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Aleijadinho

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Aleijadinho

Suposto retrato póstumo de Aleijadinho realizado por Euclásio Ventura no


século XIX. Abaixo, sua assinatura
Nome completo Antônio Francisco Lisboa
Nascimento C. 29 de agosto de 1730 ou, mais
provavelmente, 1738
Ouro Preto
Morte 18 de novembro de 1814
Ouro Preto
Nacionalidade Brasileiro
Ocupação Escultor, entalhador, arquiteto
Movimento estético Barroco e Rococó

Antônio Francisco Lisboa, mais conhecido como Aleijadinho, (Ouro Preto, c. 29 de agosto de
1730 ou, mais provavelmente, 1738 — Ouro Preto, 18 de novembro de 1814) foi um importante
escultor, entalhador e arquiteto do Brasil colonial.

Pouco se sabe com certeza sobre sua biografia, que permanece até hoje envolta em cerrado véu de
lenda e controvérsia, tornando muito árduo o trabalho de pesquisa sobre ele e ao mesmo tempo
transformando-o em uma espécie de herói nacional. A principal fonte documental sobre o
Aleijadinho é uma nota biográfica escrita somente cerca de quarenta anos depois de sua morte.
Sua trajetória é reconstituída principalmente através das obras que deixou, embora mesmo neste
âmbito sua contribuição seja controversa, já que a atribuição da autoria da maior parte das mais de
quatrocentas criações que hoje existem associadas ao seu nome foi feita sem qualquer
comprovação documental, baseando-se apenas em critérios de semelhança estilística com peças
documentadas.
Toda sua obra, entre talha, projetos arquitetônicos, relevos e estatuária, foi realizada em Minas
Gerais, especialmente nas cidades de Ouro Preto, Sabará, São João del-Rei e Congonhas. Os
principais monumentos que contém suas obras são a Igreja de São Francisco de Assis de Ouro
Preto e o Santuário do Bom Jesus de Matosinhos. Com um estilo relacionado ao Barroco e ao
Rococó, é considerado pela crítica brasileira quase em consenso como o maior expoente da arte
colonial no Brasil e, ultrapassando as fronteiras brasileiras, para alguns estudiosos estrangeiros é o
maior nome do Barroco americano, merecendo um lugar destacado na história da arte do ocidente.

Índice
[esconder]

• 1 Biografia
o 1.1 Primeiros anos e formação
o 1.2 Maturidade
o 1.3 Anos finais e morte
o 1.4 O homem, a doença e o mito
 1.4.1 Iconografia
• 2 Contexto histórico e artístico
o 2.1 O ciclo mineiro
• 3 Obra
o 3.1 Problema da autoria e estilo pessoal
o 3.2 Obras principais
 3.2.1 Talha
 3.2.2 Arquitetura
 3.2.3 Escultura
• 4 Fortuna crítica
• 5 Lista de obras documentadas
• 6 Referências
• 7 Ver também

• 8 Ligações externas

[editar] Biografia
Muitas dúvidas cercam a vida de Antônio Francisco Lisboa. Praticamente todos os dados hoje
disponíveis sobre sua vida são derivados de uma biografia escrita em 1858 por Rodrigo José
Ferreira Bretas, 44 anos após a morte do Aleijadinho, baseando-se alegadamente em documentos e
depoimentos de indivíduos que haviam conhecido pessoalmente o artista.[1] Contudo, a crítica
recente tende a considerar essa biografia em boa medida fantasiosa, parte de um processo de
magnificação e dramatização de sua personalidade e obra, numa manipulação romantizada de sua
figura cujo intuito era elevá-lo à condição ícone da brasilidade, um misto de herói e artista, um
"gênio singular, sagrado e consagrado", como descreveu Roger Chartier. O relato de Bretas,
contudo, não pode ser completamente descartado, pois sendo a mais antiga nota biográfica
substancial sobre Aleijadinho, sobre ele se construiu a maioria das biografias posteriores, mas as
informações que traz precisam ser encaradas com algum ceticismo, sendo difícil distinguir o que é
fato do que foi distorcido pela tradição popular e pelas interpretações do escritor.[2] Biografias e
estudos críticos realizados pelos modernistas brasileiros na primeira metade do século XX também
fizeram interpretações tendenciosas de sua vida e obra, aumentando a quantidade de estereótipos
em seu redor, que ainda hoje se perpetuam na imaginação popular e em parte da crítica, e são
explorados tanto por instâncias culturais oficias como pelas agências de turismo das cidades onde
ele deixou sua produção.[3][4][5]
A primeira notícia oficial sobre Aleijadinho apareceu em 1790 num memorando escrito pelo
capitão Joaquim José da Silva, cumprindo ordem régia de 20 de julho de 1782 que determinava se
registrassem em livro oficial os acontecimentos notáveis, de que houvesse notícia certa, ocorridos
desde a fundação da Capitania de Minas Gerais. O memorando, escrito ainda em vida de
Aleijadinho, continha uma descrição das obras mais notáveis do artista e algumas indicações
biográficas, e em parte nele se baseou Bretas para escrever os Traços biográficos relativos ao
finado Antônio Francisco Lisboa, distinto escultor mineiro, mais conhecido pelo apelido de
Aleijadinho, onde reproduziu trechos do documento original, que mais tarde se perdeu.[6]

Detalhe de Ouro Preto, com a Igreja do Carmo, projeto em parte de Aleijadinho

[editar] Primeiros anos e formação

Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, era filho natural de um respeitado mestre-de-obras e


arquiteto português, Manuel Francisco Lisboa, e sua escrava africana, Isabel. Na certidão de
batismo invocada por Bretas consta que Antônio, nascido escravo, fora batizado em 29 de agosto
de 1730 na então chamada Vila Rica, atual Ouro Preto, na freguesia de Nossa Senhora da
Conceição de Antônio Dias, tendo como padrinho Antônio dos Reis e sendo alforriado na ocasião
por seu pai e senhor. Na certidão não consta a data de nascimento da criança, que pode ter
ocorrido alguns dias antes.[7] Entretanto, há argumentos fortes que levam atualmente a se
considerar mais provável que tenha nascido em 1738, pois em sua certidão de óbito consta como
data de seu falecimento 18 de novembro de 1814, acrescentando que o artista tinha então 76 anos
de idade.[8][9] A data de 1738 é aceita pelo Museu Aleijadinho localizado em Ouro Preto,[10] e
segundo Vasconcelos o manuscrito original de Bretas, encontrado no arquivo da Arquidiocese de
Mariana, remete o nascimento a 1738, advertindo corresponder a data ao registrado na certidão de
óbito do artista; o motivo da discrepância entre as datas no manuscrito e no opúsculo que foi
impresso não é clara.[11] Em 1738 seu pai casou com Maria Antônia de São Pedro, uma açoriana, e
com ela deu quatro meios-irmãos a Aleijadinho, e foi nesta família que o artista cresceu.[12]

Segundo Bretas o conhecimento que Aleijadinho tinha de desenho, de arquitetura e escultura fora
obtido de seu pai e talvez do desenhista e pintor João Gomes Batista.[13] Terá frequentado o
internato do Seminário dos Franciscanos Donatos do Hospício da Terra Santa de 1750 até 1759,
em Ouro Preto, onde aprenderia Gramática, Latim, Matemática e Religião. Entrementes, assistia
seu pai nos trabalhos que ele realizava na Matriz de Antônio Dias e na Casa dos Contos,
trabalhando também com seu tio Antônio Francisco Pombal, entalhador, e Francisco Xavier de
Brito. Colaborou com José Coelho Noronha na obra da talha dos altares da Matriz de Caeté,
projeto de seu pai. Data de 1752 o seu primeiro projeto individual, um desenho para o chafariz do
pátio do Palácio dos Governadores em Ouro Preto.[10]

[editar] Maturidade

Em 1756 pode ter ido ao Rio de Janeiro acompanhando Frei Lucas de Santa Clara, transportador
do ouro e diamantes que deveriam ser embarcados para Lisboa, onde pode ter recebido influência
dos artistas locais. Dois anos depois teria criado um chafariz de pedra-sabão para o Hospício da
Terra Santa, e logo em seguida lançou-se como profissional autônomo.[10] Contudo, sendo mulato,
muitas vezes foi obrigado a aceitar contratos como artesão diarista e não como mestre. Da década
de 1760 até próximo da morte realizou uma grande quantidade de obras, mas na ausência de
documentação comprobatória, diversas têm uma autoria controversa e são a rigor consideradas
apenas atribuições, baseadas em critérios de semelhança estilística com sua produção autenticada.
[1]
Em 1767 morreu-lhe o pai, mas Aleijadinho, como filho bastardo, não foi contemplado no
testamento. No ano seguinte alistou-se no Regimento da Infantaria dos Homens Pardos de Ouro
Preto, onde permaneceu três anos, sem descontinuar sua atividade artística. Neste período recebeu
encomendas importantes: o risco da fachada da Igreja de Nossa Senhora do Carmo, em Sabará, e
os púlpitos da Igreja São Francisco de Assis, de Ouro Preto.[10]

