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DE STIJL E A BUSCA PELA TRANSCENDÊNCIA NA ARQUITETURA

Lara Araújo Veloso1

Orientador: Mateus Gonçalves de Medeiros2

1
Graduanda do curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário Christus – laritaveloso@gmail.com
2
Mestre em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará – mateusgoncalves@gmail.com
RESUMO

Com fins de investigar no De Stijl em que medida a arquitetura pode expressar o


abstrato ideal de transcendência buscado por Piet Mondrian no Neoplasticismo,
a proposta geral deste trabalho, de caráter bibliográfico, é analisar a relação entre os
conceitos da pintura de Mondrian, uma representação bidimensional, e a
tridimensionalidade da arquitetura. Considerando o contexto histórico da Primeira
Guerra Mundial e a influência do movimento De Stijl para a constituição das formas
da arquitetura mundial estabelecemos a discussão sobre a oposição entre os
conceitos de individual e universal na arte e na arquitetura. Analisaremos a busca
do De Stijl por uma linguagem universal, compreensível à todas as pessoas sem
necessidade de explicação prévia, que através da arte utiliza-se de formas
geométricas simples e cores primárias para comunicar seu conceito.

Palavras-chave: Arquitetura Moderna. Arte Moderna. De Stijl. Piet Mondrian. Van


Doesburg.
ABSTRACT

In order to investigate in De Stijl the extent to which architecture can express the ideal
abstract of transcendence sought by Piet Mondrian in Neoplasticism, the general
proposal of this bibliographical work is to analyze the relationship between the
concepts of Mondrian painting, a representation two-dimensional, and three-
dimensional architecture. Considering the historical context of the First World War and
the influence of the De Stijl movement on the constitution of the forms of world
architecture, we established the discussion about the opposition between the concepts
of individual and universal in art and architecture. We will analyze De Stijl's search for
a universal language, comprehensible to all people without prior explanation, which
through art uses simple geometric shapes and primary colors to communicate its
concept.

Keywords: Modern architecture. Modern Art. De Stijl. Piet Mondrian. Van Doesburg.
1 INTRODUÇÃO

O movimento artístico De Stijl foi um desdobramento da vanguarda


Neoplasticista, fundamentada na expressão plástica de Piet Mondrian e Theo van
Doesburg. Seja direta ou indiretamente, a Arquitetura é influenciada pelo contexto
social, político, tecnológico e ideológico de sua época. Assim para podermos
compreender o De Stijl em toda a sua complexidade, é necessário investigar em que
contexto esse estilo foi criado. O De Stijl (O Estilo, em tradução livre do holandês para
o português), que dá nome ao movimento artístico, era originalmente um nome de
uma revista fundada por Doesburg em 1917. O seu nome era utilizado para
representar tanto sua pintura como sua arquitetura. Sua estética enfatizava as formas
geométricas e a simplicidade, fato que podemos interpretar como tendência ao
elementarismo. (Cf. TOWNSEND, 2006, p. 94)3.

A poética do De Stijl significa a busca por uma linguagem universal da arte que
se comunicaria por meio de formas geométricas de modo a repassar sua mensagem
a todos os públicos. No De Stijl, a universalidade era colocada acima da
individualidade, sendo criado um padrão de perfeição que ao ser aplicado, traria a
harmonia que o mundo, em guerra, necessitava. O conceito de universalidade
trabalhado pelo De Stijl declara a possibilidade de se conquistar a harmonia por meio
da utilização de formas essenciais universais. Dentro do quadro da Primeira Guerra
Mundial encontraremos o conflito entre o universal e o individual tanto no
neoplasticismo de Mondrian, quanto no De Stijl de Theo van Doesburg4, como uma
busca por uma cultura que transcende a tragédia do indivíduo através de sua ênfase
em leis imutáveis.

