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i

Universidade Federal do Rio de Janeiro

Instituto de História

Programa de Pós-Graduação em História Social

A Formação de uma Nobreza Ultramarina:


Coroa e elites locais na Bahia seiscentista

Thiago Nascimento Krause

Orientador: João Luis Ribeiro Fragoso

Tese de doutoramento apresentada ao Curso de Doutorado do

Programa de Pós-graduação em História Social do Instituto de

História da UFRJ como parte dos requisitos necessários à obtenção

do título de doutor em História Social.

Linha de pesquisa: Sociedade e Política.

Rio de Janeiro, Abril de 2015

Versão Revisada
ii

Ficha Catalográfica

K91f Krause, Thiago Nascimento.

A Formação de uma Nobreza Ultramarina: Coroa e elites locais


na Bahia seiscentista / Thiago Nascimento Krause; orientador João Luis
Ribeiro Fragoso. – 2015.
412 f.

Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro,


Instituto de História, Programa de Pós-Graduação em História Social,
2015.
Bibliografia: f. 353-402.

1. Portugal – Brasil – Período colonial. 2. Império Português. 3.


Câmara Municipal. 4. Bahia - História. 5. Elites. 6. Política. I. Fragoso,
João Luis Ribeiro. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de
História. Programa de Pós-Graduação em História Social. III. Título.

CDD 981.03
iii

A Formação de uma Nobreza Ultramarina:


Coroa e elites locais na Bahia seiscentista

Thiago Nascimento Krause

Banca Examinadora:

____________________________________________________________

Orientador: Prof. Dr. João Luís Ribeiro Fragoso (PPGHIS/UFRJ)

____________________________________________________________

Prof. Dr. Nuno Gonçalo Pimenta de Freitas Monteiro (ICS)

____________________________________________________________

Prof. Dr. Ronald José Raminelli (PPGH/UFF)

____________________________________________________________

Prof. Dr. Pedro Luís Puntoni (PPGHS/USP)

____________________________________________________________

Prof. Dr. Antônio Carlos Jucá de Sampaio (PPGHIS/UFRJ)


iv

A meus pais,

por iluminarem o caminho.


v

A Formação de uma Nobreza Ultramarina:


Coroa e elites locais na Bahia seiscentista

Thiago Nascimento Krause

Resumo
Esta pesquisa procura investigar dois processos: a formação e consolidação de uma elite
local e a relação do poder local com a monarquia e sua administração periférica, na
tentativa de destacar a profunda conexão entre esses dois desenvolvimentos. A área
escolhida para estudo é a Bahia no século XVII, em razão de sua crescente importância
dentro do mundo português ao longo do século, mas sempre em perspectiva comparativa,
colocando-a dentro de um quadro atlântico. Para isso analisou-se o desenvolvimento
econômico da capitania, as especificidades de sua sociedade escravista, as características
individuais e familiares dos membros da elite, suas formas de auto-identificação e sua
relação com os governadores-gerais e a Coroa. As fontes utilizadas foram diversificadas,
embora majoritariamente de natureza administrativa, e organizadas em diferentes bancos
de dados. Procurou-se destacar o contínuo processo de “fazer-se” da elite nessas diversas
dimensões, assim como a forte interdependência entre Coroa e elites.

Palavras-chave: Nobreza; Política; Monarquia; Império; Século XVII.


vi

The Making of an Overseas Nobility:


the monarchy and local elites in seventeenth-century Bahia

Abstract
This dissertation explores two processes: the formation and consolidation of a local elite
and the relationship between local power, the monarchy, and its peripheral administration
in order to highlight the deep connection between these two developments. The focus of
this study is on seventeenth-century Bahia, which was never as important to the
Portuguese Empire as at that moment. Nevertheless, comparisons were made whenever
possible, putting the Bahian case within a broader Atlantic framework. The themes
addressed are the economic development of the captaincy, the characteristics of this slave
society and its leading members (both as individuals and as members of their families),
the self-presentation of the elite, and its relationship with governors-general and the
Crown. Although mostly of an administrative nature, various primary sources were used
and organized in different data sets. The main goal was to emphasize the long and
multidimensional making of the elite as well as the strong interdependence between the
monarchy and local elites.
Keywords: Nobility; Politics; Monarchy; Empire; Seventeenth-Century.
vii

Agradecimentos
Escrever uma tese é extenuante, mas agradecer é libertador – não só pelo alívio
de haver chegado ao final, mas porque finalmente podemos reconhecer as muitas dívidas
que acumulamos, ainda que jamais possamos saldá-las. Um muito obrigado, então, a
todos que contribuíram para essa tese.
A Mariana, que esteve comigo em cada passo da jornada e me ajudou de tantas
formas que listá-las tomaria outras centenas de páginas. Ela leu e ouviu muito mais sobre
a Bahia seiscentista do que gostaria, transcreveu centenas de páginas de garranchos
quatrocentões, sugeriu melhorias, criticou partes confusas e argumentações frágeis, me
apoiou, me acalmou e, principalmente, não me deixou esquecer que há coisas muito mais
importantes na vida do que um doutorado. A tese, mas principalmente eu, estaríamos
muito piores sem você.
A minha mãe, por sempre fazer as perguntas incômodas que me obrigam a pensar,
tornando-me uma pessoa melhor. A meu pai, por todos os tipos de apoio, inclusive
revisando este calhamaço. Aos dois, que, de maneiras diferentes, serviram de modelo para
minha vida, e por isso dedico-lhes a tese. A Gisele, Adriana, Maristela, Liberato, Paulo
César, Meyriane e demais familiares, por me ajudarem muito mais do que imaginam. Aos
meus amigos, pelos momentos de descontração, e minhas desculpas pelos sumiços.
Ao João, que desbravou vários dos caminhos aqui perseguidos, mas deixou-me
livre para segui-los, ajudando-me muito além de suas obrigações como orientador. Ao
Ronald, pela interlocução constante e pelo exemplo de erudição, estimulando-me a olhar
para as outras Américas. Ao Guedes e ao Jucá, pelas críticas incisivas e cervejas
divertidas – pena que não foram mais! Ao Tiago, pelas sugestões, comentários,
companhia em Paris e expert ajuda cartográfica. Ao Pedro, não só pelas valiosas
indicações bibliográficas, mas pelo convite de escrevermos um artigo a quatro mãos,
experiência que muito me ensinou. A Nuno Monteiro, pelos generosos questionamentos
e pela recepção em Lisboa. Ao Embaixador Evaldo Cabral de Mello, pelas críticas a um
capítulo que influenciaram decisivamente o rumo da tese, assim como pela leitura do
trabalho final, apontando rotas a serem seguidas no futuro. A Fernanda Bicalho, pelo
incentivo e pela cuidadosa leitura dos quatro primeiros capítulos. A Jean-Frédéric
Schaub, por me estimular a pensar melhor no que fazia dessa tese uma tese. A ele, mas
também a Cláudia Damasceno e João Pedro Gomes, pela excelente acolhida em Paris. Ao
Zé, pela amizade, críticas e sugestões. Ao Leo, pelos livros, artigos e partidas de xadrez.
viii

A todos os demais que leram versões preliminares dos capítulos e/ou ouviram
apresentações em eventos, oferecendo críticas e sugestões: Francisco, Carla, Marcello e
todos do grupo de pesquisa Antigo Regime nos Trópicos; Renato Franco, Chris Ebert,
George Cabral, Pablo Magalhães, Rodrigo Ricupero, Renato Silva, Jonis Freire, Roberta
Stumpf, Marta Lobo de Araújo, Francisco Eduardo de Andrade, Antônio Castro Nunes,
Paulo Pachá, Mário Jorge, Silvia Patuzzi, Carlos Kelmer, Carlos Gabriel, Guilherme
Neves, Adriana Dantas Reis Alves, Letícia Ferreira e os pareceristas anônimos da Afro-
Ásia, Revista de História (USP), e, principalmente, Anais de História do Além-Mar, que
aceitaram para publicação versões iniciais dos capítulos II, IV e VII, respectivamente.
Aos que generosamente me forneceram fontes ou bibliografia de difícil acesso:
Luciano Figueiredo, Erivaldo Fagundes Neves, Mafalda Soares da Cunha, Zeca
Villardaga, Wilmar Vianna, Enrique Rodrigues-Moura, Caio Adan, Anil Mukerjee,
Marcello Loureiro, Guida Marques, William Martins, Marta Lobo de Araújo, Daniela
Bonfim, Fernando Dores Costa e Suzana Severs. Ao Urano, pelas inestimáveis
reproduções digitais dos documentos soteropolitanos. A Rafael, Rosara, Nayara, Raquel
e Jerônimo pela ajuda na transcrição de documentos e preenchimento de bases de dados.
Aos meus professores: Jucá, João, Cacilda Machado e Carlos Fico no PPGHIS/UFRJ;
Jean-Paul Zuñiga, Cécile Vidal e Catarina Madeira dos Santos, dentre outros, na EHESS.
Aos meus alunos, pois tenho certeza que mais aprendi do que ensinei. Aos funcionários
de todos os arquivos e bibliotecas nos quais pesquisei. A Marcello e Simone pelas dicas
parisienses e sobre o sanduíche. Ao PPGHIS/UFRJ, representado por sua coordenadora,
Mônica Grin, e pela sempre eficiente e simpática Sandra, pelo suporte institucional. Ao
CNPq e à CAPES, cujo apoio financeiro possibilitou à pesquisa.
Por último, aos professores Nuno Monteiro, Ronald Raminelli, Pedro Puntoni e
Antônio Carlos Jucá pelas argutas e generosas arguições na defesa da tese, ainda que eu
só vá dar conta de muitas das críticas e sugestões no futuro, espero que não muito distante.
ix

Sumário
Abreviaturas .................................................................................... 1

Introdução ........................................................................................ 3

Capítulo I – Uma Cidade Atlântica ............................................... 9


A Baía e a Cidade ............................................................................................ 9
Do Recôncavo ao Açúcar... e mais além ....................................................... 14
Empório de todas as riquezas ........................................................................ 32
Metrópole do Brasil ....................................................................................... 40

Capítulo II – Compadrio e Escravidão ....................................... 47


Introdução ...................................................................................................... 47
Vislumbres de uma sociedade escravista ...................................................... 49
Parentesco espiritual e relações sociais ......................................................... 62
Conclusão? .................................................................................................... 72

Capítulo III – Homens Bons, Homens de Bens .......................... 74


Introdução ...................................................................................................... 74
A Base de Dados e Seus Limites ................................................................... 79
Abertura e Fechamento: mudanças e permanências ...................................... 85
Uma barreira porosa: a pureza de sangue ...................................................... 97
Família e Poder ............................................................................................ 103
Casando-se com Deus ................................................................................. 135
Classe e Estamento ...................................................................................... 140

Capítulo IV – De Homens da Governança à Primeira Nobreza:


vocabulário social e transformações estamentais.......................... 152
Introdução .................................................................................................... 152
Antecedentes: principais e cidadãos? .......................................................... 156
Homens Bons, Homens da Governança ...................................................... 158
Os Três Estados da República ..................................................................... 160
A Ascensão da Nobreza? ............................................................................. 163
Os Privilégios da Nobreza Baiana ............................................................... 170
Nobreza e Povo ........................................................................................... 174
x

Comparações ............................................................................................... 177


Conclusão .................................................................................................... 179

Capítulo V – Guerra e Poder Local: elites e governadores em


defesa da Bahia (1625-1654) ........................................................ 182
Introdução .................................................................................................... 182
Antes dos Flamengos................................................................................... 183
A Idade de Ferro (1625-54): pagar a infantaria e defender o Brasil ........... 186
Conclusão .................................................................................................... 217

Capítulo VI – Pela Quietação dos Povos: elites e governadores em


busca do consenso (1654-1694) .................................................... 221
Sob a Sombra da Guerra (1654-70) ............................................................. 221
Tempos de Paz (1671-94)? .......................................................................... 251
Conclusão .................................................................................................... 282

Capítulo VII – Do Coração do Estado do Brasil à Cabeça do


Império: dinâmica e temas da comunicação política ................... 287
Introdução .................................................................................................... 287
Um interlocutor preferencial ....................................................................... 290
“Temos escrito muitas e repetidas vezes a Vossa Majestade” .................... 294
O Que Escrever Quer Dizer: temas da correspondência camarária ............ 302
Conclusão .................................................................................................... 340

Conclusões .................................................................................... 344

Bibliografia................................................................................... 353
Fontes Manuscritas ...................................................................................... 353
Fontes Impressas ......................................................................................... 356
Bibliografia .................................................................................................. 362
1

Abreviaturas

“Liberdade e limitação” – ALBUQUERQUE, Maria Isabel de. “Liberdade e


limitação dos engenhos d’açúcar”. Anais do Primeiro Congresso de História da Bahia.
Salvador, 1950, vol. II, pp. 491-9.
ABN – Anais da Biblioteca Nacional.
AC – Documentos Históricos do Arquivo Municipal: Atas da Câmara. Salvador:
Prefeitura Municipal, 6 vols. (1625-1700), 1950.
AHMS – Arquivo Histórico Municipal de Salvador.
AHU – Arquivo Histórico Ultramarino.
ANRJ – Arquivo Nacional do Rio de Janeiro.
ASCMS – Arquivo da Santa Casa de Misericórdia de Salvador.
AUC – Arquivo da Universidade de Coimbra.
BNP – Biblioteca Nacional de Portugal.
BPA – Biblioteca Pública da Ajuda.
BPE – Biblioteca Pública de Évora.
CCA – Coleção Conde dos Arcos.
CCLP – SILVA, José Justino de Andrade e. Collecção Chronológica da Legislação
Portugueza. Lisboa: Imprensa de J. J. A. Silva, 1854-9, 11 vols.
CCT – SALVADO, João Paulo & MIRANDA, Susana Münch (eds.). Cartas do 1º
Conde da Torre. Lisboa: CNCDP, 2001-2002, 4 vols.
CG – CALMON, Pedro (ed.). Introdução e notas ao Catálogo Genealógico das
Principais Famílias de Jaboatão. Salvador: Empresa Gráfica da Bahia, 1985, 2 vols.
COA – Chancelaria da Ordem de Avis.
COC – Chancelaria da Ordem de Cristo.
COS – Chancelaria da Ordem de Santiago.
CP – Cadernos do Promotor.
CS – Documentos Históricos do Arquivo Municipal: Cartas do Senado. Salvador:
Prefeitura Municipal, 6 vols. (1638-1730), 1951-84.
DH – Documentos Históricos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro: Rio de
Janeiro: Biblioteca Nacional, 1928-55, 110 volumes.
HAHR – The Hispanic American Historical Review.
2

HOA – Habilitação da Ordem de Avis.


HOC – Habilitação da Ordem de Cristo.
HOS – Habilitação da Ordem de Santiago.
IAN/TT – Instituto dos Arquivos Nacionais Torre do Tombo.
IL – Inquisição de Lisboa.
Irmãos - ESTEVES, Neuza Rodrigues (ed.). Catálogo dos irmãos da Santa Casa de
Misericórdia da Bahia: século XVII. Salvador: Santa Casa de Misericórdia da Bahia, 1977.
LF – Luiza da Fonseca.
PG – Provisões do Governo.
PGS – Provisões do Governo e Senado.
PR – Provisões Reais.
PS – Provisões do Senado.
RGM – Registro Geral de Mercês.
RIHGB – Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
TSO – Tribunal do Santo Ofício.
UP – University Press.
3

Introdução

A cada canto um grande conselheiro,


que nos quer governar cabana, e vinha,
não sabem governar sua cozinha,
e podem governar o mundo inteiro.

Em cada porta um frequentado olheiro,


que a vida do vizinho, e da vizinha
pesquisa, escuta, espreita, e esquadrinha,
para a levar à Praça, e ao Terreiro.

Muitos mulatos desavergonhados,


trazidos pelos pés os homens nobres,
posta nas palmas toda a picardia.

Estupendas usuras nos mercados,


todos, os que não furtam, muito pobres,
e eis aqui a cidade da Bahia.

Gregório de Matos e Guerra (1636-95), À Cidade da Bahia.

O século XVII, entendido como o período que vai do fim da conquista do litoral e início
da resistência contra os neerlandeses até a descoberta do ouro no centro-sul, foi um período
crucial na formação das elites brasílicas, como primeiro mostrou Evaldo Cabral de Mello em
seu estudo sobre a constituição de uma “nobreza da terra” em Pernambuco, capaz de controlar
o poder local por décadas após a restauração da capitania1. Posteriormente, os trabalhos de João
Fragoso revelaram a consolidação e persistência de um grupo similar no Rio de Janeiro – o que,
apesar das diferenças, sugeria a generalidade do fenômeno na América Portuguesa2.
Conhecemos, porém, muito menos sobre as demais capitanias, apesar dos avanços nos
últimos anos, inclusive porque o século XVII tem recebido menos atenção historiográfica do
que períodos posteriores. A Bahia tornou-se a mais rica capitania do Estado do Brasil a partir
de 1630, após a invasão de Pernambuco pela Companhia das Índias Ocidentais (WIC) e, na
segunda metade do século, alcançaria o posto de mais importante possessão ultramarina do
império lusitano. Como capital da América Portuguesa, ela nos oferece um ponto de vista

1
MELLO, Evaldo Cabral de. Rubro Veio: o imaginário da restauração pernambucana. São Paulo: Alameda, 2008
[1986], 3ª ed. rev., pp. 89-180 e id. A fronda dos mazombos: nobres contra mascates, Pernambuco, 1666-1715.
São Paulo: 34, 2003 [1995], 2ª ed.
2
Veja-se, por todos, FRAGOSO, João. “Nobreza principal da terra nas repúblicas de Antigo Regime nos trópicos
de base escravista e açucareira: Rio de Janeiro, século XVII a meados do século XVIII” in: id. & GOUVÊA,
Fátima (orgs.). O Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014, vol. III (1720-1821), pp. 159-240.
4

privilegiado para o estudo da relação política entre a monarquia portuguesa e suas conquistas
em um período turbulento, de inauguração e consolidação de uma nova dinastia e de viragem
atlântica do império. Assim, essa tese abarca o período que vai de 1625, quando a invasão da
WIC inaugura novos desafios que alteram a relação entre a monarquia e seus vassalos na
América, até cerca de 1700, quando a descoberta do ouro no centro-sul começa a produzir
transformações significativas na estrutura econômica do império lusitano e, consequentemente,
em suas prioridades políticas.
Sabe-se o suficiente sobre as especificidades regionais da América Portuguesa para se
desconfiar de uma perspectiva generalizante a partir de uma única área. Entretanto, “os
historiadores não estudam as aldeias, eles estudam em aldeias”3. Ainda que a constituição da
elite baiana e sua relação com a Coroa sejam temas relevantes por si só – ao menos da
perspectiva de alguém que já dedicou alguns anos a tal investigação – por suprirem uma lacuna
historiográfica substancial, seu significado é ampliado se colocado em uma perspectiva mais
expandida. Em primeiro lugar, em comparação com as demais capitanias do Brasil, mas
também com o mundo português, como se tem percebido na historiografia sobre o período
colonial dos últimos 15 anos. Em outras historiografias também se tem discutido a necessidade
de romper a barreira que a categoria colonial impõe, permitindo-nos perceber as semelhanças e
continuidades entre processos que se desenrolaram nas duas margens do Atlântico, por vezes
de forma quase simultânea – ainda que não se deva, é claro, esquecer as diferenças4.
Nesse sentido, é esclarecedor atentarmos para fenômenos similares em outras
monarquias, não só no Novo mas também no Velho Mundo, pois os desafios enfrentados na
afirmação da autoridade régia, fiscalidade, defesa e relação com as elites locais podiam ser
surpreendentemente parecidos. Assim, esse é um estudo sobre a Bahia seiscentista do ponto de
vista de sua elite local, mas inserido em um panorama mais amplo de formação das monarquias
imperiais da Europa e de suas elites provinciais, sem as quais é impossível compreender o
centro político, fosse este Londres, Madri ou Lisboa – ainda que em graus distintos5.

3
LEVI, Giovanni. “Sobre a micro-história” in: BURKE, Peter (org.). A Escrita da História: novas perspectivas.
São Paulo: EdUNESP, 1992 [1991], p. 138, parafraseando GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas (trad.).
Rio de Janeiro: LTC, 1989 [1973], p. 16.
4
FRAGOSO, João; BICALHO, Fernanda & GOUVÊA, Fátima (orgs.). O Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica
imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001; SCHAUB, Jean-Frédéric.
“La catégorie ‘études coloniales’ est-elle indispensable?”. Annales HSS, ano 63, vol. 3, 2008, pp. 625-46 e, como
boa síntese da Atlantic History anglo-saxônica, ARMITAGE, David & BRADDICK, Michael (eds.). The British
Atlantic World, 1500-1800. Nova York: Palgrave Macmillan, 2002.
5
GIL PUJOL, Xavier. “Centralismo e Localismo? Sobre as Relações Políticas e Culturais entre Capital e
Territórios nas Monarquias Européias dos Séculos XVI e XVII”. Penélope, n. 6, 1991, pp. 119-44; ELLIOTT,
John. “A Europe of Composite Monarchies”. Past and Present, n. 137, 1992, pp. 48-71; GREENE, Jack.
“Negotiated authorities: the problem of governance in the extended polities of the Early Modern Atlantic World”
5

Essa é uma tese de história política, lidando majoritariamente com instituições: a


Câmara Municipal soteropolitana, o governo-geral, o Conselho Ultramarino e a Coroa.
Entretanto, a política institucionalizada estava longe de ser a única forma de exercício do poder,
e ainda mais de ocorrer isoladamente de desenvolvimentos usualmente categorizados pelos
historiadores em outras esferas, como economia, ideologia e, principalmente, relações sociais.
Consequentemente, intentou-se realizar uma história social do poder através da análise por
diversos ângulos das experiências da elite baiana, e das múltiplas relações de poder por ela
estabelecidas em seu processo de consolidação como grupo dominante local. Esse estudo
debruça-se, então, sobre a prática cotidiana, fazendo-se referência às concepções teóricas da
época na medida em que ajudam a explicar as ações dos atores6.
Os temas centrais desse trabalho são a consolidação de uma elite local e sua relação com
a monarquia, dois processos inseparáveis, como se procurará demonstrar. Seu título é uma
referência ao trabalho de E. P. Thompson, cujo livro seminal demonstrou o quanto o processo
de formação de uma classe é resultado tanto da ação ativa e coletiva de seus membros em
relação com outros grupos sociais e instituições quanto dos constrangimentos que lhe são
postos, destacando também a importância das concepções dos agentes para explicar sua
mobilização7. É de se notar, porém, que a coletividade aqui investigada não era exatamente uma
classe, embora o conceito tenha sua relevância, como se verá adiante, e que o tema central da
tese não é a relação entre classes distintas, mas sim entre a elite baiana e a Coroa. Apesar dessas
importantes diferenças, a inspiração vem daí, e é preciso reconhece-la.
Para além das questões historiográficas centrais brevemente expostas acima, meu
interesse pelo tema é motivado por uma questão de longa duração: a percepção de que a relação
entre o poder central e os poderes locais foi essencial por longos séculos para a construção da
autoridade de ambos os polos, contribuindo decisivamente para a reprodução de agudas
desigualdades políticas e sociais, numa dinâmica duradoura, ainda que em permanente
recriação8. Não há, evidentemente, qualquer intenção em se estabelecer uma linha direta entre

in: id. Negotiated Authorities: essays in colonial political and constitutional history. Charlottesville: University of
Virginia Press, 1994, pp. 1-24; BRADDICK, Michael. State Formation in Early Modern England, c. 1550-1700.
Cambridge: Cambridge UP, 2000; YUN CASALILLA, Bartolomé. “Entre el imperio colonial y la monarquía
compuesta. Élites y territórios en la Monarquía Hispánica (ss. XVI y XVII)” in: id. (dir.). Las Redes del Império:
élites sociales en la articulación de la monarquía hispânica, 1492-1714. Madri: Marcial Pons, 2008, pp. 11-35.
6
RUIZ IBAÑEZ, José Javier. “A Constituição implícita factual: uma proposta de análise da administração no
Antigo Regime” (trad.). Penélope, n. 16, 1995 [1994], pp. 125-49.
7
THOMPSON, E. P. A formação da classe operária inglesa (trad.). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987 [1963], 3
vols., que serviu de inspiração para AMELANG, James. Honored Citizens of Barcelona: patrician culture and
class relations, 1490-1714. Princeton: Princeton University Press, 1986.
8
Cf. DOLHNIKOFF, Miriam. O pacto imperial: origens do federalismo no Brasil. São Paulo: Globo, 2005;
GOUVÊA, Fátima. O império das províncias: Rio de Janeiro, 1822-1889. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
6

o século XVII e o presente, apenas o desejo de explicitar o quanto preocupações políticas


contemporâneas influenciaram a escolha do objeto e, em alguma medida, as indagações que
guiaram a pesquisa.
A tese está dividida em sete capítulos de tamanhos desiguais, em grande medida em
razão da irregular disponibilidade de fontes primárias apropriadas para cada tema. Devido à
diversidade dos assuntos tratados, optou-se por realizar referências às distintas historiografias
relevantes em cada uma das seções, para melhor esclarecer os argumentos apresentados.
No primeiro capítulo, apresento um panorama do contexto econômico e institucional da
Bahia, analisando suas transformações ao longo do século, com o objetivo de demonstrar a
ascensão da capitania a uma posição de destaque no império português, especialmente em
termos demográficos e econômicos. Nesse sentido, se procurará contrariar as tradicionais
afirmativas sobre uma crise ou estagnação em finais do seiscentos a partir de um novo exame
de dados aportados por pesquisas recentes mas ainda não analisados em conjunto, enfatizando-
se o considerável dinamismo da capitania ao longo da maior parte do período, apesar das
eventuais crises.
Em seguida, analisarei a sociedade escravista em consolidação na região através dos
fragmentados e escassos registros paroquiais sobreviventes. O objetivo é destacar as
especificidades da escravidão seiscentista, distinguindo-a das suas facetas mais conhecidas nos
séculos XVIII e XIX e situando-a em um contexto atlântico mais amplo. Aspectos importantes
da análise são o reduzido papel da alforria e consequente raridade dos livres de cor, ainda que
estes tenham crescido ligeiramente ao longo da centúria e o papel do compadrio na relação entre
livres e cativos, especialmente entre livres pobres e escravos de potentados, o que pode ter
funcionado como uma forma de conectar os principais senhores à população livre mais ampla.
No terceiro capítulo finalmente se discutirá mais diretamente o grupo dominante da
Bahia, através de um estudo prosopográfico sobre a elite política residente, identificada a partir
da ocupação dos principais cargos de poder na capitania. Cabe notar que a noção de “elite” é
vaga, mesmo quando utilizada pelos cientistas sociais, tendo surgido principalmente para se

2008; MARTINS, Maria Fernanda. A Velha arte de governar: um estudo sobre política e elites a partir do Conselho
de Estado (1842-1889). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2007, principalmente pp. 185-204; CARVALHO, José
Murilo de. “Mandonismo, coronelismo, clientelismo: uma discussão conceitual”. Dados, vol. 40, n. 2, 1997, pp.
229-50; CARDOSO, Adalberto. A Construção da sociedade do trabalho no Brasil: uma investigação sobre a
persistência secular das desigualdades. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2010, pp. 85-247; HAGOPIAN, Frances.
Traditional Politics and Regime Change in Brazil. Cambridge: Cambridge UP, 1996; NOBRE, Marcos.
Imobilismo em movimento: da abertura democrática ao governo Dilma. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.
Apesar das diferenças de enfoque, é impossível não referir também FRAGOSO, João & FLORENTINO, Manolo.
O arcaísmo como projeto: sociedade agrária e elite mercantil em uma economia colonial tardia (Rio de Janeiro, c.
1790 – c. 1840). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001 [1993], 4ª ed. rev.
7

opor ao conceito de classe em sua acepção marxista9, de modo que será empregada aqui sem
maiores compromissos teóricos para referir aqueles que ocupam o topo da hierarquia social
local, a partir de critérios específicos ao caso em estudo, assim como a maioria dos historiadores
que a utilizaram10. Recorrendo a um diversificado corpus documental, procurarei demonstrar a
transformação do grupo ao longo do século, inicialmente marcado por uma considerável
abertura a forasteiros para, posteriormente, conhecer um predomínio de algumas famílias
principais – ainda que em níveis inferiores a outras municipalidades da monarquia portuguesa.
Enfatizarei, assim, o contínuo processo de ascensão social que marcou a formação dessa elite,
as estratégias familiares adotadas, o caráter esmagadoramente local do seu serviço à monarquia
e a predominância da açucarocracia nas posições de poder, caracterizando-a como uma classe,
capaz de se mobilizar em defesa de seus interesses. Seu desenvolvimento também justifica o
recorte adotado na tese, pois as principais parentelas começaram se formar na transição do
século XVI para o XVII, estabilizando-se na segunda metade da centúria, demonstrando
posteriormente uma significativa capacidade de sobrevivência.
Não era essa, porém, a principal forma de identificação da elite, que preferia se
representar como uma nobreza, como veremos no quarto capítulo. Através da análise do
discurso coletivo do grupo produzido por seus porta-voz institucional, a Câmara, demonstro
como a açucarocracia gradualmente se construiu como uma nobreza provincial através da
interação com a Coroa e sua administração periférica, afirmando-se como interlocutor principal
da monarquia e garantindo privilégios que fortaleciam seu domínio político local, de maneira
similar a processos que já haviam ocorrido décadas antes nas municipalidades do Reino.
Assim, esses dois capítulos procuraram demonstrar como a elite baiana se construiu
num modelo cada vez mais próximo das elites locais portuguesas, apesar de terem se constituído
mais tardiamente e com bases econômicas radicalmente distintas. Entretanto, se esse era o ideal
buscado, nunca foi plenamente alcançado, ainda que a distância tenha sido muito menor do que
usualmente se supõe, tanto porque a elite baiana alcançou uma significativa consolidação na
segunda metade do século quanto porque suas contrapartes europeias muitas vezes foram menos
estáveis e antigas do que geralmente se supõe.

9
HARTMANN, Michael. The Sociology of Elites (trad.). Londres: Routledge, 2007 [2004], pp. 1-60 e 106-7.
10
Cf., dentre outros, CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial [1980]. Teatro
das sombras: a política imperial [1988]. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, 4ª ed., pp. 51-62; STONE,
Lawrence & STONE, Jeanne C. Fawtier. An Open Elite? England, 1540-1880. Oxford: Oxford UP, 1986 [1984],
p. 8; MARTINS, A Velha arte, p. 28; HEINZ, Flávio. “O historiador e as elites – à guisa de introdução” in: id.
(org.). Por outra história das elites. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2006, pp. 8-9.
8

A outra questão central desse trabalho é o relacionamento com o centro político e seus
representantes, que será abordada de maneira mais sistemática na segunda parte da tese. No
quinto e no sexto capítulo (escritos como um só, mas divididos em razão de seu inesperado
crescimento) analiso o nem sempre cordial diálogo entre elite local e os governadores-gerais,
atentando especialmente para os donativos administrados pela Câmara, mas instituídos em
razão de iniciativas da Coroa e dos governadores. O ideal de governo baseava-se no consenso,
tanto de acordo com a teoria política quanto no discurso cotidiano, mas conflitos eram
inevitáveis. Entretanto, o gradual fortalecimento da elite política identificado nos capítulos
anteriores estimulou a concórdia, aproximando cada vez mais os governadores da nobreza
baiana, situação compreensível, em razão dos interesses comuns que os uniam.
Já o último capítulo tratará das relações diretas com a Coroa através da comunicação
política entre Câmara e o centro político, destacando o fortalecimento da relação após a
Aclamação do Duque de Bragança, tendência consolidada a partir da década de 1660,
garantindo a Salvador um papel político de destaque na monarquia portuguesa. Os donativos se
mantêm como questão política central, mas em diversos temas o diálogo é intenso,
evidenciando a imbricação entre os poderes local e central, profundamente interdependentes. A
conclusão, por sua vez, demonstrará a conexão entre todos os temas analisados ao longo da
tese, situando-os em uma perspectiva atlântica.
9

Capítulo I

Uma Cidade Atlântica

A Bahia é a cabeça do Estado do Brasil, e se considera não ter Sua Majestade da cidade de
Lisboa afora, outra praça de maior importância, assim pela quantidade de gente que tem,
como pelos seus cabedais, como também pelo seu negócio.
Informação do Estado do Brasil e suas necessidades, c. 1690, anônimo.

A Baía e a Cidade
O traço definidor da capitania era sua baía, “cujo porto é excelentíssimo, mui limpo de
baixos, e fundo, capaz de todas as embarcações”1, em uma localização geográfica favorável ao
comércio com a Europa, África e, em menor escala, outros pontos da costa leste da América do
Sul. Daí o nome da capitania que, se não pode ser considerado criativo, ao menos era adequado
– tanto que acabou por ser amplamente adotado para se referir à cidade, “chamada, por
antonomásia, Baía”2. No dizer superlativo do francês François Froger, “a Baía de Todos os
Santos é, talvez, uma das maiores, mais belas e mais cômodas baías do mundo, podendo abrigar
um número superior a 2 mil navios”3.
A urbe desenvolveu-se ao longo do século. Se o marinheiro francês Pyrard de Laval não
vai além de “a cidade é bem-construída e circundada por muralhas”, seu compatriota, o médico
Charles Dellon, demonstra mais entusiasmo 75 anos depois: “a cidade toda, compreendendo as
partes alta e baixa, é do tamanho de Lyon e, a meu ver, mais populosa. A cidade alta abriga
belas ruas, casas excelentes, igrejas magníficas, o palácio do governador e também a sede do
Parlamento [Tribunal da Relação], que é de um tamanho e de uma beleza pouco comuns”4.

1
MONTEIRO, Jacomé. “Relação da Província do Brasil” [1610] in: LEITE, Serafim. História da Companhia de
Jesus no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1945, vol. VIII, p. 404.
2
VIEIRA, Antônio. “Ânua da Província do Brasil” [1626] in: id. Cartas. Coordenação e notas João Lúcio de
Azevedo. São Paulo: Globo, 2008, vol. I, p. 39.
3
“François Froger” [1699, trad.] in: FRANÇA, Jean Marcel Carvalho (ed.). A construção do Brasil na literatura
de viagem dos séculos XVI, XVII e XVIII: antologia de textos, 1591-1808. Rio de Janeiro/São Paulo: José
Olympio/Unesp, 2012, p. 447.
4
“François Pyrard de Laval” [1619, trad.] e “Charles Dellon” [1688, trad.] in: FRANÇA (ed.), A construção do
Brasil, pp. 362 e 434.
10

Imagem 1: Retomada de São Salvador pelos espanhóis, 1625

Fonte: “Verovering van San Salvador door de Spanjaarden, 1625”, oficina de Frans Hogenberg,
1625-1627, Amsterdam, Rijsmuseum. Disponível em: https://www.rijksmuseum.nl/en/collection/RP-P-
OB-78.785-394 (consultado em: set. 2014).

Apesar do exagero da comparação (a cidade francesa contava com quase 100.000


habitantes à época5), que tal paralelo fosse concebível nos diz algo sobre o crescimento de
Salvador. De um lugarejo de 800 fogos em 1587, crescera um pouco para “mil e mais vizinhos
em 1610”, indicando um total superior a 6.000 moradores6. Na transição do século XVI para o
XVII, portanto, a Cidade da Bahia já ultrapassara o limiar de 4.000 habitantes que configuraria
uma “cidade propriamente dita” no Portugal continental quinhentista7. Continuaria, porém, a
ser muito menor que as principais cidades provinciais do Reino, como Porto, Évora, Coimbra,

5
FLOURY-BUCHALIN, Cécile. “Assainir et proteger le corps de la ville: l’émergence de la santé publique à
Lyon au XVIIe siècle”. Chrétiens et Sociétés, n. 15, 2008, p. 30.
6
SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado Descritivo do Brasil em 1587. Org. de Fernanda Trindade Luciani. São
Paulo: Hedra, 2010, p. 152; MONTEIRO, “Relação da Província do Brasil”, p. 404. Utilizei o coeficiente já
tradicional na historiografia brasileira, que iguala cada “fogo” ou “vizinho” a cinco moradores (razão presente no
censo eclesiástico baiano de 1706 e no fluminense de 1687), mas acrescento 25% a esse número para levar em
conta as crianças menores de sete anos e os índios e negros pagãos (como na paróquia da Candelária, no Rio de
Janeiro, que contava com 2.800 “pessoas de comunhão” e 3.500 almas). Arquivo da Cúria Municipal do Rio de
Janeiro, Série da Visita Pastoral, VP38: “Notícias do Bispado do Rio de Janeiro no ano de 1687”. Agradeço a João
Fragoso pela cessão deste interessante documento.
7
GODINHO, Vitorino Magalhães. A Estrutura da Antiga Sociedade Portuguesa. Lisboa: Arcádia, 1971, p. 26.
11

que girariam entre 14.000 e 10.000 pessoas em inícios do seiscentos, e menos populosa até
mesmo que algumas cidades do Algarve, como Faro, Tavira e Lagos8.
A partir de meados do XVII, porém, a Câmara repetidamente destaca o crescimento
demográfico da cidade, lançando mão desse argumento desde 1660 com o objetivo de ampliar
o número de ofícios.9 Para pedir mais lugares no Convento do Desterro (capítulo III), o Senado
afirma que a população triplicara entre 1664 e 171710. Tal cálculo é um tanto quanto exagerado,
mas o aumento demográfico foi notável: em 1681 o desembargador sindicante Sebastião
Cardoso de Sampaio estimava a população soteropolitana em 3.000 vizinhos11 (qualquer coisa
em torno de 18.000 habitantes) e, em 1706, um levantamento eclesiástico apontou 4.296 fogos
e 21.601 “almas de confissão”12, indicando uma população total em torno de 27.000, mais de
quatro vezes superior à existente um século antes. Se considerarmos que a proporção entre
livres e escravos não deve ter se alterado significativamente entre 1706 e 1718, para quando
possuímos o primeiro levantamento populacional mais preciso, a população escrava devia
representar metade do total, e certamente uma parcela crescente dos livres era composta por
forros e seus descendentes (como vimos na epígrafe de Gregório de Matos)13.
A título de comparação com o restante da América Portuguesa, a cidade do Rio de
Janeiro não passaria de “três a quatro mil almas” em 1672, menos de um terço da população de
Salvador em 1675-81, enquanto São Paulo não chegaria a 2.000 habitantes em 168714. Já Olinda
e Recife contavam, respectivamente, com 860 e 2450 fogos em 170115, não alcançando,
somadas, 80% da população soteropolitana de 1706. A capital do Estado da Índia, Goa, aparecia

8
SOARES, Sérgio Cunha. O Município de Coimbra da Restauração ao Pombalismo. Coimbra: CHSC, 2001, vol.
I: Geografia do Poder Municipal, p. 21; MAGALHÃES, Joaquim Romero. O Algarve Econômico, 1600-1773.
Lisboa: Estampa, 1993 [1988], p. 110.
9
AHU, Bahia, Luiza da Fonseca, cx. 15, doc. 1777.
10
CS, vol. VI, pp. 74-5.
11
AHU, Bahia, LF, cx. 24, doc. 2972. O mesmo número foi dado poucos anos antes por FREIRE, Francisco de
Brito. Nova Lusitânia: História da Guerra Brasílica. São Paulo: Beca, 2001 [1675], p. 67. Por esses anos, Juan
Lopes Sierra afirmou “que esta cidade cada dia vai em grande multiplicação de gente”: SCHWARTZ, Stuart &
PÉCORA, Alcir (orgs.). As excelências do governador: o panegírico fúnebre a d. Afonso Furtado, de Juan Lopes
Sierra (Bahia, 1676) (trad.). São Paulo: Companhia das Letras, 2002 [1979], p. 218.
12
ALMEIDA, Eduardo de Castro e. “Inventário dos documentos relativos ao Brasil existentes no Archivo de
Marinha e Ultramar” in: ABN, vol. 32, p. 131 (doc. 2010).
13
SCHWARTZ, Stuart. Segredos Internos: engenhos e escravos na sociedade colonial, 1550-1835 (trad.). São
Paulo: Companhia das Letras, 1988 [1985], p. 87; ALDEN, Dauril. “Price movements in Brazil before, during,
and after the gold boom, with special reference to the Salvador Market, 1670-1759” in: JOHNSON, Lyman &
TANDETER, Enrique (eds.). Essays on the price history of eighteenth-century Latin America. Albuquerque:
University of New Mexico Press, 1990, p. 363, nota 13, afirma que os dados foram colhidos em 1718, apesar da
datação de 1724 aceita por Schwartz.
14
CARRARA, Angelo. “A população do Brasil, 1570-1700: uma revisão historiográfica”. Tempo, vol. 20, 2014,
p. 11 (citação) e Arquivo da Cúria Municipal do Rio de Janeiro, Série da Visita Pastoral, VP38.
15
FEITLER, Bruno. Nas malhas da consciência: Igreja e Inquisição no Brasil, Nordeste, 1640-1750. São Paulo:
Alameda/Phoebus, 2007, pp. 47-8.
12

como um gigante em inícios do Seiscentos, com 75.000 pessoas (em sua maioria nativos), mas
em finais da centúria havia se reduzido a 20.000 em resultado da sua decadência econômica16.
Como em economias pré-industriais o crescimento tende a ocorrer mais pela agregação de
fatores de produção (terra e trabalhadores) do que por ganhos de produtividade e, por outro
lado, o aumento populacional tem uma relação direta com a capacidade econômica de sustentar
esse mercado, a demografia é um significativo sinal do avanço da Cidade da Bahia para a
posição de segunda mais importante do Império português ao longo do século XVII.
Embora essas estimativas certamente sejam imprecisas, elas permitem que tenhamos
uma noção da ordem de grandeza. Calcular taxas de crescimento é empreendimento ainda mais
temerário, mas nos auxilia a estabelecer comparações. Assim, as porcentagens apresentadas
nesse capítulo devem ser lidas com uma dose saudável de ceticismo, pois não passam de
indicadores muito aproximados. Tendo essas ressalvas em mente, podemos dizer que a
população soteropolitana aumentou cerca de 1.6% ao ano, taxa excepcional em comparação
com as existentes na Europa pré-industrial: no mesmo período, a população europeia cresceu
apenas 0,14% ao ano, e, em Portugal, as maiores urbes portuguesas mantiveram-se estagnadas,
dentro do contexto da crise demográfica mediterrânea seiscentista, especialmente aguda em
Portugal entre 1620-6517. Se nos voltarmos para o contexto atlântico, porém, é possível
encontrar regiões com desenvolvimento muito mais acelerado: o Caribe inglês cresceu de
14.000 para 128.000 entre 1640-1700 (3,8% ao ano), enquanto o Chesapeake passou de 8.000
para 98.000 no mesmo período (4,3% ao ano)18.
No império inglês, porém, não havia nenhuma cidade de tamanho comparável a
Salvador; já a América Espanhola contava com metrópoles muito maiores, como a Cidade do
México (c. 50.000 em 1599 e 100.000 em 1692), Potosí (c. 160.000 em 1610 e 70.000 em
1700), Lima (c. 25.000 em 1614 e 37.000 em 1700) e Quito (c. 15.570 em 1650 e 40.000 em

16
SOUZA, Teotónio de. Goa Medieval: a Cidade e o Interior no Século XVII. Lisboa: Estampa, 1993, p. 110.
17
DE VRIES, Jan. A Economia da Europa numa Época de Crise (1600-1750) [trad.]. Lisboa: Dom Quixote, 1991
[1976], pp. 16-25; PARKER, Geoffrey. Global Crisis: war, climate change and catastrophe in the seventeenth-
century. New Haven: Yale UP, 2013, pp. 77-110; WRIGHTSON, Keith. Earthly Necessities: economic lives in
Early Modern Britain. New Haven: Yale UP, 2000, p. 121; SERRÃO, José Vicente. “População e rede urbana nos
séculos XVI-XVIII” in: OLIVEIRA, César (dir.). História dos Municípios e do Poder Local (dos finais da Idade
Média à União Europeia). Lisboa: Círculo de Leitores, 1996, pp. 65-6 e RODRIGUES, Teresa Ferreira. “As
vicissitudes do povoamento nos séculos XVI e XVII” in: id. (coord.) História da População Portuguesa: das
longas permanências à conquista da modernidade. Porto: Afrontamento, 2009, pp. 175-196.
18
GALENSON, David W. “The Settlement and Growth of the Colonies: Population, Labor and Economic
Development” in: ENGERMAN, Stanley & GALLMAN, Robert (eds.). The Cambridge Economic History of the
United States. Cambridge: Cambridge UP, 1996, vol. I: The Colonial Era, p. 170.
13

1670)19. Com a exceção desta última, suas trajetórias demográficas foram bem menos brilhantes
do que a baiana – o que é parcialmente explicável pelo seu enorme tamanho já em inícios do
século. É bem possível também que a população de origem europeia de Salvador não fosse
muito inferior a de suas contrapartes nessas cidades hispano-americanas, já que o gigantismo
delas devia-se a sua imensa população indígena e mestiça: a Cidade do México, por exemplo,
não teria mais que 15.000 “espanhóis” no século XVII.
O crescimento demográfico das Américas Inglesa e Portuguesa devia-se ao caráter de
“fronteira aberta” do continente americano (graças ao despovoamento indígena causado por
doenças, guerras e catequização)20, que permitia o aumento da produção através da extensão do
território cultivado, estimulando a migração de europeus e o tráfico de africanos (já que a mão
de obra era o outro fator produtivo fundamental)21. Assim, no mundo português, o crescimento
baiano é notável, mas, da mesma maneira que Portugal em comparação com o Norte da Europa,
manteve-se significativamente atrás das possessões inglesas no Novo Mundo, e a baixa
densidade da população indígena impediu que alcançasse os números das áreas centrais
hispano-americanas.
Os dados para a capitania como um todo são ainda mais escassos. Fernão Cardim fala
em 10 ou 12.000 portugueses, 3.000 africanos e 8.000 indígenas na Bahia em 158522; o jovem
licenciado peruano António de León y Pinelo menciona mais de 10 mil portugueses e, talvez,
30 mil escravos (além de “infinitos índios”), mas certamente trata-se de um exagero de alguém
interessado em abrir oficialmente o comércio entre Buenos Aires e o Brasil23. A informação já
conhecida de Diogo do Campos Moreno de 3.000 brancos no Recôncavo em 1612 parece mais
confiável24. Considerando que a população total da Bahia devia rondar entre duas vezes e meia
(proporção utilizada por Gabriel Soares de Sousa em 1587) e três vezes (encontrada no censo
eclesiástico de 1718) a de Salvador, é possível estimar grosseiramente números em torno de

19
FERNÁNDEZ-ARMESTO, Felipe. “Latin America” in: CLARK, Peter (ed.). The Oxford Handbook of Cities
in World History. Oxford: Oxford UP, 2013, p. 374 e ELLIOTT, John. Empires of the Atlantic World: Britain and
Spain in America, 1492-1830. New Haven: Yale UP, 2007 [2006], p. 181.
20
Para a apropriação europeia das terras americanas, cf. GREER, Allan. ”Commons and Enclosure in the
Colonization of North America”. American Historical Review, vol. 117, n. 2, 2012, pp. 365-86.
21
Cf. BARICKMAN, B. J. Um contraponto baiano: açúcar, fumo, mandioca e escravidão no Recôncavo, 1780-
1860 (trad.). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003 [1998], pp. 165-209.
22
CARDIM, Fernão, “Información de la província del Brasil para nuestro Padre” [1585] in: MAURO, Frédéric
(ed.), Le Brésil au XVIIe siècle: documents inédits relatifs à l’atlantique portugais, Coimbra: Ed. da Universidade
de Coimbra, 1961 (separata de Brasília, XI), p. 139. Para outras estimativas para esse ano, cf. CARRARA, “A
população do Brasil”, p. 7.
23
Archivo General de Indias, Charcas 33 (Impresso solicitando licença para comércio por Buenos Aires, s/d,
anterior a 1616) - agradeço a José Carlos Vilardaga por generosamente me ceder essas informações.
24
Biblioteca Municipal do Porto, Manuscrito 126: Livro que dá Razão ao Estado do Brasil, f. 51 – há edições
modernas, mas, por comodidade, utilizei as imagens disponibilizadas no site do arquivo. Para outra estimativa
coeva idêntica, ver CARRARA, “A população do Brasil”, p. 9.
14

15.000 habitantes em 1610, 50.000 em 1681 e 80.000 em 170625 - o que, incidentalmente,


significa que a capitania era bastante urbanizada para os padrões da época moderna graças ao
tamanho de sua capital, numa proporção similar à Estremadura portuguesa 26. Novamente,
utilizando como base a proporção encontrada pelo censo de 1718, cerca de 60% da população
do Recôncavo devia ser escrava, estimativa reafirmada pela grande participação de mães
escravas nos registros paroquiais sobreviventes, como veremos no capítulo II.
Parece claro, portanto, apesar de dispormos de dados demográficos escassos para as
duas margens do Atlântico português no século XVII, que Salvador conhece um acelerado
crescimento e transforma-se em uma das maiores urbes do mundo ultramarino português,
ultrapassando a segunda cidade do reino, o Porto (cuja população urbana cai de algo em torno
de 20.000 em 1599 para cerca de 16.000 entre 1639 e 1688)27, e sendo superada apenas por
Lisboa. Como veremos no decorrer da tese, tal desenvolvimento demográfico é parte
fundamental da maturação da sociedade e elite baiana.

Do Recôncavo ao Açúcar... e mais além


A cidade da Bahia não existia, porém, em um vácuo: seu desenvolvimento era
indissociável, por um lado, do Recôncavo e, por outro, do Império português. Tratemos
primeiro do mais próximo antes de passarmos para o mais distante. Nas palavras nem um pouco
imparciais de Sebastião da Rocha Pita no início do setecentos, “o seu recôncavo é tão culto, e
povoado, que se lhe descrevêramos as fábricas e lhe numerarmos os vizinhos, gastaríamos
muitas páginas, e não poucos algarismos”28. Irrigado por rios e banhado pela baía, o Recôncavo
baiano ligava-se profundamente à cidade, geralmente não estando a mais de um dia de viagem
de distância – em grande medida graças à água, através da qual se fazia “todo o meneio destas
gentes”, no dizer de Diogo de Campos Moreno. Assim, a maior parte dos senhores de engenho
e lavradores viviam em suas propriedades, mas mantinham casas ou ao menos visitavam
frequentemente a cidade para fazer negócios, participar da política ou atuar nas irmandades
leigas mais prestigiosas.

25
Apesar de ligeiramente mais otimistas, minhas extrapolações são largamente inspiradas na excelente síntese de
CARRARA, “A população do Brasil”, p. 17. A informação de que as ordenanças reuniriam 20.000 homens em
1694 sugeriria uma população ainda maior para a capitania, pois esse número não inclui mulheres, crianças ou
escravos: DH, vol. 34, p. 169.
26
DE VRIES, Jan. European Urbanization, 1500-1800. Nova York: Routledge, 2007 [1984], p. 39; RODRIGUES,
“As vicissitudes do povoamento”, p. 193.
27
SILVA, Francisco Ribeiro da. O Porto e o seu termo (1580-1640). Os homens, as instituições e o poder. Porto:
Arquivo Histórico/Câmara Municipal, 1988, vol. I, pp. 92-103.
28
PITA, Sebastião da Rocha. História da América Portugueza, desde o anno de mil e quinhentos do seu
descobrimento, até o de mil e setecentos e vinte e quatro. Lisboa: Oficina de Joseph Antonio da Silva, 1730, p. 78.
15

As melhores terras, situadas na orla norte, foram tomadas pela cana, mas em todas as
partes do Recôncavo conviviam açúcar, tabaco e mandioca. Entretanto, a prioridade dada à
produção para exportação, especialmente na capitania onde “se faz[ia] o melhor açúcar de toda
a costa”, tendia a fazer com que a apropriação cartográfica do território se desse
majoritariamente através dos principais engenhos, destacados em todos os mapas da região29.
Tal abordagem justificava-se porque os engenhos de açúcar funcionavam não somente
como unidades de produção, mas também como núcleos populacionais, devido à grande
quantidade de pessoas a ele ligadas: escravos, assalariados, agregados e lavradores, muitos com
suas famílias; centros políticos, devido ao poder concedido pela posse da terra em sociedades
de Antigo Regime30; e até religiosos, por causa de suas capelas31. Ou, para usar as palavras de
um governador reinol, “qualquer desses engenhos parece povoação de uma vila, por suas
grandes máquinas, igrejas, casas nobres dos senhorios e capelães e as ordinárias dos criados e
lavradores”. No mesmo sentido, a açucarocracia baiana escrevera numa petição poucos anos
antes que “a experiência mostra que os engenhos são as povoações e vilas que fazem habitável
esta capitania e Estado, e que aonde os não há está quase despovoada. (...) Nesta capitania se
acham mais povoadores nas freguesias que tem mais engenhos; porque como constam de tantos
oficiais e pessoas para sua fábrica, e concorrem com eles os lavradores de cana e lenhas, compõe
cada engenho quase uma vila, e quantos mais engenhos se fizerem, tantos mais lugares haverá
destes”32. Consequentemente, construir um engenho e assumir o título de senhor implicava
muito mais do que um cálculo racional entre a possibilidade de lucros superiores e a certeza de
maiores despesas, tendo significados potenciais no status social, na preeminência política e até
nas oportunidades matrimoniais da família em questão.
Vistas em sequência, as imagens 2 e 3, abaixo, separadas por 24 anos de diferença, são
indicativas da continuidade desse processo de apropriação do território na primeira metade do
seiscentos, percebida através do aumento do número de engenhos relevantes o suficiente para
serem apontados em dois mapas, de resto, quase idênticos.

29
CARDIM, Fernão. “Narrativa epistolar de uma viagem e missão jesuítica...” [1ª carta, 1585] in: id. Tratados da
Terra e Gente do Brasil. Lisboa: CNCDP, 1997, p. 217. Para a melhor descrição do Recôncavo, cf. SCHWARTZ,
Segredos internos, pp. 77-94.
30
LEVI, Giovanni. “Economia camponesa e mercado da terra no Piemonte do Antigo Regime” [1990, trad.] in:
OLIVEIRA, Mônica Ribeiro de & ALMEIDA, Carla de Carvalho (eds.). Exercícios de micro-história. Rio de
Janeiro: FGV, 2009, p. 88.
31
Para a melhor análise desse complexo papel exercido pelos engenhos, cf. FRAGOSO, João. À Espera das Frotas:
micro-história tapuia e a nobreza principal da terra (Rio de Janeiro, c. 1600 – c. 1750). Tese de Titular. Rio de
Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2005, pp. 119-29.
32
FREIRE, Nova Lusitânia, p. 67 e AHU, Bahia, LF, cx. 16, doc. 1894, respectivamente.
16

Mapa 1: A Bahia de Todos os Santos, 1616.

Fonte: Biblioteca Municipal do Porto, Manuscrito 126: Livro que dá Razão ao Estado do Brasil,
f. 55.
Mapa 2: A Baýa de Todos os Santos, 1640
17

Fonte: IAN/TT, Coleção Cartográfica, n. 162: ALBERNAZ, João Teixeira. “Descrição de todo
o marítimo da terra de Santa Cruz chamado vulgarmente o Brasil”. Disponível em:
http://digitarq.arquivos.pt/viewer?id=4162623 (consultado em: set. 2014).

Tais representações só apontam, porém, os engenhos mais destacados, como os das


famílias Aragão (um em 1616, três em 1640) e Ulhoa (dois e três, respectivamente), parentelas
que analisaremos no capítulo III. Para o total, existem diversas estimativas, apresentadas no
quadro abaixo. Como já foi destacado pela historiografia, os elevados preços do açúcar no
mercado internacional e o acesso à mão de obra escrava indígena barata, assim como à terra
fértil e abundante, permitiram uma acelerada expansão entre 1560 e a década de 1580, um
período de crescimento lento ou estagnação (o que me parece mais provável) até 1609-12,
dependendo de qual estimativa nos fiemos mais, e um crescimento moderado até 1629,
sustentado pela difusão da moenda de três tambores verticais e prejudicado pela ocupação
neerlandesa de Salvador em 1624-5. É provável que esse lento avanço tenha continuado no
início da década de 1630, favorecido pela diminuição da produção pernambucana em razão da
invasão neerlandesa e, em alguma medida, pelo influxo de capital e escravos dos portugueses
retirados. Uma estimativa da produção açucareira a partir dos dízimos parece indicar que a
década de 1620 conheceu uma série de oscilações na produção, parcialmente pela diminuição
da demanda europeia e, principalmente, pelos ataques neerlandeses – o que explica a estagnação
da produção entre 1610 e 1632.

Quadro 1: engenhos na Bahia e produção de açúcar.


Ano Número Produção (toneladas)
1534-49 2
1553-7 1
1570 18
1583 36
1584 36*
1585 46
1589 50
1609 47
1610 63 4.410
1612 50
1629 80
18

1632 80 4.389**
1648 61
1663 69
1675 130
c. 1693-8*** 146 7.460
Fontes: SCHWARTZ, Segredos Internos, pp. 148-50; FRANÇA, Eduardo d’Oliveira.
“Engenhos, Colonização e Cristãos-Novos na Bahia Colonial”. Anais do IV Simpósio Nacional dos
Professores Universitários de História, 1969, p. 223; MORENO, Diogo de Campos. “Relação das
praças fortes do Brasil (1609)”. Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico
Pernambucano, vol. 57, 1984, pp. 215-6; AHU, Bahia, LF, cx. 14, doc. 1665.
* Mais quatro em construção.
** Retirando a produção correspondente a quatro engenhos de Ilhéus.
*** Considerando a data de redação da primeira parte de ANTONIL, André João. Cultura e
opulência do Brasil por suas drogas e minas. Introdução e comentário crítico por Andrée Mansuy Diniz
Silva. Lisboa: CNCDP, 2001 [1711], pp. 34-8.

Entre 1638 e 1648, porém, as incursões neerlandesas queimaram meia centena de


engenhos e prejudicaram seriamente a navegação, trazendo grandes prejuízos para o negócio
do açúcar, com 27 engenhos destruídos em 1640 e mais 22 ou 24 em 164833. É a guerra que
explica a diminuição do número de engenhos, mas, depois de uma lenta recuperação na década
de 1650 (crescimento de 1,5% ao ano), o início da década de 1660 conheceu um novo período
de efervescência na construção de fábricas, produzindo uma disputa que dividiu a açucarocracia
da capitania sobre a conveniência de se proibir a construção de novos engenhos no Recôncavo.
Em 8 de setembro de 1660 o juiz do povo e os mesteres de Salvador enviaram à Coroa
uma petição afirmando que a multiplicação de engenhos no Recôncavo os estava privando de
cana e lenha, gerando diversas falências, prejudicando o “serviço de Vossa Majestade e às
conveniências deste povo (que todo ele tem sua universal dependência dos engenhos)”, pois
estes sustentavam o comércio, a Coroa (através dos dízimos e das alfândegas) e a infantaria. O
papel sugere que a única solução seria a proibição da construção de engenhos perto de fábricas
em funcionamento, liberando a edificação de moendas somente no interior34. A solidez da
argumentação, o conhecimento da atividade açucareira e da situação de muitos senhores de
engenho sugerem, porém, que o autor pertencia à açucarocracia – como depois se provou ser o
caso, pois o autor do documento foi o secretário de Estado Bernardo Vieira Ravasco.
O provedor-mor Lourenço de Brito Correia (senhor de engenho e desafeto do secretário
– capítulos III e VI) reagiu contra o arbítrio, condenando-o, pois “quem diz Brasil diz açúcar e

33
CS, vol. I, pp. 12-4, AC, vol. I, p. 443; AHU, cód. 30, fls. 39v-40 e Bahia, LF, cx. 14, docs. 1660 e 1665.
34
“Carta do juis do povo e misteres desta cidade” in: MAURO (ed.), Documénts, pp. 289-301.
19

mais açúcar”. Seu sucessor (Antônio Lopes de Ulhoa, também senhor de engenho) manteve a
mesma linha, reunindo assinaturas de 108 pessoas principais contrárias à proibição (capítulo
III) e acusando Ravasco de ter forçado o juiz do povo analfabeto a assinar, pois seu engenho
nunca consegue o quanto de canas necessita e está devendo mais de 120.000 cruzados, “pelos
quais está executado no seu engenho e fazendas que tudo não valerá a metade que deve, parece
inventou também este requerimento para seu remédio que todos ficassem no mesmo estado que
ele está”. Seria exatamente graças à liberdade de construção de moendas que o Rio de Janeiro
“se fez maior e mais opulenta que todas as deste Estado que tem hoje 150 engenhos”35.
Ravasco treplicou, acusando Brito Correia de querer construir uma moenda, Ulhoa de
“sujeito pobríssimo” e seus apoiadores de se oporem à medida por também desejarem levantar
fábricas – o que provavelmente era verdade. Usa, então, o exemplo do Rio de Janeiro em sentido
oposto ao da argumentação de seus adversários, pois teria sido a multiplicação em breves anos
de 60-70 engenhos para 160-170 que ocasionara a ruína da capitania, comprovada pela
diminuição à metade dos dízimos da capitania. O contrato realmente sofrera uma perda brutal
de valor, pois entre 1649-58 girara entre 45.000 a 51.666 cruzados anuais, mas a partir de 1659-
60 passara a valer somente 23.416, patamar no qual se manteve até 168736.
As oscilações da economia açucareira fluminense indicam que o ritmo de aumento do
número de engenhos é uma espécie de espelho invertido do desenvolvimento baiano: o período
de maior crescimento no Rio de Janeiro deu-se na década de 1640, duplicando o número de
moendas, justamente a época de mais grave crise para a produção baiana e pernambucana, em
razão da guerra contra os neerlandeses, confirmando hipótese há tempos lançada por Evaldo
Cabral de Mello. Essa expansão acelerada deve ter funcionado como um grande incentivo para
a liderança fluminense na reconquista de Angola em 1648, pois tornou-se necessário obter um
imenso número de cativos para os novos engenhos. Assim, será exatamente a partir da
recuperação baiana na década de 1660 que diminuirá fortemente a taxa de crescimento do
número de engenhos fluminenses, pois a menor qualidade do açúcar carioca impossibilitava a
competição com o produto baiano, mais valorizado. Assim, apenas com outra crise na Bahia
em finais da década de 1680 o Rio de Janeiro conseguirá recuperar os níveis atingidos na década
de 165037. O Conselho Ultramarino tinha plena consciência dessa situação, pois escreveu ao

35
AHU, Bahia, LF, cx. 16, docs. 1862-3, 1865 e 1894; “Liberdade e limitação”, citações às pp. 492, 493 e 494.
36
AHU, Bahia, LF, cx. 16, doc. 1871; CARRARA, Angelo. Receitas e despesas da Real Fazenda no Brasil: século
XVII. Juiz de Fora: EDUFJF, 2009, p. 126.
37
ABREU, Maurício. Geografia Histórica do Rio de Janeiro (1502-1700). Rio de Janeiro: Andrea Jakobsson,
2011, vol. I, pp. 94-103; MELLO, Evaldo Cabral de. Olinda Restaurada: guerra e açúcar no Nordeste, 1630-1654.
Rio de Janeiro: Ed. 34, 2007 [1975], 3ª ed. rev., pp. 331-2; FRAGOSO, À Espera das frotas, p. 38; CARRARA,
Receitas e despesas, p. 117.
20

monarca que “só na folga destas [capitanias] comerciou a do Rio de Janeiro, e pelo tempo da
ocupação dos holandeses nas praças do norte por irem as frotas às do sul comerciar pela causa
referida, sendo a viagem mais dilatada e os açucares de menos”38.
Voltando ao debate sobre a proibição, os conselheiros penderam para o lado dos
“proibicionistas”, sugerindo que o vice-rei Conde de Óbidos reunisse as opiniões do provedor-
mor e da Câmara para decidir sobre o assunto. O monarca decidiu consultar o Conde, mas
manter para si a decisão final. Acionada pelo vice-rei, a Câmara em 1663 apoiou a proibição,
liderada pelo juiz Paulo Antunes Freire – o qual no ano anterior havia assinado a representação
contrária! O secretário de Estado conseguira atrair mais adeptos para sua causa. Satisfeito, o
Conselho procurou convencer o monarca a decretar uma proibição provisória de efeito
imediato, mas sem sucesso. Óbidos demorou quase dois anos para responder, mas quando o fez
escreveu em favor da proibição. Surpreendentemente, porém, o Conselho Ultramarino reverteu
sua posição, defendendo que fosse permitido aos vassalos construir engenhos onde bem
entendessem, no que talvez constituísse uma reação do injuriado tribunal contra o vice-rei, em
razão dos entreveros que os opuseram exatamente nesse período (capítulo VI)39.
O monarca não se manifestou, mas o tema voltou à pauta em 1669, quando Bernardo
Vieira Ravasco escreveu outro papel, mas dessa vez alistou em seu apoio 19 dos principais
senhores de engenho baianos, inclusive seis que haviam se oposto ao projeto de proibição sete
anos antes. O que suscitara a nova representação foi o início da construção de seis novos
engenhos à beira-mar, que competiriam por lenha e cana com os signatários. Os camaristas de
1665 (quatro deles senhores) encaminharam o papel ao governador, que o apoiou. O Conselho
Ultramarino retornou à sua posição original, favorável à limitação da construção de novos
engenhos, e Salvador Correia de Sá sugeriu que fosse estabelecida uma distância mínima de
duas léguas de distância dos novos engenhos para os antigos40. D. Pedro, porém, não tomou
decisão alguma, e o tema voltou a adormecer nos escaninhos do Conselho. Entretanto, em 1680
a Câmara de Salvador voltou à carga, liderada pelo juiz ordinário Rafael Soares França, senhor
de engenho que havia assinado o papel de 1669 – um de seus colegas havia servido nesse ano,
e outros três eram donos de moendas. O motivo do requerimento foi que, novamente, se estavam
“fundando e fazendo pela terra adentro muitos engenhos de açúcares juntos uns dos outros”, de
modo que era necessária uma provisão régia proibindo a construção de engenhos a menos de

38
AHU, cód. 16, fl. 171v.
39
DH, vol. 66, pp. 218-9. AHU, Bahia, LF, cx. 17, docs. 1951, 1980; cx. 18, doc. 2077; cód. 16, fl. 71v-72v, 101v
e 171v.
40
AHMS, PGS, 1660-77, fls. 164-170v; AHU, Bahia, LF, cx. 20, doc. 2366; cód. 16, doc. 393v.
21

uma légua de outro. Ao mesmo tempo, senhores de engenho prejudicados escreviam à Coroa
tentando conseguir provisões particulares nesse sentido, o que reforçava a argumentação da
Câmara. Contando com o apoio do mestre de campo general Roque da Costa Barreto e do
parecer positivo do procurador da Coroa, tanto o Conselho quanto o monarca se convenceram
da justiça da medida, e finalmente foi passada em 3 de novembro de 1681 a carta régia pedida
mais de vinte anos antes, proibindo a construção de fábricas a menos de meia légua de outras
já existentes, acatando a distância sugerida por Costa Barreto. As demandas continuaram nos
anos seguintes: ao menos cinco engenhos foram levantados até 1684, pois seus senhores
afirmavam que sua construção havia começado antes da proibição41.

Gráfico 1: preço ajustado do açúcar na Bahia, 1607-1699 (réis por arroba)


2500

2000

1500

1000

500

0
1600 1620 1640 1660 1680 1700 1720

Fonte: SCHWARTZ, Segredos Internos, pp. 400-1.

Esse debate demonstra os efeitos do acelerado aumento do número de fábricas da


capitania. O período entre 1663-75 conheceu um excepcional crescimento anual de 5,4% no
número de engenhos, taxa próxima ao “tempo dourado” entre 1570-90, baseado na escravidão

41
CS, vol. II, pp. 80-1 (citação); DH, vol. 88, pp. 209-11; CCLP, vol. 9, p. 364; AHU, Bahia, LF, cx. 25, docs.
3009-10, 3012-3 e 3015; cx. 26, docs. 3138-9 e 3231. Monsenhor Pizarro afirmou que a proibição foi renovada
em 6 de novembro de 1684, mas não encontrei essa carta régia: PIZARRO E ARAÚJO, José de Souza Azevedo.
Memórias Históricas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Typographia de Silva Porto, 1822, vol. 7, p. 96, nota 21.
22

indígena e na maior liberdade comercial42. Mesmo considerando que os novos engenhos


provavelmente eram menores, impressiona o vigor da economia açucareira numa conjuntura de
intensificação da fiscalidade, com a obrigação de contribuir para o donativo de Dote e Paz
(capítulo VI) e da “muito notória” seca e “esterilidade” de 1665, além de um surto de varíola
que teria causado a morte de mais de 5.000 cativos43. Esse desenvolvimento deve ter sido
facilitado porque várias das fábricas eram reconstruções de outras destruídas ou abandonadas,
mas a velocidade do crescimento é impressionante – assim como sua continuação, mesmo que
muito mais lentamente (apenas 0,5%) até o final do século, a despeito de todas as reclamações
da ruína da capitania emitidas pelos camaristas na década de 1680. Ao analisarmos a evolução
dos preços do açúcar durante o século XVII, o crescimento do número de engenhos torna-se
ainda mais surpreendente, já que entre 1610 e 1629, apesar dos preços excepcionalmente
baixos, o número de engenhos continuou a crescer, e os poucos dados entre 1662-75 não
indicam preços tão elevados que justifiquem a construção de um número recorde de fábricas –
nem a continuidade do movimento, mesmo que mais lentamente, após a queda dos preços na
transição para a queda seguinte. Não é possível, portanto, estabelecer uma correlação direta
entre o nível dos preços e a construção de engenhos, devido ao “crédito que imaginavam no
nome de senhor dele”, isto é, o prestígio e poder associados a essa posição44.

Gráfico 2: Preços dos escravos e do açúcar, 1620-1720.

42
RICUPERO, Rodrigo. “O Tempo Dourado do Brasil no final do século XVI” in: GARRIDO, Álvaro; COSTA,
Leonor Freire & DUARTE, Luís Miguel (orgs.). Economia, Instituições e Império – estudos em homenagem a
Joaquim Romero Magalhães. Coimbra: Almedina, 2012, pp. 337-48.
43
AHU, Bahia, LF, cx. 19, doc. 2153. Cf. também PITA, História, pp. 358-61.
44
“Carta do juis do povo”, p. 293.
23

Fonte: SCHWARTZ, Segredos Internos, p. 167.

Há, porém, que se considerar outros elementos. Como é possível perceber no gráfico 2,
o preço dos escravos relativamente ao do açúcar estava favorável aos produtores no início da
década de 1620, e ainda mais entre 1660-80, graças a uma significativa queda no preço dos
cativos entre meados da década de 1650 e o final da de 167045, o que barateava o principal fator
de produção: a mão de obra cativa. As incansáveis atividades militares dos governadores
brasílicos em Angola em meados do seiscentos foram fundamentais, portanto, para produzir
trabalhadores baratos para os campos baianos, possibilitando a expansão de sua força
produtiva46. Encontra-se aqui um dos fatores fundamentais para a resiliência e expansão da
escravidão na América Portuguesa seiscentista, nomeadamente na Bahia, que manteve entre
1650 e 1740 o posto de principal porto escravista das Américas.
Outra razão para a dinâmica encontrada nessas conjunturas entre 1620-80 estava na
quantidade de escravos. Entre 1620-40 o suprimento de cativos foi constante e numeroso (em
torno de 3.000 por ano) graças às guerras na região Congo-Angola, abastecendo um Brasil cada
vez mais sedento por africanos escravizados em razão da destruição demográfica indígena. A
conquista neerlandesa de Luanda em 1641 diminuiu a oferta e elevou os preços a níveis recordes
até 1654, mas a partir daí a situação se reverteu, atingindo-se uma média de 3.600 por ano47.

Gráfico 3: Estimativa do número de africanos escravizados desembarcados em


Salvador, 1601-1700.
10000

8000

6000

4000

2000

0
1580 1600 1620 1640 1660 1680 1700 1720

45
MILLER, Joseph. “Slave Prices in the Portuguese Southern Atlantic, 1600-1830” in: LOVEJOY, Paul (ed.).
Africans in Bondage: studies in slavery and the slave trade. Madison: University of Wisconsin Press, 1986, pp.
47-57. Para uma visão geral dos preços na Bahia, cf. ALDEN, “Price movements”.
46
Cf. ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul, séculos XVI e
XVII. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, pp. 247-325.
47
Cf. HEYWOOD, Linda & THORNTON, John. Central Africans, Atlantic Creoles, and the Foundation of the
Americas, 1585-1660. Cambridge: Cambridge UP, 2007, pp. 109-68.
24

Fonte: http://slavevoyages.org/tast/assessment/estimates.faces, consultado em set. 2014. Total:


c. 313.00048.

As estimativas do tráfico indicam uma queda a partir de 1678, especialmente vigorosa


entre 1686-8 (apenas 6.400 cativos nesses três anos) – período em que o preço dos escravos
subia enquanto o do açúcar despencava, e Salvador era assolada pelo “mal da bicha”49 e pela
carestia de mandioca. Esses problemas somavam-se à seca e às epidemias de varíola entre 1681-
4. Por isso, a década de 1680 é um período tradicionalmente considerado de crise açucareira
pela historiografia, especialmente em razão da baixa dos preços, da concorrência antilhana no
mercado internacional e das políticas protecionistas francesas e inglesas, que restringiam
severamente o mercado para o açúcar brasileiro50. A própria Câmara de Salvador tinha
consciência de sua inserção em um mercado atlântico, referindo-se à produção açucareira
inglesa e d“os mais do Norte” n“as Barbadas” [Barbados] como um dos motivos da crise, de
modo a justificar sua demanda de redução dos impostos sobre tabaco e açúcar, em 168751.
Em importante artigo de síntese, porém, Antônio Carlos Jucá aponta as limitações dessa
interpretação (especialmente a ênfase na diminuição do preço do açúcar em razão da
concorrência no mercado internacional), criticando o emprego de “informações esparsas para
reforçar o argumento”, a exemplo das “reclamações dos senhores de engenho como indício da
crise”. Esse procedimento só seria válido caso se pudesse provar “que tais reclamações estão
diretamente ligadas às conjunturas, ou seja, que elas aumentam em certos períodos e diminuem
em outros. De fato, não é isso o que acontece”, pois seriam apenas manifestações de um
endividamento estrutural da produção canavieira52.
Apesar de reclamações sobre o endividamento e o preço do açúcar atravessarem o
seiscentos, sua distribuição não é uniforme, concentrando-se em conjunturas específicas. A

48
As estimativas são justificadas em ELTIS, David & RICHARDSON, David. “A New Assessment of the
Transatlantic Slave Trade” in: id. (eds.). Extending the Frontiers: essays on the new Transatlantic Slave Trade
Database. New Haven: Yale UP, 2008, pp. 15 e 18. Gustavo Lopes sugere que talvez seja seja necessário revisá-
las para baixo: “Brazil’s colonial economy and the Atlantic Slave Trade: supply and demand” in: RICHARDSON,
David & SILVA, Filipa Ribeiro da (eds.). Networks and Trans-Cultural Exchange: slave trading in the South
Atlantic, 1590-1867. Leiden: Brill, 2014, pp. 42-7. Veja-se sua análise sobre a conjuntura econômica
pernambucana na segunda metade do XVII, que serve como um interessante paralelo para a discussão aqui
empreendida: “A Fênix e a conjuntura atlântica: açúcar e escravos na segunda metade do século XVII”. Portuguese
Studies Review, vol. 20, 2014, pp. 1-35.
49
PITA, História, pp. 427-39.
50
Cf. SCHWARTZ, Segredos internos, pp. 144-76 e id. “Looking for a New Brazil: Crisis and Rebirth in the
Atlantic World after the Fall of Pernambuco” in: GROESEN, Michael Van (ed.). The Legacy of Dutch Brazil.
Cambridge: Cambridge UP, 2014, pp. 41-58.
51
CS, vol. III, pp. 49-51. A discussão sobre a competição barbadiana remonta a 1655, tendo sido enunciada
primeiro pela Coroa e depois pela Câmara: DH, vol. 66, pp. 127-31 e AC, vol. III, pp. 49-51.
52
SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá de. “Fluxos e refluxos mercantis: centros, periferias e diversidades regionais”
in: FRAGOSO & GOUVÊA (orgs.). O Brasil Colonial, vol. II, pp. 384-5.
25

partir da série analisada no capítulo VII, percebe-se que entre 1607 e 1659 só quatro cartas da
Câmara, de um total de 116 (3,4%), reclamam das más condições da produção canavieira, e três
delas o fazem em 1626 e 1640, responsabilizando explicitamente os ataques dos neerlandeses
dos anos anteriores53. Já entre 1660 e 1677, são oito reclamações em 147 (5,4% do total), sendo
seis delas entre 1662 e 1666, quando o Donativo de Paz de Holanda e Dote da Rainha da Grã-
Bretanha entra em vigor, ampliando significativamente a pressão fiscal sobre os baianos. Ainda
mais importante foi a supracitada violenta epidemia de varíola que grassou entre 1664-6,
devastando a força de trabalho54. Por último, nos 16 anos entre 1678-93, são 22 declarações da
pobreza, miséria e ruína da capitania e até do Estado do Brasil, nos tons mais fortes e recorrentes
de todo o século, perfazendo 13,3% do conjunto do período (165)55.
Até o Padre Antônio Vieira junta-se ao coro em 1683, 1686 (“tudo não só se vai
arruinando, mas está arruinado”) e, principalmente, 1689. A análise contemporânea mais
incisiva dessa crise foi feita pelo negociante e senhor de engenho João Peixoto Viegas, em seu
panfleto de 1687 sobre a ruína das lavouras do Brasil, destacando que os baixos preços do
açúcar advinham da concorrência com o produto antilhano, e que ingleses, franceses e
neerlandeses haviam sido estimulados a desenvolverem esse cultivo em razão dos excessivos
impostos que gravaram o produto durante a época da Restauração portuguesa. Em 1689, a
Câmara de Lisboa também se junta ao coro, repetindo os mesmos argumentos56.
Nos últimos sete anos do século, após a melhora dos preços do açúcar em 1692, a
resolução do debate sobre a moeda provincial em 1694 (capítulo V) e o fim dos problemas
climáticos e epidemiológicos, há apenas uma reclamação do tipo, em 1699, dentre as 63 cartas
do período57. As guerras na Europa entre 1689-1713 sem dúvida trouxeram algum alívio para
a açucarocracia baiana, mas, considerando a trajetória altista dos dízimos cariocas entre 1677-
89 – ou seja, no momento de baixa do preço do açúcar – parece muito provável que as principais
razões da crise, assim como de sua posterior superação, devam-se antes às “vicissitudes da
própria produção agrícola”, isto é, ao “movimento de colheitas boas e más”58. O preço do açúcar

53
IAN/TT, Corpo Cronológico, Mç. 15, n. 107, AHU, Bahia, LF, cx. 3, doc. 423 e Bahia, Castro Almeida, cx. 1,
docs. 2-5 e CS, vol. I, pp. 6-10.
54
AHU, cód. 16, f. 87v; Bahia, LF, cx. 18, docs. 2024 e 2103, cx. 19, docs. 2146 e 2196; CS, vol. I, pp. 104-6 e
114-5.
55
CS, vol. II, pp. 44-8, 61-3, 75-7, 82-3, 99-100, 114-6 e 116-7; vol. III, pp. 5-6, 17-20, 49-51, 55-6, 62-72, 82,
89-90 e 94-6; CS, vol. III, pp. 112-7; DH, vol. 89, pp. 223-4.
56
VIEIRA, Cartas, vol. III, pp. 324, 335, 367, 398 e 400-2; VIEGAS, João Peixoto. “Parecer e tratado feito sobre
os excessivos impostos que cahirão sobre as lavouras do Brasil arruinando o comércio deste” [1687] in: ABN, vol.
20, 1898, pp. 213-23; OLIVEIRA, Eduardo Freire de (ed.). Elementos para a História do Município de Lisboa.
Lisboa: Typographia Universal, 1896, tomo IX, p. 131.
57
CS, vol. V, pp. 7-9.
58
CARRARA, Receitas e despesas, p. 117.
26

e os impostos diminuíam o rendimento da açucarocracia, mas provavelmente não


influenciavam o ritmo da produção no curto prazo, já que não havia alternativas viáveis e era
preciso “permanecer produzindo para cobrir seus custos fixos”, pagar as dívidas e manter seu
status, como o próprio Schwartz reconhece, apesar de sua ênfase nos preços como
determinantes da conjuntura econômica açucareira59. Creio, portanto, que o preço do açúcar é
uma variável muito importante, mas menos determinante do que a dinâmica interna da
economia baiana, especialmente em finais do século, quando o crescimento demográfico lhe
dotava de uma maior resiliência contra choques externos.
Mesmo assim, a evidência anedótica da correspondência camarária confirma a ideia de
que há um agravamento das tensões na economia açucareira a partir de 1678, acompanhando,
de maneira geral, os preços do açúcar e o ritmo do tráfico de escravos. Essa situação, porém, só
torna-se efetivamente uma crise em razão dos problemas internos da agricultura baiana a partir
de 1686 – que coincidem, para desgraça dos produtores, com uma desvalorização da
commodity, que atinge os menores valores em quase 60 anos. Evidencia-se o quanto os protestos
de miséria e pobreza da Câmara não são apenas estruturais, mas também influenciados,
potencializados e multiplicados por conjunturas específicas, destacando-se aí o final da década
de 1680 como uma fase em que essa nobreza açucareira, pressionada por um amplo conjunto
de fatores negativos, manifestou-se através da Câmara. O preço do açúcar e os impostos eram
os alvos desse discurso porque se esperava que a Coroa pudesse fazer algo para aliviar os aflitos
produtores. Quanto ao clima e à peste, bem, o rei era rei, não Deus, e ninguém esperava mais
dele que comiseração pelo sofrimento de seus vassalos – preferencialmente através da redução
de impostos. Se o Senado procurava recorrer ao monarca, é possível que em Salvador se
lançasse a culpa sobre o poder local, como se vê em poema do Boca do Inferno: “O açúcar já
se acabou? Baixou. E o dinheiro se extinguiu? Subiu. Logo já se convalesceu? Morreu. (...) A
Câmara não acode? Não pode. Pois não tem todo o poder? Não quer. É que o governo a
convence? Não vence. Quem haverá que tal pense, que uma Câmara tão nobre, por ver-se
mísera e pobre, não pode, não quer, não vence”.
Há que reconhecer, porém, que o período de crise dura apenas sete anos, entre 1686 e
1693, tendo sido, além de mais curto, menos grave do que os anos terríveis da luta contra os
neerlandeses, entre 1632-48, em que o número de engenhos diminuiu em ¼, contra uma

59
SCHWARTZ, Segredos Internos, p. 170. Para uma detalhada análise de como produtores escravistas e
exportadores são capazes de sobreviver em meio à baixa dos preços de sua commodity, veja-se o trabalho de um
orientando de Schwartz, FERRY, Robert. The Colonial Elite of Early Caracas: formation and crisis, 1567-1767.
Berkeley: University of California Press, 1989, pp. 72-101.
27

estabilidade (apesar das inevitáveis falências individuais) na crise do final do século.


Provavelmente, as reclamações foram muito mais numerosas na década de 1680 em razão do
choque sentido após 20 anos de prosperidade60, e porque o inimigo eleito era a tributação, que
poderiam ser reduzidos pelo monarca, enquanto a ameaça neerlandesa era uma questão de
resolução muito mais difícil, e que não poderia ser posta na conta de D. João IV. As reclamações
das elites locais são, portanto, menos um indicador da gravidade da crise do que como ela é
percebida pelos grupos dominantes, e do socorro que se espera receber do poder régio.
A tendência secular, porém, é de alta, como se evidencia das estimativas da produção
expostas no Quadro 1, assim como a que se pode obter através da tendência observada pelos
dízimos (imperfeita que seja, devido à falta de confiabilidade dessa série, que só representava
de forma muito aproximada a produção total). Percebe-se, assim, um crescimento significativo
da produção açucareira ao longo do século, na ordem de 0,7 e 0,85% ao ano61, taxa não muito
distinta do crescimento econômico médio da Inglaterra moderna (0,5%) – ainda que muito
inferior ao sul escravista da América Inglesa, cuja produção chegou a crescer cerca de 5% ao
ano até 172062. Entretanto, se considerarmos que o aumento da produção se deu em grande
medida entre 1663 (ano em que a produção provavelmente ainda era menor do que em 1632) e
1698, teríamos uma velocidade da produção açucareira maior do que 2% nesses 35 anos, sem
dúvida muito elevada para os padrões da época – e isso mesmo com a crise de 1686-93 no meio,
indicando um desenvolvimento muito mais acelerado até o início da década. Se considerarmos
a economia como um todo, a produção baiana provavelmente cresceu a taxas até superiores,
em razão da sua crescente diversificação, como veremos abaixo. Mesmo que esses números
sejam tomados com todo o cuidado que exigem, seu significado é claro: a economia baiana
cresceu em velocidade considerável ao longo da maior parte do seiscentos.

60
O poema de Gregório de Matos pode ser interpretado nesse sentido: “Triste Bahia! Ó quão dessemelhante estás
e estou do nosso antigo estado! Pobre te vejo a ti, e tu a mim empenhado, rica te vi eu já, tu a mim abundante. A
ti trocou-te a máquina mercante, que em tua larga barra tem entrado (...) Deste em dartanto açúcar excelente, pelas
drogas inúteis, que, abelhuda, sempre aceitas do sagaz brichote”.
61
Cf. LENK, Wolfgang. Guerra e Pacto Colonial: a Bahia contra o Brasil Holandês (1624-1654). São Paulo:
Alameda, 2013, pp. 300-22, importante análise sobre a conjuntura econômica da Bahia no século XVII. Eu
considerei a estimativa de Antonil como sendo de 1698 – inferência reforçada pela produção de açúcar quase
idêntica encontrado por Schwartz para 1702 (Segredos internos, p. 150).
62
MENARD, Russell. “Economic and Social Development of the South” in: ENGERMAN & GALLMAN (eds.),
Cambridge Economic History of the United States, vol. I, p. 256. Uma estimativa coloca o crescimento anual
médio de Portugal em 0,5% em 1555-1640, 0,7% entre 1641 e 1688 e 0,6% em 1689-1759, mas esses dados me
parecem exageradamente otimistas: MACEDO, Jorge Braga de; SILVA, Álvaro Ferreira da & SOUSA, Rita
Martins de. “War, taxes and gold: the inheritance of the Real” in: BORDO, Michael & CORTÉS-CONDE, Roberto
(eds.). Transferring wealth and power from the old to the new world: monetary and fiscal institutions in the 17th
through the 19th centuries. Cambridge: Cambridge UP, 2001, p. 190.
28

Gráfico 4: Dízimos da Bahia, 1608-1698 (cruzados)


160000

140000

120000

100000

80000

60000

40000

20000

0
1617

1668
1608
1611
1614

1620
1623
1626
1629
1632
1635
1638
1641
1644
1647
1650
1653
1656
1659
1662
1665

1671
1674
1677
1680
1683
1686
1689
1692
1695
1698
Fontes: CARRARA. Receitas e despesas, pp. 125-7; MUKERJEE, Anil. Financing an Empire
in the South Atlantic: The Fiscal Administration of Colonial Brazil, 1609-1704. Tese de Doutorado.
Santa Bárbara: Universidade da Califórnia Santa Bárbara, 2009, pp. 587-8; SCHWARTZ & PÉCORA
(orgs.). As excelências do governador, p. 183.

Mesmo se os dízimos, após o valor recorde de 115.100 cruzados em 1655 (marcando


provavelmente as expectativas de início da recuperação após o fim do conflito com os
neerlandeses), permanecem abaixo desse teto até 1695, eles não desmentem esse vigor
econômico, já que sua estagnação se deve, ao menos parcialmente, aos 10 anos de isenção que
beneficiou os mais de 60 engenhos construídos entre 1663 e 167563.
No geral, o seiscentos baiano é uma história de sucesso, sendo sua economia vigorosa o
suficiente para continuar a crescer, apesar de choques de preços, variações na oferta de mão de
obra, prejuízos na navegação e catástrofes naturais. Em finais do século a capitania ainda era a
maior produtora mundial de açúcar, mesmo que em vias de ser ultrapassada por Barbados e,
depois, por Jamaica e Saint-Domingue. Na América Portuguesa, é notável que nos 12 anos da
segunda metade do século para os quais temos dados para as três regiões, os dízimos da Bahia
foram superiores aos de Rio de Janeiro e Pernambuco somados, e o único momento em que as
outras duas capitanias chegaram perto foi em 1688, no auge da crise açucareira baiana, graças

63
Se calcularmos o valor do dízimo em marcos de ouro amoedado, é certo que seu valor real conhece uma
significativa queda a partir de 1639-40, em razão dos conflitos com os neerlandeses e, principalmente, das
desvalorizações da moeda (capítulo VII). Entretanto, o que importava para os produtores era “a quantidade de
moeda que recebiam”, pois, de modo geral, não parece ter havido uma significativa elevação dos preços, ainda
que se saiba muito pouco sobre esse tema no período: CARRARA, Receitas e despesas, p. 85 (citação) e LENK,
Guerra e Pacto, pp. 316-7.
29

principalmente ao crescimento fluminense64. Entende-se, portanto, porque na distribuição para


a contribuição do donativo de dote da rainha da Inglaterra e paz de Holanda em inícios da
década de 1660 a Bahia ficou responsável por 57% do total do Estado do Brasil (capítulo VI).
Proporção similar foi utilizada na distribuição do donativo para Sacramento em 169465,
indicando a preeminência econômica da Bahia em toda a segunda metade do século.
A produtividade, porém, diminuiu ligeiramente: se um engenho produzia em média 54
toneladas em 1632, passou para 51 em finais do século. A disputa por lenhas e lavradores cada
vez mais escassos, assim como a ocupação e esgotamento das melhores terras do Recôncavo,
devem ter sido responsáveis por essa mudança. Mais interessante, enquanto a população da
capitania aumentou cerca de 400%, o crescimento da produção açucareira foi da ordem de 70%.
A conclusão inescapável é a diversificação da economia, de modo que, apesar da prevalência
da atividade açucareira na documentação, é preciso abandonar temporariamente a cana.
A especialização do setor açucareiro não excluía a diversificação da economia baiana,
mas a pressupunha e estimulava, pois apenas “uma economia interna pujante” seria “capaz de
atender às suas necessidades básicas e, com isso, permitir-lhe a especialização”66. Ou, nas
palavras mais vívidas da época,

o engenho é um agregado acidental que existe sucessivamente e se compõe de uma perpétua


consumição de escravos, bois, cavalos, moendas, madeiras, tabuados, caixões, barcas, telha,
tijolo, formas, lenha, canas, ferro, aço, treu, cobre, enxarcia, breu, estopa, lona, fazendas de
vestir e comer de todo o gênero, e finalmente de tudo o que se cultiva e cria no Brasil e se conduz
de Portugal67.
Em acréscimo, o crescimento demográfico da capitania implicava o fortalecimento de
seu mercado interno. Assim, regiões do Recôncavo conheceram uma crescente especialização
ao longo do século na produção de mandioca, como Jaguaripe e Itaparica. Em grande medida,
porém, foram as vilas de Cairu, Boipepa e Camamu que funcionaram como “os celeiros da
Bahia, como o Egito o foi do Povo Romano, e Sicília de toda a Europa”, tornando-se produtoras
comerciais de mantimentos, com grandes diferenciações sociais e econômicas entre seus
lavradores – apesar da predominância de pequenos escravistas68.
Construiu-se, assim, no governo de Diogo Luiz de Oliveira (1627-35), o “conchavo da
farinha” entre suas câmaras e a de Salvador, através do qual os produtores dessas vilas eram

64
CARRARA, Receitas e despesas, pp. 125-7; MUKERJEE, Financing an Empire, pp. 587-8 e LOPES, Gustavo
Acioli. Negócio da Costa da Mina e Comércio Atlântico: tabaco, açúcar, ouro e comércio de escravos –
Pernambuco (1654-1760). Tese de Doutorado. São Paulo: PPGHE/USP, 2008, p. 23.
65
CARRARA, Receitas e despesas, pp. 50-1 e 71.
66
SAMPAIO, “Fluxos e refluxos”, p. 390.
67
“Carta do juis do povo”, p. 290.
68
PITA, História, p. 77; ver também p. 25.
30

obrigados a fornecer farinha de mandioca a preços fixos a Salvador. Seu funcionamento era
policiado pelo próprio governo-geral, especialmente após as fomes de 1650-1 e 1653-4, devido
à necessidade de fornecer mantimentos não só para a cidade, mas principalmente para a
numerosa infantaria ali estacionada – para além da obrigação de abastecer as frotas e
complementar a produção alimentícia do próprio Recôncavo, geralmente deficitária. No dizer
de Pedro Puntoni, “a açucarocracia da Bahia preferia, por meio da atividade política da Câmara
de Salvador e respaldada pelo governo geral, impor aos vizinhos mais pobres o ônus da
produção subsidiária”69 – o que explica a resistência às tentativas de obrigar os produtores de
açúcar do Recôncavo a plantarem mandioca para sua subsistência70, com a consequente
recorrência de crises de abastecimento, ao que parece mais intensas na Bahia que no restante
do Brasil: Francisco Carlos Teixeira identificou 17 anos de crise entre 1638-1700, 13 dos quais
entre 1671-1700, indicando que o crescimento demográfico estava exercendo pressão sobre a
capacidade de alimentar sua população. Em 1688, ápice da crise, um alqueire de farinha chegou
a custar 1$200, quatro vezes o preço de 1682, e seis vezes o de 167971.
Um concorrente da mandioca72 acabou por se tornar, em finais do século, uma das mais
importantes produções baianas: o tabaco. Exigindo investimentos muito menores que o
engenho e mesmo que uma fazenda de canas, e contando com um mercado em expansão na
Europa (apesar da competição do Chesapeake, que produzia numa escala muito maior), o fumo
conheceu um grande aumento ao longo do seiscentos, passando de um produto menor para o
segundo cultivo da Bahia: em 1666 foram exportadas legalmente para Portugal cerca de 1.000
toneladas, e em 1699 quase 3.000, graças ao aumento da produção e à intensificação do controle
alfandegário. É de se notar que o maior avanço ocorreu entre 1680 e 1686, quando a produção
triplicou, justamente no período de crise açucareira – embora os anos difíceis de 1686-9
pareçam ter afetado também essa cultura, mesmo que não tanto quanto a Câmara quis fazer

69
PUNTONI, Pedro. “O Conchavo da Farinha: especialização do sistema econômico e o governo-geral na Bahia
do século XVII” in: id. O Estado do Brasil: poder e política na Bahia colonial, 1548-1700. São Paulo, Alameda,
2013; cf. também GOMES, João Pedro. “Conflitos Políticos em torno do pão de São Tomé: o provimento da
cidade de Salvador em farinha de mandioca (1685-1713)”. Anais de História do Além-Mar, vol. 14, 2015 (no
prelo). As Câmaras de Cairu, Boipeba e Camamu sintetizaram esse sentimento em carta de 1685, quando se
queixaram ao monarca “da injustiça, rigor, exorbitância com que o Senado da Câmara da Cidade da Bahia,
amparado dos governadores-gerais, avexa e aperta estes povos e moradores, (...) tomando-a [a farinha] a $320 o
sírio, e descontando-a à infantaria a $600”: AHU, Bahia, LF, cx. 27, doc. 3309.
70
O governador-geral Matias da Cunha de 1687 menciona em 1688 que “muitos engenhos não têm terras suas em
que plantem mandiocas”: DH, vol. 89, p. 90.
71
ALDEN, “Price movements”, pp. 347-52 e SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. A Morfologia da Escassez:
crises de subsistência e política econômica no Brasil colônia (Salvador e Rio de Janeiro, 1690-1790). Tese de
Doutorado. Niterói: PPGH/UFF, 1990.
72
O tabaco foi proibido pelo Conde da Torre em 5 de fevereiro de 1639 “por causa de se ocuparem no benefício
dele, e deixarem a planta de mantimentos tão necessários para a sustentação da gente da guerra, e presídio desta
cidade, e povo”: AC, vol. I, p. 390. Ineficaz, a ordem foi repetida anos depois: AHMS, PR, vol. I, fls. 297v-298v.
31

parecer em 12 de agosto de 1688: “O Brasil, senhor, desde o seu nascimento se sustentou


sempre em duas colunas: uma era a do tabaco, e a outra o açúcar: a do tabaco arruinou-se há
alguns anos”73. O fumo tornou-se, assim, fonte de imensos lucros para a Coroa e uma alternativa
para aqueles que desejavam adentrar na produção para exportação ou fugir dos problemas
enfrentados pela economia açucareira. Esse cultivo acolheu produtores de todos os tipos,
inclusive alguns membros da elite que decidiram diversificar suas atividades econômicas, mas
a predominância parece ter sido dos pequenos cultivadores, dotados de poucos escravos74.
A pecuária bovina também exercia um papel fundamental no mosaico agrícola baiano,
servindo para tudo: fertilizar a terra, mover os engenhos, alimentar os homens... O consumo de
carne bovina era largamente disseminado, a se julgar por esta passagem de Antonil: “não
somente a cidade, mas a maior parte dos moradores do recôncavo mais abundantes se
sustentam, nos dias não proibidos, da carne[.] (...) Comumente os negros (...) vivem de
fressuras, bofes e tripas”75. O suprimento de carne tornara-se uma questão quase tão importante
quanto o de mandioca, pois um alimento que em Portugal era consumido predominantemente
pelas elites passara a fazer parte essencial da dieta baiana76.
Para não prejudicar a agricultura, o gado foi tendencialmente deslocado para o sertão,
“que contém em si a terra que corre para o Ocidente, e interior deste Estado, desde o sobredito
recôncavo até confinar com a demarcação do Peru e Nova Espanha”, no relato um tanto
exagerado do desembargador Sebastião Cardoso de Sampaio em 1675, que continua:
“ocuparam com gados aquela terra que nela se acha com comodidade de pastos e águas para a
procriação dos ditos gados”. Acelerava-se, nesse momento, a ocupação do sertão. Marcado por
grandes propriedades, em razão da “notável demasia e excessiva desigualdade na repartição
que se foi fazendo das terras do sertão”77, não constituíam propriamente latifúndios, por serem
apenas parcialmente ocupadas – quando não totalmente inabitadas, ao menos por seus donos.
Misturavam-se, assim, pequenos vaqueiros e “barões do gado” senhores de mais de 20.000

73
CS, vol. III, p. 65.
74
FLORY, Rae. Bahian society in the mid-colonial period: the sugar planters, tobacco growers, merchants, and
artisans of Salvador and the Recôncavo, 1680-1725. Tese de Doutorado. Austin: Universidade do Texas, 1978,
pp. 156-216; HANSON, Carl. “Monopoly and Contraband in the Portuguese Tobacco Trade, 1624-1702”. Luso-
Brazilian Review, vol. 19, n. 2, 1982, pp. 149-68 e NARDI, Jean-Baptiste. O fumo brasileiro no período colonial.
São Paulo: Brasiliense, 1996. Para o único caso que conheço de um importante senhor de engenho (Pedro Garcia
Pimentel) que também investia em tabaco, veja-se DH, vol. 33, pp. 403-4.
75
ANTONIL, Cultura e Opulência, p. 326.
76
Cf. EBERT, Christopher. “Provisioning and Consumption in Salvador da Bahia: Beef, Manioc and Cachaça”,
manuscrito inédito.
77
AHU, Bahia, LF, cx. 23, doc. 2738. Cf. SILVA, Morfologia da Escassez, p. 326 e SANTOS, Márcio. Fronteiras
do Sertão Baiano: 1640-1750. Tese de Doutorado. São Paulo: PPGHS/USP, 2010. No ano anterior, também a
Câmara mencionara “terem hoje crescido muito as ditas fazendas [no sertão] em número de currais e gado”: AC,
vol. V, pp. 150-1.
32

cabeças, mas, como no litoral, a escravidão era elemento fundamental da estrutura social. A
exemplo da ocupação inicial no século XVI, o conflito com os indígenas fez-se inevitável,
exterminando-se e escravizando-se aqueles que se opuseram à expansão ou, ao menos,
reunindo-os em missões que limpariam o terreno para bois e vacas78.

Empório de todas as riquezas


Jucá de Sampaio demonstrou como o Rio de Janeiro se tornou, a partir de 1720, a
“encruzilhada do império” português, em razão de sua preeminência no abastecimento do
mercado mineiro79. No seiscentos, porém, e especialmente em sua segunda metade, o eixo que
fazia girar o comércio imperial lusitano era Salvador. Como no Caribe inglês, essa posição
baseava-se, em última medida, no açúcar80, mas ia muito além. Apesar de escassez de estudos
sistemáticos sobre o funcionamento do comércio atlântico da Bahia, é necessário tratar
brevemente desse aspecto, pois, no dizer do sempre ufanista Sebastião da Rocha Pita,

o comércio, que lhe resulta dos seus preciosos gêneros, e da frequência das embarcações dos
Portos do Reino, das outras Conquistas, e das mesmas Províncias do Brasil, trocando umas por
outras drogas, a faz uma feira de todas as mercadorias, um empório de todas as riquezas, e o
pudera ser de todas as grandezas do Mundo, se os interesses de Estado, e da Monarquia não
impediram o tráfico e navegação com as Nações Estrangeiras81.
Após uma fase inicial de abertura comercial e grande participação direta de navios
flamengos no comércio brasileiro, a tendência a partir da transição para o seiscentos passou a
ser de maior controle e tentativa de estabelecer efetivamente o exclusivo comercial, quando
menos pela guerra que opunha a Monarquia Hispânica às Províncias Unidas dos Países Baixos.
Mesmo assim, o comércio de açúcar continuou a ser um negócio transnacional com elevada
participação neerlandesa até pelo menos 1621, já que o mercado para o açúcar baiano estava
nos Países Baixos, Inglaterra, Itália e no Sacro-Império, pois Portugal não consumia mais que
uma pequena parte da produção de suas conquistas82.

78
SCHWARTZ, Stuart. “O Brasil Colonial, c. 1580-1750: as grandes lavouras e as periferias” in: BETHELL,
Leslie. História da América Latina. São Paulo/Brasília: EDUSP/FUNDAG, 1999 [1984], vol. II, pp. 378-81;
SILVA, Francisco Carlos Teixeira. “Pecuária e formação do mercado interno no Brasil-colônia”. Estudos
Sociedade e Agricultura, vol. 8, 1997, pp. 119-56 e PUNTONI, Pedro. A Guerra dos Bárbaros: povos indígenas
e a colonização do sertão nordeste do Brasil, 1650-1720. São Paulo: HUCITEC/EDUSP, 2002.
79
SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá de. Na Encruzilhada do Império: hierarquias sociais e conjunturas econômicas
no Rio de Janeiro (c. 1650 – c. 1750). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003, pp. 148-84.
80
WILLIAMS, Eric. Capitalismo e Escravidão (trad.) Rio de Janeiro: Americana, 1975 [1944], pp. 57-93.
81
PITA, História, p. 78.
82
STOLS, Eddy. “The expansion of the sugar market in Western Europe” in: SCHWARTZ, Stuart (ed.). Tropical
Babylons: sugar and the making of the Atlantic World, 1450-1680. Chapel Hill: University of North Carolina
Press, 2004, pp. 237-88; EBERT, Christopher. Between Empires: Brazilian sugar in the early Atlantic economy,
1550-1630. Leiden: Brill, 2008; STRUM, Daniel. O comércio do açúcar: Brasil, Portugal e Países Baixos (1595-
1630). São Paulo: Versal, 2012.
33

O reduzido desenvolvimento manufatureiro implicava a necessidade de importar esses


produtos em grandes quantidades, mesmo porque compunham um dos principais setores da
pauta de exportação para o Brasil: assim, na década de 1690 dizia-se que metade das
mercadorias enviadas para a América eram inglesas83. Conseguia-se, porém, excluir os
estrangeiros do comércio direto legalizado com as conquistas portuguesas, apesar de sua
insistência, pois, nas palavras do cônsul inglês Charles Fanshawe em 1682, o Brasil “é a menina
de seus olhos, sendo a única navegação que lhes resta, a qual pensam que seria tomada
plenamente pelos estrangeiros”, se estes fossem admitidos nela. Mesmo assim, a fragilidade da
marinha portuguesa tornou necessário o emprego de navios ingleses na frota84.
Os infortúnios da guerra contra os neerlandeses, que tomaram centenas de navios
portugueses no Atlântico 50, ensejaram a adoção de uma política de frotas para o Estado do
Brasil. Sua irregularidade, porém, tornou-as odiosas para os moradores da América, pois
forçavam a acumulação (e consequente depreciação) do açúcar nos portos: entre 1645-1662
partiram apenas oito frotas – mais ou menos uma a cada dois anos. A partir de 1664, porém, as
frotas tendem a se regularizar, apesar da difusão de licenças para navios partirem fora dos
comboios haver diminuído seu tamanho. Um efeito secundário dessa política foi a concentração
do comércio em Lisboa – o que, incidentalmente, reforçava os laços entre a Corte e Salvador,
o principal destino das embarcações portugueses vindas para o Brasil desde 163085.

Mapa 3: Principais ligações comerciais de Salvador, 1595-1645.

83
COSTA, Leonor Freire; LAINS, Pedro & MIRANDA, Susana Münch. História Econômica de Portugal, 1143-
2010. Lisboa: Esfera dos Livros, 2011, p. 191.
84
BOXER, Charles. “English shipping in the Brazil trade, 1640-1665”. The Mariner’s Mirror, vol. 37, n. 3, 1951,
pp. 197-230.
85
Cf. o confuso trabalho de FREITAS, Gustavo de. A Companhia-Geral do Comércio do Brasil (1649-1720). São
Paulo: separata da Revista de História (USP), 1951.
34

Fonte: Laboratório de História Social, DH/UnB, baseado em Atlas Digital da América Lusa
(http://lhs.unb.br/atlas).

Como era comum na época moderna, o comércio dava-se principalmente através de


relações pessoais entre correspondentes mercantis: os comerciantes da Bahia não eram
subordinados a seus congêneres lisboetas (vários dos quais haviam vivido anos em Salvador),
mas parceiros, mesmo que menos bem-sucedidos. As procurações estabelecidas em 1664 por
um comerciante e ourives de prata, João do Vale Pontes, são um indicador da projeção baiana
no Atlântico português, parcialmente representada nos mapas três e quatro: Lisboa, Porto,
Viana, Ilha Terceira dos Açores, Angola, Madeira, Sergipe, Pernambuco e Rio de Janeiro.
Alguns dos maiores senhores de engenho participavam diretamente dessas redes,
principalmente através do envio do açúcar para seus correspondentes na Corte sem
intermediação de mercadores86. Percebe-se, assim, como a relação comercial com Portugal é
um elemento fundamental para a compreensão da economia baiana. Afinal, como disse o maior
pregador português, “a Bahia, como as outras cidades do Brasil, só seis meses do ano estão
sobre a terra, os outros seis andam em cima d’água, indo e vindo de Portugal”87.
As ligações comerciais podiam, porém, ultrapassar o mundo português. Entre 1585-
1645, a maioria dos navios que entravam no porto de Buenos Aires vinha da Bahia e trazia
escravos africanos (cerca de 25.000 em todo o período), manufaturados europeus e açúcar,
trocados pela prata de Potosí – mas também por farinha de trigo e carne seca88. Daí a conhecida
(e exagerada) afirmação do francês Pyrard de Laval, de que nunca havia visto “um lugar onde
a prata seja tão comum como no Brasil: prata vinda do rio da Prata, situado a 500 léguas desta
baía”89, assim como os problemas originários da falta de moeda após a Restauração.
Se vinham manufaturados e produtos alimentícios do Reino e ilhas, era da África que
partia a mercadoria fundamental para a reiteração da sociedade baiana: os escravos. Afinal,
como pregou o Padre Antônio Vieira no final da vida, era “o Reino de Angola, na oposta
Etiópia, de cujo triste sangue, negras e felizes almas se nutre, anima e conserva o Brasil”90. Por

86
SMITH, David Grant. The Mercantile Class of Portugal and Brazil in the seventeenth-century: a socio-economic
study of the merchants of Lisbon and Bahia, 1620-1690. Tese de Doutorado. Austin: University of Texas, 1975,
pp. 344-51.
87
VIEIRA, Antônio. “Voz de Deus ao Mundo, a Portugal e à Bahia” [1695] in: id. Sermões e vários discursos.
Lisboa: Valentim da Costa Deslandes, 1710, tomo XIV, p. 258.
88
CANABRAVA, Alice. O comércio português no Rio da Prata: 1580-1640. Belo Horizonte/São Paulo:
Itatiaia/EDUSP, 1984, pp. 118-47 e MOUTOUKIAS, Zacarias. Contrabando y control colonial en el siglo XVII.
Buenos Aires: Centro Editor de América Latina, 1988, pp. 62-7.
89
“François Pyrard de Laval”, p. 365.
90
VIEIRA, “Voz de Deus”, p. 253. Cf. também o belo “Sermão XXVII, com o Santíssimo Sacramento exposto”
[1680?] in: id. Maria Rosa Mystica. Lisboa: Imprensa Crasbeeckiana, 1688, 2ª parte, pp. 391-429. Menos poético,
35

outro lado, a própria sobrevivência da Angola portuguesa dependia da demanda brasílica por
cativos, como destacaram os camaristas soteropolitanos em 1687: “porque cessando o labor dos
frutos do Brasil, há de perder-se também o negócio dos escravos de Angola: isto é claro”91.
Sabe-se bem menos da dinâmica seiscentista do tráfico entre a Bahia e a África do que do século
subsequente, mas parece claro o gradual aumento da influência brasílica sobre Luanda no século
XVII, especialmente após a restauração de Angola, em 1648.
Primeiro o zimbo (conchas marinhas que funcionavam como moeda na costa centro-
ocidental da África) de Ilhéus e, depois, a cachaça ganham importância no mercado angolano,
fortalecendo a ligação entre as duas margens do Atlântico Sul. O elevado teor alcóolico, o baixo
preço (produzida que era por escravos) e a maior durabilidade nas agruras da travessia marítima
a favoreciam frente ao vinho lusitano, acabando por diminuir o preço relativo do africano
escravizado para os produtores baianos e facilitar a reprodução do escravismo. Por isso, apesar
das repetidas tentativas de proibições da produção nos alambiques americanos, principalmente
para não prejudicar as vendas de vinho (pois sobre esse produto recaía o donativo para sustento
da infantaria), nunca se obteve sucesso, para frustração dos governadores-gerais, como se
percebe nessa carta de 1661 de Francisco Barreto: “não houve general algum deste Estado desde
Antônio Teles da Silva até o presente que as não mandasse proibir”92.
Entretanto, o privilégio dos senhores de engenho de poderem produzir aguardente “para
gasto de suas casas e escravos”, “por se entender que este era o único remédio com que se
poderiam conservar”93 e o irregular suprimento de vinho nas frotas estimulava o crescimento
da produção e a consequente ascensão desse trato alcóolico. Introduzido em 1650, ganhou força
a partir de 1665, contribuindo para o aumento do número de africanos escravizados enviados
para Salvador. Em 1679, porém, o lobby dos mercadores reinóis consegue a proibição e
diminuição da entrada de cachaça na África portuguesa – sem que, porém, o vinho voltasse a
ganhar espaço. Mesmo assim, a proibição foi reafirmada em 1689. Com a atuação conjunta da
Câmara de Salvador, cujo principal argumento era que “com esta droga se facilita a condução
dos negros, e faltando fica cessando o trato e negócio, e perdidos o interesse que granjeiam

o Conselho da Fazenda chamou Angola de “nervo das fábricas do Brasil” em 1656: IAN/TT, Manuscritos da
Livraria, Livro 1146, fl. 63.
91
CS, vol. III, p. 50.
92
Identifiquei proibições em 1627, 1635, 1636, 1639, 1646, 1648, 1649, 1651, 1652, 1655, 1659, 1663, 1664 e
1669: AHU, Bahia, LF, cx. 16, doc. 1811. Cf. também AC, vol. I, pp. 6, 70-1 e 279-85; vol. II, p. 312; DH, vol. 3,
pp. 183-6 vol. 16, pp. 396-9; vol. 65, pp. 329-30 e vol. 66, pp. 25 e 232-4; AHU, CM, cód. 16, fl. 104v; cód. 275,
fl. 93v; Bahia, LF, cx. 10, docs. 1240-1; cx. 15, doc. 1740; AHMS, PGS, 1642-1648, fls. 316-318; 1660-77, fls.
60-64 e 1664-72, fls. 36-36v 126 e CCLP, vol. VII, pp. 49-50. Cf. também LENK, Guerra e pacto, pp. 350-4.
93
Respectivamente, AHU, CM, cód. 14, fls. 181-181v e Bahia, LF, cx. 18, docs. 2081-2.
36

esses moradores”94, da de Luanda e de D. João de Lencastre (governador de Angola em 1688-


91 e governador-geral do Brasil em 1694-1702), assim como o crescimento da demanda
brasileira por cativos, finalmente se libera o comércio em 1695. Embora não haja dados para o
período anterior, 61,5% das importações angolanas de cachaça em 1699 advêm de Salvador,
demonstrando sua preeminência, muito acima de Recife e Rio de Janeiro95.

Mapa 4: Principais ligações comerciais de Salvador, 1645-1700.

Fonte: Laboratório de História Social, DH/UnB, baseado em Atlas Digital da América Lusa
(http://lhs.unb.br/atlas).

Por esses anos, porém, já não vinha de Angola a maior parte dos escravos chegados a
Salvador, mas da Costa da Mina (principalmente da região da Baía de Benim – mapa 4), de
onde se traziam escravos desde finais da década de 1670, e que em 1686 ultrapassou a África
Centro-Ocidental, passando a fornecer mais da metade dos cativos chegados à Bahia.
Ignoravam-se, assim, diversas leis que proibiam o comércio com portos não portugueses, como
o alvará de 27 de novembro de 1684, para citar apenas o mais recente. A necessidade americana
de braços faz com que, a partir de 1698, a Coroa aceite e procure regular de alguma maneira
esse tráfico. O tabaco de terceira qualidade, encharcado de melaço para adocicá-lo e torná-lo
mais atrativo para os consumidores africanos, transformou-se em um produto de grande
demanda na Costa da Mina (só em 1699 foram enviadas 116 toneladas), onde a cachaça não fez

94
CS, vol. III, pp. 94-6.
95
ALENCASTRO, O trato dos viventes, pp. 256-9 e 307-23 e CURTO, José. Álcool e escravos: o comércio luso-
brasileiro do álcool em Mpinda, Luanda e Benguela durante o tráfico transatlântico de escravos (c. 1480-1830) e
seu impacto nas sociedades da África Central Ocidental. Lisboa: Vulgata, 2002, pp. 123-49.
37

tanto sucesso. Para ter acesso ao fumo, as feitorias africanas neerlandesas passaram a permitir,
apesar das restrições da Companhia das Índias Ocidentais (que só autorizou definitivamente o
comércio em 1714), que navios oriundos do Brasil comercializassem em suas possessões,
cobrando uma taxa de 10% da carga – liberalidade que não se estendia às naus vindas de
Portugal96. Assim como no caso da aguardente enviada para Angola, tornava-se possível obter
o insumo essencial para a reprodução da sociedade baiana – africanos escravizados – através
de derivados baratos da produção para exportação, fornecendo-lhe mais autonomia econômica
frente às inevitáveis oscilações sofridas pelo preço do açúcar, sempre vulnerável à competição
externa e às disputas políticas no Velho Mundo. Como o desenvolvimento do comércio com a
Costa da Mina deu-se exatamente em um momento de crise açucareira (1686-93, como vimos
acima) o tabaco provou-se especialmente relevante para garantir maior estabilidade à economia,
já que provavelmente diminuiu os custos para a reiteração do escravismo baiano.
As conexões da capitania estendiam-se, porém, para além do Atlântico, devido à sua
posição privilegiada para funcionar como escala da Carreira da Índia – o que havia sido
destacado já por Pero Vaz de Caminha e D. Manuel em 1500. O medo do contrabando, porém,
fazia com que essa parada fosse proibida. Entretanto, a fragilidade da Carreira da Índia em
meados do seiscentos estimulava paradas em Salvador a partir de 1645 para reparar e suprir os
navios – mas também para auferir lucros no contrabando com o Brasil. A provisão de 2 de
março de 1672 que autorizou o escalamento e o comércio privado dos tripulantes não fez mais,
portanto, que reconhecer prática já em uso há décadas, pois desde 1645 pouco mais da metade
dos navios da Carreira fazia a parada em Salvador.

Gráfico 5: Navios da Carreira da Índia que aportaram em Salvador, 1607-1700


45
40
35
30
25
20
15
10
5
0
1607-44 1645-72 1673-1700

96
NARDI, O fumo brasileiro, pp. 217-21; SCHWARTZ, Stuart & POSTMA, Johannes. “The Dutch Republic and
Brazil as Commercial Partners on the West African Coast during the Eighteenth Century” in: POSTMA, Johannes
& ENTHOVEN, Victor (eds.). Riches from Atlantic Commerce: Dutch Transatlantic Trade and Shipping, 1585-
1817. Leiden: Brill, 2003, pp. 171-99.
38

Fonte: LAPA, José Roberto do Amaral Lapa. A Bahia e a Carreira da Índia. São
Paulo/Campinas: HUCITEC/Ed. Unicamp, 2000 [1968], 2ª ed., pp. 331-5.

Mais importante que os reparos das naus e mesmo que a construção de três galeões na
segunda metade do seiscentos – embora sejam sinais da vitalidade econômica baiana, capaz de
suportar essa pesada carga – foram as relações comerciais estabelecidas entre Bahia e Ásia. O
tabaco de primeira qualidade tornou-se central para a manutenção do comércio português com
a Ásia, sendo a mais lucrativa exportação lusitana para aquele continente em finais do XVII e
disseminando-se tanto pela Índia quanto pela China, via Goa e Macau. Por outro lado, vendiam-
se tecidos asiáticos em Salvador – que enviava parte deles para a África, para serem trocados
por escravos, acabando por ultrapassar por volta de 1670 Lisboa nesse comércio – e ocupava-
se a carga restante nos navios com açúcar. A Carreira da Índia era, assim, revitalizada e, através
da Bahia, todo o império era articulado97.
É muito difícil estimar de maneira minimamente precisa a contribuição baiana para o
império, mas as análises sobre o orçamento da monarquia em 1681 permitem uma boa
aproximação. Nesse ano, a receita total da administração central da Coroa (excluindo o que se
arrecadava e dispendia localmente, portanto) foi de 1.595,4 contos de réis (exceto alguns
recursos não-contabilizados, como o pau-brasil e o donativo de paz de Holanda e Dote da
Rainha da Grã-Bretanha). 290,1 contos advinham do contrato do tabaco: como 90% das
remessas de fumo vinham da Bahia, ela é responsável por cerca de 260 contos. Pedreira estima
que no mínimo um terço dos 505 contos arrecadados nas alfândegas advinham do comércio
com o Brasil (168,3 contos); a partir dos dízimos da Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro para
o ano de 1679, percebe-se que a capitania baiana foi responsável por 57,6% do total, proporção
similar à utilizada na distribuição do donativo 20 anos antes. Assim, poderíamos dizer que quase
100 contos da arrecadação das alfândegas advinham do comércio baiano – sem contar com o
donativo, que valeria, teoricamente, 16 contos por ano. Assim, mesmo em um momento em que
a contribuição do império para as finanças régias estaria em seu menor nível em toda a época
moderna, a Bahia seria diretamente responsável por cerca de 22% da arrecadação central da

97
LAPA, A Bahia e a Carreira; RUSSELL-WOOD, A. J. R. “A dinâmica da presença brasileira no Índico e no
Oriente. Séculos XVI-XIX”. Topoi, vol. 3, 2001, pp. 18-23; FERREIRA, Roquinaldo. “‘A arte de furtar’: redes de
comércio ilegal no comércio imperial ultramarino português (c. 1690-c. 1750)” in: FRAGOSO, João & GOUVÊA,
Fátima (orgs.). Na Trama das Redes: política negócios no império português, séculos XVI-XVIII. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2010, pp. 213-21; CHAUDHURI, Kirti. “O Comércio Asiático” in: id. &
BETHENCOURT, Francisco (dirs.). História da Expansão Portuguesa. Lisboa: Círculo de Leitores, 1998, vol. II:
do Índico ao Atlântico (1570-1697), p. 195.
39

monarquia – e o crescimento do tabaco só faria crescer sua relevância nos anos seguintes98. Por
ser impossível sequer arriscar uma quantificação grosseira, não conto aqui com sua contribuição
indireta, mas cabe relembrar que Salvador recebia um terço dos cativos angolanos e que pouco
mais da metade dos navios da Carreira da Índia nas últimas décadas do seiscentos paravam em
seu porto, sendo fundamental para a sobrevivência desses dois outros espaços. De qualquer
maneira, a Bahia sozinha contribuía muito mais para a receita portuguesa, em termos
proporcionais, do que todo o Novo Mundo para a monarquia hispânica nas últimas décadas do
seiscentos – ou para qualquer outra potência europeia à época, em verdade99.
Assim, se desde a década de 1620 está claro para muitos que o Brasil é a “vaca de leite”
da Coroa, “em razão do avultado rendimento que lhe dava”, como afirmou D. João IV ao
embaixador francês em 1655100, ou, como disse menos cruamente Gaspar de Brito Freire em
1644, “a conquista mais útil a esta Coroa”101, a preponderância baiana na produção açucareira
e, principalmente, a ascensão do tabaco deixam muito claro que “o Estado do Brasil inda é da
praça da Bahia, e a Bahia é a cabeça do Brasil”, como disse em 1665 o senhor de engenho e
feitor do pau-brasil de Ilhéus, Antônio de Couros Carneiro102. Na crueza característica do “boca
do inferno”, é “que os brasileiros são bestas, e estarão a trabalhar toda a vida por manter
maganos em Portugal”103.

98
PEDREIRA, Jorge. “Custos e Tendências Financeiras no Império Português, 1415-1822” in: BETHENCOURT,
Francisco & CURTO, Diogo Ramada (dirs.). A Expansão Marítima Portuguesa, 1400-1800 (trad.). Lisboa: 70,
2009 [2007], pp. 53-91; CARRARA, Receitas e Despesas, p. 126; COSTA, LAINS & MIRANDA, História
Econômica de Portugal, pp. 202-7; HESPANHA, António Manuel. “A Fazenda” in: id. (coord.) & MATTOSO,
José (dir.). História de Portugal. Lisboa: Estampa, 1998 [1993], volume 4: o Antigo Regime (1620-1807), pp.
207-10.
99
STORRS, Christopher. The Resilience of the Spanish Monarchy, 1665-1700. Oxford: Oxford UP, 2006, pp. 106-
50 e COSTA, Leonor Freire; PALMA, Nuno & REIS, Jaime. “The great escape? The contribution of empire to
Portugal’s economic growth, 1500-1800”. European Review of Economic History, vol. 19, n. 1, 2015, pp. 16-9.
100
SANTARÉM, Visconde de. Quadro elementar das relações políticas e diplomáticas de Portugal com as
diversas potências do mundo, desde o principio da Monarchia Portugueza até aos nossos dias. Paris: J. P. Aillaud,
1844, tomo IV, parte 2, p. CL. Pouco antes Francisco Cristóvão de Almeida escrevera um arbítrio ao monarca,
dizendo que “o Estado do Brasil, senhor, assim é membro desta Monarquia que quem vir com os olhos a sua
grandeza não poderá negar que aquela conquista é a pedra preciosa desta Coroa, e depende muito o aumento deste
todo da conservação daquela parte” – BNP, mss. 218, n. 134. Pouco depois, o Conselho da Fazenda qualificou o
Brasil como “substância principal dessa Coroa”: IAN/TT, Manuscritos da Livraria, Livro 1146, fl. 63.
101
AHU, Bahia, Avulsos, cx. 1, doc. 61.
102
AHU, Bahia, LF, cx. 18, doc. 2112. Imediatamente após a Restauração o Brasil foi repetidamente qualificado
como a primeira entre as conquistas de Portugal, com destaque para a Bahia. Cf., por exemplo, PARADA, Antônio
Carvalho. “Justificação dos Portugueses” [1643] in: CRUZ, António (org.). Papéis da Restauração. Porto:
Faculdade de Letras, 1969, pp. 212-5.
103
O Sermão da Visitação de Nossa Senhora (1640) de Vieira tem passagens similares, mas o jesuíta se refere
especificamente aos ministros de Sua Majestade quando pregou que “muito deu e dá hoje a Bahia, e nada se logra,
porque o que se tira do Brasil tira-se do Brasil: o Brasil dá, Portugal o leva”.
40

Metrópole do Brasil
Outro elemento, porém, está presente na citação acima: a condição de capital de
Salvador. Aproveitando a posição geográfica central da Bahia na América Portuguesa (mapa
6) e o falecimento do donatário Francisco Pereira Coutinho, D. João III “ordenou de a tomar à
sua conta para a fazer povoar, como meio e coração de toda esta costa, e mandar edificar nela
uma cidade, de onde pudesse ajudar e socorrer todas as mais capitanias e povoações dela como
a membros seus”104. Como se vê no regimento de Tomé de Sousa, a construção de Salvador foi
um empreendimento planejado e liderado pela Coroa em conexão com o estabelecimento do
próprio governo-geral do Brasil – ligação que se manteve por mais de dois séculos105.

Mapa 6: Vilas e Cidades da América Portuguesa, 1700.

104
SOUSA, Tratado Descritivo, p. 121.
105
Cf. PUNTONI, Pedro. “‘Como coração no meio do corpo’: Salvador, capital do Estado do Brasil” [2009] in:
id. O Estado do Brasil, para uma análise da metáfora referida acima e da capitalidade soteropolitana. O melhor
trabalho nesse sentido, porém, chegou a meu conhecimento muito tarde para ser incorporado na tese, mas penso
que se coaduna em termos gerais com o que defendo ao longo de todo este trabalho: MARQUES, Guida. “‘Por ser
cabeça do Estado do Brasil’. As representações da cidade da Bahia no século XVII” in: id; SOUZA, Evergton
Sales; SILVA, Hugo Ribeiro da (orgs.). Salvador da Bahia: Retratos duma cidade atlântica (século XVII-XIX).
Lisboa/Salvador: CHAM/UFBA, 2015, no prelo.
41

Fonte: Laboratório de História Social, DH/UnB, baseado em Atlas Digital da América Lusa
(http://lhs.unb.br/atlas).

Construiu-se, assim, uma administração periférica que ia além do governador-geral,


tendo como elementos constituintes também o provedor-mor da fazenda, responsável pela
fiscalidade, o ouvidor-geral, de atribuições judiciárias, e o aparato militar106. Para que as
conquistas americanas pudessem sobreviver sem dependerem do envio contínuo de recursos do
Reino, fazia-se necessário, porém, desenvolver economicamente o território e assentar uma
elite residente capaz de colaborar com a Coroa. Oficiais régios e poderosos locais constituíam,
na prática, um mesmo grupo no processo de montagem do Estado do Brasil – sendo, muitas
vezes, o ofício um caminho privilegiado para a obtenção de latifúndios, cativos e engenhos107.
Salvador não era capital somente em termos políticos e militares, mas também
religiosos: bispado em 1551 e arcebispado em 1676, reunia importantes ordens regulares, cujo
número cresceu ao longo do século: jesuítas, beneditinos, carmelitas e franciscanos. Se os
eclesiásticos sempre possuíram considerável força política, em meados do século XVII o clero
regular também havia se tornado uma potência econômica, cada vez mais integrada na
sociedade local, de onde advinha parte crescente de seus membros. Apesar da importância do
episcopado, a capitania em muitos momentos não contou com bispo residente (36 anos entre
1602-1700). Os prelados chegavam ao Brasil depois de um longo processo de ascensão social,
dotados de experiência e usufruindo da preeminência do cargo, ainda que nem tanto do
nascimento. Deparavam-se aqui com um clero secular insuficiente e tremenda escassez de
meios, o que limitava suas possibilidades de intervenção efetiva na vida de seu rebanho108.
Vê-se, portanto, como Salvador reunia, meras décadas após sua fundação, uma estrutura
institucional enfatizada por viajantes e cronistas, de Fernão Cardim (“a Bahia é cidade d’El-
Rei, e a corte do Brasil: residem os Srs. Bispo, Governador, Ouvidor-Geral, com outros oficiais
e justiça de Sua Majestade”)109 ao engenheiro francês François Froger, um século depois (“a

106
Cf. PUNTONI, Pedro. “O Governo-Geral e o Estado do Brasil: poderes intermédios e administração (1549-
1720)” [2008] in: id. O Estado do Brasil, mas também, em perspectiva distinta, COSENTINO, Francisco.
“Construindo o Estado do Brasil: instituições, poderes locais e poderes centrais” in: FRAGOSO, & GOUVÊA, O
Brasil Colonial, vol. 1: 1443-1580, pp. 542-68.
107
RICUPERO, Rodrigo. A formação da elite colonial: Brasil, c. 1530 – c. 1630. São Paulo: Alameda, 2009, pp.
103-205 e FRAGOSO, João. “A formação da economia colonial no Rio de Janeiro e de sua primeira elite senhorial
(séculos XVI e XVII)” in: id., GOUVÊA, Fátima & BICALHO, Fernanda (orgs.). O Antigo Regime nos Trópicos:
a dinâmica imperial portuguesa, séculos XVI-XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, pp. 29-73.
108
PAIVA, José Pedro. “Os bispos do Brasil e a formação da sociedade colonial (1551-1706)”. Textos de História,
vol. 14, 2006, pp. 11-34 e MAGALHÃES, Pablo. Equus Rusus: a Igreja Católica e as Guerras Neerlandesas na
Bahia (1624-1654). Tese de Doutorado. Salvador: PPGH/UFBA, 2010, vol. I, pp. 349-401.
109
CARDIM, “Narrativa epistolar”, p. 217.
42

cidade é a capital do Brasil, sede de um arcebispado e local de residência do vice-rei. Há ainda,


no lugar, um Conselho Soberano [a Câmara] e uma Casa da Moeda, onde, com o propósito de
facilitar o comércio, são cunhadas as moedas correntes no país”)110. Ainda que a administração
periférica fosse muito inferior a sua contraparte indiana (em 1612, o governador-geral contava
apenas com 14 oficiais da justiça e o mesmo número da fazenda, para além de 217 militares e
59 eclesiásticos)111, bastava para marcar a fisionomia da cidade.

Imagem 2: Urbs Salvador, 1671.

Fonte: MONTANUS, Arnaldus. De Nieuwe en Onbekende Weereld. Amsterdam: J. Meurs,


1671, entre as pp. 402-3. Disponível em: http://www.wdl.org/en/item/518/view/1/1/. Consultado em:
set. 2014.

A legenda destaca os conventos do Carmo, São Bento e São Francisco, assim como o
Colégio dos Jesuítas e a Sé (embora a legenda na verdade aponte para a vizinha Igreja de São
Pedro dos Clérigos). Mais interessante são as letras F e G, que indicam, respectivamente, a
cadeia (e, consequentemente, a Casa da Câmara, embora isso não esteja explícito na imagem)
e o “Palácio do Marquês e Vice-Rei do Brasil” – indicando uma pequena desatualização de três

110
“François Froger” [1699] in: FRANÇA, A construção do Brasil, p. 448.
111
PUNTONI, “O Governo-Geral”; cf. também SANTOS, Catarina Madeira. “Los virreyes del Estado de la India
en la formación del imaginario imperial portugués” e CARDIM, Pedro & MIRANDA, Susana Münch. “Virreyes
y gobernadores de las posesiones portuguesas en el Atlántico y en el Índico (siglos XVI-XVII)” in: CARDIM,
Pedro & PALOS, Joan-Lluís (eds.). El mundo de los virreyes en las monarquías de España y Portugal. Madri:
Iberoamericana, 2012, pp. 71-118 e 175-202, respectivamente.
43

décadas, já que a referência só pode ser ao Marquês de Montalvão. De qualquer maneira, a


gravura permite perceber que o poder, como sempre, inscrevia-se no próprio espaço112.
Embora o poder local impressionasse bem menos os observadores, como única
municipalidade da capitania da Bahia a Câmara de Salvador exercia jurisdição sobre toda a
região e, em alguma medida, mesmo nas capitanias anexas de Porto Seguro, Ilhéus e Sergipe,
onde havia apenas algumas vilas de reduzido estatuto político. Apenas no final do seiscentos
foram fundadas vilas no Recôncavo: Jaguaripe (1697), Cachoeira e São Francisco da Barra do
Sergipe do Conde (1698), reduzindo a jurisdição do Senado soteropolitano, mas sem ameaçar
sua posição dominante na região.
Desde meados do século, portanto, a Câmara de Salvador falava em nome da mais rica
região açucareira da América portuguesa, e, sendo um “concelho de grande extensão territorial,
possuía estrutura político-administrativa e características semelhantes aos mais importantes
municípios portugueses do Antigo Regime”113. Assim sendo, eventualmente se referia a si
mesma e era referida como “Câmara da Bahia”, mesmo porque Salvador também era
geralmente chamada de “Cidade da Bahia” – representando, por metonímia, toda a capitania e
até, em alguns momentos, o Estado do Brasil. O município soteropolitano diferenciava-se,
assim, de Olinda e Rio de Janeiro, que, apesar de sua indiscutível preeminência regional,
conviviam com algumas Câmaras menos importantes na mesma capitania114 – para não falar de
São Vicente, que contava com 6 municípios já em 1600 e 17 em 1661, tendo São Paulo
demorado séculos a assumir o posto de cabeça da capitania, em razão de complicadas disputas
entre os donatários e a Coroa e da antiga preeminência de São Vicente115.
Os fatores descritos até aqui se combinaram para dar à Bahia um estatuto diferenciado
das capitanias restantes da América portuguesa. Capital, cabeça e coração, Salvador também
foi, em diversos momentos qualificada como metrópole, como nessa passagem em carta de
1581 do almirante castelhano Diego Flores de Valdés: “esta en el médio de la gobernación del
Brasil y es metropolis donde esta el gobernador y dealli se puede salir a socorrer a parahyba

112
Cf. BICALHO, Fernanda. A cidade e o império: o Rio de Janeiro no século XVIII. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2003, pp. 229-45.
113
SOUSA, Avanete Pereira de. A Bahia no Século XVIII: poder político local e atividades econômicas. São Paulo:
Alameda, 2012, p. 58.
114
Cf. MELLO, Evaldo Cabral de. A fronda dos mazombos: nobres contra mascates, Pernambuco, 1666-1715. São
Paulo: 34, 2003 [1995], 2ª ed. rev., p. 78.
115
TORRÃO FILHO, Amílcar. “A marinha destronada: ou a famigerada São Vicente derrotada pela Rochela
paulista. A afirmação de São Paulo como cabeça de capitania (1681-1766)”. História (São Paulo), vol. 30, n. 1,
2011, pp. 148-73 e BUENO, Beatriz. “Dilatação dos confins: caminhos, vilas e cidades na formação da capitania
de São Paulo (1532-1822)”. Anais do Museu Paulista, vol. 17, n. 2, 2009, pp. 254-5.
44

donde se dice van a poblar corsários”116. Originalmente, o termo metrópole indicava sede de
bispado, como numa missiva de Fernão Cardim, que caracteriza Salvador como “cabeza y
metropole; en ella reside el gobernador y obispo”117. A carta de Flores de Valdés indica, porém,
que o termo assumira um significado político, indicador da capitalidade baiana – bem distinto
da acepção oitocentista do vocábulo que ainda marca a historiografia brasileira.
A preeminência baiana esteve ameaçada, porém, pela riqueza pernambucana,
especialmente entre 1602-19, quando os governadores-gerais residiram oito desses 17 anos em
Olinda118. A conquista de Salvador pelos neerlandeses, e principalmente “a recuperação de tão
principal cidade por metrópole de tão grande província”119, parece ter reforçado a preeminência
soteropolitana – que, não coincidentemente, passou a dispor da maior presença militar
permanente do continente americano, apesar da tendência de queda após a expulsão dos
neerlandeses de Pernambuco. Constituiu-se, assim, um contingente significativo, que talvez
tenha chegado a representar mais de 30% da população soteropolitana em 1638-9, e girado em
torno de 20-25% entre 1631-54. A partir daí, a tendência de diminuição do efetivo e crescimento
populacional jogam a proporção para qualquer coisa em torno de 12% em 1660, diminuindo
ainda mais nas décadas seguintes. O largo número de infantes era necessário porque, como
explicou o Conselho Ultramarino em 1666, “não escusa menos gente uma praça tão principal e
tão aberta, como aquela é, e que tem tantas partes a que acudir”120.

Gráfico 6: Soldados estacionados em Salvador, 1612-1660.


6000
4000
2000
0
1600 1610 1620 1630 1640 1650 1660 1670

116
Archivo General de Simancas, Guerra Antigua, Legajo 119, d. 41, fl. 2 (agradeço a José Carlos Villardaga por
me ceder esse interessante documento). Sobre a expedição, cf., desse autor, São Paulo na órbita do império dos
Felipes: conexões castelhanas de uma vila da América Portuguesa durante a União Ibérica (1580-1640). Tese de
Doutorado. PPGHS/USP, 2010, pp. 51-81.
117
CARDIM, “Información de la província del Brasil para nuestro Padre” [1585], p. 138; cf. a carta do bispo D.
Pedro da Silva de 1644 (AHU, Bahia, LF, cx. 10, doc. 1158) e uma consulta do Conselho Ultramarino, 40 anos
depois: DH, vol. 89, p. 21. Após 1676, o termo também pôde ser usado para Pernambuco e Rio de Janeiro: veja-
se MELLO, José Antonio Gonsalves de (ed.). “Pernambuco ao tempo do governo de Câmara Coutinho (1689-
90)”. Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambuco, vol. 51, 1979, pp. 280-1.
118
DUTRA, Francis. “Centralization x Donatorial Privilege: Pernambuco, 1602-1630” in: ALDEN, Dauril (ed.).
Colonial Roots of Modern Brazil. Berkeley: University of California Press, 1973, pp. 19-60.
119
MENEZES, D. Manuel de. “Recuperação da Cidade do Salvador” [1625], RIGHB, tomo 22, 1859, p. 625. No
mesmo sentido, cf. NARBONA Y ZUÑIGA, Eugenio. “Historia de la Recuperación del Brasil” [1626?]. ABN,
vol. 69, 1950, p. 169 e IAN/TT, Manuscritos da Livraria, L. 1116, fls. 703-4 (arbítrio sobre defesa da Bahia, 1629).
120
AHU, Bahia, LF, cx. 19, doc. 2163.
45

Fonte: LENK, Guerra e Pacto, p. 149.

Devido a seus custos, o crescimento da infantaria implicou a dissolução do Tribunal da


Relação em 1626, poucos anos após sua efetivação em 1609, e a diminuição das despesas
militares permitiu sua reconstituição em 1652 – embora ambos os momentos estejam
intimamente ligados aos conflitos políticos locais com o governador e a Câmara, como veremos
brevemente em outros capítulos da tese. Essa instituição tornou-se, a partir de então, um
elemento permanente da dinâmica política e social baiana, tanto entrando em conflito com
outros poderes quanto através da plena inserção de muitos de seus desembargadores na
sociedade local121.
O período filipino conheceu também diversas transformações no governo-geral, sendo
criados três novos regimentos e constantemente pedindo-se informações sobre o território
americano, cuja maior coesão pode ser vista na passagem da designação “partes do Brasil” para
“Estado do Brasil”. A ampliação da importância do cargo faz com que muitos governadores
repetidamente peçam o título de vice-reis, embora esse só tenha sido obtido pelo Marquês de
Montalvão em 1640 – justo em um dos momentos de maior crise no domínio português em
razão da ameaça neerlandesa. Daí a irônica paráfrase camoniana de Vieira: “é verdade que
nunca se viu essa província tão autorizada como agora, mas podem-lhe servir os títulos de
epitáfios, pois a vemos levantada a vice-reino entre mortalhas, bem se pode dizer por ela
também, que depois de ser morta foi rainha”122.
Como de praxe, porém, o grande jesuíta exagerava e Salvador continuava a ser a
“metrópole do Estado do Brasil”, como repetiu o letrado fluminense Diogo Gomes Carneiro
em uma interessante obra bragancista que destaca, de passagem, como “resistiram ao Holandês
os Portugueses moradores e filhos daquela dilatada província, aonde com fineza observam há
tantos anos as leis da nova guerra que ensinaram ao mundo, em que reduziram a temeridade às
obrigações do valor”123. Esse estatuto recebeu a chancela real na resolução de 4 de setembro de
1653 em que D. João IV permite que “a Cidade da Bahia, metrópole do Brasil, possa mandar

121
SCHWARTZ, Stuart. Burocracia e sociedade no Brasil colonial: o Tribunal Superior da Bahia e seus
desembargadores, 1609-1751 (trad.). São Paulo: Companhia das Letras, 2011 [1973], 2ª ed.
122
VIEIRA, Antônio. “Sermão da Visitação de Nossa Senhora” [1640] in: CALMON, Pedro (ed.). Por Brasil e
Portugal. São Paulo: Editora Nacional, 1938, p. 136. Sobre o período, cf. MARQUES, Guida. “De um governo
ultramarino: a institucionalização da América Portuguesa no tempo da união das Coroas (1580-1640)” in:
CARDIM, Pedro; COSTA, Leonor Freire & CUNHA, Mafalda Soares da (orgs.). Portugal na Monarquia
Hispânica: dinâmicas de integração e conflito. Lisboa: CHAM, 2013, pp. 231-52 e COSENTINO, Francisco.
“Mundo português e mundo ibérico” in: FRAGOSO & GOUVÊA, O Brasil Colonial, vol. II, pp. 130-46
123
CARNEIRO, Diogo Gomes. Oração Apodíxica aos cismáticos da Pátria. Lisboa: Lourenço de Anveres, 1641,
fl. 8 – agradeço a Pedro Cardim a indicação dessa fonte.
46

procuradores às Cortes”124 (capítulo VII). Em finais do século, o termo é novamente utilizado


pelo Secretário de Estado Bernardo Vieira Ravasco para sensibilizar seus contatos lisboetas da
necessidade de proteger militarmente a capitania e dotá-la de uma moeda provincial125.
É, enfim, essa metrópole, cabeça e coração que será meu tema nas próximas páginas.
Indubitavelmente periférica frente às majestosas Cortes europeias, reforçou ao longo do
seiscentos um papel que, creio, pode-se dizer, sem muito exagero, central no devir da monarquia
portuguesa. Tal estatuto foi aproveitado e parcialmente construído pelas elites baianas que, por
mais detestáveis que sejam para nossas sensibilidades contemporâneas, protagonizam essa tese.
Antes, porém, de estudá-las, atentemos para aqueles que carregavam em suas costas a economia
e a sociedade americanas: os escravos.

