haver alguma es perança de erigir-se uma estrutura mais sólida em seu lugar. Mas não podemos, como medida final, acomodar-mo-nos no realis mo puro. O realismo, embora preponderante em termos lógicos, não nos dá as fontes de ação que são necessárias até mesmo para o prosseguimento do pensamento. Com efeito, o próprio realismo, se o atacarmos com suas próprias armas, freqüente mente se revela, na prática, como tão condicionado quanto qual quer outra forma de pensamento. Na política, a crença de que certos fatos sejam inalteráveis, ou certas tendências irresistíveis, normalmente reflete uma falta de desejo, ou de interesse, em mudá-los ou resistir a eles. A impossibilidade de se ser um rea lista consistente e completo é uma das mais corretas e curiosas lições da ciência política. O realismo consistente exclui quatro coisas que parecem ser ingredientes essenciais de todo pensa mento político eficaz: um objetivo finito, um apelo emocional, um direito de julgamento moral e um campo de ação. A concepção da política como um processo infinito parece, a longo prazo, incompativel ou incompreensível para a mente humana. Todo pensador político que deseja atrair seus contem porâneos é, consciente ou inconscientemente, levado a estabe lecer um objetivo finito. Treitschke afirmava que a "coisa terrí vel" sobre os ensinamentos de Maquiavel não era "a imoralidade dos métodos que recomenda, mas sim a falta de conteúdo do 118 E. H. CARR
Estado, que existe apenas por existir"1. De fato, Maquiavel não
é tão consistente. Seu realismo se desmorona no último capítu lo de O Príncipe, que se intitula "Uma Exortação para Libertar a Itália dos Bárbaros". É um objetivo cuja necessidade não pode ser deduzida de nenhuma premissa realista. Marx, tendo dissol vido o pensamento e a ação humanos no relativismo da dialética, postula o objetivo absoluto de uma sociedade sem classes, onde a dialética não mais opera - esse acontecimento longínquo para o qual, à moda verdadeiramente vitoriana, ele acreditava que toda a criação estivesse se movendo. O realista, pois, acaba por negar seu próprio postulado e por presumir uma realidade últi ma fora do processo histórico. Engels foi um dos primeiros a levantar esta acusação contra Hegel. "Declara-se ser todo o con teúdo dogmático do sistema hegeliano verdade absoluta, em contradição com seu método dialético, que dissolve todo dogrnatismo"; Mas Marx se expõe precisamente à mesma crítica quando leva o processo do materialismo dialético a um fim com a vitória do proletariado. Assim, a visão utópica penetra a cida dela do realismo e, vislumbrar um contínuo, mas não infinito, processo de avanço no sentido de um objetivo finito revela-se uma condição do pensamento político. Quanto maior a pressão emocional, mais próximo e mais concreto é o objetivo. A Pri meira Guerra Mundial tornou-se tolerável pela crença de que era a última das guerras. A autoridade moral de Woodrow Wil son foi construída sobre a convicção, compartilhada por ele pró prio, de que ele possuía a chave para a cura justa, final e abrangente dos males políticos da humanidade. É digno de nota o fato de que quase todas as religiões concordam ao postularem um estado final de completa bem-aventurança. O objetivo finito, assumindo o caráter de uma visão apocalíptica, adquire uma atração emocional e irracional, que o próprio realismo não pode justificar ou explicar. Todos conhe-
I Treitschke, Auftiitze, iv, pág. 428.
2 Engels, Ludwig Foarbacb (trad. ingl.) , pág. 23. As limitações do realismo 119
cem a famosa previsão de Marx sobre o futuro paraíso sem
classes:
"Quando o trabalho deixar de ser simplesmente um meio de vida e se
tornar a primeira necessidade da vida; quando, com o completo de senvolvimento do indivíduo, as forças produtivas igualmente se de senvolverem, e todas as fontes da riqueza coletiva jorrarem em livre abundância - somente então - será possível transcender completa mente o estreito horizonte do direito burguês, e a sociedade escreverá em seu estandarte: De cada um segundo sua capacidade, a cada um segundo suas necessidades't'.