3 No texto original Dabney Townsend afirma: “De Stijl was the name of a journal founded by Theo van
Doesburg in 1917; the name was applied to movements in architecture and painting that emphasized
geometric shape and simplicity. It was related to cubism. De Stijl is associated with the
Bauhausmovement, and its most prominent painter was Piet Mondrian. Suchmovements as De Stijl
changed aesthetic expectations in the first halfof the 20th century from representational realism to
formalism”. TOWNSEND, Dabney. Historical dictionary of aesthetics. Oxford: The Scarecrow Press,
2006 p. 94.
4 É comum na produção acadêmica em língua inglesa utilizar os termos Neoplasticismo e De Stijl

como sinônimos. Em língua portuguesa os termos por vezes aparecem como relacionados à pintura,
caso do Neoplasticismo, e à arquitetura, caso de De Stijl.
2 REVISÃO DE LITERATURA

O Primeiro Manifesto do De Stijl, publicado em 1918, possuía dois pontos que


falavam especificamente sobre a relação entre universal e individual. São eles:

1.Há uma antiga e uma nova consciência da época. A antiga se volta para o
indivíduo, e a nova para o universal. O conflito entre o individual e o universal
reflete-se na Guerra Mundial tanto quanto na arte de hoje (...).3. A nova arte
revelou a substância da nova consciência da época: um equilíbrio semelhante
entre o universal e o individual. (DOESBURG; MONDRIAN apud FRAMPTON,
2015, p.171)

A visão do universal como linguagem que unificaria os povos, abraçaria todas


as nações em uma só, e proporcionaria uma igualdade e, portanto, harmonia, foi
predominante na fundação, em 1917, do movimento, como ficou expresso no
manifesto. O autor explica que existiria um Zeitgeist (espírito do tempo) mais
tradicional que se voltaria para o indivíduo. O desequilíbrio entre o individual e o
universal estaria na origem do problema apontado por Theo van Doesburg. A proposta
do universalismo nasce para combater a ênfase no individualismo marcante do
advento da modernidade. Esse foco no indivíduo se expressa na célebre discussão
de Ferdinand Tönnies. Segundo este autor a vida política na idade média tenderia
para o comunitário, enquanto que na modernidade capitalista a vida política tenderia
para a sociedade. Nos termos de Tönnies, Gemeinschaft e Gesellschaft. A
Gemeinschaft (comunidade) seria um agrupamento político onde as pessoas viveriam
em efetiva comunhão. Enquanto isso na Gesellschaft (sociedade) os indivíduos
tenderiam ao isolamento, apesar de conviverem no mesmo espaço (TONNIES, 2001).

Na dimensão econômica, o individualismo também se expressa na essência do


modo de produção capitalista. Este teria um papel fundamental na tendência moderna
da competição como meio de sobrevivência e sucesso na vida social. Mesmo o
pensamento da modernidade é responsável em alguma medida por essa virada em
direção ao individualismo. Na filosofia, por exemplo, René Descartes inaugura o
pensamento filosófico moderno com uma afirmação baseada no eu, expressa na sua
famosa frase “penso, logo existo” (cogito, ergo sum) (Cf. REALE, 2004). Ainda como
exemplo do surgimento do individualismo, podemos citar o renascimento e o fato de
que é neste momento que se consolida o hábito dos artistas de assinarem suas obras.
Com esse fato, fica evidente a necessidade da expressão da individualidade do autor.

Ao falar sobre os três manifestos, Mario de Micheli se remete a questão sobre


o equilíbrio entre individual e o universal:

Esses três manifestos afirmavam uma tese fundamental: o individualismo, na arte como
na vida, é causa de ruína e desvio do justo; é preciso opor a ele a serena clareza do
espírito, que por si só pode criar o equilíbrio entre o “universal e o individual”. (DE
MICHELI, 2004, p. 249)

Torna-se clara a tentativa deliberada de Theo Van Doesburg em combater o


individualismo, causa, para ele de toda a ruína tanto na arte quanto na vida. Entretanto
não se trata de uma exclusão do elemento individual, mas de um equilíbrio entre
individual e universal. Apesar disso, o universal como valor ganha destaque nas
soluções do De Stijl.