124
AHU, Bahia, LF, cx. 12, doc. 1527.
125
Cf. BPA, cód. 51-VIII-34, fls. 31-38v (Papel sobre a moeda, 14 de Abril de 1687) e BPE, códice CV/1-17, fl.
296 (Discurso político sobre a neutralidade da Coroa de Portugal nas guerras presentes das Coroas da Europa, 18
de Julho de 1692). Seu irmão mais famoso também utiliza o termo em carta de 1692: VIEIRA, Cartas, vol. III, p.
439, assim como o juiz do povo em requerimento de 1693, também sobre a moeda: AC, vol. VI, p. 202.
47

Capítulo II

Compadrio e Escravidão

Oh! se a gente preta, tirada das brenhas da sua Etiópia, e passada ao Brasil, conhecera bem quanto
deve a Deus e a sua Santíssima Mãe por este que pode parecer desterro, cativeiro e desgraça, e não é
senão milagre, e grande milagre? Dizei-me: vossos pais, que nasceram nas trevas da gentilidade, e
nela vivem e acabam a vida sem lume da fé nem conhecimento de Deus, aonde vão depois da morte?
Todos, como credes e confessais, vão ao inferno, e lá estão ardendo e arderão por toda a eternidade.
E que, perecendo todos eles, e sendo sepultados no inferno como Coré, vós, que sois seus filhos, vos
salveis, e vades ao céu? Vede se é grande milagre da providência e misericórdia divina.
Padre Antônio Vieira, Sermão XIV do Rosário, 1633.

Sabei, pois, todos os que sois chamados Escravos,


que não é escravo tudo o que sois. Todo homem é composto de corpo e alma,
mas o que é e se chama escravo não é todo o homem, senão só a metade dele.
Padre Antônio Vieira, Sermão XXVII do Rosário, 1680?

Introdução
Nas últimas três décadas o estudo da escravidão africana no Brasil recebeu um grande
impulso, e novas temáticas, fontes e abordagens se multiplicaram. Especialmente prolíficos têm
sido os trabalhos que utilizam os registros paroquiais para investigar as relações sociais
estabelecidas pelos cativos entre si e com forros, livres pobres e senhores. Entretanto, as
pesquisas têm enfocado os séculos XVIII e XIX, englobando a época que vai da descoberta do
ouro no Centro-Sul até o fim da escravidão e o imediato pós-emancipação.1 O século XVII foi
negligenciado até recentemente, mesmo tendo sido o momento de consolidação da produção
açucareira para exportação em grande escala, através da utilização da mão de obra africana nas
áreas centrais da América Portuguesa, nomeadamente Bahia e Pernambuco.
Nesse capítulo, analiso os dados que podemos extrair a partir das fontes paroquiais
baianas seiscentistas, privilegiando três freguesias do Recôncavo: Santo Amaro da Purificação,
no quarto de século entre 1652 e 1676; Paripe, 1672-1700 e Nossa Senhora da Ajuda de
Jaguaripe, 1613-1667. Menciono eventualmente Santo Amaro do Catu, na ilha de Itaparica

1
Cf. SCHWARTZ, Stuart. “Abrindo a roda da família: compadrio e escravidão em Curitiba e na Bahia” in: id.
Escravos, roceiros e rebeldes (trad.). Bauru: EDUSC, 2001 [1992], pp. 263-92; MACHADO, Cacilda. A trama
das vontades: negros, pardos e brancos na construção da hierarquia social no Brasil escravista. Rio de Janeiro:
Apicuri, 2008; FRAGOSO, João. “Efigênia Angola, Francisca Muniz forra parda, seus parceiros e senhores:
freguesias rurais do Rio de Janeiro, século XVIII. Uma contribuição metodológica para a história colonial” e
MAIA, Moacir. “Tecer Redes, proteger relações: portugueses e africanos na vivência do compadrio (Minas Gerais,
1720-1750)”, Topoi, vol. 11, n. 20, 2010, respectivamente em pp. 1-33 e 36-54; FRAGOSO, João; FERREIRA,
Roberto Guedes & SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá de (orgs.). Arquivos paroquiais e História Social na América
Lusa, séculos XVII e XVIII: métodos e técnicas de pesquisa na reinvenção de um corpus documental. Rio de
Janeiro: Mauad X, 2014.
48

(1691-1700), uma pequena paróquia de pescadores e produtores de alimentos.

Mapa 1: Rede urbana e paroquial do Recôncavo Baiano, século XVIII.

Fonte: SCHWARTZ, Stuart. Segredos Internos: engenhos e escravos na sociedade colonial,


1550-1835 (trad.). São Paulo: Companhia das Letras, 1988 [1985], p. 84.

A utilização dessas fontes deveu-se ao fato de serem as únicas sobreviventes, já que,


diferentemente do Rio de Janeiro, a maior parte das fontes eclesiásticas do século XVII se
perdeu (ou atualmente se encontra muito deteriorada, dificultando sua utilização sistemática,
como no caso da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição da Praia, em Salvador). Em
acréscimo, diferentemente da centúria seguinte, os registros cartoriais e os inventários são raros
e dispersos, existindo apenas para os últimos anos do século.
Meu objetivo é analisar a dinâmica demográfica e social da escravidão seiscentista,
utilizando o único tipo de fonte sobrevivente que permite uma análise abrangente daquela
sociedade. Demonstrarei as especificidades da escravidão baiana no século XVII,
nomeadamente a reduzida quantidade de alforrias e o pequeno número de livres de cor; a
raridade do casamento cativo; a importância do compadrio para o estabelecimento de relações
49

que ultrapassavam as fronteiras da senzala e a utilização do parentesco ritual dos escravos para
estender as redes de relações dos grandes potentados entre os livres pobres.

Vislumbres de uma sociedade escravista

Quadro 1: dados básicos das paróquias analisadas.


Jaguaripe Santo Amaro Paripe Santo Amaro
da Purificação de Itaparica
Período 1613-1667 1652-1676 1672-1700 1691-1700
Número de Batismos 1.706 (100%) 1.077(100%) 738(100%) 103(100%)
Inocentes Cativos Batizados 824 (48%) 545 (51%) 397 (54%) 29 (28%)
Inocentes Livres Batizados 874 (51%) 505 (47%) 312 (42%) 56 (54%)
Adultos Batizados 8 (0,5%) 27 (2,5%) 29 (4%) 19 (18%)
Mães Escravas 594 (61%) 502 (68%) 283 (67%) 27 (43%)
Mães Livres 367 (38%) 230 (31%) 129 (31%) 36 (57%)
Mães Forras/de Cor 13 (1%) 11 (1%) 10 (2%) 0
Engenhos em 1718* 0 39 1 0
População Escrava em 1718* 1.096 (45%) 4.152 (69%) 551 (64%) 407 (57%)
Fontes: Laboratório Eugênio da Veiga/Universidade Católica de Salvador, Registros de batismo
das paróquias em análise (Purificação, Itaparica e Paripe digitalizados em www.familysearch.com).
* SCHWARTZ, Stuart. Segredos Internos: engenhos e escravos na sociedade colonial, 1550-
1835 (trad.). São Paulo: Companhia das Letras, 1988 [1985], pp. 86-7; ALDEN, Dauril. “Price
movements in Brazil before, during, and after the gold boom, with special reference to the Salvador
Market, 1670-1759” in: JOHNSON, Lyman & TANDETER, Enrique (eds.). Essays on the price history
of eighteenth-century Latin America. Albuquerque: University of New Mexico Press, 1990, p. 363, nota
13.
De acordo com um censo eclesiástico de 1718, Santo Amaro possuía 39 engenhos e
69% de sua população era escrava, enquanto Paripe dispunha de apenas um engenho e 64% de
escravos. Mesmo que os dados não correspondam à realidade da época englobada pelo meu
recorte (Paripe, por exemplo, possuía dois engenhos em 1686),2 creio que a posição
relativamente a outras paróquias não deve ter se alterado. Jaguaripe, por sua vez, tinha 45% de
sua população escrava e nenhum engenho, pois já havia se especializado na produção de

2
CS, vol. III, pp. 30-1.
50

alimentos. Entretanto, como havia sido um dos polos de expansão açucareira em finais do
século XVI, na primeira metade do seiscentos ainda possuía no mínimo dois engenhos.3 Na
freguesia de Santo Amaro da Purificação, coração do Recôncavo açucareiro, analiso um total
de 1.077 batismos (outros 309 não podem ser levados em conta, em razão do péssimo estado
de conservação da documentação); em Paripe são 738 registros (sendo mais 133 ilegíveis) e em
Jaguaripe 1.706 (descartando 145 excessivamente deteriorados).
A maioria escrava é evidente, pois 51% (545) dos batizandos inocentes em Santo Amaro
eram cativos, e 54% (397) em Paripe, enquanto em Jaguaripe há praticamente uma paridade:
824 cativos e 874 livres. A taxa de natalidade dos cativos tendia a ser menor que a dos livres,
em razão da elevada razão de sexo em uma população majoritariamente africana e das
dificuldades cotidianas: essa diferença é especialmente visível quando comparamos o número
de mães escravas e livres, numa proporção de mais de dois para um em Santo Amaro e Paripe.
Mesmo considerando a imprecisão desse índice, o fato de que a população cativa masculina
devia ser maior do que a feminina indica a significativa predominância demográfica dos
escravos, provavelmente em níveis similares ou maiores que os do censo de 1718.

Quadro 2: distribuição da propriedade de mães por senhor (total de escravas).


Jaguaripe Jaguaripe Santo Amaro Paripe
(1613-40) (1641-67) (1652-76) (1674-1700)
1-3 98 (132) 132 (231) 215 (387) 127 (172)
4-6 12 (45) 18 (80) 22 (108) 10 (42)
7-9 4 (31) 6 (47) 1 (7) 5 (38)
10-12 0 0 0 1 (11)
13-15 1 (15) 1 (13) 0 0
16-18 0 0 0 0
19-21 0 0 0 1 (20)
Total de 115 (223) 157 (371) 238 (502) 144 (283)
senhores
Fontes: Laboratório Eugênio da Veiga/Universidade Católica de Salvador, Registros de batismo
das paróquias em análise (Santo Amaro e Paripe digitalizados em www.familysearch.com).

Infelizmente, os dados possuem diversas limitações: em Santo Amaro da Purificação,


por exemplo, o cura só registrou os batismos realizados na matriz da freguesia, deixando de
fora as capelas filiadas, inclusive as situadas nos engenhos, o que nos impede de analisar os
grandes proprietários e seus escravos, distorcendo os dados de modo a sobrerrepresentar os
moradores de pequenas posses e livres pobres. Tal situação explica a extrema desconcentração

3
SCHWARTZ, Segredos Internos, pp. 86-7, 89 e 206.
51

da propriedade escrava nessa paróquia, coração do Recôncavo açucareiro, exibida no quadro 2.


O mesmo pode ter acontecido em algum grau em Jaguaripe, já que um senhor de engenho como
Nicolau Soares batiza apenas cinco cativos entre 1621 e 1650; a vantagem, porém, é que essa
é a única freguesia em que os pais dos filhos das escravas são registrados sistematicamente,
como veremos abaixo. Em contrapartida, o pároco de Paripe registrava muito menos
informações sobre seu rebanho, pois mencionou pouquíssimas vezes a cor e eventualmente não
informava a condição social dos padrinhos – ou sequer registrava-os, como fez em 38% dos
batizados de cativos. O cura chegou a ser admoestado em finais de 1697 pelo visitador
Reverendo Cônego Gaspar Marques Vieira para que “nos assentos dos batizados p[usesse] os
nomes dos padrinhos [para] que não suceda ficarem em branco como em alguns desses já feitos”
– o que, como veremos abaixo, melhorou a qualidade dos registros, aumentando a proporção
de padrinhos cativos. Por outro lado, apenas os dados de Jaguaripe cobrem um longo período,
de mais de 50 anos. Seremos obrigados, assim, a utilizar alternada e comparativamente os dados
dessas três paróquias na tentativa de responder às nossas questões.
Como a transição para a mão de obra africana já havia se completado em meados do
seiscentos, os indígenas eram claramente minoritários, tendo-se registrado apenas dois
batizados de gentios da terra adultos em Santo Amaro e nenhum em Paripe. Em Jaguaripe,
porém, a situação era marcadamente distinta: freguesia que conheceu a famosa Santidade em
finais do século XVI,4 possuía uma aldeia indígena fundada pelos jesuítas, que a abandonaram
em 1613.5 Seu intento de movê-los fracassou em razão de uma manifestação dos maiores
proprietários da região, requerendo a manutenção da aldeia para garantir a defesa da região
(inclusive contra os índios “fugidos” da Santidade), pois, em razão de sua localização
geográfica no sul do Recôncavo, representava a “fronteira do sertão”, 6 o que a colocava em
contato direto com os índios “bravos” ainda durante o seiscentos,7 justificando e possibilitando
a escravização de indígenas,8 identificados alternadamente como escravos, “da obrigação de”

4
VAINFAS, Ronaldo. A Heresia dos Índios. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
5
LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil, vol. V: da Baía ao Nordeste. Rio de Janeiro:
Imprensa Nacional, 1945, pp. 267-8. Exatamente nesse ano os registros se iniciam, indicando ter sido essa a
provável data de instituição da freguesia.
6
SALVADO, João Paulo & MIRANDA, Susana Münch (eds.). Cartas para Álvaro de Sousa e Gaspar de Sousa
(1540-1627). Lisboa: CNCDP, 2001, pp. 190-2 e id. (eds.). Livro 1º do Governo do Brasil (1607-1633). Lisboa:
CNCDP, 2001, pp. 368-70.
7
Cf., AHMS, PR, vol. I, fls. 24v-26, para uma menção a um ataque em 1627; DH, vol. 3, pp. 185 e 248 e vol. 4,
pp. 356-7 sobre ataques em 1652, 1654 e 1657. Para uma detalhada análise desses conflitos na década de 1650, cf.
PUNTONI, Pedro. A Guerra dos Bárbaros: povos indígenas e a colonização do sertão nordeste do Brasil, 1650-
1720. São Paulo: EDUSP/Hucitec, 2002, pp. 89-107.
8
É de se destacar que a lei de 10 de setembro de 1611 sobre a liberdade do gentio singularizou Jaguaripe como
região onde “se cativaram muitos gentios contra as formas das leis d’El Rei”. Cf. Boletim do Conselho
Ultramarino: Legislação Antiga. Lisboa: Imprensa Nacional, 1867, Vol. I: 1446 a 1754, pp. 206-11.
52

e, principalmente, “sujeitos a” um senhor nos registros paroquiais.9


Mesmo nessa paróquia fronteiriça, porém, os “negros da terra” cativos são largamente
minoritários, pois encontrei apenas 22 batizados, espalhados entre 1615 e 1657: é de se
reconhecer, porém, que é provável que diversos dos escravos sem identificação sejam antes
indígenas que africanos, especialmente nos primeiros anos do período. Os índios livres da aldeia
de Santo Antônio são mais comuns, perfazendo 56, 34 dos quais apadrinhados por brancos,
indicando uma interação significativa entre os membros da aldeia e a população luso-brasílica
de Jaguaripe. Essas relações talvez facilitassem o emprego do trabalho nativo, ao mesmo tempo
em que protegiam os indígenas da escravização ilegal ou formas mais violentas de exploração10.
Apesar da predominância da escravidão negra, a proporção de africanos variava
significativamente, como é possível perceber através da naturalidade das mães. Em Santo
Amaro, mais de 83% (257) das genitoras cativas de origem conhecida haviam nascido na
África: como essa era a freguesia que recebia o maior influxo dos cativos desembarcados na
praça baiana, tal predominância é facilmente compreensível. Já em Jaguaripe a proporção quase
se inverte, pois apenas 35 mães (26% do total com origem registrada) aparecem como “do
gentio da Guiné” ou “Angola”, enquanto 97 (74%) são crioulas ou mulatas – o que
provavelmente significava uma menor predominância masculina entre os cativos,
potencializando a formação de laços familiares estáveis, como veremos – e até uma maior
natalidade, visível na média de 1.4 filhos por mulher em Jaguaripe, contra 1.1 em Santo Amaro.
Falamos brevemente das mães; e os filhos? 312 inocentes cativos de Santo Amaro têm
sua cor registrada, denotando um elevado índice de miscigenação, pois 56% são qualificados
como mulatos (163) ou mestiços (12). Mesmo se considerarmos os outros 233 inocentes que
não têm a cor registrada pelo pároco como crioulos (o que é manifestamente falso, pois ao
menos três são filhos de livres sem cor declarada, isto é, “brancos”, assim como outros 146 em
Jaguaripe), o nível de contato sexual interétnico era muito intenso, o que acabou por gerar um
importante grupo miscigenado no cativeiro.
Em Santo Amaro, Itaparica e Paripe, a paternidade dos cativos quase nunca é assumida.
Da mesma maneira, dos quatro mulatos nascidos livres, apenas um teve a paternidade declarada.
Se o “mulatismo” implicava a inexistência de reconhecimento formal por parte da figura

9
Para uma discussão similar sobre a administração dos índios, cf. MONTEIRO, John. Negros da Terra: índios e
bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras, 1994, pp. 147-53.
10
Um dos poucos estudos sobre compadrio na América Espanhola indica que apenas uma minoria de índios,
geralmente caciques e seus parentes, estabelecia laços de parentesco ritual com a população de origem europeia,
situação bem distinta da verificada na Bahia, provavelmente em razão do domínio demográfico indígena:
CHARNEY, Paul. “The implications of godparental ties between Indians and Spaniards in Colonial Lima”. The
Americas, vol. 47, n. 3, 1991, pp. 295-313.
53

paterna, tal situação não era exclusiva: apenas 45 cativos crioulos ou sem cor (cerca de 6% do
total) têm pais identificados nestas paróquias. Se olharmos para os matrimônios sacramentados
na Igreja, o contraste com a população livre fica ainda mais evidente. Nenhum mulato ou pardo,
escravo ou livre, foi filho de pais casados, e apenas uma pequena minoria de 30 (3,2%) escravos
em Paripe e Santo Amaro nasceu numa família reconhecida pela Igreja (assim como dois casais
de crioulos livres). Isso significa que cerca de 97% dos escravos eram filhos ilegítimos.
É de se notar que tal índice de ilegitimidade é ainda maior que o encontrado em outras
regiões, como São João Del Rey entre 1736-1850, onde a taxa variou entre 57% e 89%; Campos
dos Goitacazes entre 1748-1800, onde girava em torno de 53%; e Jacarepaguá, de 48% a 62%
entre 1754 e 180411. Mesmo na Bahia do final do XVIII o casamento escravo parece ter sido
mais frequente que na centúria anterior, pois nas paróquias e anos analisados por Schwartz a
taxa varia entre 66% e 90%12. As únicas áreas com taxas comparáveis que conheço são Angra,
nos Açores, onde 93% dos inocentes cativos eram ilegítimos entre 1583-1699 (provavelmente
em razão da predominância de escravarias muito reduzidas, limitando as possibilidades
matrimoniais dos escravos) e a cidade do Rio de Janeiro entre 1744-60, com 97%13.
Assim como em Angra, nos Açores, o diferencial em relação à população livre sem cor
era muito significativo, pois 86% destas crianças em Santo Amaro eram legítimas, enquanto o
percentual era de 90% em Paripe e de 93% em Jaguaripe – taxas comparáveis às de diversas
paróquias portuguesas, especialmente no Minho, de onde vinha parte considerável dos
imigrantes (capítulo II), imigração que contribuía para as taxas de ilegitimidade ao produzir
uma razão de sexo desbalanceada, a ponto de deixar muitas mulheres solteiras. Os níveis
encontrados no Recôncavo baiano também são iguais ou maiores do que muitas áreas da
América Portuguesa no XVIII, embora menores do que as encontradas para São Gonçalo
seiscentista, no Recôncavo da Guanabara. No reino como nas conquistas, a ilegitimidade entre
os livres “sem cor” parece ter sido característica da experiência de mulheres mais pobres, em

11
BRÜGGER, Silvia. Minas Patriarcal: família e sociedade (São João Del Rei – séculos XVIII e XIX). São Paulo:
Annablume, 2007, pp. 76-80 e 115-20; FARIA, Sheila. “Cotidiano do negro no Brasil Escravista” in: ANDRÉS-
GALLEGO, José (org.). Tres Grandes Cuestiones de la Historia de Iberoamerica. Madri: Fundación Mapfre
Tavera, 2005, pp. 54-72 & SOARES, Márcio. “Presença africana e arranjos matrimoniais entre os escravos em
Campos dos Goitacazes (1790-1831)”. História: Questões & Debates, n. 52, 2010, p. 88.
12
SCHWARTZ, Segredos Internos, p. 316-8. A exceção é a freguesia de São Francisco em 1816, onde a taxa de
ilegitimidade foi de 100%. Para Paripe na transição para o Oitocentos, cf. ALVES, Adriana. As Mulheres Negras
por Cima: o caso de Luzia Jejê. Escravidão, família e mobilidade social – Bahia, c. 1780 - c. 1830. Tese de
Doutorado. Niterói: PPGH/UFF, 2010, pp. 98-150.
13
MESQUITA, Maria Hermínia. “Escravos em Angra no século XVII: uma abordagem a partir dos registros
paroquiais”. Arquipélago: História, 2ª série, vol. IX, 2005, p. 213; SOARES, Mariza. People of Faith: Slavery and
African Catholics in Eighteenth-Century Rio de Janeiro (trad.). Durham: Duke UP, 2011 [2000], pp. 71 e 95.
54

situação instável e menos inseridas em redes sociais de apoio14. Na Bahia seiscentista, as mães
solteiras não aparecem como madrinhas, e nunca conseguiam casar e gerar filhos legítimos.
Voltemos aos cativos. Jaguaripe distingue-se parcialmente do cenário que traçamos até
aqui, pois sua taxa de ilegitimidade entre os cativos foi de “apenas” 79%: elevada, mas menos
onipresente do que em Santo Amaro e Paripe. O que é ainda mais significativo, 80% dos filhos
naturais tiveram pais registrados. A atitude do pároco e seus paroquianos certamente foi um
fator preponderante, fosse permitindo o casamento cativo ou, ao menos, aceitando as
atribuições de paternidade feitas pelas escravas e seus padrinhos, na característica fórmula
“deu-se por pai”, que continuou a ser utilizada até 1667, quando terminam os registros
sobreviventes dessa freguesia. Para deixar mais clara essa oposição, cabe fazer uma rápida
comparação: em Santo Amaro, nos 15 anos em que os registros são concomitantes (1652-67),
apenas um francês, Miguel Buqueque, aparece como pai livre de um cativo, em oposição a 76
registrados no mesmo período em Jaguaripe.
Um fator que me parece importante para a compreensão desse desenvolvimento distinto
é o tráfico: como vimos acima, a presença crioula era significativamente maior na freguesia de
Jaguaripe, em razão da progressiva decadência de sua economia açucareira, que certamente
impossibilitava a compra de africanos na mesma escala de Santo Amaro: assim, talvez a menor
incorporação de forasteiros tenha estimulado a constituição de relacionamentos estáveis
(sacramentados ou não pela Igreja); por outro lado, também é possível que os próprios africanos
(ou ao menos alguns deles) resistissem ao casamento monogâmico.15
O matrimônio sofria ainda de outra limitação fundamental: praticamente todos os
esposos, com exceção de apenas um, em Jaguaripe, pertenciam ao mesmo senhor, como em
outras regiões e épocas.16 Em verdade, tal obstáculo aparentemente está presente mesmo para
os relacionamentos informais estáveis (isto é, aqueles que geraram mais de um filho), pois
encontrei apenas um casal (que gerou apenas dois filhos) entre pais de senhores distintos, sendo
mais comum encontrar famílias informais dentro da mesma propriedade.
O maior proprietário das quatro paróquias é o desembargador Cristóvão de Burgos, com
35 inocentes batizados em Paripe, dos quais cinco (14%) legítimos; se nas grandes propriedades

14
NEVES, António Amaro das. “Um enigma demográfico: a ilegitimidade no Minho do Antigo Regime”. Boletín
de la Asociación de Demografía Histórica, vol. XVI, n. 1, 1998, pp. 151-65; SCOTT, Ana Silvia. “O pecado na
margem de lá: a fecundidade ilegítima na metrópole portuguesa (séculos XVII-XIX)”. População & Família, n. ,
(2000, pp. 41-70; BRÜGGER, Minas Patriarcal, pp. 76-115 e FARIA, Sheila. A colônia em movimento: fortuna
e família no cotidiano colonial. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1998, pp. 52-8.
15
Para a relação entre tráfico e família escrava, sintetizando e retomando pontos de seus trabalhos anteriores, cf.
FLORENTINO, Manolo. “Tráfico atlântico, mercado colonial e famílias escravas. Rio de Janeiro, Brasil, c. 1790
– c. 1830”. História: Questões & Debates, n. 51, 2009, pp. 69-119.
16
SCHWARTZ, Segredos Internos, p. 313 e FARIA, “Cotidiano do negro”, pp. 59-60.
55

o maior número de cativos aumentava a possibilidade de enlaces formais, ainda assim eles
continuavam a ser muito raros no século XVII, mostrando-se talvez privilégio de um pequeno
grupo, interessado em se conformar com as normas católicas e capaz de pressionar de alguma
maneira os senhores a reconhecerem formalmente suas uniões, já que estas implicavam, ao
menos juridicamente, a proibição de separação dos parceiros e seu direito vitalício à coabitação
– para além de, possivelmente, representarem uma marca de status dentro da hierarquia interna
do cativeiro. Certamente, porém, havia arranjos familiares internos da comunidade escrava que
permanecem invisíveis para nós, refletindo a dificuldade de formalizar as uniões (especialmente
as que ultrapassassem os limites da propriedade) e talvez mesmo algum desinteresse dos
próprios cativos no caráter vitalício e exclusivo do matrimônio católica.
Já o Padre Vieira reclamava dessa situação: “consentis que os escravos e escravas andem
em pecado, e não lhes permitis que se casem, porque dizeis que casados servem menos bem”17.
Seu famoso secretário, Antonil, admite tal situação, afirmando mesmo que os senhores
reconheciam o concubinato “dizendo: Tu Fulano a seu tempo casará com Fulana”. 18 Outro
membro da ordem, o italiano Antônio De Brandolini, encaminhou em 1708 ao Pontífice um
suposto memorial de uma irmandade de escravos africanos da Bahia (provavelmente a de Nossa
Senhora do Rosário dos Pretos de Salvador, fundada em 1685) pedindo – sem sucesso – a
intervenção papal para obrigar os proprietários a aceitar o casamento de seus cativos19.
É importante perceber, portanto, a possibilidade de matrimônios escravos como um
diferencial entre a escravidão seiscentista e setecentista: se o casamento católico foi sempre
acessível a (e/ou desejado por) apenas uma parcela restrita dos cativos, essa situação parece ter
sido muito mais marcada no período de ascensão e consolidação da escravidão africana na
Bahia, quando suas hierarquias costumeiras e seu modus vivendi ainda estavam em construção.
Em acréscimo, é possível que a fragilidade e mesmo o descaso do aparato eclesiástico,
especialmente no meio rural, tenha sido um dos fatores constituintes da extrema raridade do
matrimônio católico entre os cativos, em oposição a sua ampla disseminação entre os livres,20
ainda mais se considerarmos que as primeiras diretrizes produzidas pela Igreja especificamente

17
VIEIRA, Antônio. “Sermão XXVII, com o Santíssimo Sacramento exposto” in: id. Maria Rosa Mystica. Lisboa:
Imprensa Crasbeeckiana, 1688, 2ª parte, p. 402.
18
ANTONIL, André João. Cultura e Opulência do Brasil por suas drogas e minas. Lisboa: CNCDP, 2001 [1711],
p. 93.
19
CASTELNAU-L’ESTOILE, Charlotte de. “O ideal de uma sociedade escravista cristã: direito canônico e
matrimônio dos escravos no Brasil colônia” in FEITLER, Bruno & SOUZA, Evergton Sales (org.). A Igreja no
Brasil: normas e práticas durante a vigência das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. São Paulo:
Ed. UNIFESP, 2011, pp. 355-395.
20
Cf. LIBBY, Douglas Cole. “As populações escravas das Minas Setecentistas: um balanço preliminar” in
RESENDE, Maria Efigênia & VILLALTA, Luiz Carlos (orgs.). História de Minas Gerais: as Minas setecentistas.
Belo Horizonte: Autêntica, 2007, vol. I, p. 418.
56

nesse sentido tenham surgido apenas no início do século XVIII, com as Constituições Primeiras
do Arcebispado da Bahia (1707). Tais Constituições reconheciam que os senhores se opunham
ao casamento de seus cativos e reafirmavam as disposições favoráveis ao matrimônio escravo
constantes em decreto de 1568 do arcebispo de Lisboa e nas Constituições daquele arcebispado
de 1646, ambas teoricamente vigentes no Brasil seiscentista, mas de nulo efeito prático.21
A Bahia de seiscentos se contrapõe, assim, ao México e ao Peru, onde os sínodos
provinciais trataram dessa questão desde meados do XVI, e os escravos frequentemente
recorriam aos tribunais eclesiásticos para garantir o gozo do estado de casado.22 É claro que a
grande quantidade de escravos concentrados no meio urbano e a força do aparato eclesiástico
são fundamentais para explicar tal diferença, assim como a menor importância dos cativos na
estrutura produtiva da Nova Espanha. De qualquer maneira, essa situação reforçava a
autoridade dos senhores sobre seus escravos (como estes próprios reconheciam, a se crer na
citação acima de Vieira), pois evitava restrições legais ao controle sobre seus cativos.
Mesmo assim, cabe reconhecer os limites de generalização destas afirmações. Em uma
das poucas pesquisas que abarca o século XVII, os dados recolhidos por Sheila de Castro Faria
sobre a paróquia de São Gonçalo (1645-68), no Recôncavo da Guanabara, demonstram que
47,5% dos escravos eram legítimos,23 taxa muito superior à que encontramos para as paróquias
com registros sobreviventes na Bahia, inclusive Jaguaripe. Por que as diferenças? Como os
numerosos trabalhos sobre o setecentos deixam claro, variações significativas são comuns,
forçando o pesquisador a reconhecer a especificidade das hierarquias costumeiras e padrões
demográficos de cada paróquia no Brasil escravista. Além disso, só uma análise sistemática
sobre outras freguesias do Rio de Janeiro seiscentista pode esclarecer se São Gonçalo era regra
ou exceção na capitania no tocante à questão da legitimidade dos inocentes cativos. Para além
de variáveis de impossível verificação, como uma predisposição do pároco a estimular o
matrimônio católico entre seu rebanho negro, é provável que o fato de o Rio de Janeiro ser
menos ligado ao tráfico do que Salvador nesse período, recebendo cerca de 30% menos cativos

21
CASTELNAU-L’ESTOILE. “O ideal de uma sociedade escravista cristã”.
22
BENNET, Hermann. Africans in Colonial Mexico: Absolutism, Christianity and Afro-Creole Consciousness,
1570-1640. Bloomington: Indiana UP, 2003; WISNOSKI III, Alexander. “‘It is unjust for the law of marriage to
be broken by the law of slavery’: married slaves and their masters in early colonial Lima”. Slavery & Abolition,
vol. 35, n. 2, pp. 234-52; O mesmo ocorria em Lisboa em finais do XVII: LAHON, Didier. Esclavage et Confréries
Noires au Portugal durant l’Ancien Régime (1441-1830). Tese de Doutorado. Paris: EHESS, 2001, pp. 144-50.
Até nas Antilhas Francesas da década de 1680 o casamento cativo era mais disseminado que na Bahia, graças a
um determinado esforço eclesiástico (embora a situação tenha se invertido nos séculos seguintes): GAUTIER,
Arlette. “Les familles esclaves aux Antilles françaises, 1635-1848”. Population, ano 55, n. 6, 2000, p. 983.
23
FARIA, “O cotidiano do negro”, p. 37. A freguesia de Santo Antônio do Jacutinga apresentou índices similares
na viragem do século XVII para o XVIII: DEMÉTRIO, Denise. Famílias escravas no Recôncavo da Guanabara:
séculos XVII e XVIII. Dissertação de mestrado. Niterói: PPGH/UFF, 2008, pp. 116-8.
57

em meados do XVII – o que fazia do africano uma mercadoria socialmente mais escassa – tenha
sido um fator a estimular a formação de famílias formalmente reconhecidas, inclusive por
possibilitar a reprodução de novos trabalhos. Nesse sentido, podemos perceber semelhanças
entre São Gonçalo e Jaguaripe, explicando a aparente excepcionalidade dessa paróquia em
comparação com suas congêneres baianas24.
Todos os estudos que utilizam os registros paroquiais para analisar a escravidão
mencionam taxas reduzidas de alforrias na pia batismal, como para o Recôncavo na década de
1780, 5%; São João Del Rei entre 1750-1850, entre 1 e 3%, Campos dos Goitacazes, 2% de
1753 a 1831 e Vila Rica setecentista, 5 a 6%; porém, como percebeu Donald Ramos, “embora
o número destes inocentes forros não fosse expressivo em termos demográficos, obviamente as
alforrias concedidas na pia batismal eram importantes em termos sociais e culturais”.25
Tais efeitos inexistiam na Bahia seiscentista, pois não encontrei uma manumissão em
1.774 batizados de inocentes cativos. Não quero dizer que a alforria fosse uma impossibilidade,
pois ela existia desde o início da escravidão baiana, seguindo tradicionais precedentes
ibéricos26. Entretanto, a presença discreta de livres e libertos de cor na documentação paroquial
sugere fortemente que esse ainda era um grupo marginal, mesmo que com alguma capacidade
de acumulação, a se julgar pela não desprezível contribuição das forras de Pernambuco para o
Donativo do Dote da Rainha da Grã-Bretanha e Paz da Holanda, em 1664-6.27

Quadro 3: Forros e Livres de Cor nos Registros Batismais da Bahia Seiscentista


(porcentagem do total).

Mães Pais Padrinhos Madrinhas Senhores


Jaguaripe (1613-40) 10 (1,5%) 2 (0,3%) 1 (0,2%) 0 0
Jaguaripe (1641-67) 17 (1,7%) 18 (2%) 17 (2,2%) 9 (1,3%) 3 (0,7%)
Purificação (1652-76) 12 (1,2%) 1 (0,2%) 53 (5,5%) 64 (7,9%) 5 (0,9%)
Paripe (1672-1700) 20 (2,8%) 5 (1,7%) 4 (0,7%) 8 (2%) 0
Itaparica (1691-1700) 0 0 4 (4,5%) 3 (4,4%) 0

24
Cf. FRAGOSO, João. “Apontamentos para uma metodologia em história social a partir de assentos paroquiais
(Rio de Janeiro, séculos XVII e XVIII)” in: id., GUEDES & JUCÁ (orgs.), Arquivos Paroquiais, p. 56.
25
GUDEMAN, Stephen & SCHWARTZ, Stuart. “Purgando o pecado original: compadrio e batismo de escravos
na Bahia no século XVIII” in: REIS, João José (org.). Escravidão e Invenção da Liberdade. São Paulo: Brasiliense,
1988, pp. 53; BRÜGGER, Minas Patriarcal, p. 296, nota 353; SOARES, Márcio. A Remissão do Cativeiro: a
dádiva da alforria e o governo dos escravos nos Campos dos Goitacases, c. 1750 – c. 1830. Rio de Janeiro: Apicuri,
2009, p. 68; RAMOS, Donald. “Teias Sagradas e Profanas: o lugar do batismo e compadrio na sociedade de Vila
Rica durante o século do ouro”. Varia História, n. 31, 2004, p. 47 (citação).
26
SAUNDERS, A. C. A social history of black slaves in Portugal, 1441-1555. Cambridge: Cambridge UP, 1982,
pp. 138-41 (há edição portuguesa). Também em Lisboa, porém, a manumissão parece ter se acelerado no século
XVIII. Uma investigação nos índices dos registros notariais entre 1568-1662 encontrou menos de meia centena de
alforrias, número reduzido para os milhares de cativos existentes na capital: LAHON, Esclavage, p. 294.
27
MELLO, José Antônio Gonsalves de (ed.). “A finta para o casamento da Rainha da Grã-Bretanha e Paz da
Holanda”. Revista do Instituto Histórico, Geográfico e Arqueológico Pernambucano, vol. 54, 1981, pp. 9-62.
58

Fontes: Laboratório Eugênio da Veiga/Universidade Católica de Salvador, Registros de batismo


das paróquias em análise (Purificação, Itaparica e Paripe digitalizados em www.familysearch.com).

Há que reconhecer a limitação inerente a esses dados, oriundos que são de quatro
paróquias de características socioeconômicas distintas ao longo de quase um século, e
registrados por párocos que demonstraram um interesse variável na cor e, por vezes, até mesmo
no estatuto jurídico de seu rebanho. Mesmo assim, é certo que a proporção de forros e livres de
cor é muito menor do que no setecentos. Essa diferença é evidenciada pela comparação com
Minas Gerais: entre 1712 e 1810 em Vila Rica, os filhos de mães forras representam 19% do
total,28 e, em São João del Rey, 17% já em 1736-40 e, nas décadas seguintes, entre 24% e 36%.29
Até em Lisboa na segunda metade do seiscentos a população livre de cor era muito mais
relevante como proporção da população negra ou mulata30. Se considerarmos a porcentagem
de mães como um indício mais ou menos confiável do peso dos livres de cor na população, os
dados para Paripe nas últimas décadas do século são muito similares aos encontrados nas
Antilhas francesas da mesma época, que vivia uma lenta transição para a produção açucareira,
mas cuja economia um tanto mais diversificada distinguia-se menos da América Portuguesa do
que as Índias Ocidentais inglesas31.
Entretanto, se os livres de cor eram um grupo incipiente ainda em finais do seiscentos,
seu pequeno aumento nas últimas décadas indica uma tendência de lento crescimento ao longo
do século. Tal desenvolvimento já é perceptível em meados do XVII em Jaguaripe, única
paróquia cujos dados possibilitam uma análise de média duração. A pequena quantidade de
nascimentos significa que esse grupo dependia das alforrias para aumentar seu número. Embora
as manumissões registradas em cartório na Bahia só sobrevivam a partir de finais do seiscentos,
e sua qualidade dificulte a quantificação até 1720, os dados apresentados por Schwartz e Ligia
Bellini sugerem que os 23 anos entre 1684-1707 conheceram uma média anual de 15 alforrias,
enquanto o período de 1728-41 assistiu a 70 por ano, indicando uma forte tendência de
aceleração, já observada para o Rio de Janeiro32. O fator a explicar essa significativa alteração

28
A dificuldade de identificação de forros é inevitável, como reconhecem LIBBY, Douglas Cole & BOTELHO,
Tarcísio. “Filhos de Deus – batismos de crianças legítimas e naturais na Paróquia de Nossa Senhora do Pilar de
Ouro Preto, 1712-1810”. Varia História, n. 31, 2004, pp. 73 e 87.
29
BRÜGGER, Minas Patriarcal, p. 77.
30
LAHON, Esclavage, vol. I, pp. 78-9, 82-3, 86 e 296.
31
PRITCHARD, James. In search of empire: the French in the Americas. Cambridge: Cambridge UP, 2004, pp.
43-70 e 101-3.
32
SCHWARTZ, Stuart. “Alforria na Bahia, 1684-1745” [1974] in: id. Escravos, p. 175, nota 7; BELLINI, Ligia.
“Por amor e por interesse: a relação senhor-escravo em cartas de alforria” in: REIS, João José (org.). Escravidão
e invenção da liberdade: estudos sobre o negro no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1988, pp. 73-86; SAMPAIO,
Antônio Carlos Jucá de. “A produção da liberdade: padrões gerais das manumissões no Rio de Janeiro colonial,
59

parece ter sido a grande intensificação do tráfico negreiro a partir de 1696, num contexto de
crescimento econômico e demográfico em todo o mundo atlântico, gerando a disseminação da
propriedade escrava no Brasil, a facilidade de reposição de trabalhadores, e o estímulo à
concessão de alforrias para um melhor controle dos cativos, outorgadas principalmente por
pequenos e médios proprietários.33
Assim, na primeira metade do seiscentos, o grupo dos livres de cor, responsável por uma
das principais especificidades da escravidão luso-americana, ainda era quase inexistente, só
começando a se constituir como tal a partir de meados do século, como podemos ver em
Jaguaripe e Santo Amaro, mas ainda de forma extremamente minoritária34. Na “leva de gente”
feita pelo Conde de Óbidos em 1639, por exemplo, os pardos e mulatos forros não chegam a
1% dos 819 homens alistados35. Embora “mulato” seja um adjetivo mais disseminado e de
difícil datação, é curioso que a referência mais antiga que encontrei ao termo “pardo” na Bahia
seja de uma “mulher parda” presa pela Inquisição em 1612 em razão de suas proposições
heréticas, filha de pardos forros, mas natural, como seus pais, de Évora, sugerindo que as
origens desse termo devem ser procuradas não no Novo Mundo, mas no Velho36.
Em 1649 há uma referência a uma irmandade de pardos que pediu permissão à Santa
Casa da Misericórdia de Salvador para enterrar seus membros37. Trata-se de uma confraria de
cativos, o que já indica a pouca importância dos livres de cor nesse momento. O próprio termo
“pardo” só começa a aparecer nos registros paroquiais na década de 1650, primeiro em Santo

1650-1750” in FLORENTINO, Manolo (org.). Tráfico, cativeiro e liberdade: Rio de Janeiro, séculos XVII-XIX.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, pp. 287-329.
33
MARQUESE, Rafael. “A Dinâmica da Escravidão no Brasil: resistência, tráfico negreiro e alforrias, séculos
XVII a XIX”. Novos Estudos CEBRAP, n. 74, 2006, pp. 107-26 e SOARES, A Remissão do Cativeiro.
34
Processo similar ocorreu no Rio de Janeiro, ainda que com cronologia ligeiramente mais tardia, como se pode
inferir dos dados apresentados em FRAGOSO, “Apontamentos para uma metodologia em história social”, p. 59 e
FERREIRA, Roberto Guedes. “Livros paroquiais de batismo, escravidão e qualidades de cor (Santíssimo
Sacramento da Sé, Rio de Janeiro, séculos XVII-XVIII” in: id., FRAGOSO & SAMPAIO (eds.), Arquivos
paroquiais, pp. 137-44 e 174-6 (embora o autor considere a tentativa de comparação “descabida”). Um relatório
de 1665 de Salvador Correia de Sá afirma que “no Estado do Brasil há muita quantidade de mulatos forros”,
mencionando especificamente o Rio de Janeiro e Pernambuco (apud ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O trato dos
viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 306). Nessa última
capitania há menção a um “terço” de pardos já em 1653, e é provável que sua cronologia de desenvolvimento seja
muito similar à baiana: AUC, CCA, Disposições dos Governadores de Pernambuco, VI, 3a, I-1-31, 10v.
35
CCT, vol. III, pp. 142-80.
36
IAN/TT, TSO, IL, Processo 3382.
37
ASCMS, Livro 1º de Acórdãos, fls. 9-10. Veja-se também VIANA, Larissa. O idioma da mestiçagem. Campinas:
Ed. UNICAMP, 2007, pp. 108-14. No Rio foram fundadas três irmandades de pardos entre 1654-1700:
CAVALCANTI, Nireu. O Rio de Janeiro Setecentista: a vida e a construção da cidade da invasão francesa até a
chegada da Corte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004, p. 213. No Peru, por outro lado, as irmandades de mulatos e
“morenos” eram muito mais numerosas desde finais do século XVI: BOWSER, Frederick. The African Slave in
Colonial Peru, 1524-1650. Stanford: Stanford UP, 1974, pp. 247-51 e GRAUBART, Karen. “‘So color de una
cofradía’: Catholic confraternities and the development of Afro-Peruvian ethnicities in early colonial Peru”.
Slavery & Abolition, vol. 33, n. 1, 2012, pp. 43-64.
60

Amaro (1652) e depois em Jaguaripe (1658), tornando-se mais comum a partir da década
seguinte. Por esses anos também surge a primeira referência a uma companhia de ordenança
dos “homens pardos” na Bahia, composta por livres de cor, datada de 14 de julho de 1655,
apesar de essa unidade jamais ter adquirido qualquer relevância militar, diferente do que
ocorrera na Guatemala no mesmo período. De qualquer maneira, uma elite parda adquiria a
possibilidade de portar armas e ostentar um posto militar, distinguindo-se dos demais livres de
cor e mesmo de parte da população branca38. “Mulato” continua a ser a classificação
predominante, mas, em razão de sua conotação negativa39, tende a ser utilizado para qualificar
principalmente escravos, enquanto “pardo” é um termo utilizado com cada vez mais frequência
para se referir a forros – como talvez já ocorresse em Portugal desde o século XVI.
As referências a esse grupo se tornam mais pronunciadas nas últimas décadas do século,
como uma petição “dos moços pardos da cidade da Bahia, solicitando se ordene aos religiosos
da Companhia de Jesus os admitam nas suas escolas do Brasil sem embargo do seu nascimento
e de sua cor”.40 Ou, ainda, no parecer contrário do governador-geral Antônio Luís Gonçalves
da Câmara Coutinho à pretensão de Pedro Ferreira da Fonseca de servir como meirinho, pois
“é homem pardo, e não parece razão que havendo brancos sirvam os desta casta”.41 Mesmo
assim, essas referências não se comparam à explosão do setecentos, quando os livres de cor se
tornaram onipresentes em todas as capitanias do Brasil.42 Assim, num contexto em que o tráfico
negreiro ainda não havia alcançado o nível de importações do setecentos e de uma menor
diversificação produtiva, as possibilidades de ascensão social e mesmo de reprodução física dos
livres de cor eram significativamente menores que no XVIII.
Por outro lado, já em meados do seiscentos é possível encontrar alguns casos em que
pardos livres conseguiam se livrar do estigma da cor,43 ao que parece sem tanta dificuldade.
Analisemos o exemplo de Francisco Gonçalves: nascido em 1624, filho natural de João
Gonçalves (senhor de poucos cativos) e Lucrécia (muito provavelmente escrava de João), é

38
DH, vol. 31, pp. 170-1; LOKKEN, Paul. “Useful enemies: seventeenth-century piracy and the rise of pardo
militias in Spanish Central America”. Journal of Colonialism and Colonial History, vol. 5, n. 2, 2004. Uma patente
de 1688 que criava uma companhia de pardos livres os define de forma complicada, indicando a complexificação
do grupo em finais do século: “só se alistarão nela os mulatos, mestiços e curibocas livres, que forem nascidos de
negras, índios e de brancos, excluindo todos os que forem filhos de mulatas e mamelucas, salvo forem havidos de
índios, pretos e mulatos, e os que mais que voluntariamente quiserem alistar-se sem embargo de serem filhos de
mamelucos e homens brancos” (AHMS, PG, 1683-9, fls. 220v-223v).
39
Cf. RAMINELLI, Ronald. Nobrezas do Novo Mundo: Brasil e ultramar hispânico, séculos XVII e XVIII. Rio
de Janeiro: FGV Editora, 2015, pp. 207-39 e VIANA, O idioma, pp. 47-96.
40
AHU, Bahia, LF, cx. 28, docs. 3517-9. A resposta régia, favorável, pode ser vista em CCLP, vol. X, p. 189.
41
DH, vol. 34, p. 25.
42
LARA, Silvia. Fragmentos Setecentistas: escravidão, cultura e poder na América Portuguesa. São Paulo:
Companhia das Letras, 2007.
43
Cf., dentre outros, FARIA, A Colônia em Movimento, pp. 135-40.
61

classificado como pardo uma única vez, quando leva para a pia batismal Bárbara, a primeira de
suas duas filhas naturais com Luzia, de Isabel de Costa, em 1659. Mesmo assim, Francisco
manteve certa proximidade com o cativeiro, pois teve outra filha com uma escrava mulata e,
mais importante, apadrinhou quatro inocentes cativos (duas pertencentes a seu pai). A afinidade
com a escravaria não atrapalhou suas relações com o mundo dos livres, pois também apadrinhou
três filhos legítimos de livres, além da progênie de um casal de índios. Uma das escravas que
Francisco apadrinhou foi Helena, filha de Madalena, sendo João Vieira, pardo, apontado como
pai da criança. Ao que parece, nascimentos ilegítimos eram um momento privilegiado para
apontar a cor de paroquianos, pois nos outros momentos em que Vieira surge na documentação,
como proprietário de quatro cativos, padrinho de outros cinco e pai de três crianças legítimas,
sua cor não entra em questão. O estigma não se fazia constantemente presente, mas podia surgir
em momentos em que o indivíduo se desvia da norma; por outro lado, mesmo dormente
estimulava o estabelecimento de laços – ainda que hierárquicos – com a senzala.
Se a concessão de alforrias tem sido longamente reconhecida como uma das diferenças
fundamentais entre os sistemas escravistas ibéricos e o mundo atlântico norte-europeu,44
pesquisas recentes demonstram que até meados do seiscentos a obtenção da liberdade era uma
possibilidade real em diversas possessões inglesas, geralmente ligada à conversão ao
cristianismo.45 Entretanto, a segunda metade do século assistiu tanto a um crescente repúdio
por parte dos senhores ao batismo quanto o desenvolvimento de fortes restrições legais à
manumissão. A escravização inglesa protestante passou, portanto, a gradualmente desumanizar
seus cativos, considerando-os incapazes de se tornarem verdadeiros cristãos ou livres, de modo
que a religião exerceu um papel central no processo de construção de uma “raça” negra. O
batismo (e ainda mais o casamento) tornaram-se, portanto, privilégio de um pequeno grupo de
libertos, quase sempre mulatos, enquanto a massa da escravaria era excluída da possibilidade
de criar ou reforçar laços sociais através da cerimônia do batismo e do compadrio46.
Fenômeno similar ocorreu em New Netherland (o atual estado de Nova York), onde,
inspirados nas práticas portuguesas, os neerlandeses formaram milícias negras (a exemplo dos

44
TANNEMBAUM, Frank. Slave and Citizen: the negro in the Americas. Nova York: Vintage Books, 1946.
45
BERLIN, Ira. Gerações de Cativeiro: uma história da escravidão nos Estados Unidos (trad.). Rio de Janeiro:
Record, 2006 [2003], pp. 33-65; HEYWOOD, Linda & THORNTON, John. Central Africans, Atlantic Creoles,
and the Foundation of the Americas, 1585-1660. Cambridge: Cambridge UP, 2007, pp. 294-331 e HANDLER,
Jerome & POHLMANN, John. “Slave Manumissions and Freedmen in Seventeenth-Century Barbados”. The
William & Mary Quarterly, vol. 41, n. 3, 1984, pp. 390-408.
46
GOETZ, Rebecca. The Baptism of Early Virginia: how Christianity created Race. Baltimore: Johns Hopkins
UP, 2012, pp. 1-12 e 86-137; GERBNER, Katherine. “The Ultimate Sin: Christianizing slaves in Barbados in the
seventeenth-century”. Slavery & Abolition, vol. 31, n. 1, 2010, pp. 57-73; BEASLEY, Nicholas. Christian Ritual
and the Creation of British Slave Societies, 1650-1780. Athens: University of Georgia Press, 2009, pp. 54-83.
62

Henriques contra quem combatiam no Brasil) e pensavam que a conversão podia contribuir
para a lealdade dos cativos. Um autor alega que o fator decisivo para a mudança de atitude foi
a expulsão da Companhia das Índias Ocidentais da América Portuguesa, que levou a uma visão
religiosa mais ortodoxa e uma política mais segregacionista em relação aos escravos47.
As diferenças entre os sistemas escravistas não eram inerentes, mas resultado de um
processo histórico que pode ser localizado na segunda metade do século XVII. No mundo
ibérico, o batismo representava inclusão (subordinada, sem dúvida) dos africanos e seus
descendentes na comunidade civil através da Igreja, legitimando o cativeiro48, mas também
incentivando a formalização e reforço de relações sociais não só dentro da escravaria, mas com
os livres, o que representava uma significativa diferença em relação à escravidão anglo-
americana. Entretanto, não se deve esquecer que nos dois primeiros séculos de ocupação era
provavelmente na América Espanhola, e não no Estado do Brasil, que seria possível encontrar
as maiores taxas de manumissão e casamento de escravos49.

Parentesco espiritual e relações sociais


Para tentar vislumbrar o funcionamento das relações de compadrio, é interessante
lembrar que a grande maioria dos africanos escravizados na Bahia era oriunda da região Congo-
Angola: 100% até 1640 e mais de 84% entre 1640-75, proporção que diminui
consideravelmente apenas no último quartel do século, para 47%, devido à ascensão do tráfico
com a Costa da Mina (capítulo I)50 – visível em Paripe pela presença de 20 Minas batizados
entre 1685 e 1700, enquanto nenhum adulto batizado na paróquia recebeu as denominações
Congo, Angola ou Guiné. Ora, de acordo com os recentes trabalhos de John Thornton e Linda
Heywood, a população Congo-Angola já tinha contato com os portugueses e o catolicismo
desde o século XVI, e consequentemente muitos “crioulos atlânticos” foram transportados para
a América. Assim, “um dos meios mais importantes através das quais eles exibiam sua
identidade cristã era o desejo de que seus filhos fossem batizados. (...) Também usavam a
prática de selecionar padrinhos (...) para testemunhar o batismo de seus filhos”51. Essa

47
DEWULF, Jeroen. “Emulating a Portuguese Model: the slave policy of the West India Company and the Dutch
Reformed Church in Dutch Brazil (1630-1654) and New Netherland (1614-1664) in Comparative Perspective”.
Journal of Early American History, n. 4, 2014, pp. 3-36.
48
Veja-se os trabalhos de Giuseppe Marcocci, principalmente A Consciência de um império: Portugal e seu mundo
(sécs. XV-XVII). Coimbra: Imprensa da Universidade, 2012, pp. 405-28, assim como ALENCASTRO, O Trato
dos Viventes, pp. 157-86.
49
BENNET, Africans in Colonial Mexico e BOWSER, The African Slave.
50
www.slavevoyages.org.
51
HEYWOOD & THORNTON, Central Africans, p. 272.
63

familiaridade adiciona mais um elemento a explicar a relevância das relações do compadrio


para uma população cativa majoritariamente africana que havia sido privada dos laços
estabelecidos em sua terra natal. Em acréscimo, a própria concepção de poder na África Centro-
Ocidental era baseada em laços pessoais do tipo patrão-cliente, o que pode ter estimulado os
cativos a se inserirem em redes comparáveis através do compadrio52.

Gráfico 1: classificação social dos padrinhos de cativos (%).


100
90
80
70
60
50 Elite
40
30 Livres
20 Forros/de Cor
10
0 Indeterminado
Escravos

Fontes: Laboratório Eugênio da Veiga/Universidade Católica de Salvador, Registros de batismo


das paróquias em análise (Santo Amaro, Itaparica e Paripe digitalizados em www.familysearch.com).

Gráfico 2: classificação social das madrinhas de cativos (%).


100
90
80
70
60
50 Donas
40
30 Livres
20
10 Forras/de Cor
0
Indeterminado
Escravas

52
MILLER, Joseph. “Central Africa during the Era of the Slave Trade, c. 1490s-1850s” in: HEYWOOD, Linda
(ed.). Central Africans and Cultural Transformations in the American Diaspora. Cambridge: Cambridge UP,
2001, pp. 41-2 (há edição brasileira).
64

Fontes: Laboratório Eugênio da Veiga/Universidade Católica de Salvador, Registros de batismo


das paróquias em análise (Santo Amaro, Itaparica e Paripe digitalizados em www.familysearch.com).

Através desses gráficos, é possível nos aprofundarmos na análise das relações sociais
estabelecidas através do parentesco espiritual. Cabem, porém, algumas ressalvas. Os intervalos
de cinco anos foram escolhidos na tentativa de apreender mudanças e transformações dentro de
uma mesma paróquia. Entretanto, em busca de um mínimo de representatividade, foram
excluídos do gráfico os intervalos para os quais há menos de 25 casos ou em que os
indeterminados ultrapassassem 50% do total. Quem são os padrinhos e madrinhas
“indeterminados”? São aqueles que, nos batismos, aparecem da seguinte maneira, para citar um
exemplo: “em 3 de novembro de 1675, batizei e pus os santos óleos em Simão, filho de Antônia,
escrava de Cristóvão de Burgos, e foram padrinhos Baltazar e Maria”. No caso de Jaguaripe,
creio que vários deles são indígenas, frequentemente referidos somente pelo primeiro nome.
Talvez alguns sejam forros, mas penso que a maioria é composta por escravos do senhor do
batizando, de modo que a propriedade ficaria subentendida pelo pároco e seu rebanho e não
seria preciso mencioná-la explicitamente. É de se notar que, justamente na paróquia onde os
indeterminados tem uma importância apenas residual, Santo Amaro, a quantidade de forros é
um pouco maior, mas o principal grupo que cresce é o de escravos, como é perceptível ao
examinarmos a elevada percentagem de madrinhas escravas nessa freguesia.
Por último, é preciso definir o que entendo como elite, para os efeitos dessa análise: para
as mulheres, a titulação “dona”, atribuída pela comunidade através do pároco, geralmente é um
indicador seguro de pertencimento ao estrato superior da localidade e ao grupo que, ao longo
do seiscentos, se constituiu como uma nobreza.53 Sua raridade é perceptível quando notamos
que, em Santo Amaro da Purificação, apenas 18 (4%) dos 456 apadrinhamentos por mulheres
livres sem cor foram protagonizados por donas. Elite, por outro lado, é um termo de definição
bem mais difícil e mais sujeito a questionamentos: utilizo essa classificação aqui para me referir
aos membros da açucarocracia (senhores de engenho, lavradores ricos e seus parentes próximos),
irmãos de maior condição das Misericórdias, os principais oficiais camarários e os detentores dos
mais altos postos na administração periférica, na tropa paga e, principalmente, na ordenança, pois

53
Para uma análise do significava ser dona no Rio de Janeiro dos séculos XVII e XVIII, cf. FRAGOSO, “Efigênia”,
pp. 80, 90-1, 100 e 102 (nota 19). O significado do termo conhecia variações no Império português, como no caso
angolano, mas seu caráter de preeminência social parece indiscutível: cf. PANTOJA, Selma. “Laços de afeto e
comércio de escravos. Angola no século XVIII”. Cadernos de Pesquisa do CHDHIS, vol. 23, n. 2, 2010, pp. 381-
2; VENÂNCIO, Renato; SOUSA, Maria & PEREIRA, Maria. “O Compadre Governador: redes de compadrio em
Vila Rica em fins do século XVIII”. Revista Brasileira de História, vol. 26, n. 52, 2006, p. 282.
65

seus oficiais estão entre as figuras mais presentes no cotidiano das freguesias rurais dos séculos
XVII e XVIII (capítulo III)54.
Nas sociedades católicas ibéricas, o compadrio deve ter atuado desde o início como uma
forma de integração social, importante por ser o primeiro mecanismo a ligar cativos e livres
institucionalmente antes da disseminação das irmandades em finais do XVII. Já em Jaguaripe,
entre 1613 e 1627, cerca de metade dos padrinhos de escravos é livre, numa proporção que se
mantém mais ou menos constante até o fim do período coberto pelos registros dessa freguesia
(apesar de algumas variações, possivelmente resultado do pequeno número de registros em
termos absolutos, como entre 1643 e 1647, quando 73% (41) dos padrinhos são livres).
Ao observarmos o gráfico, porém, é possível perceber que em outras freguesias
ocorreram maiores oscilações, que podem ser resultado de lacunas documentais, dos costumes
locais ou da influência dos párocos:55 em Santo Amaro, especificamente, a porcentagem de
padrinhos e madrinhas livres aumentou continuamente de 34% (33 casos) e 5% (5),
respectivamente, em 1652-6 para 71% (78) e 40% (39) em 1672-6. Somando-se a estes números
os forros e livres de cor, percebe-se que os escravos, antes majoritários, perdem (inclusive entre
as mulheres) a posição cimeira, situação que se mantém em Paripe, até o final do século. Talvez
o que estes dados estejam indicando seja uma lenta, mas contínua, intensificação das relações
hierarquizantes entre livres e escravos nesse período de consolidação da escravidão africana56.
Tal tendência parece ter afetado também a participação da elite baiana no
apadrinhamento dos cativos. Embora alguns membros isolados da elite tenham apadrinhado
escravos em Jaguaripe e em Santo Amaro, essa situação só se torna um pouco mais comum em
finais do século em Paripe, alcançando 12% dos padrinhos (10 casos) e 6% das madrinhas (4),
ainda que permaneça fortemente minoritária, inclusive em comparação com o apadrinhamento
de livres, pois 38% dos livres batizados em Paripe tiveram “Donas” como madrinhas. Tal
estratégia devia reforçar laços com alguns setores da senzala, embora seja impossível aquilatar
sua importância sem mais fontes; em ao menos alguns casos, deve ter sido uma forma de
estender proteção a filhos de parentes ou aliados, já que em 17 dos 20 casos em Paripe os filhos
são de pai desconhecido, podendo compor uma descendência ilegítima da família do padrinho.

54
Cf. KRAUSE, Thiago. Em Busca da Honra: a remuneração dos serviços da guerra holandesa e os hábitos das
Ordens Militares (Bahia e Pernambuco, 1641-1683). São Paulo: Annablume, 2012, pp. 232-3.
55
Para variações similares, mas ainda mais pronunciadas, em localidades muito próximas, cf. ALFANI, Guido,
Fathers and Godfathers: Spiritual Kinship in Early Modern Italy (trad.). Farnham: Ashgate, 2009.
56
Em Caracas entre 1595-1627, 36% dos índios, negros e mestiços tem padrinhos espanhóis, o que confirma o
nível limitado de integração na formação de uma sociedade. Resta saber, porém, se essa porcentagem aumentou
no período seguinte. BLANK, Stephanie. “Patrons, clients and kin in seventeenth-century Caracas: a
methodological essay in colonial Spanish American social history”. HAHR, vol. 54, n. 2, 1974, pp. 282-3.
66

Cabe notar, porém, que nenhum dos homens mais destacados dessas paróquias apadrinhou
cativos, caso dos grandes potentados locais, o Desembargador Cristóvão de Burgos e o Capitão
Francisco Fernandes Dosim. O termo elite, portanto, se aplica a esses padrinhos com alguma
generosidade: se usássemos os critérios definidos no próximo capítulo para selecionar a elite
política da capitania, apenas dois teriam batizado escravos. De qualquer maneira, apesar de
estarmos comparando paróquias diferentes, não parece coincidência que seja justamente em
finais do século que cresça o apadrinhamento de escravos: pode ser um indício da necessidade
de estabelecer laços mais fortes com uma escravaria mais capaz de fazer reivindicações, ou ao
menos dotada de relações sociais mais fortes com o mundo dos senhores.
A distribuição de padrinhos em Santo Amaro reforça os padrões encontrados em estudos
anteriores, de predominância de padrinhos livres e madrinhas escravas. A primeira escolha era
uma forma de estabelecer ou formalizar alianças verticais, e as comadres cativas podiam
cimentar laços dentro da comunidade escrava, importantes para a criação dos rebentos. O
alcance das relações pessoais dos cativos é perceptível quando notamos que, para além de livres
e forros, também foram estabelecidos (com destaque para Santo Amaro) laços de parentesco
espiritual inter-propriedades, especialmente recorrentes quando havia relações de parentesco
entre os senhores, como no caso de Bento, propriedade do Capitão Pedro Aranha, apadrinhado
em 1659 por dois cativos do Capitão Francisco Fernandes Dosim, avô de Pedro. Nesse caso, é
muito provável que os escravos estivessem em propriedades contíguas – ou até em uma só
grande fazenda que englobava diversas posses, como o engenho do capitão Dosim. É possível
que existam outros casos como este, mas não consigo identificá-los devido à escassez de fontes.
Como todas as madrinhas livres “sem cor” (portanto, supostamente brancas) fazem par
com livres também sem cor, o maior número de padrinhos livres em todos os recortes significa
que muitos desses padrinhos livres tiveram comadres cativas ou forras, o que pode ter
potencializado as possibilidades de ascensão dentro e fora do cativeiro destas mulheres, ao criar
canais de comunicação com o mundo livre. Tal pareamento é especialmente evidente em Santo
Amaro, onde em 122 batizados madrinhas cativas acompanharam padrinhos livres. Em 30
desses casos os padrinhos são forros ou livres de cor: destacam-se aqui os pardos (20), e depois
os pretos (quatro), mulatos (três) e crioulos (três). Se ao mesmo tempo isso pode indicar a
predominância dos pardos entre os livres de cor, também pode sinalizar seu prestígio no
apadrinhamento dos cativos – o que, por sua vez, nos dá pistas sobre seu papel na hierarquia
social costumeira da região. No caso das madrinhas, das 19 com origem identificada, 10 são
africanas, cinco mulatas e quatro crioulas.
Nos 92 casos restantes, 47 são de madrinhas mulatas e quatro de pardas, compondo mais
67

da metade dos casos de pareamento entre livres sem cor e madrinhas cativas, numa proporção
muito superior do que entre as que tiveram como companheiros na pia batismal os livres de cor
– e também, certamente, que sua participação na população escrava como um todo. Em
oposição, na mesma paróquia somente cinco madrinhas mulatas ou pardas foram
acompanhadas por padrinhos cativos. Quatro foram classificados como mulatos ou pardos e,
dentre estes, três eram cativos de figuras importantes na elite baiana: dois sargentos-mores e o
então capitão Antônio Guedes de Brito, um dos homens mais ricos e poderosos da capitania.
Também nesse aspecto, portanto, as cativas de origem miscigenada possuíam uma nítida
vantagem, indicando mais um elemento de hierarquização dentro do cativeiro. Em três casos, é
notável a popularidade de madrinhas mulatas: Joana, de Francisco de Brito de Góis, da nobreza
baiana, que apadrinha cinco inocentes de senhores diferentes com padrinhos distintos; e duas
Marias, de José da Silva Ribeiro e Maria da Mota, madrinhas de quatro crianças cada, nas
mesmas condições de Joana. Essas três cativas foram as escravas com mais afilhados em Santo
Amaro da Purificação, mas jamais tiveram como parceiro na bia batismal um cativo, dado que
muito provavelmente indica uma posição social diferenciada frente ao restante da escravaria.
Continuando na mesma toada, mas tratando agora dos inocentes, em Santo Amaro, os
cativos classificados como “crioulos” tinham apenas 24% (31) de chance de serem
apadrinhados por livres sem cor – proporção inversa aos “mulatinhos”, que tiveram padrinhos
dessa condição em 79% (124) dos casos57. Mesmo quando os padrinhos eram cativos é possível
notar uma diferenciação: sete dos 15 padrinhos escravos de inocentes miscigenados são
mulatos, quase a metade, enquanto somente cinco de 77 cativos padrinhos dos “crioulinhos”
receberam essa classificação. Em Jaguaripe, dos 118 filhos com pais livres identificados entre
1641 e 1667, somente três foram apadrinhados por cativos.
Desde o início da vida a conexão dos escravos mestiços com o mundo livre era mais
intensa que de seus companheiros de cativeiro negros, potencializando a capacidade de
membros desse grupo de obter alforria.58 Provavelmente mais do que a cor da pele, eram as
relações sociais estabelecidas com livres que distinguiam estes cativos do restante da escravaria,
facultando-lhes, por exemplo, o acesso a ofícios especializados ou ao serviço doméstico.
Ao que parece, em Paripe as hierarquias sociais costumeiras não favoreciam a

57
A proporção se manteve cem anos depois: GUDEMAN & SCHWARTZ, “Purgando o pecado”, p. 48.
58
Para a alforria na pia batismal e mestiçagem, cf. SOARES, A Remissão do Cativeiro, p. 71; ver também
FRAGOSO, “Apontamentos”. Para a vantagem dos pardos nas alforrias concedidas sob justificativa de laços
afetivos na Bahia de finais do seiscentos, cf. BELLINI, “Por amor e por interesse” in: REIS (org.), Escravidão e
invenção da liberdade, p. 82. Por outro lado, apenas 1% das alforrias na Bahia entre 1684-1745 foram compradas
pelos padrinhos: SCHWARTZ. “Alforria na Bahia”.
68

consolidação dos laços horizontais entre cativos (com exceção do período entre 1697-1700,
após a repreensão do visitador), sendo a função principal do compadrio o estabelecimento de
relações verticais entre os escravos, padrinhos e senhores – como no caso de Diogo Pereira, que
batiza cinco cativos, dentre os quais um do Desembargador Cristóvão de Burgos, outros de
Clara Pereira, João Borges de Abreu e Duarte Lobo da Gama, todos dentre os principais
proprietários da freguesia.
Burgos, porém, destaca-se dos demais. Seu pai era o licenciado Jerônimo de Burgos,
descendente de uma família de livreiros em Évora (tendo exercido essa profissão na juventude,
antes de emigrar para o Brasil). Jerônimo, ao chegar em Salvador, casou-se com a baiana Dona
Maria Pacheco e tornou-se proprietário de um engenho em mau estado e juiz dos órfãos (ofício
recebido em dote, exercido a partir de 1617), procurador dos feitos da Coroa Fazenda e Fisco
entre 1630 e 1646, provedor da Santa Casa, e, em 1627 e 1633, vereador.59
O fundador da família Burgos na Bahia possuía um temperamento difícil, envolvendo-
se em diversos conflitos, especialmente ao ser acusado de se locupletar da fazenda dos órfãos.60
Foi capaz, porém, de deixar seus filhos em boas condições: Gaspar Pacheco e Antônio de
Burgos tornaram-se capitães, cavaleiros de ordens militares e se casaram com “donas”. 61 O
destino mais ilustre, porém, estava reservado a Cristóvão, que estudou na Universidade de
Coimbra e seguiu a carreira jurídica até obter a desejada nomeação para a Relação da Bahia,
como desembargador e ouvidor-geral do crime. Casou-se com Dona Helena da Silva Pimentel,
irmã do potentado Antônio da Silva Pimentel, alcaide-mor de Salvador, tornou-se senhor de
três engenhos e diversas fazendas, utilizando seu poder e influência para, sempre que possível,
se recusar a pagar o dízimo para a Fazenda Real e, principalmente, as contribuições e donativos
cobrados pela Câmara – o que gerou em 1686 reclamações dos fregueses de Paripe, obrigados
a pagar mais para compensar a isenção do desembargador, mas sem sucesso.62 Tal pertinácia
não impediu que se tornasse provedor da Santa Casa em 1665, cavaleiro da Ordem de Cristo
em 1672 e um dos governadores provisórios após a morte de D. Afonso Furtado de Mendonça,
quando tinha pouco menos de sessenta anos de idade (capítulo VI).63
É nesse período de auge do poder de Burgos que o encontramos como principal

59
Cf., dentre outros, CG, vol. I, pp. 243-4, 249-50, 372 e vol. II, pp. 533-4; AHU, cód. 79, fls. 16-17; cód. 80, fls.
320-320v.
60
Cf., por exemplo, AHU, Bahia, LF, cx. 10, docs. 1150-2 e cx. 16, doc. 1832.
61
CG, pp. 371-4 e 533-4; AHU, cód. 79, fls. 17v-18; cód. 82, fls. 141v-142 e 265-6; IAN/TT, HOA, Letra A, mç.
2, n. 14; COA, L. 14, fls. 664v-665 e L. 15, fls. 54-54v.
62
CS, vol. III, pp. 30-1 e AHMS, PR, vol. III, fl. 40.
63
IAN/TT, Leitura de Bacharéis, Letra C, mç. 2, n. 55; COC, L. 56, fls. 415-415v e L. 73, fls. 182-184; CG, vol.
II, pp. 533-5; Schwartz, Segredos Internos, p. 227.
69

proprietário em Paripe, senhor dos dois únicos engenhos da freguesia e de mais cinco fazendas,
tendo batizado 35 inocentes entre 1672 e 1700, filhos de 20 mães distintas. Dez crianças não
tiveram padrinhos e somente seis foram apadrinhadas por escravos, todos de propriedade do
próprio desembargador. As 19 restantes tiveram homens livres como padrinhos, sendo apenas
um dos parentes rituais um pardo forro, Manoel, que também tomou sob sua proteção espiritual
um inocente de Manoel Teles Barreto em 10 de junho de 1691, tratando-se possivelmente de
um liberto de uma das duas casas.
Portanto, 18 dos 25 padrinhos são livres “sem cor”. Por que esses homens decidiram
apadrinhar os cativos do Desembargador? A maioria aparece somente nesse momento nos
registros paroquiais, ou ainda uma única outra vez, tratando-se talvez de agregados ou homens
livres pobres vivendo à sombra do potentado. A não recorrência desses homens na série
documental pode resultar, por outro lado, da mobilidade característica dos grupos subalternos
livres no período colonial,64 evidenciando uma das muitas limitações do tipo de fontes utilizado.
É o caso, por exemplo, de Antônio de Barros, que só surge em 10 de outubro de 1681, quando
tomou sob sua proteção Ângela, filha de Francisca, junto com Serafina, parda de Burgos, assim
como outros nove padrinhos e madrinhas. Talvez essas relações de compadrio acontecessem
primariamente em razão da proximidade entre cativos e livres pobres, aproximados pelo
cotidiano da labuta e pobreza rural.
Outros casos, porém, são mais enigmáticos. O licenciado Estevão Gomes de Escobar,
filho de negociante (e provavelmente também comerciante), escrivão da Misericórdia em 1675,
vereador em 1678 e capitão de uma das companhias de ordenança da freguesia da Praia na
mesma cidade,65 teve dois filhos em Santo Amaro apadrinhados pelo Capitão Felipe de Moura
de Albuquerque (em 1666) e pelo Sargento-Mor Antônio de Brá (1675), o primeiro senhor de
engenho, alcaide-mor, provedor da Santa Casa e comendador e o segundo irmão da
Misericórdia e cavaleiro da Ordem de Cristo.66 Em Paripe, Escobar apadrinhara em dois de
setembro de 1685 e 18 de novembro de 1686 dois filhos de Constantino Muniz Teles e Dona
Teresa de Lacerda Coutinho (sobrinha de sua esposa), membros de antigas famílias da nobreza
baiana. Ele e sua mulher, Ângela Paes de Azevedo (de família tradicional desde o início do
seiscentos, embora não especialmente proeminente, sendo neta de um lavrador de cana),67

64
FARIA, A Colônia em Movimento, pp. 101-14.
65
DH, vol. 11, pp. 430-2 e vol. 21, p. 422-8; FONSECA, Luiza da. “Bacharéis brasileiros: elementos biográficos”
in Anais do IV Congresso de História Nacional. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1951, vol. IX, pp. 141-2; AC,
vol. V, pp. 233-4; CG, vol. II, pp. 501 e 505.
66
CCT, vol. II, p. 198-9; DH, vol. 21, pp. 391-2; IAN/TT, COC, L. 18, fls. 267; CG, vol. I, pp. 61-4 e vol. II, 733-
5.
67
CG, vol. II, pp. 501-5.
70

levaram seis escravos de sua propriedade para a pia batismal em Paripe entre 1686 e 1693.
Tratava-se, portanto, de um casal bem situado na sociedade baiana: mesmo assim, em 21 de
março de 1700, Escobar apadrinhou Guilherme, filho de Joana, cativa do Desembargador.
O estabelecimento dessa relação pode ter sido iniciativa tanto do padrinho quanto do
senhor, mas é improvável que tenha sido de Joana, já que não parece crível que ela
compartilhasse um espaço de sociabilidade com Escobar. Fosse qual fosse o motivo, é muito
provável que esse apadrinhamento significasse o reforço de uma relação entre os dois idosos
nobres letrados, sem filhos recém-nascidos que pudessem ser utilizados para os transformarem
em compadres. Tal relacionamento, porém, era assimétrico, estando Burgos numa posição
superior, como senhor do cativo que deu origem a essa relação.
A hierarquia se mostra de maneira mais evidente em outros casos, como no de João
Gomes da Silva, único a apadrinhar dois cativos do Desembargador: Mariana, em 2 de abril de
1690 e Poliana, em 11 de dezembro de 1695. Diferente de Escobar, João estava habituado a ser
padrinho de cativos: entre 1686 e 1689, tomou sob sua proteção espiritual quatro. Não se
restringiu, porém, à senzala: apadrinhou também três crianças de livres sem classificação social.
Mais interessante, porém, é que em 1689 apadrinhou José, rebento de Manoel Gomes de
Escobar (filho de Estevão) e Dona Jerônima de Menezes (da nobre família dos Barbudas, entre
os primeiros povoadores da Bahia, ainda que em franca decadência em finais do século); em
1691, Ana, filha de Francisco de Freitas e D. Margarida, junto de sua mulher; e em 1696, Ana,
filha de Pedro de Freitas de Magalhães e D. Mariana de Vasconcelos. Entre 1691 e 1699
também batizou seis filhos, obtendo a patronagem de figuras importantes: o vigário da paróquia,
Antônio Gomes da Silva, provavelmente seu parente, apadrinhou quatro dos seis filhos de João;
a esposa de Estevão Gomes de Escobar, Ângela Paes de Azevedo, amadrinhou duas crianças,
o coronel de ordenanças Francisco Pereira Botelho outra e D. Helena da Silva Pimentel (em
1694), Jerônimo de Burgos Pacheco (sobrinho de Cristóvão) e sua esposa D. Helena de Oliveira
Melo (em 1699) mais duas. Ainda entre 1695 e 1699, entrou no clube dos escravagistas, pois
duas cativas suas deram a luz a cinco crianças – todas batizadas por livres, exceto uma, que teve
como madrinha uma escrava de Clara Pereira (ela mesma senhora de oito inocentes).
Ou seja, em 1689 João Gomes da Silva praticamente deixa de apadrinhar escravos e
livres sem classificação para se imiscuir no mundo da nobreza baiana, estabelecendo uma ampla
rede de relações. Pela cronologia, parece-me muito provável que essa virada esteja intimamente
relacionada à sua inserção subalterna na rede de Burgos: se era impossível tornar-se compadre
dele diretamente, faz-se o melhor possível, apadrinhando seus cativos, o que serviu como um
ponto de partida para aí sim tornar-se compadre da esposa do potentado e de seu sobrinho.
71

Caso similar é o de Miguel de Gouveia, que aparece pela primeira vez em Jaguaripe em
26 de julho de 1647, tendo seu filho João batizado pelo Capitão Gaspar Borges da Vide e por
Dona Catarina de Sande, filha do Capitão Francisco Fernandes Dosim, “o mais rico homem do
Brasil”, grande negociante, senhor de engenho, cavaleiro de Santiago e Provedor da
Misericórdia por cinco anos;68 menos de um mês depois, apadrinha um filho de Petronilha,
cativa do mesmo Capitão Francisco Fernandes. Insere-se, assim, de forma subalterna na rede
do principal potentado da freguesia, tornando-se, posteriormente, senhor de dois cativos
levados à pia batismal e padrinho de quatro crianças livres legítimas.
Evidencia-se, portanto, o caráter múltiplo do compadrio entre livres e escravos: esse
tanto podia ser utilizado para reforçar laços entre livres pobres e cativos, marcados mais pela
proximidade que pela hierarquia, quanto como um mecanismo para que membros da elite (e
aspirantes a ela) estabelecessem relações indiretas. A própria dispersão de padrinhos e
madrinhas, comum tanto a Burgos quanto a Dosim, podia ser uma estratégia para estabelecer
uma ampla rede com pessoas a quem não consideravam necessário ou conveniente agraciar
com um apadrinhamento: todos os oito afilhados de Burgos em Paripe eram filhos de “donas”,
denotando o caráter socialmente seletivo dessa relação.
Essas ligações realizadas a partir dos escravos “não compunham um grupo muito
impressionante, mas sua importância é cumulativa, não individual”69, possibilitando que os
potentados conseguissem se relacionar com os variados segmentos livres da sociedade –
porque, ao que parece, não consideravam outros escravos dignos de apadrinhar ou serem
apadrinhados por seus cativos, pois apenas dois escravos de cada um dos potentados aparecem
como padrinhos ou madrinhas de cativos de outros senhores, e somente um escravo de Dosim
é apadrinhado por um cativo de outro senhor. O raciocínio que guiava esse mecanismo
provavelmente se baseava no reduzido benefício que tanto os escravos quanto os senhores
poderiam derivar dessas ligações com outros cativos. Talvez os grandes proprietários também
temessem que a ampliações das redes de sociabilidades de seus cativos os tornassem menos
obedientes ou mais propensos a fugir70. Assim, é possível perceber como as crianças
escravizadas constituíam-se em um recurso político tanto para sua mãe quanto, e talvez

68
SMITH, David Grant. The mercantile class of Portugal and Brazil in the Seventeenth-century: a socio-economic
study of the merchants of Lisbon and Bahia, 1620-1690. Tese de Doutorado. Austin: Universidade do Texas, 1975,
pp. 314-25.
69
BLANK, Stephanie. “Patrons, brokers and clients in the families of the elite in Colonial Caracas, 1595-1627”.
The Americas, vol. 36, n. 1, 1979, p. 102.
70
É o que se depreende da proibição de que cativos apadrinhassem ou fossem apadrinhados por pessoas de fora
da propriedade, posta em prática em 1699 no engenho jesuítico de Sergipe do Conde: GUDEMAN &
SCHWARTZ, “Purgando o pecado”, p. 49.
72

principalmente, para seus proprietários.

Conclusão?
Embora os cativos fossem capazes de resistir de uma miríade de formas, que iam de
feitiçaria e envenenamentos à formação de mocambos71, parece-me provável que a dificuldade
de acesso à alforria e ao casamento indiquem um controle mais forte dos senhores sobre seus
escravos do que no século seguinte, quando a crescente complexidade da sociedade americana
lhes oferecerá mais oportunidades – inclusive, talvez, de se rebelar, pois se conhecem mais
mocambos em 1705-45 do que em todo o século precedente.
Por outro lado, é certo que esse controle só se fazia possível através de alianças com
setores da escravaria. É impossível explicar de outra maneira casos como dos escravos do
senhor de engenho Antônio de Aragão Pereira, cujos cativos Antônio Barroso, mulato (e dotado
de um sobrenome, denotando sua excepcionalidade), e Cabinda (cuja ausência de prenome
cristão pode indicar que sequer houvesse sido batizado) lideraram um ataque de “toda a gente
do engenho, mulatos [e] negros, todos com armas e paus” contra o juiz e o escrivão da freguesia
que vinham cumprir um mandato passado por um desembargador, dizendo que “naquela
fazenda não entrava justiça”, ameaçando-os de morte. Para além de defenderem a
inviolabilidade da propriedade de seu senhor, as armas dos líderes indicam a confiança que
gozavam: o mulato Antônio Barroso sacou “armas de fogo” e o africano Cabinda entrou em
cena “com uma espada na mão”72.
Infelizmente, não foi possível elucidar através dos registros paroquiais sobreviventes
como se teciam tais redes: eu não consegui identificar uma “elite da senzala” e nem encontrar
uma significativa participação da nobreza da terra no apadrinhamento de cativos, ainda que a
maior proporção encontrada em Paripe possa significar que esse processo começou nas últimas
décadas do século73. Seria necessário, porém, estender futuramente os limites da pesquisa para
o século XVIII, quando os registros paroquiais se tornam ligeiramente mais abundantes, para
verificar a validade dessa hipótese.

71
AHU, Bahia, LF, cx. 25, doc. 3018; CS, vol. I, pp. 102-3; SWEET, James H. Recreating Africa: Culture, Kinship,
and Religion in the African-Portuguese World, 1441-1770. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 2003,
pp. 119-88; SCHWARTZ, Stuart. “Repensando Palmares: resistência escrava na colônia” [1987] in: id. Escravos,
roceiros e rebeldes, pp. 219-35; GOMES, Flávio. “Um Recôncavo, dois sertões e vários mocambos: quilombos
na capitania da Bahia (1575-1808)”. História Social, n. 2, 1995, pp. 27-41.
72
AHU, Bahia, LF, cx. 23, doc. 2808.
73
A referência aqui é aos inovadores trabalhos de João Fragoso, principalmente “Elite das senzalas e nobreza da
terra numa sociedade rural do Antigo Regime nos trópicos: Campo Grande (Rio de Janeiro), 1704-1741” in: id. &
GOUVÊA, Fátima (orgs.). O Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014, vol. III (c. 1720 – c.
1821), pp. 241-305.
73

Parece-me, porém, que num contexto com menos alforrias e tráfico do que no século
seguinte, as alianças com segmentos da escravaria pautavam-se por outros mecanismos outros
que o compadrio, pois ainda não havia uma “elite parda” nem um número significativo de forros
ligados à casa senhorial que pudessem mediar essa relação. A manumissão também pode não
ter exercido um papel significativo de controle social, em razão de sua raridade 74. Quais
mecanismos tornavam possível, portanto, que um mulato e um africano pagão recebessem
armas e as utilizassem para defender a casa do senhor em vez de assassiná-lo é algo que
provavelmente nunca saberei, mas que se ponha a questão para as áreas dotadas de mais fontes
no século XVII (nomeadamente, o Rio de Janeiro): como se davam as alianças entre senhores
e cativos antes da disseminação da alforria e do crescimento dos livres de cor?
Ao fim e ao cabo, é forçoso reconhecer os limites desse estudo. Torna-se difícil até
mesmo integrá-lo ao restante da tese, pois muitas das questões que se gostaria de responder não
podem sequer ser feitas, sob risco de nos perdermos em especulações infundadas. Mesmo
assim, creio ser essencial encarar o problema da escravidão com as fontes sobreviventes, sejam
quais forem, já que é impossível compreendermos os senhores sem seus cativos. A diferença
no número de páginas dedicado a cada um dos polos dessa relação não deve ser vista como
desinteresse, mas sim como resultado das desigualdades políticas que afetavam a própria
produção documental, problema enfrentado por todos os historiadores75. Dito isto, partamos
para o estudo das elites baianas, que nos legaram uma documentação muito mais extensa.

74
É de se notar, porém, que já em 1623 um padre jesuíta reporta que “os mulatos e crioulos (...) ficaram mui
voluntários e todos com pretensão de alforria, e perdoe os quem lhes levantou o pensamento, mas já graças a Deus
os tenho em bom foro” (apud SCHWARTZ, Segredos Internos, p. 141), interessante citação que denota tanto a
raridade da alforria nesse período formativo quanto, mesmo assim, seu possível papel como incentivo para a
segunda geração de cativos – embora eu creia que tal tipo de pensamento possa ter sido menos comum entre os
cativos de senhores leigos coevos.
75
Veja-se o excepcional livro de TROUILLOT, Michael-Ralph. Silencing the Past: Power and the Production of
History. Boston: Beacon Press, 1995.
74

Capítulo III

Homens Bons, Homens de Bens


Sai um pobrete de Cristo que o seu dinheiro despendem
de Portugal, ou do Algarve para haver de sustentar-se.
cheio de drogas alheias Casa-se o meu matachim,
para daí tirar gages: põe duas Negras, e um Pajem,
O tal foi sota-tendeiro uma rede com dous Minas,
de um cristão-novo em tal parte, chapéu-de-sol, casas-grandes.
que por aqueles serviços Entra logo nos pilouros,
o despachou a embarcar-se. e sai do primeiro lance
Fez-lhe uma carregação Vereador da Bahia,
entre amigos, e compadres: que é notável dignidade.
e ei-lo comissário feito Já temos o Canastreiro,
de linhas, lonas, beirames. (...) que inda fede a seus beirames,
Salta em terra, toma casas, metamorfoses da terra
arma a botica dos trastes, transformado em homem grande:
em casa come Baleia, e eis aqui a personagem.
na rua entoja manjares. Vem outro do mesmo lote
Vendendo gato por lebre, tão pobre, e tão miserável
antes que quatro anos passem, vende os retalhos, e tira
já tem tantos mil cruzados, comissão com couro, e carne.
segundo afirmam Pasguates. Co principal se levanta,
Começam a olhar para ele e tudo emprega no Iguape,
os Pais, que já querem dar-lhe que um engenho, e três fazendas
Filha, e dote, porque querem o têm feito homem grande;
homem, que coma, e não gaste. e eis aqui a personagem.
Que esse mal há nos mazombos, Gregório de Matos (1636-95),
têm tão pouca habilidade, Senhora Dona Bahia.

Introdução
Desde o arranque da economia açucareira tem sido repetidamente dito que os cargos da
República na Bahia – isto é, o poder político local – eram ocupados por membros destacados
do setor açucareiro. Um requerimento dos homens de negócio lisboetas enfatiza, já por volta de
1614, o óbvio interesse de classe da ação da Câmara em defesa dos produtores de açúcar,
75

pedindo – e obtendo – a proibição de execução de suas dívidas em seus escravos e fazendas:


“os oficiais da Câmara da Bahia que pediram esta provisão em nome do povo são pessoas
interessadas neste negócio, porque são os mesmos senhores de engenho e lavradores”1.
Desde o início da ocupação, poder econômico e político estiveram profundamente
interligados: ser um homem bom implicava ser um homem de bens, embora não só2.
Consequentemente, os historiadores baianos escolheram a açucarocracia como protagonista de
suas histórias, desde Frei Vicente do Salvador até Wanderley Pinho, passando pelo senhor de
engenho, vereador, fidalgo, coronel de ordenanças e cavaleiro da Ordem de Cristo Sebastião da
Rocha Pita. O consenso generalizado foi sintetizado por Boxer naquele que continua a ser o
melhor estudo sobre a Câmara de Salvador no século XVII: “os oficiais da Câmara pertenciam
majoritariamente ao grupo dos produtores de açúcar do Recôncavo, incluindo também os mais
ricos homens da cidade, unidos aos primeiros através de casamentos”3.
Por correta que seja, essa caracterização é insuficiente. A primeira análise do grupo foi
empreendida por Eduardo d’Oliveira França, focando-se no período entre 1584-1618 através
das diversas fontes publicadas, principalmente inquisitoriais. Destaca que praticamente todos
os senhores de engenho em 1584-92 eram, ainda, imigrantes, mas muitos casavam-se na terra,
tendendo a nela permanecer. Aqui conseguiam ocupar posições de relevo e construíam uma
significativa autoridade, mesmo quando tinham enriquecido através do comércio – ocupação
que geralmente continuavam a exercer. Desde o início do desenvolvimento açucareiro,
portanto, havia um relevante grupo de mercadores senhores de engenho, muitos dos quais
cristãos-novos, que não raro casavam-se com cristãos-velhos4.
A partir daí, as contribuições foram majoritariamente realizadas por brasilianistas. Em
suas teses de doutorado, Rae Flory e David Grant Smith nos ofereceram uma nítida imagem da
sociedade baiana entre 1620-1725. Opondo-se a Russell-Wood, que vira nos mercadores um
grupo apartado da açucarocracia, cuja ascensão seria uma novidade setecentista, os autores
demonstraram a relevância econômica, social e política dos homens de negócio desde inícios
do século XVII. Quase todos imigrantes, em sua maioria vindos do Norte de Portugal e de

1
AHU, Bahia, LF, cx. 1, doc. 52. O mesmo ponto foi repetido após três décadas por Antônio Teles da Silva: cx.
10, doc. 1138, e uma dúzia de anos depois por Bernardo Vieira Ravasco: cx. 14, doc. 1702.
2
O trocadilho é mais explícito em francês (gens de biens, em oposição aos gens de néant): COLLINS, James B.
Classes, estates, and order in early modern Brittany. Cambridge: Cambridge UP, 1994, pp. 16-20. O mesmo se
aplica aos uomini da bene italianos.
3
PINHO, Wanderley. História de um engenho no Recôncavo: Matoim – Novo Caboto – Freguesia. 1552-1944.
São Paulo: Editora Nacional, 1982 [1946], 2ª ed. rev.; BOXER, Charles. Portuguese Society in the Tropics, 1510-
1800. Madison: University of Wisconsin Press, 1965, p. 73 (citação).
4
FRANÇA, Eduardo d’Oliveira. “Engenhos, Colonização e Cristãos-Novos na Bahia colonial”. Anais do IV
Simpósio Nacional dos Professores Universitários de História, 1969, pp. 181-241.
76

Lisboa, esses homens enriqueceram na Bahia – como se depreende da ressentida crítica de


Gregório de Matos que nos serve de epígrafe, ele mesmo neto de um pedreiro minhoto que se
tornou empreiteiro, pecuarista e arrendatário de um grande engenho 5. Os mais bem-sucedidos
casavam-se com filhas da açucarocracia, adquiriam engenhos, serviam na Câmara e entravam
nos clubes da elite baiana – as irmandades religiosas. Na mais importante delas, a Misericórdia,
ao menos 16% dos irmãos de maior condição admitidos eram mercadores nas últimas décadas
do século – o que provavelmente significa que todos os homens de negócio importantes que
não fossem publicamente infamados de cristãos-novos tornaram-se membros da Santa Casa, e
cinco deles foram provedores na segunda metade do seiscentos (embora essa prestigiosa
posição continuasse a ser dominada pela açucarocracia). Para os cristãos-novos, a
discriminação dificultava a ascensão, mas não a impedia, tornando-a mais lenta, de modo que
muitas vezes só se completava na geração seguinte. Em finais do século, os negociantes também
conseguiram acesso aos postos de capitão e sargento-mor dos terços de ordenança de Salvador.
Em resumo, os mais ricos mercadores adentraram em todas as instituições do poder
local, misturando-se com a açucarocracia. A sociedade baiana ainda era muito recente, assim
como sua elite, e tanto a relativa disponibilidade de terras ainda não cultivadas (especialmente
no sertão) quanto a necessidade de capital para investir na produção facilitavam a entrada de
negociantes bem-sucedidos na açucarocracia – e, a partir daí, na elite política local. A Bahia
era palco, portanto, de uma mobilidade social acelerada, em que os maiores homens de negócio
ascendiam ao topo, mesmo que não abandonassem suas lucrativas atividades mercantis6.
Essa ascensão, porém, não desalojava os senhores de engenho e lavradores de cana,
dominantes desde finais do quinhentos, por mais que isso indignasse o “Boca do Inferno”. A
tese de Rae Flory oferece o mais detalhado panorama desse grupo, empregando a mesma
metodologia prosopográfica baseada em registros notariais de seu orientador, James Lockhart7.
Para além da contínua entrada de mercadores no setor açucareiro, a autora foi pioneira em
enfatizar que as vicissitudes da produção agrícola implicavam uma significativa rotatividade no
grupo, apesar de um núcleo central da açucarocracia permanecer relativamente estável. Em sua

5
PERES, Fernando da Rocha. Gregório de Mattos: o poeta devorador. Rio de Janeiro: Manati, 2004, pp. 30-1.
6
RUSSELL-WOOD, A. J. R. Fidalgos e Filantropos: a Santa Casa da Misericórdia da Bahia, 1550-1755 (trad.).
Brasília: Ed. UnB, 1981 [1968], pp. 89-110; SMITH, David Grant. The mercantile class of Portugal and Brazil in
the Seventeenth-century: a socio-economic study of the merchants of Lisbon and Bahia, 1620-1690. Austin: Tese
de doutorado em História, Universidade do Texas, 1975, pp. 252-405 e id. & FLORY, Rae. “Bahian Merchants
and Planters in the Seventeenth and Early Eighteenth Centuries”. HAHR, vol. 58, n. 4, 1978, pp. 571-94.
7
LOCKHART, James. Spanish Peru, 1532-1560: a colonial society. Madison: University of Wisconsin Press,
1968; cf. também sua bela síntese “Social organization and social change in colonial Spanish America” in:
BETHELL, Leslie (ed.). Cambridge History of Latin America. Cambridge: Cambridge UP, 1984, vol. II (Colonial
Latin America), pp. 265-319, criminosamente cortada da tradução brasileira.
77

amostra de 80 senhores de engenho dos primeiros anos do século XVII, 42,5% eram filhos de
baianos, 27,5% de imigrantes (9 dos quais mercadores), que geralmente haviam casado com
filhas de importantes famílias locais, e 30% forasteiros eles próprios (a maioria homens de
negócio), muitas vezes também unidos pelo matrimônio a linhagens tradicionais. Ou seja,
menos da metade estava na Bahia há ao menos duas gerações.
Essa abertura, porém, permitia que o poder local continuasse em suas mãos, já que os
desafiantes em potencial eram absorvidos e não rejeitados. Outro aspecto da relativa fluidez
dessa estrutura é o fato de lavradores e senhores de engenho serem frequentemente aparentados,
não sendo raro encontrar irmãos dos dois lados da fronteira – para não falar de primos, genros
e cunhados. Entre esses parentes estavam muitos dos mais respeitados, ricos e tradicionais
lavradores, que serviam como um núcleo duro do grupo, aproximando-o dos senhores de
engenho – mesmo porque em toda geração alguns conseguiam ascender para o patamar
superior, compondo, com os mercadores, a quase totalidade dos novos senhores de engenho.
Através de sua análise sobre o crédito, a autora destacou que a busca por posições de
prestígio e as ligações pessoais com outros membros da elite não eram relevantes apenas em
termos sociais e políticos, revelando-se também instrumentais na obtenção de crédito, essencial
para a sobrevivência de todos que dependiam dos ritmos sazonais da agricultura e da navegação
atlântica. Só a Misericórdia emprestou mais de ¼ da quantia registrada em cartório entre 1698-
1715, mais do que todos os mercadores somados. Compreende-se, assim, a importância de
participar dessa instituição, já que ela favorecia seus membros ao conceder crédito.
É graças a Flory que temos a mais detalhada análise da composição social da Câmara.
Através desses dados, podemos perceber tanto a contínua predominância do setor
açucareiro/latifundiário, que, somadas as três primeiras categorias, representava 80% do total,
apesar do crescimento dos mercadores na última década em análise pela autora. As mudanças
no século XVIII se deviam parcialmente à mudança no sistema eleitoral, que em 1696 passou
do sistema de pelouros (em que homens da governança escolhiam os futuros camaristas) para
a constituição de listas de elegíveis pelo Tribunal da Relação da Bahia, dentre os quais o
governador-geral escolheria os próximos ocupantes do Senado. Como os membros da
açucarocracia continuaram a ser escolhidos, provavelmente foi mais importante a opção que
muitos deles fizeram, de servir nas recém-criadas Câmaras do Recôncavo, mais próximas de
suas propriedades – e nas quais, talvez, seu poder fosse mais hegemônico. De qualquer maneira,
a açucarocracia continuava a dominar o oficialato das ordenanças, reforçando assim sua
78

autoridade e prestígio – apesar do avanço dos homens de negócio nos postos de Salvador 8. Se
não é possível reproduzir a metodologia para as décadas anteriores em razão da inexistência de
registros cartoriais, os dados nos oferecem um interessante ponto de partida.

Gráfico 1: Composição social da


Câmara de Salvador, 1680-1729 (%)
70
60
50
40
30
20
10
0

1680-9 1690-9 1700-9 1710-9 1720-9

Fonte: FLORY, Rae. Bahian society in the mid-colonial period: the sugar planters, tobacco
growers, merchants, and artisans of Salvador and the Recôncavo, 1680-1725. Tese de doutorado. Austin:
University of Texas, 1978, pp. 140-1.

O panorama mais abrangente sobre a sociedade baiana, e especialmente sobre a


açucarocracia, nos é oferecido por outro brasilianista, Stuart Schwartz. Ao enfatizar que a
hierarquia americana combinava elementos europeus e originais, derivados da prevalência da
escravidão como força de trabalho e, principalmente, como relação social fundamental, o autor
notou uma multiplicidade de hierarquias, baseadas na classe, status, cor e religião, que tendiam,
porém, a convergir. Se Flory já havia notado a mobilidade social como elemento característico
da Bahia, Schwartz vai além ao destacar que é a escravidão que permite a ascensão, acelerando-
a numa escala impensável no Reino – como os próprios contemporâneos implicitamente
reconheciam. Constituiu-se assim um grupo de grandes proprietários escravistas que, apesar de
receber regularmente novos membros, mantinha um núcleo capaz de se manter até o século

8
FLORY, Bahian society, pp. 19-157.
79

XIX. Estes homens, porém, não se contentavam com a riqueza, desejando inserir-se nos padrões
nobiliárquicos vigentes. Se as fidalguias, hábitos das ordens militares e morgados seriam raros,
“a generosidade para com seus iguais e dependentes, a autoridade sobre sua família e servidores,
a hospitalidade e o senso de honra pessoal e familiar permitiam aos senhores de engenho agirem
como nobres e, portanto, sê-lo”9.
Pioneiro em sua análise dos lavradores de cana, o autor destacou como os mais
importantes membros do grupo se aproximavam dos senhores de engenho, apesar do caráter
marginal da maioria. Eles eram essenciais para o funcionamento da economia açucareira na
América Portuguesa, dando-lhe um caráter peculiar e distinto do Caribe, onde a produção
concentrava-se em imensos engenhos com centenas de escravos, tendência iniciada no século
XVIII e concretizada na centúria seguinte10. Eles são, portanto, parte fundamental da elite que
será analisada abaixo.

A Base de Dados e Seus Limites


Os trabalhos acima nos oferecem uma sólida base para compreendermos a sociedade
baiana. Para avançar significativamente nesse campo, porém, seria preciso uma imensa
pesquisa documental, de modo que não faremos uma análise sistemático de grupos sociais.
Entretanto, a política é realizada por indivíduos específicos, geralmente atuando em defesa de
seus interesses familiares11. Como, então, descobrir quem eram esses homens?
Note-se aqui que, quase sem querer, já temos um primeiro dado: a ausência das mulheres
entre os atores políticos na Bahia seiscentista. Se elas não estavam impossibilitadas de agir,
como indica o fascinante caso de “Catarina Fogaça e Leonor Pereira [Marinho], chamadas
vulgarmente as Senhoras da Torre”, que atuaram decisivamente para defender e ampliar o
patrimônio e o poder familiar após a morte do coronel Francisco Dias de Ávila (1648-94)12, na

9
SCHWARTZ, Stuart. Segredos Internos: engenhos e escravos na sociedade colonial, 1550-1835 (trad.). São
Paulo: Companhia das Letras, 1988 [1985], pp. 209-46, citação à p. 230. Em perspectiva comparada, cf. id. “The
Landed Elite” in: HOBERMAN, Louise & SOCOLOW, Susan (eds.). The Countryside in Colonial Latin América.
Albuquerque: University of New Mexico Press, 1997, pp. 97-121.
10
SCHWARTZ, Segredos Internos, pp. 247-60 e id. “Free Labor in a Slave economy: the Lavradores de Cana of
Colonial Bahia” in: ALDEN, Dauril (ed.). Colonial Roots of Modern Brazil. Berkeley: University of California
Press, 1973, pp. 147-97. Em seus passos seguiu FERLINI, Vera. Terra, Trabalho e Poder: o mundo dos engenhos
no Nordeste colonial. Bauru: EDUSC, 2003 [1986], 2ª ed., pp. 287-344.
11
Cf., por todos, LEVI, Giovanni. A herança imaterial: trajetória de um exorcista no Piemonte do século XVII.
(trad.) Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000 [1985], principalmente pp. 87-130.
12
Cf. os documentos publicados por DIAS, Eduardo. “Para a História dos Ávilas da Bahia”. Anais do Primeiro
Congresso de História da Bahia. Salvador: Tipografia Beneditina, 1950, vol. II, pp. 361-80 (citação às pp. 366-7,
em carta de 18 de junho de 1696 do jesuíta Alexandre de Gusmão) e a narrativa de BANDEIRA, Luiz Alberto
Moniz. O feudo. A Casa da Torre de Garcia d’Ávila: da conquista dos sertões à independência do Brasil. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2007 [2000], 2ª ed. rev., pp. 235-48.
80

maioria dos casos sua agência é imperceptível para nós, já que eram barradas das instituições
em que se produzia a política baiana – ou ao menos aquela que podemos traçar hoje em dia. O
que faço é também, portanto, uma história de gênero, mas do gênero masculino.
Devido à escassez de fontes que permitam uma análise serial e sistemática da sociedade
baiana ao longo da maior parte do século, já que os registros notariais só sobreviveram para 15
anos do final do seiscentos, as fontes paroquiais são muito fragmentadas e incompletas e as
fiscais praticamente inexistentes, foi preciso – como sempre em uma pesquisa – fazer escolhas.
Apesar da riqueza das fontes cartoriais, seu volume tornou impraticável retraçar o trabalho de
Rae Flory – ou ao menos fazê-lo e ainda tentar dar conta dos outros objetivos da tese – e ainda
não resolveria o problema que eu me havia posto, já que continuaríamos sem saber quem eram
os principais atores políticos na maior parte do século XVII baiano.
Preferi, portanto, trabalhar não com grupos sociais, mas com a elite política baiana.
Como, porém, defini-la? Através do caminho mais simples, mas nem por isso menos eficaz: o
pertencimento a instituições e postos que permitiam a seus ocupantes exercerem poder e
demonstrarem sua inserção no escalão superior da sociedade local – pois o mando deveria, em
princípio, ser exercido sempre por aqueles dotados de maior qualidade, dentro da lógica
característica de sociedades do Antigo Regime.
Comecemos com a Câmara, especialmente representativa por serem seus representantes
escolhidos até 1696 pela própria elite local, através do já citado sistema de pelouros. Incluí na
base de dados todos os homens eleitos (mesmo que não tenham servido, pois a escolha em si já
é um indicador de seu prestígio) como juízes ordinários, vereadores e procuradores13, entre os
anos de 1624 e 1700 – os dados para o período anterior são muito incompletos, em razão da
tomada de Salvador pelos neerlandeses em 1624. Entram na lista também os escrivães
proprietários, devido à sua importância no controle da memória administrativa14. Os
procuradores do Senado em Lisboa, mas que sabemos ter residido em Salvador, também foram
incluídos, a exemplo do já citado Gregório de Matos e de Sebastião de Brito de Castro15.

13
Cada ano eram eleitos dois juízes ordinários (até a criação do ofício de juiz de fora, em 1696, quando esse cargo
foi extinto), três vereadores e um procurador. Todos votavam e participavam das deliberações da Câmara, mas os
juízes ordinários eram o cargo mais reputado, pois atuavam como juízes de primeira instância e o juiz mais velho
tendia a liderar seus colegas. O procurador era um ofício menos reputado, pois a ele competia zelar belos bens
municipais e atuar como tesoureiro; assim, ao lidar diretamente com dinheiro, era contaminado de alguma forma
pelo preconceito contra os ofícios mecânicos.
14
Sobre sua importância como elemento de continuidade, por controlarem a memória administrativa da instituição,
cf. SILVA, Francisco Ribeiro da. O Porto e o seu termo (1580-1640): os homens, as instituições e o poder. Porto:
Arquivo Histórico/Câmara Municipal, 1988, vol. I, pp. 483-502.
15
Lavrador de cana, fidalgo, cavaleiro da Ordem de Cristo, familiar do Santo Ofício e capitão de infantaria, casado
com a filha do fidalgo madeirense Diogo de Aragão Pereira, analisado abaixo. Cf. AHU, cód. 85, fls. 76 e 78; CS,
81

Chegamos, assim, a 329 homens – deixando de fora, porém, aqueles que se identificavam como
cidadãos, pertencendo, portanto, à governança, mas que jamais serviram no Senado, como
Aleixo Pais, lavrador rico e sogro de três camaristas, ou Belchior de Sousa Dormondo, sogro
de outros três. Da mesma maneira, não incluímos aqueles que serviram apenas como
almotacéis, para manter a “população primária” em limites minimamente manejáveis – mesmo
porque seria difícil encontrar informações relevantes para muitos destes homens.
Representava a Câmara, porém, a única via para o poder político para as elites da Bahia?
Certamente que não, apesar de ser a mais fácil de traçar, devido à documentação relativamente
abundante. Optei, portanto, por adicionar todos os coronéis da ordenança, secretários de Estado,
alcaides-mores, provedores da alfândega e juízes dos órfãos, posições monopolizadas pelos
moradores da capitania, assim como os provedores da misericórdia, mestres de campo da
infantaria paga e provedores-mores da fazenda residentes em Salvador, cargos que, em
proporção decrescente, também foram controlados durante anos por membros da elite local.
Deixei de fora os desembargadores da Relação, já que não haveria muito que acrescentar ao
clássico estudo de Stuart Schwartz e nem todos se integraram à sociedade local. A exceção são
os baianos e provedores da Misericórdia Cristóvão de Burgos e João de Góis de Araújo, devido
à sua intensa atuação política (capítulos VI e VII)16.
Chegamos, assim, ao total de 350 – um acréscimo pequeno, porque a maioria dos
coronéis e provedores da misericórdia serviu na Câmara. É essa lista completa? Certamente
não, já que houve homens que, ao atuar por vias não institucionais, influenciavam a política de
outras maneiras. Um excluído é, por exemplo, o rico negociante, senhor de engenho e cristão-
novo Mateus Lopes Franco, que por diversas vezes participou proeminentemente das
deliberações camarárias como representante dos homens de negócio. Ser notoriamente
infamado de judaizante, porém, impediu que se integrasse à elite política baiana – embora sua
filha tenha se casado com o poderoso potentado Antônio Guedes de Brito17. Outro que não
alcançou a nota de corte foi o capitão Garcia D’Ávila, o segundo desse nome, proprietário de
uma imensa extensão de terras no sertão, talvez por estar mais interessado em expandi-las do
que em passar anos em Salvador influindo na política local18. Esses casos são, porém, exceções,
e praticamente todos os indivíduos que participaram ativamente dos jogos de poder na Bahia

vol. II, pp. 17-8; AC, vol. V, p. 143; IAN/TT, COC, L. 53, fls. 80-80v; TSO, Conselho Geral, Habilitações,
Sebastião, Maço 4, n. 97; DH, vol. 22, p. 258; vol. 26, pp. 445-7, vol. 68, pp. 132-3; CG, vol. I, pp. 463-6.
16
SCHWARTZ, Stuart. Burocracia e sociedade no Brasil colonial: o Tribunal Superior da Bahia e seus
desembargadores, 1609-1751 (trad.). São Paulo: Companhia das Letras, 2011 [1973], 2ª ed.; sobre estes dois
letrados, cf. pp. 215, 223-4, 246-7, 250, 257-8, 268 e 284-5.
17
SMITH, The mercantile class, pp. 327-36.
18
BANDEIRA, O Feudo, pp. 185-205.
82

(capítulos V-VII) em algum momento ocuparam cargos que justificam sua inclusão na elite
política. Mesmo que tenham exercido seu poder de outras formas, geralmente também o fizeram
por via institucional, de modo que esse grupo representa fielmente os poderosos locais.
Assim, penso que esse elenco de personagens chegou suficientemente perto disso para
podermos tratá-lo não como uma amostra, como fez Flory em seu estudo, mas como a totalidade
da elite política baiana do século XVII. Esse grupo estava, porém, longe de ser homogêneo 19,
como já veremos. Não havia, afinal, tanto em comum entre o negociante de Ponte de Lima e
capitão Bento Pereira Ferraz, que só serviu como procurador em 1695, e seu colega nesse ano,
o coronel Gonçalo Ravasco Cavalcante de Albuquerque, uma vez juiz ordinário e quatro
vereador, secretário de Estado, senhor de engenho, fidalgo, comendador da Ordem de Cristo e,
no final da vida, duas vezes provedor da Misericórdia20.
Há que explicar, porém, como foi possível construir a base de dados aqui utilizada,
doravante denominada “Base Elites Baianas Seiscentistas”. Procurei responder às seguintes
perguntas básicas: quais cargos foram ocupados por esses indivíduos nas instituições acima
mencionadas, quando e quantas vezes? Quais eram suas atividades econômicas? Quais títulos
ostentavam? Onde e quando nasceram e morreram? Quem eram seus parentes mais próximos:
pais, avós, esposas e sogros? No total, são 52 campos para cada um dos 350 homens
prosopografados, num total de 18.200 campos, ainda que muitos, infelizmente, tenham
permanecido vazios, devido às lacunas documentais. Apesar da complexidade de suas vidas,
certamente irredutível a uma tabela, essas informações nos permitem ter uma noção básica da
totalidade. Através dessa metodologia é possível analisar a estrutura sociopolítica e os
mecanismos de mobilidade dentro dela. Também pode-se tentar vislumbrar, ainda que com
consideráveis dificuldades, a rede de interesses que dá coesão aos agrupamentos políticos, pois
tende-se a ver principalmente as relações parentais, que estão longe de serem a única forma de
estabelecimento de alianças. Para isso construí grupos familiares e averiguei a inserção dos
agentes nessas redes ao longo de várias gerações, cobrindo, quando possível, todo o período
entre 1550-1700 (cinco ou seis gerações). Como muitos dos biografados não se inseriam em
parentelas conhecidas, optei por manter o indivíduo como unidade básica de análise, a partir da
convicção de que uma análise predominantemente familiar tenderia a ignorar os “sem família

19
Como notou RODRIGUES, José Damião. Poder municipal e oligarquias urbanas: Ponta Delgada no século
XVII. Ponta Delgada: Instituto Cultural, 1994, p. 86.
20
IAN/TT, TSO, Conselho Geral, Habilitações, Bento, mç. 3, doc. 57; HOC, Letra G, mç. 6, doc. 159; Irmãos, p.
13; CG, vol. I, pp. 438-43; DUTRA, Francis. “The Vieira Family and the Order of Christ”. Luso-Brazilian Review,
vol. 40, n. 1, 2003, pp. 26-8. Amigo de Gregório de Matos, recebeu dele elogios, sendo tratado como “o juiz mais
nobre de quantos no Brasil cobre o manto real das estrelas” e, em outro momento: “Bem mostra que de Bernardo
tem herdado o natural, além de ser principal o seu ânimo galhardo”.
83

identificada” e a minimizar as diferenças entre os membros do grupo parental. Em acréscimo,


muitas famílias ainda estavam em constituição do período, e partir delas poderia dar a entender,
equivocadamente, uma permanência que não era um fato dado, mas uma árdua construção.
Não havia, porém, um série documental rica e uniforme que nos fornecesse respostas
para todas as perguntas. Foi preciso, portanto, recorrer a um diversificado corpus, o que
inevitavelmente gerou uma grande desigualdade de informações, especialmente em relação aos
membros menos ilustres do grupo. Assim, é necessário manter em mente as lacunas da pesquisa,
as informações que não foram possíveis obter, as quais exigem do historiador cuidado na hora
de concluir a partir dos números – inevitavelmente parciais – obtidos através do método. É para
isso que serve, porém, o caráter comparativo da prosopografia: os indivíduos são examinados
em busca de semelhanças e diferenças, descobertas a partir da comparação. É tal procedimento
que permite ao historiador trabalhar com uma “relativa escassez de dados, algo que não é viável
para o trabalho biográfico no seu sentido tradicional”. O indivíduo, portanto, é sempre
considerado em relação ao conjunto21. Mesmo assim, optou-se sempre que possível por
aprofundar casos específicos, pois os dados agregados muitas vezes não favorecem uma
apreensão adequada das estratégias e especificidades individuais e familiares.
A primeira fonte utilizada foram as atas da Câmara, já que elas registram todos os
homens que serviram na municipalidade, inclusive as substituições por morte ou recusa do
cargo. Em acréscimo, em algumas petições ou reuniões abertas é possível obter informações
adicionais, principalmente sobre a atividade econômica dos agentes. Em seguida, como a
grande maioria das fontes paroquiais está desaparecida, foi preciso recorrer à clássica
genealogia setecentista do Frei Jaboatão, copiosamente anotada por Pedro Calmon: apesar dos
eventuais erros e omissões, é um guia inestimável para o pesquisador. Já a coleção dos
Documentos Históricos da Biblioteca Nacional forneceu informações úteis e variadas,
espalhadas em dezenas de volumes, a exemplo dos serviços daqueles que serviram na tropa
paga e, eventualmente, na ordenança. Alguns códices da primeira metade do século foram úteis,
especialmente pelos testemunhos preservados em que diversos de nossos personagens se

21
STONE, Lawrence. “Prosopography” [1971] in: id. Past & Present Revisited. Londres: Taylor & Francis, 1987
[1981], 2a ed. ampliada, pp. 45-73 e BULST, Neithard. “Sobre o objeto e o método da prosopografia” [1986 –
trad.]. Politéia: História e Sociedade, vol. 5, n. 1, 2005, p. 56 (citação). Dois estudos clássicos são STONE,
Lawrence. The Crisis of Aristocracy: England, 1558-1641. Oxford: Oxford UP, 1967 [1965], edição abreviada; id.
& STONE, Jeanne Fawtier. An open elite? England, 1540-1880. Oxford: Oxford UP, 1986 [1984], edição
abreviada. Mais recentemente, temos PONCE LEIVA, Pilar. Certezas ante la Incertitumbre: Élite y Cabildo de
Quito en el siglo XVII. Quito: Abya-Yala, 1998, 191-421; ARANDA PÉREZ, Francisco. Poder y Poderes en la
Ciudad de Toledo: gobierno, sociedade y oligarquias urbanas en la Edad Moderna. Cuenca: Ediciones de la
Universidade de Castilla-La Mancha, 1999, pp. 139-332 e BURNARD, Trevor. Creole Gentlemen: the Maryland
elite, 1691-1776. Nova York: Routledge, 2002, dentre muitos outros.
84

identificam, eventualmente descrevendo sua ocupação, cargos, títulos e idades22. A


documentação da Misericórdia foi de grande valia, desde o livro de entrada de irmãos a listas
de devedores em 1694 e 1725, passando pelos livros do tombo23. Para além da informação sobre
a atuação nessa irmandade, em si relevante, foi possível recolher indícios sobre a atividade
econômica e informações genealógicas.
Por outro lado, a documentação inquisitorial nos oferece uma imensa riqueza de dados,
não só acusações mais ou menos prováveis de cristã-novice (e outros, como sodomia), mas
também sobre a atividade econômica, naturalidade, idade e até relações de sociabilidade de
muitos denunciados e denunciantes24. Ainda há o que ser explorado aqui (especialmente através
de uma investigação sistemática dos Cadernos do Promotor), mas creio que é possível termos
uma boa ideia de sua potencialidade a partir das fontes consultadas.
Petições e manifestações de homens de negócio e, principalmente, do setor açucareiro
são muito úteis para identificar a ocupação de muitos de nossos personagens, assim como um
importante indício de sua identidade e mobilização em defesa de seus interesses econômicos25.
Apesar de não haver listas de senhores tão completas como para Pernambuco, onde os
neerlandeses produziram uma documentação riquíssima, podemos contar com alguns
documentos do mesmo período, como os livros de contas do Engenho de Sergipe do Conde 26.
Por último, a documentação relativa a mercês e habilitações, majoritariamente levantada em
minha pesquisa de mestrado, foi essencial ao oferecer informações relativamente detalhadas

22
AC, CG e DH; CCT; SALVADO, João Paulo & MIRANDA, Susana Münch (eds.). Livro 1º do Governo do
Brasil (1607-1633). Lisboa: CNCDP, 2001, principalmente pp. 439-89.
23
Irmãos; LIMA, Américo Pires de. A Situação da Misericórdia da Baía no fim do século XVII. Coimbra: Coimbra
Editora, 1950 e id. Atribulações da Misericórdia da Baía no século XVIII. Coimbra: Coimbra Editora, 1950 (ambas
separatas de Brasília, vol. V); OTT, Carlos. A Santa Casa de Misericórdia da Cidade do Salvador. Rio de Janeiro:
Publicações do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 1960, pp. 113-226; ASCMB, Livros 13 (Livro 1º de
Acórdãos da Mesa, 1645-75), 41 (Livro 2º do Tombo, 1652-85), 42. (Livro 3º, 1686-1829) e 195 (Livro de Segredos,
1630-1689); AHU, cód. 1265 (Relação das Instituições que deixaram os testadores, patrimônios que estabeleceram, e
encargos que com eles aceitou a casa da Santa Misericórdia da Bahia até o ano de 1744).
24
VAINFAS, Ronaldo (org.). Confissões da Bahia. São Paulo: Companhia das Letras, 1997; “Livro das
Denunciações que se fizerão na Visitação do Santo Offício à Cidade do Salvador da Bahia de Todos os Santos do
Estado do Brasil, no anno de 1618”. ABN, vol. 49, 1936, pp. 75-198; SIQUEIRA, Sônia (org.). Confissões da
Bahia (1618-1620). João Pessoa: Ideia, 2011, 2ª ed.; NOVINSKY, Anita (ed.). Inquisição: prisioneiros do Brasil,
séculos XVI-XIX. São Paulo: Perspectiva, 2009, 2ª ed.; id. (ed.). Gabinete de Investigação: uma “caça aos judeus”
sem precedentes. São Paulo: Humanitas, 2007; id. Cristãos Novos na Bahia: a Inquisição no Brasil. São Paulo:
Perspectiva, 1992 [1970], 2ª ed., pp. 165-86; IAN/TT, TSO, IL, Processos 6360 (Antônio de Castanheira, 1592-3)
e 8664 (Simão Preto, 1686-8); CP, Livros 15, 29, 32 e 33.
25
AHMS, PR, vol. I, fls. 123-139v; Le Brésil, pp. 279-307; Liberdade e Limitação; AHU, Bahia, LF, cx. 20, doc.
2366; assim como diversas referências espalhadas nas AC.
26
Documentos para a História do Açúcar. Rio de Janeiro: Serviço Especial de Documentação Histórica, 1956,
vol. II: Engenho Sergipe do Conde, Livro de Contas; CCT, vol. II, pp. 198-200 e vol. III, pp. 132-185.
85

sobre parcela considerável de meus personagens27. É, de fato, das discussões e da base


documental estabelecida nesse trabalho anterior que parti, expandindo seu escopo28.
Dessa maneira, apresentarei ao longo do capítulo uma elite que incorporou
continuamente novos integrantes, mesmo porque muitos dos primeiros povoadores
desapareceram com o tempo. A formação da elite baiana foi, portanto, um processo de contínua
ascensão social – inclusive de cristãos-novos, embora os mais notórios entre eles enfrentassem
maiores dificuldades de adentrar o poder local e o mercado matrimonial. Entretanto, ao longo
do século as principais famílias da capitania se consolidaram, em um movimento nunca
completado de oligarquização do poder que, se sempre permitiu a entrada de forasteiros
(inclusive negociantes), tanto através do casamento quanto da eleição para os principais postos,
tendeu a reservar uma parcela cada vez maior do poder para as parentelas dominantes. As
famílias mais duradouras e de maior prestígio tenderam a adotar uma estratégia dispersiva, com
vários filhos dividindo a herança (ainda que não necessariamente de forma igualitária) e o poder
político, mas aquelas que optaram por concentrar seus recursos em um único indivíduo
produziram os maiores potentados da capitania – arriscando, porém, a extinção pela falta de
descendentes. Tais famílias serviram ao monarca e obtiveram honrarias, mas o fizeram
principalmente em sua terra, pois seus horizontes pouco ultrapassavam a Bahia. Por último,
caracterizo a açucarocracia como uma classe capaz de se mobilizar em defesa de seus interesses
e controlar o poder político local, embora eles preferissem e procurassem se identificar a partir
de sua posição estamental, como veremos no capítulo IV.

Abertura e Fechamento: mudanças e permanências


A imagem tradicional das elites políticas locais do litoral açucareiro no século XVII é
de um grupo de senhores de engenho estabelecidos há gerações na terra e fortemente unido por
laços de parentesco. Construída pelos próprios agentes, consagrada no século XVIII por obras
como a História da América Portugueza de Sebastião da Rocha Pitta (exatamente um dos que
se enquadravam – ou queriam se enquadrar – nesse modelo) e reafirmadas pela historiografia
até a década de 1960, essa pintura só começou a sofrer abalos na década de 1970, como vimos

27
AHU, códs. 79-87; Inventário dos Livros das Portarias do Reino (1639-1664). Lisboa: Imprensa Nacional, 2
vols., 1909-1912; AMARAL, Luís (ed.). Livros de Matrículas dos Moradores da Casa Real: foros e ofícios, 1641-
1744. Lisboa: Guarda-Mor, 2009, 2 vols.; IAN/TT, HOC, HOA, HOS; COC, COA, COS; TSO, Conselho Geral,
Habilitações e Habilitandos Recusados, Livro 36; Desembargo do Paço, Leitura de Bacharéis; FONSECA, Luiza
da. “Bacharéis Brasileiros: elementos biográficos (1635-1830)” in: Anais do IV Congresso de História Nacional.
Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, vol. XI, 1951, pp. 141-80.
28
KRAUSE, Thiago. Em Busca da Honra: a remuneração dos serviços da guerra holandesa e os hábitos das ordens
militares (Bahia e Pernambuco, 1641-1683). São Paulo: Annablume, 2012, pp. 169-246.
86

acima. Como vários mitos políticos, há bastante de verdade nessa idealização, mas, como
também geralmente ocorre, a realidade é mais complexa.

Gráfico 2: Naturalidade da Elite Política

96
136

118

Naturais Forasteiros Desconhecidos

Fonte: Base Elites Baianas Seiscentistas.

É preciso examinar a naturalidade desses homens, especialmente se lembrarmos que o


alvará de 12 de novembro de 1611 determinava que os ofícios camarários recaíssem nas
“pessoas mais nobres e da governança da terra, ou em que houvessem sido seus pais e avós” –
havia previsão de eleição de não naturais, mas isso era claramente percebido como uma
exceção29. Conhecemos o local de nascimento de 255. 138 são naturais da Bahia (39,4% do
total); por outro lado, sete são de Pernambuco, um da Paraíba, um de Sergipe, 107 de Portugal
e Ilhas e um de Angola (33,4% são forasteiros, portanto). Os 95 restantes (27,4%) certamente
eram, em sua maioria, forasteiros, já que muitos não aparecem nos documentos consultados
durante a pesquisa e quase todos foram deixados de lado no extenso Catálogo Genealógico
(1768) de Jaboatão, indicando que não pertenciam aos troncos ilustres imortalizados na obra,
não se casaram com os rebentos dessas famílias e nem deixaram descendentes reputados entre
as principais famílias da terra em meados do setecentos. Vários podem ter sido mercadores, e
talvez sequer tenham se assentado definitivamente na terra, de modo que nada sabemos deles,
como é o caso de mais de duas dúzias de procuradores do Senado ao longo do século. Mesmo
se tirarmos aqueles que foram apenas procuradores, pois representavam o nível mais baixo da
elite política local (como veremos abaixo), ficamos com os seguintes números: 135 (46,1%)

29
CCLP, vol. 1, pp. 314-6.
87

baianos, 100 (34,1%) forasteiros e 58 (19,8%) desconhecidos. A importância dos naturais


aumenta, mas ainda é ultrapassada por forasteiros e desconhecidos somados.
Assim, se nunca saberemos os números exatos, é certo que uma parcela considerável da
elite política baiana era composta não por conquistadores quinhentistas encastelados em
posições de poder, mas sim por adventícios, em níveis um pouco mais altos do que, por
exemplo, os encontrados para a Câmara recifense no setecentos, a urbe mascatal por
excelência30, assim como para os cabildos de Buenos Aires (especialmente após 1640), Quito
e da cidade do México no século XVII31. O único paralelo seiscentista que encontrei em que os
forasteiros são mais numerosos foi a House of Burgesses (assembleia representativa) de
Virgínia, em que 52,3% dos eleitos entre 1660 e 1706 eram imigrantes – mas é bem provável
que esse dado simplesmente reflita a invejável capacidade do autor de identificar a origem de
quase todos os seus biografados, relegando os desconhecidos à irrelevância estatística32.

Gráfico 3: naturalidade da elite política, por década de


entrada no grupo
30
26
25
21
20
19
20 17
15
15 13
12 12 12 12
11 11
10 10
9 9
10 8 8
7
6 6
5 2
1
0
1614-30 1631-40 1641-50 1651-60 1661-70 1671-80 1681-90 1691-1700

Naturais Forasteiros Desconhecidos

Fonte: Base Elites Baianas Seiscentistas.

30
Embora no período entre 1710-59 a vila tenha conhecido um predomínio reinol muito maior: SOUZA, George
Cabral de. “A gente da governança do Recife colonial: perfil de uma elite local na América Portuguesa (1710-
1822)” in: FRAGOSO, João & SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá de (orgs.). Monarquia pluricontinental e a
governança da terra no ultramar atlântico luso: séculos XVI-XVIII. Rio de Janeiro: Mauad X, 2012, pp. 54-7.
31
TRUJILLO, Oscar. Elite y poder político en los confines de la Monarquía Hispánica: Buenos Aires, 1640-1680.
Tese de Diploma de Estudos Avançados. Sevilla: Universidad Pablo de Olavide, 2005, pp. 60-70; PONCE LEIVA,
Certezas ante la incertitumbre, pp. 218-9 e PAZOS, Maria. El Ayuntamiento de la Ciudad de México en el siglo
XVIII: continuidad institucional y cambio social. Sevilla: Diputación, 1999, p. 314.
32
QUITT, Martin. “Immigrant Origins of the Virginia Gentry: a study of cultural transmission and innovation”.
The William & Mary Quarterly, vol. 45, n. 4, 1988, p. 629.
88

A análise cronológica da entrada desses indivíduos na elite política (contada a partir da


primeira vez que ocuparam os cargos de vereador, juiz ordinário ou provedor da Misericórdia,
de modo a nos restringirmos ao nível superior do grupo) indica que, apesar das variações, os
forasteiros (especialmente se somados aos desconhecidos) predominaram até a década de 1650,
e só na década de 1660 os naturais tornaram-se claramente majoritários. Após um século de
ocupação, finalmente ocorria uma sedimentação do grupo governante – sem, porém, que os
forasteiros deixassem de se incorporar. A predominância dos naturais não é resultado de uma
política consciente de exclusão de forasteiros (mesmo porque estes continuaram a entrar no
grupo em números significativos), mas sim da consolidação progressiva das principais famílias
locais (como veremos abaixo), há mais de meio século estabelecidas na Bahia, com um número
cada vez maior de filhos capazes de ocupar os postos mais importantes da República. Com
muito mais força, como veremos abaixo, tendência similar se fazia sentir no Rio de Janeiro33.
Mantendo o padrão há muito apontado pela historiografia34, 65 homens vieram do Entre-
Douro e Minho, no Norte de Portugal, região densamente povoada, que tendia a expulsar seus
filhos para o Brasil e limitar o número de filhas que casavam, de modo a impedir a fragmentação
da propriedade. Mais interessante é perceber a concentração em algumas vilas específicas: a
pequena Ponte de Lima, que não devia passar de 2000 e tantos moradores ao longo do
seiscentos, contribuiu sozinha mais que qualquer outra região do império, com 17 imigrantes
membros da elite baiana. Conhecendo um crescimento demográfico significativo, muitos dos
seus moradores migraram para o Brasil, onde se depararam com a onipresença da escravidão –
existente em sua vilazinha, mas em pequena escala, majoritariamente sob controle da nobreza
local35. O primeiro dos limianos em minha base de dados foi também o mais destacado, mesmo
que não o mais conhecido: o coronel Belchior Brandão Coelho (1574-1666), senhor de
engenho, provedor da Misericórdia, uma vez vereador e em quatro ocasiões juiz ordinário.

33
FRAGOSO, João. “Fidalgos e parentes de pretos: notas sobre a nobreza principal da terra do Rio de Janeiro
(1600-1750)” in: id., ALMEIDA, Carla & SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá de (orgs.). Conquistadores e
Negociantes: histórias de elites no Antigo Regime nos trópicos. América lusa, séculos XVI a XVIII. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2007, pp. 54-68. Esso desenvolvimento não é, porém, inevitável. Em Quito, a porcentagem
de cabildantes criollos diminui entre 1661-1701, talvez devido a um aumento da imigração: PONCE LEIVA,
Certezas ante la incertitumbre, pp. 218-9.
34
Cf. QUIRINO, Tarcizio. Os habitantes do Brasil no fim do século XVI. Recife: Imprensa Universitária, 1966,
20-9 e o excepcional estudo de SOUZA, George Cabral de. Elite y ejercicio de poder en el Brasil colonial: la
Cámara municipal de Recife (1710-1822). Tese de Doutorado. Salamanca: Universidade de Salamanca, 2007, pp.
300-5, que apresenta um padrão similar; como quadro geral, veja-se CUNHA, Mafalda Soares da. “A Europa que
atravessa o Atlântico (1500-1625)” in: FRAGOSO, João & GOUVÊA, Fátima (orgs.). O Brasil Colonial. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2014, vol. I (1443-1580), pp. 271-314.
35
ARAÚJO, Maria Marta Lobo de. Dar aos pobres e emprestar a Deus: as Misericórdias de Vila Viçosa e Ponte
de Lima (séculos XVI-XVIII). Barcelos: Ed. do Minho, 2000, pp. 349-63.
89

As vilas vizinhas de Arcos de Valdevez, Caminha, Coura, Monção, Valença do Minho


e Viana são o local de nascimento de outros 19 homens, de modo que 30% dos forasteiros vêm
de uma pequena área do noroeste de Portugal, num raio de não mais de 30 quilômetros. Todo
esse processo foi possibilitado pela participação de negociantes vianenses no comércio de
açúcar, estabelecendo laços intensos entre as duas regiões, que sobreviveram mesmo após a
decadência desse trato, continuando a estimular a migração36.
Não só despossuídos cruzavam o Atlântico, embora esses fossem maioria: também
nobres buscavam fortuna na América, como lamentou a Misericórdia de Viana em carta à Coroa
de 1638. Esse talvez seja o caso do limiano e senhor de engenho Paulo de Barros, cujas
habilitações tiradas para entrada na Ordem de Cristo não encontraram defeito mecânico ou de
sangue37. Alguns minhotos chegaram a deixar legados para a Santa Casa de sua terra natal,
como o rico homem de negócio Antônio Maciel Teixeira, cavaleiro da ordem de Cristo,
Provedor da Misericórdia baiana em 1695 e vereador em 1700, e o já citado Bento Pereira
Ferraz, que deixou 400$ à Misericórdia de Ponte de Lima para a cura de doentes38. Se podemos
ter certeza que nenhum dos outros 16 limianos fez o mesmo39, é bem provável que outros reinóis
tenham deixado heranças em suas vilas natais (como João de Matos de Aguiar, que legou uma
pequena parcela de sua imensa riqueza para alguns parentes)40. De qualquer maneira, é
interessante notar que tanto Maciel Teixeira quanto Pereira Ferraz não parecem ter se integrado
fortemente à elite baiana: ambos só serviram na Câmara uma vez e, embora tenham sido ativos
na Misericórdia (o primeiro foi provedor em 1695 e o segundo tesoureiro em seu ano de
ingresso, 1683, e escrivão em 1691), não casaram entre a elite baiana. Talvez por isso tenham
mantido com maior intensidade a ligação com a terra natal.

36
MOREIRA, Manuel Fernandes. Os vianenses na construção do novo mundo (séc. XVI-XVII). Viana do Castelo:
Câmara Municipal, 2008, pp. 92-174.
37
AHU, cód. 80, f. 224; IAN/TT, HOC, Letra P, mç. 11, n. 17; COC, L. 35, fls. 116-116v e 218v-219v.
38
MAGALHÃES, António. “Vianenses no Brasil, brasileiros em Viana. Do sucesso económico ao reconhecimento
local através da Santa Casa de Misericórdia (séculos XVII-XVIII)” in: ARAÚJO, Maria Marta Lobo de;
ESTEVES, Alexandre; COELHO, José Abílio & FRANCO, Renato (coords.). Os brasileiros enquanto agentes de
mudança: poder e assistência. Braga: Universidade do Minho, pp. 17-34 e ARAÚJO, Dar aos pobres, p. 639. Cf.
também SÁ, Isabel Guimarães. “Misericórdias, portugueses no Brasil e ‘brasileiros’” in: FIGUEIREDO, Cláudia
& AMARAL, Maria da Conceição (eds.). Os brasileiros de torna-viagem no Noroeste de Portugal. Lisboa:
CNCDP, 2000, pp. 117-33 e ARAÚJO, Maria Marta Lobo de. “Balanços de vidas, medo da morte e esperança na
salvação: os testamentos dos emigrantes portugueses para o Brasil (séculos XVII e XVIII)”. Cadernos de História.
Vol. 8, n. 9, 2006, pp. 29-48.
39
Informação da professora Maria Marta Lobo de Araújo (correio eletrônico, 12 de novembro de 2014).
40
Cf. o testamento do pedreiro analfabeto e prestamista enriquecido Gaspar Fernandes Barreiros, que deixou uma
pequena fortuna para a Misericórdia de Ponte de Lima – e era solteiro, como seu testamenteiro João de Matos de
Aguiar: MARQUES, Maria Gracinda. “O testamento de Gaspar Fernandes Barreiros: um exemplo de instituição
de dotes de capela a partir do Brasil”. Cadernos do Noroeste, vol. 11, n. 2, 1998, pp. 169-95.
90

É difícil descobrir os laços entre esses agentes devido à escassez documental, mas,
considerando a pequena dimensão dessas vilas, é fácil imaginar que se conhecessem entre si e
tivessem histórias como a de João de Matos de Aguiar (c. 1632-1700), limiano chamado à Bahia
ainda novo por seu tio João de Matos, “o velho”, lavrador de cana e irmão da Misericórdia. O
sobrinho tornou-se o “Leviatã financeiro” de Salvador, provedor (1684) e grande benfeitor da
Santa Casa – além de Cavaleiro de Santiago (1666), Cristo (1673) e, por último, familiar do
Santo Ofício (1682). O acesso a tais posições seria impossível em sua terra natal, já que o pai
de João de Matos de Aguiar era um simples pedreiro e seus avós lavradores de terras alheias 41
- caso provavelmente de muitos outros, para os quais infelizmente não podemos contar com
habilitações para as Ordens Militares e o Santo Ofício.
Jorge Pedreira já destacou em belo artigo o caráter estrutural da relação tio-sobrinho na
formação dos negociantes lusitanos42, mas exemplos como o de Antônio de Castanheira,
lavrador de cana na freguesia de Passé, vereador em 1610 e juiz ordinário em 1619 e 1628,
indicam a amplitude ainda maior desse movimento. Natural de Coja (vilazinha do bispado de
Coimbra), contava em Passé com dois tios, Manuel Ferreira (pai do juiz ordinário em 1625,
Miguel Ferreira Feio) e Manuel Fernandes Casado, respectivamente donos de uma fazenda (de
canas?) e de um engenho, com os quais mantinha contatos frequentes43. Até conexões muito
tênues podem ter sido relevantes: o pai do supracitado Belchior Brandão Coelho era, segundo
seu filho, “primo terceiro” do avô de Francisco de Araújo de Azevedo, senhor de engenho
limiano eleito três vezes para o Senado, e esse pode ter sido um dos contatos que incentivaram
a migração de Francisco44. Assim, talvez um caminho inexplorado para aprofundar os
conhecimentos sobre as elites americanas seja atentar para suas comunidades de origem, de
onde traziam concepções, repertórios e relações que moldariam suas ações no Novo Mundo45.
A presença de imigrantes também é sentida entre os pais de nossos biografados: dos 138
baianos, 59 (42,7%) são filhos de forasteiros que lá se estabeleceram, 49 de naturais da capitania
e 30, para meu imenso pesar, têm pais de naturalidade desconhecida – vários dos quais, insisto,

41
Sobre eles, cf., dentre outros, RUSSELL-WOOD, Fidalgos e filantropos, pp. 49-50; ASCMB, L. 41, fls. 239v-
244; IAN/TT, TSO, Conselho Geral, Habilitações, João, maço 17, n. 444; AHU, cód. 84, fls. 153v-154; HOC,
Letra J, mç. 91, n. 49; COS, L. 17, fls. 333-335; COC, L. 63, fls. 331-332.
42
PEDREIRA, Jorge M. “Brasil, fronteira de Portugal: negócio, imigração e mobilidade social (séculos XVII e
XVIII)” in: CUNHA, Mafalda Soares de (coord.). Do Brasil à Metrópole: efeitos sociais (séculos XVII-XVIII).
Évora: Universidade de Évora, 2001, pp. 47-72.
43
IAN/TT, Inquisição de Lisboa, Processo 6360. Antônio foi denunciado, processado, repreendido e admoestado
na Visitação de 1591-3 por brincar com um amigo castelhano ao dizer que era melhor ser “um cristão filho de
mouros que um castelhano” e “antes mouro que castelhano”.
44
AC, vol. IV, pp. 354-5.
45
Nesse sentido, cf. ALTMAN, Ida. Transatlantic Ties in the Spanish Empire: Brihuega, Spain & Puebla, Mexico,
1560-1620. Stanford: Stanford UP, 2000.
91

certamente forasteiros46. Chega-se à conclusão que, de 225 membros da elite política baiana
cuja naturalidade é conhecida, assim como a de seus pais, apenas 49 (21,7%) eram, digamos,
“baianos da gema” – quase todos homens que alcançaram o poder político na segunda metade
do século, período de consolidação das linhagens locais. Mesmo assim, quando recuamos um
pouco, é notável que somente seis tenham avôs paternos baianos – e nenhum desses pode dizer
o mesmo dos seus avôs maternos. Conclusão: não descobri sequer um membro da elite política
baiana entre 1624-1700 que tenha todos seus ascendentes nas duas gerações anteriores naturais
da capitania – enquanto em Pernambuco esse foi o caso de vários membros proeminentes das
famílias Barbalho Bezerra, Albuquerque e Rego Barros já em meados do século47.
Assim, não só as elites mineiras setecentistas se caracterizaram pela significativa
entrada de imigrantes e consequente instabilidade do grupo48, pois suas contrapartes do
Nordeste açucareiro também apresentaram características similares em seu primeiro século de
existência. Um bom indicador desse processo de substituição acelerada de membros da elite na
Bahia pode ser encontrado no fato de que somente 12 dos 62 proprietários do Recôncavo (e
apenas seis dos 36 senhores de engenho) nomeados por Soares de Sousa em 1587 aparecem
como membros da elite ou seus ascendentes em minha base de dados sobre o século XVII, dos
quais apenas um (Gárcia D’Ávila) conseguiu fundar uma grande dinastia49. Essa ruptura
ocorreu majoritariamente na transição para o seiscentos, como se percebe da comparação da
listagem de Soares de Sousa com a de 1609 realizada por Diogo Campos Moreno, pois em
pouco mais de duas décadas quase todo o grupo foi substituído50. A continuidade é
significativamente maior, mas mesmo assim apenas um terço dos senhores de engenho nessa
participa (diretamente ou através de parentes) na elite política seiscentista que estudo, indicando
que o processo de renovação da açucarocracia continuou a ocorrer no início do século XVII.
É certo que se nos guiarmos pela via feminina a continuidade é mais evidente: 12 têm
avós paternas naturais da Bahia, 38 avós maternas e 14 ambas. Entretanto, provavelmente
menos de 20% dos membros da elite política seiscentista podiam traçar suas origens aos
povoadores que chegaram entre 1550-70, ou mesmo depois, e mesmo assim a família

46
Proporção até maior do que a encontrada no Recife: SOUZA, Elite y ejercicio del poder, pp. 327, ainda que isso
provavelmente se deva ao grande número de pais de origem desconhecida
47
A partir dos dados recolhidos em KRAUSE, Em Busca da Honra.
48
SOUZA, Laura de Mello e. O Sol e a Sombra: política e administração na América portuguesa do século XVIII.
São Paulo: Companhia das Letras, 2006, pp. 148-81.
49
SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado Descritivo do Brasil em 1587. Org. de Fernanda Trindade Luciani. São
Paulo: Hedra, 2010, pp. 135-56 e a cuidadosa sistematização realizada por RICUPERO, Rodrigo. A formação da
elite colonial: Brasil, c. 1530 – c. 1630. São Paulo: Alameda, 2009, pp. 248-66.
50
MORENO, Diogo de Campos. “Relação das praças fortes do Brasil (1609)”. Revista do Instituto Arqueológico,
Histórico e Geográfico Pernambucano, vol. 57, 1984, pp. 215-6. Agradeço ao embaixador Evaldo Cabral de Mello
pela indicação dessa fonte.
92

geralmente toma o nome de seu fundador reinol. É interessante perceber que, diferentemente
de sua contraparte, o “Adão pernambucano” Jerônimo de Albuquerque, os sobrenomes de
Diogo Álvares Correia (o Caramuru, náufrago português que se estabelecera entre os índios no
início do século XVI), desaparecem logo após a sua morte. Mesmo assim, a se acreditar nas
sátiras de Gregório de Matos, descender do Caramuru continuava a ser um ponto de orgulho
entre a nobreza baiana em fins do seiscentos51. Esse era o caso da maioria das famílias mais
influentes, como veremos abaixo.
Processo similar ocorreu em Pernambuco, pois a primeira geração chegada entre 1530-
60 quase desapareceu, sendo a maioria dos principais troncos da capitania chegados a partir do
arranque da economia açucareira, na década de 1570. Mesmo assim, menos da metade das 60
famílias senhoriais de 1594 manteve a posse dos engenhos em 1623, mesmo em um contexto
em que o número de engenhos quase dobrou, indicando um nível de renovação muito relevante,
mesmo que menor do que o encontrado para a Bahia – lá, porém, o trauma do Brasil holandês
fez com que as identidades dos proprietários sofressem ainda mais transformações. Tal
renovação também era comum no Rio de Janeiro, ainda que em menor escala, e aparentemente
as famílias conquistadoras conseguiram manter-se por muito mais tempo no poder52.
Considerando a cronologia, é provável que essa transformação se ligue à transição para
a escravidão negra que se desenrola exatamente nessa passagem entre os séculos XVI e XVII,
apesar de que provavelmente jamais saberemos os ritmos exatos da mudança em razão da
limitação das fontes. É possível que os primeiros proprietários não possuíssem ligações
comerciais que favorecessem a compra de africanos escravizados, cujos elevados preços
exigiam crédito na praça, e que tenham tido dificuldades para abandonar um modelo de captura
de cativos indígenas a custos muito mais baixos, ainda que sua mortalidade e baixa
produtividade tenham tornado o trabalho aborígene cada vez menos compensador. Se foi o caso,
é plausível que muitos desses homens que fundaram famílias entre 1590-1620 tivessem fortes
ligações com o comércio, mais do que seus descendentes, ainda que esse tema exija mais
pesquisas. A transição posterior no Rio de Janeiro talvez explique a maior resiliência dos

51
“Não sei onde acabou, ou em que guerra: só sei que deste Adão de massapé procedem os fidalgos desta terra.
Há coisa como ver um Paiaiá mui prezado de ser Caramuru, descendente de sangue de tatu, cujo torpe idioma é
Cabepá!”.
52
MELLO, Evaldo Cabral de. O bagaço da cana: os engenhos de açúcar do Brasil Holandês. São Paulo: Penguin
Classics Companhia das Letras, 2012 e FRAGOSO, João. “Nobreza principal da terra nas repúblicas de Antigo
Regime nos trópicos de base escravista e açucareira: Rio de Janeiro, século XVII a meados do século XVIII” in:
id. & GOUVÊA (eds.), O Brasil Colonial, vol. III (1720-1821), p. 193.
93

conquistadores, pois eles teriam tido mais tempo para se adaptar a uma mudança mais lenta,
consolidada uma geração depois do que na Bahia e Pernambuco53.
Processo quase idêntico de substituição dos primeiros povoadores e entrada de novos
membros entre os maiores proprietários ocorreu em outra região açucareira com uma cronologia
quase igual à da Bahia: Lambayeque, no Peru, onde “pouquíssimas famílias da elite podiam
traçar sua condição de hacendados, não já até os encomenderos da região, senão sequer aos
primeiros colonos”, situação também relacionada às transformações na força de trabalho54. Já
em regiões de economia mais diversificadas, como Quito, as elites locais demonstraram uma
maior resiliência, indicando que a concentração da atividade econômica em uma atividade de
exportação compunha-se em uma das principais causas de rotatividade na elite política55.
Tal fenômeno era reconhecido na época, sendo referido em uma petição da
açucarocracia de 1662 como “a pouca duração que tem os bens da terra” e pelo pároco Antônio
Marques Parada como a “geral inconstância de bens” característica do Estado do Brasil56 - que
poderia provavelmente ser estendida para todo o Novo Mundo. Uma análise mais ampla teria
que ser realizada antes que se possa afirmar peremptoriamente o desaparecimento da maior
parte da descendência dos quinhentistas por migração, falência, quebra demográfica ou
absorção por novas famílias, mas essa me parece ser a explicação mais provável para a
renovação relativamente acelerada da elite política baiana, que, como vimos acima, só consegue
se tornar predominantemente autóctone na segunda metade do século XVII. Entretanto,
infelizmente não construí minha base de dados de forma a dar conta desses casos de fracasso,
pois isso implicaria uma significava ampliação da pesquisa, para além da dificuldade de lidar
com a escassez documental, já que quase sempre são os casos de sucesso que tendem a deixar
mais vestígios nos arquivos. Fica a ressalva, porém, de que o fracasso é tão importante quanto
o sucesso para a compreensão dos processos de mobilidade social, especialmente se
considerarmos o caráter relativamente reduzido das elites locais na época moderna57.