Em torno de 1770 organizou sua oficina, que estava em franca expansão, segundo o modelo das
corporações de ofícios ou guildas medievais, a qual em 1772 foi regulada e reconhecida pela
Câmara de Ouro Preto.[10] Ainda em 1772, no dia 5 de agosto, foi recebido como irmão na
Irmandade de São José de Ouro Preto. Em 4 de março de 1776 o governador da Capitania de
Minas, Dom Antônio de Noronha, cumprindo instruções do vice-rei, convocou pedreiros,
carpinteiros, serralheiros e ferreiros para integrarem um batalhão militar que trabalharia na
reconstrução de um forte no Rio Grande do Sul. Aleijadinho teria sido obrigado a atender ao
chamado, chegando a se deslocar até o Rio de Janeiro, mas então teria sido dispensado. No Rio
providenciou o averbamento judicial da paternidade de um filho que tivera com a mulata Narcisa
Rodrigues da Conceição, filho que se chamou, como o avô, Manuel Francisco Lisboa.[10] Mais
tarde ela o abandonou e levou o filho para o Rio, onde ele se tornou artesão.[12]

Até então, de acordo com Bretas, Aleijadinho gozara de boa saúde e apreciava os prazeres da
mesa e as festas e danças populares, mas a partir de 1777 começaram a surgir os sinais de uma
grave doença que, com o passar dos anos, deformou-lhe o corpo e prejudicou seu trabalho,
causando-lhe grandes sofrimentos. Até hoje, como já Bretas reconhecera, é desconhecida a exata
natureza de seu mal, e várias propostas de diagnóstico foram oferecidas por diversos historiadores
e médicos.[13][14] Mesmo com crescente dificuldade, prosseguiu trabalhando intensivamente. Em 9
de dezembro de 1787 assumiu formalmente como juiz da Irmandade de São José.[15] Em 1790 o
capitão Joaquim José da Silva escreveu o seu importante memorando para a Câmara de Mariana,
parcialmente transcrito por Bretas, onde deu diversos dados sobre o artista, e, testemunhando a
fama que então já o acompanhava, saudou-o como

Recibo assinado pelo Aleijadinho quando recebeu o pagamento pela obra dos Profetas. Museu da
Inconfidência
"o novo Praxíteles… que honra igualmente a arquitetura e escultura… Superior a tudo e
singular nas esculturas de pedra em todo o vulto ou meio relevado e no debuxo e ornatos
irregulares do melhor gosto francês é o sobredito Antônio Francisco. Em qualquer peça
sua que serve de realce aos edifícios mais elegantes, admira-se a invenção, o equilíbrio
natural, ou composto, a justeza das dimensões, a energia dos usos e costumes e a escolha
e disposição dos acessórios com os grupos verossímeis que inspira a bela natureza. Tanta
preciosidade se acha depositada em um corpo enfermo que precisa ser conduzido a
qualquer parte e atarem-se-lhe os ferros para poder obrar".[13]

[editar] Anos finais e morte

Em 1796 recebeu outra encomenda de grande importância, para a realização de esculturas da Via
Sacra e os Profetas para o Santuário de Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas, consideradas a
sua obra-prima.[10] No censo de 1804 seu filho apareceu como um de seus dependentes, junto com
a nora Joana e um neto.[7] Entre 1807 e 1809, estando sua doença em estado avançado, a sua
oficina encerrou as atividades, mas ele ainda realizou alguns trabalhos. A partir de 1812 sua saúde
piorou e ele passou a depender muito das pessoas que o assistiam. Mudou-se para uma casa nas
proximidades da Igreja do Carmo de Ouro Preto, para supervisionar as obras que estavam a cargo
de seu discípulo Justino de Almeida. A esta altura estava quase cego e com as capacidades
motoras grandemente reduzidas.[10] Por um breve período voltou para sua antiga moradia, mas
logo teve de acomodar-se na casa de sua nora, que de acordo com Bretas se encarregou dos
cuidados de que necessitava até que ele veio a falecer, em 18 de novembro de 1814. Foi sepultado
na Matriz de Antônio Dias, em uma tumba junto ao altar de Nossa Senhora da Boa Morte, de cuja
festa pouco antes tinha sido juiz.[13]

[editar] O homem, a doença e o mito

Aleijadinho foi descrito por Bretas nos seguintes termos:

"Era pardo-escuro, tinha voz forte, a fala arrebatada, e o gênio agastado: a estatura era
baixa, o corpo cheio e mal configurado, o rosto e a cabeça redondos, e esta volumosa, o
cabelo preto e anelado, o da barba cerrado e basto, a testa larga, o nariz regular e algum
tanto pontiagudo, os beiços grossos, as orelhas grandes, e o pescoço curto".[13]

Quase nada ficou registrado sobre sua vida pessoal, a não ser que gostava de se entreter nas
"danças vulgares" e comer bem, e que amasiou-se com a mulata Narcisa, tendo com ela um filho.
Nada foi dito sobre suas ideias artísticas, sociais ou políticas. Trabalhava sempre sob o regime da
encomenda ganhando meia oitava de ouro por dia, mas não acumulou fortuna, antes, diz-se que
era descuidado com o dinheiro, sendo roubado várias vezes. Por outro lado, teria feito repetidas
doações aos pobres. Manteve três escravos: Maurício, seu ajudante principal com quem dividia os
ganhos, e mais Agostinho, auxiliar de entalhes, e Januário, que lhe guiava o burro em que andava.
Continuando, Bretas relatou que depois de 1777 o artista começou a exibir sinais de uma
misteriosa doença degenerativa, que lhe valeu o apelido de Aleijadinho. O seu corpo foi
progressivamente se deformando, o que lhe causava dores contínuas; teria perdido vários dedos
das mãos, restando-lhe apenas o indicador e o polegar, e todos dos pés, obrigando-o a andar de
joelhos. Para trabalhar tinha de fazer com que lhe amarrassem os cinzéis nos cotos, e na fase mais
avançada do mal precisava ser carregado para todos os deslocamentos - sobrevivem recibos de
pagamentos de escravos que o levavam para cá e para lá, atestando-o. Também a face foi atingida,
emprestando-lhe uma aparência grotesca. De acordo com o relato, Aleijadinho tinha plena
consciência de seu aspecto terrível, e por isso desenvolveu um humor perenemente revoltado,
colérico e desconfiado, imaginando que mesmo os elogios que recebia por suas realizações
artísticas eram escárnios dissimulados. Para ocultar sua deformidade vestia roupas amplas e
folgadas, grandes chapéus que lhe escondiam o rosto, e passou a preferir trabalhar à noite, quando
não podia ser visto facilmente, e dentro de um espaço fechado por toldos. Nos seus últimos dois
anos, quando já não podia trabalhar e passava a maior parte do tempo acamado, Bretas disse que,
de acordo com o que soube da nora do artista, um lado de seu corpo ficou coberto de chagas, e ele
implorava constantemente que Cristo viesse dar-lhe morte e livrar dessa vida de sofrimento,
pousando Seus santos pés sobre o seu corpo miserável.[13]

Diversos diagnósticos têm sido propostos para explicar essa doença, todos conjeturais, que
incluem entre outras lepra (alternativa improvável, visto que não foi excluído do convívio social,
como ocorria com todos os leprosos), reumatismo deformante,[16] sífilis[8] escorbuto, traumas
físicos decorrentes de uma queda,[17] artrite reumatóide, poliomielite[18] e porfiria (doença que
produz fotossensibilidade - o que explicaria o fato do artista trabalhar à noite ou protegido por um
toldo).[19]

Aleijadinho em Vila Rica, 1898-1904, reconstrução romântica de uma cena imaginária na vida do
artista, por Henrique Bernardelli. Reprodução na revista Kósmos de tela posteriormente
desaparecida

A construção do mito em torno ao Aleijadinho começou já na biografia pioneira de Bretas, que


embora alertando para o fato de que quando "um indivíduo qualquer se torna célebre e admirável
em qualquer gênero, há quem, amante do maravilhoso, exagere indefinidamente o que nele há de
extraordinário, e das exagerações que se vão sucedendo e acumulando chega-se a compor
finalmente uma entidade verdadeiramente ideal", não obstante enaltecia suas realizações contra
um meio hostil e uma doença acabrunhante.[13] No início do século XX, interessados em definir
um novo sentido de brasilidade, os modernistas o tomaram como um paradigma, um mulato,
símbolo do rico sincretismo cultural e étnico brasileiro, que conseguira transformar a herança lusa
em algo original, e muita bibliografia foi produzida nesse sentido, criando uma aura em torno dele
que foi assumida pelas instâncias oficiais da cultura nacional.[20][21]

Um dos elementos mais ativos na construção do "mito Aleijadinho" diz respeito à busca
implacável de sinais confirmadores de sua originalidade, de sua "unicidade" no panorama da arte
brasileira, representando um acontecimento tão especial que transcenderia até mesmo o estilo de
sua época.

