Você está na página 1de 354

See

discussions, stats, and author profiles for this publication at: https://www.researchgate.net/publication/265597665

NOTAS DE AULA DE MORFOLOGIA URBANA

Book · January 2014

CITATIONS READS

2 79

1 author:

Romulo Krafta
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
35 PUBLICATIONS 112 CITATIONS

SEE PROFILE

All content following this page was uploaded by Romulo Krafta on 20 March 2017.

The user has requested enhancement of the downloaded file.


Reitor
Carlos Alexandre Netto
Vice-Reitor e Pró-Reitor
de Coordenação Acadêmica
Rui Vicente Oppermann

EDITORA DA UFRGS
Diretora
Sara Viola Rodrigues
Conselho Editorial
Alexandre Ricardo dos Santos
Carlos Alberto Steil
Lavinia Schüler Faccini
Mara Cristina de Matos Rodrigues
Maria do Rocio Fontoura Teixeira
Rejane Maria Ribeiro Teixeira
Rosa Nívea Pedroso
Sergio Antonio Carlos
Sergio Schneider
Susana Cardoso
Valéria N. Oliveira Monaretto
Sara Viola Rodrigues, presidente
© de Romulo Krafta
1ª edição: 2014

Direitos reservados desta edição:


Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Capa: Carla M. Luzzatto


Revisão: Magda Collin
Editoração eletrônica: Luciane Delani

Romulo Krafta. Arquiteto pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil, 1973. Mestre
em Desenho Urbano pela Oxford Brookes University, Reino Unido, 1982. PhD em Ciência Ur-
bana pela University of Cambridge, Reino Unido, 1992. Pós-doutorado no Centre of Advanced
Spatial Analysis do University College, Londres, 2001. Pós-Doutorado no Programa de Pós-
-graduação em Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2013. Professor titular
de Morfologia Urbana do Departamento de Urbanismo da Universidade Federal do Rio Gran-
de do Sul. Professor e orientador do Programa de Pós-graduação em Planejamento Urbano e
Regional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

K892n Krafta, Romulo


Notas de aula de morfologia urbana / Romulo Krafta . – Porto Alegre: Editora
da UFRGS, 2014.
352 p.: il. ; 16x23cm
Inclui figuras e tabelas.
Inclui referências.
1. Planejamento urbano. 2. Morfologia urbana. 3. Morfologia da cidade. 4. Aná-
lise morfológica – Descrição morfológica – Objetos. 5. Descrição morfológica – Es-
paço. 6. Análise espacial urbana. 7. Análise configuracional urbana – Modelos. 8.
Processo urbano. 9. Projeto urbanístico. I. Título.
CDU 711.4
CIP-Brasil. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação.
(Jaqueline Trombin – Bibliotecária responsável CRB10/979)
ISBN 978-85-386-0227-9
To B., L. & M., as usual.
Para meus alunos de Morfologia Urbana
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 9
2. PARAMORFOLOGIA 15
3. MORFOLOGIA URBANA TIPOLÓGICA E MORFOGENÉTICA 39
4. MORFOLOGIA DA CIDADE-COMO-OBJETO 69
5. DESCRIÇÃO E ANÁLISE MORFOLÓGICA BASEADA EM OBJETOS 85

6. UM EXERCÍCIO DE APLICAÇÃO DO MÉTODO 101


7. MORFOLOGIA URBANA BASEADA EM ESPAÇO 119
8. DESCRIÇÃO DO ESPAÇO URBANO 137
9. ANÁLISE ESPACIAL URBANA 1: ELEMENTOS 161
10. ANÁLISE ESPACIAL URBANA 2: ESTRUTURA 179
11. MODELOS DE ANÁLISE CONFIGURACIONAL URBANA 201
12. UMA APLICAÇÃO DE ANÁLISE CONFIGURACIONAL URBANA 219

13. DESEMPENHO DA FORMA URBANA 241


14. PROCESSO URBANO 291
15. PROJETO URBANÍSTICO 325
16. EPÍLOGO 345
REFERÊNCIAS 349
INTRODUÇÃO 1
A forma urbana resulta da distribuição de grandes quantidades de
formas construídas elementares sobre um território. Essa distribuição
pode ocorrer segundo uma prévia partição desse território em parcelas, ou
ela mesma provocar essa partição. Da necessidade de prover acesso a cada
uma dessas formas construídas resulta a criação de um terceiro elemento,
de mediação, chamado genericamente de espaço público. Toda e qualquer
manifestação do urbano, da grande metrópole à minúscula vila, pode ser
entendida como um arranjo específico e particular desses três elementos:
formas construídas, parcelas destinadas à edificação e espaços públicos.
Morfologia Urbana é o estudo sistemático dessas manifestações.
A definição introdutória acima sugerida pode parecer reducionista
e insuficiente para abranger um fenômeno tão diversificado, duradouro e
mutante como é a cidade e, por extensão, sugerir que o próprio estudo da
forma urbana seja menos relevante. Essa dúvida pode ocorrer a muitos, e
o faz recorrentemente porque a cidade tende a ser associada a uma grande
quantidade de conteúdos, significados, ocorrências cotidianas e experiên-
cias pessoais, além de estudos especializados vindos de muitas disciplinas
da ciência, da história e da cultura. Diante de tantas evidências de sua gran-
deza e complexidade, e ainda considerando o fato dela ser parte da vida da
maioria das pessoas do berço ao túmulo, o senso comum certamente exige
da ideia de cidade muito mais do que simplesmente uma forma. Parece
imperioso haver uma grande teoria que vincule a parte visível do fenô-
meno – sua morfologia – à outra e supostamente mais importante parte,
invisível, da arquitetura social e dos próprios fundamentos da civilização.
Para alguns, essa ideia está próxima do mágico, encantado, difícil de ser
explicado, muitas vezes do assustador e do aleatório. Para outros, cidade
está associada a projeto, plano, controle e ordem, que explicariam as coi-
sas consideradas boas, enquanto sua falta explicaria os problemas. Outros
ainda tentam levar a extremos a ideia de projeto e vinculam a cidade a uma

9
noção de grande ação coletiva organizada, resultando na tese que subordi-
na o sucesso das cidades a um voluntarismo coordenado de seus cidadãos.
Sua imagem seria a expressão do grande projeto civilizatório, quando não
da guerra entre classes ou da glória e/ou miséria do capitalismo, e seu pro-
jeto se confunde com um projeto de sociedade.
A cidade, desse jeito, parece aos olhos das pessoas ao mesmo tempo
como algo misterioso e complexo, mas também conhecido, familiar. Não é
por acaso que quase todo mundo tem algo a dizer, a corrigir, a aconselhar
quando o assunto é cidade e vida urbana, do buraco no pavimento à opo-
sição entre cidade “formal” e “informal”. Do mais trivial ao mais transcen-
dental, a cidade provê “evidências” para todas as teses.
Dada a sua natureza artificial, de artefato fabricado pelo homem, a ci-
dade costuma ser tratada, nos estudos científicos, alternativamente, como
pressuposto, resultado ou instrumento de um processo social cujo propó-
sito não é produzi-la, mas que não obstante o faz. Os propósitos do pro-
cesso social podem variar em diversos tipos, como, por exemplo, políticos,
de conquista e civilização; econômicos, de viabilizar processos produtivos
e modos de consumo; sociais, de cooperação e competição entre grupos
sociais; antropológicos, de estruturação de práticas coletivas, etc. Em todos
os casos, na maioria das abordagens, a cidade é simplesmente dada, ou to-
mada como um instrumento ou, ainda, como um subproduto e, nessa óti-
ca, a sua forma não poderia ser entendida isoladamente, nem faria algum
sentido, já que ela apenas materializa um conjunto de intenções, articula-
ções e ações sociais situadas em outra esfera e vinculadas a processos inde-
pendentes a ela. Um bom exemplo dessa forma de tratamento é o verbete
sobre economia urbana do Palgrave Dictionary of Economy, redigido por
Mieskowsky (1989), que diz que a cidade existe porque é mais vantajoso
produzir e consumir concentradamente. Outro exemplo claro é a chamada
“função” da cidade, seja ela a administrativa, a industrial, de serviço, etc.,
tomada por muitos estudos de geografia humana. Em ambos os casos, é
clara a intenção de caracterizar a cidade e sua forma de acordo com algum
propósito externo a ela, que a deriva direta ou indiretamente.
As expressões “caos urbano” e “desordem urbana”, frequentemen-
te usadas, também implicam um conceito de necessária ordem imposta,
um sistema de regras gerais de ocupação e uso do solo de caráter global,
concebido previamente, no abstrato, e depois prescrito para controlar e
restringir a ação de cada agente, conduzindo, então à ordem idealizada.
Esse conceito de ordem pode até mesmo incluir uma dimensão geomé-

10
trica, quer dizer, uma ordem também manifestada pelo desenho urbano.
Pode-se dizer, como resumo, que a maioria dos estudos científicos, na
maioria das vezes que toma a cidade como tema, a considera uma espécie
de consequência de decisões e articulações de ordem social, econômica,
política, etc., tomadas numa instância abstrata e independente dela, que
apenas surge e se transforma reativamente. Sendo o fenômeno urbano, em
si, resultante do processo social, sua forma seguiria a mesma causalidade.
Há uma série de teorias urbanas, cujas determinações abrangem, mesmo
que lateralmente, a forma urbana derivada desse tipo de abordagem. Este
livro trata das formas urbanas mais importantes no capítulo 2.
Previsivelmente, os estudos de morfologia urbana buscam trilhar
outros caminhos, não apenas através de técnicas descritivas e de métodos
analíticos que permitam maior precisão no trato da matéria, mas também a
partir de abordagens conceituais próprias e mais adequadas à constituição
de um campo de investigação. Supondo que isso possa ser possível, uma
disciplina, ou campo de conhecimento autônomo então se configuraria.
Uma primeira ajuda nessa tarefa é a tese da espacialidade, segundo a qual
os processos sociais são também simultaneamente espaciais. Assim, não
haveria “algo social” primeiro, definindo uma posterior ordem espacial,
mas sim um processo com dimensões sociais e espaciais concomitantes. A
cidade não seria o instrumento nem o resultado de uma articulação social
prévia, mas apenas a manifestação da consciência socioespacial. Não pa-
rece haver, na verdade, um processo social no vácuo, que opta por se mate-
rializar em cidade, nem objetivos sociais independentes de sua dimensão
espacial, mas antes um processo socioespacial que se manifesta por trans-
formações concretas do espaço e da sociedade. Num enquadramento con-
ceitual como esse, formas de ocupação do espaço não seriam apenas con-
sequências de alguma estratégia social, mas parte da concretização dessa
estratégia, passível de ser revelada por uma investigação morfológica. Po-
deria, mesmo, haver a tese segundo a qual essa consciência e coesão sociais
tenham sido forjadas no processo de adaptar o ambiente a necessidades
humanas e, assim, assumir a formação espacial como precedente. Nessa
perspectiva, a história da humanidade poderia ser a da contínua transfor-
mação do espaço que, ao se desenvolver, propicia a formulação de arranjos
sociais crescentemente complexos e sofisticados.
Outro ponto que contribui para tornar o estudo da forma urbana in-
teressante e revelador é o fato de que, embora muito diferentes, as cidades
são feitas a partir de algumas poucas e mesmas categorias de elementos.

11
Objetos tridimensionais e porções de espaços abertos públicos e privados
constituem o suporte para a criação de edificações, lugares, tecidos urbanos
extensos, cidades e metrópoles e, com eles, símbolos, significados, tradições.
As articulações desses elementos em diferentes composições gramaticais
e sintáticas são igualmente limitadas. Assim, inúmeras culturas, processos
sociais, estratégias políticas, econômicas ou militares, particularidades an-
tropológicas, ideologias políticas, códigos estéticos e tudo o mais que se
refira à evolução social ocorre segundo linguagens urbanísticas derivadas
desses troncos morfológicos fundamentais. Essa abordagem poderia suge-
rir a existência de algum tipo de correspondência entre processos sociais e
formas urbanas, o que daria à morfologia urbana algum poder de revelar
aspectos da estrutura social implícita em formas urbanas particulares. Não
obstante, uma abordagem quase contrária a essa poderia, em princípio, ser
igualmente sustentada: dado que diferentes estruturas sociais compartilham
formas de ordenamento espacial urbano iguais, ou muito semelhantes, en-
corajaria supor que estas seriam independentes e, por isso, constituiriam
um campo de estudo completamente independente. A primeira tendência
se desenvolveria com um sentido mais historicista, buscando identificar a
construção desses significados ao longo do tempo, enquanto a outra tende-
ria para a investigação de códigos e sistemas compositivos do tecido urba-
no. Essa tensão entre semântica, de um lado, e gramática / sintaxe de outro
percorre boa parte do estudo da forma urbana e subsiste. Ambas disputam a
primazia para definir os termos da expressão “evolução urbana”; para os pri-
meiros, evolução urbana significa um processo contínuo de construção de
significados, ou seja, a evolução de um discurso. Para os segundos, evolução
urbana significa um processo de adaptação de novas partes a um sistema de
suporte preexistente, ou seja, a evolução de uma linguagem.
Por fim, mas não menos importante, haveria aspectos utilitários rela-
tivos à forma urbana que poderiam e deveriam ser estudados, como meio
de melhorar seu desempenho, seu conforto e suas qualidades ambientais.
Essa seria uma abordagem cujo arcabouço conceitual é mais modesto, não
se referindo a relações profundas entre sociedade e forma urbana, mas
ainda assim assumindo relações funcionais entre uma e outra. Essa é uma
abordagem muito robusta porque põe seu foco nas interações imediatas
entre forma urbana e indivíduos submetidos a rotinas diárias, a um pro-
cesso de escolhas que desencadeiam consequências duradouras em suas
vidas, a operações econômicas sobre as quais têm pouca ingerência, mui-
tíssimas delas estreitamente relacionadas à localização na cidade, ao uso

12
do espaço, à adaptação de estruturas, ou transições diretas entre os uni-
versos urbano e econômico-social. Nesse âmbito, a forma urbana surge
como elemento decisivo nesses processos, não apenas como parte cons-
titutiva da inserção de cada indivíduo na sociedade, mas como lastro fí-
sico mesmo, capaz de favorecer ou dificultar a sobrevivência e evolução
desses indivíduos na vida. Nos tempos atuais em que a preocupação com
o ambiente é constante e disseminada, o exame da forma urbana desde
os pontos de vista de consumo energético, otimização de uso de infraes-
truturas e serviços, aumento do conforto, contenção de danos ambien-
tais, economia de tempo e de meios é certamente de grande importância.
Nessa abordagem, diferentemente da que trata da espacialidade, a base
para seu desenvolvimento é a física. Assim, da filosofia à física social, a
forma urbana oferece perspectivas de investigação e progressivamente se
constitui como um campo de conhecimento autônomo.
Este livro vai examinar algumas dessas abordagens e buscar evidên-
cias de relevância do estudo da forma urbana, tanto para o entendimen-
to do processo social, um todo, das relações entre cidade e indivíduos no
desenvolvimento das diversas interações espaciais, quanto para um maior
conhecimento sobre sua dinâmica espacial intrínseca, e ainda as relações
possíveis entre a evolução da forma urbana e as ações projetuais diversas
que incidem sobre ela. Sendo assim seu conteúdo procura atender aos in-
teresses conceituais, instrumentais, tecnológicos e projetuais incidentes
sobre a forma urbana. O tratamento dado à matéria procura atender às de-
mandas dos estudantes de graduação em arquitetura, em urbanismo e em
geografia, mais particularmente, e de muitas outras áreas que se interes-
sam pela cidade, mas, ao mesmo tempo, constituir-se em uma referência
para o estudo científico da forma urbana, mais propriamente desenvolvido
nos cursos de pós-graduação.

13
PARAMORFOLOGIA 2
As cidades são as maiores e mais duradouras manufaturas já
fabricadas, fazem parte da vida cotidiana da maioria dos humanos e pa-
recem ser fonte inesgotável de recursos, bem como de surpresa, de admi-
ração e de encantamento. Simultaneamente, têm sua imagem associada a
toda sorte de problemas sofridos por indivíduos e coletividades e é fre-
quentemente tomada como fonte de angústia, medo, miséria, agressão ao
homem e ao ambiente, um mal necessário a ser minimizado. Os sentimen-
tos por ela provocados são, na sua grande maioria, baseados em imagens
fragmentadas, conhecimento parcial, interpretação preconcebida, ideo-
logias pró e antiurbanas, experiências individuais, informação truncada
e tudo o mais a que indivíduos podem estar expostos na sua experiência
de vida. Em oposição aparente a esse universo de sensações e impressões
subjetivas, desenvolve-se uma ciência do urbano, supostamente buscando
justamente um outro tipo de conhecimento, mais articulado, sistemático,
objetivo, isento e partilhável. Os fundamentos desses estudos são varia-
dos, obedecendo a vieses disciplinares – economia, geografia, sociologia,
antropologia, engenharia, urbanismo, etc.–, e visando objetivos compatí-
veis com esses fundamentos. Forma urbana comparece na maioria dessas
abordagens de maneira subsidiária, quer dizer, como um elemento de se-
gunda ou terceira ordem, nas condições de pressuposto (uma forma dada a
priori, com a qual um particular estudo convive, sem tê-la como parte do
problema propriamente dito), um subproduto ou decorrência (uma forma
urbana que resulta do processo em estudo, subordinada a ele), ou ainda
um instrumento (uma forma urbana moldada para produzir determinado
efeito no processo sendo estudado).
Não obstante, muitos desses estudos contribuíram para reconhecer
particularidades da forma urbana e, mesmo, para desvendar algumas de
suas propriedades e de seus atributos, sem mencionar o estímulo para a
instituição de uma área de estudos própria. Neste capítulo, alguns dos mais

15
importantes estudos desse tipo são examinados, com o foco posto na sua
contribuição para o conhecimento da morfologia urbana.

Forma urbana econômica, geográfica, geométrica, mecânica


A primeira, mais clássica e mais óbvia manifestação de forma urbana
como subproduto de um processo, no caso, social é a descrita por Parks e
Burgess (1925), em sua célebre teoria ecológica urbana. Essa teoria descre-
ve os assentamentos urbanos, Chicago em particular, como uma dinâmica
envolvendo grupos sociais diferenciados por etnia e principalmente por
renda competindo por melhores localizações no território urbano. Estudan-
do violência urbana, os sociólogos Parks e Burgess descreveram a cidade de
Chicago como tendo uma área central, caracterizada pela concentração de
serviços, empregos, comércio (não é um centro geométrico nem geográfico,
mas sim um centro funcional) e anéis concêntricos e sucessivos contendo
habitantes de diferentes culturas e extratos de renda. Essa distribuição relati-
va não era, na sua observação, completamente estável, pois cada anel desen-
volvia uma dinâmica de invasão do anel subsequente e sofria invasão cor-
respondente. À medida que a população crescia e a renda de cada extrato se
modificava, geralmente aumentando, essa dinâmica de invasão, bem como
de criação de novos anéis na periferia e eventual inclusão de novos extratos
(particularmente mais pobres, localizando-se nos anéis mais próximos do
centro e abandonados pelos antigos moradores) se desenvolveria.
Que forma urbana está implicada na teoria ecológica urbana? Certa-
mente uma forma genérica monocêntrica e concêntrica. Genérica porque
não exige uma correspondência geométrica, mesmo porque a cidade de
Chicago obedece a um rígido e regular traçado xadrez, sem mencionar que
seu centro, localizado à margem do lago, é periférico. Sem revelar maiores
particularidades, a dinâmica social implícita pela teoria, entretanto, sugere
uma correspondente dinâmica espacial, com transformações mais acele-
radas nas bordas dos diversos anéis, além de deterioração também intensa
no anel mais próximo à área central. As transformações morfológicas de
borda e deterioração na periferia do centro ocorrem tanto pela adaptação
de estruturas físicas originalmente construídas para um certo tipo de uso
e agora demandadas por outros, quanto pela substituição de algumas des-
sas estruturas por outras. Uma distribuição desigual da população – mais
densa nas proximidades do centro – também sugere uma forma urbana
mais compacta e concentrada nessas áreas.

16
Park e Burgess sugerem que as cidades seriam ambientes similares
aos encontrados na natureza, regidos por muitas das mesmas forças que
afetam os sistemas naturais, particularmente a competição. Sua teoria su-
gere que a luta por recursos escassos, particularmente o solo, levam grupos
sociais a competirem e, por fim, dividirem o solo em nichos, ou “áreas na-
turais”, dentro dos quais as pessoas compartilhariam certas características,
por estarem submetidas ao mesmo tipo de pressão. Competição levaria,
em última instância, à diferenciação espacial e à constituição de zonas
apropriadas segundo as rendas e outras características de cada segmento
social. Em uma situação de aumento de renda no tempo, esses segmen-
tos sociais abandonam seus nichos originais, em busca de melhores locais,
propiciando um processo de sucessão, segundo o qual, grupos de renda
inferior ocupariam as localizações deixadas vagas. Sua teoria previa a for-
mação de cinco anéis concêntricos, com áreas de maior deterioração e de-
privação próximas ao centro e áreas mais prósperas na periferia.

SUBÚRBIO

Figura 1. Modelo espacial da teoria ecológica urbana de Park e Burgess, com suas cinco zonas concêntricas.

Como se vê, apesar da extrema simplicidade, que, inclusive permitiu


críticas, a teoria traz implícita uma forma urbana. Ela é genérica, já que
não possui uma definição geométrica (convém lembrar que essa teoria foi

17
formulada a partir de estudos empíricos feitos em Chicago, que é uma ci-
dade de traçado xadrez), mas tem pelo menos dois fatores morfológicos
interessantes, as ideias de monocentralidade e de anéis concêntricos de di-
ferentes conformações.
A teoria dos anéis concêntricos foi reformada por Hoyt (1939) que,
menos preocupado com a dinâmica social e com maior insight geográfico,
observou que, porque cidades não vivem isoladas umas das outras, man-
têm vias de comunicação entre si. Essa ocorrência tem enorme importân-
cia porque desfaz a indiferenciação que o modelo concêntrico supõe no
interior de cada anel. Com efeito, uma via seccionando os anéis e ligando
o centro a outros centros tem o efeito de criar uma hierarquia angular. A
partir dela, cria-se uma nova figura geométrica – o setor – que compõe e
compete com os anéis.
O novo modelo agora tem um centro, exercendo polarização, anéis
com funções (e provavelmente formas) especializadas e setores, exercen-
do tensão e conectando o centro diretamente com o exterior. Que efeito
o setor teria na forma urbana? Em primeiro lugar, sua própria morfologia
deveria ser particular, seguindo a importância conferida por sua condição
de acesso e de ligação do centro urbano ao mundo exterior, e, em segun-
do lugar, criaria novas áreas de transição entre setor e anéis, incluindo a
contaminação de trechos de vias transversais por tipologias edilícias e ati-
vidades próprias do setor. Em terceiro lugar, desenvolveria uma provável
elongação da forma geral, que assim tenderia a abandonar a regularidade
do círculo para se estender ao longo do ou dos eixos de acesso. Finalmente,
em quarto lugar, poderia propiciar o surgimento de novas morfologias na
extremidade do eixo de acesso, a competir com o centro.
Pode-se inferir que ao modelo delineado por Hoyt subjazem impor-
tantes componentes descritivos da forma urbana global, que foram trazi-
dos à tona pela simples consideração de um elemento espacial autônomo
– a via de acesso –, que constitui um setor diferenciado morfologicamente,
interage com os anéis, com o centro e com a periferia, além de provocar
mutações e criar novos elementos de transição. Não são poucas as inferên-
cias e, mais importante para este estudo, elas não são geradas por um mo-
delo social abstrato, como no caso Parks e Burgess, mas por leitura direta e
interpretação de elementos fundamentais do espaço urbano.
Hoyt modificou a teoria da ecologia urbana ao sugerir que o desen-
volvimento das cidades não se dá homogeneamente distribuído ao redor
do centro, mas privilegia as linhas de ligação deste com outras cidades, ba-

18
sicamente rodovias e ferrovias. Assim, a matriz monocêntrica e concêntri-
ca ficaria contaminada por setores, formados a partir dessas ligações. Essas
ligações teriam desenvolvimento também desigual, algumas concentran-
do fábricas e outras atividades associadas, em habitação de baixa renda,
outras privilegiando habitação de alta renda.

INDÚSTRIAS

MÉDIA

Figura 2. Modelo espacial da teoria dos setores de Hoyt, baseado numa matriz concêntrica combinada com setores.

Hoyt, ainda atuando no universo simplificado da observação empí-


rica, traz, não obstante, uma contribuição muito interessante, a hierarquia
axial, que se combina com a polar, anteriormente identificada. Os setores
trazem uma série de variações morfológicas ao modelo monocentral: a
formação de linhas diferenciadas ligando diretamente o centro ao exterior,
a formação de zonas de transição entre esses eixos e as zonas concêntri-
cas, a provável elongação da forma geral, que então deixaria de ser circular
para se prolongar na direção dos eixos. Finalmente abre ainda a possibili-
dade de haver outras ocorrências na periferia, extensão dos eixos.
A teoria dos setores de Hoyt foi complementada por Harris e Ullman
(1945). Estes consideram a existência de três elementos estruturais da ci-
dade: o centro, as linhas de transporte e ligação com a região, ambos já pro-
postos, e um terceiro, denominado polo ou nó de especialização. Estes se-
riam equipamentos urbanos, como hospitais, shopping centres, estações de
transporte, etc., capazes de gerar atratividade e influenciar a dinâmica de

19
seu entorno. Notável desta fórmula é que, ao contrário das outras duas an-
teriores que admitiam alguma causalidade geográfica e-ou histórica, esta
introduz um elemento de aparente aleatoriedade ou voluntarismo. Com
efeito, a ideia de um centro, ponto de partida da ecologia urbana, pode ser
associada ao início da evolução de (quase) toda cidade, cujo ponto de par-
tida é uma intersecção de vias, um nó de transporte, um ponto de parada,
ou o que seja capaz de referenciar um lugar virtualmente desocupado e
construir um embrião de hierarquia espacial, ao redor do qual outros in-
teresses passam a se agregar de forma simbiótica. A própria formação dos
anéis pode ser entendida como uma consequência geométrica, senão his-
tórica, quase inevitável do centro. Os setores são contemporâneos, se não
anteriores, aos centros; mas os nós especializados não obedecem à mesma
lógica, ou a nenhuma lógica aparente, e apenas se justificam pela aleatorie-
dade ou pela imposição da vontade de alguém.
Harris e Ullman acrescentaram às teorias anteriores a proposta de nú-
cleos especializados fora do centro. Essa contribuição baseou-se na noção
de que atividades econômicas tendem a se agrupar, particularmente as
complementares, como indústrias de determinados tipos, como as de gran-
des equipamentos, por exemplo. Com isso, sua teoria sugere uma formação
urbana baseada em três matrizes: o centro e sua formação concêntrica, as
linhas de transporte e ligação com outras cidades, e os polos especializados.
Os elementos nodais sugeridos por Harris e Ullman são também decorrentes
de observação empírica, a qual, sem hipóteses teóricas testáveis, mostra-se
incapaz de indicar onde e como esses nós ocorrem no território urbano. Não
obstante, a sugestão acrescenta complexidade à morfologia dessas cidades
teóricas e as aproxima da realidade; ao mesmo tempo introduz um alto grau
de relativismo no modelo espacial, o qual perde poder explanatório.

RESIDENCIAL MÉDIA RENDA

INDÚSTRIA

Figura 3. Gênese do modelo espacial de Harris e Ullman, baseado na combinação de formação monocêntrica,
setores determinados por transporte e polos especializados de indústria e serviços.

20
O modelo teórico de Harris e Ullman remanesceu por bastante tem-
po inalterado, até que a curiosidade a respeito das cidades latino-america-
nas motivou, em alguns acadêmicos, o seu resgate. Borsdorf, Bahr e Janos-
chka (2002) sintetizaram uma proposta de um modelo geral da cidade la-
tino-americana similar à teoria de Harris e Ullman, com duas adições im-
portantes: uma ainda maior independência e multiplicidade dos nós, que
agora englobam não apenas equipamentos ou atratores específicos, mas
muitas outras possibilidades, incluindo núcleos de habitação irregular,
condomínios de vários tipos, distritos industriais, etc. A outra adição im-
portante é uma perspectiva temporal, nova para esse tipo de teoria. Segun-
do essa perspectiva, a cidade latino-americana desenvolve um processo de
estruturação formal partindo de um núcleo, origem do centro principal,
adiciona anéis que comportam alguma estratificação social e funcional,
incorpora setores que hierarquizam o sistema radialmente, possibilitando
a emergência de vetores de urbanização mais moderna e o contato do mio-
lo com o exterior e, finalmente, ganha polos de variados tipos, que servem
de suporte urbano a atividades polarizadoras, nucleação habitacional de
baixa e de alta renda, condomínios empresariais, etc.
Axel Borsdorf, Jürgen Bähr e Michael Janoschka, vários anos após
a última contribuição de Harris e Ullman às teorias geográficas da cida-
de, realizaram estudo sobre cidades latino-americanas, incluindo Buenos
Aires, São Paulo, Rio de Janeiro e Santiago do Chile, e ainda Cidade do
México, e propuseram uma teoria baseada em fragmentação. Segundo sua
leitura, essas cidades passaram recentemente por um processo de desarti-
culação, que resultou na ocorrência de condomínios fechados nas perife-
rias, atraindo shopping centres e outros pontos de oferta de serviços, e le-
vando à formação de um tipo de cidade baseada no automóvel. Os autores
sugerem, então, um modelo espacial que inclui uma linha evolucionária,
e que, com ela, integra, em diferentes momentos, os demais modelos an-
teriormente expostos. Assim, essas cidades teriam iniciado sua existência
segundo uma formação monocentral concêntrica, no período colonial,
evoluindo, após, para a inclusão de setores, na sua segunda fase de cres-
cimento. Após isso, a inclusão de polos de interesse especializados para,
finalmente, com a explosão de suas periferias e proliferação de unidades
semiurbanas e grandes equipamentos, atingir a fragmentação.
A fragmentação referida na teoria teria resultado da aplicação de
políticas públicas setoriais, falta de planejamento urbano, entre outras su-
postas deficiências do sistema sociopolítico latino-americano, comparado

21
ao alemão. Na prática, os elementos acrescentados não passam de novos
polos e aglomerações de polos; entretanto, considerando que têm escala e
complexidade para funcionar como centros alternativos, eles tanto podem
reorientar a centralidade das cidades como fragmentá-las. O modelo de B,
B & J tem, ainda, menos poder explanatório do que o de Harris e Ullman,
já que se mostra incapaz até mesmo de descrever a evolução das formas
originais concêntrica e setorial.

SHOPPING CENTRES,

Figura 4. Modelo espacial decorrente da teoria da cidade latino-americana fragmentada de Borsdorf, Bähr e Ja-
noschka, no qual as matrizes monocêntrica, setorial e polarizada, acrescidas da fragmentada, ocorreriam sequen-
cialmente ao longo do desenvolvimento desde o período colonial.