2.1 Harmonia e Cor

A harmonia não é encontrada apenas nas formas, mas também nas cores,
limitadas à paleta primária. A arte invade todos os campos da vida humana e na
arquitetura não é diferente. Estruturas massivas que almejam transmitir uma sensação
de leveza são características do movimento, que estudava a possibilidade de traduzir
para a arquitetura, uma arte tridimensional, os princípios da pintura bidimensional de
Mondrian. A conexão entre a pintura de Mondrian e a arquitetura do De Stijl é íntima.
A arquitetura do De Stijl busca a expressão da transcendência almejada por Mondrian
em sua pintura neoplástica.

As leis imutáveis seriam as composições matemáticas com as quais Mondrian


escolhia e dispunha os elementos em suas obras, acreditando encontrar a perfeita
harmonia. Sua preferência por elementos geométricos se explica dessa forma, pois,
para Mondrian, eles expressavam a essência das coisas e suas formas eram
inerentes ao ser humano.

Pouco a pouco, no entanto, os elementos de seus quadros alcançaram sua própria


autonomia, à medida que Mondrian começou a sentir que uma linguagem pura de
formas, cores e ritmos – uma música visual em contato com as emoções – poderia ser
possível (CURTIS, 2008, p. 152)

Essa preocupação com a posição harmoniosa era expressa na edificação


arquitetônica, ao elevá-la ao posto de obras de arte. Willian J. R. Curtis afirma que
Van Doesburg e Rietveld objetivavam “tratá-la como uma espécie de escultura
abstrata, uma ‘obra de arte total’, um organismo de cores, formas e planos que se
interceptam” (CURTIS, 2008, p. 152).

Por meio da harmonia, se tentava expressar na arquitetura do De Stijl a


transcendência buscada por Mondrian no Neoplasticismo. Isto é, a procura da
essência através de uma linguagem plástica simples e objetiva, se tornando uma
comunicação universal, não apenas como uma mera abstração, mas como um modelo
de perfeição de formas equilibradas. Em meio ao caos da guerra e ao destaque ao
individualismo encontramos no De Stijl o empenho por encontrar um padrão universal
que levaria à estabilidade, à transcendência da humanidade, que ao poder ser
aplicado em todas as áreas, poderia ser aplicado na Arquitetura.

A aplicação da harmonia também se revela no uso das cores. Uma das


características marcantes do De Stijl é a restrição da paleta às cores primárias. Da
mesma maneira Mondrian utiliza esse dispositivo estético em suas obras para buscar
a harmonia por ele procurada. A restrição da paleta veio por influência do matemático
Schoenmaekers, o qual tanto Mondrian quanto Van der Leck, mantiveram contato
próximo quando estiveram em Laren, em 1924. Sobre as cores primárias, afirma
Schoenmaekers:

As três cores principais são, essencialmente, o amarelo, o azul e o vermelho. São as


únicas cores que existem (...) o amarelo é o movimento do raio (vertical), o azul é a cor
que contrasta com o amarelo (o firmamento horizontal) e o vermelho é o cruzamento
de amarelo e azul. (SCHOENMAEKERS apud FRAMPTON, 2015, p. 172)

Pode-se verificar a semelhança da reflexão de Schoenmaekers com uma


representação do plano cartesiano. O amarelo representa o eixo das ordenadas
(vertical), o azul o eixo das abcissas (horizontal) e o vermelho o eixo z, este que define
as coordenadas de profundidade de um determinado ponto. Assim, a junção desses
três eixos possibilita a forma tridimensional, esta que é aparente no mundo real.
Pensar de uma forma matemática para representar o tridimensional no bidimensional
na pintura é um dos desafios dos líderes do movimento5.