53
SCHWARTZ, Segredos Internos, pp. 68-73 e, em perspectiva comparada, id. & MENARD, Russell. “Why
African Slavery? Labor force transitions in Brazil, Mexico, and the Carolina Lowcountry” in: BINDER, Wolfgang
(ed.). Slavery in the Americas. Wurzburg: Königshausen & Neumann, 1993, pp. 89-114 (há uma versão resumida
em português). Os trabalhos de John Coombs oferecem um interessante paralelo por denotar a liderança das
principais famílias e a importância da política nessa transição: “Beyond the ‘Origins Debate’: rethinking the rise
of Virginia slavery” in: id. & BRADBURN, Douglas (ed.). Early Modern Virginia: reconsidering the Old
Dominion. Charlottesville: University of Virginia Press, 2011, pp. 239-78.
54
RAMÍREZ, Susan. Patriarcas Provinciales: la tenencia de la tierra y la economía del poder en el Perú colonial
(trad.). Madri: Alianza, 1991 [1986], p. 152.
55
PONCE LEIVA, Certezas, p. 278-85. Mesmo lá continuamente entraram linhagens novas no cabildo.
56
AHU, cód. 16, fl. 71v-72v; BNL, cód. 300, fl. 27, respectivamente.
57
Sobre essa temática, cf. o inovador trabalho de LEVI, Giovanni. “Un Cavaliere, Un Oste e Un Mercante: Terra
e rapporti sociali in una comunità piemontese del Settecento” in: Id. Centro e periferia di uno stato assoluto.
Turim: Rosenberg & Sellier, 1985, pp. 151-226.
94

Os imigrantes também traziam em sua bagagem seus antecedentes sociais. Não é


possível fazer qualquer espécie de quantificação devido à escassez de fontes, mas casos de
acelerada ascensão social abundam. O minhoto Domingos Pires de Carvalho, filho e neto de
oleiros e lavradores, chegou a Salvador como cirurgião, enriqueceu como negociante e tornou-
se “capitão de ordenança, e um dos mais ricos e abastados homens que tem a Bahia”, no dizer
do Frei carmelita Domingos de Chagas, em 1687. Foi tesoureiro da Misericórdia, procurador
da Câmara (embora tenha tentado se escusar da obrigação, dizendo ser “homem nobre por seus
pais e avós), ascendeu a coronel de ordenanças no início do século seguinte e fundou um
morgado (com bens imóveis urbanos no valor de quase 110 mil cruzados), dando origem assim
a uma das mais importantes famílias baianas do XVIII58. O eborense Jerônimo de Burgos,
licenciado, havia sido livreiro como seus pais e avós, mas ao casar na Bahia com D. Maria
Pacheco, filha do fidalgo vianês e juiz dos órfãos Gaspar Fernandes da Fonseca (o qual havia
recebido o ofício de seu sogro, da governança de Salvador), herdou o cargo e um engenho,
habilitando-se para servir três vezes como vereador e tornar-se provedor da Misericórdia59. O
mesmo pode-se dizer dos pais e avós de muitos destacados membros da elite: o coronel, fidalgo
e cavaleiro da Ordem de Cristo Sebastião da Rocha Pita, porta-voz da consciência histórica de
seu grupo, era filho de um grande comerciante limiano, e seu avô não passava de um sapateiro60.
Mesmo imigrantes de origem nobre podiam ser protagonistas de histórias similares: o
lavrador de cana Francisco de Araújo de Brito, vereador em 1638 e juiz ordinário em 1647,
1658, 1666 e 1671, tornou-se uma figura quase mítica em sua freguesia natal (Santiago de
Puares, termo de Barcelos). Mais de 70 anos depois de deixar a vila, ainda lá dizia-se que ele
“fugira para o Brasil”, tendo vindo pobre para a Bahia (apesar de seus pais serem “nobres e
ainda fidalgos” – tratava-se certamente de um filho segundo) e aqui ficara “muito rico, com
grandes cabedais”, mandando sempre caixas de açúcar para sua mãe e irmã. Francisco seguia,
assim, os caminhos do sogro, o rico lavrador de cana portuense Francisco de Paiva, vereador
em 1634, apesar de haver sido infamado de cristão-novo alguns anos antes61.
Desejo destacar aqui, portanto, a abertura da elite política baiana62. A notável
prosperidade vivida na maior parte do século e os contínuos laços com Portugal, através do

58
IAN/TT, HOC, Letra D, mç. 13, n. 84; TSO, Conselho Geral, Habilitações, José, mç. 6, doc. 116 (primeira
citação); AC, vol. VI, p. 74 (segunda); AHU, Bahia, LF, cx. 32, docs. 4107-4110; CG, vol. I, pp. 125-34.
59
IAN/TT, Desembargo do Paço, Leitura de Bacharéis, Letra C, mç. 2, n. 55; COC, Livro 56, fls. 415-415v; CG,
vol. II, pp. 533-6.
60
IAN/TT, Letra S, mç. 6, n. 52; AC, vol. III, p. 397 e IV, p. 132; CG, vol. I, pp. 108-12; Irmãos.
61
IAN/TT, HOC, Letra V, m. 5, n. 12 (habilitação de seu filho, Vasco de Brito de Sousa); “Liberdade e Limitação”,
p. 497; CCT, vol. II, pp. 198-200.
62
Reforçando ideia adiantada em KRAUSE, Em Busca da Honra, pp. 182-3.
95

comércio atlântico, tanto estimulavam a vinda de imigrantes quanto possibilitavam seu


enriquecimento – que, como destacaram Flory e Smith, era condição indispensável para sua
entrada na elite governante da capitania. Salvador distinguia-se, assim, de Olinda, Rio de
Janeiro e São Paulo, regiões menos dinâmicas economicamente e onde os descendentes das
primeiras famílias parecem ter sido mais capazes de monopolizar o poder, especialmente na
segunda metade do seiscentos. Nesse sentido, a situação vivida nessas capitanias na primeira
metade do XVIII, em uma economia dinamizada pelo ouro, já havia conhecido antecedentes
claros em Salvador – o que explica a menor conflitualidade experimentada pela Bahia quanto
à incorporação de forasteiros em suas fileiras, já que esse foi, como já indicaram Smith e Flory,
um processo contínuo, ainda que de velocidade desigual63.
A Bahia não constituía, porém, uma excepcionalidade no contexto americano: ainda que
mais alto, seu grande número de forasteiros não se distingue significativamente de Quito, nem
está tão abaixo da Virgínia. Essas urbes não são mais que exemplos do fenômeno de ascensão
social generalizada buscada pelos europeus na América que, para os bem-sucedidos, dava
origem a um processo de self-empowerment (“empoderamento pessoal”) numa escala
impossível no Velho Mundo64. Tal processo de ascensão social foi percebido pelos próprios
contemporâneos, como se depreende das sempre precisas palavras de Brandônio:

Esses povoadores, que primeiramente vieram a povoar o Brasil, a poucos lanços, pela largueza
da terra, deram em ser ricos, e com a riqueza foram logo largando de si a ruim natureza, de que
as necessidades e pobrezas que padeciam no Reino os fazia usar. E os filhos dos tais, já
entronizados com a mesma riqueza e governo da terra, despiram a pele velha, como cobra,
usando em tudo de honradíssimos termos, com se ajuntar a isto o haverem vindo depois a este
Estado muitos homens nobilíssimos e fidalgos, os quais casaram nele e se liaram em parentesco
com os da terra, em forma que se há feito entre todos uma mistura de sangue assaz nobre65.
Se, como dissemos, o vigor econômico, o tamanho da migração e, certamente, as
estratégias das elites explicam as diferenças, o processo é um só. Essa é uma diferença
significativa em relação às elites municipais portuguesas, mais sedimentadas e estáveis no

63
Cf. FRAGOSO, “Fidalgos e parentes de pretos”, pp. 54-68; MELLO, Evaldo Cabral de. Rubro Veio: o
imaginário da restauração pernambucana. São Paulo: Alameda, 2008 [1986], 3ª ed. rev., 2008, pp. 151-4 e BLAJ,
Ilana. “Agricultores e comerciantes em São Paulo nos inícios do século XVIII: o processo de sedimentação da
elite paulistana”. Revista Brasileira de História, vol. 18, n. 36, 1998, pp. 281-96. Para uma reflexão geral, veja-se
SCHWARTZ, Stuart. “The formation of a colonial identity in Brazil” in: CANNY, Nicholas & PAGDEN,
Anthony (eds.). Colonial identity in the Atlantic World, 1500-1800. Princeton: Princeton UP, 1985, p. 32.
64
STERN, Steve. “Paradigmas da Conquista. História, historiografia e política” in: BONILLA, Heraclio (org.).
Os Conquistados: 1492 e a população indígena das Américas (trad.). São Paulo: Hucitec, 2006 [2003], pp. 35-6 e
GREENE, Jack. “Tradições de governança consensual na construção da jurisdição do Estado nos impérios
europeus da Época Moderna na América” (trad.) in: FRAGOSO, João & GOUVÊA, Fátima (orgs.). Na Trama das
Redes: política e negócios no império português, séculos XVI-XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010,
pp. 99-100.
65
BRANDÃO, Ambrósio Fernandes. Diálogos das Grandezas do Brasil. Org. de José Antônio Gonsalves de
Mello. Recife: FUNDAJ/Massangana, 1997 [1618], 3ª ed., p. 107.
96

século XVII, quando a ascensão social e o estabelecimento na região eram mais antigos,
remontando a já um, dois ou até três séculos (como em Évora, onde todas as famílias fidalgas
que dominavam a Câmara lá estavam desde o século XIV). Seria impossível aplicar para a
Bahia, portanto, as conclusões de Romero Magalhães para o Algarve, generalizáveis para todo
o Reino: “muito pouca gente penetrou no círculo da gente nobre”66. Mesmo assim, a distinção,
se é grande, não deixa de ser de grau, pois também em Portugal a ascensão à “nobreza da terra”
era possível, ainda que muito mais lenta e penosa, assim como a incorporação de forasteiros
(geralmente de áreas próximas, é verdade) entre a elite política67. Da mesma maneira, como a
citação acima sugere, tais homens não buscavam um sucesso apenas individual, mas sim
familiar: muitos, como veremos abaixo casaram-se em famílias já estabelecidas, e os que não o
fizeram procuraram fundar suas próprias parentelas – embora nem todos tenham tido sucesso.
O “empoderamento” das elites locais, embora conseguido aqui através da extração do
sobretrabalho indígena e africano, não passou de uma expansão atlântica das possibilidades de
ascensão encontradas já na Europa, especialmente no próspero século XVI, quando a partir de
fortunas obtidas no comércio (inclusive por cristãos-novos) se consolidaram muitas famílias de
elite – as quais, depois, fizeram questão de esquecer essas manchas, investindo em propriedades
rurais, morgadios e honrarias. Assim como no Velho Mundo, o enriquecimento de poucos na
América foi possível através da exploração de muitos – mas numa escala ainda maior, em razão
da presença da escravidão, como já havia notado Delumeau: “tanto os antigos senhores como
os novos-ricos foram ferozes para com os humildes. Essa dureza é, evidentemente,
especialmente visível nas fronteiras da civilização ocidental: além-Elba ou na América”.
Entretanto, se as elites europeias tendem a cerrar as portas a partir do final dos quinhentos,
época de múltiplas crises68, tal estratégia é mais difícil em sociedades novas, como as que
estavam a se formar na América.

66
MAGALHÃES, Joaquim Romero. O Algarve Económico, 1600-1773. Lisboa: Estampa, 1993 [1988], p. 329.
67
SILVA, O Porto, vol. I, pp. 428-30; FARRICA, Fátima. Poder sobre as periferias: a Casa de Bragança e o
governo das terras no Alentejo (1640-1668). Lisboa: Colibri, 2011, pp. 87-8; PARDAL, Rute. As elites de Évora
ao tempo da dominação filipina: estratégias de controlo do poder local (1580-1640). Lisboa: Colibri, 2007, pp.
111-24 e, principalmente, o detalhado estudo de SOARES, Sérgio Cunha. O Município de Coimbra da
Restauração ao Pombalismo. Poder e poderosos na Idade Moderna. Coimbra: Centro de História da Sociedade e
da Cultura, 2002, pp. 5-136. Para o período posterior, cf. MONTEIRO, Nuno Gonçalo. “Elites locais e mobilidade
social em Portugal nos finais do Antigo Regime” [1998] in: id. Elites e Poder: Entre o Antigo Regime e o
Liberalismo. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2003, pp. 70-1. É possível que em outras monarquias a
mobilidade fosse maior, mas penso ser mais provável que os estudos portugueses ainda não tenham atentado o
suficiente para este ponto. Uma síntese classificou as elites municipais francesas (para citar apenas um exemplo)
como “uma classe política aberta em recomposição regular, onde os novos ricos substituíam as famílias antigas”:
SAUPIN, Guy. Les villes en France à l’époque moderne (XVIe-XVIIIe siècles). Paris: Belin, 2002, p. 236.
68
DELUMEAU, Jean. A Civilização do Renascimento (trad.). Lisboa: Estampa, 1994 [1964], p. 284. Para uma
síntese mais recente, cf. KAMEN, Henry. Early Modern European Society. Londres: Routledge, 2000, pp. 97-119.
Para um caso específico em Portugal, no qual uma oligarquia mercantil se aristocratizou e fechou fileiras ao longo
97

Uma barreira porosa: a pureza de sangue


Essa abertura, porém, possuía limites. Cristãos-novos notórios, ainda que estabelecidos
na Bahia há décadas, encontravam uma porta cerrada na entrada da Câmara – mesmo que
pudessem intervir na política por outras vias, como o grande negociante e senhor de três
engenhos lisboeta Diogo Lopes de Ulhoa (c. 1584-1688), que primeiro se destacou como
secretário informal do governador Diogo Luiz de Oliveira. Seu poder era tal que o Vigário
Manuel Temudo Barata, em rancorosa denúncia de 1632, chega a dizer que era “o mimoso do
governador, seu secretário, seu conselheiro e que lhe assiste a todo seu governo”, e por isso “lhe
chamam o Conde Duque [referência a Olivares, então valido de Felipe IV], e é público e notório
que ele lhe vê as cartas del Rei, e tudo, e que o dito Diogo Lopes lhe faz as respostas”69. Depois,
sua influência só fez crescer e se expandir, recebendo promessa de amplas mercês do Conde da
Torre e aparecendo frequentemente nas discussões na Câmara como representante dos
negociantes e um dos homens de maior destaque na cidade. Em 1655, quando estava de novo
na Europa, chegou a ser considerado pelo Conselho de Estado para ajudar o Mestre de Campo
General Francisco Barreto a reorganizar o governo de Pernambuco após a restauração, mas
acabou por prestar grandes serviços diplomáticos na obtenção da paz com as Províncias Unidas.
Foi agraciado com a posição de “informador-geral do Brasil”, uma espécie de consultor ad hoc,
mas não parece ter exercido este posto por muito tempo. Obteve ainda o ofício de provedor-
mor da fazenda (o segundo mais importante do Estado do Brasil, atrás somente do governador-
geral, segundo o Conselho Ultramarino) para si e depois para seu filho Antônio, assim como o
foro de fidalgo e o hábito de cavaleiro da Ordem de Cristo (que pôde ostentar graças à dispensa
papal de sua impureza). Mesmo largamente denunciado por judaizar e dizer “mal do
procedimento do Santo Ofício”, jamais foi processado – feito que vários de seus parentes,
moradores na Corte, não conseguiram emular. Entretanto, nem Diogo nem seu filho Antônio
conseguiram penetrar nas tradicionais famílias baianas – se é que tentaram. O máximo que
conseguiram foram breves (e equivocadas) menções no Catálogo Genealógico, escrito já muito
perto do fim da distinção entre cristãos-novos e velhos70.

do século XVI, cf. BRITO, Pedro de. “The stillbirth of a Portuguese Bourgeoisie: leading families of Porto (1500-
1580)”. Mediterranean Studies, vol. 5, 1995, pp. 7-29 e BARROS, Amândio. “Oligarquia política e elite
económica no Porto dos séculos XV e XVI” in: Estudos em homenagem ao Professor Doutor José Amadeu Coelho
Dias. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2006, pp. 47-69. Processo similar, ainda que em menor
escala, parece ter ocorrido em Viana, com a ampliação da navegação marítima em seu porto: MOREIRA, Manuel
Fernandes. O município e os forais de Viana do Castelo. Viana: Câmara Municipal, 1986, p. 27.
69
IAN/TT, Inquisição de Lisboa, Cadernos do Promotor, Livro 15, fls. 45 e 50v-51.
70
IAN/TT, HOC, Letra D, mç. 11, n. 4; L. 18, f. 44v-45; CG, vol. I, pp. 292-3 e 303-4 e vol. II, p. 405;
NOVINSKY, Cristãos-novos, pp. 76, 80-1 e id., Gabinete de Investigação, p. 32; AC, vol. I, pp. 406-8; vol. II, pp.
73, 136, 183 e 192-3; RAU, Virgínia & SILVA, Maria Fernanda Gomes da. Os manuscritos do arquivo da Casa de
98

A resiliência contra as denúncias inquisitoriais não era uma especificidade dessa família:
ao longo de todo o século nenhum membro da elite política baiana foi processado pela
inquisição, apesar de as denúncias terem atingido alguns deles, e de outros serem descendentes
de processados na visitação de 1591-3. O supracitado Antônio de Castanheira foi uma exceção,
mas mesmo este foi capturado nas malhas do Santo Ofício quase duas décadas antes de exercer
um cargo na Câmara, tendo chegado havia pouco tempo do Reino – e, de qualquer maneira,
livrou-se apenas com uma repreensão. Nem parentes dos pró-homens baianos foram
incomodados pela Inquisição no século XVII, e mesmo no XVIII71.
A outra exceção confirma a regra, em razão de sua excepcionalidade: Agostinho
Caldeira Pimentel, cônego prebendado da Sé de Évora, filho do poderoso senhor de engenho
Antônio da Silva Pimentel, fidalgo, alcaide-mor, juiz ordinário em 1635 e Provedor da
Misericórdia em 1653. Seus dois irmãos mantiveram a preeminência da família, sendo
vereadores, juízes ordinários e provedores da Misericórdia (e ao menos um deles cavaleiro da
Ordem de Cristo, apesar da dúvida sobre a naturalidade de seu avô paterno, Pedro Garcia, do
qual já falaremos)72. Agostinho fora para Coimbra mas, como confessa ao inquisidor, “não se
aplicou ao estudo” e largou o curso inconcluso. De lá, encaminhou-se a Roma numa nau inglesa,
trazendo uma italiana (D. Catarina Matthei) com a qual se amancebou e teve filhos, e um dos
rebentos foi Antônio da Silva Caldeira Pimentel, que partiu para a Índia em 1700, foi
governador de São Paulo (1727-32), conselheiro do rei e “muito curioso do estudo genealógico,
em que trabalha há muitos anos”73.
Em Évora, onde Agostinho se estabeleceu definitivamente no início da década de 1670,
provou-se “de larga consciência e fala com soltura nas matérias tocantes à nossa sagrada
religião, que é de ruins costumes, e inclinado ao mal, em tanto que muitas pessoas pelo não
ouvirem fogem da sua conversação, e outros pelo seu modo de vida lhe chamam Martinho
Lutero”. Foi denunciado por dizer que “os ofícios que fazem pelos defuntos fora invenção dos
clérigos e frades para ganharem dinheiro”, chamar sua mula “meu anjo” e, principalmente,
afirmar que “o governo político de meu amigo Martinho Lutero é em algumas coisas muito
bom, provera a Cristo que ele se guardasse hoje”. Agostinho não percebera que estava na sede
de um tribunal inquisitorial e não podia falar com a liberdade que gozava na Bahia. Mesmo

Cadaval respeitantes ao Brasil. Coimbra: Universidade, 1955, vol. I, pp. 157-9 e 235; CCT, vol. I, pp. 250-4, vol. II,
p. 198 e vol. III, p. 375; AHU, Bahia, LF, cx. 14, doc. 1699 e cx. 22, doc. 2518.
71
SMITH, The mercantile class, p. 255; SEVERS, Suzana. Além da Exclusão: convivência entre cristãos-novos e
cristãos-velhos na Bahia setecentista. Tese de Doutorado: São Paulo, PPGHS/USP, 2002.
72
IAN/TT, HOC, Letra P, mç. 11, n. 118; CG, vol. I, p. 206.
73
SOUSA, D. António Caetano de. História Genealógica da Casa Real Portugueza. Lisboa: Régia Officina
Sylviana, 1741, tomo VIII, “Advertencias e addicções”, p. 25 e IAN/TT, RGM, D. João V, Livro 18, f. 158.
99

assim, o fato de ser cristão-velho e de as testemunhas considerarem que sempre falava


jocosamente o salvou de punições mais duras, escapando – como Castanheira – apenas com
uma admoestação74. Esse processo é um indício do que podia ser discutido na alta sociedade
baiana, mas passava ao largo da vigilância inquisitorial (e, portanto, de nossos olhos) – assim
como sinal de uma certa prepotência açucarocrática, confiante em sua virtual invulnerabilidade.
Mal sabiam os inquisidores eborenses, porém, que o avô materno de nosso blasfemador
era o riquíssimo comerciante Pedro Garcia, natural de São Miguel e proprietário de quatro
engenhos, repetidamente denunciado na Visitação de 1618 por atos de sodomia com seus
escravos mulatos. Mais importante, o pai de Garcia era um cristão-novo, o que reforça a ideia
de que na maioria dos casos bastava uma geração para apagar a mancha da cristã-novice75.
Quase metade dos cristãos-novos estava casada com cristãos-velhos quando chegou o
visitador em 1591, continuando um processo que também fora intenso no Reino, especialmente
até a década de 1560, antes da adoção dos estatutos de pureza de sangue76. Assim, a integração
entre “puros” e “impuros” no meio século de ocupação inicial impossibilitava a exclusão total
dos cristãos-novos da elite governante local, já que muitos de seus membros ilustres contavam
com ascendentes marranos (ou infamados como tal): ao menos 27 membros (8%) do nosso
grupo estavam nessa situação, algo que seus pares geralmente não desconheciam. É provável
que os cristãos-novos estivessem mais inseridos no poder local do que no Reino, mas a falta de
dados impede uma comparação adequada. Assim, quando se “abriu o judaísmo” e a Inquisição
entrou no Brasil77, não era mais possível reverter os efeitos de quarenta anos de convivência.
Mesmo depois, a impureza continuava a se alastrar, porque até os cristãos-novos mais
notórios, amplamente conhecidos como judaizantes, podiam se inserir através de seus filhos. O

74
IAN/TT, TSO, Inquisição de Évora, processo 5040, ênfases minhas. Sobre proposições heréticas no Brasil
seiscentista, cf. SCHWARTZ, Stuart. Cada um na sua lei: tolerância religiosa e salvação no mundo atlântico
ibérico (trad.). Bauru/São Paulo: EDUSC/Companhia das Letras, 2009 [2008], pp. 269-312.
75
“Livro das Denunciações”, pp. 111-4. Cf. também AHU, Bahia, LF, cx. 2, doc. 246; SMITH, The mercantile
class, p. 336.
76
MAIA, Ângela Vieira. À Sombra do Medo: cristãos-velhos e cristãos-novos nas capitanias do açúcar. Rio de
Janeiro: Oficina Cadernos de Poesia, 1995, pp. 111-20 e p. 244; OLIVAL, Fernanda. “Juristas e mercadores à
conquista das honras: quatro processos de habilitação quinhentistas”. Revista de História Económica e Social, n.
4, 2ª série, 2002, pp. 7-53; id. “A investigação sobre a mobilidade social dos cristãos-novos no Portugal Moderno:
notas de balanço” in: BARROS, Maria Filomena & HINOJOSA MONTALVO, José (eds.). Minorias étnico-
religiosas na Península Ibérica: período medieval e moderno. Lisboa: Colibri, 2008, pp. 397-409; MARCOCCI,
Giuseppe & PAIVA, José Pedro. História da Inquisição Portuguesa (1536-1821). Lisboa: Esfera dos Livros, 2013,
pp. 49-76
77
O paralelo aqui é com o clássico estudo de MAGALHÃES, O Algarve, pp. 363-73. Ver, de qualquer maneira,
RODRIGUES, Poder municipal, pp. 84-5 e 141-6, que os apresenta tentativamente como sendo não muito
numerosos e restritos basicamente a uma família, descendente de um mercador cristão-novo. Eles parecem ter sido
muito mais presentes nas maiores cidades castelhanas, como Toledo: ARANDA PÉREZ, Poder y poderes, p. 258
e SORIA MESA, Enrique. “Los estatutos municipales de limpeza de sangre en la Castilla Moderna. Una revisión
crítica”. Mediterranea, ano X, n. 27, 2013, pp. 9-36. É possível que a diferença ocorra em razão da ação muito
mais decisiva da Inquisição lusitana contra os cristãos-novos.
100

exemplo maior é D. Guiomar Ximenes, filha do supracitado Mateus Lopes Franco, cujo dote
foi fundamental para catapultar seu marido Antônio Guedes de Brito à absoluta preeminência
local. Em teoria, esse casamento deveria ter causado a exclusão de Guedes de Brito da
Misericórdia, mas mesmo assim ele foi eleito provedor três vezes. Sua riqueza e poder lhe
permitiram passar incólume, mas outros, menos poderosos, não tiveram a mesma sorte: o senhor
de engenho baiano, capitão de infantaria, cavaleiro da Ordem de Santiago e procurador da
Câmara em 1683 Antônio de Brito de Sousa foi expulso da Misericórdia exatamente por ter se
casado com uma cristã-nova – para o que não deve ser irrelevante o fato do avô de Brito de
Sousa ter sido carpinteiro da Ribeira das Naus da Bahia, transformando-o num dos raros
arrivistas cujo percurso ascensional em três gerações fez-se integralmente no Brasil78. Rejeição
similar pode ter ocorrido com os filhos do hidalgo mexicano Pedro Árias de Aguirre que, indo
parar em Salvador no início da Monarquia Dual, casou-se com uma cristã-nova denunciada à
Inquisição, cuja mãe havia sido processada na visitação de 1591-3. Se ele ainda foi vereador
em 1630, seus filhos (mesmo que tentassem posar de cristãos-velhos) jamais exerceram
posições de muito destaque, e um dele chegou a ser reprovado nas inquirições para se tornar
cavaleiro de Santiago em razão da impureza materna79.
Vários procuraram apagar suas manchas através da obtenção de honrarias régias. O tio
de Agostinho Caldeira Pimentel, Francisco Gil de Araújo, “dos moradores mais ricos e
afazendados dessa capitania” em 1675, foi um desses. Primeiro cavaleiro de Avis, depois
donatário da Capitania do Espírito Santo (comprada pela elevada quantia de 40 mil cruzados),
fidalgo da casa real e, por último, comendador da Ordem de Cristo, passou ileso por duas
habilitações ao esconder a naturalidade do avô paterno, cristão-novo80. Outros não tinham o
que temer, como João Peixoto Viegas e Rui Carvalho Pinheiro, denunciados como judaizantes
na “Grande Inquirição” de 1646 (uma longa lista de denúncias à Inquisição) mas que logo
depois se tornaram, respectivamente, familiar do Santo Ofício e cavaleiro da Ordem de Cristo81.

78
SMITH, p. 334; IAN/TT, HOS, Letra A, mç. 6, n. 30; COS, L. 18, fls. 528-528v; CG, vol. II, pp. 661-2; DH,
vol. 86, p. 236; Patriarcado, p. 409; Irmãos.
79
KRAUSE, Em Busca da Honra, pp. 117-9; IAN/TT, TSO, IL, processos 1273 e 1273-1. Seus primos do Sul
(descendentes do irmão de Pedro) tiveram mais sucesso no Rio e São Paulo até o setecentos, onde pertenceram às
principais famílias: FRAGOSO, João. À Espera das Frotas: micro-história tapuia e a nobreza principal da terra
(Rio de Janeiro, c. 1600 – c. 1750). Tese de Titular. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2005,
pp. 34, 47, 158, 182, 186, 188, 193, 198, 205, 221, 240, 249 e 252.
80
AHU, Bahia, LF, cx. 23, doc. 2740 (citação); IAN/TT, HOA, Letra F, mç. 1, n. 10; HOC, Letra F, mç. 34, n.
165; COA, L. 14, fls. 325-326v; CG, vol. I, pp. 172, 194-5 e 198; KRAUSE, Em busca da honra, pp. 209-10.
Gregório de Matos o cita em curiosa passagem satírica: “Quem cá se quer meter a ser sisudo, um Gil nunca lhe
falta que o persiga; e é mais aperreado que um cornudo”.
81
NOVINSKY, Cristãos novos na Bahia, pp. 129-40 e 181-2; IAN/TT, HOC, Letra R, mç. 1, n. 86; COC, Livro
41, fls. 155-156; SMITH, The mercantile class, pp. 297-314; TORRES, José Veiga. Limpeza de Geração: para o
101

O mais interessante, porém, é o caso daqueles que, mesmo claramente identificados


como cristãos-novos (mas não judaizantes) continuaram a fazer parte da elite, e inclusive de
instituições vedadas a eles – o que inclusive ocasionou uma denúncia ao Santo Ofício em 1648,
na qual Frei Gabriel do Espírito Santo afirma que cristãos-novos notórios eram admitidos na
Misericórdia e nas Ordens Terceiras de São Francisco e do Carmo, fingindo “serem cristãos-
velhos, negando para isso seus pais, (...) do que resulta fama que eles não tratam daquelas
irmandades mais que para se juntarem e com esse pretexto fazerem suas sinagogas”82.
O mestre de campo e senhor de engenho Nicolau Aranha Pacheco (c. 1612-70), natural
de Arcos de Valdevez e membro de uma família de notáveis locais, destacou-se na luta contra
os neerlandeses e recebeu o hábito de Cristo em 1639, tornando-se mestre de campo em 1648,
com apenas 36 anos de idade. Aproveitando o poder e prestígio dessa posição, casou-se com a
filha do riquíssimo Francisco Fernandes Dosim, que lhe trouxe um imenso dote de 30 mil
cruzados e mais 20 mil cruzados adiantados da sua herança, utilizados para comprar um
engenho83. Entre 1643 e 1660 Pacheco lutou sem sucesso para concretizar a mercê, mas
esbarrou no fato de que “toda a gente que há nesta vila [de Arcos de Valdevez] sabe e é público
nela que o pai do justificante e seu avô paterno tiveram fama de terem mistura de nação
hebreia”84. Sendo o caso, é impossível que seus diversos conterrâneos moradores em Salvador
não soubessem dessa nódoa. Mesmo assim, foi eleito para a Mesa Diretora da Santa Casa em
1667 e prior da Ordem 3ª de São Francisco em 1652 e 1669. Já seu filho Pedro Fernandes
Aranha – o qual, através de manobras contábeis (pois aparece no inventário como credor de
quase 15 contos da mãe) herdou o grosso do amplo patrimônio familiar – foi, por duas vezes,
vereador e provedor da Misericórdia, completando a ascensão iniciada pelo pai85.
Outro interessante exemplo é do poeta, fidalgo, senhor de engenho e prestamista
eventual Manuel Botelho de Oliveira (1636-1711), reprovado em sua tentativa de se tornar
familiar do Santo Ofício em 1701 por ser cristão-novo por parte de sua mãe (também natural
de Arcos de Valdevez), assim como por ter se casado duas vezes com mulheres notoriamente
cristã-novas. Mesmo assim, o poeta não desistiu de provar sua limpeza, persistindo na tentativa

estudo da burguesia vianense no Antigo Regime (séculos XVII e XVIII) através das inquirições do Santo Ofício.
Viana do Castelo: Câmara Municipal, 2008, pp. 164-6.
82
IAN/TT, Cadernos do Promotor, 32, fls. 236-239. Sobre esse personagem e suas acusações, cf. MAGALHÃES,
Pablo. Equus Rusus: a Igreja Católica e as Guerras Neerlandesas na Bahia (1624-1654). Tese de Doutorado.
Salvador: PPGH/UFBA, 2010, vol. I, pp. 395-7.
83
ASCMS, Livro 41, fl. 205v.
84
IAN/TT, HOC, Letra N, mç. 1, n. 16.
85
KRAUSE, Em Busca da Honra, pp. 202-9; veja-se o inventário D. Francisca de Sande, que faleceu rica, com
patrimônio de quase 50 contos de réis (e cerca de 20 contos em dívidas, sem contar as devidas aos filhos), como
se vê no inventário de 1702 publicado em MATTOS, Waldemar. D. Francisca de Sande: a primeira enfermeira
do Brasil. Salvador: Imprensa Oficial, 1949, pp. 30-51.
102

de receber o hábito de Cristo que havia pedido em 1696. Foi, porém, reprovado novamente e,
embora não possuamos as inquirições, o recurso que impetrou menciona a“opinião que algumas
pessoas fizeram na Bahia contra o suplicante”, indicando ser sua infâmia conhecida em
Salvador – o que acontecia desde a adolescência, porque em 1651 seu irmão foi referido como
“meio cristão-novo por parte de sua mãe” pelo doutor Francisco Vaz Cabral. Seus filhos, porém,
além de herdarem seu foro conseguiram, alguns anos depois, tornar-se cavaleiros. Mais
interessante, porém, é o fato de que a mancha em seu sangue não o impediu de servir como
vereador em 1684 e, mesmo depois de diversas inquirições desastrosas, novamente em 171086.
Já o sargento-mor de ordenança Marcos de Bitencourt, senhor de engenho e eleito como
vereador e juiz ordinário em 1669, 1673 e 1684, chegou a ser denunciado como judaizante após
seu falecimento, em 1711, por um homem de negócio de negócios português que havia passado
um breve período na Bahia, Miguel Teles da Costa. Seu avô materno, Francisco Lopes Girão,
foi denunciado em 1618, mas não creio que Teles da Costa soubesse disso87. É possível,
portanto, que Marcos e seus familiares denunciados realmente fossem judaizantes (embora
nenhum deles tenha sido processado), e até, talvez, que isso fosse um segredo de Polichinelo.
Se nem ele nem nenhum de seus parentes conseguiram servir na Misericórdia, tendo um de seus
genros (Luiz de Melo de Vasconcelos, quatro vezes vereador e juiz ordinário entre 1670 e 1707)
inclusive sido expulso por haver se casado com a filha do sargento-mor, tanto Marcos quanto
seu tio, o capitão Manuel Girão, serviram na Câmara, e casaram com famílias de destaque:
Marcos com uma filha do senhor de engenho Mateus Pereira de Menezes (tornando-se tio do
futuro alcaide-mor, Francisco Teles de Menezes, também infamado de cristão-novo), e Manuel
com uma filha de Duarte Muniz Barreto, também alcaide-mor88.
Como em Pernambuco (onde quase dois terços dos cristãos-novos estava casada com
cristãos-velhos em 1593)89, a elite baiana incorporava um número significativo de descendentes
de cristãos-novos, mas também excluía outros. É muito difícil estimar sua participação na
população branca, mas considero provável que os infamados não estivessem significativamente
sub ou sobrerrepresentados entre a elite política. Ao mesmo tempo, não constituíam uma
comunidade fechada, e de modo geral continuaram a unir-se aos cristãos-velhos, como faziam

86
IAN/TT, RGM, D. Pedro II, Liv. 3, fl. 339 e TSO, Conselho Geral, Habilitandos Recusados, Livro 36, fl. 156v
(agradeço a Daniela Pereira Bonfim por esse documento); AHU, Cód. 86, fls. 250-251; RODRIGUES-MOURA,
Enrique. “El abogado y poeta Manoel Botelho de Oliveira (1636-1711): ‘infamado de cristão-novo’”. Hispania
Judaica Bulletin, vol. 6, 2008, pp. 105-29, primeira citação à p. 128, anexo documental; IAN/TT, Inquisição de
Lisboa, Cadernos do Promotor 33, fls. 445v (segunda citação) e 449.
87
NOVINSKY (ed.), Gabinete, p. 199 e “Livro das Denunciações”, p. 182.
88
CG, vol. I, pp. 216 e 230, vol. II, pp. 498-500; Irmãos, p. 269.
89
MAIA, À Sombra, p. 244 e MELLO, Evaldo Cabral de. O Nome e o Sangue: uma parábola familiar no
Pernambuco colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 2009 [1989], 3ª ed. rev., edição de bolso.
103

desde o século XVI. A riqueza era um fator fundamental para possibilitar essa integração, mas,
como vimos no caso de Mateus Lopes Franco, insuficiente. Mesmo o poder político era
importante, mas incapaz de ultrapassar todos os obstáculos, como indicam os Lopes Ulhoa, que
dependeram das mercês régias e da relação com os governadores-gerais para se destacarem
localmente. Elemento fundamental para adentrar nas principais famílias era escapar da atenção
direta do Santo Ofício, pois “ter passado pela Inquisição representava algo mais (...) para a
sociedade da época. Geralmente transformava um indivíduo com sangue cristão-novo num
cripto-judaizante”90. Assim, o que diferenciava os cristãos-novos de prol que conseguiram
entrar no grupo dos que não o fizeram era não ter sido manchado pelas perseguições do tribunal
da fé, nem em si nem em seus parentes próximos.
Esse apagar silencioso das origens impuras de parte da elite deve ter sido ainda mais
fácil em áreas menos afetadas pela ação do Santo Ofício, como o Rio de Janeiro, que
praticamente intocado pela Inquisição até o início do setecentos. Nesse período, cerca de 20%
dos engenhos fluminenses estava sob controle de cristãos-novos, e em meados do XVII os
conversos destacavam-se entre os principais comerciantes da cidade. Assim como em São
Paulo, tem-se notícia de vários que ocuparam cargos na Câmara, apesar das restrições legais
(inclusive um alvará régio especificamente voltado para a urbe carioca em 1643, provavelmente
em razão de disputas e reclamações locais), mas é impossível estabelecer comparações precisas
sem análises mais sistemáticas. Os marranos fluminenses, porém, parecem ter tido uma maior
tendência à endogamia (talvez por se crerem mais protegidos da ação do Santo Ofício), o que
provavelmente dificultou sua integração na elite na mesma escala das capitanias do Norte91.

Família e Poder
A abertura da elite não significava, porém, que os forasteiros substituíssem a elite
preexistente, e muito menos que houvesse uma oposição entre naturais da Bahia e do Reino.
Para além dos laços familiares que atraíam os imigrantes para o Novo Mundo, estabeleciam-se
múltiplas relações com grupos aqui residentes. Uma das mais importantes era o casamento,

90
OLIVAL, Fernanda. As Ordens Militares e o Estado Moderno: Honra, Mercê e Venalidade em Portugal (1641-
1789). Lisboa: Estar, 2001, p. 292.
91
SILVA, Lina Gorenstein. Heréticos e Impuros: a Inquisição e os cristãos-novos no Rio de Janeiro, século XVIII.
Rio de Janeiro: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 1995; id. A Inquisição contra as mulheres: Rio de Janeiro,
séculos XVII e XVIII. São Paulo: Humanitas, 2005, pp. 58-109 e SALVADOR, José Gonçalves. Os cristãos-
novos: povoamento e conquista do solo brasileiro (1530-1680). São Paulo: Pioneira/EDUSP, 1976, pp. 19-67 e
124-209 (o qual, apesar do amplo aporte documental, deve ser lido com muito cuidado, pois o autor classifica as
pessoas como cristãos-novos com ainda mais facilidade que os inquisidores e murmuradores da época moderna).
Mais equilibrada é a síntese de ABREU, Maurício de Almeida. Geografia Histórica do Rio de Janeiro (1502-
1700). Rio de Janeiro: Andrea Jakobsson, 2011, vol. I, pp. 396-419.
104

como já havia percebido Gregório de Matos em nossa epígrafe, e nos é sugerido por diversos
casos acima. Geralmente ascendia-se tarde às posições de comando da República, indicando
que esses cargos não eram somente atribuídos em razão da linhagem, mas resultado do
reconhecimento público de méritos individuais: em 97 casos em que se conhece o ano de
nascimento, a idade mediana de ocupação do primeiro cargo eletivo na República é de 47
anos92. Assim, muitos de nossos biografados já estavam casados quando ocuparam esses postos.
Entretanto, aqui cabe uma ressalva: uma parcela razoável pode ter permanecido solteira, já que
não possuímos informações sobre os casamentos de 114 dos nossos 350 homens. Se é certo que
alguns realmente eram celibatários, como Miguel Gomes, filho do rico mestre de campo Pedro
Gomes, que “faleceu solteiro”93 (talvez por morrido relativamente novo, com apenas 40 anos),
é provável que a maior parte deles tenha casado, mas com mulheres que não eram ilustres o
suficiente para permanecer na memória da posteridade – já que nossa principal fonte, ainda que
não única, é o Catálogo Genealógico de Jaboatão, escrito muito depois desses enlaces.
Ao menos 120 forasteiros e homens de naturalidade desconhecida casaram na Bahia e
sabemos o local de nascimento de 116 esposas – 112 baianas, duas pernambucanas (casadas
com homens que lá haviam vivido antes de se estabelecerem na Bahia), uma lisboeta e uma
vianesa. Mesmo lembrando que esses dados são sempre incompletos, a porcentagem de 96,5%
das esposas naturais da Bahia é perfeitamente crível, considerando que seus maridos vieram
novos para o Brasil e aqui viveram, com raras exceções, até o fim de seus dias.
Entretanto, só podemos entender o significado desses casamentos após conhecermos as
famílias da capitania. O procedimento que escolhi baseia-se em dividir os membros da elite em
grandes famílias e examinar a incorporação de forasteiros em suas redes familiares,
principalmente através dos casamentos, que, em princípio, deveriam atar os genros à família de
suas esposas. É de se notar que no último quartel do século essa divisão da nobreza baiana em
famílias já fazia parte do discurso político, como quando os governadores provisórios
mencionam em 1676 os “vários requerimentos que a família dos Aragões, e Garcias, e a dos
Brandões, e Rebelos, têm feito a Vossa Alteza acerca das demarcações das suas terras” 94. No
mundo ibérico, o estatuto social era transmitido tanto pela via paterna quanto pela materna, de
modo que seria possível defender concepções de parentesco bilaterais. Entretanto, os
sobrenomes predominantes na linhagem quase sempre eram do homem, mesmo quando este

92
Próxima às médias encontradas para o Porto e Évora em SILVA, O Porto, pp. 437-8 e 479-80.
93
CG, vol. II, p. 570.
94
AUC, CCA, Livro Governo da Baía, 1648-1701, VI-III-1-1-6, fls. 27-28; para carta da Câmara no mesmo
sentido, veja-se fls. 28-29. A resposta régia reproduz esses termos: fls. 25v-26.
105

era um forasteiro que casara na terra. Mais ainda, é difícil enxergar qualquer tipo de ligação
significativa entre parentelas que não compartilhavam mais do um distante parentesco pela via
feminina – caso de todos aqueles que descendiam do supracitado “Adão de Massapê”,
Caramuru. Assim, embora as estruturas de parentesco da elite baiana perfaçam um tema de
importância fundamental a merecer uma investigação mais detalhada, penso que as famílias da
elite baiana seiscentista podem ser caracterizadas como majoritariamente patrilineares e unidas
pelos sobrenomes, como se verá dos estudos de caso que se seguem.
Contei os mandatos de juiz ordinário, vereador e procurador da Câmara, assim como os
de Provedor da Misericórdia, exercidos pelos membros de cada família95. Deve ser salientado,
porém, os limites dessa abordagem: ela exigiu a construção de muitos troncos parentais (25,
para ser mais preciso96) devido à fragmentação da elite política e deixou grande parcela de
nossos homens na amorfa categoria de “família não-identificada” – isto é, sem relações de
parentesco com as famílias mais destacadas da Bahia do período. Essa situação ocorre
exatamente devido à abertura da elite baiana destacada acima.
Avançando para o século XVIII, percebe-se que praticamente nenhuma das principais
famílias nobres que dominaram a Câmara nessa centúria remonta à época de conquista. O
principal grupo familiar identificado por Avanete Pereira Sousa97, os Rocha Pita, com 21
mandatos no setecentos, têm seu primeiro representante, o caminhense Sebastião da Rocha Pita
(avô do historiador homônimo) em 1651, e só se consolida como força na política municipal
com seu neto (eleito pela primeira vez em 1687) e a chegada de Antônio (vereador em 1689 e
1705, juiz ordinário em 1696) e Cristóvão (vereador em 1690), minhotos de Coura que, até
onde consegui ir, não são parentes próximos dos dois Sebastiões. Já os Carvalho e Albuquerque
(17 mandatos) tem sua origem no já mencionado cirurgião transformado em homem de negócio
Domingos Pires de Carvalho, casado na Bahia com a filha de um alfaiate. Os Argolo Vargas
Cirne de Menezes (com 14 mandatos, todos na segunda metade do século) ostentam um nome
quinhentista, mas de uma família que não chegou sequer uma vez a posições de poder no
seiscentos, e cujo maior feito no período foi oferecer noivas a cinco membros da elite, enquanto
o Vargas Cirne foi trazido por um capitão de infantaria vianense transmutado em lavrador de

95
Inspirado em FRAGOSO, “Fidalgos e parentes de pretos”, pp. 54-68 e SOUSA, Avanete Pereira. A Bahia no
Século XVIII: poder político local e atividades econômicas. São Paulo: Alameda, 2012, pp. 92-105 (embora a
autora aparentemente tenha realizado essa divisão utilizando apenas os sobrenomes, o que não é confiável, pois
tende a ignorar tanto membros da família com nomes distintos – algo usual no século XVII – quanto aqueles que
se ligam a esses grupos através do casamento).
96
Consideravelmente mais que as 15 e 8 famílias fidalgas que dominavam, respectivamente, o Porto e Évora entre
1580 e 1640: SILVA, O Porto, p. 432 e PARDAL, As elites de Évora, p. 111.
97
SOUSA, A Bahia no século XVIII, p. 103.
106

canas que se tornou vereador em 1669 e juiz ordinário em 1689. A família de origens mais
antigas seria a quarta mais importante identificada pela autora, os D’Ávila e Aragão, cujo
famoso primeiro sobrenome remonta à fundação de Salvador, enquanto o outro foi trazido da
Madeira no final do quinhentos pelo capitão-mor e senhor de engenho Baltazar de Aragão de
Sousa – parentelas que serão analisadas em maior detalhe abaixo. Poderíamos continuar, mas
creio que essas quatro famílias, que juntas respondem por 39% dos cargos camarários no
período, já são um bom indicador do caráter relativamente recente dessa elite.

Gráficos IV e V: Famílias na Câmara e na Misericórdia (% das eleições)

1614-60

16

21 51

12

Família não-identificada Top 3 Top 4-11 Top 12-25

1661-1700

18

39

21

22

Família não-identificada Top 3 Top 4-11 Top 12-25

Fonte: Base Elites Baianas Seiscentistas.

Voltemos, porém, ao século XVII. Os gráficos acima dividem em quatro grupos os


homens eleitos na Câmara para exercerem os cargos de juiz ordinário, vereador e procurador,
assim como os escolhidos como provedores da Misericórdia. Optei pelas eleições, e não pelos
107

mandatos exercidos, pois dessa forma é possível captar com mais precisão o prestígio de cada
linhagem. Os números representam o peso percentual de cada uma das categorias.
Os quatro grupos utilizados foram os seguintes: as três famílias mais influentes nessas
duas instituições (Muniz, Aragão e Araújo), que exerceram de 26 a 39 mandatos (top 3); as oito
seguintes, com 13 a 19 mandatos (top 4-11); e as últimas 14, com até 12 mandatos (top 12-25).
Há que reconhecer que essa divisão em três patamares é um tanto arbitrária, mas penso que é
útil por denotar as diferenças entre as parentelas, em razão da clara preeminência de algumas.
Por último, a categoria “família não-identificada”, cuja dominância reforça a impressão de
abertura da elite baiana. Entretanto, sua diminuição é um indicador claro de uma consolidação
familiar, pois a causa principal dessa mudança é o significativo avanço do supracitado trio de
ferro das grandes famílias seiscentistas, que quase dobram sua participação relativa, passando
de 12 para 22% do total de eleitos. Ora, essa proporção é notavelmente inferior à encontrada
por João Fragoso para o Rio de Janeiro entre 1651-1700, onde só quatro famílias controlaram
53,7% dos cargos da Câmara98. Em 1661-1700, seria preciso reunir as nove principais famílias
(as únicas eleitas nove ou mais vezes no período) para chegar a 44,1% dos cargos camarários,
indicando também uma maior fragmentação da elite política baiana, muito menos capaz de
monopolizar o poder municipal do que sua contraparte carioca. Na comparação, porém, com
uma das Câmaras mais oligárquicas do Reino, Évora, Salvador não se sai tão mal: se na primeira
oito famílias fidalgas estabelecidas na cidade até finais do século XIV representam 54,3% dos
vereadores eleitos entre 1580-164099, as nove principais famílias baianas representam 38,1%
dos vereadores e juízes ordinários em 1614-60 e 59,3% entre 1661-1700 – aproximando-se,
portanto, do padrão eborense durante a Monarquia Dual. Os dados dos quais dispomos nem
sempre são comparáveis, mas é possível que a Câmara do Rio de Janeiro tenha se tornado
excepcionalmente oligarquizada ao longo do século XVII, especialmente em sua segunda
metade, mais até do que cidades importantes no Reino. Apesar da inacreditável ausência de
estudos detalhados sobre a atuação política da elite paulista, que persiste a despeito da
abundância de fontes e historiadores dedicados à região, é quase certo que o poder local fosse
ainda mais concentrado na vila de São Paulo, a se julgar pela famosa divisão da Câmara
municipal entre Pires e Camargos (os quais ainda dominavam a Misericórdia)100.

98
FRAGOSO, “Fidalgos e parentes de pretos”, p. 59.
99
PARDAL, As elites de Évora, p. 60.
100
Cf. MONTEIRO, John. Negros da terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo: Companhia
das Letras, 1994, pp. 200-2.
108

Com apenas uma exceção (o homem de negócio madeirense e, depois, senhor de


engenho Domingos Martins Pereira, que serviu como procurador em 1681, após ter se casado
em 2 de outubro de 1677 com D. Ana Cavalcante de Albuquerque, mas recusou-se a ocupar o
mesmo cargo em 1684101), nenhum dos procuradores eleitos pertencia às 25 principais famílias
baianas102. Para esse cargo, portanto, como destacou o governador-geral Marquês das Minas
em parecer de 4 de junho de 1685, “nunca nas eleições da Câmara daquela cidade se nomearam
para procuradores dela pessoas de igual qualidade às dos outros oficiais, senão das de inferior
esfera, e este estilo praticado desde seu princípio fizera estranhar a introdução de Cavaleiros do
Hábito naquele lugar para que bastavam homens ordinários”103. Se homens como o senhor de
engenho, cavaleiro de Cristo e capitão de ordenança Antônio Fernandes de Simas104, procurador
em 1694 (mas também vereador em 1695), certamente objetariam a essa qualificação de
“homens ordinários”, eram exceções. Só 12 (18%) dos 67 homens eleitos como procuradores
no período conseguiram ascender a vereadores, de modo que o cargo parece ter sido antes uma
forma de incorporar indivíduos fora do círculo das principais famílias locais ao corpo político
sem, porém, aceitá-los plenamente, do que a principal via de entrada ao grupo d“as pessoas da
primeira nobreza, que servem de juízes e vereadores” na Bahia, como D. Pedro II qualificou o
topo da elite governante baiana em 1686, seguindo o parecer do Marquês das Minas105.
Quando acontecia, a passagem podia demorar um bom tempo, e o sucesso econômico
era fundamental, ainda que não suficiente: um exemplo era o militar minhoto Pedro Borges
Pacheco, que após longos anos de serviço estabeleceu-se em Salvador, recusou uma fortaleza
em Angola e conseguiu tornar-se procurador da Câmara em 1652. Depois, adquiriu três
fazendas de cana, obteve grandes sesmarias no sertão, foi por duas vezes tesoureiro da Santa
Casa de Misericórdia e uma vez ministro da Ordem 3ª de São Francisco e ocupou o cargo de
tesoureiro-geral do Estado do Brasil (para além de ser nomeado sargento-mor de infantaria). Só
depois dessa longa trajetória é que Pacheco foi eleito vereador em 1673, quando já era
qualificado pelo desembargador sindicante como “homem de cabedal, fazenda e fábrica para
poder povoar algumas léguas de terra que se lhe podem dar”106. A maioria dos procuradores

101
CG, vol. I, p. 123; KRAUSE, Em busca da honra, pp. 243-4.
102
Situação similar pode ser encontrada em PARDAL, As elites de Évora, p. 63.
103
DH, vol. 89, p. 51 (ênfase minha).
104
AHU, cód. 85, fls. 193v-194; IAN/TT, COC, L. 69, fls. 469-469v.
105
DH, vol. 68, pp. 79-80 e AHMS, PR, vol. III, fls. 36v e 63-64. Para uma análise mais detalhada, cf. KRAUSE,
Em Busca da Honra, pp. 245-6, mas também o próximo capítulo dessa tese.
106
AHU, Bahia, LF, cx. 23, doc. 2740 (citação); cód. 80, fls. 377-378, cód. 81, fls. 103v-104; DH, vol. 24, pp.
115-9; “Liberdade e limitação”, p. 498; Irmãos, pp. 275-6; JABOATÃO, Frei Antônio de Santa Maria. Novo Orbe
Seráfico Brasílico, ou Chronica dos frades menores da Província do Brasil. Rio de Janeiro: Typographia
Brasiliense de Maximiano Gomes Ribeiro, 1859 [1761], vol. I, p. 311.
109

que conseguiu subir o degrau para vereadores, porém, era composta por negociantes bem-
sucedidos, como Domingos Escórcio, João de Matos Aranha e Manuel de Oliveira Porto.
Assim, se a clivagem entre os procuradores e os demais camaristas é usual no Reino,
somente em algumas municipalidades, como o Porto e Ponta Delgada, é possível identificar a
passagem de procuradores para o primeiro estrato da governança local 107 – resultado talvez de
um maior dinamismo econômico, graças à importância de seu comércio marítimo108. Em certas
vilas portuguesas, o enquistamento oligárquico chega ao ponto de o vereador mais novo passar
a ocupar o cargo de procurador no ano seguinte, obstaculizando ainda mais a entrada de novos
membros na elite política109. Embora por volta de 1620 a Câmara soteropolitana tenha requerido
– sem sucesso – este privilégio, em finais do século pede exatamente o oposto, isto é, que os
procuradores sirvam subsequentemente como vereadores, justamente no único ano em que um
adventício ligado pelo casamento a uma das principais famílias locais, o supracitado Domingos
Martins Pereira, ocupa o cargo110. O objetivo deve ter sido o de aumentar a atratividade do
cargo de procurador, de modo a aliciar pessoas de maior qualidade, homogeneizando a
participação na Câmara sem, porém, excluir-se os forasteiros.
Como o Rei não concedeu o pedido, manteve-se a diferença social que separava os
procuradores dos vereadores e juiz ordinários. Algo similar ocorreria, ainda que mais
tardiamente, em Pernambuco, onde a partir de finais de seiscentos os mascates ocupavam o
cargo de procurador e, mais raramente, de vereador mais novo. Em razão da oposição entre
“loja” e “engenho”, porém, jamais alcançaram os postos mais importantes de juiz ordinário e
vereador mais velho111. Em Salvador, em grande medida a posição de procurador foi
monopolizada pelos forasteiros, porque só 4 dos 72 eleitos como procuradores haviam nascido
na Bahia – e nenhum, repito, entre as principais famílias da capitania.

107
SILVA, O Porto, p. 436; RODRIGUES, Poder Municipal, p. 76; PARDAL, As elites de Évora, p. 110;
SOARES, O Município de Coimbra, vol. II, p. 113 e MONTEIRO, “Elites locais”, p. 71.
108
BRAUDEL, Fernand. Civilização Material, Economia e Capitalismo (trad.). São Paulo: Martins Fontes, 1996
[1978], vol. II: Os jogos de trocas, p. 421, citando Hermann Kellebenz.
109
MAGALHÃES, O Algarve, p. 327 e CCLP, vol. 9, pp. 315 e vol. 10, pp. 47 e 236.
110
IAN/TT, Desembargo do Paço, Repartição da Justiça e Despacho da Mesa, Livro 7, fls. 126-126v; CS, vol. II,
pp. 98-9 e AHMS, Provisões Reais, vol. III, 21v.
111
MELLO, A Fronda, pp. 189-90. Para um estudo de caso, veja-se SOUZA, George Cabral de. Tratos e Mofatras:
o grupo mercantil do Recife colonial (c. 1654 – c. 1759). Recife: EDUFPE, 2012, pp. 269-73.
110

Gráficos VI e VII: Famílias na Câmara (sem contar os procuradores) e na Misericórdia


(% das eleições)

1614-60 - sem Procuradores

23
30

31 17

Família não-identificada Top 3 Top 4-11 Top 12-25

1661-1700 - sem Procuradores

18
24

30
28

Família não-identificada Top 3 Top 4-11 Top 12-25

Fonte: Base Elites Baianas Seiscentistas.

Já no primeiro período os “família não-identificada” perdem seu posto de maior grupo,


sendo ligeiramente ultrapassados pelo segundo patamar das famílias baianas. Mais do que isso,
as 21 principais estirpes (pois quatro ainda não existiam entre 1614-60) representam 70% dos
eleitos, demonstrando que, se há uma notável abertura, o controle dos cargos mais importantes
está desde o início do século nas mãos dessas famílias de elite, mesmo que elas ainda estivessem
em constituição – tratava-se da primeira ou, no máximo, a segunda geração a alcançar o poder
local, e seus grupos parentais eram muito menos extensos do que viriam a ser no final do século.
O maior fortalecimento dessas famílias, e especialmente das mais importantes, é novamente
visível no gráfico VI, no qual as três mais importantes estirpes passam da última posição para
111

a primeira, passando a responder por 30% dos eleitos, fechando-se em si, mesmo em um
momento de significativo crescimento demográfico em Salvador112. A posição do grupo
“família não-identificada” continua a ser, como vimos acima, inversamente proporcional, de
modo que esse grupo passa a ser o menos importante dentre os quatro selecionados no gráfico.
Assim, se em algum momento é possível dizer que o “fazer-se” da elite política baiana
está terminado (o que não estou bem certo, já que depende de uma investigação mais sistemática
sobre o século seguinte), isso ocorreria apenas nas últimas quatro décadas do seiscentos, mais
de um século após a fundação de Salvador – exatamente no período em que se consolida o
discurso que representa o grupo como uma “nobreza” local, como veremos no próximo
capítulo. Se jamais se chegará perto a uma cristalização oligárquica similar à que está a ocorrer
no Reino por esses anos, o fenômeno não deixa de ser o mesmo, oferecendo dos dois lados do
Atlântico interlocutores em menor número para a Coroa portuguesa, facilitando a negociação e
colaboração que caracterizaram essa relação (capítulos V-VII)113. Assim, se o primeiro século
de existência da Bahia caracterizou-se por uma grande fragilidade das linhagens dominantes, a
consolidação das principais famílias e os dados aportados por Avanete Pereira de Sousa
sugerem uma maior estabilidade da nobreza baiana a partir de meados do século XVII,
mantendo uma significativa capacidade de reprodução social até o século XIX, ainda que esse
tema precise ser investigado mais profundamente no futuro114.
Um sintoma da consolidação é a eleição de oficiais muito mais novos do que a média
nas últimas décadas do século: Antônio Teles de Menezes tinha apenas 28 anos quando se
tornou vereador em 1668, Sebastião da Rocha Pita 25 quando eleito em 1687, enquanto
Francisco Muniz de Sousa foi empossado em 1690, com 28 anos. A família fornecia as
credenciais necessárias para a ocupação desses postos, que passaram a ser, ao menos nesses
casos, mais atribuídos do que conquistados – como parece ter ocorrido em muito maior escala
com as capitanias de ordenança. Veja-se, como um caso extremo, a patente de capitão de
Francisco Dias de Ávila, concedida quando este tinha apenas 24 anos, em razão dos “serviços
que seu pai e avô fizeram a Sua Alteza, e ser o mesmo Distrito da Torre seu”115.

112
Para uma comparação, veja-se PONCE LEIVA, Certezas, pp. 268-73, que demonstra que Quito oligarquizou-
se mais cedo, já em finais do XVI, mas que viu a entrada de mais homens novos não aparentados subir na segunda
metade do XVII, em sentido oposto ao que ocorre em Salvador.
113
MAGALHÃES, O Algarve, p. 328.
114
SOUSA, A Bahia no século XVIII, pp. 92-105; veja-se também KENNEDY, John Norman. “Bahian Elites,
1750-1822”. HAHR, vol. 53, n. 3, 1973, pp. 415-39. Penso, assim, ser necessário matizar, assim, a percepção de
uma instabilidade generalizada das elites americanas, defendida em RAMINELLI, Ronald. Nobrezas do Novo
Mundo: Brasil e ultramar hispânico, séculos XVII e XVIII. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2015, p. 59.
115
DH, vol. 12, pp. 240-1. Para um paralelo, cf. KULIKOFF, Allan. Tobacco and Slaves: the Development of the
Southern Cultures in the Chesapeake, 1680-1800. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 1986, p. 275.
112

Também na década de 1660, o posto de coronel de ordenanças passou a ser concedido


com maior frequência (capítulo VI). Se no início militares foram nomeados, como Ascenso da
Silva e Baltazar dos Reis Barrenho, ambos já haviam sido vereadores, indicando sua inserção
no grupo dominante. Outros dois coronéis desse ano, porém, pertenciam ao núcleo duro da elite:
Lourenço Barbosa da França e Francisco Gil de Araújo. Essa é a tendência seguida ao longo de
todo o século116. Praticamente todos os coronéis são senhores de engenho, inserindo-se nas
principais famílias da capitania: Aragão (5 coronéis), Albuquerque (4), Muniz (3), Barbosa (2),
Pimentel (2) e Araújo (1). No contexto de “militarização geral da sociedade”, identificado por
Romero Magalhães, reforça-se o poder das elites locais, que podem através das ordenanças
exercê-lo cotidianamente de forma mais permanente e mais próxima da população do que a
Câmara, “escoltando a colheita até o porto, prendendo criminosos, recrutando soldados para a
tropa paga na cidade, coletando impostos especiais, e patrulhando as rotas comerciais no
interior”117. Afinal, se é camarista por alguns anos, mas oficial de ordenança por décadas:
Sebastião da Rocha Pita foi vereador cinco vezes, mas coronel por 44 anos. O mesmo é válido
para muitos outros membros das famílias tradicionais, especialmente nesse momento de
consolidação que é a segunda metade do seiscentos. Desse modo, “os vereadores-capitães
passam a ser as peças-mestras do edifício social, bem mais sentidos pelos povos do que qualquer
outro poder ou senhorio”, no Algarve como na Bahia, sendo o controle desses postos um dos
elementos constituintes das elites locais, como bem tem destacado João Fragoso118.
A elevada porcentagem da categoria “família não-identificada” indica que o casamento
não era uma via necessária para a entrada na elite política. Dos 151 homens de origem
desconhecida e forasteiros eleitos como vereadores, juiz ordinários e provedores da
Misericórdia, só 48 estavam indiscutivelmente ligados por laços de parentesco a grupos
familiares de elite na Bahia. Outros 21 casaram-se com filhas de senhores de engenho, ricos
negociantes ou oficiais régios, o que certamente deve ter contribuído para seu sucesso. Sobre
os sogros de 27, porém, não termos informações, e dos últimos 55 sequer sabemos se casaram.
É certo, porém, que aqueles reconhecidamente ligados à elite foram, em média, eleitos mais
vezes: 1,92, em oposição a 1,46 daqueles com sogros desconhecidos ou que não eram
socialmente destacados. Mesmo que seja difícil nos aprofundarmos na análise em razão das
lacunas na base de dados, duas conclusões simples podem ser adiantadas: era possível adentrar

116
Ver, dentre outros, DH, vol. 9, pp. 10-1 e vol. 31, pp. 400-5 e 414-6.
117
FLORY, Bahian Society, pp. 134-5.
118
MAGALHÃES, O Algarve, pp. 338-9 (citação); FRAGOSO. “Nobreza principal”, p. 172. Esse é, porém, um
tema que precisa ser explorado de forma mais sistemática no futuro, ao menos no tocante à Bahia.
113

no grupo mesmo sem estabelecer laços parentais com as famílias estabelecidas, e até fazê-lo,
por raro que fosse, nos níveis mais altos. João de Matos de Aguiar, Antônio Maciel Teixeira e
Domingos Afonso Sertão foram todos provedores da Misericórdia, por exemplo, para o que não
deve ter sido indiferente sua imensa riqueza e até, talvez, sua intensa atividade creditícia, que
pode ter contribuído para que os membros da elite mantivessem boas relações com esses
homens. Mesmo assim, o casamento provavelmente encurtava o caminho até o topo e facilitava
que a presença no poder fosse mais que um evento único, transformando-se numa constante.
É certo, porém, que mesmo os homens sem ligações de parentesco com as principais
famílias estabeleceram outros laços com elas. O compadrio deve ter tido um papel relevante:
no capítulo anterior mencionamos o caso de Estevão Gomes de Escobar, filho de um mercador
de loja e casado com uma mulher que não pertencia a uma parentela de destaque. Entretanto,
seu primeiro filho foi batizado em 1666 pelo senhor de engenho, fidalgo, comendador e capitão
Felipe de Moura de Albuquerque, que havia sido eleito juiz ordinário em 1653119: é provável
que tais laços tenham contribuído para a eleição de Escobar como vereador em 1676.
Certamente seria possível encontrar outros casos semelhantes se a maioria dos registros
paroquiais não houvesse se perdido. Mais importante ainda deve ter sido a sociabilidade com
os membros da elite: ao menos 34 adentraram a Misericórdia antes de serem eleitos para o
Senado, e o número certamente seria ainda maior se tivéssemos dados para as outras duas
grandes irmandades da capitania. O que esses homens fizeram para obter a entrada nesses
clubes exclusivos é, claro, outra questão, muito mais difícil de responder, mas o número de
homens respeitáveis em Salvador não era dos mais elevados: certamente todos faziam negócios
entre si ou se esbarravam em igrejas, tavernas ou na praça da cidade, estabelecendo assim os
primeiros laços sociais que permitiram a gradual entrada dos forasteiros na elite120.
Voltemos, porém, às famílias dominantes, e analisemos algumas trajetórias para tentar
compreender suas estratégias121. Comecemos pelos Muniz Barreto, não só a família com mais
eleitos para a Câmara (17 entre 1614-60 e 22 entre 1661-1700), mas também uma das poucas
que conseguia remontar suas origens à fundação de Salvador, tendo vindo junto com o primeiro
governador-geral Tomé de Sousa o fidalgo Diogo Muniz Barreto, natural de Machico
(Madeira), tornando-se o primeiro alcaide-mor de Salvador e provedor da Misericórdia. O
patriarca da família, porém, foi seu irmão, Egas Muniz Barreto, que pouco após chegar recebeu

119
Laboratório Eugênio da Veiga/Universidade Católica de Salvador, Santo Amaro da Purificação, Batismos,
1652-76, fl. 60v.
120
SMITH, The mercantile class, pp. 330-2; RUSSELL-WOOD, A. J. R. “Prestige, power, and piety in colonial
Brazil: the Third Orders of Salvador”. HAHR, vol. 69, n. 1, 1989, pp. 61-89.
121
Para uma análise exemplar nesse sentido, cf. RODRIGUES, São Miguel, pp. 599-650.
114

uma sesmaria, dando origem às propriedades familiares na Bahia. A se acreditar em Jaboatão,


seriam de família muito ilustre (Calmon os faz remontar aos visigodos!)122: se provavelmente
não é para tanto, não há como negar que se destacavam por sua qualidade em terra onde, em
1550, o ouvidor-geral Pero Borges reclamava que “não há aqui homens para serem juízes
ordinários nem vereadores, e nestes ofícios metem os governadores degredados por culpa de
muita infâmia e até desorelhados, e fazem coisas de fora de vossos serviços e razão”123.
A família manteve a alcaidaria-mor por mais de 100 anos, até a morte de Francisco
Muniz Barreto (1602-69), mas foi na Câmara que sua influência se fez sentir com mais força,
pois diversos de seus membros lá estiveram, repetidamente. O senhor de engenho e fidalgo
escudeiro Diogo Muniz Teles, por exemplo, neto de Egas (e filho da cristã-nova Leonor
Antunes), foi cinco vezes vereador e juiz ordinário entre 1617 e 1641124. Apesar de seu
pedigree, a família não se furtou a fazer alianças das mais diversificadas: Diogo casou-se com
a filha do lavrador rico e cristão-novo Manuel Gomes Vitória, enquanto Luiz de Melo de
Vasconcelos (1585-1668), juiz ordinário em 1633, 1638 e 1648, casou-se com a filha do homem
de negócio de Lamego, Gregório Varela. Outro ramo da família favoreceu alianças com
membros da elite local: o fidalgo escudeiro e senhor de engenho Francisco Barreto de Menezes
(1602-74), vereador em 1646, casou-se com a filha do senhor de engenho Belchior de Aragão
de Sousa, vereador em 1635, dos Aragão, enquanto seu filho Egas Muniz Barreto (1646-1720),
que portava os mesmos qualificativos que o pai, desposou a filha de Antônio Ferreira de Sousa,
senhor de engenho, vereador em 1649, eleito juiz ordinário em 1661, da família dos Ferreiras.
A família não se furtou a incorporar forasteiros, como João Mendes de Vasconcelos,
cavaleiro de Santiago e capitão de infantaria, dos “homens nobres dos principais da vila de
Machico” (a mesma de onde haviam partido, quase um século antes, os primeiros Muniz), que
casou-se com a filha de Diogo (batizando seu primogênito com o mesmo nome e sobrenomes
do avô) e conseguiu ser vereador em 1659 e juiz ordinário em 1661 e 1662125. Por outro lado,
um cunhado de Diogo foi Antônio Coelho Pinheiro, qualificado por Jaboatão como “homem
nobre, familiar do Santo Ofício”, mas que ao fazer uma denúncia à Inquisição apareceria como
“mercador”126. Provavelmente não era, portanto, nem nobre nem familiar, mas mesmo assim
foi eleito vereador em 1638 e juiz ordinário em 1644, 1646, 1648 e 1653.

122
CG, vol. I, pp. 269-71; DH, vol. 13, pp. 262-8, vol. 35, pp. 353-4 e vol. 38, p. 36.
123
DIAS, Carlos Malheiro (dir.). História da Colonização Portuguesa no Brasil. Porto: Litografia Nacional, 1924,
vol. III, pp. 267-9.
124
CG, vol. I, pp. 278 e 286; AHU, cód. 81, fl. 68; CCT, vol. II, p. 198.
125
AHU, cód. 80, fls. 45v-48; IAN/TT, HOC, Letra D, mç. 11 (citação); CG, vol. I, pp. 279 e 287-8.
126
CG, vol. I, p. 281; NOVINSKY, Cristãos-novos na Bahia, p. 177. Entretanto, ao examinar o códice citado pela
autora, esse personagem é qualificado apenas como cidadão e da governança da Bahia: IAN/TT, TSO, IL, CP,
115

Assim, essa família, que contava ao menos sete senhores de engenho entre seus 18
representantes na elite política, além de três lavradores de cana, teceu um leque diversificado,
mas assistemático, de alianças. É provável que as alianças fossem decididas pelos diversos
ramos do grupo, não havendo uma estratégia unificada. É exatamente isso, porém, somado à
fecundidade da família (em 1659 dizia-se que do “primeiro Muniz que veio a esta terra são
nascidas 700 pessoas, não faltando os que se não lograram e morreram”127), que explica sua
constante presença na elite política baiana seiscentista.
Os Muniz, porém, não tiveram sequer um provedor da Misericórdia, perdendo em muito
nesse importante quesito para seus competidores mais recentes, os Aragão. A família foi
fundada pelo madeirense Baltazar de Aragão de Souza (1564-1613), “por alcunha o Bângala,
que lhe puseram os negros”, ou “o Manga na Bota”, ainda famoso muitos anos depois sua morte,
pois João Peixoto Viegas testemunhou em 1686 que “soube que o dito Baltazar de Aragão foi
capitão-mor nas conquistas de Angola, e casando-se nesta cidade casou rico e abastado, vivendo
de suas fazendas de canas e engenhos, que ainda existem em seus descendentes, e a causa desta
notícia é por ser pública e notória”128. Segundo Jaboatão, a primeira alcunha lhe teria sido dada
em Angola, “onde por ser demasiadamente cruel para com os escravos, que os castigava com
grande rigor, lhe chamaram o Bângala, que no seu idioma quer dizer Pau duro”. Casou-se na
Bahia com D. Maria de Araújo, filha do limiano Francisco de Araújo (senhor de engenho, talvez
mercador, e instituidor de um morgado) e de Maria Dias, neta de Caramuru e Catarina Álvares.
O prestígio do Bângala era tal que foi escolhido como um dos três governadores provisórios da
capitania após a partida de D. Diogo de Menezes, sendo nomeado como capitão-mor para
substituir o governador-geral Gaspar de Sousa quando este estava em Pernambuco. Morreu,
porém, tragicamente, ao enfrentar uma nau francesa em 24 de fevereiro de 1613129.
Seus descendentes, porém, fizeram-se presentes por um longo tempo na política baiana.
Seu filho, o capitão e senhor de engenho Baltazar de Aragão de Araújo, foi eleito vereador e
juiz ordinário três vezes entre 1647 e 1662, e provedor em 1651. Casou-se com a sobrinha, filha
do já mencionado Paulo de Barros (vereador em 1634 e ministro da Ordem 3ª de São Francisco
em 1648), também limiano, cavaleiro da Ordem de Cristo (1647), e de sua irmã D. Francisca
de Aragão130. Nas inquirições de Paulo não foram descobertos defeitos de sangue ou mecânico,

Livro 29, fls. 3v-4, denúncia de 14 de abril de 1646, contra a preta forra Apolônia, pelo envenenamento de seu
neto. Como, porém, a “Grande Inquirição” ocupa mais de 200 fólios, é possível que em outro momento ele apareça
como mercador.
127
BPA, 54-VIII-37, n. 168.
128
IAN/TT, TSO, Conselho Geral, Habilitações, Sebastião, mç. 4, n. 97 (Sebastião de Brito de Castro).
129
CG, vol. I, pp. 171-2 e 179-82, citação à p. 182.
130
Novo Orbe, vol. I, p. 310; CG, vol. I, pp. 156, 163, 172 e 182.
116

e o mesmo pode ser dito de seu concunhado mais famoso, Diogo de Aragão Pereira. Madeirense
como o sogro, provavelmente eram parentes, embora não irmãos, como chega a aventar uma
testemunha na inquirição realizada em 1686, pois os pais de Diogo casaram-se em 1588, quando
Baltazar era já um homem adulto131. Na mesma habilitação, outro depoente afirma que Diogo
“se ausentara [da Madeira] haverá 70 anos por um crime grande de homicídio que nesta cidade
cometeu por desafrontar seu pai de uma injúria que se lhe fez”132. Assassino ou não, poucos
anos após chegar Diogo tornou-se juiz ordinário (1627 e 1633), provedor da Misericórdia
(1637), moço fidalgo (1641) e Ministro da Ordem 3ª de São Francisco (1645, 1648 e 1653).
Não esteve mais vezes na Câmara por opção, pois em 23 de agosto de 1640 conseguiu alvará
para não ser obrigado a servir no Senado, em razão de seus “achaques” e ter “fazenda fora da
dita cidade que pede sua assistência”133. Curiosamente, se em 1627 há referência a seu engenho,
em 1638 aparece como lavrador rico: teria ele tido sua moenda destruída pelos neerlandeses?
De qualquer modo, Diogo ultrapassou as dificuldades do período para, em 1662, orgulhar-se de
possuir dois engenhos134. Foi, segundo Jaboatão, “muito estimado de todos os governadores do
seu tempo”135 e, mesmo depois de ter optado por não mais servir como juiz ordinário, continuou
a atuar nas discussões políticas mais relevantes da municipalidade, atuando, por exemplo, como
membro da junta que administraria o donativo de 60.000 cruzados pedido pelo Conde da Torre
em 1639 (capítulo V) e representante dos senhores de engenho numa finta cobrada para o
sustento da infantaria, em 1657136.
Nem sempre, porém, os Aragão foram tão seletivos: outro a casar com uma das filhas
de Baltazar e D. Maria foi Domingos Garcia de Melo, lavrador rico e depois senhor de engenho,
mas que era filho de Pedro Fernandes de Melo, natural de São Miguel e provavelmente cristão-
novo e mercador. É possível que Domingos fosse aparentado com o rico mercador cristão-novo
citado acima, Pedro Garcia, por via de sua mãe, Isabel Garcia, o que certamente teria facilitado
o enlace, já que após a morte de Baltazar, sua viúva casou-se com o dito Pedro Garcia137.
Na geração seguinte, porém, a família adotou uma estratégia predominantemente
endogâmica138: os dois filhos mais velhos de Diogo casaram-se com primas, e o mesmo pode

131
Índice dos Registros Paroquiais. Funchal: Arquivo Histórico da Madeira, 2002, vol. IX (Casamentos do
Conselho do Funchal, 1539-1911), Livro 52, fl. 47.
132
IAN/TT, TSO, Conselho Geral, Habilitações, Sebastião, mç. 4, n. 97 (Sebastião de Brito de Castro).
133
AMARAL (ed.), Livros de Matrículas, vol. II, p. 689; Nove Orbe, vol. I, p. 310; IAN/TT, Chancelaria de D.
João IV, Livro 16, fls. 244-244v; AHMS, PR, vol. I, fls. 296-297v.
134
AC, vol. I, p. 83; CCT, vol. II, p. 200; “Liberdade e Limitação”, p. 496.
135
CG, vol. I, p. 177 (citação) e 188.
136
AC, vol. III, pp. 353-5.
137
CG, vol. I, pp. 172, 192 e 196; SALVADOR, Os Cristãos-novos, p. 168 e GORENSTEIN, A Inquisição, pp.
72 e 100.
138
Sobre esse ponto, cf. RODRIGUES, São Miguel, p. 610.
117

ser dito dos descendentes de Domingos, enquanto as mulheres da família contraíram


matrimônio com membros não tão destacados da elite baiana, efetivamente trazendo-os para
sua parentela, em vez de passarem para a família do marido, como foi o caso dos senhores de
engenho Sebastião Pais Machado e Antônio Guedes de Paiva, cavaleiro de Avis e coronel139.
Diferentemente dos Muniz, portanto, os Aragão parecem ter desenvolvido uma
estratégia mais unificada, por um lado reforçando a coesão do grupo e por outro estabelecendo
alianças com famílias secundárias. Também diminuíram significativamente a incorporação de
forasteiros na segunda metade do seiscentos, sendo que jamais haviam aceitado comerciantes
como genros, e sua relação com cristãos-novos era puramente episódica. Talvez as diferenças
com os Muniz se devam à chegada mais tardia em Salvador, já que Baltazar de Aragão de Sousa
estabeleceu-se na Bahia mais de 40 anos após Diogo Muniz Barreto, já depois do arranque
inicial da economia açucareira e no contexto do início da perseguição inquisitorial.
Formou-se, assim, uma família espetacularmente açucarocrática: dos seus 17 membros
na elite política, 15 foram senhores de engenho, 1 lavrador de cana e o último possuía uma
fazenda em Cachoeira (provavelmente outro engenho)140. Olhando especificamente o caso do
primogênito de Diogo, o senhor de engenho e coronel Pedro Camelo Pereira de Aragão, sabe-
se que dos seus onze filhos dez tornaram-se lavradores de cana ou senhores de engenho – ou,
no caso das mulheres, casaram-se com homens da mesma classe. Além disso, três das fazendas
de cana ligadas ao seu engenho da Ponta pertenciam à família, e outras cinco fazendas próximas
pertencentes a parentes certamente também moíam cana no engenho141. Assim, nas últimas
quatro décadas do século ultrapassaram largamente os Muniz, sendo eleitos 29 vezes para os
cargos principais da Câmara e da Misericórdia, e é principalmente nesta, onde foram escolhidos
nove vezes como provedores, que se revela um prestígio inigualável na capitania.
Fechando o pódio, temos os Araújo de Góis, 26 vezes escolhidos para os mais
importantes cargos da República. O fundador da família foi o limiano Gaspar de Araújo, que
teria chegado em Ilhéus em meados da década de 1560 e passado à Bahia 30 anos depois. Seus
filhos, Simão e Jorge, casaram com duas irmãs de Ilhéus, mas serviram como vereadores na
Câmara na década de 1630, para o que devem ter contribuído seus foros de cavaleiros fidalgos
(ainda que Jorge atuasse como mercador de lojas em Salvador)142. Foram seus netos, porém,

139
CG, vol. I, p. 215 e 229-30; AHU, cód. 84, fls. 451v-452.
140
Jerônimo Sodré Pereira, moço fidalgo: cf. IAN/TT, COC, Livro 31, fl. 16v, Livro 40, fl. 354v, Livro 54, fls.
465v-466 e Livro 61, fls. 30v-31v; CG, vol. II, p. 555-6; AHU, Bahia, LF, cx. 30, doc. 3764-6.
141
FLORY, Bahian Society, pp. 43-4; LOSE, Alice Duhá et al. Dietário (1582-1815) do Mosteiro de São Bento
da Bahia. Salvador: EDUFBA, 2009, pp. 272-3.
142
BPA, 54-VIII-38, n. 316.
118

que colocaram sua família no mapa: Gaspar de Góis de Araújo foi vereador (1650), juiz
ordinário (1657) e provedor (1682) e seu irmão Pedro de Araújo de Góis foi vereador em 1663.
Ambos eram filhos de Simão, mas foram os rebentos de Jorge, o irmão mais novo, que mais se
destacaram: João de Góis de Araújo, bacharel, foi síndico da Câmara e seu procurador em
Lisboa, onde conseguiu ser nomeado Desembargador da Relação e cavaleiro da milícia
tomarense, chegando a provedor em 1675 (o primeiro da família). Já seu irmão José (também
formado em Coimbra) foi escolhido para servir na municipalidade quatro vezes. Todos os
quatro eram senhores de engenho, indicando a consolidação da família na açucarocracia143.
É interessante destacar que essa foi a única parentela da açucarocracia baiana a investir
pesadamente na educação de seus filhos: se a capitania respondeu sozinha por mais da metade
dos estudantes americanos em Coimbra no século XVII144, quase nenhum deles era filho das
mais destacadas famílias locais. Além de João e José Góis de Araújo, e do blasfemador
Agostinho Caldeira Pimentel, só rebentos de imigrantes incorporados na elite foram para
Coimbra, como Pedro Garcia de Melo (cujo pai era o supracitado Domingos Garcia de Melo),
Cristóvão de Burgos, Manuel Botelho de Oliveira e os filhos de João Peixoto Viegas e João de
Aguiar Vilasboas. Passando os olhos pela lista de estudantes, percebe-se que foram
principalmente comerciantes e letrados a enviar seus filhos para a Universidade145, talvez
porque para eles cruzar o Atlântico fosse algo menos assustador que para os baianos (o que, por
sinal, nos ajuda a entender a insistência da Câmara em pedir uma universidade na Bahia, como
veremos no capítulo VII), mas, principalmente, por ser uma via de ascensão social aberta a
todos aqueles suficientemente ricos para bancar as consideráveis despesas envolvidas146.
Os enlaces matrimoniais dos Araújo deram-se, de modo geral, com membros não muito
destacados da açucarocracia baiana, tendo estabelecido ligações mais fortes com os Muniz –
para além dos íntimos laços entre João de Góis de Araújo e seu sogro Rui de Carvalho Pinheiro
(capítulo VI). O mesmo pode ser dito das mulheres da família: se não tiveram enlaces
esplendorosos, atraíram alguns genros que puderam fortalecer a família, como Francisco da
Fonseca e, através da filha deste, o senhor de engenho João de Aguiar Vilasboas, uma vez
vereador, três juiz ordinário e provedor em 1674. Um de seus filhos, o senhor de engenho

143
CG, vol. II, pp. 712-30; AHU, cód. 84, fls. 144-144v e 217; IAN/TT, HOC, Letra J, Mç. 76, n. 11; Desembargo
do Paço, Leitura dos Bacharéis, Letra J, Mç. 16, doc. 44; COC, L. 56, fls.43v-44.
144
187 de 364: dados calculados a partir das informações disponíveis em FONSECA, Fernando Taveira da.
“Scientiae thesaurus mirabilis: estudantes de origem brasileira na Universidade de Coimbra (1601-1850)”. Revista
Portuguesa de História, tomo 33, 1999, pp. 527-59.
145
MORAIS, Francisco. “Estudantes da Universidade de Coimbra nascidos no Brasil”. Brasília, 1949, vol. IV,
suplemento.
146
Algo similar parece ter ocorrido no Recife: SOUZA, Elite y ejercicio, p. 326.
119

Francisco da Fonseca Vilasboas (vereador em 1689), reforçaria os laços dentro do clã – já que
seu ramo estava a distanciar-se – ao casar com a filha do supracitado Pedro de Araújo de Góis.
A partir dessas três famílias é possível perceber algumas causas comuns do sucesso
desses grupos parentes na política baiana. Em primeiro lugar, as três tiveram seus patriarcas
chegando na Bahia no século XVI, de modo que conseguem estar presentes com mais de um
membro da família desde o início do período. Com exceção dos Muniz, porém, essas famílias
estabeleceram-se uma ou duas décadas mais tarde na capitania do que suas contrapartes
pernambucanas147, o que seria ainda mais válido se incluíssemos outras famílias de destaque,
como os Soeiro (estabelecidos em fins do Quinhentos), Brandão e Ferreira (que aqui chegaram
no início do XVII). Mantiveram também alguma abertura nos enlaces matrimoniais,
notavelmente na primeira metade do século. A consolidação da elite política baiana parece ter
diminuído essa abertura a partir de meados do seiscentos, mas ela jamais se fechou: era quase
impossível, porém, um homem de negócio casar-se com uma Muniz, Aragão ou Araújo, e
mesmo suas filhas não parecem ter sido consideradas apropriadas para os homens dessas
famílias. Muitas vezes, quando se casavam fora da família, preferiam-se genros ou sogros já
membros da açucarocracia e naturais da Bahia – especialmente, repita-se, no final do período
estudado. A coesão familiar contribuía para o prestígio do grupo, a julgar pelos Aragão: essa
coesão, porém, não é um dado, e parece ter sido mais fraca nos Muniz, exatamente por não
contarem com um ou no máximo dois patriarcas que pudessem influenciar o rumo da família.
A união pode ter contribuído (e/ou sido facilitada) pela riqueza, pois os Aragão foram também
a família que controlaram mais engenhos durante todo o século.
Por último e mais importante, sua fecundidade garantiu que possuíssem vários filhos,
homens e mulheres, capazes de assumir o poder ou capturar para o grupo homens que pudessem
fazê-lo. Tal abundância de rebentos de prol só se tornou possível porque nenhuma das três
famílias optou por concentrar suas energias em uma linhagem específica, ou em seus
primogênitos. Por um lado, é possível que considerassem o morgado “essencialmente
incompatível com a estrutura da lavoura de açúcar baiana: isto é, o senhor de engenho
simplesmente não conseguia suportar os custos de equipar e administrar todo o complexo
açucareiro”. Por outro, os privilégios dos senhores contra a execução de suas propriedades por
dívidas (capítulo VII) “funcionavam na prática como um vínculo, protegendo a unidade da
propriedade fundiária” e tornando o morgadio menos atrativo148. Ao mesmo tempo, retirava-se
uma fonte de conflitos entre um irmão privilegiado e os outros despossuídos. Essa estratégia

147
MELLO, Rubro Veio, p. 140.
148
FLORY, Bahian Society, p. 85 (primeira citação) e SCHWARTZ, Segredos Internos, p. 244 (segunda).
120

também possibilitava, e aqui é o ponto principal para a nossa discussão, que numa elite política
relativamente numerosa (muito maior do que as elites locais do Reino) houvesse fartura de
membros da família a serem escolhidos para exercer o poder na Câmara. Assim, nos 11 anos
entre 1680 e 1690, só em dois um Aragão não foi eleito para a Câmara, e o mesmo pode ser
dito para os Muniz e os nove anos entre 1689-97.
O morgadio se disseminou amplamente entre as elites no Reino a partir do século XVI,
primeiro entre a nobreza de Corte e depois entre as elites provinciais, trazendo junto consigo
estratégias familiares necessariamente rígidas, privilegiando a “casa” antes do indivíduo149.
Entretanto, também marcaram presença no Atlântico: em São Miguel, passados escassos 50 ou
60 anos após o início da ocupação, inicia-se um movimento significativo de vinculação das
terras, que acaba por abranger a maior parte da ilha. Este movimento mostra-se um dos
elementos centrais da longa sobrevivência de sua elite. Se, no início, o processo foi lento, em
razão de ainda haver terras disponíveis, o processo se acelera na segunda metade do quinhentos,
passando de 43 vínculos criados até 1550 para 179 entre 1551-1600, e conhece seu auge no
XVII, com mais 249 na primeira metade do século e 307 na segunda. Cronologia similar pode
ser encontrada para a Madeira, embora para lá saiba-se bem menos sobre esse movimento. De
qualquer maneira, é notável que Funchal e Ponta Delgada tornem-se as áreas da monarquia
“com maior densidade de morgadios”150. Mesmo em Cabo Verde, vários de seus primeiros
moradores reinóis vão instituir vínculos a partir da década de 1530 (também passado pouco
mais de meia centúria após a ocupação lusa da ilha), que acabam passando para as mãos de seus
descendentes mestiços e ilegítimos que, identificados como os “brancos da terra”, já no século
XVII controlam o poder local e têm na propriedade fundiária vinculada uma das bases de seu
poder, em razão da decadência do papel de entreposto da ilha no comércio de escravos151.
Pela cronologia vivida nessas ilhas, era de se esperar que em finais do quinhentos
começasse a ocorrer um movimento similar na Bahia. Nada do gênero, porém, se deu. A causa
é exatamente a disponibilidade de terras: enquanto em Portugal e nas ilhas atlânticas todas as
terras já estavam apropriadas, a “fronteira aberta” americana permitia uma expansão fundiária

149
Cf. MONTEIRO, Nuno Gonçalo. “Morgadio” in: MADUREIRA, Nuno (org.). História do Trabalho e das
Ocupações. Oeiras: Celta, 2002, vol. III: MARTINS, Conceição Andrade & MONTEIRO, Nuno Gonçalo (orgs.).
A Agricultura, pp. 76-80 e id. “O ethos da aristocracia portuguesa sob a dinastia de Bragança. Algumas notas sobre
casa e serviço ao rei” [1998] in: id. Elites e Poder, pp. 89-92, que sintetizam as ideias do autor.
150
RODRIGUES, Ponta Delgada, pp. 650-69; RODRIGUES, Miguel Jasmins. “A economia: a agricultura e o
comércio. A propriedade. O regime fiscal e as finanças” in: SERRÃO, Joel & MARQUES, A. H. de Oliveira
(dirs.). Nova História da Expansão Atlântica. Lisboa: Estampa, 2005, vol. III, tomo I: MATOS, Artur Teodoro de
(coord.). A Colonização Atlântica, p. 124 (citação).
151
CABRAL, Iva. A primeira elite colonial atlântica: dos “homens honrados brancos” à “nobreza da terra” (finais
do séc. XV – início do séc. XVII). Tese de Doutorado. Praia: Universidade de Cabo Verde, 2013, pp. 190-234.
121

que, se não era constante, certamente lhes parecia potencialmente interminável. Mais do que
isso, no contexto de expansão quase constante da economia açucareira ao longo do século
(capítulo I), havia expectativas razoáveis de colocação dos irmãos mais novos, genros e
parentes próximos no mínimo como lavradores de cana e, em alguns casos, até como senhores
Assim, algumas condições fundamentais para o desenvolvimento da primogenitura não
se faziam presentes, a exemplo da estabilidade da principal fonte de riqueza e a irrelevância das
aptidões individuais para sua manutenção (já que provavelmente a administração das
propriedades era mais complexa do que no Velho Mundo)152. Ainda que as áreas mais
valorizadas do Recôncavo tenham sido rapidamente concedidas, havia um imenso sertão a ser
conquistado. Sesmarias imensas continuaram a ser dadas até praticamente o final do século
XVII, “de sorte que houve pessoa que pediu e impetrou sesmaria que compreende mais terra
que uma província inteira de Portugal”153 sempre beneficiando os homens da elite política e
seus parentes mais próximos, de modo a facilitar-lhes tanto a acumulação de riqueza quanto de
prestígio. Mesmo que o perfil de distribuição de sesmarias fosse extremamente concentrador –
mais na Bahia do que no Rio de Janeiro154 – não eram os membros da elite governante os
excluídos, de modo que provavelmente não faltaria terra para seus descendentes, fornecendo-
lhes não só uma base econômica, mas social e política, já que a propriedade fundiária era a base
do poder nas sociedades agrárias da época moderna, como já se disse no primeiro capítulo.
Entretanto, o número de mandatos não é o único indício de poder, nem a estratégia de
diversificação a única possível – mesmo porque dependia da fecundidade da família e da
sobrevivência das crianças, fatores que em larga medida escapam do controle dos agentes.
Assim, algumas linhagens que concentraram todos seus recursos em poucos indivíduos foram
capazes de exercer uma influência desproporcional a seu número na política baiana seiscentista.
O exemplo mais famoso é, claro, dos Ávila. Seu patriarca, Garcia d’Ávila (1528-1609),
chegou à Bahia com o primeiro governador-geral Tomé de Sousa, e em menos de duas décadas
tornou-se o maior latifundiário da capitania e um dos seus mais ricos moradores. Exerceu cargos
na Câmara, mas seu casamento com uma cristã-nova não foi fértil. Só uma filha natural mestiça

152
BOONE III, James L. “Parental investment and elite family structure in preindustrial States: a case study of
Late Medieval-Early Modern Portuguese Genealogies”. American Anthropologist, vol. 88, n. 4, 1986, p. 868. Se
várias das principais famílias mexicanas possuíam grandes propriedades vinculadas, a prática nunca chegou a ser
majoritária na Nova Espanha e era, ao que parece, pouco relevante em outras regiões da América Espanhola:
MÖRNER, Magnus. “Economic factors and stratification in Colonial Spanish America with special regard to
elites”. HAHR. Vol. 63, n. 2, 1983, p. 348 e PAZOS, El Ayuntamiento, pp. 352-6.
153
AHU, Bahia, LF, cx. 23, doc. 2737 (relatório do Desembargador Sebastião Cardoso de Sampaio, 1678).
154
SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. A Morfologia da Escassez: crises de subsistência e política econômica
no Brasil colônia (Salvador e Rio de Janeiro, 1690-1790). Tese de Doutorado. Niterói: PPGH/UFF, 1990, pp. 318-
45.
122

teve descendência, após casar-se com um neto do Caramuru (por via materna), Diogo Dias,
lavrador de cana. Assim, toda a riqueza acumulada passou para Francisco Dias de Ávila (c.
1580-1640), o “senhor da Torre de Tatuapara”, o qual casou-se com a filha do amigo e
procurador de seu pai, Manuel Pereira Gago. Seu único herdeiro, Garcia d’Ávila, contraiu
matrimônio com uma tia, reforçando os laços familiares. De seus três rebentos, um herdou a
riqueza familiar, Francisco Dias de Ávila II (c. 1648-94), enquanto o outro, Bernardo Pereira
Gago, morreu sem sucessão, provavelmente por opção familiar – note-se que até o sobrenome
ilustre lhe havia sido negado. Já a irmã deles casou-se com Vasco Marinho Falcão, vereador
em 1665 e membro da família Brandão (a sexta com mais eleitos ao longo do século: 17).
Francisco Dias de Ávila é o único da família a figurar em minha base, pois, diferente de
seu pai e avô, foi vereador em 1682, coronel em 1686, juiz ordinário em 1688 e provedor da
Misericórdia neste ano e no seguinte. Um missionário o qualificou como “o homem mais rico
do Brasil e o melhor aparentado”155 – se talvez estivesse certo quanto à primeira afirmativa,
quanto à segunda não podia estar mais equivocado: ao casar-se com a sobrinha D. Leonor
Pereira Marinho (após a outra sobrinha ter fugido para casar contra a vontade da mãe com “um
homem muito pobre, filho de pais pobres e pouco conhecidos que para se sustentar e sua família
comprava reses que mandava matar e vender em sua casa”156, levando 2000 cruzados em joias
e roupas), Francisco Dias de Ávila reforçou ainda mais a coesão de sua linhagem e manteve-se
distante do restante da elite. Ao mesmo tempo, continuou ampliando suas posses no sertão.
Resistamos a uma psicanálise de botequim que explicaria sua obsessão pela expansão de suas
propriedades como compensação por sua baixa estatura157, em um complexo de Napoleão
sertanejo, pois tratava-se apenas da continuidade de uma secular estratégia familiar.
Para evitar definitivamente a fragmentação do patrimônio familiar, a fugitiva foi
deserdada para todo o sempre e a irmã e a sobrinha/esposa de Francisco Dias de Ávila
instituíram todos seus bens em um morgado em favor de Francisco, consolidando a estratégia
familiar de concentração das propriedades em um único indivíduo por geração. Se isso
certamente lhes privou de contar com muitos parentes e aliados, por outro lado lhes possibilitou
acumular poder e propriedade em níveis inimagináveis para qualquer indivíduo das três famílias
que analisamos acima – embora não, possivelmente, que todo o grupo parental em conjunto158.

155
NANTES, Martinho de. Relação de uma missão no Rio de São Francisco. São Paulo: Nacional, 1979 [1707],
pp. 61.
156
AHU, Bahia, LF, cx. 26, doc. 3199.
157
NANTES, Relação, p. 60: “era realmente muito pequeno”.
158
BANDEIRA, O Feudo, pp. 121-235. Cf. também, dentre outros, AHU, Bahia, LF, cx. 24, doc. 2924; cx. 25,
docs. 2992-3; cx. 29, doc. 3604; cód. 85, fls. 37v-348; IAN/TT, HOC, mç. 34, n. 126; CG, vol. I, pp. 157-170;
Irmãos, pp. 24 e 277; Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, Ms. 706, 146v.
123

Se os Ávila constituíam um caso extremo, não foram a única linhagem que adotou uma
estratégia concentradora. Outra família quinhentista, os Brito Correia, adotou estratégia similar.
A família teve início com o casamento da terceira filha de Caramuru e Paraguaçu, Apolônia
Álvares, com João de Figueiredo Mascarenhas, supostamente um fidalgo algarvio que teria
passado “ao Brasil no princípio, em que se fundava à Bahia”, acompanhando seu pai, fugido de
sua terra “por haver morto um cônego seu parente”. Ainda segundo Jaboatão, “ambos fizeram
a Deus e a el-rei grandes serviços na conquista desta capitania, pela qual razão el-rei D. João
III lhe escrevia e o estimava muito”159. Calmon, porém, o identifica como o bombardeiro João
de Figueiredo, que teria vindo com Tomé de Sousa, e afirma que foi armado cavaleiro pelo
governador-geral, graça que seria confirmada pela Coroa em 1564160. É provável, portanto, que
não fosse fidalgo nem dileto de D. João III como o genealogista quis fazer parecer.
De qualquer maneira, a terceira filha do casal casou-se com Sebastião de Brito Correia,
reinol e capitão do forte de Santo Antônio em 1598, lavrador de canas que requereu sesmaria
para construir um engenho161. O filho mais velho foi Lourenço de Brito Correia (1590-1672),
“chamado o Formoso”, e uma das figuras mais importantes da política baiana entre as décadas
de 1620 e 1660. Senhor de engenho, Lourenço serviu como capitão de aventureiros (tropas
irregulares) na resistência contra os neerlandeses em 1624-5 e pouco depois atravessou o
Atlântico para pedir remuneração por seus serviços. Recebeu o foro de fidalgo em 1628 e,
satisfeito, voltou para a América: lutou novamente contra os neerlandeses, mas agora na
Paraíba, recebendo o hábito de Cristo em 1636. Continuou a servir, destacando-se quando
Nassau sitiou Salvador em 1638 – assim como seu cunhado, o sargento-mor elvense João
Álvares da Fonseca, lavrador rico, vereador mais velho em 1638, procurador da Câmara na
Corte de Madri (onde conseguiu o hábito da Ordem de Cristo e o posto de mestre de campo da
ordenança da Bahia, com um elevado soldo) e provedor da Misericórdia em 1642 e 1646,
posição que Lourenço também ocupará duas vezes, em 1655 e 1664. Os novos serviços
(inclusive pecuniários, como o empréstimo de 20 mil cruzados) possibilitaram a Lourenço a
obtenção do hábito de Cristo para seu jovem filho natural. A posição de Lourenço era tão
destacada que ele foi o único baiano nomeado pelo rei como um dos governadores do triunvirato
que substituiu o Marquês de Montalvão em 1641, governando por pouco mais de um ano
(capítulo V). Seu orgulho por essa realização era tanto que a incorporou em seus títulos até o

159
CG, vol. I, p. 214.
160
CG, vol. I, p. 229, nota 23 e DH, vol. 14, pp. 103, 123 e 266.
161
DH, vol. 62, pp. 281 e 291; FRANCO, Emmanuel. A colonização da capitania de Sergipe D’El-Rei. Aracaju:
J. Andrade, 1999, pp. 66 e 76-7.
124

fim dos seus dias. Nem os cinco anos que passou na cadeia do Limoeiro por suspeita de
embolsar recursos da Câmara que deveriam ter ido para o sustento da infantaria diminuíram seu
prestígio (embora, segundo ele, tenham acabado com sua riqueza, pois “todos os seus escravos”
foram leiloados para pagar a suposta dívida, da qual acabou inocentado). Assim que foi solto,
em 1647, recebeu a promessa do governo da Paraíba, e dez anos depois foi provido no governo
do Rio de Janeiro, contando com o apoio tanto do mestre de campo general do Estado do Brasil,
Francisco Barreto, quanto do Conselho Ultramarino. Como não ocupou nenhum dos dois
postos, foi nomeado provedor-mor do Estado do Brasil entre 1659-62, cargo exercido
posteriormente também por seu filho, Lourenço de Brito de Figueiredo162.
Lourenço de Brito Correia é também o único caso que conheço no século XVII de
reivindicação da antiguidade na capitania como um mérito: quando pede sesmaria em 1663,
afirma, para além de seus serviços, qualidade e riqueza, ser “morador na Bahia, povoador, filho,
neto e bisneto dos primeiros descobridores e povoadores daquela capitania”163. Não satisfeito
em ser um dos maiores proprietários de terras da capitania, pediu ainda para poder fundar uma
vila no Recôncavo, “para que possa gozar o senhorio dela, com a jurisdição do cível, e crime,
na forma que tem os mais donatários”. Lourenço, como outros nas duas décadas seguintes,
procurava obter dessa forma uma honraria dentre as mais apetecidas da monarquia portuguesa
seiscentista164. Embora nunca tenha casado, Lourenço fundou um morgado para seu filho, com
a cláusula “que nenhum possuidor o possa lograr tendo raça de infecta nação”. Apesar disso,
sua descendência desapareceu da Bahia, já que a bisneta de Lourenço casou com um
desembargador e mudou-se com ele para o Reino, quando o marido foi promovido à Casa de
Suplicação, e lá nasceram e moraram os Brito e Figueiredo do século XVIII165.
Um sobrinho-neto de Lourenço, porém, tornou-se ainda mais famoso: Antônio Guedes
de Brito (1627-1697). A irmã mais velha Lourenço, Felipa de Brito, casara pela primeira vez
com o tabelião tarouquense Antônio Guedes, que receberia diversas sesmarias no sertão. A filha

162
AHU, Bahia, LF, cx. 7 docs. 799-800; cx. 11, doc. 1355 (citação); cód. 83, fls. 106-107 e 275-275v, cód. 84,
fls. 4-4v; IAN/TT, HOC, Letra L, mç. 17, n. 36; COC, L. 23, fls. 127-128, L. 31, fl. 421v, L. 35, fls. 19-20 e 97-
97v, L. 47, fls. 187-187v e L. 51, fls. 399-400; Chancelaria de D. João IV, L. 20, fl. 28; Chancelaria de D. Afonso
VI, L. 27, fl. 156; CCT, vol. I, p. 539; AC, vol. I, p. 375; DH, vol. 33, p. 275. Cf. também MUKERJEE, Anil. The
Provedor-Mor da Fazenda in Colonial Brazil: Lourenço de Brito Correia (1659-1662). Dissertação de Mestrado.
Santa Bárbara: University of California, 2002 e SANTANA, Ricardo. Lourenço de Brito Correia: o sujeito mais
perverso e escandaloso. Conflitos e suspeitas de motim no segundo vice-reinado do Conde de Óbidos (Bahia,
1663-1667). Dissertação de Mestrado. Feira de Santana, PPGH/UEFS, 2012, pp. 16-61. Sobre João Álvares da
Fonseca, cf. COUTINHO, António Xavier. A iniciativa dos Portugueses na defesa da Baía, em 1638: esboço de
nótula histórica baseada em documentos inéditos. Porto: Typografia Diário do Porto, 1937; AHU, cód. 275, fls.
14v e 89v; Bahia, LF, cx. 9, docs. 1109-1110; AHMS, Provisões Reais, vol. II, fls. 12-14v e 24-24v.
163
DH, vol. 66, p. 282.
164
OLIVAL, As Ordens Militares, pp. 139-40.
165
CG, vol. I, p. 237.
125

destes, D. Maria Guedes, casara-se com Antônio de Brito Correia (provavelmente um primo,
por via de sua mãe Isabel de Brito), que serviu junto com Lourenço na luta contra os
neerlandeses e herdou o ofício de tabelião do sogro. Ambos instituíram um morgado para “seu
filho único, por nome o capitão Antônio Guedes de Brito” com todos os seus bens após o
pagamento dos legados carregados em suas terças, “com condição que seja obrigado assim ele
como os possuidores que depois dele sucederem no dito morgado a vincular a ele a metade da
terça que por sua morte lhe ficar”, assim como deveria continuar a utilizar “por sobrenome
Britos e Guedes”, preservando a memória dos instituidores. O curioso, porém, é que o
testamento determinava que os bens no Brasil deveriam ser vendidos e com o dinheiro arrecado
compradas as propriedades que seriam vinculadas em Portugal 166. O casal desejava, portanto,
que seu filho se fosse para o Reino, talvez em imitação da avó, Felipa de Brito, que partira já
com setenta anos para Lisboa, onde tinha uma filha e duas netas casadas, apesar da resistência
de parentes (provavelmente os próprios Antônio de Brito Correia e D. Maria Guedes), que não
queriam que ela vendesse suas propriedades para que pudessem herdá-las167.
Guedes de Brito, porém, parece ter estado mais preocupado em ampliar seus domínios
no sertão do que em passar para o Reino. Conseguiu mudar as disposições de seus pais e instituir
em morgado as terras que herdara. Em 1662, no prazo limite dado por seu pai para que fosse
finalizada a transferência da sua riqueza para o Reino (cinco anos após sua morte), Guedes de
Brito tornou-se o mais novo provedor da Misericórdia no século, com apenas 35 anos (enquanto
a mediana da idade dos 22 provedores com data de nascimento conhecida é 52), posição para a
qual ainda seria eleito mais duas vezes – apesar de sua esposa cristã-nova.

166
Arquivo do Cartório da Casa da Ponte, SG.88-06-0: instituição do morgado, anterior a 1657. Agradeço
calorosamente ao Professor Erivaldo Fagundes Neves pela cessão dessa fonte. Esse documento, ainda que não as
verbas testamentárias dos outros herdeiros, foi publicada em NEVES, Erivaldo Fagundes. Uma comunidade
sertaneja: da sesmaria ao minifúndio (um estudo de história regional e local). Salvador/Feira de Santana:
EDUFBA/EDUEFS, 2009 [1998], 2ª ed. rev. e ampliada, pp. 82-3.
167
AHU, Bahia, LF, cx. 12, doc. 1513.
126

Mapa I: Localização aproximada das terras recebidas em sesmaria, herdadas,


compradas e conquistadas de indígenas por Antônio Guedes de Brito.

Fonte: NEVES, Erivaldo Fagundes. Estrutura fundiária e dinâmica mercantil: Alto Sertão da
Bahia, séculos XVIII-XIX. Salvador: EDUFBA, 2005, p. 119.

Combinando sua herança familiar com o rico dote que recebeu de seu sogro, e somando
a isso uma busca implacável por mais terras no sertão, Guedes de Brito tornou-se um dos
maiores proprietários do Brasil, numa escala comparável somente à Casa da Torre, como é
possível perceber pela imagem acima. Diferente dos Ávila, porém, sua opção por residir em
Salvador transformou-o na mais poderosa figura da política baiana na década de 1670, quando
foi nomeado mestre de campo de um terço da infantaria paga por Alexandre de Sousa Freire,
título que envergou até o fim de sua vida. Foi, porém, o exercício do ofício de juiz ordinário
mais velho em 1675 (na quinta vez em que era eleito para o Senado, a quarta como juiz
ordinário) que lhe permitiu alcançar, como seu tio avô, o triunvirato que governou a capitania
entre 26 de novembro de 1675 e 5 de março de 1678 – permanecendo, assim, mais tempo no
127

poder que Lourenço, para além de não ter sido preso após a chegada do sucessor nomeado pela
Coroa, Roque da Costa Barreto (capítulo VI). Ainda no final da década de 1670, Guedes de
Brito tornou-se cavaleiro da Ordem de Cristo e fidalgo-cavaleiro, em razão de seus serviços à
Coroa, realizados não só com sua pessoa mas, principalmente, com sua fazenda168.
Como no caso dos Ávila e de seu tio-avô, o mestre de campo Antônio Guedes de Brito
não estabeleceu alianças com outras famílias de destaque, primeiro por ter optado em seu
matrimônio pelo dinheiro, e não pelo prestígio, e depois por não ter filhos ou irmãos através
dos quais pudesse estabelecer essas ligações. Assim, somente através do casamento de sua filha
bastarda (e herdeira) D. Isabel Maria Guedes de Brito é que se estabeleceu uma aliança nesses
moldes, com a família Pimentel. O afortunado noivo era o fidalgo e coronel Antônio da Silva
Pimentel (irmão de Agostinho Caldeira Pimentel, de quem tratamos acima), duas vezes eleito
para a Câmara e outras duas para a provedoria da Misericórdia – a primeira inclusive no lugar
do sogro recém-falecido, em 1697.
Entretanto, a auspiciosa união não teve mais que uma filha, D. Joana da Silva Caldeira
Pimentel Guedes de Brito. Como herdeira do morgado, porém, sua riqueza era tamanha que foi
disputada por vários fidalgos, acabando por se casar com dois aristocratas que vieram morar na
Bahia para administrar as propriedades do morgado: o primeiro, D. João Mascarenhas, filho do
Conde de Cuculim, que, segundo um relato da época, teria espalhado que “a dita herdeira era
judia” para afastar os demais pretendentes (possivelmente sem saber que o bisavô de sua
pretendida era realmente um cristão-novo, o supracitado comerciante Pedro Garcia),

e entregou a medalha e venera [de familiar] ao Santo Ofício. Casou, e querendo-a reaver,
escreveu à mãe. Foi a Condessa ao Cardeal da Cunha expor-lhe a rapazia e a dependência. O
Cardeal não assistiu [assentiu]; e, vendo-se apertado, disse que o Santo Ofício não era
guardanapo de limpar nódoas. Respondeu a [Condessa de] Coculim: “É rodilha de limpar
bacios!” Valente desatino!169
Em petição de 1721 que resume suas querelas com figuras de prol na Bahia, D. João
Mascarenhas diz ter trazido consigo mais de 35.000 cruzados, aumentando “tanto as fazendas
da sua casa como se fora meter sangue vivo e quente em um corpo, cadáver morto e frio”. A
isso se somava o sacrifício de vir “para este clima tão desigual a sua natureza e costume tão
habitual que ela estava, e ainda malcontentes se queixam e falam do suplicante ou por

168
Cf., dentre outras, AHU, cód. 82, fls. 138v-139 e 342v; cód. 85, fls. 31-32; IAN/TT, COS, L. 19, fls. 82-84;
COC, L. 54, fls. 15-16; AMARAL (ed.), Livros de Matrículas, vol. II, p. 529; DH, vol. 8, pp. 393-4, vol. 24, pp.
99-103; CG, vol. I, pp. 207-9.
169
CASTELO-BRANCO, Camillo (ed.). Memórias de Fr. João de S. Joseph Queiroz. Porto: Livraria Nacional,
1868, pp. 154-5. O afrontado “Cardeal da Cunha” é D. Nuno da Cunha e Ataíde, importante figura na Corte
portuguesa na primeira metade do século XVIII: MONTEIRO, Nuno Gonçalo. “Identificação da política
setecentista. Notas sobre Portugal no início do período joanino”. Análise Social, vol. 25, n. 157, 2001, pp. 981-5.
128

desafeição ou por inveja, ou por qualidade maligna do país”. Brigou ainda com a sogra e os
beneditinos, a tal ponto que D. João recomendou em 1725 que o vice-rei o fizesse voltar para
Portugal170. Antes, porém, morreu, abrindo caminho para o casamento em 1734 da já
quarentona D. Joana com D. Manuel de Saldanha da Gama, de apenas 19 anos, filho do Vice-
Rei da Índia (1725-32) João Saldanha da Gama. Como era de se esperar, não tiveram filhos, e
o golpe do baú do aristocrático mancebo português foi bem-sucedido – ainda que o tenha
obrigado a viver por mais de 30 anos em Salvador, de onde só saiu em 1766, após a morte da
esposa septuagenária. Assim, a intenção de Antônio de Brito Correia e sua mulher de que seus
herdeiros se fossem para Portugal só vai ser parcialmente cumprida mais de um século mais
tarde: se os seus sobrenomes foram preservados no Reino até o início do século XIX (seguindo
a instituição do morgado) pela Casa dos Condes da Ponte (cujo 5º conde era filho do segundo
matrimônio de Saldanha da Gama), sua descendência não o foi, extinguindo-se com D. Joana171.
Outros exemplos poderiam ser dados, mas, para alívio dos leitores, paremos por aqui.
Apesar da necessidade de aprofundar a pesquisa através de uma análise sistemática de todos os
filhos das principais famílias, percebe-se a existência de duas estratégias familiares distintas:
uma dispersiva, que se baseia na ampliação de laços e relações, possibilitando a presença
constante em órgãos de poder e as alianças com genros forasteiros ou outras famílias poderosas
da terra. Em termos políticos, essa dispersão pode ser percebida pelo fato de 27 pais terem dois
ou três filhos exercendo os cargos cimeiros na República, todos membros de tradicionais
famílias açucarocráticas: em 20 dessas 27 famílias ao menos um dos irmãos possuía um
engenho e, entre as 20, em 16 dois irmãos podiam-se orgulhar-se de ser donos de sua própria
moenda (quase todos chegados à maturidade nos anos de expansão entre 1660-80), enquanto
aos outros restavam os partidos de cana. Essa estratégia parece ter sido a mais adequada para a
sobrevivência da família por séculos, pois preservava a casa contra a impiedosa mortalidade
característica das sociedades pré-industriais172. O mesmo ocorria com os genros: 27 homens
tiveram dois ou mais na elite política, chegando um, o senhor de engenho Francisco de Araújo
de Aragão, a quatro (todos também proprietários de moendas: um primo, um Albuquerque e
dois membros de linhagens locais sem muito destaque). Em alguns casos, combinavam-se as
duas vias: Antônio da Silva Pimentel teve dois filhos na elite política e três genros, todos, como
ele, senhores de engenho, eleitos para a Câmara e, exceto um, provedores da Misericórdia. Em

170
DH, vol. 69, pp. 173-83 (citações à p. 182); CG, vol. I, p. 209.
171
Para a melhor narrativa sobre os Guedes de Brito e seu morgado, cf. NEVES, Uma Comunidade, pp. 65-81 e
id., Estrutura Fundiária, pp. 117-53.
172
Essa opção parece ter predominado no Rio de Janeiro: FRAGOSO, À Espera das Frotas, pp. 130-1.
129

alguma medida, a fronteira aberta e o contexto de expansão açucareira permitiam a adoção de


um modelo similar ao que vigorara na Península Ibérica medieval, em que filhos mais novos
eram instalados em áreas recentemente conquistadas – manifestação de uma “diáspora
aristocrática” característica da expansão europeia dos séculos XI a XIII173.
Entretanto, a inevitável dispersão patrimonial certamente era mitigada pelo
favorecimento de alguns herdeiros, como no caso supracitado de Pedro Fernandes Aranha174, e
possuía limites: três filhos na elite política foi o máximo possível, e nenhum pai conseguiu que
mais de dois de seus rebentos fossem donos de moendas. Os filhos restantes provavelmente
tornavam-se lavradores de cana, cujas vidas giravam em torno dos parentes mais afortunados e
que, em muitos casos, permaneciam solteiros, embora seja muito difícil seguir suas trajetórias
em razão da ausência de registros. Em acréscimo, nenhum grande potentado surgiu nessas
famílias: por mais que pertencessem à minúscula elite proprietária de terras, engenhos, partidos
de cana e, geralmente, algumas dezenas de escravos não parecem ter conseguido reunir as
maiores fortunas da época. Em consequência, os nomes individualmente mais destacados da
política baiana seiscentista tenderam a pertencer a parentelas que adotaram a estratégia oposta,
fosse por opção ou, simplesmente, por infertilidade, apostando tudo num filho só. A enorme
acumulação de riquezas e terras, somada ao prestígio tradicional dessas famílias, que figuravam
entre as mais antigas da capitania (ainda que, repita-se, por linha materna), lhes alçavam a uma
posição de poder que, individualmente, nenhum membro dos Aragão, Muniz ou Araújo podia
superar. Ao mesmo tempo, a inexistência de múltiplos herdeiros possivelmente tornava mais
atrativa a recorrente opção pelo morgadio, já que não havia filhos mais novos a serem
marginalizados. Nos poucos casos de pais com vários descendentes a instituírem morgados,
esses em geral parecem ser relativamente pouco importantes, como o que o licenciado Jerônimo
de Burgos criou, a ser composto por casas que possuía em Salvador, e o instituído por Diogo
de Aragão Pereira para seus filhos, funcionando na prática como capelas para garantir a
realização de missas em favor da alma de seus instituidores175.

173
CASEY, James. Family and Community in Early Modern Spain: the citizens of Granada, 1570-1739.
Cambridge: Cambridge UP, 2007, pp. 80-1 e, principalmente, BARTLETT, Robert. The Making of Europe:
conquest, colonization and cultural change, 950-1350. Londres: Penguin Books, 1994 [1993], pp. 24-59.
174
Ver, para outras regiões, SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá de. Na encruzilhada do Império: hierarquias sociais
e conjunturas econômicas no Rio de Janeiro (c. 1650 – c. 1750). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003, pp. 295-
7 e FARIA, Sheila de Castro. A Colônia em movimento: fortuna e família no cotidiano colonial. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1998, pp. 256-65.
175
ASCMS, Livro 41, fls. 214v-215 e verbas do testamento de Diogo de Aragão Pereira publicadas em
CALDEIRA, João. O Morgadio e a Expansão do Brasil. Lisboa: Tribuna da História, 2007, pp. 189-192. Para
outros exemplos, cf. SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Ser Nobre da Colônia. São Paulo: EDUNESP, 2005, pp.
128-9 e o testamento de Domingos Afonso Sertão (1711), publicado em D’ALENCASTRE, José Martins Pereira.
“Memoria chronologica, histórica e corographica da província do Piauhy”. RIHGB, tomo 20, 1857, pp. 145-6.
130

Tal situação pode ser percebida por duas listagens dos maiores proprietários de terra. A
primeira, em carta régia de 3 de junho de 1665, cita nossos conhecidos Guedes de Brito e Dias
de Ávila, o secretário de Estado Bernardo Vieira Ravasco (que também concentrava em si os
recursos da família), Nicolau Aranha Pacheco (em grande medida ajudado pela herança de seu
sogro, Francisco Fernandes do Sim) e o homem de negócios e senhor de engenho vianês João
Peixoto Viegas. O levantamento bem mais detalhado do Desembargador sindicante Sebastião
Cardoso de Sampaio, realizado dez anos depois, repete a maioria desses nomes (retirando
apenas Bernardo e Nicolau), e acrescentando outros que já mencionamos, como o coronel
Francisco Gil de Araújo e Lourenço de Brito de Figueiredo. Nenhum membro das seis
principais famílias aparece na lista, indicando que o interesse pela acumulação de grandes
propriedades no sertão (onde ainda era possível obter e controlar imensas extensões de terra)
estava dividido entre essas famílias, as quais adotavam uma estratégia concentradora (mesmo
o coronel Francisco Gil de Araújo é um exemplo intermediário nesse sentido, já que seu irmão
não casou e instituiu morgado para o sobrinho) e forasteiros, como Viegas, o mestre de campo
Pedro Gomes e o capitão Francisco Barbosa Leal176.
Para terminarmos essa seção, há que refletir sobre a difícil questão da identidade dessas
famílias. A própria noção de casa, tão importante entre a aristocracia portuguesa, raramente é
articulada. A primeira referência que encontrei é também a mais interessante, indicando que o
serviço à monarquia se constituía em um dos elementos constituintes do ethos familiar:
Francisco Dias de Ávila, o senhor da Torre, escreveu ao Conde da Torre em 1639 contando
haver comprado uma vaca para dar a um capitão de infantaria, “pesando-me as não ter mais
vacas para lhe dar porque já é foro desta casa sempre estar prestes para o serviço de Sua
Majestade”177. Não parece coincidência que essa consciência tenha se desenvolvido justamente
na família que demonstrou maior coesão e disciplina familiar em todo o período, sendo também
das mais antigas, uma vez que a sua formação se confunde com a história baiana.
A maioria das referências, porém, é posterior a 1650. Num dos poucos testamentos
sobreviventes, o capitão Francisco Fernandes Dosim justifica uma dotação a José Mendes de
Barros afirmando ser este “pessoa da sua casa”178. Na investigação inquisitorial contra o senhor
de engenho Juan Paez Florián, da família dos Pimentéis (e aliado dos Ravasco), o senhor de
engenho e cinco vezes juiz ordinário André Cavalo de Carvalho diz que o denunciado tinha

176
AHMS, PR, vol. II, fls. 129v-130v; AHU, Bahia, LF, cx. 23, doc. 2740.
177
CCT, vol. II, p. 340. Quase quatro décadas depois, o triunvirato composto por Antônio Guedes de Brito, Álvaro
de Azevedo e Agostinho de Azevedo Monteiro, nomeou o filho homônimo desse Francisco Dias de Ávila coronel
em razão dos serviços que “vossa mercê e sua casa” haviam prestado ao monarca: DH, vol. 8, p. 430 (capítulo VI).
178
ASCMS, Livro 41, fl. 208v.
131

“seu engenho e casa” em Matoim, e o padre da paróquia de Salvador onde Paez Florián tinha
sua residência urbana afirma “por me dizerem pessoas de sua casa (...) que estava (...) em sua
fazenda”179. O fidalgo Bernardo Vieira Ravasco, em um apelo ao monarca contra o Conde de
Óbidos, escreve que o vice-rei queria que fosse “universal a ruína de minha pessoa, casa e
família”, impedindo-o de “tirar do meu engenho uma arroba de açúcar para o meu sustento e
de minha casa”180. Anos depois, seu irmão, o Padre Antônio Vieira, pede a um correspondente
que intervenha em favor dos Brito de Castro (capítulo VI), “pela antiga amizade e boa
correspondência que sempre a nossa casa teve com as destes fidalgos, que por fim recomendo
a vossas mercês como se a causa de ambos fora de meu irmão e sobrinho”181. O fidalgo Antônio
de Brito de Castro, por quem o venerando pregador procurava interceder, apresentou suas
credenciais em um arbítrio ao monarca de 1692 como “natural da cidade da Bahia, a sua casa
entre todas dela a mais conhecida por principal e estimada e rica, tratada com autoridade e
respeito de todos, nele concorrem as circunstâncias de ser bem procedido, amado da nobreza e
povo, com parentes e amigos poderosos abundantes”182.
Em 1681, o desembargador (e grande senhor de escravos, como vimos no capítulo II)
Cristóvão de Burgos denuncia que, por causa dos negros feiticeiros, “estão muitas casas
destruídas e perdidas, porque em havendo um na família [este] não descansou até não matar a
todos seus parceiros pouco a pouco, sem se sentir, se não tarde, quando já não pode ter remédio
e deixar a seus senhores ao presente destruídos”183. Nos registros paroquiais a expressão “da
casa de” para indicar a propriedade de escravos começa a aparecer na década de 1650 nas três
paróquias analisadas no capítulo II, e talvez tenha se tornado mais comum em finais do século
(nove casos, quatro deles a partir de 1680). É certo, portanto, que noção de casa, entendida
como unidade familiar sobre controle de um pater famílias, idealmente nobre, rica, aparentada
e prestigiada, havia se tornado razoavelmente comum na Bahia na segunda metade do século,
incluindo debaixo do mesmo telhado parentes, agregados e escravos. A dúvida, porém, é quanto
essa noção de casa implicaria em termos de disciplina familiar, considerando a estratégia
dispersiva adotada pela maioria das famílias de elite. Esse, porém, é tema para estudos futuros,
preferencialmente em comparação com outras elites provinciais portuguesas.

179
IAN/TT, TSO, IL, CP, 33, fls. 440 e 454v.
180
AHU, Bahia, LF, cx. 19, doc. 2210. Em requerimento no fim da vida, pede que lhe seja concedido alvará para
que seu filho o suceda imediatamente no cargo de Secretário de Estado do Brasil, caso contrário ficaria “a sua casa
e família em um notável desamparo e sem ter com que pagar a seus credores”: AHU, Bahia, LF, cx. 31, doc. 3931.
181
VIEIRA, Antônio. Cartas. Coord. e notas de João Lúcio de Azevedo. São Paulo: Globo, 2008, vol. III, p. 368.
182
BPA, 50-V-37, fls. 463-465v.
183
AHU, Bahia, LF, cx. 25, doc. 3018.
132

Em alguns casos, a preocupação de preservar a linhagem e seu nome é facilmente


percebida, como nos morgados instituído pelos Guedes de Brito e pelos Britos de Figueiredo.
Intenção similar deve ter guiado os poucos que vincularam a maior parte de suas propriedades
em favor de um herdeiro específico. Até aqueles que não o fizeram preocupavam-se em impedir
a divisão da propriedade, como Diogo de Aragão Pereira, que escreveu em seu testamento:

encomendo e peço muito ao senhor juiz dos órfãos ou a quem ficar [de] fazer estas partilhas
para conservação do engenho como das fazendas de canas que fiquem obrigadas as fazendas ao
engenho [de Cima], e a este respeito se pode abater o valor das ditas fazendas e avançar o
engenho o preço para que assim se conserve e perpetue o sobredito engenho, e peço mais se
avalie o engenho com todas as fábricas de escravos que nele o mais de Gentio de Guiné, mulatos,
oficiais de serviços dele, não os trocando de um para o outro; e o mesmo encomendo e peço se
faça no meu engenho da Ponta e nas mais fazendas, em ordem a sua conservação e melhor
meneio184.
Havia, porém, outra maneira mais comum de reiterar no tempo a relação com os
ancestrais: a repetição de nomes próprios. Através da nomeação dos filhos, estabelecia-se uma
ligação com os ascendentes: Diogo de Aragão Pereira, por exemplo, batizou seu primogênito
de Pedro Camelo, como seu pai. Muitas vezes é possível perceber essa ligação em todos os
membros da família: o fidalgo Antônio de Brito de Castro teve um filho homônimo, outro
Sebastião (em homenagem ao avô materno, Sebastião Parvi de Brito), outro André (nome do
tio materno) e outro, ainda, Francisco de Brito Sampaio, homônimo exato do avô paterno.
Mesmo a exasperante prática de irmãos adotarem sobrenomes completamente distintos (que
parece ter sido menos comum em Salvador do que entre a aristocracia portuguesa ou a elite
paulista)185, como Antônio de Sá Dória e Diogo Mendes da Costa, inseria-se dentro dessa
prática: os sobrenomes do primeiro vinham da mãe (Francisca de Sá Dória), enquanto o
segundo era homônimo do avô paterno. Ainda estamos longe, porém, da multiplicação de
sobrenomes característica de alguns membros da elite baiana na segunda metade do setecentos
e no Brasil imperial. Não consegui discernir nenhum padrão pré-determinado, como já se
identificou para a França moderna, mas é muito provável que o prenome realmente funcionasse
como “um elo simbólico de ligação entre a criança e determinados membros de sua
parentela”186. Mesmo assim, certamente a fraca disseminação do morgadio produziu não só
uma identidade e disciplina familiares menos poderosas e restritivas do que no Reino. Por outro

184
CALDEIRA, O Morgadio, pp. 190-1.
185
Cf. MONTEIRO, Nuno Gonçalo. “Os nomes de família em Portugal: uma breve perspectiva histórica”.
Etnográfica, vol. 12, n. 1, 2008, pp. 51-52.
186
ROWLAND, Robert. “Práticas de nomeação em Portugal durante a Época Moderna: ensaio de aproximação”.
Etnográfica, vol. 12, n. 1, 2008, p. 34.
133

lado, essa maior flexibilidade provava-se positiva, já que foram, repita-se, as famílias que
adotaram uma estratégia de diversificação as mais capazes de se manter no topo por gerações.
Por último, cabe destacar que a reprodução dessa elite se dava no espaço local: essas
famílias não procuravam, com raríssimas exceções, expandir sua área de influência para outras
capitanias, muito menos – exceto os poucos casos mencionados acima – transferir-se para o
Reino, e mesmo visitas à Corte parecem ter sido raras, a se julgar pela documentação produzida
em seus pedidos de mercês. A elite baiana estava plenamente estabelecida na América, e
provavelmente sabia que seria impossível obter níveis similares de status e riqueza na Europa:
assim, como a grande maioria das elites provinciais, tanto no Velho quanto no Novo Mundo,
seu horizonte era local. Aproximavam-se, assim, muito mais da gentry da Virgínia, por
exemplo, do que dos proprietários absenteístas do Caribe setecentista187.
Mesmo dentro do império não tinham pretensão de expandir seus horizontes: enquanto
em Pernambuco 30 membros da elite pediram como mercê entre 1641-83 o governo de praças
ultramarinas, em nossa capitania o número não passou de sete – e nenhum deles obteve sucesso.
Em acréscimo, só três eram naturais da Bahia (Gaspar Pacheco de Contreiras, Lourenço de
Brito Correia e seu filho), pois os outros quatro eram militares com larga folha de serviços, o
que inevitavelmente fazia com que tivessem horizontes mais amplos do que a elite baiana. É
possível que um ou outro, como o rico lavrador vianês Manuel Maciel Aranha, tenha tentado
participar das concorrências no Conselho Ultramarino para escolha dos governadores, mas, se
foi o caso, nenhum deles foi bem-sucedido. Enquanto em Pernambuco a experiência de exílio
durante o domínio neerlandês havia retirado parte de sua elite de seu berço esplêndido, e depois
a consciência do excepcional serviço que haviam prestado ao expulsarem os neerlandeses e a
necessidade de obter novos ingressos devido às dificuldades econômicas pós-restauração
tenham conspirado para uma tentativa de ampliar seu raio de ação para todo o Atlântico Sul, a
situação menos traumática na Bahia não produzira em sua elite tal necessidade ou ambição188.
Se relevarmos o caso excepcional da família Sá, em razão de sua posição única como
potentado americano e aristocrata da Corte, penso que o Rio de Janeiro devia se assemelhar ao
caso baiano, assim como a maioria das elites locais portuguesas, que de modo geral evitaram
participar da guerra contra Castela189. Os paulistas, por seu turno, saíram em massa da sua

187
Cf. meu artigo “A formação de uma classe dominante: a gentry escravista na América Inglesa Continental
(Chesapeake & Lowcountry, c. 1640 – c. 1750)”. História (Unisinos), vol. 17, n. 1, 2013, pp. 12-23, comparando-
o com PARKER, Matthew. The Sugar Barons: Family, Corruption, Empire and War in the West Indies. Londres:
Hutchinson, 2011, pp. 296-310.
188
KRAUSE, Em Busca da Honra, pp. 121-4; AHU, cód. 13, fls. 293-296v. Agradeço a Mafalda Soares da Cunha
pela cessão desse documento.
189
COSTA, Fernando Dores. A Guerra da Restauração, 1641-1668. Lisboa: Horizonte, 2004, p. 113.
134

capitania para combater indígenas e quilombolas no Norte da América Portuguesa; o fizeram,


porém, menos por um ardente desejo de servir ao monarca do que em busca de terras, cativos
e, para os líderes, mercês, inseridos que estavam em uma estrutura social que naturalizava esses
grandes deslocamentos e embates como elemento constituinte da reprodução da força de
trabalho e, consequentemente, das elites190.
Um indicador desse horizonte local pode ser obtido a partir dos serviços alegados na
obtenção de mercês: apenas cinco membros de famílias importantes da Bahia serviram no
Reino, quatro dos quais por um breve período. O fato de três desses cinco serem irmãos
(Lourenço, Afonso e Miguel Barbosa de França) só reforça quão rara era essa prática191. Assim,
o único filho da Bahia a se destacar na Guerra da Restauração – sem dúvida o melhor teatro
para se servir à monarquia em todo o século – foi o referido Miguel, que subiu a mestre de
campo e permaneceu em Portugal192. Até a opção de não enviar os filhos à Coimbra revela algo
sobre os limites da concepção de serviço à monarquia do grupo, pois os ofícios régios eram a
ocupação mais prestigiosa disponível a um bacharel. Ao não produzir letrados, a elite baiana
efetivamente fechava uma porta para a obtenção de honrarias.
Não que esses homens não servissem à monarquia: fizeram-no, mas a seu modo, e em
sua terra, principalmente como oficiais militares, caso de dúzias de membros da elite baiana ao
longo do século – além de muitos outros forasteiros que nela se integraram193. Dominaram
importantes ofícios, como o de provedor da alfândega (transmitido hereditariamente desde 1549
e controlado na maior parte do século pela família Brito), dotado de significativo poder de
intervenção no comércio atlântico, principalmente através da determinação dos fretes cobrados
para transporte dos produtos baianos e, principalmente, a secretaria de Estado do Brasil,

190
MONTEIRO, John. Negros da terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo: Companhia
das Letras, 1994, pp. 57-98; ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O Trato dos Viventes: formação do Brasil no
Atlântico Sul. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, pp. 238-46; PUNTONI, Pedro. A Guerra dos Bárbaros:
povos indígenas e a colonização do sertão nordeste do Brasil, 1650-1720. São Paulo: EDUSP/Hucitec, 2002;
ROMEIRO, Adriana. Paulistas e emboabas no coração das Minas: ideias, práticas e imaginário político no século
XVIII. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2008, pp. 225-49.
191
KRAUSE, Em Busca da Honra, pp. 109-11. Nessa temática Pernambuco não parece ter sido muito diferente.
192
Cf. IAN/TT, COC, Livro 36, fls. 72-73; HOC, Letra M, mç. 48, n. 34; CG, vol. I, p. 248; PITA, Sebastião da
Rocha. História da América Portugueza, desde o anno de mil e quinhentos do seu descobrimento, até o de mil e
setecentos e vinte e quatro. Lisboa: Oficina de Joseph Antonio da Silva, 1730, p. 661; Archivo Nacional Torre do
Tombo. Inventário dos Livros das Portarias do Reino. Lisboa: Imprensa Nacional, 1912, vol. II (1653-64), p. 68;
MENEZES, D. Luís de (Conde de Ericeira). História de Portugal Restaurado. Lisboa: Miguel Deslandes, 1698,
tomo II, pp. 551, 562 e 567 (onde se diz que, junto com outro mestre de campo, procedeu “com tanto valor que
por entre nuvens de balas desalojaram os castelhanos” da posição em que estavam fortificados). A julgar pela
listagem de filhos notáveis do Brasil produzida por Rocha Pita, a participação americana deve ter sido irrelevante
na Guerra de Sucessão Espanhola.
193
Em minha base de dados, 20 membros da elite política naturais da Bahia serviram na tropa paga ao longo de
todo o século, além de 35 forasteiros. Muitos parentes desses homens, porém, também o fizeram, ainda que não
estejam incluídos na base.
135

efetivamente controlando a memória administrativa do governo-geral. Também ocuparam, por


provimento do governador ou, em alguns casos, pela propriedade de alguns ofícios menores,
como de escrivães da fazenda e ouvidoria-geral, assim como meirinho da Relação. Mesmo a
importante posição de provedor-mor da fazenda foi controlada por membros da elite baiana nas
décadas de 1660-70 (capítulo VI), e vários forasteiros que se integraram no grupo ocuparam os
importantes postos de contador-geral e tesoureiro-geral. Como os postos na administração fiscal
não exigiam qualificações formais – diferentemente dos ofícios de justiça – seu acesso era mais
fácil, e seu poder significativo o suficiente para fortalecer as famílias que os controlavam. Ao
mesmo tempo, essa significativa participação na administração periférica evidencia a
“necessidade que a monarquia tinha de se apoiar nas elites locais”194, numa relação de mão
dupla em que ambos os lados se beneficiavam – como veremos nos próximos capítulos.