A sequência de modelos apresentada acima sugere uma evolução teó-


rica que inicia por uma explanação socioecológica do fenômeno da cidade, o
qual implica uma forma urbana monocêntrica e concêntrica genérica. Esse
princípio é, assim, um modelo dedutivo de grande sofisticação intelectual;
seus desdobramentos, entretanto, se dão segundo um crescente relaxamen-
to das relações estruturais iniciais, oportunizando a formulação de modelos
muito mais indutivos (baseados unicamente em observação empírica) e for-
mais (fundados em variáveis morfológicas). As suas formulações mais re-
centes, supostamente as mais elaboradas, têm uma base descritiva eficiente,
mas pouco poder explanatório. Descrevem com alguma precisão grupos de
cidades existentes, mas não oferecem explanações convincentes a respeito

22
da estrutura do processo descrito. Em um ambiente científico, fundado em
paradigmas mecanicistas (no início) e sistêmicos (mais recentemente), tais
modelos não teriam grandes chances de sucesso, como efetivamente foi o
caso. Isso não significa, entretanto, que eles não são relevantes, particular-
mente os desdobramentos propostos a partir de Hoyt, já que sinalizam para
uma maneira particular de construir teorias urbanas, justamente baseadas
na forma. Esse caminho viria a ser um dos vetores a suportar uma ciência da
forma urbana, como será mostrado mais adiante.
Outra sequência muito interessante de teorias urbanas com reper-
cussão na representação de sua morfologia são as teorias de base econômi-
ca. Têm origem em Von Thunen (Hall, 1966), que formulou uma interes-
santíssima teoria demonstrando que, em uma situação hipotética de um
território isolado e indiferenciado, ao redor de um ponto (uma cidade, ou
simplesmente um mercado) de venda de mercadorias agrícolas, a distri-
buição das várias culturas se auto-organiza em função dos custos de trans-
porte e demanda por área de cultivo. Não apenas as diferentes culturas se
auto-organizam, mas também se cria uma estrutura de valor e renda da
terra, segundo a qual as terras mais próximas do centro têm maior valor
e propiciam maior renda derivada do seu uso produtivo. A estrutura es-
pacial e econômica resultante da teoria de Von Thunen é monocêntrica e
concêntrica. Alonso (1964) transferiu e adaptou os pressupostos para uma
situação intraurbana. Segundo sua concepção, considerando uma cidade
onde os empregos estão concentrados em um ponto, o centro, haveria uma
distribuição lógica de residentes ao seu redor. Para descrever essa distri-
buição, Alonso supôs cada família dispondo de um orçamento dividido
em três partes fixas (gastos com moradia, com transporte e com os demais
itens necessários), das quais as duas primeiras, destinadas a custear mo-
radia e transporte seriam comunicantes, ou seja, embora tendo um total
prefixado, poderiam ser dotadas em proporções diferentes. Com isso, cada
família, dentro de seu orçamento, poderia optar por alternativas que alo-
cassem mais recursos para transporte e, consequentemente, menos para
moradia, ou ao contrário. Opções que minimizam gastos com transporte
são aquelas correspondentes a localizações próximas ao centro de empre-
gos, onde, então, o custo de moradia é proporcionalmente mais alto. Isso é
consistente com Von Thunen. Ocorre que num modelo geográfico mono-
cêntrico, a disponibilidade de terra aumenta exponencialmente com a dis-
tância ao centro, ou a torna escassa próxima a ele e determina que a parcela
de espaço disponível a cada família próximo ao centro seja menor do que

23
longe dele. Assim, o modelo de Alonso resulta em uma maior acumulação
de unidades habitacionais menores próximas ao centro e um menor nú-
mero de unidades maiores longe dele, ou seja, um gradiente de densidade
decrescente desde o centro até a periferia. Essa curva de densidade ficou
conhecida como a forma geral da cidade e, com efeito, se aproxima de uma
representação genérica do skyline de uma cidade monocêntrica. Extrema-
mente elegante e sofisticada, tal teoria parte de uma forma urbana pre-
concebida – a monocêntrica –, para revelar outros aspectos grandemente
relevantes dessa mesma forma: o gradiente de intensidade de ocupação do
solo, a distribuição das unidades residenciais, para não falar na estrutura
de valor e renda da terra urbana, já adivinhada por Von Thunen.
Máx.

Máx.

Figura 5. Modelo de localização residencial de Alonso; a curva expressa a densidade de moradores distribuídos a
partir do centro. Essa curva é conhecida como a “forma geral da cidade”.

Alonso parte de um pressuposto, o de que haveria uma grande con-


centração de empregos no centro, consequentemente uma grande concen-
tração edilícia, e, a partir dele, deduziu a distribuição provável da popula-
ção de residentes, que também implica uma concentração edilícia diferen-
cial, correspondente ao que se vê no gráfico. Com isso, a teoria da cidade
monocêntrica, já anteriormente induzida por observação empírica, ganha
com Alonso uma dedução matemática, derivada de argumentos econômi-
cos, e com ela, uma forma tridimensional: uma base circular tendo uma
altura máxima no centro e um decaimento não linear. É claro que essa for-
ma não é uma dedução formal da teoria, mas sua associação à curva de
gradiente de densidade é irresistível. Mais do que isso, ela é observável em-
piricamente em muitas cidades.

24
A teoria da localização e uso do solo urbano de Alonso é um mar-
co no desenvolvimento da ciência urbana pelas razões de ter revelado um
mecanismo de alocação espacial e com ele deduzido uma explanação para
a distribuição do uso residencial urbano, com repercussões para o enten-
dimento de sua morfologia. A estrutura espacial das cidades começava a
ser desvendada, mas nem por isso a teoria de Alonso se viu livre de críticas.
As principais, e que permitiram à ciência avançar, foram as que apontavam
as ausências de materialidade e da flecha do tempo. Com efeito, a cidade
nesse modelo é imaterial, ou seja, as famílias alocam-se no espaço urba-
no polarizado pelo centro de empregos sem a mediação de uma estrutura
física. Isso significa dizer que um eventual, mas provável, crescimento de-
mográfico implicaria um contínuo acúmulo de pessoas nas áreas já ocu-
padas, como se isso fosse possível, para manter o gradiente. Igualmente a
ausência de consideração do tempo no processo de alocação não permitia
assumir nem o crescimento populacional, nem a alteração dos perfis de
renda e, consequentente, de escolha locacional dos residentes.
Anas (1978) propôs, então, um novo modelo, no qual a materialidade
da cidade estaria presente. Não como variável, mas como fator de restrição.
A ideia foi de conceber como perene a estrutura física – os estoques resi-
denciais edificados. Isso equivale a supor que um terreno, uma vez ocupa-
do por uma edificação, permanece ocupado por ela indefinidamente. Com
isso, a ocupação da cidade fixa permanentemente as taxas de ocupação dos
terrenos e consequentemente as densidades da cidade. A outra inovação
dessa teoria foi assumir que a população cresce, assim como a renda das fa-
mílias. Com o crescimento demográfico, a demanda por novas habitações,
combinada com o comprometimento das áreas já ocupadas próximas ao
centro, resulta num crescimento por anéis sucessivos, os quais já não guar-
dam mais o sentido global do gradiente de densidade, mas apenas podem
reproduzi-lo localmente. A cada ciclo de crescimento, um novo anel é
acrescentado, possivelmente estruturado segundo um gradiente local de
decrescimento da densidade. O crescimento da renda das famílias, por sua
vez, provocaria demanda por relocalização.
Deve ser lembrado que, no modelo original de Alonso, a localização
de cada família se dava segundo uma repartição do orçamento domésti-
co em três componentes, sendo os dois destinados a transporte e moradia
comunicáveis. Ora, com o crescimento da renda, essa parcela de recurso
aumenta e permite à família reconsiderar sua localização e, eventualmente
mover-se para a borda, onde a oferta de moradias inclui mais espaço. Esse

25
processo cria uma curiosa cidade que se esvazia no miolo à medida que
cresce. Esse miolo pode, como geralmente ocorre, ser reocupado por no-
vas famílias de renda compatível com essa localização. Com isso, por via
dedutiva, se chega a uma forma geral da cidade semelhante à da ecologia
urbana, porém diferentemente composta. Anas não faz referência ao cen-
tro, que deveria crescer proporcionalmente à população e, possivelmente,
à renda. Dado o pressuposto do estoque perene seria possível supor duas
ocorrências: o crescimento do centro sobre o anel adjacente, mediante a
adaptação dos estoques edificados, convertidos ao uso não residencial, e o
aparecimento de atividades produtivas fora do centro, configurando, en-
tão, o fenômeno da policentralidade.
Anas propôs um modelo de dinâmica de crescimento residencial urba-
no baseado na premissa de que o capital investido em estoques é perene, de-
rivando daí um padrão de crescimento periférico, por sucessivos anéis. Com
isso, torna relativo o gradiente de densidade defendido por Alonso, à medi-
da que congela cada anel previamente produzido e permite que o próximo
seja eventualmente mais denso do que os anteriores. Este é um modelo mais
“morfológico” do que o anterior, no sentido que considera a materialidade
da cidade e, com ela, supõe um crescimento sempre para fora, em anéis con-
cêntricos. Essa concepção teórica, entretanto, resulta em uma deterioração e
esvaziamento constantes das áreas periféricas ao centro, causado por evasão
da população, reocupação por extratos mais pobres, nova evasão, etc.
Completando a trajetória dessa família de modelos, Wheaton (1982)
propõe flexibilizar o pressuposto da perenidade dos estoques, assumindo

Figura 6. Modelo espacial de Anas que considera o estoque edificado urbano permanente, o que faz com que o
crescimento ocorra na forma de anéis concêntricos. O aumento da renda faz com que moradores dos anéis mais
internos os abandonem por alternativas na periferia, criando oferta de espaço próximo ao centro para imigrantes
pobres ou simplesmente tornando esse espaço redundante.

26
que eles seriam duráveis, porém não perenes. Com isso, abre a possibili-
dade da sua substituição. A contribuição mais interessante desta teoria é a
que aponta para a possibilidade de considerar a produção da cidade a par-
tir de uma perspectiva da chamada “atividade de busca de lucro”. As teorias
urbanas até então eram orientadas pela demanda, ou seja, algum processo
de natureza social ou operacional toma lugar e, ao longo de seu desenvol-
vimento, demanda, por alguma razão, espaço adaptado. Dessa demanda,
surge a cidade, ou seu crescimento. Wheaton primeiro considera que os
estoques edificados podem ser substituídos, mas para que haja um vetor
que leve à substituição foi necessário supor justamente que dela resulte
um aumento de renda imobiliária. Um imóvel urbano, no momento de
sua produção, supostamente produz a máxima renda imobiliária possível;
entretanto, com o passar do tempo, devido ao crescimento urbano e ao
envelhecimento da edificação, tem essa produção diminuída. Em sentido
oposto, o sítio em que está localizado, pelas mesmas razões, tem seu poten-
cial de geração de renda imobiliária aumentado. Proprietários de imóveis
urbanos experimentam, dessa maneira, uma crescente contradição entre
renda real e expectativa de renda incidentes sobre cada imóvel. Mesmo
considerando que uma edificação, mesmo velha, constitui um certo capital
fixo apreciável, chegará um momento em que a diferença entre expectativa
e renda real comportará a eventual destruição desse capital fixo e sua subs-
tituição por outro, na forma de uma nova edificação.
Wheaton desenvolveu uma equação de desequilíbrio econômico ba-
seada em renda real e esperada, assim como destruição de capital fixo; esse
desequilíbrio se acentua com o tempo e propicia a renovação interna da
cidade. O autor estimou, para as condições do mercado imobiliário ameri-
cano da época, quais seriam os parâmetros para um novo equilíbrio fosse
obtido e concluiu que, para a substituição de um imóvel por outro do mes-
mo uso, o valor unitário do novo deveria ser da ordem de três vezes supe-
rior ao do velho, enquanto na substituição por outro imóvel do mesmo
valor unitário, a densidade deveria aumentar sete vezes.
A teoria do estoque durável, porém renovável, de Wheaton tem im-
portantes derivações para a morfologia urbana. Primeiro, e mais impor-
tante, a proposição de que a transformação da cidade pode se dar por ra-
zões independentes da demanda. Desse ponto de vista, a cidade passa a ser
um campo de oportunidade de investimentos imobiliários e sua morfolo-
gia pode mudar em função dela própria. Wheaton permite supor que con-
dições particulares da forma urbana, em localizações particulares, podem

27
muito bem ser os únicos deflagradores de sua mudança; a morfologia de
uma cidade constituiria, assim, uma dinâmica relativamente autônoma,
acionada externamente, é certo, mas governada por variáveis e parâmetros
da própria forma urbana. Nada disso foi dito por Wheaton, que preferiu
explorar um outro aspecto, também importante para a morfologia urba-
na, a dos vazios urbanos. Sua teoria sugere que, considerando um tempo
suficientemente longo, a existência e manutenção de vazios no interior da
cidade beneficia seu desenvolvimento. Descontinuidade, então, seria uma
característica positiva da forma urbana. O segundo ponto de interesse tra-
zido por Wheaton é o da densidade desalinhada. Com efeito, consideran-
do a possibilidade de redesenvolvimento de áreas intraurbanas e, confor-
me sua demonstração, um redesenvolvimento comumente consideravel-
mente mais denso do que a ocupação original, o gradiente de decaimento
não linear da densidade, clássico de Alonso, tende a ser subvertido com o
aparecimento de ilhas de maior densidade em trechos do tecido urbano
não necessariamente centrais. O terceiro ponto de interesse desta teoria é
a possibilidade da policentralidade, também propiciada pelo redesenvol-
vimento de áreas degradadas, as quais, para serem objeto de reconstrução,
podem mudar de uso, trocando usos residenciais por comerciais ou inten-
sificando usos comerciais originais.
Aqui finalmente a dinâmica espacial teórica proposta inclui a possibili-
dade da destruição criativa, ou seja, a eventual demolição e reconstrução de
partes da cidade. Essa possibilidade introduz uma quebra da monocentrali-
dade, visto que da destruição criativa emergem novas estruturas edificadas,
necessariamente maiores e mais densas do que as suas predecessoras.

Figura 7. Modelo espacial de Wheaton, que considera o estoque edificado urbano durável, porém substituível, o
que faz com que o crescimento da população e da renda provoque expansão urbana na periferia, na forma de anéis
concêntricos, durante algum tempo, mas também oportunize a substituição de edificações velhas por novas. Estas
trarão novos padrões e ocupação e uso do solo para as áreas renovadas.

28
Fujita e Mori (1997) trazem um novo horizonte teórico à Geografia
Econômica, ao considerar os efeitos regionais do desenvolvimento urbano.
Partem do mais famoso modelo geográfico regional, que tem um forte com-
ponente morfológico, por assim dizer, a chamada Teoria do Lugar Central,
de Christaller e Lösch (Berry, 1970), que sugere a existência de um sistema de
cidades hierarquizado segundo o grau de complexidade dos serviços oferta-
dos em cada uma das cidades do sistema. Assim, haveria uma quantidade de
cidades pequenas, com baixo grau de complexidade, servindo populações
locais urbanas e rurais quanto a serviços cotidianos; uma quantidade menor
de cidades maiores, servindo à sua própria população serviços cotidianos
e a esta; bem como um certo número de cidades pequenas, com serviços
mais sofisticados; uma quantidade ainda menor de cidades maiores, por-
tando serviços ainda mais especializados, etc. Esse sistema de cidades cobri-
ria um território, ocupando posições equidistantes e hierarquizadas, isto é,
uma rede de cidades pequenas a uma distância d uma da outra, superposta
e coincidente a uma rede de cidades médias distando xd uma da outra, su-
perposta e coincidente a uma rede de cidades grandes distando yd uma da
outra, e ainda uma cidade ainda maior no centro.
Fujita e Mori lembram que a teoria do lugar central não explica como
esse sistema de cidades é formado e sugerem um processo evolutivo que
possa, a partir de uma única cidade, formar um sistema de cidades. Sua
conclusão é que o resultado teórico dessa evolução é perfeitamente com-
patível com a teoria do lugar central. Sua teoria baseia-se na tensão criada
por duas forças simultâneas agindo no desenvolvimento urbano, chama-
das de força de aglomeração e de dispersão. A força de aglomeração seria
gerada pela variedade de produtos manufaturados (indústria e comércio),
enquanto a de dispersão corresponderia aos custos de transporte envolvi-
dos no comércio de produtos manufaturados e agrícolas entre cidades e
suas áreas de domínio. A evolução se daria a partir de uma única cidade,
que concentraria a produção de manufaturados, bem como o comércio
destes e de produtos agrícolas. Essa condição monopolista faz com que a
renda média urbana seja maior do que a agrícola e a cidade atraia novos
habitantes, cresça e estimule a região ao ser redor a expandir. Esse cres-
cimento, entretanto não é infinito, já que a região polarizada pela cidade,
ao se expandir, se torna crescentemente atrativa para indústrias, ou seja,
haveria um nível crítico de população que, uma vez atingido, tornaria o
sistema monocêntrico instável. Ao redor desse ponto, a relocação de uma
indústria, da cidade para algum ponto no interior, desencadearia uma

29
nova força de aglomeração dirigida a esse ponto, conduzindo ao cresci-
mento explosivo de uma nova cidade e, ao mesmo tempo, produziria efeitos
de desaglomeração na cidade antiga. Dado que a cidade antiga permanece,
o crescimento da nova se daria até o ponto em que ambas atingissem igual
tamanho, a partir do que o processo de criação de novas cidades continu-
aria. Ao longo do processo, as cidades mais antigas, ao sofrerem processo
de desaglomeração, se especializam, criando uma hierarquia urbana dada
pela complexidade dos serviços. Essa especialização, por sua vez, permi-
tiria às cidades mais antigas continuarem crescendo para além do ponto
crítico que, no passado, causou a bifurcação.
As implicações desta teoria para a morfologia urbana são relevantes
ao sugerirem um processo evolutivo que inclui períodos obrigatórios de
crescimento, de estagnação e de redefinição de funções e atividades que
conduzem a mudanças qualitativas e a um maior crescimento. Durante o
período inicial de crescimento, a probabilidade é de o desenvolvimento se-
guir um modelo monocêntrico, que persistiria, deteriorando-se, no perío-
do seguinte, de desaglomeração. A partir daí abririam-se as possibilidades
de reconversão de áreas existentes internas da cidade, criando policentra-
lidade e movimentos populacionais, tais como periferização e dispersão,
bem como o seu contrário, a recentralização e gentrificação.
Uma outra maneira de tratar a forma urbana como elemento lateral
do processo urbano é tê-la como um dado do problema. Em situações em
que os fenômenos em estudo são de curta duração, como, por exemplo, o
tráfego, ou a escolha de localização residencial, a forma urbana é tomada
como um cenário fixo e se comporta como um condicionante. Nessas con-
dições a forma urbana antecede o problema, não interage com ele, não é
uma variável, não possui valor conceitual e comparece nos modelos des-
critivos e analíticos apenas como um sistema de barreiras e/ou uma distri-
buição de usos do solo que restringe as atividades. A representação des-
tas, em contrapartida, também não objetivam descrever e muito menos
explanar essa morfologia em termos de seus elementos constitutivos, sua
estrutura interna e seu processo de transformação. São, assim, indepen-
dentes. O exemplo mais celebrado desse tipo de abordagem é a denomi-
nada interação espacial. Numa analogia do modelo universal de gravitação
de Newton, supõe-se que, no meio urbano, haja uma atração entre zonas
que possuam usos do solo complementares, particularmente residência
e emprego/consumo, e que essa atração seja diretamente proporcional às
quantidades de atividades localizadas nessas zonas e inversamente pro-

30
porcional à distância entre elas. Essa atratividade se manifestaria na forma
de fluxos de pessoas entre ambas. Com isso, zonas contendo empregos e
residências gerariam fluxos proporcionais à quantidade de empregos e re-
sidentes entre elas, os quais seriam tanto maiores quanto mais próximas às
zonas complementares estejam localizadas.
Nesses casos, não há pressuposição de qualquer característica de for-
ma ou hierarquia, apenas a constatação das distribuições espaciais de ati-
vidades complementares e das distâncias havidas entre cada par de zonas
considerado. Os parâmetros assumidos para essas variáveis, entretanto,
são relacionados à forma urbana existente, tanto no que diz respeito à sua
capacidade de conter atividades relevantes para o sistema de fluxos, quan-
to às distâncias entre as zonas dadas pela forma do espaço público.
Por fim, mas igualmente interessante é o tratamento da forma urbana
dado pelo urbanismo. Para isso, é importante estabelecer uma diferencia-
ção básica entre morfologia e urbanismo, a qual bem poderia ser a existen-
te entre a descrição da realidade urbana tal qual ela é, e a representação da
realidade tal como deveria ser, na visão do urbanista. Em outras palavras,
enquanto morfologia se refere ao estudo da cidade, urbanismo se refere
ao(s) projeto(s) de sua mudança. O morfologista examina a cidade no seu
passado e presente em busca de chaves que lhe permitam entender os pa-
drões de desenvolvimento e, quem sabe, antecipar aspectos de seu futuro;
o urbanista examina-a no seu passado e presente em busca de referências
(qualidades e defeitos) que lhe permitam moldar seu (melhor) futuro. As-
sim, examinar a relação entre forma urbana e urbanismo equivale a re-
lacionar cidade e projeto, no qual a forma urbana resultaria de decisões
projetuais e sua qualidade estaria na razão direta da sua integralidade.
Projeto, segundo sua conceituação mais comum, envolve efetivamente a
prescrição de uma forma, seja ela estabelecida diretamente por meio da
definição geométrica dos objetos tridimensionais e ainda sua distribuição
relativa sobre o terreno, seja indiretamente através de códigos de ocupação
do solo. Comum a ambas são os atributos de unidade, controle e ordem.
Unidade, controle e ordem da forma urbana, em um projeto, seriam ne-
cessários à medida que as várias partes da cidade teriam propósitos fun-
cionais e simbólicos específicos e complementares. Esses atributos podem
ser vistos com mais facilidade, dado o seu esquematismo, no Plano Piloto
de Brasília, obviamente, mas também estão subjacentes em muitos outros
projetos urbanos, de Barcelona a Washington. Também estão subjacentes
nos planos diretores das muitas cidades brasileiras.

31
Nenhum projeto de cidade conseguiu manter intactos os atributos
de unidade, controle e ordem nele implícitos, para além de um curto pe-
ríodo de tempo; ao contrário, quanto mais específicos e particularizados,
menos viáveis têm sido na prática. Mais uma vez, Brasília é exemplar, ao
seguir uma prescrição morfológica extremamente rígida no Plano Pilo-
to, e paralelamente sofrer um processo de crescimento periférico intenso
que descumpre as intenções do projeto original uma a uma. Cidades com
esquemas organizativos espaciais genéricos têm alcançado mais sucesso
na manutenção de uma morfologia capaz de evoluir e se adaptar às novas
demandas. Cidades que não se desenvolvem a partir de um projeto origi-
nal global não são, entretanto, cidades-sem-projeto, ao contrário, está cla-
ro que toda adição a uma cidade, por menor que seja, é feita segundo um
projeto, mesmo informal, que inclui objetivos, seleção de meios, escolhas e
estratégias de implementação e uso específicos. Pode-se mesmo dizer que
uma característica básica dessas cidades, se comparadas àquelas decorren-
tes de projetos globais, é o excesso de projeto, e não sua falta. O chama-
do caos urbano, ou a desordem urbana, decorre justamente do excesso de
projetos locais, nos quais cada agente desenvolve sua própria estratégia de
adaptação da cidade a seus próprios desígnios, geralmente gerando exter-
nalidades aos demais. Um plano, ou um projeto, como o concebemos, fun-
ciona, em primeiro lugar, como limitador da liberdade individual desses
agentes, forçando a convergência de muitas de suas ações.
Projetos e planos têm se mostrado mais bem sucedidos na sua conver-
gência espacial do que temporal, ou seja, durante algum tempo, geralmente
curto, eles conseguem tornar convergentes as ações de muitos agentes em de-
terminadas zonas urbanas, fazendo emergir padrões morfológicos de maior
ou menor amplitude. Com o passar do tempo, essa convergência formal tende
a perder consistência. Padrão morfológico, entretanto, não emerge primeira-
mente como decorrência de projetos ou planos, e sim da interação entre agen-
tes urbanos a partir de interesses comuns. Interesses comuns a muitos agentes
urbanos funcionam como planos ou projetos informais ao provocar conver-
gência nas suas ações de transformação espacial. Planos e projetos formais e
informais tensionam permanentemente a evolução das cidades, constituindo
processos fundamentalmente diferenciados por sua orientação de-cima-para-
-baixo e de-baixo-para-cima. Ambos são relevantes na evolução urbana e re-
presentam, antes de um antagonismo, uma alternância.
A dinâmica espacial a que toda cidade está submetida sugere uma
relação fraca entre forma urbana e projeto. Isso indica que nenhum pro-

32
jeto global seria capaz de gerar e ao mesmo tempo controlar a evolução
de uma forma urbana duradoura. Por outro lado, projetos urbanos, inde-
pendentemente de sua abrangência, uma vez implantados, são duradouros
e, por isso, capazes de conferir à forma urbana algumas particularidades.
Uma profusão de projetos, desenvolvidos e implementados de forma in-
dependente por muitos agentes, públicos e privados, interagindo entre si,
produzem, a cada momento, uma forma urbana resultante, ou seja, não
intencional na escala macro. A fraca vinculação causal entre forma urbana
e projeto na macroescala é um dos principais indicadores de que a forma
urbana é um fenômeno de alguma complexidade e, consequentemente, o
estudo da morfologia urbana não pode ser circunscrito por teorias norma-
tivas (relativas a um protocolo ético, estético, técnico ou a um sistema de
ideias mais genérico), requerendo, em vez disso, um arcabouço formado
por teorias constitutivas (relativas à explanação da realidade).
Está claro que, embora do urbanismo resultem formas urbanas, o
processo de evolução da forma urbana não é subordinado a ele, ocorrendo
o contrário. Fica igualmente claro que projetos urbanísticos, embora pro-
duzam formas urbanas, não estão entre as ações mais respeitosas à morfo-
logia urbana incidentes sobre a cidade, pelo contrário, visto que, na maio-
ria das vezes, visam mudar seu curso, não raro usando buldozzers. Assim
sendo, o urbanismo não se qualifica automaticamente como uma discipli-
na que, o demandando, conduz a um maior conhecimento da morfologia
urbana. Dado que outras disciplinas, como foi demonstrado, também são
paramorfológicas, apenas um campo com especificidade suficiente pode-
ria prover bases teóricas, metodológicas e instrumentais para um apro-
priado estudo da forma urbana. Alguns elementos dessa disciplina passa-
rão a ser examinados nos capítulos a seguir.
Modelos projetuais para cidades são inúmeros, muito mais numerosos
do que teorias, devido ao fato de que teorias tendem à generalização, enquanto
projetos tendem à particularização. Ao buscarem traços comuns à formação
de muitas, senão de todas as cidades, as teorias são mais difíceis de serem cons-
truídas. Além disso, os métodos usados pela ciência privilegiam uma certa
concatenação entre diferentes teorias, seja por continuidade, seja por contra-
posição, o que conduz a um certo compartilhamento de princípios e núcleos
lógicos, os quais, pela contínua filtragem promovida pela busca de verificação,
convergem para poucas alternativas teóricas. Projetos, ao contrário, procuram
a originalidade, e sua produção tende a gerar um conjunto sempre crescente
de soluções alternativas arbitrárias e únicas em certos aspectos.

33
Não é papel deste livro revisar a história do urbanismo, rica em pro-
posições, implementadas ou não; cumpre, entretanto, expor alguns princí-
pios genéricos (poderiam ser chamados de teoria de projetos?) implícitos
em projetos contemporâneos, princípios aqui denominados por projetos de
morfologia aberta, projetos de morfologia fechada e projetos estatísticos.

Projetos urbanos de morfologia fechada


Projetos de morfologia fechada perseguem a ilusão da forma urbana
definitiva. Nessa situação, os elementos da forma urbana são tratados não
como variáveis, mas como constantes. Um quase corolário dessa primei-
ra visão é o que propõe uma noção geral de funcionalidade. Forma fixa e
função definida interagem como princípios complementares que geram
projetos urbanos de grande originalidade e, se implementados, cidades
problemáticas. Uma das principais características, exposta pela maioria
das teorias que tentam explicar a cidade, é justamente a sua contínua mu-
dança, a sua condição de processo espacial. A segunda seria a sua não tão
frequentemente abordada característica de multipropósito, ou seja, de se
constituir em um organismo no qual cada parte desempenha diversos pa-
péis simultâneos. Essa característica está, como pode ser facilmente infe-

Figura 8. O projeto original de Brasília, à esquerda, e a sua real área urbana de hoje. Como pode ser visto, o alto
grau de especificação formal do projeto original dificultou que dele se originassem indicações claras de expansão e
ocupação de áreas contíguas, resultando numa urbanização fragmentada, descontínua e desigual, que contraria jus-
tamente as premissas da proposta original. Um segundo, e ainda não aparente, problema é o da renovação interna,
tanto nos estoques edificados quanto nas atividades.

34
rido, ligada à primeira, visto que a mudança, ocorrendo na escala micro,
obriga componentes antigos de uma cidade a desempenhar novas funções.
O desprezo, bem como a omissão no tratamento dessas características in-
trínsecas da cidade, muito frequentemente verificados nos aqui chamados
projetos de forma fechada, constituem sua maior falha.
Projetos de forma fechada podem ser bons exemplos de dissociação
entre teoria e ideologia urbanas. Enquanto teorias se propõem a explicar a
realidade urbana, projetos se propõem a recriá-la, melhor. Ao tentar fazê-lo,
entretanto, muitos projetos costumam contrariar princípios fundamentais
da formação das cidades e, com isso, recriam a realidade pior. Teorias e ide-
ologias não são necessariamente opostas; somente se oporão, para prejuízo
dos projetos e das situações urbanas deles eventualmente decorrentes, quan-
do e enquanto autores se acharem capazes de, sozinhos, mudar o mundo.

Projetos de morfologia aberta


Os projetos de morfologia aberta, como o nome sugere, produzem
proposições tais que, neles, as demandas por mudança e adaptação são pos-
sibilidades reais. Em geral, essa qualidade é obtida mediante o rebaixamento
do nível de especificação formal dos projetos, ou seja, menos particularida-
de no produto supostamente final e mais investimento nas regras gerais de
articulação da forma. O grau de abertura desses projetos pode variar, desde
uma simples regra de fracionamento do território, que geralmente não é tão
simples assim, até articulações mais elaboradas, envolvendo as formas cons-
truídas e mesmo as localizações de atividades, ou regras explícitas para ex-
pansão e renovação. Independentemente do grau de elaboração, entretanto,
esses projetos se parecem mais com códigos de controle geométrico da for-
mação e desenvolvimento de uma cidade, do que qualquer particularização
formal semelhante aos projetos anteriormente comentados.
Não é incomum encontrar projetos que combinam as virtudes das
duas abordagens, propondo regras gerais de expansão e de adaptação in-
terna, próprias de uma forma aberta, com maior definição formal de seto-
res da cidade, geralmente aqueles considerados mais significativos desde
os pontos de vista simbólico, ou estrutural.