Um dos escritores que pesquisou exaustivamente tanto a vida e obra do artista, e o fez de forma
declaradamente apaixonada, foi o historiador e crítico de arte frances Germain Bazin, curador do
Louvre no após guerra , que reuniu toda a sua pequisa num livro chamado O Aleijadinho,
compilado e publicado depois de sua morte pelo irmão e colaborador. Nele vemos um exame
minucioso do que seria um autêntico estilo barroco portugues e de como o Aleijadinho se
encaixaria nesse contexto cultural e sócio-econômico, trabalhando, como foi seu caso, nas
montanhas de Minas Gerais, longe da costa e da metrópole Européia.

Devemos dizer que essa busca implacável que ainda hoje se faz, referida anteriormente ,a
elementos originais e mesmo geniais no trabalho do artista representa uma interpretação peculiar
do fenômeno estético que nasceu durante o Romantismo, quando se passou identificar fortemente
o criador com sua criação, considerando esta uma propriedade exclusiva daquele, e atribuindo à
obra a capacidade de exibir reflexos genuínos da personalidade e da alma individual que a
produziu. Todo esse corpo de ideias não existia, pelo menos não na importância que adquiriu,
durante os períodos anteriores da história da arte, que primaram pelo sistema da criação coletiva e
muitas vezes anônima. A arte tendia a ser considerada um produto de utilidade pública, os clientes
determinavam a abordagem a ser empregada na obra, as histórias e motivos não pertenciam a
ninguém, e a voz pessoal do artista não devia prevalecer sobre os cânones formais consagrados e
os conceitos coletivos que se procurava transmitir, nem o criador podia em linhas gerais
reivindicar propriedade intelectual sobre o que escrevia, esculpia ou pintava. A partir, pois, da
ascensão do conceito romântico de originalidade, que ainda hoje é largamente arraigado, se
construiu toda a crítica posterior e se passou a ver o artista como um gênio singular, que está
intimamente fundido com sua obra e da qual é o único árbitro e dono, assumindo a criação um
perfil autobiográfico. Até nos dias de hoje parte da crítica tende a projetar uma visão moderna
sobre processos mais antigos ocorridos dentro de um contexto em tudo distinto, distorcendo as
interpretações e chegando a conclusões enganosas, um problema que afeta diretamente o estudo da
vida e obra do Aleijadinho e ainda mais profundamente quando se constata a importância
simbólica que ele adquiriu para os brasileiros, uma importância que em boa parte foi erigida a
partir dessa mesma distorção analítica que está eivada de contradições estéticas e históricas
fundamentais. Não é possível, certamente, ignorar diferenças de capacidade artística ou de estilos
individuais mesmo entre artistas pré-românticos como ele, nem se ignora o evidente aparecimento
de notas originais e transformadoras na linha do tempo, mas é preciso lembrar que antes do que
ser um produto de uma suposta geração espontânea, um gênio nascido do nada e inteiramente
original, Aleijadinho pertenceu a uma linhagem, teve antecessores e inspiradores, e foi fruto de um
meio cultural que determinava em larga medida como a arte da sua época deveria ser criada, sem
que o artista - um conceito que tampouco existia como ele é entendido hoje - tivesse um papel
especialmente ativo nessa determinação.[2][22][23]

Também sua doença entrou como elemento importante neste quadro magnificado. Como
sintetizou Gomes Junior,

"No Brasil o Aleijadinho não teria escapado a essa representação coletiva que circunda a
figura do artista. O relato da parteira Joana Lopes, uma mulher do povo que serviu de
base tanto para as histórias que corriam de boca em boca quanto para o trabalho de
biógrafos e historiadores, fez de Antônio Francisco Lisboa o protótipo do gênio
amaldiçoado pela doença. Obscurece-se sua formação para fixar a ideia do gênio inculto;
realça-se sua condição de mulato para dar relevo às suas realizações no seio de uma
comunidade escravocrata; apaga-se por completo a natureza coletiva do trabalho
artístico para que o indivíduo assuma uma feição demiúrgica; amplia-se o efeito da
doença para que fique nítido o esforço sobre-humano de sua obra e para que o belo ganhe
realce na moldura da lepra." [24]

O pesquisador chama a atenção ainda para a evidência documental de recibos assinados em 1796,
onde sua caligrafia ainda é firme e desembaraçada, fato inexplicável se aceitarmos o que disse
Bretas ou os relatos de viajantes do século XIX, como John Luccock, Friedrich von Woech,
Francis de Castelnau e outros, certamente repetindo o que proclamava a voz popular, que diziam
ele ter perdido não só dedos, mas até as mãos.[24][25] Chartier, Hansen, Grammont e outros vêm
ecoando os mesmos argumentos de Gomes Junior, e Barretto acrescentou, ao que se disse acima,
que a figura de Aleijadinho é atualmente um chamariz para o turismo de Ouro Preto em tal medida
que sua doença, representada nos livros, é "comercializada" em alguns pontos turísticos da cidade.
[23][26][27]
Em meio a esta teia de construções biográficas duvidosas mas largamente consagradas
pela tradição, diversos estudiosos têm tentado separar fato de lenda, num esforço que iniciou
quase ao mesmo tempo em que se erguia o edifício mítico em seu redor, sendo especialmente
notáveis os escritos pioneiros de José Mariano Filho e Roger Bastide sobre este tópico, mais tarde
secundados por diversos outros como os dos autores antes citados.[24]

Retrato imaginário de Aleijadinho, por Bernardelli

[editar] Iconografia

Não há notícia de que Aleijadinho tenha sido retratado em vida, mas no início do século XX foi
descoberto, na casa de ex-votos do Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas, um
pequeno retrato de um mulato bem vestido, com as mãos parcialmente ocultas, a esquerda
segurando a base de uma estatueta. A obra foi então vendida em 1916 ao comerciante carioca
Baerlein como sendo um retrato do artista, e depois de ir parar num antiquário, foi comprada por
Guilherme Guinle, quando a esta altura se atribuiu a autoria a Mestre Ataíde. Em 1941 Guinle
doou o retrato ao Arquivo Público Mineiro, onde em 1956 foi redescoberto pelo historiador
Miguel Chiquiloff, que deu início a uma pesquisa de quase vinte anos para provar sua
autenticidade. A conclusão de Chiquiloff foi que a imagem de fato representa Aleijadinho, mas
sua autoria foi atribuída a um obscuro pintor, Euclásio Penna Ventura.[28]

Depois disso acendeu-se um grande debate na imprensa, e a opinião pública mineira foi induzida a
mostrar-se favorável ao reconhecimento oficial da obra como um retrato autêntico do afamado
mestre; a proposta foi inclusive objeto de um projeto de lei que deu entrada na Assembleia
Legislativa de Minas Gerais, mas de acordo com um parecer do Conselho Estadual de Cultura, que
eximiu-se de julgar um assunto que lhe pareceu fora de sua alçada, o projeto foi vetado pelo
governador. Contudo, Assembleia derrubou o veto governamental e aprovou a Lei nº5.984, de 12
de setembro de 1972, reconhecendo o retrato como a efígie oficial e única de Antônio Francisco
Lisboa.[28] É a imagem que ilustra a abertura deste artigo. Alguns artistas brasileiros também
ofereceram versões conjeturais de sua aparência, entre eles Belmonte[29] e Henrique Bernardelli.[30]

[editar] Contexto histórico e artístico


Aleijadinho trabalhou durante o período de transição do Barroco para o Rococó. O Barroco,
surgido na Europa no início do século XVII, foi um estilo de reação contra o classicismo do
Renascimento, cujas bases conceituais giravam em torno da simetria, da proporcionalidade e da
contenção, racionalidade e equilíbrio formal. Assim, a estética barroca primou pela assimetria,
pelo excesso, pela expressividade e pela irregularidade. Além de uma tendência puramente
estética, esses traços constituíram uma verdadeira forma de vida e deram o tom a toda a cultura do
período, uma cultura que enfatizava o contraste, o conflito, o dinâmico, o dramático, o
grandiloquente, a dissolução dos limites, junto com um gosto acentuado pela opulência de formas
e materiais, tornando-se um veículo perfeito para a Igreja Católica da Contra-Reforma e as
monarquias absolutistas em ascensão expressarem visivelmente seus ideais de glória e afirmarem
seu poder político. As estruturas monumentais erguidas durante o Barroco, como os palácios e os
grandes teatros e igrejas, buscavam criar um impacto de natureza espetacular e exuberante,
propondo uma integração entre as várias linguagens artísticas e prendendo o observador numa
atmosfera catártica e apaixonada. Assim, nenhuma obra de arte barroca pode ser analisada
adequadamente desvinculada de seu contexto, pois sua natureza é sintética, aglutinadora e
envolvente.[31][32]