Sorel proclamou a necessidade de um "mito" para tornar
eficaz a pregação revolucionária. A Rússia Soviética explorou, com este propósito, o mito, primeiramente da revolução mundi al, e mais recentemente, da "pátria socialista". Há muito o que se dizer em favor da opinião do Professor Laski, de que "o co munismo progrediu por seu idealismo, e não por seu realismo, por sua promessa espiritual, e não por suas perspectivas materi alistas?". Um teólogo moderno analisou a situação com uma pers picácia quase cínica:
"Sem as esperanças supra-racionais e as paixões da religião, nenhuma
sociedade terá a coragem para vencer o desespero e tentar o impossí vel; pois a visão de uma sociedade justa é uma visão impossível, que só pode ser aproximada pelos que não a acharem impossível. As mais verdadeiras visões da religião são ilusões, que podem ser parcialmente realizadas se se acreditar resolutamente nelas'?",
Novamente, essa afirmação é quase igual a uma passagem
de Mein Kampf, na qual Hitler contrasta o "planejador" com o político:
3 Marx e Engels, Works Cedo russa), xv, pág. 275.
.. Laski, Communism, pago 250.
5 R Niebuhr, Moral Man and Immoral Sodery, pág. 81
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"Seu (isto é, do planejador) significado repousa quase to
talmente no futuro, e ele é, freqüentemente, o que se entende pela palavra weltfremd (não-prático, utópico). Pois se a arte da política for realmente a arte do possível, então o planejador per tence ao grupo dos que se diz que agradam os deuses somente se pedirem e exigirem deles o impossível'". Credo quia impossihile tornou-se uma categoria de pensamento político. O realismo consistente, como já se notou, envolve a acei tação de todo o processo histórico e exclui julgamentos morais sobre ele. Como vimos, os homens estão geralmente preparados para aceitarem o julgamento da história sobre o passado, elogian do o sucesso e condenando o fracasso. Este teste é, também, lar gamente aplicável à política contemporânea. Instituições tais como a Liga das Nações, ou os regimes soviético e fascista, são em grande parte julgadas por sua capacidade em atingir o que afirmam atingir; e a legitimidade desse teste é implicitamente admitida pela própria propaganda delas, que constantemente procura exagerar seus sucessos e minimizar seus fracassos. Con tudo, está claro que a humanidade, como um todo, não está pre parada para aceitar esse teste racional como uma base univer salmente válida de julgamento político. A crença de que o que quer que aconteça está sempre certo, e deve ser apenas devida mente entendido para ser aprovado, deve ser sustentada de modo consistente, eliminando-se os pensamentos voltados para obje tivos, e assim esterilizando-o e finalmente destruindo-o. Aque les, cuja filosofia parece excluir a possibilidade de julgamentos morais, nem por isso deixam de fazê-lo. Frederico, o Grande, tendo explicado que os tratados devem ser cumpridos, pela ra zão de que "só se pode trapacear uma vez", segue escrevendo que a quebra de tratados é "uma política má e velhaca", embora não exista nada em sua tese que justifique o epíteto moral". Marx,
(, Hitler, Mein Kalllpj, pág. 23l.
- /lllli-Maq/(iat'e1, pág. 248. As limitações do realismo 121
cuja filosofia parecia demonstrar que os capitalistas só poderi
am agir de uma certa maneira) gasta muitas páginas - algumas entre as mais brilhantes de O Capital - para denunciar a cruel dade dos capitalistas por agirem precisamente dessa maneira. A necessidade) reconhecida por todos os políticos) seja em assun tos internos ou internacionais) de disfarçar interesses sob as vestes de princípios morais é) por si só) um sintoma da insufici ência do realismo. Toda época reclama o direito de criar seus próprios valores) e de fazer julgamento à luz deles; e mesmo quando se utiliza armas realistas para dissolver outros valores) ainda acredita no caráter absoluto de seus próprios valores. Re cusa-se) portanto) a aceitar a afirmação do realismo de que a expressão "dever ser" é uma expressão sem sentido. Acima de tudo) o realismo consistente falha porque deixa de oferecer qualquer campo para a ação voltada para objetivos e significados. Se a seqüência de causa e efeito for suficiente mente rígida para permitir a "previsão cien tífica" dos aconteci mentos) se o nosso pensamento for irrevogavelmente condicio nado por nosso status e nossos interesses) então tanto a ação quanto o pensamento se tornam desprovidos de objetivo. Se) como Schopenhauer sustenta) "a verdadeira filosofia da história consiste na compreensão de que) através do emaranhado de to das essas mudanças incessantes) temos diante dos olhos o mes mo ser imutável) que segue o mesmo rumo hoje) ontem e para sempre?", então a contemplação passiva é tudo o que resta ao indivíduo. Tal conclusão é claramente repugnante à mais pro funda crença do homem sobre si mesmo. Que os assuntos huma nos possam ser dirigidos e modificados pela ação e pelo pensa mento humanos é um postulado tão fundamental) que sua rejeição parece ser dificilmente compatível com a sua própria existência como ser humano. De fato) esse postulado também não é rejei tado pelos realistas que deixaram sua marca na história.