35
Figura 9. Sistema viário principal de Chicago, baseado numa grelha quadrada modular, isto é, um conjunto de
grelhas de malhas de diferentes tamanhos, coordenadas. Esse sistema é flexível tanto na expansão quanto na
partição interna, provendo uma regra sólida de ocupação do território.

Figura 10. Cidade de Washington, cujo projeto especifica de forma detalhada a área cívica e simbólica, ao mesmo
tempo que define regras gerais de ocupação do solo para o restante. Tais regras orientam a expansão e permitem
uma ocupação flexível.

36
Projetos estatísticos
Por “projeto estatístico” se entende aquele expresso através de regras
numéricas de ocupação e uso do solo. Usualmente, a regra-mãe é uma re-
lação população-área, a densidade, que, controlada, permitiria dimensio-
nar infraestruturas, serviços e equipamentos. A partir de uma densidade
prefixada para uma fração de território se supõe possível reservar áreas
proporcionais para sistema viário e equipamentos públicos como praças,
parques, escolas, etc., e quantificar um remanescente disponível para edi-
ficações e atividades localizadas. O controle dessa densidade, entretanto,
ainda não está garantido, uma vez que esse remanescente pode ser edifica-
do de diferentes maneiras e, por conseguinte, abrigar quantidades diferen-
tes de pessoas; assim, é preciso ainda estimar o consumo de área construí-
da por habitante – variável segundo extratos socioeconômicos, e limitar a
quantidade total de edificação residencial a ser construída. Dessa forma,
a partir da regra-mãe, se criam diversas outras regras concatenadas entre
si, destinadas a regular a forma construída. Os sistemas desse tipo mais
comuns incluem índices de aproveitamento, taxas de ocupação, gabari-
tos de altura e afastamentos, que limitam, respectivamente, a quantidade
de edificação por unidade de área de solo edificável, a proporção de solo
ocupável com edificação, a altura máxima das edificações e a posição das
edificações em relação ao espaço público e lote. Ainda haverá regra para o
parcelamento do solo, que estabelecerá quantidades mínimas para áreas
de uso público, bem como dimensões das parcelas.
Boa parte dos chamados Planos Diretores Urbanos usam essa siste-
mática, ou semelhante, para definir seus sistemas de controle de ocupação
do solo. Pode-se ver que a sistemática depende de alguns arbitramentos
importantes, como a própria densidade, que dá início a todo o procedi-
mento, e ainda o consumo de área construída por habitante. A densidade,
como já se viu, não é uma variável aleatória, muito pelo contrário; assim,
esse arbitramento depende da sensibilidade do operador, que depende,
por sua vez, do conhecimento que tenha tanto da realidade empírica local,
tratando-se de uma cidade existente, quanto das teorias de urbanização
produzidas pela ciência.

37
Tabela 1. Demonstrativo da dedução das regras de ocupação do solo a partir de uma densidade bruta arbitrada.
Na coluna 1, três densidades são arbitradas; na coluna 2, uma proporção da área de um hectare é reservada para
uso público; a coluna 3 contém a área edificável remanescente, a coluna 4 reserva uma proporção dessa área para
uso residencial, a coluna 5 contém diferentes consumos de área construída por habitante, conforme diferentes
extratos socioeconômicos, que resultam em quantidades diferentes de áreas construídas registradas na coluna 6.
As colunas 7, 8 e 9, respectivamente mostram o índice de aproveitamento (I Aprov), obtido pela relação I Aprov =
col 6 / (col 3 X col 4); taxa de ocupação, arbitrada, e altura máxima como H = col 6 / (col 3 X col 4 X col 8).

CONSTRUÍDA
RESIDENCIAL
DENSIDADE

EDIFICÁVEL

CONSUMO
PÚBLICO

A/ HAB

APROV

OCUP
ÁREA

ÁREA
USO

USO

H
T
I
1 2 3 4 5 6 7 8 9
100 25% 7500 90% 50 5000 0,75 40% 2
500 30% 7000 80% 30 15000 2,7 50% 6
1000 35% 6500 75% 20 20000 4,1 50% 8
... ... ... ... ... ... ... ... ...

38
MORFOLOGIA URBANA TIPOLÓGICA
E MORFOGENÉTICA
3

Quando, em benefício da busca de um caminho próprio para o es-


tudo da morfologia urbana, os modelos socioespaciais são abandonados
e apenas o casco da cidade permanece no foco, imediatamente problemas
básicos aparecem. Em primeiro lugar, tem-se que, para um pesquisador,
sequer esse casco pode ser observado na sua totalidade, já que, no interior
da cidade, a visão é sempre local, fragmentada e incompleta. Em segundo
lugar, depara-se com a individualidade de cada bairro, de cada rua, de cada
edificação, o que resulta em um universo enorme de elementos distintos.
Tudo isso contribui para reforçar uma sensação de aleatoriedade, ou seja,
de que a cidade resulta de ações individuais desconectadas, que involun-
tariamente contribuem para a constituição de uma manufatura aleatória,
sem lógica. Em terceiro lugar, depara-se com um conjunto de elementos
constitutivos – edificações isoladas, grupos de edificações, espaços abertos
– plenos de características que se desdobram indefinidamente em escalas
aninhadas umas dentro das outras, cada qual com suas próprias variáveis,
variações, o que confere ao todo uma diversidade aparentemente impos-
sível de ser decifrada. Em quarto lugar, depara-se com a convivência de
partes e de componentes adicionados ao todo, em diferentes momentos –
muitos deles distantes uns dos outros vários séculos –, misturados e com-
binados das mais variadas maneiras.
O caminho mais tradicional da ciência para o tratamento de proble-
mas compostos envolve a redução de sua complexidade, na maioria das
vezes obtida mediante dois procedimentos: a diminuição do número de
componentes e a divisão do todo em subconjuntos mais simples de serem
descritos, analisados e entendidos. A esse tipo de abordagem, os morfólo-
gos adicionaram dois elementos de orientação para os procedimentos que
deveriam conduzir ao entendimento da forma urbana: os vetores espacial

39
e temporal, ou seja, a redução da complexidade em termos de manifesta-
ção material, sobre o território, e em termos de desenvolvimento histórico
ou temporal. Essas duas referências deram origem aos dois principais ins-
trumentos descritivos e analíticos da morfologia urbana, a saber, a tipolo-
gia e a morfogenética.
Tipologia, apesar de toda a mística que, na arquitetura, acompanha o
termo, é um procedimento classificatório relativamente simples que, como
todos que tentam ordenar conjuntos extensos de objetos aparentemente
díspares, é também simplificatório. Explicando melhor, a ideia consiste em
reduzir um grande número de objetos em princípio únicos, em um me-
nor número de classes ou categorias de objetos que compartilham de um
mesmo grupo de características. Para isso, é necessário, de um lado, eleger
quais características são relevantes para cada caso e, de outro, descartar
as características consideradas irrelevantes. Por isso, o procedimento é ao
mesmo tempo classificatório e simplificador; parte de um conjunto de mi-
lhares de edificações de uma cidade, cada uma original e individual, para
chegar a um grupo de algumas dezenas de classes ou categorias de edi-
ficações, cada uma contendo ou representando um largo grupo daquelas
edificações individuais e originais que, não obstante, compartilham alguns
atributos comuns, considerados mais importantes. Em arquitetura, assim
como em urbanismo, a classificação tipológica dá origem aos tipos, que
são abstrações de edificações, lugares, bairros, etc., representados por um
grupo de atributos, comuns a todos os membros de cada tipo. Um tipo, as-
sim, não existe concretamente; é uma entidade virtual que representa um
grupo de entidades concretas, as quais, apesar de outros muitos atributos,
desconsiderados, que os diferenciam, possuem um mesmo grupo de atri-
butos, considerados para a classificação, que os igualam.
Tão logo, entretanto, se descortinem os fundamentos do método ti-
pológico, depara-se com outro problema, que é escolher quais atributos
dos diferentes elementos da cidade são representativos de um grupo de
elementos e, assim, merecem ser tomados como referência para a classifi-
cação. Critérios únicos definem um processo classificatório simples, mas,
por outro lado, muito redutivo. Pode-se pensar em classificar as edifica-
ções de uma cidade pelo número de pavimentos, por exemplo, quando,
então, seria obtida uma redução de, talvez, milhares de edificações a pou-
cas dezenas de tipos (um, dois, ..., vinte, ... pavimentos), ou pela cor das
fachadas, ou pelo material dos telhados. Esses são três exemplos reais de
possíveis classificações tipológicas aplicadas a edificações urbanas; a es-

40
colha de critérios classificatórios envolve, certamente, algum propósito. À
medida que o número de atributos classificatórios aumenta, a dificuldade
descritiva também aumenta, o mesmo ocorrendo com o resultante núme-
ro de tipos. Partindo de uma cidade de um máximo de dez pavimentos (10
tipos), telhados vermelhos e cinza (2 tipos) e edificações brancas, amarelas
e azuis (3 tipos), ao tomar os três critérios simultaneamente, resultariam
60 tipos possíveis.
Arquitetos costumam classificar seus tipos edilícios segundo crité-
rios arquitetônicos, tais como arranjos planimétricos (plantas baixas),
arranjos planialtimétricos (articulação entre pavimentos), proporções ex-
ternas (volumetria), posição no lote, e até base estilística, para não men-
cionar o uso ou propósito funcional dos prédios, que podem ser isolada
ou conjuntamente utilizados para classificação tipológica. Exemplos clás-
sicos desse procedimento são os tipos pavilhão, fita, barra e torre, corres-
pondendo a edificações isoladas no terreno, coladas lateralmente umas às
outras, ou grandes volumes de proporções predominantes horizontais ou
verticais, etc. Cada tipo volumétrico desses, por sua vez, permite supor ti-
pos planimétricos e planialtimétricos particulares; assim é que edificações
em fita, por não possibilitarem aberturas laterais, terão necessariamente
uma planta com compartimentos voltados para a frente e fundos (tipo bá-
sico) ou para a frente, área de iluminação, área de iluminação e fundos
(tipo composto). Esses, por sua vez, podem comportar uma articulação
planialtimétrica frontal (escada a partir da frente), intermediária (bloco de
escadas entre os compartimentos de frente e de fundos), etc. Critérios de
classificação podem ser estendidos indefinidamente, tornando-a, a cada
adição, mais particularizada e menos explanatória. É comum incluir como
atributo de classificação tipológica componentes das edificações, como fe-
nestração, sacadas, varandas, etc.
Assim como as edificações, outros elementos componentes da cida-
de podem ser submetidos a procedimentos classificatórios semelhantes,
ainda que potencialmente mais simples. Quarteirões são unidades típicas
de análise tipológica, que incluem os tipos clássicos de quarteirões qua-
drados, com lotes voltados para as quatro faces, retangulares, com lotes
apenas nas faces mais longas, ou até mesmo lotes com duas ou três frentes,
sem mencionar as outras possíveis formas geométricas da divisão da terra.
Lotes, por sua vez, podem ser classificados tipologicamente. São conhe-
cidos os lotes retangulares, com o menor lado coincidindo com as suas
testadas, os lotes góticos, coloniais, etc.

41
Espaços públicos são igualmente submissíveis a essa forma de des-
crição e classificação. É famosa a extensa lista de palavras da língua inglesa
usadas para designar espaços públicos; em português, a lista é menor, mas
ainda assim capaz de abrigar alguma variedade. Atributos dos espaços pú-
blicos passíveis de serem tomados como referência de classificação tipo-
lógica podem ser dimensionais (largura, comprimento, área), relacionais
(proporções), formais (tipos de polígonos, tipos de geratriz, etc.), e ainda
relativos a componentes, como canteiros centrais em avenidas, cobertura
vegetal ou pavimento, arborização, etc.
Considerando que, apesar da grande redução obtida pela classifi-
cação tipológica, ainda é provável que ocorra uma grande diversidade, a
classificação tipológica ainda pode ser estendida para subconjuntos. Por
exemplo, se uma cidade possuir apenas dois tipos edilícios, ainda assim
eles poderão aparecer distribuídos segundo dois conjuntos homogêneos
(uma área coberta pelo tipo A e outra pelo tipo B), um conjunto heterogê-
neo (todo o território coberto pelos tipos A e B distribuídos aleatoriamen-
te), ou ainda combinações de diferentes homogeneidades e heterogenei-
dades. Combinações de tipos podem decorrer de decisões aparentemente
aleatórias, como no exemplo acima, mas também podem ocorrer por de-
corrência de problemas compositivos e geométricos. Exemplo disso é a di-
visão de um quarteirão quadrado com quatro frentes, em lotes, que resulta
impossível de ser obtida sem que mais de um tipo de lote seja utilizado.
Uma outra, e cara, possibilidade de análise tipológica é a que envolve
a flecha do tempo e o decurso da história. Nessa abordagem, encontra-
-se, em primeiro lugar, alguma relação entre tipos arquitetônicos e urba-
nos e certos momentos da história da cidade. Essa relação se revela não
apenas nas exteriorizações estilísticas, pelas quais se reconhecem, com
alguma facilidade, não apenas edificações, mas fragmentos urbanos
extensos. Considerando a virtual inevitabilidade do crescimento urbano,
é de se esperar que fragmentos adicionados às cidades existentes ocorram
com alguma identidade ao tempo em que são produzidos. Esse tempo
particular envolve não apenas o tempo dito social – estado e prática dos
grupos e relações sociais –, como também aspectos relativos à tecnologia,
ao uso de materiais e aos costumes. Dessa forma, diz-se que os fragmentos
da cidade tem safra, ou seja, reportam-se a uma época específica.
A existência de efeito de safra na forma da cidade permite supor três
tipos de processos, a saber, a justaposição de fragmentos, a evolução tipoló-
gica e a superposição de tipologias. O primeiro processo, mais simples, con-

42
siste na constituição da cidade segundo uma justaposição de fragmentos
de diferentes idades, cada um portando características próprias da época
em que foi materializado. A princípio, esse processo permitiria a anexa-
ção indefinida de novos fragmentos ao conjunto, que evoluiria simples-
mente como uma coleção mais ou menos arbitrária de retalhos. Em seu
livro, denominado “Cidade colagem” (1978), Collin Rowe defende a tese
de que, sendo assim, a cidade não apenas não teria uma estrutura unitá-
ria unindo as partes, como a ocorrência de novas partes, com novas for-
mas, seria arbitrária. Com isso, arquitetos e urbanistas teriam autonomia
e liberdade para usar, nos fragmentos que projetam, gramáticas, sintaxes
e vocabulário projetuais mais ou menos independentes. Essa parece ser,
entretanto, uma tese apressada e superficial, como sugerem o segundo e o
terceiro processos tipológicos possíveis. Com efeito, a noção de evolução
tipológica remete à consideração de um processo segundo o qual formas
arquitetônicas e urbanas não nasceriam do nada, a partir do simples vo-
luntarismo de um autor qualquer, mas que, ao contrário, teriam sua gênese
determinada, ou fortemente influenciada, por formas arquitetônicas e ur-
banas anteriores. Essa evolução ocorreria não apenas de maneira informal,
como normalmente ocorre com os projetos que os arquitetos e urbanistas
elaboram, os quais contêm variadas, porém regulares, doses de referências
às arquiteturas e urbanismos do passado, mas de maneira mais conceitual
e profunda. Essa maneira mais sutil de fazer tipos evoluírem pode ser en-
tendida se comparada com uma linguagem, que está em constante mo-
dificação, em que palavras, frases e discursos inteiros são adaptados para
representar e comunicar novos conceitos. E não apenas isso, já que, dife-
rentemente das linguagens normais, a forma construída urbana é também
material, ou seja, depende de técnicas e materiais para existir. Esse conjun-
to de significados novos, conjugados com os limitados recursos de com-
posição arquitetônica e ainda limitados pela disponibilidade de materiais
e técnicas construtivas constituiria um universo restrito de possibilidades
e faria com que cada novo fragmento fosse, à sua maneira, uma releitu-
ra, ou adaptação de linguagens e significados contidos em fragmentos já
existentes. Assim, haveria um vínculo entre as partes velhas e as novas de
uma mesma cidade, como haveria entre fragmentos de diferentes cidades.
Essa teoria evolutiva explicaria a permanência de alguns modos de fazer
arquitetura e cidade verificados em diferentes lugares, a chamada cultura
arquitetônica própria de cada país ou mesmo cada região.

43
O terceiro processo tipológico possível de ser verificado nas cidades
é o de superposição. Por superposição é entendida a reposição de partes
originais de um fragmento urbano por outras, produzidas em outro tempo
e, assim, portando outras características de safra. Sabe-se que há diferentes
ritmos de vida dos componentes da cidade, resultando em diferentes tem-
pos de permanência. Depois das atividades e usos do solo, mais rapida-
mente substituíveis, as edificações são os componentes da cidade com vida
mais curta. A vida útil das edificações varia conforme uma série de fatores,
incluindo o clima, os materiais, as técnicas, e ainda outros, de natureza
mais abstrata, como ritmo de desenvolvimento demográfico e econômico,
progresso tecnológico, dinâmica interna, etc. Acima de tudo, dependem
de decisões, que conduzem a mudanças, individuais ou de pequenos gru-
pos de indivíduos. Diferentes tipos de edificações também têm diferentes
vidas úteis a si associadas, mas por mais duráveis que sejam, são, ainda, os
menos permanentes. A divisão da terra e seus resultantes espaços públi-
cos e privados são os mais duráveis. Os espaços públicos assim o são por
conta da dependência que deles têm os demais elementos construídos e a
vida da sociedade urbana correspondente. Sendo vitais a todos, sua vida
está subordinada a processos decisórios complicados que envolvem toda
a população. Espaço aberto privado estaria, em termos de vida útil, em
uma situação intermediária, normalmente mais durável que as edificações
e menos do que os espaços públicos.
O resultado da superposição de componentes novos a uma base ur-
bana mais velha é uma explosão de diversidade. Se o processo de evolução
tipológica enfraquece a tese da cidade-colagem, o processo de superposição
simplesmente a destrói. Quando uma edificação nova ocupa o lugar de uma
mais velha, ela não apenas traz a lógica da colagem para a escala micro, mas
também combina safras diferentes e, lógico, lógicas diferentes. O resultado
não é uma colagem, no sentido estrito de coisas diferentes convivendo lado
a lado, mas sim, a emergência de um composto que mistura essas coisas e as
transforma em um elemento novo. O assim chamado “tecido urbano” – o
resultado da composição de tipos particulares de espaços públicos, espaços
privados e edificações é, assim, um processo espaço-temporal, o qual pode
eventualmente começar com uma forma urbana bastante unitária para, no
decorrer do tempo, desdobrar-se em uma interminável diversidade. A cada
momento em que uma nova adição é feita a esse tecido, todos os elementos
preexistentes são, de certa forma, atualizados e, independementemente da
origem ou idade de cada um, contam igualmente para essa composição.

44
Matrizes da forma urbana
Embora pareça ter um repertório inesgotável de componentes e ar-
ranjos espaciais, a forma urbana, na sua grande variedade, pode ser asso-
ciada a um grupo limitado de matrizes, como pode ser observado a seguir.

Espaço público
A continuidade do espaço público urbano requer um critério qualquer
de individualização que permita a identificação de componentes unitários.
Os critérios mais lembrados são os geométricos, que derivam duas matrizes
básicas, a linear e a convexa. Entretanto não parecem ser suficientes, visto
que o limite entre linearidade e convexidade não é claro. Embora os dois ex-
tremos – uma rua e uma praça, por exemplo – sejam em princípio distin-
tos, pode-se frequentemente encontrar situações em que o limite é confuso.
Outro problema a ser previamente resolvido é o da geratriz dos chamados
espaços lineares; quando ela é retilínea, ou tem ângulos suficientemente de-
finidos, a definição de unidades é facilitada, entretanto se essa geratriz é uma
curva, o ponto de seccionamento não é claramente identificável. Embora a
observação dessas variantes possa ser feita com maior ou menor rigor, con-
duzindo a descrições eventualmente diferentes, em termos gerais a noção de
continuidade pode ser um bom substituto. Segundo esse critério mais geral,
a unidade morfológica de um espaço público deve ser mantida até que suas
características mudem. Assim, enquanto a geratriz, a largura, a definição es-
pacial dada pela forma construída, ou qualquer conjunto de características
se mantiverem, a unidade é preservada.
Qualquer que seja a convenção utilizada para gerar unidades discre-
tas de espaço público, elas serão ou lineares ou convexas, articuladas entre
si segundo as seguintes possibilidades:
a) grelhas – combinam componentes lineares que se interceptam, for-
mando circuitos fechados, e têm suas extremidades no exterior ou
no limite do conjunto. Os polígonos formados por esses circuitos são
chamados de malha. É possível produzir grelhas de diversas configu-
rações, fazendo variar sua malha. A malha mais comum é a de quatro
lados, que pode gerar quadrados, retângulos, trapézios e paralelogra-
mos, mas eventualmente podem ser encontradas malhas triangula-
res. As grelhas podem ser perfeitas, quanto a sua malha é fixa, ou de-
formadas, quando a malha, embora mantendo a quantidade de lados,

45
Figura 11. Diferentes situações de definição de unidades de espaço público linear. Em A, a definição é clara em fun-
ção das características e delimitações de cada unidade; em B, as geratrizes são ligeiramente curvas; entretanto, a
sinuosidade verifica-se em toda a extensão, configurando uma característica. Em C, há limites claros, mas a geratriz
apresenta-se numa extremidade curva e na outra retilínea, permitindo duas descrições possíveis, uma com apenas
uma unidade, outra com duas. Em D, a geratriz apresenta angulações pronunciadas, permitindo uma descrição tanto
com uma unidade quanto com três.

modifica suas dimensões e ângulos internos. Essas variações podem


ser aleatórias, obedecendo, por exemplo, a restrições topográficas, ou
pode ser paramétricas, quando obedece a uma equação ou algoritmo
que faz uma ou mais dimensões, bem como ângulos, variarem segun-
do uma regra.
b) labirintos – combinam componentes lineares, formando circuitos
fechados, mas mantém pelo menos uma extremidade de cada com-
ponente no interior do tecido. As diferenças introduzidas por essa
particularidade são que as interseções, que nas grelhas, são sempre
do tipo “X”, aqui incluem os tipos “L” e “T”, o que faz com que, nas
grelhas os percursos iniciados no perímetro externo possam sempre

Figura 12. Grelhas: A– quadrada, B – retangular, C – modular, D – paramétrica com variação angular, E – triangular.

46
ser finalizados em outro ponto desse perímetro, através de um único
componente, enquanto nos labirintos isso seja impossível. Os labirintos
mais comumente utilizados são os ortogonais, embora possa ocorrer o
uso de ângulos agudos e obtusos.
c) árvores – combinam componentes lineares que se interceptam de
maneira a não formar circuitos fechados. As árvores podem ter várias
ordens, de acordo com a sequência de articulação de suas unidades.
Uma árvore de ordem zero é a que tem seus componentes dispostos
em zigue-zague, ou seja, conectados linearmente; uma árvore de or-
dem um é a que possui um componente principal ao qual os demais
são conectados, a conhecida “espinha de peixe”; uma árvore de ordem
dois envolveria uma segunda derivação, e assim por diante. As cone-
xões podem ser ortogonais, mas ocorrem segundo outras angulações.
d) pátios – são articulações baseadas em componentes convexos. Esse
tipo de articulação demanda sempre componentes lineares de cone-
xão, que são, entretanto, secundários.
e) mistas – são as mais comuns, que combinam dois ou mais padrões
simples apresentados acima. As situações mais comuns são a utiliza-
ção de grelhas como base, e a inclusão de eventuais trechos em labi-
rinto (algumas ruas interrompidas, gerando interseções em “T” ou
“L”), bem como de pátios (praças ou largos).

Figura 13. Outras articulações do espaço público: A – labirinto ortogonal; B – árvore ortogonal; C – pátios,
e D – mista, contando com uma grelha radial concêntrica, um pátio central, uma árvore local a Nordeste e um
labirinto local a Sudeste.

47
Espaço privado
A maneira quase universal de promover a partição fundiária urbana
é a que adota o lote com uma e duas frentes, conforme ele esteja localizado
numa posição intermediária ou em uma esquina, seja em quarteirões mais
ou menos regulares resultantes de grelhas, seja em fitas alinhadas ao longo
dos ramos das árvores, ou ainda agrupados em torno de pátios. No caso
das grelhas, mais comum, alguns arranjos são tradicionais:
a) divisão simétrica axial – normalmente adotada em quarteirões re-
tangulares, divididos em duas faixas de lotes ao longo de sua maior
dimensão. Os lotes podem ser igualmente dimensionados ou sofre-
rem variações conforme seu posicionamento. Lotes de esquina terão,
obviamente, duas frentes, entretanto nenhum terá frente unicamente
para as faces menores do quarteirão. Essa característica pode afetar a
ocupação, posterior, fazendo com que as ruas que contêm as faces la-
terais dos quarteirões sejam menos constituídas, quer dizer, tenham
menos edificações abertas a elas.
b) divisão simétrica biaxial – normalmente adotada em quarteirões
quadrados, exige uma partição com lotes de diferentes dimensões.
Duas alternativas são normalmente adotadas: a primeira localiza lo-
tes menores nas esquinas, a segunda ao contrário. A primeira pro-
cura equalizar o valor econômico dos lotes, já que esquinas são mais
valorizadas; a segunda busca concentrar o valor nas esquinas, valen-
do-se da sua condição de dupla frente.

Figura 14. A partição fundiária: A – simétrica axial; B – simétrica biaxial. Na parte superior, a partição reduz
as dimensões dos lotes de esquina, equalizando valor, na inferior aumenta-as, potencializando a ocupação da
esquina. C – lotes pronunciadamente estreitos e profundos potencializam a manutenção de miolos de quarteirão
não edificados; D – lotes mais largos permitem mais opções de ocupação.

48
O dimensionamento das parcelas também é matéria de consideração,
visto que pode afetar sua ocupação posterior e, com isso, condicionar a cida-
de quanto à sua forma e densidade. Lotes de pequenas dimensões derivam
tecidos de granulosidade e densidade baixas. Lotes estreitos induzem sua
ocupação com edificações em fita; lotes estreitos e profundos contribuem
para assegurar a manutenção de áreas livres nos miolos de quarteirão.

Forma construída
Desde o ponto de vista de seu volume, as formas construídas podem as-
sumir um dos três tipos – o pavilhão, a barra e a torre –, sendo sua diferen-
ciação dada pelas proporções, quando o pavilhão não mostra predominância
de qualquer uma das três dimensões, a barra mostra uma das suas dimensões
planimétricas claramente predominante, e a torre tem obviamente a altura
predominante. A articulação desses volumes básicos entre si oferece apenas
as alternativas de postar isoladamente ou de manter uma ou duas adjacências.
Qualquer uma das três formas construídas básicas pode ocorrer isoladamente.

Figura 15. Formas construídas elementares: pavilhão, barras, torres.

Figura 16. Agregações das formas construídas: à esquerda uma fita composta de diferentes componentes
elementares; à direita barras dispostas perpendiculares à rua (inferior), paralela (superior) e torre isolada.

49
Se houver a manutenção de apenas uma adjacência, o arranjo será de formas
construídas geminadas; se houver duas adjacências, o resultado será uma fita.
Essa fita, por sua vez, acompanhando o desenvolvimento do quarteirão, assu-
mirá a forma de uma ilha, ou agregado fechado de edificações.

Tecido urbano
A combinação dos componentes, articulados no âmbito de seus res-
pectivos domínios e interdomínios, resulta no tecido urbano, o qual en-
volve, além dos componentes e regras já explicitadas, uma outra regra
que busca articular os diferentes domínios do público, privado e forma
construída. É possível notar que algumas relações interdomínios já estão
subentendidas nas regras intradomínios apresentadas. A primeira é a que
vincula espaços público e privado, pelo fato de serem necessariamente jus-
tapostos. Isso leva a terem uma linha divisória em comum; essa linha pode,
entretanto, ser virtual ou realmente modificada pela disposição da forma
construída. Com efeito, se a forma construída for disposta recuada em re-
lação à linha limite do espaço público, cria-se um espaço intermediário,
que tanto poderá assumir um caráter privado (murado), semiprivado (se-
parado do público, porém visualizável) ou mesmo público (incorporando-
-se ao espaço público propriamente dito). Outra articulação interdomínio
implícita é a entre forma construída e parcelamento do solo, visto que as

Figura 17. Regras de articulação interdomínios: A – entre espaços público e privado; B – entre formas constru-
ídas e parcelas (limites coincidentes); C – idem (limites independentes); D – entre formas construídas e espaço
público (limites coincidentes); E – idem (edificações recuadas, criação de espaço semiprivado à esquerda e am-
pliação do espaço público à direita); F – idem (edificações projetadas sobre o espaço público); G – idem (espaço
público projetado sob as edificações). As situações A, B e C estão implícitas nas regras intradomínios, as demais
são independentes.

50
disposições isoladas ou em fita das unidades de forma construída envol-
vem manter ou não afastamento dos limites laterais das parcelas. Com
isso, apenas a relação entre forma construída e espaço público permanece
independente de determinações anteriores.

Análise tipológica
O primeiro, e complicado, passo na descrição da forma urbana atra-
vés do método tipológico objetiva, assim, fundamentalmente a redução
da complexidade e a consequente identificação dos seus componentes bá-
sicos. Ocorre que os tipos, que representam genericamente os elementos
concretos da forma urbana, aparecem no tecido urbano justamente com-
postos, ou seja, combinados uns com outros de maneiras próprias. Isso de-
termina um segundo passo descritivo, voltado a identificar as regras com-
positivas, ou relações guardadas entre cada tipo e os demais presentes na
forma urbana sendo observada. São quatro regras fundamentais, a saber.

Regra tipológica 1 – Formas construídas


A regra tipológica convencionada de número um refere-se à articula-
ção entre diferentes formas construídas. Supondo a necessária existência de
uma razoável quantidade de edificações na composição de um tecido urba-
no, torna-se importante determinar as maneiras segundo as quais elas são
postas sobre o terreno, em relação umas às outras. As possibilidades são li-
mitadas a uma quantidade que varia com o número de tipos existentes. Se
se pensa, inicialmente, em apenas um tipo edilício, as suas inúmeras unida-
des podem aparecer dispostas independentemente, formando um conjunto
tipo floresta, ou coladas lateralmente formando fitas. Essas duas composi-
ções fundamentais podem se desdobrar em variações, as florestas seguindo
diferentes diretrizes geométricas, da simples aleatoriedade à maior rigidez
geométrica; as fitas seguindo diferentes geratrizes, da linha reta ao polígono
fechado, ainda mantendo superfícies verticais (fachadas) contínuas ou des-
contínuas, planas ou indentadas, com altura uniforme ou diferenciada.
Introduzindo mais de um tipo edilício, a regra tipológica torna-se
mais particularizada, tendo que admitir, para além dos controles acima
sugeridos, a distribuição relativa dos tipos. Assim seria possível pensar em
florestas homogêneas (as formas construídas ocorrendo agrupadas segun-
do tipos) ou conforme diferentes combinações tipológicas, bem como em

51
fitas homogêneas ou combinadas. Essas poucas regras são capazes de des-
crever qualquer formação edilícia urbana, da cidade antiga à contemporâ-
nea, da ocidental à oriental.