Casando-se com Deus


Para além do matrimônio, outro destino muito comum das filhas das elites em todo o
mundo católico eram os conventos. Tal instituição agregava prestígio à localidade e a seu grupo
dominante, enobrecendo tanta a cidade quanto seus pró-homens – e, consequentemente,
legitimando e reforçando sua autoridade195. Talvez mais importante, porém, como disseram os
camaristas em seu primeiro requerimento, escrito por volta de 1600, era a abundância de
“mulheres donzelas, assim fidalgas como nobres, as quais por serem tantas não é possível casá-
las seus pais”. Pediam, portanto, licença para fundarem um mosteiro de freiras, e obtiveram o
apoio do bispo D. Antônio Barreiros, que destacou o fato de Salvador ser a “Cabeça do Estado
do Brasil”, posição prestigiosa que mereceria ser coroada com um convento. Conseguiram
convencer a Mesa de Consciência e Ordens, mas não o monarca, pois a carta régia de 2 de
setembro de 1603 negou a licença, com o argumento de que “sendo tão estendidas [aquelas
partes do Brasil] que, para se povoarem é necessária muito mais gente, do que nelas há”196.
A precocidade do pedido pode ser medida pelo fato de que aquele que viria a ser o
primeiro convento feminino do ultramar português, o de Santa Mônica, em Goa, ainda estava
em processo de fundação, só concluída em 1606. Por outro lado, as ilhas atlânticas já possuíam
conventos desde finais do século XV, que se multiplicaram nas centúrias seguintes. Na América

194
Cf. RODRIGUES, José Damião. “O provimento de ofícios da fazenda real nas ilhas atlânticas: o caso dos
Açores” in: STUMPF, Roberta & CHATURVEDULA, Nandini (orgs.). Cargos e ofícios nas monarquias ibéricas:
provimento, controlo e venalidade (séculos XVII e XVIII). Lisboa: CHAM, 2012, pp. 101-21, citação à p. 119,
ainda que o controle das elites micaelenses sobre a administração financeira tenha sido mais forte do que na Bahia.
195
ATIENZA, Ángela. Tiempos de Conventos: una historia social de las fundaciones en la España Moderna. Madri:
Marcial Pons, 2008, pp. 387-93.
196
IAN/TT, Livro 17, fls. 158-159 (primeira citação); CCLP, vol. 1, p. 22 (segunda).
136

Espanhola, em todas as áreas centrais instituíram-se mosteiros de freiras poucas décadas após
a fundação das cidades. A Cidade do México teve seu primeiro em 1540, e no final do seiscentos
a Nova Espanha possuía 38. Até áreas periféricas, como Santiago do Chile, tiveram seus
conventos bem antes de Salvador197.
Se não sabemos quase nada sobre a dotação das filhas na Bahia, o exemplo supracitado
dos 30 mil cruzados concedidos pelo rico Francisco Fernandes Dosim indica que esses podiam
chegar a valores elevadíssimos, e a comparação com o restante do mundo ibérico no mesmo
período nos garante que essa prática não podia deixar de ser importante também entre a elite
baiana, provavelmente fornecendo, como no Rio de Janeiro e na Nova Espanha, “ao novo casal,
uma espécie de ‘capital inicial’, a ser utilizado pelo genro na montagem dos negócios da nova
unidade familiar”198. Assim, a impossibilidade de casar todas as filhas, quando estas eram
numerosas, certamente incomodou algumas famílias nas gerações seguintes.
Entretanto, a Coroa novamente negou a licença para a fundação de um convento em
1646, apesar dos pedidos do “Bispo, Governador e Câmara”199, provavelmente pelo mesmo
motivo alegado mais de 40 anos antes: o possível prejuízo ao crescimento demográfico na
América. Em 1663, a Câmara volta à carga, afirmando que “como no Brasil não há morgados
e se repartem neles muitos filhos, ficam as filhas faltas dos dotes para seu estado conjugal e
havendo mosteiro será menor a despesa e mais nobre o Estado”200. Ou seja, a estratégia familiar
dispersiva tornaria ainda mais necessário um convento, já que a vinculação de bens não era
utilizada para impedir a fragmentação da propriedade.
Foi, porém, a longa representação do licenciado João de Góis de Araújo que finalmente
convenceu D. Afonso VI. O Procurador do Senado em Lisboa destacou que havia “muitas
donzelas pessoas de qualidade que estão com fervorosos desejos de servir a Deus”, mas o custo
e, principalmente, as dificuldades impediam que elas fossem enviadas para conventos em
“partes tão remotas” quanto o Reino (invertendo-se, aqui, a noção usual do Brasil como distante
do Reino). Essa situação agravava-se por ser o Brasil “muito fecundo de partos femininos”, não
havendo nem fazenda para dotar a todas as filhas, nem “sujeitos capazes” para casarem com

197
VIEIRA, Alberto. “A Igreja e a cultura” e LEITE, José Guilherme dos Reis. “A Igreja e a Cultura” in: MATOS,
A Colonização Atlântica, pp. 180 e 509; SOCOLOW, Susan Migden. The Women of Colonial Latin America.
Cambridge: Cambridge UP, 2000, pp. 91-3.
198
SAMPAIO, Na encruzilhada do Império, p. 291 (citação), 298 e LAVRIN, Asunción & COUTURIER, Edith.
“Dowries and wills: a view of women’s socioeconomic role in colonial Guadalajara and Puebla, 1640-1790”.
HAHR, vol. 59, n. 2, 1979, pp. 280-304. Cf. também NAZZARI, Muriel. O Desaparecimento do dote: mulheres,
famílias e mudança social em São Paulo, Brasil, 1600-1900 (trad.). São Paulo: Companhia das Letras, 2001 [1991],
pp. 27-82.
199
AHU, cód. 13, fl. 329v, CCLP, vol. 6, p. 320 e AHMS, PR, vol. II, fls. 24v-25.
200
AHU, Bahia, LF, cx. 17, doc. 1950 (ênfase minha)
137

todas. Contrariamente ao que se dizia, o convento não prejudicaria o crescimento demográfico,


antes o impulsionaria, “porque por aquele meio se perpetuaram os moradores nele sem tratarem
de mudanças de casas e famílias como até agora fizeram muitos com ocasião de virem a este
reino fazer suas filhas religiosas viverem nela com elas e outros a quem o amor paternal das
que já tinham religiosas obrigou a mudança”. Por último, a guerra contra os neerlandeses havia
empobrecido os vassalos, que mesmo assim contribuíam no limite de suas possibilidades para
o donativo de paz de Holanda e dote da Rainha da Grã-Bretanha e o sustento da infantaria, de
modo que mereceriam essa mercê (capítulos VI e VII). Com o apoio tanto do ex-governador
Francisco Barreto quanto do Vice-rei Conde de Óbidos, assim como do Conselho Ultramarino
e da Mesa de Consciência e Ordens (que contrasta a inexistência de ordens regulares femininas
em Salvador com sua abundância nos Açores), o rei finalmente concedeu a licença para
fundação do mosteiro de freiras, mais de 60 anos depois do primeiro pedido201.
A íntima relação entre o Senado e o Convento do Desterro pode ser vista pelas cartas
nos anos seguintes, nas quais os camaristas fazem o possível para colocá-lo em funcionamento
o quanto antes – o que, porém, só ocorre em 1677, após alguns conflitos e considerável
dispêndio de recursos pela municipalidade202. Em teoria, a elite procurava afirmar sua posição
privilegiada através de mais um elemento: a garantia de que suas filhas teriam preferência para
professarem como freiras, evitando a dispendiosa viagem para Portugal (provavelmente muito
mais falada do que realmente realizada)203. Esse privilégio seria justo, “em remuneração do
trabalho contínuo que temos de servir neste Senado sem salário algum e ser o dito convento

201
AHU, cód. 16, fls. 83v-85. Cf. também Bahia, LF, cx. 17, docs. 1993 e 1999; BPA, 47-VIII-10, fl. 218-41 e
47-VIII-15, fls. 602 e segintes; CCLP, vol. 7, p. 98 e vol. 9, p. 273 e PITA, História, p. 400. Susan Soeiro tenta
explicar a fundação de conventos “como uma resposta às transformações econômicas e demográficas que afetavam
a região baiana”, mas não consegue estabelecer uma ligação efetiva a percebida crise açucareira e a fundação do
mosteiro. Entretanto, como vimos, as décadas de 1660-70 foram de acelerada expansão econômica: “The feminine
orders in colonial Bahia, Brazil: economic, social, and demographic implications, 1677-1800” in: LAVRIN,
Asunción (ed.). Latin American Women: historical perspectives. Westport: Greenwood Press, 1978, pp. 173-97
(citação à p. 182). Cf. também id. A Baroque Nunnery: the economic and social role of a colonial convent. Santa
Clara do Desterro, Salvador, Bahia, 1677-1800. Tese de Doutorado. Nova York: New York University, 1974, pp.
15-23 e NASCIMENTO, Anna Amélia Vieira. Patriarcado e religião: as enclausuradas clarissas do Convento do
Desterro da Bahia, 1677-1890. Salvador: Conselho Estadual de Cultura, 1994, pp. 50-70.
202
SOEIRO, A Baroque Nunnery, pp. 24-32 e NASCIMENTO, Patriarcado e Religião, pp. 71-81.
203
Veja-se DH, vol. 88, pp. 255-61. Conheço poucos casos em que isso realmente ocorreu: duas irmãs, filhas de
Lourenço Cavalcante de Albuquerque, e amantes de Bernardo Vieira Ravasco e D. Francisco Manuel de Melo
(CG, vol. I, pp. 117-8; DH, vol. 66, pp. 198-9), assim como as duas filhas do capitão minhoto Teotônio Soares de
Brito, que em 1673 disse “ter vendido suas fazendas afim de passar para o Reino, na primeira ocasião de frota se
pudesse, com sua loja e família, para efeito de dar estado religiosas a muitas filhas que tinha” (AC, vol. V, p. 90).
Seu filho casou-se em Braga, mesma cidade onde suas filhas foram se recolher em 1677, justamente quando o
convento de Santa Clara finalmente era fundado em Salvador: cf. ARAÚJO, Maria Marta Lobo de. “Dotes de
freiras no mosteiro de Nossa Senhora da Conceição de Braga (século XVII)”. Noroeste, vol. 1, 2005, p. 125; CG,
vol. I, p. 98; IAN/TT, COC, L. 56, fls. 124-124v.
138

criado pelos oficiais da Câmara”204. Como quase metade das freiras professas até 1700 eram
filhas de camaristas (e muitas das restantes eram parentes de membros da elite), evidencia-se
como os serviços da Bahia, repetidamente enunciados pela municipalidade, alcançaram da
Coroa mais um mecanismo para garantir a reprodução social do grupo dominante na capitania,
cada vez mais consolidado, como vimos acima, e no momento em que esse passava a, cada vez
mais, se representar como um estamento nobiliárquico (capítulo IV).
Entretanto, como no caso da diferença entre as estratégias dispersiva e concentradora
destacada acima, a popularidade do convento não era uniforme entre todas as famílias baianas,
mas sim uma escolha de certas parentelas. De 22 famílias baianas catalogadas por Jaboatão que
tiveram ao menos uma filha no convento entre 1677-1700, apenas 11 filhas casaram, enquanto
44 professaram no Desterro205. Os 600$ de dote para as filhas freiras eram uma soma bem
menor do que se gastaria em um matrimônio, tornando a escolha economicamente vantajosa
para impedir a divisão do patrimônio familiar. O melhor exemplo dessa estratégia é o
supracitado homem de negócio Domingos Pires de Carvalho que, para vincular o máximo de
bens para seu único filho homem, colocou as quatro filhas no convento do Desterro – feito
conseguido através de sua intensa atuação em favor do mosteiro, inclusive supervisionando
pessoalmente as obras, emprestando mais de 50.000 cruzados para cobrir os atrasos da Câmara,
além de dotar suas quatro filhas com outros 18.000. Por outro lado, certamente a presença de
parentas servia de incentivo para as mulheres lá adentrarem (como as duas filhas mais novas de
Pires de Carvalho, que “se davam por contentes com os dotes para serem religiosas professas
no dito convento, onde tinham já duas irmãs”)206, ao mesmo tempo em que freiras podiam
exercer pressão dentro da instituição para receber suas irmãs, primas e sobrinhas.
Como no exemplo acima, uma análise detalhada das 81 primeiras freiras que
professaram entre 1678 e 1714207 demonstra que foram principalmente homens novos que
colocaram sua filha no Desterro. Nenhum Muniz ou Aragão o fez, apesar de seu destaque na
Câmara nas últimas décadas do século; os Araújo colocaram quatro filhas, mas duas eram do
forasteiro João de Aguiar Vilasboas, que casou dentro da família; da mesma maneira, nenhuma
mulher dos Soeiro, Ferreira, Brandão ou Pimentel tornou-se freira. Os Albuquerque tiveram
duas, os Brito de Castro seis (todas filhas de Francisco de Brito de Sampaio – talvez a fama de

204
CS, vol. III, p. 9. Cf. também AHU, Bahia, LF, cx. 23, doc. 2689; CS, vol. II, pp. 32-4, 51-2, 125-6; vol. III,
pp. 8, 15-6, 26 e 57-8; vol. IV, pp. 53-5.
205
SOEIRO, Susan. “The social and economic role of the convent: women and nuns in colonial Bahia, 1677-
1800”. HAHR, vol. 54, n. 2, 1974, pp. 215-6.
206
NASCIMENTO, Patriarcado e Religião, pp. 76-8; AHU, Bahia, LF, cx. 32, docs. 4107-4110 (citação)
207
A partir da lista publicada em NASCIMENTO, Patriarcado e religião, pp. 409-59.
139

cristão-novo do avô materno, o mestre de campo Nicolau Aranha Pacheco, estivesse gerando
dificuldades no mercado matrimonial) e os Burgos uma (filha natural, também infamada de
cristã-nova). Assim, mesmo que diversos membros da elite, como Antônio da Silva Pimentel,
Antônio Guedes de Brito, Diogo de Aragão Pereira, Francisco Gil de Araújo e Francisco Dias
de Ávila, tenham contribuído com grandes quantias para a edificação do convento, nenhum
desses optou por colocar suas filhas ou irmãs no Desterro. Foram os militares reinóis, como
Luís Gomes de Bulhões (uma filha e três netas) e Pedro Gomes (duas filhas, doando 20.000
cruzados para o término da edificação), e principalmente os homens de negócio, como Manuel
de Oliveira Porto (cinco, com uma dotação de 29.000 cruzados 208), Henrique de Guisenrode
(duas), Lourenço da Rocha Moutinho (duas) e Manuel de Almeida Mar (duas) que estiveram
melhor representados entre os pais das religiosas.
Assim, só 19 das primeiras freiras pertenciam às famílias tradicionais baianas,
concentradas em algumas linhagens específicas; 14 provinham de famílias residentes, mas que
permaneciam nas franjas do poder político, embora seus pais fossem senhores de engenho,
lavradores e militares; 23 tinham como pais forasteiros inseridos na elite política (mas não
casados nas famílias tradicionais) e 21 forasteiros que não pertenciam à elite, em sua maioria
negociantes (as últimas quatro são desconhecidas ou naturais de outras capitanias).
Não é possível pensar, porém, que as famílias tradicionais que por essas décadas
dominavam largamente a Câmara e a Misericórdia, como vimos acima, estivessem sendo
excluídas contra sua vontade do convento fundado graças a sua agência política junto à Coroa.
Logo, conclui-se que elas simplesmente optaram por não ocupar as vagas disponíveis, abrindo
espaço para moças de menor qualidade, que não se fizeram de rogadas. Provavelmente as
famílias tradicionais optaram por manter os padrões a que se acostumaram no século
precedente, casando suas filhas com quem lhes parecesse mais apropriado. Não deviam faltar
pretendentes, e talvez nem dinheiro para dotar as filhas – exceto quando eram em número
exagerado, como as seis de Francisco de Brito Sampaio. Assim, a elite baiana (e ainda em maior
grau as suas contrapartes nas outras conquistas atlânticas lusas) diferenciava-se dos grupos
dominantes em todo o mundo católico, de São Miguel à Cuzco, onde conventos foram fundados
na primeira geração a ocupar o território209. O convento, portanto, acabava por ser mais
interessante para as principais famílias pelo prestígio que agregava a Salvador e,

208
SOEIRO, A Baroque Nunnery, p. 33-5; NASCIMENTO, Patriarcado e Religião, pp. 60, 75 e 109.
209
Cf. RODRIGUES, Poder Local, pp. 162-74 e o magistral trabalho de BURNS, Kathryn. Colonial habits:
convents and the spiritual economy of Cuzco, Peru. Durham: Duke UP, 1999, pp. 101-54.
140

consequentemente, à sua elite governante, que propriamente como um recurso essencial para
suas estratégias – já que, no final das contas, tinham sobrevivido por um longo tempo sem ele.
Assim, os setores que mais se interessariam pelo convento eram aqueles em processo
de afirmação social (classificação que poderia incluir até filhos mais novos das famílias
tradicionais). Entende-se, portanto, o interesse dos forasteiros, pois no final do século
provavelmente seria difícil casar sua prole com membros das grandes famílias, e o matrimônio
com outros forasteiros pouco acrescentaria em prestígio210. Valia mais, portanto, fazer como
Pires de Carvalho e colocar as filhas no convento, ou ao menos algumas delas, dotando com
maior largueza as remanescentes e/ou concentrando seus recursos nos filhos homens. O mestre
de campo Pedro Gomes combinou os dois procedimentos, pois duas filhas foram freiras, uma
casou-se com um membro da dinastia fluminense dos Sá, enquanto seu único filho homem
sobrevivente, Antônio Gomes, beneficiou-se com a instituição de um morgado211. Mesmo
contra as normas legais, porém, ao menos algumas das freiras herdaram de seus pais212.
Seria necessário, porém, estender a análise temporalmente e incluir no grupo estudado
todos as filhas da elite baiana, de modo a possibilitar uma análise conclusiva sobre essas
diferentes estratégias reprodutivas de estabelecidos e forasteiros. É interessante notar, porém,
que parece ocorrer um desenvolvimento inverso ao percebido em Portugal entre 1380-1580, em
que quanto mais alto o status, maior a tendência de colocar as filhas em conventos. Assim,
enquanto as famílias tradicionais baianas aproximam-se das estratégias reprodutivas da baixa
nobreza do século XVI (momento em que os fundadores transferiram-se para o Brasil), quando
o ideal vincular ainda não era tão dominante, muitos alpinistas sociais chegados posteriormente
tentaram aproximar-se do modelo aristocrático ideal já mais amplamente difundido em Portugal
e Ilhas, ao menos no que se refere à reclusão de sua descendência feminina e, em alguns casos,
como nos Pires de Carvalho e Gomes, quanto à vinculação de suas propriedades213.

Classe e Estamento
Não podemos deixar de examinar a base socioeconômica da elite governante da Bahia.
Ao longo do século, foram escolhidos 503 vezes juízes ordinários, vereadores e provedores da
Misericórdia entre 1614 e 1700, e em 417 casos (83% do total) foi possível determinar a

210
Os homens de negócio conseguiam casar com filhas de senhores de engenho, mas uma análise mais detalhada
é necessária para determinar as ligações familiares desses homens, já que a posse de uma moenda não significava
o pertencimento às principais famílias, como veremos abaixo: FLORY, Bahian Society, pp. 230-4.
211
CG, vol. II, pp. 570-2.
212
NASCIMENTO, Patriarcado e Religião, pp. 309-10.
213
BOONE III, “Parental investment”, p. 867.
141

ocupação do eleito. Como, porém, as fontes não são uniformes, reiterativas ou completas, mas
sim muito fragmentadas, é preciso primeiro enumerar os problemas dos resultados obtidos. Em
primeiro lugar, diversas pessoas mudaram de ocupação ao longo do tempo: o supracitado Diogo
de Aragão Pereira era senhor de engenho em finais da década de 1620, lavrador rico em 1638,
e duas décadas depois já havia se tornado proprietário de duas moendas. Nesses casos, como é
quase impossível determinar qual era a posição no ano específico de exercício dos cargos,
geralmente optei pela posição mais elevada (senhor de engenho em vez de lavrador, mercador
terratenente em vez de mercador), a não ser quando a identificação fosse muito próxima ao ano
em que o personagem ocupava o posto. Há também aqueles que se identificam como parte do
setor açucareiro em petições, mas não explicitam se são senhores de engenho ou lavradores de
cana: contei-os como se fossem o segundo caso. Em 36 casos, a eleição recaiu em filhos ou
irmãos de membros da açucarocracia e, embora esses homens quase certamente fossem
senhores de engenho ou, mais provavelmente, lavradores, foram classificados como
desconhecidos. Por último, alguns dos eleitos de ocupação ignorada provavelmente eram
mercadores, assim como outros identificados como senhores de engenho ou lavradores, pois a
categoria dos homens de negócio aparece mais raramente nas fontes utilizadas, e o grupo produz
muito menos petições coletivas do que a açucarocracia.

Gráfico VIII: Ocupação dos eleitos como juízes ordinários,


vereadores e provedores (%)
70 60
60
50
40
30 21
20
7 4
10 3 3 1 1
0

Fonte: Base elites baianas seiscentistas.

Salta aos olhos a importância dos senhores de engenho, mesmo que estejam longe de
dominar completamente o poder local. Mais do que isso, como se percebe a partir dos casos
analisados ao longo desse capítulo, quase todos os homens mais destacados da elite baiana
142

envergavam essa qualificação. Olhando-se para o caso específico da prestigiosa provedoria da


Misericórdia, dentre as 57 eleições entre 1628-1700 (excluindo as que recaíram em
governadores e oficiais régios), 47 (81%) das escolhas incidiram em senhores de engenho
(incluindo aí o mercador Francisco Fernandes Dosim, cinco vezes provedor – há de se notar
que esse homem levantou seu engenho em 1655214, apenas um ano antes de ser eleito para o
posto mais prestigioso da capitania, nos permitindo suspeitar de uma relação direta de causa e
efeito), quatro em lavradores (qualificados como “ricos”, como João Álvares da Fonseca215),
três em mercadores terratenentes que não eram donos de moendas e três em proprietários de
terras, mas ignoro se possuíam engenhos. Confirma-se, assim, a ênfase dada no poder dos
senhores de engenho, destacada por diversos contemporâneos. Um exemplo menos conhecido
do que a clássica formulação de Antonil pode ser encontrado na denúncia de 1632 do
eclesiástico Manuel Temudo Barata, o qual, ao retornar a Lisboa após nove anos na Bahia,
afirmou que “ser lá uma pessoa senhor de engenho é como em Portugal ser senhor de vilas”216.
Não se deve considerar irrelevantes, porém, os 10% alcançados pelos homens de
negócio, pois no Reino eles estavam praticamente ausentes dos cargos da República, e mesmo
no Brasil ainda eram pouco numerosos, a se julgar pelo que se sabe dos casos do Rio de Janeiro,
Pernambuco e São Paulo. Uma das únicas áreas para as quais temos um número mais preciso é
São Miguel, que contou com apenas 3,4% de negociantes entre seus vereadores e procuradores
seiscentistas217. É possível, portanto, que Salvador fosse a municipalidade do império português
seiscentista (com exceção de Macau) em que os mercadores tivessem maiores possibilidades
de aceitação na elite política, prenunciando um desenvolvimento que, em diferentes graus, se
dará em todo a América Portuguesa no século seguinte. Nesse sentido, Salvador aproximava-
se mais da Cidade do México do que suas congêneres no império português218.

214
DH, vol. 19, pp. 22-3.
215
CCT, vol. II, pp. 198-200.
216
IAN/TT, TSO, IL, CP, Livro 15, fl. 50 (citação); ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil por
suas drogas e minas. Editado por Andrée Mansuy Diniz Silva. Lisboa: CNCDP, 2001 [1711], pp. 70-1.
217
RODRIGUES, Poder Municipal, pp. 81-2. Note-se que o autor inclui os procuradores, opção que, caso tivesse
sido seguida aqui, ampliaria significativamente a participação dos negociantes. Os mercadores tiveram uma
presença um pouco mais significativa no Porto da primeira metade do setecentos, alcançando pelo menos 5% do
total: NUNES, Ana. História Social da administração do Porto (1706-1750). Porto: Ed. da Universidade
Portucalense, 1999, pp. 123, 168-172 e 192-4.
218
PENALVA, Elsa. “Merchant Elites of Macao in 1642”. Bulletin of Portuguese-Japanese Studies, n. 17, 2008,
pp. 167-195; PAZOS, El ayuntamiento, pp. 347-52; HOBERMAN, Louise Schell. Mexico’s Merchant Elite, 1590-
1660: Silver, State, and Society. Durham: Duke UP, 1991, pp. 156-8. Em Quito a importância dos comerciantes
era ainda maior, dentro de uma elite quitenha cujas atividades econômicas eram diversificadas: PONCE LEÍVA,
Certezas, pp. 335-421. A Guatemala conheceu uma predominância de negociantes, comprovando que a venalidade
facilitou a entrada de imigrantes enriquecidos no poder local: WEBRE, Stephen. “El cabildo de Guatemala en el
siglo XVII: ¿Una oligarquía criolla cerrada y hereditária?”. Mesoamérica, ano 2, caderno 2, 1981, pp. 1-19. Veja-
se o caso excepcional do Recife, em que a desproporção entre os senhores de engenho e comerciantes vigente na
Bahia seiscentista apresenta-se, mas em sentido oposto: SOUZA, Elite y ejercicio de poder, pp. 402-3.
143

A riqueza, o prestígio e o poder inerentes ao controle da terra, da mão de obra e da


moenda davam aos senhores de engenho um papel de destaque quase inevitável na política
baiana. Se, porém, quase todos os homens mais destacados eram senhores (especialmente nas
últimas décadas do século, com a multiplicação de moendas), isso está longe de significar que
todos os senhores de engenho pertenciam à elite política. Para além de Antônio de Brito de
Sousa e Antônio Fernandes de Simas, já mencionados acima e que serviram no cargo inferior
de procurador da Câmara, e de alguns cristãos-novos notórios, como os supracitados Lopes
Ulhoa e Lopes Franco, não é impossível encontrar outros senhores de engenho com pouca ou
nenhuma participação na vida política local. Em 1638, dos 33 senhores convocados a
fornecerem lanchas para a armada do Conde da Torre, sete não ocuparam cargos nem
estabeleceram relações familiares com membros da elite política219. Em 1669, Bento Pestana
foi o único desses outsiders a assinar uma petição de 20 senhores de engenho baianos: Pestana
foi um comerciante que serviu como fiador de viagens para a Costa da Mina a partir de
Salvador, mantendo relações com o capitão, negociante e, depois, senhor de engenho Domingos
Martins Pereira, de quem tratamos algumas páginas atrás. Talvez essa falta de integração se
deva ao fato de que pouco depois o homem de negócios retornaria a Lisboa, onde se envolveria
no contrato do tabaco220. Já numa relação de devedores à Santa Casa em 1694, surgem 23
senhores de engenho, dos quais quatro não faziam parte da elite221.
Entretanto, sem uma listagem completa dos senhores de engenho é impossível estimar
quantos de seus membros estavam excluídos da elite política. Em geral, porém, parece correto
seguir os passos da historiografia e reconhecer a predominância dessa categoria222. Até os
senhores de engenho sem pedigree provavelmente conseguiam adentrar na elite local, se
insistissem por tempo suficiente. Um exemplo de um processo de ascensão social secular é o
senhor de engenho Domingos da Silva Morro, filho de um “mestre de fazer açúcar” chegado ao
Brasil em 1618, que ascendeu a lavrador, casou com a filha de um almotacel, comprou terras e
obteve uma sesmaria. Apesar da origem humilde, Domingos chegou a capitão de ordenança em
1689, irmão de maior condição da Misericórdia em 1692 e, finalmente, sargento-mor em 1695.
Sua ascensão foi consagrada no início do século XVIII com a obtenção do hábito de Cristo para
um filho e o casamento de uma filha com o coronel Francisco de Araújo de Aragão, filho do

219
CCT, vol. II, pp. 198-9.
220
AHU, Bahia, LF, cx. 20, doc. 2366; LOPES, Gustavo Acioli. Negócio da Costa da Mina e Comércio Atlântico:
tabaco, açúcar, ouro e comércio de escravos – Pernambuco (1654-1760). Tese de Doutorado. São Paulo:
PPGHE/USP, 2008, pp. 42 e 214.
221
LIMA, A Situação da Misericórdia.
222
FLORY, Bahian Society, pp. 128-47.
144

coronel Pedro Camelo de Aragão223. Como disse Cabral de Mello, “no final das contas, a família
nobre e a propriedade açucareira tornaram-se praticamente coextensivas”224.
Entretanto, não se deve exagerar a preeminência dos senhores de engenho. Em quase
todos os requerimentos do setor açucareiro, senhores assinam juntos com os principais
lavradores de cana, e laços de parentesco muitas vezes os uniam225. Como o percurso familiar
de Domingos demonstra, a ascensão de lavrador a senhor não era rara, especialmente em
momentos de expansão da economia açucareira, como na recuperação após a guerra contra os
neerlandeses: ao menos 6 membros da elite política baiana traçaram esse caminho, e outros 11
senhores de engenho dentro do grupo eram filhos de lavradores. Daí a pertinência do termo
açucarocracia, recorrentemente utilizado ao longo dessa tese: como disseram os camaristas de
1667 (dentre os quais o supracitado Antônio Guedes de Brito), “nesta capitania, (...) a maior
esfera é ser senhor de engenhos ou lavrador de canas”226. Nossos protagonistas tinham plena
consciência de que a classe social a que pertenciam incluía não somente os donos de moendas,
mas também os lavradores prósperos, que comandavam, como os senhores, algumas dezenas
de escravos e produziam quarenta ou cinquenta tarefas de cana, tendo uma propriedade que
valeria em média algo em torno de 10.000 cruzados, soma considerável227.
Mas será correto chamar a açucarocracia de classe? Não se está fazendo mais que seguir
Stuart Schwartz, que demonstrou o quanto esse grupo era capaz de “agir de modo coeso como
uma classe com interesses e objetivos próprios, assumindo papéis políticos e procurando
influenciar a política régia e municipal”, peticionando como um grupo mobilizado228. Em 1632,
uma longa petição dos “senhores de engenho e lavradores” da capitania para o governador e a
Coroa pode ser lida como uma lista parcial dos homens da governança, como o fidalgo Diogo
de Aragão Pereira, e André Cavalo de Carvalho, Domingos Barbosa de Araújo, Belchior
Brandão, Eusébio Ferreira, Felipe de Moura, Luiz de Melo de Vasconcelos – todos juízes
ordinários e vereadores da Câmara – juntamente com outros que não faziam parte do grupo,
mas com os quais tinham em comum a participação na produção açucareira, como o rico cristão-
novo e senhor de engenho Diogo Lopes de Ulhoa229. Em 1664, o procurador da Câmara em
Lisboa, o licenciado João de Góis de Araújo, ajuntou uma cópia dessa petição com outra de
1656, em que “os oficiais da câmara desta cidade em nome dos moradores que nela são senhores

223
IAN/TT, HOC, Letra R, mç. 1, n. 74; DH, vol. 24, pp. 112-4; AC, vol. I, p. 134; CG, vol. I, pp. 177 e 190.
224
MELLO, Rubro Veio, p. 173.
225
SCHWARTZ, Segredos Internos, pp. 253-4.
226
AHMS, PGS, 1660-77, fl. 115 (ênfase minha).
227
FLORY, Bahian Society, p. 65.
228
SCHWARTZ, Segredos Internos, p. 176.
229
AHMS, PR, vol. I, fls. 123-139v.
145

de engenhos e lavradores de canas” pediam que as execuções dos bens dos produtores pelos
seus credores fossem suspensas até a vinda da frota, devido ao baixíssimo preço do açúcar nesse
período230. Já em 1662, a discussão sobre a proibição ou não da construção de engenhos à beira-
mar levou a uma grande mobilização, com mais de uma centena de indivíduos subscrevendo
uma petição refutando a proibição231. A mesma temática gerou uma nova petição em 1669, a
primeira que encontrei somente dos senhores de engenho, encaminhada pela Câmara ao
governador, o qual transmitiu seu conteúdo (agora favorável à proibição) à Coroa232 (capítulo
I). Em 1687, novamente temos outra petição assinada unicamente por senhores de engenho,
contra uma provisão régia sobre as marcas que deveriam ser colocadas nas caixas de açúcar233.
Ao inchar o grupo dos senhores de engenho, é possível que a multiplicação de moendas a partir
da década de 1660 tenha tornado menos necessária a aliança com os lavradores 234, mas
confirmar essa ideia exigiria não só mais dados mas, principalmente, estender a pesquisa no
tempo. De qualquer maneira, é sugestivo que, se entre 1637 e 1646 lavradores foram eleitos
como provedores por três vezes, somente um conseguiu esse feito no restante do século: o
fidalgo bracarense Antônio de Brito de Castro, em 1670.
Em todas essas petições os signatários identificam-se claramente a partir de sua relação
com os meios de produção, fosse como senhores (ou donos, em alguns poucos casos) de
engenho ou como lavradores de cana. Possuíam, assim, consciência não só de sua situação
particular, mas também coletiva – incluindo mesmo homens com os quais jamais casariam suas
filhas, como o cristão-novo Diogo Lopes de Ulhoa. Se as cinco petições citadas acima podem
parecer pouco representativas, deve-se lembrar que a instituição preferencial de defesa dos
interesses da classe açucareira era a Câmara, como notaram os comerciantes de Lisboa em 1612
e o governador-geral Antônio Teles da Silva em 1644, em documentos citados no início desse
capítulo. O Senado foi responsável, portanto, por enviar à Coroa ao longo do século 51 cartas
em defesa da produção açucareira, para além de 85 sobre crédito, moeda e comércio atlântico
– temas fundamentais para a saúde da economia da capitania (capítulo VII). Numa litania que
seria cansativo repetir aqui, a municipalidade reclama dos altos impostos, dos baixos preços do
açúcar, das dificuldades de comércio e do endividamento dos senhores, pois sua preocupação
era sempre com a ruína de “todos os senhores de engenho e lavradores de açúcar”235 – ou seja,

230
AHU, Bahia, LF, cx. 18, doc. 2024.
231
“Liberdade e limitação”, pp. 493-9.
232
AHMS, PGS, 1660-77, fls. 164-170v e AHU, Bahia, LF, cx. 20, doc. 2366.
233
AC, vol. VI, pp. 91-2.
234
Sua situação também parece ter se degradado em Pernambuco nesse período: MELLO, Rubro Veio, p. 143.
235
Cf., por exemplo, CS, vol. II, p. 119.
146

com os efeitos das conjunturas econômicas no grupo dominante da capitania. Vê-se, assim,
como o poder local agia constantemente em defesa dos interesses açucarocráticos, atuando
como seu porta-voz, “aquele que, ao falar de um grupo, ao falar em lugar de um grupo, põe,
sub-repticiamente, a existência do grupo em questão, institui este grupo”236.
Assim, podemos identificar a açucarocracia como classe “porque, repetidamente, as
pessoas se comportaram de modo classista”237. Entendendo classe como uma situação de
mercado e classificando indivíduos e grupos a partir de sua relação com os meios de produção,
atividade econômica e nível de riqueza, penso ser seu uso justificado na época moderna e, mais
do que isso, fundamental para não minimizarmos os elementos econômicos constituintes da
elite. Como escreveu um dos principais historiadores revisionistas da Revolução Francesa ao
criticar a ênfase exagerada no modelo de Roland Mousnier de uma sociedade de ordens,
“nenhuma hierarquia pode existir sem fazer referência a diferenciais de poder, e diferenciais de
poder sem relação alguma com a riqueza são praticamente inconcebíveis”238.
A definição aqui utilizada não exige o funcionamento de um fictício “mercado
autorregulado” nem exclui a intervenção política na economia. Pelo contrário, o melhor
testemunho do poder de uma classe é exatamente a capacidade de intervir no mercado em seu
próprio benefício – como a obtenção de privilégios que proibiam a fragmentação da propriedade
açucareira para pagamento dos credores (capítulo IV), a manipulação da moeda para evitar a
fuga de numerário (capítulo VII), o recebimento de sesmarias e a utilização de uma instituição
por eles controlada (a Misericórdia) para lhes garantir acesso preferencial a crédito barato.
Como enfatizou João Fragoso, os ofícios na administração periférica da Coroa e no poder local
funcionavam como importantes ferramentas de acumulação para as elites políticas locais, de
modo que a política era uma arena central para constituição da açurocracia239. Paralelos podem

236
BOURDIEU, Pierre. “Espaço social e gênese de classes” [1984] in: id. O poder simbólico (trad.). Rio de
Janeiro: Bertrand, 2005 [1989], 8ª ed., p. 159, em artigo como um todo muito relevante para essa seção.
237
THOMPSON, E. P. “Algumas observações sobre classe e ‘falsa consciência’” [1977, trad.] in: id. As
peculiaridades dos ingleses e outros artigos. Organizado por Antônio Luigi Negro e Sergio Silva. Campinas:
EDUNICAMP, 2001, p. 270.
238
DOYLE, William. “Myths of order and ordering myths” in: BUSH, Michael (ed.). Social orders and social
classes in Europe since 1500: studies in social stratification. Nova York: Routledge, 1992, p. 221. Para uma
elegante reflexão sobre o conceito e sua aplicabilidade no Atlântico inglês, cf. os trabalhos de Keith Wrightson,
principalmente “Class” in: ARMITAGE, David & BRADDICK, Michael (eds.). The British Atlantic World, 1500-
1800. Nova York: Palgrave Macmillan, 2002, pp. 133-53. Cabe notar que nenhum dos dois autores é marxista.
239
FRAGOSO, João. “A formação da economia colonial no Rio de Janeiro e de sua primeira elite senhorial
(séculos XVI e XVII)” in: id., GOUVÊA, Fátima & BICALHO, Fernanda (orgs.). O Antigo Regime nos Trópicos:
a dinâmica imperial portuguesa, séculos XVI-XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, pp. 44-50. Cf.
também SAMPAIO, Na encruzilhada do Império, pp. 273-313 e RICUPERO, A formação da elite, pp. 151-266.
147

ser facilmente encontrados na formação da planter class das regiões escravistas da América
inglesa, estando longe de ser, portanto, uma especificidade ibérica240.
Como fez Evaldo Cabral de Mello, só é possível utilizar o conceito de classe sem
violentar a visão de mundo coeva quando se recorre a seu irmão xifópago, o estamento, que
identifica outra forma de hierarquização baseada na honra, no estilo de vida e em distinções que
estabelecem diferenças juridicamente relevantes através da atribuição de privilégios 241. Esse
será o tema do próximo capítulo, mas cabe lembrar que Evaldo Cabral de Mello enxergou um
processo de “metamorfose da açucarocracia em ‘nobreza da terra’”242, afirmando que, apesar
dos elementos classistas presentes na elite açucareira, ela se pensava e era vista como
estamento243. Voltando a Max Weber, referência inescapável, somos lembrados de que “as
distinções de classe estão ligadas, das formas mais variadas, com as distinções de estamento”244.
F. L. Carsten demonstrou que a aristocracia prussiana era, ao mesmo tempo, estamento e classe,
enquanto James Collins defendeu a existência de dois modelos hierárquicos entrelaçados na
França Moderna, cujo topo controlava o poder político245. Já Trevor Burnard apresentou uma
formulação para a elite setecentista de Maryland que cai como uma luva para nosso caso:

riqueza era uma condição necessária, mas não suficiente para que alguém se tornasse um líder
político. Um longo tempo de residência, conexões com membros de gerações anteriores que
ocuparam cargos públicos e a inserção no grupo dos grandes proprietários da província
facilitavam o caminho para os cargos ou convenciam os cavalheiros ricos que eles precisavam,
como dever aos seus compatriotas, se oferecer para ocupar estes cargos. Mas se estas duas elites
não eram idênticas, também dificilmente poderiam ser caracterizadas como funcionalmente
distintas. As características que distinguiam a elite econômica eram aquelas que marcavam a

240
Cf. SCHWARTZ, Stuart. “Brazilian Sugar Planters as Aristocratic Managers, 1550-1825” in: JANSSENS, Paul
& YUN, Bartolomé (eds.). European Aristocracies and Colonial Elites. Patrimonial Management Strategies and
Economic Development, 15th-18th centuries. Aldershot: Ashgtate, 2005, pp. 233-46; HEWITT, Gary. "The State in
the Planter's Service: Politics and the emergence of a Plantation society" in: GREENE, Jack; BRANA-SHUTE,
Rosemary & SPARKS, Randy (eds.). Money, Trade and War: the evolution of colonial South Carolina's Plantation
Society. University of South Carolina Press, 2000, pp. 49-73 (o “Estado” do título refere-se à assembleia local);
PARENT Jr., Anthony. Foul Means: the formation of a slave society in Virginia, 1660-1740. Chapel Hill:
University of North Carolina Press, 2003, pp. 25-54 e 105-34.
241
Para uma análise a partir desses múltiplos princípios de hierarquização, cf. WRIGHTSON, Keith. English
Society, 1580-1680. Londres: Routledge, 1982, pp. 2-20. Bernd Schröter e Christian Büschges também afirmam a
validade da utilização simultânea dos ambos os conceitos: “Las capas altas urbanas en la América hispânica
Colonial” In: id. (eds.). Benméritos, aristócratas y empresários: identidades y estructuras sociales de las capas
altas urbanas en América hispânica. Madri/Frankfurt: Iberoamericana/Vervuert, 1999, p. 299.
242
MELLO, Rubro Veio, p. 157.
243
MELLO, A Fronda dos Mazombos, p. 18. O mesmo ocorreu em outras regiões açucareiras: já em 1650, pouco
mais de duas décadas após o início de colonização de Barbados, durante a chamada “Revolução do Açúcar”, a
elite barbadiana se autodefinia como gentry, como é possível ver em documento citado por PESTANA, Carla
Gardina. The English Atlantic in the Age of Revolution, 1640-1661. Cambridge: Harvard UP, 2004, p. 95.
244
WEBER, Max. “Classe, Estamento, Partido” [1925] in: id. Ensaios de Sociologia (trad.). Rio de Janeiro: LTC,
1982 [1946], 5ª ed., p. 220.
245
CARSTEN, F. L. “A nobreza de Brandeburgo e da Prússia dos séculos XVI a XVIII: ordem, casta ou classe
social” in: MOUSNIER, Roland (org.). Problemas de Estratificação Social (trad.). Lisboa: Cosmos, 1988 [1968],
pp. 199-220 e COLLINS, Classes, estates, and order.
148

elite política, principalmente uma riqueza considerável, um compromisso de longo prazo com a
província e uma devoção compartilhada ao ideal da nobreza como principal valor social246.
Retornando mais uma vez à discussão sobre a proibição ou não da construção de mais
engenhos no litoral na década de 1660, podemos obter mais alguns subsídios para essa questão.
Primeiro, o provedor-mor Lourenço de Brito Correia, cuja trajetória foi narrada acima, escreveu
que consultou os principais e estes produziram uma carta anexa, “o qual papel contém 108
pessoas principais, fidalgos, comendadores e cavaleiros do hábito e mais nobreza, e mestres de
campo e oficiais de guerra, lavradores de cana, senhores de engenho, juízes ordinários e
vereadores que servem”. Vejamos então como os próprios principais se identificaram:

Nós, os abaixo assinados fidalgos da casa de Vossa Majestade e cavaleiros das três ordens
militares, e homens nobres e da governança desta Cidade do Salvador, Bahia de Todos os
Santos, e sua capitania e nela povoadores e moradores e provedores-mores da fazenda real e
provedores da Fazenda e Juízes da Alfândega dela, e mais donos de engenhos de açúcar e
lavradores de canas, e oficiais maiores do exército e presídio desta dita cidade, mestres de
campo, tenentes de mestre de campo general, ajudantes de tenentes generais, e capitães de
infantaria e sargentos-mores247.
No ano seguinte, em 1663, o sucessor de Correia, o cristão-novo, cavaleiro de Santiago
e senhor de engenho Antônio Lopes Ulhoa (filho de Diogo) escreveu “que em cumprimento da
carta referida, relatou aos oficiais da Câmara a ordem de Vossa Majestade e consultou aos
principais homens da nobreza e governo daquela cidade, fidalgos, cidadãos, cavaleiros,
senhores de engenho, lavradores de cana e mercadores”248. Tais enumerações são interessantes
porque aparecem primeiro divisões de ordem e depois de classe, justamente num momento de
consolidação da elite baiana como nobreza, como veremos no próximo capítulo.
Ambas as formas de classificação são constituintes das identidades individuais, como
se vê, por exemplo, nas assinaturas de “Belchior Barreto, cidadão desta cidade, lavrador”,
“Capitão Francisco de Araújo de Brito, cavaleiro da ordem de Cristo, cidadão desta cidade,
lavrador de canas”, “Francisco de Negreiros Soeiro, cavaleiro do hábito de Avis, juiz ordinário
que fui nesta cidade e vereador muitas vezes, lavrador de cana há mais de 45 anos” e “Diogo
de Aragão, senhor de dois engenhos e fidalgo da casa de Vossa Majestade”249, dentre outros.
Quando podiam, esses homens utilizavam as honrarias concedidas pela monarquia para se
identificarem. A partir da ampliação de pesquisa realizada anteriormente, foi possível
identificar entre os membros da elite política baiana ao longo de todo século 102 indivíduos
(29% do total) que gozaram de honrarias conferidas pela monarquia, eleitos 192 vezes (38% do

246
BURNARD, Creole Gentlemen, p. 181.
247
“Liberdade e limitação”, pp. 493-4.
248
DH, vol. 66, pp. 218-9 e 263-4. Cf. também AHU, cód. 16, fl. 71v.
249
“Liberdade e limitação”, pp. 497-8.
149

total) para os principais cargos da República: 61 cavaleiros das ordens militares, 59 fidalgos
(número provavelmente mais elevado, pois há alguns filhos de fidalgos para os quais não
encontrei documentos em que eles se identificassem como tais ou a concessão pela monarquia,
de modo que não os levei em conta) e até 10 comendadores (ainda que a maioria deles tenha
sido obrigado a se contentar com a promessa dessa mercê, sem receber efetivamente seus
rendimentos, foi o suficiente para que pudessem ostentar essa honraria). A luta contra os
neerlandeses foi fundamental para a obtenção de tais mercês, pois poucos puderam consegui-
las apenas através de seu pedigree, e quase todos os mais destacados membros da elite baiana
beneficiaram-se dessa oportunidade250. Se seu status social não era o mesmo das mais fidalgas
Câmaras do Reino, como Porto, Coimbra e Évora (ou, olhando para o outro lado do globo,
Goa), ao menos as elites baianas e pernambucanas se comparavam favoravelmente ao grupo
dominante de muitas outras áreas do Reino, como no Algarve251. A governança de Ponta
Delgada, por exemplo, contou em todo o século XVII com apenas 10 cavaleiros e 6 fidalgos
(6% do total de camaristas), provavelmente porque sua região não viu nenhuma ação militar de
monta que justificasse a concessão de mercês pela Coroa252.
Se não simultaneamente, os mesmos indivíduos podiam aparecer num momento como
parte da governança ou nobreza, e em outros como senhores de engenho ou mesmo homens de
negócio. Diogo de Aragão Pereira aparece, por exemplo, como senhor de engenho e homem da
governança, assim como seu filho Pedro, alternadamente senhor de engenho e membro da
nobreza253. Tal dualidade não estava restrita, em verdade, aos senhores de engenho, aparecendo
mesmo no caso dos homens de negócio, como Pedro Marinho Soutomaior, que serviu como
vereador em 1656, apareceu como representante dos negociantes no ano seguinte, e foi
novamente vereador em 1661 e 1666, além de uma referência como cidadão em 1663254.
A Câmara podia usar as duas definições ao mesmo tempo, mesmo porque era a situação
econômica a relevante para os propósitos de cobrança de donativos, por exemplo – e por isso a
Câmara lutava contra a existência de privilegiados isentos255. Como exemplo, assentou-se na
Câmara em 28 de junho de 1641 a necessidade de enviar um procurador para Lisboa para entrar

250
KRAUSE, Em Busca da Honra, pp. 171-239, complementada pela base de dados Elites Baianas Seiscentistas.
251
SILVA, O Porto, vol. I, pp. 281-309; SOARES, O Município, vol. II, pp. 57-105; PARDAL, As Elites de Évora,
pp. 110-1; MAGALHÃES, pp. 323-62; BOXER, Portuguese Society, pp. 15-6.
252
RODRIGUES, Poder Municipal, p. 80.
253
AC, vol. II, pp. 72-4 e 167-8; vol. III, pp. 353-5; vol. V, pp. 204-7 e 290.
254
AC, vol. III, pp. 353-5 e vol. IV, pp. 163-6.
255
Cf. meu artigo “Ordens Militares e Poder Local: elites coloniais, câmaras municipais e fiscalidade no Brasil
seiscentista” in: FRAGOSO, João & SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá de (orgs.), Monarquia Pluricontinental e a
governança da terra no ultramar atlântico luso: séculos XVI – XVIII. Rio de Janeiro: Mauad X, 2012, pp. 87-
111.
150

em contato com o novo monarca, e para isso seria preciso dinheiro. Determinaram, assim, “que
o menos que havia de juntar entre os nobres desta cidade eram 2.000 cruzados; para este efeito,
se determinou se escrevessem cartas a todos os que eram e aos senhores de engenho e lavradores
ricos para ajudarem cada um com o que lhes parecesse”256. É notável aqui como “nobres”
funciona praticamente como um sinônimo de senhores de engenho e lavradores ricos. Os
próprios camaristas podiam trazer à tona sua posição de classe, como, quando do debate sobre
a proibição dos engenhos à beira-mar, afirmam ter sido “Providência Divina não ser nenhum
dos que nele estamos senhor de engenho e sermos quase todos lavradores de canas”257.
A combinação de referenciais distintos é possível e mesmo necessária porque, em última
instância, o objetivo da atividade econômica não era simplesmente a obtenção de lucros, mas
sim a manutenção e melhora do status social familiar e a constituição de laços para fortalecer
uma comunidade, mesmo porque são essas relações que possibilitam a ação coletiva258. É nesse
sentido que deve ser compreendida a afirmação do papel das 108 “pessoas principais” em 1662,
que “o açúcar é a cabeça deste corpo místico que é o Brasil”259 – porque é o “ouro branco” que
sustenta a estrutura concentradora de riqueza, prestígio e poder que permite à açucarocracia
dominar aquela sociedade e a transforma em uma parceira fundamental da Coroa portuguesa.
Classe e estamento são, em conjunto, dois conceitos fundamentais para a análise da
sociedade baiana seiscentista, pois esta era, e creio que ainda mais do que a Europa, “uma
sociedade estamental tendencialmente classista, um mundo ordenado teoricamente pelo sangue
e nascimento; distribuído em grupos em realidade graças ao dinheiro e às relações pessoais e
familiares. Neste sentido, a nobreza é antes de tudo um ideal, um modo de vida, uma
aspiração”260. A sátira do Boca do Inferno de partida para Angola em 1695 vai ainda mais longe:

No Brasil a fidalguia no bom sangue nunca está, nem no bom procedimento, pois logo em que
pode estar? Consiste em muito dinheiro, e consiste em o guardar, cada um o guarde bem, para

256
AC, vol. II, pp. 28-30; cf. também pp. 72-4, 183-5, 266-7 e 349; vol. III, pp. 266-7, 311-4 e 353-5.
257
AHU, Bahia, Luiza da Fonseca, cx. 17, doc. 1951.
258
VAN YOUNG, Eric. “Social Networks: A Final Comment” in: BÖTTCHER, Nikolaus; HAUSBERGER,
Bernd & IBARRA, Antonio (coords.). Redes y negocios globales en el mundo ibérico, siglos XVI-XVIII.
Madri/Frankfurt: Iberoamericana/Vervuert, 2011, pp. 300-5.
259
“Liberdade e limitação”, p. 494.
260
SORIA MESA, Enrique. La nobleza en la España moderna: cambio y continuidad. Madri: Marcial Pons, 2007,
p. 319; cf. também pp. 38-9 e 213-5. É certo que a venalidade representava uma distinção fundamental em relação
ao mundo português, mas a caracterização não deixa de ser válida. A maior diferença dava-se no nível da
aristocracia, em Portugal fortemente fechada a arrivistas a partir de 1670, e até o início do século XIX inalcançável
aos plebeus, independentemente de sua riqueza. Veja-se MONTEIRO, Nuno Gonçalo. O crepúsculo dos grandes:
a casa e o património da aristocracia em Portugal (1750-1834). Lisboa: Casa da Moeda, 1998. Como a elite baiana
situava-se, porém, muito longe desse nível social, sem qualquer perspectiva de atingi-lo, tal restrição possuía pouco
significado para eles. Veja-se também a excelente síntese de RAMINELLI, Nobrezas do Novo Mundo, pp. 21-59
e 103-32, que demonstra a imensa importância da venalidade (e seu papel crucial na concessão de títulos na
América Espanhola). O autor enfatiza a importância da riqueza na ascensão social principalmente no século XVIII,
mas reconhece a íntima relação entre fortuna e nobreza durante toda a época moderna.
151

ter que gastar mal. Consiste em dar a maganos que o saibam lisonjear, dizendo que é descendente
da casa de Vila Real. Se guardar o seu dinheiro, onde quiser, casará: os sogros não querem
homens, querem caixas de guardar.
Enquanto as classificações econômicas se mantiveram estáveis ao longo do século, as
categorias de honra e prestígio sofreram uma metamorfose decisiva – mesmo porque, numa
sociedade gerada a partir da matriz do Antigo Regime Ibérico, era a linguagem de ordens a mais
importante, ao menos no campo simbólico. Não seria por possuir fábricas que a elite política se
arrogava a posição cimeira na capitania, mas sim por pertencerem aos “homens da governança”
e, depois, à nobreza. Como afirmou João Fragoso, “aquele grupo definia-se por relações de
mando (com a monarquia, a república e a escravaria), e não a partir da propriedade de engenhos
de açúcar”261 que, eram como dissemos, um meio – fundamental e estruturante, mas ainda assim
um meio – para atingir um fim: a dominação local. É para esse tema que vamos nos voltar no
próximo capítulo: a transformação no vocabulário social que é concomitante à consolidação do
poder das famílias tradicionais, construindo uma nobreza local.

261
FRAGOSO, “Nobreza Principal”, p. 213.
152

Capítulo IV

De homens da governança à primeira nobreza:


vocabulário social e transformações estamentais

Haverá duzentos anos


(nem tantos podem contar-se)
que éreis uma aldeia pobre,
e hoje sois rica cidade.
Então vos pisavam índios,
e vos habitavam cafres,
hoje chispais fidalguias,
arrojando personagens.
A essas personagens vamos,
sobre elas será o debate,
e queira Deus, que o vencer-vos
para envergonhar-vos baste.
Gregório de Matos e Guerra (1636-95), Senhora Dona Bahia.

Introdução
Em 1986, Evaldo Cabral de Mello iniciou um debate que haveria de ter grande
influência, ainda que com algum atraso. Através de um cuidadoso estudo das crônicas do
período holandês e do conflito entre a elite açucareira e os homens de negócio recifenses, o
historiador pernambucano examinou as transformações na estratificação social em Pernambuco
de meados do século XVII até o início do XVIII. Demonstrou, assim, como na “conflitiva
segunda metade de Seiscentos, a açucarocracia pernambucana passa a autodesignar-se pela
mesma expressão consagrada no Reino para denominar as oligarquias municipais”: nobreza da
terra. Esse grupo compunha-se basicamente das mais ricas famílias canavieiras que lutaram
contra os flamengos ou exerceram os ofícios camarários, e se consolidou primeiro a partir da
experiência de dominação neerlandesa e da mobilização para sua expulsão, e, posteriormente,
durante o conflito com os mascates1.

1
MELLO, Evaldo Cabral de. Rubro Veio: o imaginário da Restauração Pernambucana. São Paulo: Alameda, 2008
[1986], 3ª ed. rev., pp. 155-80, citação à p. 155.
153

Em obra posterior, o autor explicita as bases sociológicas de sua reflexão, de matriz


weberiana, afirmando que “a utilização simultânea dos conceitos de ordem e de classe permite
compreender melhor, por exemplo, a metamorfose da açucarocracia (situação de mercado) em
nobreza da terra (situação de statu)”. Assim, a elite pernambucana possuía características
constituintes de uma classe, “inclusive o seu lugar específico no processo de produção”, mas
sua identidade, e a imagem que dela tinham os outros estratos sociais, baseava-se numa
construção estamental: “a nobreza da terra, cuja mentalidade, transplante metropolitano
adaptado à sua experiência local, é tão indispensável conhecer, a fim de compreendê-la na sua
atuação histórica, como sua condição de classe”2.
O pioneirismo do historiador pernambucano esteve, dentre outros aspectos, em sua
preocupação de recuperar os conceitos da época e seus efeitos na sociedade e política luso-
brasileira, assim como o diálogo com a historiografia portuguesa. Posteriormente, tais
características se disseminaram entre os historiadores brasileiros, especialmente a partir dos
trabalhos do grupo Antigo Regime nos Trópicos3. João Fragoso estudou a formação
socioeconômica e as práticas políticas da “nobreza principal da terra” do Rio de Janeiro,
classificação retirada de um emblemático documento de 1732. Por não ser sua “intenção fazer
uma arqueologia de tal expressão”, o historiador carioca utilizou o termo indistintamente para
se referir à elite agrária fluminense entre finais do século XVI e meados do XVIII, construída
a partir da conquista da terra contra indígenas e franceses e da ocupação dos cargos no poder
local. Pouco influenciado por Cabral de Mello (a quem cita principalmente para demonstrar a
existência de uma elite equivalente em Pernambuco), João Fragoso não inclui o vocabulário da
estratificação social entre os objetos de seu amplo estudo. Mesmo assim, o autor demonstrou
que expressões como “mulher nobre das principais da terra” (1621), “das pessoas mais nobres
da dita cidade e governança dela” (1628), “os homens bons e pessoas nobres do governo da
República” (1646) eram utilizadas desde a primeira metade do século XVII4.
Já Fernanda Bicalho mantém um diálogo muito mais intenso com a obra do historiador
pernambucano, estendendo suas conclusões para o restante da América Portuguesa e utilizando-
o principalmente para enfatizar a negociação entre centro e periferia, demonstrando a grande
capacidade de comunicação entre os polos através das Câmaras. A autora defende, assim, a

2
Id. A fronda dos mazombos: nobres contra mascates, Pernambuco, 1666-1715. São Paulo: Editora 34, 2003
[1995], 2ª ed. rev., p. 18.
3
FRAGOSO, João; BICALHO, Fernanda & GOUVÊA, Fátima (orgs.). O Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica
imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.
4
FRAGOSO, João. À Espera das Frotas: micro-história tapuia e a nobreza principal da terra (Rio de Janeiro, c.
1600 – c. 1750). Tese de Titular. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2005, pp. 30 e 32.
154

existência de um pacto político entre a nobreza da terra (apesar de também não estar preocupada
com o vocabulário social) e a Coroa, condição necessária para a manutenção do Império, fundado
na ideia de conquista e reafirmado através do mecanismo de prestação de serviços5.
Entretanto, a utilização do conceito tem sofrido críticas, sendo a mais influente a de
Laura de Mello e Souza, que enfatizou o caráter distintivo da escravidão para afirmar que

o fato de membros das elites coloniais se autodenominarem ‘nobreza da terra’ não autoriza,
creio, os historiadores a tomarem o que é construção ideológica por conceito sociológico. Da
mesma forma, o fato de existirem aristocracias regionais – a menos equívoca, sendo, por certo,
a da velha região açucareira do Nordeste, nomeadamente em Pernambuco – não permite
extrapolar para a constatação de que a sociedade luso-americana dos séculos XVI, XVII e XVIII
conheceu, na nobreza da terra, uma formação social análoga à do Ancien Régime europeu6.
O debate levou João Fragoso e Fátima Gouvêa a afirmar que a “problemática da
existência de nobrezas da terra nesse novo universo ultramarino se destaca como uma das
questões mais candentes” nos atuais debates sobre o Brasil lusitano7. A Bahia, porém, tem
permanecido de fora desse debate8, apesar de sua importância econômica e política (capítulo I).
Meu objetivo é, portanto, contribuir para o debate através da análise do vocabulário da
estratificação social na Bahia do século XVII, pois esse discurso “possuía uma peculiar eficácia
estruturante, na medida em que lhe correspondiam privilégios”9. O seiscentos presta-se
especialmente à análise, pois, como vimos nos autores acima, foi período decisivo na formação das
nobrezas locais americanas, embora menos estudado do que a centúria seguinte. Esta tarefa não
pode, porém, ser empreendida através de extensas narrativas produzidas por atores locais, porque
tais obras são raras e muito espaçadas temporalmente. O que a Bahia tem, porém, são as Atas da
Câmara completas para o período posterior à expulsão dos neerlandeses, iniciando-se em agosto de
1625. Para o Senado soteropolitano, também foi possível identificar o maior corpus epistolar dentre

5
BICALHO, Fernanda. A cidade e o império: o Rio de Janeiro no século XVIII. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2003, pp. 301-95; id. “Conquista, Mercês e Poder Local: a nobreza da terra na América portuguesa e a
cultura política do Antigo Regime”. Almanack Braziliense, n. 2, Novembro 2005, pp. 21-34.
6
SOUZA, Laura de Mello e. O Sol e a Sombra: política e administração na América portuguesa do século XVIII.
São Paulo: Companhia das Letras, 2006, pp. 179-80, nota 56; ver também pp. 41-77. No mesmo sentido, cf.
VAINFAS, Ronaldo. “Prefácio” in: RAMINELLI, Ronald. Nobrezas do Novo Mundo. Rio de Janeiro: FGV
Editora, 2015, pp. 11-2.
7
FRAGOSO, João & GOUVÊA, Fátima. “Introdução: desenhando perspectivas e ampliando abordagens” in: id.
(orgs.). Na Trama das Redes: política e negócios no império português, séculos XVI-XVIII. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2010, p. 15.
8
Veja-se breves menções, enfocando o século XVIII, em SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Bahia, a corte da
América. São Paulo: Editora Nacional, 2010, pp. 254-9 e SCHWARTZ, Stuart. “Sexteto pernambucano: Evaldo
Cabral e a formação da consciência colonial e regional no Nordeste” in: SCHWARCZ, Lilia Moritiz (org.).
Leituras críticas sobre Evaldo Cabral de Mello. Belo Horizonte/São Paulo: EDUFMG & Fundação Perseu
Abramo, 2008, p. 25.
9
MONTEIRO, Nuno Gonçalo. “Poder Senhorial, Estatuto Nobiliárquico e Aristocracia” in: MATTOSO, José
(dir.) & HESPANHA, António (ed.). História de Portugal, vol. IV: O Antigo Regime (1620-1807). Lisboa:
Estampa, 1998 [1993], p. 297.
155

todas as municipalidades do Brasil seiscentista, somando as registradas nos livros do Senado


àquelas depositadas nos arquivos portugueses, num total de mais de 500 missivas. Através de uma
análise sistemática do vocabulário social nessa documentação, investigarei a “construção
ideológica” de uma nobreza brasílica e sua “identidade social”, capaz de influenciar seu
comportamento político e econômico10.
Meu estudo parte de dois princípios: em primeiro lugar, que a
ideologia é melhor compreendida como o vocabulário descritivo da existência cotidiana, através da
qual as pessoas compreendem a realidade em que vivem e que criam no dia a dia. É a linguagem da
consciência que se adequa à maneira particular como as pessoas lidam com seus semelhantes. É uma
interpretação mental das relações sociais através das quais eles constantemente criam e recriam sua
coletividade, em todas as variadas formas que essa coletividade pode assumir: família, clã, tribo,
nação, classe, partido, empresa, igreja, exército, clube e etc. Como tal, ideologias não são ilusões,
mas realidade, tão reais quanto as relações sociais que representam11.
Mais do que representar relações, a ideologia é parte constituinte delas e se transforma ao
longo do tempo, pois, como escreveu Marc Bloch, “afinal, uma hierarquia social é algum dia outra
coisa que um sistema de representações coletivas, móveis por sua própria natureza?”12.
Em segundo lugar, acredito que “a elaboração de uma nova terminologia, ou de um novo
uso da linguagem, não é algo casual ou carente de significado. A linguagem aporta significado; um
novo uso linguístico assinala um novo significado ou lhe confere um novo sentido”. No Antigo
Regime, o vocabulário social implicava também efeitos facilmente discerníveis nas relações sociais,
nomeadamente na seara dos privilégios estamentais juridicamente definidos, fosse pela Coroa ou
pelos costumes locais. Dessa maneira, esses também precisam ser investigados, já que se
constituem em uma das definições mais clássicas da nobreza.
Essa abordagem oferece, porém, obstáculos metodológicos, exigindo “a análise textual de
uma documentação homogênea de larga duração, contínua (...) e relevante; quer dizer, que fosse a
expressão corrente de um discurso político ordinário”. As opções não são muitas, mas, dentre as
poucas fontes apontadas por Irving Thompson aparecem justamente as atas das municipalidades,
os mais relevantes depósitos da memória administrativa local e das discussões políticas cotidianas13.

10
BÜSCHGES, Christian & SCHRÖTER, Bernd. “Las capas altas urbanas en la América hispânica colonial” in:
id. (eds.). Benméritos, Aristócratas y empresários: identidades y estructuras sociales de las capas altas urbanas en
América hispânica. Madri/Frankfurt: Iberoamericana/Vervuert, 1999, p. 308-14, que notam como, “na maioria das
maiores, mais importantes e antigas cidades [da América Espanhola], o estrato social mais elevado adquiriu no
decurso do tempo uma identidade nobiliárquica” (p. 312).
11
FIELDS, Barbara Jeanne. “Slavery, Race and Ideology in the United States of America”. New Left Review, n.
181, 1990, p. 110.
12
BLOCH, Marc. Les caractères originaux de l’Histoire rural française. Paris: Armand Collin, 1968 [1931], vol.
I, p. 89.
13
THOMPSON, Irving. “La Monarquía de España: La Invención de um Concepto” In: ÁLVAREZ, F. J.
Guillamón; RODRÍGUEZ, J. D. Muñoz; ARCE, D. Centenero (eds.). Entre Clío y Cassandra: Poder y Sociedad
en la Monarquía Hispánica durante la Edad Moderna. Murcia: Universidade de Murcia, 2005, citações às pp. 33 e
35; id. “Castilla, España y la Monarquía: La Comunidad Política, de la Patria Natural a la Patria Nacional” In:
156

Assim, procurarei demonstrar o gradual desenvolvimento de uma identidade nobiliárquica


coletiva pela elite baiana através da interação com a administração periférica e a Coroa. Esse
processo ganha fôlego no contexto dos esforços para sustentar a infantaria durante a luta contra os
neerlandeses, consolidando-se a partir da década de 1660, paralelamente ao aumento de importância
das principais famílias no governo da República examinado no capítulo anterior. O grupo
dominante local procurava assim ampliar sua autoridade e prestígio, afirmando-se como o
interlocutor fundamental da monarquia. Esse discurso implicava a obtenção de privilégios, que por
sua vez o reforçavam, coroando com sucesso a tentativa de ampliar o prestígio dos homens que
controlavam o poder local – mesmo frente ao “povo”, essa categoria amorfa frequentemente
enunciada na documentação camarária. Por último, pretendo demonstrar que fenômenos similares
estavam se desenvolvendo no resto da América Portuguesa (e, provavelmente, do império, mesmo
porque esse é um fenômeno atlântico mais que lusitano), constituindo-se na reprodução de um
processo de formação de nobrezas concelhias ocorridas décadas antes no Reino.

Antecedentes: principais e cidadãos?


O vocabulário da estratificação não surgiu ex nihilo em 1625, tendo sido resultado de
mutações no século que lhe precedeu. A limitação das fontes impede, porém, uma análise mais
sistemática, de modo que serei obrigado a realizar apenas alguns apontamentos a partir de dados
esparsos. Ao se referir aos moradores mais destacados da Bahia em finais de quinhentos,
Gabriel Soares de Sousa utiliza o vocábulo “principal”, como “homem principal” ou “principais
e mais ricos moradores”. Entretanto, que este termo não tinha um significado unívoco pode ser
percebido pelo fato de ele ser utilizado inclusive para nomear as lideranças indígenas14. Não há
nenhuma tentativa de caracterizar a elite em formação como nobreza, diferentemente de Pero
de Magalhães Gandavo, que em 1576 afirmou que “a principal [povoação] onde residem os do
governo da terra e mais da gente nobre, é a Cidade de Salvador”, relegando o termo principal
apenas para os indígenas15. É de se notar, porém, que Gandavo, embora possivelmente tenha

KAGAN, Richard L. & PARKER, Geoffrey. España, Europa y El Mundo Atlántico: Homenaje a John H. Elliott
(trad.) Madri: Marcial Pons, 2001 [1995], pp. 177-216. Para a importância do diálogo entre história social e história
dos conceitos, já que conceitos e ações interagem e são melhor compreendidos em conjunto, KOSELLECK,
Reinhardt. “História dos conceitos e história social” [1972] in: id. Futuro Passado: contribuição à semântica dos
tempos históricos. (trad.) Rio de Janeiro: Contraponto/Editora PUC-Rio, 2006 [1979], pp. 97-118 e id. “Social
History and Conceptual History” [1989] in: id. The practice of conceptual history: timing history, spacing
concepts. (trad.) Stanford: Stanford UP, 2002, pp. 20-37.
14
SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado Descritivo do Brasil em 1587. Organização de Fernanda Trindade Luciani.
São Paulo: Hedra, 2010, pp. 63, 65, 137 e 139; MELLO, Rubro Veio, p. 159.
15
GANDAVO, Pero de Magalhães. Tratado da Terra do Brasil & História da Província Santa Cruz a que
vulgarmente chamamos Brasil, 1576. Organização de Leonardo Dantas Silva. Recife: Massangana, 1995, p. 60.
157

passado alguns anos na Bahia, não havia feito nela sua vida como Soares de Sousa, e certamente
estava mais distante do discurso e da experiência da elite local em formação. Considerando o
caráter recente da fundação de Salvador (1549), pode-se duvidar se já em 1576 a expressão
“gente nobre” fosse utilizada de forma corrente.
Ao registrar a fala dos depoentes, a documentação da primeira visitação do Santo Ofício
permite uma aproximação um pouco mais precisa do vocabulário social na última década do
século XVI. Em 22 de agosto de 1591, João Serrão confessou ser cristão-novo, apesar de em
público afirmar sua limpeza de sangue, “por ele estar casado nesta cidade com uma mulher
cristã velha de gente nobre, limpa e abastada, e ele ser tido de todos por cristão velho e ser
cidadão que já foi almotacé desta cidade, havido em boa conta e de honrado”. Assim, já em
finais do século XVI falava-se em “gente nobre”, ainda que a expressão não pareça ser muito
usual, já que aparece apenas nesse depoimento. A categoria “cidadão”, também está presente,
surgindo em mais dois momentos para qualificar membros da elite local16. Em 1600, uma junta
beneditina resolve sobre a situação dos novos mosteiros no Estado do Brasil que “não se tome
e recebam para religiosos pessoa que tenha raça de mestiça e nem outros que não forem de
gente nobre”17, novamente indicando a relevância desse termo nas sociedades americanas em
formação. Pouco depois, em 1608, na carta ânua jesuítica da Província do Brasil, o padre Fernão
Cardim menciona “dois nobres cidadãos” e “um cidadão principal”18. Por último, já no início
de nosso recorte cronológico, Frei Vicente do Salvador em sua História do Brazil refere-se a
membros da elite baiana desde as primeiras décadas como “cidadãos”, raramente qualificando
alguém como nobre – embora o tenha feito com Gabriel Soares de Sousa.
O termo “cidadão”, significando aquele que participa da política municipal, parece ter
nesse momento um caráter individual, não representando ainda uma coletividade. Mesmo a
“gente nobre” que por vezes surge tem ainda um significado vago, referindo antes alguns
indivíduos seletos que uma coletividade minimamente definida. Uma postura da Câmara sem
data, mas produzida entre 1604-7, fala em “pessoas da governança”19 enquanto carta ao
governador-geral Gaspar de Sousa em 1614 utiliza o termo ambíguo “principais da terra”, mas
refere-se também à “gente tão nobre” de Salvador e aos “mais nobres e honrados mancebos

16
VAINFAS, Ronaldo (org.). Confissões da Bahia. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, confissão n. 20; cf.
também as confissões 32 e 44.
17
SOUZA, Jorge Victor de Araújo. Para Além do Claustro: uma história social da inserção beneditina na América
Portuguesa, c. 1580 – c. 1690. Tese de Doutorado. Niterói: PPGH/UFF, 2011, p. 142.
18
MAGALHÃES, Pablo Antônio Iglesias & PARAÍSO, Maria Hilda Baqueiro. “Cartas do Padre Fernão Cardim
(1608-1618)”. Clio, n. 27-2, 2009, p. 232.
19
AC, Vol. I, p. 101.
158

desta terra”20. A julgar pelas Denunciações e Confissões do Santo Ofício de 1618, os membros
da elite identificavam-se e eram identificados como senhores de engenho, quando muito como
juízes ordinários e vereadores – e, em alguns raros casos, fidalgos da Casa Real21.
Mesmo assim, os dados são fragmentários demais para possibilitar afirmações
peremptórias sobre a identidade da elite luso-americana, e é apenas a partir de 1625 que é
possível arriscar interpretações baseadas em uma documentação mais consistente. Entretanto,
o caminho a ser seguido pode ser apontado por outras regiões do Atlântico português, ocupadas
há mais tempo: nos Açores, por exemplo, a partir da relação com o donatário e, depois, com a
Coroa, consolidou-se na transição do século XV para o XVI uma nobre elite terratenente e
endogâmica, se reproduzindo então, a partir de finais do XVI, um discurso nobiliárquico a
legitimar a posição desse grupo, seguindo basicamente a mesma cronologia das câmaras reinóis,
afetadas por processos similares de oligarquização22.

Homens Bons, Homens da Governança


Já em 3 de agosto de 1625, na primeira reunião da Câmara após a expulsão dos
neerlandeses, os camaristas convocaram “os homens bons que andam na governança” para
eleger um juiz ordinário, em razão do falecimento do anterior23. Esta era, porém, apenas uma
das muitas formas utilizadas: “pessoas da governança”, “homens da governança”, “que podem
andar na governança”, “que saem e andam na governança”, “que costumam andar na
governança” e outras variações aparecem 33 vezes entre 1625 e 164024. Já em 1626, porém, há
referências aos “homens nobres, e da governança da cidade”, reaparecendo em 1631 como os
“homens nobres que costumam andar na governança da terra”, “pessoas nobres, e da
governança” ou, ainda, somente “homens nobres”; por vezes, a expressão utilizada é “pessoas
da governança, nobres e do povo” (povo este que, como veremos, aparece com bastante
frequência a acompanhar a elite). São nove referências do tipo nesses 15 anos25, muito similares

20
AHU, Bahia, Luiza da Fonseca, cx. 1, doc. 58.
21
“Livro das Denunciações que se fizerão na Visitação do Santo Offício á Cidade do Salvador da Bahia de Todos
os Santos do Estado do Brasil, no anno de 1618. Inquiridor e Visitador o Licenciado Marcos Teixeira”. ABN, vol.
49, pp. 75-198 e SIQUEIRA, Sônia (ed.). Confissões da Bahia (1618-1620). João Pessoa: Ideia, 2011, 2ª ed.
22
Veja-se os trabalhos de José Damião Rodrigues citados no capítulo anterior, além de “Sociedade e
Administração nos Açores (Séculos XV-XVIII): O caso de Santa Maria”. Arquipélago-História, 2ª Série, vol. I,
nº 2: Estudos Insulares, 1995, pp. 33-63.
23
AC, vol. I, p. 3.
24
AC, vol. I, pp. 31-2, 76-7, 83, 179-80, 182, 187-8, 211, 236-7, 267-8, 279-80, 281-3, 299, 306, 312, 332, 341,
346-7, 353-4, 358-9, 369-75, 401-2, 405-6 e 414-8. Cf. também uma carta e uma postura de 1626: AHU, Bahia,
Luiza da Fonseca, cx. 3, docs. 423-4.
25
AC, vol. I, pp. 37-8, 146-7, 188-90, 202-4, 219-20, 240-1 e 253-4.
159

à expressão consagrada para se referir às oligarquias municipais reinóis: “gente nobre da


governança”26. Em acréscimo, há ainda quatro referências aos “cidadãos” como coletividade27.

Gráfico I: Classificações coletivas da


elite baiana, 1625-40

9 Homens da Governança
Homens nobres
Cidadãos
33

Fontes: AC, vol. I; AHU, Bahia, LF, cx. 3, docs. 423-4.

Como é improvável que cada uma dessas variações representasse um grupo distinto, e
quase todas aparecem quando os camaristas decidem abrir o espaço decisório para outros que
não estavam ocupando cargos no Senado no momento (embora muitas vezes o tenham feito
antes ou depois), nesses 46 casos a referência é sempre ao mesmo grupo: a elite política, social
e econômica da capitania. A terminologia que o caracterizava era, porém, extremamente
variável, mas de modo geral o que predomina é a referência à atuação política na “governança”
municipal, presente em 44 das 46 referências. Ser nobre ainda é uma característica vacilante do
grupo, que raramente lhe é atribuída. Não há ainda uma fórmula estabelecida para denominar o
grupo, e o mesmo escrivão, e até os mesmos camaristas podiam referir-se a ele de forma distinta
em um curto intervalo de tempo, como em fevereiro de 1631, quando, em duas circunstâncias
rigorosamente iguais (a eleição de um novo oficial, em razão de o anterior haver se escusado
de servir), primeiro são convocados os “homens nobres que costumam andar na governança da
terra” e, duas semanas depois, “os homens bons que saem e andam na governança”28.

26
Cf. MAGALHÃES, Joaquim Romero. “Os nobres da governança das terras” in: MONTEIRO, Nuno; CARDIM,
Pedro & CUNHA, Mafalda Soares da (coords.). Optima Pars: elites ibero-americanas do Antigo Regime. Lisboa:
Imprensa de Ciências Sociais, 2005, pp. 65-71.
27
AC, vol. I, pp. 341-5, 436-7, 462-5 e 477-9.
28
AC, vol. I, pp. 136-7 e 179-80.
160

Os Três Estados da República


Com a chegada do Marquês de Montalvão, porém, surge um novo e interessante modelo
classificatório. Em portaria de 12 de setembro de 1640, o vice-rei ordena que “se ajuntem e
chamem as pessoas que lhes parecer de maior zelo, de mais experiência e de melhor juízo, assim
religiosos como de todos os estados”, para decidir sobre os meios para sustentar a infantaria,
sendo prontamente obedecido pela Câmara29. Apesar de Montalvão não explicitar quais estados
seriam estes, a referência aos religiosos deixa claro que a inspiração aqui é a divisão tripartida
medieval entre clero, nobreza e povo, de acordo com o modelo das Cortes portuguesas. Embora
nelas as cidades representassem “o povo”, assim como nas Cortes de Castela, seus procuradores
eram membros das oligarquias locais e eleitos por elas. A existência dessas reuniões tripartidas
no âmbito municipal era bem conhecida no Reino, a julgar pelo exemplo de uma reunião no
Porto em 1623 para deliberar sobre os meios de financiar um galeão da Índia, assim como no
império, tendo ocorrido diversas vezes em Goa – sendo o primeiro caso nesse mesmo ano, na
aclamação de D. Felipe III (Felipe IV de Castela)30.
Em todo o império, o principal motivo para essas reuniões foram as demandas fiscais
do centro político e seus representantes. Mesmo assim, é de se perceber que a divisão tripartida
ainda estava muito menos consolidada em Salvador que no Reino, pois D. João IV é aclamado
em Salvador pelo “clero, povo e mais gente” em 15 de fevereiro de 1641 31 - diferenciando-se,
portanto, de Goa. É possível que a soma da iniciativa de Montalvão de chamar os estados da
República e da Aclamação de D. João IV (na qual a elite baiana exerceu um papel fundamental,
inclusive na deposição do Marquês – capítulo V) tenha estimulado a definição da elite baiana
de acordo com os modelos reinóis, pois já em meados de 1641 os camaristas se referem aos
“nobres da cidade” e, logo depois, à “nobreza da cidade” – coincidentemente, a mesma
expressão será usada nesse ano para se referir aos fidalgos que conspiraram para elevar o Duque
de Bragança ao trono32. Tal termo é importante pois representa a primeira utilização de um
substantivo coletivo que explicita o quanto esse status não é individual, mas resultado de uma
“situação estamental” coletiva. Só assim podem começar a ser uma ordem, entendida como

o conjunto de pessoas que gozam, pela condição comum em que se encontram, da mesma
posição em relação aos direitos e deveres políticos. Pelo fato de usufruírem conjuntamente desta

29
AC, vol. I, pp. 451-6.
30
SILVA, Francisco Ribeiro da. O Porto e o seu termo (1580-1640): os homens, as instituições e o poder. Porto:
Arquivo Histórico/Câmara Municipal, 1988, vol. I, p. 234; PISSURLENCAR, Panduronga (ed.). Assentos do
Conselho de Estado. Bastorá/Goa: Tipografia Rangel, 1953, vol. I (1618-1633), pp. 152-7; cf. também 1955, vol.
III (1644-1658), pp. 434-47 e 455-61 e 1956, vol. IV (1659-1695), pp. 126, 194 e 351.
31
AC, vol. II, pp. 9-10.
32
AC, vol. II, pp. 28-30 e 35-9; MONTEIRO, Nuno Gonçalo. “Idade Moderna (séculos XV-XVIII)” in: RAMOS,
Rui (coord.). História de Portugal. Lisboa: Esfera dos Livros, 2010 [2009], 4ª ed., p. 295.
161

posição, elaboram e praticam formas de gestão que se configuram, justamente, como


comunitárias ou, ao menos, como representativas33.

Gráfico II: Classificações coletivas da


elite baiana, 1641-61

14
Homens da Governança
Nobres/Nobreza
32

Fontes: AC, vols. II e III (pp. 27-186).

Entretanto, a flexibilidade e indeterminação nominativa continuaram. Entre 1641 e


1651, por exemplo, de 46 casos, 32 fazem referência aos “homens da governança” e suas
variações ou aos cidadãos, em oposição a 14 casos em que se mencionam nobres ou nobreza34,
um aumento de mais de 50% em relação ao período anterior. Embora, como vimos, as
expressões designem o mesmo grupo, há uma especificidade: “nobres” e “nobreza” são termos
que aparecem quase exclusivamente em assuntos de maior importância, como o sustento da
infantaria e a necessidade de uma moeda provincial, sempre em diálogo com o Governador-
Geral (capítulo V). As outras designações, por sua vez, predominam em assuntos rotineiros,
como eleições e regulação cotidiana do mercado35. Tal divisão não é, porém, absoluta, podendo
ser apontadas exceções, especialmente na convocação de “homens da governança” para
assuntos de monta. A “nobreza”, porém, raramente aparece em temáticas de menor relevância.
A indeterminação conceitual não deve, portanto, ser resultado apenas dos caprichos
individuais dos camaristas. Antes, por ser nobreza um termo de maior significado simbólico

33
SCHIERA, Pierangelo. “Sociedade por categorias” in: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola &
PASQUINO, Gianfranco (eds.). Dicionário de Política (trad.). Brasília: Ed. UnB, 1998 [1983], p. 1214 (também
traduzido como “Sociedade de ‘estados’, de ‘ordens’ ou ‘corporativa’” em HESPANHA, António (org.). Poder e
Instituições na Europa do Antigo Regime. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1984).
34
AC, vol. II, pp. 10-16, 23-6, 28-30, 35-9, 45-6, 55-7, 70-4, 91-4, 101-2, 104-5, 112-4, 124-7, 162-3, 167-8, 175-
8, 183-5, 187-8, 214-5, 230-1, 237-8, 265-6, 281, 295-6, 298-9, 303, 315-6, 321-6, 338-40 e 349; vol. III, pp. 27-
30, 35-7, 61-3, 88-95, 98-100, 102-3, 127-8, 131-4, 140-3 e 150-4.
35
Cf., por exemplo, AC, vol. I, pp. 211, 236-7, 281-3 e 341; vol. II, pp. 214-5, 295-6, 298-9 e 310-1; vol. III, pp.
127-8, 131-4, 296-7, 306-7 e 311-4.
162

que “homens de governança”, ele era acionado nas questões políticas mais importantes para a
elite baiana. O quão consciente era esse procedimento é de difícil determinação, considerando
que os camaristas eram renovados anualmente. Mesmo no cargo de escrivão, posto que
representava a estabilidade nos procedimentos e memória administrativa do Senado, houve
algumas variações no período, pois nem sempre o proprietário do ofício (Rui de Carvalho
Pinheiro) estava presente para exercê-lo. Entretanto, dada a importância das atas na memória
administrativa camarária, é provável que a reunião da “nobreza” ou dos “nobres” com os
camaristas emprestasse maior legitimidade às decisões tomadas pela municipalidade.
Em finais de 1651 surge a mais clara enunciação até então de um modelo tripartido
aplicado à política baiana: o “Assento que se tomou em Câmara com os estados Clero, Nobreza
e Povo sobre as patacas correrem ou não haverem de correr”, quando se reuniram com os
camaristas “os três estados desta República, Clero, Nobreza e Povo”, em reação a uma carta
régia sobre a proibição das patacas do Peru e os problemas gerados pela falta de moeda. Pede-
se, assim, a anulação da provisão para o Governador-Geral, que concorda com os camaristas
(capítulo VII)36. O assento foi considerado relevante a ponto de merecer o envio de uma cópia
para o Conselho Ultramarino, de modo a abalizar a decisão da Coroa – procedimento
excepcional, poucas vezes repetido no século XVII37.
Sem a presença do clero, mas com a participação da “nobreza e povo”, é assinado o
acordo pela qual a Câmara institucionalizou em 14 de julho de 1652 a situação vigente há mais
de 20 anos, isto é, sua responsabilidade pelo sustento da infantaria38 (capítulo V). Tal ocasião
se provou de uma importância notável, pois passou a ser inevitavelmente citada nas dezenas de
cartas da municipalidade sobre as obrigações fiscais da Câmara ao longo de todo o restante do
século, de modo que praticamente de forma anual os camaristas se referiam a um documento
legitimado exatamente pela presença e participação da nobreza local (capítulo VII). É de se
notar que, nessa época, o estatuto de nobreza já era reconhecido pelo Governador-Geral, como
no caso de uma portaria do Conde de Castelo Melhor considerada relevante o suficiente para
ser registrada nas Atas logo antes do documento acima, no qual o alter-ego do monarca na
América afirma esperar “que a nobreza e povo desta cidade tenha entendido” a importância do
cuidado e correção nos dispêndios para sustento da infantaria39. Entretanto, mesmo após estes
documentos emblemáticos, a nobreza não passou a ser a denominação preferida da elite baiana.

36
AC, vol. III, pp. 181-6, 24 e 25 de novembro de 1651.
37
AHU, LF, cx. 12, docs. 1464-5.
38
AC, vol. III, pp. 212-20.
39
AC, vol. III, pp. 210-1.
163

Entre 1652 e 1661, de doze casos, em apenas dois há referência à nobreza – e em ambos os
momentos tratava-se de questões fiscais40.

A Ascensão da Nobreza?
Entre 1662 e 1700 de 121 referências ao grupo dominante constituído em torno do
Senado soteropolitano, “nobres” e, principalmente, “nobreza”, predominam, com 87 casos,
contra 34 variações de “homens da governança” e “cidadãos” – estes aparecendo
principalmente nos momentos de eleições, já que estas, por definição, são responsabilidade
daqueles ligados ao poder municipal e não exatamente de um grupo social, apesar da relativa
indistinção entre as duas categorias. Em menor escala, o termo cidadão também é onipresente
nas referências aos privilégios de cidadão da Cidade do Porto, já que estes foram concedidos
aos “cidadãos” de Salvador.

Gráfico III: Classificações coletivas da


elite baiana, 1662-1700

34
Homens da Governança
Nobreza
87

Fontes: AC, vols. IV-VI; CS, vols. I-IV; AHU, Bahia, LF, cx. 17, doc. 1950; cx. 19, doc. 2147;
cx. 20, doc. 2238; cx. 23, doc. 2709.

Na maioria das vezes, pontos de corte muito definidos são enganosos, já que escondem
continuidades e processos anteriores. Mesmo em 1697 ainda é possível encontrar documentos
como uma ata sobre o abastecimento de farinha da cidade, na qual são convocados “os homens
bons, populares, juiz do povo e mesteres” para decidir sobre o aumento do preço da farinha, e
a resolução é tomada pelos camaristas “com a nobreza e povo”41. Aqui, portanto, homens bons

40
AC, vol. III, pp. 223-6, 266-7, 271-3, 280-1, 296-7, 306-7, 320-2, 353-5, 397-400, 412-3 e vol. IV, pp. 91-3; CS,
vol. I, pp. 55-6.
41
AC, vol. VI, pp. 352-4.
164

e nobreza têm o mesmo valor semântico, sendo intercambiáveis – mesmo que o segundo termo
já tivesse se tornado há décadas o mais comum nos registros da municipalidade. Vê-se que
“uma classificação não é necessariamente uma clarificação”, pois esse processo de
autoidentificação constituía-se através de disputas políticas, sendo sensível, portanto, aos
conflitos cotidianos, produzindo sempre alguma dose de imprecisão conceitual, inerente às
construções práticas de noções que, exatamente por serem claras para os homens da época, não
precisavam de explicações, por vezes tornando-se obscuras para nós42.
A diferença, porém, entre os períodos de 1625-1661 e 1662-1700 parece clara, mesmo
que represente antes a consolidação e intensificação de um processo de longo prazo, como
vimos acima, e não uma brusca ruptura. Considerando que o termo “nobreza” aparece com mais
frequência quando se tratava da fiscalidade e de pedidos do Governador-Geral, o ponto a marcar
o início desta segunda fase foi a cobrança do elevado donativo para dote da Rainha da Grã-
Bretanha e Paz de Holanda. Para resolver a distribuição dos valores da contribuição, o “Senhor
Francisco Barreto do seu Conselho de Guerra, Governador e Capitão Geral do Estado do Brasil
ordenou se achassem o Senado da Câmara e nobreza e povo dela em minha presença”, em 24
de fevereiro de 1662 (capítulos VI e VII)43.
Assim, ao longo do século XVII, “nobreza” passou de um termo raramente utilizado
para conceito predominante na autorrepresentação da elite baiana, que chega a produzir um
longo “Protesto da Nobreza da Cidade da Bahia ao Senado da Câmara para a fazer presente a
sua Majestade”, demandando a implantação da moeda provincial, com apoio do clero e povo44.
A partir de 1663 (e a coincidência de datas não deve ser fortuita), a “nobreza e povo” passaram
mesmo a ter sua presença registrada nas cerimônias de pleito e homenagem prestadas aos
governadores que tomavam posse45.
Os fatores que parecem ter contribuído para esse fenômeno são múltiplos. A
consolidação da posição soteropolitana como “cabeça do Estado do Brasil” (capítulo I) e como
uma importante metrópole, em termos comerciais mas, principalmente, políticos, pode ter sido
um elemento essencial: afinal, era na “cidade da Bahia” que a elite era capaz de agir

42
ZUBER-KLAPISCH, Christiane. “La construction de l’identité sociale: les magnats dans la Florence de la fin
du Moyen Âge” in: LEPETIT, Bernard (ed.). Les formes de l’expérience: une autre histoire sociale. Paris: Albin
Michel, 2013 [1995], p. 207. Veja-se também BURKE, Peter. “The language of orders in early modern Europe”
in: BUSH, Michael L. (ed.). Social Orders & Social Classes in Europe since 1500: Studies in social stratification.
Harlow: Longman, 1992, pp. 1-12 e THOMPSON, Irving. “Hidalgo and pechero: the language of ‘estates’ and
‘classes’ in early-modern Castille” in: CORFIELD, Penelope (ed.). Language, History and Class. Oxford: Basil
Blackwell, 1991, pp. 53-78.
43
AC, vol. IV, pp. 136-40. Cf. também DH, vol. 4, pp. 97-100 e vol. 5, pp. 344-8.
44
CS, vol. IV, pp. 3-10; cf. também pp. 10-12 e 14, assim como vol. III, pp. 114-7.
45
DH, vol. 21, p. 112; vol. 23, p. 9 e vol. 24, p. 157.
165

coletivamente como nobreza, através do exercício efetivo do poder político e da expressão


simbólica e ritual de sua preeminência social através das festas e procissões – que constituíram
uma importante temática em sua correspondência com a Coroa (capítulo VII). Por outro lado,
a consolidação da açucarocracia da capitania – ainda que a elite continuasse a absorver
forasteiros – certamente contribuiu para o resultado, com o surgimento de importantes famílias
capazes de controlar em medida cada vez maior os cargos da República, situação especialmente
marcada exatamente a partir da década de 1660 (capítulo III). O tempo tem uma importância
fundamental nesse processo, como já intuíra Gregório de Matos na epígrafe deste capítulo, pois,
como bem disse José Damião Rodrigues, “a nobreza alimentava-se de sua própria duração”46.
No entanto, no âmbito do discurso e da prática política, os aspectos determinantes no
processo foram, em primeiro lugar, a pressão fiscal da Coroa, e, em seguida, o relacionamento
com os governadores-gerais e o monarca. A necessidade de deliberar sobre temas de grande
importância para a capitania, como uma carga tributária que girava em torno de 100.000
cruzados anuais em contribuições administradas pelo Senado – somando-se o donativo com o
sustento da infantaria (capítulos V-VII) – exigia que a Câmara consultasse os membros da elite
para obter legitimidade para suas ações, e o grupo, ao representar-se como uma nobreza,
presumivelmente ganhava força política, pois essa identidade representava “um elemento e
instrumento com o qual os estratos sociais superiores buscavam defender sua distinção e
exclusividade social”47.
Da mesma maneira, a adoção dos modelos institucionais calcados na experiência
portuguesa na negociação com a Coroa e, principalmente, com seus representantes na América
reforçava a posição da elite baiana como um agente político de grande relevância. Por mais que
a escravidão tenha transformado decisivamente os aspectos sociais e econômicos da
constituição das elites ultramarinas – senhoras, afinal, de muitos cativos, o que implicava
problemas e possibilidades inexistentes em Portugal, assim como dependentes do mercado
externo para sua própria reprodução social – o seu modelo político-ideológico era ibérico, e é
de acordo com essa visão de mundo que as elites brasílicas vão procurar se apresentar.
Assim, a identidade nobiliárquica local deriva da consolidação familiar dos homens
bons da capitania, mas também, e principalmente, das relações por eles estabelecidas com o
poder monárquico e sua administração periférica. A monarquia portuguesa precisava legitimar
e mesmo reforçar o poder das elites locais para exercer seu próprio domínio, enquanto estas

46
RODRIGUES, José Damião. São Miguel no Século XVIII: Casa, Elites e Poder. Ponta Delgada: Instituto
Cultural, 2003, vol. II, p. 604.
47
BÜSCHGES, Christian. “Introducción” in: id. & SCHRÖTER, Bernd. (eds.), Beneméritos, p. 13.
166

desenvolvem estratégias para manter e ampliar sua autoridade. Nesse sentido, já se escreveu
recentemente sobre a nobreza francesa, a mais codificada da Europa Ocidental, que “nobreza
não era nada senão uma negociação eterna, uma luta pelo pertencimento político ao invés de
um grupo social pré-definido e intangível. (...) [Assim,] ela se torna um instrumento, uma
prática política e social mais do que uma essência imemorial”. Desse modo, “nobre e nobreza
se provam como conceitos relacionais e situacionais, definidos por mecanismos de aceitação
tanto pelos pares quanto pelo meio social e político mais amplo”48.
Luciano Figueiredo viu no contexto de aumento da pressão fiscal após 1640 a adoção
do discurso político da Restauração no ultramar e o aumento da capacidade de intervenção
política dos colonos nas decisões imperiais graças a rebeliões e negociações. Surgiria, assim,
uma identidade colonial como resultado da exploração metropolitana49. Como Stuart Schwartz
apontou, porém, a elite que liderou a maior parte dessas revoltas era profundamente ligada a
Portugal50, mesmo que houvesse uma consciência da alteridade americana e se começasse,
mesmo que lentamente, a falar em “filhos do Brasil” nas últimas décadas do século (capítulo
VII). Creio, assim, que se a “conjuntura crítica” do pós-Restauração reforçou uma identidade,
foi principalmente uma identidade estamental das elites brasílicas como nobreza local, de
acordo com o modelo reinol.
É provável que a aceitação dos governadores dessas pretensões reforçasse essa
identidade, como nos casos supracitados de Castelo Melhor e Francisco Barreto, assim como,
posteriormente, de Alexandre de Sousa Freire. É de se notar que essas três portarias dos
governadores foram registradas nas Atas, o que configura um procedimento extraordinário.
Talvez esta tenha sido uma tentativa de preservar na memória administrativa um
reconhecimento do alter-ego do monarca da América como forma de legitimação do estatuto

48
MARRAUD, Mathieu. “Nobility as social and political dialogue: the Parisian example, 1650-1750” in:
ROMANIELLO, Matthew & LIPP, Charles (eds.). Contested spaces of nobility in early modern Europe. Farnham:
Ashgate, 2011, p. 213-4 (primeira citação); LEONHARD, Jörn & WIELAND, Christian. “Noble Identities from
the Sixteenth to the Twentieth Century” In: id. (eds.). What Makes the Nobility Noble? Göttingen: Vandenhoeck
& Ruprecht, 2011, pp. 25-6 (segunda). Cf. também DESCIMON, Robert. “Chercher de nouvelles voies pour
interpréter les phénomènes nobiliaires dans la France moderne: la noblesse ‘essence’ ou rapport social?”. Revue
de histoire moderne et contemporaine, vol. 46, 1999, pp. 5-21.
49
FIGUEIREDO, Luciano. “Além de súditos: notas sobre revoltas e identidade colonial na América Portuguesa”.
Tempo, n. 10, 2000, pp. 81-95 e id. “O império em apuros: notas para o estudo das alterações ultramarinas e das
práticas políticas no império colonial português, séculos XVII e XVIII” in: FURTADO, Júnia Ferreira (org.).
Diálogos Oceânicos: Minas Gerais e as novas abordagens para uma história do Império Ultramarino Português.
Belo Horizonte: UFMG, 2001, pp. 197-232.
50
SCHWARTZ, Stuart. “‘Gente da terra braziliense da nasção’: Pensando o Brasil. A construção de um povo” in:
MOTA, Carlos Guilherme (org.). Viagem Incompleta: a experiência brasileira (1500-2000). Vol. I: Formação –
Histórias. São Paulo: SENAC, 2000, pp. 103-25.
167

nobiliárquico local. Referências do tipo não estão presentes apenas na correspondência para a
Câmara, mas também para o monarca, como em missiva do citado Castelo Melhor51.
Até um letrado castelhano residente na Bahia menciona três vezes em sua obra a
“nobreza” da Bahia como um corpo coeso52. Poucos anos depois, outro letrado, este baiano e
bem mais conhecido, menciona diversas vezes a nobreza – e certamente estava familiarizado
com o discurso camarário, pois serviu como procurador da municipalidade soteropolitana em
Lisboa entre 1672 e 1674: o poeta Gregório de Matos53. O “Boca do Inferno” lamenta a morte
do coronel Afonso Barbosa de França (falecido em inícios de 1679), “mancebo generoso, da
principal nobreza da Bahia” e, noutro poema, menciona que, junto com o governador-geral e
os padres, “toda a nobreza” assistiu festas de cavalo “em louvor das onze mil virgens”.
Da mesma maneira, Sebastião da Rocha Pitta, ao narrar as manifestações em Salvador
após o falecimento de D. Pedro II, menciona o “numeroso concurso da Nobreza e Povo”. Já na
licença do livro o famoso conselheiro ultramarino Antônio Rodrigues da Costa enfatiza a
participação da “Nobreza da Cidade da Bahia” nas exéquias do monarca54. Publicava-se, assim,
uma prática longamente estabelecida, pois o registro da Câmara da cerimônia de quebra dos
escudos após as mortes de D. João IV e D. Afonso VI já enfatizava a participação coletiva da
nobreza na procissão funerária saída do Senado, assim como na aclamação de D. Pedro II, que
ocorreu “em presença de toda a nobreza”, tomando esta parte ativa no ritual, juntamente com
os oficiais da Câmara55.
Na obra mais conhecida de Rocha Pitta, a História da América Portuguesa, o termo é
onipresente, aparecendo dezenas de vezes. Há inclusive um esforço explícito de defender a
existência de nobrezas ultramarinas, originárias de “muitos sujeitos oriundos de nobilíssimas
casas de Portugal, e sendo ramos de generosos troncos transplantados a este clima, produziram

51
DH, vol. 86, p. 162; registrado nas AC, vol. IV, pp. 383-4. Cf. também DH, vol. 3, p. 55 e vol. 4, pp. 304-5;
AHU, cód. 14, fl. 244v.
52
SCHWARTZ, Stuart & PÉCORA, Alcir (org.). As Excelências do Governador: o panegírico fúnebre a d. Afonso
Furtado, de Juan Lopes Sierra (Bahia, 1676). São Paulo: Companhia das Letras, 2002, pp. 200, 229 e 255. Há que
se notar que o próprio Afonso Furtado da Mendonça incluíra membros da “nobreza” na junta que reuniu para
decidir sobre sua sucessão: DH, vol. 88, pp. 85 e 103 (capítulo VI).
53
Cf. AC, vol. V, pp. 70, 108 e 143; cf. também CS, vol. II, p. 17 e PERES, Fernando da Rocha. Gregório de
Mattos: o poeta devorador. Rio de Janeiro: Manati, 2004, p. 74. Seu irmão Pedro de Matos de Vasconcelos foi
eleito vereador pouco depois, 1676.
54
PITA, Sebastião da Rocha. Breve Compêndio e Narração do Fúnebre Espetáculo que na insigne Cidade da
Bahia, cabeça da América Portuguesa, se viu na morte de El-Rey D. Pedro II, de gloriosa memória, Senhor Nosso.
Lisboa: Officina de Valentim da Costa Deslandes, 1709, licença e p. 15. O tio deste autor, o Desembargador João
da Rocha Pita, utiliza diversas vezes o coletivo “nobreza” ao explicar as tensões políticas em torno do assassinato
do alcaide-mor Francisco Teles de Meneses em 1683 (capítulo VI), falando inclusive, caso único em toda
documentação consultada, em “nobreza da terra”: DH, vol. 88, p. 264-7.
55
AHMS, PR, vol. II, fls. 44-45v e vol. III, fls. 24-25 e 25v-26 (citação).
168

frutos de continuada descendência, que não degeneram das suas origens, antes as acreditam”56.
Exatamente em razão dessa vaga ficção genealógica lhe foi possível conceber tal nobreza como
eterna, não dotada de um início, estando já plenamente constituída quando da morte do
governador-geral Lourenço da Veiga, em 1581, e aparecendo em vários momentos de grande
significação política da história baiana: a aclamação de D. João IV, a divisão do donativo de
dote e paz, a fundação do convento das clarissas e a sucessão dos governadores-gerais Afonso
Furtado de Mendonça e Matias da Cunha.
Também alguns dos principais mecanismos de legitimação do status das elites
portuguesas chegaram a afirmar a existência de uma nobreza baiana, mesmo que
tentativamente: as inquirições das Ordens Militares e do Santo Ofício. Na habilitação para a
Ordem de Cristo de João Soares Brandão, por exemplo, a Mesa de Consciência e Ordens afirma
que o postulante “é da melhor nobreza que há na Bahia de Todos os Santos”57. Se esse é um
caso em que há referência a uma coletividade, todas as habilitações da elite baiana contêm em
si elementos de um discurso genealógico a enfatizar a nobreza individual e familiar, pois era
este o interesse dos inquiridores. Na própria Bahia de meados do século, os cargos no governo
na República eram referidos em meados do século como “ofícios nobres” e os irmãos de maior
condição da Misericórdia como “do número dos nobres”, como se vê no testemunho do velho
fidalgo Diogo de Aragão Pereira (capítulo III) na leitura de bacharel de Gregório de Matos,
repetida por todas as outras testemunhas58.
Um curioso documento talvez evidencie a disseminação dessa forma de classificação
no discurso corrente: em denúncia à Inquisição de 23 de dezembro de 1667, o chantre da Sé da
Bahia, Domingos Vieira de Lima (que havia se destacado como vigário-geral na “Guerra da
Liberdade Divina”, em Pernambuco) acusou o licenciado José Pinto de Freitas, tesoureiro-mor
da Sé, de cometer o pecado nefando, “do qual há fama pública e constante entre a plebe,
clérigos, religiosos e nobreza”, tanto que, dentre as testemunhas que aponta, como o ex-
governador-geral Francisco Barreto, arrola, genericamente, “toda a nobreza”59.

56
PITA, Sebastião da Rocha. História da América Portugueza, desde o anno de mil e quinhentos do seu
descobrimento, até o de mil e setecentos e vinte e quatro. Lisboa: Oficina de Joseph Antônio da Silva, 1730, pp.
132-3.
57
IAN/TT, HOC, Letra J, maço 93, n. 62. Cf. também Desembargo do Paço, Leitura de Bacharéis, Letra C, Maço
2, n. 55 (Cristóvão de Burgos) e TSO, Conselho Geral, Habilitações, Sebastião, Maço 4, n. 97 (Sebastião de Brito
de Castro).
58
FONSECA, Luiza da. “Bacharéis brasileiros: elementos biográficos” in: Anais do IV Congresso de História
Nacional. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1951, vol. IX, pp. 143-63.
59
IAN/TT, TSO, IL, Cadernos do Nefando, n. 12, fls. 107-107v. Anos antes, em 1652, o capitão Bernardo de
Aguirre denunciou que o assassinato de seu filho havia permanecido impune, “com notável escândalo da nobreza
daquela cidade, e seu povo”: AHU, Bahia, LF, cx. 12, doc. 1458.
169

A própria Coroa reconhecia a existência de uma nobreza baiana, ao permitir, por


exemplo, a fundação de um convento de freiras em Salvador a pedido dos “oficiais da Câmara,
Nobreza e Povo”, numa provisão de 7 de fevereiro de 166560. Em primeiro de julho do ano
seguinte, em resposta a uma representação do Procurador da Bahia em Lisboa, o monarca
decide que “a eleição dos ministros da junta [para decidir a cobrança do donativo] se faça cada
três anos pela nobreza, povo e eclesiástico”61 (capítulo VI).
Emblemática nesse sentido é uma resolução de D. Pedro II sobre a tentativa de dois
homens de negócio se isentarem de servir como procuradores da Câmara, utilizando como
justificativa o fato de serem cavaleiros da Ordem de Cristo. Em 23 de março de 1686, o monarca
decidiu que “na Bahia não se faça eleição de nenhum dos cavaleiros das três Ordens para ofício
de procurador, visto que para estes cargos se não costuma eleger as pessoas da primeira nobreza,
que servem de juízes e vereadores, se não outras de diferente qualidade”62.
Ao utilizar uma expressão até então inédita no vocabulário da estratificação social,
“primeira nobreza”, ausente tanto da petição da Câmara quanto dos pareceres do Conselho
Ultramarino, dos letrados e do governador-geral sobre o caso, a Coroa não só reconhece
explicitamente a existência de uma nobreza baiana como distingue um escalão superior nela,
uma “primeira nobreza”, termo que passara a ser cada vez mais utilizado em Portugal para se
referir à aristocracia titulada e residente na Corte lisboeta justamente sob D. Pedro. O rei
transmitira, então, para o ultramar um vocabulário pensado para fortalecer a clivagem entre
seus mais nobres aliados e as elites provinciais63, honrando seus vassalos baianos pelos muitos
serviços prestados e alargando o fosso que os separava dos outros grupos sociais da capitania.
Por caminhos muito diferentes, a nobreza baiana e a aristocracia brigantina consolidaram-se
mais ou menos ao mesmo tempo, muito influenciadas pelas guerras contra adversários europeus
(respectivamente, neerlandeses e castelhanos), nas quais sua contribuição foi decisiva.
A partir da segunda metade do século XVIII a expressão chegou a ser mais comumente
utilizada para referir o grupo mais proeminente dentre as elites locais no império luso64, mas

60
AHMS, PR, vol. 2, 98-102.
61
AHU, cód. 16, fl. 201v. Cf. também AHMS, PR, vol. II, fls. 90v-93.
62
Carta para o governador em DH, vol. 68, p. 49-52 e, para a Câmara, em AHMS, PR, vol. III, fl. 36v. Para os
desdobramentos posteriores, cf. AHMS, PR, vol. III, fls. 63-64. Para uma análise um pouco mais detalhada deste
conflito, cf. KRAUSE, Thiago. Em Busca da Honra: a remuneração dos serviços da guerra holandesa e os hábitos
das ordens militares (Bahia e Pernambuco, 1641-1683). São Paulo: Annablume, 2012, pp. 243-6.
63
MONTEIRO, Nuno Gonçalo. O Crepúsculo dos Grandes: Casa e Patrimônio da Aristocracia em Portugal (1750-
1834). Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1998.
64
COUTO, Domingos Loreto. Desagravos do Brasil e Glórias de Pernambuco (1757) in: Anais da Biblioteca
Nacional, 1904, vols. 24 (p. 265) e 25 (p. 24); RODRIGUES, José Damião. “As elites locais nos Açores em finais
do Antigo Regime”. Arquipélago: História, 2ª série, IX, 2005, p. 367. “Principal nobreza” pode ter sido um termo
170

cabe notar a precocidade de seu emprego para definir a nobreza soteropolitana. É certo que o
estatuto da elite baiana era muito inferior aos Grandes lusitanos, aquele pequeno grupo
dominante de fundamental papel político e social em Portugal; mesmo assim, o paralelismo
implícito na existência de uma “primeira nobreza” na capital do Estado do Brasil não deve ter
passado despercebido, e o Senado soteropolitano se apropriará dele nos anos seguintes 65. Tal
nobreza estava ligada ao poder municipal na mente de todos, localidade e centro político, como
pode ser inferido de uma carta régia em que a Coroa responde a uma carta do “mui nobre Senado
desta cidade do Salvador, Bahia de Todos os Santos” sobre a adoção de São Francisco Xavier
como padroeiro66. Assim, em finais do século XVII, ninguém colocava em dúvida a existência
de um grupo superior estamentalmente constituído na Bahia.

Os Privilégios da Nobreza Baiana


Esse reconhecimento gerava efeitos práticos. De acordo com H. M. Scott e C. Storrs,
“nos séculos XVII e XVIII a ‘nobreza’ era um grupo específico dentro da sociedade distinguido
primariamente pelos privilégios sociais e legais que gozava e por sua posição como
terratenentes importantes e frequentemente dominantes”67. Já estabelecemos no capítulo
anterior a íntima ligação entre propriedade açucareira e domínio local. Uma análise sobre seus
privilégios, porém, é fundamental para entender o que significa a constituição de uma nobreza
na cabeça da América Portuguesa.
Ainda segundo Scott e Storrs, “os privilégios nobiliárquicos eram muitos e variados.
Uma categoria importante garantia à nobreza o direito de participar em e, na prática, dominar a
vida política”68. Como se evidencia das páginas acima, a constituição estamental da elite baiana
passa diretamente pelo exercício do poder através da Câmara. Torna-se possível, assim, para
este grupo governar a República e atuar como interlocutor único dos representantes da
administração periférica e do próprio monarca. Assim, o crescente controle dos cargos políticos
locais que havia possibilitado a constituição da nobreza é reforçado pelo avanço do discurso
estamental, num círculo vicioso em que a consolidação familiar fortalece a concepção da elite

mais comum na segunda metade do século XVII, pois o Padre Antônio Vieira o usa para se referir às elites de Vila
Viçosa e Elvas numa longa notícia sobre os procedimentos da Inquisição, por volta de 1674.
65
CS, vol. IV, pp. 32-3: carta para Sua Majestade de 30 de julho de 1694.
66
AHMS, PR, vol. III, fls. 49v-50.
67
SCOTT, H. M. & STORRS, Christopher. “The Consolidation of Noble Power in Europe, c. 1600-1800” in:
SCOTT, H. M. (ed.). The European Nobilities in the Seventeenth and Eighteenth-Centuries. Vol. 1: Western and
Southwestern Europe. Nova York: Palgrave Macmillan, 2007 [1995], 2ª ed. rev. e amp., p. 9. Cf. também
DEWALD, Jonathan. The European Nobility, 1400-1800. Cambridge: Cambridge UP, 1996, pp. 28-33 e BUSH,
Michael. The European Nobility: vol. 1 – Noble Privilege. Manchester: Manchester UP, 1983.
68
SCOTT & STORRS, “The Consolidation”, p. 9; cf. também BUSH, Noble Privilege, pp. 79-120.
171

como uma nobreza, e essa imagem reforça o status, poder e coesão do grupo dominante. Em
acréscimo, tal domínio estendia-se para todos os postos de poder e prestígio em Salvador, como
os principais cargos da Misericórdia, de oficialato na ordenança e nas Ordens Terceiras do
Carmo e São Francisco, especialmente na segunda metade do século – ainda que possibilidades
de inclusão de forasteiros tenham sempre existido (capítulo III).
O comando político da localidade não era, porém, o único privilégio gozado
coletivamente pela nobreza. Já em 1630 a elite baiana demandou, ainda que sem sucesso, os
privilégios dos infanções medievais como remuneração por seus serviços no sustento da
infantaria (capítulo V)69. Após a Restauração Portuguesa, porém, os camaristas voltaram à
carga em 1643 e pediram os privilégios de cidadãos da cidade do Porto, enfatizando ser
Salvador “a cabeça de todo o Estado do Brasil” e merecedora de honras pelos muitos serviços
prestados – maiores, certamente, do que a Câmara de São Luís, que acabara de receber esta
mercê logo após a vitória contra os holandeses70. Receberam o enfático apoio do recém-fundado
Conselho Ultramarino em razão das “muitas vexações e moléstias que de anos a esta parte tem
padecido” e das “outras muitas contribuições que tem feito e fazem em todo o tempo que tem
ido e vão armadas de Vossa Majestade, além de contribuições, donativos e imposições
voluntárias para sustento e paga do presídio que Vossa Majestade tem naquela cidade”. O
Procurador da Coroa reforçou esse parecer, sugerindo ainda que a Bahia recebesse o direito de
representação nas Cortes, aproveitando o ensejo do pedido goês neste sentido, em que ambas
as cidades fossem situadas no primeiro banco das municipalidades mais prestigiosas do Reino71.
Assim, em 22 de março de 1646, são concedidos os privilégios da cidade do Porto aos cidadãos
de Salvador72, que poucos anos depois recebem ainda outra mercê: a possibilidade de enviarem
um procurador às Cortes portuguesas (capítulo VII). Salvador incluía-se, assim, definitivamente
entre as cidades e vilas notáveis do mundo português nesse momento de legitimação da nova
dinastia e defesa do Reino e Império, e continuou a enfatizar nas cartas ao centro político seus
serviços à Coroa, como o pagamento de donativos e o sustento da infantaria, pelo menos até o
final do século. O monarca, por sua vez, reconhecia em diversas missivas – ainda que talvez de

69
CCLP, vol. 4, p. 249.
70
Sobre o convoluto processo de concessão, recepção e defesa desses privilégios nessa municipalidade, veja-se
CORRÊA, Helidacy. “Para aumento da conquista e bom governo dos moradores”: o papel da Câmara de São
Luís na conquista, defesa e organização do território do Maranhão (1615-1668). Tese de Doutorado. Niterói:
PPGH/UFF, 2011, pp. 246-56.
71
AHU, Bahia, LF, cx. 10, docs. 1176-1177.
72
“Traslado dos privilégios que Sua Majestade concedeu aos cidadãos da Bahia de Todos os Santos” in: RIHGB,
tomo 8, 1867, 2ª ed., pp. 512-26.
172

maneira um tanto quanto padronizada – que os baianos agiriam sempre corretamente, “como
espero de tão bons e leais vassalos”73 (capítulo VII).
Mais importante, o avanço desses privilégios de representação acompanhava o avanço
da própria estruturação da elite: afinal, uma cidade notável não poderia ter como grupo
dominante senão uma nobreza, pois, dentro da visão de mundo hierarquizante do Antigo
Regime, um título – como era o de “cidade”, gozado por poucas municipalidades no mundo
lusitano – exigia a nobreza de seu grupo dominante, enquanto a nobilitação de sua elite
justificava e mesmo demandava a concessão de privilégios à sua urbe74, especialmente se outras
menos importantes já os haviam obtido – daí a referência da municipalidade baiana ao caso de
São Luís. Assim, se a Restauração serviu como um momento fundacional da aristocracia
portuguesa por mais de um século, processo similar ocorre em Pernambuco, como demonstrou
Cabral de Mello, e na Bahia, como se percebe não só na obtenção dos privilégios, mas também
na gradual consolidação do discurso nobiliárquico traçado nas páginas anteriores.
Estes privilégios incluíam elementos característicos da condição nobiliárquica, como
proteção judicial na maioria das circunstâncias contra prisão, tortura ou punições infamantes,
além da possibilidade de portar armas. “Em suma, gozariam de todas as liberdades que
distinguiam os membros da nobreza em relação ao povo miúdo”75. Estas prerrogativas foram
ardorosamente defendidas pela Câmara em 1651, 1656, 1672 e 1697, que frequentemente pedia
respeito a seus privilégios, contra dúvidas dos desembargadores da Relação, do governador-
geral e do próprio monarca, tendo sido geralmente bem-sucedida nestes esforços76.
Provavelmente tal se dava menos por sua eficácia prática do que pela importância que recebiam
na estruturação da nobreza local, já que os privilégios do Porto representavam um
reconhecimento régio dos serviços baianos e o único documento que os enobrecia como
coletividade77 – apesar de que, como vimos no capítulo anterior, considerável parcela da elite
da capitania também conseguira obter honrarias régias, principalmente graças a sua participação
na guerra contra os neerlandeses.

73
Cf., para citar apenas um exemplo, AHMS, PR, vol. III, fl. 84v.
74
Para o século seguinte, veja-se a bela análise de FONSECA, Cláudia Damasceno. Arraiais e vilas d’el rei:
espaço e poder nas Minas setecentistas (trad.). Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2011 [2003], pp. 334-72.
75
BICALHO, Fernanda. “O que significava ser cidadão nos tempos coloniais” in: ABREU, Martha & SOIHET,
Rachel (orgs.). Ensino de História: conceitos, temáticas e metodologia. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2003, p.
145. Cf. também BUSH, Noble Privilege, pp. 66-71.
76
AHMS, PR, vol. II, fls. 31v-32; CS, vol. I, pp. 55-6; “Traslado”, p. 524; AHU, cód. 17, fls. 68v-69 e CS, vol.
IV, pp. 76-7.
77
Para uma interessante análise que destaca a relevância política e social dos privilégios do Porto para a nobreza
fluminense, cf. RAMINELLI, Nobrezas do Novo Mundo, pp. 96-102.
173

Outro elemento característico dos estamentos superiores era o direito de ostentar sua
posição em cerimônias públicas, como festas e procissões – privilégio também defendido
diversas vezes pelo Senado. Considerando a importância da representação visual na afirmação
das hierarquias sociais na época moderna, não é um grande passo inferir que essas cerimônias
ajudavam a consolidar a nobreza baiana como grupo, já que através delas a elite podia se
apresentar e ser publicamente reconhecida como tal78.
Individuais ou coletivos, tais privilégios eram muito inferiores aos gozados pelas
aristocracias europeias. Entretanto, as nobrezas provinciais reinóis gozavam tão somente das
mesmas prerrogativas, inclusive no Porto, a segunda Cidade mais importante de Portugal79.
Assim, como já notou Fernanda Bicalho, “a concessão de honras e privilégios às Câmaras
Municipais, fosse no Reino, fosse especificamente no ultramar, correspondeu a um processo de
nobilitação de seus componentes”80, aliado à realização de serviços: é de se notar que a década
de 1640 também viu vários pedidos pelos privilégios do Porto entre as Câmaras portuguesas81.
Nesse ponto é difícil traçar distinções precisas entre as nobrezas provinciais portuguesas na
Europa e na América, especialmente a partir do momento em que estas começaram a se
consolidar nas principais regiões do Novo Mundo na segunda metade do seiscentos. Aqui como
lá “reservava-se o exercício de poderes que interessavam ao rei a camadas sociais assinaláveis,
dotadas de sentido de honra e vivendo à lei da nobreza, que se satisfazia com a aproximação a
privilégios dos estratos superiores da aristocracia – nomeadamente penais”82.
Talvez os vassalos das conquistas pudessem mesmo contar com algumas vantagens
frente às elites locais portuguesas, já que desde o início do século a açucarocracia obteve o
privilégio de que seus engenhos seriam executados pelos credores apenas em seus rendimentos,
mercê renovada na década de 1630 e tornada quase permanente a partir de 1663. Efetivamente,
um dos benefícios da propriedade vinculada (a proteção contra os credores) era estendida a
todos os senhores de moendas durante suas vidas, ainda que quase nenhum deles tivesse
instituído morgados (capítulos III e VII).

78
CS, vol. I, pp. 18-21; AHU, Bahia, LF, cx. 17, doc. 1945; AHMS, PR, vol. 2, fls. 118v-120. Cf. também
SCHWARTZ, Stuart. “The King’s Processions: Municipal and Royal Authority and the Hierarchies of Power in
Colonial Salvador” in: ROCKEY, Liam Matthew (org.). Portuguese Colonial Cities in the Early Modern World.
Aldershot: Ashgate, 2008, pp. 177-204 e MENDES, Ediana. Festas e procissões reais na Bahia colonial: séculos
XVII e XVIII. Dissertação de mestrado. Salvador: PPGH/UFBA, 2011.
79
Cf. SILVA, O Porto, vol. I, pp. 286-306.
80
BICALHO, A Cidade e o Império, p. 324.
81
CARDIM, Pedro. Cortes e Cultura Política no Portugal do Antigo Regime. Lisboa: Cosmos, 1998, pp. 147-8.
82
MAGALHÃES, “Os nobres”, p. 69.
174

Nobreza e Povo
Se, como vimos, a nobreza baiana construiu-se de forma relacional, essa relação não se
deu apenas com a Coroa e sua administração periférica. Deu-se também, sem dúvida, com a
população mais ampla. Por mais que o poder político fosse dominado por um grupo pequeno,
ele era exercido em nome de um “povo” abstrato que se fazia presente em muitas reuniões da
municipalidade. Por vezes, especialmente nas primeiras décadas abarcadas por este estudo,
“povo” significa a sociedade política como um todo, incluindo tanto a elite quanto alguns
grupos subalternos considerados merecedores de participação, mesmo que minoritária, no
governo da República83. Na maioria dos momentos, porém, “povo” representa apenas esses
setores abaixo da elite, geralmente associados aos ofícios mecânicos, mas não identificados
explicitamente, num amálgama amorfo e instável84. Variação análoga pode ser encontrada nas
cartas dos governadores-gerais, predominando, porém, o sentido socialmente mais inclusivo,
com raras exceções, nas quais o povo é um grupo claramente diferenciado dos senhores de
engenho, homens de negócio e da nobreza, mas amorfo85. Uma definição mais precisa seria de
grande valia, mas é dificultada pelas limitações documentais, inclusive devido à fragilidade das
corporações de artesãos em Salvador, que, diferentemente da Europa, quase não nos legaram
fontes86 – além da quase invisibilidade do “juiz do povo” nos documentos produzidos pela
Câmara soteropolitana seiscentista. Em certa medida, é a própria indeterminação do conceito
que lhe dava força retórica, pois permitia àqueles que falavam em nome do “povo” assumir a
autoridade de porta-vozes de toda a sociedade87 – papel que cabia é claro, à elite, que reforçava
assim sua própria legitimidade.
Um dos únicos momentos em que os camaristas definem quem seria o povo, mesmo que
de forma pejorativa, é uma carta enviada em 28 de janeiro de 1668, criticando as despesas
injustificadas dos vereadores do ano anterior, legitimadas através do recurso ao “povo”:

83
O mesmo se dava no Rio de Janeiro e em Pernambuco: cf. ABREU, Maurício. Geografia Histórica do Rio de
Janeiro (1502-1700). Rio de Janeiro: Andrea Jakobsson, 2011, vol. I, p. 388 e MELLO, Rubro Veio, p. 160.
84
Para a polissemia, cf. BLUTEAU, Raphael. Vocabulário Portuguez & Latino, vol. 6. Lisboa: Officina de Pascoal
da Silva, Impressor de Sua Majestade, vol. 6, 1720, p. 661, e um breve panorama em WEHLING, Arno. “O
conceito jurídico de povo no antigo regime. O caso luso-brasileiro”. RIHGB, ano 164, n. 421, 2003, pp. 39-50.
Sobre sua imprecisão, cf. CORTEGUERA, Luis. “Gent Ordinària: una categoria útil d’analisi?”. Pedralbes, n. 23,
2003, pp. 165-72 e AMELANG, James S. “Social hierarchies: the lower classes” in: RUGGIERO, Guido (ed.). A
Companion to the Worlds of the Renaissance. Malden: Blackwell, 2007, pp. 243-58.
85
Cf. os volumes referentes ao século XVII dos DH; para as poucas exceções, cf., por exemplo, DH, vol. 3, pp.
320-1 e 355-6; vol. 4, pp. 97-100.
86
Para um estudo da atuação política do “povo” (significando, no caso, os artesãos), cf. CORTEGUERA, Luis.
For the Common Good: popular politics in Barcelona, 1580-1640. Ithaca: Cornell UP, 2002.
87
Como notou CHAMBOULEYRON, Rafael. “‘Duplicados clamores’: queixas e rebeliões na Amazônia colonial
(século XVII). Projeto História, n. 33, 2006, pp. 172-3.
175

chamaram alguma gente de pouca condição deste povo, criados dos moradores e oficiais
mecânicos, e para fazerem numero de 20 pessoas que nele assinaram fizeram também assinar
pelos serventes desta câmara e havendo muita nobreza nesta cidade, muitos que foram juízes e
vereadores nela não se acha nele assinado mais que Antônio de Souza de Andrade88.
Como afirmou Stuart Schwartz, “a vasta maioria da população era considerada por essa
elite e pelo regime colonial como desmerecedora do seu status enquanto povo”89.
Consequentemente, as fontes produzidas pelas elites luso-americanas pouco, ou nada, se
preocupavam com a identidade do “povo”. É certo, porém, que escravos, criados, mulheres e
crianças, como subordinados aos patres familias, não tinham lugar no corpo político. Tanto os
juízes do povo quanto os mesteres e o escrivão eram artesãos brancos e relativamente bem-
sucedidos, e era esse grupo que eles representavam90. Eram donos de propriedades e escravos,
casados e com filhos – “pequenos patriarcas”, em resumo91. Como afirmou causticamente
Christopher Hill, em artigo que deixa claro quão grandes precisavam ser as transformações
políticas para forçar uma discussão sobre o que era o povo no século XVII, “aparentemente,
pobre não é povo porque não tem propriedades”92.
Assim, é de se supor que o apoio do “povo” fosse importante para a legitimação da
açucarocracia como “nobreza” responsável pelo governo político da República. Em verdade,
esses artesãos ricos ou remediados compartilhavam mesmo um importante espaço de
sociabilidade com a elite: a Santa Casa de Misericórdia, cuja Mesa Diretora era composta por
seis membros de “menor condição” (artesãos e mercadores de loja) e seis nobres, liderados por
um provedor (sempre, como vimos, um dos homens mais destacados da capitania). Embora o
controle da irmandade pertencesse claramente aos homens bons, é provável que o contato
pessoal com esses elementos “populares” estimulasse a nobreza a procurar legitimar-se frente

88
AHU, Bahia, LF, cx. 20, doc. 2238.
89
SCHWARTZ, “‘Gente da terra braziliense de nasção’”, p. 116.
90
SCHWARTZ, Stuart. “De la Plébe au ‘Peuple’ dans le Brésil du XVIIIe siècle”. Caravelle, n. 84, 2005, pp. 132-
4; FLORY, Rae. Bahian Society in the Mid-Colonial Period: the sugar planters, tobacco growers, merchants, and
artisans of Salvador and the Recôncavo, 1680-1725. Tese de Doutorado. Austin: Departamento de História da
Universidade do Texas, 1978, pp. 281-343; FLEXOR, Maria Helena Ochi. “Ofícios, manufaturas e comércio” in:
SXMRECSÁNYI, Tamás (org.). História Econômica do Período Colonial. São Paulo: Hucitec/EDUSP/Imprensa
Oficial, 2002 [1996], 2ª ed., pp. 173-94. O mesmo pode ser dito para o Porto: SILVA, O Porto, vol. I, pp. 234 e
309-15, e provavelmente para as principais cidades portuguesas. Entretanto, o limitado número de artesãos, a
fragilidade da organização corporativa e a onipresença da escravidão provavelmente prejudicaram a capacidade
de intervenção política dos artesãos na Bahia – e ainda mais em outras regiões, como o Rio de Janeiro: ABREU,
Geografia Histórica, vol. I, pp. 389-94.
91
Expressão cunhada por Carlos Lima e bem utilizada por Cacilda Machado em A trama das vontades: negros,
pardos e brancos na produção da hierarquia social do Brasil escravista. Rio de Janeiro: Apicuri, 2008, p. 70.
92
HILL, Christopher. “Os pobres e o Povo na Inglaterra do século XVII” in: KRANTZ, Frederick (org.). A Outra
História: ideologia e protesto popular nos séculos XVII a XIX (trad.). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990 [1985],
p. 36.
176

ao “povo”, reforçando sua autoridade93. É possível até que relações de compadrio unissem os
dois polos, pois nas paróquias do Recôncavo diversos membros da elite apadrinhavam crianças
de condição social inferior, ampliando sua influência e legitimidade social – ainda que esta
questão exija pesquisas mais amplas (ainda que em outras regiões, devido à escassez de fontes
na Bahia seiscentista), cruzando os registros paroquiais com a documentação notarial para
averiguar a condição social de todos os componentes da relação e, preferencialmente, a
reiteração (ou não) desses laços ao longo da vida dos agentes94.
De qualquer maneira, desde os primeiros registros é possível encontrar referências a
decisões tomadas conjuntamente pelos “homens da governança e povo”95. Como dá a entender
uma ata da eleição de um procurador em 1644 da qual participam “a nobreza do povo e mais
misteres dele” e de um juiz e um vereador em 1666, para a qual foi chamada “a nobreza deste
povo”, ou ainda o debate sobre a necessidade de se enviar procurador a Lisboa, quando
novamente se convocou “a nobreza deste povo”, a elite se define a partir de sua posição superior
dentro do povo96. Como a nobreza baiana fazia, na prática, parte de um estrato superior do
Terceiro Estado (assim como todas as elites locais portuguesas)97, apesar da divisão tripartida
dos três Estados da República que se repetiu algumas vezes ao longo do século XVII, tal
situação fazia sentido, pois a construção dessa nobreza era profundamente local e costumeira,
mesmo que seja muito difícil enxergar os mecanismos de criação da legitimidade frente ao
“povo”, isto é, este grupo, relativamente pequeno, de artesãos urbanos. No mínimo, a anuência
do “povo” era essencial para assegurar algum grau de cumprimento das posturas camarárias e
para coletar efetivamente as contribuições excepcionais diretas frequentemente lançadas pela
Câmara. Daí a recorrência da expressão “nobreza e povo”, que aparece 56 vezes na
documentação da Câmara entre 1642 e 1700, geralmente na discussão de temas politicamente
relevantes, como a fiscalidade98. Os artesãos de Salvador são, portanto, o terceiro – e mais
obscuro – polo relacional na formação da nobreza baiana.

93
O significado político das misericórdias é tema que merece ser melhor estudado, seguindo-se o modelo de
CAVALLO, Sandra. Charity and Power in Early Modern Italy: Cambridge: Cambridge UP, 1995, pp. 98-151.
Veja-se, de qualquer maneira, RUSSELL-WOOD, A. J. R. Fidalgos e filantropos: a Santa Casa de Misericórdia
da Bahia, 1550-1755 (trad.). Brasília: Ed. UnB, 1981 [1968], pp. 96-100 e 118-9 para alguns dados sobre a
participação de artesãos.
94
Apesar de ainda não haver nenhum estudo nesse sentido, vale cf. BRÜGGER, Silvia. Minas patriarcal: família
e sociedade (São João del Rei – séculos XVIII e XIX). São Paulo: Annablume, 2007, pp. 315-26.
95
AC, vol. I, pp. 76-7.
96
AC, vol. II, pp. 237-8 e vol. IV, p. 246 e 407-9; para passagens similares, cf. vol. I, pp. 187-8; vol. II, 265-6 e
321-6; vol. III, 88-95, 98-100 e 127-8; vol. IV, pp. 352-3, 356 e 402-3; e AHU, Bahia, Luiza da Fonseca, cx. 3,
doc. 423.
97
MAGALHÃES, Joaquim Romero. O Algarve Econômico, 1600-1773. Lisboa: Estampa, 1993 [1988], p. 348.
98
Tal expressão, assim omo outras análogas, aparece com frequência em Pernambuco no contexto do conflito
entre mazombos e mascates: MELLO, Rubro Veio, p. 163.
177

Comparações
A escassez de estudos sobre a autorrepresentação das elites locais no mundo lusitano
seiscentista – não só no Brasil, como no Reino e no restante do ultramar – dificulta a análise,
pois apenas através da comparação entre os discursos políticos locais é possível perceber os
diferentes ritmos de formação e as particularidades de cada região – que podem ser indicativas
do caráter das nobrezas locais. Já certos aspectos que poderiam ser compreendidos como
especificidades, a exemplo da relação entre “nobreza e povo” ou a inconsistência terminológica,
são, em verdade, características presentes em todo o império português.
Como João Fragoso e Evaldo Cabral de Mello demonstraram, expressões como
“pessoas nobres” estão presentes no Rio de Janeiro e em Pernambuco desde o segundo quartel
do seiscentos, ainda que seja difícil estimar sua importância relativa dentro do discurso político
das elites da América Portuguesa, devido à ausência de registros completos das Câmaras locais.
Em São Paulo, por outro lado, tal estudo seria possível. Infelizmente, desconheço pesquisas
nesse sentido. Mesmo assim, já em 1660 há uma carta a Salvador Correia de Sá da Câmara de
São Paulo na qual seus oficiais, junto “com a nobreza dos moradores dela”, apoiam o
governador no contexto da rebelião que então ocorria no Rio de Janeiro. Nesta capitania, em
representação no mesmo ano, os camaristas procuravam legitimar sua autoridade ao afirmarem
que eram “eleitos e feitos pela nobreza, procuradores e feitores por este povo”99. Da mesma
maneira, Agostinho Barbalho Bezerra justifica sua posição como governador provisório em
1660 por ter sido eleito pela “nobreza e povo”100. Em geral, a tensão política no período fez
com que o termo fosse repetidamente empregado nos embates políticos da capitania,
provavelmente ajudando a normatizá-lo nos anos seguintes e indicando seu caráter relacional,
surgindo sempre em momentos e questões de grande apelo político101. Provavelmente a
consolidação das principais famílias no controle do poder local demonstrada por Fragoso
possibilitou o desenvolvimento desse discurso, emprestando-lhe verossimilhança.
Até na pequena Taubaté “os homens da nobreza e povo” assinaram uma escritura em
1674, se comprometendo a contribuir para a construção de um convento102. Continuando em

99
CAETANO, Antônio Filipe Pereira. Entre Drogas e Cachaça: a política colonial e as tensões na América
Portuguesa (Capitania do Rio de Janeiro e o Estado do Maranhão e Grão Pará, 1640-1710). Tese de Doutorado.
Recife: PPGH/UFPE, 2008, pp. 168 e 203; cf. também p. 301, no mesmo sentido.
100
DH, vol. 5, p. 120.
101
Veja-se os documentos citados em FIGUEIREDO, Luciano. Revoltas, Fiscalidade e Identidade Colonial na
América Portuguesa: Rio de Janeiro, Bahia e Minas Gerais, 1640-1761. Tese de Doutorado. São Paulo:
PPGHS/USP, 1996, pp. 47, 59, 76 e 474, dentre outros.
102
MENDONÇA, Regina Kátia Santos de. Escravidão Indígena no Vale do Paraíba: exploração e conquista dos
sertões da capitania de Nossa Senhora da Conceição de Itanhaém, século XVII. Dissertação de Mestrado. São
Paulo: PPGHE/USP, 2009, p. 70.
178

São Paulo, Ilana Blaj analisa a formação de uma “nobreza colonial” em finais do século, sendo
até mesmo reconhecida como tal pelos representantes régios, a exemplo do vice-rei Marquês
de Angeja, que em 1713 escreveu à Câmara paulistana esperar “que Vossas Mercês e a mais
nobreza e povos dessas capitanias continuem com o mesmo zelo e atividade em fazer novos
descobrimentos não só de ouro”, ou o governador D. Brás Baltazar da Silveira, que em 1717
elogia os “grandes serviços que a nobreza de São Paulo tem feito a Sua Majestade”103.
Atravessando a América Portuguesa e chegando a seu extremo norte, no Maranhão, em
1675 as atas da Câmara de São Luís referem “os homens bons da nobreza que costumam andar
na governança da República desta cidade”. O conceito de nobreza teria uma importância
especialmente significativa na Revolta de Beckman, quando foi instituída uma junta dos Três
Estados: clero, nobreza e povo104. Mesmo o governador Francisco de Sá Menezes não deixou
de caracterizar dessa maneira a elite local: “para esses excessos do contrato e dos padres
concorreu uniformemente toda a nobreza (tal ou qual) e todo o povo”105. Devido ao caráter mais
recente e incipiente da ocupação do território, provavelmente sua aparição foi mais tardia, mas
novamente assume importância em um momento de conflito intenso.
Os governadores-gerais também não tiveram dificuldades em reconhecer a existência
de nobrezas locais, especialmente ao discutir o donativo. Tal substantivo havia se tornado
corrente, passando a aparecer nas patentes emitidas para capitães-mores106. Mais relevante,
porém, talvez sejam duas manifestações régias. Na primeira, D. Afonso VI (ou seu valido
Castelo Melhor, escrivão da puridade) decide em 1º de julho de 1665, sobre a forma de
recolhimento do donativo em resposta a missivas da Câmara da Bahia e dos governadores do
Rio de Janeiro e Pernambuco: “para a cobrança se faça em cada capitania digo se convoque o
eclesiástico, nobreza e povo e assentem a forma que se executará por junta de dois homens de
cada Estado”107. O monarca ordena, assim, a adoção de um modelo similar às Cortes

103
BLAJ, Ilana. A trama das tensões: o processo de mercantilização de São Paulo colonial (1681-1721). São Paulo:
Humanitas/FFLCH/USP/FAPESP, 2002, pp. 315 e 303.
104
SANTOS, Arlindyane Anjos. “Gente Nobre da Governança”: (re)invenção da nobreza no Maranhão
Seiscentista (1675-1695). Monografia de Graduação. São Luís: Departamento de História, UEMA, 2009, p. 55;
também p. 79, citando ata de 1691; CHAMBOULEYRON, “‘Duplicados clamores’”, p. 165.
105
CAETANO, Entre Drogas e Cachaça, p. 276; cf. também p. 208, no mesmo sentido.
106
Espírito Santo em 1655, 1656, 1661, 1668, 1671, 1679, 1687, 1688 e 1699; Rio de São Francisco em 1658; Rio
de Janeiro e São Vicente em 1662; Paraíba em 1664, 1668 e 1673; Porto Seguro e Alagoas em 1670; Sergipe em
1671 e 1678; Ilhéus em 1672, 1677 e 1678; Itamaracá em 1678 e 1686; Rio Grande em 1679 e 1681; Pernambuco
em 1685 e Santos em 1699. Respectivamente DH, vol. 6, p. 83, vol. 11, pp. 78-81, vol. 18, p. 444, vol. 19, p. 98,
vol. 24, p. 257, vol. 29, pp. 151 e 326, vol. 33, p. 297 e vol. 58, p. 326; vol. 19, p. 429; vol. 5, p. 149-154 e 406;
vol. 9, pp. 208-9 e 297 e vol. 12, pp. 278-80; vol. 12, pp. 98, 114 e 142; vol. 24, p. 232 e vol. 26, p. 463; vol. 12,
p. 222, vol. 13, p. 22 e 26 e vol. 26, p. 361; vol. 26, p. 433 e vol. 28, p. 453; vol. 27, pp. 97 e 446; vol. 10, pp. 213-
4; vol. 58, p. 365.
107
AHU, cód. 16, f. 147. Cf. também DH, vol. 4, pp. 146-8 e vol. 5, pp. 429-33 e 447-9.
179

portuguesas, seguindo a sugestão do procurador-geral da Bahia na Corte, João de Góis de


Araújo (capítulo VI). Quase 30 anos depois dessa resolução, D. Pedro II, irmão e sucessor de
D. Afonso, decide criar a Casa da Moeda no Brasil, em razão das representações do
“Governador do Estado do Brasil, e os mais das capitanias, as Câmaras, os Cabidos e a Nobreza
de suas cidades, o grande dano que padeciam com a falta de moeda” 108 (capítulo VII). Assim,
dois monarcas reconheciam a existência de nobrezas na América Portuguesa, e o próprio D.
Pedro II demandará que o Convento do Desterro em Salvador aceite as “filhas da nobreza do
Rio de Janeiro, Pernambuco e Angolas”109.
Entretanto, os caminhos para chegar no mesmo destino foram muito distintos. Em
Pernambuco, os elementos centrais parecem ter sido a experiência da dominação neerlandesa e
o protagonismo da elite local em sua expulsão, seguida pelo conflito contra os mascates
recifenceses – para além das tensões dentro da açucarocracia em razão das disputas sobre a
posse dos engenhos abandonados em razão da conquista do território pela Companhia das
Índias Ocidentais. A relação com a Coroa e sua administração periférica influenciou nesse
processo110, mas provavelmente menos do que na Bahia. Em ambas, porém, havia sido
necessário certo grau de consolidação familiar das principais parentelas, capaz de transmitir ao
grupo o ar de antiguidade essencial para qualquer nobreza que se preze. A elite fluminense
aparentemente conhecera uma estabilidade familiar maior, de acordo com os dados de João
Fragoso citados no capítulo precedente, o que pode ter impulsionado a transição para uma
autoidentificação como nobreza, mas o principal fator para essa transformação pode ter sido o
intermitente conflito com a família Sá, ao mesmo tempo potentados locais e representantes da
monarquia. O principal elemento em comum parece sido a consolidação das principais famílias
de cada capitania, mas as motivações políticas que incentivaram a adoção de um discurso
nobiliárquico variaram grandemente de região para região – afirmativa ainda mais válida se
incluirmos na análise Maranhão, Angola e São Paulo, sobre os quais pouco se sabe.