Os motivos que levaram Mondrian a se separar de Van Doesburg e Vantongerloo por


volta de 1925 estão, pois, muito além de uma simples disputa formal. Mondrian via a
introdução da linha diagonal no quadro, efetuada por Van Doesburg por volta dessa
data, e da linha curva acolhida por Georges Vantongerloo na escultura, não como

5
Sobre a utilização de elementos ortogonais, afirma Schoenmaekers: “Os dois opostos fundamentais
e completos que formam nossa Terra e tudo o que é dela são: a linha horizontal do poder, que é o
curso da Terra ao redor do Sol, e o movimento vertical, profundamente espacial, dos raios que se
originam no centro do Sol”. (DER LECK apud FRAMPTON, 2015, p. 172)
simples mudança de uma regra do neoplasticismo, mas como uma verdadeira volta as
forças arbitrárias das paixões, do individualismo, raiz de todos os males modernos. (DE
MICHELI, 2004, p. 250).

Sendo as cores primárias a base do círculo cromático e, portanto, a origem


das demais cores, elas são a escolha mais pura e inerente à mente humana. Se a
tentativa do programa do De Stijl é alcançar o transcendente, um dos processos será
alcançar a essência pura por meio da arte. E na arte, por meio das cores. A essência
somente poderá ser alcançada por meio da tentativa de distanciamento dos
fenômenos presentes na matéria. Da mesma maneira que Aristóteles procurará a
essência do movimento de todas as coisas (o motor imóvel, aquele que iniciou o
Movimento em Si), procurar-se-á a partir das cores fenomênicas a essência de todas
as cores. Com base em um recorte da realidade, no caso, as cores, seria possível se
aproximar da essência da Verdade.

As ideias sobre a questão da harmonia, da universalidade e a da


transcendência, bem como o método pelo qual elas seriam alcançadas foram
veiculados na revista De Stijl.

2.2 Destruição da tradição

No primeiro manifesto, os autores falam sobre a substituição da arte


considerada clássica por novas propostas. No sexto ponto afirma-se:

Os fundadores do Neoplasticismo exortam todos os que acreditam na reforma da arte


e da cultura a destruir as coisas que impedem os novos avanços, assim como na nova
arte plástica, ao eliminarem a restrição das formas naturais, puseram fim àquilo que
atravessa o caminho da expressão da arte pura, a consequência extrema de todos os
conceitos de arte (DOESBURG, et al. apud FRAMPTON, 2008, p. 171).

Quando os autores citam a restrição das formas naturais no manifesto,


estão se referindo ao paradigma tradicional da arte baseada na mímesis da natureza.
A partir do renascimento a arte europeia se baseará na imitação da natureza. Esse
modelo estético reinará no mundo da arte por séculos até o advento do
impressionismo, que foi o último movimento artístico que objetivava a imitação da
natureza. A forma figurativa típica da arte clássica foi repensada no De Stijl sob a
forma da abstração. Essa tentativa seria considerada como expressão da arte pura,
pois faz a arte se livrar das amarras do naturalismo e ainda do figurativismo. Em suma,
se trata da libertação de todo conteúdo em uma valorização da forma pura. Dessa
maneira, não são impostas barreiras do significado ao transcendente, procurando a
emancipação da matéria e direcionando para a busca da verdade.

Portanto, o cubismo para Mondrian foi um passo em direção ao abstracionismo,


uma vez que ele se localiza a meio caminho do realismo e da abstração. Analisando
sua trajetória pictórica verifica-se a evolução através das fases: naturalismo,
impressionismo, liberty, vangoghismo, fauvismo, cubismo e cubismo-abstrato, em um
sentido que vai do representacional ao abstrato (cf. DE MICHELI, 2004, p. 247).