Regra tipológica 2 – Espaço privado


A regra convencionada como número dois relaciona as unidades de
espaço privado entre si. A parcela de território dita privada e normalmente
associada a uma ou mais edificações está presente na maioria das cidades,
de forma explícita ou subentendida. A tradicional instituição “lote” é a for-
ma mais comum de partição do território, embora conviva, hoje, com ou-
tras entidades que flexibilizam os limites e os graus de privacidade de cada
parcela, como ocorre nos modernos condomínios e superquadras. Em
princípio, há apenas uma forma de combinar parcelas de terreno: a dispo-
sição lado a lado formando linhas ou fitas. Essas fitas podem, a seu turno,
variar sua geometria seguindo geratrizes diferentes, desde a linha reta até
os polígonos fechados de diferentes formas. Considerando, primeiro, uma
parcela padrão, as articulações tipológicas em linha reta resultam em com-
posições extremamente regulares. É claro que essa composição está nor-
malmente submetida à composição do sistema viário, como vai ser visto
mais adiante, o qual impõe necessariamente interrupções a essas linhas e,
consequentemente, a formação de geratrizes poligonais fechadas. Geratri-
zes poligonais trazem variações à regra fundamental de disposição lado
a lado, já que, para manter as parcelas alinhadas à geratriz, bem como o
total preenchimento do polígono por parcelas justapostas, será necessário
negociar acomodações geométricas, resultando em disposição lado a lado,
mas também fundo-contra-fundo. Muitas dessas acomodações envolvem
a introdução obrigatória de parcelas de diferentes dimensões.

Regra tipológica 3 – Espaço público


A regra convencionada como três trata da relação entre unidades de es-
paço público. Se, como ocorreu nos casos anteriormente focados, considerar-
-se apenas um tipo de espaço público, haverá composições conforme o tipo
considerado. O espaço público mais comum nas cidades é a assim chamada
rua, um espaço genericamente retangular com uma das dimensões gran-
demente prevalente sobre a outra. Ruas, aqui denominadas genericamente
por espaços axiais, podem ser articuladas de apenas três formas: em grelhas,

52
árvores e labirintos. Grelhas são grades regulares, sendo a grelha ortogonal o
exemplo clássico; entretanto uma grande variedade de grelhas pode ser gerada
variando a malha. Uma malha quadrada gera uma grelha tipo Barcelona, uma
malha retangular gera uma Manhattan, etc. Há grelhas triangulares, trapezoi-
dais, etc., apenas para mencionar as que possuem geratriz retilínea.
Se mais de um tipo de espaço axial pode ser cogitado, então têm-se
grelhas altamente diferenciadas, desde as com escalas aninhadas, como
Chicago (uma macrogrelha de freeways, dentro da qual uma grelha de es-
tradas regionais, dentro da qual uma grelha de avenidas, dentro da qual
uma grelha de ruas locais) ou superpostas, como Belo Horizonte (duas
grelhas de escalas diferentes superpostas segundo um ângulo de quarenta
e cinco graus, ou ainda, simplesmente, fragmentos de grelhas diferentes,
justapostas, como é mais comum nas cidades). Árvores são formações de
espaços públicos axiais segundo escalas sucessivas, formando uma estru-
tura hierárquica sequencial (tronco, galhos maiores, galhos menores, etc.).
Labirintos são formações de espaços públicos axiais segundo uma grelha
descontínua, geralmente feitos de linhas curtas e interseções em “T” ou “L”,
resultando num sistema de percursos dobrados.
O outro tipo de espaço público tradicional é o pátio, caracterizado
pela forma poligonal sem clara predominância de uma dimensão sobre
as outras. Cidades podem ser formadas a partir de uma composição de
pátios, os quais, apesar de demandarem ligações axiais entre eles para ga-
rantir a permeabilidade, são os principais organizadores do tecido urbano.
Está claro que a articulação do espaço público nas suas diversas for-
mas afeta e determina a partição do espaço privado, já que este ocorre nas
malhas (interstícios) do espaço público. Essa situação ocorre quando a de-
finição do espaço público se faz antes do privado, como geralmente acon-
tece nas áreas urbanas projetadas, que tendem a privilegiar as grelhas. Nos
assentamentos não projetados, é mais comum ocorrer um fenômeno de
crescimento por adição de edificações, as quais implicam definição, por
decorrência, de parcelas privadas e dos espaços públicos. Nesses casos,
prevalece a articulação do espaço público segundo labirintos.

Regra tipológica 4 – O tecido urbano


Esta regra aqui chamada de número quatro, também conhecida por
relação tipo-morfológica (Aynonimo, 2000) é a que trata da articulação en-
tre tipos de diferentes componentes, particularmente entre formas constru-

53
ídas e espaço público. Tomando, primeiro, os componentes bidimensionais
da forma urbana, espaços públicos e privados, observa-se que, independen-
temente da forma que tomarem, estarão necessariamente justapostos com
perfeição, de maneira que onde se procure uma fronteira entre ambos se
achará uma única linha que faz coincidir o limite do público e do privado.
Se a essa linha se faz coincidir também a linha de limite externo das formas
construídas, tem-se como resultado a referência da relação tipo-morfológi-
ca, clássica das cidades europeias e das brasileiras dos períodos pré-moder-
nos. O relaxamento dessa regra de coincidência, permitindo que as formas
construídas avancem ou recuem em relação ao limite público-privado pla-
nimétrico, faz acontecer variações importantes para a morfologia resultan-
te. O avanço sobre o espaço público somente pode ocorrer no espaço aéreo,
correspondendo à constituição de um espaço público coberto, pelo menos
parcialmente pelas formas construídas. O recuo das formas construídas em
relação a esse limite tem o efeito de ocasionar ou uma ampliação do espaço
público, ou a criação de uma nova entidade, a que se pode denominar de
semipúblico. Com efeito, esse espaço intersticial entre o domínio público e a
edificação passa a constituir um domínio ambíguo, em que o uso e controle
são privados, mas não obstante faz parte do público.
O deslocamento da linha de frente das formas construídas pode ser
levada a extremos, como ocorre nas superquadras de Brasília, onde as
próprias condições de público e privado ficam irreconhecíveis. Nas cidades
tradicionais, onde a estruturação territorial é feita por meio de parcelas indi-
viduais autônomas, a divergência da linha de frente das formas construídas
em relação ao limite do público-privado, se levada a extremos, pode oca-
sionar uma dissolução da forma contínua da cidade e uma exposição dos
elementos mais privados das edificações e lotes, que continuam a existir.
A relação tipo-morfológica é vital para a forma urbana resultante,
particularmente para a formação da imagem pública urbana, aquela que
povoa os mapas mentais das pessoas que usam ou visitam os lugares pú-
blicos. Carlo Aymonino (2000), em seu livro “O significado das cidades”,
defende a tese na qual o elemento mais fundamental para a constituição
da ideia de cidade seria justamente a maneira pela qual as edificações são
dispostas em relação aos espaços públicos. A razão disso provavelmente
repousa no fato de que a divergência entre as linhas de limite do espaço
público, privado e formas construídas tem o poder de alterar substancial-
mente a forma urbana externa, ou seja, aquela que é vista e memorizada
pelos usuários. Isso é ocasionado não apenas pela introdução do elemento

54
semipúblico em si, como também pela modificação das dimensões e pro-
porções do espaço público, já que este, apesar dos limites jurídicos vigen-
tes, acaba sendo definido, na prática, pelas edificações que lhes definem
as formas e proporções finais. A relação tipo-morfológica tem ainda um
grande impacto sobre a prática social no espaço, à medida que usos e ativi-
dades urbanas são afetados pelo espaço semipúblico. Se este é incorporado
à via pública, passa a contar como um recurso extra para atividades coleti-
vas; se, ao contrário, é mantido privado, passa a contar negativamente para
essa prática por isolar as edificações dos espaços de uso público.

Uma linguagem morfológica urbana


Se uma analogia entre forma urbana e uma linguagem qualquer é
permitida, então a linguagem morfológica teria três grandes grupos de
componentes mórficos básicos – espaço público, espaço privado e forma
construída – e quatro grupos de regras de articulação – as possíveis no in-
terior de cada grupo de componentes básicos e a relação tipo-morfológica.
Os componentes mórficos podem ter um número de tipos suficiente para
criar discursos morfológicos muito ricos e particularizados, mesmo usan-
do as poucas regras compositivas disponíveis.
A formação e transformação contínua da forma urbana, embora ocor-
ra segundo o uso de componentes básicos que se agregam segundo regras
fixas, está longe da equiparação às linguagens. A tentação de comparar for-
ma urbana à linguagem é, entretanto, perigosa, à medida que as diferenças
podem bem ser maiores e mais importantes do que as semelhanças. Não se
deve esquecer que linguagem é uma entidade abstrata, que serve ao propó-
sito de comunicar, enquanto a cidade é um objeto concreto, muito durável
e que serve a múltiplos propósitos. Pode-se dizer que as linguagens repre-
sentam o mundo, enquanto as cidades são o mundo. Sendo concretas, elas
se impõem às pessoas, não podem ser ignoradas. As linguagens, para bem
representar o mundo, demandam significados precisos para cada palavra; já
as “palavras” da forma urbana têm significado aberto e ambíguo, que permi-
tem a cada receptor fazer sua própria leitura e interpretação. Os textos con-
vergem para uma unidade, intencional, realizando uma trajetória inversa à
forma urbana, que diverge para uma diversidade não intencional.
A análise tipológica urbana objetiva, em um primeiro momento,
descrever, com algum rigor, a forma urbana e, num segundo momento,
desvendar sua lógica organizativa, aqui chamada de ordem morfológi-

55
ca. A descrição, desde seu início, depara-se com um problema derivado
da grande, enorme, quantidade de componentes de uma cidade, e de sua
decorrente diversidade. São milhares e milhares de edificações, uma dife-
rente das outras em alguma dimensão e característica; milhares de lugares
abertos públicos e privados, todos originais; e uma estonteante quantida-
de de combinações de componentes em arranjos de grande complexidade.
O uso da classificação tipológica auxilia de duas formas complementares:
primeiro diminui a complexidade, reduzindo o número de componentes,
e segundo, facilita a identificação de padrões de regularidade.
Uma classificação tipológica implica um procedimento de “desmon-
tagem” da cidade em componentes unitários, os quais serão, subsequente-
mente, comparados e classificados, seguido de uma “remontagem” em agre-
gados e arranjos morfológicos, quando então as regras de articulação são
identificadas. Para pôr em prática o procedimento, o analista suporá a cida-
de desmontada, seus milhões de componentes identificados, listados um a
um e descritos por suas características. Justamente aqui, nas características,
situam-se os possíveis discriminadores tipológicos, ou seja, elementos de di-
ferenciação que permitam reduzir a lista de milhões de componentes para
outra com milhares, ou melhor ainda, centenas de grupos de componentes
que compartilham um certo número de características relevantes e que, por
isso, podem ser equiparados. Seja qual for a cidade sob escrutínio, o primei-
ro discriminador tipológico é o que difere edificações – componentes tridi-

Figura 18. A foto orbital de um trecho de Copacabana, Rio de Janeiro, mostra a decomposição do espaço bidimen-
sional urbano em seus dois domínios básicos – espaço público e espaço privado. O discriminador principal é a conti-
nuidade, presente no domínio público, mas não no privado. Na extremidade direita, a forma construída agregada.

56
mensionais- de espaços – componentes bidimensionais. Dois grandes gru-
pos de componentes são, assim, estabelecidos, o das formas construídas e o
dos espaços. Neste grupo, outro discriminador fundamental pode ser usado:
a continuidade, que permite distinguir o domínio do espaço público, con-
tínuo, do espaço privado, descontínuo, e assim decompô-lo em dois. Com
isso, os três grandes domínios da forma urbana estão identificados.
No interior de cada domínio, a busca de critérios discriminantes torna-
-se mais difícil, já que as possíveis diferenciações ocorrem em graus varia-
dos de detalhe. No espaço público, há ainda o problema de individualizar
unidades de espaço num domínio contínuo; essa desagregação somente
pode ocorrer pelo uso de alguma convenção, seja pelos nomes que os
diversos espaços têm e são consagrados pelo uso, seja pela sua geometria, ou
outro qualquer. No exemplo da Figura 18, pode-se com facilidade classificar
os espaços públicos pelo critério geométrico – espaços lineares (as ruas) e
convexos (a praça). Há ainda a praia que, embora classificável no critério
de linearidade, tem dimensões distintas dos demais espaços lineares. No es-
paço privado, os critérios incluem dimensões, posição e proporção; os do
exemplo parecem ter dimensões diferentes, entretanto as proporções (os de
proporção 1:4, mais estreitos e profundos, e os de 1:2, mais largos) e as posi-
ções (lotes de esquina, com duas frentes, e lotes de meio de quadra) são sufi-
cientes para identificar quatro tipos, resultantes da combinação dos dois cri-
térios. Há, como se pode ver, alguma irregularidade, como lotes com arestas
não ortogonais, deixada sem consideração, mesmo que tenha algum impac-
to sobre a forma final, como será mostrado. Por fim, as formas construídas
são potencialmente mais diversificadas e admitem muitos critérios, como
geometria, proporção, materiais, estilos, etc. Na figura usada para o exem-
plo, o grau de definição da imagem permite apenas considerar os atributos
geométricos, entre os quais a projeção horizontal e altura são relevantes. As
plantas predominantes são retangulares e em “L”, inteiras ou eventualmente
recortadas por áreas de iluminação; as alturas variam pouco entre dez e doze
pavimentos. Aparte esses tipos recorrentes, há uma edificação que não se
inclui, o caso do pavilhão construído dentro da praça.
A Figura 19 contém codificação de todos os componentes da forma
urbana do fragmento examinado, dos quais a maioria representa grupos
de componentes, e apenas três, cujos números estão assinalados, são úni-
cos. A remontagem desses componentes, primeiro dentro de cada domí-
nio, exibirá as regras de articulação presentes. No caso do espaço público,
os espaços lineares estão dispostos segundo uma grelha praticamente or-

57
togonal quadrada, sendo um desses quadrados ocupado pelo espaço pú-
blico convexo (praça). Mesmo o elemento excepcional linear (Av. Atlânti-
ca e praia) está disposto segundo essa regra. No domínio do espaço priva-
do, os quatro tipos de lotes estão compostos uniformemente (distribuição
uniforme dos quatro tipos). Finalmente, no domínio da forma construída,
há uma disposição regular de edificações coladas nas laterais, compondo
blocos compactos correspondentes a cada quarteirão. O pavilhão, única
edificação excepcional, está locado sobre um dos lados da praça.

Figura 19. Classificação dos componentes da forma urbana (referente ao fragmento urbano da Figura 1): no domí-
nio do espaço público, os espaços lineares (1), convexos (2) e praia (3); no domínio do privado, lotes 1:4 de meio
de quadra (1), de esquina (2), lotes 1:2 de meio de quadra (3) e de esquina (4); no domínio das formas construí-
das, a edificação de planta retangular e suas variações (1), de planta em “L” (2) e pavilhão (3).

A combinação dos três domínios mostra os agregados edilícios dispos-


tos sobre o limite do espaço público, exceto em duas situações, uma em que
a edificação está recuada, criando um espaço semiprivado na frente, e outra
em que as edificações de meio de um dos quarteirões, obedecendo à inclina-
ção de alguns lotes, foram dispostas em ângulo agudo em relação à rua.
Uma vez identificados os padrões, cabe ainda examinar os elementos
excepcionais, que, no caso em exame, são cinco elementos. Dois são espaços
públicos excepcionais (praça e avenida+praia), um é edificação excepcional
(pavilhão na praça) e dois são quebras de regras de articulação tipo-morfo-
lógica (duas edificações colocadas irregularmente em relação às ruas adja-
centes). Os espaços públicos excepcionais, por sua vez, estão posicionados
segundo a regra geral de articulação do espaço público, o que lhes diminui
a excepcionalidade. Isso não ocorre com o pavilhão, que, além de ser em si
mesmo excepcional, ocupa uma posição também original. O agrupamento

58
Figura 20. Análise tipológica do fragmento: regras de articulação nos domínios respectivos do espaço público
– espaço privado e forma construída – e no interdomínio. Na extremidade direita, os elementos excepcionais.

de componentes excepcionais (pavilhão + praça + edificação recuada + ave-


nida + praia) confere a essa zona do fragmento a condição de centro morfo-
lógico, com uma hierarquia superior às demais zonas.
A descrição apresentada acima pode ser estendida, em graus suces-
sivos de detalhe, o que resultaria na identificação de possíveis novos ti-
pos, de distribuições particularizadas e de novos elementos excepcionais.
A análise daí decorrente iria certamente observar pequenas modificações
nas angulações das ruas, nas dimensões de quarteirões e lotes, no posicio-
namento das edificações e na relação de elementos atípicos; dificilmente,
porém, contestaria a análise feita em escala maior. A ordem morfológica
global, finalmente identificada, comporta um padrão, ocupando dois ter-
ços da área do fragmento em análise, envolvendo um tipo de espaço públi-
co, quatro tipos de parcelas e dois tipos edilícios, articulados em uma gre-
lha ortogonal quadrada e formas construídas dispostas em fita, formando
agregados compactos com limites coincidentes com os do espaço privado.
Convivendo com esse padrão, existe um conjunto de elementos excepcio-
nais, como já descritos anteriormente.

Análise tipo-morfológica
Embora a análise tipológica, esboçada acima, ofereça a possibilidade
de revelar inúmeras características do tecido urbano e, com isso, permita
avançar no conhecimento da morfologia urbana, ela ainda é insuficiente.
Na verdade, a análise tipológica é restrita aos fragmentos da cidade e tem
amplitude apenas local. Com ela, é possível tomar um fragmento urbano,
decompô-lo segundo seus componentes tipológicos, e recompô-lo segundo

59
suas regras de articulação. Nesse processo de desmonte e remonte, se re-
vela o arcabouço compositivo do fragmento, seu algoritmo tipológico, por
assim dizer; esse conhecimento é, entretanto, restrito ao fragmento em
questão; se se toma outro fragmento, o processo deve ser repetido, sendo
os resultados, ou seja, os respectivos arcabouços compositivos, dificilmen-
te comparáveis. Isso significa que, da comparação, apenas emergem alguns
possíveis parâmetros comuns, assim como outros tantos possivelmente
particulares. Se todos os fragmentos forem examinados dessa forma, re-
sultará um conjunto de tantos arcabouços compositivos quantos forem os
fragmentos, e variados graus de convergência para certos arranjos. Nada
que revele alguma característica própria do todo.
Na prática, ao examinar fragmentos urbanos, a análise tipológica pode
revelar duas possíveis situações: a primeira é a que revela um padrão, e a se-
gunda é a que revela exceções. Um padrão morfológico é geralmente deter-
minado pela aplicação recursiva de um número limitado de tipos, combina-
dos segundo as mesmas regras tipológicas. A situação mais trivial seria um
tecido urbano composto a partir de apenas um tipo de espaço público, um
modo de partição fundiária e um tipo arquitetônico, todos compostos intra-
tipos segundo uma única regra e combinados intertipos da mesma maneira.
Um tecido urbano composto dessa maneira tem um padrão, revelado pela
sua regularidade. Fragmentos urbanos desse tipo são chamados de tecidos
temáticos. Essa regularidade pode deixar de ser trivial se o número de tipos,
dentro de cada categoria, aumenta e se as regras de articulação tipológica
admitem alguma variação, mas continuará sendo temática. O tema, nesses
casos, será mais elaborado, já que o conjunto de tipos e regras é mais extenso.
Tema, assim, passa a ser o mesmo que arcabouço compositivo, ou algoritmo
tipológico – expressões anteriormente usadas para designar o esquema de
organização tipológica de um fragmento urbano.
Há, por outro lado, várias possibilidades de falha, ou quebra do algo-
ritmo tipológico, seja pela introdução de uma forma construída, espaço
público ou partição fundiária inédita no contexto do fragmento, seja pelo
uso de uma regra de articulação igualmente estranha ao tema sendo pra-
ticada, seja ainda pela troca de um algoritmo tipológico por outro, cons-
tituindo dois fragmentos temáticos diferentes, justapostos. As exceções
criam uma variadíssima gama de situações morfológicas. Pode-se tentar
elaborar uma relação genérica das mais recorrentes:
a) a inserção de uma edificação não temática é a mais comum das
situações. Os espaços públicos, os lotes, as formas construídas estão

60
definidos, as regras tipológicas e tipo-morfológicas são obedecidas,
apenas ocorre a inserção de uma edificação estranha ao tema. Essa
situação costuma ter grande efeito sobre a morfologia, já que a quebra
da continuidade volumétrica propiciada pela inserção de uma edifi-
cação diferente das demais é facilmente notada;
b) a inserção de uma parcela não temática, mantendo os demais
componentes e regras inalteradas. O efeito deste tipo de inserção
pode ser minimizado se a forma construída correspondente não
fugir do tema, mas isso dificilmente ocorre, visto que parcelas e
formas construídas guardam uma certa interdependência;
c) a inserção de um espaço público não temático, mantendo os demais
componentes e regras inalteradas. Os casos mais comuns são a in-
serção de uma via com características geométricas diferentes das de-
mais, ou a destinação de um quarteirão à área aberta (praça). Em am-
bos os casos, como nos demais, ocorre apenas a inserção de um novo
espaço público divergente dos tipos que compõem o tema;
d) a quebra de uma das regras de articulação tipológica, em qualquer
dos domínios. Pode-se facilmente encontrar, por exemplo, espaços
públicos temáticos compostos em grelhas regulares onde, em um ou
mais pontos, existe uma descontinuidade, ou há uma ou mais vias
que, embora temáticas, têm posição no tecido contrária à regra geral.
O mesmo ocorre com edificações que, mesmo sendo do mesmo tipo
de todas as demais, são inseridas diferentemente;
e) a quebra da relação tipo-morfológica, quando a maneira padrão de
dispor edificações e espaços públicos é alterada, gerando, normal-
mente, efeitos de grande impacto na morfologia do fragmento;
f) a combinação de exceções no uso de componentes e de regras de
articulação. São as situações mais comuns, tais como edificações atí-
picas inseridas no tecido de forma também atípica, etc.
Como é de se esperar, essa grande variedade potencial de falhas de
padrão morfológico pode resultar em exceções de diferentes escalas e,
consequentemente, em diferentes impactos sobre a forma urbana. De pe-
quenas ocorrências locais a grandes monumentos urbanos, a cidade é re-
ferenciada, com diferentes escalas, pelos seus elementos excepcionais. A
contraposição de elementos excepcionais a áreas temáticas é considerada
por diferentes autores como uma das mais fundamentais relações morfo-
lógicas urbanas. Essa relação, ora chamada de monumento-entorno, ora

61
de emergência-tecido, tem sido focada por autores importantes (ROSSI,
1966) e proposta como uma das maneiras de descrever a ordem morfo-
lógica urbana, no sentido de que emergências ou monumentos funciona-
riam como controles ou âncoras da forma urbana. Juntos, estabeleceriam
uma rede de referenciamento e de unidade urbana. Esses elementos excep-
cionais, entretanto, somente podem existir exatamente na contraposição a
um entorno de regularidade. Com isso, tecido e emergência seriam ambos
complementares e indispensáveis para a forma urbana.
Deve ser lembrado que a identificação de elementos excepcionais de-
pende de critérios de classificação tipológica estabelecidos já no início da
descrição da morfologia de uma cidade. Esses critérios são justamente os
que permitem definir o pertencimento de uma edificação particular a um
tipo. Quanto mais exigentes forem esses critérios, maior será a quantidade
de edificações potencialmente declaradas como excepcionais. Com isso,
todo o sistema descritivo baseado nesses princípios é relativo e sujeito a
variações segundo preferências de diferentes analistas. Isso significa que
diferentes descrições de uma mesma cidade poderão apresentar variações
significativas na definição dos tecidos, dos elementos excepcionais e da
própria ordem geral de sua morfologia.
Considerando as diferentes formas de exceção aos padrões temáticos
do tecido urbano, tem-se, nas cidades, uma formação morfológica generi-
camente descrita por uma justaposição de áreas temáticas, referenciadas
por elementos excepcionais. Nas áreas temáticas, verificam-se composi-
ções orientadas por diferentes algoritmos tipológicos, cada um deles con-
tendo a especificação de um ou mais componentes-tipo em cada um dos
três domínios fundamentais da forma (espaço público, privado e forma
construída) e definição de regras tipológicas e tipo-morfológicas. A de-
finição de um algoritmo tipológico garante um padrão ao tecido, decor-
rente do uso repetido dos mesmos componentes, articulados segundo um
conjunto de regras. Os elementos excepcionais podem ocorrer em cada
um dos domínios fundamentais, e ainda da combinação de diferentes do-
mínios. Elementos excepcionais podem ser pontuais, lineares ou areais,
isolados ou combinados, em escalas diferenciadas. Assim, os elementos
excepcionais, distribuídos pela cidade, podem constituir uma rede hierar-
quizada de referências espaciais, que controlam e orientam o todo, desde
as instâncias locais – elementos de polarização ou delimitação das áreas
temáticas –, até as instâncias mais globais – grandes nós, linhas e áreas que
polarizam e orientam a cidade na sua totalidade.

62
Ordem morfológica urbana
A expressão “ordem morfológica” pode ser definida de diferentes
formas, geralmente obscuras. A ideia geral de ordem morfológica é a de
constituição de um organismo de partes relacionadas; consequentemen-
te, a ordem morfológica de uma cidade seria o conjunto de atributos que
lhe dão integralidade e unidade. Uma maneira prudente de abordá-la é,
incrementalmente, admitir atributos que contribuem para dar-lhe algum
significado. O primeiro atributo relevante de uma ordem formal é a identi-
ficação de diferentes partes, o que ocorre pelo reconhecimento dos tecidos
temáticos. O segundo atributo de uma ordem espacial é a distribuição das
partes sobre o território. Essa distribuição também pode ser reconhecida,
tanto como absoluta (a posição de cada tecido dada por suas coordenadas)
quanto como relativa, ou seja, as sequências e vizinhanças. O terceiro atri-
buto de uma ordem é a articulação entre as partes. A continuidade entre
as partes é essencial para que elas possam ser consideradas partes de um
todo. A articulação entre os diferentes tecidos temáticos é dada não ape-
nas pela continuidade viária, mas também pela continuidade morfológica
propriamente dita, que ocorre ou pela justaposição simples de dois tecidos
temáticos, ou pela articulação de dois tecidos temáticos por intermédio
de um terceiro elemento, no caso, excepcional. O quarto atributo de uma
ordem morfológica é a hierarquia. Esta é dada de duas formas básicas: a
primeira pela extensão dos tecidos temáticos e a segunda pela relevância
de seus monumentos e demais elementos excepcionais.
De todos esses atributos, o relativo à hierarquia é o de mais difícil ca-
racterização. Hierarquia pode ser associada à escala, logo, à dimensão, mas
certamente é mais do que isso, como se pode intuir. Não parece haver um
procedimento preciso e seguro para determinar a hierarquia no interior da
análise tipológica, já que ela permite diferenciar elementos e arranjos, mas
não permite construir gradientes. Uma maneira de contornar essas limita-
ções é buscar a identificação da presença simultânea de complexidade, esca-
la e conectividade dos diversos elementos excepcionais. A complexidade é
dada pelo número e pela natureza de componentes; assim, é mais complexo
um monumento composto, por exemplo, por uma igreja, um campanário,
um batistério, uma praça principal, uma praça secundária e um museu, do
que outro constituído de um parque. Escala pode ser identificada pela exten-
são dos elementos lineares, ou dimensões dos elementos polares ou areais.
Finalmente, conectividade é propriedade da rede de elementos excepcionais

63
interligados. Com isso, maior é a hierarquia de um elemento excepcional
quanto mais complexa for sua constituição e quanto maior for sua escala e
mais firmemente estiver conectado aos demais elementos excepcionais.

Morfogênese
Deve ser observado que as análises tipológica e tipo-morfológica
descritas anteriormente são predominantemente espaciais, significando
que a diferenciação da forma urbana baseia-se nas ocorrências presentes
no artefato urbano e em suas particularidades tipológicas. Isso não quer
dizer que tipos não possam eventualmente ser definidos a partir de cri-
térios que envolvam sua origem e história, mas sim que a sequência de
inserções dos diversos componentes na manufatura não é normalmente
critério de análise. Há, entretanto, a possibilidade de isso ocorrer, como a
expressão morfogênese sugere.
O desenvolvimento da morfogênese se deve ao geógrafo Michael R.
Conzen, um dos fundadores e principais personagens da área de estudos
urbanos conhecida por Geografia Histórica. Na morfogênese, o fio con-
dutor da descrição e análise morfológica é justamente o tempo decorri-
do. Uma análise morfogenética envolve a combinação de exame de mani-
festações espaciais e de documentação que permitam, juntos, estabelecer
uma cronologia morfológica. Esse tipo de estudo torna-se especialmente
interessante nas cidades antigas, como as europeias, que acumulam e su-
perpõem uma grande quantidade de camadas de elementos de diferentes
safras, cada uma impondo às anteriores novas características e sofrendo
destas as mais diversas formas de restrição. Genericamente, uma análise
morfogenética expõe uma sucessão de área genéticas, quais sejam as uni-
dades de área adicionadas à cidade a cada fase de seu desenvolvimento.
Cada unidade genética pode ser descrita por seus atributos originais, se-
gundo um procedimento semelhante à classificação tipológica já apresen-
tada, bem como pelos atributos acrescentados pelas sucessivas safras de
elementos posteriormente adicionados a cada unidade.

As principais escolas de morfologia urbana


Gauthiez (2004) identifica as primeiras referências à forma física das
cidades enquanto fonte potencial de conhecimento sobre sua história e
contribuição à história da sociedade em Quatermère de Quincy, em 1832,

64
ao se referir a plantas e a mapas de cidades produzidos durante o perío-
do Bonapartista: “plantas de grupos de edificações, as praças e as ruas nos
permitem apreciar a estrutura espacial de uma cidade, mostram-nos se as
construções foram ordenadas já desde seu início de uma maneira regu-
lar e simétrica ou, ao contrário, resultando de causas fortuitas e relações
acidentais, deram origem a um ordenamento a ser visto como o produto
de uma multitude de arranjos individuais.” Quincy usou essas evidências
para basear suas proposições sobre desenho e planejamento das cidades.
Ao mesmo tempo, estudos sobre a forma das cidades eram levados
adiante na Alemanha, dos quais cabe destacar o trabalho de Stübben, que, ain-
da conforme Gauthiez, “contribuiu para o entendimento dos espaços urbanos,
com ênfase na análise tipológica de edificações e sobre a importância das redes
de transporte”. Outra contribuição considerada importante por Gauthiez foi
a de Fritz que, baseado na observação de que, apesar de haver à época uma
extensa literatura sobre a cidade, nada havia sido publicado sobre o seu corpo
físico propriamente dito, tratou de compilar e analisar mais de 300 plantas de
cidades. Esses autores detinham-se na análise de certas particularidades das
plantas das cidades, no afã de descobrir os limites originais de propriedades.
Nesse sentido, a forma urbana era, em si, um documento legal.
Após algum declínio, dos anos 30 até o fim da Segunda Guerra Mun-
dial, a teoria da forma urbana ganhou novo alento em países como Itália,
França e Inglaterra. Seus fundamentos têm a ver com o exame dos tipos ar-
quitetônicos, de um lado, e análise de plantas urbanas, de outro, que se ini-
ciaram de forma independente e, a partir de meados do século XX, passaram
a ser tratados conjuntamente. De sua articulação, surge o “tecido urbano”, ou
seja, a unidade morfológica básica de composição da cidade. O tecido urba-
no toma diferentes nomes e definições, sem, entretanto, se desviar dramati-
camente do conceito fundamental relativo à unidade morfológica revelada
pela articulação de um traçado viário, um parcelamento e uma ocupação
edilícia que respondem às mesmas regras compositivas. Apesar do uso de
terminologias bastante diferenciadas, o estudo da forma urbana tende a con-
vergir para análises morfográficas, ou seja, para descrições gráficas de assen-
tamentos urbanos, que possuem baixo teor explanativo.