Na Europa a Igreja Católica foi, ao lado das cortes, a maior mecenas de arte neste período. Na
imensa colônia do Brasil não havia corte, a administração local era confusa e morosa, assim um
vasto espaço permanecia vago para a ação da Igreja e seus batalhões de intrépidos, capazes e
empreendedores missionários, que administravam além dos ofícios divinos uma série de serviços
civis, estavam na vanguarda da conquista do interior do território, organizavam boa parte do
espaço urbano e dominavam o ensino e a assistência social mantendo muitos colégios e orfanatos,
hospitais e asilos. Construindo grandes templos decorados com luxo, encomendando peças
musicais para o culto e dinamizando imensamente o ambiente cultural como um todo, e é claro
ditando as regras na temática e na maneira de representação artística dos personagens do
Cristianismo, a Igreja centralizou a arte colonial brasileira, com rara expressão profana notável.[33]
[34][35]

Cristo carregando a cruz, Santuário de Congonhas

O Barroco no Brasil foi, destarte, um estilo movido principalmente pela inspiração religiosa, mas
ao mesmo tempo de enorme ênfase na sensorialidade e na riqueza dos materiais e formas, num
acordo tácito e ambíguo entre glória espiritual e êxtase carnal. Este pacto, quando as condições
permitiram, criou monumentos artísticos de enorme complexidade formal e riqueza plástica.
Como disse Germain Bazin, "para o homem deste tempo, tudo é espetáculo".[36] Esse fausto
decorativo tinha ademais um propósito didático, já que o Catolicismo compreendia que "a arte
pode seduzir a alma, perturbá-la e encantá-la nas profundezas não percebidas pela razão; que
isso se faça em benefício da fé"'. Mas tanta riqueza também era um tributo devido a Deus, por Sua
própria glória.[37] Todo esse cenário luxuriante era um pano de fundo perfeito para a catequese
católica, largamente influenciada pelos preceitos jesuíticos e contra-reformistas. A retórica
barroca, base para todo o ensino, laico e sacro, tinha um sentido cenográfico e declamatório, e se
expressava cheia de hipérboles e outras figuras de linguagem, num discurso de largo voo e
minuciosa argumentação, o que se refletiu plasticamente na extrema complexidade da obra de
talha e na agitada e convoluta movimentação das formas estatuárias, pictóricas e arquiteturais.[38]

Além da beleza de formas o Catolicismo durante o Barroco, tanto na Europa como no Brasil,
procurou estimular a devoção, o amor e a compaixão através da representação dos momentos mais
dramáticos da história sagrada, e assim abundam os Cristos açoitados, as Virgens com o coração
trespassado de facas, os crucifixos sanguinolentos, as patéticas imagens de roca de membros
articulados e com cabelos e vestes reais, que se levavam em procissões solenes e feéricas onde não
faltavam as lágrimas e os pecados eram confessados em alta voz. Mas essa mesma devoção, que
tantas vezes adorou o trágico, plasmou também inúmeras cenas de êxtase e visões celestes, e
outras tantas Madonnas de graça ingênua e juvenil e encanto perene, e doces Meninos Jesus, cujo
apelo ao coração simples do povo era imediato e sumamente efetivo. Novamente Bazin captou a
essência do processo dizendo que "a religião foi o grande princípio de unidade no Brasil. Ela
impôs às diversas raças aqui misturadas, trazendo cada uma um universo psíquico diferente, um
mundo de representações mentais básico, que facilmente se superpôs ao mundo pagão, no caso
dos índios e dos negros, através da hagiografia, tão adequada para abrir caminho ao
cristianismo aos oriundos do politeísmo".[39] Costa faz lembrar ainda que o templo católico não era
apenas um lugar de culto, mas também cumpria uma função social profana, pois era o mais
importante espaço de confraternização do povo, um centro de transmissão de valores sociais
básicos e amiúde o único local seguro na muitas vezes turbulenta vida da colônia.[33]

[editar] O ciclo mineiro

Minas Gerais teve a peculiaridade de ser uma área de povoamento mais recente em relação ao
litoral, e pôde construir com mais liberdade, em estéticas mais atualizadas, no caso, o Rococó -
por uns tido como uma derivação mais leve e elegante do Barroco, e por outros como um estilo
independente[40] - uma profusão de igrejas novas, sem ter de adaptar ou reformar edificações mais
antigas já estabelecidas e ainda em uso, como era o caso litorâneo, o que as torna exemplares no
que diz respeito à unidade estilística. O conjunto rococó das igrejas de Minas tem uma
importância especial tanto por sua riqueza e variedade como por ser testemunho de uma fase bem
específica da história brasileira, quando a região concentrava as atenções da Metrópole portuguesa
por suas grandes jazidas de ouro e diamantes e constituía o primeiro núcleo no Brasil de uma
sociedade eminentemente urbana.[41][42] A formulação de uma linguagem artística diferenciada na
região das Minas deveu-se também a outros dois fatores importantes: o seu relativo isolamento do
resto do país e o súbito enriquecimento da região com a descoberta daquelas ricas jazidas. O estilo
tipicamente praticado em Minas Gerais teve seu centro principal na antiga Vila Rica, hoje Ouro
Preto, fundada em 1711, mas também floresceu com vigor em Diamantina, Mariana, Tiradentes,
Sabará, Cachoeira do Campo, São João del-Rei, Congonhas e uma série de outras cidades e vilas
mineiras. Quando o ouro começou a escassear, por volta de 1760, o ciclo cultural da região
também entrou em declínio, mas foi quando o seu estilo característico, nesta altura já transitando
para o Rococó, chegou à culminação com a obra de maturidade de Aleijadinho e Mestre Ataíde.[43]
A riqueza da região no século XVIII favoreceu ainda o surgimento de uma elite interessada em
arte. Segundo Affonso Ávila,
Igreja de São Francisco de Assis em São João del-Rei, projeto de Aleijadinho modificado por
Cerqueira

Anjo com o cálice da Paixão, na Via Sacra de Congonhas


"A experiência singular da Capitania das Minas Gerais constituiu, pelas peculiaridades
do condicionamento econômico e do processo civilizador, um momento único da história
cultural brasileira. E se o ouro e o diamante - ou melhor, se a indústria da mineração foi,
no campo de economia, o fator material de cristalização e autonomia da cultura
montanhesa, o atavismo barroco preparou-lhe o suporte espiritual, imprimindo à vida da
sociedade mineradora os seus padrões ético-religiosos e impondo às manifestações
criativas os seus valores e gostos estéticos. Sem essa unidade de conformação filosófica
jamais seria possível a sedimentação de uma cultura tão autêntica em sua
individualidade, fenômeno não de uma contingência histórico-regional, mas de uma
polarização de virtualidades étnicas da gente colonizadora que aqui encontrariam
condições excepcionais de expansão e afirmação". [44]

Cabe uma palavra sobre o papel das irmandades na vida social de Minas, às quais Aleijadinho se
ligou através da Irmandade de São José, que atendia sobretudo mulatos e atraía muitos
carpinteiros. Eram organizações que patrocinavam as artes, fomentavam o espírito de vida cristã,
criavam uma rede de assistência mútua para seus integrantes e se dedicavam ao cuidado dos
pobres. Muitas se tornaram riquíssimas, e competiam na construção de templos decorados com
luxo e requinte, ostentando pinturas, entalhes e estatuária. Também se considera que as
irmandades tinham um lado político, atuando na construção da uma consciência social num meio
dominado pela elite branca portuguesa. Lembre-se nesse sentido que na época em que Aleijadinho
trabalhou Minas esteve em um estado de periódica agitação política e social, fortemente
pressionada pela Coroa portuguesa, que desejava sob qualquer custo o ouro das minas, sendo em
virtude dessa pressão intolerável a sede da Inconfidência Mineira. É documentado que Aleijadinho
tinha contato com um dos inconfidentes, Cláudio Manuel da Costa, mas suas opiniões políticas
são desconhecidas.[45]

O Rococó pode ser descrito sucintamente como uma suavização e aligeiramento do Barroco. Em
Minas isso se manifestou no abandono da decoração pesada e compacta dos templos litorâneos
mais antigos e tipicamente barrocos, repletos de densos entalhes, muitas vezes integralmente
cobertos de ouro, emoldurando painéis compartimentalizados pintados com cores sombrias, os
chamados "caixotões", e adotando em vez decorações mais abertas, fluentes, luminosas e leves. A
suavização se imprimiu também sobre a arquitetura, com fachadas mais elegantes e pórticos mais
decorativos, janelas maiores para uma iluminação interna mais efetiva, plantas mais
movimentadas, materiais mais dóceis como a pedra-sabão, e interiores com predomínio da cor
branca, intercalada com talha mais delicada e graciosa, mais expansiva e também mais esparsa,
recorrendo amiúde aos padrões derivados da forma da concha com policromias claras. A
abordagem geral da iconografia sacra, porém, não foi grandemente afetada pelo Rococó em países
com a forte tradição contra-reformista como Portugal e Brasil, dando continuidade ao que se
descreveu sobre a temática no Barroco, incluindo-se aqui o caso das obras esculturais de
Aleijadinho, cuja dramaticidade e eloquência são marcadas.[46][47]