8 Schopenhauer, U7e1t ais U7i1/e IInd Vorstellung, II, ch. 38.
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Maquiavel, quando exortou seus compatriotas a serem bons ita
lianos, claramente estava pressupondo que eles eram livres para seguirem ou ignorarem seu conselho. Marx, um burguês por nas cimento e educação, se acreditava livre para pensar e agir como um proletário, e via, como sua missão, a de persuadir outros, que presumia serem igualmente livres, a pensar e agir da mesma forma. Lenin, que escreveu sobre a iminência da revolução mun dial como uma "previsão científica", admitiu, em outra parte, que "não existe situação alguma que não possua, em absoluto, nenhuma saída?", Em momentos de crise, Lenin apelava a seus seguidores em termos que bem poderiam ter sido usados por um crente tão radical no poder da vontade humana como Mussolini, ou por qualquer outro líder em qualquer período: "No momento decisivo, e no lugar decisivo, você tem de provar ser o mais for te, você precisa ser um vencedor"?". Todo realista, qualquer que seja sua crença, é por fim compelido a crer não somente em que existe algo que o homem deve pensar e fazer, mas ainda que existe algo que o homem pode pensar e fazer, e que este pensa mento e esta ação não são mecânicos nem desprovidos de sentido. Voltamos, portanto, à conclusão de que qualquer pensamen to político lúcido deve basear-se em elementos tanto de utopia, quanto de realidade. Onde o pensamento utópico tornou-se uma impostura vazia e intolerável, que serve simplesmente como um disfarce para os interesses dos privilegiados, o realista desem penha um serviço indispensável ao desmascará-lo. Mas o puro realismo não pode oferecer nada além de uma luta nua pelo po der, que torna qualquer tipo de sociedade internacional impos sível. Tendo demolido a utopia atual com as armas do realismo, ainda necessitamos construir uma nova utopia para nós mes mos, que um dia haverá de sucumbir diante das mesmas armas.
9 Lenin, Work.r (2.a ed. russa), XXV, pág. 340.
10 Lenin, Colleded Work.r (trad. ingl.), XXI, pág. 68. As limitações do realismo 123
A vontade humana continuará a procurar uma saída para as con
seqüências lógicas do realismo na visão de uma ordem interna cional que, ao se cristalizar numa forma política concreta, tor na-se eivada de interesse egoísta e hipocrisia devendo, uma vez mais, ser atacada com os instrumentos do realismo. Aqui, portanto, está a complexidade, o fascínio e a tragédia de toda vida política. A política é composta de dois elementos utopia e realidade - pertencentes a dois planos diferentes que jamais se encontram. Não há barreira maior ao pensamento po lítico claro do que o fracasso em distinguir entre ideais, que são utopia, e instituições, que são realidade. O comunista, que opu nha o comunismo à democracia, pensava normalmente no co munismo como um ideal puro de igualdade e fraternidade, e na democracia como uma instituição que existia na Grã-Bretanha, França ou Estados Unidos, e que tinha como inerentes a todas as instituições políticas os interesses escusos, as desigualdades e a opressão. O democrata, que fazia a mesma comparação, es tava de fato comparando um padrão ideal de democracia exis tente no céu, com o comunismo, como urna instituição existen te na Rússia Soviética, com suas divisões de classes, suas caças aos hereges e seus campos de concentração. A comparação, fei ta, em ambos os casos, entre um ideal e uma instituição, é irrelevante e não faz sentido. O ideal, uma vez incorporado numa instituição, deixa de ser um ideal e torna-se a expressão de um interesse egoísta, que deve ser destruído em nome de um novo ideal. Esta constante interação de forças irreconciliáveis é a subs tância da política. Toda situação política contém elementos mutuamente incompatíveis de utopia e realidade, de moral e poder. Este ponto emergirá, com maior clareza, da análise da na tureza da política, que agora levaremos a efeito.