A Escola Italiana
Os nomes mais conhecidos da morfologia urbana na Itália são o de
Savério Muratori e de seu discípulo Carlo Aymonino. Muratori iniciou seu

65
trabalho, nos anos 30, constatando que apenas plantas de cidades, como
até então havia sido conduzido o estudo da forma urbana, eram insufi-
cientes. Também o movia a rejeição às ideias do Movimento Moderno. Seu
método é de sistematização do estudo histórico dos tipos arquitetônicos,
como forma de análise dos tecidos urbanos, por ele denominada de “histó-
ria operativa” (Cataldi et al, 2002). Estudo histórico de tipos arquitetônicos
baseia-se na proposição de edificações existentes em um período históri-
co constituírem base para outras, que as sucedem, acumulando pequenas
modificações e constituindo, assim, uma espécie de linha evolutiva dos ti-
pos. Os tecidos urbanos, por sua vez, decorrem da combinação de uma
certa quantidade de edificações de um certo tipo e de suas variações, adap-
tadas à geometria das ruas, ângulos de esquinas, tamanhos de lotes, etc.
Com isso, Muratori associou o estudo da cidade à arquitetura.
Outros nomes importantes da história da escola de morfologia ita-
liana são Gian Franco Canniggia, Gian Luigi Maffei e Aldo Rossi. Embora
Muratori tomasse o estudo da forma urbana num escopo amplo e rigoroso,
sinalizando para a constituição de um campo de investigação autônomo,
o contexto em que ele se deu – as faculdades de arquitetura italianas que,
em geral, tinham o projeto como o objetivo mais importante – contribuiu
para que esse campo não se estabelecesse plenamente. Com isso, a pes-
quisa tipo-morfológica, como bem assinala Gauthiez, tende a ser fraca e
incapaz de oferecer contribuições tanto à ciência urbana quanto ao proje-
to arquitetônico e urbano. A produção atual está concentrada em estudos
empíricos que repetem os conceitos e métodos fundados por Muratori.

A Escola Francesa
Contemporaneamente a “Escola” francesa mais conhecida interna-
cionalmente é a da tipo-morfologia, inspirada pelos italianos e prevalente
nas escolas de arquitetura da França. Seus nomes mais conhecidos são J.
Castex, P. Panerai, J. Depaule e P. Céleste, que mantiveram durante vários
anos um grupo de pesquisa em Versailles. Também eles, concordando
com a proposição de Muratori de que a construção das cidades perdeu o
seu enraizamento cultural e social, buscam o desenvolvimento de uma au-
tonomia disciplinar para estudo da forma urbana (Castex, 1983). Também
eles miram esse campo disciplinar associado e de certa forma subordinado
à arquitetura e ao projeto. Focam preferencialmente os exames de parcela-
mentos do solo, a formação de quarteirões, os crescimentos e, naturalmen-
te, as tipologias edilícias. Não consta que os franceses tenham sido melhor

66
sucedidos do que os italianos na construção de uma disciplina autônoma
de morfologia urbana, embora tenham contribuído para uma melhor ins-
trumentação dos profissionais do desenho urbano. A emergência desta es-
cola ocorreu no final dos anos 70 e ofereceu produção significativa durante
os anos 80; atualmente demonstra menor dinamismo.
O estudo da forma urbana é também uma tradição da geografia fran-
cesa, principalmente através de Roncayolo e Rouleau, que desenvolveram
estudos sobre parcelamentos e lotes urbanos, tão detalhados e extensos
quanto aqueles dedicados às tipologias edilícias.

A Escola Inglesa
Diferente das escolas Italiana e Francesa, na Inglaterra morfologia
urbana é uma tradição da geografia; seu nome mais importante é M. R. G.
Conzen, que iniciou seu trabalho na década de 40. Seu método de descri-
ção e análise da forma urbana é baseado na noção de “plantas unitárias”,
um conjunto de lotes, edificações e quarteirões reconhecíveis como uma
unidade, em função das características das suas plantas, que diferem das
áreas adjacentes. Essas diferenças são explicadas pelas circunstâncias de
sua criação; com isso, se cria um sentido de plano genético da cidade, com
a identificação de todas as suas áreas unitárias, também denominadas de
regiões morfológicas, associadas às condições exteriores de sua produção.
Conzen deu muita importância à micromorfologia, estudo histórico de-
talhado envolvendo a definição dos limites de um lote, sua ocupação ao
longo do tempo, com sucessivas gerações de edificações e, eventualmente,
redefinição de limites. Também desenvolveu estudos nos chamados anéis
de periferia, onde a regularidade geométrica e histórica, verificada nas áre-
as mais centrais, inexiste. Nessas situações, a análise é dirigida no sentido
de estabelecer um “arcabouço morfológico”, ou seja, a de identificar ele-
mentos anteriores à urbanização que a influenciam, tais como limites de
propriedades rurais, caminhos formais e informais (Whitehand, 2001).
Outros nomes importantes da Escola Inglesa de morfologia urbana
são os de J. Whitehand, T. Slater e I. Samuels. Os primeiros mantêm um
centro de estudos na Escola de Geografia da Universidade de Birmingham,
enquanto o último baseia sua atividade acadêmica no Centro de Desenho
Urbano da Universidade Oxford Brookes.
Essa abordagem à forma urbana não é, entretanto, a única praticada
e desenvolvida na Inglaterra; uma importante e largamente influente linha

67
de pesquisa da forma urbana, baseada em espaço ao invés de em objetos,
tem sido desenvolvida em diversos centros de pesquisa ingleses. Sua ori-
gem é o Martin Centre for Urban Studies, um centro de investigação em
ciência urbana da Universidade de Cambridge, onde cientistas como L.
Martin, L. March e P. Steadman se destacaram ao realizarem estudos ge-
ométricos e topológicos urbanos, que vieram a constituir uma nova ma-
neira de entender a forma urbana. A estes seguiram estudos de B. Hillier e
J. Hanson, e mais recentemente, de M. Batty, na Universidade de Londres.
Essa abordagem será examinada em mais detalhes em capítulo subsequen-
te, que trata especificamente do espaço urbano.

68
MORFOLOGIA
DA CIDADE-COMO-OBJETO
4

Como se pode inferir, a análise tipológica urbana é dependente de pro-


cedimentos empíricos, de influências históricas e ideológicas da cultura ar-
quitetônica e urbanística e, ainda, da interpretação pessoal de quem realiza a
classificação e posterior análise. Para agravar ainda mais o quadro, a análise
tipológica sofre de crônica deficiência de instrumentos descritivos adequa-
dos à expressão requerida. Essa deficiência provavelmente decorre do conte-
údo simbólico incluído na análise tipológica, que oferece problemas para ser
adequadamente descrito. O empirismo inerente ao processo se deve a que
não existe, a rigor, uma teoria da forma urbana, capaz de alinhar os funda-
mentos de sua constituição e dinâmica. Sem essa teoria, a análise tipológica
depende da observação de casos empíricos, que passa sempre pela subjetivi-
dade de cada analista e, assim, precisa ser construída a partir do zero a cada
tentativa. O conhecimento gerado pela análise tipológica é sempre local e
particular, isto é, ilumina o caso em foco, mas não provê campo para qual-
quer generalização. Cada estudo começa e se esgota em si mesmo, e conse-
quentemente o conhecimento na área não progride.
Os critérios de evolução tipológica e de morfogênese parecem in-
suficientes mesmo para descrever os processos mais contemporâneos da
morfologia urbana. Evolução tipológica, particularmente, demonstra cla-
ramente ser incapaz de prover alguma evidência de alguma linha evolutiva
que tenha conduzido à maioria das manifestações arquitetônicas contem-
porâneas na área urbana. O movimento moderno e o que se seguiu pa-
recem ter realmente provocado a ruptura evolutiva desejada por alguns
de seus idealizadores, bem como estimulado a formação de uma cultura
arquitetônica e urbana pouco relacionada com a história pregressa, tanto
das formas construídas quanto da morfologia urbana. A morfogênese, por
sua vez, desvenda o fio evolutivo de uma cidade, sem, entretanto permitir
inferir nada a respeito da generalidade do processo descrito, deixando, as-
sim, incompleta uma possível teoria dessa evolução.
69
A possibilidade de constituir uma base mais objetiva para o campo, e
assim progredir na direção da constituição de uma ciência da forma urbana,
requer a existência de um corpo teórico mínimo e, consistente com ele, mé-
todos analíticos e instrumentos descritivos adequados. É evidente que nem
a noção de tipologia, mesmo considerando as suas derivações histórico-
evolutivas, nem a de morfogênese constituem-se em arcabouço teórico da
forma urbana. São, na verdade, métodos analíticos, que, devido a carências
descritivas, possuem baixo poder discriminatório e explanativo. Assim,
hoje, inexiste um sistema teórico-metodológico-instrumental estruturado
para suportar o desenvolvimento do campo de conhecimento da forma ur-
bana, pelo menos desde o ponto de vista de sua materialidade; há desen-
volvimentos teóricos e metodológicos robustos associados à espacialidade
urbana, como será demonstrado mais adiante. Não obstante, alguns elemen-
tos desse sistema podem ser delineados em caráter provisório e preliminar,
como fundamentos de uma provável teoria da forma urbana.
Rigorosamente, as duas únicas conquistas do método tipológico são,
em primeiro lugar, demonstrar que o caminho da análise morfológica é o
de explorar a diferenciação das formas elementares e agregadas urbanas –
e paradoxalmente para isso se valeu de meios que lhe permitiram reduzir,
e com isso tornar clara essa diferenciação. Em segundo lugar, sugerir que,
em termos genéricos, a forma urbana comportaria duas relações funda-
mentais, uma de semelhança, que conduz à formação de tecidos homo-
gêneos, e outra de diferença, que leva à formação de emergências ou de
exceções. Essas exceções, variando em escala e complexidade, permitem
supor alguma forma de hierarquia, segundo a qual não apenas as ocorrên-
cias excepcionais poderiam ser classificadas segundo algum tipo de gra-
diente, mas toda a manufatura urbana ganharia, com elas, um sentido de
globalidade e integridade. Como se vê, esses dois ganhos têm, respectiva-
mente, natureza metodológica e teórica, já que um aponta para formas de
representar o fenômeno, enquanto o outro sugere algo próprio da natureza
desse fenômeno. Pode-se partir daí.

Elementos para uma teoria da forma urbana


As várias abordagens apresentadas aqui anteriormente sugerem a
existência de duas forças, aparentemente opostas, mas na realidade com-
plementares, uma que conduz à padronização, e outra que produz diferen-
ciação. Padronização pode decorrer de vários fatores, sendo provavelmen-

70
te os mais importantes as safras e os projetos urbanos. As safras represen-
tam o espírito de um tempo, implicando aí demandas sociais, tecnologias
e materiais disponíveis e preferidos, imitação, tudo conduzindo à prefe-
rência por alguns tipos e modos de construir objetos urbanos; os projetos
atribuem a fragmentos urbanos alguma unidade de tratamento, pelo me-
nos de alguns componentes da forma, como espaço público, ou partição
fundiária. Diferenciação, por sua vez, também pode decorrer dos mesmos
fatores, uma vez que safras se sucedem no tempo, cada uma com seus atri-
butos, e projetos, como se sabe, são autorais, buscam a particularização e
dificilmente repetem os mesmos arranjos, mesmo sendo de um mesmo
autor. Além disso, a diversidade de requerimentos funcionais, as diferentes
escalas das inserções, as superposições de elementos de diferentes safras,
etc. colaboram para uma crescente diversificação.
Dessa forma, homogeneização e diferenciação são forças simultâneas
que estão na raiz do processo de constituição da forma urbana. Homogeneiza-
ção ocorre necessariamente em áreas, quando tecidos urbanos contendo um
determinado padrão cobrem superfícies do assentamento urbano. Essas áreas
serão de tamanhos diferenciados; os padrões apresentados em cada fragmen-
to poderão ser distantes uns dos outros quanto a seus componentes e regras,
mas serão necessariamente trechos de superfície urbana. Já a diferenciação
ocorre segundo pontos e linhas. Pontos podem ser qualquer emergência con-
centrada, desde as microscópicas caracterizadas como edificações isoladas, até
os grandes compostos de várias edificações e espaços abertos; linhas podem
ser simplesmente as justaposições de duas áreas homogêneas, ou elementos
axiais, tanto internos a áreas quanto limítrofes a elas.
Está suficientemente estabelecido que o padrão de uma área homogê-
nea corresponde à menor escala possível do tecido urbano, qual seja a de-
finição de componentes (espaços públicos, parcelas e formas construídas)
e a escolha de regras de articulação entre eles. Com isso, alguns compo-
nentes combinam-se entre si para formar agregados; qualquer segmento
desse agregado será autossemelhante, ou seja, possuirá as mesmas caracte-
rísticas de outros e do todo. Já as emergências ocorrem em outra escala, ou
seriam parte do padrão. Exceções pontuais e lineares constituiriam, assim,
um outro conjunto, superposto à(s) área(s) temática(s). Os elementos não
temáticos polarizam e tensionam a forma urbana devido justamente à sua
excepcionalidade, que favorece suas funções de referência espacial.
Pode-se ainda arguir a respeito da precedência entre padrão e exce-
ção, e isso pode ser examinado em duas instâncias, a da precedência tem-

71
poral, ou seja, se haveria uma ordem de alocação de componentes temá-
ticos ou excepcionais, e a da precedência espacial, qual seja, uma possível
diferença em importância de um ou de outro na constituição do tecido
urbano. Quanto à primeira, parece haver, na história da cidade e do urba-
nismo, suficientes exemplos de precedência temporal, tanto na auto-or-
ganização de cidades históricas quanto na elaboração de projetos de cida-
des, das duas alternativas. Com efeito, muitíssimas cidades formaram-se
a partir de pontos notáveis, preexistentes no território, como cruzamento
de rotas regionais, pontos de embarque, estações ferroviárias, etc. Da mes-
ma forma, há muitos casos de formação a partir de ocupações habitacio-
nais, loteamentos, ocupações espontâneas, caracteristicamente temáticas.
Os projetos urbanos têm, igualmente, exemplos de composição a partir dos
elementos excepcionais (como, por exemplo, Brasília) e a partir de uma ideia
geral de área temática (como Barcelona). Em qualquer dos casos, entretanto,
a origem em um ou em outro levou à formação complementar, reforçando a
hipótese de que são forças concomitantes e complementares. Isso leva, pelo
menos provisoriamente, a supor que a segunda instância, de importância
relativa, também seja regida pela complementaridade, isto é, que haja algum
tipo de reciprocidade e, assim, importâncias compartilhadas.
Partindo dessas noções básicas, é possível estabelecer uma prototeo-
ria da forma urbana nos seguintes termos:
a) a forma urbana resulta da articulação de três componentes funda-
mentais: as formas construídas, as parcelas de espaço privado e os es-
paços públicos. Esses três componentes são inquestionavelmente os
elementos fundamentais de construção da forma urbana, estando
presentes na totalidade do universo empírico, mesmo apresentando
muitas variações. As articulações entre eles, já discutidas aqui, po-
dem ser englobadas em quatro conjuntos de regras, respondendo por
todas as possibilidades de compor entre si formas construídas, espa-
ços públicos, parcelas de espaço privado e agregados compostos. Há
espaço para discutir a natureza e alcance dessas regras, o que vai ser
feito mais adiante, visto que o universo de possibilidades inclui desde
regras geométricas fixas até as equações paramétricas.
b) a forma urbana é constituída pela justaposição de dois compostos
fundamentais: as áreas temáticas e os pontos e linhas não temáticos,
ou excepcionais. Esse fundamento se vale da contribuição dada pelos
estudos tipológicos, como comentado anteriormente. A formulação
do fundamento, entretanto, exclui o sentido evolutivo normalmente

72
contido na tipologia, substituindo-o por uma outra forma de dinâ-
mica, como explicado no item 7, adiante.
c) áreas temáticas são fragmentos de tecido urbano constituídos a par-
tir do uso repetitivo de um número limitado de componentes fundamen-
tais – espaços públicos, espaços privados e formas construídas – dispostos
uns em relação aos outros segundo regras específicas, de maneira que o
tecido resultante apresente algum tipo de padrão ou regularidade. Aqui
a definição de área temática converge para a noção de tecido homogê-
neo, já conhecida. Não obstante, a definição dos componentes funda-
mentais deverá ser adaptada, já que esses componentes, ao perderem
seu sentido historicista e evolutivo, próprio dos estudos tipológicos,
aproximam-se de uma noção mais genérica de objeto. Uma morfologia
urbana feita de objetos geométricos mono, bi e tridimensionais é uma
que pode ser delineada a partir desta base prototeórica.
d) elementos não temáticos são componentes fundamentais – espaços pú-
blicos, espaços privados e formas construídas, isolados ou articulados em
conjuntos complexos – que não seguem as regras de formação de áreas
temáticas que lhe são adjacentes, seja por serem diferentes dos compo-
nentes-padrão, seja por usarem outras regras de articulação. As mesmas
definições, adaptações e restrições feitas à conceituação de área temá-
tica cabem aqui, aos elementos não temáticos. Serão, todos, objetos.
Note-se que a base teórica aqui em construção traz, já, um delineamen-
to básico do procedimento descritivo: áreas temáticas são polígonos,
elementos não temáticos são pontos e linhas. Esse delineamento des-
critivo deverá evoluir para métodos e técnicas mais apuradas que deem
conta da complexidade da forma e da dinâmica urbana escrutinada.
e) os pontos e linhas não temáticos, juntos, constituem um novo tecido, à es-
cala global, que, para diferenciar das áreas temáticas, pode ser denomina-
do de estrutura primária. Este enunciado avança em relação aos demais,
ao sugerir que os elementos não temáticos teriam também, semelhan-
temente aos elementos que compõem áreas temáticas, uma articulação.
Esta ocorreria em uma escala global, ou seja, constituiria um macroteci-
do que, além de relacionar entre si os diversos elementos, interconectaria
as diversas áreas temáticas, criando um organismo global.
f) a estrutura primária urbana articula a forma urbana na sua globali-
dade, polarizando e tensionando as áreas temáticas. Consequente com
o anterior, este enunciado sugere que a estrutura primária orienta, na
forma de polarização e tensionamento, as áreas temáticas, criando

73
pontos de referência, linhas de conexão entre pontos e linhas de adja-
cência entre áreas. Polarização e tensionamento são, aqui, conceitos
novos que demandam esclarecimento. Polo significa genericamente
um ponto de convergência de interesses, sejam de natureza funcional,
como os polos atratores de tráfego; simbólica, como os monumentos;
visual, como os landmarks, ou morfológica, como os elementos não
temáticos. É plausível supor que polos morfológicos sejam também
visuais, simbólicos, funcionais, embora não necessariamente todos
ao mesmo tempo. Tensões são linhas de convergência, ocorrendo e
operando de maneira similar aos polos.
g) áreas temáticas e estrutura primária são complementares, de tal forma
que, qualquer que seja a precedência, uma induz a formação da outra.
Este é o enunciado mais polêmico, já que substitui os já relatados con-
ceitos de evolução tipológica e de morfogênese. E o faz segundo um
critério inusitado, qual seja o de que uma manifestação morfológica
induz a formação de seu contrário. O fundamento teórico em que este
enunciado se apoia é o de que a forma urbana é um fenômeno gene-
rativo, ou seja, que emerge em função da ação descentralizada e des-
coordenada de muitos agentes individuais e de diferentes escalas ou
hierarquias. O fundamento generativo implica produção contínua de
uma manufatura feita por uma multidão de produtores, na qual a gran-
de maioria são muito pequenos, ou seja, têm capacidade mínima de
agregar novos elementos nessa manufatura, e uma pequena minoria
são muito grandes, e assim capazes de grandes transformações. A mas-
sa desses pequenos construtores é feita de moradores, pequenos em-
presários, profissionais, curiosos. Os grandes são o Estado, as grandes
empresas. Entre esses extremos pode se encontrar operadores da for-
ma urbana de todas as escalas e poderes, mas certamente distribuídos
segundo uma lei de potência sugerida pelos extremos: quanto maior a
escala do operador, menor sua quantidade.
É impossível dizer como age cada um desses operadores individu-
almente no que tange à sua motivação para inovar ou imitar, mas alguns
parâmetros coletivos podem ser adiantados. O primeiro deles se refere aos
micro-operadores, que poderão ser, inicialmente, tanto inovadores quanto
imitadores, mas dada a sua capacidade reduzida de transformação espa-
cial, sofrerão maiores restrições à inovação. Essa maioria também opera
no âmbito de parcelas individuais de terreno, fazendo com que suas even-
tuais inovações fiquem restritas parcelas do tecido preexistente. É claro

74
que inovações são esperadas também nesse nível de operação; entretanto,
elas são muito mais decorrentes dos efeitos de safra, quer dizer, pequenas
inovações no arranjo formal, uso de materiais e técnicas, que ocorrem
com o tempo, mas que são compartilhadas pela maioria dos operadores a
cada tempo, justamente constituindo o efeito safra. Então, da maioria dos
operadores se espera uma predominância de imitação sobre inovação, e
inovações na escala micro, no interior de áreas temáticas, que conduzem,
ao longo do tempo, mais à complexização do tema do que à geração de
elementos primários. Quando a operação de pequenos agentes individuais
ocorre fora de uma base urbana preexistente, como é o caso dos chama-
dos assentamentos irregulares, o resultado é uma homogeneidade ainda
maior, constituindo novas áreas temáticas precisamente caracterizadas.
No outro extremo, os grandes agentes têm dois tipos de diretrizes de
ação dicotômicas: grandes operações que geram regularidades e também
grandes operações que geram elementos primários. O maior desses opera-
dores, o Estado, age exatamente dessa forma: de um lado, institui códigos
que limitam a liberdade de outros agentes e contribuem para a regularida-
de; de outro, operam diretamente criando, na maioria das vezes, elementos
primários, como estruturas viárias de grande porte, equipamentos urba-
nos e monumentos. Os grandes agentes privados operam de forma similar,
ora criando grandes estruturas homogêneas – loteamentos, condomínios,
edificações em série –, ora grandes elementos primários – equipamentos
urbanos, indústrias. Cada grande operação, seja de que tipo for, desenca-
deia processos de atualização da forma urbana, segundo os vetores de pa-
dronização e de diferenciação: as novas áreas homogêneas manterão sua
base viária e possivelmente fundiária, responsáveis pelo padrão macro, e
ganharão, com o tempo, uma diversificação da forma construída. Os no-
vos elementos primários, quando ocorrem no interior da forma urbana já
existente, polarizam ou tensionam-na em intensidades compatíveis com
sua escala, fazendo com que novos elementos primários ocorram associa-
damente, elevando a hierarquia da estrutura primária na região e acele-
rando a heterogeneização das áreas temáticas adjacentes; quando ocorrem
fora dos limites da forma urbana existente, polarizam ou tensionam con-
tribuindo para a ocupação do vazio criado entre si e a cidade, facilitando o
aparecimento de novas áreas homogêneas.
Como se vê, a noção de efeito generativo, aplicada à morfologia
urbana, provê base teórica robusta o suficiente para permitir deduzir o
enunciado que explica a dinâmica da forma da cidade. Tal enunciado é

75
compatível com a noção de não precedência, isto é, independe de que ele-
mento constitui a origem do assentamento, como também com o proces-
so evolutivo baseado em safras e tensão histórica. Como visto, safra pode
ser vista como o espírito de um tempo, que se expressa através de uma
maneira peculiar de construir cidade. Isso, em princípio, seria um vetor
de homogeneidade; entretanto a superposição de diferentes safras, como
ocorre quando uma geração de edificações é substituída por outra, produz
diferenciação. Tensão histórica é o conhecido processo de contínua adap-
tação do ambiente construído, em função da (mais) rápida evolução das
demandas sociais. O enunciado é consistente também com a construção
da cidade através de projetos, os quais, na escala urbana, tendem a gerar
padrão, e na escala arquitetônica, diferenciação. O enunciado é, ainda,
consistente com o crescimento urbano por fragmentos, ou seja, um tipo de
crescimento por adição de agregados compostos.
O enunciado relativo à dinâmica da forma urbana, na formulação
apresentada anteriormente, mesmo sendo capaz de explanar genericamente
o mecanismo de construção da forma urbana, é ainda incompleto porque
não permite inferir nem a localização, nem os portes nem as sequências de
ocorrência das áreas temáticas e da estrutura primária. Essa inferência te-
órica somente poderá ser produzida quando à manufatura urbana for adi-
cionada outra instância de constituição da morfologia urbana, a saber, a sua
estrutura espacial. Essa instância será apresentada mais adiante, quando a
teoria geral da forma urbana delineada neste livro será integralizada.
Como se pode perceber, a prototeoria acima delineada possui (quase)
todos os elementos necessários à explanação do fenômeno: a identificação
dos componentes fundamentais, a definição de regras de associação entre
componentes, a articulação das partes compostas em um organismo e, fi-
nalmente, a dinâmica fundamental, que conduz à mudança. Note-se que
a teoria define uma estrutura abstrata capaz de explicar todas as formas
urbanas concretas. Nesse sentido, a teoria da forma urbana aqui delineada
refere-se a um esquema, que gera qualquer forma urbana possível, mas
não uma forma definida. A teoria é o genótipo de todas as formas conheci-
das, que passam a ser, então, seus fenótipos. Não há nada nela que restrin-
ja o formato nem a composição de cada área temática, nem seu número,
como não há com relação à estrutura primária; não obstante ela contém a
totalidade das manifestações. A Figura 21 representa esse esquema geral
da morfologia urbana, que também poderia ser muito bem representada
pelo sinal mais antigo já utilizado para simbolizar a cidade. Usualmente,

76
Figura 21. A – Diagrama que expressa o enunciado fundamental da teoria da forma urbana; B – Símbolo mais antigo
já usado para designar a cidade; C – O mesmo signo reinterpretado segundo a teoria geral da forma urbana.

ele tem sido “lido” como sendo um círculo com uma cruz central, entre-
tanto a teoria da forma urbana aqui apresentada propõe uma releitura,
como sendo uma estrutura primária de um ponto e duas linhas, que arti-
culam quatro áreas temáticas, ou seja, o esquema geral da forma urbana.

Os objetos da forma urbana


A cidade é uma obra plena de propósitos; tudo nela tem significados,
funções, utilidades. Ao mesmo tempo, dada a sua persistência no tempo,
ela ainda agrega valores. As pessoas já nascem no seu interior, em intera-
ção desde o início, construindo seu universo de referências a partir dela.
Os símbolos, significados, valores e utilidades vão se acumulando e multi-
plicando de tal maneira que, após gerações, a forma urbana equivale a um
repositório de ícones públicos e privados. Tudo isso é muito importante
para a formação de uma cultura, o desenvolvimento econômico, a eficiên-
cia da vida cotidiana, e até para a consolidação da democracia, entretanto
pode se constituir em grandes obstáculos para o estudo da morfologia. No
afã de mais corretamente descrever e interpretar a forma urbana, o analista
frequentemente se envolve num emaranhado de atributos aderidos a cada
componente dessa morfologia. Muitos desses atributos são justamente as
ligações que a forma da cidade tem com suas outras múltiplas dimensões.
Não são atributos da forma e, sim, da história, da sociedade, da cultura, da
economia, das artes ou de política que tomaram e tomam lugar ali. Muitos

77
desses atributos não pertencem à forma urbana em si, mas são represen-
tações particulares dessa forma, feitas por uma pessoa, ou por milhares
de pessoas ao longo de tempo. A inclusão dessa multitude de dimensões
adquiridas pela cidade ao longo de sua história tem o efeito de alargar o
escopo descritivo e analítico, além de trazer para o centro da questão inú-
meros problemas interpretativos, já que valores, significados e utilidades
mudam com o tempo, com as gerações, para não falar da sua dependência
à visão de mundo do próprio analista. O resultado de um estudo assim
é frequentemente uma narrativa cultural e histórica. A expressão “narra-
tiva” está usada aqui para designar algo diferente de uma descrição. Esta
tem por compromisso a realidade, enquanto aquela inclui componentes
do imaginário, que podem ou não ser parte relevante do estudo.
A prototeoria geral da forma urbana aqui delineada procura justa-
mente despir a cidade de todas as suas camadas de significados, simbolis-
mos, valores e utilidades, para, chegando ao âmago do material e concreto,
evoluir daí para uma representação da forma da cidade segundo ela mes-
ma. Nas narrativas culturais e históricas, uma edificação é uma entidade
que tem idade, autor, funções, história, significado, valor, estilo; na des-
crição morfológica é apenas um objeto tridimensional com características
geométricas e configuracionais. Nas narrativas culturais e históricas um
espaço é um lugar, ou seja, uma entidade com personalidade própria, com
um passado povoado de personagens, enquanto na descrição morfológica
ele é apenas outro objeto, bidimensional. Sendo objetos que se combinam
para formar um agregado, suas características são objetuais, ou seja, relati-
vas à forma, à dimensão a outras propriedades geométricas.

O conceito de área temática


Voltando, agora, àquela noção de tecido homogêneo, agora rebatizado
de área temática, é necessário reexaminar como ela se constitui, desde o pon-
to de vista objetual. Pode-se dizer que numa área temática há dois grandes
conjuntos de objetos, os bidimensionais e os tridimensionais. Mais adiante,
serão introduzidos objetos uni-dimensionais e adimensionais, mas já em
outra instância de representação. Objetos tridimensionais são os mais fáceis
de serem identificados e reconhecidos; qualquer fragmento urbano os terá
em profusão, isolados ou agregados. Talvez os agregados ofereçam alguma
dificuldade de identificação, mas, em última análise, serão sempre objetos
autônomos, ou seja, independentes uns dos outros, mesmo que estejam co-
lados e compartilhando uma aresta ou ainda um único ponto.