No entender de Myriam Oliveira a introdução do Rococó em Minas é ainda mal compreendida,


dizendo saber-se com certeza apenas que na década de 1760 já apareciam obras nesta feição em
vários pontos da região, sem qualquer ligação aparente entre si.[47] Mas outros pesquisadores
atribuem o surgimento do estilo em Minas claramente à difusão de gravuras alemãs e francesas,
estatuária e azulejos portugueses, criados nesta estética que já estava consolidada na Europa a esta
altura.[48][49] Note-se que em todo Brasil colonial, desenvolvendo sua arte sob uma estrutura de
ensino bastante precária e essencialmente artesanal e corporativa - a primeira escola de arte oficial
só foi fundada em 1808, no Rio -, a prática de aprendizado através do estudo de reproduções de
grandes exemplares da arte européia foi um processo corriqueiro entre os artistas nativos, que
nelas buscavam inspiração para seus próprios trabalhos.[50][51] Também é certa - apesar das
restrições impostas pela Coroa à imigração e circulação de gentes nas Minas - a chegada de
portugueses à região, que conheciam bem a arte da Metrópole e naturalmente imprimiram sua
marca entre os mineiros. Apesar desse conjunto de evidências a extensão dessa influência ainda é
discutível.[48]

A filiação de Aleijadinho às escolas estéticas supracitadas é motivo de disputa, e alguns autores


até detectam traços de estilos arcaicos como o Gótico em sua produção, que ele teria conhecido
através de gravuras florentinas.[52] Mário de Andrade, no entusiasmo que caracterizou a
redescoberta de Aleijadinho pelos modernistas, chegou a se expressar sobre seu estilo em escala
épica, dizendo que "… o artista vagou pelo mundo. Reinventou o mundo. O Aleijadinho lembra
tudo! Evoca os primitivos italianos, esboça o Renascimento, toca o Gótico, às vezes é quase
francês, quase sempre muito germânico, é espanhol em seu realismo místico. Uma enorme
irregularidade cosmopolita, que o teria conduzido a algo irremediavelmente diletante se não
fosse a força de sua convicção impressa em suas obras imortais".[53] Por vezes o Aleijadinho é
analisado como elemento de transição entre o Barroco e o Rococó, como é o caso de Bazin,
Brandão, Mills, Taylor e Graham.[46][52][54] Outros o têm como um mestre típico do Rococó, como
James Hogan, para quem ele foi o maior expoente do Rococó brasileiro,[55] ou Myriam Oliveira,
notória estudiosa da arte colonial, que denunciou a tendência recorrente de assimilar o "fenômeno
mineiro" para dentro da órbita do Barroco, falha básica que ela apontou existir na maioria dos
estudos modernos sobre a arte da região e sobre o Aleijadinho, e que originou o conceito, tão
divulgado, e para ela falso, de "Barroco mineiro".[56] Outros o vêem como um perfeito exemplo do
Barroco, como Clemente, Ferrer, Fuentes e Lezama Lima.[57][58][59] John Bury considera que

"O estilo de Aleijadinho pertence ao Barroco, no sentido mais amplo do termo. O espírito
do Barroco era o da universalidade católica e imperial e, nesse aspecto, o Aleijadinho foi
um verdadeiro mestre desse estilo. Ele captou instintivamente as noções básicas do
Barroco em termos de movimento, ausência de limites e espírito teatral, bem como a ideia
de que todas as artes, arquitetura, escultura, talha, douramento, pintura e até mesmo
espetáculos efêmeros … deveriam ser usados como elementos que contribuíssem
harmoniosamente para um grandioso efeito ilusório".[60]

Também é assinalada a influência da arte popular em sua obra, como refere Junqueira Filho ao
afirmar que sua singularidade reside no fato de ele superar o talento de um simples copista e as
idiossincrasias de uma linguagem popular que, entretanto, persiste visível como "uma graça
artesanal" no seu processo de se apropriar dos modelos cultos, ultrapassando seus modelos e
adquirindo um status de obra nova e original, conquista que seria a responsável pela
universalidade de sua contribuição sem que isso implique perda de sua raiz popular, sendo
também uma justificativa para sua relevância no panorama da arte brasileira.[61]

[editar] Obra
[editar] Problema da autoria e estilo pessoal

Cristo no Horto das Oliveiras, na Via Sacra de Congonhas

Nossa Senhora das Dores, tradicionalmente atribuída a Aleijadinho. Museu de Arte Sacra de São
Paulo

Como ocorre com outros artistas coloniais, a identificação das obras do Aleijadinho é dificultada
pelo fato dos artistas da época não assinarem suas obras e pela escassez de fontes documentais.
Em geral os documentos como contratos e recibos acordados entre as irmandades religiosas e os
artistas são as fontes mais seguras para a atribuição de autoria. Também outros documentos, como
a Memória do vereador de Mariana transcrito por Bretas e a tradição oral são elementos úteis.
Comparações estilísticas entre as obras autenticadas com as de autoria sugerida podem ser usadas
para identificar o autor, embora este critério seja sempre conjetural,[62][63] ainda mais porque se
sabe que o estilo "típico" de Aleijadinho criou escola, sendo continuado por grande número de
escultores mineiros e copiado até nos dias de hoje por santeiros da região.[64][65] Tal estilo foi
descrito por Silvio de Vasconcellos como apresentando os seguintes traços:[66]

• Posicionamentos dos pés em ângulo próximo do reto;


• Panejamentos com dobras agudas;
• Proporções quadrangulares das mãos e unhas, com o polegar recuado e alongado e
indicador e mínimo afastados, anular e médio unidos de igual comprimento; nas figuras
femininas os dedos se afunilam e ondulam, elevando-se em seus terços médios;
• Queixo dividido por uma cova;
• Boca entreaberta e lábios pouco carnudos, mas bem desenhados;
• Nariz afilado e proeminente, narinas profundas e marcadas;
• Olhos rasgados de formato amendoado, com lacrimais acentuados e pupilas planas;
arcadas superciliares alteadas e unidas em "V" na altura do nariz;
• Bigodes nascendo das narinas, afastados dos lábios e fundidos com a barba; esta é recuada
na face e se apresenta bipartida em dois rolos;
• Braços curtos, um tanto rígidos, especialmente nos relevos;
• Cabelos estilizados, modelados como rolos sinuosos e estriados, terminados em volutas e
com duas mechas sobre a testa;
• Expressividade acentuada, olhar penetrante.

A título de exemplo, ao lado se ilustra uma das inúmeras imagens que vêm sendo aceitas como de
sua autoria com base na comparação estilística, uma Nossa Senhora das Dores, hoje no acervo do
Museu de Arte Sacra de São Paulo.[67]

Beatriz Coelho dividiu sua evolução estilística em três fases: a primeira, entre 1760 e 1774,
quando seu estilo é indefinido, à procura de uma caracterização; a segunda, entre 1774 e 1790,
quando ele se personaliza e suas obras se definem pela firmeza e idealização, e a final, entre 1790
e sua morte, quando a estilização chega a extremos, bem longe do naturalismo, tentando expressar
a espiritualidade e o sofrimento.[68]

Outro aspecto que deve ser levado em conta é o sistema de trabalho em oficinas coletivas que
vigorava nas Minas de seu tempo; há pouca certeza acerca da extensão de sua intervenção direta
na execução de muitas de suas obras, mesmo as documentadas. Muitas vezes os mestres-de-obras
intervinham no risco original das igrejas, e a supervisão da construção era realizada por equipes
das corporações, associadas aos poderes civil e eclesiástico, que também tinham poder diretivo.
Para a talha de altares e esculturas igualmente participavam um número indeterminado de artesãos
assistentes, que se bem seguindo as diretrizes do projetista encarregado da encomenda, deixavam
sua marca distintiva nas peças finalizadas.[69][70] Como disse Angela Brandão,

"Embora todo o sistema de organização da atuação dos ofícios mecânicos, herdada de


modelos medievais portugueses, tenha se modificado ao adequar-se à colônia brasileira,
parece certo que tanto em Portugal e tanto mais no Brasil a rígida divisão das funções
exercidas por diferentes oficiais nunca se tenha mantido criteriosamente… As
sobreposições ou exercício de funções que extrapolavam os limites profissionais
estabelecidos para cada ofício mecânico não deixaram de gerar conflitos … Diferentes
caminhos, levados em consideração, levam a concluir que os trabalhos artísticos e
artesanais, em suas variadas atividades, entrelaçavam suas funções nas mãos de
diferentes oficiais (os "oficiais de tudo", para usar o termo do século XVI), nos canteiros
de obras e nos diversos encargos promovidos por irmandades e pela diocese em Minas
Gerais do século XVIII".[69]