Conclusão
No Brasil, como em Portugal, “as fronteiras locais da nobreza camarária dependiam,
assim, das tradições de cada terra e das relações de força no terreno, de arranjos locais, em

108
CCLP, vol. 10, pp. 345-6.
109
CS, vol. IV, 53-5, carta de 16 de setembro de 1695.
110
MELLO, Evaldo Cabral de. Olinda Restaurada: guerra e açúcar no Nordeste, 1630-1654. Rio de Janeiro: 34,
2007 [1975], 3ª ed. rev., pp. 317-73 e Rubro Veio, pp. 89-124 e 155-80.
180

suma, e não do estatuto geral delimitado pela legislação”111. Os grupos dominantes da América
Portuguesa seguiram trajetória quase idêntica a das elites locais portuguesas na viragem do XVI
para o XVII, as quais produziram discursos em que “nobre, adjectivo, vai-se tornando um
substantivo”, efetivamente identificando-se como uma nobreza local durante seu processo de
oligarquização112 – a qual, repita-se, nunca foi completa, e ainda menos na Bahia do que em
outras regiões. O meio século de atraso explica-se pelo caráter recentíssimo das sociedades do
Novo Mundo, mas os serviços, a riqueza e a importância política dessas novas elites mais do
que compensaram seus defeitos, permitindo a construção acelerada de um estamento
nobiliárquico menos de dois séculos após o início da ocupação do território.
É certo que o favorecimento à expansão da baixa nobreza pela monarquia contribuiu
para esse processo, pois facilitava tanto a concessão de honrarias nobilitantes quanto a
legitimidade de ultrapassar o limiar nobiliárquico através de um estilo de vida nobre, com
escravos, criados, armas, cavalos e grandes casas113, vivenciado por praticamente toda a
açucarocracia, apesar de suas muitas dívidas. Entretanto, a monarquia, “longe de ser a demiurga
das hierarquias sociais coloniais, (...) é sobretudo a via fundamental de confirmação delas”114:
ao conceder os privilégios do Porto aos cidadãos baianos ou repetidamente chamá-los de
nobreza, a Coroa não estava fazendo mais que legitimar um desenvolvimento social
protagonizado pelas elites locais. A assimilação ao modelo das nobrezas provinciais
portuguesas era inevitável, pois era esse o horizonte perseguido pelas baianas e aceito pela
coroa, que só podia incorporar as elites brasílicas dentro dos modelos tradicionais vigentes no
Reino. Reforçava-se, assim, a própria coesão da monarquia, com elites teoricamente análogas
em todo o império – por mais que suas bases socioeconômicas e antiguidade fossem distintas.
A existência de nobrezas em boa parte da América Portuguesa na segunda metade do
século XVII parece-me, portanto, indiscutível. Mesmo que fossem resultado de um esforço de
“autopromoção” das elites locais115, seu discurso nobiliárquico não só justificou seu domínio e
ampliou seu peso na relação com outros poderes como também possibilitou que fossem

111
MONTEIRO, Nuno Gonçalo. “Os Concelhos e as Comunidades” in: MATTOSO, José (dir.) & HESPANHA,
António Manuel (org.). História de Portugal, vol. IV: O Antigo Regime (1620-1807). Lisboa: Estampa, 1998
[1993], p. 291.
112
COELHO, Maria Helena da Cruz & MAGALHÃES, Joaquim Romero. O poder concelhio das origens às cortes
constituintes. Coimbra: CEFA, 2008 [1986], 2ª ed. rev., p. 57.
113
MONTEIRO, “Poder senhorial”, p. 298.
114
SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá de. “Os homens de negócio e a coroa na construção das hierarquias sociais: o
Rio de Janeiro na primeira metade do século XVIII” in: FRAGOSO & GOUVÊA (orgs.). Na trama das redes, p.
462.
115
RAMINELLI, Nobrezas do Novo Mundo, pp. 85 e 119-20; PÉREZ LEON, Jorge. Hidalgos Indianos ante la
Real Chancillería de Valladolid. El caso peruano en época de los Borbones. Tese de Doutorado. Valladolid:
Universidade de Valladolid, 2012, pp. 118-25.
181

reconhecidas como nobrezas pela sociedade e Coroa. A própria nobreza, como ordem social, é
uma construção ideológica, já que está baseada na honra e no prestígio, atributos que estão no
olho do observador. Era o reconhecimento público da condição de nobre que permitia a um
indivíduo – ou grupo – fazer jus aos privilégios definidos pelo direito e pelo costume. O caráter
ideológico da formação da nobreza não implica, assim, sua irrelevância, pois gerava efeitos
reais de grande significado, especialmente o controle político da localidade por parte de uma
reduzida elite socialmente distinta que, através dessa estratégia discursiva, reforçava seu poder,
autoridade e legitimidade. Ao mesmo tempo, a própria coesão do grupo era reafirmada, pois
“nobreza” servia como uma identidade coletiva capaz de mascarar tanto as constantes mudanças
internas no grupo – em razão do afluxo de imigrantes – quanto o passado vil de muitos de seus
membros. A nobreza baiana só pôde surgir como coletividade, porém, quando suas principais
famílias já haviam se consolidado, pois a linhagem perfazia um elemento central de qualquer
sistema nobiliárquico116. Assim, o fortalecimento das mais importantes parentelas
açucarocráticas baianas em meados do século XVII (capítulo III) ofereceu a base material sobre
o qual se erigiu a construção ideológica da elite baiana como uma nobreza.
Processos paralelos se desenvolveram em outros impérios, e o inglês foi notavelmente
similar, devido ao caráter menos formalizado e codificado da gentry em comparação à noblesse
francesa e aos esforços das elites locais de se afirmarem como nobrezas provinciais117. Essas
recriações nobiliárquicas no Novo Mundo são facilmente compreensíveis, pois todas as
monarquias necessitavam de elites locais como suas aliadas e, principalmente, não concebiam
uma sociedade que não fosse liderada por uma nobreza – mesmo que recente.
Cabe enfatizar, porém, os perigos de se utilizar o termo “nobreza da terra” como um
belo sinônimo para as elites brasílicas. Sem dúvida, houve nobres em todas as regiões da
América Portuguesa, algo natural quando consideramos a porosidade da nobreza lusitana.
Creio, porém, que a utilização do termo “nobreza” deve ser precedida de uma série de cuidados,
pois seu emprego como substantivo coletivo pressupõe aspectos de coesão e unidade que não
devem ser tomados como pressupostos, mas como processos que resultam de uma evolução
histórica a ser traçada em cada região, atentando especialmente para os aspectos sociais e
políticos que moldaram a evolução do vocabulário social. Fazer o contrário é ignorar as
percepções coevas fundamentais para a construção das hierarquias sociais no mundo moderno.

116
SORIA MESA, Enrique. La nobleza en la España moderna: cambio y continuidad. Madri: Marcial Pons, 2007,
pp. 115-212.
117
RUGGIU, François-Joseph. “Extraction, wealth and industry: the ideas of noblesse and of gentility in the
English and French Atlantics (17th-18th centuries)”. History of European Ideas, vol. 34, 2008, pp. 444-55.
182

Capítulo V

Guerra e Poder Local:


elites e governadores em defesa da Bahia (1625-1654)

O governador-geral do dito Estado [do Brasil] Diogo Botelho por espaço de seis anos pouco
mais ou menos o governou com muita quietação, favorecendo muito e honrando os
moradores dele vassalos de Vossa Majestade e mostrando-se sempre mui zeloso da justiça,
procurando por todas as vias possíveis que os ministros a fizessem.
Oficiais da Câmara de Salvador, 20 de dezembro de 16071.
Introdução
Como já se disse, “a disciplina histórica é, acima de tudo, a disciplina do contexto: só é
possível atribuir significado a cada fato através do conjunto de outros significados”. Ao mesmo
tempo, porém, esse contexto deve ser móvel – ou seja, 1625 não pode ser igual a 1700, como espero
ter demonstrado nos capítulos precedentes – e, mais do que isso, integrado às temáticas em análise,
não servindo apenas como um panorama sem uma função específica na estrutura argumentativa2.
Nos quatro capítulos anteriores procurou-se construir os diversos contextos em que se desenrolava
a experiência das elites baianas, em análises antes temáticas que cronológicas, embora sempre se
tenha procurado enfatizar as transformações ocorridas ao longo do século.
Entretanto, é muito difícil apreender o funcionamento da política sem uma análise
minimamente detalhada de suas idas e vindas cotidianas. Na América Portuguesa, o varejo do jogo
político dava-se na interação entre governadores e câmaras – mesmo que suas posições relativas
certamente tenham se alterado entre os séculos XVI e XVIII. É a partir dessa perspectiva, portanto,
que os dois próximos capítulos buscarão expor os elementos constitutivos dessa relação, através da
narrativa da interação entre a elite baiana e o governador-geral, da invasão neerlandesa na capitania
à descoberta do ouro no centro-sul. Se isso é essencial para compreender a experiência política dos
homens bons, o mesmo pode ser dito para o entendimento da administração periférica da Coroa,
porque é a relação com a Câmara o elemento central que permite aos governadores-gerais exercer
sua principal função: a defesa da América Portuguesa. Um importante elemento da atividade
camarária, portanto, será ignorado nessa tese: a regulação econômica cotidiana. A opção se dá por
falta de fontes que permitam o tratamento adequado e pela existência de estudos que já analisaram

1
BPA, 51-V-48, fls. 50-53.
2
THOMPSON, E. P. “Anthropology and the discipline of the historical context”. Midland History, vol. I, n. 3,
1972, p. 45 (citação); MARQUESE, Rafael. “As desventuras de um conceito: capitalismo histórico e a
historiografia sobre a escravidão brasileira”. Revista de História (USP), n. 169, 2013, pp. 232 e 237.
183

seu funcionamento, no qual a administração periférica da Coroa pouco intervinha3. Cabe notar,
porém, que, como se mencionou no capítulo I, até aqui a relação com os governadores-gerais era
essencial, pois uma questão absolutamente central para a sobrevivência da cidade e seu Recôncavo
– o fornecimento de farinha de mandioca, o principal alimento da população – fazia-se sob os
auspícios dos governadores, pois entrava na jurisdição das Câmaras menores de Ilhéus4.
Assim, nesse capítulo procurarei demonstrar que o ideal de governo se baseava no consenso,
pressupondo relações amistosas entre governador e elites. Entretanto, a necessidade de financiar a
defesa da capitania gerou tensões, pois essa carga teve de ser suportada pelos vassalos, em razão da
penúria da Fazenda Real. De modo geral, as inovações tributárias responderam a demandas dos
governadores-gerais, mas como se tratava de um serviço prestado ao monarca de forma
teoricamente voluntária, o controle da arrecadação ficou na mão da Câmara. Em consequência,
estabeleceu-se um intenso relacionamento entre os representantes do Rei e da República, por vezes
conflituoso, até violento, graças ao poder potencialmente exercido através do controle da infantaria
pelos governadores-gerais. Em geral, porém, a evolução foi no sentido do diálogo, pois este
produzia melhores resultados, garantindo tanto a defesa da comunidade quanto o fortalecimento
social e político da elite baiana. Tais desenvolvimentos são melhor apreciados ao considerarmos a
segunda metade do século, tema do capítulo VI, no qual a consolidação da elite baiana como uma
nobreza liderada por algumas famílias de prol abriu oportunidades e gerou problemas para os
governadores, provavelmente conseguindo condicionar mais sua ação do que no momento de
implantação e consolidação da força militar na capitania.

Antes dos Flamengos


As fontes que tratam da relação entre as elites locais e o governador-geral são escassas para
o período anterior à invasão neerlandesa de 1624, pois foi destruída quase toda a documentação
guardada em Salvador. Como era de se esperar, porém, conflitos surgiram desde os primeiros anos5.
Mais interessante, porém, é destacar alguns elementos que ajudam a compreender o
desenvolvimento posterior da história política da capitania.
Já na época da crise dinástica a Câmara possuía suficiente estatura política para participar
de uma junta governativa provisória junto com o bispo e o ouvidor-geral, após a morte do

3
SOUSA, Avanete Pereira. A Bahia no século XVIII: poder político local e atividades econômicas. São Paulo:
Alameda, 2013, pp. 130-271.
4
PUNTONI, Pedro. “O Conchavo da Farinha: especialização do sistema econômico e o governo-geral na Bahia
do século XVII” in: id. O Estado do Brasil: poder e política na Bahia colonial, 1548-1700. São Paulo: Alameda,
2013.
5
Cf., por exemplo, a carta de dois vereadores e oficiais da fazenda em 1562: ABN, vol. 27, pp. 239-41.
184

governador Lourenço da Veiga em 1580. Apesar de um período de indecisão, a chegada das cartas
régias em Salvador finalmente fez com que, em 1582, a Câmara de Salvador prestasse juramento
ao novo monarca – destacando-se aqui seu importante papel de legitimação da soberania régia, pois
representava o reconhecimento local da autoridade do novo monarca. Entretanto, a nomeação
provisória do ouvidor-geral Cosme Rangel de Macedo como governador opôs o mandatário
temporário a seus antigos companheiros, provavelmente insatisfeitos com a perda de influência.
Em represália, Macedo interveio na eleição da Câmara para eleger oficiais entre seus aliados, o que
ampliou a intensidade dos conflitos, só acalmados com a chegada do governador-geral Manuel
Teles Barreto6. Prenuncia-se, assim, a conflitualidade inerente aos momentos de vacância do poder,
num paralelismo (ainda que mais curto e menos destrutivo) com os períodos de regência na Europa,
assim como com as disputas sobre a eleição de camaristas. Em outro momento crítico de vacância,
após a invasão neerlandesa e prisão de Diogo de Mendonça Furtado, os camaristas optaram por
eleger o bispo D. Marcos Teixeira como governador, provavelmente por ele já contar com suporte
suficiente para coordenar a resistência – denotando a relevância política dos prelados, que viria a se
fazer presente em diversos outros momentos do século7.
Outro elemento estrutural da política baiana, cuja importância pode ser vislumbrada já na
primeira década do século XVII, é a contribuição financeira da municipalidade para sua defesa,
através da imposição de um donativo (sobre os vinhos, que se perpetuou por todo o século) para a
fortificação de Salvador, cujo rendimento deveria ser supervisionado pelo governador-geral. O
financiamento local fazia-se necessário pela falta de recursos régios – temática exaustivamente
repetida ao longo da centúria. Assim, os vassalos baianos assumiam sobre si uma responsabilidade
régia, pois cabia ao rei defender seus vassalos, realizando um importante serviço, teoricamente
voluntário – concepção que teria consequências nas disputas sobre o controle da administração dos
recursos e na estatura política da Câmara em sua relação com os representantes da Coroa8.
Apesar da dificuldade de aceder diretamente à relação entre o governador e a elite local,
uma certidão dos camaristas soteropolitanos em finais de 1607 pode nos indicar a conduta ideal de
um governador. “Primeiramente que o governador-geral do dito Estado Diogo Botelho (...)

6
As Gavetas da Torre do Tombo. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1963, vol. III, pp. 56-7;
RUY, Affonso. História da Câmara Municipal da Cidade do Salvador. Salvador: Câmara Municipal, 1996 [1953],
2ª ed., p. 90.
7
MAGALHÃES, Pablo. Equus Rusus: a Igreja Católica e as Guerras Neerlandesas na Bahia (1624-1654). Tese
de Doutorado. Salvador: PPGH/UFBA, 2010, vol. I, pp. 43-5.
8
BPA, 51-VIII-7, fls. 99v e 227v-229; 51-VIII, 18, fls. 23v, 166v-7 e 212; IAN/TT, Desembargo do Paço,
Repartição da Justiça e Despacho da Mesa, Livro 8, fl. 149; “Correspondência de Diogo Botelho” RIHGB, Tomo
73, parte I, 1919, pp. 10-2. Cf. também MARQUES, Guida. L'Invention du Brésil Entre Deux Monarchies:
gouvernement et pratiques politiques de l’Amérique portugaise dans l’union ibérique (1580-1640). Tese de
Doutorado. Paris: EHESS, 2009, pp. 242-4.
185

governou com muita quietação, favorecendo muito e honrando os moradores dele vassalos de
Vossa Majestade e mostrando-se sempre mui zeloso da justiça”. Também protegeu as ordens
religiosas e a Igreja em geral. “Teve sempre a porta aberta assim de dia como de noite sem
porteiro para a qualquer hora ouvir as partes, retirando-se de todos os impedimentos, porquanto
nunca jogava nem ia comer fora, (...) conservando em tudo a autoridade de seu cargo”. Fez a
paz com os índios, lutou contra neerlandeses, fortificou Salvador e protegeu os engenhos.
“Finalmente, em tudo procedeu como muito leal vassalo de Sua Majestade e mui zeloso do bem
comum, e como mui animoso e valoroso capitão e governador”9.
Diogo Botelho não era o santo que a Câmara quis pintar10, mas o documento nos diz o que
se esperava do principal representante do rei em terras americanas: ouvir os membros das elites
locais, evitar conflitos, aplicar a justiça, respeitar a Igreja, defender a população e proteger a
economia açucareira. Especialmente interessante, porém, é a referência à manutenção d“a
autoridade de seu cargo”, conseguida ao não jogar nem “comer fora”: o governador ideal, portanto,
não deveria se misturar com os vassalos, pois daí inevitavelmente surgiriam preferências e
favoritismos que fortaleceriam algumas facções em detrimento de outras, perturbando a
“quietação”. Se isso era impossível para a maioria dos desembargadores11, provavelmente também
o seria para os governadores, que buscariam distrações e companheiros para tornar sua estadia no
Novo Mundo mais agradável – os quais poderiam lhes servir de guias da política local.
O ideal expresso no documento era o “bem comum” da República12, que pode ser entendido
aqui como um governo consensual que unisse elites e a administração periférica da Coroa em prol
da justiça e prosperidade local. A busca por objetivo era essencial não só por questões práticas que
limitavam o poder coercitivo da monarquia sobre seus vassalos13, mas também porque “entre
escritores ibéricos, o consensus populi se tornou uma condição fundamental para qualquer governo
legítimo”14. Pensava-se que as relações humanas deviam ser fundadas no amor, numa concepção
profundamente moralizada da política, dentro da qual os vínculos afetivos assumiam importância

9
BPA, 51-V-48, fls. 50-53.
10
Para denúncias de suas falcatruas em Pernambuco, cf. RICUPERO, Rodrigo. A formação da elite colonial:
Brasil, c. 1530 – c. 1630. São Paulo: Alameda, 2009, pp. 202-4.
11
SCHWARTZ, Stuart. Burocracia e sociedade no Brasil colonial: o Tribunal Superior da Bahia e seus
desembargadores, 1609-1751 (trad.). São Paulo: Companhia das Letras, 2011 [1973], 2ª ed., pp. 253-86.
12
Para uma apresentação (ainda que um tanto idealizada) desses conceitos em outro contexto americano, veja-se
LEMPÉRIÈRE, Annick. Entre Dios y el rey: la república. La ciudad de México de los siglos XVI al XIX (trad.).
México: Fondo de Cultura Económica, 2013 [2004], pp. 25-114.
13
Cf. o importante ensaio de LYNCH, John. “The institutional framework of colonial Spanish America”. Journal
of Latin American Studies, vol. 24, 1992, pp. 70-4.
14
GIL PUJOL, Xavier. “Spain and Portugal” in: LLOYD, Howell; BURGESS, Glenn & HODSON, Simon (eds.).
European Political Thought, 1450-1700: religion, law and philosophy. New Haven: Yale UP, 2007, p. 427.
186

central no exercício do poder15. Tudo isso estava inserido em uma cultura política corporativa, em
que o respeito às jurisdições dos diversos corpos era constituinte para o próprio funcionamento da
estrutura político-administrativa, pois os diversos membros de um corpo precisavam desempenhar
suas diferentes funções, sem intervir nas demais – o que, no nosso caso, interessa principalmente
através da constante e relativamente bem-sucedida defesa das prerrogativas camarárias. É certo
também que tal concepção legitimava as desigualdades sociais e políticas ao naturalizá-las,
considerando-as mesmo necessárias para o próprio funcionamento de uma sociedade16.
Se a prática muitas vezes distanciava-se da teoria, essas concepções informavam o discurso
político, moldando-o, pois era preciso inserir-se nele para garantir a legitimidade do poder. Mesmo
os mais rústicos membros da açucarocracia tinham contato com essas ideias, não só porque elas
habitavam o mundo real e conformavam a visão de mundo daquela sociedade, mas também porque
deviam ser, de alguma maneira, ensinadas no colégio jesuítico onde muitos membros da elite baiana
devem ter estudado. Está dado, portanto, o objetivo central da parte final da tese: compreender o
contínuo processo de construção do consenso no dia a dia da política, primeiro com a linha de frente
da administração régia – os governadores-gerais17 – e, depois, com a Coroa. Aqui, procuraremos
demonstrar como a Câmara de Salvador tornou-se a parceira fundamental dos governadores-gerais
na defesa da Bahia e como essa situação ampliou o poder da elite local, estabelecendo-se assim uma
relação que influenciou decisivamente a própria autorrepresentação do grupo.

A Idade de Ferro (1625-54): pagar a infantaria e defender o Brasil18


Se já em 1610 a intervenção do governador na cobrança dos donativos e o sustento dos 60
a 70 soldados da sua guarda e dos fortes gerava tensões19, tais conflitos alcançaram um nível

15
Veja-se os trabalhos de Pedro Cardim, principalmente “Amor e amizade na cultura política dos séculos XVI e
XVII”. Lusitania Sacra, 2ª série, n. 11, 1999, pp. 21-57 e “‘Governo’ e ‘Política’ no Portugal de Seiscentos: o
olhar do jesuíta Antônio Vieira”. Penélope, n. 28, 2003, pp. 59-82.
16
A referência é, claro, aos trabalhos seminais de António Hespanha, que delinearam com precisão o quadro
doutrinal e estrutural do exercício do poder régio. Embora não possam servir como guias para a compreensão da
política cotidiana, muito menos para a situação ultramarina – mesmo porque nem era essa a intenção do autor –
veja-se As Vésperas do Leviathan: instituições e poder político. Portugal – séc. XVII. Coimbra: Almedina, 1994
[1989], pp. 259-307, 352-79 e 471-528 e “Por que é que foi ‘portuguesa’ a expansão portuguesa? Ou o
revisionismo nos trópicos” in: SOUZA, Laura de Mello e; FURTADO, Júnia & BICALHO, Fernanda (orgs.). O
governo dos povos. São Paulo: Alameda, 2009, pp. 46-55.
17
Os trabalhos de Francisco Cosentino contribuíram para a compreensão do estatuto social e dos regimentos dos
governadores-gerais: Cf. Governadores-gerais do Estado do Brasil (séculos XVI-XVII): ofício, regimento,
governação e trajetórias. São Paulo: Annablume, 2009.
18
LENK, Wolfgang. Guerra e Pacto Colonial: a Bahia contra o Brasil Holandês (1624-1654). São Paulo:
Alameda, 2013 é um valioso guia para as questões tratadas nesse capítulo. Entretanto, Lenk enxerga o processo
através da ótica do Antigo Sistema Colonial, enquanto eu o examino a partir da experiência da elite baiana.
19
IAN/TT, Corpo Cronológico, mç. 115, docs. 104 e 107. Por outro lado, o governador da época, Diogo de
Menezes, defendeu vigorosamente os interesses da açucarocracia na disputa sobre a mão de obra indígena:
MARQUES, L’Invention du Brésil, p. 274 e RICUPERO, A formação da elite, pp. 234-6.
187

incomparavelmente mais alto após a retomada de Salvador dos neerlandeses em 1625, que exigiu
o reforço do aparato militar da cidade, em razão da demonstrada fragilidade defensiva. No dizer do
jovem Antônio Vieira, “ficou por isso esta Bahia oprimida com mil soldados de presídio e, para os
sustentar, com tributo lançado sobre os moradores”20.
Inaugurava-se, assim, uma nova fase na relação entre as elites locais e os governadores. Já
em inícios de 1626 a Câmara peticionou ao capitão-mor D. Francisco de Moura Rolim21 “como
protetores do oprimido e molestado povo com os novos tributos (...) que Vossa Senhoria informe a
Sua Majestade da impossibilidade desta terra”, e ameaça não consentir com a prorrogação das
imposições, “e quando o dito Senhor seja servido que o presídio assista lhes mande dar provimento
a custa de sua fazenda”. Impotente, Moura afirmou que nada poderia fazer além de avisar ao
monarca “como já o tinha feito, e faria de novo”22. O que o capitão-mor (que também servia como
provedor da Misericórdia) pôde fazer foi concordar com a iniciativa da Câmara de fixar o preço do
açúcar, de modo a favorecer os produtores e acalmar as tensões. Apesar dos pedidos da Câmara,
porém, tal iniciativa poucas vezes foi repetida ao longo do século, no que parece representar uma
significa diferença frente ao Rio de Janeiro23.
A Câmara, assim, foi obrigada a tomar a iniciativa do sustento da infantaria “até a vinda do
governador-geral ou ordem de Sua Majestade”, instaurando uma “finta geral a ser cobrada por toda
esta capitania”, no valor de 600$24. A insatisfação com a medida, porém, se generalizou, e ante a
decisão dos camaristas de continuar com a cobrança, o “povo, que presente estava se ergueram
todos a grandes vozes, dizendo que não consentiam em tal declaração, nem que o tributo se cobrasse
mais de hoje em diante”. A longa lista de assinaturas é testemunha da heterogeneidade do “povo”
(como discutimos no capítulo anterior), ao incluir diversos membros da elite que já apareceram na
tese, como Paulo de Barros, cristãos-novos, como Diogo de Leão, e desconhecidos, como Antônio
Raimundo25. A confusão, porém, é o que mais nos interessa, pois é um indício da importância que

20
VIEIRA, Antônio. Cartas. Organização e notas de João Lúcio de Azevedo. Rio de Janeiro: Globo, 2008, vol. I,
p. 64. Cf. também as reclamações no mesmo sentido em AHU, Bahia, Castro Almeida, docs. 2-5 e AHU, Bahia,
LF, cx. 3, docs. 423-4.
21
O governador-geral Matias de Albuquerque estava mais preocupado com a capitania de sua família. Sobre seu
governo, veja-se DUTRA, Francis. Matias de Albuquerque (trad.). Separata de Revista do Instituto Arqueológico,
Histórico e Geográfico Pernambucano, vol. 48, 1976, pp. 65-79.
22
AC, vol. I, pp. 25-6. Os camaristas do ano anterior e o provedor-mor (ele mesmo um dos homens da governança)
já haviam convencido Francisco de Moura Rolim a tomar o dinheiro dos direitos de escravos de Angola para o
sustento da infantaria: DH, vol. 15, pp. 3-5.
23
AC, vol. I, pp. 31-2; AHU, Bahia, LF, cx. 3, docs. 423-4. FRAGOSO, João. “A nobreza vive em bandos: a
economia política das melhores famílias da terra do Rio de Janeiro, século XVII. Notas de pesquisa”. Tempo, n.
15, 2003, pp. 11-35. A partir de 1700 senhores de engenho e homens de negócio se reuniam anualmente para
estabelecer os preços do açúcar, mas isso é tema para outro estudo.
24
AC, vol. I, pp. 48-9.
25
AC, vol. I, pp. 57-60 e, dois anos depois, pp. 137-8.
188

assumiria o governador-geral nas negociações fiscais das décadas seguintes, já que sua ausência e
a reduzida autoridade do capitão-mor tornavam difícil a conciliação dos interesses necessária para
a cobrança dos grandes recursos que o sustento da infantaria exigia.
A vítima imediata das necessidades fiscais foi o Tribunal da Relação, dissolvido em 1626 –
o que, ao menos na visão do anônimo autor das “Razões que deram os moradores da Bahia para se
não extinguir a relação”, teria uma consequência nefasta: “sendo o dito Estado governado por um
governador e um ouvidor-geral, eles são os reis, e não somente eles mas os bispos, donatários e
poderosos, procedendo em tudo com poder absoluto e Sua Majestade fica só rei no nome”26.
Considerando-se como se desenrolou o longo governo de Diogo Luiz de Oliveira, é possível que o
denunciante tivesse alguma razão. O mais interessante, porém, é que o alvará de extinção do
Tribunal não faz qualquer menção à Câmara, pressupondo que seria o tesouro real o responsável
pelo sustento da infantaria27 – ledo engano, como veremos.
Pouco depois de chegar e reformar a tropa, diminuindo o número de oficiais – sempre muito
mais numerosos do que o necessário28 – para baixar as despesas de financiamento do exército, o
novo governador-geral consegue, através da “grande instância” que faz aos camaristas, convencê-
los a financiar a construção de um quartel, assumindo mais um encargo29. Além disso, também
nomeou o tesoureiro da imposição dos vinhos, embora esse tributo devesse ser controlado pela
Câmara – contra o que a municipalidade recorreu à Casa de Suplicação, saindo vitoriosa30.
Em 3 de novembro de 1628, Diogo Luiz de Oliveira chamou o juiz Antônio Castanheira e
o procurador Domingos da Fonseca Pinto à sua casa, exigindo que se impedisse a venda de vinho
na cidade, para que tivesse saída um vinho da Madeira, cujo procedido seria usado para pagar o
soldo atrasado dos soldados31 – dois homens que posteriormente receberiam benesses do
governador. Castanheira pertencia à família Feio, era lavrador de canas e foi vereador em 1610
e juiz ordinário em 1619 e 1628. Logo após seu último mandato foi provido pelo governador
em importantes cargos fazendários: provedor-mor da fazenda em 20 de janeiro de 1629 e
contador-geral em 29 de maio de 1629. Já Fonseca Pinto era um forasteiro em acelerado
processo de ascensão política, provavelmente graças à influência do governador: após servir
em 1628 como procurador, conseguiu passar a vereador já no ano seguinte. Em 1633 foi provido

26
SCHWARTZ, Burocracia e Sociedade, pp. 379-84 (citação à p. 380); cf. também pp. 181-94.
27
DH, vol. 15, pp. 66-7.
28
LENK, Guerra e pacto, pp. 176-8.
29
AC, vol. I, pp. 76-7 e 79-80; DH, vol. 15, pp. 207-14.
30
AC, vol. I, p. 103.
31
AC, vol. I, pp. 111-2.
189

como escrivão dos contos, em 1634 novamente serviu como vereador e logo no início de seu
mandato foi agraciado com uma sesmaria32.
Ao prover serventias em homens da governança, o governador-geral lhes cedia poder,
prestígio e possibilidades de ganho financeiro, esperando receber em troca apoio político dentro
do Senado – no que provavelmente foi bem sucedido, como se depreende de atas como essa:
“do Senhor governador foi dada uma portaria em que lhes ordena que façam as portas da cidade,
por cumprir assim ao serviço de Sua Majestade, e ao bem desta cidade, e logo pelos ditos oficiais
da Câmara, em virtude da dita portaria, mandaram chamar ao povo”, decidindo financiar
imediatamente a obra através da venda de licenças para a comercialização de cachaça (ignorando-
se as tentativas anteriores de proibição)33. No mesmo sentido, em finais de 1630 o governador
emitiu uma portaria “em que lhes mandava dar alojamento aos soldados da companhia do capitão
Francisco de Alemão, e com a brevidade nela declarada, e que por serviço de Sua Majestade e
obedecerem ao governador e seu mandado” os camaristas se apressaram a fazê-lo34.
Diogo Luiz de Oliveira também não se furtava a reunir “pessoas de letras e experiência”
para, teoricamente, lhe aconselharem, como quando juntou os eclesiásticos e a Câmara e pediu
dinheiro à municipalidade para que fosse reprimido o gentio bárbaro que atacara os moradores em
Paraguaçu. Seu tom é claramente impositivo, e a própria reunião provavelmente se devia mais à
intenção de respeitar as leis indigenistas que exigiam a declaração por múltiplas autoridades de uma
guerra justa do que verdadeiramente produzir o consenso35. Assim, o governador-geral novamente
ordena que a Câmara reúna a quantia necessária para consertar os portões da cidade quando chega
a notícia de que Pernambuco havia sido invadido pelos neerlandeses36.
As necessidades financeiras se intensificaram em 1631, com a chegada do novo terço e a
subida do efetivo na cidade para 1800 homens37. Em consequência, o governador-geral escreveu
para a Câmara em 15 de maio, listando os rendimentos régios e declarando-os insuficientes.

32
DH, vol. 15, 244-6 e 286-9 e vol. 16, pp. 121-3 e 163-6. Outros casos relevantes são: o jovem Antônio Ferreira
de Souza (filho do fundador da família Ferreira, Eusébio – senhor de engenho e vereador em 1626 e juiz ordinário
em 1635 – nomeado escrivão da receita e despesa do tesoureiro-geral, seis de fevereiro de 1627, e no ano seguinte
meirinho do mar); Lourenço Cavalcante de Albuquerque (senhor de engenho e juiz ordinário em 1626, mantido
como alcaide-mor em quatro de agosto de 1627); Sebastião Parvi de Brito (letrado casado com a família
quinhentista Argolo, nomeado provedor-mor dos defuntos em 1º de agosto de 1628, depois ouvidor-geral); Brás
da Silva Menezes (família Costa Dória, vereador em 1614, 1619, 1628 e 1631, nomeado capitão de infantaria em
1º de abril de 1634) e Domingos Barbosa de Araújo (segunda geração da família Barbosa, senhor de engenho,
vereador em 1626, juiz ordinário em 1625, 1631, 1638 e 1647, nomeado capitão-mor do Espírito Santo em 17 de
fevereiro de 1635). Respectivamente, DH, vol. 15, pp. 102-4; 151-2 (repetindo provisão de D. Francisco de Moura
– AHMS, PR, vol. I, fls. 6v-7); 220-4 e 241-4; DH, vol. 16, pp. 181-3 e 216-9.
33
AC, vol. I, pp. 153-5.
34
AC, vol. I, p. 172.
35
AHMS, vol. I, fls. 77-79.
36
AHMS, vol. I, fls. 79-82v e DH, vol. 15, pp. 383-6.
37
LENK, Guerra e Pacto, p. 149.
190

Claramente descontente com a resistência dos camaristas e as dificuldades que encontrara “nesta
idade de ferro em que” achara o Estado do Brasil, afirma que tudo o que fazia era para a “segurança
de sua terra”, e que agia de modo a “nunca se poder dizer que esta terra recebeu opressão por causa
tocante a minha pessoa, ou por utilidade ou paixão minha, e se os moradores a recebem é só com
os encargos do serviço real”. Além dessa descompostura, Diogo Luiz de Oliveira ainda ameaça a
cidade case falte o pagamento da tropa, em passagem que merece ser citada, apesar de sua extensão:

como a necessidade não é sujeita à lei, e os soldados gente por natureza livre, serão certas as
insolências e os efeitos delas, a que não poderei dar remédio, nem castigo, porque o foro na disciplina
militar não me dá faculdade para isso quando não sustentar a gente, antes é causa comumente sabida
que nos casos de grande aperto em que faltam as pagas, os generais não só permitem, mas dão licença
que os soldados façam algumas saídas, e se eles se excedem nelas, não se procede castigo. (...)
Poderão vossas mercês também dizer-lhes [aos senhores de mais qualidade desta República] que se
por meios ordinários e sua vez não vierem fazer o que se entender que devem, os obrigarei a fazê-lo
pelos meios que parecer, porque estando Sua Majestade em necessidade tão extrema, e sendo causa
tão justa, fica com grande faculdade para usar de suas pessoas e fazendas, e eu entenderei que assim
o devo executar, porque mandando-me Sua Majestade defender esta praça, me fica mandando todos
os meios que são necessários para este fim38.
Em resposta, “homens nobres e mais povo” protestaram que “era bem notória a
pontualidade, liberalidade e prontidão” com que atendiam às necessidades do serviço real, para
“socorrer uma coisa tão importante, de que dependia a defesa de sua própria terra, pessoas e
fazendas, e ainda a total conservação de todo esse Estado, de que esta cidade era cabeça”, apesar da
miséria e perdas vividas por todos na capitania. Aceitaram, assim, impor uma nova imposição sobre
os vinhos, mas apenas por seis meses – que acabou, porém, sendo repetidamente renovada39.
Diogo Luiz de Oliveira usou as serventias para recompensar os bons serviços prestados
na Câmara, mas essa estratégia não foi suficiente, talvez por ser impossível contentar a todos.
Suas ameaças tinham, portanto, um papel complementar, garantindo-lhe a obediência que a
graça não conseguira obter. Além disso, alguns ofícios são concedidos anos depois esses
homens servirem na Câmara, o que sugere que as alianças podem ter se desenvolvido
posteriormente. Do contrário, como explicar o fato de o Senado de 1631, no qual serviram dois
homens que depois seriam agraciados com postos (Brás da Silva Menezes e Domingos Barbosa
de Araújo), ter sido o mais intimidado por Oliveira nos seus oito anos no Brasil?
A Coroa poderia conceder mercês mais importantes ao Senado, mas não considerou
necessário honrar seus vassalos baianos, negando-lhes os privilégios de infanções em 1632,

38
AC, vol. I, pp. 190-3. A ameaça é repetida para obter a renovação da imposição (pp. 204-5). A analogia de
Charles Tilly entre o poder “estatal” e o crime organizado é particularmente apropriada aqui. “Os governantes se
assemelhavam a vendedores de proteção: em troca de um valor, ofereciam proteção contra os danos que eles
próprios de outro modo infligiriam, ou pelo menos permitiriam que fossem infligidos” Coerção, capital e Estados
europeus, 990-1992 (trad.). São Paulo: EDUSP, 1996 [1993], p. 133.
39
AC, vol. I, pp. 187-90. Cf. pp. 202-4, 219-21, 240-1, 267-8 e LENK, Guerra e Pacto, pp. 347 e 402.
191

embora os houvesse concedido pouco antes a Cochim (uma das mais importantes do Estado da
Índia, mas não sua capital). O único privilégio que receberam no período foi de que os escravos
do eito de senhor de engenho e lavradores de cana não pudessem ser tomados pelos credores,
ressuscitando medida tomada vinte anos antes40.
É nesse contexto que Lourenço de Brito Correia, um dos mais destacados membros da elite
baiana (capítulo III), enviou ao monarca a mais feroz crítica a um governador-geral em todo o
século. Nela, o fidalgo acusava Oliveira de “violentar” as eleições da Câmara, “com ameaças que
de seu gosto se não afastassem um ponto”, e mesmo assim tratava os camaristas “com muitas
descortesias e palavras descompostas”. Intervinha no pequeno comércio para extrair lucros,
desrespeitava os ministros da justiça e fazenda, forçava “com violência aos homens a irem jogar
a sua casa, desonrando-os quando não vão e mandando-os chamar por sargentos e ministros de
guerra (...) com que este povo está oprimido e tiranizado, e muitos homens ricos perdidos e
alcançados não sendo este ato de jogar livre”; provinha “os ofícios da República a seus criados
contra uma provisão de Sua Majestade a qual se apresentou à Câmara dela, e o que lá levou
tratou injuriosamente”; vendia outros ofícios; forçava os mestres dos navios a carregarem suas
mercadorias sem nada pagar; embolsava as fintas cobradas pela Câmara; recebia caixas de
açúcar para escusar os moradores de lhe darem escravos para os trabalhos de fortificação, “o
que é um poço de ouro”; gastou recursos em “casas de prazer” em vez de fortes, os quais
construía em madeira, dizendo que “durarão elas enquanto eu aqui estiver que será um ano, pois
assim basta, e quem vier faça outro tanto” (sinal do imediatismo que podia guiar as ações dos
governadores, que esperavam nunca mais voltar ao Brasil). Pior de tudo, “agrava, prende e
avexa” aos “homens de bem, fidalgos, capitães e homens nobres da terra”, e “tiranicamente
governa dizendo de público com os de quem não gosta que os há de ter e tratar como inimigos”
e “que ele é Rei e Deus do Brasil, [e] como tal [ia] se fazer respeitar e venerar”41.
Se algumas acusações são absolutamente inverossímeis (como ter organizado banquetes
para comemorar a queda de Pernambuco frente aos invasores do Norte), a truculência de Diogo
Luiz de Oliveira é atestada por seus entreveros com os provedores da fazenda (quando não
conseguia substituí-los por suas criaturas)42. Como se percebe no trecho em que é acusado de
utilizar “sargentos e ministros de guerra” para fazer cumprir suas ordens, era o controle da tropa

40
IAN/TT, Desembargo do Paço, Repartição da Justiça e Despacho da Mesa, Livro 12, fl. 243 e Livro 14, fl. 262.
41
BPA, 49-X-10, fls. 320-2; cf. também 51-X-1, fl. 29v e 51-X-2, fls. 60v e 212v-213.
42
LENK, Guerra e Pacto, pp. 378-82 e MUKERJEE, Anil. Financing an Empire in the South Atlantic: The Fiscal
Administration of Colonial Brazil, 1609-1704. Tese de Doutorado. Santa Bárbara: University of Califórnia, 2009,
pp. 150-87. Cf. também as reclamações do bispo em AHU, Bahia, LF, cx. 5, doc. 554 e MARQUES, L’Invention
du Brésil, pp. 250 e 254.
192

paga que permitia que “o governador agisse com tão poucas restrições”, algo facilitado pela
aliança com o citado D. Vasco Mascarenhas (o futuro Conde de Óbidos), jovem fidalgo
nomeado como mestre de campo a partir de uma solicitação do próprio Diogo Luiz de Oliveira,
meses antes de arribar em Salvador43. O caráter recente da presença da infantaria limitava sua
integração na sociedade envolvente44, facilitando seu uso pelo governador para instaurar um
governo “tirânico” – ao menos na visão dos homens bons que não se beneficiavam do favor de
Oliveira. Vejamos mais um exemplo:

os oficiais da Câmara cumpram o despacho que tenho dado nesta petição atrás, e não me façam
tantas réplicas escusadas, que o que eu tenho ordenado uma vez não é necessário que me cansem
com tantos despachos e busquem que lhe declare o que tenho dado neste particular, e executem-
no logo como tenho ordenado45.
A humilde resposta foi: “os oficiais da Câmara do ano passado tomaram essas casas [para
alojar o alferes de D. Vasco Mascarenhas], e nós não devemos intrometer nem inovar no que eles
fizeram. Vossa Senhoria mandará neste particular o que lhe parecer”46. A imposição era tão clara
que em uma das periódicas renovações da imposição sobre o vinho o governador repreende os
camaristas por haverem chamado a contribuição de “tributo, a que vossas mercês põem este nome,
sendo subsídio que o povo voluntariamente oferece, e parece que antes de vossas mercês o
levantarem, mo deviam fazer saber”47. Ante essa repreensão, a imposição foi renovada no mesmo
dia (sem, porém, ser nomeada de subsídio, para que os camaristas não dessem o braço a torcer)48.
No momento crítico de instituição de uma força militar em Salvador, necessária para a
defesa da capital da América Portuguesa – cuja queda implicaria uma extensão significativa do
domínio neerlandês – o governador-geral dependia das contribuições locais para o sustento da
infantaria. Entretanto, Diogo Luiz de Oliveira foi capaz de impô-las através de um misto de
cooptação e ameaça, lançando mão tanto dos ofícios à sua disposição quanto de seu amplo
contingente de soldados recém-chegados comandados por um aliado, D. Vasco Mascarenhas.
Oliveira deve ter sido escolhido exatamente por esse perfil mais autoritário, assim como o Marquês
de Gelves, poucos anos antes, na Nova Espanha. Diferentemente de seu homólogo mexicano,
porém, o governador-geral não foi derrubado, e a comparação nos permite ver que o fim da Relação

43
LENK, Guerra e Pacto, p. 380 e SERRÃO, Joaquim Veríssimo. Do Brasil filipino ao Brasil de 1640. São Paulo:
Nacional, 1968, p. 203. D. Vasco Mascarenhas esteve mesmo presente na cerimônia de “pleito e homenagem” de
Diogo Luiz de Oliveira, em Madri: DH, vol. 15, p. 82.
44
Veja-se LENK, Guerra e Pacto, pp. 206-8.
45
AC, vol. I, p. 223. Para outra portaria, um pouco menos brusca, veja-se AHMS, PR, vol. I, fls. 153v-4.
46
AC, vol. I, p. 224.
47
AC, vol. I, p. 255.
48
AC, vol. I, pp. 253-4.
193

talvez tenha contribuído para a estabilidade de seu governo, já que Oliveira não precisou lidar com
a oposição dos letrados, como ocorrera com o vice-rei novohispano49.
O fato de as principais famílias baianas ainda estarem se consolidando deve ter dificultado
a oposição às medidas do governador: afinal, praticamente nenhum dos camaristas possuía grandes
parentelas para lhes dar suporte político, visível no fato de que apenas três dos 16 juízes ordinários
(para mencionar apenas a posição mais importante do Senado) entre 1627-35 serem naturais da
capitania (todos filhos de imigrantes), e mesmo os membros mais destacados estavam ainda
lançando as bases do poder de suas linhagens, como o madeirense Diogo de Aragão Pereira. Não é
à toa que o mais vociferante dos oponentes do governador era justamente Lourenço de Brito
Correia, um dos mais poderosos homens da capitania, que podia remontar sua linhagem ao
Caramuru, pois provavelmente sentia-se mais protegido contra represálias (capítulo III).
Mesmo assim, para que a contribuição fosse legítima, precisava-se produzir algum grau de
consenso, o que tinha o importante efeito prático de deixar a administração desses efeitos sobre
controle das elites locais (ainda que o governador interviesse de variadas formas, por exemplo
através da nomeação de um tesoureiro). O governador não tinha poderes para ampliar a tributação
régia, e provavelmente as elites locais teriam resistido fortemente a uma tentativa da Coroa nesse
sentido, de modo que o controle local da arrecadação era a solução mais factível nesse contexto,
estabelecendo um precedente que teve uma longa vida na política baiana. Além disso, ao
escolherem taxar o vinho, produto de consumo amplo, garantia-se a distribuição do encargo entre
toda a população livre – e, como todo imposto sobre o consumo, a carga tendia a cair
desproporcionalmente sobre os setores intermediários e pobres da população, poupando a
açucarocracia50. Por último, como se registrou numa resolução régia de 1632 e a elite local bem
sabia, “o de que se trata é sustentar aquele Estado e conservar e defender suas fazendas”: a
infantaria tinha a função fundamental de defender as propriedades e, em última medida, e o
poder e estatuto dos homens da governança, o que deve tê-los incentivado a contribuir51.
O próximo governador, Pedro da Silva (1635-9), manteve relações mais amistosas com a
Câmara, agindo de maneira menos autoritária que seu antecessor, recebendo então a alcunha d“o

49
Cf. ISRAEL, Jonathan. Razas, clases sociales y vida política en el México colonial, 1610-1670 (trad.). Cidade
do México: Fondo de Cultura Económica, 1981 [1975], pp. 139-63, assim como as pertinentes críticas a suas
conclusões em CAÑEQUE, Alejandro. The King’s living image: the culture and politics of viceregal power in
Colonial Mexico. Nova York: Routledge, 2004, pp. 46-7, 56-8, 70, 84-5.
50
Também em Portugal as “oligarquias urbanas” preferiam a taxação indireta por seu caráter regressivo e, quando
fintas eram cobradas, tendiam a eximir-se ao fisco: HESPANHA, António. “Revoltas e revoluções: a resistência
das elites provinciais”. Análise Social, vol. 28, n. 120, 1993, p. 90.
51
BPA, 51-X-2, fls. 24-24v. No mesmo sentido um ano antes, 51-X-1, fls. 95v-96.
194

mole”52. Como o aparato militar lhe antecedia e seus comandantes não eram necessariamente
aliados, todos os governadores posteriores exerceram menos controle sobre os soldados do que
Diogo Luiz de Oliveira. Tal desvantagem, porém, podia ser ao menos parcialmente compensada
pelo estabelecimento de outros laços: Silva, por exemplo, ajudou a fundar a Ordem Terceira do
Carmo em 1636, servindo como seu primeiro prior, movimento que certamente contribuiu para suas
boas relações com os muitos membros da elite baiana que vieram a fazer parte dessa irmandade53.
Já ao chegar, na mesma temática que havia ocasionado a dura resolução de Oliveira (o
alojamento de um oficial), Silva escreveu: “parecendo-lhes que há inconvenientes em o alojamento
ser sempre um lho poderão permutar pelo tempo que lhes parecer de um ano ou dois, com a menor
opressão que se puder dar aos moradores”54. Também não fazia ameaças para convencer os
camaristas a renovar o subsídio, enfatizando seu caráter voluntário e sua importância para a
monarquia. Em verdade, a renovação havia se tornado uma formalidade, como pode-se perceber
pelo fato de que as portarias do governador se repetiam palavra por palavra a cada semestre55.
Mesmo quando se pediam recursos excepcionais, o tom era muito menos agressivo, e o governador
apoiava a maioria das iniciativas da municipalidade56. Para o bom funcionamento da relação não
deve ter atrapalhado a ordem do governador para “se não fazerem penhoras nas fazendas por dívidas
pequenas”, protegendo os senhores de engenho “por serem os dízimos do açúcar dos ditos engenhos
o maior nervo da guerra e da fazenda” do Estado do Brasil – espécie de renovação da mercê
concedida poucos anos antes pela Coroa57 (capítulo VII).
Foi possível, assim, passar sem grandes conflitos entre a elite local e o governador mesmo
em um momento de crise, como o cerco imposto pelo Conde de Nassau a Salvador por 40 dias em
1638, em que a municipalidade animou aos soldados com uma paga geral dos atrasados de 16 mil
cruzados aos homens do conde de Bagnuolo. Mesmo assim, a elite local não foi incluída nos
conselhos convocados pelo governador, que se resumiam aos oficiais régios de guerra e fazenda, e
sua participação na defesa foi importante principalmente para pressionar os generais a defender a
cidade, em um momento em que cerca de 3.400 soldados estavam estacionados nos arredores de
Salvador. O mais ativo foi o ubíquo Lourenço de Brito Correia, que participava dos conselhos do

52
CALADO, Manuel. O valeroso Lucideno. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/EDUSP, 1987 [1648], p. 88. Pedro
da Silva também manteve boas relações com o provedor-mor da fazenda Pedro Cadena (MUKERJEE, Financing
na Empire, pp. 196-222), mas seu cognome provavelmente lhe foi atribuído por sua subserviência ao Conde de
Bagnuolo (LENK, Guerra e pacto, p. 180).
53
RUSSELL-WOOD, A. J. R. “Prestige, power, and piety in colonial Brazil: the Third Orders of Salvador”.
HAHR, vol. 69, n. 1, 1989, p. 64.
54
AC, vol. I, p. 298.
55
AC, vol. I, pp.306-7, 332-3, 342-5 e 369-70.
56
AC, vol. I, pp. 370-2 e DH, vol. 17, p. 101.
57
DH, vol. 16, pp. 388-91.
195

governador, mesmo sem exercer cargo algum, e contribuiu com significativas quantias para a defesa
da cidade – assim como seu cunhado, João Álvares da Fonseca, vereador mais velho nesse ano.
Ensaiou-se, porém, um conflito entre a municipalidade e o provedor da fazenda Pedro Cadena, pois
este procurava arrendar a imposição dos vinhos, diminuindo o controle dos camaristas sobre ela
para, em suas palavras, evitar a “má administração” e os “caminhos por onde eles tiravam seus
aproveitamentos”58. Acusações similares seriam ventiladas eventualmente nas décadas seguintes, e
sugerem um motivo menos nobre do que o serviço ao rei e a Deus para que os camaristas aceitassem
suportar o pesado fardo do sustento da infantaria: o enriquecimento pessoal, possível através do
manejo dos milhares de cruzados das imposições. Apropriando-se de uma parte de tributo sobre o
consumo, portanto inerentemente regressivo e que pesava mais sobre os pobres do que sobre os
ricos, os homens da governança recompensavam-se parcialmente por seus sacrifícios na defesa de
sua terra sem deixar de exercer seu dever de servir ao monarca59.
A chegada do novo governador-geral Conde da Torre com sua armada em fevereiro de 1639
implicou um aumento ainda maior da necessidade de recursos, em razão da grande armada que
trouxe consigo, com o objetivo – fracassado – de restaurar Pernambuco. Em razão da fragilidade
da Fazenda Real e de não contar com firmes aliados entre seus próprios subordinados, reforçava-se
a necessidade de diálogo com os vassalos baianos. Consequentemente, o Conde atuou intensamente
junto ao Senado, chegando a ir repetidas vezes às “Casas da Câmara”, algo que seus antecessores e
sucessores evitavam, preferindo chamar os camaristas para sua presença. O Conde da Torre

58
AHU, Bahia, LF, cx. 7, doc. 805. Veja-se também a ampla documentação publicada em VILHASANTI, Pedro
Cadena de. Relação diária do cerco da Baía de 1638. Notas de Manuel Múrias. Lisboa: Ática, 1941, especialmente
pp. 20-4, 145-6 e 207, e a excelente discussão e importantes narrativas coevas publicadas por Pablo Magalhães
em “Parte II” in: GALINDO, Marcos (org.). Episódios Baianos: documentos para a história do período holandês
na Bahia. Recife: Néctar, 2010, pp. 229-91 e “O ataque de Nassau ao Recôncavo Baiano em 1638: três documentos
conservados na Biblioteca Municipal de Évora”. Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico
Pernambucano, vol. 66, 2014, pp. 207-29.
59
A “manipulação em seu favor” da arrecadação municipal era, claro, prática recorrente na Europa: cf., por
exemplo, CHARTIER, Roger. “Conflits et tensions” in: LADURIE, Emmanuel Le Roy (dir.). La ville dans les
temps modernes: de la Renaissance aux Révolutions (tome 3 da Histoire de la France Urbaine). Paris: Seuil, 1998
[1980], p. 158 (citação) e GANTELET, Martial. L’absolutisme au miroir de la guerre: le roi et Metz (1552-1661).
Rennes: Presses Universitaires de Rennes, 2012, pp. 232-47. VALLADARES, Rafael. A Independência de
Portugal: Guerra e Restauração, 1640-1680 (trad.). Lisboa: Esfera dos Livros, 2006 [1998], p. 298 nota que “era
de conhecimento geral que as oligarquias urbanas administravam de forma fraudulenta os impostos votados pelas
cortes”. Bartolomé Yun enfatiza o carácter mutualmente benéfico da tributação urbana para oligarquias e coroa,
assim como os altos níveis de fraude: “Mal avenidos, pero juntos. Corona y oligarquias urbanas en Castilla en el
siglo XVI” in: BENASSAR, Bartolomé et al. Vivir el siglo de oro: poder, cultura e historia en la época moderna.
Salamanca: Ed. Universidad de Salamanca, 2003, p. 74. Tais fenômenos eram, em verdade, uma tendência geral
na Europa, como se vê em coletânea que enfatiza a importância da taxação municipal controlada pelas elites locais
para as monarquias e Repúblicas da época moderna: ANDRÉS UCENDO, José Ignacio & LIMBERGER, Michael
(eds.). Taxation and debt in the Early Modern city. Londres: Pickering & Chatto, 2012 (o artigo de BOGNETTI,
Giuseppe & DE LUCCA, Giuseppe. “From taxation to indebtedness: the urban fiscal system of Milan during the
Austrias domination (1535-1706)”, pp. 29-48, é especialmente interessante).
196

interferiu inclusive em temáticas cotidianas, como a produção de alimentos, essencial para garantir
o sustento dos 4408 soldados temporariamente assentados nos arredores de Salvador60.
Da mesma maneira, a fim de obter um excepcional donativo de 60.000 cruzados para o
conserto da armada e pagamento dos soldados, o Conde da Torre comunicou a importância dessa
contribuição para “o bem da segurança dessa capitania, de que depende muito o Estado” e a
impossibilidade de a Fazenda Real suportar esse encargo. A longa e eloquente “proposta” do Conde
da Torre procurava sensibilizar os vassalos baianos, lembrando que de sua contribuição dependia a
preservação de suas vidas, bens (dedicando um parágrafo aos efeitos deletérios da guerra na lavoura
açucareira) e fé, em razão da proximidade da ameaça neerlandesa. Veja-se a diferença em relação
às exigências e ameaças de Diogo Luiz de Oliveira: “conheço que não hão mister rogados, que têm
dado a Sua Majestade com grande liberalidade sua fazenda. Não falo com vossas mercês como
superior, não meço suas forças, aconselho como amigo”. O Conde da Torre conclui acenando com
recompensas: “eu saberei representar a Sua Majestade para que lhes faça as honras e mercês que de
sua grandeza se espera”. Os camaristas, “pessoas que costumam andar na governança’ e o “povo”
aceitaram, mas impuseram uma série de condições – principalmente, como sempre, que a
contribuição estaria sob controle da elite local: Diogo de Aragão Pereira, Antônio da Silva Pimentel,
Francisco Fernandes Dosim, Diogo Lopes de Ulhoa e Mateus Lopes Franco61 (capítulo III).
Em carta ao Doutor Francisco Vaz de Gouveia, o Conde da Torre dá conta deste sucesso e
explica sua estratégia: “eu procuro merecer-lho com o bom tratamento e com a liberdade em que
os deixo sem os carregar nem molestar em coisa que me toque e nas que são do serviço real
havendo-me com toda a suavidade”, enquanto em missiva de próprio punho para o Conde Duque
de Olivares, valido de Felipe IV, menciona a ajuda de Diogo Lopes de Ulhoa para obter o
donativo62. No momento de se embarcar para Pernambuco, o Conde instituiu como seus
procuradores os responsáveis pelo donativo (com exceção do cristão-novo Mateus Lopes Franco)
e pediu à Câmara que penhorasse alguns objetos de prata, ouro e estanho de seu serviço para
levantar 2.000 cruzados e poder pagar os soldos de um terço63, outros sinais do rápido
estabelecimento de uma boa relação com a elite baiana. Diogo Lopes de Ulhoa serviu mesmo como
secretário do governador (por já haver exercido a função com Diogo Luiz de Oliveira), e por isso

60
AC, vol. I, pp. 390 e 399-401; CCT, vol. II, pp. 171, 235-6, 239-40, vol. III, p. 25 e vol. IV, p. 377; LENK,
Guerra e Pacto, p. 149.
61
CCT, vol. II, pp. 296- 309; AC, vol. I, pp. 405-18, 434-5 e 517; MARQUES, L’Invention du Brésil, pp. 441-2.
62
CCT, vol. I, p. 383. Cf. também a carta a seu tio, Duque de Villahermosa, presidente do Conselho de Portugal:
“alcancei do povo 60.000 cruzados todos os anos para as querenas, e isto sem no constranger senão de sua livre
vontade, e para esta empresa me deu três barcaças e me fretou mais oito ou dez embarcações para botar gente em
terra, o que tudo lhe custou de sete para dez mil cruzados” (p. 426).
63
BPA, 51-X-7, fls. 83 e 279.
197

lhe foram prometidas amplas mercês, indicando sua importância como ponte entre os governadores
e as elites locais, mesmo que jamais tenha sido aceito entre as principais famílias da Bahia64.
Apesar da política de boa vizinhança seguida pelo Conde, a elite local foi quase
completamente excluída das muitas juntas convocadas por ele, pois essas foram compostas apenas
pelos principais oficiais militares, a quem se somava o bispo do Brasil e, eventualmente, o provedor-
mor da fazenda Sebastião Parvi de Brito. Esse letrado eborense casou em Salvador e fundou uma
família de razoável importância, de modo que sua nomeação pelo Conde da Torre pode ter sido
parte da estratégia de aproximação com as elites locais65. Mesmo o onipresente Lourenço de Brito
Correia aparece apenas a partir de finais de dezembro de 1639 “por pessoa prática e experimentada”,
quando a armada já estava a caminho de Pernambuco66 – o que talvez explique sua raivosa denúncia
da incompetência do inexperiente Conde (enviada antes da sua entrada no círculo de conselheiros
do governador), chamando-o em carta ao monarca de “fatal e infausto Herodes do Brasil e deste
Reino e Monarquia”67. Talvez por isso o Conde da Torre tenha desabafado a seu tio e confidente
que “a terra é de ruim gente” e, em termos ainda mais fortes, a Olivares: “os filhos do Brasil e
os que neste clima se criaram, posto que vieram de outras partes, pode mais a criação com eles
que o natural, e assim uns e outros são gente má e perversa”68. Como D. Fernando Mascarenhas
vituperava a todos em suas cartas, porém, tal declaração pode ser lida menos como preconceito
do que como um descontentamento generalizado em sua breve estadia americana.
Com a partida da armada, o antigo aliado de Diogo Luiz de Oliveira, D. Vasco
Mascarenhas, então já Conde de Óbidos, ficou responsável pelo governo da Bahia por um breve
tempo, mesmo tendo sido criticado pelo Conde da Torre por “não se ocupa[r] mais que com
seus perfumes e águas cheirosas”69. Nada sabemos de seu breve governo (exceto que teria
voltado ao Reino escondido em razão de dívidas por açúcares não pagos e dinheiro tomado do
cofre dos órfãos70), mas é interessante registrar que a Câmara lhe deu posse e o Conde da Torre
achou necessário registrar nos livros do Senado a carta régia que nomeava seu substituto e as
instruções que lhe deixava, garantindo a legitimidade mas tentando, possivelmente, limitar o

64
CCT, vol. I, pp. 250-4. O Conde da Torre mantinha relações amistosas com Diogo Luiz de Oliveira (pp. 508-9).
65
CCT, vol. I, pp. 236-350; DH, vol. 17, p. 249; KRAUSE, Thiago. Em Busca da Honra: a remuneração dos
serviços da guerra holandesa e os hábitos das ordens militares (Bahia e Pernambuco, 1641-1683). São Paulo:
Annablume, 2012, pp. 155-6, 217 e 238 e LENK, Guerra e pacto, pp. 387-8.
66
CCT, vol. I, pp. 321-2, 338, 345, 347 e 565-6.
67
AHU, cód. 30, fls. 39v-40.
68
CCT, vol. I, pp. 451 e 459; cf. também p. 471, em que atribui suas desgraças aos “pecados do Brasil”.
69
CCT, vol. I, p. 429; cf. também pp. 427 e 450-1. Para a melhor análise da atuação do Conde da Torre na América,
cf. MARQUES, L’Invention du Brésil, pp. 411-64.
70
LENK, Guerra e pacto, p. 196.
198

raio de ação de seu desafeto ao ordenar, por exemplo, que se respeitasse estritamente os termos
do acordo com a Câmara sobre o donativo para conserto dos navios71.
Chegamos a junho de 1640, quando chega a Salvador o Marquês de Montalvão, o primeiro
vice-rei do Estado do Brasil, ostentando um título almejado pelos governadores-gerais há décadas.
Se os sermões de Vieira são representativos das esperanças locais, há tanto insatisfação com a
situação vivida quanto esperança que o Marquês a remediasse, restaurando o “enfermo Brasil”. O
mesmo sentimento é expresso pelo provedor-mor Sebastião Parvi de Brito, indicando sua possível
generalização depois de uma década de conflitos, com consequências cada vez mais graves para a
economia açucareira, como vimos no capítulo I72.
Já em sua “entrada” no poder, Montalvão chamou o Senado, inaugurando sua relação com
o poder local. Em seguida, procurou renovar o acordo com o Conde da Torre enviando à
municipalidade propostas “em que pedia à Câmara” que se efetuasse urgentemente a cobrança do
donativo acordado, para que se pudesse defender Salvador73. Alguns meses depois o tom muda
ligeiramente quando Montalvão ordena à municipalidade que repare as fortificações da cidade, mas
ao mesmo tempo eleva o estatuto do Senado ao justificar essa obrigação pela comparação com
Lisboa: “que a sua imitação se faça o mesmo nesta cidade”74.
O vice-rei identificava em Salvador um desenvolvimento similar, ainda que em menor
escala (devido a uma disponibilidade financeira muito menor), ao que vinha ocorrendo na
municipalidade lisboeta desde a década de 1620, cada vez mais obrigada a utilizar seus recursos
para arcar com obrigações da Coroa. Assim, é válida não só para Goa mas também para Salvador
a afirmação de que “é a própria crise do Império Português, como parte do império dos
Habsburgos, que desencadeia a necessidade dar à Câmara de Lisboa e ao poder local que ela
representa um novo estatuto”75. Foram os últimos quinze anos da monarquia dual que lançaram
as bases para uma grande ampliação do peso político das três “cabeças” do Império, uma
oportunidade abraçada pela elite baiana para ampliar sua autoridade institucional e o prestígio
dos homens bons – em vias de transformação em nobreza, como vimos no capítulo anterior. A

71
AC, vol. I, pp. 427-8 e AHMS, PR, vol. I, fls. 226v-231v.
72
MARQUES, L’Invention du Brésil, p. 193 (citação) e 230; BPA, 51-VI-21, fl. 295.
73
AC, vol. I, pp. 442-4 e 448-9.
74
AC, vol. I, pp. 436-7, 445-7 e 449.
75
SANTOS, Catarina Madeira. “Os refluxos do império, numa época de crise. A Câmara de Lisboa, as Armadas
da Índia e as Armadas do Brasil: quatro tempos e uma interrogação (c. 1600-1640)”. Anais de História de Além-
Mar, vol. VII, 2006, p. 95. Em Goa a atuação do vice-rei foi decisiva, mas a Coroa participou de maneira mais
ativa: MIRANDA, Susana Münch. “Guerra e Pressão Fiscal no Estado da Índia: limites constitucionais e
negociação política no início do século XVII” in COSTA, João Paulo Oliveira e & RODRIGUES, Vítor Luís
Gaspar (eds.), O Estado da Índia e os Desafios Europeus: Actas do XII Seminário Internacional de História Indo-
Portuguesa. Lisboa: Centro de História de Além-Mar e Centro de Estudos dos Povos e Culturas de Expressão
Portuguesa, 2010, pp. 215-233.
199

excepcionalidade baiana, porém, é que esse aumento do peso político se deu não em relação
com a Coroa (ainda muito esporádica, como veremos no capítulo VII) mas, principalmente,
através do diálogo com os governadores-gerais para o financiamento da defesa da capitania.
Há que se reconhecer, porém, que a Coroa ainda mobilizava imensos recursos (inclusive
com o auxílio da Câmara de Lisboa) para enviar ao Brasil, sendo as armadas de Antônio de
Oquendo em 1631 e do Conde da Torre em 1639 os melhores exemplos desse grande esforço
para uma monarquia envolvida em múltiplas frentes de combate. Mesmo que fosse “o açúcar
que fechava as contas da guerra do Brasil na Europa”, Felipe IV via-se obrigado a desviar
imensas parcelas da arrecadação no Reino para sustentar os esforços militares na América, na
tentativa de preservar a mais importante possessão ultramarina portuguesa76.
Montalvão ordenou que o donativo da imposição dos vinhos fosse arrendado, para evitar os
“grandes descaminhos” que até então haviam se verificado, “porque a forma da cobrança não muda
a natureza do donativo” – argumento que conseguiu convencer os camaristas, embora estes logo
tenham voltado atrás em razão da resistência do “povo” (significando, provavelmente, alguns dos
mais poderosos homens da capitania, como Antônio da Silva Pimentel, Diogo de Aragão Pereira,
Francisco Fernandes Dosim e Diogo Lopes de Ulhoa, signatários dessa ata)77.
Quando precisou pedir mais recursos, porém, Montalvão foi mais diplomático,
aproximando-se da estratégia do Conde da Torre. Após destacar a ameaça neerlandesa, a
importância de Salvador, a falta de recursos da Fazenda Real e a triste sina dos pernambucanos
conquistados, o primeiro vice-rei do Brasil afirma à elite local: “vossas mercês seguramente podem
ter de mim que como companheiro trato todo o seu remédio”. Em seguida, reconhece o papel da
elite “desta República de que são cabeças”, elogiando seu “ânimo” no serviço do rei, “na defesa de
suas casas e em conservarem os filhos na fé católica, e não acabarem miseravelmente ainda nas
mãos de seus inimigos”, destacando o quanto a proteção da Bahia unia os interesses dos vassalos e
da Coroa. Pede, então, que decidam, em uma reunião com os “religiosos como de todos os estados”
(capítulo IV), como financiar a defesa de Salvador. Os camaristas aceitam colocar uma nova
imposição no sal, mas impõem uma série de condições, todas aceitas: o compromisso régio de
enviar pipas de vinho suficientes para abastecer a capitania; a desobrigação em contribuir com os
60.000 cruzados acordados com o Conde da Torre “que tanto molestam o povo” (mais sentidas por
serem cobrados diretamente, através de fintas); e, por último, “que Sua Majestade seja servido de
dar sua fé e palavra real que em se acabando a guerra de Pernambuco e seja Restaurado tornarão as

76
LENK, Guerra e Pacto, pp. 209-60 (citação à p. 260) e MELLO, Evaldo Cabral de. Olinda restaurada: guerra
e açúcar no Nordeste, 1630-1654. São Paulo: 34, 2007 [1975], 3ª ed. rev., pp. 149-58.
77
AC, vol. I, pp. 450-1, 461-5 e 471-2.
200

coisas como de presente estão, ficando as imposições que hoje já nos vinhos e tirando-se a das
crenas”. Os meses finais de 1640 viram, portanto, uma intensa interlocução entre a municipalidade
(ainda mais autorizada a negociar pela ampla participação de membros da elite nas reuniões) e o
vice-rei, na tentativa de resolver a questão central do período: o financiamento da defesa78. O
trabalho era tanto que o escrivão repetidamente registrou nas atas que os camaristas estavam
“assistindo sempre neste Senado todos os dias sem poder acabar com negócios da República”79.
Tudo mudaria, porém, em 1641. A notícia da rebelião portuguesa de 1º de dezembro de
1640 chegaria a Salvador “por uma pequena embarcação de Lisboa”, que comunicou em segredo
ao vice-rei a boa nova. É de se notar, porém, a demora no envio da notícia: só em 4 de janeiro o rei
resolve numa consulta do Conselho da Fazenda que se devia notificar o Brasil, semanas após terem
se lembrado de enviar mensagens para a África e Ásia80. Segundo a listagem de méritos apresentada
posteriormente pelo rico lavrador de cana vianês Manuel Maciel Aranha, que então servia de
vereador mais velho, ele foi o primeiro comunicado pelo Marquês “pela confiança que dele tinha”.
Em seguida, o vice-rei convocou o bispo, o cabido, os prelados das ordens religiosas, os
camaristas e os maiores oficiais militares dos terços portugueses para aclamar o rei, o que se
fez imediatamente, com grande alegria e unanimemente, a se julgar pelos relatos da época. O
dito Maciel Aranha então tomou a bandeira e bradou “Real, Real, Real, por El-Rei D. João IV,
Rei de Portugal”, sendo seguido por “todo o povo, clero e mais gente em muito número aclamou
por três vezes: viva, viva, El-Rei D. João IV de Portugal, com geral contentamento”81.
Entretanto, o clima de incerteza na recém-reconstituída Corte lisboeta não favorecia que
se apostassem todas as fichas na lealdade de D. Jorge Mascarenhas, um fidalgo que, apesar de
descender de uma antiga linhagem de servidores da Coroa portuguesa, devia sua recente
ascensão à aristocracia portuguesa (primeiro como Conde em 1628 e, depois, Marquês, em
1639) a Felipe IV – a quem se supunha que poderia pagar com sua lealdade. Mais grave, porém,

78
AC, vol. I, pp. 451-65 e 471-2.
79
AC, vol. I, pp. 457, 462, 467 e 469 (citação).
80
PITA, Sebastião da Rocha. História da América Portugueza, desde o anno de mil e quinhentos do seu
descobrimento, até o de mil e setecentos e vinte e quatro. Lisboa: Officina de Joseph Antonio da Silva, 1730, p.
288 (citação); IAN/TT, Ministério do Reino, Conselho da Fazenda, L. 161, fl. 5. Em outros lugares soube-se ainda
depois: Ponta Delgada só recebeu a notícia em abril, apesar de sua proximidade ao Reino – indicador por si só da
maior importância de Salvador: RODRIGUES, José Damião. Poder municipal e oligarquias urbanas: Ponta
Delgada no século XVII. Ponta Delgada: Instituto Cultural, 1994, p. 112. Essas primeiras semanas após a
Aclamação devem ter conhecido muitas discussões sobre como garantir a posse das conquistas, como se depreende
de arbítrio anônimo em RAU, Virginia & SILVA, Maria Fernanda Gomes da (eds.). Os manuscritos do arquivo
da Casa de Cadaval respeitantes ao Brasil. Coimbra: Universidade, 1955, vol. I, pp. 338-9.
81
AHU, cód. 13, fls. 293-296v (primeira citação) – agradeço a Mafalda Soares da Cunha a cessão desse
documento; AC, vol. II, pp. 9-10 (segunda). O mesmo cerimonial, usual na aclamação de um novo rei, foi adotado
em São Paulo, embora a adesão tenha sido menos entusiástica: VILARDAGA, José Carlos. São Paulo na Órbita
do Império dos Felipes: conexões castelhanas de uma vila da América portuguesa durante a União Ibérica (1580-
1640). Tese de Doutorado. São Paulo: PPGHS/USP, 2010, pp. 349-50 (recentemente publicada em livro).
201

foi a fuga de dois filhos (inclusive seu herdeiro) e um sobrinho para Castela, juntando-se a outro
filho que havia permanecido com os Habsburgo. Sua esposa, reconhecidamente pró-castelhana,
foi aprisionada e viveu o resto de seus dias em um convento. A fuga de sua família “implicava
uma estratégia definida que visava entravar o processo de autonomização de Portugal, através
da apropriação das suas fontes de receita ultramarina, onde o Brasil pontuava”82.
Assim, D. João IV achou por bem escrever em 4 de março de 1641 (antes, portanto, de
receber a notícia de sua aclamação no Novo Mundo) cartas patentes nomeando o Bispo D.
Pedro da Silva, o mestre de campo Luiz Barbalho Bezerra e o “fidalgo de minha casa” Lourenço
de Brito Correia para “dar nova forma de governo ao Estado do Brasil pela muita confiança que
faço” nomeando-os como governadores provisórios. Em carta do mesmo dia, D. João escreveu
à Câmara “e posto que creio que a nova [da Aclamação] seria recebida com as demonstrações
devidas e que estarei aclamado e obedecido por rei”, o novo monarca comunicou os vassalos
baianos da nomeação dos governadores provisórios em substituição a Montalvão. As escolhas
do Bispo e do mestre de campo são facilmente compreensíveis: o primeiro era a maior
autoridade religiosa do Estado do Brasil, ativamente envolvido na política e na resistência
contra os neerlandeses desde a chegada em sua diocese, em 163483; já o segundo era o
comandante português mais respeitado na guerra contra os neerlandeses. Quais eram as
credenciais de Brito Correia? Mais do que sua fidalguia, atributo longe de ser único, foi seu
ativo envolvimento no serviço régio nas duas décadas pregressas, assim como sua iniciativa em
escrever com alguma frequência ao centro, que lhe tornaram conhecidos em Lisboa. Assim, D.
João e seus conselheiros provavelmente calcularam que Lourenço de Brito Correia seria capaz
de influenciar a elite baiana a aceitar sem reservas o novo monarca, caso isso ainda não
houvesse ocorrido: recorria-se, portanto, ao poder individual do mais destacado membro dos
homens bons baianos (capítulo III) para garantir a lealdade de seu grupo.
Apesar de a historiografia comumente apresentar a deposição do Marquês como
resultado de uma conspiração entre o jesuíta que trouxe as cartas régias e os nomeados sedentos
de poder, o próprio Montalvão, em memorial escrito por volta de 1650, atribui sua derrubada
apenas a D. João IV84. Note-se que nem nas cartas patentes nem na missiva à Câmara há

82
WHITE, Lorraine. “Dom Jorge Mascarenhas, Marquês de Montalvão (1579?-1652) and changing traditions of
service in Portugal, and the Portuguese Empire”. Portuguese Studies Review, vol. 12, n. 2, 2005, pp. 63-83;
COSTA, Leonor Freire & CUNHA, Mafalda Soares da. D. João IV. Lisboa: Círculo de Leitores, 2006, p. 113
(citação).
83
AHMS, PR, vol. I, fls. 265-271 (citação); carta quase idêntica foi escrita ao escrivão da fazenda Gonçalo de
Pinto de Freitas: DH, vol. 22, pp. 334-5 e possivelmente ao ouvidor-geral (já que está registrada no Livro Dourado
da Relação: ANRJ, cód. 537, doc. G. 10), fazendo supor que tenha sido enviada a todas as autoridades da capitania.
Veja-se também MAGALHÃES, Equus Rusus, vol. I, pp. 176-202.
84
RAU & SILVA. Os manuscritos do arquivo da Casa de Cadaval, vol. I, pp. 381-3.
202

qualquer menção às supostas condições que determinariam que a mudança só deveria ser
efetuada em caso de suspeita de traição por parte do vice-rei. Essa versão provavelmente corria
à boca pequena já nos anos seguintes, sendo impressa pelo Frei Manuel Calado em seu Valeroso
Lucideno e ganhando fama nos séculos seguintes85, certamente auxiliada pelas prisões de
Barbalho Bezerra e Brito Correia após a chegada do novo governador, Antônio Teles da Silva,
em 1642. Entretanto, como demonstrou Pablo Magalhães, a prisão se devia ao fato de que eles
haviam embolsado uma imensa quantia a título de salário, devolvida apenas pelo bispo86.
Mas não nos adiantemos. Em 16 de abril, “na capela mor da Santa Sé” de Salvador
(provavelmente escolhida por ser o recinto capaz de abrigar mais pessoas na cidade), o Marquês
de Montalvão transmitiu o cargo ao bispo D. Pedro da Silva e ao mestre de campo Luiz
Barbalho Bezerra, na presença do provedor-mor da fazenda, do ouvidor-geral, do cabido, do
mestre de campo Joane Mendes de Vasconcelos “e outros muitos ministros e capitães de guerra,
e muitos homens da governança deste povo, e muita gente dele”. Lourenço de Brito Correia
estava fora da cidade (o que possivelmente indica quão inesperada era a notícia), tendo tomado
posse só no dia seguinte, “nos paços de Sua Majestade”, numa cerimônia bem menos pública87.
Os novos governadores mantiveram contatos constantes com o Senado desde o dia de
sua posse. A primeira questão foi, claro, o sustento da infantaria, pois D. João IV havia
magnanimamente levantado todos os tributos impostos nos últimos anos. Não se chegou a uma
conclusão imediata, talvez porque a municipalidade estivesse testando os governadores, mas o
bispo “veio a esta Câmara estando todos presentes e quietos lhe fez uma prática de pastor,
lembrando-lhes a dita necessidade e amor com que Sua Majestade nos tratava (...) e quanto
importava não nos desamparar a infantaria”. O bispo/governador pedia a suas ovelhas “que
apontassem o meio mais pronto e suave que se lhes oferecesse para acudir a este aperto”, e o
consenso a que se chegou apontou para o retorno da imposição dos vinhos88. Uma breve
passagem da ata seguinte indica o impacto da deposição de Montalvão: “em particular se tratou
de muitas coisas com o governo na mudança do vice-rei D. Jorge e dos três governadores”89.
Com pouco mais de um mês no poder, os três governadores também autorizaram que
Salvador possuísse mesteres “como era costume nas cidades e vilas notáveis de Portugal”,
enobrecendo, portanto, o Senado – e, por tabela, aqueles que ocupavam seus cargos90. Também

85
Veja-se, por exemplo, PITA, História, pp. 289-90.
86
MAGALHÃES, Equus Rusus, vol. I, pp. 204-8 é a melhor narrativa da aclamação em Salvador.
87
AHMS, PR, vol. I, fls. 265-71.
88
AC, vol. II, pp. 10-2.
89
AC, vol. II, p. 12.
90
AC, vol. II, pp. 14-7, 23-6 e AHMS, PR, vol. I, fls. 276-277. Antônio Teles da Silva repetiu a autorização:
AHMS, PGS, 1642-8, fls. 6v-9 e 168-175v.
203

apoiaram a decisão camarária de que as posturas da municipalidade deviam ser respeitadas por
todos que atuassem no pequeno no comércio, inclusive os militares91. No geral, parecem ter
atuado de forma similar a seus antecessores, mas a Câmara resistiu um pouco mais a contribuir,
tendo sempre que ser convencida pelo Bispo D. Pedro da Silva, o mais influente dos três
governadores em razão de sua autoridade eclesiástica92. Mesmo geralmente apelando ao “zelo,
amor e fidelidade que devemos ter a El-Rei Nosso Senhor D. João IV, e que tenha que lhes
agradecer nesta empresa de tanta importância em defesa da mesma pátria”, os governadores
não se furtavam a ordenar aos camaristas que cuidassem das fortificações93, fornecessem
gado94, ou até, contra a obstinada resistência do Senado, a obrigar a municipalidade a arrendar
a venda da proibida cachaça. Nesse caso, após longas discussões, “parecendo grande a violência
e nesta ocasião haver alvoroços dos soldados que puseram em cuidado esta cidade”, a Câmara
concordou “para escusar maiores diferenças”95.
Em compensação, os governadores concordaram em permitir que a Câmara interferisse
no preço do açúcar, repetindo o que havia sido feito em 1626 – novamente uma concessão de
um governo provisório, compensando assim sua menor autoridade com maiores benesses96. Tal
tática era necessária porque, quando a necessidade apertava, a solução sempre era recorrer à
municipalidade. Assim, em 21 de junho de 1642 a Câmara foi convocada para se reunir no
palácio com os governadores, os prelados das ordens religiosas, “pessoas de maior autoridade
do povo e governança com homens de negócio, mesteres da cidade e povo”. O Bispo expôs
mais uma vez a situação miserável da Fazenda Real e pediu à junta que se descobrissem os
“meios que mais convenientes fossem à República e menos moléstia fizesse assim ao povo
como ao trato e negociação, de que dependia a conservação de tudo”. A Câmara tomou a
decisão de monopolizar a venda do vinho, aumentando os preços e tentando garantir sua saída
através da proibição da aguardente (conseguindo reverter, assim, a liberação que lhes havia sido
imposta no ano anterior), para o que lhes foi concedido “todo o poder necessário” pelos três
governadores97. Mesmo assim, as necessidades continuaram, e os camaristas foram “chamados
por vezes dos senhores governadores obrigando-nos a que inteiramente” dessem o suficiente
para o sustento da infantaria, o que exigiu o lançamento de uma finta98.

91
AHMS, PR, vol. I, fls. 277-277v.
92
AC, vol. II, pp. 35-41 e 55-7.
93
AHMS, PR, vol. I, fls. 287v-288. Ver também AC, vol. I, p. 58 e 64-5.
94
AHMS, PR, vol. I, fls. 294v-296.
95
AC, vol. II, pp. 47-9. Ver também 50-1.
96
AC, vol. II, pp. 69-74.
97
AC, vol. II, pp. 90-94 e 103-5.
98
AC, vol. II, pp. 112-4.
204

O imperativo máximo do período, a defesa de Salvador e, consequentemente, de todo o


Estado do Brasil, parece ter impedido a adoção de uma política especialmente favorável às
elites locais, mesmo em um momento em que um dos três governadores era ao mesmo tempo
um membro emérito dos homens bons da capitania. Entretanto, como sua contribuição era
essencial para a própria continuidade da dominação português na área que já começava, então,
a ser caracterizada como a mais rica do império, a necessidade de negociar e convencer os
vassalos a continuar suportando um fardo que devia parecer cada vez mais pesado tornava-se
central nas atribuições dos governadores, em um momento de grave crise econômica em razão
das destruições na navegação e no sistema produtivo causadas pela guerra contra os
neerlandeses (capítulo I). Nesse sentido, foi acertada a opção por D. Pedro da Silva como um
dos governadores interinos, pois seu poder de convencimento mostrou-se significativo99.
É notável, porém, que numa conjuntura crítica como a mudança dinástica o Estado do
Brasil possa ter sido governado por mais de um ano de forma provisória, o que poderia reforçar
a ácida crítica da Marquesa de Montalvão, cuja carta comprometedora enviada ao marido
afirma: “este rei que temos não sabe que coisa é o Brasil”100. Isso, porém, seria uma injustiça,
pois em fevereiro de 1641, antes mesmo do envio das missivas que determinaram a deposição
de Montalvão, Diogo de Mendonça Furtado (o mesmo que havia perdido a Bahia para os
neerlandeses) havia sido escolhido para o cargo, o que reforça a tese de que a decisão da
deposição do 1º vice-rei do Estado do Brasil havia sido tomada no Reino101. Não se sabe porque
Mendonça Furtado não atravessou o Atlântico para assumir o posto, mas é provável que a
necessidade de escolher um novo governador tenha sido o principal fator a explicar a demora
na chegada de Antônio Teles da Silva, que só toma posse em meados de 1642.
Filho mais novo de uma casa fidalga com larga tradição de serviço à Coroa, Teles da
Silva servira na restauração de Salvador em 1625 e na Índia. Por si só, porém, essas credenciais
não justificam a escolha de uma figura relativamente desimportante, que sequer sucederia em
uma casa que, na prática, constituía-se em ramo secundário de uma família sem tanto destaque
na aristocracia lusa. As razões da nomeação dessa figura quando certamente haveria outras,

99
Sobre a importância política dos bispos da Nova Espanha, cf. CAÑEQUE, The King’s living image, pp. 70-93
e ISRAEL, Razas, clases sociales y vida política, pp. 193-249, especialmente pp. 212-6, onde se relata a deposição
do vice-rei Duque de Escalona pelo bispo Juan de Palafox, em razão do temor de que o Duque apoiasse a rebelião
portuguesa por ser primo de D. João IV. O paralelo é impressionante com o ocorrido em Salvador (em ambos os
casos o vice-rei era o mais graduado aristocrata a ser nomeado para esse governo até então), mas no México a elite
local não participou ativamente da derrubada do governante, mesmo que estivesse insatisfeita com seu governo:
PAZOS, Maria. El Ayuntamiento de la Ciudad de México en el siglo XVII: continuidad institucional y cambio
social. Sevilla: Diputación, 1999, p. 238.
100
LENK, Guerra e Pacto, p. 276.
101
IAN/TT, Ministério do Reino, Conselho da Fazenda, L. 161, 193-193v. Para uma breve biografia, cf.
COSENTINO, Governadores Gerais, pp. 180-9 e 322-7.
205

mais gabaritadas e prestigiadas, devia-se ao fato de que a preferência entre os maiores fidalgos
estava em servir nas fronteiras do Reino, mas também, e principalmente, à participação
destacada de Antônio Teles da Silva (juntamente com seu irmão, Fernão Teles de Menezes) no
momento inicial de Aclamação de D. João IV, assim como sua ligação com o camareiro-mor
Conde de Penaguião, um dos líderes da “cabala de cortesãos ligados a D. João IV desde seus
tempos de Duque de Bragança” que viam a recuperação por força das armas de Pernambuco
como um ingrediente fundamental para o fortalecimento da nova dinastia102. É provável que a
intensa atividade comercial e o empenho no serviço régio derivassem, ao menos parcialmente,
do ressentimento de haver sido excluído da herança pelo primogênito João Gomes da Silva (que
juntou ao morgado a herança da mãe), aparentemente deixando os filhos mais novos com pouco
de seu. Solteiro, o beneficiário de seus esforços foi o irmão Fernão, que herdou as mercês e
riquezas acumuladas por António e acabou por ultrapassar a casa de origem103.
A escolha provou-se acertada para os objetivos da Coroa – embora essa avaliação
certamente não tenha sido compartilhada por boa parte da elite baiana. A relação começou sem
grandes atritos, inclusive com Teles da Silva ouvindo reclamações contra seus antecessores por
terem embolsado como ordenado parte do dinheiro arrecado pela municipalidade para sustentar
a infantaria104, e caiu no padrão já familiar da demanda por recursos: “me parece advertir nessa
Câmara (...) consultem entre si os meios mais suaves para que se ajustem os efeitos a despesa
e fiquem vossas mercês e suas fazendas seguras e Sua Majestade melhor servido”105.
Após enviar para a Câmara uma detalhada listagem da receita e despesa da Fazenda
Real, demonstrando a necessidade de uma maior contribuição do Senado, Antônio Teles da
Silva convocou várias juntas com os camaristas, o bispo, o agora provedor-mor Sebastião Parvi
de Brito, o provincial da Companhia de Jesus e o ouvidor-geral para se deliberar sobre o melhor
meio. Foi instituída, assim, a vintena (5% da produção agrária) “pelo estilo e modo que se
pagam as décimas em Portugal (...) não excetuando pessoa de nenhuma qualidade e condição”,
a ser cobrada somente até que a Fazenda Real obtivesse mais recursos – e, como sempre, sob
controle exclusivo do Senado: “ficará em depósito no cofre da mesma Câmara, de modo que
nunca virá a ser Fazenda Real nem se poderá impetrar provisão para isso, e alcançando-se pelo

102
COSTA & CUNHA, D. João IV, pp. 283-4; MELLO, Evaldo Cabral de. “O sinal verde d’El Rei” [2002] in: id.
Um imenso Portugal: história e historiografia. São Paulo: 34, 2003, p. 224 (citação) e id. Olinda Restaurada, pp.
336-41.
103
RAU, Virginia. “Fortunas ultramarinas e a nobreza portuguesa no século XVII” [1959] in: id. Estudos sobre
história económica e social do Antigo Regime. Lisboa: Presença, 1984, pp. 29-46 e SUMMAVIELLE, Isabel
Cluny. O Conde de Tarouca e a diplomacia na época moderna. Lisboa: Horizonte, 2006, pp. 23-8.
104
AHU, Bahia, LF, cx. 8, docs. 970, 991 e 999; cx. 9, docs. 1020-1022. Para uma reclamação de um frei
franciscano contra os governadores provisórios, especialmente Lourenço de Brito Correia, cf. cx. 8, doc. doc. 949.
105
AC, vol. II, pp. 120-1.
206

mesmo efeito ficará levantada de todo”106. Como “os efeitos com que acode a Câmara” giravam
em torno de 50.000 ou 60.000 cruzados anuais (mais ou menos o mesmo valor dos dízimos
administrados pela Fazenda Real por esses anos)107, a Bahia contribuía numa escala não muito
distinta do que as mais importantes localidades do Reino através da décima: a comarca do Porto,
por exemplo, ficou responsável em 1645 por cerca de 67.000 cruzados108. Como o que era
efetivamente arrecadado pela décima sempre situava-se abaixo das expectativas (em média,
70%), a população dessa região ainda devia ser mais numerosa do que a baiana, os eclesiásticos
também contribuíam e não havia uma imensa população escrava, a taxação per capita
(considerando-se somente a população livre) no Reino certamente era consideravelmente mais
leve do que na Bahia, mesmo se lembrarmos do tributo do real d’água – o que não deixa de ser
um sinal da imensa capacidade de produção de riqueza de uma sociedade escravista.
Além de ordenar à Câmara que providenciasse gado para abastecer a cidade, o
governador nomeou o escrivão da vintena (que seria acompanhado pelo braço direito de Diogo
Luiz de Oliveira e do Conde da Torre, Diogo Lopes de Ulhoa, que provavelmente também
estabeleceu uma relação próxima com Teles da Silva), proibiu que Gregório de Matos (o pai do
poeta) servisse como tesoureiro dessa contribuição, produziu um regimento para determinar
como devia ser feita sua cobrança e com o que sobrasse após o pagamento da infantaria,
intervindo na mecânica de arrecadação numa escala bem maior que seus predecessores109.

106
AC, vol. II, pp. 122-7.
107
AHU, Bahia, LF, cx. 8, docs. 976-7 (citação) e cx. 9, docs. 1026-8.
108
MAGALHÃES, Joaquim Romero. “Dinheiro para a guerra: as décimas da Restauração”. Hispania, vol. 64/1,
n. 216, 2004, p. 166.
109
AC, vol. II, pp. 133-7, 141 e 143-4; AHMS, PGS, 1642-8, fls. 13-15v, 47-52v, 140-144, 159-168 e 235-239v.
207

Imagem 1: Organograma simplificado da arrecadação dos donativos (c. 1645)

Câmara Governador-
Municipal Geral
Nomeado pelo
governador.

Escrivão do
Donativo

Capitães de Capitães de Capitães de


ordenança ordenança ordenança
Em geral, Teles da Silva ordenava e esperava ser obedecido, não aceitando desculpas,
como quando se registra em ata que “não foi possível persuadir ao dito Senhor Governador que
as rendas que esta Câmara hoje tinha não era mais que a renda do verde e que dessa levava Sua
Majestade a terça parte, e que o mais era muito pouco”110. Teles da Silva não se furtava, porém,
a reconhecer a importância da contribuição da Câmara em suas cartas à Coroa, e nem a atender
algumas de suas reivindicações da elite local, como a necessidade de levantar a moeda, mesmo
porque esse estratagema produziria recursos para o pagamento da infantaria (capítulo VII).
Também ouviu as opiniões da municipalidade em outros temas, como a introdução do cultivo
de gengibre e anil. Da mesma maneira, juntou-se à Câmara e ao bispo para pedir um convento
para Salvador (capítulo III) e concordou com a resistência da municipalidade à instituição do
cargo de juiz do peso, pelo encargo que representaria para os produtores de açúcar111.
Desde o início, porém, Teles da Silva antagonizou importantes facções da elite: além de
enviar preso ao Reino o ex-governador Lourenço de Brito Correia, destituiu o cunhado deste,
João Álvares da Fonseca, do posto de mestre de campo pago da ordenança, e defendeu o
provedor-mor da fazenda Sebastião Parvi de Brito das acusações de Lourenço por eles serem
inimigos “por inimizades antigas” – aproximando-se de Montalvão, que também elogiava Parvi

110
Veja-se, por exemplo, AC, vol. II, pp. 139-40, 146-7, 160-2 (citação).
111
AHU, Bahia, LF, cx. 8, docs. 976-7, 979-80, 994; cx. 9, docs. 1026 e 1029; cx. 10, doc. 1138; cód. 13, fl. 329v;
AC, vol. II, pp. 176-80 e 244-5; AHMS, PR, vol. II, fls. 24v-25.
208

de Brito112. Apesar de ser difícil traçar as fraturas da elite, é de se notar que os camaristas de
1645 endossaram as críticas a João Álvares da Fonseca, indicando uma provável predominância
na municipalidade de adversários do ex-governador Lourenço de Brito Correia113.
Já em janeiro de 1643 o governador deixava entrever certa insatisfação, afirmando que
“nem ainda a vintena, que os moradores ofereceram, rende o que prometia, porque os
pagamentos que se fazem são em açúcares, e esses os somenos e dados com muita
repugnância”114. A prática de dar os piores açúcares para os donativos se perpetuará ao longo
do século e demonstra uma das principais estratégias locais para diminuir o impacto crescente
da fiscalidade em razão da necessidade de sustentar a infantaria e, depois, pagar o donativo de
paz de Holanda e dote da Rainha da Grã-Bretanha (capítulos VI e VII). Da mesma maneira, a
“muita repugnância” em contribuir demonstra os limites do discurso da Câmara que enfatiza o
amor e a lealdade nas contribuições da capitania às necessidades da monarquia.
A tensão se eleva, porém, a partir de maio de 1643, quando o governador ordena que o
juiz ordinário Francisco Barbosa de Brito, o vereador Fernão Pereira do Lago e o Procurador
Paulo do Rego Borges prosseguissem com o expediente da municipalidade mesmo sem o
quórum necessário, pois os juízes Gaspar Pacheco de Castro e Diogo Mendes de Barradas
tinham ido a Boipeba garantir o suprimento de farinhas. Antônio Teles da Silva esqueceu-se de
mencionar, porém, o último dos três vereadores desse ano: o lavrador Francisco Gomes Aranha,
o qual “estava preso”, como a Câmara lembrou em sua resposta. Os camaristas restantes
consultaram o síndico, o qual afirmou ser necessário “declarar-se na dita portaria estar preso o
dito vereador, para com isso eles oficiais na falta deles poderem tomar conhecimento das coisas
da dita Câmara”. Sebastião da Rocha Pita, o retirado de Pernambuco que ocupava a serventia
do ofício de escrivão da Câmara (e avô do historiador homônimo), foi dar conta dessa exigência
ao governador, o qual “respondeu que a portaria estava boa o bastante para o que nela ordenava
e que as razões que contra isso houvesse lhas fosse dar pessoalmente o juiz ordinário Francisco
Barbosa de Brito como pessoa mais inteligente nestes negócios”. Não há como saber se isso foi
feito, mas não creio: as sessões da Câmara ocorreram sem excepcionalidades nos meses
seguintes, e só em 12 de junho o vereador Francisco Gomes aparece novamente entre os
signatários115. Não encontrei nenhum documento que esclarecesse o motivo da prisão, mas é
difícil crer que não se tratasse de uma tentativa de intimidação dos camaristas. Não deve ser

112
AHU, Bahia, LF, cx. 8, docs. 978 (citação) e cx. 9, docs. 1109-10; Avulsos, cx. 1, docs. 53 e 67.
113
AHMS, PR, vol. II, fls. 12v-14.
114
AHU, Bahia, LF, cx. 9, doc. 1003.
115
AC, vol. II, pp. 169-72.
209

alheio à prisão o fato de que quando os camaristas alteraram a forma de cobrança da vintena, o
fizeram “debaixo da aprovação e confirmação do Senhor Governador e Capitão-Geral deste
Estado Antônio Teles da Silva, o qual com os oficiais desta Câmara elegeria os meios mais
acertados e eficazes (...) sem jamais poder perder a natureza do donativo dela”116.
A subserviência fica mais clara, porém, quando o governador “ordeno[u] que de novo
chamem o povo e retifiquem com ele este donativo, prorrogando-o por mais tempo (...) no que
farão de novo no serviço a Sua Majestade e bem a esta cidade, pois é em ordem a sua
conservação”117. O mesmo tom aparece nas ordens para a Câmara terminar as fortificações (o
que os camaristas se apressam a fazer “a satisfação do Senhor Governador-geral Antônio Teles
da Silva”) ou recolher o gado para sustento dos soldados118. Da mesma maneira, quando da
renovação da vintena, o governador-geral convocou os camaristas e informou que “os não
chamava para tomar seus pareceres, se não para lhes dizer pusessem logo em efeito de pôr em
pregão a dita vintena”119. Ainda que a defesa beneficiasse a comunidade, a contribuição da
municipalidade era, como a Câmara recorrentemente enfatiza, um donativo, portanto
teoricamente voluntário. Na prática, porém, o caráter desigual da negociação sobre fiscalidade
é evidente, e sua obrigatoriedade não escapava a ninguém120, especialmente quando o
governador-geral buscava antes obrigar que persuadir, como fez Antônio Teles da Silva nos
primeiros anos de seu governo, seguindo os passos de Diogo Luiz de Oliveira.
Em 1644 o governador-geral não alterou seu procedimento, já que estava tendo sucesso,
pois “1643 foi provavelmente o ano em que Fazenda Real e a Câmara de Salvador levantaram
mais recursos na Bahia, em todo o conflito”121. Teles da Silva brigou, porém, com o ouvidor-
geral, dentre outros motivos porque desejava confiscar a vasta herança da falecida esposa do
senhor de engenho Felipe de Moura de Albuquerque, que teria assassinado sua própria mulher.
Fidalgo e provedor da Misericórdia nesse ano, o prestígio de Felipe era considerável, e o recém-
chegado Manuel Pereira Franco não atendeu às ordens do governador, acabando preso. A
arbitrariedade foi a gota d’água para dois vereadores e um juiz ordinário, que escreveram a D.
João IV queixando-se de Teles da Silva, que “nos ameaça e quem lhe parece e atemoriza com
prisão e castigos (...) e sem tratar das ordens e provisões de Vossa Majestade com que o ouvidor

116
AC, vol. II, pp. 183-5.
117
AC, vol. II, pp. 187-9.
118
AC, vol. II, pp. 190-9 (citação à p.191).
119
AC, vol. II, pp. 201-3.
120
Cf. FORTEA PÉREZ, José Ignacio. “Los donativos en la política fiscal de los Áustrias (1625-1637): ¿Servicio
o Beneficio?” in RIBOT GARCÍA, Luis A. & ROSA, Luigi de (dir.). Pensamiento e política económica en la
época moderna. Madri: Actas, 2000, pp. 39-46.
121
LENK, Guerra e pacto, p. 406. Veja-se AC, vol. II, pp. 230-2, 234-5, 240-2 e 249-52.
210

viu daonde se vê claramente o que poderão fazer uns pobres oficiais da câmara mais que chorar
o sê-lo neste tempo?”122. Os mesmos camaristas saíram em defesa do Bispo D. Pedro da Silva
(com quem o Senado havia entrado em conflito no ano anterior por questões de precedência),
cujo ordenado foi tomado pelo governador, com o objetivo de “matar o bispo de moléstias”,
como vingança pela deposição de Montalvão e por defender o ouvidor123. Antônio Teles da
Silva negou as acusações, mas suas ações as confirmaram, pois admitiu ter prendido dois dos
três signatários da missiva “por escreverem a Vossa Majestade queixas suas, que diz (...) que
são falsas”: os lavradores ricos Luiz Pereira de Aguiar e Francisco Rodrigues de Araújo. O
Conselho Ultramarino criticou por diversas vezes a atitude do governador e, depois de meses e
várias reclamações do Conselho, o rei enviou uma carta régia ordenando a soltura dos presos.
A ousadia de Teles da Silva possivelmente se devia a seu papel na organização da rebelião que
se procurava fomentar em Pernambuco, contando, por isso, com uma larga liberdade de ação
sem contestação do ainda inseguro D. João IV124.
É interessante notar, porém, quais camaristas não foram encarcerados: em 1643, o
governador poupou Fernão Pereira do Lago, de família recentemente estabelecida na capitania,
mas já relativamente influente, e o senhor de engenho Francisco Barbosa de Brito (cujo sogro
havia sido provedor da Misericórdia em 1615), enquanto em 1644 o único dos três a escrever
contra o governador que escapou da prisão foi o senhor de engenho Gregório Rodrigues Varela.
Ao aprisionar três lavradores sem laços com as principais famílias da capitania, o governador-
geral provavelmente procurava evitar se incompatibilizar ainda mais com os mais influentes
membros da elite local, ao mesmo tempo em que deixava claro para eles onde poderiam parar
caso se opusessem aos ditames de Teles da Silva – e se lembrarmos que a cadeia ficava logo
abaixo da casa da Câmara, o cárcere deveria parecer ainda mais degradante para esses
orgulhosos homens. A estratégia pode ter sido bem-sucedida, pois o juiz ordinário Francisco de
Barbuda, de uma família tradicional (seu pai havia sido juiz ordinário quatro vezes), não assinou
nenhuma das duas cartas contra o governador em 1644. A nomeação do poderoso alcaide-mor,
senhor de engenho e fidalgo Antônio da Silva Pimentel como ouvidor provisório em 1642

122
AHU, Bahia, LF, cx. 9, docs. 1079, 1093, 1094 (citação) e 1095; cx. 10, doc. 1112 e 1126-7; cód. 13, fl. 141v.
Cf. também ARAÚJO, Érica Lôpo de. De golpe a golpe: política e administração nas relações entre Bahia e
Portugal (1641-1667). Dissertação de mestrado. Niterói: PPGH/UFF, 2011, pp. 74-82.
123
AHU, Bahia, LF, cx. 10, docs. 1156; cf. também 1155 e 1557-8, CS, vol. I, pp. 18-21, MAGALHÃES, Equus
Rusus, pp. 208-13 e AMARAL, Camila. “As duas espadas do poder”: as relações de tensão e conflito entre o
poder secular e o poder eclesiástico na Bahia (1640-1750). Dissertação de mestrado. Salvador: PPGH/UFBA,
2012, pp. 76-89.
124
AHU, Bahia, LF, cx. 10, docs. 1128-9 (citação); LENK, Guerra e pacto, p. 407-8.
211

certamente objetivava cooptar uma das mais importantes famílias locais, já que a única
qualificação pregressa de Pimentel para o cargo era ter servido como juiz ordinário em 1635125.
Como foi possível que Antônio Teles da Silva adotasse uma atitude tão agressiva nos
primeiros anos de seu governo? A resposta pode estar uma carta de 4 de junho de 1644 em que
o governador-geral dá conta do motim contra Luiz Barbalho Bezerra no Rio de Janeiro em
1643, que teria acontecido porque “a infantaria é pouca, e a mais dela gente casada na mesma
terra, [o que] deu ânimo aos do povo insistirem de maneira a que constrangeram o
governador”126. Infere-se, portanto, que Teles da Silva considerava o grande número de
soldados na Bahia (2500 em 1643 e 2342 em 1644)127 como uma das bases de seu poder,
impedindo que ocorressem revoltas semelhantes – assim como o fato de que boa parte dos
postos de comando era ocupada por homens cujos laços com as elites locais ainda não se
mostravam tão fortes como viriam a ser nas décadas seguintes. Como escreveria pouco depois
um dos principais políticos do Portugal restaurado, o bispo Sebastião César de Menezes, “o
estado bem fundado na disciplina militar resiste facilmente às próprias rebeliões”128. A atitude
de Barbalho Bezerra em seu curto governo fluminense foi muito mais conciliadora do que as
demandas do triunvirato de que fez parte em Salvador, antes pedindo do que exigindo recursos
para sustentar a infantaria, consciente da diferença que havia entre a Bahia, “a quem como
cabeça deste Estado devem as mais capitanias seguir”, e o Rio de Janeiro129.
Entretanto, apesar da ampliação do efetivo, nos últimos anos de seu governo Teles da
Silva não entrou em conflitos abertos com os outros poderes de Salvador e, ao menos em relação
com a Câmara, parece ter alcançado uma coexistência pacífica que, por um lado, implicava
menos autoritarismo de sua parte e, de outro, a desistência da municipalidade de fazer oposição
aberta a seus ditames, assim como a continuidade do seu papel central no financiamento da
defesa militar da capitania130. Curiosamente, o governador-geral parece ter se guiado pelo que

125
AHMS, PGS, 1642-1648, fls. 94-97v.
126
VILHASANTI, Relação Diária, p. 168.
127
LENK, Guerra e Pacto, p. 149. Depois da rebelião que depôs Gelves em 1624 também se considerou importante
a criação de uma infantaria permanente na Cidade do México, ainda que seu número fosse reduzido (apenas 300,
mesmo número que no Rio de Janeiro, uma cidade que não tinha 5% do tamanho da capital da Nova Espanha):
ISRAEL, Razas, clases sociales y vida política, p. 174.
128
MENEZES, Sebastião César de. Summa Política offerecida ao Príncipe D. Theodósio de Portugal. Amsterdam:
Tipographia de Simão Dias Soeiro Lusitano, 1650 [1649], p. 107. Em 1710, um “espelho de governador”
pernambucano enfatizava que “a não se conservarem estes presídios nas conquistas, a representação real na pessoa
dos seus governadores se veria a cada passo escarnecida e ultrajada”: MELLO, Evaldo Cabral de. A fronda dos
mazombos: nobres contra mascates, Pernambuco, 1666-1715. São Paulo: 34, 2003 [1995], 2ª ed., p. 224.
129
AHU, cód. 1279, fls. 13-13v. Veja-se também FIGUEIREDO, Luciano. Revoltas, Fiscalidade e Identidade
Colonial na América Portuguesa: Rio de Janeiro, Bahia e Minas Gerais, 1640-1761. Tese de Doutorado. São
Paulo: PPGHS/USP, 1996, pp. 28-31.
130
Veja-se, por exemplo, AC, vol. II, pp. 298-9, 305, 326-9, 335-6, 338-41 e 344.
212

disse seu adversário Salvador Correia de Sá no Conselho Ultramarino em 15 de dezembro de


1644: “não se necessita hoje no Estado do Brasil senão de pessoa afável para o governo”131.
Assim, quando se discutiu (por iniciativa da Câmara) a proibição da cachaça, o
governador formou uma junta que incluiu os prelados das religiões, o provedor-mor da fazenda,
letrados como Sebastião Parvi de Brito (há muito integrado localmente, como vimos), o capitão
Paulo de Barros, membro da elite nomeado pelo governador como ouvidor-geral provisório132
e outros homens de destaque, como Diogo de Aragão Pereira (representando os senhores de
engenho) e Francisco Fernandes Dosim (como negociante), e concordou com o parecer geral
pela proibição do aguardente133. Graças a essa melhora nas relações (e as mercês concedidas
pela Coroa, como os privilégios do Porto em 1646), foi possível acordar com os moradores a
oferta de exorbitantes 200.000 cruzados “para armar uma esquadra capaz de defender a Bahia”
em 21 de março 1647, no contexto da ocupação neerlandesa da Ilha de Itaparica134. Assim,
quando o governador foi-se embora para o Reino em 1650, os camaristas não se furtaram a
qualificá-lo em uma carta a D. João IV como “tão benemérito desta República que faltaríamos
a nossa obrigação se deixássemos de representar a Vossa Majestade o amor, prudência e
inteireza com que nos governou”135. Depois de três anos de conflito, Antônio Teles da Silva
obteve maiores sucessos quando foi capaz de construir o consenso – ainda que a possibilidade
do uso da força continuasse no horizonte, efetivamente estimulando a cooperação.
Como já havia se tornado usual, uma das primeiras ações do novo governador, Antônio
Teles de Menezes, um dos aclamadores de 1640 e recém-nomeado Conde de Vila Pouca de
Aguiar, foi acordar com a Câmara a cobrança de uma nova imposição sobre o açúcar. Os
camaristas iniciaram a resposta protestando sua obediência, pois

a ordem de Sua Majestade resolutamente determina e manda, e não pede informação nem sobre
a conveniência do intento nem sobre a possibilidade do encargo. (...) Assim só ficava que tratar
do efeito, porque a obediência da ordem real nem se podia pôr em consulta nem a esta havia
mais que responder que obedecê-la.
Procuraram, porém, convencer o governador de que mais uma cobrança seria uma carga
demasiadamente pesada para os já sobrecarregados moradores. Pediram algumas condições

131
AHU, Bahia, LF, cx. 16, doc. 1814 (anexo).
132
AHMS, PGS, 1642-1648, fls. 253v-256v.
133
AC, vol. II, pp. 312-3, 315-6 e 321-6; AHU, Bahia, LF, cx. 10, docs. 1240-1; cód. 14, fls. 12v-13; 181-181v e
188-188v; AHMS, PGS, fls. 277-281v.
134
AHMS, PGS, 1642-1648, fls. 296v-298v. Veja-se MAGALHÃES, Equus Rusus, pp. 343-4 (citação), a quem
agradeço por chamar a atenção para esse interessante documento. Cf. também AC, vol. II, pp. 356-8.
135
CS, vol. I, p. 27. Para uma narrativa do governo de Antônio Teles da Silva que enfatiza inadvertidamente a
relação com a Câmara ao utilizar o acervo do AHMS, veja-se VIANNA JÚNIOR, Wilmar. Modos de governar,
modos de governo: o governo-geral do Estado do Brasil entre a conservação da conquista e a manutenção do
negócio (1642-82). Tese de Doutorado. Rio de Janeiro: PPGH/UERJ, 2011, pp. 117-46.
213

para que o novo tributo entrasse em vigor: que se extinguisse um imposto para financiamento
da armada (a avaria) que começara a ser cobrado quatro anos antes; que o recebedor do novo
tributo fosse eleito pela Câmara; que só as mercadorias enviadas em navios que chegassem são
e salvos no Reino pagassem; que a contribuição fosse automaticamente extinta com o fim do
conflito contra os neerlandeses; que as demais capitanias também contribuíssem; e que o frete
fosse determinado por uma comissão entre mestres de navios e homens de negócio.
A resposta do governador foi notavelmente cortês, elogiando os vassalos por seu “zelo
[e] afeto com que obedecem, e aceitam esta nova ocasião de continuar as demonstrações com
que esta cidade costumou sempre adiantar-se nos empenhos de seu amor e lealdade” e
prometendo intervir junto ao monarca para que “as honras e mercês que merecem” lhes fossem
concedidas. Concorda, assim, com a maioria das exigências, exceto a estipulação de que a
cobrança cessasse com o fim da guerra, pois só o rei poderia conceder tal graça136.
No geral, excetuando-se a prisão do capitão senhor de engenho Manuel de Moura Rolim,
pernambucano estabelecido na Bahia há quase duas décadas (e genro do poderoso Antônio da
Silva Pimentel) por querer largar seu posto para ir servir em sua pátria137, o Conde manteve-se
em bons termos com a elite local, sempre escrevendo respeitosa e elogiosamente à Câmara,
pois “pedir aos vassalos com vexação encontra muito ao meu natural”, como confessou em
carta à municipalidade de 7 de agosto de 1649. Solicitou repetidamente, portanto, que o Senado
procurasse os “meios mais cômodos, mais possíveis e mais suaves” para atender às
necessidades do serviço real. Para além dessa boa correspondência, a Câmara era
frequentemente chamada para as juntas convocadas pelo governador, de modo a participar
ativamente do governo da capitania138.
O Conde de Vila Pouca de Aguiar governou a Bahia no início de uma recuperação, após
duas décadas e meia de conflito: em 1648 restavam apenas 61 engenhos na capitania, 19 a
menos do que 20 anos antes, o tráfico de escravos e os dízimos apenas começavam a elevar-se
(capítulo I) e mantinha-se uma grande pressão fiscal, especialmente em razão da cobrança dos
50.000 cruzados anuais acordados com Teles da Silva. Mais do que nunca a colaboração do
poder local se fazia necessária, e é possível que tanto Teles da Silva quanto Teles de Menezes
tenham percebido que, caso apertassem demais, os vassalos poderiam se rebelar, pois o exemplo
do Rio de Janeiro em 1643 não devia passar despercebido. Esse contexto deve ter estimulado
os governadores a adotar estratégias mais conciliadoras.

136
AC, vol. II, pp. 362-9.
137
AHU, cód. 14, fl. 116v; DH, vol. 65, pp. 341 e 346-7. Veja-se também LENK, Guerra e pacto, p. 206.
138
Veja-se AC, vol. II, pp. 372-5 e vol. III, pp. 7-9, 22-23, 25-6 (citações), 27-8, 31-6 e 40-52.
214

O novo governador-geral, João Rodrigues de Vasconcelos e Sousa, 2º Conde de Castelo


Melhor, manteve a prática, já que estava dando bons resultados. Como, porém, a necessidade
de recursos era sempre premente, em 12 de março de 1650, apenas dois dias após ser
empossado, Castelo Melhor enviou uma proposta à Câmara, pedindo que se instituísse uma
imposição sobre o vinho importado pela Companhia Geral de Comércio (sobre as queixas da
Câmara contra essa instituição, veja-se o capítulo VII). Os camaristas concordaram, e o diálogo
entre ambas as partes se tornou tão produtivo que discutiram até o preço do azeite e do bacalhau
trazidos pela Companhia. Aqui, como em diversos outros momentos, o governador era
consultado e referendava as decisões da Câmara sobre o comércio local, não só para garantir o
abastecimento da praça, mas também para emprestar sua autoridade às decisões do Senado139.
Vasconcelos e Sousa estava impressionado, como se vê em carta escrita um mês e meio
após sua chegada, na qual se sentiu obrigado a “representar a Vossa Majestade o grande zelo
dos vassalos daquele país e que não pode haver no mundo quem os iguale no ânimo” porque,
apesar de tão oprimidos, “ach[a]m toda uma vontade e disposição” para servir a seu monarca.
Pede, então, a D. João IV que tivesse o “cuidado de lhes fazer a mercê e honra que haver lugar
por que desta sorte lhe não faltará aquele animo que tanto importa que não percam” 140 –
reforçando a percepção do quão essencial era a contribuição dos vassalos para sustentação do
domínio bragantino sobre a Bahia e o Brasil. Fazendo jus ao conselho que dera ao rei, o
governador-geral logo depois concedeu aos camaristas um privilégio há muito demandado: o
pagamento de propinas em sete procissões anuais aos oficiais do Senado. Também uniu sua
pena à reivindicação da municipalidade de recriação do Tribunal da Relação141.
A lua de mel vivida nos primeiros meses do governo culminou na eleição do Conde de
Castelo Melhor como provedor da Santa Casa de Misericórdia, onde serviu ativamente e entrou
em contato com homens como os antigos provedores Sebastião Parvi de Brito, Jerônimo de
Burgos e Diogo de Aragão Pereira; os escrivães passados André Cavalo de Carvalho e Jorge de
Araújo de Góis e tendo como companheiro na Mesa da irmandade Paulo Antunes Freire. Quatro
desses homens eram senhores de engenho, e juntos serviram 15 vezes como vereadores e juízes
ordinários, inclusive durante o governo do próprio Conde: André e Jorge foram juízes em 1651
e Paulo vereador três anos depois. Como provedor, o governador autorizou empréstimos a
vários cidadãos ilustres, como ao escrivão da Câmara Rui de Carvalho Pinheiro (600$), ao
secretário de Estado Bernardo Vieira Ravasco (400$) e ao senhor de engenho Cosme de Sá

139
AC, vol. III, pp. 61-3, 68-70 e 198-201; DH, vol. 3, p. 164.
140
AHU, cód. 14, fl. 244v.
141
AC, vol. III, pp. 76-7; AHU, Bahia, LF, cx. 11, docs. 1390-1.
215

Peixoto (400$), todos da mesma facção, como adiante se verá142. Se tudo isso não é garantia de
boas relações com a elite local (tanto o jovem D. Vasco Mascarenhas quanto Diogo Luiz de
Oliveira serviram como provedores, em 1629 e 1632-3, respectivamente), o contato constante
com os mais prestigiosos homens da localidade na irmandade pode ter ajudado a sedimentar
laços pessoais que contribuiriam para o bom relacionamento institucional.
A Câmara aproveitou-se da boa disposição do governador para pedir em agosto de 1650
que a vintena fosse revogada, pois gravava desproporcionalmente os produtores, enquanto
aliviava os homens de negócio – note-se que dos seis camaristas, quatro eram senhores e um
lavrador. Desejava-se, assim, colocar todo o peso na imposição sobre o vinho, imposto indireto
que, como dissemos, distribuía a carga entre toda a população, aliviando consideravelmente a
açucarocracia. A importância da questão é visível no excepcional número de signatários da ata:
65, reunindo boa parte da elite baiana. Castelo Melhor convocou uma junta com os prelados
das ordens religiosas, os provedores da fazenda e alfândega, a Câmara, os administradores da
Companhia e mais interessados, mas seu intento estava claro desde o início: “aliviar em tudo a
este povo que por tantas razões de sua liberalidade e zelo era tão digno de grandes favores”143.
Os administradores da Companhia no Reino não concordaram com a mudança, e
representaram sua insatisfação ao monarca, que procurou remediá-la, desautorizando o Senado
e o governador-geral ao ordenar o retorno da vintena. O interessante é que quem reclamou mais
veementemente foi Castelo Melhor, que chegou a dizer “se os administradores [da Companhia]
hão de tirar à Câmara sua jurisdição, e autoridade, e à Fazenda Real os feitos, lhe parecia
conveniente que se escusasse naquela cidade o exercício dos oficiais da Câmara e dos ministros
da fazenda, e que (...) mandasse Vossa Majestade largar as rendas e imposições daquela praça
aos administradores”. O poderoso apoio do governador permitiu aos camaristas manter o
subsídio dos vinhos, mesmo que depois tenha sido necessário lançar uma finta para reunir
20.000 cruzados em falta para o sustento da infantaria144. Aqui, como na questão da cunhagem
das moedas no final do mesmo ano de 1651 (capítulo VII), a aliança com o representante do
monarca permitia à Câmara protestar sua obediência ao rei ao mesmo tempo em que adaptava
as ordens do centro aos interesses locais.
Castelo Melhor também não teve problemas em convencer os camaristas, “de cujo zelo
confi[ava] todo o bom fim nesta matéria” a taxarem o azeite de baleia para a construção de

142
ASCMS, Livro 1º de Acórdãos, fls. 12v-14 e 15v-18v.
143
AC, vol. III, pp. 88-100 (citação à p. 96).
144
AHU, cód. 14, fls. 293v e 354-355 (citação); DH, vol. 65, p. 365; AC, vol. III, pp. 150-4, 156-66, 176-8 e 266-
7.
216

quartéis (projeto frequentemente mencionado nos vinte anos anteriores, mas nunca realizado).
O Senado decidiu que a cobrança seria de 80 réis em vez dos 160 sugeridos pelo governador,
mas este não se incomodou: “me conformo com o parecer de vossas mercês e o povo, cujo bem
e conservação é o meu principal fim nesse intento”145. Até quando havia discordâncias, como
quando o governador exigiu que a Câmara usasse o último quartel dos 200.000 cruzados
acordados com Antônio Teles da Silva para o sustento da infantaria e não para pagar os
testamenteiros do bispo D. Pedro da Silva (cuja herança havia sido utilizada no governo
anterior, obrigando-se a Câmara a restituir o montante devido por pressão do ex-governador
Antônio Teles de Menezes), Castelo Melhor procurava chegar a um acordo, afirmando que a
Fazenda Real assumiria a responsabilidade pela dívida146.
O ápice do harmonioso relacionamento entre as elites locais e o representante do
monarca foi atingido em julho de 1652, quando o Conde de Castelo Melhor, após reformar a
infantaria para diminuir o número de oficiais e minimizar a carga que representava sobre os
moradores, pede que a Câmara finalmente tome sobre si toda “a receita e despesa da ração
ordinária da infantaria”, recebendo em troca pleno controle sobre a arrecadação e manuseio das
avultadas somas anualmente despendidas para esse fim. Não seriam, portanto, mais obrigados
a aceitarem dispêndios extraordinários ordenados pelo governador; o contingente de soldados
não poderia aumentar, sendo congelado em torno das duas mil praças então existentes; o
governador-geral ordenaria que os militares “nos tenham muito respeito” e castigaria a todos
que ofendessem os camaristas; não haveria privilegiados isentos. A resposta do Conde de
Castelo Melhor foi entusiástica: “acho-me tão obrigado ao ânimo com que vossas mercês se
dispõem a fazer esse serviço a Sua Majestade” que afirmou amar “este povo”147.
Alguns conflitos apareceram, mas eram menores148. O que o governo do Conde de
Castelo Melhor demonstra é, em geral, o caráter benéfico da colaboração tanto para
governadores quanto para camaristas: se o primeiro foi capaz de institucionalizar uma obrigação
que a Câmara na prática já carregava, diminuindo as possibilidades de conflito, chantagem e
discussão nas décadas seguintes, o poder local beneficiou-se do reconhecimento obtido junto
ao representante da Coroa, que reconheceu a ela o direito de se intitular como “nobreza”,
ajudando a legitimar seu estatuto social (capítulo IV), ao mesmo tempo em que concedia

145
AC, vol. III, pp. 101-7 (citações às pp. 102 e 106); DH, vol. 3, p. 174.
146
AC, vol. III, pp. 114-5, 118-20, 125-7 e 134-6.
147
AC, vol. III, pp. 207-26 (citações às pp. 211, 218 e 220) e DH, vol. 3, pp. 173-80.
148
DH, vol. 3, pp. 184-7, 196-7 e, principalmente, 202-3. Veja-se também o entrevero com Bernardo Vieira
Ravasco, que sentia-se desprestigiado pelo governador: DH, vol. 66, pp. 33-4, 40-1, 51-2 e 110; AHU, Bahia, LF,
cx. 13, docs. 1546-8 e cód. 15, fl. 1; BPA, 50-V-36, fl. 299.
217

irrestritamente à Câmara o controle sobre dezenas de milhares de cruzados. Ainda que o destino
final desses recursos já estivesse determinado, o seu manejo deve ter trazido benefícios para os
membros da elite local, como insinuam acusações anteriores e posteriores.

Conclusão
As décadas analisadas demonstram o papel crucial dos governadores na negociação das
contribuições dos vassalos americanos, muito mais importante nesse contexto do que a
comunicação direta com o distante monarca. Tal fenômeno se deu em todo o ultramar ibérico,
não só na tentativa de cumprir as demandas da monarquia, mas também para adaptá-las aos
interesses das elites locais, obtendo o consentimento sem o qual nada se podia fazer149.
Em certo sentido, porém, o debate era limitado na Bahia, pois nem a Câmara ousava
pedir grandes mercês e nem o governador-geral possuía autoridade para concedê-las,
distinguindo-se, portanto, da relação entre o cabildo da Cidade do México e o vice-rei da Nova
Espanha, que assistiu a convolutas negociações entre 1620-50, pois os Habsburgo, como bem
se sabe, estavam desesperadamente necessitados de recursos para defesa de seu império. A
capital novohispana, exigiu, porém, concessões muito maiores do que poderiam ser imaginadas
na América Portuguesa. No final das contas, pode-se dizer que Salvador saiu em vantagem,
pois sua contraparte mexicana teve a maioria de seus pedidos negada pelo rei e ainda foi
obrigada a renunciar em 1643 à administração direta do imenso donativo para criação de uma
armada, em razão da falência municipal150, enquanto Salvador reforçou seu controle sobre os
recursos arrecadados em 1652, com o acordo realizado com o Conde de Castelo Melhor.
A relação entre representantes do rei e da República dependia em considerável grau do
temperamento do governador, mas também das circunstâncias: os dois mais autoritários foram
enviados para a América em conjunturas críticas – a restauração de Salvador e a mudança
dinástica – momentos em que se fazia necessário organizar a defesa da capitania e,
consequentemente, do Estado do Brasil. Ao mesmo tempo, algumas de suas atitudes só foram
possíveis pelo controle de uma grande guarnição permanente, uma excepcionalidade no Novo
Mundo e mesmo no Velho. Nesse sentido, a experiência política das principais municipalidades
ultramarinas divergia consideravelmente de suas contrapartes europeias, devido a um contato
muito mais intenso com a administração periférica da Coroa151.

149
AMADORI, Arrigo. “No es menos servicio diferir que el ejecutar. El programa fiscal de Felipe IV para el Perú
y la gestión del virrey Chinchón (1629-41)”. História, vol. 46, n. 1, 2013, pp. 7-37.
150
CAÑEQUE, The King’s living image, pp. 59-64 e PAZOS, El Ayuntamiento, pp. 231-7.
151
Mesmo no Porto, que possuía um Governador da Relação, a relação entre ele e a municipalidade era episódica:
SILVA, Francisco Ribeiro da. O Porto e o seu termo (1580-1640): os homens, as instituições e o poder. Porto:
218

Entretanto, se a infantaria reforçava a posição do governador, não permitia de maneira


nenhuma que o representante real prescindisse do apoio local. No máximo, o protegia em algum
grau das consequências do descontentamento local e o ajudava a impor sua vontade em
momentos específicos152. Como já se escreveu a respeito de São Miguel, “o poder central
necessita desses grupos dirigentes para alcançar os seus fins: são eles quem controlam a vida
das populações e quem organiza, ao nível das comunidades, a arrecadação. Quem controla a
avaliação dos bens dos moradores e as estruturas de cobrança, senão eles?”153.
Entretanto, não devemos nos surpreender com o fato da Câmara ter contribuído com
quase tudo que os governadores-gerais exigiram. O que já se escreveu sobre as Cortes de
Castela na primeira metade do seiscentos bem se aplica às elites baianas:

se elas eventualmente concederam ao rei a maior parte do que ele desejava, não foi mais do que
o Parlamento deu a James I e Charles I. Significa apenas que elas não viam como sua função
primordial negar dinheiro ao rei; que, considerando a situação militar da monarquia, não havia
outra alternativa; que elas eram bem pagas por isso, e que foram capazes de bloquear propostas
que consideravam prejudiciais aos [seus] melhores interesses154.
Os últimos anos do período demonstram que a colaboração tornava-se cada vez mais
importante do que as ameaças a partir de meados da década de 1640 – desenvolvimento
provavelmente ligado ao lento fortalecimento da elite local como um todo, mesmo na crise
vivida entre 1638-48 (capítulos I, III e IV) e, em alguma medida, aos limites do poder dos
próprios governadores, que não podiam por motivos práticos (inclusive a limitada disciplina de
seus soldados) e ideológicos (pois o ideal a ser perseguido era um governo consensual) utilizar
constantemente a infantaria para fazer valer suas decisões. Esta acabava por funcionar como
um instrumento de dissuasão em última instância, cuja utilização devia ser limitada. Ao fim e

Arquivo Histórico/Câmara Municipal, 1988, vol. II, pp. 974-9. É possível que os governadores militares na
Restauração exercessem papel análogo, mas sua atuação era mais circunscrita às questões militares, mesmo que
interferissem na jurisdição municipal: HESPANHA, As Vésperas, p. 294; CARDIM, Pedro. “La Corona y las
autoridades urbanas en el Portugal del Antiguo Regímen. Entre los Habsburgo y los Braganza” in: BRAVO
LOZANO, J. (ed.). Espacios de poder. Cortes, Ciudades y villas. Madri: Limencop, 2002, p. 44; FONSECA,
Teresa. “The Municipal Administration in Elvas During the Portuguese Restoration War (1640-1668)”. e-Journal
of Portuguese History, vol. 6, n. 2, 2008, pp. 8-11 e COSTA, Fernando Dores. “Governadores de armas, mestres
de campo e capitães-mores no Alentejo durante a Guerra de Restauração: inovações na administração e centros
periféricos de poder” in: VILAS, Hermínia; CUNHA, Mafalda Soares da & FARRICA, Fátima (coords.). Centros
periféricos de poder na Europa do Sul (séculos XIII-XVIII). Lisboa: Colibri, 2013, pp. 200, 207 e 215-6.
152
Sobre a relação entre violência e negociação, veja-se VALLADARES, Rafael. A conquista de Lisboa: violência
militar e comunidade política em Portugal, 1578-1583 (trad.). Lisboa: Texto, 2010 [2008] e RUIZ IBAÑEZ, José
Javier & SABATINI, Gaetano. “Monarchy as conquest: violence, social opportunity, and political stability in the
establishment of the Hispanic Monarchy” (trad.). The Journal of Modern History, vol. 81, n. 3, 2009, pp. 501-36.
153
RODRIGUES, Poder municipal, p. 120, após analisar uma dinâmica bastante similar à baiana, em razão da
presença de um governador em São Miguel.
154
THOMPSON, Irving. “Castille” in: MILLER, John (ed.). Absolutism in seventeenth-century Europe. Londres:
Macmillan, 1990, pp. 81-2.
219

ao cabo, “na concepção holística da monarquia, qualquer divisão enfraquece o todo; somente a
concórdia e a união entre todos os corpos do reino sustentavam sua estabilidade”155.
O aspecto decisivo para o aumento da importância política da Câmara foi o fato de que
o grosso do esforço fiscal passou a ser suportado pelos moradores: se alguns reclamavam do
descaso filipino frente às conquistas portuguesas, foi a dinastia bragantina que largou sobre os
vassalos a obrigação de financiar sua própria defesa, pois a prioridade central passava a ser a
guerra na Europa contra o inimigo castelhano. A “suavidade”, recomendação recorrente na
ordenação fiscal desde inícios do século, torna-se ainda mais importante nesse contexto156.
Entretanto, como o objetivo no Brasil, diferentemente da monarquia hispânica, não era
o envio de recursos para a Europa (já que a Coroa se beneficiava da riqueza americana
principalmente através da tributação do açúcar nas alfândegas), mas sim sua utilização na
própria localidade, o aumento da carga fiscal pôde basear-se na ampliação do poder municipal
e, consequentemente, do grupo que a dominava, pois somente esses possuíam autoridade e
legitimidade suficientes para arrecadar os recursos. Na América como na Europa, “a teia de
relações interpessoais condicionava os resultados das diligências administrativas”, e por isso a
responsabilidade pela apuração e arrecadação devia caber aos poderes locais157.
Se em ambos os lados do Atlântico “os impostos e as forças militares foram os temas
que motivaram um contato mais intenso entre o poder central e o poder local”, o Brasil
distinguiu-se de Portugal, onde a inovação fiscal das décimas ficou sob responsabilidade da
Coroa após o acordo com o Reino nas Cortes (ainda que os municípios e suas elites fossem os
principais executores). O aumento na tributação na Bahia se deu de forma caótica, variando de
ano a ano através dos acordos com os governadores para uma busca em cada conjuntura por
meios que fossem menos prejudiciais à elite baiana, que manteve o controle sobre as novas
formas de arrecadação. A guerra sempre gerava transformações, mas essas se deram quase
inteiramente a nível local na América, embora também aqui essas inovações tenham
estabelecido precedentes fundamentais que resistiram até a centúria seguinte158.

155
GANTELET, L’absolutisme au miroir de la guerre, p. 74. Apesar do maior peso do exército e da administração
periférica da Coroa em Metz, a figura do governador (instituído quase simultaneamente ao governador-geral na
América) e sua relação com o poder local oferece muitos paralelos com o caso baiano, inclusive o papel
fundamental do poder local no financiamento da defesa entre 1630-60, com a consequente ampliação de sua
autoridade e possibilidade de ganhos financeiros (pp. 201-32).
156
LENK, Guerra e pacto, pp. 275-98 e 405-10; MELLO, Olinda restaurada, pp. 159-69.
157
CUNHA, Mafalda Soares da & MONTEIRO, Nuno Gonçalo. “Velhas formas: a casa e a comunidade na
mobilização política” in: MONTEIRO, Nuno (coord.) & MATTOSO, José (dir.). História da Vida Privada em
Portugal. Lisboa: Círculo de Leitores, 2011, vol. II: A Idade Moderna, p. 406.
158
CARDIM, “La Corona y las autoridades urbanas”, p. 29 (citação); MAGALHÃES, “Dinheiro para a guerra”,
pp. 157-82; COSTA, Leonor Freire. “Fiscal innovations in Early Modern States: which war did really matter in
the Portuguese case?” Lisboa: GHES, 2009, documento de trabalho n. 40.
220

Assim, ao aceitarem uma carga fiscal consideravelmente mais elevada da que haviam
conhecido antes de 1625, os homens da governança baianos assumiram um papel cada vez mais
central no império (visível pela permissão de enviar procurador para as Cortes, em 1653). Seu
processo de transformação em nobreza justificava e potencializava esses desenvolvimentos,
pois, quanto mais respeitado o Senado, mais prestigioso se tornava o grupo composto por
aqueles que exerciam o mando nessa República (capítulo IV). A nobreza em formação reforçava
sua posição cimeira na capitania através do prestígio obtido junto à Coroa graças a um peso, na
prática, compartilhado pela população da capitania. “Assim, o ‘povo’ custeou os privilégios de
cidadania da nobreza”159. Dentro de uma ideologia em que a elite representava a “cabeça da
República” e a desigualdade era naturalizada, a distribuição díspar de fardos e benesses fazia-se
plenamente justificada – ao menos aos olhos da elite, cuja concepção de bem comum incluía acima
de tudo seu próprio grupo. Assim, a participação da elite americana na defesa ampliou seu poder
principalmente em termos coletivos e institucionais, e não só individualmente, como ocorrera
nos vice-reinados hispano-americanos, onde mecanismos como a venda de ofícios e a
prorrogação da posse de encomiendas “lhes permitiram acrescentar sua participação no
exercício do poder e acentuar a necessidade de a Coroa contar com sua colaboração para obter
recursos, remessas elevadas [para a Europa] e governar o vice-reinado”160.
Dessa maneira, a Câmara alcançara um maior poder de barganha, tornando-se a aliada
fundamental do governador na tarefa de garantir o domínio português sobre o Estado do Brasil.
O poder local não estava limitando a atuação da Fazenda Real ou privando-a de recursos161,
mas ampliando seu alcance, pois somente através dos “donativos”, em razão de seu caráter
teoricamente voluntário, era possível reunir uma parte significativa do excedente social e
direcioná-la para a defesa da capitania. A direção dos governadores provou-se central,
especialmente nas décadas entre 1625-45, mas o acordo com o Conde de Castelo Melhor em
1652 representou o reconhecimento final de que a nobreza baiana podia administrar elevadas
quantias, mesmo que estas fossem, em princípio, pertencentes à Fazenda Real. Formalizava-se,
assim, o papel crucial das elites baianas na defesa do Estado do Brasil, com a consequentemente
elevação dos homens da governança a uma nobreza crescentemente coesa e influente.

159
FRAGOSO, João. “Fidalgos da terra e o Atlântico sul. Rio de Janeiro na primeira metade do século 17” in:
SCHWARTZ, Stuart & MYRUP, Erik (orgs.). O Brasil no império marítimo português (trad.). Bauru: EDUSC,
2009, p. 101; veja-se também pp. 96 e 105.
160
AMADORI, Arrigo. Política americana y dinâmicas de poder durante el valimento de Olivares (1621-1643).
Tese de Doutorado. Madrid: Universidade Complutense, 2011, pp. 325-443, citação à p. 437. Na América
Espanhola, os comerciantes também exerceram um papel muito mais importante no financiamento da defesa, em
razão do maior desenvolvimento desse grupo e da liquidez gerada pela mineração.
161
FIGUEIREDO, Revoltas, fiscalidade e identidade colonial, pp. 479-83.
221

Capítulo VI

Pela Quietação dos Povos:


elites e governadores em busca do consenso (1654-94)
Estando ele dito Conde Vice-Rei governando este estado com a moderação e justiça que convinha ao
serviço de Vossa Majestade e bem de seus vassalos, evitando por todas as vias com seu procedimento
as queixas que do contrário costumam resultar, procurando com todo o desvelo manter em paz e
quietação aos moradores que é o fim de um acertado governo.
D. Vasco Mascarenhas, 1º Conde de Óbidos e 2º Vice-Rei do Brasil, 16651.

Este é o estado em que se vive, cada três anos com novo senhor, e a maior fortuna dos que lhe
procuram ganhar a vontade é conservar-se nela até o fim, o que sucede a poucos. E, contudo, me diz
vossa mercê que fiz muito bem em me vir para o Brasil.
Padre Antônio Vieira, Carta a Diogo Marchão Temudo, 1º de julho de 1687.

Sob a Sombra da Guerra (1654-70)


Os conflitos podiam ter acabado na América, mas ainda era necessário sustentar os
2.000 soldados que permaneciam em Salvador – número que baixaria para cerca de 1.500 no
final da década de 16502, ficando em torno de mil nos decênios seguintes. Em razão do perene
temor de invasões, potencializado pela continuidade da difícil negociação de paz com os
neerlandeses (só finalizada em 1669), Salvador continuaria a manter a maior guarnição
permanente da América. Em acréscimo, a continuidade do enfrentamento com Castela – o qual,
em 1657, adentraria em sua fase mais crítica –condicionava as ações da monarquia portuguesa.
Assim, em junho de 1654, enquanto esperava a chegada de mais vinhos que pagariam a
imposição, a Câmara decidiu lançar um “empréstimo” sobre a população para obter os 6.000
cruzados que faltavam para completar os 40.000 comumente arrecadados pela extinta vintena.
A desigualdade na distribuição era evidente: 20$000 para os senhores de engenho “de maior
rendimento” e 10$000 “os de menos (...) e a esse respeito os lavradores e moradores”, mais
uma vez poupando os proprietários de moendas de contribuir proporcionalmente a sua
capacidade3. O mais interessante, porém, é que não havia mais necessidade de interagir com o

1
AHU, Bahia, cx. 19, doc. 2144.
2
LENK, Wolfgang. Guerra e Pacto Colonial: a Bahia contra o Brasil Holandês (1624-1654). São Paulo: Alameda,
2013, p. 149.
3
AC, vol. III, pp. 266-7.
222

governador na resolução desta temática, porque o acordo de 1652 com o Conde de Castelo
Melhor permitia à Câmara grande autonomia, desde que garantisse o sustento da infantaria.
O representante do rei na América, porém, continuava a ser o principal interlocutor das
elites baianas. Assim, pouco após à chegada do Conde de Atouguia (outro dos aclamadores de
1640) em Salvador, os camaristas escreveram ao monarca em 14 de fevereiro de 1654,
agradecendo-lhe por lhes “mandar governador tão autorizado, cristão e zeloso do serviço de
Vossa Majestade e do bem e aumento deste Estado. Asseguramo-nos de que em seu tempo
teremos grandíssimas felicidades porque assim o mostram seus princípios”4. Procuravam,
assim, manter as boas relações estabelecidas nos anos anteriores – com sucesso, como veremos.
Com a expulsão dos neerlandeses, intensificam-se os conflitos com o gentio e a
ocupação do sertão. Combater “bárbaros”, porém, também custava dinheiro, ainda que menos
do que guerrear contra hereges. Assim, é novamente a municipalidade a financiar o esforço
bélico, em resposta a uma petição dos moradores de duas freguesias frequentemente atacadas
pelos indígenas, Jaguaripe (capítulo II) e Peroaçu. O governador-geral exerce um papel central
na coordenação da expedição, mas “se conform[a] com tudo o que” o Senado resolveu quanto
aos meios de financiá-la5.
Em novembro de 1654 também foi necessário obter autorização do Conde de Atouguia
para autorizar por um ano a venda de cachaça e taxá-la, de modo a suprir o dinheiro que faltava
para o sustento da infantaria, pelos poucos vinhos que haviam chegado na capitania 6. Aqui,
como em outras questões em que se julgava recomendável recorrer à autoridade do governador-
geral “para que este assento tenha força e vigor e fique valendo como lei inviolável”, as elites
locais e o representante do monarca estavam em acordo7. No mesmo sentido, tanto em março
de 1655 quanto em maio de 1656 a Câmara e o governador-geral colaboraram para aprestar
uma pequena armada guarda-costas para defender o porto de Salvador contra corsários
neerlandeses, protegendo o comércio e a produção açucareira. O Conde também permitiu,
contra as ordens régias, que os moradores pudessem carregar alguns navios pequenos para
mandar açúcares ao Reino, após uma longa petição do Senado8.