78
O agrupamento de centenas, ou milhares de objetos tridimensionais em
grupos, similar ao que já foi praticado na análise tipológica, é um recurso va-
lioso para reduzir o número de variáveis, cuja operacionalização se torna bem
mais simples. Com efeito, os objetos têm atributos de dimensões e proporções;
é bem possível que cada um tenha um conjunto de características geométricas
único, entretanto contando com a vantagem de ser esse o critério de diferen-
ciação, a classificação se torna mais simples. Uma das técnicas de classificação
é a que cria categorias; para isso, se toma o menor e o maior objetos existen-
tes no conjunto, define-se-os como os limites inferior e superior e divide-se
o intervalo em tantas categorias quantas se queira. Um exemplo simples des-
se procedimento é a classificação por altura ou por número de pavimentos;
o limite inferior é evidentemente um pavimento, sendo o superior igual ao
número de pavimentos da edificação mais alta. Pode-se tanto estabelecer um
critério de categorização pelo próprio número de pavimentos, com o que a
classificação terá tantas categorias quantos forem os pavimentos da edificação
mais alta; alternativamente, pode-se estabelecer outra forma de grupamento,
como, por exemplo, um grupo reunindo as edificações até dois pavimentos,
outro de três a cinco, outro de seis a dez e outro acima disso. O uso de crité-
rios múltiplos pode ser aventado, quando então uma sequência de atributos
deve ser estabelecida. Um exemplo disso seria o uso da altura combinada com
proporção. Algumas categorias relativas à altura, como no exemplo acima, são
então combinadas com algumas outras relativas à proporção. Se para este atri-
buto se estabelecem, por exemplo, três grupamentos (predomínio da dimen-
são horizontal, equilíbrio e predomínio da dimensão vertical), haveria quatro
categorias relativas à altura e três categorias relativas à proporção, resultando
em doze possíveis grupamentos (embora, na prática, haveria menos, já que
altura e proporção são variáveis interdependentes).
Objetos bidimensionais apresentam uma dificuldade adicional, par-
ticularmente no domínio do espaço público, já que ele é contínuo. Efetiva-
mente, a divisão do espaço público em entidades discretas envolve algum
tipo de convenção; na vida cotidiana das cidades, os urbanitas dispõem de
algumas categorias consagradas na linguagem, como “rua”, “avenida”, “pra-
ça”, “largo”, “beco”, “parque”, etc., e nomes ou números para individualizar
dentro de cada categoria. Como logo se percebe, há uma grande dose de
ambiguidade nesse tipo de divisão e de denominação. Outras alternativas
têm sido utilizadas, talvez mais precisas na sua definição, mas todas são,
em última análise, convenções que respondem a diferentes princípios. Não
obstante, algum tipo de convenção é efetivamente necessário para tornar

79
discreta uma entidade de características de continuidade. Uma vez esta-
belecido o critério de divisão, classificação a partir da forma, dimensões e
proporções podem também ser usadas para reduzir a complexidade.
Regras de articulação usadas repetidamente para agregar espaços pú-
blicos, formas construídas e parcelas de espaço privado e, ainda, para com-
binar agregados são o outro elemento necessário para a geração de uma área
temática. Pode-se discutir a prevalência entre os agregados dos três compo-
nentes fundamentais da forma urbana: já foi lembrado que a rede formada
pelos espaços públicos é o agregado de maior durabilidade, virtualmente
perene; que a partição fundiária é o segundo agregado mais durável, e que a
forma construída é a menos durável. Considerando que uma área temática
apresenta granulosidade em duas escalas simultâneas, quer dizer, mostra
uma divisão macro, dada pelo sistema de espaços públicos e outra micro,
dada pelo parcelamento do solo e forma construída, pelo menos uma dessas
formações é próxima do permanente, justamente aquela dada pela rede de
espaços públicos. Sobre e a partir dela, uma ou várias outras podem ocorrer,
conforme a divisão do solo em parcelas e a geometria da forma construída.
Outro aspecto importante, decorrente da teoria geral da forma ur-
bana proposta, é quanto ao limite conceitual de área temática. Com efeito,
pode-se supor uma área temática, originalmente definida com perfeição
na instância macro, pelo sistema viário e parcelamento, e na instância mi-
cro, pela forma construída, evoluir. Para isso, é suficiente que uma ou mais
safras de formas construídas ocorra em substituição parcial à original. A
primeira edificação de uma safra diferente da original será obrigatoria-
mente um elemento não temático, que pontua, mas não altera, a área temá-
tica essencialmente. Se essa edificação é replicada muitas vezes, ela pode
desestabilizar a área temática, de três formas: a primeira pela introdução de
um novo tipo edilício que altera a composição do tema, inclusive podendo
dividi-la em duas, caso o novo tipo edilício ocorra concentradamente; a
segunda pela substituição de virtualmente todas as edificações originais, o
que além de alterar o tema, transforma os (poucos) remanescentes das edi-
ficações originais em elementos não temáticos; e a terceira acrescentando
a qualquer uma das alternativas anteriores uma nova relação tipo-mor-
fológica, que ocorre quando a nova edificação é inserida guardando uma
relação diferente da original com relação às outras edificações, ao lote e ao
espaço público. Dessa maneira, uma área temática pode evoluir para uma
maior complexidade e mesmo para uma subdivisão em temas diferencia-
dos, como efetivamente parece ser o destino de muitas áreas urbanas.

80
O conceito de estrutura primária
A noção de “elemento não temático” remete imediatamente às coisas
excepcionais e espetaculares da forma urbana, como os grandes monumen-
tos, os espaços memoráveis, etc., e isso tudo, efetivamente, é parte da estrutu-
ra primária; entretanto, o conceito envolve uma relatividade que precisa ser
cuidadosamente considerada. No âmbito de uma área temática, pode ocor-
rer um elemento não temático que, de tão trivial, até pode ser parte do tema
de uma outra área da mesma cidade. A noção de excepcional, então, não
está necessariamente associada à de original, único, mas sim a um confronto
entre algum tipo de regularidade e alguma excepcionalidade. Num extremo,
podem-se encontrar as monumentais excepcionalidades, como, por exem-
plo, a celebrada sequência de elementos urbanos originais e memoráveis de
Paris, que se inicia com o Louvre e finda no grande arco da Defense, ou a
de Londres, que vai da Casa do Parlamento ao Hyde Park. No outro extre-
mo, pode-se encontrar o modesto edifício de quatro ou cinco pavimentos,
igual a centenas ou milhares de outros da cidade, mas que aparece numa
vizinhança de moradias individuais térreas, ou a pracinha, igual a dezenas
de outras, que aparece em meio aos quarteirões de mesma geometria, porém
particionados em lotes e ocupados por edificações.
Essa diversidade de ocorrências possíveis conduz à necessidade de
considerar a estrutura primária fundamentalmente hierárquica na sua na-
tureza, ou seja, que polariza e tensiona desde o menor fragmento urba-
no até a cidade como um todo. Outro ponto fundamental dessa estrutura
é a sua articulação. Fala-se aqui de sua constituição genérica de pontos e
linhas, ou seja, ocorrências morfológicas nodais e axiais, as quais, entre-
tanto, apareceriam no contexto urbano combinadas entre si, formando,
então, a chamada estrutura primária. Essas articulações ocorrem segundo
um número limitado de arranjos possíveis: plurinodais, pluriaxiais, axo-
nodais, segmentados e globais.
Os arranjos plurinodais, como o nome indica, são aglomerações de
polos morfológicos, compondo nós complexos, ou centros. A expressão
“centro”, normalmente utilizada na teoria urbana para representar uma
aglomeração de serviços de naturezas diferentes e que polarizam diferentes
segmentos da população, pode ser utilizada também neste caso, em que di-
ferentes polos ocorrem justapostos ou mesmo superpostos. Já foi sugerido
anteriormente que a ocorrência de um polo morfológico tem um poder de
indução sobre outros, fazendo com que haja uma tendência de aglomera-

81
ção e formação de centros morfológicos. Os arranjos pluriaxiais também são
ocorrência comum nas cidades; muitas que nascem de entroncamentos vi-
ários regionais já têm, portanto, sua estrutura primária segundo um arranjo
pluriaxial na sua origem. Muitas veem se formar um arranjo desse tipo à me-
dida de seu crescimento, porque a expansão da manufatura urbana impõe a
certas vias concentração de fluxos e, com ela, demanda por transformações
geométricas e de regime de uso. Os arranjos combinados também são co-
muns, quando ocorre a associação de diferentes polos a eixos.
Essas três situações clássicas podem, por sua vez, ocorrer na macro-
escala de forma segmentada ou global. Entenda-se por segmentada uma
configuração da estrutura primária que não possui todos os seus elemen-
tos completamente conectados, tendo, obviamente por alternativa a con-
figuração global, em que todos estão ligados num único arranjo. A ten-
dência é haver uma estrutura primária global, conectada; entretanto, a sua
segmentação pode sempre ocorrer, em virtude da ação descentralizada e
descoordenada dos operadores da forma urbana. Considerando, entretan-
to, a natureza dinâmica e contínua dessa operação, a segmentação, ou seja,
a emergência de um elemento excepcional desligado da estrutura primá-
ria, uma vez ocorrida, concorre para a formação de novos elementos, de
forma que a segmentação acaba em conexão. Claro que, ao mesmo tempo,
novas emergências desconectadas ocorrem, fazendo com que sempre haja
situações de desconexão da estrutura primária.
É possível se pensar também em padrões macro da estrutura
primária, a partir dos modos de arranjo de seus elementos, como, por
exemplo, uma estrutura predominantemente axial, como ocorre na maio-
ria das cidades e que tem como um dos mais celebrados exemplos a cidade
de Paris, resultante dos planos de modernização de Haussman. Há, entre-
tanto formações predominantemente nodais, como as cidades muçulma-
nas antigas, e, até certo ponto, Veneza. A predominância de um ou de ou-
tro modo não elimina e existência concomitante do outro, já que arranjos
plurinodais demandam necessariamente ligações internodais.
Finalmente, pode-se considerar uma possível classificação da estru-
tura primária segundo a complexidade de seus arranjos e, a partir disso, a
constituição de uma hierarquia interna (que discrimina a estrutura primá-
ria segundo seus subconjuntos hierárquicos) e externa (que discrimina di-
ferentes cidades pelas suas estruturas primárias, hierarquicamente). A ma-
neira mais simples e direta de contemplar a hierarquia interna da estrutura
primária é discriminar os arranjos segundo o número, tipo e dimensão de

82
seus componentes. Arranjos plurinodais, por exemplo, podem ser feitos
com quantidades diferentes de componentes diferentes – espaços abertos
e formas construídas –, de dimensões diferentes. O cômputo dessas três
variáveis – quantidade, tipo e dimensão – pode oferecer um critério só-
lido para estabelecer a sua ordem, ou seja, a sua posição hierárquica. As
formações pluriaxiais e axonodais são igualmente passíveis de ordenação
segundo os mesmos critérios. Pode haver alguma dificuldade em identifi-
car arranjos deste ou daquele tipo numa estrutura conectada, já que, por
definição, ela seria unitária. Para que isso seja resolvido, basta adotar como
critério de circunscrição de um arranjo a abrangência de seu maior com-
ponente. Se há uma via pública (axial), um espaço aberto ou edificação
(nodal) dominante, o arranjo pode ser definido a partir daí, constituído
por todos os componentes adjacentes a esse elemento dominante.
Os arranjos, por sua vez, estarão distribuídos espacialmente de algu-
ma forma e, se essa distribuição privilegiar a conexão imediata (adjacen-
te) de dois ou mais arranjos de ordem mais alta, ocorre um superarranjo.
Por esse caminho, toda a estrutura primária urbana pode ser classificada,
possibilitando a emergência de uma ordem urbana global. O interessante
desse procedimento é que, pelo uso de critérios quantitativos, permite um
alto grau de discernimento dessa estrutura e, mesmo, algum poder pre-
ditivo, à medida que permite avaliar o impacto da inserção ou subtração
de qualquer elemento, bem como comparar alternativas de localização de
novos elementos.

83
DESCRIÇÃO E ANÁLISE MORFOLÓGICA
BASEADA EM OBJETOS
5

Descrever a forma urbana com rigor não é tarefa fácil. As principais


dificuldades parecem ser, primeiro, de articular diferentes escalas, já que
“forma urbana” abrange, em princípio, desde detalhes de fachada de uma
edificação, até a totalidade de uma manufatura que pode cobrir milhares
de hectares de território. A segunda envolve a seleção e organização de
informação diversificada; a terceira envolve a escolha de linguagens ade-
quadas a cada escala e cada tipo de informação. A tradição dos estudos
urbanos ligados à forma tem sido privilegiar as linguagens icônicas e sim-
bólicas. Ícones, como fotografias e desenhos figurativos, conquistam pre-
ferência por aparentarem capacidade de expressar uma globalidade, por
trazerem juntas todas as informações, todas as dimensões, o que realmente
conseguem. Uma boa fotografia, uma maquete ou o desenho de uma cena
urbana, como bem demonstrou Cullen (1961), têm o poder de sintetizar
certo espírito do lugar, enfatizar uma certa articulação de partes, como ne-
nhuma outra forma descritiva. O problema com a linguagem icônica, e
sempre há um, é que, ao reproduzir, ou tentar reproduzir o todo visível,
não discerne as várias camadas de informação e transfere ao observador
a tarefa de fazê-lo. Assim, cada observador vê o que quer, ou seja, lê a des-
crição da maneira como melhor lhe aprouver, ou da maneira como os seus
próprios códigos lhe permitem fazê-lo. Isso, em outras palavras, significa
que as linguagens icônicas privilegiam a subjetividade de cada observador,
em detrimento da objetividade interobservadores. Os ícones são “largos”
e “rasos”, quer dizer, abrangentes quanto aos diferentes tipos de atributos
dos objetos urbanos, porém pouco analíticos.
Linguagens simbólicas promovem reduções, já que, deliberadamen-
te, escolhem quais atributos do objeto desejam descrever e o fazem me-
diante o uso de símbolos, daí o nome. Mapas são o melhor exemplo de

85
representações simbólicas de assentamentos urbanos. Um típico mapa de
ruas de uma cidade reduz enormemente a quantidade de informação que
uma maquete teria, por exemplo, mas, em troca, faz alguns ganhos, como
a economia de informação, a portabilidade, a clareza, etc. Os símbolos per-
mitem que se expressem não apenas o visível imediato, mas também os
atributos invisíveis, por assim dizer, dos objetos. Um exemplo disso são
os mapas viários, que permitem ao leitor distinguir vias pavimentadas de
não pavimentadas, rodovias de ferrovias, vias mais importantes de menos
importantes. A linguagem simbólica, ao se basear em seleção de informa-
ção, ganha até na omissão, como muitos mapas viários que se tornam le-
gíveis exatamente por omitirem algumas, às vezes muitas, vias urbanas.
A linguagem simbólica, ao se basear em seleção de informação, perde em
abrangência, mas ganha em profundidade, ou seja, descreve apenas alguns
atributos do objeto, mas o faz de maneira mais detalhada, analítica.
Além destas, as linguagens verbal e matemática também são usuais em
descrições da forma urbana, geralmente associadas às icônicas e simbóli-
cas, tanto complementando-as no que se refere às chaves para interpreta-
ção, quanto explicitando resultados de leituras e análises. De maneira geral,
a linguagem matemática é mais facilmente associada à simbólica, enquanto
a verbal é mais necessária à icônica. Ambas podem, não obstante, ser usadas
independentemente, em descrições puramente matemáticas ou verbais. As
descrições matemáticas são, por razões óbvias, mais precisas e abstratas; as
áreas de geometria, geometria analítica, álgebra, teoria de grafos tendem a
ganhar preferência. É comum encontrar formas urbanas descritas através de
grafos ou compostos geométricos, mas também está se tornando comum
descrevê-las e experimentá-las com equações paramétricas. Há, ainda, a lin-
guagem computacional, ou algorítmica, cada vez mais usada. Dadas as enor-
mes possibilidades de explorar atributos e propriedades urbanas através de
recursos computacionais, as linguagens simbólica, matemática e algorítmica
tendem a ser utilizadas com mais frequência.

Descrição da forma urbana


Toda a argumentação aqui apresentada até este momento sugere uma
leitura da forma urbana a partir dos seus (menores) componentes, sua clas-
sificação em categorias, classes ou tipos, passando a seguir pelas regras de ar-
ticulação no âmbito de cada um dos três domínios fundamentais do espaço
público, espaço privado e forma construída, seguindo para a articulação do

86
tecido urbano, para, já numa escala mais agregada, verificar a conformação
da estrutura primária e finalmente chegar à ordem morfológica. Essa racio-
nalização também sugere, por analogia, que a descrição da forma urbana
deva se dar segundo essa sequência, e isso é, efetivamente, uma possibili-
dade. Para isso, o operador deveria cadastrar cada componente individual
– todas as edificações, todas as parcelas de espaço privado, todos os espaços
públicos – segundo um conjunto abrangente de atributos geométricos para,
num segundo momento, escolher o critério de classificação (o conjunto de
atributos que se mostrar ter o maior poder de discriminação para aquela si-
tuação) e proceder à classificação; identificar todas as formas de articulação
intradomínios e interdomínios existentes, para então reconhecer as áreas te-
máticas, a estrutura primária e a ordem morfológica.
Essa opção foi largamente praticada, ao tempo em que o morfologista
dispunha de meios muito restritos para elaborar o seu trabalho. Na me-
lhor das hipóteses, podia contar com mapas cadastrais, com fotos parciais
e complementava isso com trabalho de campo e, com sorte, com vistas aé-
reas tomadas de pontos elevados. Hoje, entretanto, as fotos orbitais, dis-
poníveis virtualmente para qualquer ponto do globo, mudaram isso. Com
visões aéreas impressionantemente detalhadas, a descrição da forma urba-
na pode, com ganhos, passar por procedimentos inversos aos anteriores,
como vai ser ilustrado a seguir.

Pontos e linhas, grandes áreas


A partir de uma foto orbital de alta definição, é possível fazer uma
abordagem à área de estudo de fora e desde cima, em amplificações cres-
centes até ao ponto de identificar veículos e detalhes das edificações (reso-
lução de sessenta centímetros). Com isso, as regularidades e emergências
nas maiores escalas são mais fácil e primeiramente capturáveis. Pontos e
linhas de grande proeminência, bem como de alto grau de excepcionali-
dade, são claramente visíveis, assim como alguns dos temas mais recorren-
tes do tecido. Dessa maneira, o caminho preferencial para proceder a uma
descrição é o que inicia pela identificação da estrutura primária, seguida
das mais claramente discerníveis áreas temáticas, finalizando pela identifi-
cação de componentes – o espaço público é, em grande parte, divisável nas
fotos orbitais, mesmo boa parte das formas construídas o é, e ainda parte
das regras de articulação.

87
O analista pode identificar, através de atributos geométricos como
largura, extensão e geratriz, os espaços públicos axiais claramente excep-
cionais mesmo de uma grande altura – em cidades com granulosidade mé-
dia, como Rio de Janeiro, Nova Iorque ou Porto Alegre, isso ocorre em al-
turas de mais de seis mil metros. O distanciamento (zoom out) é um ótimo
recurso para visualizar isso, já que os detalhes desaparecem, os pequenos
elementos se fundem, e permanecem apenas os grandes elementos. Uma
sequência de captura compatível com essa abordagem é a que segue:
a) linhas detectáveis à grande escala1: limites de território, limites de
urbanização, grandes linhas rodoviárias, ferroviárias, linhas divisó-
rias entre áreas temáticas. Alguns limites de território são claramente
divisáveis, como linhas de água, morros; limites de urbanização são
igualmente detectáveis. As grandes vias, pela sua geometria, parti-
cularmente largura, algumas vezes extensão e também geratriz – re-
gularidade de traçado, continuidade geométrica, são elementos pri-
mários facilmente identificáveis. As linhas divisórias entre diferentes
áreas temáticas podem ou não ser identificadas nessa escala; as mais
facilmente observáveis são aquelas diferenciações decorrentes de ge-
ometria do sistema viário e de seu grão decorrente. Com efeito, as
mudanças de disposição do traçado viário, mesmo que as vias pro-
priamente ditas sejam do mesmo tipo, são muito claramente iden-
tificáveis à grande altura. Igualmente, mudanças de grão do sistema
viário, ou seja, as diferentes dimensões dos quarteirões decorrentes
da disposição das vias, podem ser identificadas desde logo.
b) pontos detectáveis à grande escala: interseções entre grandes vias,
grandes espaços abertos, porções irregulares de terra definidas pelo siste-
ma viário, compostos excepcionais, edificações excepcionais. Cruzamen-
tos viários e espaços abertos são pontuações facilmente identificáveis
na forma urbana nas grandes escalas. Alguns eventos, como quartei-
rões com forma peculiar – muito grandes, muito pequenos –, ou de
forma particular, desde que inseridos numa regularidade baseada em
outros tamanhos e-ou formatos, são distinguíveis, como o são alguns
arranjos de espaços abertos e edificações, ou apenas edificações.
O resultado desta primeira seleção, feita a partir dos maiores ele-
mentos da forma urbana, deverá produzir um delineamento parcial da

1
Entende-se aqui como “grande escala” aquelas que promovem grandes reduções do objeto
representado. Assim, uma escala 1:10.000 é considerada “maior” do que uma escala 1:10

88
estrutura primária, que, junto com as grandes diferenciações do siste-
ma de espaços públicos, contribuem para a delimitação de grandes áreas
temáticas. Essa primeira configuração pode ser refinada, ainda no âmbito
das imagens orbitais digitais, mediante uma redução de escala (zoom in):
c) linhas com diferenciação geométrica ou posicional: graus menores
de diferenciação geométrica e posicional podem ser identificados a
menores escalas, as quais podem determinar a delimitação de novas
áreas ou referências de tensão interna a áreas já delimitadas.
d) pontos: espaços abertos, edificações ou compostos de menor escala
ainda podem ser vistos nas imagens orbitais.
e) subdivisões temáticas: alguns padrões de composição e distribuição da
forma construída podem ser observados nesta instância, como dimen-
sões da planta e mesmo altura, se a diferenciação for grande o suficiente.
Regras de articulação são também, na maioria das vezes, identificáveis.

Áreas temáticas, pequenos elementos


De posse do mapeamento obtido conforme procedimentos sugeri-
dos acima, a descrição da forma urbana pode ser completada, desta vez, in
loco, com especificação de cada área temática, ajuste de limites, a captura
de elementos não temáticos mais finos. As áreas temáticas representam o
maior esforço, visto que informação muito detalhada é requerida. Pode ser
elaborada a partir dos componentes, como sugerido originalmente, com
o conhecimento prévio provido pelas etapas anteriores, a fixação dos cri-
térios geométricos relevantes e a classificação dentro de cada domínio. A
seguir, são estabelecidas as regras de articulação intradomínio. No âmbito
do espaço público – o primeiro domínio a ser examinado –, certamente o
analista vai se deparar com um ou mais dos padrões básicos de articulação,
quais sejam, a grelha, o pátio, a árvore e o labirinto.
Grelhas e labirintos são configurações mais comuns e mesmo podem
frequentemente aparecer combinadas. Com efeito, uma das chamadas de-
formações das grelhas é justamente aquela causada por descontinuidade de
alguns dos seus elementos, resultando em interseções tipo “T” e “L”, caracte-
rísticas do labirinto, em substituição às interseções em “+”. Os espaços públi-
cos predominantes em três das quatro possíveis formações são basicamente
axiais, ou seja, lineares, e podem ser classificados segundo suas dimensões
“L” e “C”. Formando grelhas, eles obedecerão a uma regra de articulação ba-
seada em duas variáveis: a malha e a angulação. A malha é o polígono con-

89
vexo básico formado pela articulação das vias; sua forma mais tradicional é
a retangular, que determina duas dimensões básicas e uma angulação orto-
gonal. As dimensões podem ser iguais, obviamente, quando então a malha
é quadrada, e a relação entre as dimensões pode ser fixa, quando todos os
polígonos terão as mesmas dimensões, ou paramétrica, quando elas variam
segundo uma determinada função. A angulação pode, partindo do ortogo-
nal, sofrer deformação uniforme, quando gera polígonos iguais, ou paramé-
trica, quando o ângulo de incisão de um subconjunto de linhas sobre outro
varia crescente ou decrescentemente. Nesse caso, a malha, se é que se pode
usar ainda aqui essa expressão, resulta em polígonos de dimensões diferen-
tes. Outras malhas podem eventualmente ser utilizadas – triangulares, hexa-
gonais, etc., com angulação fixa ou paramétrica.
Labirintos, descrevendo uma configuração menos regrada que a gre-
lha, podem, por consequência, oferecer maior variedade; essa configuração
é, não obstante, regulada por três variáveis básicas, a extensão do trecho, a
angulação e a interseção. As extensões costumam ser variáveis num mesmo
labirinto, entretanto dentro de limites estreitos, ou seja, variações pequenas.
A angulação predominante é ortogonal, mas também podem variar, en-
quanto as interseções são limitadas aos tipos “L” e “T”. Labirintos constituem
sistemas espaciais de alto grau de privacidade, pois as ligações entre o inte-
rior e exterior de uma área assim configurada são longas e tortuosas.
As árvores, por serem hierárquicas desde sua concepção, costumam ter
seus componentes axiais diferenciados por largura e extensão e compostos se-
gundo interseções prioritariamente dos tipos “L” e “T”, embora possa haver,
em combinação, interseções próprias das grelhas, tipo “+” ou “X”. A proprieda-
de fundamental das árvores é justamente o gradiente crescente de privacidade
ou segregação experimentado a partir da sua raiz, o que justifica a utilização
desses tipos de interseção. Finalmente os pátios envolvem uma composição
mais complexa; nas situações em que eles são o componente fundamental, sua
utilização determina necessariamente duas consequências, a primeira sendo
o uso de conectores lineares que, embora secundários, são ainda assim essen-
ciais para a configuração global, e a segunda sendo as zonas de acomodação
entre pátios, caracterizadas por uma partição fundiária heterogênea, neces-
sária justamente para acomodar geometricamente as estruturas polares dos
pátios. Organizações morfológicas baseadas em pátios são raras, sendo mais
comum ocorrer sua utilização no interior de grelhas.
As variações de dimensões e geratrizes dos espaços públicos linea-
res, bem como de suas articulações, podem resultar em áreas homogêneas

90
muito simples, como no caso do “ensanche” de Barcelona, onde há apenas
um componente e uma regra de articulação tipo grelha de malha quadra-
da, relativamente simples, como no caso de Manhattan, onde há dois com-
ponentes – ruas e avenidas, mas ainda uma articulação em grelha retangu-
lar, e, daí em diante, crescente complexidade, compatível com o aumento
do número de componentes e variação de parâmetros nas regras de arti-
culação. Haverá situações de difícil definição, nas quais a descrição pode
tanto optar pela identificação de um componente temático quanto de um
elemento excepcional. Isso, entretanto, ocorrerá necessariamente a um tal
grau de refinamento, que dificilmente a opção, qualquer que seja, afetará a
descrição final de maneira dramática.
O segundo domínio a ser examinado é o do espaço privado, o qual
é vitalmente informado pela configuração do espaço público, como seria
esperado. Às grelhas irão corresponder formas mais ou menos recorrentes
de partição fundiária. A orientação predominante, a ser verificada, é uma
partição que contempla frentes em todas as faces dos polígonos das ma-
lhas, embora nem sempre isso ocorra. Assim, se a malha é retangular, é de
se esperar que seja particionada segundo duas sequências de lotes ao longo
das faces mais extensas, fundos contra fundos. Dessa formatação resulta
que as faces menos extensas dos retângulos conterão apenas as laterais dos
dois lotes que formam as esquinas, com consequências para a futura forma
construída e outros aspectos da constituição da cidade, como vai ser mos-
trado adiante. Malhas quadradas são mais propícias à partição bissimétri-
ca, com lotes voltados para as suas quatro faces. Essa partição, entretanto,
não é trivial, já que não é possível ter todos os lotes de iguais dimensões
nessa situação. Tradicionalmente, nesses casos há um subconjunto de lo-
tes, nas partes médias do quarteirão, com profundidade máxima igual à
metade do lado, outros tantos transversais, com profundidade menor, e
uma divisão mais ou menos proporcional – maiores testadas que compen-
sam as menores profundidades – nos quatro quadrantes restantes. Con-
siderando que há uma pequena diferença de valor – a maior – no preço
unitário dos terrenos de esquina, pode haver uma diminuição das áreas
dos lotes nessa situação, em áreas mais centrais com vocação comercial,
ou, ao contrário, um aumento de áreas nos lotes de esquina, permitindo
edificações de maior porte em áreas residenciais.
Os labirintos e árvores têm, em princípio, partições semelhantes,
porém adaptadas às formas côncavas que frequentemente assumem seus
quarteirões. As partições mais sujeitas a particularidades são as que, re-

91
sultam de formação morfológica baseada em pátios. É possível pensar que
nessas situações, um dos critérios a ser verificado é a manutenção de certa
regularidade na dimensão frontal e variações na forma e demais dimen-
sões dos diversos lotes, que precisam se ajustar à irregularidade que fatal-
mente uma sucessão de pátios implica.
O terceiro e último domínio a ser explicitado é o da forma construída.
Semelhantemente ao que ocorre com o espaço privado, a forma construí-
da é constrangida pela configuração do espaço público, aliás, duplamente
constrangida por este e pela própria partição fundiária. Tendo ambos pre-
viamente estabelecidos, resta às unidades de forma construída se alocarem,
primeiro umas em relação às outras, e depois em relação ao espaço público
que lhe é adjacente. As possibilidades de disposição de cada forma construída
em relação às demais são limitadas a duas opções, a alocação independente
ou a agregação em fitas. Alocação independente implica em unidades des-
coladas umas das outras, formando uma floresta de objetos isolados. Essas
florestas podem obedecer a ordenamentos geométricos mais ou menos rí-
gidos, tais como alinhamentos de frente, combinação e alternância de tipos.
É claro que, na maioria dos casos, a partição fundiária impõe, de antemão,
constrangimentos a essa alocação, tanto maiores quanto menores forem
as parcelas. Quarteirões com grandes lotes tendem a produzir uma forma
construída mais irregular, e no outro extremo, pequenos lotes podem até
impossibilitar a geração de formas construídas independentes.
As formações em fita envolvem basicamente agregar diversas uni-
dades de forma construída lateralmente. Essa agregação poderá exibir su-
perfícies verticais (fachadas frontais e de fundos), bem como horizontais
(coberturas) mais ou menos uniformes, conforme for a composição por
tipos dessas formas construídas e sua disposição em relação à testada dos
lotes. Fitas podem ser e efetivamente são interrompidas eventualmente, e
não perdem sua condição de fitas enquanto a quantidade de interrupções
for expressivamente inferior ao número de adjacências.
As formas construídas mantêm relações com a configuração do espa-
ço privado, como já referido; quarteirões que apresentam parcelas volta-
das para todas as suas frentes, como os quadrados, favorecem a formação
de uma forma construída agregada que, em caso de ser suficientemente
densa, dá origem a ilhas compactas de edificação, como frequentemente
ocorre nas áreas mais centrais. Já quarteirões que privilegiam duas frentes,
como os retangulares, tendem a formar fitas alinhadas ao longo das faces
mais extensas, independentes.