Sendo hoje um dos ícones da arte brasileira, sua obra é altamente valorizada no mercado, e na
problemática das atribuições de autoria entram em jogo fortes pressões de vários setores
envolvidos, incluindo instâncias oficiais, colecionadores e comerciantes de arte. Apesar de sua
obra documentada se resumir a relativamente poucas encomendas (duas delas incluindo os
grandes conjuntos escultóricos de Congonhas, a Via Sacra e os Profetas), o catálogo geral
publicado por Márcio Jardim em 2006 elencou 425 peças como de sua lavra exclusiva, sem ajuda
de outrem, número muito maior do que as 163 obras contadas em 1951, na primeira catalogação.
[71]
E o número não cessa de crescer: diversas peças de autoria até então desconhecida vêm sendo
"autenticadas" nos últimos anos, quase invariavelmente sem qualquer fundamento documental.[72]
[73][74][75]
Um estudo crítico publicado em 2003 por pesquisadores ligados ao Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), Myriam Oliveira, Antônio Batista dos Santos e Olinto
Rodrigues dos Santos Filho, contestou centenas dessas atribuições, e o livro acabou tendo toda sua
edição apreendida por ordem judicial, emitida num processo aberto por Renato Whitaker, grande
colecionador de Aleijadinho, que se sentiu prejudicado ao ver várias de suas peças desacreditadas.
O embargo, porém, foi levantado em seguida.[70][76][77] Outras contestações vieram de Guiomar de
Grammont, alegando que em seu tempo de vida, e prejudicado por uma doença limitante, seria
impossível que ele executasse todas as obras a ele atribuídas. Ela alegou ainda ter "razão para
desconfiar que existe um conluio entre colecionadores e críticos para valorizar obras anônimas".
[78][79]

[editar] Obras principais

[editar] Talha

Retábulo da capela-mor da Igreja de São Francisco em São João del-Rei


Projeto para a fachada da Igreja de São Francisco em São João del-Rei

Como entalhador, é documentada a participação de Aleijadinho em pelo menos quatro grandes


retábulos, como projetista e executante. Em todos eles seu estilo pessoal se desvia em alguns
pontos significativos dos modelos barrocos-rococós então prevalentes. O traço mais marcante
nessas complexas composições, de caráter ao mesmo tempo escultórico e arquitetural, é a
transformação do arco de coroamento, já sem frontão, substituído por um imponente grupo
estatuário, o que segundo Oliveira sugere a vocação primariamente escultórica do artista. O
primeiro conjunto foi o projeto da capela-mor da Igreja de São José em Ouro Preto, datado de
1772, ano em que entrou para a correspondente Irmandade. As obras foram executadas, contudo,
por um artesão pouco qualificado, prejudicando o resultado estético. Ainda apresenta um dossel de
coroamento, mas já está desprovido de ornamentos e ostenta um grupo escultórico. O conjunto
mais importante é o retábulo da Igreja de São Francisco de Assis em Ouro Preto, onde a tendência
de povoar com figuras o coroamento chega ao seu ponto alto, com um grande conjunto escultórico
representando as três pessoas da Santíssima Trindade. Este grupo não apenas arremata o retábulo,
mas se integra eficazmente com a ornamentação da abóbada, fundindo parede e teto num vigoroso
impulso ascendente. Toda a talha do retábulo tem uma forte marca escultórica, mais do que
meramente decorativa, e realiza um original jogo de planos diagonais através dos seus elementos
estruturais, o que se constitui num dos elementos distintivos de seu estilo neste campo, e que se
repetiu no outro grande conjunto que ele projetou, para a igreja franciscana de São João del-Rei.[80]
[81]

A etapa final da evolução do seu estilo como entalhador é ilustrada pelos retábulos que realizou
para a Igreja de Nossa Senhora do Carmo em Ouro Preto, projetados e executados por ele entre
1807 e 1809, sendo os últimos que criou antes da sua doença obrigar-lhe a mais supervisionar do
que executar suas ideias. Estas peças derradeiras apresentam um grande enxugamento formal, com
a redução dos elementos decorativos a formas essenciais, de grande elegância. Os retábulos são
marcadamente verticalizados e se encaixam integralmente dentro dos cânones do Rococó;
abandonam por inteiro o esquema do arco de coroamento, empregando apenas formas derivadas
da concha (a "rocalha") e da ramagem como motivos centrais das ornamentações. O fuste das
colunas não mais se divide em dois por um anel no terço inferior, e a sanefa aparece integrada à
composição por volutas sinuosas.[82]

[editar] Arquitetura

Aleijadinho atuou como arquiteto, mas a extensão e natureza desta atividade são bastante
controversas. Só sobrevive documentação relativa ao projeto de duas fachadas de igrejas, Nossa
Senhora do Carmo em Ouro Preto e São Francisco de Assis em São João del-Rei,[83][84] ambas
iniciadas em 1776, mas cujos riscos foram alterados na década de 1770.[85] A tradição oral sustenta
que ele foi autor também do risco da Igreja de São Francisco de Assis em Ouro Preto, mas a
respeito dela só é documentada sua participação como decorador, criando e executando retábulos,
púlpitos, portada e um lavabo. Também criou, como já foi mencionado, projetos para retábulos e
capelas, que se enquadram mais na função do decorador-entalhador, ainda que tenham proporções
arquitetônicas. Oliveira afirma que a comparação entre os projetos de fachadas documentados e o
tradicionalmente atribuído evidencia que se tratam de universos estilísticos muito diferentes,
sugerindo que a atribuição da igreja franciscana de Ouro Preto a Aleijadinho é no mínimo
questionável. Esta apresenta um modelo mais compacto, com volumes mais dinâmicos e pobre
ornamentação nas aberturas salvo a portada, cuja autoria do Aleijadinho é definida. Sua estética
remete mais a modelos antigos do Barroco. As outras duas possuem janelas decoradas e volumes
menos salientes, e são concebidas já bem dentro do estilo Rococó.[86]

Os problemas se tornam mais complexos na análise da sua contribuição para a arquitetura


religiosa mineira quando se constata a discrepância entre o projeto da Igreja de São Francisco de
Assis em São João del-Rei, que foi recuperado, com o resultado que hoje é visível, tendo sofrido
diversas modificações por Francisco de Lima Cerqueira, a ponto de ser justo chamá-lo de co-autor
da obra.[87] Segundo Oliveira,

"O projeto elaborado pelo Aleijadinho em 1774 para a fachada da igreja de São
Francisco de São João del-Rei, que se situa na mesma linha evolutiva do Carmo de Ouro
Preto, teria vindo a caracterizar, se executado, a mais genuinamente rococó das fachadas
religiosas mineiras.... o risco, felizmente conservado, um belo e minucioso desenho em
bico-de-pena com marcação dos volumes em sombreado, dá uma ideia bastante precisa
do pensamento original do autor. As elegantes torres chanfradas e ligeiramente
arredondadas enquadram um frontispício levemente sinuoso como o da igreja do Carmo,
tendo desenho semelhante ao dessa igreja, com o mesmo coroamento em forma de sino,
em tratamento mais evoluído. Outras semelhanças podem ser detectadas no desenho
ornamental da portada e das molduras das janelas, diferindo, entretanto, o modelo do
óculo e do frontão, ladeado de vigorosas rocalhas chamejantes, que impulsionam
visualmente para o alto o relevo escultórico central com a cena da visão de São Francisco
no Monte Alverne".[88]

[editar] Escultura
Ver artigos principais: Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, Doze profetas de
Aleijadinho.

Sua maior realização na escultura de vulto completo são os conjuntos do Santuário do Bom Jesus
de Matosinhos, em Congonhas - as 66 estátuas da Via Sacra, Via Crucis ou dos Passos da Paixão,
distribuídas em seis capelas independentes, e os Doze Profetas no adro da igreja. Todas as cenas
da Via Sacra, talhadas entre 1796 e 1799, são intensamente dramáticas, e aumenta esse efeito o
vivo colorido das estátuas em tamanho natural, pintadas, segundo indica um contrato assinado em
1798, por Mestre Ataíde e Francisco Xavier Carneiro. Entretanto, não é certo que Carneiro tenha
trabalhado nas peças, pois não constam pagamentos a ele realizados no Livro 1° de Despesa até
1837, quando este se encerra.[89][90]

A tipologia da Via Sacra é antiga, remonta à tradição do Sacro Monte, nascida na Itália séculos
antes de ser reencenada em Congonhas. O tipo se constitui num conjunto de cenas da Paixão de
Jesus, de caráter teatral e patético, destinadas explicitamente a invocar a piedade e compaixão,
reconstruindo resumidamente o percurso de Jesus desde a Última Ceia até sua crucificação. As
cenas são usualmente dispostas numa série de capelas que antecedem um templo colocado no alto
de uma colina ou montanha - e daí o nome de Sacro Monte - exatamente como é o caso do
Santuário de Congonhas,[91] erguido por Feliciano Mendes em pagamento de uma promessa e
imitando o modelo do santuário homônimo de Braga, em Portugal.[92]