O cubismo, devido a sua intenção figurativa, ainda não havia levado a


racionalidade às suas últimas consequências. A razão pura não pode ser expressa
por imagens representacionais, onde se identificam objetos particulares do mundo
material, pois por ser transcendente não se conhece sua forma clara. No cubismo,
ainda podemos identificar os elementos que formam o significado da imagem. Seria
preciso depurar ainda mais a realidade a fim de se aproximar ao máximo da expressão
do essencial. A investigação pautada na abstração geométrica foi o terreno onde o De
Stijl se desenvolveu.

Já em 1907, Mondrian tendia à abstração em suas pinturas de árvores e cenas naturais.


Em 1914, com a ajuda do Cubismo, ele havia conseguido simplificar a linguagem da
pintura a ponto de usar combinações de linhas verticais e horizontais, mas essas ainda
se referiam, esquematicamente, a fenômenos observados, como o mar, paisagens
planas ou árvores.(CURTIS, ANO,p. 152)

Seguem imagens que representam o desenvolvimento do representacional


ao abstrato na pintura de Piet Mondrian, iniciando pela representação das arvores até
que na depuração do objeto o conteúdo desapareça permanecendo apenas as formas
em sua abstração.
Figura 1: Piet Mondrian - Along the Amstel (1903) – óleo sobre cartão - 31 x 41 cm
- Gemeentemuseum Den Haag, Holanda

Figura 2: Piet Mondrian - Evening; Red Tree (1908–10) – óleo sobre tela - 70 × 99 cm -
Gemeentemuseum Den Haag, Holanda
Figura 3: Grey Tree (1911) Haags Gemeentemuseum, Hague

Figura 4: Composition No. 10 (1914)


Figura 5: Composition with Red, Yellow and Blue. (1921)

Em face ao Cubismo, Mondrian assumiu e foi definindo gradualmente uma postura


crítica contrária a Delaunay, de Duchamp, dos futuristas e de Chagall. O Cubismo é
racional, porém não o suficiente: não leva a racionalidade às últimas consequências,
da análise não passa à síntese. Entende a consciência em seus conteúdos cognitivos,
mas não a consciência em si, em sua essência. (ARGAN, 1992, p. 409)

O cubismo não levaria a racionalidade às últimas consequências. Da análise


não passa à síntese, isto é, consegue decompor a realidade em seus elementos
constitutivos, mas não consegue reunir os pedaços da realidade afim de obter uma
visão do todo. A concepção filosófica de análise se remete a uma abordagem do real
que almeja decompor um objeto em seus elementos constitutivos. Esses seriam a
matéria irredutível do qual não seria mais possível avançar na decomposição; a
etimologia da palavra átomo provém dessa indivisibilidade, uma vez que se unifica em
sua origem aquilo que é indivisível.

A concepção de síntese, trabalhada no trecho de Argan, se relaciona a ideia de


união de elementos distintos, mas que formariam um todo coeso. Segundo o autor, o
cubismo não conseguiria atingir essa síntese, apresentando o todo de uma realidade.
A pesar da tentativa de recortar o real, o cubismo sintético não consegue transmitir a
sensação de que aqueles elementos reproduzidos na figura formariam uma totalidade
coesa.
A pintura tardia de Mondrian aproximar-se-ia mais a completude de visão
de todo do que o cubismo de Picasso e Braque. A habilidade de compreender o todo
é uma faculdade própria da razão. É a razão que consegue ao observar elementos
separados reuni-los em um todo coeso. Observando uma pintura de Mondrian, como
Tableau I, é possível pelo menos compreendê-la como uma totalidade mais
organizada.

Levar a racionalidade às últimas consequências significa abstrair de todo


conteúdo material. Ela não tem nenhuma relação com o mundo da matéria. Ou seja,
não tem nada de figurativo. Por isso Mondrian só pode tentar representar essa ideia
por meio de uma imagem abstrata (que não existe realmente, a não ser no mundo das
ideias).