92
Finalmente deve-se observar a relação das formas construídas com o
espaço público. Como já foi lembrado aqui anteriormente, a definição da
forma urbana, tal como a vê o usuário das cidades, envolve a disposição
relativa de três linhas: a primeira que define o perímetro do espaço público
legal; a segunda, coincidente com a primeira, define o perímetro do espaço
privado; a terceira que é uma linha nem sempre contínua, definida pelas
fachadas das edificações, e define o limite real, ou visível, do espaço pú-
blico. Numa situação limite, e muitíssimas vezes verificada nas cidades ao
longo de sua história, essas três linhas coincidem; entretanto variações po-
dem ocorrer. É comum encontrar centros históricos de cidades europeias
onde a linha das edificações se encontra projetada sobre o espaço público;
e é comum encontrar nas áreas mais recentes das nossas cidades essa linha
estabelecida decididamente recuada para dentro do domínio privado. No
primeiro caso, as edificações se projetam sobre o domínio público aéreo,
criando galerias, ou projeções; no segundo, se verifica uma multiplicida-
de de situações possíveis, com efeitos sobre a forma e a vida da cidade. A
primeira possibilidade é a de ampliação real do espaço público, verificada
quando o recuo das edificações incorpora ao domínio público a faixa de
terra privada deixada entre a linha demarcatória do terreno e a frente da
edificação. A segunda possibilidade é a criação de uma segunda linha de
fachadas – muros –, verificada quando a separação entre público e priva-
do é efetivamente mantida no limite legal, e a terceira possibilidade é a
criação de uma nova entidade – uma espécie de espaço semipúblico, ou
semiprivado –, que é criada pela utilização de barreiras transparentes.
Na primeira situação, a vida pública é duplamente beneficiada, primeiro
pela ampliação do domínio espacial público, que resulta em calçadas mais
amplas, mais estacionamentos, pontos de oferta de serviços, etc., e segun-
do pela manutenção da relação direta entre edificação e espaço público
que, indiscutivelmente, privilegia a vida pública. Na segunda situação, há
prejuízo para a vida pública, já que essa relação direta entre edificação e
espaço público é eliminada, mas parece haver ganho para a vida privada.
Na terceira situação, parece haver dupla perda, uma vez que nem o domí-
nio público nem o privado obtêm com a operação algum benefício direto.
Da verificação pormenorizada das áreas temáticas, poderá resultar,
no limite, até a sua eventual subdivisão, dependendo dos critérios de clas-
sificação das formas construídas. Mais comum é ocorrer a identificação
de irregularidades locais, que passam a fazer parte da estrutura primária,
constituídas por edificações que escapam de um enquadramento em qual-

93
quer das categorias estabelecidas, ou pela quebra de alguma das regras de
associação verificadas genericamente na área.

A ordem morfológica urbana


O passo que falta para uma completa representação da forma urbana,
desde o ponto de vista de sua materialidade, é determinar a sua ordem.
Como já foi referido antes, ordem é uma palavra prenhe de significados,
geralmente obscuros que, como tal, se presta à mistificação. A alternativa
a ser adotada aqui é a de ordem sendo o sentido de integralidade de um
organismo. Como é genérico e aberto, demanda complementações, como,
por exemplo, o significado de organismo, bem como de integralidade. Se-
ria a cidade um organismo? Um organismo envolve a conjunção de muitas
partes, diferentes entre si, mas complementares em algum sentido. Pode-
-se pensar em uma máquina como sendo um exemplo de organismo mais
elementar possível. Uma bicicleta tem um conjunto de partes, diferencia-
das entre si, mas coordenadas de forma que, cada uma desempenhando
uma função específica, há um resultado unificado, o movimento. As par-
tes, em princípio, são inúteis por si só, e apenas ganham algum sentido
quando postas a funcionar no organismo. Organismos mais complexos
têm partes desempenhando papéis múltiplos e articuladas no conjunto
também de forma múltipla, resultando num organismo capaz de produzir
múltiplas respostas. A multiplicidade de propósitos de cada parte, como
a multiplicidade de articulação de cada uma ao todo, fazem com que di-
ferentes “todos” possam ser divisados, e, em cada um deles, partes espe-
cíficas e relações específicas entre elas estejam ativadas, enquanto outras
partes e relações permaneçam subjacentes.
Essa parece ser o caso das cidades, caso em que, então, não se deve
esperar encontrar partes que desempenhem apenas uma função, e apenas
relações que façam parte de um caminho crítico. Consequentemente, será
um organismo composto de partes diferenciadas, com múltiplos propósi-
tos e relações múltiplas com as demais. Outras precisões podem ser feitas
no conceito, para além da noção geral de partes e articulação entre elas,
e essas são as noções de distribuição e de hierarquia. Distribuição espa-
cial, como é sabido, pode ser determinada de forma absoluta, por meio
de um conjunto de coordenadas que identificam um ponto na superfície
do globo, ou relativa, quando então interessa saber quão perto ou longe,
de que lado, ou entre quais outros um objeto está situado. Hierarquia, por

94
sua vez, implica importância relativa, gradiente, ranking. Já foram mostra-
dos aqui alguns procedimentos para desvendar algumas partes e algumas
relações entre elas; viu-se que a forma urbana pode ser descrita por duas
grandes “partes” chamadas áreas temáticas e estrutura primária, e que as
áreas temáticas, por sua vez, são compostas por outras partes, provindas
de três domínios e relacionadas entre si através de quatro tipos de regras,
etc. Cabe, agora, tratar do problema da distribuição e da hierarquia.
Um passo já foi dado no sentido de determinar hierarquia, aquele
que identifica uma diferença hierárquica entre área temática e estrutura
primária, conferindo a esta a precedência. Isso acompanha a noção geral
de ser a área temática uma manifestação de localidade, enquanto a estru-
tura primária se refere à globalidade. Entretanto, ainda há muito a ser ela-
borado até que uma ordem urbana mais inteligível emerja. Veja primeiro
a estrutura primária, composta de linhas e pontos, representando com-
ponentes axiais e nodais de diferentes tipos, distribuídos pelo território
urbano. Pode-se pensar em uma hierarquia baseada, primeiro, em cada
componente em si próprio, ou seja, baseada nos atributos do componente,
depois na relação de articulação entre eles e, finalmente, na totalidade do
conjunto chamado estrutura primária. Uma das possibilidades de deter-
minar a hierarquia disso inclui os seguintes procedimentos:
a) hierarquia dos componentes: os atributos essenciais dos compo-
nentes da forma urbana, conforme a teoria aqui desenvolvida, são ge-
ométricos, ou seja, existem dimensões, duas para os espaços abertos
e três para as formas construídas – áreas e volumes. Cada componen-
te destacado como parte da estrutura primária ganha, com isso, um
valor inicial (VI), igual à sua área, ao seu volume, ou à combinação
de ambos. Considerando, primeiro espaços públicos excepcionais,
estes terão inicialmente uma área igual à soma da área pública pro-
priamente dita com as áreas privadas adjacentes. A forma construída
aí contida poderá ser igualmente excepcional, quando então seu vo-
lume será adicionado ao VI do elemento primário considerado, ou,
ao contrário, pertencerá à área temática adjacente; nesse caso, a área
privada correspondente será subtraída do elemento primário consi-
derado. Os espaços privados excepcionais terão igualmente uma área
equivalente à soma desse espaço privado com as áreas públicas adja-
centes. A forma construída aí contida terá seu volume adicionado ao
componente primário considerado se for igualmente não temático;

95
caso seja própria da área temática adjacente, a área privada corres-
pondente será subtraida do elemento primário.
b) hierarquia da articulação: iniciando-se pelo componente com
maior VI, é possível determinar quais outros estão associados ime-
diatamente a ele. Essa associação se dá por justaposição, superpo-
sição ou interseção. No caso de esse componente ser uma linha, a
procura por associações será, respectivamente, outras linhas que a
interceptem e pontos alocados ao longo de seu eixo. Essa associação
pode ser quantificada pela soma dos VIs de todos os componentes do
grupo. Pode-se conferir a esse “todo parcial” um valor maior do que
a simples soma das partes, atendendo à teoria de que eles se reforça-
riam mutuamente e juntos constituiriam um novo componente mais
forte do que a soma das suas partes; isso pode ser obtido pela adoção
de um parâmetro qualquer multiplicador à soma. O mesmo proce-
dimento precisa, agora, ser observado para os demais componentes,
atentando para NÃO adicionar VIs de componentes já computados
anteriormente, ou seja, qualquer componente cujo VI seja maior do
que o componente em consideração. Componentes isolados obvia-
mente manterão seus VIs originais.
c) hierarquia da estrutura primária: a distribuição e articulação da es-
trutura primária é tal que pode propiciar a ligação direta de compo-
nentes distantes na hierarquia, ou seja, não ter uma distribuição espa-
cialmente linear. Assim, componentes de hierarquia inferior, porém
em associação com componentes muito superiores, ganham em im-
portância. A computação dessas propriedades de posição e articula-
ção é facilmente alcançável mediante um procedimento que envolve,
como primeiro passo, criar uma lista de todos os componentes, orde-
nados segundo uma ordem crescente de VMs (VMs são os valores que
cada componente assumiu depois de que sua articulação a outros foi
determinada, como sugere o item anterior). Iniciando pelo de menor
VM, identificar a quais outros de VMs superiores está eventualmen-
te associado. Caso esteja associado ao de VM inferior, mantém o seu
valor, que passa a ser definitivo. Caso se associe a outro cujo VM seja
superior, adote um parâmetro multiplicador adequado, alterando para
cima seu VM. É possível imaginar esses parâmetros como sendo, por
exemplo, classes criadas a partir da divisão do VM máximo em grupos.
Se o componente em exame estiver associado a mais de um outro, su-
periores, deve-se aplicar o parâmetro adequado ao de maior valor.

96
Com isso, é possível determinar precisamente os graus de hierarquia
da estrutura primária urbana, dentro de uma lógica estritamente geomé-
trica e topológica. O resultado pode ser representado graficamente através
de um mapa de linhas e pontos, usando cores e-ou espessuras de traço e
diâmetros dos círculos para representar as diferentes ordens. Estas pode-
rão, como possivelmente deverá ser o caso, ser agrupadas em classes, para
maior clareza. Procedimentos semelhantes podem ser determinados para
revelar a ordem das áreas temáticas. Note-se que a hierarquia global já está
determinada na estrutura primária, que pode, opcionalmente, ainda com-
portar o efeito das áreas temáticas que lhe são adjacentes. A hierarquia das
áreas temáticas será uma hierarquia no seu âmbito, um ranking de áreas.
A hierarquia das áreas depende, em primeiro lugar, de seus próprios
atributos, e, em segundo de sua associação a componentes da estrutura
primária. O primeiro e óbvio atributo de uma área temática é sua área, que
pode ser facilmente medida ou estimada, tanto a bruta (total) quanto as fra-
ções próprias dos domínios público e privado. Sendo um composto de ele-
mentos bi e tridimensionais, haveria uma medida de volume, que pode ser
inferida. Propõe-se uma inferência pelo fato de ser difícil aferir com precisão
o volume de uma área urbana. A inferência pode ser feita por amostragem,
tomando um fragmento representativo da área temática. O cálculo envolve
estimar o volume edificado, por exemplo, de um quarteirão, e expandir para
toda a área, tomando o cuidado de considerar apenas o domínio privado. Os
dois valores obtidos – área e volume totais – podem ser utilizados como VI
de uma área temática, prevalecendo, conforme o caso, o mais representativo
e mais facilmente obtenível. O segundo fator de hierarquia das áreas é justa-
mente sua associação com segmentos da estrutura primária. Para obter um
VM, basta parametrizar o VI, utilizando os mesmos parâmetros determina-
dos para a hierarquia da estrutura primária.
O resultado final é uma hierarquia global, dada pela estrutura primá-
ria devidamente rankeada, e uma hierarquia local, das áreas rankeadas no
seu próprio âmbito. Ao mapa de linhas e pontos, descrevendo a estrutura
primária acima sugerida, pode-se agora acrescentar os polígonos das áreas
temáticas, também desenhados com diferentes cores e linhas de diferentes
espessuras, ou até mesmo preenchidas com cores ou texturas capazes de
representar a hierarquia.

97
Representações gráficas da morfologia urbana
A seção anterior referiu-se repetidamente a um mapa composto de li-
nhas, pontos e polígonos, associado a números, que seria capaz de representar
a ordem morfológica urbana. Com efeito, um mapa desse tipo, muito similar
ao diagrama fundamental representativo da teoria geral da forma urbana aqui
desenvolvida (Figura 22) captura a essência do organismo morfológico de que
trata este livro. Um exemplo disso pode ser visto na Figura 23, nesta seção. Não
obstante, se um grau de especificação maior é requerido, por exemplo, para
uma melhor descrição de uma área temática, ainda falta algo, precisamente
aquele algoritmo que detém o seu núcleo compositivo. Recordando, esse al-
goritmo deveria conter referências a classes de componentes de três domínios
diferentes, bem como regras de articulação aplicáveis dentro de cada domínio
e ainda uma outra, vinculando os domínios entre si.

Figura 22. Representação sintética do núcleo compositivo de uma área temática simples. A – componentes do es-
paço público (2) e regra compositiva (grelha retangular ortogonal com tipo “L” na direção NS e tipo “E” na direção
LO); B – componentes do espaço privado (2) e regra compositiva (fita dupla, simetria pelo eixo maior, tipo “M” no
meio do quarteirão, tipo “P” nas pontas); C – componentes da forma construída (2) e regra compositiva (tipo “P”,
com 9 pavimentos, sobre ambas as medianeiras; tipo “G”, com 12 pavimentos, sobre ambas as testadas); D – re-
gra do tecido (formas construídas “G” nos alinhamentos, formas construídas “P” recuadas, havendo alargamento
do espaço público no trecho a Leste, e criação de espaço semipúblico a Oeste).

Limites da morfologia urbana de objetos


A metodologia de tratamento dos elementos descritivos e analíticos
da forma urbana, como apresentados aqui, embora sistematizada, não é
sistêmica, e essa distinção, essencial para a compreensão do fenômeno
urbano, em termos abrangentes, vai se tornar mais clara nos próximos
capítulos. Por ora é suficiente notar que a ordem morfológica, culminân-
cia desses procedimentos descritivos e analíticos não é uma estrutura

98
relacional que vincule cada componente à sua totalidade. Com efeito, o
mapa da Figura 23 mostra vários conjuntos de elementos independentes
entre si. A estrutura primária, na verdade, é composta de grupos, ordena-
dos por uma escala de valores, mas ainda independentes. A eventual ex-
clusão de um ou mais elementos nodais “soltos” de mais baixa hierarquia
não afetaria a ordem geral ali estabelecida nem qualitativa nem quantitati-
vamente de maneira significativa. Isso representa uma limitação, pois pelo
menos alguns desdobramentos possíveis na evolução da forma da cidade
poderiam ocorrer sem afetar a descrição de sua ordem. Novos elementos
explanativos deste fenômeno serão introduzidos adiante, e contribuirão
para um melhor entendimento. Não obstante, a ordem morfológica parece
capaz de representar, a um certo nível de especificidade (a da forma urba-
na), um determinado estado ou condição da cidade.

Figura 23. Representação da ordem morfológica de Copacabana: linhas e pontos constituem a Estrutura Primá-
ria; polígonos representam as áreas temáticas. A Estrutura Primária está ordenada por tamanho (os principais
elementos estão numerados) e as áreas temáticas estão ordenadas por tons de cinza, conforme procedimento
descritivo e analítico e resultados empíricos registrados na extensão do capítulo, adiante.

99
A “alienação” da morfologia, aqui proposta, quanto às maneiras mais tra-
dicionais de tratar a forma urbana – tipologia e morfogênese – pode ser apenas
aparente. A identificação de áreas temáticas e estrutura primária, levada a um
grau adequado de detalhe, pode conter boa parte da descrição da evolução de
uma cidade. Com efeito, como ficou sugerido, boa parte da temática básica
envolvida em um fragmento urbano se deve aos efeitos de safra, quer dizer,
forma-se já na origem da área, particularmente a disposição do espaço público
e a partição fundiária. Por outro lado, alguns elementos primários, bem como
subdivisões de áreas temáticas, se originam nas ocasiões em que formas cons-
truídas originais são substituídas por novas, que contribuem para a diversida-
de. Nesse sentido, parte da morfogênese de uma cidade estará fatalmente re-
gistrada na análise dos objetos de sua morfologia. A evolução tipológica é um
pouco mais difícil de ser detectada a partir da abordagem aqui desenvolvida,
visto que grupos de formas construídas pertencentes a uma mesma geratriz ti-
pológica podem bem ser constituir objetos indistinguíveis, essa é justamente a
lógica da morfologia de objetos. Não obstante, e dependendo do grau de espe-
cificação a que chegue uma eventual análise, objetos representando diferentes
momentos da evolução de um mesmo tipo serão capturados, bastando para
isso que uma de suas características geométricas seja alterada na passagem de
um estágio evolutivo para outro.
Na verdade, as três abordagens – tipológica, morfogenética e objetual
– não são necessariamente opostas e muito menos excludentes; apenas têm
objetivos e consequentemente meios de investigação particulares. Morfogê-
nese é claramente historiográfica (não é por acaso que se chama geografia
histórica) e objetiva desvendar a história do agenciamento social de uma
certa morfologia. Tipologia também considera o vetor tempo, mas o coloca
no contexto de uma mudança gradativa de conceber as formas construídas,
uma evolução projetual, por assim dizer. Morfologia de objetos, por outro
lado, centra seu foco na ordem disposta sobre o território, assumindo que
a hierarquia aí implícita promove uma dinâmica que conduz à transforma-
ção. Evolução, nesse sentido, diverge um pouco da noção usual que o termo
tem assumido no âmbito dos estudos urbanos – uma narrativa concatenada
do passado – para privilegiar um processo de mudança que conduz ao futuro.

100
UM EXERCÍCIO
DE APLICAÇÃO DO MÉTODO
6

Descrição e análise morfológica urbana podem ser levadas a cabo


tanto em cidades inteiras quanto em partes. É preciso observar que, entre-
tanto, uma análise parcial poderá incorrer em distorções, visto que qual-
quer fragmento urbano, uma vez destacado de seu todo, perde algumas
de suas características relacionais, que podem ser importantes e, ausentes,
modificar o rumo e o resultado da análise. O exercício apresentado aqui, a
seguir, é de um fragmento, e está sendo utilizado como meio de veicular o
método geral descritivo e analítico desenvolvido neste livro. À medida que
a matéria for sendo apresentada, serão apontados quais procedimentos e
resultados podem estar afetados pelo destaque.
O fragmento escolhido é o bairro de Copacabana, na cidade do Rio
de Janeiro. Na verdade, a área pode ser maior do que o bairro, na sua defini-
ção oficial, incluindo o Leme, Arpoador, uma pequena parte de Ipanema e,
ainda, alguns assentamentos irregulares. O centro geográfico da área é apro-
ximadamente o ponto de coordenadas [22º58’12.76” S – 43º11’13.23” O],
cuja imagem, apropriada do Google Earth (2010), está reproduzida abaixo,
na Figura 24. Como se pode ver, a imagem está girada levemente no sentido
horário, para torná-la mais horizontal, e foi tomada a partir de uma altitude
de 13.218 pés, o que corresponde aproximadamente a 4.400 metros.

101
Figura 24. Foto orbital da área de estudo, o bairro de Copacabana, Rio de Janeiro, acrescido do Leme a Norte e
parte de Ipanema a Sul.
Fonte: Google Earth

Pontos e linhas, grandes áreas


Mesmo a essa altitude é possível discernir alguns dos componentes
básicos da forma urbana. Sem reconhecer detalhes, o analista pode, em
troca, observar os padrões e, evidentemente, as rupturas e ocorrência de
elementos excepcionais. O mapograma que segue resume a leitura nessa
primeira instância. São vistos cinco grupos de componentes: a) as grandes
linhas do sistema viário, b) alguns pontos excepcionais, c) uma primeira
definição de áreas temáticas, d) linhas do sistema viário separadoras de
áreas temáticas, e ainda e) os limites existentes ou impostos ao fragmento.
As duas grandes linhas do sistema viário são a Av. Atlântica, beira-mar, e a
Av. Princesa Isabel, perpendicular (linhas tracejadas mais espessas, na Fi-
gura 25). As linhas que separam áreas temáticas não são excepcionais em si
mesmas, mas resultam da justaposição de duas ou mais áreas temáticas di-
ferentes (linhas tracejadas mais finas). Os pontos incluem praças públicas,
edificações notáveis e elementos compostos contrapostos ao padrão das
áreas adjacentes. As áreas temáticas resultam de uma primeira tentativa de
reconhecimento, o que decorre, em primeiro lugar, do seccionamento por
uma grande linha excepcional, como ocorre à área da extremidade direi-
ta, e, em segundo lugar, pela alteração de regras de articulação do espaço

102
público, o que ocorre, no exemplo, pela mudança de grão, ao centro (quar-
teirões de maiores dimensões do que na adjacência), e pela mudança de
direção, na extremidade esquerda.

Figura 25. Primeira captura de elementos definidores da forma urbana: linhas do sistema viário e de delimitação
da área, pontos referentes a espaços públicos, edificações notáveis ou compostos excepcionais, grandes áreas
temáticas e a linha de delimitação da área de estudo.

Diminuindo a altitude, é possível complementar e mesmo corrigir


a primeira observação; o mapa seguinte mostra alguns novos pontos, re-
presentados por círculos vazios, e áreas, por polígonos. Este procedimento
poderia ser levado adiante, tanto no exame da foto orbital quanto in loco.
Mais e mais diversidade deverá resultar desse detalhamento, o qual, no li-
mite, iria identificar a individualidade de cada componente. Isso significa
que, em algum momento, deverá haver a definição dos critérios necessá-
rios para os componentes temáticos. No caso do exemplo, isso foi grande-
mente simplificado pela grande homogeneidade do bairro, em qualquer
dos três domínios público, privado e forma construída. Essa homogenei-
dade facilita também a identificação dos elementos excepcionais; os pon-
tos numerados 1, 2, 5, 6, 8, 11, 12, 15, 22, 23 e 27 são praças públicas; os
numerados 3, 10 e 16 são interseções viárias; 4, 13, 14, 17 e 21 são porções
de espaço privado; 9, 18, 20, 24, 25, 26 e 28 são formas construídas; e 7, 19

103
e 29 são compostos de espaços abertos e formas construídas. As linhas A
e B são elementos destacados do sistema viário, as C, D, E, F, G, G e I são
elementos do sistema viário que fazem a divisão entre diferentes áreas
temáticas. Note que algumas áreas temáticas não possuem divisões pelo
sistema viário. Estas, na sua maioria, têm composições muito semelhan-
tes entre si, como são os casos das áreas A, B, C, F, J, K, L e M, baseadas
num espaço público formado por grelhas retangulares levemente defor-
madas, partição fundiária formada por lotes regulares, voltados para as
quatro faces dos quarteirões e forma construída baseada em edifícios de
planta retangular, altura média de trinta e cinco metros, com pequena
variação, dispostos em fitas que conformam quarteirões fechados e com-
pactos. Note que a área “J”, embora tenha a mesma regra de articulação
do espaço público do que as outras citadas, modifica um dos parâme-
tros dessa articulação, a dimensão da malha, claramente maior do que a
sua adjacência. A relação entre formas construídas e espaço público é, na
maioria dos casos, direta, resultante tanto da colocação das formas cons-
truídas sobre a linha divisória frontal dos lotes, quanto da colocação re-
cuada, combinada com a adição do recuo ao espaço público. A variação
dessa regra é justamente o espaço semipúblico criado pelo gradeamento
da porção de terreno entre a rua e a edificação.

Figura 26. Mapograma mostrando novos elementos acrescentados ao conjunto de elementos primários. Grandes
linhas do sistema viário estão nomeadas por letras em negrito, áreas temáticas sinalizadas por letras circunscritas
por círculos, pontos estão numerados. A identificação dos componentes pode ser feita na Tabela 1, adiante.

104
A área temática “I” apresenta basicamente a mesma composição,
apenas variando a altura das edificações, observando-se que agora pre-
dominam formas construídas notadamente mais baixas. A área “G” é um
pequeno trecho de tecido urbano feito já na encosta do morro, mostran-
do ruas mais estreitas e edificações mais baixas e esparsas. A área “E” é,
na verdade, apenas uma rua sinuosa que vence a diferença de nível entre
a área baixa de beira-mar e uma plataforma à meia-encosta, compos-
ta de lotes irregulares e edificações baixas. A área “D” é a favela Pavão-
-Pavãozinho, cujo grão é acentuada e previsivelmente menor do que o
tecido do restante da área. Sua formação, na encosta, é feita a partir de
uma base de espaço público em árvore – linhas que sobem o morro e
ramificações em curva de nível, combinadas com sucessões de pátios –
lajes, ou coberturas de edificações que funcionam como ligações a ou-
tras, em outros níveis. As formas construídas, embora individuais e com-
pactas, combinam-se em agregados complexos adaptados à topografia.
O diagrama da Figura 27 sumariza a composição da área temática “L”:
espaço público axial em grelha retangular com malha aproximadamente
quadrada, sofrendo variações angulares de até 5º nos eixos L-O, parti-
ção fundiária em lotes retangulares, com alternativas de lotes quadrados
nas esquinas. Nas situações em que os eixos sofrem deformação angu-
lar, os lotes acompanham, havendo acomodação nos lotes de esquina.
As formas construídas são regulares, plantas retangulares, dispostas em
fitas com superfície vertical contínua (fachadas) e horizontal superior
(coberturas) mostrando pouca variação. A formação tipo-morfológica
mostra um recuo padronizado das formas construídas, sendo que a fra-

Figura 27. Diagrama compositivo da área temática “L”: a posição A mostra a malha típica do sistema de espaços
públicos, com quarteirões quadrados, e alguma variação angular nas linhas horizontais; a posição B mostra
a partição fundiária; a posição C mostra as formas construídas e a D, a relação resultante entre espaço público,
formas construídas e eventuais espaços semiprivados nas frentes de algumas edificações.

105
ção de terreno deixado à frente é preponderantemente incorporada ao
espaço público, ocorrendo, entretanto, ocasionais gradeamentos.
A descrição dada acima e sumarizada no diagrama da figura corres-
pondente é passível de desenvolvimento, já que variações mais finas nos
componentes e regras de articulação certamente ocorrem; não obstante, am-
bos dão conta da base compositiva da área. As variações a partir da síntese
compositiva, passíveis de identificação pelo maior detalhamento, podem
determinar dois desdobramentos com repercussão na estrutura da análise:
a identificação de elementos excepcionais em posição ou agregação capazes
de alçá-los à condição de partes da estrutura primária, mesmo que em or-
dens inferiores, e a subdivisão da área temática em duas ou mais novas áreas.
No primeiro caso, os elementos excepcionais, somente detetáveis numa es-
cala de observação muito pequena, serão improváveis membros da estrutu-
ra primária; entretanto, ocorrendo agrupados, podem, juntos, constituir um
ponto relevante. A divisão da área pode ocorrer pela eventual concentração
espacial de variações em componentes e regras, o que, na menor escala, pode
sugerir a subdivisão. É bom notar que descrição e análise dependem, em al-
guma medida, do operador, que precisa tomar decisões quanto a critérios e a
suas aplicações a cada caso empírico particular.

Ordem morfológica
A determinação da ordem envolve uma série de cálculos simples, vi-
sando quantificar atributos dos grandes elementos da forma urbana, como
meio de ordená-los espacial e hierarquicamente. O procedimento se inicia
pelos elementos da estrutura primária, principais linhas e pontos, cujos
atributos geométricos de área e volume devem ser acessados.
a) Hierarquia dos componentes: as regras de quantificação derivam
da noção básica de que espaço público, privado e forma construída
são partes interdependentes e complementares da forma urbana,
que precisam ser considerados juntos em qualquer situação. Assim,
iniciando pelas grandes linhas do sistema viário, a determinação do
seu valor inicial VI envolve a determinação de uma superfície, a qual,
considerando o que foi dito acima, não é apenas a superfície da via
estrito senso, mas inclui as faixas de espaço privado ao longo do seu
eixo. Ao assim proceder, a forma construída, eventualmente existente
sobre essas faixas de espaço privado, passa a fazer parte do cômputo.
O mesmo ocorre com pontos originados em espaços públicos conve-

106
xos – praças, parques, etc. Inversamente, mas ainda mantendo a mes-
ma lógica, os nós derivados de espaços privados – quarteirões de ta-
manho e-ou forma distintos – terão sua área determinada pela soma
da superfície de terra privada propriamente dita com as do espaço
público que lhe é adjacente. Em qualquer dos casos, a forma cons-
truída determina o tipo de operação aritmética a ser realizada: sendo
ela também excepcional em relação ao tema adjacente, seu volume
estimado é adicionado ao VI do elemento em consideração; entre-
tanto, sendo ela parte do tema da área adjacente, o que ocorre quando
apenas o espaço, público ou privado, é excepcional, tem o efeito de
subtrair do elemento em consideração à porção de área privada, a
forma construída incluída. A Figura 28 ilustra o procedimento.

Figura 28. Apropriação dos atributos de área e volume dos elementos primários. Na posição A, o elemento é um
polígono de espaço privado, quando a medida de superfície é determinada incluindo todo espaço público adja-
cente. Na posição B, o elemento é um espaço público, quando a medida de superfície é determinada incluindo as
faixas de espaço privado às suas margens. Em ambos, as formas construídas são temáticas – do mesmo tipo da
área temática adjacente –, o que contribui para diminuir a excepcionalidade do elemento considerado. Assim, a
área privada contendo as formas construídas é subtraída da área do elemento. No caso A, o remanescente é a área
pública ao redor do grande quarteirão; no caso B, o remanescente é a área da avenida propriamente dita. Em situa-
ções em que as edificações sejam excepcionais em relação ao tema da área adjacente, a superfície inicialmente
calculada permanece, e a ela é adicionado o volume da forma construída excepcional.

107
b) Hierarquia de articulação: os elementos excepcionais que ocorrem
justapostos ou superpostos uns aos outros devem ser somados, cons-
tituindo um componente composto. O procedimento preconizado é
listar todos, com seus respectivos VIs, em ordem decrescente, de for-
ma que aquele que possui maior VI será o primeiro. Para esse compo-
nente, verifica-se quais outros a si estão articulados, resultando que a
soma dos atributos de todos passa a ser o seu valor modificado VM.
O mesmo procedimento deve ser levado a cabo a todos os demais
elementos, verificando, para cada um, as possíveis articulações de
outros elementos de menor VI – abaixo dele na lista, como consta da
planilha, mostrada na Tabela 2, a seguir.

Tabela 2. Demonstrativo do cálculo dos valores iniciais VI e modificados VM dos elementos primários identificados
na área de estudo. A coluna “Área” registra a superfície de áreas públicas e privadas de cada elemento, a coluna
“Vol.” registra volumes de edificações bem como áreas privadas a serem subtraídas da área do componente, visto
que suas formas construídas são temáticas. Apenas os componentes 14 (quarteirão que contém edificações ex-
cepcionais) e 7 (forte de Copacabana, idem) adicionam à área o correspondente volume das formas construídas.
Os valores “VM” resultam da adição ou subtração, conforme o caso do VI do componente considerado e os VIs dos
componentes que se encontram articulados espacialmente ao componente considerado.
Comp. Nome Área Vol. VI Componentes articulados VM
A Av. Atlântica 56 -28 28 7, 9, F, D, 20, 21, C, B, 24, 26, 27 37,1045
B Princesa Isabel 6,05 -3,03 3,02 23, 24 4,1
C R. Dantas 2,31 -1,65 0,66 19, 20, 21 2,2544
D F. Magalhães 3,64 -2,6 1,04 29, 15 3,53
E Av. Tonelero 3,5 -2,5 1 29 2,1
F S. Clara 3,64 -2,6 1,04 - 1,04
G B. Carvalho 4,62 -3,3 1,32 3, H, I, 4 4,91
H G. Carneiro 3,43 -2,45 0,98 2, 3 2,51
I R. Elizabeth 3,5 -2,25 1,25 2, 4 2,94
1 Praça 4,5 -1,87 2,63 2 2,63
2 Praça 1,44 -0,51 0,93 0,93
3 Esquina 2,1 -1,5 0,6 0,6
4 Quarteirão 1,12 -0,36 0,76 0,76
5 Praça 0,9 -0,18 0,72 0,72
6 Praça 1 -0,69 0,31 0,31
7 Forte 1,2 +0,2 1,4 1,4
8 Praça 0,77 -0,5 0,27 0,27
9 Othon 0,1189 0,1189 0,1189

Continua...