Detalhe do Cristo carregando a Cruz, na Via Sacra de Congonhas

Julian Bell encontrou no conjunto brasileiro uma intensidade não superada nem mesmo pelos seus
modelos italianos,[91] e Mário de Andrade o leu como exemplo de um expressionismo às vezes
feroz.[93] Gilberto Freyre e outros viram em algumas destas peças, em especial nos grotescos
soldados romanos que atormentam Cristo, um grito pungente e sarcástico, ainda que velado, de
protesto contra a opressão da colônia pelo governo português e do negro pelo branco.[91][94] Freyre,
ao mesmo tempo, identificou raízes tipicamente folclóricas para a constituição do seu extravagante
estilo pessoal, como a iconografia satírica da cultura popular, se admirando da hábil maneira com
que Aleijadinho introduziu elementos da voz do povo para dentro do universo da alta cultura do
Barroco internacional.[94]

Através da comparação entre a qualidade das várias figuras individuais, pesquisadores chegaram à
conclusão de que ele não executou todas as imagens da Via Sacra. Sua mão estaria apenas nas da
primeira capela, onde se representa a Santa Ceia, e nas da segunda capela, figurando a Agonia no
Horto das Oliveiras. Das outras capelas teria esculpido pessoalmente apenas algumas das figuras.
Na terceira, da Prisão, o Cristo e possivelmente São Pedro, e na que abriga duas cenas, a
Flagelação e a Coroação de Espinhos, também as figuras de Cristo, e um dos soldados romanos,
que teria servido de modelo para todos os outros, esculpidos por seus assistentes. Na capela do
Carregamento da Cruz, a figura do Cristo e possivelmente as duas mulheres chorosas, junto com
o menino que carrega um prego da cruz. Na capela da Crucificação, suas seriam as imagens do
Cristo pregado e dos dois ladrões que o ladearam no Calvário, além, possivelmente, também a de
Maria Madalena.[95][96]

A outra parte do conjunto de Matosinhos são as doze esculturas dos profetas, realizadas entre 1800
e 1805, cujo estilo em particular é fonte de controvérsia desde a manifesta incompreensão de
Bernardo Guimarães no século XIX, que desconcertado diante dos aparentes erros de talha e
desenho, ainda assim reconhecia nas estátuas momentos de notável beleza e solenidade,
verdadeiramente dignas dos profetas.[97] O conjunto se configura como uma das séries mais
completas representando profetas na arte cristã ocidental. Estão presentes os quatro principais
profetas do Antigo Testamento - Isaías, Jeremias, Ezequiel e Daniel, em posição de destaque na
ala central da escadaria - e oito profetas menores, escolhidos segundo a importância estabelecida
na ordem do cânon bíblico, sendo eles Baruc, Oseias, Jonas, Joel, Abdias, Amós, Naum e
Habacuc.[98] As proporções das figuras são extremamente distorcidas. Uma parte da crítica atribui
isso à incompetência de seu grupo de auxiliares ou às dificuldades de manejo do cinzel geradas
por sua doença, mas outros se inclinam para ver nelas uma intencionalidade expressiva, e outros
ainda entendem as distorções como recurso eminentemente técnico destinado a compensar a
deformação advinda do ponto de vista baixo a partir do qual as estátuas são vistas, demonstrando o
criador estar ciente dos problemas e exigências da representação figural em escorço. De fato a
dramaticidade do conjunto parece ser intensificada por essas formas aberrantes, que se apresentam
em uma gesticulação variada e teatral, imbuída de significados simbólicos referentes ao caráter do
profeta em questão e ao conteúdo de sua mensagem.[98] [99][100] Dez dentre eles apresentam o mesmo
tipo físico: um jovem de rosto esguio e traços elegantes, maçãs do rosto salientes, barbas aparadas
e longos bigodes. Somente Isaías e Naum aparecem como velhos de longas barbas. Todos também
trajam túnicas semelhantes, decoradas com bordados, salvo Amós, o profeta-pastor, que usa um
manto do tipo dos trajes de pele de carneiro encontrados entre os camponeses da região do
Alentejo. Daniel, com o leão a seus pés, também se destaca no grupo e crê-se que pela perfeição
de seu acabamento seja talvez uma das únicas peças do conjunto inteiramente realizada pelo
mestre mineiro.[98] Segundo Soraia Silva,
Profeta Ezequiel

Relevo no pórtico da Igreja de São Francisco em São João del-Rei


"O que o Aleijadinho efetivamente deixou representado nesta obra foi uma dinâmica
postural de oposições e correspondências. Cada estátua representa um personagem
específico, com sua própria fala gestual. Mas apesar dessa independência no espaço
representativo e até mesmo no espaço físico, elas mantêm um diálogo corporal, formando
uma unidade integrada na dança profética da anunciação da vida, morte e renascimento".
[99]

Outras teses identificam propósitos ocultos na composição do conjunto. A pesquisadora Isolde


Venturelli atribuiu ao Aleijadinho inclinações políticas libertárias, e viu em cada profeta o símbolo
de um inconfidente, opinião compartilhada com Martin Dreher, e que encontra algum apoio no
fato de que sua ligação com Cláudio Manuel da Costa está documentada.[101] Marilei Vasconcelos
distinguiu nos profetas uma série de símbolos maçônicos. De qualquer forma, a concepção do
conjunto é típica do Barroco religioso internacional: dramático, coreográfico e eloquente.[99]
Giuseppe Ungaretti, espantado com a intensidade mística das figuras, disse que "os profetas do
Aleijadinho não são barrocos, são bíblicos".[97] Para Gabriel Frade o conjunto integrado pela
igreja, o amplo adro e os profetas se tornou um dos mais notórios da arquitetura sagrada no Brasil,
sendo um perfeito exemplo de como elementos interdependentes de complementam coroando de
harmonia a totalidade da obra.[102] Para John Bury

"Os Profetas do Aleijadinho são obras-primas, e isso em três aspectos distintos:


arquitetonicamente, enquanto grupo; individualmente, como obras escultóricas, e
psicologicamente, como estudo de personagens que representa. Desde este último ponto
de vista, elas são … as esculturas mais satisfatórias de personagens do Antigo Testamento
que jamais foram executadas, com exceção do Moisés de Michelangelo".[103]

Hoje todo o conjunto do Santuário é um Patrimônio da Humanidade, conforme declaração da


UNESCO, além de ser tombado pelo IPHAN.[104]

Ainda dentro do campo da escultura se alinham os grandes relevos que ele esculpiu para pórticos
de igrejas, que introduziram no Brasil um padrão de larga posteridade. Típico dessa inovação é a
cartela ou brasão coroado ladeado por anjos, que apareceu primeiro na portada da Igreja do Carmo
de Sabará. Bazin relacionou esse modelo a protótipos do Barroco português da época de Dom
João V, que eram amiúde empregados lá e no Brasil para o coroamento de retábulos, mas a
presença repetida desses elementos em igrejas carmelitas portuguesas sugere também uma
preferência desta Ordem religiosa. Aleijadinho levou adiante esse modelo nos portais das igrejas
franciscanas de Ouro Preto e São João del-Rei, onde a composição se torna muito mais complexa
e virtuosística. Em Ouro Preto os anjos apresentam já dois brasões lado a lado, unidos pela coroa
de espinhos de Cristo e os braços estigmatizados, símbolos da Ordem Franciscana, e sobre isso se
abre um grande medalhão com a figura da Virgem Maria, arrematado por uma grande coroa real.
Decoram o conjunto guirlandas, flores, cabeças de querubins e fitas com inscrições, além de
volutas e motivos de concha e folhagem. Também constituem novidade o desenho das peanhas,
em arco semicircular, e a adição de fragmentos de entablamento acima das pilastras laterais,
decorados com denteados e volutas. Os mesmos motivos aparecem em São João del-Rei, e todos
estes portais aparentemente foram modificados, em sua parte estrutural, por Cerqueira. Um
diferencial do exemplo de Ouro Preto é a presença de um relevo adicional ocluindo o óculo, onde
São Francisco de Assis aparece recebendo os estigmas,[81][105] que para Mário de Andrade está entre
suas criações mais primorosas, aliando notável doçura e realismo.[106] Na mesma categoria devem
ser lembrados os lavabos monumentais e os púlpitos que esculpiu em pedra-sabão em igrejas de
Ouro Preto e Sabará, todos com rico trabalho escultórico em relevo, tanto ornamental como em
cenas descritivas.[81][106][107]