2.3 O De Stijl na Arquitetura

A arquitetura proposta pelo De Stijl buscará quebrar os paradigmas da


construção cúbica. Declara Theo van Doesburg:

A nova arquitetura é anticúbica; ou seja, ela não procura prender as várias células
espaciais dentro de um cubo fechado, mas atirar as células espaciais funcionais... para
longe do centro... para fora, assim, a altura, a largura, a profundidade + o tempo tendem
a uma expressão plástica completamente nova em um espaço aberto. Dessa forma, a
arquitetura adquire um aspecto mais ou menos flutuante, como se fossem obras contra
as forças gravitacionais da natureza. (VAN DOESBURG apud CURTIS, 2008, p. 149).

A nova arquitetura declarada por Theo van Doesburg buscará fugir das
limitações do cubo branco. Seria preciso compreender que a concepção espacial de
uma arquitetura cúbica estaria limitada pelas paredes retas de seus lados. A nova
concepção de espaço do De Stijl conduziria ao aspecto flutuante remetido por
Doesburg. Na arquitetura do De Stijl encontramos, dessa maneira, a tentativa de
trazer leveza à estrutura maciça, ao grande quadrado concretado; com paredes que
parecem flutuar no espaço, que mantém um equilíbrio dinâmico mesmo na assimetria,
a exemplo da pintura de Mondrian. Como exemplo, citamos a Casa Schröder (1923-
1924) como sendo provavelmente a primeira edificação a incorporar esse conceito,
englobando intenções formais, iconográficas e espaciais, inclusive a aplicação das
cores primárias. Nela, portanto, encontramos a tentativa de executar a concepção
transcendente do Neoplasticismo.
Figura 6: Residência Rietveld Schröder, de Gerrit Rietveld (1924).

2.4 Universalismo e Crise

Durante a terceira e última fase do movimento, Frampton discorre sobre os


limites da abordagem universalista:

Em meados da década de 1920, ele [Van Doesburg] se deu conta de que, em si


mesma, a universalidade só poderia produzir uma cultura artificialmente limitada que,
por sua aversão aos objetos do cotidiano, só tendia a voltar-se contra a preocupação
inicial do De Stijl – assumida inclusive por Mondrian – com a unificação de arte e vida.
(FRAMPTON, 2015, p. 175)

A busca de unificar arte e vida e, ao mesmo tempo, manter uma linguagem


universal se tornam antagônicas para o autor. Uma vez que a cultura em que se está
inserido é algo eminentemente histórico, particular, pensar em termos de
universalidade fatalmente conduzirá ao descarte das especificidades de cada local.
Assim, se tornaria insustentável uma proposta que não respeitasse as particularidades
de cada cultura. É contraditório que um movimento que em sua proposta sugeria a
união entre arte e vida, que a proposta de solução para a efetivação dessa união
utilizasse uma metodologia pronta e predeterminada que agisse de cima para baixo,
aplicando conceitos abstratos e universais sem interagir com as particularidades. A
vida em si é particular, pois trata-se da vida de um indivíduo.

O próprio individuo, em sua condição física, psicológica, histórica é único,


e como a cultura, não pode ser reduzido a uma regra universal. O universal reduz tudo
a um denominador comum. Traçando um paralelo com a matemática, podemos
observar que em frações com denominadores diferentes para podermos realizar
operações matemáticas necessitamos igualá-los, e é por meio do mínimo múltiplo em
comum, que iremos alcançar tal número que possibilite as operações. Assim também,
as formas essenciais são vistas como o mínimo comum em todos os seres humanos
e torná-las parte reinante da vida seria a tentativa inicial dos defensores do movimento
de promover a harmonia. Fundamentar a solução em princípios universais e abstratos
poria, portanto, a perder toda a complexidade e a historicidade das culturas locais. É
interessante notar como um pensamento que inicialmente refletia os valores do
movimento, ao ser repensado mais minuciosamente, se torna incoerente e, por ser
uma das bases do movimento, enfraquece o projeto em sua essência.