4
CS, vol. I, p. 47. Veja-se também AHU, cód. 15, fl. 98.
5
DH, vol. 3, pp. 223-4, 229-30 (citação), 247-8 e 254-5; AC, vol. III, pp. 271-4. Veja-se também o excelente artigo
de MARQUES, Guida. “Do índio gentio ao gentio bárbaro: usos e deslizes da guerra justa na Bahia seiscentista”.
Revista de História (USP), vol. 171, 2014, pp. 15-48, mais preocupado com as motivações políticas da elite do
que o detalhado trabalho de PUNTONI, Pedro. A Guerra dos Bárbaros: povos indígenas e a colonização do sertão
nordeste do Brasil, 1650-1720. São Paulo: HUCITEC/EDUSP, 2002.
6
AC, vol. III, pp. 275-8. Veja-se também pp. 286-8 e 325-7, assim como DH, vol. 3, pp. 344-5.
7
Veja-se AC, vol. III, pp. 301-4 (citação à p. 303) e 310-9, dentre outros.
8
AC, vol. III, pp. 288-90 e 320-2 (veja-se também 328-30); AHU, Bahia, Avulsos, cx. 1, doc. 102.
223

Atouguia, por sua vez, acostumou-se a consultar a Câmara sobre diversas questões,
desde um pedido de patente sobre um invento que possibilitava aos engenhos moerem com
menos lenha ao pagamento do soldo dos sargentos-mores Ascenso da Silva e Antônio Pereira,
“porque o socorro da infantaria corre por conta de vossas mercês, me pareceu não lhes deferir
sem vossas mercês me darem seu parecer sobre esta matéria”9. Em questões mais importantes,
como uma tentativa de abertura do comércio com o Rio da Prata, não só a Câmara (que deveria
“ouvir também o voto da nobreza, homens de negócios e povo desta cidade”) mas também a
Relação, os oficiais da fazenda, os prelados das ordens religiosas e o cabido eram consultados10.
Há facetas da relação entre os governadores e as elites baianas, porém, que não podem
ser capturadas através da troca de correspondências. Os laços pessoais certamente exerciam um
papel determinante, mas são de difícil percepção, já que raramente aparecem explícitos na
documentação. Momentos de conflito, por mais breves que sejam, nos oferecem importantes
relances sobre essas relações, geralmente submersas no protocolar epistolário oficial.
Atentemos, então, para um papel anônimo de 10 de janeiro de 1651, que pôde tratar do
que geralmente se calava. O libelo afirma que “este miserável e afligido povo está aflito pelo
mau governo que estamos sustentando a infantaria com fintas e mais fintas, e porque os
governadores se aproveitem do que lhe hão de mandar e do que nos tiram tiranicamente”. Sua
redação confusa sugere que tenha sido produzido por alguém não muito familiarizado com as
convenções da escrita oficial seiscentista, dando certa credibilidade à defesa dos “mais pobres”
que perpassa o texto. Aponta-se como “cabeça” dos assaltantes do bem comum “Rui de
Carvalho Pinheiro, escrivão da Câmara que vai pelas pisadas de seu pai, ladrões da imposição
grande” dos vinhos. Abra-se um parêntese: o sargento-mor Rui de Carvalho Pinheiro herdou o
cargo alcançado em 1587 pelo seu avô, como recompensa por sua participação na malfadada
expedição marroquina de D. Sebastião, de modo que a memória administrativa do Senado se
manteve por quase 100 anos na mesma família, até a morte sem descendentes de Rui em 1673.
Juntamente com seus cunhados, Bernardo Vieira Ravasco (irmão do Padre Vieira e secretário
do Estado do Brasil) e Simão Álvares de la Penha (letrado pernambucano que à época da
denúncia ocupava o posto de provedor-mor da fazenda), prendiam adversários, soltavam
aliados, assentavam praça de soldados a desafetos, fraudavam o contrato dos dízimos e das
baleias e não pagavam o que deviam à Fazenda Real. Outro cunhado de Rui de Carvalho

9
DH, vol. 3, pp. 320-1.
10
AC, vol. III, pp. 330-2 e DH, vol. 3, pp. 354-6 (citação).
224

Pinheiro era o letrado João de Góis de Araújo (capítulo III), que passou a servir como síndico
(isto é, advogado) da municipalidade desde 1653, fortalecendo o poder dessa camarilha11.
As denúncias foram corroboradas por Antônio da Fonseca (possivelmente o próprio
autor delas), que se apresentou em Lisboa em 1652 como “procurador do povo” de Salvador
após ter servido como juiz do povo no ano anterior. Em resposta, a Coroa incumbiu em finais
do mesmo ano o desembargador da recém-reconstituída Relação, Luiz Salema de Carvalho, de
investigar as contas do Senado, e ainda proibiu que se pagasse qualquer remuneração aos
responsáveis pela arrecadação dos donativos12. No Reino, pelo menos desde 1649, já se buscava
examinar os livros de contas das Câmaras referentes às décimas, e em 1651 se desejava que
letrados supervisionassem a arrecadação, de modo que essa resolução não parece excepcional13.
A averiguação só começou em 1654, já sob o governo de Atouguia. O sindicante
encontrou diversas dificuldades, mas percebeu imediatamente que os recursos eram
frequentemente alocados em destinos distintos do que havia sido planejado originalmente: a
imposição sobre o azeite de baleia para construção dos quartéis, por exemplo, serviu tanto para
pagar os soldos atrasados dos soldados quanto para obras de fortificação. Os desvios eram mais
graves na cobrança sobre as vintenas: “os pobres se queixam, vendo que os ricos, uns pagam
pouco, e outros nada, com que se acomodaram alguns dos poderosos a também não darem,
enriquecendo muitos dos que entraram nas vintenas, a título de ajudas de custo e ordenados”,
que chegaram a representar em um ano 1.315$772 (mais de 5.000 cruzados, 13% da
arrecadação estimada desse donativo). Os “cobradores das freguesias (que são os poderosos)”
– geralmente os capitães de ordenança de cada freguesia – exigiam dos contribuintes mais do
que o devido, embolsando a diferença. Assim, mesmo quando a tributação era direta e
distribuída de forma teoricamente mais equitativa, a desigualdade era reforçada pelos
diferenciais de poder, e parte considerável da arrecadação era distribuída para as elites locais,
efetivamente comprando sua aquiescência. Assim, não só o “amor e a lealdade” ao monarca,
ou ainda o objetivo compartilhado de defender sua terra, estimulavam a elite baiana a aceitar as
demandas dos governadores por mais e mais recursos, mas também as inconfessáveis
perspectivas de ganho monetário imediato – além do poder de forçar seus inimigos a pagarem

11
. AHU, Bahia, LF, cx. 13, doc. 1610 e cx. 16, doc. 1874. Sobre Rui de Carvalho Pinheiro, cf. IAN/TT,
Chancelaria de Felipe I, Livro 12, fl. 306v, L. 23, fls. 282v-283 e L. 28, fls. 40-40v; Chancelaria de Felipe II, L.
35, fls. 135-136; Chancelaria de D. João IV, L. 13, fl. 377, L. 15, fl. 275 e L. 20, fls. 271-271v; IAN/TT, HOC, L.
R, mç. 1, n. 86 e COC, L. 41, fls. 155-156; sobre João de Góis de Araújo como síndico, AC, vol. III, p. 233.
12
Para a presença de Antônio da Fonseca nas vereações, veja-se AC, vol. III, pp. 121, 134, 143, 151, 153, 174,
176 e 178; suas representações na Corte em IAN/TT, Manuscritos da Livraria, Assumptos do Brasil, L. 1116, 175-
8. A carta régia está em AHMS, PR, vol. II, fls. 33-33v.
13
MAGALHÃES, Joaquim Romero. “Dinheiro para a guerra: as décimas da Restauração”. Hispania, vol. 64/1, n.
216, 2004, pp. 170 e 180.
225

mais do que lhes era devido ou permitir que os aliados se safassem por menos. O
desaparecimento da documentação fiscal produzida pela municipalidade torna difícil observar
o funcionamento dessa dinâmica, mas nem o denunciante anônimo nem o desembargador
pareciam ter dúvidas quanto à profunda desigualdade inerente à tributação camarária.
Os poderosos também se distinguiam entre si, e “entre todos se avantajou muito o
escrivão da Câmara Rui de Carvalho Pinheiro (...) que a governa, e faz nela o que quer, o qual
como sente muito as ditas contas pelo que se entende deve nelas, faz fazer todas as diligências
porque se não concluam nem averiguem os descaminhos”. O desembargador reafirma, portanto,
as acusações contidas no papel anônimo que deu origem à investigação, inclusive no tocante à
participação dos cunhados de Carvalho Pinheiro e o conluio nos dízimos, o “que mais e melhor
constaria e se descobriria se Vossa Majestade se servira de mandar sair daquela cidade aos
sobreditos e a seu cunhado Bernardo Vieira Ravasco para distância apartada, pelo muito que
naquele povo são temidos, por seu poder e riquezas, causa porque se cala muito do que convém
se descubra, e pelas vinganças que continuamente executam”14.
A prudência de Atouguia se contrapôs à sanha persecutória do desembargador, como se
vê em carta ao monarca de 2 de julho de 1655: “não foram seus erros fundados em malícia ou
ambição (...) resolve[ndo] que por ser esta culpa tão geral, se não apertasse por hora com
vassalos que com tanto zelo e lealdade haviam servido a Vossa Majestade em todas as
ocasiões”. O Conde defendia, portanto, que não se devia fazer caso dos eventuais desvios, pois
os serviços passados e presentes mais do que os compensavam. Procurava, assim, evitar um
conflito que pudesse perturbar o consenso estabelecido. O Conselho Ultramarino, porém, deu
razão ao desembargador e pediu a continuidade da investigação, parecer com o qual rei
concordou, exarando carta régia nesse sentido15.
A insistência de Salema de Carvalho incomodou o governador, que respondeu ao
sindicante, segundo conta este em carta de 9 de setembro de 1656, “que por nenhum caso que
fosse os [aos investigados] havia de deitar da terra”, isto é, exilá-los de Salvador. Mesmo assim,
o desembargador conseguiu testemunhas que comprovariam que Rui de Carvalho Pinheiro
usaria seu cargo de escrivão para adulterar os livros da Câmara e esconder seus malfeitos,
contando para isso com o auxílio de seu primo Manuel Ribeiro de Carvalho e do senhor de
engenho e juiz ordinário Cosme de Sá Peixoto, que pressionaram um livreiro preso por dívidas,
Gaspar Carvalho, a falsificar os livros de contas dos donativos.

14
AHU, Bahia, LF, cx. 13, doc. 1610.
15
AUC, CCA, Livro Governo da Baía, 1654-93, VI-III-1-1-7, fls. 4v-5 (citação); DH, vol. 66, pp. 92-4.
226

Mais interessante ainda é o laço que Salema de Carvalho aponta entre o governador e
essa facção: Frei Diogo “primo de Rui de Carvalho Pinheiro é confessor do governador e com
ele veio do Reino, e todos são os validos e usam eles muitos o poder grande por sua parte o que
Vossa Majestade foi servido de dar” a Atouguia. Segundo esse relato, o Conde ajudava os
acusados a intimidar as testemunhas e o próprio sindicante foi repreendido pelo governador,
durante uma missa, por estar sentado enquanto Atouguia ouvia a pregação de joelhos. Salema
de Carvalho, afrontado, respondeu ser velho, doente e cavaleiro da Ordem de Cristo, mas
mesmo assim “me foi forçado vir-me para casa por não me expor” à humilhação16. A boa
opinião de Atouguia sobre um dos membros da facção, Bernardo Vieira Ravasco, pode ser
atestada por uma certidão apresentada anos depois pelo secretário – a qual se somava a
testemunhos favoráveis de Teles da Silva e do Conde de Vila Pouca de Aguiar, demonstrando
o quanto os governadores se apoiavam em seu secretário pelas “grandes notícias das coisas que
tocavam ao governo e conhecimento dos homens que vivem por estas capitanias, o que é grande
efeito para o governo dele”, como destacou Vila Pouca17. A memória administrativa e o
conhecimento sobre os poderosos locais com os quais um governador teria de lidar tornavam o
conselho de Vieira Ravasco indispensável para os representantes do monarca recém-chegados.
Esse caso é especialmente interessante por demonstrar tanto o poder de uma facção
capaz não só de interferir na cobrança dos donativos, o que implicava influência e lucros, graças
às grandes somas envolvidas, mas também de cooptar o recém-chegado governador, o que
oferecia considerável proteção ao bando. Entende-se melhor, assim, o entusiástico elogio dos
camaristas ao governador e o pedido para que o Conde de Atouguia permanecesse por mais três
anos na capitania: “foi seu governo o mais feliz que este Estado gozou porque sua limpeza foi
singular e disposição grande, a cortesia e amor com que nos tratou de pai” 18. Desde a extensa
certidão concedida a Diogo Botelho cinquenta anos antes, este foi o maior elogio que se fez a
um governador-geral – provavelmente porque esse soubera se aliar a uma poderosa facção na
capitania, que incluía o seu secretário de Estado, o escrivão da Câmara que subscreveu essa
carta, e o mais poderoso juiz ordinário nesse ano, o supracitado Cosme de Sá Peixoto.
Ravasco e Pinheiro, porém, enfrentariam dissabores nos anos seguintes, não só com a
continuidade das investigações de Salema de Carvalho, mas também com outras denúncias. O

16
AHU, Bahia, LF, cx. 14, doc. 1651.
17
AHU, Bahia, LF, cx. 14, doc. 1702.
18
AHU, Bahia, LF, cx. 14, doc. 1687. Veja-se também cód. 15, fl. 249. Sete décadas depois, Sebastião da Rocha
Pita apresentava uma visão muito positiva desse governador em sua História, p. 343. No mesmo sentido, mas sem
atentar pelos laços pessoais estabelecidos por Atouguia com as elites locais, veja-se VIANNA JÚNIOR, Wilmar.
Modos de governar, modos de governo: o governo-geral do Estado do Brasil entre a conservação da conquista e a
manutenção do negócio (1642-82). Tese de Doutorado. Rio de Janeiro: PPGH/UERJ, 2011, pp. 150-93.
227

provedor-mor da fazenda Mateus Ferreira Vilasboas, por exemplo, aponta como um dos
motivos para a incapacidade da Câmara em cumprir suas funções os muitos ofícios que tinha
Carvalho Pinheiro, do que “há queixa grande no povo”, mas não se podia contestá-lo por suas
ligações com o secretário de Estado. Mais interessante, Vilasboas nota que “como a Câmara
por suas imposições sustenta a infantaria que presidia esta praça, e monta 90 mil cruzados cada
ano, vai todo esse dinheiro a seu poder”, sendo administrado sem organização pelo tesoureiro
nomeado pelo governador, o que abria um largo espaço para o desvio de recursos – para além
dos problemas na distribuição das fintas, feita pelos capitães de ordenança “como lhes dita sua
paixão e afeição, e assim é grande a desigualdade e contínuos clamores dos pobres e de muitos
ricos”19. Esse tipo de denúncia se repetiria ao longo do século, sempre com a acusação de que
o objetivo era beneficiar os ricos (ou, ao menos, alguns deles), sendo essa a razão de se haver
abandonado a vintena, “pela igualdade com que por este caminho pagam todos”20.
A influência do clã Ravasco, porém, manteve-se mesmo após a partida de Atouguia.
Salema de Carvalho pediu ao novo governador, Francisco Barreto, que exilasse os acusados
para poder continuar a investigação sem empecilhos. Barreto, porém, conhecia bem a dinâmica
política do Brasil em razão de seu longo período como comandante da fase final da guerra
contra os neerlandeses e, depois, governador de Pernambuco. Apesar de alguns entreveros com
os mestres de campo João Fernandes Vieira, André Vidal de Negreiros, Henrique Dias e D.
Diogo Pinheiro Camarão em 1649-50, o mestre de campo general do Estado do Brasil parece
ter estabelecido relações amistosas com a elite local, depois de um início tumultuado. Além
disso, como Antônio Teles da Silva, Francisco Barreto acumulou considerável fortuna através
do comércio de açúcar e pau-brasil durante seus anos na América: chegando pobre, voltou para
o Reino com cerca de 78 contos, e não devia querer que um desembargador intrometido gerasse
ressentimentos que poderiam atrapalhar seus lucrativos negócios21.
Assim, talvez até mais que seus antecessores, Barreto manteve relações amistosas com
seu secretário. Pouco após chegar a Salvador escreveu uma carta ao capitão-mor do Espírito
Santo sobre um barco de Ravasco; enviou uma carta ao Conselho Ultramarino em favor da
pretensão do secretário do Estado do Brasil de ser isento das fintas e contribuições lançadas
pela Câmara, pelas perdas que tinha por não poder assistir em seu engenho e, nos anos seguintes,

19
AHU, Bahia, LF, cx. 14, doc. 1699.
20
Papel do engenheiro João Coutinho sobre a fortificação da Bahia, 30 de março de 1685, publicado em
FONSECA, Luiza da. “Subsídios para a História da Cidade da Bahia” in: Anais do Primeiro Congresso de História
da Bahia. Salvador: Instituto Histórico e Geográfico da Bahia, 1955, vol. II, p. 420.
21
Cf. MELLO, José Antônio Gonsalves de (eds.) Testamento do General Francisco Barreto de Menezes. Recife:
IPHAN/MEC, 1976, ainda a melhor introdução ao personagem.
228

o defendeu de acusações, “porque Bernardo Vieira tem muito de obediente, e nada de poderoso
como os credores dizem”22. Certamente esse apoio deve ter ajudado a contrabalançar as
acusações de nosso já conhecido Lourenço de Brito Correia (capítulo III), agora servindo de
provedor-mor. O sexagenário fidalgo uniu-se a Salema de Carvalho para acusar Ravasco de
realizar gastos exagerados na secretaria (a ampliação tinha sido permitida pelo Conde de
Castelo Melhor, que autorizara um aumento de mais de 300%) e receber emolumentos
exagerados por registrar patentes militares (mais de 3 contos de réis entre 1642-58) e pela
entrada de navios. Todo esse descalabro era possível por ser Vieira Ravasco “tão favorecido
dos governadores” – exceto da junta provisória da qual Lourenço de Brito Correia havia feito
parte em 1641-2, pois os três haviam retirado o então jovem Bernardo Vieira Ravasco da
posição de secretário, que começara a ocupar informalmente sob o vice-rei Marquês de
Montalvão23. Provavelmente aí estava a origem da inimizade entre Ravasco e Brito Correia.
Mesmo com o acolhimento das denúncias, logo em seguida o irmão do padre Vieira
recebeu a mercê de que pudesse ocupar o cargo de secretário de Estado vitaliciamente, além de
um hábito de Cristo e da alcaidaria-mor do Cabo Frio. Na prática, “se entregava por prazo
indeterminado o arquivo (memória) do Estado do Brasil e os processos do despacho nas mãos
de um único indivíduo, nascido e enraizado na nobreza da terra, dificultando que os poderes
superiores, que eram, claro, sempre transitórios, pudessem ali interferir. E essa era a alma do
negócio”24. Assim, Barreto, se anuiu ao pedido de Salema de Carvalho para exilar os
investigados, o fez “para partes pouco distantes e por pouco tempo”, de modo que logo o clã
Ravasco conseguiu embargar a sindicância na Relação, pois o tribunal superior sempre julgava
em favor da Câmara, segundo o sindicante. O governador também tomou o partido do Senado
contra Salema de Carvalho25.
Assim, após anos de esforço o desembargador só teve sucesso em prender (e apenas em
casa) um membro secundário da camarilha Ravasco/Pinheiro, o castelhano Juan Paez Florián,
hidalgo que chegou em Salvador como capitão na Jornada dos Vassalos e em menos de três

22
AHU, Bahia, LF, cx. 14, doc. 1702; DH, vol. 3, pp. 391-2 e vol. 4, pp. 379-80 (citação à p. 380). Para um
detalhado exame dessa relação, veja-se MENDES, Caroline Garcia. A circulação e a escrita de cartas do
governador-geral do Estado do Brasil Francisco Barreto (1657-1663). Dissertação de Mestrado. Campinas:
PPGH/UNICAMP, 2013, pp. 89-119.
23
AHU, Bahia, LF, cx. 16, docs. 1808 e 1846.
24
PUNTONI, Pedro. “Bernardo Vieira Ravasco: poder e elites na Bahia do século XVII” [2004] in: id. O Estado
do Brasil: poder e política na Bahia colonial (1548-1700). São Paulo: Alameda, 2013. Como notou o autor, o
mesmo ano de 1663, porém, trouxe uma carta régia em que se procurava limitar os ganhos de Ravasco, a partir da
denúncia de Brito Correia: DH, vol. 66, pp. 269-70.
25
AHU, Bahia, LF, cx. 15, docs. 1760, 1775 (citação) e 1787; DH, vol. 4, pp. 390-6. Salema de Carvalho havia
criticado a refundação do tribunal superior, afirmando que “equivalia a ‘guardar ovelhas dos lobos por mandar
mais lobos’. Era, em certo sentido, uma declaração profética”: SCHWARTZ, Burocracia e Sociedade, p. 109.
229

meses casou-se com D. Brites de Almeida, da importante família Pimentel (capítulo III).
Tornou-se, assim, “muito poderoso na cidade da Bahia, por sua riqueza, com que se não podiam
fazer com ele, e menos executar os termos ordinários da justiça”. Havia sido preso durante o
governo de Antônio Teles da Silva, mas a devassa misteriosamente desapareceu. Em seguida,
foi investigado pelo Santo Ofício em 1651 por dizer que “a alma acabava com o corpo”; que
no inferno (para onde diziam que ele iria) “tudo era o primeiro ano de noviciado de tormento,
e passado ele ficavam sendo diabos como os santos”, de modo que não havia problema; que
não assistia a “sermão por não ouvir gritar um barbado”; por ter amigos neerlandeses, sendo
fluente em flamengo. Escapou também da Inquisição, confirmando a relativa invulnerabilidade
da elite baiana da qual já tratamos (capítulo III), talvez porque os outros membros da elite que
depuseram, como Diogo de Aragão Pereira, Lourenço Carneiro de Araújo e Belchior Barreto
de Teves, alegassem que Paez Florián falava “galhofando”, em “galanterias”. Contra as
acusações de Salema de Carvalho de que o castelhano era um inconfidente que falara mal de
D. João IV, dizendo que “El-Rei de Castela o lançaria fora pelas orelhas”26, Francisco Barreto
reproduz o discurso dos amigos de Paez Florián, dizendo ser este

sujeito de qualidade, discreto e engraçadíssimo, muito velho, desprezador de autoridade com


que poderia conservar sua fazenda, que é considerável. Foi sempre estimado por todos por sua
pessoa e conversação e dos generais que foram deste Estado. (...) E como no modo e no juízo é
naturalmente jocoso e agudo, em qualquer parte folgavam os mais e menos entendidos de o
ouvir. Por não perder um bom dito não reparava talvez em dizer uma heresia, que nem nele
passavam da superfície, nem nos que ouviam a escândalo27.
Ao final das contas, o desembargador não pôde contra tantas resistências locais e, apesar
do apoio do Conselho Ultramarino, foi considerado suspeito e teve de abandonar a investigação.
Antes, porém, acumulou uma imensa quantidade de informações, que enviou em uma arca para
Lisboa, contendo cadernos, papéis e róis que detalhavam a cobrança das fintas e listavam todos
os engenhos da capitania28. O próprio controle dessa informação era, na prática, monopólio do
poder local, pois a administração periférica da Coroa não possuía pessoal suficiente para
recolher e administrar tantos dados. A ampliação do peso da fiscalidade não se baseou, portanto,

26
AHU, Bahia, LF, cx. 16, doc. 1877 (primeira e última citações) e IAN/TT, Cadernos do Promotor 33, fls. 437-
454v (restantes); CG, vol. I, pp. 406-8; VALENCIA, Juan de. “Relación sobre la jornada al Brasil” in:
MIRAFLORES, Marquês de & SALVA, Miguel (eds.). Colección de Documentos Inéditos para la História de
España. Madri: Viuda de Calero, 1870, vol. 55, pp. 88 e 113. O último membro da facção, Cosme de Sá Peixoto,
deve ter pensado no amigo preso quando decidiu retirar-se da vida pública: AHU, Bahia, LF, cx. 16, doc. 1831.
27
DH, vol. 4, p. 334. Veja-se também GARCIA, A circulação, pp. 177-80.
28
AHU, Bahia, LF, cx. 15, doc. 1874.
230

em uma especialização “burocrática”, mas simplesmente no recurso mais intenso ao “saber


local” monopolizado pela nobreza baiana29.
Coaduna-se com sua política de boa vizinhança com a elite local a atitude de Francisco
Barreto, que apenas um dia após tomar posse escreveu à Câmara, dizendo-lhes que “me pareceu
devia ser a minha primeira ação chamar a vossas mercês” para introduzir mais uma taxa sobre
os açúcares para compensar a Companhia-Geral de Comércio pela perda do monopólio sobre
quatro gêneros30. No seu relato ao monarca, contou que “chamando em particular a cada um de
seus oficiais os persuadi”31. Pouco depois, “agrade[ceu] muito” aos camaristas seu zelo no
sustento da infantaria, confiando neles para “que esta matéria se conduza com tal acerto e
suavidade”, deixando “o povo sem queixa”32. O governador-geral aprovou os eleitos para
definir a cobrança (que incluíam os destacados pró-homens Diogo de Aragão Pereira como
senhor de engenho, Jorge de Araújo de Góis como cidadão e Pedro Marinho Soutomaior como
homem de negócio), decisão “que me pareceu tão acertada como o são todas as ações da
Câmara”33. Sua admiração pelo Senado soteropolitano era tal que após apenas três dias em
Salvador enviou carta à Câmara de Olinda, ordenando que seguisse em tudo o exemplo de sua
contraparte baiana34. Entende-se, assim, a carta do Senado ao monarca elogiando-o governador
“por sua limpeza [honestidade], grande amor e cortesia com que nos trata”35.
Como outros governadores anteriores, porém, Barreto colocou uma criatura sua como
tesoureiro dos donativos, o cristão-novo Manuel Vaz de Gusmão36, contando com sua distância
da elite local e tino comercial. Francisco Barreto discordou da Câmara na nomeação de oficiais
da ordenança, afirmando que os escolhidos pelo Senado não possuíam as qualidades
necessárias. Nomeou, então, um Albuquerque e um Muniz como capitães, dotados de qualidade
suficiente “para que se animem os soldados a segui-los e obedecê-los” – confiando, portanto,
no poder e prestígio de duas tradicionais famílias nobres da capitania (capítulo III), talvez
adversárias das facções representadas na Câmara nesse ano. Essa atitude, porém, não
significava mais que um reconhecimento e reforço das hierarquias costumeiras em construção
na capitania, com o objetivo de evitar desequilíbrios e insatisfações. O governador também

29
Para um contraste, veja-se as transformações na Inglaterra seiscentista analisadas por BRADDICK, Michael.
State Formation in Early Modern England, c. 1550-1700. Cambridge: Cambridge UP, 2000, pp. 177-285.
30
DH, vol. 86, pp. 133-4.
31
DH, vol. 4, pp. 309-10.
32
DH, vol. 86, pp. 134-5.
33
DH, vol. 86, pp. 136-7 (citação), AC, vol. III, pp. 353-5 e AHMS, PGS, 1649-77, fls. 128-128v.
34
DH, vol. 5, pp. 264-7; MELLO, Evaldo Cabral de. A fronda dos mazombos: nobres contra mascates,
Pernambuco, 1666-1715. São Paulo: 34, 2003 [1995], 2ª ed., p. 80.
35
CS, vol. I, p. 60.
36
DH, vol. 86, p. 135 e vol. 7, pp. 65-6; NOVINSKY, Anita (ed.). (ed.). Gabinete de Investigação: uma “caça aos
judeus” sem precedentes. São Paulo: Humanitas, 2007, p. 43 (denunciado em 1646).
231

exigiu que o Senado pagasse uma gratificação aos ajudantes supranumerários dos terços de
infantaria, não aceitando reclamações37.
Entretanto, como o conflito com os indígenas continuaria nas décadas seguintes, o
governador-geral continuava obrigado a requisitar recursos consideráveis à Câmara para a
organização das expedições durante todo o seu governo38 – concedidos pelo Senado por sua
importância para a defesa do sistema produtivo da capitania, e até das vidas de muitos de seus
habitantes. A “guerra dos bárbaros” reproduziria, assim, a dinâmica construída durante os
conflitos com os neerlandeses, mas numa escala reduzida que não provocava tensões adicionais,
sendo incorporada por uma Câmara já acostumada com os elevados dispêndios necessários para
sustentar a infantaria em Salvador. A eterna penúria da Fazenda Real fazia com que qualquer
emergência tivesse que ser respondida através da mobilização da municipalidade, já que, repita-
se, só essa podia levantar recursos adicionais, através de uma tributação supostamente
consentida pelo “povo”. Foi o que se viu também na defesa do porto em Salvador entre 1658-
62, quando os camaristas, a nobreza e os homens de negócio entraram em acordo, cabendo a
Francisco Barreto apenas aprovar a resolução – assim como nas discussões sobre como se
arrecadar o que faltava para o sustento da infantaria39.
Essa colaboração podia ser percebida também quando o governador escreve ao
monarca, concordando com a petição do Senado para que este pudesse gastar 1.000 cruzados
da imposição dos vinhos em obras da cidade, ou quando avisa que suspendia a introdução do
ofício de juiz do peso até que se deliberasse sobre a posição contrária da municipalidade 40. Da
mesma maneira, Barreto responde aos camaristas sentir “grande pesar por lhes não poder aliviar
de sua opressão como quisera”, autorizando ao menos que a Fazenda Real emprestasse 715$
em caráter emergencial ao Senado para o sustento da infantaria, em razão da falta de vinhos 41.
Até ordens do governador para a Câmara, como mais uma tentativa de extinção da
comercialização de cachaça, muitas vezes tinham sua origem em pedidos dos próprios
vassalos42. Após receber a portaria de Francisco Barreto, a Câmara chamou o povo para decidir
que ainda não se instituiriam novos donativos, na esperança de que o aumento do número de

37
DH, vol. 86, pp. 137-8 (citação); DH, vol. 86, pp. 142.
38
DH, vol. 86, pp. 138-43 e vol. 20, p. 24; AC, vol. III, pp. 368-72; vol. IV, pp. 10-1 e 91-3; AHMS, PGS, 1649-
77, fls. 113-113v e 129v-130; 1660-77, fls. 11v-12v, 27v-30 e 32-32v.
39
AC, vol. III, pp. 378-4, 397-400 e 403-6; vol. IV, pp. 63-5 e 101-5; AHMS, PGS, 1649-77, fls. 130v e 132-133;
1660-77, fls. 32v-34; PS, 1651-64, fls. 56v-58.
40
DH, vol. 4, pp. 343-5 e 356; vol. 66, pp. 141-5.
41
AHMS, PGS, 1660-77, fls. 18v-19v e DH, vol. 86, pp. 148-9.
42
AHU, Bahia, LF, cx. 15, doc. 1740. Processo similar ocorre em finais de 1660, quando o governador ordena a
ampliação da cadeia e açougue em razão de representações que lhe foram feitas, e justifica a importância de
reformar as casas da Câmara como “bem público, benefício desta cidade e autoridade da mesma Câmara”: AHMS,
PGS, 1660-77, fls. 24-25v e 26-27; AC, vol. IV, pp. 48-53 (citação à p. 51).
232

vinhos com a nova proibição da aguardente fosse o suficiente para pagar a infantaria.
Insatisfeito, o mestre de campo general do Estado do Brasil escreveu imediatamente ao Senado:
“quem como vossas mercês servem a Deus e a Sua Majestade com o zelo com que eu conheço
e é notório não necessita de chamar o povo e demitir de si da jurisdição (...) pois a cobrança de
impostos pertence só a vossas mercês”. Afirmou, ainda, que a arrecadação dos donativos seria
maior através do seu arrendamento, e deu o exemplo da Coroa de Portugal, que teria feito isso
com todos seus rendimentos para evitar os descaminhos. Para convencê-los, trata sempre os
camaristas “como tão zelosos no serviço” real, gastando dois fólios entre elogios e justificativas
para uma ordem que 20 ou até 10 anos antes poderia ter sido dada de forma seca com a certeza
da obediência43. Assim, “lida [na Câmara] a carta do dito Senhor, e as razões que a movem” os
camaristas “se conformavam com a resolução do Senhor governador” e lhe pediram que
assinasse “para mais firmeza deste assento e resolução”44. Já em fevereiro de 1660, quando a
municipalidade consulta o governador sobre um acerto com os homens de negócio sobre a
cobrança do donativo, este aceita plenamente a resolução dos camaristas, agradecendo o
“grande serviço” que faziam a Sua Majestade45.
Até quando Barreto discordava da solução proposta pela Câmara, como quando a
municipalidade pediu para se responsabilizar pela venda das centenas de pipas de vinho
encalhadas, monopolizando a venda da bebida para evitar o contrabando, ele concordava com
os pedidos, pois “para todo o melhoramento do povo me acharão vossas mercês sempre com
ânimo próprio para os ajudar em tudo que estiver em minha mão” 46. O mesmo ocorreu no ano
seguinte, quando a falta de vinhos fez com que a Câmara pedisse a liberação da venda de
cachaça: “resolvi que sem embargo de eu ser de contrário voto [na junta com os ministros de
fazenda e justiça] se arrendassem as bebidas por um ano”47.
Francisco Barreto irritou-se com a mudança de opinião do Senado, que dois anos antes
havia pedido a reiteração da proibição em razão dos seus muitos malefícios listados em detalhe
pelo governador, mas conformou-se com a inevitável inconstância da municipalidade: “ou com
a diferença dos sujeitos que servem naquele tribunal, ou com a dos tempos que ordinariamente

43
AHMS, PGS, 1660-77, fls. 12v-14 (ênfase minha). Em 1662 os camaristas consultam o governador sobre a
possibilidade de chamar o povo para aprovar o novo tributo do papel selado, mas Barreto novamente os repreende,
dizendo que cabia apenas cumprir a ordem régia. Os oficiais do Senado o obedeceram, embora a demora de mais
de um mês possa indicar certa resistência: DH, vol. 86, pp. 155 e AC, vol. IV, pp. 124-6.
44
AC, vol. III, pp. 413-6.
45
AC, vol. IV, pp. 31-8 (citação à p. 37); veja-se, sobre a farinha (temática recorrente, em que Francisco Barreto
costumava apoiar o Senado), dentre outras, pp. 71-2: “vossas mercês prossigam o intento que eu aprovo muito”.
46
AC, vol. IV, pp. 19-24 (citação à p. 23).
47
DH, vol. 86, pp. 144-5; veja-se também p. 146-50.
233

faz variar as resoluções, se alterou esta”48. A açucarocracia estava ligeiramente melhor


representada entre os camaristas que pediram a liberação da proibição, mas o fator determinante
provavelmente foi a falta de vinhos e a necessidade imediatista de arrecadar recursos para o
sustento da infantaria. Uma das justificativas do pedido, porém, foi que os pobres, por serem os
principais produtores comerciais da aguardente, eram os maiores prejudicados pela proibição49.
Essa argumentação é fortemente repudiada pelo governador, pois

não é razão política a que estas [a aguardente] têm contra si de padecerem muitos pobres na sua
falta, porque as Repúblicas se não conservam com os pobres (que nesta podem ter outros
exercícios mais úteis), se não com os ricos, que as fazem opulentas. (...) Não é conveniente
destruir os que conservam as praças por preservar os que as debilitam50.
Explicita-se, assim, o caráter elitista e mesmo plutocrático do governo na época
moderna – o que, longe de ser algo específico de áreas de exportação de produtos tropicais, era
característico de todas as estruturas políticas no mundo atlântico51. A açucarocracia controlava
a produção da riqueza que sustentava não só a administração periférica da Coroa (através do
dízimo) mas também a defesa do território (via donativos) e até mesmo, como vimos no capítulo
I, contribuía consideravelmente para o financiamento da própria Coroa e sua aristocracia.
Explica-se, assim, porque o governador-geral opôs-se a uma decisão dos camaristas de
1662 (nenhum deles senhor de engenho, até onde pude determinar) de eleger três “louvados”
para escolher o meio de vender as pipas de vinho encalhadas em Salvador: os eleitos eram
homens de negócio, e votaram que os “senhores de engenho e lavradores de cabedal” fossem
obrigados a comprar os vinhos, pagando com açúcar. Barreto preferia que a municipalidade
pedisse empréstimos aos negociantes da praça, e justificava sua oposição pelo baixo preço do
açúcar (“tão mal reputado”) e pelo costume da açucarocracia de sempre contribuir com o pior
açúcar que houvesse, de modo que ninguém compraria o procedido dessa imposição. Acabou,
porém, sendo convencido pelo vereador João Peixoto de Sá (filho de um senhor de engenho e
o oficial mais próximo da açucarocracia nesse ano), que prometeu que aqueles que não fossem
membros da açucarocracia contribuiriam com dinheiro, e o açúcar teria “compradores
infalíveis”. Barreto retornou, assim, a seus usuais elogios ao “zelo” e “lealdade” do Senado52.
Após década e meia de governo e intensa atividade comercial na América, estava claro para o

48
AHU, Bahia, LF, cx. 16, doc. 1811.
49
Veja-se, por exemplo, uma carta de Atouguia a Barreto em DH, vol. 3, pp. 262-4.
50
AHU, Bahia, LF, cx. 16, doc. 1811. Para uma interpretação desse documento que enfatiza os interesses de um
amorfo “capitalismo comercial”, veja-se LENK, Guerra e pacto, pp. 448-9.
51
Veja-se, por todos, BRAUDEL, Fernand. Civilização Material, Economia e Capitalismo (trad.). São Paulo:
Martins Fontes, 1996 [1978], vol. II: Os jogos de trocas, pp. 411-50 e FRIEDRICHS, Christopher. Urban politics
in Early Modern Europe. Nova York: Routledge, 2000, pp. 11-20.
52
AC, vol. IV, pp. 108-14, citações às pp. 111, 113 e 114.
234

governador que a prosperidade da açucarocracia constituía-se em elemento essencial do vigor


da monarquia portuguesa e que a principal instituição política da açucarocracia, a Câmara, era
o pilar essencial para o financiamento da defesa, de modo que valia a pena deixar que
resolvessem as formas de contribuição.
A mais importante negociação entre o Senado e Francisco Barreto deu-se em abril de
1662. Apesar da gradual (ainda que irregular) intensificação da comunicação política direta
com a Câmara soteropolitana (capítulo VII), a Coroa escreveu somente ao governador para que
este acertasse com as elites locais a cobrança das exorbitantes somas de 120.000 cruzados
anuais para a indenização às Províncias Unidas dos Países Baixos e 600.000 cruzados do dote
de D. Catarina de Bragança a ser entregue a Charles II, o recém-restaurado Rei da Inglaterra e
Escócia. A Coroa lembrava os 200.000 cruzados prometidos no final do governo de Antônio
Teles da Silva (capítulo V), “e agora com maior razão devem servir-me, pois com esta
contribuição se livram dos encargos de uma guerra que sempre lhes foi tão sensível e danosa a
seu comércio (...). Procurareis com esses moradores (...) mostrem nessa ocasião o amor que tem
do meu serviço”53. A regente D. Luísa confiava, assim, na tradicional relação entre
governadores e o Senado, potencializada pelo fato de que Francisco Barreto era o governador
que ficara mais tempo no cargo desde a saída de Diogo Luiz de Oliveira.
Os camaristas tiveram a prerrogativa, como cabeça do Estado do Brasil, de dividirem a
pesada carga entre as diversas capitanias. Atribuíram a si apenas 40% do valor, mas Francisco
Barreto, em uma rara discordância, alterou a parte que cabia à Bahia para 80.000 cruzados, 57%
do total, devido ao maior vigor econômico da sua produção açucareira, medida através dos
dízimos, de maneira a distribuir a carga com mais equidade54. Por outro lado, o governador
aceitou que se estabelecesse um preço mínimo para o açúcar (1$200 réis para o branco e $600
para o mascavado), beneficiando a açucarocracia em momentos de baixa significativa do preço
dessa commodity, generosidade que gerou reclamações da Coroa quando finalmente chegou a
Lisboa a primeira parcela do donativo, em finais de 166455. Da mesma maneira, aceitou que a
Câmara criasse novos ofícios remunerados para a cobrança do donativo, permitindo, portanto,
que uma parte dos recursos arrecadados beneficiasse os escolhidos pela elite56.

53
DH, vol. 66, pp. 190-3 (citação à p. 191).
54
AC, vol. IV, pp. 136-41. Em 1659-60, os dízimos da Bahia representavam 61% do total, ante 20% de Pernambuco
e 19% do Rio de Janeiro, dando razão ao governador. CARRARA, Angelo. Receitas e despesas da Real Fazenda
no Brasil: século XVII. Juiz de Fora: EDUFJF, 2009, p. 126. Para uma descrição da instituição do donativo, veja-
se FERREIRA, Letícia dos Santos. É pedido, não tributo: o donativo para o casamento de Catarina de Bragança e
a Paz de Holanda (Portugal e Brasil, c. 1660-1725). Tese de Doutorado. Niterói: PPGH/UFF, 2014, pp. 80-90.
55
DH, vol. 66, pp. 317-8.
56
DH, vol. 86, p. 157. A forma de cobrança para as outras capitanias lhe foi sugerida por Bernardo Vieira Ravasco,
como Barreto menciona em carta ao governador do Rio de Janeiro: vol. 5, pp. 149-51.
235

A discussão sobre a implantação do donativo permaneceu como uma das preocupações


centrais do novo representante do monarca na América, o Conde de Óbidos (1663-7). Escaldado
por uma deposição na Índia em 1653 pelas elites locais, D. Vasco Mascarenhas finalmente
retornava ao Brasil após mais de 20 anos, depois de ter sido cogitado para esse governo em
1644 e em 166057. Vinha, porém, como vice-rei, e com amplos poderes, em razão da confiança
que lhe era depositada por D. Afonso VI e seu valido, o Conde de Castelo Melhor (filho do
benquisto governador-geral)58. Examinemos, portanto, uma “ocasião que El-Rei meu Senhor
foi servido dar nova forma ao governo deste Estado, e eu o venho restituir de tudo o que a
variedade dos tempos lhe ocasionou ir perdendo”, nas palavras do próprio Óbidos59.
Assim, a primeira carta enviada pelo Conde ao Senado repreendia os camaristas pela
demora na cobrança do donativo, e nomeava uma junta composta por alguns dos mais
destacados membros da elite local para resolver os meios da cobrança: Diogo de Aragão Pereira
e Felipe de Moura Albuquerque, de duas famílias tradicionais, estabelecidas na capitania há,
respectivamente, cerca de 75 e 40 anos; o provedor-mor da fazenda e cristão-novo Antônio
Lopes de Ulhoa, cuja família também estava presente na capitania há mais de 80 anos; quatro
homens de negócio em acelerado processo de ascensão social (listados aqui em ordem de
antiguidade na terra): Francisco Fernandes Dosim, João Peixoto Viegas, José Moreira de
Azevedo e João Velho Gondim; e o escrivão da Câmara Rui de Carvalho Pinheiro, cuja família
controlava esse cargo há quase 80 anos (sobre eles, veja-se os capítulos II e III). Logo depois o
vice-rei lançou uma portaria draconiana para se inventariarem todos os cativos da capitania,
ameaçando os sonegadores com prisão e perda do escravo, que seria dado ao delator. Com a
demora do Senado, o Vice-Rei fez um regimento, cujas disposições foram ratificadas na
Câmara: determinou-se que o montante seria arbitrado de acordo com o número de escravos e
benfeitorias, mas é notável que a Câmara cedia ao Conde a jurisdição de escolher pessoas “para
irem fazer aos inventários assim ao Recôncavo como a esta cidade e seus arredores”. O controle

57
Nessa segunda ocasião a notícia chegou à nobreza baiana: Luiz de Melo de Vasconcelos escreveu ao Dr.
Cristóvão de Soares de Abreu, figura de algum relevo na Corte, dizendo que “temos por notícia que foram
consultados para esse governo o Conde de Óbidos e Francisco de Sousa Coutinho, se vossa mercê com eles tem
amizade me faça recomendar-me ao que vier para o governo” (BPA, 54-VIII-37, n. 1013), provavelmente
indicando o quanto se acompanhava esses boatos em Salvador e a tentativa de cair nas graças dos governadores-
gerais antes mesmo de sua chegada.
58
“Nos súditos que faltam a suas obrigações se resolvendo a negá-la, nem os mesmos Reis têm a Coroa segura. A
mim me privaram de Vice-Rei da Índia, e a El-Rei de Inglaterra do Reino e da vida”: DH, vol. 9, pp. 135-6, em
carta escrita ao governador de Pernambuco nem seis meses após sua chegada; cf. AHU, Bahia, LF, cx. 16, doc.
1814 e DH, vol. 5, pp. 114-5; SANTANA, Ricardo. Lourenço de Brito Correia: o sujeito mais perverso e
escandaloso. Conflitos e suspeitas de motim no segundo vice-reinado do Conde de Óbidos (Bahia, 1663-1667).
Dissertação de Mestrado. Feira de Santana: PPGH/UEFS, 2012, pp. 72-91.
59
DH, vol. 9, p. 134.
236

sobre o donativo, porém, permanecia com o Senado, como reconhecia Óbidos e é perceptível
pelo fato de que foi este tribunal a produzir o regimento detalhado da cobrança, depois de mais
seis meses, ao qual o governador fez apenas um reparo de pouca importância. O cotidiano da
cobrança ficava nas mãos dos capitães de ordenança, a principal autoridade em cada freguesia
– ou seja, da elite local, que ampliava seus poderes com mais essa atribuição 60. A demora é
indicativa da vontade de atrasar a contribuição o quanto fosse possível, pois já haviam se
passado quase dois anos desde a aceitação do donativo – em oposição à pressa demonstrada
pela Coroa e, consequentemente, pelo Vice-rei61.
Óbidos foi capaz, porém, de exercer certa influência na administração da contribuição
ao nomear um tesoureiro (o homem de negócio José Moreira de Azevedo, que havia acabado
de ser aceito na Misericórdia, indicando que estava no início de seu processo de aceitação na
elite local), e depois, em 1664, um escrivão (ignorando o candidato apresentado pelo Senado e
as reclamações de Rui de Carvalho Pinheiro, furioso com a perda de sua jurisdição), com
significativos salários de 200$, para tomar conta dos imensos valores arrecadados pelo Senado
– 150.000 cruzados, segundo o vice-rei, mais do que o dobro do valor do dízimo em 1662-3 –
supostamente com o objetivo de acalmar a “murmuração do povo”62. Era quase inevitável que
uma nova exação fiscal gerasse insatisfações, e a suspeita de que alguns membros da elite
tenham se beneficiado dela deve ter produzido tensões.
Óbidos também convocou a Câmara e alguns cidadãos principais para deliberar sobre a
diminuição da imposição dos vinhos, em razão de uma petição dos homens de negócio ao rei.
A Câmara, a nobreza e outra junta novamente escolhida pelo Vice-Rei (composta por Ravasco,
Pinheiro, o provedor-mor Ulhoa e três dos negociantes presentes na junta anterior) votaram pela
diminuição da imposição e pela proibição da cachaça63. Óbidos iniciava seu governo intervindo
mais no Senado do que seus antecessores, mas provavelmente conseguira tornar essa atitude
aceitável ao recorrer a diversos grupos dentro da elite, a se julgar pela carta elogiosa enviada
logo depois pelos camaristas à Coroa64. Como se nota da resposta de Afonso VI, Rei e Vice-rei
estavam em acordo, numa política pensada para a monarquia portuguesa como um todo:

me pareceu dizer-vos que na independência e isenção que a Câmara pretende ter desse governo
se não deve inovar coisa alguma do que até agora se usou, por não ser conveniente, antes muito

60
AC, vol. IV, pp. 173-7 (citação à p. 176) e 190-202; DH, vol. 4, pp. 125-30, vol. 7, pp. 145-6 e 156; vol. 86, pp.
159-60; AHMS, PGS, 1660-1677, fls. 48-51.
61
AHU, cód. 16, fls. 121-121v; DH, vol. 66, pp. 255-6 e 284-5; AHMS, PGS, 1660-1677, fls. 74v-79.
62
AHMS, PGS, 1664-72, fls. 2v-3 e AHU, Bahia, LF, cx. 18, docs. 2045-6 e 2068-9; DH, vol. 7, pp. 188-9
(citação).
63
AC, vol. IV, pp. 163-6; DH, vol. 66, pp. 222-3. Veja-se também a carta ao rei sobre esta decisão: AHU, Bahia,
LF, cx. 17, doc. 1952 e a consulta: cód. 16, fl. 104v.
64
AHU, Bahia, LF, cx. 17, doc. 1947.
237

necessário e lícito que reconheça o Senado a superioridade desse governo, na forma que sempre
o fez, e de tudo o referido dareis notícia à Câmara para que o tenhas entendido65.
A concessão de sesmarias a alguns poderosos deve ter suavizado a implantação desse
projeto, que na prática aumentava a intervenção sobre o Senado e a fiscalização dos donativos,
que passaria a contar com maior participação do provedor-mor66. Dentre os beneficiados estão
Antônio Guedes de Brito, Bernardo Vieira Ravasco, Lourenço de Brito Correia e seu filho
Lourenço de Brito de Figueiredo67 – todos homens que exerceriam um papel importante nos
conflitos que marcariam o final de seu governo, ainda que nem sempre favoráveis ao vice-rei.
Devido à contínua, ainda que irregular, expansão para o sertão, constantemente se buscava obter
novas sesmarias, muitas vezes imensas (capítulo III). Assim, o poder de outorgar novas terras
deve ter contribuído para a construção de redes de apoio aos governadores, ainda que esse tema
mereça uma análise mais sistemática. Óbidos também favoreceu os moradores ao limitar o frete
dos navios em 1664, arbitrando, a favor dos homens de negócio, senhores de engenho e
lavradores baianos, um conflito que os opôs aos mestres de navios68.
Ainda mais significativo, porém, foi o enorme empréstimo feito pelo Conde à Câmara
para pagar 8 meses de soldos atrasados dos soldados no início de 1664: 10.530$000. Tanto
dinheiro só estava parado nos cofres da Fazenda Real graças ao novo cunho da moeda (capítulo
VII), e os camaristas contaram com ele para não terem de lançar novas fintas. O Senado, porém,
não quis se comprometer com tamanha dívida, de modo que Carvalho Pinheiro se ofereceu para
ficar responsável pela venda das centenas de pipas de vinho estocadas, cuja arrecadação
permitiria quitar o débito69. Só podemos imaginar as possibilidades de lucro em negócio desta
magnitude, especialmente nas mãos de alguém já acusado de desviar recursos. E não foi só
nessa vez que Óbidos recorreu ao Pinheiro, pois assim que esta obrigação foi cumprida pelo
escrivão ele recebeu a incumbência de ir cobrar o donativo na freguesia rural de Itapuã70

65
AHU, cód. 275, fl. 349, utilizando os mesmos termos que o Conde em sua carta: Bahia, Avulsos, cx. 2, doc.
147. Óbidos demonstra um claro desprezo frente à elite baiana: “as pessoas de que Vossa Majestade costuma fiar
o governo daquele Estado tem sempre maiores obrigações para zelar os acertos do seu Real Serviço que o concurso
dos sujeitos de que aquele Senado se forma, que ordinariamente tem maiores experiências das lavouras que dos
negócios políticos, e menos reparo na culpa ou merecimento de suas ações no serviço de Vossa Majestade e
benefício de sua República”. Ambos estavas se referindo a uma carta da Câmara de 1659, na qual a municipalidade
pedia para poder “mudar os tributos nesta e naquela droga, alterá-los ou diminuí-los, pois ele é o que há de sustentar
a dita infantaria” – AHU, Bahia, LF, cx. 15, doc. 1751. Luciano Figueiredo vê esse momento como decisivo para
a restrição para a autonomia fiscal das Câmaras americanas, mas discordo, como se verá: Revoltas, Fiscalidade e
identidade colonial na América Portuguesa. Rio de Janeiro, Bahia e Minas Gerais, 1640-1761. Tese de Doutorado.
São Paulo: PPGHS/USP, 1996, p. 485. Sobre o reinado, veja-se XAVIER, Ângela Barreto & CARDIM, Pedro. D.
Afonso VI. Lisboa: Círculo de Leitores, 2008 [2006], 2ª ed., pp. 170-205.
66
DH, vol. 7, pp. 160-1.
67
DH, vol. 21, pp. 185-7 e 214-6.
68
DH, vol. 7, pp. 173-5.
69
AHMS, PGS, 1660-77, fls. 54-55v; DH, vol. 7, pp. 120-2, 124-5, 131-2, 141 e 149; vol. 21, pp. 203-5.
70
DH, vol. 7, pp. 154-5.
238

Assim, no início do governo do Vice-rei sua relação com as elites locais foi
razoavelmente tranquila, pois Óbidos tornou suas intervenções mais palatáveis através da
concessão de algumas benesses menores. Mesmo quando se opôs à reformação de alguns
oficiais do exército, de modo a diminuir o encargo do Senado com os soldos, o fez em defesa
de dois militares já bem integrados na elite local: Pedro Gomes (que então já havia sido
provedor da Misericórdia uma vez) e Antônio de Brito de Castro (que viria a sê-lo)71.
Entretanto, se o vice-rei pensou que seria barato assim comprar todos os agentes
políticos da capitania, muito se enganou. A obsessão de Óbidos em nomear homens de seu
círculo pessoal para os postos mais diversos e controlar o provimento de ofícios, já demonstrada
na Índia, rapidamente gerou insatisfações dentro da administração da Coroa, primeiro com a
Relação e depois, excepcionalmente, com o Conselho Ultramarino, que o acusa de estar
“fazendo-se por esse modo senhor absoluto do Brasil, e independente de Vossa Majestade”,
querendo “prover [ofícios] absolutamente, como se Vossa Majestade não fora Rei, e Senhor
daquele Estado, para galardoar com as mercês que for servido, aos que serviram e vão servir a
ele”, na mais forte condenação deste tribunal a um governador no século72.
Se lembrarmos que o Óbidos trouxera consigo uma comitiva de 90 pessoas, um número
não muito diferente do que acompanhava os vice-reis castelhanos às prestigiosas possessões
italianas, percebe-se que o Conde estava tentando, ainda que de forma um tanto desajeitada,
constituir uma corte a seu redor, como faziam suas contrapartes hispânicas tanto no Novo
quanto no Velho Mundo e como o próprio experimentara, ainda que em menor grau, em seu
breve governo indiano73. Em sua concepção, ao vice-rei, como alter ego do monarca, deveria
caber um significativo poder de distribuir mercês, para construir redes clientelares que
pudessem dar-lhe sustentação política. Assim, logo após chegar ao Brasil o Conde escreveu à
Coroa pedindo a faculdade de distribuir 12 foros de fidalgos e igual número de hábitos militares,
“mercê particular que Vossa Majestade faz a todos os Vice-reis da Índia (...) e ele os não levou
quando o foi governar”74. Óbidos, porém, não teve sucesso, sendo obrigado a contentar-se com
as serventias usualmente providas pelos governadores-gerais.

71
AHU, Bahia, LF, cx. 17, docs. 1997-8.
72
AHU, cód. 16, fl. 119v. Veja-se também DH, vol. 66, pp. 318-9; ARAÚJO, De golpe, pp. 106-14 e SANTANA,
Lourenço de Brito Correia, pp. 100-9.
73
DH, vol. 21, pp. 120-1; RIVERO RODRÍGUEZ, Manuel. La edad de oro de los virreyes: el virreinato en la
Monarquía Hispánica durante los siglos XVI y XVII. Madri: Akal, 2011, pp. 133-74.
74
AHU, cód. 16, fls. 121-121v. Sobre as relações patrão-cliente como elemento central de governo, cf.
CAÑEQUE, Alejandro. The King’s living image: the culture and politics of viceregal power in Colonial Mexico.
Nova York: Routledge, 2004, pp. 138-60, que nota as inevitáveis disputas por cargos e acusações de corrupção.
239

O governo do Brasil distinguia-se do Estado da Índia pela maior proximidade com


Lisboa, e tanto o Conselho Ultramarino quanto os grupos de poder locais estavam acostumados
com um contato cada vez mais intenso com o outro lado do Atlântico (capítulo VII).
Consequentemente, aceitava-se mal essa tentativa de ampliação do poder do representante do
rei na América, em um conflito que se repetiria 50 anos depois com o próximo vice-rei, o
Marquês de Angeja (1714-8) – como o próprio Conselho Ultramarino notará em suas críticas
ao 3º vice-rei do Estado do Brasil75. Ainda que eu não tenha encontrado informações sobre as
comitivas dos demais governadores, parece-me que deviam ser muito menores, de modo que a
quantidade de acompanhantes de Óbidos contribuiu para a intensificação das tensões locais.
Assim, em vez de as nomeações solidificarem uma base de apoio político a Óbidos, elas
o transformaram em um alvo por excluírem os grupos de poder já estabelecidos (problema
recorrente em outros vice-reinados)76. Em acréscimo, sua irascibilidade e arrogância ao lidar
com o Conselho Ultramarino – talvez contando com o favor do jovem Conde de Castelo Melhor
– fizeram com que se tornasse um alvo fácil para os descontentes. Assim, a situação chegou a
tal ponto que, em julho de 1665, dois anos após Óbidos ter sido empossado, os conselheiros
recomendaram sua substituição o quanto antes:

São tantas e tão continuadas as queixas que há neste conselho dos procedimentos do Conde de
Óbidos, assim dos vassalos do Estado do Brasil, como dos mais particulares que há suas,
originando com seu escandaloso governo muito descontentamento naqueles moradores, de que
pode resultar um levantamento contra ele, como já o intentou fazer a infantaria da Bahia por lhe
faltar com as pagas, e tão pouco o respeito que o Conde tem à corte de Vossa Majestade e o
pouco caso que faz delas, e a liberdade com quem publicamente fala nos ministros deste
conselho que representam a real pessoa de Vossa Majestade, com palavras indecentes, como
por vezes se tem já feito presente a Vossa Majestade, que obriga tudo ao conselho com justo
sentimento e movido com zelo que deve ao serviço de Vossa Majestade e conservação das
conquistas, que é o que lhe incumbe a representar a Vossa Majestade que convém muito a seu
real serviço e a quietação e sossego dos moradores do Brasil mande Vossa Majestade logo
nomear governador para aquele estado77.
Um dos moradores que criticavam o governador era Antônio Lopes de Ulhoa, provedor-
mor da fazenda, afastado do cargo sob justificativa de que deveria ser submetido a uma
residência antes de exercer seu segundo triênio no posto e substituído por uma criatura do vice-

75
SANTOS, Catarina Madeira. “Los virreyes del Estado de la India en la formación del imaginário imperial
português” e BICALHO, Fernanda. “Gobernadores y virreyes en el Estado do Brasil: ¿dibujo de una corte
virreinal?” in: CARDIM, Pedro & PALOS, Joan-Lluís (eds.). El mundo de los virreyes en las monarquías de
España y Portugal. Madri/Frankfurt: Iberoamericana/Vervuert, 2012, pp. 71-118 e 391-402.
76
Nomeou, por exemplo, um militar lisboeta muito próximo a si, o sargento-mor Antônio Pereira, na serventia da
provedoria da alfândega, e não um dos quatro filhos do proprietário, Antônio de Brito de Castro: DH, vol. 21, pp.
128-9 e AHU, cód. 83, fls. 25-25v. Um dos poucos membros da elite providos pelo vice-rei foi Felipe de Moura
de Albuquerque como alcaide-mor, porque esse cargo estava por demais ligado à elite baiana (pp. 391-5).
77
AHU, cód. 16, fl. 164v.
240

rei78. O Conde também havia se incompatibilizado com Rui de Carvalho Pinheiro, após ter
retirado dele a jurisdição sobre os donativos, certamente a parte mais lucrativa de seu ofício.
Outro indício de inimizade entre os dois é o fato de que Óbidos tenha mandado substituir o
escrivão da Câmara de uma junta eleita para administrar o donativo em 9 de março de 1665 79.
O Vice-rei opunha-se, portanto, a uma importante facção que há duas décadas anos exercia um
poder considerável, talvez até dominante, em Salvador.
É nesse contexto que se deve entender a petição do capitão, fidalgo e cavaleiro da Ordem
de Cristo Paulo de Azevedo Coutinho à Câmara, mesmo “não lhe tocando procurar o sustento
da infantaria (...) e a ter com alguns oficiais dela demasiado desabrimento sobre o mesmo
intento da petição”, o que, considerando que os soldos estavam em dia “e havendo precedido a
revolução que há poucos dias houve na mesma infantaria, convém averiguar-se tudo”, segundo
portaria do vice-rei ao ouvidor-geral, que deveria atentar especialmente para as “palavras que
o dito capitão teve com o oficial ou oficiais daquele Senado”80. Vemos aqui o primeiro sinal
claro de que, em finais de outubro de 1664, as relações entre Óbidos e a elite local começavam
a se desgastar. Como a portaria sugere, porém, a municipalidade não estava a lhe fazer uma
oposição monolítica, mesmo porque um dos vereadores nesse ano era Antônio Guedes de Brito
(capítulo III), nomeado capitão de infantaria paga pelo Conde e posteriormente apontado como
seu amigo por Bernardo Vieira Ravasco81.
Seja como for, é provável que alguma resistência houvesse. Talvez por isso o Conde
tenha precisado emitir uma portaria em dezembro de 1664 para que o tesoureiro da Câmara
Sebastião Nunes da Silveira (nomeado pelo governador e, até onde sei, sem ligações com a
nobreza) pedisse 5 contos de réis por empréstimo a 18 homens de negócio (400$ a João de
Matos de Aguiar e David Ventura, 800$ a Sebastião Duarte, e por aí vai), medida excepcional
que pode indicar tanto uma necessidade desesperada de recursos para o sustento da infantaria
quanto corpo mole da Câmara, que não tomou atitude para remediar o problema, contrariando
sua prática de décadas. A inferência é reforçada pelo fato de que a portaria só foi registrada nos
livros municipais quatro meses depois, provavelmente em razão da insatisfação do Senado82.
É impossível traçar em detalhe o crescimento da discórdia, mas tudo explodiu na partida
da frota de julho de 1665. Segundo o relato de Óbidos, ele teria descoberto uma conjuração
maquinada pelo chanceler da Relação (um de seus principais adversários), o septuagenário

78
AHU, Bahia, LF, cx. 18, doc. 2098 e DH, vol. 22, p. 52
79
AHMS, PGS, 1660-77, fls. 74v-79.
80
DH, vol. 7, pp. 198-9.
81
AHU, Bahia, LF, cx. 19, doc. 2210.
82
AHMS, PGS, 1660-77, fls. 72v-74v.
241

Lourenço de Brito Correia (que havia acabado de servir mais um termo na provedoria da
Misericórdia, denotando seu duradouro prestígio), seu filho e três capitães de infantaria: o já
citado Paulo de Azevedo Coutinho, Antônio de Queirós Siqueira e Francisco Teles de Menezes.
Materializava-se (ao menos na cabeça do Vice-rei) o levantamento temido pelo Conselho
Ultramarino do outro lado do Atlântico. “Lembrando-me o sucesso que tive na Índia”, o Conde
achou por bem mandar todos presos para Lisboa, com exceção do chanceler Jorge Seco de
Macedo. Lourenço ainda era um dos homens mais poderosos da capitania, Francisco pertencia
a uma tradicional (ainda que decadente) família da açucarocracia e Antônio havia entrado
através do casamento na parentela dos Araújo – ligada, por sua vez, a Rui de Carvalho
Pinheiro83. Quatro dos cinco presos, portavam, faziam parte da elite baiana. Eles

procuraram por todos os meios persuadir os ânimos do povo, e dos soldados, a um geral ódio
contra minhas ações, e inclinação às de Lourenço de Brito Correia: o qual, com as presunções
de ter sido um dos três governadores que sucederam ao Marquês de Montalvão, haver tido com
ele os indecentíssimos procedimentos que são notórios, e voltar, indo preso a essa Corte, sem
castigo algum para este Estado: e com a soberba de haver capitulado [criticado em carta para o
rei] aos Condes da Torre e Castelo Melhor (tendo recebido de ambos o favor de o haverem
autorizado com a sua mesa); murmurado do de Atouguia, e escrito, capitulado e posto pasquins
a Francisco Barreto, sem com ele se usar demonstração alguma; assim como eu entrei neste
governo, pretendeu logo seguir o mesmo ditame. Todo o intento de Lourenço de Brito Correia
foi sempre a elação de querer governar este Estado (...). E desenganado daquela indústria,
buscou ultimamente esta de conspirar contra minha pessoa, capitulando-me e enviando a essa
Corte e a alguns ministros vários papéis contra o meu procedimento: para que ajudado do favor
daquele de quem ele jactava era mais bem ouvido que os governadores deste Estado, se tomasse
alguma resolução comigo, e me viesse a suceder. E quando Vossa Majestade lhe não fizesse
tanta mercê, ficasse ao menos justificada a resolução de com um motim geral me privarem do
governo e o elegerem a ele, para ocupar meu posto, usando em suas práticas do exemplo de estar
acostumado a suceder aos Vice-Reis do Brasil. (...) Foi ver que a que na Índia se usou comigo
(...) não só não foi castigada, mas voltaram os cúmplices habilitados a ocupar os governos das
praças daquele Estado; que no Rio de Janeiro se levantaram os êmulos de Salvador Correia de
Sá com aquela praça e se não fora a demonstração que então se fez com Jerônimo Barbalho, em
nenhum outro culpado se viu até agora castigo; que André Vidal de Negreiros, sendo governador
de Pernambuco, súdito de Francisco Barreto, governador e capitão geral deste Estado, lhe
desobedeceu publicamente (...), e em lugar do justo castigo que merecia, ficou sem nenhum; e
o governo-geral com o descrédito daquela indecência. Que usando Jerônimo de Mendonça das
desobediências que desde que entrou a governar aquela capitania, teve a minhas ordens (...); e
sobretudo vez o mesmo ver o mesmo Lourenço de Brito Correia quando o Conselho Ultramarino
procurou encontrar a minha jurisdição, ordenando-me por cartas suas em várias matérias o que
ele se jactava lhe havia advertido84.
A visão do Conde serviu como uma das epígrafes desse capítulo não por ser uma
descrição acurada de seus anos na Bahia, mas por representar um governador ideal, “procurando
com todo o desvelo manter em paz e quietação aos moradores que é o fim de um acertado

83
CG, vol. II, pp. 727-8.
84
AHU, Bahia, LF, cx. 18, doc. 2100. Óbidos só contou com o apoio do cabido da Sé, composto por adversários
do chanceler: doc. 2101. Veja-se também a carta de Manuel de Almeida Peixoto: doc. 2110.
242

governo”. Repudiava, assim, acusações de que “era um público ladrão” que roubara baixelas
de prata, anéis de diamantes e, mais grave, vendia as serventias dos ofícios reais – imputação
crível, considerando a supracitada obsessão de Óbidos em nomear todos os ofícios, ainda que
de difícil comprovação, já que a ilicitude do ato excluía a produção de registros oficiais. O
motim quase teria ocorrido quando os soldados foram à casa de Lourenço de Brito Correia
inquietos (provavelmente pelo atraso dos soldos), e todas as “as pessoas de nome” da cidade
correram à praça principal da cidade, num “alvoroço por traça e ordem sua [de Brito Correia]
para se fazer governador (...) publicando que era chamado e provido no governo deste Estado,
para o qual se julga muito merecedor, pois diz que ninguém é maior fidalgo que ele”85.
Óbidos não esclarece como conseguiu impedir o levantamento, passando a impressão
de que parte do que relata não passou de elucubrações de uma imaginação fértil. As críticas de
Brito Correia a Diogo Luiz de Oliveira e ao Conde da Torre emprestam, porém, alguma
credibilidade às acusações do Vice-rei, assim como o fato de esse potentado ter se orgulhado
até o fim da vida de sua breve participação no governo. É possível que, desde sua primeira
passagem por Salvador como braço armado de Diogo Luiz de Oliveira, Óbidos tenha se
desentendido com Lourenço, e ambos pareciam bem capazes de cultivar seu rancor desde finais
da década de 1620. Considero mais provável, porém, que a insatisfação generalizada com seu
governo tenha sido vista pelo paranoico Conde como o prelúdio de uma sedição, de modo que
preferiu prevenir a ser novamente deposto, conhecedor que era das diversas revoltas no mundo
português por esses anos86. Parafraseando Oscar Wilde, ser deposto uma vez pode ser
considerado um infortúnio, mas duas vezes já começa a parecer incompetência.
A carta do Vice-rei gerou polêmica no Reino, chegando a ser debatida até mesmo no
Conselho de Estado – indicador do quanto a política baiana podia interessar à Corte87. A
discussão, porém, foi mais intensa no Conselho Ultramarino, no qual, de modo geral,
concordou-se que Óbidos fora precipitado. O letrado paraibano Feliciano Dourado foi o mais
enfático, “porque dar capítulos contra os poderosos não é crime nem é conjuração, antes é um
recurso por onde se faz saber aos Reis e Príncipes e a seus ministros os procedimentos daqueles
contra quem se dão”88. Essa postura é compreensível, se lembrarmos que havia acabado de

85
AHU, Bahia, LF, cx. 19, doc. 2144.
86
FIGUEIREDO, Luciano. “O império em apuros: notas sobre o estudo das alterações ultramarinas e das práticas
políticas no império colonial português, séculos XVII e XVIII” in: FURTADO, Júnia (org.). Diálogos Oceânicos:
Minas Gerais e as novas abordagens para uma história do império ultramarino português. Belo Horizonte: Ed.
UFMG, 2001, pp. 198-214.
87
BPA, 51-V-41, fl. 186v: cinco dos nove membros presentes se abstiveram em razão da proximidade com Óbidos,
e decidiu-se iniciar uma devassa no Reino ouvindo pessoas que haviam chegado na frota.
88
AHU, Bahia, LF, cx. 18, doc. 2100.
243

receber a procuração da Câmara de Salvador para representá-la como seu procurador no


Reino89. A demora do Conde em enviar testemunhas provavelmente objetivava manter os seus
inimigos presos pelo maior tempo possível, incapazes de perturbar os últimos anos de seu
governo – no que foi bem-sucedido. O Conselho Ultramarino concluiu, porém, que a devassa
feita pelo Conde não só era falha como não provava nada além de que os acusados haviam
escrito contra ele – o que, como haviam dito desde o início, estava longe de ser um crime90.
O que se pode depreender do governo do Conde de Óbidos, tão mal falado pelos
contemporâneos? Novamente em um momento de mudanças e renovação, como ocorrera nos
governos de Diogo Luiz de Oliveira e Antônio Teles da Silva, envia-se um governador menos
contemporizador, disposto a usar da violência para impor sua autoridade. Como seus
antecessores, o vice-rei teve sucesso – se este é compreendido como não ser deposto – mas
fracassou em atingir “o fim de um acertado governo”, nas suas próprias palavras: “manter em
paz e quietação aos moradores”. A presença da Relação amplificava as denúncias contra seu
comportamento arbitrário e sua arrogância transformou até o Conselho Ultramarino em
adversário. Assim, tornou-se mais fácil constituir uma facção opositora, que pode ter procurado
derrubá-lo utilizando o exército. Se foi o caso, parece ter sido o mando do Conde Vice-Rei
sobre a mesma infantaria que o manteve no poder, provavelmente através das alianças com seu
compadre Nicolau Aranha Pacheco, mestre de campo, já então bem inserido na açucarocracia,
além de Antônio Guedes de Brito (capítulo III).
É de se notar que, apesar de Guedes de Brito ser sobrinho-neto de Lourenço de Brito,
isso pouco significou, pois ambos ficaram em lados opostos, provavelmente porque seus
objetivos eram distintos: o membro mais novo da família procurava aliados para acelerar sua
ascensão, enquanto o mais novo queria, se acreditarmos em Óbidos, o posto que um dia ocupara
de governador. Percebe-se também, e novamente, a importância da infantaria – e
principalmente de seus oficiais – como suporte político último dos governadores, mesmo
quando estes, como Óbidos, conseguiam deixar insatisfeitas diversas facções na cena política
local. Evidencia-se, portanto, a diferença da situação baiana em relação à revolta que ocorrera
no Rio em 1660-1 e a que ocorreria em Pernambuco em 1666, com a deposição do Xumbergas
– que contou, em verdade, com a anuência do próprio Óbidos, por irônico que isso possa
parecer91. Mesmo assim, as turbulências do período deixam claro que era melhor governar pelo
amor do que pelo temor, como a maioria dos governadores compreendia.

89
AC, vol. IV, pp. 223-4.
90
AHU, Bahia, LF, cx. 19, doc. 2169 e cód. 16, fls. 182v e 216v.
91
FIGUIREDO, Revoltas, Fiscalidade e identidade colonial, pp. 24-83 e MELLO, A fronda, pp. 23-61.
244

Óbidos conseguiu, porém, terminar em paz seu “admirável” governo92. Já que a


estratégia de prender os adversários dera certo, o Vice-rei aprisionou seu próprio secretário,
Bernardo Vieira Ravasco, mantendo-o trancafiado de maio de 1666 até junho do ano seguinte,
supostamente por ter-se oferecido para denunciar as roubalheiras contra a Fazenda Real.
Contando com a ajuda de seus aliados Guedes de Brito, então provedor da Misericórdia, e do
rico mestre de campo Nicolau Aranha Pacheco, procurou cobrar as muitas dívidas de Ravasco
e sua família, afastando também os lavradores de cana de sua moenda. Assim, “impedido eu de
poder tirar do meu engenho uma arroba de açúcar para o meu sustento e de minha casa; privado
dos emolumentos da secretaria”, sem ordenado, “meu pai entrevado em uma cama sem ter de
que se valer (...) sem eu ter parente algum nem amigo que se atreva a ver-me” e com seus
pedidos negados pela Relação, agora subserviente ao Vice-Rei, só restou a Vieira Ravasco pedir
auxílio ao monarca. Acabou, porém, sendo solto só após a partida de Óbidos para Portugal93.
É notável que a Coroa praticamente não tenha se manifestado nessas confusões, não
muito diferente do que ocorrera com Diogo Luiz de Oliveira e Antônio Teles da Silva, apesar
da simpatia dos conselhos régios com as atribulações das elites locais. Para o monarca, devia
ser mais seguro substituir seu representante na América por outro e esperar que isso acalmasse
os ânimos, evitando tomar partido e se incompatibilizar com qualquer uma das facções,
especialmente considerando que suas ordens poderiam encontrar um cenário político distinto e
causar ainda mais agitação. Por isso, o mais que D. Afonso VI fez foi escrever para Vieira
Ravasco dizendo que ouviria o Conde antes de proceder sobre as “violências e moléstias” que
este lhe fazia e dizendo que o secretário deveria advertir o monarca dos descaminhos que
encontrara. Para a Câmara, nem uma palavra explícita sobre o assunto, mas a comunicação de
que lhe mandava um novo governador-geral vinha acompanhada, além da ordem usual para que
tivessem “toda a boa correspondência com ele”, presente em cartas anteriores e posteriores, da
lembrança de que deveriam proceder “nisso e em tudo o mais com a autoridade em parte devida
a sua pessoa e lugar”, no que parece uma sutil admoestação pelos conflitos com o vice-rei –
mesmo que a Câmara não tenha desempenhado um papel de destaque nesse embate94.
Outro dos aliados do Conde apontados por Ravasco foi o supracitado homem de negócio
José Moreira de Azevedo95, que fora nomeado tesoureiro e membro das juntas para decidir

92
PITA, História, p. 375, mas é improvável que muitos concordassem com essa afirmação na década de 1660.
93
AHU, Bahia, LF, cx. 19, doc. 2210; também DH, vol. 7, pp. 307-8. Veja-se também doc. 2145 e cód. 16, fl. 215
para a perseguição contra o mestre de campo Álvaro de Azevedo na mesma época. Para tentativas de cobranças
de vários dos muitos devedores de Ravasco, veja-se docs. 2177-8 e cx. 20, doc. 2337.
94
AHU, cód. 275, fl. 376v; AHMS, PR, 1641-80, fls. 94-94v. A carta avisando sobre a nomeação de Óbidos não
possuía nenhuma sentença similar: AHU, cód. 275, fl. 332.
95
AHU, Bahia, LF, cx. 19, doc. 2209.
245

sobre o donativo. Através de sua trajetória, nota-se como o Vice-rei procurou interferir na
composição do Senado, de modo a ter ao menos um aliado neste tribunal. Moreira de Azevedo
foi eleito para a municipalidade pela primeira vez em 1665 como vereador e no ano seguinte já
ocupou o posto de juiz ordinário, graças a uma provisão de Óbidos que escusara um dos juízes
de servir, abrindo uma vaga. Da mesma maneira, uma licença a outro camarista permitiu que
Moreira de Azevedo assumisse o posto de contador da Câmara, útil para averiguar – ou efetuar
– descaminhos nos vastos recursos arrecadados pelo Senado. Com o apoio do Conde, esse
homem de negócio conseguiu ainda ser eleito em 1667 (possivelmente contando com o auxílio
de Guedes de Brito, então juiz ordinário) para uma junta que trataria do donativo de dote e paz
e, mais importante, como procurador da Câmara em Lisboa, talvez com o objetivo de partir
para o Reino junto com seu patrono96. Óbidos ainda agraciou o primo de José, Antônio, com o
mesmo posto de escrivão do donativo, em finais de seu governo – ainda que o nomeado tenha
se provado menos polêmico, conseguindo gozar o ofício por mais de uma década97.
O final do governo do Conde, no primeiro semestre de 1667, testemunhou o início de
um conflito aberto entre José Moreira de Azevedo (com apoio dos aliados de Óbidos) e a facção
de Rui de Carvalho Pinheiro. Antes mesmo de partir para o Reino como procurador do Senado,
Moreira de Azevedo acusou Carvalho Pinheiro de desviar recursos, e contou com o apoio de
seu aliado Guedes de Brito, então juiz ordinário, que inculpou o escrivão da Câmara em uma
devassa98. Pouco depois, o Senado escreveu duas cartas ao monarca contra a nomeação de João
de Góis de Araújo como superintendente dos donativos. Antecessor de Azevedo no posto de
representante da municipalidade em Lisboa, o licenciado aproveitara seus anos na Corte para
granjear diversas mercês, como o ofício de desembargador da Relação da Bahia, com a
atribuição especial de devassar os devedores da Fazenda Real – o que incluía os donativos
administrados pela Câmara. Os camaristas, porém, protestaram contra essa nomeação, pois o
novo desembargador era cunhado de Rui de Carvalho Pinheiro, e o sogro deste, Cristóvão
Vieira Ravasco (mais conhecido como pai de Antônio Vieira), devedor de grandes quantias,
assim como o pai do letrado, Jorge de Araújo de Góis99.
Pinheiro procurou inverter o jogo e acusou os camaristas de desviarem os donativos,
ampliando ofensiva que se iniciara em finais de 1666 contra tesoureiros e cobradores nomeados
pelo Conde. Sabedor de quem era seu principal adversário, o escrivão proprietário da Câmara

96
AC, vol. IV, pp. 244-6, 269 e 285-301.
97
AHMS, PGS, 1660-1677, fls. 40v-41.
98
AHU, Bahia, LF, cx. 19, doc. 2195.
99
AHU, Bahia, LF, cx. 19, docs. 2196 e 2198; DH, vol. 23, pp. 23-30.
246

afirmou que “a primeira e causa de todas haver naquela cidade um José Moreira que se preza
de potentado e de fazer quanto quer naquela Câmara”, manipulando eleições, desviando fundos,
recebendo ajudas de custo excessivas e ilegais, deixando de pagar a infantaria, provendo ofícios
em seus criados e falsificando os livros do Senado. Talvez Pinheiro estivesse se sentindo
afrontado por alguém se imiscuir em sua especialidade100. Moreira deve ter chegado a Lisboa
ao mesmo tempo que essas cartas, e imediatamente entregou ao Conselho Ultramarino um
extenso papel contra o escrivão da Câmara e sua facção, relembrando a malsucedida devassa
de Luiz Salema de Carvalho e dizendo ter achado, ao rever as contas do escrivão da Câmara,
um exorbitante desfalque de 13.708$800. Acusou ainda João de Góis de Araújo de intimidar o
Senado para impedir qualquer investigação sobre os malfeitos de seu bando101.
A se acreditar na prestação de contas de José Moreira de Azevedo ao Senado, o Conde
de Castelo Melhor o atendera pessoalmente por diversas vezes, mostrando-se favorável à sua
facção, provavelmente por influência de Óbidos, “não fazendo caso dos embargos que se deram
por parte do Sargento-mor Rui de Carvalho Pinheiro”. O golpe que expulsara o valido da Corte
não assustara Moreira de Azevedo, que confiava em suas ligações com “o Marquês de Marialva,
[que] me faz muito particulares favores com tanto excesso que se admiram muitos”102.
A argumentação de Moreira de Azevedo (ou, talvez, o pagamento de um salário de 500$
a Feliciano Dourado103) convenceu o Conselho Ultramarino em consulta realizada em maio de
1668, ao menos no tocante à inconveniência de João de Góis de Araújo devassar as contas do
donativo em Salvador. Entretanto, eles, como nós, não conseguem decidir sobre quem tem
razão na disputa entre o escrivão proprietário da Câmara e o procurador do Senado na Corte,
pedindo apenas que se tirassem novas investigações. A única certeza que os conselheiros
podiam ter era que havia “muitos descaminhos (...) na cobrança do donativo”104.
Enquanto isso, os camaristas de 1667 retiravam o ordenado de 200$ de Rui de Carvalho
Pinheiro, acusando-o de ter recebido ilicitamente 140$ durante anos “por provisão dos
governadores”. Também escreveram ao novo governador-geral, Alexandre de Souza Freire,
pedindo para que João de Góis de Araújo não exercesse o cargo de superintendente dos

100
AHU, Bahia, LF, cx. 19, doc. 2199 (citação); AC, vol. IV, pp. 275-7. Em 1670, um dos degredados pelo Conde,
o capitão Paulo de Azevedo Coutinho, também enviou uma carta criticando José Moreira de Azevedo em termos
não muito distintos: cx. 22, doc. 2635.
101
AHU, Bahia, LF, cx. 19, doc. 2200.
102
AC, vol. IV, pp. 329-39, citações às pp. 329 e 338. D. Antônio Luiz de Menezes, Marquês de Marialva, seria
uma presença muito influente na Corte até sua morte, em 1675: XAVIER & CARDIM, D. Afonso VI. Talvez não
seja mera coincidência o fato de o senhor de engenho baiano Manuel Botelho de Oliveira (capítulo III) ter escrito
um poema em sua homenagem por esses anos: Poesia completa: Música do Parnasso, Lira Sacra. Organização de
Adma Muhana. São Paulo: Martins Fontes, 2005, pp. 212-3.
103
AC, vol. IV, p. 335.
104
AHU, cód. 16, fl. 280. Veja-se também fl. 363.
247

donativos105. Em finais de 1667, os oficiais deixaram registrado para seus sucessores as


denúncias, afirmando que se devia cobrar de Pinheiro as dívidas de seu pai, morto há 20 anos.
Prevendo ainda a possibilidade de que os próximos juízes ordinários e vereadores pertencessem
à facção oposta, defenderam a conservação de Azevedo como procurador do Senado106.
Seus temores não eram infundados. Os camaristas de 1668 escreveram ao monarca já
em 28 de janeiro, criticando seus antecessores por deixarem o Senado endividado e,
principalmente, os procedimentos duvidosos de José Moreira de Azevedo como tesoureiro,
vereador, juiz e contador na Câmara, pedindo “um ministro de zelo e limpeza [para] devassar
estes descaminhos”107. Rui de Carvalho Pinheiro também conseguiu retornar a seu ofício em
finais do ano, voltando a receber seu largo ordenado108. A posição da nova Câmara, contrária
aos antigos aliados de Óbidos, pode ser inferida pela escolha (em razão da escusa do eleito nos
pelouros) de Antônio Teles de Menezes, irmão de Francisco, que havia sido preso pelo vice-rei
– e, nessa época, já de volta à Salvador com seus supostos co-conspiradores, reinstituído como
capitão e agora nomeado como alcaide-mor, mercês obtidas ainda no final do governo do Conde
de Castelo Melhor109. Entretanto, devia haver discordâncias no Senado, pois embora Teles de
Menezes e o juiz ordinário Francisco de Negreiros Soeiro tenham ido reclamar de José Moreira
de Azevedo com o novo governador-geral, dizendo que a procuração que lhes havia sido
enviada não era válida e que havia sido enviado ao Reino “por respeitos particulares”, e não
pelo “bem comum”, os camaristas como um corpo nunca chegaram a enviar uma carta ao
monarca desautorizando seu procurador, como haviam dito a Souza Freire que fariam110.
O governador-geral só encaminhou as reclamações, sem dar parecer algum. No meio
desse fogo cruzado, Souza Freire parece ter adotado a atitude mais prudente: cortejar ambos os
lados. Logo após sua chegada, em meados de 1667, o governador pediu ao rei para que Góis de
Araújo assistisse no despacho da Relação enquanto estivesse em Salvador, e pouco depois
nomeou Guedes de Brito como sargento-mor de um terço da infantaria paga de Salvador. Já no
final de seu governo, o proveu como mestre de campo de um terço de infantaria, apesar de sua
experiência ser muito menor do que diversos outros militares de carreira na capitania111.

105
AC, vol. IV, pp. 310-1 (citação) e AHMS, PGS, 1660-77, fls. 119-122.
106
AC, vol. IV, pp. 324-9.
107
AHU, Bahia, LF, cx. 19, doc. 2238.
108
AC, vol. IV, pp. 311-2.
109
DH, vol. 23, pp. 18-23. Outro dos presos, Lourenço de Brito de Figueiredo, também conseguiu mercê de um
triênio do ofício de provedor-mor, assim como seu pai: pp. 151-4 e vol. 66, pp. 33-4.
110
AHU, Bahia, LF, cx. 20, doc. 2272 e cód. 16, fl. 298.
111
AHU, Bahia, LF, cx. 19, doc. 2216; DH, vol. 23, pp. 82-5 e vol. 24, pp. 99-103. Em 1669, o governador nomeou
um filho de Ravasco como tesoureiro do donativo dos quatro vinténs: AHMS, PGS, 1660-1677, fls. 189-191 e
outro como capitão de infantaria: DH, vol. 23, pp. 447-9. O secretário de Estado, por sua vez, recebeu uma
sesmaria: pp. 458-61. Já o Desembargador Manuel de Almeida Peixoto, inimigo de Óbidos, afirma ter sido
248

Provavelmente era uma maneira de tentar obter o apoio da Câmara, liderada por Guedes de
Brito (interlocutor preferencial do governador112) em 1667 e 1669, que estava impondo algumas
dificuldades à cobrança do donativo, recusando-se a aceitar a forma sugerida por João de Góis
de Araújo e ordenada pelo rei: uma junta de seis homens, dois de cada um dos três Estados.
Procurava-se, assim, manter o controle exclusivo do Senado sobre “o maior donativo que
vassalos alguns ofereceram a Seu Rei e Senhor”113. Araújo não deixou de denunciar essa
resistência, responsabilizando sempre José Moreira de Azevedo, e destacando que dos 300.000
cruzados arrecadados em 1664-6 pouco mais de 200.000 haviam sido enviados ao monarca,
tendo o resto permanecido em Salvador em razão de salários, propinas e descaminhos114.
Se o cálculo é verdadeiro (o Senado afirmava que o dinheiro havia sido gasto no sustento
da infantaria115), pouco menos de 100.000 cruzados foram embolsados pela nobreza baiana,
numa “taxa de administração” de quase 1/3 que ajuda, novamente, a entender a aceitação por
parte da elite baiana dessa pesada contribuição. Esses recursos controlados pela municipalidade
representavam “um dos maiores e mais regulares fluxos de riqueza líquida na província – e um
que poderia ser aproveitado por aqueles dotados de influência e privilégio”, isto é, as elites
locais116. Tais desvios provavelmente eram usuais na América Portuguesa117, ainda que sejam
difíceis de detectar, em grande medida porque revelá-los não interessava às elites locais – que
se beneficiavam com esses recursos – e nem à administração periférica da Coroa – pois só assim
era possível arrecadar dinheiro adicional para as necessidades régias. Ao fim e ao cabo, como
os responsáveis por angariar recursos só precisavam prestar contas a seu próprio grupo e aos
representantes do rei, tornava-se relativamente simples subtrair esses valores. O “povo”
provavelmente aceitava, ainda que insatisfeito (como demonstra a supracitada denúncia de
1651), devido ao seu limitado poder para reclamar e, possivelmente, pelos laços pessoais ou
econômicos que os ligavam a membros da elite.

substituído por Souza Freire em seus cargos na Relação por João de Góis de Araújo e pelo outro desembargador
natural do Brasil, Cristóvão de Burgos (AHU, Bahia, LF, cx. 21, docs. 2454-5), indicando uma tentativa de
cooptação de aliados.
112
AC, vol. IV, pp. 322-3.
113
AHMS, PGS, 1660-1677, fls. 112v-119 (citação 115v-116). Veja-se DH, vol. 7, pp. 313-4 e 321-2: o governador
manda que militares cobrem o donativo rapidamente, seguindo uma ordem régia, que reclamara que a contribuição
era paga “com menos pontualidade do que é necessário” (DH, vol. 67, p. 16-7).
114
AHU, Bahia, LF, cx. 19, doc. 2228.
115
AC, vol. IV, pp. 314-6.
116
BEIK, William. Absolutism and society in seventeenth-century France: State power and provincial aristocracy
in Languedoc. Cambridge: Cambridge UP, 1985, p. 245. Segundo o autor, a “taxa de administração” nessa
província francesa também podia ser estimada em cerca de 1/3 (pp. 260-6).
117
MELLO, Evaldo Cabral de. “Pernambuco no período colonial” in: AVRITZER, Leonardo; BIGNOTTO,
Newton; GUIMARÃES, Juarez & STARLING, Heloísa (orgs.). Corrupção: ensaios e críticas. Belo Horizonte:
Ed. UFMG, 2008, p. 226.
249

A tensão diminuiu em 1669, deixando-se de lado as acusações – atitude prudente numa


briga em que os dois lados haviam cometido descaminhos118. O mais interessante nesse conflito
é a capacidade que o maior representante do monarca na América possuía para impulsionar
trajetórias de ascensão ao poder, principalmente pela nomeação de aliados em postos-chave,
mas também, embora isso seja bem mais difícil de discernir, pelo prestígio emprestado às
figuras que devem ter se associado mais proximamente ao vice-rei. Entretanto, se Óbidos
conseguiu desalojar temporariamente a facção Pinheiro/Ravasco/Araújo do poder, pouco após
sua ida para o Reino eles retornaram, e dos dois principais membros da facção criada pelo
Conde – Moreira de Azevedo e Guedes de Brito – apenas aquele com amplos recursos locais
foi capaz de permanecer um ator político relevante passados alguns anos do malfadado governo
do 2º vice-rei do Estado do Brasil. Percebe-se, assim, que o poder de um governador em
influenciar a dinâmica política podia ser significativo, mas era transitória e, como veremos, a
relação entre poder local e representante real tendia a retornar as suas características já
estabelecidas após a partida de quem havia servido como ponto focal de todas essas confusões.
Assim, fosse por suas enfermidades e cansaço, como quis Sebastião da Rocha Pita 119,
ou por prudência, o novo governador-geral Alexandre de Souza Freire desenvolveu um
relacionamento tranquilo com a nobreza baiana durante seu governo, retornando ao padrão
quebrado por Óbidos – e até intensificando-o, a se julgar pelo grande número de cartas trocadas
entre governo e Senado. Concordou, por exemplo, com o pedido para arrendar um donativo
sobre a cachaça, cuja produção crescera numa escala inaudita120. Como ocorria há décadas, o
objetivo maior da colaboração era garantir o sustento da infantaria, e com esse fim o governador
acatou um requerimento do Senado para atribuir uma parcela maior da carga fiscal aos homens
de negócio, aliviando os “moradores, os mais contínuos nas contribuições, despesas e perdas
na conservação de seus engenhos”121. Mesmo quando discordava das decisões da
municipalidade, Souza Freire sempre repetia “desejar eu muito livrá-los desta opressão” em
que viviam, dizendo mesmo que “se o tivera [dinheiro] de minha casa, com melhor vontade
oferecera a vossas mercês para este desempenho”, isto é, as dívidas em razão do sustento da

118
Veja-se a decisão de manter Moreira de Azevedo como procurador: AC, vol. IV, pp. 407-9, em vereação
liderada por Antônio Guedes de Brito. No ano seguinte, porém, vota-se outra vez por sua substituição: vol. V, pp.
34-6. Mais críticas a ele ocorrem em 1672, quando o irmão de João de Góis de Araújo, José de Góis de Araújo,
foi eleito juiz: pp. 64-6. No mesmo ano, o Senado pede para que Moreira de Azevedo não possa mais tirar
inquirições para habilitações das ordens militares: AHU, cód. 17, fl. 74. Para o recuo dos oficiais no ano seguinte
e vitória judicial de Moreira de Azevedo, veja-se AC, vol. V, pp. 103-6 e 152.
119
PITA, História, pp. 375-6.
120
AC, vol. IV, pp. 367-72.
121
AHMS, PGS, 1660-1677, fls. 132-134 (citação à fl. 133) e 138v-141.
250

infantaria122. Da mesma maneira, repetidamente procurava “louvar e agradecer muito a vossas


mercês o cuidado com que zelam [pel]o serviço de Sua Alteza e benefício deste povo”123.
Outro elemento que deve ter tornado Alexandre de Souza Freire mais querido entre a
nobreza baiana foi a reestruturação das tropas de ordenança, abrindo espaço para quatro novos
coronéis (incluindo homens poderosos, como Francisco Gil de Araújo) e muitos outros oficiais.
Aproveitando a boa vontade dos nomeados, incluiu os coronéis nas discussões da Câmara sobre
a cobrança do donativo, com o objetivo de tornar a arrecadação mais eficiente124. O governador
também concordou com a fixação de um valor mínimo para o açúcar em 1669, ano em que os
preços estavam perigosamente baixos, ao menos na visão dos produtores, e emprestou 200$ à
Câmara para que se pagasse ajuda de custo aos capitães que iam combater os indígenas125.

Imagem 1: organograma simplificado da estrutura de arrecadação dos donativos (c.


1670)

Câmara
Governador-geral
Municipal

Tesoureiros (dos Nomeados


Escrivão dos
donativos e da pelo
donativos
Câmara) governador

Coronel de Coronel de Coronel de Coronel de


ordenança ordenança ordenança ordenança

Capitães de Capitães de Capitães de Capitães de


ordenança ordenança ordenança Ordenança

Em troca, o Senado tratava Souza Freire com toda a cortesia e contribuía sempre que
lhe era pedido, chegando os camaristas de 1669 a fornecerem de seus próprios rebanhos dezenas
de cabeças de gado cada um, para não onerar mais as já sobrecarregadas finanças municipais126.
Um deles, o sargento-mor Marcos de Bitencourt (capítulo III) escreveu ao Doutor Cristóvão
Soares de Abreu (filho do antigo provedor-mor da fazenda Francisco Soares de Abreu com uma

122
AHMS, PGS, 1660-1677, fls. 141v-145 (citações a fls. 144 e 144v).
123
AHMS, PGS, 1660-1677, fls. 145-146v (citação à fl. 145v), e a resposta do Senado em 146v-149v.
124
Vejam-se algumas de suas muitas nomeações em DH, vol. 31, pp. 388-417, e cartas para o Senado em DH, vol.
86, pp. 164-6. Cf. também AC, vol. IV, pp. 387-92. O governador-geral reclama das demoras em pagar o donativo
em missiva ao rei: AHU, Bahia, LF, cx. 20, docs. 2276 e 2308.
125
AC, vol. IV, pp. 409-11 e vol. V, pp. 5-6; AHMS, PGS, 1660-1677, fls. 171v-173v.
126
Veja-se, por exemplo, AHMS, PGS, 1660-1677, fls. 179v-180v e 186-9, sobre a guerra ao gentio.
251

mulher natural do Brasil), então vereador mais velho da Câmara de Lisboa e pessoa de alguma
influência na Corte desde a década de 1640, elogiando o governador “que sua cortesia e
bondade merece que sempre nos lembre”, apesar de sua “frouxidão” em alguns momentos127.
O senhor de engenho e letrado Manuel Botelho de Oliveira também elogiou Souza Freire em
verso: “em paga do valor sempre aplaudido, América governa venturosa, Na presença gloriosa,
Que a parte de dois mares satisfeita. África o teme, América o respeita”128.
Vê-se, portanto, que a residência desse governador-geral pode ter pintado um quadro
exageradamente róseo, mas não muito afastado da realidade. Nela diz-se que Alexandre de
Souza Freire procedeu “com grande desinteresse e limpeza, assim a respeito da Fazenda Real
de Vossa Alteza como dos moradores, aos quais tratava com grande acolhimento e procurava
fazer justiça, por cuja causa foi geralmente benquisto e amado, sem haver dele queixas”129.
Percebe-se aqui as duas preocupações centrais da Coroa: que o governador-geral não desviasse
fundos e fosse “geralmente benquisto e amado”, pois, como ficava cada vez mais evidente, uma
relação amigável com os vassalos tornava muito mais simples o cotidiano da governação, já
que o representante da Coroa dependia da elite baiana para pagar a infantaria e arrecadar os
donativos, as duas principais preocupações da monarquia nesse momento.

Tempos de Paz (1671-94)?


Em meados de 1671 chegou à Salvador Afonso Furtado de Castro do Rio de Mendonça
(1671-5)130. O novo governador-geral manteve uma relação tranquila com as elites locais desde
o início de seu governo, para o que talvez tenha contribuído sua imediata eleição como provedor
da Misericórdia em 3 de julho do mesmo ano, em sessão que contou com a presença de muitos
dos homens mais ilustres da Bahia131. Nada sabemos sobre sua atuação no comando da
irmandade, exceto o que diz seu panegirista ao elogiar “o generoso de sua esplêndida caridade”,
o que, sendo verdade, teria sido útil para a construção de sua boa reputação em Salvador132.

127
BPA, 54-VIII-37, fl. 109.
128
OLIVEIRA, Poesia completa, p. 113. O poeta havia “largado o hábito de bacharel” para acudir à defesa da
cidade quando Souza Freire convocou os moradores: AHU, cód. 86, fls. 250-251 (citação à fl. 250).
129
AHU, Bahia, LF, cx. 22, doc. 2620. Veja-se a consulta em cód. 17, fl. 162.
130
Cf. seu regimento em RAU, Virginia & SILVA, Maria Fernanda Gomes da (orgs.). Os manuscritos do Arquivo
da Casa de Cadaval respeitantes ao Brasil. Coimbra: Universidade, 1955, vol. I, pp. 211-29.
131
ASCMS, Livro 2º de Eleições, 1667-1726, fls. 5-5v. Logo após sua chegada, Afonso Furtado também mereceu
dois sonetos elogiosos de Botelho de Oliveira: Poesia Completa, pp. 69-70.
132
“O panegírico fúnebre a D. Afonso Furtado, de Juan Lopes Sierra (Bahia, 1676)” in: SCHWARTZ, Stuart &
PÉCORA, Alcir (orgs.). As excelências do governador: o panegírico fúnebre a d. Afonso Furtado, de Juan Lopes
Sierra (Bahia, 1676) [trad.]. São Paulo: Companhia das Letras, 2002 [1979], p. 119 (citação) e 125-7.
252

Assim, Furtado de Mendonça recorreu à Câmara para garantir que esta decidisse com
os mercadores o preço do açúcar, de modo a não atrasar a saída da frota – apesar de o regente
D. Pedro ter ordenado “a este governo que se não intrometesse no preço dos açúcares” – e para
reunir dinheiro e mantimentos para as entradas no sertão133. Da mesma maneira, ordenava ao
provedor da alfândega (cargo transmitido hereditariamente entre as famílias da terra desde a
fundação de Salvador, então na posse do fidalgo Antônio de Brito de Castro, seu antecessor na
Santa Casa) que mediasse entre homens de negócio e mestres de navios para definir o valor do
frete, como o fizeram todos os governadores subsequentes, instituindo uma intervenção no
mercado que tendia a favorecer os grupos locais, diminuindo seus custos134. Frente a uma
dúvida levantada pelo próprio Senado sobre sua jurisdição para definir o preço da farinha de
mandioca, o governador-geral escreveu que “às Câmaras pertence pôr-se o preço dos
mantimentos, e se para este efeito necessitar de alguma ordem minha, por esta lhe dar a vossas
mercês toda a faculdade necessária para que se evite a exorbitância que há no preço delas”135.
Reclamações sobre os atrasos no donativo e no pagamento da infantaria existiram, mas
não constituíam nada de extraordinário, já que muitas vezes o Senado retardava os pagamentos
em razão da demora da arrecadação, ou simplesmente por estar utilizando temporariamente os
recursos para outros fins136. Se o governador-geral não era tão cortês quanto seu antecessor,
também não era agressivo, tomando a cooperação camarária como algo inevitável137.
Por outro lado, deixava um espaço um pouco maior para a autonomia do Senado, mesmo
em temáticas tributárias, como “a extinção do imposto do azeite de peixe”, feita “sem mais
intervenção do governador-geral nem de ministro algum”138. Essa atitude pode ter derivado de
uma carta régia enviada no início do seu governo, em que a Coroa, depois de pedidos dos
procuradores da Bahia (nosso conhecido José Moreira de Azevedo) e do Rio de Janeiro,
determinava que nenhum oficial régio deveria se intrometer “nas eleições da Câmara, nem em
nomear pessoas para servirem de tesouro delas nem nos lançamentos dos donativos”. Apesar
da ironia de este pedido ter sido impetrado por alguém que havia sido nomeado tesoureiro por
Óbidos, a determinação certamente reforçava a autonomia camarária139.

133
DH, vol. 86, pp. 189-91 (citação à p. 189).
134
DH, vol. 8, pp. 157, 215 e 239-40.
135
AC, vol. V, pp. 66-7.
136
DH, vol. 86, pp. 194-201 e 204-5; AHMS, PGS, 1660-1677, fls. 331-331v.
137
Curiosamente, a carta em que é mais efusivo (“eu desejo tanto a este povo todas as felicidades”) foi enviada ao
Senado pouco antes de sua morte: DH, vol. 86, p. 207.
138
AC, vol. V, pp. 115-8. Algo similar ocorre na taxação dos criadores de gado do sertão (pp. 150-1).
139
AHMS, PR, vol. II, fls. 146v-147.
253

Mesmo assim, a Coroa determinou que o governador deveria exigir das Câmaras do
Brasil o envio de “relações dos impostos e donativos que cobram por seus oficiais (...) com toda
a clareza que convém”140. Ainda que essa instrução tenha sido ignorada, é um dos primeiros
sinais do lento e tortuoso processo de intromissão do poder régio nos donativos administrados
pelo poder local, iniciado nesse momento em que a paz com as Províncias Unidas e a monarquia
hispânica já havia sido selada, mas que só vai se consolidar na segunda década do século
seguinte, em 1713 para a Bahia e até 1727 para o Rio de Janeiro e Olinda, dentro do contexto
de revoltas na década de 1710 e de inflexões políticas na Corte joanina 141. O fim da Guerra de
Restauração no Reino em 1668 e, principalmente, a ratificação do tratado de paz com as
Províncias Unidas dos Países Baixos em 1669 diminuíram grandemente a ameaça militar sobre
a América Portuguesa, de modo que a Coroa teria menos necessidade da colaboração dos
vassalos brasílicos. Assim, a monarquia se sentiu mais confiante para começar, mesmo que
levemente, a limitar a autonomia fiscal dos poderes locais americanos142.
Mais importante, enquanto no Reino os “povos” (isto é, os representantes das nobrezas
provinciais) reunidos em Cortes foram capazes de impor o levantamento dos tributos cobrados
para a guerra143, garantindo a virtual dissolução do exército permanente, nada similar ocorreu
na América. Apesar de algumas reclamações esparsas de que os conflitos há muito haviam
cessado, as exações continuaram, indicando uma significativa divergência entre as trajetórias
políticas dos dois lados do Atlântico, provavelmente devido à incapacidade das elites da
América Portuguesa de montar um protesto coeso, unindo-a ao que se fazia no Reino, devido
ao caráter marcadamente paroquial das elites locais, tanto em Portugal quanto no no Brasil.

140
AUC, CCA, Livro do Governo da Baía, 1578-1725, VI-III-1-1-4, fls. 141-142v (repetida na instrução dada a
Roque da Costa Barreto: fls. 142v-145).
141
CRUZ, Miguel Dantas da. O Conselho Ultramarino e a administração militar do Brasil (da Restauração ao
Pombalismo): política, finanças e burocracia. Tese de doutorado. Lisboa: ISCTE, 2013, pp. 158-77. Veja-se
também os trabalhos essenciais de FIGUEIREDO, Revoltas, fiscalidade e identidade colonial, principalmente pp.
84-153 e 489-90, e “Equilíbrio distante: o Leviatã dos Sete Mares e as agruras da Fazenda Real na província
fluminense, séculos XVII e XVIII”. Varia História, n. 32, 2004, pp. 144-75, embora, em minha opinião, o autor
sobrevalorize a oposição entre os vassalos ultramarinos e a Coroa. Para Pernambuco, cf. LISBOA, Breno.
“Cuidando do patrimônio da Coroa: as contas da Câmara municipal de Olinda na segunda metade do século XVII
e na primeira metade do século XVIII”. SÆCULUM, vol. 29, 2013, pp. 421-36. Para o contexto mais amplo, veja-
se ALMEIDA, Luís Ferrand de. “O absolutismo de D. João V” [1992] in: id. Páginas dispersas: estudos de História
Moderna de Portugal. Coimbra: Instituto de História Econômica e Social, 1995, pp. 183-207; MONTEIRO, Nuno
Gonçalo. “Identificação da política seiscentista. Notas sobre Portugal no início do período joanino”. Análise Social,
vol. 25, n. 157, 2001, pp. 961-87 e BICALHO, Fernanda. “Inflexões na política imperial no Reinado de D. João
V”. Anais de História do Além-Mar, vol. VIII, 2007, pp. 37-56.
142
É possível estabelecer aqui uma analogia com o enfraquecimento das lideranças indígenas e negras após a
expulsão dos neerlandeses de Pernambuco, pois a diminuição de sua importância militar ocasionou a perda dos
privilégios prometidos pela Coroa: RAMINELLI, Nobrezas do Novo Mundo, pp. 150-4, 164-8, 189-94, 199-205.
143
COSTA, Fernando Dores. “A paz de 1668 e a ilegitimidade dos exércitos permanentes”. Revista de História
das Ideias, vol. 30, 2009, pp. 355-74.
254

Nos momentos em que julgava necessário, Furtado de Mendonça não hesitava em impor
sua autoridade, como se vê quando o Senado registra em ata que “o senhor governador Afonso
Furtado obriga a esta Câmara da Bahia tenha a dita farinha conchavada como foi sempre para
haver pronta e certa ração para a infantaria, e evitar os insultos e clamores que fazem os
soldados” – ainda que provavelmente haja algo de protocolar na afirmação, já que foi
textualmente repetida ao longo do século144. Lopes Sierra trata longamente de uma junta que o
governador-geral teria reunido para procurar recursos para atacar os indígenas inimigos. A
Câmara, porém, recusara-se a fintar o povo para obter o dinheiro necessário em razão dos
muitos encargos já pagos, frente ao que Furtado de Mendonça pouco pôde fazer145. A história
é corroborada por uma carta da municipalidade ao governador, na qual os camaristas escrevem:
“Sua Alteza deve de direito e justiça por sua Fazenda Real defender seus vassalos” – embora,
como deixam implícito os vassalos, isso não ocorra146. Fosse por uma incapacidade real,
potencializada pela baixa do preço do açúcar, ou simplesmente porque Furtado de Mendonça
não estabelecera com os vassalos uma relação amistosa o suficiente para que o Senado se
dispusesse a mais esse sacrifício, o fato é que o governador-geral nada pôde fazer. Furtado de
Mendonça deve, porém, ter se conformado, se realmente acreditava nos princípios que
enunciara em carta ao governador de Pernambuco, de 1672: “nem os povos nem os postos
inferiores podem por si resolver coisa alguma contra o que dispõem os superiores, nem ainda
os que são superiores meter-se na jurisdição alheia”147.
Furtado de Mendonça continuou a prover membros destacados da elite como coronéis
e a recorrer a eles para as mais diversas necessidades, desde coordenar os capitães do mato na
repressão aos quilombos a recrutar homens para expedições contra os indígenas, além da
cobrança do donativo148. Exatamente por depender dos principais oficiais de ordenança para a
“execução das ordens desse governo”, o governador-geral proibiu que esses homens ocupassem
cargos no Senado149. Foi, portanto, através das ordenanças que esse governador-geral
estabeleceu uma colaboração mais intensa com a elite local 150. Também contou com o auxílio

144
AC, vol. V, pp. 130-3, 136-42 e 146-7 (citação à p. 131, repetida à p. 136). Cf. também AHMS, PGS, 1660-
1677, fls. 289v-290.
145
“O panegírico”, pp. 129-36.
146
CS, vol. II, pp. 6-10 (citação à p. 8). O alcaide-mor Francisco Teles de Menezes escreveu ao Duque de Cadaval
acusando Furtado de Mendonça de tentar influenciar as eleições da Câmara, com o objetivo de tornar o Senado
mais dócil a seus desmandos – muitos, a se acreditar nessa denúncia: RAU & SILVA, Os manuscritos, pp. 240-1.
147
DH, vol. 6, p. 272. A melhor apreciação sobre o homem e seu governo ainda é SCHWARTZ, Stuart.
“Introdução” in: id. & PÉCORA (orgs.), As excelências, pp. 27-32.
148
DH, vol. 8, pp. 130, 206, 300-1, 393, 397-8, 415-8, 421 e 425-7; vol. 12, pp. 222-4.
149
AC, vol. V, pp. 88-90 (citação) e DH, vol. 86, pp. 201-2.
150
“O panegírico”, p. 141 menciona uma expedição na qual o governador “deu mesa a todas as pessoas de conta
que o assistiram, como foram coronéis, mestres de campo, capitães e graves pessoas, que foram mais de 30”.
255

de potentados em suas campanhas contra os indígenas, como João Peixoto Viegas (a quem
nomeou escrivão da Câmara após a morte de Rui de Carvalho Pinheiro), Francisco Dias de
Ávila e Antônio Guedes de Brito151.
O momento mais memorável do governo de Furtado de Mendonça foi, porém, seu fim.
No dia 25 de outubro de 1675 o governador-geral foi acometido por uma doença, sofrendo um
declínio acelerado. Após quase um mês de enfermidade, começou-se a discutir quem lhe
sucederia, e Furtado de Mendonça convocou “os ministros da Relação todos, os oficiais do
Senado da Câmara desta Cidade, os prelados das religiões, os oficiais maiores da milícia, o
provedor-mor da fazenda real, e alguns sujeitos da nobreza e cidadãos” para uma reunião do
paço na manhã do dia 24 de novembro, com o objetivo de “evitar com esta diligência as
dissensões que costumam haver em semelhantes casos nos povos”, no dizer do provedor-mor
da fazenda Antônio Lopes de Ulhoa152 – revelando, novamente, o caráter inerentemente
conflituoso da vacância do governo, intensificada pela ausência de uma ordem régia que
determinasse os mecanismos de sucessão. Por isso, tanto Lopes de Ulhoa quanto o Conselho
Ultramarino urgiram o monarca a escolher um governador o mais rapidamente possível153.
O registro oficial dos debates dessa junta não chegou até nós, mas sua grande
importância e as polêmicas ainda maiores que gerou fizeram com que vários de seus
participantes escrevessem relatos da discussão. Cada um dos presentes deveria votar sobre a
nova forma de governo, mas não havia consenso sequer sobre quantos deveriam ser os
governadores provisórios. A sugestão do desembargador Antônio Nabo Peçanha de que
deveriam ser escolhidos o chanceler da Relação, o mestre de campo mais antigo e o juiz
ordinário mais velho foi acatada por quase todos154. Os três eleitos seriam Agostinho de
Azevedo Monteiro, Álvaro de Azevedo e Antônio Guedes de Brito (aliados de Peçanha,
segundo o desembargador João de Góis de Araújo). Entretanto, os desembargadores Manuel da
Costa Palma e José de Freitas Serrão “disseram [que] não convinha o juiz”155, numa tentativa
de excluir Guedes de Brito do poder. É de se notar que poucos dias após a posse de Guedes de
Brito no Senado Furtado de Mendonça nomeara como escrivão da Fazenda Real o polêmico

151
DH, vol. 8, pp. 393-4, 397-8 e 416; vol. 25, pp. 397-404, AHMS, PGS, 1660-1677, fls. 287-289 e 331v-339;
“O panegírico”, pp. 101 e 141-2.
152
AHU, Bahia, LF, cx. 23, doc. 2688 (citações); “O panegírico”, pp. 187-202.
153
DH, vol. 88, pp. 85-6.
154
“O panegírico”, pp. 203-4.
155
AHU, Bahia, LF, cx. 23, doc. 2698 (carta de João de Góis de Araújo, 27 de fevereiro de 1676).
256

José Moreira de Azevedo, possivelmente como agradecimento à ajuda que Guedes de Brito
vinha lhe emprestando no conflito com os indígenas e aproximando-se dessa facção156.
Apesar de suas negativas, o próprio Góis de Araújo desejava ser governador, e o fato de
estar servindo como provedor da Santa Misericórdia era uma prova de seu prestígio, riqueza e
poder157 – honraria obtida em grande medida, sem dúvida, graças à importância de sua família
há quase meio século (capítulo III). O argumento em favor de sua presença no triunvirato seria,
porém, seu papel como “presidente” do Senado, pois como ouvidor-geral do cível exercia a
função de corregedor da comarca, supervisionando o Senado – no que recebeu o apoio do
poderoso mestre de campo Pedro Gomes e do sargento-mor Damião Lençóis de Andrade.
Guedes de Brito e seu colega, o juiz mais novo Pedro Camelo Pereira de Aragão, reagiram,
afirmando “que a Câmara não tinha presidente senão o governador” – citação reveladora da
intensa relação entre o Senado e o alter ego americano do monarca158. O próprio Gomes diria
depois que “o dito governador foi inimigo capital dele suplicante, e tiveram entreveros, e
causas, que de direito produzem e provam a dita inimizade”, e que “estando morrendo, se
acordou” para fazer com que o militar no triunvirato fosse Álvaro de Azevedo, apesar de este
não exercer seu posto desde 1671159. Compreende-se, assim, o porquê de Gomes apoiar um
adversário do governador, talvez com a esperança de assumir o lugar de Álvaro de Azevedo.
Gomes não exagerou quando afirmou que a restituição de Álvaro de Azevedo havia sido
uma manobra para impedir Gomes de participar do triunvirato. Azevedo conseguira um alvará
favorável determinando seu retorno ao cargo em 13 de julho de 1672, mas o príncipe regente
determinara que ela só deveria ocorrer após o término do governo de Furtado de Mendonça.
Este, em 20 de novembro de 1675 (apenas quatro dias antes da convocação da junta, portanto),
escreveu um despacho em que dizia: “cumpra-se como Sua Alteza manda, (...) e terá seu efeito
no mesmo instante em que por algum acaso eu faltar do governo deste Estado, e sem dúvida,
nem contradição alguma. (...) E debaixo desta cláusula hei logo dada posse do terço para o tal
tempo e feita a restituição dele”. Apesar da data, o despacho só foi registrado no dia da morte

156
DH, vol. 25, pp. 373-6. Moreira de Azevedo pouco depois pediria a propriedade desse posto: AHU, Bahia, LF,
cx. 22, doc. 2659. Permaneceu no cargo até 26 de maio de 1676: DH, vol. 26, pp. 61-3.
157
ASCMS, Livro 2º de Eleições, 1667-1726, fls. 9-9v.
158
AHU, Bahia, LF, cx. 23, doc. 2698. Em Angola o ouvidor-geral funcionava como presidente da Câmara, mas
em Goa o Senado resistiu a essa pretensão até o início do XVIII: BOXER, Charles. Portuguese Society in the
Tropics: the municipal councils of Goa, Macao, Bahia, and Luanda, 1510-1800. Madison: University of Wisconsin
Press, 1965, pp. 23 e 113.
159
IAN/TT, Colecção São Vicente, L. 13, fl. 270: essa petição faz parte de um embate entre os herdeiros do
governador e o mestre de campo por algumas terras no sertão, descrito nos fls. 264-272; veja-se também DH, vol.
67, pp. 325-6. Apesar de Azevedo ser natural da Bahia (filho de um militar reinol cavaleiro da Ordem de Cristo),
estava muito menos integrado à nobreza baiana que Gomes, que por esses anos já fora provedor da Santa Casa por
duas vezes (1660 e 1667), enquanto Azevedo só se tornaria irmão dessa irmandade em 1664 (capítulo III).
257

do governador, em 26 de novembro160. Essa discrepância sugere que o governador decidiu


recolocar Álvaro de Azevedo no cargo após a resolução da junta de 24 de novembro, como uma
forma de manter seu inimigo Pedro Gomes fora do governo.
Os intrincados detalhes valem menos por si do que pelo que revelam, ainda que eu deva
admitir que reconstruí-los é tão estimulante quanto montar um quebra-cabeça. Prazeres infantis
à parte, essas peças nos permitem entrever um frenético jogo de alianças na tentativa de
preencher um vácuo de poder. Essas facções não tinham como elementos determinantes a
naturalidade ou o grupo social, pois tanto Góis de Araújo quanto Guedes de Brito eram naturais
da terra, mas quem se aliou ao desembargador foi o reinol Pedro Gomes. Todos os três eram
membros destacados da nobreza baiana e senhores de engenho, possuindo interesses
econômicos e sociais idênticos. O cargo também não servia como um ponto unificador, como
se vê através das fraturas dentro do próprio Tribunal da Relação ou do conflito entre os mestres
de campo. O que temos são consórcios baseados em projetos individuais ou familiares de poder,
mais instáveis do que nos é possível perceber. Bernardo Vieira Ravasco fizera parte do mesmo
grupo que Araújo 10 anos antes, mas nesse momento não apoiou o desembargador, talvez
porque o laço que os unia desaparecera havia três anos, com o falecimento de Rui de Carvalho
Pinheiro, cunhado de ambos. Álvaro de Azevedo também havia, como eles, se indisposto com
Óbidos, mas isso não era suficiente para formar uma aliança duradoura.
No final das contas foi a solução aceita por todos os outros, inclusive o Senado e o
governador, que prevaleceu: o triunvirato composto pelo Desembargador Azevedo Monteiro,
pelo mestre de campo Álvaro de Azevedo e pelo juiz ordinário Guedes de Brito. Eles
ascenderam ao poder rapidamente, já que Furtado de Mendonça faleceu apenas dois dias depois
da polêmica junta. Entretanto, as manobras políticas estavam longe de terminar, porque
permanecia uma dúvida: seria Guedes de Brito substituído pelo próximo juiz mais velho, já que
seu mandato na Câmara estava prestes a acabar?
Com uma recompensa tão alta, não só Guedes de Brito começou a buscar formas de se
manter no poder e João de Góis de Araújo de colocar seu irmão como juiz mais velho, mas
“publicamente se tem declarado as principais famílias desta cidade no intento” de elegerem “o
juiz mais velho que há de sair no primeiro pelouro, com a ambição de que entre no governo”,
no dizer dos camaristas, em carta escrita três dias após o falecimento do governador. Em
seguida, após elogiarem Guedes de Brito, “muito amado da infantaria”, disseram estar com
“ânimo de fazermos a Vossa Alteza um particular serviço em suspender a eleição, e se assistir

160
DH, vol. 26, pp. 20-2 (citação à p. 21).
258

este Senado dos oficiais presentes, para assim se conservar o Governo no Estado em que o
deixou o Governador e capitão-geral (...), porque entendemos que é o que só convém ao serviço
de Vossa Alteza e quietação desta República”, pois assim se evitaria “o perigo das sedições”161.
Em outras palavras, a disputa por uma vaga no triunvirato que governaria o Estado do Brasil
ameaçava produzir uma guerra civil, e a solução proposta pelos oficiais em exercício era,
simplesmente, que eles continuassem no poder até a chegada do próximo governador.
A figura dominante na municipalidade com a saída de Antônio Guedes de Brito era o
juiz mais novo Pedro Camelo de Aragão Pereira, destacado membro da família Aragão, a mais
importante da Bahia por essas décadas (capítulo III). Em troca do apoio, Pedro manteria não só
grande influência no Senado por um longo tempo, mas também receberia imediatamente a
patente de coronel de ordenança da cidade162. O triunvirato reforçou sua influência na Câmara
ao nomear como escrivão serventuário dela o capitão Domingos Dantas de Araújo em 4 de
dezembro, colocando no cargo um aliado subserviente aos interesses de Guedes de Brito163.
No dizer do rancoroso Doutor João de Góis de Araújo, os membros da facção de Guedes
de Brito “começaram a persuadir a infantaria que convinha fosse Antônio Guedes governador
por ser muito rico, e que se não fizesse eleição, e a espalhar pelo povo” a ideia. Em seguida, os
camaristas – liderados por Pedro Camelo Pereira de Aragão – fizeram “requerimento [para] que
se conservasse assim como estava e não houvesse eleição”. Para consolidar o apoio da infantaria
a Guedes de Brito, este emprestou dinheiro para o pagamento de dez meses de soldos atrasados
da infantaria com “seis sacos de dinheiro”. Essa facção também teria noticiado através de
pasquins sediciosos que haveria um motim se Góis de Araújo tentasse presidir uma eleição para
nomear novos camaristas, afirmando que a intenção do desembargador era apenas “tirar
Antônio Guedes de Brito do governo” para colocar seu irmão José. O desembargador tentou
presidir a eleição, mas sua casa amanheceu com mais pasquins sobre a temida revolta. Assim,
na Casa da Câmara só apareceram os camaristas em exercício, e Guedes de Brito escusou-se
alegando “uma dor de garganta”. João de Góis de Araújo não era nada senão persistente, de
modo que ordenou que o meirinho batesse nas casas dos cidadãos para que viessem votar sob

161
AHU, Bahia, LF, cx. 23, doc. 2749.
162
DH, vol. 12, pp. 373-5, também registrado na Câmara em AHMS, PGS, 1660-1677, fls. 358-361.
163
AHMS, PGS, 1660-1677, fls. 355v-358. Dantas de Araújo vinha cobrindo as ausências de João Peixoto Viegas
desde 1º de janeiro de 1675: AC, vol. V, p. 153. Ele estava ligado ao mestre de campo por servir o ofício de tabelião
de propriedade de Guedes de Brito, não sendo homem de riqueza ou qualidade notáveis: AHU, Bahia, LF, cx. 23,
doc. 2697. Também mantinha laços com José Moreira de Azevedo, pois quando este obteve o ofício de
“mamposteiro-mor dos cativos do Brasil” em 1669, Dantas de Araújo foi imediatamente nomeado seu escrivão:
IAN/TT, Chancelaria de D. Afonso VI, L. 26, fls. 387v-388. Por volta de 1677, Dantas de Araújo iria ainda ao
Reino como procurador de Antônio de Aragão Pereira, irmão de Pedro Camelo, demonstrando a força de seus
laços com essa facção: DH, vol. 67, pp. 298-302 e AHU, Bahia, LF, cx. 24, doc. 2931.
259

ameaça de prisão. Conseguiu fazer a eleição, mas no dia de abertura dos pelouros, 11 de janeiro
de 1676, o juiz Pedro Camelo se opôs à posse dos eleitos, mantendo-se os oficiais do anterior
no cargo, situação inédita. A continuidade dos camaristas de 1675 no poder foi legitimada pela
Relação, principalmente graças ao esforço do Chanceler Agostinho de Azevedo Monteiro, que,
“como um dos três governadores, se empenhou tanto neste negócio que diz ao escrivão do crime
e chancelaria Manuel Teixeira de Carneiro que não havia de haver eleição”. A fim de impedir
Góis de Araújo de continuar em sua cruzada, ele foi declarado suspeito graças ao testemunho
de vários criados de Furtado de Mendonça, “seus inimigos” capitais, e de amigos e parentes do
mestre de campo Guedes de Brito. A devassa sobre o motim também não chegou a lugar algum,
pois seu juiz, o Doutor Cristóvão de Burgos, era casado com D. Helena da Silva Pimentel
(capítulo II), aparentada tanto com Pedro Camelo quanto com Guedes de Brito164.
A derrota de Góis de Araújo foi sacramentada com a eleição de Pedro Camelo para a
provedoria da Misericórdia em 2 de julho de 1676, reafirmando o prestígio do novo coronel165.
No final do mesmo ano, chegou a Salvador uma carta régia referendando a decisão local,
ordenando que não se fizesse eleição até a chegada do próximo governador, e que “o Governo
continue na mesma forma que o deixou Afonso Furtado e pelas mesmas pessoas”. Como a carta
foi enviada à Câmara, temos a situação insólita de camaristas avisarem aos governadores de sua
permanência no cargo166. Entretanto, a facção de João de Góis de Araújo não aceitou a derrota
silenciosamente, desforrando-se em um dos membros mais frágeis do bando vencedor: o
polêmico José Moreira de Azevedo. Em 20 de março de 1676, “voltando para sua casa, saindo
da Igreja de São Francisco, lhe deram (por uma banda da rede em que ia) com um cutelo de
modo que lhe partiram o olho esquerdo pelo meio, de cujo golpe ficou leso daquela parte, por
lhe quebrarem alguns ossos”. O Conselho Ultramarino recomendou que o desembargador
Manuel da Costa Palma tirasse a devassa, já que era cavaleiro da ordem de Cristo – honraria
necessária, pois se suspeitava da participação de outros cavaleiros no crime, indicando que o
atentado era atribuído a membros da elite baiana. Como Costa Palma era, porém, próximo a seu
colega (e cavaleiro) João de Góis de Araújo, a devassa nada revelou167.
A nobreza baiana não se resumia, porém, a essas duas facções. Por isso, os três
governadores procuraram cortejar aliados e ameaçar seus inimigos. O primeiro foi uma figura

164
AHU, Bahia, LF, cx. 23, doc. 2697. A narrativa de João de Góis de Araújo é parcialmente corroborada por AC,
vol. V, pp. 174-5 e 177-8 e pela carta da Câmara (15 de abril de 1676) em AHU, Bahia, LF, cx. 23, doc. 2709
(documentos produzidos por seus rivais, cabe lembrar), assim como por “O panegírico”, p. 218.
165
ASCMS, Livro 2º de Eleições, 1667-1726, fls. 10-10v. No ano seguinte, Pedro Camelo pôde passar o cargo
para seu primo Domingos Garcia de Aragão, reafirmando o prestígio da família (fl. 11-11v).
166
AHMS, PR, vol. II, fls. 192-192v (citação) e DH, vol. 86, p. 214.
167
AHU, Bahia, LF, cx. 23, docs. 2774-6.
260

poderosa, ainda que distante de Salvador: Francisco Dias de Ávila, o senhor da Torre. No dia
seguinte à morte de Afonso Furtado de Mendonça o triunvirato escreveu ao potentado
enaltecendo os serviços que “vossa mercê e sua casa” haviam prestado ao monarca e, por isso,
tinham decidido nomeá-lo Coronel de ordenança, efetivamente criando um posto só para
acomodá-lo168. Como Guedes de Brito e Dias de Ávila já haviam entrado em conflito por terras
no sertão em 1668, talvez a patente marcasse uma bem-sucedida aproximação169. Os três
governadores também procuraram garantir o apoio de Vieira Ravasco, como se pode deduzir
de uma alteração que fizeram na folha de pagamento, colocando o nome do secretário de Estado
logo abaixo dos três governadores, implicitamente concedendo-lhe preeminência sobre os
desembargadores – que evidentemente ofenderam-se com a injúria170. Em junho de 1676, por
outro lado, os governadores depuseram a Guilherme Barbalho Bezerra do posto de coronel
“pelo excesso que cometeu” (sem se especificar qual) e repreenderam a Afonso Barbosa da
França (que, na pauta feita por João de Góis de Araújo, seria juiz mais velho e,
consequentemente, governador em 1677, sucedendo a seu irmão, o coronel Lourenço) por
querer opinar na escolha dos capitães para seu partido de ordenança171. Demonstrava-se para
todos o poder dos governadores, desestimulando a consolidação de um partido oposicionista
em volta do desembargador João de Góis de Araújo.
Assim, em meados de 1676 o triunvirato havia consolidado seu poder. Entretanto, em
26 de julho do ano seguinte mais um evento viria a sacudir Salvador e trazer de volta boatos
sobre motins: o falecimento do chanceler Agostinho de Azevedo Monteiro. Esse
desembargador provavelmente era o parceiro dos sonhos para a nobreza baiana, a se julgar por
uma carta que escreveu a Antônio de Aragão Pereira, irmão mais novo de Pedro Camelo, em
setembro de 1676, quando o desembargador já era um dos três governadores há quase um ano.
Nela, Azevedo Monteiro chama o senhor de engenho baiano de “meu senhor”, apresenta-se
como “seu criado” e agradece por alguns móveis de jacarandá que recebera de presente do
primo de Antônio, o senhor de engenho Pedro Garcia de Araújo (a quem também chama de
“meu senhor”)172. Mesmo considerando os exageros característicos da cortesia barroca, é
inimaginável pensar em qualquer governador-geral nomeado pelo monarca escrevendo em
termos tão subservientes a um membro da elite local. Quando examinamos as reclamações do

168
DH, vol. 8, p. 430.
169
BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. O feudo. A Casa da Torre de Garcia d’Ávila: da conquista dos sertões à
independência do Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007 [2000], 2ª ed. rev., pp. 195-6, 209 e 225-6.
Sobre a disputa, ainda em curso em 1675, veja-se DH, vol. 88, pp. 78-82.
170
AHU, Bahia, LF, cx. 23, doc. 2731. Veja-se a consulta em DH, vol. 88, pp. 127-9.
171
DH, vol. 9, pp. 10-1, 19-23.
172
AHU, Bahia, LF, cx. 23, doc. 2808.
261

“povo da cidade da Bahia” contra Azevedo Monteiro em 12 de fevereiro de 1675 é mais fácil
compreender o porquê dessa atitude. Tendo chegado a Salvador em 1659 com 7 filhos e uma
esposa, “não levavam 18 camisas de seu, uma escrava e um moço de serviço”. Mesmo assim,
Azevedo Monteiro enriquecera ao arrendar terras e não pagar os proprietários, usando sua
influência para intimidá-los. Conseguiu, assim (e provavelmente vendendo sentenças a quem
desse mais), tornar-se um lavrador de cana com 22 escravos, bois e cavalos173.
Considerando esses indícios, penso que Azevedo Monteiro se contentou em ser um
parceiro menor no governo, que lhe interessaria principalmente pelas oportunidades de ganho
financeiro e prestígio. O mesmo deve ter ocorrido no caso de Álvaro de Azevedo, já que este
escrevera ao monarca logo após tomar posse, pedindo para que o monarca mandasse um
governador ou, ao menos, para que fosse escusado do cargo, por preferir servir apenas como
mestre de campo174. Tanto Azevedo Monteiro quanto Álvaro de Azevedo eram bastante idosos,
como notou Sebastião da Rocha Pita, de modo que “se não podiam esperar grandes disposições,
nem pronta assistência”. Na prática, portanto, o governo estava sob controle do potentado
Antônio Guedes de Brito, num nível muito maior do que estivera sob seu tio-avô, Lourenço de
Brito Correia, quando foi um dos três governadores que sucederam Montalvão, pois era o único
com “boa idade para sustentar o peso, com que não puderam os dois companheiros”175.
A situação seria completamente diferente com o sucessor de Azevedo Monteiro, o
desembargador baiano Cristóvão de Burgos. Apesar do parentesco distante de sua mulher com
Guedes de Brito e a família Aragão, Burgos era um homem de personalidade forte e obstinada,
acostumado a se envolver em conflitos para impor sua vontade, além de ser um dos mais ricos
proprietários da capitania e senhor de três engenhos (capítulo II). Burgos já entrara em conflito
com Guedes de Brito ao tentar impedi-lo de presidir a Relação e “assentar-se na cadeira debaixo
do dossel da Relação, lugar destinado somente para a Real Pessoa de Vossa Alteza, se estivera
presente, e para a pessoa do governador da justiça em ausência de Vossa Alteza, e com efeito
o conseguira com a mão do Doutor Agostinho de Azevedo Monteiro”. Em consequência,
Guedes de Brito e Álvaro de Azevedo, “atendendo mais a suas paixões particulares”, tentaram
continuar a governar sozinhos após a morte de Azevedo Monteiro. Sugeriram que a Câmara
arbitrasse a disputa, pois sabiam que ela decidiria a seu favor, já que pertenciam à sua
“parcialidade” e “facção”176. O argumento do de Guedes de Brito e Álvaro de Azevedo era de

173
DH, vol. 88, pp. 48-50.
174
DH, vol. 88, pp. 98-9.
175
PITA, História, pp. 395-6.
176
AHU, Bahia, LF, cx. 23, docs. 2795-8, primeira citação em 2796, as demais em 2795.
262

que a ordem régia determinava que o governo deveria continuar com as “mesmas pessoas”
escolhidas por Furtado de Mendonça. Assim como seu adversário, os membros remanescentes
da junta provisória justificavam sua atitude, em carta para o Senado de 4 de agosto, para evitar
“o que pudesse ser perturbação dessa República” e obedecer às ordens régias, contando com o
apoio da municipalidade177. Como Burgos não desistira,

intentaram no [dia] seguinte a maior desordem que se pode imaginar e foi intimidar-nos com
um grande ajuntamento de gente que constava de algumas 80 ou mais pessoas, que nesse dia
sete [de agosto] à noite andaram juntos por toda esta cidade, com bacamartes e outras armas,
buscando aos oficiais de justiça, e reconhecendo as pessoas que encontraram, lhes diziam: “se
é justiça ou meirinho, morra!”.
Guedes de Brito, Pedro Camelo e Álvaro de Azevedo acompanharam seus prepostos
nessas andanças noturnas e procuraram fomentar um motim do povo e da infantaria, mas as
ameaças não chegaram a se concretizar. Como Burgos se manteve firme, possivelmente
contando mais com seus parentes da poderosa família Pimentel e sua vasta escravaria que com
seus colegas letrados, os dois mestres de campo acabaram aceitando sua entrada no triunvirato
no dia 11 de agosto de 1677. Antes, porém, queimaram os autos do agravo, para que não
pudessem ser responsabilizados por “esta violência tão pública sem fundamento algum, e (...)
grande escândalo e perturbação, e por maus modos encaminhados a um motim e rebelião”.
Burgos pedia ao monarca, portanto, a punição de “Antônio Guedes de Brito, acostumado a
ameaçar os ministros com levantamento [rebelião] só a fim de se sustentar no governo, como
sucedeu, no fim do ano de 1675, depois de falecido Afonso Furtado”. Sua narrativa corroborara
as acusações de João de Góis de Araújo, apesar de este tê-lo declarado como suspeito em seu
relato de fevereiro de 1676. O fato de Burgos dizer que João de Góis de Araújo deveria apontar
juiz para devassa do caso sugere uma reaproximação entre os dois, provavelmente incomodados
com o poder de Guedes de Brito178.
Ao fim e ao cabo, Burgos foi aceito no poder, de modo que “se achava o governo-geral
do Brasil em três patrícios da Bahia”179, dois dos quais estavam entre os mais destacados
membros da nobreza local. A única reação do Conselho Ultramarino frente a todas essas
confusões foi repetidamente pedir ao monarca que enviasse um governador o quanto antes para
evitar que irrompessem conflitos ainda mais graves, ao que D. Pedro sempre respondia: “com
toda a brevidade declararei governador”180. Roque da Costa Barreto, porém, só chegaria a
Salvador em março de 1678, após quase dois anos e meio de governo provisório. Além disso,

177
AHMS, PGS, 1660-1677, fls. 395v-397v, citação à fl. 396v.
178
AHU, Bahia, LF, cx. 23, docs. 2795-8, primeira citação em 2796, última em 2798 e as demais em 2795.
179
PITA, História, p. 398.
180
DH, vol. 88, pp. 103-5 (citação à p. 105).
263

a Coroa pouco escreveu ao triunvirato181, só voltando a se comunicar normalmente com o


governo-geral em finais de 1677, após a nomeação de Roque da Costa Barreto, com cartas que
viriam junto com ele para a América. O mesmo vazio ocorreu na correspondência com o Senado
(capítulo VII), deixando um espaço livre de qualquer tipo de interferência régia para Guedes de
Brito e sua facção. Como a conjuntura em Portugal não se alterou significativamente do
momento em que a Coroa parou de escrever para a Bahia (finais de 1675) para quando retornou
(finais de 1677), e o Rio de Janeiro (para citar apenas um exemplo) continuou a receber cartas
normalmente182, parece-me que D. Pedro chegou à conclusão de que a situação política na
capital do Estado do Brasil era complexa demais e qualquer ação régia poderia ser danosa. A
opção escolhida foi a inação, confiando que o próximo governador-geral poderia resolver
eventuais problemas e que o triunvirato manteria o status quo. A Coroa lusitana depositava,
portanto, uma considerável confiança em seus vassalos baianos, resultado de décadas de
contribuições e donativos excepcionais, frequentemente louvados tanto pelos governadores
quanto pelo Conselho Ultramarino.
Como, então, esse potentado e seus aliados atuaram nesse breve momento de autonomia
significativa, no qual a nobreza baiana (ou ao menos uma facção dela) efetivamente se
autogovernou em nome do rei? Não muito diferente dos outros governadores-gerais que lhes
precederam, em verdade. Como se fazia desde Souza Freire, utilizavam os coronéis de
ordenança para transmitir suas ordens, como levar o açúcar para o porto a tempo da partida da
frota; ordenaram à Câmara de Salvador que definisse o preço do açúcar e que o provedor da
alfândega acertasse o frete; juntaram-se à municipalidade para obrigar suas homólogas de
Cairu, Camamu e Boipeba a fornecerem farinha; procuravam reparar as naus da Índia;
mantiveram as expedições em curso contra os indígenas inimigos e instavam todos os capitães
de ordenança a recolherem o donativo e reclamavam dos usuais atrasos na arrecadação. Em
grande medida, eles sintetizaram sua política em carta ao Coronel Francisco Dias de Ávila:
“siga Vossa Mercê em ambas o regimento e ordens que tiver do Senhor Afonso Furtado de
Mendonça, porque não é nossa intenção alterá-las em coisa alguma”183. Um dos poucos
momentos em que os interesses e inclinações pessoais de Guedes de Brito influenciaram o curso

181
Veja-se os registros feitos na secretaria de Estado, publicados em DH, vol. 67. Só encontrei uma carta do
monarca em AUC, CCA, Livro Governo da Baía, 1648-1701, VI-III-1-1-6, fls. 25v-26. Da parte do triunvirato, só
me deparei com duas missivas à Coroa: fls. 27-28 e AHU, Bahia, LF, cx. 23, doc. 2710.
182
XAVIER & CARDIM, D. Afonso, pp. 332-9; AHU, cód. 223, fls. 10-17 registra quase meia centena de cartas
para o governador, a Câmara, o provedor e o ouvidor do Rio de Janeiro, no mesmo período em que Salvador
recebeu apenas duas, em oposição à usual predominância soteropolitana (capítulo VII).
183
DH, vol. 9, pp. 3-60, citação à p. 7 (no mesmo sentido, veja-se p. 44); vol. 13, pp. 5-22; vol. 26, pp. 23-310;
vol. 86, pp. 207-19.
264

do governo foi quando o triunvirato repreendeu o provincial dos jesuítas por suas pretensões de
controle dos indígenas e sua oposição à expansão dos latifundiários da capitania no sertão, como
João Peixoto Viegas. O governo provisório defendia, ainda que implicitamente, os interesses
de seu líder em expandir suas propriedades no sertão sem interferência eclesiástica184.
D. Pedro acertou em confiar em seus vassalos e Roque da Costa Barreto encontrou
Salvador em boa ordem. Apesar das graves acusações que os desembargadores lançaram sobre
Guedes de Brito, ele foi considerado pelo Conselho Ultramarino em 13 de janeiro de 1679
“sujeito digno e merecedor de toda a honra”. Recebeu, assim, permissão para fundar uma vila,
intitulando-se senhor e alcaide-mor dela, para além de obter o elevado foro de fidalgo cavaleiro
em 16 de março do mesmo ano185. A própria identidade da nobreza baiana construíra-se em
relação com os representantes do monarca (capítulo III) e a interação com eles era o elemento
definidor da vida política da elite baiana. Assim, não só as estruturas do governo-geral estavam
então já suficientemente bem estabelecidas para continuarem a funcionar de forma praticamente
inalterada numa situação prolongada de vacância de poder, mesmo sob controle de um membro
da nobreza baiana, como os interesses dos pró-homens se provavam essencialmente idênticos
aos dos governadores-gerais, pois em um momento de controle quase absoluto por uma facção
da nobreza não há sequer uma tentativa realizar qualquer tipo de mudança política.
Uma das principais tarefas do novo mestre de campo general foi fiscalizar a cobrança
do donativo, garantindo que seu envio para o Reino fosse feito no prazo. Nisso, como no
sustento da infantaria e abastecimento de farinha, Costa Barreto manteve as tradições
estabelecidas há décadas186. Mesmo assim, tensões surgiram já em seu primeiro ano: o mestre
de campo general ordenara que o Senado cobrisse a falta do provedor-mor da fazenda, pois este
não possuía recursos para pagar um “subsídio da infantaria” em sal, mas a municipalidade
afirmara que perderia muito dinheiro ao fazer o pagamento em espécie, pois vendia o sal mais
caro para as vilas de Ilhéus em troca de farinha para os soldados. Os camaristas disseram ainda
a Barreto que “Vossa Senhoria deve favorecer com igual justiça a todos os tribunais, fazendo-
lhes guardar suas jurisdições”, pois tanto a Câmara quanto o provedor administravam a Fazenda
Real. O mestre de campo general insistiu, tendo conseguido impor sua vontade187.