[editar] Fortuna crítica


Depois de um período de relativo obscurecimento após sua morte, ainda que tenha sido comentado
por vários viajantes e eruditos da primeira metade do século XIX como Auguste de Saint-Hilaire e
Richard Burton, às vezes de forma pouco lisonjeira, o nome de Aleijadinho voltou à cena com a
biografia pioneira de Bretas em 1858, já citada. Dom Pedro II era um apreciador da sua obra. Mas
foi mais tarde que o seu nome voltou com força à discussão estética e histórica, com as pesquisas
de Affonso Celso e Mário de Andrade no início do século XX, aliadas ao novo prestígio que o
Barroco mineiro desfrutava entre o governo, prestígio que levou à criação da Inspetoria de
Monumentos Nacionais, o antecessor do IPHAN, em 1933. Para os modernistas do grupo de
Mário, que estavam engajados num processo de criação de um novo conceito de identidade
nacional, conhecer a obra de Aleijadinho foi como uma revelação inspiradora, onde foram
acompanhados por alguns ilustres teóricos francófonos, num período em que o estilo Barroco
estava muito desacreditado entre a intelectualidade da Europa mas no Brasil se tornara o assunto
do momento. Admirado, Blaise Cendrars pretendeu escrever um livro sobre ele, mas isso acabou
não se concretizando. Entretanto, os estudos foram ampliados nos anos seguintes por, entre muitos
outros, Roger Bastide, Rodrigo Melo Franco de Andrade, Gilberto Freyre, Germain Bazin e
também pelos técnicos do IPHAN, e desde então têm se expandido ainda mais para abordar uma
grande variedade de tópicos sobre a vida e obra do artista, geralmente afirmando a importância
superlativa de sua contribuição.[22][59][108][109] Lúcio Costa mantinha uma posição dividida; negava-
lhe talento de arquiteto, e repelia sua obra nesse campo como inferior, de nível decorativo apenas,
e ironizava sua pessoa também, chamando-o de "recalcado trágico",[110] ainda que em outro
momento o elogiasse como "a mais alta expressão individualizada da arte portuguesa de seu
tempo".[111]

Seu reconhecimento extrapola as fronteiras do Brasil. Para boa parte da critica moderna,
Aleijadinho representa um momento singular na evolução da arte brasileira, sendo um ponto de
confluência das várias raízes sociais, étnicas, artísticas e culturais que fundaram a nação, e mais do
que isso, representa dessa síntese uma expressão plástica de elevadíssima qualidade, sendo o
primeiro grande artista genuinamente nacional.[22][108] Dentre muitas opiniões de teor semelhante,
Bazin o louvou como o "Michelangelo brasileiro",[112] para Carlos Fuentes ele foi o maior "poeta"
da América colonial,[58] Lezama Lima o chamou de "a culminação do Barroco americano",[113]
Regis St. Louis e seus colaboradores lhe dão um lugar de destaque na história da arte
internacional,[114] John Crow o considera um dos criadores mais dotados deste hemisfério em todos
os tempos,[115] e João Hansen afirma que as suas obras já começam a ser identificadas com o Brasil
ao lado do samba e do futebol em outros países, tendo-se tornado um dos ícones nacionais para os
estrangeiros.[23] Já existe um museu especialmente dedicado à preservação de sua memória, o
Museu Aleijadinho, fundado em Ouro Preto em 1968, e a sua cidade natal regularmente promove
a Semana do Aleijadinho, com encontros de pesquisadores aliados a comemorações populares,
onde ele é o tema principal.[116] O prestígio do artista junto à crítica especializada acompanha sua
popularidade entre os leigos brasileiros. O Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro
realizou em 2007 a exposição Aleijadinho e seu Tempo - Fé, Engenho e Arte, que teve um público
recorde de 968.577 visitantes, o maior público, em números absolutos, recebido em uma mostra
realizada nos dezessete anos de atuação do CCBB Rio, ultrapassando números da Bienal
Internacional de São Paulo (535 mil), e das exposições Picasso Na Oca (905 mil) e Guerreiros de
Xi'an (817.782).[117] A presença de suas obras nas cidades mineiras é um dos grandes atrativos
turísticos da região.[118]

Já Grammont, Gomes Junior, Chartier, Barretto e outros advertem para o perigo da perenização de
visões mitificantes, romantizadas e fantasiosas sobre o artista, que tendem a obscurecer a sua
correta contextualização e a clara compreensão de sua estatura artística e da extensão de sua
originalidade, a partir do copioso folclore que desde a era de Vargas tanto a oficialidade como o
povo vêm criando em torno de sua figura mal conhecida e misteriosa, elevando-o ao patamar de
herói nacional.[2][22][23][26][108] Hansen inclusive aponta como evidência lamentável dessa situação a
ocorrência de manipulação política da imagem de Aleijadinho no exterior, citando a censura
governamental à publicação de estudos mais críticos no catálogo de uma grande exposição que
incluía o artista montada na França, patrocinada pelo governo federal.[23]

O Aleijadinho já foi retratado como personagem no cinema e na televisão: em 1915 Guelfo


Andaló dirigiu a primeira cinebiografia sobre o artista,[119] e mais recentemente ele foi interpretado
por Geraldo Del Rey no filme "Cristo de Lama" (1966),[120] Maurício Gonçalves no filme
"Aleijadinho - Paixão, Glória e Suplício" (2003)[121] e Stênio Garcia num Caso Especial da TV
Globo.[122] Em 1978 Aleijadinho foi objeto de um documentário dirigido por Joaquim Pedro de
Andrade e narrado por Ferreira Gullar.[123]

[editar] Lista de obras documentadas


Profeta Oseias

Informações obtidas em artigo de Felicidade Patrocínio na Revista do Instituto Histórico e


Geográfico de Montes Claros.[25]

• 1752 - Ouro Preto: Chafariz do Palácio dos Governadores. Risco do pai, execução de
Aleijadinho.
• 1757 - Ouro Preto: Chafariz do Alto da Cruz. Risco do pai, execução de Aleijadinho.
• 1761 - Ouro Preto: Busto no Chafariz do Alto da Cruz.
• 1761 - Ouro Preto: Mesa e 4 bancos para o Palácio dos Governadores.
• 1770 - Sabará: Trabalho não especificado para a Igreja de Nossa Senhora do Carmo.
• 1771 - Rio Pomba: Medição do risco do altar-mor da Matriz.
• 1771-2 - Ouro Preto: Risco do altar-mor da Igreja de São José.
• 1771 - Ouro Preto: Medição do risco da Igreja de Nossa Senhora do Carmo.
• 1771 - Ouro Preto: Risco para um açougue.
• 1771-2 - Ouro Preto: Púlpitos para a Igreja de São Francisco.
• 1773-4 - Ouro Preto: Barrete da capela-mor da Igreja de São Francisco.
• 1774 - São João del-Rei: Aprovação do risco da Igreja de São Francisco.
• 1774 - Sabará: Trabalho não especificado para a Igreja de Nossa Senhora do Carmo.
• 1774 - Ouro Preto: Novo risco da portada da Igreja de São Francisco.
• 1775 - Ouro Preto: Risco da capela-mor e altar da Igreja de Nossa Senhora das Mercês.
• 1777-8 - Ouro Preto: Inspeção de obras na Igreja de Nossa Senhora das Mercês.
• 1778 - Sabará: Inspeção de obras na Igreja de Nossa Senhora do Carmo.
• 1778-9 - Ouro Preto: Risco do altar-mor da Igreja de São Francisco.
• 1779 - Sabará: Risco do cancelo e uma estátua para a Igreja de Nossa Senhora do Carmo.
• 1781 - Sabará: Trabalho não especificado para a Igreja de Nossa Senhora do Carmo.
• 1781 - São João del-Rei: Encomenda do risco do altar-mor da Igreja de São Francisco.
• 1781-2 - Sabará: Cancelo, púlpitos, coro e portas principais da Igreja de Nossa Senhora do
Carmo.
• 1785 - Morro Grande: Inspeção de obras na Matriz.
• 1789 - Ouro Preto: Pedras de ara para a Igreja de São Francisco.
• 1790 - Mariana: Registro do segundo vereador na Casa de Câmara e Cadeia
• 1790-4 - Ouro Preto: Altar-mor da Igreja de São Francisco.
• 1794 - Ouro Preto: Inspeção de obras na Igreja de São Francisco.
• 1796-9 - Congonhas: Figuras dos Passos da Paixão para o Santuário do Bom Jesus de
Matosinhos.
• 1799 - Ouro Preto: Quatro anjos de andor para a Igreja de Nossa Senhora do Pilar.
• 1800-5 - Congonhas: Doze Profetas para o adro do Santuário do Bom Jesus de
Matosinhos.
• 1801-6 - Congonhas: Lâmpadas para o Santuário do Bom Jesus de Matosinhos.
• 1804 - Congonhas: Caixa do órgão do Santuário do Bom Jesus de Matosinhos.
• 1806 - Sabará: Risco do altar-mor (não aceito) para a Igreja de Nossa Senhora do Carmo.
• 1807 - Ouro Preto: Retábulos de São João e Nossa Senhora da Piedade para a Igreja de
Nossa Senhora do Carmo.
• 1808 - Congonhas: Castiçais para o santuário de Bom Jesus de Matosinhos.
• 1808-9 - Ouro Preto: Retábulos de Santa Quitéria e Santa Luzia para a Igreja de Nossa
Senhora do Carmo.
• 1810 - São João del-Rei: Risco da portada e cancelo para a Matriz.
• 1829 - Ouro Preto: Retábulos laterais para a Igreja de São Francisco, executados
postumamente.

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