3 MÉTODOS

Esta é uma pesquisa de caráter bibliográfico que visa a utilização de livros


especializados, artigos e teses para a realização dos objetivos. Foram
contempladas ainda fontes documentais e análise de obras. O elo conceitual
buscado para a relação entre Arquitetura e Pintura foi a busca pela
transcendência. Em um primeiro momento, foram utilizadas como fontes
principais as obras de Kenneth Frampton e William Curtis.

4 CONCLUSÃO

O De Stijl, portanto, em sua arquitetura, busca os mesmos ideais que a


pintura neoplástica almejou. Dentre esses ideais, destacamos nesse trabalho a busca
pela transcendência, por meio da tentativa de desmaterialização do espaço, equilíbrio
entre universal e individual, a busca por uma harmonia baseada na assimetria
controlada, uso das formas geométricas simples e cores primárias. No caso desses
dois últimos, em uma tentativa de aproximar-se por meio da simplicidade a essência.
Na tentativa elementarista de depurar a realidade ao seu nível essencial.
REFERÊNCIAS

ARGAN, Giulio Carlo. Arte moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

CURTIS, W. Arquitetura Moderna Desde 1900. Trad. br. Alexandre Salvaterra. Porto
Alegre: Bookman, 2008.

DOESBURG, Theo van. The End or Art. In: BALJEU, Joost. Theo Van Doesburg.
New York: Macmillan Publishing Co, 1974.

DABNEY, Townsend.Historical Dictionary of Aesthetics. Oxford: The Scarecrow


Press, Inc., 2006.

FRAMPTON, Kenneth. História Crítica da Arquitetura Moderna. São Paulo: Martins


Fontes, 2015.

HILDE, Heynen. Architecture and Modernity – A Critique. Cambridge, MIT Press:


1999.

DE MICHELI, Mario. As Vanguardas Artísticas. Trad. br. Pier Luigi Cabra. 3ª Ed. São
Paulo: Martins Fontes, 2004.

REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: do humanismo a


Descartes. Vol. 3. São Paulo: Paulus, 2004.

TONNIES, Ferdinand. Comunity and Civil Society. Trad. Jose Harris and Margaret
Hollis. Cambridge University Press. Cambridge, 2001
APÊNDICE – LISTA DE FIGURAS

Piet Mondrian - Along the Amstel (1903) – óleo sobre cartão - 31 x 41 cm - Gemeentemuseum Den
Haag, Holanda
Piet Mondrian - Trees on the Gein: Moonrise (1908) Haags Gemeente Museum, The Hague
Piet Mondrian - Geinrust Farm in Watery Landscape (1905)
Piet Mondrian - Moulin au Soleil Rouge (1908)
Piet Mondrian - Evening; Red Tree (1908–10) – óleo sobre tela - 70 × 99 cm - Gemeentemuseum Den
Haag, Holanda

Piet Mondrian - View from the Dunes with Beach and Piers, Domburg (1909) – óleo e lapis sobre
cartão - Museum of Modern Art, New York City
Piet Mondrian - Grey Tree (1911) Haags Gemeentemuseum, Hague
Piet Mondrian - Flowing Apple Tree (1912)
Piet Mondrian - Still Life with Ginger Jar I (1911-1912) Haags Gemeentemuseum, Hague.

Piet Mondrian - Compositio No 9, Blue Façade (1913-1914) Foundation Beyler, Basel.


Piet Mondrian - Composition No. 10 (1914)

Piet Mondrian - Composition in Color A (1917) Rijksmuseum Kröller-Müller, Otterlo.


Piet Mondrian - Composition with Gray and Light Brown (1918) Museum of Fine Arts, Houston
Piet Mondrian- Composition with Red, Yellow and Blue. (1921)
Piet Mondrian - Composition with Red, Blue and Yellow (1930) Kunsthaus, Zurique.
Piet Mondrian - Broadway Boog-Woogie (1942-1943) Metropolitan Museu of Art, New York.
Piet Mondrian - Victory Boogie-Woogie (1943-1944) Coleção particular.

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