184
DH, vol. 9, pp. 23-5.
185
AHU, Bahia, LF, cx. 24, doc. 2875; AMARAL, Luís (ed.). Livros de Matrículas dos Moradores da Casa Real:
foros e ofícios, 1641-1744. Lisboa: Guarda-Mor, 2009, vol. II, pp. 429. A única repreensão que os três tiveram foi
em razão da “homenagem” que prestaram a um general da Índia que voltava preso para o Reino. Tal atitude foi,
porém, muito bem pensada, pois o prisioneiro era João Correia de Sá, filho de Salvador Correia de Sá, que então
sentava no Conselho Ultramarino: DH, vol. 67, pp. 308-9 e vol. 82, pp. 315-7.
186
DH, vol. 67, pp. 234-46; vol. 32, p. 90 e vol. 86, pp. 220-2.
187
DH, vol. 86, p. 222 (primeira citação) e CS, vol. II, pp. 37-8 (segunda).
265

Mais grave foi um entrevero em dezembro de 1678, quando, por insistência do


Desembargador José de Freitas Serrão (o “Rabo de Vaca”188, que, lembremos, votara contra a
entrada do juiz ordinário no governo provisório em 1675), o mestre de campo general ordenou
a suspensão de um tributo posto pelo Senado no azeite de baleia, “porquanto a Coroa ficava
ofendida em haver pessoas nesta República que lhes usurpassem a sua jurisdição em lançar
tributos de novo [isto é, criá-los], cuja regalia pertence somente ao príncipe, nosso senhor”. Os
camaristas devem ter ficado estupefatos, pois vinham fazendo isso desde o início do século,
com aprovação dos governadores e da Coroa. A presença de 59 homens bons na reunião que
avaliou como responder ao governador é um indicador da importância que a nobreza baiana
deu à suspensão do tributo, porque devem tê-la visto como um ataque a suas prerrogativas.
Argumentaram que “os oitenta réis em cada canada de azeite de peixe não eram finta nem
tributo que eles oficiais da Câmara lançavam ao povo, e que somente era um donativo
voluntário”. Costa Barreto ordenou que se esperasse a resolução régia mas, apesar das
demandas do Senado, esta nunca chegou a Salvador. Mesmo que o mestre de campo general
tenha procurado suavizar o golpe com elogios, dizendo esperar “que os vassalos que o servem
com o zelo, fidelidade e obediência que Sua Alteza tem experimentado em todos os moradores
da Bahia não faltem agora com este obséquio a sua autoridade”, é certo que este foi um baque
significativo para a autonomia fiscal do poder local, possibilitada pela menor dependência da
Coroa frente a seus vassalos com o fim da ameaça de invasores europeus e diminuição do perigo
indígena189. Outro sintoma foi a maior vigilância sobre a arrematação das rendas da Câmara,
que passaram a ter de ser aprovadas por Roque da Costa Barreto190.
O que mais incomodou os camaristas, porém, foi o privilégio que Costa Barreto lhes
retirou em 1679: há mais de 20 anos os oficiais do Senado não pagavam as fintas no ano em
que serviam, mas o “senhor governador” lhes obrigou a contribuir. Como os juízes e vereadores
justificavam sua isenção sob o argumento de que faziam “grandes dispêndios que fazem os
ditos oficiais com suas pessoas e escravos com que vem assistir de fora de suas casas a esta
cidade”, deviam se sentir afrontados pela exigência do mestre de campo general191.

188
SCHWARTZ, Burocracia e Sociedade, p. 261. Pouco depois o monarca ordenou que o Freitas Serrão fosse
substituído no Tribunal da Relação e retornasse a Portugal junto com um colega em razão de “culpas” que lhe
eram imputadas: DH, vol. 32, pp. 333-4.
189
DH, vol. 86, pp. 223-4 (primeira citação à p. 223, terceira à p. 224); AC, vol. V, pp. 242-4 (segunda citação à
p. 242); CS, vol. II, 74-5. Veja-se PUNTONI, A Guerra dos Bárbaros, pp. 116-22.
190
DH, vol. 86, pp. 225-6 e AC, vol. V, pp. 293-4.
191
AC, vol. V, p. 276 (primeira citação). Sobre a isenção, veja-se AHU, Bahia, LF, cx. 14, doc. 1702 e AHMS,
PS, 1672-81, fls. 23v-24 e 61-61v (segunda citação).
266

Apesar desse bem-sucedido esforço de Costa Barreto em impor sua autoridade, todas as
opiniões posteriores sobre seu governo são positivas, das cartas que o Senado escreveu ao
regente D. Pedro e a ele à avaliação imortalizada por Sebastião da Rocha Pita em sua História,
passando pelo sermão fúnebre pregado em Salvador após seu falecimento. A municipalidade
deve ter aceitado a supervisão do governador-geral, pois em sua carta para o regente D. Pedro
elogiou o mestre de campo general por “não se intromete[r] mais que administrar justiça a todos
igualmente, e conservando as jurisdições”. Talvez a chave tenha sido pôr em prática as medidas
impopulares logo no início de seu governo e não dar abertura para outras críticas, sem participar
do comércio atlântico, como tantos de seus antecessores, elemento destacado pelo Senado. O
mestre de campo general seguia aqui uma instrução contida em seu regimento, inserida em
razão dos esforços dos procuradores das Câmaras e do Rio de Janeiro. Já na carta escrita ao
próprio Costa Barreto logo após seu retorno a Portugal, elogia-se seu “bom governo” e “aquele
amor que em Vossa Senhoria experimentamos”, contando com seu auxílio para os
requerimentos da Bahia na Corte (capítulo VII) 192. Aqui é forçoso reconhecer as limitações
impostas pelas fontes sobreviventes, pois é muito provável que Roque da Costa Barreto só tenha
conseguido construir uma imagem tão positiva de seu governo na capitania através de laços
pessoais com membros da nobreza baiana, talvez facilitados pela sua excelente relação com o
Padre Antônio Vieira, que conhecera ainda no Reino e que havia retornado a Salvador em
1681193. É provável, portanto, que o mestre de campo general tenha se apoiado no irmão de
Vieira, o secretário de Estado Bernardo Vieira Ravasco, para construir uma rede de aliados.
Muito mudaria com o próximo governador, Antônio de Souza de Menezes, empossado
em 23 de maio de 1682 e conhecido como o “Braço de Prata”, pela prótese que usava em lugar
do membro perdido “valorosamente nas guerras de Pernambuco”. Anos mais tarde, Rocha Pita
escreveu que o novo governador-geral, “sendo de longa idade, se não achava com aquelas
experiências que costumam trazer os muitos anos”, de modo que era “impróprio para o governo
político da Bahia, cabeça de um Estado vastíssimo, e braço tão distante do corpo da monarquia,
onde chegam com tanta dilação os recursos e trazem com a mesma demora as resoluções”194.

192
CS, vol. II, pp. 109-10 (primeira citação) e 114 (segunda e terceira); PITA, História, p. 409 e MADRE DE
DEUS, Padre Frei Manuel. Sermão Fúnebre nas exéquias do senhor Roque da Costa Barreto. Lisboa: Officina de
Manuel Lopes Ferreira, 1699. Sobre ele, seu regimento e governo, veja-se COSENTINO, Governadores-gerais
do Estado do Brasil (séculos XVI-XVII): ofício, regimento, governação e trajetórias. São Paulo: Annablume,
2009, pp. 189-98, 253-69 e 328-31; VIANNA, Modos de governar, pp. 198-230.
193
VIEIRA, Antônio. Cartas. Coordenação e notas de João Lúcio de Azevedo. São Paulo: Globo, 2008, vol. III,
pp. 322-6, 331-4, 369-70, 400-1 e 438.
194
PITA, História, p. 417.
267

Souza de Menezes não esperou sequer uma semana para exigir que todos os tribunais
de Salvador (inclusive a Câmara) lhe informassem sobre os ofícios em serventia e os coronéis
lhe enviassem as patentes de todos os capitães de ordenança, presumivelmente com o objetivo
de provê-los em quem lhes apetecesse, numa sede sem igual desde o tempo do Conde de
Óbidos, duas décadas antes – e não é preciso lembrar ao leitor os conflitos enfrentados pelo
vice-rei. Logo depois informou ao provedor-mor que o regimento trazido por Costa Barreto não
se aplicava a ele, já que seu antecessor viera como “mestre de campo general” e não governador,
de modo que o Braço de Prata se sentia no direito de prover todos os postos militares. Em
seguida, ordenou que o tesoureiro-geral não fizesse pagamento algum sem antes consultá-lo.
Souza Menezes também enviou ordem semelhante ao Senado, exigindo saber de todos os
“rendimentos desse Senado de qualquer qualidade que seja”, e que os ordenados só deviam ser
pagos com autorização do governador195. Seu intento, segundo afirmou depois um de seus
muitos inimigos, o Padre Vieira, “era fazer mercancia de todos os ofícios e provimentos”196,
repetindo acusação lançada contra o Conde de Óbidos, quase vinte anos antes, indicando ser
este uma forte imputação, utilizada apenas contra os governadores mais odiosos e
permanencendo dormente no restante do tempo. O Braço de Prata também acusou o provedor
da Alfândega André de Brito de Castro, seu escrivão, o escrivão da Câmara João de Couros
Carneiro e o escrivão da fazenda Francisco Dias de Amaral de levarem emolumentos
excessivos, acabando por suspendê-los de seus cargos197.
Até em questões comezinhas o Braço de Prata conseguia gerar descontentamentos, pois
proibira que os homens utilizassem capas em Salvador, provavelmente com o objetivo de
impedir que pessoas ocultassem sua identidade ao cometer crimes. As palavras do Padre
Antônio Vieira ao Marquês de Gouveia exatamente dois meses após a posse do novo
governador-geral acabaram por ser proféticas: “eu não posso presumir mal de Antônio de
Menezes, porque a madureza dos seus anos promete grandes acertos, e o não ter herdeiros igual
desinteresse. Mas esta terra é má de contentar”198. Um dos primeiros prejudicados pelas
medidas do governador-geral foi Bernardo Vieira Ravasco, pois o governador procurou reduzir
ao máximo seus emolumentos e poder, de modo a evitar que o secretário de Estado prejudicasse
seu “injusto comércio” de ofícios e provimentos. Ravasco “ficou com isto morrendo de fome”,

195
DH, vol. 86, pp. 231-2.
196
DH, vol. 32, pp. 187-91, 197-200 e 205; vol. 28, pp. 110-2 e 126-7; VIEIRA, Cartas, vol. III, p. 332 (citação).
197
DH, vol. 89, pp. 8-12.
198
VIEIRA, Cartas, vol. III, p. 321 (ênfase minha). Veja-se também o poema “Discrição, entrada e procedimento
do Braço de Prata, Antônio de Souza de Menezes, governador deste Estado”, no qual Gregório de Matos ofende o
governador de obeso, “estátua”, “cego”, “burro”, feio, “desastre”, descortês, parvo e muito mais.
268

e quando Vieira tentou interceder em favor de seu irmão o Braço de Prata irritou-se a ponto de
gritar “Querem poder mais do que eu!”199
Em poucos meses na América, Souza de Menezes conseguira invadir a jurisdição de
todos os tribunais da capitania, angariando inimizades a torto e a direito. Quando as notícias de
alguns abusos chegaram a Lisboa, a Coroa mandou ao provedor-mor que os retificasse e emitiu
carta em favor dos desembargadores, mas sem muito efeito, já que o governo estava prestes a
acabar200 – um lembrete de que muitas disputas políticas precisavam ser resolvidas localmente,
como temos visto ao longo desse capítulo.
A perdição do Braço de Prata deveu-se, porém, a seu “favorito”, o alcaide-mor Francisco
Teles de Menezes, a quem conhecera em 1666 no Reino. Teles de Menezes possuía, porém,
muitos inimigos, pois abusava da autoridade de seu cargo, “pesada aos que o julgavam menos
benemérito dele”, e constantemente granjeava novas inimizades “pelo defeito de uma língua
imodesta e de um ânimo vingativo”201. Apesar de pertencer a uma família antiga na terra (seus
pais e suas avós haviam nascido na América, e seu avô materno vimarense aparece como
proprietário de uma “casa de meles” em finais do século XVI), ela possuía pouco destaque
político (seu irmão Antônio fora vereador em 1668 e um cunhado em 1680) e estava em
decadência econômica, pois o pai não conseguira transmitir seu engenho para a geração
seguinte, de modo que Francisco e Antônio não passavam de lavradores de cana202.
Um dos inimigos do alcaide-mor era o fidalgo, comendador da ordem de Cristo, militar,
provedor da alfândega e lavrador Antônio de Brito de Castro, cuja posição entre os homens
principais da capitania foi coroada quando de sua eleição como provedor da Misericórdia em
1670. Brito de Castro comprara a alcaidaria-mor de Bernardo de Miranda Henriques, mas este
ignorara o acordo e a vendera a Teles de Menezes, o qual, na opinião um tanto parcial do
prejudicado, era um homem indigno, “que não é fidalgo, antes é notoriamente de nação hebreia,
e por tal tido e havido de todos”. Além disso, o alcaide-mor abusava de seu poder, soltando
presos por crimes graves e agredindo diversas pessoas, “por onde todos julgam serve nesta
cidade de muita perturbação e incapaz de tal cargo”, segundo certidão de 1672 assinada por seis
homens importantes da capitania, como o mestre de campo e senhor de engenho Pedro Gomes,
o latifundiário que já servira de provedor-mor Lourenço de Brito de Figueiredo e o coronel e

199
VIEIRA, Cartas, vol. III, pp. 331-4, citações às pp. 332 e 333, respectivamente. Veja-se também a petição de
seu irmão em AHU, Bahia, LF, cx. 26, docs. 3223-4.
200
DH, vol. 83, pp. 5-9. Veja-se também vol. 67, pp. 139-40 e vol. 88, pp. 226, 229-35, 239-44, 268-70, 281-4 e
286-9.
201
PITA, História, p. 418.
202
Veja-se, dentre outros, CG, vol. I, pp. 384-5 e 392; AHU, cód. 84, fls. 220v-221 e 229-229v.
269

senhor de engenho Afonso Barbosa de França. A disputa fez com que Teles de Menezes e Brito
de Castro passassem anos trocando acusações, infamando um ao outro de cristãos-novos203.
Não satisfeito em se juntar à figura tão polêmica, o Braço de Prata escolheu como
principal aliado no Tribunal da Relação, nas palavras do Padre Antônio Vieira, “João de Góis
de Araújo, inimigo capital da Companhia e de meu irmão [Bernardo Vieira Ravasco], e a mão
com que Antônio de Souza escrevia”, além de Manuel da Costa Palma204, (o qual, como vimos,
opusera-se à ideia do juiz ordinário Antônio Guedes de Brito servir como um dos governadores,
o que certamente não o tornou simpático aos olhos dessa facção). Góis de Araújo era “parente
do alcaide-mor por afinidade”, enquanto Costa Palma era “seu particular amigo há muitos
anos”, no dizer dos outros desembargadores205. Entende-se, assim, porque Gregório de Matos,
próximo dos Ravasco, ofende Teles de Menezes e o tribunal superior na mesma sátira: “Para o
alcaide ladrão com despejo e sem temor, que na mão leva o doutor, na barriga a Relação”.
O governador-geral via-se obrigado a carregar o peso de 15 anos de ódios há muito
sedimentados, mas suas ações só acirravam as tensões. Um exemplo foi a manipulação das
eleições camarárias: como os eleitos em 1683 não interessavam ao Braço de Prata e seus aliados
(um dos quais, o Desembargador João de Góis de Araújo, presidia as eleições como corregedor
da Câmara), eles foram quase integralmente substituídos: os senhores de engenho Diogo Muniz
Barreto e Domingos Barbalho Bezerra foram escusos por estarem doentes; o lavrador Rui Lobo
Freire foi considerado culpado numa devassa tirada por Cristóvão de Burgos (padrasto do
alcaide-mor) e o Coronel Manuel de Barros da França, “um dos primeiros fidalgos desta
cidade”, estava preso pelo governador. Elegeram-se, assim, pessoas do agrado da facção
dominante: o irmão de Francisco Teles de Meneses, Antônio, como juiz; o fidalgo Francisco
Freire de Andrade reeleito para o mesmo posto; e, como vereadores, João Velho Barreto e
Manuel Pereira de Faria, “um parente e outro apaniguado do dito alcaide-mor”. O Tribunal da
Relação anulou a segunda eleição, ordenando que os homens escolhidos através do tradicional
método do pelouro fossem empossados, mas o governador “os mandara conservar, não obstante
a sentença, o que causara grande embaraço e perturbação, mostrando-se parcial do alcaide-mor
em querer que servissem os seus apaniguados para abonarem de seu procedimento”206. Assim,
apenas dois dos seis camaristas eleitos pelo pelouro estava servindo no primeiro semestre de

203
IAN/TT, TSO, Conselho Geral, Habilitações, Sebastião, Mç. 4, n. 97; KRAUSE, Em Busca da Honra, pp. 215-
29.
204
VIEIRA, Cartas, vol. III, p. 348. Veja-se também SCHWARTZ, Burocracia e Sociedade, p. 223.
205
AHU, Bahia, LF, cx. 26, doc. 3163.
206
AC, vol. V, pp. 337-45; VIEIRA, Cartas, vol. III, p. 337 (primeira citação); AHU, Bahia, LF, cx. 26, doc. 3155
(segunda e terceira citações); DH, vol. 89, pp. 6-8.
270

1683, garantindo a dominação do Senado pela facção aliada ao Braço de Prata. Enquanto isso,
outros membros da elite haviam se refugiado no colégio jesuíta, como Gonçalo Ravasco, “por
o governador também o mandar prender”207.
Apesar de acusações similares perpassarem a disputa política ao longo do século, nunca
um governador intervira com tanta força no poder local, o que não podia deixar de ampliar os
ressentimentos já sentidos com a ascensão de Teles de Menezes e Góis de Araújo. Os Brito de
Castro, embora já desfalcados de seu patriarca (falecido em 1675), não esqueceriam
“rivalidades de família que se arrastavam por gerações e davam à Bahia um sabor de Verona
de Shakespeare” – nada muito diferente do Reino, é verdade208. Os filhos herdaram o orgulho,
a arrogância e a propensão em se meter em confusões do pai, e a súbita ascensão do alcaide-
mor deve ter sido causa de uma irritação profunda.
Assim, depois de enfrentamentos menores entre os bandos opostos (com importante
participação de escravos de ambos os lados, como era de se imaginar), o ódio e ressentimento
mais ou menos represados explodiram na manhã de 4 de junho de 1683, pouco mais de um após
a chegada do Braço de Prata. Apesar de avisado do perigo, Francisco Teles de Menezes saiu à
rua carregado por três escravos quando “oito mascarados com bacamartes e catanas” [facões]
atiraram, matando ou ferindo os “negros que se puseram adiante”, liderados por Antônio de
Brito de Castro, flanqueado por um ou dois de seus irmãos. Com o caminho livre, feriram
mortalmente o alcaide-mor com golpes de facão e o abandonaram agonizando, deitado na rua.
Fora de si, o governador-geral voltou-se contra seus inimigos, instado pelos parentes do
morto: os Brito de Castro, os Ravasco (inclusive o venerando pregador) e outros aliados, como
o capitão Diogo de Souza Câmara (um dos principais confidentes de Antônio Guedes de Brito
durante seu governo), os mestres de campo Pedro Gomes e Álvaro de Azevedo (embora estes
tenham escapado momentaneamente incólumes pelo temor de um motim da soldadesca). O
Braço de Prata imediatamente dirigiu-se à secretaria de Estado e “e de sua paixão o descompôs
[a Vieira Ravasco] diante de muita gente, chamando-lhe de nomes indecentes a sua pessoa e
cargo, e não se satisfazendo o seu ódio com isso o mandou meter na enxovia pública”. Em
seguida cercou o colégio dos jesuítas para tentar capturar seus inimigos, mas “por queixa que
fizera o arcebispo mandara retirar a infantaria”. O primeiro desembargador escolhido para
devassar o caso fora Manuel da Costa Palma, mas por ser considerado – com razão – suspeito

207
VIEIRA, Cartas, vol. III, p. 334.
208
SCHWARTZ, Burocracia e Sociedade, p. 224 (citação); CUNHA, Mafalda Soares da & MONTEIRO, Nuno
Gonçalo. “Velhas formas: a casa e a comunidade na mobilização política” in: MONTEIRO, Nuno (coord.) &
MATTOSO, José (dir.). História da Vida Privada em Portugal. Lisboa: Círculo de Leitores, 2011, vol. II: A Idade
Moderna, p. 404.
271

pelas partes, foi substituído por João da Rocha Pita (tio do futuro historiador), supostamente
imparcial. Sua narrativa, porém, apontava como causa de todos os males a amizade de Souza
de Menezes com o alcaide-mor e os dois desembargadores, e afirmava que a sede de vingança
da família do alcaide-mor dificultava qualquer tentativa de investigação. Apesar de esse ser um
dos momentos mais traumáticos da política baiana seiscentista, o Conselho Ultramarino não
emitiu uma mísera opinião sobre o ocorrido, enquanto o rei simplesmente não se manifestou209.
Em alguma medida, isso pode ter ocorrido porque também no reino “parecem onipresentes os
conflitos associados aos usos políticos que se faziam das famílias”, principalmente em Lisboa,
onde abundavam “atitudes de violência física entre ilustres fidalgos, que assim dirimiam os
seus desaguisados pelas suas próprias mãos, sobretudo quando se tratava de agravos de honra”.
Mutatis mutantis, fidalgos se matavam dos dois lados do Atlântico, e a Coroa pouco podia fazer,
mesmo quando os distúrbios afetavam a esfera “pública” – de resto, indistinta da “privada”210.
Os adversários do Braço de Prata, porém, não ficaram quietos: o Tribunal da Relação
escreveu à Coroa reiterando as acusações contra o governador (inclusive a manipulação das
eleições no Senado) e acrescentando outras, como o total desrespeito à jurisdição e honra do
tribunal superior211. O Coronel Manuel de Barros França, Gonçalo Ravasco, o capitão Diogo
de Souza Câmara e o assassino, Antônio de Brito de Castro, fugiram para o Reino, pretendendo
obter o apoio do monarca contra o despótico governador. Vieira, em sua verve característica,
chega a escrever em 24 de julho de 1683 que “todos ficam esperando o pronto remédio, o qual
se não vier logo, logo, entenderão esses vassalos que Portugal quer perder o Brasil, como já
estivera perdido se a fidelidade e respeito de Sua Alteza e os prazos desta mesma esperança
lhes não tiveram sustentado a paciência”. O pregador habilmente relembra a seu interlocutor
(um desembargador do Paço) os muitos serviços prestados pela nobreza baiana, mas ao mesmo

209
AHU, Bahia, LF, cx. 26, doc. 3223 (primeira citação); DH, vol. 88, pp. 262-4 (segunda à p. 264); PITA,
História, pp. 418-23; BNP, reservados, códs. 300-1: Bahia restaurada pelo feliz governo do excelentíssimo
Marquês das Minas, pelo licenciado Antônio Marques Perada, 1685, vol. I, fls. 4v-10. A melhor análise sobre os
significados da endêmica violência protagonizada a mando das elites escravistas no Estado do Brasil é MELLO,
A Fronda, pp. 101-10, que mostra sua forte ligação com a defesa da honra familiar. Sobre isso, é válido citar o
Padre Vieira, que procura escusar de culpa os Brito de Castro porque suas razões, “nas leis da honra e do mundo,
e ainda segundo a natureza da conservação da própria vida, foram mais justificadas” (Cartas, vol. III, pp. 367-8).
210
CUNHA & MONTEIRO, “Velhas formas”, pp. 412-9, citações às pp. 413-4, respectivamente. Se a violência
nobiliária pode ter sido mais comum em Lisboa, esteve também muito presente em outras Cortes, como Madri:
MARTÍNEZ HERNÁNDEZ, Santiago. “‘Por estar tan acostumbrados a cometer semejantes excesos’: una
aproximación a la violencia nobiliária en la Corte española del seiscentos” in: id., HERNÁNDEZ FRANCO, Juan
& GUILLÉN BERRENDERO, José (dirs.). Nobilitas: estudios sobre la nobleza y lo nobiliario en la Europa
Moderna. Madri: Doce Calles, 2014, pp. 255-97.
211
AHU, Bahia, LF, cx. 26, doc. 3163.
272

tempo deixa no ar uma ameaça implícita - facilmente entendida se notarmos que em carta do
dia seguinte ele menciona as revoltas da década de 1660 em Pernambuco e no Rio de Janeiro212.
Ameaças ou não, o segundo ano do Braço de Prata foi anticlimático, pois não ocorreram
eventos de monta. O governador agiu contra seus inimigos, substituindo o escrivão da Câmara
e confinando o mestre de campo Pedro Gomes em um de seus engenhos, mas parou por aí 213.
Não se registraram manifestações de descontentamento, pois não só o governador havia
afugentado ou prendido seus principais opositores como todos estavam em compasso de espera,
no aguardo da decisão régia. Quando esta veio, em meados de 1684, chegou logo com um novo
governador, o Marquês das Minas, e uma carta para Antônio de Souza de Menezes, aliviando-
o do ofício, “atendendo aos vossos anos e aos muitos que tendes de serviço desta Coroa,
parecendo-me que desejais ver-vos fora do Brasil para virdes descansar no Reino”214.
Os perseguidos retomaram seus postos já nesse ano ou, no máximo, nos seguintes, numa
acomodação similar à que ocorrera após Óbidos215, mas a Coroa só mencionou as confusões
indiretamente ao pedir para o Senado que “enquanto Antônio de Souza aí se detiver, lhe tenhais
todo o respeito, e procurando que nessa cidade e Estado não haja desavença ou discórdia
alguma, e assim o tenho por muito certo do amor e fidelidade com que sempre tratastes do bem
e quietação deste Estado”. A resposta dos camaristas ia na mesma linha, pois “ainda que Vossa
Majestade nos não fizesse esta advertência, temos tanto diante dos olhos o bem e quietação
deste Estado que não havíamos permitir perturbação alguma (...), porque sempre nos assiste a
fidelidade com que sempre servimos a Vossa Majestade (...) e com todos os governadores”216.
Como sempre, a preocupação era a manutenção do consenso, mesmo que para isso tenha
sido preciso abreviar o tempo do governador-geral – atitude única, que nunca ocorrera antes
nem se repetirá depois, mas necessária para evitar a possibilidade de uma revolta, como notou
obliquamente o panegirista de seu sucessor: “único remédio a que instava o dano padecido, para
que não chegasse a extremo mais perigoso”217. Antônio de Souza de Menezes embarcou-se,
então, para o Reino, provavelmente sem ouvir o irônico soneto que lhe dedicara Gregório de
Matos: “Homem (sei eu) que foi Vossa Senhoria, Quando o pisava da fortuna a Roda, Burro foi

212
VIEIRA, Cartas, vol. III, pp. 334-40, citação à p. 339; AHU, Bahia, LF, cx. 26, doc. 3204. A melhor narrativa
do crime e seu desenrolar posterior (do qual não tratarei aqui) ainda é AZEVEDO, João Lúcio de. História de
Antônio Vieira. São Paulo: Alameda, 2008 [1921], tomo II, pp. 259-66.
213
DH, vol. 32, pp. 214-8; vol. 33, pp. 199-200, 229-30 e 238.
214
DH, vol. 68, p. 145.
215
Veja-se, dentre outros, DH, vol. 32, p. 222
216
AHMS, PR, vol. III, fl. 30v (primeira citação) e CS, vol. II, pp. 122-3 (segunda).
217
BNP, reservados, códs. 300-1, vol. I, fl. 10v.
273

ao subir tão alto clima. Pois vá descendendo do alto, onde jazia, Verá quanto melhor se lhe
acomoda Ser homem embaixo, do que burro em cima”.
Os paralelos do mau governo do Braça de Prata com o do Conde de Óbidos são
evidentes. Por que, porém, as consequências foram distintas? Em primeiro lugar, a nobreza
baiana já havia desenvolvido uma maior coesão social e familiar (capítulo III) e consolidado
seu discurso político de autodefinição estamental (capítulo IV), tornando-se uma força política
mais formidável, mesmo que fragmentada – como já era possível intuir anos antes, com a
ascensão ao poder do triunvirato liderado por Antônio Guedes de Brito. Em consequência, não
só o governador pôde apoiar-se mais fortemente em seus validos, mas também a reação ao
brutal desequilíbrio no xadrez político baiano causado pela ascensão de João de Góis de Araújo
e, principalmente, Francisco Teles de Meneses foi muito mais violenta. Assim, o assassinato
do alcaide-mor, por mais que tenha tido origem numa antiga rixa, acabou por funcionar como
um ataque ao próprio governador-geral – sem, porém, incorrer no crime de lesa-majestade que
poderia ser atribuído aos que ferissem o alter ego do monarca na América. A escolha errada do
favorito, portanto, tendia não a proteger o governante, mas a torná-lo mais vulnerável218. Mais
uma vez, porém, o controle sobre a infantaria assumiu um papel fundamental para perseguir os
inimigos do Braço de Prata e até, talvez, garanti-lo no cargo.
Como na época das disputas sobre o controle do governo provisório, a distância
dificultava uma intervenção da Coroa, pois não se sabia o quanto o cenário poderia mudar no
tempo que levava para uma carta atravessar o Atlântico. Mesmo assim, a situação havia chegado
a tal ponto que D. Pedro apressou-se mais em substituir Antônio de Souza de Menezes do que
o fizera quando do triunvirato que sucedera a Furtado de Mendonça, pois um novo governador
foi enviado menos de um ano após a chegada das notícias do assassinato. Ainda que o recém-
coroado D. Pedro II tenha se irritado com o pouco respeito prestado a seu representante no
América219, a prudência mandava substituir o governador antes que a tensão gerasse novos
assassinatos ou, quem sabe, uma rebelião. O que a Coroa procurava era um retorno ao equilíbrio
anterior à chegada do Braço de Prata. Como era a cooperação e não o conflito a principal

218
Veja-se FRAZÃO, Gabriel Almeida. Amizades no papel: Antônio Vieira e o assassinato do alcaide-mor da
Bahia (1682-1692). Dissertação de Mestrado. Niterói: PPGH/UFF, 2006. É possível traçar um paralelo com o
assassinato do Duque de Buckhingham em 1628, representante das políticas mais impopulares de Charles I e
alguém que ascendera muito acima do seu nascimento: BRADDICK, Michael. God’s Fury, England’s Fire: a new
history of the English Civil Wars. Londres: Penguin, 2009 [2008], paperback, pp. 40-7.
219
O que parece provável, pois Gonçalo Ravasco contara ao Padre Vieira que D. Pedro II “lhe tinha dito estas
palavras formais: ‘Estou muito mal com seu tio Antônio Vieira, porque descompôs o meu governador’”: VIEIRA,
Cartas, vol. III, p. 347 (no mesmo sentido, veja-se p. 344).
274

característica da relação entre elites locais e governadores, esse objetivo se alcançava sem muita
dificuldade após a partida daquele que havia ultrapassado os limites de sua autoridade.
D. Antônio Luiz de Souza Telo de Menezes, 2º Marquês das Minas e 4º Conde do Prado,
chegou a Bahia no início de maio de 1684 com o “fim da reparação desta Cidade e povo dela”.
O objetivo foi rapidamente alcançado, a se julgar pelo que escrevera o Padre Vieira ao Duque
de Cadaval: “com a vinda do novo governador respirou de novo esta cidade; e na diferença de
sua condição, benignidade, inteligência e atenção às obrigações do ofício, assim no militar
como no político, se prometem todos um felicíssimo governo”. O idoso jesuíta se sentira
lisonjeado com a atenção que lhe dera D. Antônio ao visitá-lo na cama em que estava adoentado
e pedir-lhe que pregasse nas exéquias da Rainha D. Maria Francisca de Savóia. Já Vieira
Ravasco se responsabilizaria pela “fábrica do túmulo” e pôde retornar a seu ofício de Secretário
por permissão do governador, embora logo a devassa do sindicante o tenha forçado a se recolher
novamente em um convento, enquanto outros acusados escondiam-se no Recôncavo220.
O Marquês, porém, sabiamente acenou também para o outro lado, primeiro retirando a
José Moreira de Azevedo do posto de capitão-mor de Ilhéus que ocupava desde 1678 por
nomeação de Roque da Costa Barreto. Depois nomeou para o ofício de ouvidor da mesma
capitania o irmão do desembargador João de Góis de Araújo, o licenciado José. Para além da
importância da região para o abastecimento alimentício de Salvador e seu Recôncavo, os avós
dos Araújo haviam se estabelecido primeiro nessa região, e lá provavelmente ainda tinham
parentes, mesmo que distantes221. Em geral, o novo governador-geral procurou evitar conflitos
e tranquilizar os ânimos, adotando uma política diametralmente oposta à de seu antecessor,
como se percebe quando “com prudentíssima e singular direção confirmou os que serviam” os
ofícios, só realizando alterações para restituir a posse aos proprietários, segundo seu exagerado
panegirista222. A Câmara o elogiou logo após sua chegada, especialmente por sua atenção “com
a disciplina militar da infantaria e [o] bem da cidade”, em referências indiretas aos desmandos
de seu antecessor223. Também Antônio Marques Parada enfatizou esse elemento em seus
elogios ao Marquês, pois a infantaria representava a “alma das monarquias, seguro arrimo dos
Reinos, importante defesa da justiça, reparo justo da vida, constante exame da honra”224 – mais

220
BNP, Reservados, códs. 300-1, vol. I, fl. 11 (primeira citação) e vol. II, fls. 9v-10; VIEIRA, Cartas, vol. III, p.
346 (segunda) e 349 (terceira); veja-se também pp. 341, 353, 357, 361 e 363. Bernardo Vieira Ravasco e Gregório
de Matos também escreveram poemas elogiosos ao Marquês quando este aportou em Salvador. Do primeiro, é
“De flores e pedras finas floresce e enriquece o Estado, floresce sim pelo prado, enriquece pelas minas”. Cf.
também, dentre outros, DH, vol. 68, pp. 77-8 e 94-6
221
DH, vol. 9, p. 106 e vol. 28, pp. 330-2.
222
BNP, Reservados, códs. 300-1, vol. I, fls. 15v-17v (citação à fl. 15v).
223
CS, vol. II, p. 123.
224
BNP, Reservados, códs. 300-1, vol. I, fl. 20.
275

um indicador da importância que assumira em Salvador, enquanto em Portugal não existia um


exército permanente desde o fim da guerra contra Castela, quase vinte anos antes. Mais do que
tudo, D. Antônio “não admitiu privanças” nem “assentiu a respeitos” particulares, evitando se
identificar com qualquer facção da nobreza baiana e repetir o erro do Braço de Prata225.
Apesar de alguns dos acusados do assassinato do alcaide-mor terem continuado a ser
investigados durante seu governo, o Marquês das Minas teve três anos calmos na Bahia, e seu
governo não se distinguiu dos padrões estabelecidos desde Alexandre de Souza Freire. Assim,
o governador-geral fez eco às lamentações da Câmara sobre a pobreza da terra para evitar o
aumento da tributação; instou o Senado a garantir o suprimento de farinha; ordenou aos coronéis
que cobrassem o donativo e, partindo do precedente estabelecido por Costa Barreto, procurou
exercer algum tipo de controle, ainda que muito frágil, sobre as contas da municipalidade226.
Foi, porém, na peste de 1686 que o Marquês das Minas se destacou, pois sua “piedade,
zelo e liberalidade resplandeceram nesta ocasião”, agindo em conjunto com o Senado para
tentar evitar um desastre ainda maior do que já estava a ocorrer 227. Para sacramentar sua
popularidade, D. Antônio fez o mesmo que Souza Freire após o conflitivo governo do Conde
de Óbidos: reformou as ordenanças, criando capitães e coronéis, de modo a contentar mais
membros da nobreza sem custos para a Fazenda Real, como o filho do Secretário, Gonçalo
Ravasco Cavalcante de Albuquerque, que passara de foragido a coronel. Seu objetivo era tornar
as ordenanças mais disciplinadas e capazes de reagir em momentos de necessidade, mas não
só, pois a reforma também significaria uma maior eficiência “no lançamento dos donativos e
fintas consignadas ao dote de Inglaterra, Paz de Holanda e sustento da infantaria”. Os camaristas
de 1687, seu último ano de governo, transmitiram ao monarca seu “sentimento de não lograr
por mais tempo os acertos da prudência e zelo com que se procurou toda a felicidade ainda entre
os dissabores em que achou o Estado, e os acidentes do tempo”, destacando a reforma da
ordenança como um de seus principais legados228. Após o Braço de Prata não deve ter sido
difícil causar uma boa impressão, mas o importante é que a concórdia fora restaurada.
O novo governador, Matias da Cunha, já havia servido por quatro anos como governador
do Rio de Janeiro entre 1675-9 e, ao menos segundo sua carta patente, “exercitar[a] o dito cargo

225
BNP, Reservados, códs. 300-1, vol. II, fl. 17.
226
DH, vol. 9, p. 112; vol. 86, pp. 237-9; vol. 89, pp. 24-6 e 63-6; FONSECA, “Subsídios para a História”, pp.
419-52; AHMS, PG, 1683-9, fls. 185v-190v.
227
CS, vol. III, pp. 22-3 e 25-6 (citação à p. 25); PITA, História, pp. 428-35.
228
DH, vol. 32, pp. 243-52, primeira citação à p. 243; CS, vol. III, p. 40 (segunda). Veja-se também AHMS, PG,
1683-9, fls. 42v-43. A Coroa não aprovou a iniciativa, pois assim que soube ordenou ao provedor-mor que passasse
a informar ao Conselho Ultramarino sobre a efetiva necessidade de criação de postos na ordenança, enquanto os
governadores-gerais foram proibidos de fazê-lo sem ordem régia: DH, vol. 83, pp. 57-8 e 81-2; vol. 68, p. 186-7.
276

com boa aceitação dos moradores”229 – única informação que o documento oferece sobre seu
governo, denotando sua importância e justificando sua escolha para a Bahia, pois as lembranças
do Braço de Prata ainda estavam próximas.
O governo não durou sequer um ano e meio, pois em 24 de outubro Cunha faleceu,
vítima do “mal da bicha”, que continuava endêmico na capital da América Portuguesa. Seu
breve período pouco teve de notável, mas o governador-geral mostrou-se simpático às
reinvindicações da nobreza baiana, como se percebe em sua intercessão junto ao rei para
derrogar as cartas régias de 20 e 23 de março de 1688, que procuravam limitar a autoridade dos
senhores para castigar seus escravos, pois os escravos teriam se tornado menos obedientes ao
supor-se protegidos pelo monarca. Também reproduziu o discurso da Câmara sobre a miséria
da Bahia e, para mitigá-la, proibiu que dinheiro fosse enviado ao Reino (capítulo VII), assim
como endossou as tentativas de garantir o abastecimento alimentar de Salvador, ao proibir a
criação de gado em Maragogipe (pelos prejuízos que causavam à plantação de mandioca) e
concordar com o pedido dos camaristas para uma lei que obrigasse a plantação de mantimentos
no Recôncavo230. Talvez a boa relação estabelecida de pronto com o Padre Vieira tenha
contribuído para o estabelecimento de boas relações com a nobreza231.
Entretanto, Matias da Cunha não aceitava tranquilamente ações que via como ataques a
sua jurisdição. O alvo de sua irritação não foi, porém, o Senado soteropolitano, mas sim sua
contraparte olindense, quando da morte do recém-chegado governador de Pernambuco Fernão
Cabral. No leito de morte, Cabral nomeara um triunvirato composto pelo bispo, mestre de
campo mais antigo e juiz ordinário, numa solução similar à adotada em Salvador quando do
falecimento de Furtado de Mendonça. O Senado recusou, porém, a fórmula, dizendo que a

229
DH, vol. 29, p. 73. No Rio de Janeiro, porém, Cunha denunciou o provedor da fazenda (membro de uma
importante família local) por desvios e o ouvidor Pedro de Unhão Castelo Branco por distribuir ofícios sem
jurisdição para tal. Posteriormente, em Salvador, acabou testemunhando o casamento da filha de Castelo Branco
(recém-promovido a desembargador) com o filho do mestre de campo Pedro Gomes, indicando o estabelecimento
de boas relações do recém-chegado governador com membros da elite local: FRAGOSO, João. “A nobreza vive
em bandos: a economia política das melhores famílias da terra do Rio de Janeiro, século XVII. Notas de pesquisa”.
Tempo, n. 15, 2003, pp. 26-7 e CG, vol. II, p. 568. Sobre sua origem social (neto de um aclamador e filho segundo),
veja-se COSENTINO, Francisco. “Carreira e trajetória social na monarquia e no império ultramarino português:
governadores-gerais do Estado do Brasil (1640-1702)”. Revista Brasileira de História, vol. 33, 2013, pp. 192-3.
230
DH, vol. 68, pp. 159-61 e 174; DH, vol. 89, pp. 86-7, 89-91, 95-6 e 105-6; AHMS, PG, 1683-9, fls. 168v-169v.
É possível que a origem dessas resoluções contra os castigos excessivos em cativos esteja em denúncias em Roma
por parte de um mulato brasílico, que haviam recebido o apoio de missionários capuchinhos, e gerado uma
condenação aos abusos enviada a diversas autoridades, inclusive ao núncio papel em Portugal em abril de 1686, o
que pode ter movido a consciência real: GRAY, Richard. “The Papacy and the Atlantic Slave Trade: Lourenço da
Silva, the Capuchins and the Decisions of the Holy Office”. Past & Present, n. 115, 1987, pp. 52-68.
231
VIEIRA, Cartas, vol. III, p. 376; veja-se também p. 380. Os três sonetos de Gregório de Matos dedicados “à
morte do governador Mathias da Cunha” também indicam uma apreciação positiva dele por parte da açucarocracia
baiana, como se percebe por esse trecho: “Quem há de alimentar a luz do dia? Quem de esplendor ilustrará a
Nobreza? Quem há de dar lições de gentileza à toda a gentileza da Bahia?”.
277

decisão lhe cabia: tentou governar, mas, “por não o poder conseguir”, deu “posse ao Bispo”.
Matias da Cunha confirmou a escolha, mas afirmou que esta cabia apenas a ele, repreendendo
fortemente os camaristas por intentar “introduzir-se sem faculdade alguma na jurisdição
superior que lhe usurpava: tudo defeitos que de nenhum modo podiam ser aprovados”232.
Esse imbróglio, ocorrido menos de um mês antes de sua morte, deve ter contribuído
para que na junta de 23 de outubro de 1688, convocada por Cunha para decidir sobre sua
sucessão com participação d“o Senado da Câmara, a Nobreza e os Cabos” [os principais oficiais
militares], a decisão fosse em favor do arcebispo D. Fr. Manuel da Ressurreição “para o governo
militar e político”, mesmo tendo chegado há menos de seis meses, enquanto o papel de regedor
da Relação caberia ao chanceler, o Dr. Manuel Carneiro de Sá233.
O recente desaparecimento dos protagonistas do último interregno – Antônio Guedes de
Brito, falecido em 1687, e João de Góis de Araújo, no ano anterior – também deve ter
dificultado a ascensão de qualquer membro da nobreza local a uma posição que lhes permitisse
reivindicar a participação no governo provisório. Mesmo o juiz mais velho da Câmara, o
coronel e senhor de engenho Sebastião de Araújo de Góis (irmão do falecido desembargador),
não chegava perto do poder exercido por Guedes de Brito. Mais interessante, porém, é notar o
destacado papel político dos prelados, como se notou ao tratar do período 1641-2, quando o
bispo D. Pedro da Silva foi o mais importante dos três governadores. Independente da
experiência ou das qualidades pessoais dos dignitários eclesiásticos, sua autoridade os
transformava em uma das primeiras alternativas em momento de vacância do poder, denotando
o entrelaçamento entre Igreja e monarquia, especialmente no momento que via em Portugal e
na Europa a ascensão de um ideal de bispo que enfatizava não só sua atividade pastoral, mas
também a importância do bom governo de sua diocese234. Como os períodos de Sé vacante se
tornaram cada vez mais raros, os arcebispos exerceram um papel de destaque nas juntas
governativas de 1719-20 (D. Sebastião Monteiro da Vide) e 1754-5 (D. José Botelho de Matos),
enquanto a nobreza baiana nunca mais conseguiu emplacar um representante. Assim, após três
governos provisórios com participação destacada do poder local, o período entre 1688-90 foi o
primeiro a quebrar com essa tradição, sinalizando talvez uma vontade difusa e jamais expressa
de impedir a ascensão de membros da elite local a uma posição tão importante, mesmo que
temporariamente, e estabelecendo um padrão para o século seguinte.

232
DH, vol. 10, pp. 302-5 (citações às pp. 304-5); MELLO, A Fronda, pp. 68-9.
233
PITA, História, pp. 439-40. Para a carta régia confirmando a escolha, DH, vol. 68, p. 236.
234
PAIVA, José Pedro. Os bispos de Portugal e do Império: 1495-1777. Coimbra: Imprensa da Universidade,
2006, pp. 147-54, 171-213 e 446-87.
278

O arcebispo-governador teve que colocar em campo sua autoridade, pois no mesmo dia
de sua eleição estourou uma rebelião da infantaria, descontente com nove meses de pagamentos
atrasados, em razão da diminuição da arrecadação causada pela baixa do açúcar, situação
tornada ainda mais grave pelo aumento do preço da farinha (capítulo I). Os mais de 300
soldados amotinados ameaçavam “entrarem na cidade, e a saquearem, ameaçando com
especialidade as casas dos oficiais da Câmara”. Seus oficiais tentaram acalmá-los, mas não
tiveram sucesso. O arcebispo precisou ir “pessoalmente ao campo em que estavam,
acompanhado somente de seu grande espírito, de sorte que não sucedeu o mínimo dissabor aos
moradores, porque todos o veneram e amam”. A revolta, porém, só terminou quando os
camaristas pagaram os soldados, através de empréstimos junto a fundos arrecadados pela
municipalidade para outros fins, como a contribuição para o Cais de Viana (capítulo VII) e a
concessão de um perdão geral, assinado pelo agonizante Matias da Cunha e pelo arcebispo235.
Embora finalmente tenha se concretizado a ameaça feita pelo governador Diogo Luiz
de Oliveira 60 anos antes, a usual colaboração entre Câmara e governo impediu que o problema
alcançasse maiores proporções – e ambos continuaram vigilantes para evitar qualquer atraso
nos soldos. Em 1689, o Arcebispo cedeu às pressões locais e não aplicou a nova lei sobre as
moedas, em razão da perda que causaria aos moradores (capítulo VII), demonstrando
significativa sensibilidade aos interesses baianos – que também devem ter apreciado a proposta
do governador interino de criar novos terços de auxiliares, que implicariam postos de oficiais
remunerados que poderiam ser providos na nobreza236.
D. Pedro II, agora rei, estava mais decidido a evitar interinidades do que em 1675.
Assim, rapidamente nomeou para o governo de Pernambuco uma “alta personalidade da Corte”,
o almotacé-mor do Reino Antônio Luiz Gonçalves da Câmara Coutinho, “ao arrepio da praxe
de selecioná-lo em lista tríplice do Conselho Ultramarino”, com o objetivo “de pôr termo à
instabilidade pernambucana, através de medidas drásticas contra o poder dos homens
principais”. A se acreditar em seu panegirista, o novo governador caracterizou-se pelo rigor
contra os criminosos, desinteresse pessoal e trato respeitoso com a nobreza, tendo sido eleito
provedor da Santa Casa de Misericórdia de Olinda. Sua popularidade, porém, não foi geral, já
que boa parte da açucarocracia parece ter ficado insatisfeita com sua rigidez – talvez por ter

235
PITA, História, pp. 440-1 (primeira citação à p. 441) e CS, vol. III, p. 77-80 (segunda à p. 78); veja-se também
AC, vol. VI, pp. 116-8 e FIGUEIREDO, Revoltas, Fiscalidade e Identidade, pp. 90-3. Apesar do perdão, o
governador-geral Câmara Coutinho puniu alguns dos revoltosos, enviando-os para Angola e Pernambuco: DH,
vol. 33, pp. 334-7 e 442. A resposta régia pode ser vista em ACCIOLI, Inácio. Memórias Históricas e Políticas
da Província da Bahia. Anotado por Braz do Amaral. Salvador: Imprensa Oficial do Estado, 1925, vol. II, p. 247.
236
DH, vol. 86, pp. 239-40; vol. 89, pp. 159-61.
279

procurado tolher privilégios da elite (como proibir que filhos de camaristas se alistassem na
infantaria, ganhando soldo sem servir) e limitar o poder dos régulos locais237.
Pouco após a chegada do almotacé-mor a Pernambuco, porém, Lisboa decidiu que era
mais urgente enviá-lo a Salvador para aliviar o arcebispo do fardo do governo-geral. Câmara
Coutinho permaneceu, portanto, apenas um ano no governo da capitania antes de partir para a
cabeça do Estado do Brasil. Chegando a Salvador, o almotacé-mor seguiu o exemplo de seus
antecessores e estabeleceu boas relações com o padre Vieira: o exemplo da campanha do idoso
missionário contra o Braço de Prata devia ter permanecido na memória de todos e, através de
seu irmão secretário, o jesuíta continuava ligado a uma importante facção da nobreza238.
Para além das práticas usuais de governação estabelecidas há décadas, como a
preocupação com o sustento da infantaria e o abastecimento de farinha239, o governador
procurou imediatamente dar ordem à Bahia, pois esta estava, segundo ele, “tão confusa que
certamente me pareceu bicha de sete cabeças, porque cada qual governava como lhe parecia”.
Os terços estavam repletos de soldados que não serviam mas recebiam soldo, enquanto os que
serviam “nem exercício, nem guardas faziam, senão os que queriam”. Os oficiais maiores, por
sua vez, “andavam tão desunidos que muitos se não falavam”. Como em Pernambuco, Câmara
Coutinho procurou evitar “as brigas, mortes e feridos, com toda a severidade e administração
da justiça, (...) e está de maneira a Bahia que depois que eu governo está tudo quieto”240.
Três questões se destacam na atuação do almotacé-mor, talvez o governador mais
consciencioso de seus deveres em todo o século. Em primeiro lugar, foi em seu governo que se
resolveu a questão longamente debatida da “moeda provincial”, isto é, com valor diferente da
que corria no Reino (capítulo VII). Seguindo uma ordem régia, Câmara Coutinho também
procurou obter recursos dos moradores para a fundação de uma Junta de Comércio da Índia. O
governador, assim, só conseguiu reunir 9.950$, e o principal ofertante foi o rico homem de
negócio Antônio Maciel Teixeira, que prometeu enviar milhares de rolos de tabaco como
donativo em troca de um foro de fidalgo, perfazendo mais 16.000$, num total de quase 26
contos de réis (65 mil cruzados). O grande comerciante vianense ainda não havia servido nem

237
MELLO, A Fronda, p. 70-3 (citações à p. 70) e MELLO, José Antonio Gonsalves de (ed.). “Pernambuco ao
tempo do governo de Câmara Coutinho (1689-90)”. Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico
Pernambuco, vol. 51, 1979, pp. 257-300. Veja-se também VIEIRA, Cartas, vol. III, pp. 396-7 e 409 e SANTOS,
Marília. Escrevendo cartas, governando o império: a correspondência de Antônio Luís Gonçalves da Câmara
Coutinho (1691-3). Dissertação de Mestrado. Niterói: PPGH/UFF, 2007, pp. 90-8.
238
VIEIRA, Cartas, vol. III, p. 437 e 446; “Livro de cartas que escreveu o Senhor Antônio Luiz Gonçalves da
Camara Coutinho”. RIHGB, tomo 71, parte I, 1908, p. 44; DH, vol. 34, p. 63 e 178. A influência jesuítica não se
resumia a Vieira, e provavelmente se fortaleceu na segunda metade do século. Espero que trabalhos futuros de
autores como Carlos Zeron e Pablo Magalhães nos ajudem a compreender a relação entre religião e política.
239
DH, vol. 86, pp. 243-6, 248-9; AC, vol. VI, pp. 223-5; AHMS, PG, 1689-95, fls. 63-67 e 135v-136
240
DH, vol. 33, pp. 356-62. Veja-se também “Livro de cartas”, p. 47-50 e 57-8.
280

na Câmara e nem na Misericórdia, de modo que sua contribuição fazia parte de seu esforço de
alpinismo social. Depois, o senhor de engenho Pedro Fernandes Aranha (filho do mestre de
campo Nicolau Aranha Pacheco) ofereceu 4.000 cruzados – até onde sei, porém, somente este
recebeu o foro, ainda que tenha sido Maciel Teixeira a ser satirizado por Gregório de Matos
como um dos negociantes que compravam honras através do seu “dinheiro poderoso”. Apesar
de os esforços de Câmara Coutinho terem se prolongado nos anos seguintes, a resistência da
nobreza baiana, desejosa de obter sua moeda provincial e largamente endividada, impediu um
engajamento efetivo do Senado, a melhor maneira de se recolher largas somas de dinheiro,
como a experiência dos últimos 70 anos havia demonstrado. Em acréscimo, “todos estes
moradores, além da miséria em que estavam, duvidavam da inteireza e procedimento da Junta,
por ser nesse Reino tão longe donde eles assistiam”. Assim, o governador-geral foi forçado a
admitir “que finalmente neste negócio me parece que se não pode dar um passo nem tirar
cabedal que possa fazer volume para ajudar o comércio da Índia”241.
Especialmente interessante, porém, por se inserir na tendência visível desde a década de
1670 de intervenção nos donativos administrados pela Câmara, é o esforço do almotacé-mor
em fiscalizar as contas da municipalidade, “pois deve-se-lhe dos efeitos dos soldados mais de
cem mil cruzados. Estas demandas correm diante dos juízes ordinários, que são parentes e
amigos dos devedores, e por aquele respeito fazem as demandas eternas, e nunca se hão de
acabar”. Para remediar esse problema, o governador sugere ao monarca a nomeação de um
desembargador como “juiz privativo nestas causas e suas execuções” e que a Câmara só possa
gastar esses recursos com autorização régia, sendo proibida de utilizá-los para qualquer outro
fim – como quando completava o donativo de dote e paz com os recursos arrecadados para o
sustento da infantaria. Por último, ao final de cada ano o governador-geral e um juiz deveriam
conferir as contas do Senado e enviá-las para aprovação régia. O Conselho Ultramarino e a
Coroa não concordaram, provavelmente receosos de cederem tamanho poder a um governador-
geral – lembrando que o detestado Braço de Prata emitira portaria nesse sentido242.

241
DH, vol. 33, pp. 362-4 e 366; vol. 34, pp. 139-42 (primeira citação à p. 141, ênfase minha); vol. 86, p. 244;
“Livro de cartas”, pp. 51-3, 72-3 e 87-8 (segunda citação à p. 88); ACCIOLI, Memórias, vol. II, p. 249, nota 16.
Veja-se também SANTOS, Marília. “Do Oriente ao Atlântico: a Monarquia Pluricontinental portuguesa e o resgate
de Mombaça, 1696-1698” in: FERRREIRA, Roberto (org.). Dinâmica imperial no Antigo Regime português:
escravidão, governos, fronteiras, poderes, legados – séc. XVII-XIX. Rio de Janeiro: Mauad, 2011, pp. 116-9. A
Junta Geral de Comércio da Índia teve uma vida curta (1694-9), sem jamais alcançar muita relevância, assim como
todas as outras tentativas semelhantes: SUBRAHMANYAM, Sanjay. The Portuguese Empire in Asia, 1500-1700.
Chichester: Wiley-Blackwell, 2012 [1993], 2ª ed. rev., pp. 197 e 201; DISNEY, A. R. A History of Portugal and
the Portuguese Empire: from the beginnings to 1807. Cambridge: Cambridge UP, 2007, pp. 307-8.
242
DH, vol. 33, p. 351 (citações) e 359-60; vol. 89, pp. 185-6; “Livro de cartas”, p. 47-8.
281

Câmara Coutinho aceitou a ordem sem discutir, pondo em prática outra determinação
régia: em conjunto com o chanceler da Relação Manuel Carneiro de Sá e o desembargador
Dionísio de Ávila Vareiro243, insistiram com o Senado para que todos os seus livros de contas
fossem disponibilizados aos letrados, que tomariam sobre si o encargo de cobrar as dívidas – o
que implicaria grandes custos para os membros da nobreza que, graças a suas conexões com os
camaristas, tinham conseguido contribuir menos do que deveriam nas décadas anteriores244. Se,
como o Senado repetira durante décadas, esses donativos deveriam ser cobrados sem
intervenção da administração periférica da Coroa, a ação de Câmara Coutinho permitiu que
essa barreira fosse quebrada. Da mesma maneira, os açougues administrados pela
municipalidade (dentro de sua obrigação de zelar pelo abastecimento) passariam a ter suas
contas tomadas por um desembargador, que deveria extrair daí recursos para o reparo das
fortificações245. Essas medidas não suscitaram resistência significativa em Salvador, numa
situação bem distinta da intensa campanha encetada pela câmara olindense contra o sucessor
de Câmara Coutinho no governo de Pernambuco – e que acabou sendo referendada pela
Coroa246. O que esse paralelismo reforça é a já tradicional imagem de uma Câmara de Salvador
menos resistente aos desígnios dos governadores-gerais, agora não por fraqueza dos seus pró-
homens, mas, principalmente, devido à tradição de colaboração entre o representante do
monarca e a elite local, forjada ao longo de todo o século XVII.
O monarca também ordenou que a Câmara enviasse 8% do valor dos contratos
arrendados pela Câmara para sustento da infantaria para compra de munições, mas Câmara
Coutinho juntou sua pena à do Senado, afirmando que os recursos eram parcos e, mesmo nos
anos em que havia sobejos, a provisão impediria que as sobras de um ano saldassem as dívidas
do seguinte. O monarca foi parcialmente convencido por seu governador e determinou que
apenas as sobras fossem enviadas para o Reino247.
Ao fim e ao cabo, Antônio Luiz Gonçalves da Câmara Coutinho foi o governador mais
elogiado pela nobreza baiana em todo o século, tendo sido o único a merecer três cartas do
Senado em seu favor, principalmente por causa de sua atuação em defesa da moeda provincial,
como veremos no próximo capítulo. Na primeira, os camaristas pedem que o monarca “se sirva

243
Vareiro servira como ouvidor em Pernambuco no início da década de 1680, mas sairia corrido da capitania,
perseguido pelo governador e pela nobreza. O letrado deve ter se sentido aliviado ao lidar com uma Câmara menos
irascível na capital do Estado do Brasil: MELLO, A Fronda, pp. 65-7.
244
AHMS, PR, vol. III, fls. 65 e 165-165v; PG, 1689-95, fls. 144v-145 e 285v-286v; DH, vol. 34, pp. 7 e 105-8;
vol. 89, p. 229; “Livro de cartas”, p. 113; AC, vol. VI, pp. 231-2.
245
DH, vol. 83, pp. 127-8 e AHMS, PG, 1689-95, fls. 287v-288.
246
MELLO, A Fronda, pp. 80-5.
247
AHMS, PR, vol. III, fls. 60v e 64v; DH, vol. 34, p. 32 e vol. 89, pp. 227-9; AHU, Bahia, LF, cx. 29, doc. 3637.
282

de o reconduzir por mais três anos com o título de Vice-Rei, assim em parte do prêmio de seus
grandes merecimentos como por crédito do dito Estado”. Caso isso não fosse possível, ao menos
que seu primo, o ex-governador de Angola D. João de Lencastre, fosse nomeado para o cargo.
Quando os camaristas de 1694 souberam que o monarca havia decidido pela segunda opção,
escreveram elogios inauditos ao almotacé-mor: “com tal inteireza governou, e com tal isenção
regeu estes povos durante o tempo do seu governo, que excede singularmente a todos os que
conheceu este Estado, não sabemos se nele se verá daqui por diante Governador que o possa
exceder, mas nem ainda competir”248.

Conclusão
Deixemos para outra ocasião o governo de D. João de Lencastro, primo de Câmara
Coutinho que havia sido governador de Angola e, fato inédito, tivera sua nomeação como
governador-geral reivindicada pelo Senado, pois seu governo será marcado pelos debates sobre
como se administrar as minas de ouro recém-descobertas249. Outras alterações de monta no
período foram a criação do juiz de fora em 1696, extinguindo-se os juízes ordinários, e a nova
forma de escolha dos camaristas, via Relação da Bahia e não mais por eleição dos cidadãos250.
Como avaliarmos, então, a relação entre governadores-gerais e a nobreza baiana na
segunda metade do século XVII? Tratando do final da centúria, e mais especificamente do
governo de Câmara Coutinho, Pedro Puntoni escreveu em um excelente artigo que “o sistema
político do governo-geral” conheceu uma corrosão d“o seu papel coordenador da colonização,
na medida em que passa a ser instrumentalizado, cada vez mais, pelos interesses da
açucarocracia”251. Tal argumentação, porém, só faz sentido a partir do pressuposto de que já no
seiscentos Portugal e suas conquistas americanas constituíam-se como “um centro decisório
(metrópole) e outro subordinado (colônia)”252. Longe de mim negar a autoridade régia: objeto

248
CS, vol. III, pp. 110-1 (primeira citação à p. 111) e vol. IV, pp. 12-3 e 24-7 (segunda à p. 25). Veja-se também
DH, vol. 89, p. 256 e PITA, História, pp. 441-2. Por outro lado, Gregório de Matos escreveu poemas extremamente
ofensivos contra Câmara Coutinho, descrevendo-o como “merda dos fidalgos”, um “fanchono beato”: “ardendo
morram já como Solis, e como arderam já duas cidades, Ardam Luiz Ferreira e Antônio Luiz”. Qualifica-o, enfim,
como “um monstro (digo) inumano, que no bico era tucano, e no sangue mamaluco (...) Este pois por exaltar-se
veio reger a Bahia: que bom governo faria, quem não sabe governar-se! (...) Se fosse El-Rei informado de quem o
Tucano era, nunca à Bahia viera governar um povo honrado: mas foi El-Rei enganado, e eu com o povo o paguei,
que é já costume, e já lei dos reinos sem intervalo, que pague o triste vassalo os desacertos de um Rei”.
249
CS, vol. III, pp. 110-1; ROMEIRO, Adriana. Paulistas e emboabas no coração das minas: ideias, práticas e
imaginário político no século XVIII. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2008, pp. 39-50.
250
BOXER, Portuguese Society, pp. 74-5, seguindo uma prática adotada oito anos antes em Goa.
251
PUNTONI, Pedro. “‘O mal do Estado Brasílico’: a Bahia na crise do final do século XVII” [2010] in: id. O
Estado do Brasil: poder e política na Bahia colonial, 1548-1700. São Paulo: Alameda, 2013. Nessa passagem, o
autor está tratando da questão da moeda, que será abordada no próximo capítulo da tese.
252
NOVAIS, Fernando A. Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808). São Paulo: Hucitec,
2006 [1979], 8ª ed., p. 62, citado por Pedro Puntoni em “Introdução” in: id. O Estado do Brasil.
283

apenas a uma concepção dicotômica da relação entre a Coroa e os vassalos ultramarinos,


aplicando uma perspectiva pensada a partir do discurso da administração central da Coroa de
finais do setecentos para relações políticas de base ideológica e realidades práticas distintas.
Praticamente todos os governadores, ainda que em graus muito variáveis, defenderam
interesses locais e estabeleceram relações de cooperação com a elite baiana253. Eles não
estavam, porém, sendo cooptados ou “instrumentalizados” por tibieza ou cupidez, mas apenas
cumprindo o que deles era esperado. Como já se escreveu sobre os intendentes nas províncias
francesas, “eles trabalhavam através e não contra os sistemas locais de autoridade, pois sem
uma rede de contatos locais eram impotentes, e essa rede só podia ser construída através da
sensibilidade a interesses locais”254. A colaboração era possível porque os interesses dos
representantes do monarca e da nobreza baiana não se mostravam opostos, mas coincidentes.
Discordâncias à parte, todos desejavam proteger a economia açucareira e defender a capitania
de invasores, e o respeito formal à autoridade régia era universal255. Ao fim e ao cabo,

os governantes não podiam retirar sua esfera da comunidade política mais ampla, porque sua
autoridade estava baseada num sistema de poder compartilhado e numa gradação de privilégios
presidida pelo monarca. Sem o rei não podia haver uma hierarquia de autoridades e nenhuma
“divisão de trabalho” entre elas. Por outro lado, não havia possibilidade de um controle régio
porque o rei confiava em seus aliados sociais na província e não tinha alternativa a seu
governo256.
Pode-se dizer que as três funções básicas de uma monarquia – além de seu dever
transcendental de dar justiça aos vassalos – eram a defesa militar, a manutenção da paz interna
e a fiscalidade (para poder cumprir com as duas obrigações precedentes). Nenhuma das três
podia ser alcançada sem uma intensa colaboração das elites locais, de modo que é necessário
ultrapassar a dicotomia rei/súditos para pensar a monarquia e as comunidades locais como
“feixes de relações entre pessoas em vez de coisas ou unidades que levam vidas próprias”257.
No sentido em que é possível falar de um poder “estatal” na época moderna, ele precisa ser
entendido como “uma rede de ofícios exercendo poder político”, da qual as elites provinciais

253
Puntoni reconhece a íntima relação entre governadores e a Câmara, mas a entende como resultado de uma
condição especial de Salvador, por ter sido uma municipalidade fundada junto com o governo-geral e que com ele
se desenvolveu. Cf. “O Governo-Geral e o Estado do Brasil: poderes intermédios e administração (1549-1720)”
[2008] in: id. O Estado do Brasil: poder e política na Bahia colonial, 1548-1700. São Paulo: Alameda, 2013.
Entretanto, o que variava era apenas o grau, pois em todo o mundo atlântico poder local, poder central e seus
representantes colaboravam, de acordo com as relações de força vigentes em cada situação.
254
BEIK, Absolutism and society, p. 99.
255
SCHWARTZ, Stuart. Segredos Internos: engenhos e escravos na sociedade colonial, 1550-1835 (trad.). São
Paulo: Companhia das Letras, 1988 [1985], pp. 220-2.
256
BEIK, Absolutism and society, p. 219. Para uma reafirmação das suas ideias centrais vinte anos depois, cf. id.
“The absolutism of Louis XIV as social collaboration”. Past & Present, n. 188, 2005, pp. 195-224.
257
TAYLOR, William. “Between Global Process and Local Knowledge: An Inquiry into Early Latin American
Social History, 1500–1900” in: ZUNS, Oliver (ed.). Reliving the Past: The Worlds of Social History. Chapel Hill:
The University of North Carolina Press, 1985, p. 146.
284

participavam numa posição de destaque258. Somente assim podemos compreender como o


Senado administrava a Fazenda Real e os oficiais de ordenança funcionavam como importantes
auxiliares dos governadores, de forma cada vez mais marcada nas últimas três décadas do
século. Dessa maneira, tanto o governador-geral quanto a nobreza baiana ampliavam seu poder
e mantinham uma ordem que lhes era, em termos gerais, favorável. Como escreveram os
camaristas em 1676, “temos por certo serem duas as obrigações principais a que somos
obrigados: a primeira tudo o que se nos oferecer do serviço de Vossa Alteza não perdermos
ponto, como bons e leais vassalos; segunda o que for utilidade e quietação deste povo, e quase
vem a ser uma ambas as obrigações”259. O serviço à Coroa, o bem da República e a manutenção
de uma ordem social hierárquica e desigual eram, assim, objetivos comuns a todas as elites.
A cooperação também era essencial porque a própria “Coroa não era um sujeito unitário,
mas sim um agregado de órgãos e de interesses”, o que dificultava (ainda que não
impossibilitasse) qualquer reforma mais profunda, de modo que “na Época Moderna prevalece,
ainda, uma concepção ‘regulativa’ e não ‘activa’ da política”260. Os governadores procuravam
conservar e não modificar: não à toa, as ações de Óbidos, provavelmente o mais “ativista” em
todo o século, geraram fortes reações em todos os grupos de poder baianos. De modo geral, as
mudanças que introduziam eram limitadas e ditadas por necessidades práticas imediatas.
Entretanto, a tendência a partir da década de 1670, após o fim da Guerra de Restauração,
da paz com os neerlandeses e em um momento de consolidação do regime brigantino, foi de
um lento e gradual aumento da intervenção dos governadores na administração dos recursos da
Fazenda Real administrados pelo Senado. Como o período de D. Pedro foi um “governo dos
conselhos (...) caracterizado pelo restabelecimento de antigas formas de governo e pela escassa
produção legislativa e inovação tributária”261, tais inovações se verificavam lentas e só
assumiriam maior significado no século seguinte. Por outro lado, se o Senado continuava
vulnerável aos ditames de um governador como o Braço de Prata, tais atitudes parecem ter se
tornado consideravelmente menos aceitáveis do que 40 anos antes, salvaguardando a autonomia
da instituição. A consolidação das principais famílias da capitania na segunda metade do século

258
BRADDICK, Michael J. State Formation in Early Modern England, c. 1550-1700. Cambridge: Cambridge UP,
2000, p. 428.
259
AUC, CCA, Livro Governo da Baía, 1648-1701, VI-III-1-1-6, fls. 28-29.
260
CARDIM, Pedro. “‘Administração’ e ‘governo’: uma reflexão sobre o vocabulário do Antigo Regime” in:
BICALHO, Fernanda & FERLINI, Vera (orgs.). Modos de Governar: ideias e práticas políticas no Império
português, séculos XVI-XIX. São Paulo: Alameda, 2005, pp. 53 e 68. Entretanto, como se depreende da exposição
aqui realizada, penso que o estudo da dinâmica política efetiva demonstra uma articulação mais intensa do que a
reconhecida pelo autor nesse trabalho, ao menos no tocante às principais áreas da monarquia.
261
MONTEIRO, Nuno Gonçalo. “A consolidação da dinastia de Bragança e o apogeu do Portugal Barroco (1668-
1750)” in: TENGARRINHA, José (org.). História de Portugal. Bauru/São Paulo: EDUSC/EDUNESP, 2001, 2ª
ed., pp. 208 e 210.
285

(capítulo III) deve ter colocado maiores restrições à ação dos principais representantes da
Coroa, assim como a existência do Tribunal da Relação. Tornava-se, assim, cada vez mais
necessário construir um consenso, sob pena de surgimento de tensões que dificultassem
sobremaneira a governação. Por outro lado, o fortalecimento de bandos também implicou uma
maior conflitualidade, ampliando-se as disputas por influência dentro da própria nobreza. Os
governadores podiam optar por auxiliar alguma das facções em disputa, mas, ao fazê-lo,
arriscavam construir inimizades mais poderosas do que o apoio obtido – como no caso do
governo do Braço de Prata.
De modo geral, a elite local conseguiu manter o poder na primeira metade do século e
até ampliá-lo, com o aumento da relevância das ordenanças e o controle da arrecadação do
donativo de dote e paz. Movimento similar parece ter ocorrido no Reino, embora provavelmente
tenha se mostrado de forma mais pronunciada na América262. A trajetória da Câmara é,
portanto, radicalmente diferente do cabildo da cidade do México, em franca decadência a partir
de 1640, em razão da forte intervenção dos vice-reis e do surgimento de opções de investimento
mais interessantes para as elites locais, tornando o posto de regidor cada vez menos valorizado
– fenômeno largamente disseminado nas possessões americanas da monarquia hispânica263.
Quando olhamos para Pernambuco e Rio de Janeiro é difícil fugir da impressão de que
o Senado soteropolitano colaborava mais intensamente com os governadores-gerais. Em termos
práticos, os representantes da Coroa tinham tanto mais instrumentos para ameaçar os vassalos
– através da infantaria – quanto para atraí-los, usando seu prestígio e o provimento de ofícios.
A escala dos donativos administrados pelo Senado também dava à nobreza baiana mais motivos
para cooperar, pois o controle desses recursos funcionava como uma importante ferramenta de
fortalecimento da elite, contribuindo para a consolidação das principais famílias que se
revezavam nos cargos da República.
Mais do que submissão, a colaboração indicava integração: a Bahia fazia jus a seu título
de “cabeça do Estado do Brasil” ao servir à monarquia, sendo por isso recompensada com
privilégios, como os de cidadão do Porto e a fundação de um convento na década de 1660, cujos
lugares deviam ser reservados à nobreza local (capítulos III e IV). Somente a Coroa podia,
porém, conceder essas mercês, e uma marca do período bragantino é a maior participação do

262
CARDIM, Pedro. “La Corona y las autoridades urbanas en el Portugal del Antiguo Regímen. Entre los
Habsburgo y los Braganza” in: BRAVO LOZANO, J. (ed.). Espacios de poder. Cortes, Ciudades y villas. Madri:
Limencop, 2002, p. 43.
263
PAZOS, Maria. El Ayuntamiento de la Ciudad de México en el siglo XVII: continuidad institucional y cambio
social. Sevilla: Diputación, 1999, pp. 237-50 e 277-90; RAMINELLI, Ronald. A era das conquistas: América
Espanhola, séculos XVI e XVII. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2013, pp. 71-105.
286

centro político na política ultramarina, apesar dos limites impostos pela demora inerente à
distância. Como vimos, a relação com os governadores-gerais possuía imensa importância:
entretanto, em muitos temas o representante do monarca nada podia fazer além de somar suas
cartas às petições dos vassalos. Assim, se os dois pilares que sustentavam o império eram as
Câmaras e os governadores264, o vértice do triângulo político era a Coroa, com quem todos se
correspondiam265. Será, portanto, a comunicação política o último tema da tese.

264
BOXER, Charles. O império marítimo português, 1415-1825 (trad.). São Paulo: Companhia das Letras, 2002
[1969], p. 286 aponta como dois pilares do império os poderes municipais e as Misericórdias, enfatizando as
instituições locais, em razão da impermanência dos oficiais régios. GOUVÊA, Fátima; SANTOS, Marília &
FRAZÃO, Gabriel. “Redes de poder e conhecimento na governação do Império Português, 1688-1735”. Topoi,
vol. 5, n. 8, 2004, pp. 123-5 já haviam acrescentado os governadores na equação, mas penso que a diminuta
relevância política das irmandades leigas justifica pensar como pilares do império o poder local e a administração
periférica da Coroa, enfatizando-se assim a importância da relação entre os representantes do rei e das elites locais.
265
Cidade, governador e Rei representavam “os três ângulos de um contrato político”: GANTELET, Martial.
L’absolutisme au miroir de la guerre: le roi et Metz (1552-1661). Rennes: Presses Universitaires de Rennes, 2012,
p. 87.
287

Capítulo VII

Do Coração do Estado do Brasil à Cabeça do Império:


dinâmica e temas da comunicação política

O pior acidente que teve o Brasil em sua enfermidade foi o tolher-se-lhe a fala;
muitas vezes se quis queixar justamente, muitas vezes quis pedir o remédio de seus males,
mas sempre lhe afogou as palavras na garganta, ou o respeito, ou a violência;
e se alguma vez chegou algum gemido aos ouvidos de quem o devera remediar,
chegaram também as vozes do poder, e venceram os clamores da razão.
Padre Antônio Vieira, Sermão da Visitação de Nossa Senhora, 1640.
Introdução
O império ultramarino português na época moderna caracterizou-se por sua fragmentação
e complexidade, mostrando-se capaz de conciliar tendências aparentemente contraditórias, como a
formação e reiteração de vigorosas elites locais e a “centralidade do centro” da Coroa, isto é, sua
posição focal no império como o polo a que todas as elites se reportavam. Dessa maneira, o que
garantia o “equilíbrio dos poderes no Império” era o “fato de as distintas instâncias, e as respectivas
elites, mutuamente se tutelarem e manterem vínculos de comunicação com o centro”1.
Nesse sentido, muito já se escreveu sobre as “cadeias de papel” que ligavam a
administração periférica às distantes Coroas ibéricas, transmitindo conhecimento, informações,
sugestões e ordens, possibilitando assim o funcionamento de formações políticas tão inovadoras
como os impérios ultramarinos europeus da Época Moderna, ainda que não necessariamente de
acordo com as aspirações do centro político. Os conselhos régios exerciam aí um papel
fundamental na avaliação desses escritos, mediando a relação com o monarca e, em larga
medida, moldando o que este poderia vir a conhecer2.

1
MONTEIRO, Nuno Gonçalo. “Trajetórias sociais e governo das conquistas: notas preliminares sobre s vice-reis
e governadores-gerais do Brasil e da Índia nos séculos XVII e XVIII” in: FRAGOSO, João; BICALHO, Fernanda
& GOUVÊA, Fátima (orgs.). O Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII).
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, p. 283, nota 54 (primeira citação); id. & CUNHA, Mafalda Soares
da. “Governadores e capitães-mores do império atlântico português nos séculos XVII e XVIII” in: id. & CARDIM,
Pedro (eds.). Optima Pars: Elites Ibero-Americanas do Antigo Regime. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais,
2005, p. 194 (segunda e terceira).
2
Cf. ELLIOTT, John H. “A Espanha e a América nos séculos XVI e XVII” in: BETHEL, Leslie (ed.). História
da América Latina: a América Latina Colonial, vol. I (trad.). São Paulo: EDUSP/Fundação Alexandre de Gusmão,
1997 [1984], p. 287. Para o caso luso-brasileiro, cf. HESPANHA, António Manuel. As Vésperas do Leviathan:
instituições e poder político, Portugal – séc. XVII. Coimbra: Almedina, 1994 [1986], pp. 291-3 e SANTOS, Marília.
“A escrita do império: notas para uma reflexão sobre o papel da correspondência no império português” in: SOUZA,
288

Também se tem enfatizado a importância da comunicação entre os vassalos e os reis


portugueses, especialmente através das Câmaras, o principal órgão político do poder local no
Império luso. As municipalidades ultramarinas seriam capazes de estabelecer negociações com
a Coroa sobre diversos pontos políticos e econômicos fundamentais 3, reproduzindo relações
também vigentes no Reino.
O objetivo desse capítulo é estudar a comunicação política entre Salvador e a Coroa
lusitana ao longo do século XVII. Trata-se, portanto, de analisar um tipo de fonte largamente
utilizado pelos historiadores, mas de forma geralmente assistemática: cartas da Câmara,
consultas e missivas régias, numa pesquisa de cariz explicitamente institucional – pois fontes
que permitam uma análise da comunicação informal, como cartas pessoais, são muito escassas,
ainda que também atravessassem o Atlântico em grande número4. Procuro, assim, aceder, da
forma mais direta possível, à relação política entre Coroa e conquistas em um caso concreto e
relevante, pois a correspondência camarária era a principal forma de contato coletivo entre as
localidades (representadas, claro, por suas elites) e o centro político. Procuro demonstrar como
essa correspondência constitui-se como um importante fluxo de informações e, principalmente,
interesses, potencializando a influência das elites locais sobre as políticas que lhes interessavam
e, ao mesmo tempo, limitando sua margem de arbítrio, ao exigir que dessem conta de suas ações
ao centro. Em última instância, contribuíam para a própria coesão da monarquia, ao reforçar os
laços que uniam as duas margens do Atlântico, constituindo-se em um elemento central do
império ao constantemente revigorar a comunidade política da monarquia portuguesa5.
A construção de comparações com outros impérios atlânticos seria importante.
Entretanto, a historiografia sobre as elites hispano e anglo-americanas tem se focado nos
conflitos políticos locais, na estrutura e funcionamento de suas instituições e nas características

Laura de Mello e; FURTADO, Júnia & BICALHO, Fernanda (orgs.). O Governo dos Povos. São Paulo: Alameda,
2009, pp. 171-92.
3
Cf. BOXER, Charles. Portuguese Society in the Tropics: the municipal councils of Goa, Macao, Bahia, and
Luanda, 1510-1800. Madison & Milwaukee: University of Madison Press, 1965 e BICALHO, Fernanda. A cidade
e o império: o Rio de Janeiro no século XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. Para um incisivo
debate historiográfico sobre a relação entre câmaras e a Coroa, cf. RAMINELLI, Ronald. Nobrezas do Novo
Mundo: Brasil e ultramar hispânico, séculos XVII e XVIII. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2015, pp. 62-72.
4
Além das conhecidas cartas do Padre Vieira, veja-se as poucas cartas seiscentistas de membros da elite baiana
para o Dr. Cristóvão Soares de Abreu, diploma e letrado de prol na política brigantina por mais de três década, em
BPA, 49-X12, fl. 769; 54-VIII-37, fl. 109; 54-VIII-36, n. 82; 54-VIII-37, ns. 152, 168, 170, 172, 176 e 178; 54-
VIII-38, ns. 294, 302-303, 316, 334, 345, 350-1 e 359. Em razão de sua vasta correspondência e dos muitos postos
que serviu, uma biografia dessa figura seria de grande interesse para a história portuguesa.
5
RAMINELLI, Ronald. Viagens Ultramarinas: monarcas, vassalos e o governo a distância. São Paulo: Alameda,
2008, pp. 21-47; BRENDECKE, Arndt. Império e información: funciones del saber en el domínio colonial español
(trad.). Madri/Frankfurt: Iberoamericana/Vervuert, 2012 [2009], pp. 23-8, 75, 289-90 e 486-92; BANKS, Kenneth
J. Chasing Empire across the Sea: communications and the state in the French Atlantic, 1713-1763. Montreal:
McGill Queen’s UP, 2002, pp. 5 e 11.
289

socioeconômicas dos grupos dominantes, sem realizar análises detalhadas da comunicação


política com os respectivos centros imperiais. Mesmo assim, é possível inferir que a
comunicação política através das assembleias locais não foi muito significativa na América
Inglesa continental, embora talvez tenha tido uma importância maior no Caribe. No geral, a
monarquia inglesa privilegiou a comunicação com os governadores, diferentemente da América
Ibérica. Por outro lado, o império britânico parece ter se caracterizado, a partir da primeira
metade do setecentos, por uma intensa comunicação transatlântica não institucional, baseada
em uma elevada circulação de cartas particulares e jornais entre o Velho e o Novo Mundo.
Mesmo na América espanhola, o enfraquecimento dos cabildos no século XVII e a
possibilidade de participação das elites locais na administração periférica da Coroa
provavelmente reduziu a importância da comunicação política através das instituições
representativas locais – ainda que a comunicação continuasse a ser profundamente plural,
garantindo-se a diversos agentes a possibilidade de estabelecer contato com o centro político6.
Tais contrastes são interessantes para melhor compreender o desenvolvimento que se
pretende traçar nesse capítulo: a partir de contatos episódicos no período filipino, a
comunicação política evolui para uma relação cada vez mais dialógica depois da Aclamação do
Duque de Bragança, tendência consolidada a partir da década de 1660. Salvador assume,
portanto, um papel de destaque, não só em relação ao Brasil, mas também ao conjunto da
monarquia portuguesa. Os donativos representavam a temática mais importante, devido aos
significativos recursos administrados pela municipalidade e às novas demandas régias a partir
da década de 1660. Em diversos outros temas, porém, o Senado frequentemente requeria a
intervenção da Coroa, estabelecendo um diálogo excepcionalmente intenso, complementar à
relação com os governadores-gerais analisada nos dois capítulos precedentes. O objetivo é,
através do estudo dessa dinâmica, reforçar a ideia já apresentada de uma profunda imbricação
entre os poderes local e central, a partir da relação de interdependência que os unia, fortalecida

6
O melhor ponto de partida é ELLIOTT, John H. Empires of the Atlantic World: Britain and Spain in America,
1492-1830. New Haven: Yale UP, 2007 [2006], pp. 117-52; cf. também BILLINGS, Warren M. A Little
Parliament: the Virginia General Assembly in the Seventeenth Century. Richmond: Library of Virginia, 2007;
JORDAN, David W. Foundations of Representative Government in Maryland, 1632-1715. Cambridge: Cambridge
UP, 1987; BECKLES, Hilary McD. “The ‘Hub of Empire’: the Caribbean and Britain in the Seventeenth Century”
in: CANNY, Nicholas (ed.). The Origins of Empire: British Overseas Enterprise to the Close of the Seventeenth
Century. Vol. I de LOUIS, Roger (ed.). The Oxford History of the British Empire. Oxford: Oxford UP, 1998, pp.
218-40; ROSS, Richard J. “Legal Communications and Imperial Governance: British North America and Spanish
America Compared,” in: TOMLINS, Christopher & GROSSBERG, Michael (eds.). Cambridge History of Law in
America, vol. I: Early America (1580-1815). Cambridge: Cambridge UP, 2008, pp. 114-8; STEELE, Ian. The
English Atlantic, 1675-1740: an exploration of communication and community. Oxford: Oxford UP, 1986.
290

exatamente pela maior diferenciação política entre conquistas e Coroa, em razão da crescente
complexificação da sociedade e administração americanas7.

Um interlocutor preferencial
O status de capital do Estado do Brasil, “como coração no meio do corpo” (capítulo I),
conferia à Câmara de Salvador considerável prestígio na relação com a Coroa, tanto na
perspectiva dos camaristas quanto do centro político. Sua posição destacada manifestava-se em
momentos excepcionais, como quando da Aclamação de D. João IV: imediatamente após o
recebimento da notícia da Restauração em 15 de fevereiro de 1641, foram enviadas cartas para
as “Capitanias do Sul” conclamando-as a aderirem à Restauração portuguesa, antes mesmo da
resposta enviada ao monarca – reproduzindo, sem saber, o que a Câmara do Porto havia feito
dois meses antes no Norte de Portugal8:

pedimos a Vossas Mercês com a confiança de ser esta terra Cabeça deste Estado que sigamos o
mesmo estilo que no Reino se usou, sendo tão geral a conformidade e conhecimento do Rei no que
em nenhuma parte foi necessária violência para com isto ter todo este Estado merecimento e
confiança para esperar d’El-Rey nosso as mercês que de sua grandeza e amor paternal de
verdadeiro Rei e Senhor nos assegura 9.
Entretanto, não há um esforço continuado da Câmara de Salvador de representar o o
Estado do Brasil: seu status de “cabeça” é invocado principalmente como argumento para
justificar a demanda por privilégios. Um exemplo desta estratégia discursiva pode ser visto
quando os camaristas pediram os privilégios da Cidade do Porto, já concedidos a São Luís do
Maranhão, sendo “justo que os tenha também a Câmara da Bahia, como a cabeça de todo o
Estado do Brasil”10; outro quando requerem, em 1673, a mudança de seu lugar nas cortes para
o mais prestigioso primeiro banco, onde Goa já estava localizada11. Embora o Conselho

7
Norbert Elias transpôs a noção de interdependência, presente desde o século XIX na sociologia funcionalista para
destacar a importância da divisão do trabalho na coesão, para a discussão sobre a formação do Estado ao afirmar
que a intensificação das interações entre regiões e grupos sociais gerava uma dependência mútua, surgindo daí a
necessidade de um poder estatal para regular essas relações cada vez mais complexas. Seu interesse reside
principalmente em destacar a importância de expandir a análise do poder para além do centro político, ao mesmo
tempo em que evidencia a necessidade de pensar o local em relação com o todo mais amplo. Cf. ELIAS, Norbert.
A sociedade de Corte (trad.). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001 [1969], pp. 38, 45, 56, 93-5, 125-34 e 152-60; id.
O Processo Civilizador (trad.). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993 [1939], vol. 2: Formação do Estado e Civilização,
pp. 33-6, 50-6, 82-5, 98-107, 128-31, 157-81, 194-8 e 207-74. Ronald Raminelli tem utilizado repetidamente essa
noção para refletir sobre a relação entre a América Portuguesa e monarquia em Viagens Ultramarinas, pp. 17-176
e Nobrezas do Novo Mundo, pp. 25 e 71-82, no qual o emprega exatamente para compreender o significado da
comunicação política entre câmaras e a Coroa no Atlântico luso.
8
AC, vol. II, p. 9; CS, vol. I, pp. 13-4; SILVA, Francisco Ribeiro da. “A cidade do Porto e a Restauração”. Revista
da Faculdade de Letras, História, II série, vol. XI, 1994, pp. 193-4.
9
CS, vol. I, pp. 12-3.
10
AHU, Bahia, LF, cx. 10, doc. 1176.
11
CS, vol. I, pp. 118-9.
291

Ultramarino repetidamente louvasse a lealdade e os méritos dos vassalos baianos no serviço ao


monarca “à custa de suas vidas e fazendas”12, raramente enfatiza sua capitalidade13.
Mesmo assim, a eficácia dessa representação simbólica pode ser vista quando, após uma
representação de Frei Mateus de São Francisco em 1653 para que fosse concedido ao Estado
do Brasil representação nas Cortes, D. João IV resolve que “a cidade da Bahia, metrópole do
Estado do Brasil, pode mandar procuradores às Cortes”14. O que é mais notável é o fato de que
Frei Mateus (cujas boas relações com a elite soteropolitana são perceptíveis por uma carta de
1650, em que os camaristas o elogiam e pedem para que ele seja nomeado bispo do Brasil) 15
enfatizou em seu memorial os serviços de Pernambuco, sem mencionar a Bahia, mas foi esta a
escolhida, mesmo sem qualquer pedido nesse sentido por parte da Câmara – um relevante
indicador do reconhecimento régio de sua importância.
É de se destacar a singularidade dessa honraria. Salvador foi a segunda municipalidade
ultramarina a obter o direito de representação institucional num Parlamento europeu, após Goa,
capital do Estado da Índia, que obteve esta mercê em 1645 – quando o Procurador da Coroa
Tomé Pinheiro da Veiga já sugeriu que Salvador deveria representar o Brasil nas Cortes – e que
o título de “Senhor do Brasil” fosse acrescentado ao “nome real de Vossa Majestade” 16.
Décadas depois chegou a vez de São Luís, capital do Estado do Maranhão e Grão-Pará, por
iniciativa do centro político. A capitalidade constituiu-se, assim, no elemento unificador que
explica a concessão da representação em Cortes destas três cidades, para que estes Estados
pudessem ser representados através de suas cabeças17.
Na América hispânica, embora tenha havido discussões nesse sentido entre 1528 e 1635,
nada de efetivo ocorreu, tanto pela relutância régia em conceder poder de voto aos procuradores
americanos quanto pela resistência dos vassalos ultramarinos em concordar com as grandes
contribuições desejadas pelos Habsburgo18. Mesmo no caso do império britânico, onde se
constituiu um poderoso “lobby do açúcar” no Parlamento no século XVIII, este era resultado

12
AHU, cód. 16, fl. 104v, para citar um dentre muitos exemplos.
13
Embora o faça uma vez para demandar que contribuísse para a defesa de outras capitanias, “porque como cabeça
daquele corpo deve acudir às mais partes dele”: DH, vol. 89, p. 264.
14
AHU, Bahia, LF, cx. 12, doc. 1527.
15
CS, vol. I, pp. 28-9.
16
AHU, Bahia, LF, cx. 10, doc. 1177. Sobre a capitalidade de Goa e as discussões políticas sobre sua importância
e mudança de capital, cf. SANTOS, Catarina Madeira. “Entre Velha Goa e Panguim: a capital do Estado da Índia
e as reformulações da política ultramarina”. Revista Militar, vol. 51, 1999, pp. 119-57.
17
CARDIM, Pedro. “The representatives of Asian and American cities at the Cortes of Portugal” in: id.; HERZOG,
Tamar; RUIZ IBAÑEZ, José Javier & SABATINI, Gaetano (eds.). Polycentric Monarchies: how did early modern
Spain and Portugal achieve and maintain a global hegemony? Eastbourne: Sussex Academic Press, 2012, pp. 43-
53.
18
LOHMANN VILLENA, Guillermo. “Notas sobre la presencia de la Nueva España en las Cortes metropolitanas
y de Cortes en la Nueva España en los siglos XVI y XVII”. História Mexicana, vol. 39, n. 1, 1989, pp. 33-40.
292

de proprietários caribenhos absenteístas que, graças à imensa fortuna acumulada nas ilhas,
retiravam-se para a Inglaterra e assumiam um estilo de vida aristocrático, construindo
imponentes mansões no campo e fazendo-se eleger como membros do Parlamento (em 1765,
haveria mais de quarenta, representando as principais famílias das “Índias Ocidentais”) 19. Não
havia, portanto, uma representação institucional desses territórios no Parlamento britânico.
Reforça-se, assim, a excepcional importância do império dentro da arquitetura política
lusitana, como explicitou Matias de Albuquerque em arbítrio de 1642: “que esta Monarquia
consiste das costas da Guiné em África, das do Brasil na América, e das da Índia na Ásia, a
experiência o mostra, a grandeza passada o diz e o desfalecimento presente o prova” 20. Ao
mesmo tempo, evidencia-se o papel de destaque exercido por Salvador (apesar da
subalternidade implícita em ser um território novo, conquistado e ultramarino21).
O pertencimento de Salvador à monarquia portuguesa também se reiterava de outras
formas. Antes mesmo de receber o privilégio de representação em Cortes, o Senado manteve
procuradores em Lisboa, especialmente após a Restauração22, situação que se perpetuou ao
longo da maior parte do século. Dessa maneira, a relação entre Coroa e conquista também podia
ser personalizada através da presença desse agente na Corte. Encontrei 35 referências
detalhadas a representações dos procuradores entre 1645-93 – 26 delas entre 1663-71, quando
João de Gois de Araújo e José Moreira de Azevedo ocuparam o cargo (capítulo VI).
Considerando, porém, o envio de 40 cartas da municipalidade para seus procuradores na capital
do império a partir de 1658 (e certamente muitas outras, já desaparecidas), pedindo em quase
todos os anos que esses procuradores atendessem aos seus requerimentos junto ao Conselho
Ultramarino, assim como o fato de que diversas cartas régias se referissem à atuação do
procurador como causa imediata da ação monárquica (em um caso, sendo capaz de reverter
uma decisão tomada menos de quatro meses antes23), creio que sua atuação foi muito relevante
na comunicação política ao longo de toda a segunda metade do seiscentos. É possível observar

19
Para uma síntese recente, cf. PARKER, Matthew. The Sugar Barons: Family, Corruption, Empire and War in
the West Indies. Londres: Hutchinson, 2011, pp. 296-310.
20
BNL, cód. 1555, fls. 142-3.
21
CARDIM, Pedro & MIRANDA, Susana Münch. “Virreyes y gobernadores de las posesiones portuguesas en el
Atlántico y en el Índico (siglos XVI-XVII)” in: CARDIM, Pedro & PALOS, Juan-Luis (eds.). El mundo de los
virreyes en las monarquias de España y Portugal. Madrid/Frankfurt: Iberoamericana/Vervuert, 2012, pp. 175-
202.
22
AC, vol. I, p. 368 e vol. II, pp. 28-30.
23
Sobre o aumento do salário do síndico do Senado. Cf. AHMS, PR, vol. 3, fls. 96 e 98. Para um estudo muito
mais detalhado sobre os procuradores, porém, veja-se CARDIM, Pedro & KRAUSE, Thiago. “A comunicação
entre a Câmara de Salvador e os seus procuradores em Lisboa durante a segunda metade do século XVII” in:
MARQUES, Guida; SOUZA, Evergton Sales & SILVA, Hugo Ribeiro da (orgs.). Salvador da Bahia: Retratos
duma cidade atlântica (século XVII-XIX). Lisboa/Salvador: CHAM/UFBA, 2015, no prelo.
293

nas cartas aos procuradores indícios de sua importância. Em 26 de maio de 1682, por exemplo,
os camaristas escreveram ao Capitão Manoel de Carvalho:

As cartas e provisões de Sua Alteza se entregaram neste Senado e rendemos a vossa mercê
as graças do particular cuidado com que assiste aos negócios deles, de que nos achamos
tão obrigados como vossa mercê experimentará nas ocasiões que for servido dar-nos de seu
serviço. Ao Capitão Domingos Martins Pereira, procurador de Vossa Alteza, digo de vossa
mercê, entregamos duzentos mil réis a conta de ordenado, e não do que lhe devemos24.
Ainda mais difíceis de discernir são os laços clientelares. Sua importância é
significativa, mas só pode ser inferida através de algumas cartas sobreviventes. O próprio
Capitão Manuel Carvalho foi escolhido em razão de sua inserção em uma rede clientelar, como
é explicitado na primeira carta do Senado que lhe é enviada, em 24 de julho de 1680:

O secretário André Lopes de Lavre se mostra tão amante desta cidade que ao mesmo tempo
que nos inculcou o desamparo de seus negócios nos ensinou também a grande capacidade
de vossa mercê para eles tem, o que se ajuntou à boa informação que nosso procurador
Domingos Dantas de Araújo nos deu, com o que resolvemos a remeter a vossa mercê
procuração para que a pessoa de vossa mercê represente este Senado25.
O rico fidalgo Lopes de Lavre, secretário do Conselho Ultramarino26, revela-se, assim,
uma figura fundamental para a comunicação entre a elite baiana e a Corte, como pode ser
percebido no trecho final de uma carta que os camaristas enviaram ao secretário: “conhecerá
este Estado que todos os provimentos que em seus particulares conseguir os deve ao patrocínio
de vossa mercê”27. Outros a receber correspondência da Câmara foram os presidentes do
Conselho Ultramarino Conde de Odemira e Duque de Cadaval, e delas fica a impressão que
este tipo de missiva não era extraordinário. A Odemira, por exemplo, os camaristas pedem que
lhes “faça mercê como costuma”28. Antigos governadores também podiam ter seu patrocínio
requisitado, como no caso de Roque da Costa Barreto29. Um elo fundamental na constituição
dessas redes era o próprio procurador, sendo pedido a ele que se encontrasse pessoalmente com
figuras de importância para melhor representar os interesses da Câmara30. É possível que o
Padre Antônio Vieira também tenha contribuído de alguma forma para a inserção da

24
CS, II, pp. 110-1.
25
CS, II, pp. 91; cf. também pp. 117-20.
26
BICALHO, Fernanda. “Ascensão e queda dos Lopes de Lavre: secretários do Conselho Ultramarino” in:
MONTEIRO, Rodrigo Bentes; FEITLER, Bruno; CALAINHO, Daniela Buono & FLORES, Jorge. (Orgs.). Raízes
do Privilégio: mobilidade social no mundo ibérico do Antigo Regime. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011,
pp. 283-304.
27
CS, II, pp. 91-2; cf. também p. 96.
28
CS, vol. I, pp. 70-1 e CS, vol. IV, pp. 59-60.
29
CS, vol. II, p. 114.
30
Cf. CS, vol. II, pp. 95-7: “para que vossa mercê ampare esta causa como nossa, e peça ao secretário André Lopes
a favoreça”; pp. 106-7: “se aviste vossa mercê com o Procurador Geral dos Reverendos Padres da Companhia
nessa Corte, o Padre Francisco de Matos, que ele dará a informação mui adequada”; pp. 110-1: “O negócio das
religiosas com o patrocínio de vossa mercê esperamos tenha bom sucesso ao senhor Arcebispo, a quem vossa
mercê nos fará mercê de nossa parte visitar”;
294

municipalidade baiana nas redes cortesãs, em razão de suas boas relações com muitos homens
de destaque na Corte lisboeta – como os supracitados Cadaval e Costa Barreto.
Fica claro, assim, que o estudo da comunicação politica exige também o reconhecimento
da importância das redes clientelares na política do Antigo Regime, mesmo quando submersas
nas consultas aparentemente burocráticas dos conselhos superiores da monarquia. O
entrelaçamento característico da época moderna entre instituições e relações pessoais gerava
essa indistinção entre o que hoje classificamos como público e privado31. Infelizmente, porém,
não conheço fontes que permitam avançar muito por esse caminho.

“Temos escrito muitas e repetidas vezes a Vossa Majestade”


Apesar da sobrevivência de um relevante fundo documental no Arquivo Histórico
Municipal de Salvador, parcialmente publicado, o cartório da Câmara está longe de ser
completo, mostrando-se especialmente frágil para o período que vai até 1668. Da forma ainda
mais pronunciada, a documentação inventariada nas coleções avulsas do Conselho Ultramarino
sobre a Bahia também está repleta de lacunas. Tornou-se necessário, portanto, complementar a
pesquisa através de diversos fundos documentais para obter um panorama mais completo. O
exame dos livros de registro do Conselho Ultramarino, nomeadamente as consultas e cartas
régias, são essenciais, pois, se não garantem o acesso à totalidade da correspondência
produzida, ao menos permitem a coleta de praticamente toda a documentação considerada
relevante pelo centro político. Em acréscimo, 73 cartas foram recuperadas através de referências
em outros documentos (como consultas do Conselho Ultramarino que resumem cartas da
Câmara), embora os originais tenham se perdido. Ainda assim, é inevitável que vazios
continuem a existir, especialmente para a primeira metade do século, antes da fundação do
Conselho Ultramarino32. Em última instância, é preciso recorrer ao velho axioma da história
econômica: números falsos – ainda que não muito, espero – mas curvas verdadeiras33.
Cabe aqui um esclarecimento: pequena parcela da documentação produzida pela Coroa
e copiada no cartório da Câmara não foi classificada como comunicação política. Selecionei

31
NOVAIS, Fernando A. “Condições de privacidade na colônia” in: id. (coord.) & SOUZA, Laura de Mello e
(org.). História da Vida Privada, vol. 1: cotidiano e vida privada na América portuguesa. São Paulo: Companhia
das Letras, 1997, pp. 13-39.
32
Para uma discussão similar sobre duas Câmaras do Reino, cf. CUNHA, Mafalda Soares da & FARRICA, Fátima.
“Comunicação política em terras de jurisdição senhorial. Os casos de Faro e de Vila Viçosa (1641-1715)”. Revista
Portuguesa de História, tomo XLIV, 2013, pp. 296-300.
33
ALEXANDRE, Valentim. Os Sentidos do Império: questão nacional e questão colonial na crise do Antigo
Regime Português. Porto: Afrontamento, 1993, p. 20. Cf. SOBOUL, Albert. “Descrição e medida em história
social” in: A História Social: problemas, fontes e métodos. (trad.) Lisboa: Edição Cosmos, 1973 [1967], p. 34.
295

somente aquelas em que a própria Coroa ordena o registro nos livros do Senado, as que foram
produzidas em respostas a missivas da Câmara e as que tocavam diretamente à municipalidade.
Deixei de fora, assim, documentos rotineiros, como cartas patentes, e outros interessantes, como
uma carta ao Vice-Rei Marquês de Montalvão recriminando de forma duríssima os paulistas
em razão da escravização dos índios34. Tal procedimento se deve ao fato de que o registro na
Câmara nesses casos não foi intenção da Coroa, devendo-se à iniciativa de agentes locais.
Em acréscimo, talvez os próprios camaristas pudessem manipular os registros, com
destaque para a figura do escrivão, parte da elite e uma figura ativa do jogo político baiano,
como as desventuras de Rui de Carvalho Pinheiro estudadas no capítulo anterior deixam claro.
A manipulação também podia se dar através do “esquecimento” em registrar missivas régias
consideradas inconvenientes. Percebe-se, assim, que a constituição da memória administrativa
tinha significados políticos – o que se tornará ainda mais evidente quando notarmos a
capacidade de intervenção dos governadores-gerais na correspondência municipal.
Retornando aos números, encontrei 505 missivas da Câmara, numa média de 5 por ano
(mediana: 3.5). Já a Coroa, entre cartas, provisões e alvarás, escreveu 330 vezes, numa média
anual de 3.3 (mediana: 2). A distribuição temporal da correspondência é muito irregular, como
podemos perceber no gráfico abaixo, embora a tendência seja claramente de alta.

Gráfico I: número de cartas da Câmara e Coroa.


25

20

15

10

0
1600 1610 1620 1630 1640 1650 1660 1670 1680 1690 1700

-5

Câmara Coroa

34
AHMS, PR, vol. I, fls. 242-247.
296

Fontes: AC, vol. 2, pp. 9-13; CS, vols. 1-5; AHMS, PR, vols. 1-3 ; Cartas do Governo e Senado,
1642-8, fls. 116-119v e 259v-161v; CCLP, vols. 1, 3-4, 6 e 8-10; DH, vols. 33, 34, 66-8, 83 e 88-9;
AHU, códs. 13-7, 92, 275-6; Bahia, LF, cxs. 1-34; Avulsos, cxs. 1 e 2; Castro Almeida, cx. 1, docs. 2-
5; Brasil Geral, cx. 1, docs. 66 e 73; Rio de Janeiro, Castro Almeida, cx. 6, doc. 1147; IAN/TT, Corpo
Cronológico, mç. 15, ns. 104 e 107; Desembargo do Paço, Livro 7, fls. 126-126v e Livro 18, fl. 251;
Mesa da Consciência e Ordens, Livro 17, fls. 158-9; Manuscritos da Livraria, L. 1116; Chancelaria de
Felipe II, Ls. 32, fls. 36v-37 e 42, fls. 47v-48v; de Felipe III, L. 16, 210v-211; de D. João IV, L. 20, fls.
283v-284; de Afonso VI, L. 51, fls. 198v-199; de D. Pedro II, Ls. 36, fls. 81v-82 e 49, fl. 17v; AUC,
CCA; BPA, 51-V-48, fls. 50-53; 51-V-75, 22v-23; 51-VIII-18, 23v; 51-X-1, fls. 274-5; Biblioteca Geral
da Universidade de Coimbra, ms. 547, f. 107; Documentação Ultramarina Portuguesa, vol. IV. Lisboa:
Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1965, pp. 590-1 e 593-4.

Quadro 1: número de cartas da Câmara e Coroa.


Período Câmara Média/Mediana Coroa Média/Mediana
1601-40 21 0.5/0 26 0.6/0
1641-56 71 4.4/4 41 2.6/2.5
1657-6/62 53 10.2/9.5 6 1/1
7/1662-67 62 11.8/11.5 42 7/4.5
1668-83 130 8.1/7 79 4.9/5
1684-1700 168 9.9/11 136 8/7
Total 505 5/3.5 330 3.3/2
Fontes: ver Gráfico 1.

A correspondência da Câmara antes de 1640 é fragmentada e incompleta, impedindo


uma análise sistemática. Desse modo, privilegiarei o período pós-Restauração, avançando até
o final do século XVII. A impressão que fica é a da rarefação da comunicação direta entre a
municipalidade e o centro político, especialmente se compararmos com os períodos posteriores.
Entre 1625 e 1641, só consegui localizar uma carta da Monarquia Hispânica diretamente para
a Câmara de Salvador, e mesmo esta era parte de um último (e inútil) esforço para evitar a
adesão das conquistas à Restauração Portuguesa, meses depois da aclamação de D. João IV em
Salvador e quando há muito já se desistira de esforços semelhantes no Reino35. Não quero dizer

35
Documentação Ultramarina Portuguesa, vol. IV. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1965, pp.
590-1 e 593-4, junto com cartas para o Bispo e para o Vice-rei (pp. 588-94). Os últimos despachos de Felipe IV
para seus vassalos portugueses deram-se muito antes, em 15 de dezembro de 1640, para o Porto: VALLADARES,
Rafael. A Independência de Portugal: Guerra e Restauração, 1640-1680 (trad.). Lisboa: Esfera dos Livros, 2006
[1998], p. 47.
297

que os Felipes negligenciassem o império português ou que o Senado não possuía importância:
antes, o governador era o interlocutor privilegiado pela monarquia, exercendo um importante
papel de negociação e constante diálogo com a municipalidade, como vimos no capítulo V.
Para o restante do século, foram utilizadas as balizas cronológicas da monarquia
portuguesa, considerando-se que os reinados e as regências representam conjunturas políticas
específicas, úteis para compreendermos o funcionamento da comunicação política. O governo
de D. João IV caracterizou-se pela incerteza quanto à sobrevivência da nova dinastia, mas
também por significativas reformulações na estrutura polissinodal lusitana, notavelmente a
criação do Conselho Ultramarino, principal interlocutor das conquistas36.
A Restauração foi um período decisivo para a manutenção do Atlântico Português,
assistindo ao auge e posterior derrubada do domínio neerlandês, com a recuperação do Norte
do Brasil e de Angola. Destaca-se aqui o aumento significativo de cartas régias, após seis anos
sem missivas para a Câmara, mas, principalmente, a multiplicação da correspondência ativa da
municipalidade, que viu a Aclamação brigantina como um momento propício para pedir mercês
e, depois, contou com a atenção do recém-criado Conselho Ultramarino para fazer uma série de
demandas e reclamações, possivelmente reprimidas pela fragilidade da comunicação nos
últimos anos do governo de Felipe IV. O surgimento de um tribunal específico que centralizaria
praticamente toda a comunicação com as Câmaras e, em geral seria simpático a suas
reivindicações parece ter dado, portanto, um significativo impulso à comunicação política,
integrando as conquistas mais fortemente à monarquia – processo similar ao que ocorrera nas
possessões italianas dos Felipes com a criação do Consejo de Italia, na década de 156037.
Entretanto, após um período excepcionalmente ativo de comunicação com Salvador entre 1641-
6, há uma queda: talvez se sentisse que as questões mais urgentes já tivessem sido resolvidas e
já se demonstrara, como no Reino, que a dinastia brigantina era distinta dos Habsburgo ao
comunicar-se a seus vassalos38, permitindo que se privilegiasse a defesa nas fronteiras com
Castela e outras questões urgentes do ultramar, como as reconquistas de Angola e Pernambuco
e a instituição da Companhia-Geral de Comércio.
A regência de D. Luísa de Gusmão, prolongada devido à instabilidade do jovem D.
Afonso, viveu momentos de tensão tanto em razão de disputas políticas internas da Corte

36
BARROS, Edval de Souza. “Negócios de Tanta Importância”: o Conselho Ultramarino e a disputa pela
condução da guerra no Atlântico e no Índico (1643-1661). Tese de Doutorado. Rio de Janeiro: PPGHIS/UFRJ,
2004 (há edição portuguesa, a qual infelizmente não pude consultar).
37
SABATINI, Gaetano. “El espacio italiano de la Monarquía: distintos caminhos hacia una sola integración” in:
MÁZIN, Óscar & RUIZ IBAÑEZ, José Javier (orgs.), Las Indias Occidentales: Procesos de incorporación
territorial a las Monarquías Ibéricas. Cidade do México: El Colegio de México, 2013, pp. 155-80.
38
CARDIM, Pedro. Cortes e Cultura Política no Portugal do Antigo Regime. Lisboa: Cosmos, 1998, p. 162.
298

lisboeta quanto das ameaças externas das Províncias Unidas dos Países Baixos e da Monarquia
Hispânica – para além das difíceis negociações diplomáticas com França, Inglaterra e a Santa
Sé39. No tocante à comunicação política com Salvador, a tendência de alta se manteve para as
cartas da municipalidade, atingindo o nível que, com algumas oscilações, mantiveram até o
final do século: considerando a simultaneidade dos processos, é difícil não enxergar alguma
correlação entre esse desenvolvimento e a consolidação da elite política baiana, cada vez mais
concentrada num reduzido número de famílias, confiantes em seu poder e autoridade e
acostumadas a dialogar com os governadores (capítulos III e VI). A Coroa, porém, pouca
atenção deu à Câmara, mais preocupada com as disputas políticas na própria Corte, ensejando
uma clara distinção entre as duas curvas, desenvolvimento que já vinha se manifestando desde
1651, pois enquanto as cartas do Senado se multiplicavam, as da Coroa permaneceram estáveis
no final do governo de D. João IV, para reduzir-se a níveis quase irrisórios durante a regência.
A tomada de poder pelo jovem rei D. Afonso VI em meados de 1662 e a posterior
ascensão do Conde de Castelo Melhor a um papel central na Corte trouxeram transformações
para o governo da monarquia, concentrando poder para fazer frente ao desafio da intensificação
da guerra contra os castelhanos. As ligações de membros destacados da nova facção no poder
com o Brasil (como o próprio valido, cujo pai fora governador-geral entre 1650-4, e o Conde
de Atouguia, que lhe sucedeu no triênio seguinte) garantiram à América uma atenção especial,
representada não somente pelo envio do Conde de Óbidos como vice-rei, mas também pela
elevação a níveis inauditos do número de cartas régias enviadas para a Câmara soteropolitana,
demonstrando os efeitos políticos da viragem atlântica do império40.
Como após a Aclamação do primeiro Bragança um quarto de século antes, a chegada ao
poder de D. Pedro representou um momento de esperança de que as coisas poderiam mudar em
favor dos vassalos baianos. Provavelmente tratava-se mais de retórica, já que a Câmara estava
dominada por aliados do Conde de Óbidos, como vimos no capítulo anterior, mas a citação vale
exatamente pela tentativa de demonstração de lealdade ao novo regime:

Até agora cuidamos que o não se nos deferir era nossa desgraça e falta de conhecimento de que
[d]os mais povos de que se compõem a monarquia de Vossa Alteza, era este o que com razão
podia, se não preferir, ao menos igualando, mais amante e fiel; porém agora que Vossa Alteza
tem sobre seus ombros o governo desse Reino e com tanta atenção se mostra igualmente pai e
Senhor de seus vassalos, com muita razão esperamos vencer aquela desgraça, e que de sua
grandeza mande deferir a todos os requerimentos (...) para que assim tenhamos entendido que
com a obrigação de vassalos gozemos também o amor de filhos41.

39
Id. & XAVIER, Ângela Barreto. D. Afonso VI. Lisboa: Círculo de Leitores, 2008 [2006], 2ª ed., pp. 87-130.
40
XAVIER & CARDIM, D. Afonso VI, pp. 170-205.
41
CS, vol. I, p. 82.
299

Como era de se imaginar, nada do gênero ocorreu, embora sob D. Pedro os ritmos da
comunicação política tenham se estabilizado. O número médio de cartas diminuiu um tanto,
mas em compensação estas se tornaram mais regulares. Mais interessante, as duas curvas
aproximaram-se, o que indica um reforço do diálogo: cada vez mais as cartas referiam-se a
missivas passadas, respondendo-as em vez de simplesmente ignorá-las. Após a coroação de D.
Pedro em 1683, ocorreu uma nova intensificação da comunicação política, atingindo, no caso
das cartas régias, os níveis mais altos do século, seguindo uma tendência que se esboçava desde
1677, quando o poder do regente já se estabilizara, após os turbulentos sete anos iniciais, quando
sempre se temia ação dos “afonsistas”, partidários do rei deposto42. A comunicação por parte
do Senado, por sua vez, também cresceu, aproximando-se do pico de 1662-7, só que agora de
forma mais sustentada e duradoura.
Em termos gerais, o período brigantino primou por uma comunicação com a Câmara
muito mais intensa que durante os Felipes, ainda que as conjunturas cortesãs tenham afetado a
atenção dispendida à Bahia. Em acréscimo, a comparação com os dados obtidos pelo projeto
internacional “A comunicação política na monarquia pluricontinental portuguesa” e reunidos
na base COMPOL indica que Salvador recebeu consideravelmente mais atenção do centro do
que a maioria da Câmaras de Portugal continental: enquanto a Coroa enviou 304 cartas entre
1640-1700 para o Senado soteropolitano, Viana recebeu 169, Faro 196 e Vila Viçosa 253. A
exceção foi Évora, a segunda ou terceira municipalidade de Portugal, com 719. Ainda que mais
estudos sejam necessários para hierarquizar precisamente as vilas e cidades de acordo com a
atenção que lhes dava a Coroa, Salvador provavelmente só estava abaixo das mais prestigiosas
urbes do Reino, como Évora e Porto, demonstrando capacidade de interlocução com a Coroa
comparável à que era habitual em qualquer “grande” câmara do território europeu da
monarquia43. Considerando-se apenas os recursos geridos por essas municipalidades, é possível
compreender essa aproximação: enquanto a Câmara do Porto manejava anualmente algo em
torno de 12 contos de réis44, a municipalidade baiana lidava com somas em torno de 40 contos,
por causa do donativo de dote e paz e do sustento da infantaria, como vimos no capítulo anterior.
Já a comparação com a base de dados Ius Lusitaniae, que sistematiza parte da produção

42
CARDIM, Pedro & MARTÍN MARCOS, David. “Atracción y separación. Portugal y la Monarquía de Carlos
II” in: GARCÍA, Bernardo & ALVAREZ-OSSORIO, António (eds.). Vísperas de la Sucesión. Europa y la
Monarquía de Carlos II. Madrid: Fundación Carlos de Amberes, 2015, pp. 209-25.
43
Para uma excelente visão geral, veja-se RAMINELLI, Ronald; MONTEIRO, Nuno & RODRIGUES, José
Damião. “Poder político das Câmaras” in: FRAGOSO, João & MONTEIRO, Nuno (orgs.). A comunicação
política na monarquia pluricontinental portuguesa (no prelo).
44
VALENTE, Patricia Costa. Administrar, Registar, Fiscalizar, Gastar: as despesas municipais do Porto após a
Guerra da Restauração (1668-96). Dissertação de Mestrado. Porto, UP, 2008, p. 86.
300

legislativa da monarquia, sugere que o incremento da comunicação da Coroa com a Câmara


baiana deu-se de forma radicalmente oposta ao movimento verificado na emissão de normas
gerais, onde o período filipino foi marcado por uma excepcional produção legislativa que caiu
fortemente entre 1641-68 e novamente no restante da centúria45. Sendo esse o caso, o
crescimento da comunicação política com a Bahia pode ter representado uma elevação ainda
mais significativa em termos proporcionais.
Entretanto, diferentemente do que ocorre nas câmaras europeias, leis sem relação direta
com a localidade nunca são enviadas à Salvador (e o mesmo parece ser verdade para as demais
câmaras do Império, a se julgar pelos livros de cartas régias do Conselho Ultramarino46).
Algumas foram inscritas nos Livros da Relação da Bahia, mas, para além de seu número
reduzido, a maioria delas trata do funcionamento da justiça, e quase todas datam do final do
século XVI e início do século XVII, tendo sido registradas no contexto da fundação da Relação,
em 1609. Após essas leis, que acompanharam o Tribunal em sua travessia do Atlântico,
geralmente se seguiram apenas determinações específicas para a Bahia e o Estado do Brasil47.
Mesmo no Reino, porém, a monarquia difundia suas leis de forma desigual, enviando a
cada municipalidade o que se considerava mais relevante para suas características, de modo que
mesmo no Reino a taxa de registro das leis régias é reduzida48. As conquistas se constituíram
num caso extremo dessa especialização geográfica de leis supostamente gerais, provavelmente
por um reconhecimento implícito de que suas condições sociais, políticas e econômicas
específicas tornavam praticamente inútil a legislação geral. Da mesma maneira, não estão
incluídas em minha conta em Salvador patentes e provimentos de ofício, muito presentes na
urbe eborense. Assim, a larga maioria da correspondência ativa da Coroa aqui analisada foi
produzida especificamente para o caso baiana. Uma quantificação mais precisa exigiria uma
análise detalhada da base COMPOL, de modo a enumerar quantas cartas foram produzidas
especificamente para cada localidade, e aí compará-las com Salvador. É provável que, se isso
fosse feito, o destaque da capital do Estado do Brasil frente às municipalidades portuguesa seria
ainda mais amplo, diminuindo a vantagem de Évora.
Outra especificidade ultramarina reside na presença dos governadores-gerais. O número
de cartas escritas pela Câmara era menor do que o montante enviado ao monarca pelos
governadores-gerais, a se julgar por Câmara Coutinho, que escreveu 222 cartas ao monarca

45
CARDIM, Pedro & BALTAZAR, Miguel. “A difusão da legislação (1621-1808)” in: FRAGOSO &
MONTEIRO (orgs.), A comunicação política.
46
AHU, códs. 245 e 275-6, cobrindo os períodos entre 1644 e 1727.
47
Cf. ANRJ, códs. 537-41.
48
CUNHA & FARRICA, “Comunicação política”, p. 303 e CARDIM & BALTAZAR, “A difusão da legislação”.
301

entre 1691 e 169349, muito mais do que as 26 missivas da municipalidade nesses três anos. O
almotacé-mor foi excepcionalmente prolífico, mas, se pensarmos em Francisco Barreto, que
enviou 100 cartas em 1657-6250 – significativamente mais que as 57 da Câmara no mesmo
período – vemos que essa desproporção se repetiu ao longo de todo o século, mesmo que em
menor escala. A comunicação com o monarca era uma das funções fundamentais dos
governadores, recebendo uma ênfase crescente em seus regimentos desde finais do século XVI,
no início do período filipino51. O governador-geral agia como um informante do monarca, em
grande parte respondendo às solicitações do centro político – muitas vezes ligadas a pedidos de
cargos dos vassalos americanos, e se constituía em um interlocutor muito mais constante da
Coroa do que a Câmaras – o que já denota a importância desses oficiais no jogo político
ultramarino, apesar de sua transitoriedade no governo. Assim, também do ponto de vista da
comunicação os dois pilares da monarquia portuguesa no Atlântico eram os governadores e as
Câmaras, pois através deles o centro político recebia a maior parte das informações essenciais
para a governança de seu império marítimo52.
Os diferentes fluxos de comunicação que cruzavam o Atlântico não eram estanques,
mas sim profundamente entrelaçados, pois o governador podia atuar como um intermediário
fundamental, em razão de seu conhecimento local53. Em 18% das cartas do Senado, por
exemplo, os camaristas fazem referência ao governador-geral, geralmente quando os assuntos
tratados eram mais importantes e delicados, do modo que este surge como o principal
interlocutor do poder local. Por outro lado, a própria Coroa eventualmente escrevia ao
governador, pedindo que este fizesse registrar sua missiva nos livros da Câmara54. Este, por sua
vez, como vimos nos capítulos anteriores, não raro emprestava sua voz a uma demanda das
elites locais, como foi o caso do pedido para fundação de um convento (capítulo III) e das
muitas cartas destacando a pesada carga fiscal suportada pelos vassalos e os períodos de crise

49
SANTOS, Marília. Escrevendo cartas, governando o império: a correspondência de Antônio Luís Gonçalves da
Câmara Coutinho no governo-geral do Brasil (1691-1693). Dissertação de Mestrado. Niterói: PPGH/UFF, 2007,
pp. 121-5.
50
MENDES, Caroline Garcia. A circulação e a escrita de cartas do governador-geral do Estado do Brasil
Francisco Barreto (1657-1663). Dissertação de Mestrado. Campinas: PPGH/UNICAMP, 2013, p. 76. No século
XVIII, os governadores das colônias francesas se comunicavam em escala similar com Paris: BANKS, CHasing
empire, pp. 51-2 e 209-10.
51
SANTOS, Marília. “O império na ponta da pena: Cartas e regimentos dos governadores-gerais do Brasil”.
Tempo, vol. 27, 2009, pp. 1-15.
52
No Reino, o governador e capitão-general do Reino do Algarve exerce papel similar: CUNHA & FARRICA,
“Comunicação política”, pp. 302-4.
53
BRENDECKE, Império e información, pp. 294-305 e BANKS, Chasing Empire, pp. 187-94.
54
AHMS, PR, vol. II, fls. 28-29, 80v-82, 199-199v, 214-215 e 215-216.
302

econômica. Em acréscimo, as cartas do monarca podiam ser mostradas pelo governador-geral


ao Senado como forma de reforçar a sua posição em um assunto específico.
O triângulo comunicacional evidencia-se também quando notamos ser bastante usual
que uma carta do Senado ensejasse uma missiva régia ao governador, como, para escolher
apenas o exemplo mais curioso, no caso de uma reclamação feita contra os negros feiticeiros
que matavam muitos escravos sem confissão, gerando uma recomendação da Coroa para que
Furtado de Mendonça ordenasse diligências pelo Recôncavo para devassar estes crimes55.
O centro político almejava essa forte interação, recomendando sempre aos camaristas
que tivessem com o governador “toda a boa correspondência que convém, fazendo-lhe as
lembranças de meu serviço e bem comum que vos parecerem necessárias, procedendo nisto e
em tudo o mais com a autoridade e respeito devido a sua pessoa e lugar” 56. Como o monarca
desejava uma cooperação entre esses dois pilares, pois somente através deles era possível
governar à distância, o papel fiscalizador da Câmara estava implícito, podendo mesmo tornar-
se explícito em alguns momentos, como quando foi ordenado aos camaristas que informassem
sobre o cumprimento da ordem que proibiu os governadores e mais ministros de participarem
do comércio57. No geral, porém – como é possível imaginar a partir dos capítulos anteriores –
o que predominou foi uma certa afinação nos discursos.

O Que Escrever Quer Dizer: temas da correspondência camarária


Quais eram os temas da comunicação política? Quase todas as missivas da
municipalidade demandavam algo considerado de interesse do “povo” da capitania. São, assim,
majoritariamente requerimentos, distinguindo-se, portanto, da correspondência produzida pelos
governadores. Através das missivas, “o sujeito coletivo [a Câmara] que as enuncia afirma
subordinar seu lugar institucional ao lugar do destinatário, o rei, reiterando a vassalagem; e
negocia com ele, para persuadi-lo da verdade dos enunciados como adequação ao ‘bem
comum’”58. Para a municipalidade, a comunicação com a Coroa era um privilégio, não um
dever, e fazia-se de acordo com os interesses locais. A Coroa, por sua vez, geralmente informa,
agracia ou requer algo de seus vassalos, muitas vezes em resposta a iniciativas da Câmara.

55
CS, vol. I, pp. 102-3; DH, vol. 67, pp. 132-3.
56
AHMS, PR, vol. II, fls. 94-94v; ver também 35-35v, 143v-144 e 198v-199, dentre outras.
57
AHMS, PR, vol. II, fls. 162-163.
58
HANSEN, João Adolfo. “Representações da Cidade de Salvador no Século XVII”, 2010. Disponível em:
http://sibila.com.br/mapa-da-lingua/representacoes-da-cidade-de-salvador-no-seculo-xvii/3343, acessado pela
última vez em 19/02/2015.
303

Para refletirmos sobre a correspondência, é necessário construir uma tipologia, de modo


a perceber regularidades e questões comuns que perpassam nossas centenas de cartas, ao longo
de quase um século. Cabe notar que muitas missivas tratam de mais de uma temática, de modo
que a soma das porcentagens é maior do que 100%. Não deve se esquecer, claro, que “uma
tipologia com essas características é quase sempre redutora, sobretudo porque jamais reflecte
fielmente a vasta gama de assuntos evocados”, mas penso que as 15 categorias abaixo
expressam adequadamente os elementos mais importantes59.

Quadro 2: temáticas da comunicação política.


Tema Descrição Câmara Coroa
Donativos Tributos administrados pela Câmara. 159 (31%) 75 (23%)
Administração Convívio com a administração periférica da 118 (23%) 80 (24%)
Coroa. Inclui desde boas-vindas ao Governador a
conflitos de jurisdição com esses oficiais.
Comércio Crédito, moeda e frotas. 83 (16%) 37 (11%)
Atlântico
Militar Guerra, defesa e manutenção de tropas. 67 (13%) 45 (14%)
Funcionários, Nomeações e soldos de escrivães, síndicos, 61 (12%) 39 (12%)
bens e obras almotacéis e procuradores em Lisboa; prédios da
câmara, aforamentos e obras públicas.
Religião Cabido, bispo, ordens religiosas, mosteiro das 54 (11%) 30 (9%)
freiras e escolha do novo padroeiro da cidade.
Exportação Preço e regulação da produção de açúcar e 53 (10%) 23 (7%)
tabaco.
Festas Procissões organizadas pela Câmara. 32 (6%) 17 (5%)
Mercês Pedido de privilégios por parte da Câmara, como 35 (7%) 11 (3%)
de cidadão do Porto, primeiro banco em Cortes,
mosteiro de freiras e universidade.
Monarquia Situação política do império, incluindo guerras e 15 (3%) 19 (6%)
eventos vitais da família real.
Fiscalidade Tributos administrados pela fazenda real 14 (3%) 13 (4%)

59
CARDIM, Cortes e Cultura Política, pp. 150-1.
304

Economia Gêneros alimentares consumidos internamente: 8 (2%) 10 (3%)


Local mandioca, água, preços de artigos de
subsistência, comércio local, ofícios mecânicos.
Eleições Critérios para servir na Câmara. 9 (2%) 8 (2%)
Escravidão Quilombos, tráfico e controle dos cativos. 4 (1%) 4 (1%)
Outros 6 (1%) 5 (2%)

Gráfico 2: Distribuição temática dos assuntos (em %).


35

30

25

20

15

10 Câmara
5 Coroa

Fontes: ver Gráfico 1.

Percebe-se imediatamente a relevância da questão tributária na correspondência


camarária, assunto que aparece em um terço das missivas (34%, somando os donativos
administrados pela Câmara e a fiscalidade régia – essa, porém, pouquíssimo relevante, por estar
fora da jurisdição municipal). Mesmo nas Cortes de 1645, carregadas por novos impostos para
sustentar a guerra contra os castelhanos, as petições enviadas por municípios portugueses não
chegaram à metade dessa porcentagem60. Pouco após o envio da primeira carta com a notícia
da Aclamação do Duque de Bragança, o novo monarca enviou uma missiva informando que
suspendia “todos os tributos, estanques e contribuições que o Marquês de Montalvão depois de
haver entrado no governo de dito Estado lhe impôs e lançou de novo para que cessem, e se não

60
CARDIM, Cortes e Cultura Política, p. 153.
305

peçam nem cobrem mais”, com o intuito de que seus “vassalos moradores e assistentes no
Estado do Brasil conheçam e experimentem o cuidado com que estou de os aliviar e favorecer,
tendo por certo que o saberão merecer em meu serviço”61. Os camaristas agradeceram a mercê
imediatamente, “oferta natural da grandeza de Vossa Majestade”, em consideração aos
prejuízos causados à economia da capitania desde a invasão de 162462.
Em grande medida, as discussões sobre tributação no período pós-restauração são
oriundas dos últimos quinze anos da monarquia dual, quando se instituiu uma força militar
permanente e numerosa em Salvador, pois, para mantê-la, a Câmara ampliou seus poderes
fiscais. Devido ao caráter teoricamente voluntário dessas contribuições, ficava sob
responsabilidade do poder local, portanto, o dever eminentemente régio (como os edis
relembrariam em suas reclamações) da defesa da comunidade (capítulo V).
Já que a negociação fazia-se preferencialmente com os governadores-gerais, pouco se
escreveu ao monarca nos primeiros oito anos de governo brigantino sobre essa temática. Sua
principal aparição é como argumento para pedir mercês, inclusive a extinção do ofício de juiz
do peso, obtido por Bernardo Vieira Ravasco graças à recém-adquirida influência na Corte de
seu irmão, o Padre Antônio Vieira. Enfatiza-se, assim, em 1644 os gastos ordinários de 40.000
cruzados na defesa, para além de outros, extraordinários – longo avanço para uma Câmara que,
em 1626, reclamava de não ter sequer 500 cruzados de renda63! É interessante notar que ambas
as cartas foram escritas pouco após o recebimento de missivas em que D. João IV agradecia os
esforços de seus vassalos baianos, tendo recebido notícias de seu “amor e fidelidade” através
do governador-geral Antônio Teles da Silva64.
Especialmente a partir de 1649, a temática mais importante é a cobrança e valor dos
donativos administrados pela Câmara. A intensificação da comunicação política estimula o
recurso ao centro, oferecendo mais uma possibilidade de negociação para além dos
governadores, recurso este que se torna especialmente necessário em razão do surgimento de
questões que ultrapassavam as jurisdições dos corpos sediados em Salvador. O sistema de frotas
e os privilégios monopolistas concedidos à Companhia Geral de Comércio geraram muita
insatisfação, pois seus administradores e deputados recusavam-se a pagar o donativo do vinho

61
AHMS, PR, vol. I, fls. 271-271v.
62
CS, vol. I, pp. 14-6. Sobre a correspondência e a Restauração no Império, cf. FERREIRA, José Miguel de Moura.
A Restauração de 1640 e o Estado da Índia: agentes, espaços e dinâmicas. Dissertação de Mestrado. Lisboa:
FCSH/UNL, 2011, pp. 44-9.
63
AHMS, PR, vol. II, fls. 6v-8v e 9v-10; AHU, Bahia, LF, cx. 3, docs. 423-4.
64
AHMS, PR, vol. II, fls. 6-6v e 21v-22.
306

(um dos principais produtos importados)65, além de manipularem os preços dos produtos de
estanco e o comércio como um todo, em razão do seu controle sobre o transporte de mercadorias
pelo Atlântico. O argumento central dos oficiais camarários é que estas atitudes prejudicavam
a arrecadação, dificultando o pagamento dos soldados e oficiais militares. Esperavam ter, assim,
a atenção do centro político. Por que, porém, não foram capazes de resolver estes problemas
através da jurisdição ordinária dos seus juízes? Segundo carta de 10 de junho de 1651,

como nós somos privativos juízes das imposições e donativos desta Câmara, e o procedido
deles é Fazenda Real com que se acode ao sustento ordinário da infantaria e mais despesas
da guerra, sem haver outros efeitos com que poder acudir-lhe, tratamos de proceder na
execução como sempre fizemos antes e depois da Companhia. O que vendo o Ouvidor
deste Estado João Jácome do Lago passou uma carta no Real Nome de Vossa Majestade a
esta Câmara como juiz conservador dos Ministros da Companhia Geral (...) nesta cidade
(...) a qual mandava que de nenhuma maneira entendêssemos com os ditos administradores
nem tratássemos da cobrança66.
Fazia-se necessário demandar a intervenção régia porque a Câmara tinha sido bloqueada
por um membro da administração periférica e, principalmente, pelo próprio caráter
transatlântico do comércio realizado pela Companhia, saindo do escopo de controle da Câmara,
cuja capacidade de intervenção dava-se principalmente no mercado local. E aqui cabe notar o
comércio atlântico como o terceiro tema de maior destaque na correspondência camarária, em
razão de sua importância na vida da capitania e de sua elite.
Por outro lado, esta atitude justificava-se também pelo fato de o “procedido deles
[donativos ser] Fazenda Real”, evidência da interpenetração entre poder régio e municipal,
elemento repetidamente enfatizado tanto pelo poder local quanto pela administração periférica
da Coroa67. Embora o centro político reconhecesse as obrigações da Companhia de Comércio,
continuava a exigir que os camaristas a favorecessem e contivessem a insatisfação popular,
certamente deixando a elite local insatisfeita68.
Diversas temáticas se entrecruzavam numa mesma missiva – porque o faziam, em
verdade, na política da época moderna. Entretanto, continuaremos na fiscalidade, antes de
passarmos para outras questões. O exemplo da Companhia demonstra como era possível utilizar
privilégios para fugir do pagamento de tributos, e até 1658 os cavaleiros das ordens militares

65
O vinho também se constituía em produto fundamental na tributação no Reino e no restante da Europa,
exatamente por seu consumo generalizado. Cf. CARDOSO, António Barros. “Vinho e fiscalidade na Época
Moderna”. Douro – Estudos e Documentos, vol. I (3), 1997, pp. 71-83. Para as muitas cartas da Câmara sobre o
tema, cf. AHU, Bahia, LF, cx. 17, doc. 1952; cx. 18, docs. 2025 e 2081; cx. 19, doc. 2151; cx. 28, doc. 3412; cx.
32, doc. 4143; CS, vol. I, pp. 36-46, 88-9, 89-90, 92-4 e, 106-7; vol. II, pp. 3-4; vol. III, pp. 94-6.
66
CS, vol. I, pp. 40-6.
67
CS, vol. I, pp. 40-6. Cf. as outras cartas em AHU, Bahia, LF, cx. 12, doc. 1413 e cód. 15, fl. 251v; CS, vol. I,
pp. 23-5; 31-2, 36-40, 50-3, 57-8 e 99-100.
68
AHMS, PR, vol. II, fls. 29-30 e 30-30v. A exceção é uma provisão de 1667 para que todos os navios de guerra
da Companhia pagassem as contribuições: AHMS, PR, vol. II, fls. 102-103v.
307

foram exemplares nessa estratégia, embora não estivessem sozinhos69. A partir de então as
reclamações foram contra indivíduos, principalmente o polêmico senhor de engenho e
desembargador Cristóvão de Burgos, e contra as ricas ordens religiosas regulares70, temáticas
que vão perpassar a correspondência até a última década do seiscentos. Nesses momentos,
reafirmava-se a função do rei como árbitro, pois é a ele a quem o poder local recorria quando
os conflitos ultrapassavam a jurisdição da municipalidade, aproveitando a oportunidade para
coibir a extensão de privilégios que nada beneficiavam a Coroa, e dificultavam que a
municipalidade cumprisse as tarefas que lhe tinham sido delegadas pela Coroa, como o sustento
da infantaria e a cobrança do Donativo de Paz de Holanda e Dote da Rainha da Inglaterra71.
No terceiro quartel do século XVII, porém, a principal questão das cartas sobre a
fiscalidade administrada pela Câmara era o elevado custo de financiar o presídio. Apesar de a
Câmara carregar inteiramente esta obrigação, não exercia ingerência alguma na administração
militar, responsabilidade do governador, e apenas o monarca podia determinar reestruturações
na tropa. A própria temática militar, quarto tema mais comum, estava umbilicalmente ligada à
tributação72: a discussão era majoritariamente fiscal, pois raramente o poder municipal se
interessava pelos aspectos propriamente bélicos, pois estes estavam fora de sua jurisdição.
Assim, os oficiais camarários repetidamente pediram a reforma das tropas estacionadas em
Salvador. A diminuição dos oficiais constituía a principal demanda, pois seu excesso gerava
um imenso dispêndio a drenar os recursos baianos, totalizando em média de 50 a 60.000
cruzados por ano. Embora a Coroa tenha ouvido os apelos de seus vassalos e frequentemente
procurado aliviá-los através de reformações que diminuíam o número de oficiais73, não achou
necessário responder a nenhuma das cartas do Senado sobre o tema. Obviamente o diálogo
podia dar-se através de atos, não de palavras, e, neste como em outros casos, certamente aqueles
eram mais prezados do que estas. No final do século, embora a questão militar ainda estivesse
muito presente como argumento, ela perde um pouco de importância com a redução da tropa,

69
KRAUSE, Thiago. “Ordens Militares e Poder Local: elites coloniais, câmaras municipais e fiscalidade no Brasil
seiscentista” in: FRAGOSO, João & SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá de (orgs.), Monarquia Pluricontinental e a
governança da terra no ultramar atlântico luso: séculos XVI – XVIII. Rio de Janeiro: Mauad X, 2012, pp. 87-
111; CS, vol. I, pp. 35-6 e 63-5; AHU, LF, cx. 14, doc. 1642; cx. 15, doc. 1745 e Bahia, Avulsos, cx. 1, doc. 109.
70
SOUZA, Jorge Victor de Araújo. Para Além do Claustro: uma história social da inserção beneditina na América
Portuguesa, c. 1580 – c. 1690. Tese de Doutorado. Niterói: PPGH/UFF, 2011, pp. 58-76 e 169-224;
MAGALHÃES, Pablo Antônio Iglesias. Equus Rusus: a Igreja Católica e as Guerras Neerlandesas na Bahia (1624-
1654). Tese de Doutorado. Salvador: PPGH/UFBA, 2010, vol. I, pp. 296-347.
71
AHMS, PR, vol. II, fls. 45v-47, 70v-71v, 64v-66 e 75-75v.
72
Como também ocorria no Reino: FONSECA, Teresa. “The Municipal Administration in Elvas During
Portuguese Restoration War (1640-1668)”. e-Journal of Portuguese History, vol. 6, n. 2, 2008, pp. 3 e 13; SILVA,
“A cidade do Porto”, p. 213 e CUNHA & FARRICA, “Comunicação política”, p. 306-7.
73
AHU, cód. 15, fls. 14v-15; cód. 16, fls. 147-148; DH, vol. 67, pp. 109-10, dentre outros.
308

resultado das menores ameaças militares europeias após o fim da guerra de Restauração e da
assinatura definitiva da paz com os Países Baixos em 1669.
Se, como argumentei nos capítulos anteriores, o poder de tributação ganho pela Câmara
mostra-se muito significativo, já que a municipalidade passa a lidar com dezenas de milhares
de cruzados anualmente, também o são as obrigações dele decorrentes. Entretanto, esta
responsabilidade podia ser usada como argumento para se livrar de novas imposições, como no
caso do papel selado, quando os camaristas pediram sua extinção, “em consideração também
do serviço que este povo faz a Vossa Majestade no sustento do presídio sem a fazenda de Vossa
Majestade concorrer para o dito efeito em coisa alguma”74 – como, subentende-se, deveria fazê-
lo, por ser a defesa responsabilidade régia. A crítica implícita funcionava como um argumento
para rejeitar a adoção de novos tributos.
A partir de 1662, a aceitação do pagamento do donativo do dote da Rainha da Grã-
Bretanha e Paz de Holanda ampliou ainda mais as obrigações fiscais da Câmara, como vimos
no capítulo anterior. Com a necessidade de pagar mais 80.000 cruzados anuais, começam a se
multiplicar as afirmações da pobreza da Bahia, utilizada como argumento para pedir o alívio da
carga tributária. Em 12 de Agosto de 1666, por exemplo, a Câmara protestou

não ser possível (sem que pereçamos de todo) contribuirmos com mais de 40 mil cruzados
em cada um ano; e com ser a metade menos do que violentamente se nos distribuiu nos
parece impossível pela experiência [pagar 80 mil cruzados]. É conveniente ao serviço de
Vossa Majestade ser proporcionada a contribuição com a nossa possibilidade, porque deste
modo poderemos continuar no serviço de Vossa Majestade com o amor e a lealdade que
nossos corações desejam75.
Enfatiza-se aqui, como é recorrente nas cartas da Câmara, “o amor e a lealdade”76, mas
o donativo é apresentado como uma imposição violenta, capaz de arruinar a economia baiana,
especialmente justa porque parecia gravar mais pesadamente sobre a cabeça do Estado do
Brasil: “vem a pagar a Bahia 700 mil cruzados mais do que todas as outras capitanias do Estado
juntas”, no dizer do procurador em Lisboa João de Góis de Araújo77. Especialmente a partir da
década de 1670, multiplicam-se as reclamações contra o excesso de tributos e os pedidos para
sua diminuição (principalmente do donativo, mesmo esta contribuição tendo sido reduzida para
40.000 cruzados anuais após as representações da Câmara), sempre justificada pela redução da
produção açucareira da capitania. Entretanto, poucas reclamações foram tão incisivas quanto

74
AHU, Bahia, LF, cx. 16, doc. 1861; cf. também cx. 17, doc. 1900. O mesmo ocorreu no caso do tributo que o
Correio-mor pretendia introduzir: CS, vol. I, p. 87; vol. II, pp. 53-5.
75
AHU, LF, Bahia, cx. 19, doc. 2146, ênfase minha; cf. também docs. 2196, 2198 e 2220 e CS, vol. I, pp. 104-6.
76
Cf. FERREIRA, Letícia dos Santos. Amor, Sacrifício e Lealdade: o donativo para o casamento de Catarina de
Bragança e para a Paz de Holanda (Bahia, 1661-1725). Dissertação de Mestrado. Niterói, PPGH/UFF, 2010.
77
AHU, cód. 16, fls. 201v-205.
309

esta carta de 1666, quando a própria novidade do donativo o tornava especialmente incômodo78.
A maioria das contribuições das quais a Câmara reclamava originara-se como subsídios e
donativos voluntários entre 1620 e 1660, mas acabaram por se prolongar por um período muito
maior do que o esperado, tornando-se obrigações das quais a Câmara não conseguia escapar,
gerando ressentimentos – provavelmente reforçados pelas cobranças régias79.
Outras imposições foram colocadas sobre a Bahia, como uma contribuição para o Cais
de Viana em carta régia de 5 de dezembro de 1676, ao que a Câmara replicou, afirmando que
com “este novo tributo crescerão os apertos, com ruína total de todo o Estado [e] a diminuição
infalível das Rendas de Vossa Alteza, [que] antes já hoje padecem estes grandes detrimentos”.
O motivo seria a crise da produção açucareira, e apenas o aumento da população teria impedido
um declínio maior da arrecadação80. Apesar da argumentação dos camaristas, a Coroa
permaneceu irredutível, gerando mais um protesto em 24 de julho de 1680, também sem
sucesso, apesar das reclamações de que nada nesta obra beneficiaria Salvador81. Assim, a
Câmara reinterpretou sua própria posição, ignorando sua reticência anterior para afirmar em
carta de 12 de Agosto de 1688 que “se fez a este povo um lançamento para o cais de Viana de
quantia de dez mil cruzados, se consentiu nesta contribuição, tirando forças de fraquezas,
obrigados da ordem que veio de Vossa Majestade”82. Se o Senado acabou pagando o que devia,
os vários problemas que atrasaram o envio desta contribuição83 podem indicar que a Câmara
usou mecanismos protelatórios contra uma cobrança que via como descabida. Evitavam, assim,
a desobediência ao monarca, mas mantinham temporariamente o controle destes recursos,
utilizando-o, por exemplo, para pacificar os soldados amotinados em 1688 (capítulo VI).
Em 1690, possivelmente em razão do temor de invasões francesas84, ordenou-se que 8%
da arrecadação para sustento da infantaria (cerca de 4.000 cruzados) fosse utilizado na compra
de munições, prejudicando as já combalidas finanças municipais e obrigando ao lançamento de
mais uma finta para pagar a tropa. Já em 1694 impôs-se outra finta de 10.000 cruzados para o

78
CS, vol. I, pp. 114-5; vol. II, pp. 39-41, 44-8 e 121-2; vol. III, pp. 7-8, 17-20 (na qual a Câmara se refere à
“contribuição (...) se pediu a este povo e constrangido se obrigou a pagar”), 49-51; AHU, Bahia, LF, cx. 24, doc.
2841, dentre outros.
79
AHMS, PR, vol. 2, fls. 115v-116.
80
CS, vol. II, pp. 61-3.
81
CS, vol. II, pp. 86-7.
82
CS, vol. III, pp. 54-5.
83
CS, vol. III, pp. 91 e 99-100.
84
Cf. PUNTONI, Pedro. “O ‘mal do Estado brasílico’: a Bahia na crise final do século XVII” [2010] in: id. O
Estado do Brasil: poder e política na Bahia colonial (1548-1700). São Paulo: Alameda, 2013; também
VALLADARES, A independência de Portugal, pp. 341-3.
310

socorro da Colônia de Sacramento, a que a Câmara não se opôs, pedindo apenas ao monarca
que autorizasse a cobrança no sal, peixe e azeite, mesmo contra a opinião do governador-geral85.
Apesar de a Câmara poder administrar a cobrança dessas contribuições, precisava da
autorização régia para realizar diversas alterações. Algumas fontes de arrecadação foram
apropriadas pela Coroa, “com que não temos com que poder acudir as festas de Vossa
Majestade nem as fontes e calçadas e outras muitas coisas do bem comum, pelo que pedimos a
Vossa Majestade nos queira restituir a imposição dos mil réis por pipa [de vinho] que sempre
foi nossa”, para citar um exemplo em carta de 2 de abril de 165186. Ao menos dentro do discurso
produzido para consumo do monarca, as contribuições eram tantas que impediam que fossem
cumpridas atribuições básicas da gestão camarária.
Por vezes, mesmo procedimentos relativos à cobrança, quando saíam do usual, eram
submetidos à aprovação do centro político, como quando se decidiu tomar “todas as contas dos
cobradores que o haviam sido dos lançamentos que ao Recôncavo tocaram nos anos passados”
para suprir os atrasos no sustento da infantaria. Executaram-se os bens de dois indivíduos para
recuperar mais de quatro contos, e, “para ser presente a Vossa Majestade a forma de nosso
proceder, nos pareceu dar conta a Vossa Majestade de tudo”87. Na segunda metade do século,
para iniciar, acabar com ou alterar algum tributo de relevância também era preciso obter
permissão régia. Um exemplo foi a “consignação nova dos azeites” em 1678, para qual era
necessária “conformação de Vossa Alteza”88. Mais relevante era a vintena, cuja cobrança foi
encerrada pela Câmara a partir de uma negociação com o governador-geral Conde de Castelo
Melhor. A justificativa foi “a dilação que há desta cidade a essa Corte”, sendo por isso
repreendida pelo monarca, que ordenou o retorno do tributo89. Parecia aos camaristas que “pode
o povo mudar os tributos nesta e naquela droga [o vinho] alterá-los ou diminuí-los, pois ele é o
que há de sustentar a dita infantaria”; entretanto, fazia-se necessário requerer essa “liberdade”
ao monarca, inclusive para evitar a intervenção do governador e da Relação90.
Evidencia-se aqui outro elemento fundamental na comunicação política: a defesa das
prerrogativas camarárias contra funcionários régios. Se o poder obtido com a tributação era
significativo, fazia-se necessário que fosse exercido cotidianamente pela Câmara, sem
supervisão. Como vimos nos últimos dois capítulos, porém, isso não significa uma defesa de

85
CS, vol. III, pp. 99 e 104; CS, vol. IV, pp. 33-6.
86
CS, vol. I, pp. 32-3. No mesmo sentido, cf. pp. 53-4 e AHU, LF, cx. 16, doc. 1859.
87
AHU, LF, cx. 15, doc. 1779.
88
CS, vol. II, pp. 42-4.
89
CS, vol. I, pp. 47-9. Carta praticamente idêntica foi enviada um ano e meio depois: AHU, LF, cx. 11, doc. 1372.
Cf. também cx. 17, doc. 1952.
90
AHU, Bahia, LF, cx. 15, doc. 1751.
311

prerrogativas locais contra um inexistente absolutismo metropolitano, mas antes disputas entre
indivíduos e grupos, que, ao procurar aumentar a amplitude de jurisdição de seus cargos,
podiam, indiretamente, contribuir para a ampliação do poder da Câmara e/ou do monarca.
Assim, após agradecer ao monarca por haver permitido o arrendamento do “imposto dos
vinhos” como haviam pedido, “por sermos nós quem há de suprir a falta de menos rendimento
para o sustento do presídio”, pedem a mercê de que este seja feito sem a presença do provedor-
mor da fazenda, do contador-mor e do procurador da fazenda, como a carta régia de 12 de abril
de 1664 havia estabelecido, pois esse era o costume. Pedem mesmo que, caso o monarca insista
na participação da administração periférica na cobrança, “seja Vossa Majestade servido por nos
fazer mercê conceder licença para fazer deixação destas consignações para que se distribuam
pelos ministros da fazenda de Vossa Majestade ficando este povo desobrigado para não
contribuir com coisa alguma para o dito sustento”91. Apesar da obstinação da Coroa, a Câmara
manteve sua posição, afirmando que “na criação dos mesmos donativos diz o povo que de
nenhuma maneira passaram nem se admitiram ministros de Vossa Alteza”92.
O provedor-mor também tentou interferir na atuação dos almoxarifes do sal da Câmara,
ao que os oficiais replicaram, detalhando os equívocos dessa ingerência: “são distintos os
tribunais”, de modo que eram “independentes” do provedor-mor, e que o sustento da infantaria
não estava a cargo desse funcionário, mas da Câmara. Enfatizam também “a pureza com que
neste Senado de Vossa Alteza o servimos”, negando assim as acusações implícitas de desvio
de recursos, subtexto da fiscalização do provedor, e temática que repetidamente aparece nas
disputas políticas locais, como vimos nos capítulos anteriores93.
A intervenção do provedor-mor foi principalmente no sentido de tentar, geralmente sem
sucesso, ampliar seu controle sobre a fazenda municipal, como também ocorreu em relação ao
donativo do dote e paz94. Outros, como o Desembargador Freitas Serrão, podiam intrometer-se
para proibir a cobrança de tributos, como o “imposto dos oitenta réis por canada de azeite de
peixe para o convento das freiras”, fazendo-o “sem advertir que o mesmo povo uniforme e
voluntariamente o tomou sobre” si. A razão desta interferência seria a ligação do
desembargador com o contratador das baleias Manuel Dantas, “seu particular amigo”95.

91
AHU, Bahia, LF, cx. 18, docs. 2081-2.
92
CS, vol. I, pp. 92-4. Cf. também pp. 101-2.
93
Id., vol. I, pp. 96-7. Cf. também AHU, Bahia, LF, cx. 18, docs. 2083 e 2088; cx. 19, doc. 2168; AHU, cód. 16,
fl. 169; CS, vol. I, pp. 107-10.
94
CS, vol. II, pp. 26-8.
95
CS, vol. II, pp. 58-61.
312

No tocante aos donativos demandados pelo centro político, portanto, a correspondência


da Câmara é reativa, especialmente após a expulsão dos holandeses em Pernambuco, pedindo
a diminuição da tributação, no máximo com sucesso parcial. Se o donativo era, em princípio,
um dom, um ato voluntário derivado do “amor e lealdade” enfatizados recorrentemente pela
Câmara, já vimos nos capítulos anteriores que na prática o caráter desigual da negociação sobre
fiscalidade é evidente. O pagamento dos “donativos” não era algo que estivesse em negociação,
apenas o montante e a forma – inclusive em razão de sua essencialidade para a própria
sobrevivência da dinastia de Bragança e manutenção de seu império, através do estabelecimento
e manutenção de relações cordiais com as duas principais potências marítimas do Velho Mundo,
Inglaterra e as Províncias Unidas dos Países Baixos.
Por outro lado, a comunicação abria espaço para a manifestação de insatisfações e por
vezes possibilitava a redução da carga que caía sobre os vassalos baianos, diminuindo a tensão
num aspecto inerentemente conflituoso da relação entre a Coroa e seus vassalos. Ao mesmo
tempo, para garantir o apoio das elites, a Coroa tendia a manter a arrecadação sob controle da
Câmara, apesar das denúncias de desvios, como as realizadas pelo desembargador Sebastião
Cardoso de Sampaio. Em 1681, esse sindicante afirmou ter descoberto, ao investigar os
donativos para sustento da infantaria, “que em poucos anos haviam os oficiais da Câmara
divertido deles mais de 30 mil cruzados”. A autonomia camarária na área fiscal era um elemento
fundamental em suas atribuições, necessária para que as elites concordassem em carregar sobre
si as diversas cargas fiscais sucessivamente impostas, inclusive em razão das oportunidades que
a manipulação de tais somas conferia (por várias vezes referidas nos dois capítulos anteriores),
assim como para evitar a ameaça de que o controle passasse à administração periférica da
Coroa, como viria a acontecer no início do século XVIII96. Reafirmou-se repetidamente o
caráter voluntário dessa tributação, com o importante efeito de garantir seu controle pelo poder
local, mantendo a monarquia dependente de sua cooperação em uma questão central: a defesa.
Se o rei podia impor donativos e contribuições, o caráter teoricamente voluntário dessa
tributação exigia a participação das elites locais, sem as quais o monarca não teria como extrair
as dezenas de milhares de cruzados anuais necessárias para sustentar a infantaria, pagar os
donativos, consertar o cais de Viana, socorrer Sacramento e o que mais lhe parecesse
necessário. Provavelmente em razão dessa dependência e do limitado aparato fiscal com o qual
a Coroa podia contar do outro lado do Atlântico, o peso da taxação na América foi relativamente

96
AHU, Bahia, LF, cx. 24, doc. 2972 (citação); CRUZ, Miguel Dantas da. O Conselho Ultramarino e a
administração militar do Brasil (da Restauração ao Pombalismo): política, finanças e burocracia. Tese de
doutorado. Lisboa: ISCTE, 2013, pp. 166-73.
313

reduzido – em comparação, por exemplo, com a América Espanhola, embora lá também a


necessidade de consenso tenha se intensificado ao longo do seiscentos97.
Entretanto, da mesma maneira que havia uma menor necessidade de pressionar
diretamente a população do Reino a contribuir financeiramente para a monarquia do que em
outros reinos europeus, exceto em momentos de crise (mormente as guerras contra Castela), em
razão da dependência das rendas advindas do império, a extração direta de recursos das
conquistas não se constituía em uma questão tão premente porque a monarquia portuguesa
conseguia obter rendimentos muito mais elevados através de monopólios (o tabaco e, em menor
escala, o pau-brasil) e da taxação alfandegária. Como a elite baiana se responsabilizava
diretamente pela manutenção do sistema produtivo local em cada uma de suas “casas”
senhoriais, reforçava-se a necessidade de contemporização – a qual, repito, era estimulada e até
possibilitada pelo fato de que a maior parte da arrecadação dava-se no Reino.

A administração periférica da Coroa e os conflitos de jurisdição


Os conflitos entre a Câmara e a administração periférica da Coroa estão presentes em
muitas das missivas supracitadas, em níveis consideravelmente mais elevados do que os
encontrados nas petições das Cortes de 1641 e 1645, indicando a maior presença da
administração periférica na Bahia do que na maior parte do Reino98. Como alter-ego do
monarca na América, o governador-geral era o principal interlocutor político da elite baiana.
Entretanto, na grande maioria dos casos a referência ao governador se mostrava elogiosa ou,
quando muito, neutra, possivelmente por sua capacidade de intervenção na correspondência dos
vassalos. Tal interferência pode explicar as muitas lacunas no cartório da Câmara nas décadas
de 1640 e 1660, que englobam alguns dos momentos de maior conflito da Câmara e da elite
baiana com dois representantes máximos da Coroa no Estado do Brasil: o governador-geral
Antônio Teles da Silva e o vice-rei Conde de Óbidos, analisados nos capítulos anteriores.
A intervenção de Teles da Silva na comunicação política da Câmara é visível em carta
da Câmara de 2 de setembro de 1644 (significativamente ausente do cartório municipal), na
qual alguns camaristas reclamam que “Antônio Teles da Silva, governador deste Estado, nos
tira e a todos os moradores dele o podermos oferecer e avisar a Vossa Majestade do que nos for

97
Cf., numa perspectiva geral, KLEIN, Herbert. The American Finances of the Spanish Empire: royal income and
expenditures in colonial Mexico, Peru, and Bolivia, 1680-1809. Albuquerque: University of New Mexico Press,
1998, pp. 101-11 e, especificamente para o século XVII, o belo trabalho de AMADORI, Arrigo. Política
americana y dinâmicas de poder durante el valimento de Olivares (1621-1643). Tese de Doutorado. Madrid,
Universidade Complutense, 2011.
98
CARDIM, Cortes e Cultura Política, pp. 152-5.
314

necessário e ao serviço real, porque nem há coisa quer que se escreva se não por sua ordem”99.
O resultado foi a prisão de dois dos reclamantes por escreverem inverdades, denotando
claramente que o governador-geral se julgava árbitro do que se podia ou não informar ao
monarca. No caso de Óbidos, não foi a Câmara a reclamar de sua interferência na
correspondência, mas sim um desafeto do vice-rei, o desembargador Manuel de Almeida
Peixoto, listando-a como um excesso dentre os muitos cometidos pelo autocrático Conde100.
Como se disse nos capítulos V e VI, em todos esses momentos o Conselho Ultramarino
defendeu a importância e a necessidade de permitir uma comunicação livre dos vassalos com a
Coroa, para benefício de ambas as partes e contenção dos arbítrios dos governadores.
Nesse ponto, ambos os governadores não estavam fazendo mais do que seguir
precedentes longamente estabelecidos, a se julgar pelas várias queixas contra o procedimento
do Governador-Geral Diogo Luiz de Oliveira (1627-35). Como já vimos dois capítulos atrás,
Lourenço de Brito Correia, um dos mais destacados membros da elite baiana, acusou o
governador de, dentre as muitas “vexações, opressões públicas e roubos” que praticava, obrigar
os camaristas a “darem cartas para Sua Majestade em abonação de seus próprios procedimentos,
os quais ele dito governador fazia e a mandava só assinar pelos oficiais da Câmara que eles por
temor faziam como em tudo o mais”101.
Mais contido, mas não menos indignado, o Bispo do Brasil, D. Pedro da Silva, também
acusa o governador de interferir com a correspondência dos vassalos: “mais desconsolada ficou
esta cidade, se mais o podia estar com esta tomada de cartas, ou vista delas, e os vassalos de
Vossa Majestade atemorizados para não escreverem e representarem aos pés de Vossa
Majestade o que sentirem que importa a seu real serviço” – posição compartilhada pelos
conselheiros régios102, pois a liberdade de escrever (e denunciar) ao monarca era um dos pilares
da legitimidade do poder real103. Talvez fosse a essas práticas que o Padre Vieira tenha se
referido em seu Sermão da Visitação de Nossa Senhora, utilizado como epígrafe desse capítulo.
Mesmo para o período posterior, de grande abundância de registros, chama a atenção
que em 1683 apenas duas cartas foram enviadas pela Câmara104, nenhuma delas tratando do
assassinato do alcaide-mor Francisco Teles de Meneses, que gerou conflitos opondo parte da

99
AHU, Bahia, LF, cx. 9, doc. 1094. No registro da Câmara está presente apenas uma elogiosa missiva sobre o
governador, quando ele se preparava para retornar a Portugal, em 1650 (CS, vol. I, p. 27).
100
AHU, Bahia, LF, cx. 19, doc. 2180.
101
BPA, 49-X-10, fls. 320-2 – infelizmente, não encontrei nenhuma dessas supostas cartas.
102
AHU, Bahia, LF, cx. 5, doc. 554.
103
BRENDECKE, Império e información, pp. 262-3. Para um caso similar envolvendo o presidente da Audiência,
cf. HERZOG, Tamar. Ritos de control, prácticas de negociación: pesquisas, visitas y residencias y las relaciones
entre Quito y Madrid (1650-1750). Madri: Fundación Hernando de Larramendi-Mapfre, 2000, pp. 73-7.
104
CS, II, pp. 114-7.
315

elite da capitania (principalmente o clã Vieira Ravasco) ao governador-geral Antônio de Sousa


de Meneses e à família do falecido alcaide-mor. Em verdade, ao longo de todo o governo do
“Braço de Prata” não há nenhuma carta criticando-o. A única referência ao conflito é indireta,
e em resposta a uma carta da Coroa. Vale citá-la pela singularidade de uma Câmara ultramarina
ter de prometer respeitar o governador-geral enviado pela Coroa:

Por carta de nove de março do presente ano nos ordena Vossa Majestade que enquanto o
Governador que foi deste Estado Antônio de Sousa de Meneses se detiver nesta cidade lhe
tenhamos todo o respeito, procurando que nela não houvesse desavença ou discórdia
alguma, e ainda que Vossa Majestade nos não fizesse essa advertência temos tanto diante
dos olhos o bem e quietação deste Estado que não havíamos [de] permitir perturbação
alguma nem menos que se perdesse o respeito ao dito Governador, porque sempre nos
assiste a fidelidade com que sempre servimos a Vossa Majestade assim na paz como na
guerra, e a todos os Governadores que vieram governar este Estado105.
Em outros momentos, o governador-geral podia examinar a correspondência a pedido
dos camaristas, como em 1657, quando Francisco Barreto aprova as reclamações sobre a falta
dos gêneros monopolizados pela Companhia-Geral de Comércio e contra as altas taxas cobradas
sobre o açúcar, mas sugere modificações em algumas linhas “por serem um pouco dissonantes
da humildade e submissão com que sempre se deve falar aos reis. E por isso as mandei distinguir
com o risco que vão para que Vossas Mercês as mudem de maneira que antes seja modificar
rogando, que exasperar sentindo”106. Após essa advertência, os camaristas enviaram a carta no
dia seguinte, sugerindo que estavam apenas esperando a opinião do governador107.
Assim, creio que a raridade das reclamações contra os governadores-gerais por parte da
Câmara ao longo do século XVII é consequência da capacidade dos governadores-gerais de
intervir na correspondência municipal, ou ao menos de uma cautelosa autocensura por parte
dos camaristas para evitar se indispor com o representante máximo da Coroa na América. Em
consequência, como vimos nos capítulos anteriores, os conflitos se resolviam no âmbito local
– diferentemente do Reino, onde o caráter inovador dos Governadores de Armas ensejou muitas
reclamações em Cortes, também porque sua capacidade de controlar o discurso camarário nessa
ocasião fosse praticamente nula108. Assim sendo, na maioria dos casos são os silêncios, isto é,
a falta de elogios, a indicar insatisfações – como foi o caso do Braço de Prata.
Já no tocante aos outros setores da administração periférica, os camaristas não temeram
externar seu descontentamento. Apesar de terem enaltecido a criação do Tribunal da Relação

105
CS, II, pp. 122-3. Cf. a carta da Coroa em AHMS, PR, vol. 3, 30v.
106
DH, vol. 86, p. 134.
107
CS, vol. I, pp. 57-8.
108
CARDIM, Cortes e Cultura Política, p. 156.
316

em 1610109 e após sua extinção em 1626 repetidamente requerido sua recriação, inclusive em
razão de conflitos com os ouvidores-gerais em 1651, que estariam tomando “toda a pequena
jurisdição que temos”110, já em 22 de setembro de 1659 a Câmara reclama da Relação, que
estaria usurpando a jurisdição dos almotaceis. Nada diferente do que ocorria em Goa111.
A partir daí ocorrem diversos conflitos com desembergadores, como no caso
supracitado do Desembargador José de Freitas Serrão, mas principalmente com João de Góis
de Araújo (capítulo VI). No início dos embates com Góis de Araújo, após muitas reclamações
contra o Desembargador e senhor de engenho Cristóvão de Burgos (capítulo II), a Coroa
decidiu, em resposta a um requerimento do Procurador Moreira de Azevedo (inimigo de Góis
de Araújo) no Desembargo do Paço pedindo a extinção da Relação112, que “nenhum filho do
Brasil fosse desembargador na sua pátria”. Segundo os camaristas de 1671, “parece, Senhor,
que é uma ofensa que Vossa Majestade faz aos filhos deste Estado, e principalmente aos da
Bahia, a quem Vossa Alteza por seus serviços concedeu os privilégios de infanções e outras
muitas mercês”, para além dos postos em que foram nomeados em razão dos muitos serviços
prestados. Por isso, pediram a anulação dessa medida113 – sem sucesso, embora o decreto tenha
sido repetidamente desrespeitado, especialmente na centúria seguinte.
Em 1674, nesse contexto de irritação contra os Góis de Araújo e Freitas Serrão, os
conflitos entre Câmara e Relação chegam a um patamar institucional, quando os
desembargadores prendem e multam os juízes ordinários por não participarem do “dia da festa
da justiça (havendo feito na véspera)”114. A intensificação dos embates com Gois de Araújo e
a Relação chega ao paroxismo em 1676, em razão da tentativa de intervenção do desembargador
baiano nas eleições da Câmara, com o objetivo de eleger seu irmão como juiz mais velho e
assumir o controle do governo provisório (capítulo VI). Em consequência, em 29 de fevereiro
os camaristas, liderados por seu desafeto Pedro Camelo de Aragão, escreveram pedindo o
cumprimento rigoroso do decreto, para retirar do cargo Góis de Araújo, acusado de favorecer
seus parentes e prejudicar seus inimigos. Meses depois, chegam a demandar por duas vezes a
extinção da Relação em razão de sua ineficiência e corrupção, para além de reclamarem contra

109
IAN/TT, Corpo Cronológico, mç. 15, ns. 104 e 107.
110
CS, vol. I, pp. 17-8, 22-3 e 31 (citação).
111
AHU, Bahia, LF, cx. 15, doc. 1749; BOXER, Portuguese Society, pp. 22-3.
112
DH, vol. 88, p. 97.
113
CS, vol. I, pp. 100-1. Entretanto, tal solução havia sido reivindicada pela Câmara em 1643, quando requereu a
recriação da Relação, pedindo que não fossem “providos nela desembargadores pessoas que sejam moradores
nesta cidade pelos inconvenientes que disso sucedem”: CS, vol. I, pp. 17-8.
114
CS, vol. II, pp. 14-5.
317

seus procedimentos – no que servia também como uma eficaz cortina de fumaça para esconder
o fato de que desejavam eles mesmos se pertuaram no poder, como fizeram até 1678115.
Em resposta, os desembargadores enviam uma de suas raras cartas coletivas à Coroa,
sugerindo a criação de um juiz de fora em Salvador, pois assim “não ousarão os oficiais da
Câmara aproveitar-se das rendas do Conselho e donativos de Vossa Alteza aplicados à
infantaria e outros particulares de seu serviço (...) e terá Vossa Alteza um ministro seu na
Câmara de uma cidade tão principal como esta, para com mais suavidade poder obrar nela o
que convier a seu serviço”116. Os desvios da Fazenda Real administrada pelo Senado aparecem
mais uma vez como argumento para retirar os donativos da jurisdição da municipalidade, mas
é interessante perceber também que os desembargadores concebiam o juiz de fora como um
instrumento da vontade régia não através da imposição, mas sim como mais uma ferramenta
para construir o consenso, tornado mais fácil pela perda de poder que a elite local conheceria
com a extinção do posto de juiz ordinário.
É de se notar que várias das críticas mais fortes, e especialmente os dois requerimentos
para o fim da Relação, não estão registrados nos livros da Câmara. Aqui o temor talvez não
fosse do poder institucional dos desembargadores, mas de suas ligações com membros da elite
que poderiam vir a servir no Senado, especialmente no caso do detestado Góis de Araújo – é
possível mesmo que a recente morte de seu cunhado, sargento-mor e escrivão da Câmara Rui
Carvalho Pinheiro117, tenha estimulado a reação contra o desembargador. Percebe-se, assim,
como em muitas questões políticas não havia uma continuidade institucional, mas sim
mudanças a partir dos grupos que estivessem no controle da Câmara em cada ano. Em resumo,
a animosidade contra o tribunal da Relação demonstrada na década de 1670 devia-se antes a
brigas entre facções rivais da nobreza baiana, para os quais o tribunal era arrastado não só por
seu “abrasileiramento” mas também, e principalmente, pela presença de dois destacados
rebentos da elite local entre os juízes: Góis de Araújo e Burgos. A profunda inserção dos
desembargadores na sociedade baiana, onde permaneciam por anos, às vezes décadas, tinha
como consequência inevitável seu envolvimento nos enfrentamentos políticos locais118. Se há
alguma surpresa, é que sua participação não tenha sido ainda mais destacada. Não havia, assim,
qualquer oposição estrutural entre a Câmara e o Tribunal da Relação, apenas conflitos
eventuais, movidos por disputas pessoas e familiares, como estava a ocorrer na década de 1670.

115
AHU, Bahia, LF, cx. 23, docs. 2699, 2709, 2718; cx. 24, doc. 2842 e 2954. CS, vol. II, pp. 41-2 e 55
116
AHU, Bahia, LF, cx. 23, doc. 2780.
117
Cf. AHU, Bahia, LF, cx. 22, docs. 2631-9.
118
SCHWARTZ, Stuart. Burocracia e sociedade no Brasil colonial: o tribunal superior da Bahia e seus
desembargadores, 1609-1751. São Paulo: Companhia das Letras, 2011 [1973], pp. 253-86.
318

Eu não poderia deixar de citar aqui o famoso parecer do Procurador da Coroa sobre essa
querela em finais de 1678, no qual este afirma que

à Câmara da Bahia se devia logo responder severamente, de sorte que entendam aqueles
vereadores que Vossa Alteza não tinha repartido com eles o cuidado de como há de governar a
sua monarquia, que não podem ter voz mais que para a sua queixa, a que Vossa Alteza acudirá
como príncipe, como pai e como senhor, quando justificada119.
Estabelecia-se, assim, um claro limite para as reclamações dos vassalos, como
perceberam os diversos autores que citaram este trecho120. A própria metáfora da paternidade,
geralmente empregada pelas Câmara para enfatizar a obrigação monárquica de acudir seus
“filhos”, aparece aqui mais no sentido “do pai que detém poder absoluto sobre os seus filhos”121.
Entretanto, nem o Conselho Ultramarino nem a Coroa seguiram o irado Procurador e a Câmara
escapou de receber uma descompostura. É possível pensar, portanto, que as atitudes dos
camaristas baianos, se pareceram um atrevimento para o magistrado, puderam ser aceitas sem
muito problema pelo centro político – que acabava por receber, afinal, mais notícias do que
estava a correr do outro lado do Atlântico.
Cabe notar o uso da expressão “filhos do Brasil” e do termo “pátria” (no caso, a Bahia)
ao longo destes embates, que sugerem certo sentimento de identidade, aparecendo de forma
especialmente marcada na década de 1670122. Ao longo da época moderna, havia uma
identidade portuguesa, mas ela se caracterizava por ser multifacetada, incluindo aspectos
religiosos, “nacionais”, regionais, locais e estatutários. É impossível falar em uma identidade
brasileira no século XVII (e até o XIX, em verdade), especialmente para uma elite
profundamente influenciada pelo modelo lusitano. Entretanto, uma vaga identidade “baiana”
perpassa a documentação camarária, com a conotação de pátria chica, isto é, o local de
nascimento (ou moradia, no caso dos muitos imigrantes portugueses que ali se estabeleceram e
se inseriram entre a elite), provavelmente não muito diferente da identidade da elite portuense
ou coimbrã na mesma época, exceto pela maior fluidez, pois a distinção entre nascidos e
moradores na Bahia nem sempre se fazia de forma muito precisa 123. Afinal, vários dos que

119
DH, vol. 88, p. 153.
120
BOXER, Charles. O império marítimo português, 1415-1825 (trad.). São Paulo: Companhia das Letras, 2002
[1969], p. 298 e SCHWARTZ, Burocracia e sociedade, p. 216, dentre outros.
121
CARDIM, Cortes e Cultura Política, p. 149.
122
Para outros exemplos, veja-se AC, vol. V, p. 65 e CS, vol. II, pp. 17-8.
123
SILVA, Ana Cristina Nogueira da & HESPANHA, António. “A Identidade Portuguesa” in: MATTOSO, José
(dir.) & HESPANHA, António. História de Portugal, volume 4: O Antigo Regime (1620-1807). Lisboa: Editorial
Estampa, 1998 [1993], pp. 19-33; SCHWARTZ, Stuart. “The formation of a colonial identity in Brazil” in:
CANNY, Nicholas & PAGDEN, Anthony (eds.). Colonial identity in the Atlantic World, 1500-1800. Princeton:
Princeton UP, 1985, pp. 38-40; id. “‘Gente da terra braziliense da nasção’: Pensando o Brasil. A construção de um
povo” in: MOTA, Carlos Guilherme (org.). Viagem Incompleta: a experiência brasileira (1500-2000). Vol. I:
Formação – Histórias. São Paulo: SENAC São Paulo, 2000, pp. 103-25.
319

falavam em “filhos do Brasil” na década de 1670 eram naturais do Reino, devido ao contínuo
influxo de forasteiros na elite baiana (capítulo III): dois dos quatro signatários da carta de 1671,
três dos seis em 1672 e provavelmente quatro em 1674. Assim, a identificação com a localidade
era percebida como mais importante do que o local de nascimento: alguém que morasse há
décadas na Bahia e lá tivesse seus interesses era potencialmente muito mais ligado à
comunidade local do que um natural da Bahia, mas que tivesse se estabelecido no reino. Enfim,
tais expressões de apego, para além de remeterem, sobretudo, para solidariedades locais, eram
flexíveis ao ponto de os agentes políticos as utilizarem em função dos seus interesses.
Entre as décadas de 1660 e 1680 ocorreram diversos conflitos dentro das ordens
religiosas regulares pelo controle político na América entre os “filhos do Brasil” e os “filhos do
Reino” nas principais capitanias do Brasil, com Salvador como o epicentro de muitos desses
embates. Em razão da íntima relação dos leigos com os monges e a inserção dessas ordens nas
sociedades católicas, esses conflitos influenciaram as elites brasílicas, apesar do caráter muito
particular dos choques intra-monásticos – como se vê da carta que a Câmara de Senador, em
razão d“o clamor com que a nobreza e povo” reclamaram da suposta discriminação contra os
naturais da América entre os jesuítas, escreve ao provincial em 14 de julho de 1665124.
Para além dessa pátria chica, porém, por vezes aparecem breves referências ao Estado
do Brasil como um elemento identitário, ainda que extremamente frágil, e sempre integrado na
monarquia portuguesa. Em muitos momentos enfatiza-se a distância como um aspecto
lamentável da América Portuguesa a prejudicar os leais vassalos baianos e são estabelecidas
comparações com o Reino e com a Índia para embasar requerimentos e reclamações.
Destacavam-se os largos serviços prestados pela Câmara, mormente os tributos pagos e a guerra
contra os neerlandeses. Estes serviços se colocavam no mesmo patamar dos realizados pela
Índia, com o subtexto de que seriam até superiores, dentro da retórica de serviços e mercês que
caracterizava a relação entre vassalos e soberanos no mundo ibérico125.
Em suma, a maior integração política na Coroa portuguesa estimulou um discurso
reivindicativo da parte dos moradores dos principais lugares da América Portuguesa, discurso
esse que assumiu, quase sempre, uma expressão defensiva do espaço político local ante aquilo
que se considerava ser a ingerência da Coroa, ainda que sempre se respeitasse a legitimidade

124
A carta e a resposta que ela suscitou foram publicadas em LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus
no Brasil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1945, vol. VII, pp. 48-53. Cf. também SCHWARTZ, “The
formation”, pp. 41-44; MELLO, Evaldo Cabral de. A fronda dos mazombos: nobres contra mascates, Pernambuco,
1666-1715, São Paulo: Ed. 34, 2003, 2ª ed. rev., pp. 111-39 e SOUZA, Para Além do Claustro, pp. 225-73.
125
Cf. OLIVAL, Fernanda. As Ordens Militares e o Estado Moderno: Honra, Mercê e Venalidade (1641-1789).
Lisboa: Estar, 2001 e KRAUSE, Em busca da honra, pp. 53-92.
320

da autoridade régia. A justificativa baseava-se sempre nos serviços prestados por “estes seus
vassalos que tão gloriosamente e com tanta liberalidade derramaram tantas vezes o sangue e
deram e dão as fazendas pelo serviço de Vossa Alteza”126. Numa época em que alguns dos
vínculos políticos mais fortes residiam na fidelidade, na obediência, na graça e no benefício,
com a monarquia retratada como um espaço onde uma das formas mais frequentes de distinção
era alardear uma irrepreensível obediência127, com o passar do tempo, a tópica da lealdade
serviu para que os naturais da Bahia reivindicassem outro tipo de tratamento.
Em 1658 os procuradores das Câmaras da América Portuguesa, em sua primeira ação
conjunta, chegaram mesmo a demandar a criação do cargo de cronista do Estado do Brasil, para
“haver pessoa que dê a estampa as verdadeiras relações do que naquele Estado obraram meus
vassalos”, no dizer da provisão régia que nomeou o “brasiliense” e natural do Rio de Janeiro
Diogo Gomes Carneiro para o cargo. Com seu ordenado pago nas rendas do Brasil e de Angola,
o cronista foi mal e irregularmente pago, jamais chegando a publicar a obra à qual se dedicou
por quase vinte anos. Mesmo assim, é de se notar que, quando se pediram informações sobre o
tema “ao procurador do povo e Câmara da Bahia João de Góis de Araújo”, o letrado enfatizou
o quanto a Câmara estava sobrecarregada com o sustento da infantaria e o pagamento do
donativo, mas reconhecia a importância do ofício de cronista para perpetuar os “feitos que
obraram os vassalos de Vossa Majestade nele nas guerras que tiveram tantos anos, dignos de
toda a memória, pelo crédito e reputação com que ficaram as armas portuguesas, em que os
moradores e naturais do Estado são os mais interessados”. Era desta maneira que se justificava
mais essa imposição sobre o rendimento das principais Câmaras do Atlântico Sul128.
No aspecto institucional, não houve qualquer percepção baseada na alteridade ou
oposição entre “metrópole” e “colônia”, conceitos que não fariam sentido nas mentes daqueles
indivíduos, mas antes de similaridade entre “Reino” e “conquistas”, o que justificava, por
exemplo, que prerrogativas das Câmaras do Reino valessem para Salvador. A posição da Bahia
como “cabeça do Estado do Brasil” provavelmente estimulou uma visão ligeiramente mais
abrangente do todo americano do que em outras capitanias, de modo que a partir de meados da

126
AHU, Bahia, LF, cx. 24, doc. 2842 (16 de agosto de 1678); cf. também cx. 31, doc. 3952, cód. 16, fl. 237; CS,
vol. I, pp. 118-9 e vol. III, p. 76, dentre outros. Sobre esse topos reivindicativo, cf. MELLO, Evaldo Cabral de.
Rubro Veio: o imaginário da restauração pernambucana. São Paulo: Alameda, 2008 [1986], 3ª ed. rev., pp. 89-124.
127
GIL PUJOL, Xavier. “The good law of a vassal: fidelity, obedience and obligation in Habsburg Spain”. Revista
internacional de los estudios vascos, n. 5, 2009, pp. 83-106.
128
CORDEIRO, José Pedro Leite (ed.). “Documentos sobre Diogo Gomes Carneiro”, RIHGB, n. 244, 1959, pp.
417-30 (citações às pp. 417 e 420-1); ALMEIDA, Eduardo de Castro (ed.). “Inventário dos documentos relativos
ao Brasil existentes no Archivo de Marinha e Ultramar”. Anais da Biblioteca Nacional, vol. 39, p. 128 e
RODRIGUES-MOURA, Enrique “Manoel Botelho de Oliveira, autor del impreso Hay amigo para amigo”,
Revista Iberoamericana, vol. 71, n. 211, 2005, p. 560.
321

década de 1660 seus representantes na Corte por vezes se intitulavam Procuradores-Gerais do


Estado do Brasil, sem que jamais tivessem recebido procuração para tanto129. Tratava-se, é
claro, de uma tentativa de engrandecimento por parte desses homens, que se utilizavam com
sucesso desse status para obter mercês (nomeadamente, o hábito da Ordem de Cristo), mas não
deixa de ser relevante em termos do surgimento de uma percepção unitária da América
Portuguesa e do papel dominante da Bahia nesse conjunto.
Assim, nas Cortes de 1668 José Moreira de Azevedo, procurador-geral da Câmara da
Bahia e, como tal, servindo de “procurador do Estado do Brasil”, solicitou, no segundo dos
capítulos que enviou ao monarca, como remuneração aos serviços pelos moradores da América
Portuguesa prestados “na defesa daquele Estado”, que fossem providos nos ditos moradores “os
ofícios de Justiça e Fazenda como também em seus filhos as Igrejas, Conezias e Dignidades,
pois é justo que despendendo seus avós e pais as fazendas, derramando seu sangue e perdendo
muitos as vidas, sejam os postos, os cargos e as honras do dito Estado concedidos a estes sujeitos
em que concorrem as partes e qualidades necessárias”. A petição mereceu o favor do regente e
deu origem a um decreto de 6 de maio de 1673, registrado nos livros da Câmara carioca – mas
não, curiosamente, no arquivo do Senado soteropolitano130.
Não devemos, porém, nos deixar levar pela empolgação. Foram raríssimos os momentos
de atuação concertada, ou em que o agente baiano defendesse os interesses de outra capitania
que não a sua. Um dos parcos exemplos foi uma representação do Procurador soteropolitano
em Lisboa José Moreira de Azevedo, em conjunto com sua contraparte fluminense131. A
distância e o contato com outros vassalos ultramarinos podem ter estimulado a percepção,
mesmo que conjuntural, de certos interesses comuns, mas não era algo que pudesse ir muito
longe, devido à fragilidade dos laços entre as conquistas do Estado do Brasil.
Retornando aos conflitos de jurisdição, cabe enfatizar a importância do provedor da
comarca, um desembargador responsável por auditar periodicamente as contas do Senado. Sua
presença exigia o constante recurso ao rei para legitimar muitos dispêndios municipais. O
exemplo mais recorrente, que se repete ao longo de toda a segunda metade do seiscentos, é a
questão do pagamento de propinas aos camaristas nas procissões, pois o desembargador não
levava em conta os gastos realizados em procissões não previstas nas ordenações do Reino,
seguindo determinação régia de 1632132.

129
Cf. AHMS, PR, vol. II, fls. 90v-93.
130
IAN/TT, Conselho Ultramarino, Livro 1º de Decretos, fl. 15; AHU, Rio de Janeiro, Avulsos, cx. 4, doc. 427;
AHU, Bahia, LF, cx. 22, doc. 2569.
131
AHU, Rio de Janeiro, Castro Almeida, cx. 6, doc. 1147.
132
CCLP, vol. IV, p. 249.
322

O único pedido bem-sucedido foi o primeiro, de 28 de julho de 1649, no qual a Câmara


pedia para que seus gastos nas festas da Aclamação fossem aceitos na prestação de contas 133.
Necessitando afirmar a legitimidade da nova dinastia e sua ligação com os vassalos, certamente
deve ter parecido boa política conceder à Câmara soteropolitana esta mercê que, no fundo,
interessava tanto ao centro quanto às localidades, pela oportunidade para “demonstrar a
preocupação do rei com seus vassalos ultramarinos (...), providenciando [também] uma ocasião
para que as elites coloniais demonstrassem publicamente sua proximidade com o monarca”134.
Entretanto, os requerimentos seguintes, que buscavam autorização para os gastos das
procissões de São Sebastião, São Felipe e Santiago e Santo Antônio de Arguim foram negados
ou ignorados. “Muitas e repetidas vezes” os oficiais argumentaram que “muitas cidades e vilas
desse Reino” e mesmo em Pernambuco a prática era comum, e que “os oficiais da Câmara não
têm outro emolumento mais que esta propina, que é coisa limitada, em comparação do muito
que gasta cada um em vir de fora de suas fazendas para assistirem nesta cidade” 135. Foi
finalmente a comparação com a capitania do Norte que sensibilizou a Coroa depois de décadas
de insistência, pois negar ao Senado soteropolitano uma prerrogativa gozada por uma Câmara
menos importante era afrontar a preeminência de Salvador como cabeça do Estado do Brasil136.
Também na criação e remuneração de ofícios menores relacionados à Câmara, como de
síndico, inquiridor, escrivães, tabeliães e mesmo o procurador em Lisboa, fazia-se necessário
obter autorização régia, sob pena de ter as contas reprovadas pelo provedor da comarca. O
mesmo valia para a realização de obras públicas, inclusive para garantir a higiene urbana e a
proteção contra as intempéries. Outras vezes era necessário defender a jurisdição da Câmara na
nomeação de cargos contra a interferência do centro político, como de juiz da vintena, médico
da municipalidade e oficiais de ordenança – esses últimos, os mais importantes, geralmente
escolhidos pelo governador-geral a partir de uma lista prévia preparada pelo Senado. Mesmo
que em muitos casos essas demandas fossem atendidas, o recurso ao centro político era
obrigatório, pois “para estes [dispêndios] é necessário haver provisão minha”, como afirma o
monarca em carta régia de 9 de fevereiro de 1689137.

133
AHU, Bahia, LF, cx. 13, doc. 1365; CCLP, vol. 9, pp. 195-6; CS, vol. I, pp. 29-30 e AHMS, PR, vol. III, fls.
18-19v.
134
BANKS, Chasing empire, pp. 45-6.
135
CS, vol. I, pp. 29-30, 58 e 95; vol. II, pp. 11-4; vol. III, pp. 6, 78-9 e 86-7; vol. IV, pp. 45-7 e 66-7; AHU, Bahia,
LF, cx. 16, docs. 1798 e 1855; cx. 17, docs. 1944 e 1995; Avulsos, cx. 2, doc. 141.
136
Cf. a consulta em DH, vol. 90, pp. 16-7, e a carta régia em AHMS, PR, vol. III, fl. 92.
137
CS, vol. II, pp. 127; vol. III, pp. 3-4 e 24-5; vol. IV, pp. 71-2; CCLP, vol. IX, pp. 359 e 370; vol. X, pp. 83 e
186-7.
323

A se julgar pelo século XVIII, a atuação do provedor da comarca não se mostrava tão
eficaz nem regular quanto se poderia depreender das cartas da Câmara (o que explica que nem
todo ano se enviassem missivas do gênero). A Câmara dispunha de razoável autonomia138, mas
mesmo assim, eventualmente, o provedor podia interferir, atrapalhando as intenções dos
camaristas e abrindo espaço para a atuação do monarca como árbitro.
Até para cumprir as “obrigações” do Senado, como “tratar do provimento de todos os
mantimentos necessários para o sustento da cidade”, podia ser necessário pedir uma provisão
régia para colocar em prática a determinação de que os mestres dos navios “assim com [que]
lançarem ferro venham logo dar entrada a este Senado e notícia de todos os gêneros de
mantimentos que trouxeram”, porque se estava a interferir no comércio atlântico139.
Por fim, surge nas últimas décadas do século conflitos sobre quem havia de ocupar o
cargo de procurador da Câmara (temática responsável por praticamente todas as missivas da
temática “eleições”). A Coroa é chamada a intervir, alterando a maneira como essa posição era
vista ao enobrecê-la (capítulo IV) e chegar a um compromisso com o Senado ao atender sua
reivindicação de isentar o procurador de cobrar as rendas da municipalidade (motivo pelo qual
a nobreza menosprezava essa posição), função que passaria a caber ao tesoureiro140.
Assim, em vários aspectos do próprio funcionamento da Câmara fazia-se necessário
recorrer ao monarca, por motivos financeiros, institucionais e de pessoal. Em diversas questões
cotidianas o monarca, mesmo distante, era lembrado pelo Senado soteropolitano. Mesmo assim,
apesar do número de missivas incluídos nesta rubrica ser maior do que se poderia esperar, não
se tocava em muitas das atribuições fundamentais do poder municipal. A justiça ordinária, por
exemplo, mal é mencionada, em razão de seu caráter profundamente local – ou ao menos é o
que se supõe, já que sabemos muito pouco sobre a ação judiciária das Câmaras no mundo
lusitano, inclusive em razão do desaparecimento de boa parte da documentação relevante141.
Da mesma maneira, a regulação da economia local pouco aparece, sendo responsável por
apenas 2% das missivas da municipalidade – notavelmente menos do que nas Cortes do Reino
na década de 1640142, indicando talvez uma maior capacidade de autorregulação ou,
simplesmente, o reconhecimento de que o poder real pouco poderia intervir nessas questões.

138
SOUSA, Avanete Pereira. A Bahia no século XVIII: poder político local e atividades econômicas. São Paulo:
Alameda, 2013, pp. 115-202.
139
CS, vol. III, pp. 20-1.
140
Cf. CS, vol. II, 98-9 e 126-7; vol. III, pp. 102-3; vol. IV, pp. 32-3 e vol. V, pp. 13-4; AHU, Bahia, LF, cx. 25,
doc. 3072; AHMS, PR, vol. III, fls. 21v, 36v, 38 e 63-4.
141
Cf., porém, BORGES, Joacir Navarro. Das justiças e dos litígios: a ação judiciária da Câmara de Curitiba no
século XVIII (1731-1752). Tese de Doutorado. Curitiba: PPGH/UFPR, 2009, que destaca a importância do crédito.
142
CARDIM, Cortes e Cultura Política, pp. 151 e 154.
324

Em todas as cartas a tratar dos conflitos que opunham os múltiplos polos de poder na
Bahia seiscentista, a comunicação política é resultado da apelação ao monarca como árbitro. A
“centralidade do centro” vê-se reforçada pela posição do rei como juiz último dos privilégios,
mesmo que a Coroa estivesse longe de determinar todas as hierarquias sociais, como já se viu
nos capítulos III e IV. De qualquer maneira, a própria necessidade de recorrer ao monarca para
resolver estas questões intensificava os laços a ligar centro e periferia, fortalecendo ligações
políticas essenciais para a manutenção do império.

Economia, Comércio e Política


No Antigo Regime, e especialmente em sociedades escravistas, o próprio caráter agrário
e a forma de aquisição da mão de obra cativa davam ao crédito um papel fundamental no
funcionamento da economia brasileira, sendo o endividamento um elemento constituinte da
atividade dos produtores agrícolas. Mesmo que parte considerável do crédito fosse concedida
por instituições controladas pela elite, como a Misericórdia, o papel dos comerciantes era
relevante o suficiente para gerar temores sobre o destino dos membros da elite, geralmente
carregados de dívidas de várias procedências143. Adentramos, assim, na temática da economia
de exportação, sinônimo de açúcar neste período e presente em 11% das representações
camarárias. Já em 1610 a Câmara reclama do endividamento dos produtores, e a Coroa
determina em 1612 que os senhores de engenho paguem somente metade dos seus rendimentos
aos credores, e os lavradores de cana 2/3144. A situação se repete em 1632: em resposta a
requerimentos dos senhores de engenho e lavradores, a Câmara pede ao monarca a proteção do
capital produtivo dos terratenentes, ao que a Coroa responde que escravos diretamente
empregados na lavoura não poderiam ser arrestados145. Em 1636, o governador-geral Pedro da
Silva reforça a ordem, afirmando que a penhora só poderia ser realizada quando a dívida
totalizasse um valor próximo ao do engenho146.
É interessante notar que na Ilha da Madeira esse privilégio foi concedido por D. Manuel
já em 1496, e a monarquia hispânica fez o mesmo para os engenhos de Espanhola e Porto Rico

143
Para a Bahia em finais do XVII e inícios do XVIII, cf. FLORY, Rae. Bahian Society in the mid-colonial period:
the sugar planters, tobacco growers, merchants, and artisans of Salvador and the Recôncavo, 1680-1725. Tese de
Doutorado. University of Texas, 1978, pp. 63-82; para uma comparação com o Rio de Janeiro, cf. SAMPAIO,
Antônio Carlos Jucá de. “O mercado carioca de crédito: da acumulação senhorial à acumulação mercantil (1650-
1750)”. Estudos Históricos, n. 29, 2002, pp. 29-49.
144
IAN/TT, Corpo Cronológico, mç. 15, n. 107 e Chancelaria de Filipe II, Livro 32, fls. 36v-37. Cf. a reclamação
dos homens de negócio de Lisboa contra essa medida em AHU, Bahia, LF, cx. 1, doc. 52.
145
AHMS, PR, vol. I, fls. 123v-139v e CCLP, vol. IV, p. 249.
146
DH, vol. 16, pp. 388-91.
325

em 1529147. Mesmo que esses precedentes não tenham sido mencionados, parece muito
provável que o caso madeirense tenha servido de modelo para o pedido baiano, o qual
continuaria a ser reivindicado pelos senhores e lavradores baianos ao longo de todo o século
XVII como requisito essencial para a sua sobrevivência econômica.
O pedido da década de 1630 forneceu a base para que, em 1662, a Câmara de Salvador
requeresse que “se não façam penhoras nas ditas fabricas e só sejam executados os devedores
nos rendimentos de suas fazendas para assim se poderem conservar e terem cabedais para acudir
ao serviço de Vossa Majestade de quem esperam tudo o bom e melhoras daquele povo”148,
mercê concedida pela Coroa no ano seguinte, após parecer favorável do Conselho
Ultramarino149. Poucos anos depois, em 16 de fevereiro de 1668, João de Góis de Araújo,
atuando como “procurador-geral do Estado do Brasil”, parte de uma reclamação da Câmara
carioca para conseguir do regente D. Pedro extensão do privilégio ao restante da América
Portuguesa, nomeadamente da capitania fluminense, Pernambuco, Paraíba e Itamacará150.
Assim, o Senado envia à Coroa repetidos pedidos relacionados a uma regulação do
crédito favorável aos produtores de açúcar151, como a demanda de que a Coroa passasse uma
“lei irrevogável” proibindo a venda a crédito a todos (especialmente a “homens pobres”), com
exceção das que “se venderem para o fornecimento dos engenhos e fazendas de canas e lenhas,
sem o que não poderá fabricar-se”152.
É de se imaginar a importância dessas medidas para a açucarocracia baiana, em razão
de sua dependência do crédito, acompanhada por uma frustrante incapacidade de regulá-lo. A
periódica necessidade de renovação deste privilégio ao longo da segunda metade do seiscentos
era mais um elemento a exigir a ligação deste grupo com a Coroa, intermediada
institucionalmente pela Câmara de Salvador. Em torno desses interesses, a açucarocracia
revelava-se, como já vimos no capítulo III, capaz de “agir de modo coeso como uma classe com
interesses e objetivos próprios, assumindo papéis políticos e procurando influenciar a política

147
VIEIRA, Alberto. “Sugar Islands: the sugar economy of Madeira and the Canaries Isles, 1450-1650” e
RODRÍGUEZ MOREL, Genaro. “The Sugar Economy of Española in the Sixteenth-Century”, ambos em
SCHWARTZ, Stuart (ed.). Tropical Babylons: sugar and the making of the Atlantic World, 1450-1680. Chapel
Hill: University of North Carolina Press, 2004, pp. 59 e 96.
148
AHU, cód. 16, fol. 87v.
149
CCLP, vol. VIII, p. 267; cf. também vol. IX, p. 7 e AHU, Bahia, LF, cx. 18, doc. 2024.
150
IAN/TT, Chancelaria de D. Afonso VI, L. 20, fls. 250-250v. Da mesma maneira, em representação de 12 de
Agosto de 1665 favoravelmente recebida pelo Conselho Ultramarino, Góis de Araújo cita os prejuízos sofridos
nos últimos anos por todas as capitanias do Brasil para pedir a proibição da concessão das licenças fora do corpo
da frota, especialmente a estrangeiros, em razão da diminuição no preço do açúcar que elas acarretavam: AHU,
Bahia, LF, cx. 18, doc. 2103.
151
CS, vol. II, pp. 99-100, 103-4 e 114-7; vol. III, pp. 5-6, 55-6, 89-90, 96-8 e 112-4; AHU, Bahia, LF, cx. 18,
doc. 2024; DH, vol. 89, pp. 223-4.
152
CS, vol. III, pp. 5-6.
326

régia e municipal”153. Para isso, utilizavam o topos onipresente no mundo ibérico moderno do
“bem comum”, significando, na prática, “a generalidade dos interesses particulares dos
senhores de engenho em conflito com as representações de outros grupos”154. Assim, para
legitimar a “apropriação do excedente social” pela elite155, esta se apropriava do discurso
público institucional que representava a região.
Inextricavelmente ligado às questões acima, o comércio atlântico representa 16% da
comunicação ativa do Senado, pois temáticas como crédito, moeda e frotas foram objeto
constante das missivas da municipalidade. O sistema de frotas e os monopólios da Companhia
Geral de Comércio geraram grande insatisfação nos camaristas, em razão dos prejuízos que
acarretaram na arrecadação da Câmara. Entretanto, as reclamações advinham também de seus
efeitos no comércio local, com a carestia dos produtos de primeira necessidade monopolizados
pela Companhia e a consequente subida nos preços. O comércio da maioria dos produtos acabou
por ficar dependente da Companhia, e até o trato de açúcar foi prejudicado pelos elevados fretes
que passaram a ser cobrados. Tais reclamações são contínuas entre 1650 e 1661156, embora
mesmo antes da fundação da Companhia em 1649 já surgissem insatisfações contra o sistema
de frotas, presentes numa das primeiras cartas enviadas ao novo monarca D. João IV157.
Missivas sobre as frotas continuaram a ser enviadas ao longo do século XVII, pedindo sua
permanência158, a permissão para enviar navios fora das frotas159, não virem navios fora das
frotas160, mas sim duas frotas anuais161, a definição de datas mais compatíveis com a produção
açucareira162... Como é usual nas demandas da municipalidade, o conteúdo muda ao sabor das
circunstâncias, dentro do que parecesse mais apropriado a cada momento específico. Outras
cartas sobre comércio também aparecem na correspondência camarária, como um pedido para
a reabertura do trato com a América Espanhola, temática especialmente premente nas décadas

153
SCHWARTZ, Segredos Internos, p. 176.
154
HANSEN, “Representações”. Cf. também CARDIM, Cortes e Cultura Política, pp. 145-6.
155
FRAGOSO, João. “A formação da economia colonial no Rio de Janeiro e de sua primeira elite senhorial
(séculos XVI e XVII)” in: FRAGOSO, BICALHO & GOUVÊA (orgs.), O Antigo Regime nos Trópicos, p. 48.
156
CS, vol. I, pp. 23-5, 27-8, 31-2, 36-46, 50-3, 57-9, 72-3; AHU, cód. 15, fl. 104v e 215v; Bahia, LF, cx. 14, docs.
1638 e 1686; cx. 15, doc. 1768; cx. 18, doc. 2024; AHU, Bahia, Avulsos, cx. 1, doc. 113. Cf. BARROS, “Negócios
de tanta importância”, pp. 314-36, para o ponto de vista do Conselho Ultramarino, alinhado às elites locais.
157
AHU, Bahia, LF, cx. 8, doc. 929; BOXER, Charles. Salvador de Sá e a luta pelo Brasil e Angola, 1602-1686
(trad.). São Paulo: Companhia Editora Nacional/EDUSP, 1973 [1952], pp. 194-203 e 303-5, que demonstra a
eficaz oposição das Câmaras ao sistema de frotas, assim como seus motivos. Cf. também FIGUEIREDO, Luciano.
Revoltas, Fiscalidade e identidade colonial na América Portuguesa. Rio de Janeiro, Bahia e Minas Gerais, 1640-
1761. Tese de Doutorado. São Paulo: PPGHS/USP, 1996, pp. 340-55.
158
AHU, Bahia, Avulsos, cx. 2, doc. 128.
159
AHU, Bahia, LF, cx. 16, doc. 1815
160
AHU, Bahia, LF, cx. 18, doc. 2103; cx. 19, doc. 2168
161
CS, vol. I, pp. 85-6; cx. 21, doc. 2453
162
CS, vol. I, pp. 87-8; vol. II, pp. 85-6.
327

de 1640-50, com a desorganização de rotas que haviam adquirido significativa importância no


período da monarquia dual – ligando principalmente a Bahia a Buenos Aires163.
A importância do comércio atlântico na correspondência municipal devia-se a este se
encontrar praticamente fora da esfera de intervenção do Senado. Fazia-se necessário recorrer
ao monarca, pois, em razão da importância do escoamento do açúcar para a elite baiana e o
constante intercâmbio oceânico realizado em Salvador, estas questões se mostravam cruciais
para o bom funcionamento da economia açucareira e para o bem-estar econômico da elite. A
“relativa fragilidade como produtores coloniais no mercado açucareiro atlântico”164 da elite
baiana e os poderes reguladores da Coroa – ainda que muitas vezes insuficientes – também
estimulavam o recurso ao centro político, mesmo porque muitas vezes coincidiam os interesses
do rei e da açucarocracia baiana.
O comércio, porém, só se faz com dinheiro, e, como afirmou o Senado soteropolitano
ao monarca, “o sangue, Senhor, que sustenta e anima toda a monarquia é a abundância da
moeda, e assim o confessam todos e o confirmam muitos ministros de Vossa Majestade, por
cuja razão pretendem tirar o sangue dos braços para com ele se acudir a cabeça”165. Tal questão
exigia o diálogo com a Coroa, detentora do poder da manipulação monetária, baseado na sua
capacidade exclusiva de bater moeda166 – ao menos em teoria.
Produziram-se algumas reclamações no Brasil antes de 1640, demandando-se já em
1626 o acrescentamento da moeda, “para que assim se não leve deste estado o dinheiro, que é
causa de abater muito os preços dos frutos da terra”167. Imediatamente após a Restauração
Portuguesa, porém, com as seguidas desvalorizações da moeda e o fim das trocas comerciais
com a América Espanhola, as reclamações sobre a falta de meio circulante se tornaram cada
vez mais numerosas, começando pelo governador-geral Antônio Teles da Silva, respondendo
às demandas da Câmara. Como em Goa décadas antes, o poder local influenciava decisivamente
as reformas monetárias intentadas no ultramar168. Segundo Lourenço de Brito Correia, em

163
CS, vol. I, pp. 61-3; AHU, Bahia, LF, cx. 8, doc. 979 e cx. 9, doc. 1002; MOUTOUKIAS, Zacarias.
Contrabando y control colonial en el siglo XVII. Buenos Aires: CEAL, 1988, pp. 62-7.
164
Cf. RUSSELL-WOOD, A. J. R. “Ports of Colonial Brazil” [1991] in: KARRAS, Alain & MCNEILL, J. R.
(eds.). Atlantic American Societies: from Columbus to Abolition, 1492-1888. Nova York: Routledge, 1992, pp.
174-211 e, especialmente, SCHWARTZ, Segredos Internos, pp. 144-76 (citação à p. 176).
165
CS, vol. III, pp. 114-7.
166
Para um amplo panorama, cf. SOUSA, Rita Martins de. “Moeda e Estado: políticas monetárias e determinantes
da procura (1688-1797)”. Análise Social, vol. XXXVIII (168), 2003, pp. 771-792.
167
AHU, Bahia, Castro Almeida, cx. 1, docs. 2-5.
168
BOXER, Portuguese Society, p. 20; SOMBRA, Severino. História monetária do Brasil colonial: repertório
cronológico com introdução, notas e carta monetária. Rio de Janeiro: Almanak Laemert, 1938, ed. rev. e aum., pp.
73-6, 81-7 e 93-104; AHU, Bahia, LF, cx. 8, docs. 979-80 e 994; cx. 9, doc. 1002. A temática também esteve
presente no governo provisório que lhe antecedeu: AHMS, PR, vol. I, 279-279v.
328

memorial escrito na prisão do Limoeiro, o açúcar estava caro na Bahia e relativamente barato
no Reino, e a diferença de apenas 20% diminuía os lucros dos negociantes a ponto de estes
evitarem comprar o açúcar, vendendo seus produtos a dinheiro e enviando mais de 400.000
cruzados ao Reino – situação que, se prolongada, impediria o sustento da guarnição, tornando
a praça vulnerável a ataques de inimigos169. Assim, em meados de 1643 o governador reuniu
uma junta com os camaristas, ouvidor-geral, mesteres, “pessoas nobres e da governança de
maior autoridade e homens de negócio de maior cabedal”, os prelados das religiões, ouvidor-
geral e provedor-mor, que recomendaram a valorização da moeda, posição com a qual o
governador concordou, levantando as moedas de ouro em 25% e as de prata em 50%,
supostamente para igualá-las a Portugal170. Apesar dos conflitos com parte da elite (capítulo
V), Teles da Silva respondeu favoravelmente em um tema fundamental para os interesses da
açucarocracia, demonstrando mais uma vez o quanto a cooperação entre os principais
representantes da Coroa e o poder local era a norma.
Em 1651, a Coroa ordenou a recunhagem em Lisboa das patacas e moedas de prata com
suspeita de serem falsificadas, mas a Câmara reagiu imediatamente, temerosa das
consequências de tamanha fuga de numerário para o comércio e o sustento da infantaria. Em
reunião com “os três estados desta República, Clero, Nobreza e Povo”, decidiram propor ao
governador-geral Conde de Castelo Melhor que as moedas se fundissem em Salvador, como já
se havia concedido a Porto e Évora, e aproveitando o precedente estabelecido por Antônio Teles
da Silva171, ainda em vigor. Castelo Melhor concorda e estende a resolução para o Rio de
Janeiro e Pernambuco, obtendo a anuência e o agradecimento do monarca172. Pouco depois,
porém, D. João IV reclama que os tostões corriam na Bahia por preços maiores, ordenando o
fim da prática. Entretanto, ao invés de obedecer prontamente, o Conde de Atouguia decide,
devido à gravidade da matéria, exigir diversos pareceres para tomar uma decisão abalizada.
Contando com o apoio da Câmara, do desembargador Simão Álvares de la Penha, do provedor-
mor Mateus Ferreira Vilas-Boas, do cabido, dos jesuítas e dos carmelitas (e ignorando o juízo
contrário do Procurador da Coroa na Bahia, Fernão de Maia Furtado), o governador adia o
cumprimento da ordem, enviando as opiniões que recebeu para Lisboa. A política foi mantida

169
RAU, Virginia & SILVA, Maria Fernanda Gomes da (eds.). Os manuscritos do arquivo da Casa de Cadaval
respeitantes ao Brasil. Coimbra: Universidade, 1955, vol. I, pp. 33-4 (no mesmo sentido, cf. o arbítrio anônimo e
sem data às pp. 347-51).
170
AC, vol. II, pp. 176-8, AHU, Bahia, LF, cx. 13, doc. 1609 (citações); MAURO, Frédéric. Portugal, o Brasil e
o Atlântico (1570-1670). Lisboa: Estampa, 1989 [1960], vol. II, p. 175; AHMS, PGS, 1642-8, fls. 74-81v.
171
DH, vol. 66, pp. 11-2 e AHMS, PR, vol. II, fls. 28-9; AC, vol. III, pp. 181-8 (citação).
172
DH, vol. 3, pp. 11-2; vol. 33, pp. 258-9; vol. 66, pp. 41-2; AHU, Bahia, LF, cx. 12, docs. 1464-5.
329

pelo Conde de Óbidos nos primeiros dias de seu governo, tanto por sua importância econômica
quanto para estabelecer boas relações com a elite local173.
Assim, durante mais de duas décadas os governadores atuaram conjuntamente com o
poder local para manter a moeda mais valorizada na Bahia do que no Reino, com o objetivo
explícito de evitar a fuga de numerário para a Europa. Em consequência, a Câmara passa a pedir
com mais insistência a partir de 1656, em nome da Bahia e do Estado do Brasil, uma “moeda
provincial” mais valorizada do que a do Reino e uma Casa da Moeda, na tentativa de formalizar
essa situação e garanti-la. Não obtiveram sucesso, porém, mesmo contando com o apoio dos
governadores-gerais174. Demandas similares partiam do Rio de Janeiro desde a década de 1640,
mas de maneira ainda mais intensa, pois seu açúcar era menos estimado, de modo que os
comerciantes nas frotas desejavam vender seus produtos a dinheiro na praça carioca para
adquirir preferencialmente o açúcar baiano175.
A reivindicação de uma “moeda provincial” do Brasil marca presença em muitas das
missivas dos anos que se seguiram. Trata-se de um pedido sem dúvida motivado por razões
econômicas. No entanto, todos viam como evidente que tal faculdade, caso viesse a ser
concedida, teria implicações no que dissesse respeito à posição do Brasil face aos demais
territórios da Coroa lusa. Por isso, esta matéria esteve na origem de muitos requerimentos que
as autoridades da América Portuguesa remeteram à Coroa, e neles se detecta não só um forte
tom reivindicativo, mas também uma cada vez mais forte consciência do peso econômico – e
político – dos territórios americanos no quadro da monarquia lusa176.
Em um contexto de baixa dos preços do açúcar, as reclamações se acentuam: a
municipalidade soteropolitana afirma em 1679 que ia “para esse Reino a maior parte do dinheiro
que nessa cidade havia” pela ausência de uma Casa da Moeda, situação inaceitável, ainda mais
quando se considerava que o Estado da Índia, “menos útil às alfândegas de Vossa Alteza e a
sua Real Fazenda”, possuía três177. Tal situação prejudicava o escoamento de açúcar e tabaco,
afetando as rendas régias, “em cuja consideração poderá suceder uma notória ruína desta

173
DH, vol. 66, p. 60; AHU, Bahia, Avulsos, cx. 1, doc. 94 e AHU, Bahia, LF, cx. 13, doc. 1609; CCLP, vol. 8, p.
88; DH, vol. 5, pp. 364-70 e vol. 21, pp. 105-7; AHMS, PGS, 1649-77, fls. 153-153v e 1660-77, fls. 44-46v.
174
CS, vol. I, pp. 53 e 116; AHU, Bahia, LF, cx. 17, doc. 2002 e cx. 30, doc. 3723; cód. 16, fls. 106v-107; CS, vol.
II, pp. 48-50, 74-5 e 83-4; CS, vol. III, pp. 84-6; CS, vol. IV, pp. 3-12, 14, 42-3 e 68-9.
175
Cf. FRAGOSO, João. À Espera das Frotas: micro-história tapuia e a nobreza principal da terra (Rio de Janeiro,
c. 1600 – 1750). Tese de Titular. Rio de Janeiro: Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal
do Rio de Janeiro, 2005, pp. 80-7.
176
Como notou Pedro Puntoni, “O ‘mal do Estado brasílico’: a Bahia na crise final do século XVII” in: id. O
Estado do Brasil.
177
CS, vol. II, pp. 52-3. Pouco antes o tenente-general Jorge Soares de Macedo também pedira o envio de moedas
de cobre que correriam pelo triplo do valor no Brasil, de cujo ganho a Fazenda Real retiraria recursos para financiar
a fundação de Sacramento : RAU & SILVA, Os manuscritos da casa de Cadaval, vol. I, pp. 246-8.
330

república [e] de todo este Estado”178. Pediram, portanto, que o Rei não só aceitasse a valorização
que já vinha ocorrendo desde 1643 “por arbítrio daquele povo e autoridade do governador”,
como também a ampliasse, de modo a que a pataca corresse não por seu valor de face de 600
réis ou por 640, como então se admitia na Bahia, mas por 720 réis. Os Procuradores da Fazenda
e Coroa são contrários a essa medida, mas o Conselho Ultramarino, ainda mais simpático às
reivindicações das conquistas, recomenda apenas uma consulta à Junta do Comércio179. Após
diversas cartas da Câmara e repetidas instâncias do Conselho para que se chegue a uma
resolução, a Coroa acaba por proibir qualquer levantamento da moeda, comunicando sua
decisão ao governador em 3 de janeiro de 1682180.
Não devia, porém, ser fácil mudar uma situação perto de completar seu 40º aniversário.
Assim, enquanto o debate sobre a política monetária se intensificava no Reino181, a moeda
continuava a correr com um valor maior no Estado do Brasil, como apontou Bernardo Vieira
Ravasco em um interessante papel sobre a moeda produzido em 19 de abril de 1687, no âmbito
da discussão sobre a nova lei da cunhagem182, finalmente decretada em 1688. A moeda foi
desvalorizada em 20% e deveria possuir o mesmo valor em todo o império183, no auge da crise
econômica que assolava a produção açucareira (capítulo I). A mudança gerou fortes reações
nas conquistas, pois mesmo antes os mercadores já preferiam levar dinheiro do que açúcar, de
modo que o governador Matias da Cunha foi obrigado a lançar uma portaria proibindo que se
embarcasse dinheiro para o Reino184. Na Bahia, a lei não foi imediatamente aplicada em razão
dos “grandes inconvenientes” para a economia baiana, como o Chanceler da Relação e o
Arcebispo/Governador interino reconheceram, forçados a isso pela insatisfação local “de que
se alvoraçava o povo”, pois a moeda perderia quase 30% de seu valor. A Câmara repete, então,
seu pedido de uma “moeda nacional deste Estado por que não se leve a outras províncias”185.

178
CS, vol. III, pp. 100-1.
179
CS, vol. II, pp. 48-50 e DH, vol. 88, pp. 148-50.
180
CS, vol. II, pp. 52-3, 74-5 e 83-4; DH, vol. 88, pp. 171-2, 177-8 e 202-3; vol. 68, pp. 32-3.
181
Cf. HANSON, Carl. Economy and Society in Baroque Portugal, 1668-1703. Minneapolis: University of
Minnesota Press, 1981, pp. 149-59 (há edição portuguesa).
182
BPA, 51-VIII-34, fls. 31-38v. Nem dois meses depois, seu irmão, o Padre Antônio Vieira, também não se
furtava de criticar as mudanças monetárias, embora ainda não visse a moeda provincial como solução: VIEIRA,
Antônio. Cartas. Coordenação e notas de João Lúcio de Azevedo. São Paulo: Globo, 2008, vol. III, p. 378. As
páginas a seguir devem muito ao essencial trabalho de PUNTONI, Pedro. “O ‘mal do Estado brasílico’”.
183
AHMS, PR, vol. III, fls. 52-52v e DH, vol. 83, pp. 63-6. Cf. LIMA, Fernando. “A Lei de Cunhagem de 4 de
agosto de 1688 e a emissão de moeda provincial no Brasil (1695-1702). Um episódio da história monetária do
Brasil”. Revista de Economia Contemporânea, Rio de Janeiro, vol. 9, n. 2, 2005, pp. 385-410.
184
COELHO, Rafael. Moeda no Brasil no final do século XVII. Dissertação de mestrado. São Paulo: PPGHE/USP,
2013, p. 142.
185
CS, vol. III, pp. 84-5 (primeira e terceira citações) e DH, vol. 89, p. 151; cf. também AC, vol. VI, pp. 129-30 e
COELHO, Moeda, p. 152-78.
331

Assim, a discussão sobre a “moeda provincial” volta à pauta do Conselho Ultramarino


em 1689. Embora o Procurador da Coroa em Lisboa tenha concordado com a recusa em
implementar a lei, o Conselho Ultramarino defendeu sua aplicação inviolável, opinião seguida
pelo rei. Entretanto, o Doutor Valentim Gregório Resende foi da opinião oposta, tomando o
partido dos vassalos da Bahia ao afirmar que a criação e a manutenção de uma moeda provincial
por décadas havia se dado “por consentimento expresso, ou por permissão tácita de Vossa
Majestade”, devendo ser mantida para evitar novos inconvenientes186.
Assim, D. Pedro II ordenou em 1690 que a lei fosse aplicada, pois somente ao monarca
“tocava levantar a moeda, e a não a nenhum outro Magistrado”. Aceitava, porém, fazer uso
dessa prerrogativa, levantando ligeiramente algumas poucas moedas: cedia, mesmo que muito
menos do que os vassalos luso-brasílicos desejavam. A determinação devia ser aplicada “com
toda a suavidade”, de modo que o recém-empossado governador-geral Câmara Coutinho optou
por fazê-lo na véspera da partida da frota, para evitar os efeitos mais adversos da medida187.
Como seria de se esperar, a Câmara reagiu imediatamente, manifestando-se junto ao governador
e enviando mais uma carta à Coroa sobre “os imensos males desta resolução, e vem a ser que
correndo a moeda por tostões a ruína fica uma porta aberta para que se leve para Portugal todo
o dinheiro (como já se tem levado a maior parte)”, prejudicando a economia exportadora e
impossibilitando o pagamento dos oficiais régios. Se o problema continua, a solução também:
uma “nova moeda nacional e própria deste Estado, que não possa correr em outra parte”, para
preservar o “Estado do Brasil, que hoje é o melhor senhorio de Portugal”188.
O Senado liderou a tentativa de anular a lei na Relação, em um embargo assinado por
quase todas as elites: a nobreza, o cabido, os prelados das ordens regulares e os homens de
negócio, numa lista com mais de 100 assinaturas. Em uma argumentação mais política que
jurídica, declarou-se que “o decreto, provisão ou lei é tão alheio à clemência dos sereníssimos
senhores Reis de Portugal que sempre foram pais e seus vassalos”, porque o resultado seria
“extinguir totalmente o negócio e comércio de todo o Estado do Brasil (...) que é a joia mais
útil que tem a sua Coroa” com o envio da moeda para Portugal, como já os negociantes de
Lisboa estavam instruindo seus comissários em Salvador a fazer. A falta de recursos para a
defesa implicaria ainda que a cidade ficasse vulnerável a ataques. A única explicação para a
decisão, segundo se repete várias vezes, seria que “Sua Majestade não foi informado para esta
resolução com aquela verdade e zelo em que costuma fundar a soberana atenção de justiça que

186
AHU, Rio de Janeiro, Castro Almeida, cx. 9, doc. 1739.
187
DH, vol. 33, pp. 354-6 e 371-4; AHU, Bahia, LF, cx. 29, doc. 3643-4.
188
CS, vol. III, pp. 100-1.
332

igualmente guarda a seus vassalos”189. Como é característico do discurso dos camaristas, “a


defesa dos interesses da Coroa identifica-se com a defesa dos seus interesses como produtores
locais”190, devido à consciência que se tinha da contribuição baiana para as alfândegas.
Em seguida, os peticionários explicitam claramente a concepção contratual do poder
que unia vassalos e monarcas ao afirmarem que “nenhum príncipe do Mundo pode dar baixa à
moeda com prejuízo de seus povos, sem proceder o consentimento dos mesmos povos”, citando
em suporte dessa ousada declaração um acordo entre D. Afonso IV (1325-57), os povos e o
estado eclesiástico para que não se fizessem mais desvalorizações. “Por força deste contrato
parece que se não devia mandar abaixar a moeda no Brasil com tanto prejuízo de seus vassalos
sem lhes serem ouvidos”. O precedente não era, obviamente, dos mais sólidos, já que nos três
séculos e meio que haviam se passado desde esse suposto acordo diversas desvalorizações
foram determinadas pela Coroa portuguesa191. Logo em seguida a representação recua,
afirmando que “humildemente reconhecem os povos do Brasil, e com mais submissão e
obediência os desta cidade, que sem embargo do exemplo antecedentemente alegado pode a
potestade absoluta de Del-Rei Nosso Senhor dar baixa na moeda sem consentimento dos povos
de sua Monarquia”, mas repetem: “por direito o não podia fazer sem consentimento dos
vassalos do Brasil, e sem lhes serem ouvidos”. Assim, o rei podia tomar medidas sem construir
o consenso, mas não deveria – e os vassalos sentiam-se livres para dizê-lo (ainda que não
diretamente ao monarca, apesar de o embargo acabar sendo enviado ao Conselho Ultramarino),
pois, como vimos, era esse o tom predominante de sua experiência política ao longo do século.
Procuram, ainda, reforçar seu argumento numa interessante afirmação da paridade de
seu valor com os vassalos europeus, pois “sendo Vossa Majestade igualmente Senhor dos do
Brasil e Portugal” não deveria beneficiar uns em favor de outros, mesmo porque a moeda “que
vai para o Reino não tem nele mais duração que enquanto os estrangeiros a não levam”.
Entretanto, reconhecem que uma grande diferença, pois os vassalos da América, “não tendo
fácil o recurso impedido com o oceano, cuja distância o faz menos ouvido”192. Mesmo que,
como vimos, Salvador estivesse em contato muito mais intenso com a Coroa do que Câmaras
muito mais próximas a Lisboa, a demora inerente às viagens transatlânticas podia agravar certa

189
AHU, Bahia, LF, cx. 29, doc. 3644.
190
HANSEN, João Adolfo. A Sátira e o Engenho: Gregório de Matos e a Bahia do século XVII. São
Paulo/Campinas: Ateliê/Ed. UNICAMP, 2004 [1989], 2ª ed. rev., p. 148
191
O reinado de D. Afonso IV geralmente é considerado um período de afirmação da autoridade régia, inclusive
sobre os poderes concelhios, e não consegui encontrar referência alguma a esse suposto contrato: cf., de qualquer
maneira, SOUSA, Bernardo Vasconcelos de. D. Afonso IV. Lisboa: Círculo de Leitores, 2005. Sobre as
manipulações monetárias, cf. COSTA, Leonor Freire; LAINS, Pedro & MIRANDA, Susana Münch. História
Econômica de Portugal, 1143-2010. Lisboa: Esfera dos Livros, 2011, pp. 40-1 e 178.
192
AHU, Bahia, LF, cx. 29, doc. 3644.
333

sensação de insatisfação e injustiça em razão das medidas tomadas por um rei que só poderia
ter sido enganado. Por outro lado, a intensa ligação econômica entre Salvador e Lisboa
possibilitava o regular envio de correspondências: assim, se os 6500 quilômetros de água que
separavam Salvador de Lisboa representavam uma dificuldade tão deplorada, por isso mesmo
se mostravam um estímulo a se escrever mais e mais, reforçando os laços políticos
transatlânticos que mantinham o império vivo193.
Retornemos à moeda. Como não obtiveram sucesso, os camaristas voltam à carga em
julho de 1692, reforçando argumentos há muito repetidos, redobrando as apostas na
comunicação política. Para isso, alistaram o enfático apoio do governador-geral Câmara
Coutinho, autor de longa carta ao monarca em que expõe eloquentemente pontos de vista muito
similares aos esposados pela nobreza baiana, num esforço claramente concertado 194. Esse
provavelmente foi um dos motivos para o requerimento da Câmara soterolitana na mesma frota
pedindo a prorrogação de seu mandato “por mais três anos com o título de vice-rei”195. No
mesmo mês juntou-se ao coro o venerável Padre Vieira, defendendo com sua verve
característica a necessidade de uma moeda provincial em suas cartas aos ex-governadores
Roque da Costa Barreto e Marquês das Minas, ao antigo valido de D. Afonso VI Conde de
Castelo Melhor, ao Duque de Cadaval, ao fidalgo e cortesão Cristóvão de Almada e ao Doutor
Diogo Marchão Temudo196. Seu irmão também termina seu parecer sobre a defesa militar da
Bahia enfatizando a necessidade da moeda provincial, como já havia feito anos antes, essencial
para suprir as necessidades logísticas de defesa da capitania197.
Todos esses esforços foram mal sucedidos, e o governador-geral e almotacé-mor
defende mais uma vez a moeda provincial em 1693, nuançando um pouco suas sugestões ao
restringir a moeda provincial àquela cunhada em prata198. Dessa vez, porém, é a Câmara que se
destaca por sua prolixidade, enviando longas representações das três ordens (Clero, Nobreza e
Povo) à Coroa para pedir a instauração de uma Casa da Moeda em Salvador, “este só o meio

193
FIGUEIREDO, Revoltas, fiscalidade e identidade colonial, pp. 289-306, apesar de o autor sobrevalorizar a
oposição entre os vassalos brasílicos e a Coroa. Cf. também GARRETT, David. “‘En lo remoto de estos reynos’:
distance, jurisdiction, and Royal government in late Habsburg Cuzco”. Colonial Latin American Review, vol. 21,
n. 1, 2012, pp. 17-43.
194
DH, vol. 33, pp. 430-40. COELHO, Moeda, p. 167 nota a semelhança entre a argumentação do almotacé-mor
e do Padre Vieira em carta escrita três dias antes ao Duque de Cadaval: VIEIRA, Cartas, vol. III, pp. 439-40.
195
CS, vol. III, pp. 110-1.
196
VIEIRA, Cartas, vol. III, pp. 438-54.
197
BPE, CV/1-17, fl. 299v. Esse “discurso político” havia sido escrito a pedido do governador recém-nomeado do
Rio de Janeiro, Antônio Paes de Sande, como se vê em carta do irmão do autor: VIEIRA, Cartas, vol. III, p. 447.
Os “remédios políticos” que se seguem, enfatizando a importância da moeda provincial, provavelmente foram
enviados na mesma ocasião, embora sejam datados do ano seguinte: fls. 300-313v.
198
DH, vol. 34, pp. 151-3. Para seu bando no início desde ano, evidenciando a continuidade das discussões e
disputas no âmbito local enquanto se aguardava uma decisão régia, cf. AHMS, PG, 1689-95, fls. 156v-159.
334

conveniente e eficaz para se poderem remediar os danos todos (...) não merecendo menos os
vassalos do Brasil à Sua Majestade que os de Portugal”199. Se ao longo de todo século se faziam
comparações com câmaras do Reino e da Índia para justificar pedidos de privilégios, a
discussão sobre moeda ensejou demandas explícitas por uma paridade que os vassalos baianos
acreditavam ser mais que justa, concebendo-se como uma província portuguesa, mesmo que
localizada no ultramar: a necessidade de dizê-lo, porém, já indica que temiam que as coisas não
funcionassem exatamente dessa maneira.
Apesar desses medos, seus argumentos foram bem sucedidos. As representações
concertadas inclinaram a balança a favor do Estado do Brasil, pois em sua avaliação o Duque
de Cadaval notou que “não pode haver verdade mais provável que a do comum consentimento
de todos”. Afirmou, assim, ser necessário remediar a falta de moeda, “supostas as terríveis
consequências da sua ruína. Além de tudo o referido tenho esta matéria por muito grave, e
arriscada, e falando somente com vossa mercê temo muito a desesperação da gente da Bahia
muito cobiçosa e altiva, por uma inveterada natureza”200. O caráter privado do documento
permite que o Duque, “primeira figura da Grandeza do reino e personagem tutelar do governo
de D. Pedro desde o afastamento de Castelo Melhor”201, revele uma visão da “gente da Bahia”
muito distante dos vassalos leais e valorosos que sustentaram a infantaria tão elogiados pelo
Conselho Ultramarino décadas antes. Apesar do contínuo esforço fiscal da localidade
necessário para manter os soldados e pagar o donativo do dote e paz, os longos anos passados
desde a guerra contra os neerlandeses tendiam a borrar as lembranças sobre os serviços da elite
baiana e, consequentemente, diminuir a visão positiva sobre eles que marcou o início do período
brigantino, tanto entre os conselheiros quanto entre o próprio rei. Os agradecimentos
praticamente sumiram das cartas régias, parecendo que, após um início frágil, a nova dinastia
brigantina tendia a conceber os serviços de seus vassalos mais como uma obrigação, e menos
como uma ação voluntariamente tomada a merecer elogios e recompensas, insinuando uma
transformação que se consolidaria nas primeiras décadas do século seguinte, como já
mencionamos no capítulo anterior no tocante à administração dos donativos pelo Senado.
Entretanto, fazia-se necessário tomar uma atitude frente a um longo e unificado esforço
de mudar a política régia. Assim, em 8 de março de 1694 D. Pedro II finalmente concordou em
fundar uma Casa da Moeda na Bahia para cunhar a moeda provincial. É de se notar que não

199
CS, vol. III, pp. 114-7; vol. IV, pp. 3-14; citação às pp. 7-8.
200
British Library, Additional Manuscripts, n. 15170, fls. 207-207v. Agradeço a Luciano Figueiredo pela cessão
desse documento.
201
MONTEIRO, Nuno Gonçalo. “Identificação da política setecentista. Notas sobre Portugal no início do período
joanino”. Análise Social, vol. 25, n. 157, 2001, p. 972.
335

encontrei representações em 1692-3 das Câmaras ou dos governadores do Rio de Janeiro e de


Pernambuco, indicando ser a criação da Casa da Moeda um sucesso oriundo principalmente
dos esforços baianos. O levantamento da moeda em 10% em relação ao Reino era menos do
que os 20% reivindicados, mas mesmo assim tornava atraente a cunhagem. Ao mesmo tempo,
o monarca proibia o transporte da moeda provincial para fora da América Portuguesa e, no ano
seguinte, proíbe mesmo a circulação de moeda do Reino no Brasil. O resultado foi a cunhagem
entre 1695-8 de mais de 2.302.000 cruzados, soma astronômica, superior à atividade média da
Casa da Moeda lisboeta por esses anos, demonstrando tanto o vigor econômico da capitania
quanto o alarmismo das lamentações anteriores sobre a fuga da moeda, indicando que esta
estava antes entesourada que desaparecida202.
A discussão sobre a moeda provincial mereceu uma análise mais detalhada do que
outros temas desse capítulo, não só por sua importância, mas também por demonstrar
exemplarmente o complexo processo de negociação que permeava a comunicação política entre
Reino e Ultramar. Embora o poder de levantar a moeda fosse exclusivo dos monarcas, na prática
governadores e Câmaras das principais praças do Brasil atuaram em conjunto para criar uma
moeda provincial de facto durante quase meio século, mesmo contra determinações da Coroa203.
Por outro lado, a chancela régia continuava a ser valorizada, pois somente ela poderia dar
estabilidade a essa situação. Quando decidia emitir ordens expressas, a Coroa mantinha o poder
de alterar a ordenação monetária do Estado do Brasil, como ocorreu em 1691. Em última
instância, a criação da Casa da Moeda é indício tanto da relevância da autoridade régia quanto
da capacidade das elites ultramarinas influenciarem a formulação da política no centro –
especialmente se contassem com o apoio dos governadores e ouvidos simpáticos na Corte.
A inserção da Bahia na economia internacional e o papel de Salvador como porto
exportador de açúcar e tabaco, bem como importador de escravos, alimentos e manufaturados,
faziam com que o comércio fosse um elemento constituinte da vida de todos os habitantes da
região. Creio mesmo que a Bahia estivesse mais imersa em redes mercantis que a maior parte
do Reino, com exceção de Lisboa e, talvez, do Porto. Assim, mesmo que a Coroa estivesse
longe de conseguir regular o fluxo de mercadorias e moeda, sua capacidade de intervenção
legislativa nesses setores era reconhecida pela elite baiana, como mais um elemento a reforçar
a cadeia de interesses que faziam a “cabeça do Estado do Brasil” se ligar à Corte.

202
CCLP, vol. 10, pp. 345-6; COELHO, Moeda, pp. 188-220.
203
Para outras capitanias nos anos seguintes à lei de 1688, veja-se COELHO, Moeda, pp. 178-83, ainda que seja
necessário investigar a antiguidade desses procedimentos fora da Bahia.
336

Apesar de essenciais, nenhum dos aspectos econômicos citados acima estão ligados
diretamente à produção, só raramente presente nas missivas da municipalidade. O caso mais
importante foi, certamente, a discussão entre 1660-84 sobre a proibição ou não da construção
de engenhos no Recôncavo (capítulo I). O único outro exemplo no qual o Senado pede a
regulamentação do monarca em um aspecto da produção é quando, em 1686, demanda uma lei
para obrigar a plantação de mandioca no Recôncavo, “com pena que mova o temor” e
recomendações para que os “governadores a façam dar execução, porque por esta Câmara ficará
sem fruto, pela razão de serem os que nela servem dos mesmos que hão de ser obrigados”204. A
resposta régia foi positiva, emitindo alvará nesse sentido em 1688 205. Esse é o principal
documento em que há uma discussão do abastecimento interno da capitania, temática muito
rara na comunicação política.
Os camaristas pedem, portanto, a intervenção régia em questões de regulamentação do
uso da terra nas quais as divisões entre a açucarocracia se revelavam fortes demais para permitir
uma ação concertada. Surgia, nessas polêmicas, um espaço regulatório para a Coroa, em
resposta a demandas locais. Assim, a interferência da monarquia nesse campo (como em
diversos outros) parece ter sido predominantemente reativa, aproveitando-se de questões que
faziam os brasílicos demandarem a ação do centro político.
Entretanto, praticamente inexistiu qualquer tentativa de regulação das relações de
produção. Explica-se, assim, a ausência quase total da temática da escravidão nestas cartas
(somente 1% das missivas). Mesmo quando dela se tratava, outras questões predominavam,
como no caso da já mencionada carta de 14 de agosto de 1671, na qual os camaristas pediram
ao monarca que fosse instituída uma devassa anual pelo Recôncavo para castigar os escravos
“feiticeiros”, que matavam muitos cativos “repentinamente e sem confissão”206. Essa
reclamação singular explica-se porque a feitiçaria configurava-se um crime fora da alçada da
Câmara e contra o qual os senhores se sentiam impotentes, gerando grande temor entre a
açucarocracia. Tais casos eram numerosos e continuaram a sê-lo207, apesar da resposta positiva
do monarca, que recomendou ao governador-geral que fizesse diligências pelo Recôncavo,
“porque é necessário acudir disto com remédio pronto”208.

204
CS, vol. III, pp. 32-3.
205
LARA, Silvia Hunold (ed.). “Legislação sobre escravos africanos na América portuguesa” in: GALLEGO,
José-Andres. Tres Grandes Cuestiones de la Historia de Iberoamérica. Madrid: Fundación Mapfre
Tavera/Fundación Ignacio Larremendi, 2000, p. 198.
206
CS, vol. I, pp. 102-3.
207
Cf. AHU, Bahia, LF, cx. 25, doc. 3018; SWEET, James H. Recreating Africa: Culture, Kinship, and Religion
in the African-Portuguese World, 1441-1770. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 2003, pp. 119-88.
208
DH, vol. 67, pp. 132-3.
337

Em duas outras correspondências, a questão é o tráfico: para garantir a oferta de cativos,


o Senado pede que não possam ser enviados para Portugal e nem, após a descoberta do ouro,
quando Salvador deixa de ser o mercado mais atrativo da América Portuguesa, para outras
capitanias do Brasil209. Já a Coroa só trata do tema na comunicação com o Senado ao mandar
registrar um alvará sobre o castigo e cativeiro dos negros de Palmares 210, pois as outras três
cartas tratam do cativeiro de indígenas em início do seiscentos.
Houve, porém, uma interessante resolução régia em 26 de junho de 1642, em resposta a
um papel do Marquês de Montalvão sobre uma resolução a que ele havia chegado com a
Câmara, vista como uma solução possível ao problema dos cativos fugitivos: venderem-se os
negros capturados para cobrir os custos das expedições de destruição dos mocambos, como já
se havia feito duas vezes, sob a justificativa de que se tratava de criminosos. D. João IV
determinou que “não podia obrar nesta matéria coisa alguma por não pertencer à Câmara
resolvê-la e mandá-la executar, nem haverem dado consentimento válido os donos dos
escravos”. Decide-se, assim, que os crimes de cada cativo deviam ser individualmente
apurados, e os senhores contribuírem para tais expedições – com o objetivo explícito de garantir
a propriedade servil, essencial para o funcionamento de qualquer sociedade escravista,
afigurando-se desse modo a principal contribuição da Coroa para a perpetuação da escravidão.
Seguia-se, assim, o parecer dos três governadores que haviam substituído Montalvão, dois dos
quais, como vimos no capítulo V, brasílicos: “a Câmara não podia fazer que os cativos de
terceiros fossem de outros, nem tirados a seus donos, nem a cidade veio nisso, como consta do
termo que se fez, e ainda que viera nem assim bastava, porque não o concorria o consentimento
de seus donos”, contra o parecer do Procurador e da maioria dos conselheiros da Fazenda, que
votaram pela legalidade da manobra do vice-rei211.
Em finais do século, chega a haver algumas tentativas de ingerência régia na relação
senhorial, criando-se em 1688 “duas leis dando a qualquer um, inclusive aos próprios cativos,
o direito de denunciar senhores de escravos cruéis às autoridades civis ou eclesiásticas” – leis
que não foram enviadas à municipalidade, talvez antevendo as reações negativas. Tal
intromissão foi, porém, muito mal vista pelos proprietários, e não conseguiu obter sequer a
concordância dos governadores (o que pode explicar porque a Câmara não precisou adentrar

209
CS, vol. II, pp. 20-1 e vol. V, p. 27.
210
AHMS, PR, vol. III, fls. 11-13v e 16v-18v.
211
IAN/TT, Ministério do Reino, Conselho da Fazenda, L. 161, fls. 130-130v (primeira citação) e AHU, Bahia,
Avulsos, cx; 1, doc. 39 (segunda); cf. também AC, vol. I, pp. 327-9, 333-5 e 477-9 e LARA, Silvia Hunold.
Palmares & Cucaú: o aprendizado da dominação. Tese de Titular. Campinas: Unicamp, 2008, pp. 35-9 e 210-27:
em 1678, membros do Conselho Ultramarino também criticaram a possibilidade de fazer acordos com os
palmarinos pelo prejuízo que causariam aos direitos de propriedade dos senhores.
338

neste debate). Em geral, “no tocante à escravidão, a Coroa essencialmente não interferia”, pois
ela estava incluída no âmbito do governo doméstico, responsabilidade do pater familias212.
A comunicação política implicava a discussão de eventos extraordinários ou
reclamações e demandas, muitas vezes oriundas de conflitos de jurisdição. Nada disso se aplica
ao cotidiano do cativeiro: todos aceitam plenamente a propriedade senhorial, e temas tão
consensuais sequer precisam ser debatidos, pois são pressupostos inerentes ao funcionamento
daquela sociedade. A escravidão não fazia parte, portanto, do debate entre Coroa e elites locais,
pois ambos os polos estavam plenamente de acordo sobre ela. Na maioria dos momentos,
provavelmente tal temática sequer ocorreria aos camaristas e conselheiros ultramarinos, tanto
quanto discutir a subordinação de suas esposas e filhas213.

Privilégios e mercês
Mencionamos muitos pedidos de intervenção nos assuntos mais diversos: crédito,
moeda, tráfico, construção de engenhos, conflitos de jurisdição... Tais demandas muitas vezes
assemelhavam-se antes a requerimentos de privilégios, o que é compreensível se lembrarmos o
profundo entrelaçamento entre política e economia que caracterizava a época moderna.
Chegamos, assim, ao tema que classifiquei como “Mercês”, rubrica sob a qual estão 35 cartas
da municipalidade, representando 7% do total214. Aqui encontramos pedidos que visam a
aumentar a dignidade da Câmara e de seus oficiais, como a possibilidade de eleger mesteres e
juiz do povo215, os privilégios dos cidadãos do Porto (capítulo IV)216 e o já mencionado desejo
de ocupar o primeiro banco nas Cortes. Outros aparentemente respondem a demandas
específicas da elite e grupos intermédios, como da fundação de uma universidade em Salvador
como a de Évora, tendo por base o colégio jesuítico. A demanda foi repetida nada menos que
seis vezes no decorrer de mais de vinte anos, entre 1658 e 1681, porque “os merecimentos dos
filhos desta cidade são iguais a todos os do Reino, porque suas habilidades não desmerecem
das mais, e nas letras também têm mostrados seus talentos”, assim como os custos, distância e

212
SCHWARTZ, Segredos Internos, pp. 123-4 e 221; cf. também LARA, Silvia Hunold. Campos da Violência:
Escravos e Senhores na Capitania do Rio de Janeiro, 1750-1808. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1988, pp. 64-6 e
MARQUESE, Rafael. Feitores do corpo, missionários da mente: senhores, letrados e o controle dos escravos nas
Américas, 1660-1860. São PaulO: Companhia das Letras, 2004, pp. 46-68. As cartas régias estão publicadas em
DH, vol. 32, pp. 393-4 e vol. 68, pp. 160-1.
213
Para um paralelo, cf. BROWN, Kathleen M. Good Wives, Nasty Wenches & Anxious Patriarchs: Gender, Race
and Power in Colonial Virginia. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 1996.
214
Quantitativo similar às petições das Cortes de 1645: CARDIM, Cortes e Cultura Política, p. 153.
215
CS, vol. I, pp. 16-7.
216
AHU, LF, cx. 10, doc. 1176; cf. também CS, vol. I, pp. 55-6 e vol. IV, pp. 76-7.
339

falta de cabedais217. Em razão da dominação institucional da Universidade de Coimbra nos


estudos superiores, o pedido foi atendido apenas parcialmente após representação do
procurador em Lisboa, pois seria levado em conta em Coimbra um ano de estudo na Bahia,
seguindo exemplo de Braga e confirmando precedente de 1639218.
Em outra questão, porém, os pedidos da Câmara obtiveram mais sucesso, depois de 60
anos de insistência: a fundação de um convento (capítulo III). O papel da Coroa como fonte de
privilégios obrigava o recurso a ela pela Câmara soteropolitana, desejosa de distinções que
reafirmassem sua posição social cimeira na capitania. Ainda que na Bahia certamente
estivessem em ação mecanismos próprios, locais e costumeiros de hierarquização social, a
obtenção de privilégios régios configurava-se como uma aspiração significativa para a elite
baiana, como denota sua intensa participação na economia de mercê219.
Aqui, como no restante das demandas da municipalidade, o discurso é similar ao
utilizado nas petições das principais câmaras portuguesas. A ênfase na lealdade e fidelidade
demonstra que a elite da Bahia já dominava todo o vocabulário reivindicativo típico daquela
época, interagindo com as autoridades de Lisboa de uma forma estruturalmente idêntica às
principais nobrezas provinciais do Reino – inclusive no tocante ao caráter eminentemente local
dos temas abordados. Aqui, como lá, os requerimentos afirmavam “que uma situação
harmoniosa havia sido quebrada, resultando daí um estado de injustiça carente da intervenção
mediadora do rei”, fosse através da punição do culpado, reversão da mudança ou concessão de
privilégio como recompensa pelos serviços e compensação pelos danos220.
Outro tipo de carta provavelmente adquiria um significado similar ao reafirmar
periodicamente a pertença dos vassalos ultramarinos à monarquia lusitana: as missivas em que
a Coroa comunicava os eventos vitais da família real, como nascimentos, casamentos e mortes,
para que na Bahia se fizessem as demonstrações esperadas “de tão bons e leais vassalos”, além
da comunicação de eventos excepcionais, como a Aclamação e a convocação para as Cortes221.
O maior número de missivas deste tipo sob D. Pedro, especialmente no último quartel do
seiscentos, é um indicador da intensificação da relação política entre Salvador e a Coroa e da

217
Citação em AHU, Bahia, LF, cx. 16, doc. 1856, em carta de 19 de maio de 1662, enviada novamente em 10 de
dezembro do mesmo ano. Cf. também cx. 15, doc. 1730; cx. 17, doc. 1955; CS, vol. II, p. 11 e 105-6. Para a
apreciação melhor documentada dessa questão, cf. LEITE, História da Companhia, vol. VII, pp. 191-208.
218
AHMS, PR, vol. 2, fls. 185-186v; CORDEIRO, J. P. Leite (ed.). “A segunda tentativa de criação de uma
Universidade no Brasil”. Revista de História (USP), vol. 7, n. 16, 1953, pp. 443-5.
219
KRAUSE, Em Busca da Honra.
220
Veja-se, apesar das diferenças entre os requerimentos camarários usuais e as petições em Cortes, CARDIM,
Cortes e Cultura Política, pp. 136-51 (citação à p. 143).
221
Topos repetido em quase todas essas missivas: AC, vol. II, pp. 9-10; AHMS, PR, vol. II, 6-6v, 132-132v, 179-
80, 208-209v; vol. III, fls. 3, 22v, 53, 62v, 80v, 84v, 94, 103 e 107.
340

valorização da municipalidade como interlocutora regular da Coroa, pois até então era o
governador-geral quem recebia regularmente correspondências desse gênero. Desde o início da
dinastia brigantina o Senado expressa sentimentos apropriados nessas ocasiões, como quando
do falecimento do rei D. João IV, descrevendo-se o modo como a notícia tinha sido recebida na
Bahia e, também, a solenidade que fora de imediato organizada na catedral de Salvador em
honra do falecido soberano222. A câmara de Salvador estava empenhada em demonstrar junto
das autoridades de Lisboa que também ela acompanhava os principais acontecimentos da corte,
assinalando-os através de cerimônias muito semelhantes às que se realizavam em diversas
partes da monarquia. Assim, a Bahia demonstrava seu pertencimento ao mundo português
através de reações adequadas de pesar ou júbilo, como em carta de 23 de agosto de 1663:

Por via da cidade do Porto chegou a feliz nova da vitória que as armas de Vossa Majestade
alcançaram no campo de Extremoz, de que damos a Vossa Majestade prostrados a seus reais
pés o parabéns, assegurando-nos que deste principio tão ditoso irá vossa Majestade alcançar
muito maiores para que se desenganem os reinos estranhos na monarquia que Vossa Majestade
há de lograr ditosos anos para nos defender e amparar. Foi celebrada nesta cidade com todo o
aplauso que merecia como faremos as que esperamos223.
Dessa maneira, apesar da tão deplorada distância produzia-se uma sensação de
comunidade através do Atlântico, na qual uma vitória na fronteira com Castela era motivo de
festa na América, e a morte de um rei, de pesar, tanto quanto seriam no Reino.

Conclusão
A capacidade da monarquia de conceder privilégios, criar instituições, regular conflitos,
emitir leis (embora estas estivessem longe de serem sempre eficazes) e regular questões
macroeconômicas como comércio e tributação exigia que se mantivesse um constante contato
entre os representantes do poder local e Coroa. A interpenetração entre centro político e
localidades fazia com que este fosse um processo de mão dupla, no qual a iniciativa podia partir
de ambos os lados. Na tributação, quase sempre era a Coroa a colocar temas em pauta com os
quais a Câmara precisava lidar, num diálogo similar ao estabelecido com os governadores. Nos
conflitos políticos e jurisdicionais, assim como nos regulamentos sobre comércio e moeda, a
Coroa se via intimada a agir pelo Senado. Em todos os temas, porém, a Coroa necessitava do
saber local da Câmara, a lhe oferecer outra perspectiva além das cartas do governador, sua
principal, mas não única, fonte de informação: não é à toa que a maior parte das consultas ao
Conselho Ultramarino fazia uma síntese das cartas originalmente enviadas pelos vassalos, e

222
CS, vol. I, pp. 56-7; veja-se também vol. II, p. 121, dentre outros.
223
AHU, Bahia, LF, cx. 17, doc. 1948. Para os outros casos, cf. CS, vol. I, pp. 13-6, 60 e 78-80; vol. II, pp. 73-4,
81 e 120-1; AHU, Bahia, Avulsos, cx. 2, doc. 111 e LF, cx. 17, docs. 1901 e 1988.
341

muitas vezes tais trechos acabavam aparecendo na carta régia que procurava resolver a
demanda. O próprio sistema de consultas possuía um “carácter consensualístico”, já que
buscava “a manutenção dos equilíbrios sociais” ao unificar pontos de vista distintos224. Por
outro lado, o Senado ansiava pela legitimidade e benesses que só a monarquia poderia conceder.
Em Salvador, havia ao menos cinco polos de poder relevantes: o governador-geral, a
Câmara, o Tribunal da Relação, o provedor-mor e o (arce)bispo/cabido, para além das múltiplas
parcialidades dentro da elite local. Os diversos conflitos daí decorrentes abriam espaços para a
atuação do monarca como árbitro, impedindo o encapsulamento local da política. Já a inserção
da Bahia no mundo atlântico tornava desejável e necessário o recurso às capacidades
regulatórias da Coroa. Por outro lado, se o rei podia impor donativos e contribuições, o caráter
teoricamente voluntário dessa tributação exigia a participação das elites locais, sem as quais o
monarca não teria como extrair as dezenas de milhares de cruzados anuais necessárias para
sustentar a infantaria, pagar os donativos, consertar o cais de Viana, socorrer Sacramento e o
que mais lhe parecesse necessário.
O quadro que emerge através dessas centenas de pinceladas está longe de retratar a
marcha inexorável de formação de um “Estado Absolutista” ou uma dominação sem
qualificativos de um centro metropolitano sobre sua colônia subordinada225. Por outro lado,
também não me parece factível considerar que a autoridade monárquica fosse acima de tudo
simbólica e de pouca significância prática, deixando um espaço irrestrito para a “hegemonia
brutal das elites locais”226. Nenhum dos dois extremos é capaz de explicar a intensidade e o tom
desses contatos entre a Coroa e o Senado soteropolitano.
Apesar de ser necessário analisar sistematicamente os códices de cartas régias do
Arquivo Histórico Ultramarino para determinar o peso de cada um desses polos na
correspondência da Coroa, a municipalidade recebia mais missivas do centro do que o
provedor-mor, a Relação e o arcebispo, indicando uma relação tão forte com o monarca que,
mais que negociação, representava uma imbricação característica (ao menos no caso do
ultramar) do período brigantino, cuja ascensão deu-se em um contexto de fragilidade e
necessidade que reforçou uma relação de interdependência com os poderes locais, capazes de
ampliar significativamente sua esfera de atuação – ainda que as bases desse processo tenham

224
CARDIM, Pedro. “‘Administração’ e ‘governo’: uma reflexão sobre o vocabulário do Antigo Regime” in:
BICALHO, Fernanda & FERLINI, Vera (orgs.). Modos de Governar: ideias e práticas políticas no Império
português, séculos XVI-XIX. São Paulo: Alameda, 2005, p. 57.
225
NOVAIS, Fernando A. Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808). São Paulo: Hucitec,
2006 [1979], 8ª ed., p. 62; para uma visão mais nuançada, porém, conferir p. 111: “em última análise, no âmbito
da colônia, tudo depende da camada senhorial”.
226
HESPANHA, As Vésperas do Leviathan, p. 465.
342

sido lançadas na relação com os governadores-gerais após 1625 (capítulo V). A intensidade da
comunicação indica a necessidade do outro: se a Coroa precisava dos grandes municípios para
arrecadar recursos para sua defesa, as elites locais, e ainda mais as ultramarinas, necessitavam
da monarquia para legitimar e ampliar seu poder e prestígio, sendo compostas por famílias em
processo de sedimentação e vivendo um processo de consolidação como grupo social. A
consolidação dessa elite implicava, em verdade, um maior desejo de contar com o apoio régio,
na tentativa de integrar a Bahia como uma província da monarquia, na mesma posição que suas
contrapartes portuguesas.
É, assim, a interdependência a marcar a tônica da relação entre o centro político e sua
mais importante possessão atlântica no século XVII, especialmente após a ascensão da dinastia
brigantina, de forma notavelmente similar ao restante do mundo português227. As diferenças
com o Reino ou a Índia provavelmente não eram mais que de grau, pois em todos os lugares
submetidos à soberania portuguesa se desenvolveram mecanismos paralelos de participação das
elites locais na arrecadação de recursos e no governo político da República.
Assim, a comunicação aproximava a experiência política baiana de suas congêneres
europeias, ainda que, como vimos, a figura do governador representasse uma diferença
fundamental. Sua presença ensejava um diálogo muito mais intenso com a administração
periférica da Coroa do que na quase totalidade dos municípios de Portugal continental e, apesar
de suas limitações jurisdicionais, funcionava como uma maneira eficaz de contornar a demora
inerente à distância que separava a cabeça do Brasil do coração do império, ao mesmo tempo
em que suportava o grosso das insatisfações dos vassalos. Ao mesmo tempo, exatamente porque
os poderes dos governadores-gerais eram mais limitados do que os gozados pelos vice-reis
hispânicos, fazia-se necessário recorrer muito mais frequentemente à Corte – o que também
deve ter contribuído para um condicionamento das ações dos governadores, deixando ao menos
a possibilidade de denúncia sempre presente. Assim, a correspondência transatlântica tinha
caminho aberto para reiterar a proximidade simbólica entre vassalos e monarcas:
paradoxalmente, “a distância aproximava vassalos dos reis”228.
Se a importância soteropolitana permitia que suas elites eventualmente conseguissem
intervir significativamente na política régia, como a concessão de privilégios para proteger a
açucarocracia e, principalmente, a criação da Casa da Moeda em 1694 demonstram, a forte

227
Para um paralelo com o contexto europeu, cf. GIL PUJOL, Xavier. “Centralismo e Localismo? Sobre as
Relações Políticas e Culturais entre Capital e Territórios nas Monarquias Européias dos Séculos XVI e XVII”.
Penélope: fazer e desfazer a história, n. 6, 1991, pp. 119-44.
228
FIGUEIREDO, Revoltas, Fiscalidade e Identidade colonial, p. 299 – apesar de que, como já notei em diversos
momentos, minha percepção sobre essa proximidade é muito mais otimista do que a desse autor.
343

ligação com o centro político também condicionava mais suas possibilidades de atuação: o
poder vinha com restrições, pois, longe de uma relação unilateral, a relação política entre Coroa
e conquistas era uma “coprodução” em que ambos os polos pautavam assuntos e precisavam
aceitar compromissos, em negociação contínua. Assim, se é possível falar de uma “cogestão
lusitana e brasílica no Atlântico Sul”229, ela começara nas Câmaras que, como representantes
das elites locais, possibilitaram a conservação e reiteração tanto do domínio da monarquia
quanto das nascentes nobrezas da América Portuguesa numa relação que, ao fim e ao cabo,
reforçou ao longo do século XVII o poder de ambas as partes, legitimando-o230.
Podemos, assim, repetir aqui um hispanista alemão: “a informação sobre a periferia não
aumenta simplesmente o saber do centro, mas o configura, e não poucas vezes em benefício da
periferia, pode ‘co-decidir’ o que vê e o que não vê o centro”. Muitas vezes, as notícias chegadas
das periferias sequer eram aproveitadas pelo centro político, devido à inexistência de uma
estrutura capaz de processar tamanha quantidade de dados231. Assim, mais do que informar, o
objetivo da comunicação política era o consenso232. Afirmava-se deste modo tanto a
“centralidade do centro” quanto a “centralidade da periferia”, dois aspectos constituintes e
indissociáveis do império português, pois os polos dessa relação de interdependência buscavam
o “bem comum”, definido como o benefício do monarca e das elites locais, dentro de uma
concepção profundamente hierárquica de mundo em que os fardos e benefícios deviam ser
distribuídos desigualmente, de acordo com o estatuto de cada grupo.

229
ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul, séculos XVI e
XVII. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, pp. 76 (citação) e 221-325.
230
Em um ensaio excepcional, Florestan Fernandes já afirmara há quase 40 anos que “a Coroa e os estamentos
senhoriais eram o que hoje se poderia chamar de irmãos siameses. (...) Tanto a riqueza e o poder da Coroa quanto
a riqueza e o poder do colono privilegiado cresciam do mesmo modo e na mesma direção”. Entretanto, influenciado
por Faoro e pela teoria da dependência, o sociólogo continuou a priorizar a Coroa, relegando as elites brasílicas a
uma posição secundária: “A sociedade escravista no Brasil” in: id. Circuito Fechado: quatro ensaios sobre o “poder
institucional”. São Paulo: Hucitec, 1976, p. 44.
231
Como viria a ocorrer muito mais tarde com os dados recolhidos pelas “viagens científicas” de finais do XVIII:
RAMINELLI, Viagens Ultramarinas, p. 119 e DOMINGUES, Ângela. “Para um melhor conhecimento dos
domínios coloniais: a constituição de redes de informação no Império português em finais do Setecentos” [2001]
in: id. Monarcas, Ministros e Cientistas: mecanismos de poder, governação e informação no Brasil Colonial.
Lisboa: CHAM, 2012, pp. 148-50.
232
BRENDECKE, Império e información, p. 38; ver pp. 27, 76-7, 293 e 484; também HERZOG, Ritos de Control,
pp. 10-1, 52, 71-2, 144-6, 153 e 185-6.
344

Conclusões

Vossa mercê como procurador deste povo deve fazer presente a Sua Majestade que não somos
vassalos conquistados senão muito obedientes, e que a desgraça de vivermos afastados da sua
presença não há de ser causa de nos carregarem com o excesso que experimentamos, porque o não
merece a fidelidade, amor, e despesa com que se assiste a seu Real Serviço, que não é só o que se
assiste de presente, senão grandes quantias que se despenderam nas armadas, fortificações e outras
muitas despesas, e também derramaram nossos antecessores o sangue e custou a muitos as vidas, sem
mais prêmio que o da nossa fidelidade e obediência.
Tomaremos para consolação nossa saber qual seja o povo de Portugal que tenha o encargo de pagar
40 [mil cruzados de] donativos cada um ano para o Dote e Paz, e mais de 50 [mil cruzados de]
donativos para o sustento da infantaria, e sobre isto se tiram dos nossos frutos o excesso dos direitos,
que tudo resulta em diminuição dos nossos cabedais, em que Sua Majestade não entra com alguma
despesa, e interessa todos os anos a metade dos rendimentos que cultivamos, que tanto importam os
direitos.
Carta da Câmara de Salvador ao Procurador na Corte Manuel Carvalho, 12 de agosto de 1688.

Na transição do século XVI para o XVII, muitas das primeiras famílias senhoriais da Bahia
estavam sendo substituídas por novas, as quais, juntamente com algumas remanescentes do período
inicial, ascenderiam para a preeminência política ao longo do seiscentos. Tal processo foi
concomitante à transição para a escravidão africana, sugerindo que as primeiras famílias foram
incapazes de se adaptar à nova forma de reprodução social através do tráfico negreiro e não mais
do apresamento de indígenas.
Sabemos ainda muito pouco sobre o desenvolvimento das relações sociais que permitiram
a consolidação da escravidão africana nesse momento, mas, a se julgar pelos dados da freguesia de
Jaguaripe, desde o início o compadrio exerceu um importante papel ao ligar livres e cativos,
especialmente em relação aos mestiços oriundos da significativa miscigenação entre livres e negros.
Entretanto, os homens mais importantes da freguesia e seus familiares não estabeleceram laços
diretos de parentesco ritual com os cativos, e esta era ainda uma sociedade em grande medida
dividida entre escravos negros (ainda que se vislumbre um crescente número de mestiços) e livres
brancos, a maioria dos quais no máximo chegavam a ser pequenos proprietários e estavam muito
longe de pertencerem à elite.
345

A desigualdade, porém, não impedia que na primeira metade do século XVII a elite política
baiana incorporasse continuamente novos membros, muitos dos quais vieram a fundar novas
famílias, enquanto outros tantos não estabeleceram relações parentais nem fundaram linhagens na
terra. Em alguns casos, ligações familiares estimularam a travessia do Atlântico e a integração entre
os homens da governança; noutros, o enriquecimento, a adoção de um estilo de vida nobre e a
participação em prestigiosas irmandades facilitavam a inserção entre os pró-homens. Entre os
forasteiros, contavam-se desde filhos de oficiais mecânicos a indivíduos considerados nobres em
suas comunidades de origem, para além dos eventuais fidalgos. Entre recém-chegados e naturais,
porém, predominava a atividade açucareira. Durante todo o século a açucarocracia foi capaz de
atuar de forma mais ou menos unificada em defesa de seus interesses econômicos, procurando
intervir politicamente no mercado em busca de privilégios.
Entretanto, se em termos socioeconômicos o grupo pouco se alterou ao longo daquele
período, era ainda uma elite em formação, cujas principais famílias ainda estavam se constituindo
no início do século. Mesmo assim, foram obrigados a lidar com os imensos desafios que a ameaça
neerlandesa gerou na América, em razão da necessidade de arrecadar recursos para defender suas
vidas, propriedades, comunidades e religião contra os hereges do Norte, pois, apesar dos eventuais
socorros enviados da Europa, monarcas de duas dinastias (os últimos Habsburgo e os primeiros
Bragança) estavam muito mais preocupados com as ameaças enfrentadas no Velho Mundo.
A partir de 1625 a Câmara Municipal teve de aprender a lidar com a numerosa infantaria
estacionada na cidade para defendê-la – mas que em muitos momentos foi percebida como um fator
de opressão da capitania. Numa época em que a comunicação direta com a Coroa ainda era
reduzida, foi necessário estabelecer cooperação com seus principais representantes na América
Portuguesa. Dessa maneira, ampliaram-se na mesma proporção as atribuições do Senado e os
recursos disponíveis para o sustento da milícia, pois somente a municipalidade possuía legitimidade
para lançar os tributos necessários, assim como o saber local necessário para dividir o fardo e os
recursos humanos (a própria elite local) para efetuar as cobranças. Ainda mais importante, se
concebia a contribuição como um donativo voluntário, de modo que sua arrecadação ficava sob
controle exclusivo dos edis, com todas as oportunidades que o manejo de vastos montantes de
recursos com fiscalização relativamente reduzida acarretava – mesmo que se tratasse, teoricamente,
da Fazenda Real, já que seu destino era a defesa da comunidade, uma obrigação régia.
Ainda que em diversos momentos a correlação de forças fosse favorável aos governadores,
capazes de utilizar os soldados para ameaçar os camaristas, todos – mesmo Diogo Luiz de Oliveira,
que se beneficiava do controle de uma infantaria recém-chegada à terra e comandada por um aliado
– precisavam construir alianças, fosse através da concessão de serventias de ofícios e sesmarias ou
346

da escolha de figuras de algum destaque local como “favoritos”, capazes de ajudá-los a navegar
numa sociedade em constante mutação. Violência e colaboração não são realidades antagônicas,
mas facetas da mesma moeda, sempre presentes, ainda que em graus distintos, determinados pelas
circunstâncias de momento.
Em geral, porém, dentro de uma ideologia que valorizava o consenso e a harmonia, e em
razão de realidades práticas que impediam o uso constante da força, rapidamente a concórdia passou
a predominar na relação entre camaristas e governadores-gerais. Entretanto, apesar das grandes
contribuições em um momento de recuperação econômica, os esforços dos homens da governança
não foram reconhecidos por Felipe IV, pois o monarca lhes concedeu apenas um privilégio para
salvaguardar os engenhos contra seus credores – mais pela sua importância para a arrecadação do
que como recompensa pelos serviços dos vassalos – negando outros que visavam a elevar o estatuto
político da municipalidade.
Mesmo assim, ao aumento da importância da Câmara em razão de ampliação de suas
atribuições correspondia um tateante enobrecimento dos homens que davam vida à instituição. Tal
situação se intensificaria em 1640, antes mesmo da Aclamação do Duque de Bragança como Rei
de Portugal. Em primeiro lugar, a nomeação do Marquês de Montalvão – o mais graduado
aristocrata a vir a governar a América Portuguesa até então – como vice-rei representou a concessão
de um estatuto mais elevado para a América Portuguesa e, principalmente, para Salvador, sua
“cabeça”. Ainda mais importante, porém, foi a participação do Senado na Aclamação de D. João
IV e posterior deposição de Montalvão, quando pela primeira vez a elite política passa-se a referir-
se a si mesma como uma “nobreza da cidade”, começando a se conceber como estamento.
Os primeiros anos da nova dinastia conheceram uma significativa intensificação da
comunicação política, abrindo-se espaço para a concessão de uma mercê longamente desejada: os
privilégios do Porto, em 1646, equiparando o estatuto baiano (e das outras municipalidades
americanas que os receberam) às nobrezas municipais do Reino. Antes disso, a Coroa já havia
agradecido os esforços baianos em diversas oportunidades, reconhecendo sua importante
contribuição para a defesa do Estado do Brasil no turbulento contexto de afirmação da nova dinastia
brigantina. O Conselho Ultramarino produziu, assim, um discurso elogioso que tendia a favorecer
as reivindicações americanas, quase onipresente nesse tribunal durante mais de duas décadas. Ao
mesmo tempo, a relação com os governadores tornava-se cada vez mais harmoniosa, especialmente
a partir de 1645. Assim, mesmo que a Coroa tenha ficado até 1660 sem dar a mesma atenção a seus
vassalos americanos, a boa convivência com seus representantes na América fez com que estes
reconhecessem o novo estatuto nobiliárquico da elite política, atuassem em favor dos interesses da
capitania em questões centrais, como a criação de facto de uma moeda provincial mais valorizada
347

para evitar sua fuga para o Reino, e institucionalizassem a autonomia camarária na gestão dos
recursos arrecadados para sustento da infantaria.
Assim, a década de 1660 representou uma importante mudança em consequência dos
processos que se desenrolaram nos 40 anos anteriores. O aumento da importância política da
Câmara foi acompanhado por um crescente domínio dos mais importantes postos da República
pelas principais famílias da elite, cada vez mais entrelaçadas através de laços parentais, de aliança
e de rivalidade. Tais famílias provavelmente tinham sido as maiores beneficiadas pelos poderes
assumidos pelo Senado e eram as mais capazes de se identificarem como uma nobreza, em razão
da sua relativa antiguidade (para os padrões locais, é claro) e das honrarias obtidas por muitos de
seus membros. Ainda que forasteiros tenham continuado a ser aceitos no grupo, o foram em
números significativamente menores, de modo que a elite política tornou-se, gradualmente, um
grupo mais consolidado e homogêneo, ainda que não na mesma escala do que suas congêneres no
Porto, São Miguel ou Rio de Janeiro. A nobreza da Bahia aproximara-se de suas contrapartes nos
grandes municípios reinóis, ainda que essa identificação jamais tenha chegado a ser completa, em
razão da distinta base econômica, de uma relação com a Coroa e sua administração periférica mais
intensa e da entrada de novos elementos numa escala mais significativa.
No início dessa década, a Câmara exerceu um papel fundamental na negociação sobre o
novo donativo de dote da Rainha da Grã-Bretanha e Paz de Holanda, primeiro com o governador e
depois com o monarca – consequência da intensificação da comunicação política a partir do reinado
de D. Afonso VI, possibilitando o estabelecimento de um diálogo cada vez mais constante e intenso
entre o Senado e seu rei. Apesar de a monarquia impor um novo e pesado fardo sobre a economia
baiana, o poder de sua elite saía reforçado em razão de sua responsabilidade pelo controle de mais
um enorme montante de recursos que poderia ser utilizado para reforçar as desigualdades e
hierarquias locais, fosse através ou de desvios ou das desigualdades na cobrança, como já vinha
ocorrendo há décadas. Ao mesmo tempo, só foi possível suportar o incremento da carga fiscal em
razão do significativo crescimento da economia açucareira nas décadas de 1660 e 1670, resultando
numa multiplicação de engenhos que contribuiu para a consolidação das principais famílias, pois
se tornou cada vez mais comum a posse de diversas moendas na mesma família e a passagem de
lavradores de cana a senhores. Em acréscimo, a concessão em 1663 de um privilégio que preserva
os engenhos e seus trabalhadores escravizados contra os credores, periodicamente renovado nas
décadas seguintes, reforçou a posição da açucarocracia, contribuindo para uma maior estabilidade
do grupo. Por último, outra ferramenta para a consolidação dessas famílias foi obtida nesse contexto
com a autorização para a fundação de um convento em Salvador após décadas de insistência,
348

enobrecendo e distinguindo Salvador, mesmo que as principais famílias não tivessem, de modo
geral, recolhido suas filhas nessa instituição.
Em consequência desses desenvolvimentos, os governadores-gerais estabeleceram relações
cada vez mais estreitas com a nobreza baiana, condicionando suas ações em grau variado. Por outro
lado, os representantes do monarca também ampliaram o alcance de suas ordens ao fortalecer as
ordenanças: o aumento das suas responsabilidades e a multiplicação dos cargos de comando
reforçaram a posição das principais famílias que controlavam o posto de coronel. Ainda que
governadores tenham, em razão de instruções régias, atuado para diminuir ligeiramente a autonomia
camarária na administração dos donativos e contribuições a partir da década de 1670, a perda do
controle sobre esses recursos viria apenas no século seguinte. Mantinha-se, assim, a gestão
municipal de grandes somas da Fazenda Real, até maiores do que as controladas pelo provedor-
mor. Quando se faziam necessários mais recursos, era ao Senado que se recorria, e não à
administração periférica da Coroa.
O fortalecimento da elite baiana continuou em finais do século. Em 1686, a Coroa
reconheceu o patamar superior do grupo dominante como uma “primeira nobreza”, distinguindo-o
ainda mais do restante da população. A outra faceta desse processo de hierarquização social foi o
lento desenvolvimento, a partir de meados do século, de um diminuto grupo de livres de cor,
acompanhado por uma sutil tendência de um maior apadrinhamento de cativos por membros da
elite, sugerindo a formalização de relações de reciprocidade entre senhores e escravos, ainda que
de forma muito mais tênue e equívoca do que já se observou para o Rio de Janeiro setecentista.
Dessa maneira, a sociedade se tornava mais diferenciada tanto no seu topo quanto na sua base, ainda
que estivesse longe da complexidade atingida no século XVIII, em um contexto de acelerado
crescimento demográfico e diversificação econômica.
Em fins do século, a nobreza baiana mostrava-se forte o suficiente para suportar uma grande
conjunção de problemas entre 1686-93: peste, carestia de mandioca, diminuição do tráfico de
africanos escravizados, baixa do preço do açúcar e desvalorização monetária. Obteve do monarca,
assim, a concessão da fundação de uma Casa da Moeda para cunhar a longamente desejada moeda
provincial, evitando a fuga de numerário para o Reino. A Câmara, o governador-geral e os cortesãos
conseguiram convencer o rei, demonstrando a densa rede de relações que unia o centro político às
principais localidades de seu império.
Nessa conjuntura, a nobreza baiana revelava-se um grupo cada vez mais consolidado e
autoconfiante, cuja experiência política se desenrolara a partir de uma constante interação com a
Coroa e os governadores-gerais. Em verdade, essa interação moldava as principais atividades do
Senado no período, desde o abastecimento da cidade através do conchavo de mandioca acertado
349

com as Câmaras de Ilhéus sob os auspícios do governador-geral até os eventuais acordos sobre o
preço do açúcar, passando pelo sustento da infantaria, conflitos de jurisdição, crédito, comércio
atlântico e procissões.
Poder central e poder local não se constituíam, portanto, em dois polos opostos, cuja relação
se constituía em um jogo de soma zero, em que para um ganhar o outro precisaria perder. O que a
experiência baiana revela é antes uma relação de profunda interdependência, pois a Coroa dependia
da Câmara para cumprir atribuições que deviam ser sua obrigação e prerrogativa, como a
arrecadação de tributos para sustentar a defesa da República, enquanto as principais decisões
políticas da municipalidade eram tomadas em diálogo – mesmo que nem sempre harmonioso – com
a Coroa e seus representantes. Os governadores-gerais, por sua vez, atuavam como intermediários
fundamentais nessa relação, mas dependiam do apoio da elite local para desempenhar suas funções,
devido à fragilidade da administração periférica da Coroa – situação simbolizada pelo domínio da
posição de Secretário de Estado pelo fidalgo baiano e senhor de engenho Bernardo Vieira Ravasco,
importante figura nas lutas políticas intestinas da Bahia seiscentista que controlava a memória
administrativa do governo e era o oficial régio mais próximo dos governadores.
A única maneira daquele vasto império, dotado de recursos humanos limitados e obrigado
a enfrentar imensos desafios, sobreviver era através da cooperação, intensa a tal ponto que todos,
do governador ao vereador, passando pelo Conselho Ultramarino, podem ser concebidos como
pontos de um alongado continuum político da monarquia. Da mesma maneira que um elemento
fundamental para a constituição de Portugal dos Bragança terá sido a formação de uma restrita
aristocracia cortesã, também o foi a formação e reiteração de poderosas nobrezas locais em
Salvador, São Miguel ou Coimbra. Sem o apoio dessas elites espalhadas pelo Reino e conquistas,
a Coroa teria muito pouco poder; melhor dizendo, a nova dinastia simplesmente teria cessado de
existir, pois a administração de tributos pelas localidades tornou-se essencial para a sustentação do
esforço de guerra, fosse na raia luso-castelhana, na América ou na Ásia. Por outro lado, os pró-
homens provinciais derivavam parte de sua legitimidade, autoridade e privilégios do pertencimento
à monarquia, a “cabeça” do corpo político sem a qual os outros membros não fariam sentido.
Entretanto, tal situação não excluía o conflito, mas o produzia, ainda que dentro das regras
do jogo, pois cada ponto no continuum lutava para manter e ampliar sua esfera de atuação, poder e
prestígio. Assim, surgiam duas questões fundamentais, não só para Salvador, mas provavelmente
para muitas outras das principais municipalidades portuguesas: o estatuto político da cidade dentro
da monarquia e o peso da tributação, mesmo que controlada pela Câmara. Como se percebe pela
epígrafe, tais elementos viam-se potencializados pelo caráter ultramarino da capital do Estado do
Brasil, pois a distância em relação ao Reino se construiu como um topos capaz de explicar os males
350

de Salvador, já que fornecia uma explicação rápida e simples para a falta de atenção dada à cidade
– do ponto de vista de sua elite, claro.
Buscava-se, assim, manter ou obter um estatuto político igualitário frente a outras
municipalidades portuguesas, pois ao longo do século a Bahia foi referida em diversos momentos
como uma “província” e é como tal que os edis baianos desejam se ver e serem vistos. Enfatiza-se,
assim, uma obediência voluntária, demonstrada pelos largos serviços prestados à monarquia desde
a invasão neerlandesa e repetidamente reiterada pelos grandes dispêndios da municipalidade desde
então. De maneira menos explícita que Pernambuco, mas não muito diferente de discussões
similares, ainda que posteriores, no Rio de Janeiro, os próceres da elite baiana procuravam
demonstrar que, se a América era composta por uma série de conquistas, eles não haviam sido
conquistados, sendo antes agentes fundamentais na defesa do território. Viam-se debates similares
sobre a condição política dos territórios na monarquia compósita hispânica, cujas diversas
possessões competiam pela preeminência simbólica. Os que haviam sido conquistados procuravam
apresentar-se como tendo se agregado por herança e pacto, situações que não inferiorizavam o
território como a conquista, que pressupunha uma subordinação mais acentuada1.
A comparação com outras situações no Novo e no Velho Mundo mostra-se iluminadora.
Tais discussões sobre o estatuto de um território não eram uma especificidade americana, mas antes
parte dos jogos políticos que ligavam territórios e capital nas monarquias imperiais da época
moderna. Necessário se faz, portanto, romper com a barreira que a categoria “colonial” impõe e
compreender a formação das elites americanas e dos impérios ultramarinos como parte do processo
mais amplo de constituição das monarquias europeias e suas relações com os poderes locais. Em
todo lugar grupos dominantes mais ou menos oligarquizados relacionaram-se com o poder central
e contribuíram para a manutenção das monarquias – inclusive, e principalmente, em termos fiscais
– derivando legitimidade e privilégios dessa ligação. Assim, os impérios configuravam-se como
prolongamentos das monarquias, e as relações estabelecidas com as novas elites das conquistas
moldavam-se de acordo com os padrões construídos nos contatos com as elites provinciais
europeias – muitas das quais só haviam se constituído enquanto tais durante o próspero século XVI,
não sendo necessariamente muito mais antigas que as elites brasílicas.

1
GIL PUJOL, Xavier. “Integrar un mundo. Dinámicas de agregación y de cohesión en la Monarquía de España”
in: MÁZIN, Óscar & RUIZ IBAÑEZ, José Javier (orgs.), Las Indias Occidentales: Procesos de incorporación
territorial a las Monarquías Ibéricas. Cidade do México: El Colegio de México, 2012, pp. 80-3; RUIZ IBAÑEZ,
José Javier & SABATINI, Gaetano. “Monarchy as conquest: violence, social opportunity, and political stability in
the establishment of the Hispanic Monarchy” (trad.). The Journal of Modern History, vol. 81, n. 3, 2009, pp. 501-
36 e, principalmente, o epílogo de CARDIM, Pedro. Portugal unido y separado: Felipe II, la unión de territorios
y la condición política del reino de Portugal (trad.). Valladolid: Ed. Universidad de Valladolid, 2014, que analisa
a missiva aqui utilizada como epígrafe.
351

Na América como na Europa, nobrezas provinciais e capitais entrelaçavam-se por diversos


motivos: ideológicos, dentro de uma concepção corporativa que não podia conceber uma
comunidade sem cabeça, tanto em termos locais (a elite) quanto mais amplos (o rei); políticos, em
razão da interdependência que fazia do governo da República e da monarquia um esforço
colaborativo; e materiais, pois a continuidade de uma estrutura produtiva capaz de produzir
excedentes para sustentação das elites e defesa do território era condição necessária para a
sobrevivência do próprio sistema político e social – algo especialmente relevante para a Bahia
escravista, um dos suportes da monarquia lusitana
Havia, é claro, diferenças, não só entre impérios – os vínculos institucionais entre a
monarquia inglesa e suas possessões americanas eram significativamente mais tênues o que os
estabelecidos pela Coroa portuguesa com seus territórios ultramarinos – mas também dentro de
uma monarquia ou território, pois os laços entre Salvador e a Coroa foram muito mais fortes do que
os estabelecidos por São Paulo e mesmo Rio de Janeiro no seiscentos. Em verdade, provavelmente
Salvador ligou-se mais fortemente à Corte do que muitas municipalidades de Portugal continental,
como Viana, e consequentemente conhecia uma presença muito mais significativa da administração
periférica da Coroa. A distância poderia ser sentida como um obstáculo à integração, mas
certamente não a impossibilitava.
Como em qualquer trabalho historiográfico, a dimensão temporal é absolutamente
essencial. A formação de nobrezas, a relação com os governadores, a importância política das
instituições políticas e as ligações com a monarquia conheciam significativas diferenças de século
para século, reinado para reinado, década para década e mesmo de um governador-geral para outro.
Assim, tentativas de estender conceitos e análises no tempo exigem uma redobrada atenção para as
especificidades regionais e cronológicas, assim como para as conexões entre processos interligados,
especialmente em sociedades tão dinâmicas como as que se constituíam na América na época
moderna. Assim, a nobreza baiana é uma realidade principalmente a partir de 1660, mesmo período
em que reforça seus laços com a monarquia – antes, porém, é preciso mais cuidado na utilização
dessas categorias, e resta investigar como se transformam no século seguinte.
Entretanto, a condição de ser um território ultramarino, novo e conquistado tinha
consequências: apesar de a nobreza baiana preferir se pensar como governante de uma província, a
partir da década de 1670, depois da diminuição das ameaças estrangeiras, tal percepção começou a
mudar no centro político, ainda que muito lentamente, pois se pensava nos territórios ultramarinos
cada vez mais como conquistas, com a subordinação implícita ao conceito. Para além do exclusivo
comercial – que sequer era objeto de reclamações, no seiscentos ou depois – parece provável que
os edis soteropolitanos estivessem corretos em se sentir desproporcionalmente taxados em
352

comparação com o Reino, se somarmos os donativos administrados pela Câmara aos impostos
alfandegários cobrados sobre o açúcar e ao monopólio sobre o tabaco, especialmente quando
consideramos a diminuição da tributação no Reino após o fim da guerra contra Castela. Tal situação
não derivava, porém, de uma ontológica inferioridade “colonial”, mas sim da facilidade em taxar a
produção para exportação em razão de seu caráter mercantil, uma riqueza gerada pelo trabalho por
africanos escravizados e seus descendentes, assim como da vulnerabilidade da cidade a ataques
europeus a exigir a manutenção de uma larga força militar – custeada, claro, pelos vassalos.
Maiores mudanças viriam a se dar no início do século seguinte, para além da introdução dos
juízes de fora, pois, no contexto da conjuntura crítica da década de 1710 e das inflexões da política
joanina, as principais municipalidades brasílicas perderam entre 1713-27 o controle sobre as
contribuições para sustento da infantaria, diminuindo consideravelmente a quantidade de recursos
administrados coletivamente pelas nobrezas americanas. Tais transformações certamente
produziram alterações significativas na atuação política das Câmaras, mas a experiência política do
século XVII deve ter continuado a conformar suas expectativas e ações. Também começou a se
desenvolver um discurso que enfatizava a subordinação das conquistas, mas a monarquia continuou
a necessitar da cooperação de seus vassalos, inclusive para se beneficiar das riquezas auríferas
descobertas no Centro-Sul. Isso, porém, já é outra história.
353

Bibliografia

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(Consultas Mistas, 1643-1702); 1192, 31, 34, 35-A, 36, 38-41, 44, 278, 45-51 (Consultas de Partes,
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Régias, 1644-1727); 245-6 (Cartas Régias e Provisões para a Bahia, 1673-1714); cód. 223 (Cartas
Régias para o Rio de Janeiro); 1265 (Relação das Instituições que deixaram os testadores,
patrimônios que estabeleceram, e encargos que com eles aceitou a casa da Santa Misericórdia da
Bahia até o ano de 1744); 1279 (Relação de todos os contratos).

Arquivo Nacional (Rio de Janeiro)


Códices 537-42 (Relação da Bahia, Cartas Régias).

Arquivo da Universidade de Coimbra


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Disposição dos Governadores de Pernambuco.
354

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Livro de Batismo da Paróquia de Santo Amaro da Purificação, 1652-1676.
Livro de Batismo da Paróquia de Nossa Senhora do Ó de Paripe, 1672-1700.
Livro de Batismo da Paróquia de Santo Amaro de Itaparica, 1691-1700.

Arquivo Histórico Municipal de Salvador


Seção Secretaria
Cartas de Eclesiásticos (1685-1804).
Cartas do Senado aos governadores das Vilas e Capitanias (1686-1805).
Certidões do Senado (1686-1771).
Circulares da Câmara (1685-1885).
Provisões do Governo e Senado, vols. I-IV (1642-72).
Provisões do Governo, vols. I-IV (1683-99).
Provisões do Senado, vols. I-III (1651-1726).
Provisões Reais, vols. I-III (1624-1712).

Arquivo da Santa Casa de Misericórdia de Salvador


Administração Geral
2. Livro 3º de Termos de Irmãos (1696-1733).
13. Livro 1º de Acórdãos da Mesa, 1645-75 e 14. Livro 3º, 1681-1745 (falta o 2º).
34. Livro 2º das Eleições das Mesas e Juntas, 1667-1726 (falta o 1º).
40. Livro 1º do Tombo, 1629-52; 41. Livro 2º do Tombo. 42. Livro 3º, 1686-1829.
195. Livro dos Segredos, 1630-1809.

Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo (Lisboa)


Chancelaria de D. Afonso VI.
Chancelaria de D. Felipe I.
Chancelaria de D. Felipe II.
Chancelaria de D. Felipe III.
Chancelaria de D. João IV.

1
Os três últimos foram consultados a partir do site www.familysearch.com.
355

Chancelaria de D. Pedro II.


Coleção Cartográfica, n. 162.
Coleção São Vicente, Livros 13 e 23.
Colecção Engenheiro Raul Duro Contreiras, mç. 1, n. 51.
Conselho Ultramarino, Livro 1º de Decretos.
Corpo Cronológico, mç. 15, ns. 104-7.
Desembargo do Paço, Leitura de Bacharéis.
Desembargo do Paço, Repartição da Justiça e Despacho da Mesa, Livros 7-18.
Habilitações da Ordem de Avis.
Habilitações da Ordem de Cristo.
Habilitações da Ordem de Santiago.
Manuscritos da Livraria, Assumptos do Brasil, Livro 1116.
Manuscritos da Livraria, Livro 1146, fls. 62-81.
Mesa da Consciência e Ordens, Livros 17, 28 e 37.
Ministério do Reino, Conselho da Fazenda, Livros 161-2.
Registro Geral de Mercês.
Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral, Habilitações Incompletas.
Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral, Habilitações.
Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral, Habilitandos Recusados, livro 36.
Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Évora, Processo 5040.
Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, Cadernos do Nefando, livro 12.
Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, Cadernos do Promotor, livros 15, 29 e 32-
3.
Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, Processos, 3382, 6360 e 8664.

Biblioteca Pública da Ajuda (Lisboa)


47-VIII-10; 47-VIII-15; 49-X-2; 49-X-10; 49-X-12; 50-V-35; 50-V-36; 50-V-37; 51-V-34;
51-V-41; 51-V-42; 51-V-48; 51-V-75; 51-VI-19; 51-VI-21; 51-VI-52; 51-VIII-12; 51-VIII-18; 51-
VIII-21; 51-VIII-34; 51-VIII-6; 51-VIII-7; 51-VIII-8; 51-IX-30; 51-X-1; 51-X-2; 51-X-4; 51-X-7;
54-VIII-36; 54-VIII-37; 54-VIII-38.

Biblioteca Nacional de Portugal


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Mss. 208, ns. 10 e 16; mss. 218, n. 134; Fundo Geral, 300-301 e 1555, fls. 138-9 e 329-55;
Fundo Reservado, 985, fls. 218-224.

Biblioteca Pública de Évora


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CV/1-7, fl. 123v.

Archivo General de Simancas


Guerra Antigua, Legajo 165.

Archivo General de Indias (Sevilla)


Charcas 33 (Impresso solicitando licença para comércio por Buenos Aires, s/d, anterior
a 1616).

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Additional Manuscripts: 15170, fls. 202-207v.

Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra


Manuscritos 547, 706-7 e 712.

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