108
Continuação

Comp. Nome Área Vol. VI Componentes articulados VM


10 Praça 2,3 -1,55 0,75 0,75
11 Edifício 0,0665 0,0665 0,0665
12 Praça 2,59 -1,38 1,21 1,21
13 Quarteirão 2,25 -1,26 0,99 0,99
14 Quarteirão 4 +0,2 4,2 13, 29 6,29
15 Praça 1,39 1,39 1,39
16 Esquina 1,54 -1,1 0,44 0,44
17 Quarteirão 5 -3,2 1,8 16 2,24
18 Edifício 0,0129 0,0129 0,0129
19 Metrô 1,1 1,1 1,1
20 Hotel 0,1372 0,1372 0,1372
21 Hotel + Praça 0,22 0,22 20 0,3572
22 Praça 4 -1,66 2,34 2,34
23 Praça 2,08 -1,08 1 1
24 Hotel 0,08 0,08 0,08
25 Edifício 0,07 0,07 0,07
26 Edifício 0,0336 0,0336 0,0336
27 Praça 2,45 -1,28 1,17 26, 28 1,2176
28 Edifício 0,014 0,014 0,014
29 Metrô 1,1 1,1 1,1

Como se vê, o componente “A” – Av. Atlântica, por ser extensa, soma
a si própria várias outras vias incidentes, de menor VI, bem quanto ainda
adiciona vários pontos excepcionais, tanto espaços públicos como edifica-
ções, resultando num VM muito diferenciado dos demais. O procedimen-
to descrito acima procura identificar e medir a dimensão de excepciona-
lidade dos elementos primários de uma forma urbana. Essa mensuração,
entretanto, leva em consideração a composição intrínseca de cada um des-
ses componentes, ou seja, considera qualquer um deles como uma compo-
sição de espaços públicos e privados, eventualmente ocupados por formas
construídas. Esses atributos de forma construída, entretanto, podem fun-
cionar como multiplicadores de excepcionalidade – se forem também ex-
cepcionais, ou ao contrário – se forem parte de áreas temáticas adjacentes.
Também procura capturar o grau de agregação desses elementos entre si,
confiando que em situações nas quais eles aparecem articulados – justa-

109
postos, superpostos, incidentes – o resultado é também uma multiplicação
da excepcionalidade e aumento de hierarquia.
c) Hierarquia da estrutura primária: a ordem da estrutura primária
pode ser completada com uma última consideração à articulação entre
elementos. Isso já foi tratado inicialmente, quando aos elementos de
maior VI foram anexados os elementos incidentes de menor VI. Agora,
procura-se atribuir aos elementos de menor VM algum incremento de
hierarquia se porventura estiverem articulados a componentes de VM
consideravelmente maiores, ou seja, hierarquicamente muito superio-
res. Para isso, vai-se usar um outro tipo de parametrização, por cate-
gorias. Considera-se o maior VM do sistema – neste caso a linha “A” e
o conjunto de possíveis valores abaixo dele, até zero, dividido em um
certo número de classes – dez, para este exercício. Com isso, teremos
dez intervalos divididos em módulos múltiplos de [3,71] (um décimo
do maior VM). Com a lista de componentes ordenados agora a partir
do o menor valor, desde o topo, verifica-se a que outros elementos de
hierarquia superior está articulado, e, caso estes sejam de outra classe,
aplica-se ao VM do componente em consideração um parâmetro posi-
tivo relativo à quantidade de classes existente no intervalo entre ele e o
componente de maior VM a que está conectado. Com isso, procura-se
descrever a contaminação que elementos de valor hierárquico baixo
sofrem ao estarem articulados a outros de valor superior, e cria-se, com
isso, um valor final – VF para cada componente – é evidente que para o
componente “A”, de maior VM, seu VF será o mesmo.

110
Tabela 3. Registro da determinação da ordem na Estrutura Primária. O procedimento envolve medir a distância
hierárquica entre cada componente e outro componente a que esteja anexo, de classe superior. Caso isso ocorra, o
componente em questão recebe um parâmetro multiplicador relativo ao número de classes existente entre a sua
própria e a do componente de maior classe a si conectado.
Comp. Nome VM dist VF ordem
A Av. Atlântica 37,1045 0 37,1045 1
14 Quarteirão 6,29 0 6,29 4
G B. Carvalho 4,91 0 4,91 5
B S. Isabel 4,1 8 7,38 2
D F. Magalhães 3,53 8 6,354 3
I R. Elizabete 2,94 1 3,234 7
1 praça 2,63 0 2,63 10
H G. Carneiro 2,51 1 2,761 8
22 Praça 2,34 0 2,34 11
C R. Dantas 2,2544 9 4,28336 6
17 Quarteirão 2,24 0 2,24 14
E Av. Tonelero 2,1 1 2,31 13
7 Forte 1,4 9 2,66 9
15 Praça 1,39 0 1,39 16
27 Praça 1,2176 9 2,31344 12
12 Praça 1,21 0 1,21 17
29 Metrô 1,1 1 1,21 17
19 Metrô 1,1 0 1,1 20
F S. Clara 1,04 9 1,976 15
23 Praça 1 1 1,1 20
13 Quarteirão 0,99 2 1,188 19
2 Praça 0,93 0 0,93 22
4 Quarteirão 0,76 1 0,836 23
10 Praça 0,75 0 0,75 24
5 Praça 0,72 0 0,72 25
3 Esquina 0,6 1 0,66 27
16 Esquina 0,44 0 0,44 28
21 Hotel + Praça 0,3572 9 0,67868 26
6 Praça 0,31 0 0,31 29
8 Praça 0,27 0 0,27 30
20 Hotel Copacabana 0,1372 9 0,26068 31
9 Hotel Othon 0,1189 9 0,22591 32
Continua...

111
Continuação

Comp. Nome VM dist VF ordem


24 Hotel Meridien 0,08 9 0,152 33
25 Edifício 0,07 0 0,07 34
11 Edifício (6) 0,0665 0 0,0665 35
26 Edifício 0,0336 9 0,06384 36
28 Edifício 0,014 0 0,014 37
18 Edifício 0,0129 0 0,0129 38

d) Hierarquia das áreas temáticas: Um ordenamento semelhante ao


descrito acima, porém mais simples, pode ser desenvolvido para as áreas
temáticas. Estas serão ordenadas localmente, ou seja, no âmbito do uni-
verso das áreas temáticas. O procedimento envolve dois passos: primeiro,
medir sua superfície, ou volume, e ,segundo, parametrizar sua conexão à
estrutura primária. A superfície de uma área temática é a do polígono que
a define; o volume, simplificadamente, pode ser essa área multiplicada pela
altura média das formas construídas. Se houver muita disparidade entre
as áreas temáticas relativamente às formas construídas, usa-se o volume
como indicador prevalente; caso haja relativa homogeneidade, usa-se sim-
plesmente a superfície do polígono. A conexão à estrutura primária pode
ser parametrizada através das categorias anteriormente usadas para a es-
trutura primária. Com isso, uma área temática terá um parâmetro mul-
tiplicador positivo proporcional à hierarquia do componente primário a
que estiver conectada. A Tabela 4, a seguir, mostra isso.

112
Tabela 4. Registro da determinação da ordem das áreas temáticas. Coluna VI contém as superfícies dos polígonos,
coluna Dist. contém a ordem do componente primário a que está conectada. Pode ser verificado que as áreas
tempáticas F, J, K, L e M, por estarem conectadas diretamente à Av. Atlântica, recebem a parametrização máxima,
(10), o que faz com que seu VI dobre.

Componente VI Articulação Dist. VI Ordem


A 14 g, h, 1, 2, 3 2 16,8 7
B 4 i, g, h, 2, 3 2 4,8 10
C 9 i, g, 4, 5 2 10,8 8
D 9 - 0 9 9
E 1,5 g, h, 1, 2, 3 2 1,8 13
F 73 a 10 146 1
G 3 - 0 3 12
H 4 - 0 4 11
I 18 e, d, f 2 21,6 6
J 14 a 10 28 5
K 28 a 10 56 2
L 17,5 a 10 35 3
M 17 a 10 34 4

Finalmente, os resultados podem ser dispostos num mapa sintéti-


co, como o que segue, onde a Estrutura primária, representada por li-
nhas e pontos, está ordenada segundo gradações de traços, enquanto a
ordem das Áreas Temáticas está expressa por gradação de tonalidade dos
polígonos respectivos.
Como se pode notar, a estrutura primária da área é predominante-
mente linear, como se esperava, baseada na grande avenida beira-mar,
fortalecida por vários nós de excepcionalidade e ainda pela incidência
de várias outras vias primárias. Subsiste, entretanto, uma variedade de
excepcionalidades nodais, sendo mais notável a numerada (4), compos-
ta por uma estação de metrô, seu espaço aberto adjacente, um quartei-
rão de forma e tamanho excepcionais, ocupado por formas construídas
também excepcionais. As formações nodais, já referidas, podem possuir
ligações axiais ao sistema principal, como frequentemente ocorre; elas,
se existentes, entretanto só seriam detetáveis numa análise ainda mais
detalhada do seu entorno.

113
Figura 29. Mapa demonstrativo da ordem morfológica urbana. Linhas e pontos representam a estrutura primária,
obedecendo a um gradiente hierárquico conforme as dimensões dos elementos e sua numeração sugerem. Po-
lígonos representam as áreas temáticas, ordenadas segundo um gradiente de tons de cinza.

É importante notar a formação na extremidade esquerda da área,


composta de três linhas e pelo menos um nó, que parecem destacados do
restante do sistema primário da área, e isolados. Isso ocorre em decorrên-
cia de um limite artificial, um corte arbitrário imposto pelo operador, que
seccionou o bairro de Ipanema, vizinho, anexando uma pequena parte dele
à área de estudo. Na verdade essa área da extremidade esquerda faz uma
transição entre dois padrões claramente estabelecidos, o de Copacabana e
o de Ipanema e, numa análise mais ampla, apareceria vinculado preponde-
rantemente ao subsistema Ipanema. A descrição e a análise da forma urba-
na da área escolhida foram facilitadas, e, por isso, ela foi selecionada, pelo
seu relativo isolamento; qualquer continuidade urbana seccionada para
fins de análise – e a situação da extremidade direita é exemplar –, implica
perda de relações, muitas possivelmente relevantes, e consequentemente,
o entendimento fica prejudicado.
Outra situação digna de nota é a representada pela sequência hierár-
quica verificada pelos grandes compostos 1 (Av. Atlântica e seus elementos
agregados), 3 (Rua F. Magalhães e agregados) e 4 (Estação Siqueira Cam-
pos e agregados), na verdade interconectados. Nos cálculos apresentados,
estão consideradas as interações por adjacência, ou seja, conexão ime-

114
diata. Assim, o agregado F. Magalhães contribui para a hierarquia da Av.
Atlântica, mas a Estação Siqueira Campos não, visto que não está conec-
tada diretamente. O fato de haver, ao longo dessa linha, uma conexão para
outras partes da cidade (túnel velho) faz supor que o seu valor hierárquico
está subestimado. Assim, seria possível supor um passo adiante na análise
da ordem morfológica, que contemplasse cadeias de elementos primários
mais extensas do que apenas as dadas por adjacência imediata.

Dinâmica morfológica
Três movimentos são identificáveis, mesmo à primeira vista, quais
sejam: aglomeração de elementos excepcionais, resultando na intensifica-
ção da estrutura primária; progressiva diversificação das áreas temáticas,
pela inserção de formas construídas de diferentes safras, embora no exem-
plo adotado essa diversificação esteja controlada pela estabilidade da área.
O terceiro movimento, também amortecido pelo forte isolamento da área
de estudo, é a transformação das bordas por efeito de interação com outras
partes da cidade. Esses três movimentos estão previstos pela teoria geral da
forma urbana aqui esboçada, como segue.
A aglomeração de elementos excepcionais, tendendo à formação de
uma estrutura primária crescentemente hierarquizada, pode ser observa-
da na linha beira-mar (subconjunto 1, na Figura 29) e na área da estação
Siqueira Campos (subconjunto 4). Em ambos os casos, há, na origem, um
ou mais elementos primários, que se tornam referências para novos, que
convergem para a formação de conjuntos mais complexos. No primeiro
caso, da linha da praia, a dinâmica se orienta pela maximização da excep-
cionalidade, quer dizer, a condição de excepcionalidade dos primeiros ele-
mentos (praia, forte) referenciam a localização de outros (hotéis, avenida)
que, ao mesmo tempo que ganham pela associação, contribuem para a for-
mação de um conjunto ainda mais poderoso. No segundo caso, a ocorrên-
cia de um quarteirão de dimensões originais maiores do que seu entorno
possibilitou a sua ocupação com formas construídas também diferencia-
das. A implantação da estação de metrô pode não estar associada direta-
mente a isso, entretanto não parece ser simples coincidência.
A diversificação das áreas temáticas não é facilmente identificável,
dada a grande estabilidade do tecido urbano de Copacabana. Com efeito,
a ocupação densa e compacta, que exige um grande investimento finan-
ceiro, resulta num tecido resistente a transformações. Não obstante, nos

115
trechos em que as formas construídas constituem obstáculos menos sérios
à renovação, como na área temática “I”, esse processo pode ser visto, na
forma de um relevo edilício muito mais diversificado, com edificações de
alturas variando de dois a doze ou mais pavimentos, conforme sua ida-
de. A distribuição dessas formas construídas parece privilegiar uma certa
combinação de tipos, modificando um dos componentes do tema da área,
mas mantendo sua integridade.
O terceiro movimento, também de identificação dificultada pelas ca-
racterísticas da área de estudo, refere-se aos resultados morfológicos da
interação da área com o restante da cidade, particularmente com áreas ad-
jacentes. Copacabana está segregada entre uma linha de morros e o mar,
possuindo apenas duas ligações naturais e mais duas construídas (túneis),
o que limita sua interação. Nas duas áreas de ligação natural, Ipanema e
Lagoa, é possível observar zonas de transição, nas quais as regras de com-
posição de uma e outra áreas se encontram. No primeiro caso, a formação

Figura 30. Registro dos pontos e zonas de interação da área de estudo com a cidade: da esquerda para direita,
bairro de Ipanema, passagem para a Lagoa, túnel velho e túnel novo, ambos conduzindo aos bairros mais cen-
trais, e o centro histórico urbano.

116
morfológica de Ipanema não é dramaticamente diferente da de Copacaba-
na, o que torna a transição menos aguda. Ali, a transição se dá apenas pela
inserção de uma concordância geométrica entre as duas formações viárias
e uma gradação na altura das edificações. No segundo caso, as diferenças
são mais notáveis, tendo a Lagoa uma predominância de espaços públicos
irregulares e forma construída menos compacta; entretanto a separação
entre ambas é, em grande parte, dada pela conformação geográfica do lo-
cal, uma passagem estreita entre duas elevações. O movimento, aqui refe-
rido, caracteriza-se pela mobilidade da linha divisória entre áreas de dife-
rente conformação morfológica, assinalando a invasão de uma área pela
outra, quanto à sua forma construída, conforme evolui o contexto social
e tecnológico. Neste caso, é possível observar alguma contaminação das
regras de composição do tecido urbano de Copacabana pelas da Lagoa,
na borda. Ainda é possível identificar interação entre a borda original do
bairro e os assentamentos irregulares ocorridos posteriormente, onde al-
guma interpenetração ocorre, criando zonas de morfologia híbrida. A real
natureza da dinâmica da forma urbana, entretanto, não se revela totalmen-
te apenas no exame dos objetos; como vai ser demonstrado mais adiante, o
espaço detém a chave para esse entendimento.

117
MORFOLOGIA URBANA
BASEADA EM ESPAÇO
7

A abordagem praticada até este momento permitiu representar a for-


ma urbana através de um conjunto limitado de componentes e regras de
articulação que, juntos, produzem um tecido, ou seja, um organismo que
possui uma ordem. Apesar de seu considerável grau de desenvolvimento e
sofisticação, essa abordagem ilumina mais o passado do que o presente, e
menos ainda, o futuro da cidade. Com efeito, apesar de conter um esforço
de definição de uma dinâmica, baseada em repetição e inovação, condu-
zindo à formação de áreas temáticas e estrutura primária, essa lógica ainda
permanece incapaz de relacionar as partes ao todo de forma consistente e
sistemática, bem como de prover uma explicitação convincente dos me-
canismos de mudança. Isso parece ser mais bem explorado na abordagem
espacial, cujos fundamentos seguem.
Até então, a forma urbana foi tomada como uma figura, ou um invó-
lucro. De maneira inversa ao que ocorreu até aqui, pode-se agora pensar
a forma urbana como um fundo, ou um espaço involucrado. Todo objeto
arquitetônico tem essa característica que o distingue de outros tantos ob-
jetos do mundo, que é justamente o poder de capturar uma fração infini-
tesimal do espaço, a qual passa a existir separada do restante do universo.
Uma casa é um objeto, mostrando todos os atributos que os objetos costu-
mam ter: dimensões, proporções, materiais, cores, texturas; mas também
é, simultaneamente, um conjunto de microscópicos fragmentos de espaço,
cada um tendo sido destacado do todo e correspondendo a um compar-
timento dessa casa. Esses fragmentos de espaço, que de agora em diante
serão denominados de células, coincidem com os objetos que os contêm,
mas são entidades de outra natureza, abstratas. Por extensão, os chamados
espaços abertos urbanos podem também ser equiparados a células, igual-
mente resultantes da compartimentação do espaço derivado da disposição

119
dos objetos arquitetônicos sobre um território. Essas células não estarão,
obviamente, inteiramente separadas do todo, já que não possuem “uma
cobertura”, mas certamente estão configuradas como células similares às
das formas construídas nas dimensões do plano, que é onde a cidade acon-
tece e se desenvolve. Por esse caminho, e por similaridade com o que já foi
formulado anteriormente, pode-se pensar a cidade como um organismo
composto de uma coleção enorme de células espaciais, como na figura que
segue. Vê-se, em primeiro lugar, que a totalidade do território está tomada
por células, perfeitamente justapostas de maneira a cobrir integralmente
o terreno. Na verdade algumas dessas células, não mostradas na figura,
podem estar superpostas, tanto no âmbito estrito das formas construídas
(edificações de mais de um pavimento) quanto no âmbito mais amplo do
espaço público (edificações projetadas sobre o espaço público, como é co-
mum encontrar nas cidades italianas antigas como a da figura).
Considerada a hipótese de ser a cidade um conjunto de células, sua
descrição e posterior análise requerem a identificação dessas entidades
através de seus atributos e características. Parece ser impossível, em última

Figura 31. Um corte horizontal de um trecho da cidade de Gênova, Itália, mostrando a compartimentação do espaço
ocorrida em função da disposição articulada de formas construídas sobre o território.
Fonte: Caniggia, G; Maffei. G L Composizione architettonica e tipologia edilizia. Veneza: Marsiglio Editori, 1979, p. 77

120
análise, separar completamente o objeto da célula, já que um é origem do
outro, mas pode-se especular sobre que atributos, mesmo originados nos
objetos, podem ser relevantes para a definição das células, particularmente
aqueles que, não sendo normalmente utilizados na definição dos objetos,
podem acrescentar novas dimensões às descrições da cidade. Como ficou
claro, a definição do casco urbano repousa preponderantemente sobre
seus atributos geométricos – dimensões, proporções – enquanto as células,
sendo entidades abstratas, prestam-se melhor a definições locacionais e
relacionais, isto é, a atributos geográficos e topológicos.
Como atributos geográficos, pode-se anotar a posição, tanto absoluta
quanto relativa, como principais, denotando, respectivamente, uma loca-
lização sobre o território e uma vinculação – distância – às demais células
do mesmo organismo. Cada célula terá, assim, uma posição definida e pró-
pria, podendo ser identificada pelas coordenadas de um ou mais pontos
do território cobertos pela célula. Também terá uma ou mais distâncias
entre si e as demais, conforme se considere o tipo de percurso entre elas.
Os atributos relacionais, por sua vez, referem-se basicamente aos tipos de
vínculos existentes entre células vizinhas e remotas do organismo. A partir
de uma célula qualquer, podem ser examinadas as relações que mantém
com suas vizinhas, quando então se encontram duas alternativas: uma jus-
taposição simples, expressa no compartilhamento de uma linha ou mesmo
um ponto comuns, ou uma adjacência, expressa na continuidade entre elas
através de uma ligação física. Se o âmbito do relacionamento é expandido
para além da vizinhança imediata, verifica-se que cada célula mantém um
ou mais percursos desde si até qualquer uma das outras participantes do
mesmo conjunto ou organismo.
Com posição, distância, adjacência e percurso tem-se um conjunto de
atributos suficiente para caracterizar as células espaciais da forma urba-
na; todas são relacionais, quer dizer, caracterizam tipos de relação de cada
célula com outras do mesmo conjunto. Isso é consistente com a caracte-
rização de um tipo de entidade que não possui nem forma própria nem
qualquer outro atributo que permita distinguir um indivíduo dos demais;
sendo impossível classificar células por tipos, grupos ou categorias, resta
apenas a possibilidade de identificá-las pela maneira particular com que
cada uma se insere no conjunto espacial. Esse conjunto de células, embo-
ra parte integrante da morfologia da cidade, possui alguma flexibilidade e
autonomia em relação àquela forma definida pelos objetos urbanos. Com
efeito, pode-se imaginar, por exemplo, uma determinada praça com dife-

121
rentes geometrias, que lhe alterariam a forma física sem, entretanto, mo-
dificar a célula espacial correspondente, ou então o reposicionamento de
uma parede divisória interna de uma edificação, que causaria a alteração
da forma de dois compartimentos, sem alteração das células correspon-
dentes. Por outro lado, modificações aparentemente mais triviais, como
a colocação de uma porta, ou, ao contrário, sua supressão, não causariam
modificação na forma física, mas alterariam um dos atributos das célu-
las correspondentes, por acrescentarem ou suprimirem uma adjacência.
Para evitar confusão, passa-se a usar neste texto as expressões “morfolo-
gia” para abranger a totalidade da forma urbana, “forma” para se referir a
um arranjo qualquer de objetos urbanos, e “configuração” para se referir
ao conjunto de células espaciais correspondente.
Com as definições apresentadas, tem-se um conjunto de células espa-
ciais urbanas inter-relacionadas umas às outras por adjacência, distância
e percurso. Visto como um todo, esse conjunto constitui um emaranhado
de percursos ligando cada célula a cada uma de todas as demais, constiti-
tuindo uma característica desse conjunto, denominada de alcançabilidade,
que significa que qualquer célula possui pelo menos uma adjacência e é,
como todas, alcançável desde qualquer outra. Cada e qualquer par de célu-
las desse conjunto terá, pelo menos, um percurso que o conecta, normal-
mente, ou, dada a complexidade da rede de espaços públicos, mais de um.
A maneira mais direta de diferenciar os diversos percursos que ligam
duas células quaisquer de um conjunto espacial é a distância, já que, nesse
emaranhado de percursos possíveis, haverá diferentes extensões a serem
percorridas, conforme o traçado particular de cada um. Havendo diferen-
tes percursos, com diferentes extensões, é possível identificar o mais curto.
Este, comumente denominado, na literatura, como “menor caminho” é a
referência de percurso entre um par qualquer de células e assim utilizado
para descrição e análise espacial. Pode-se dizer, por fim, que para cada e
qualquer par de células espaciais pertencentes a um mesmo conjunto ha-
verá um percurso (caminho mínimo) a conectá-lo.

Fundamentos da configuração espacial urbana


As bases descritivas do espaço urbano podem ser encontradas nas
definições elementares aqui apresentadas até o momento: células dispostas
sobre o território, cobrindo-o em sua totalidade, conectadas entre si de
forma seletiva (quer dizer, nem todas estão conectadas a todas) e alcançá-

122
veis mediante uma variedade de percursos possíveis, dos quais pelo menos
um será menos extenso e, por isso, denominado de menor caminho, ou
simplesmente distância. Mais adiante será demonstrado que as definições
de células, adjacência e caminho mínimo, elementos fundamentais dessa
descrição, podem sofrer maior elaboração e oferecer diferentes descrições;
o que interessa aqui neste momento é, entretanto, a possibilidade de dessa
descrição elementar emergir algum tipo de conhecimento novo e gene-
ralizável para a forma urbana. Foi visto que das descrições baseadas em
objetos emergiu uma explanação genérica para a forma urbana, expressa
na chamada “ordem morfológica”. A questão, similar, aqui, é arguir quanto
à possibilidade de se chegar a uma explanação genérica do espaço urbano
equiparável à dada pela ordem morfológica. O caminho para isso é jus-
tamente a exploração da característica relacional intrínseca da descrição
elementar do espaço, a conectividade.
Implícita na morfologia de uma cidade está uma coleção de fragmen-
tos de espaço, definidos ou pelas formas construídas propriamente – os
diversos compartimentos das edificações –, ou pelos intervalos deixados
entre elas – os espaços abertos públicos e privados.

Figura 32. A imagem mostra um trecho de um corte horizontal de um fragmento urbano, no qual, dada a perda
de definição dos objetos construídos, bem como dos espaços abertos, fica aparente com mais clareza a coleção de
fragmentos de espaços criados pelas formas construídas.

Vista assim, sem definição do que é público ou privado, aberto ou


edificado, a coleção de espaços assemelha-se a um organismo composto
de células justapostas que cobrem o território e se ligam umas às outras de

123
forma seletiva através de adjacências. Assim postas, formam um labirinto,
ou um sistema de barreiras à livre movimentação de pessoas. Esse sistema
de barreiras opera de tal forma que virtualmente qualquer percurso no seu
interior implica várias mudanças de direção.

Figura 33. A constituição do espaço urbano: células justapostas sobre o terreno e interligadas umas às outras
de forma seletiva, através de adjacências. O desenho seleciona uma célula (colorida), identifica as suas vizinhas
imediatas (marcadas de A a G) e diferencia as suas relações (linhas contínuas mais fortes são adjacências, quer
dizer, ligação através de aberturas, linhas pontilhadas mais fracas são simples justaposições). Assim, diz-se que
as células A, C, D, E e F são adjacentes à célula colorida, enquanto as células B e G são apenas justapostas a ela.

Células espaciais são entidades destacadas dos objetos, embora te-


nham sido criadas por eles. Seus atributos, não podendo ser os dos objetos
de origem, como os geométricos, de material, cor, textura, etc., são posi-
cionais. Assim, todas as células são equivalentes e se distinguem umas das
outras por atributos de posição. A posição de uma célula pode ser definida
de forma absoluta, ou seja, através das coordenadas que a localizam sobre
a superfície do globo, ou relativa às demais células pertencentes à mesma
coleção. A posição relativa pode ser determinada pela adjacência de cada
célula, quer dizer, pelas ligações diretas que mantém com outras células da
coleção, e também pela distância de cada célula das demais.

124
Figura 34. Os atributos das células espaciais: à esquerda, a identificação de uma célula; a seguir, a sua posição
absoluta, dada pelas coordenadas que a localizam, e sua posição relativa dada, primeiro, pela sua adjacência e
segundo pela sua distância às demais.

O labirinto aparente, formado pela coleção de células interligadas se-


letivamente, constitui percursos no seu interior. Há, a partir de cada célula,
no mínimo um percurso ligando-a a pelo menos uma outra célula, de tal
forma que nenhuma célula está completamente isolada. A isso se chama
alcançabilidade, e se diz que toda célula de uma morfologia urbana é al-
cançável a partir de qualquer outra.

Figura 35. Toda célula, sendo alcançável, tem pelo menos um percurso que a liga a pelo menos uma outra célula
pertencente à mesma coleção. Na Figura, uma célula é selecionada e seus percursos até as duas outras são mapeados.

Considerando que, em situações reais, qualquer par de células man-


terá uma quantidade indefinida e grande de percursos possíveis entre si,
define-se que o percurso a ser considerado em qualquer descrição ou aná-
lise espacial urbana será o menor, denominado de caminho mínimo.

125
Figura 36. Ilustração do caminho mínimo: entre duas células quaisquer de uma cidade, haverá sempre uma quan-
tidade indefinida e grande de percursos possíveis, sendo um deles o mais curto, escolhido como referência e
denominado de caminho mínimo. Na Figura, as linhas negras mais finas são alguns dos caminhos possíveis entre
os dois pontos assinalados, e a linha negra mais espessa é o caminho mínimo.

Assumindo que a todo e qualquer par de células corresponde pelo


menos um percurso, é possível mapear e examinar agregadamente essa
coleção de percursos. Supondo uma forma urbana hipotética composta
de “n” células, todas numeradas de 1 a n, tem-se, para cada uma delas,
em primeiro lugar, [n-1] caminhos originando-se nessa célula particular e
findando em cada uma das demais. Tudo isso mapeado, se cada caminho
é representado por uma linha que liga um par de células, tem-se como re-
sultado uma coleção de n * (n-1) linhas. Considerando que cada uma delas
está duplicada nesse mapa, visto que a linha que liga a célula “i” à célula “j”

126
é idêntica à linha que liga a célula “j” à célula “i”, e ambas, assim, represen-
tam o mesmo caminho, tem-se que o mapa conterá [n * (n-1)] / 2 linhas.
Partindo da noção de alcançabilidade, se deduz que, a partir de cada
célula, é possível estabelecer um caminho que conduz a cada uma outra
célula de uma coleção. Assim, se a coleção tem 4 células, como o exemplo
da Figura 37, tem-se que, de cada uma, partirá um feixe de 3 caminhos,
ligando-a a todas as demais. Também o inverso é verdade, que a cada cé-
lula chegarão 3 caminhos, vindos de cada uma das outras. Esses feixes que
têm origem e-ou destino nas células chamam-se feixes incidentes. Consi-
derando, entretanto, que os caminhos entre pares quaisquer de células são
normalmente formados por outras células, quer dizer, células somente são
alcançáveis através de outras células, muitas delas terão, além dos feixes
incidentes, alguns outros caminhos que passam através delas, conectanto
pares de outras células.

Figura 37. Os feixes incidentes e as linhas de conexão: de cada célula partem (n-1) caminhos e a cada célula
chegam (n-1) caminhos. As células A, C e D apresentam, assim, feixes incidentes. A célula B, entretanto, além do
seu feixe incidente, igual ao das demais, está carregada com caminhos pertencentes a feixes incidentes de outras
células, no caso, todas as outras.

Mesmo sem conhecer a forma urbana hipotética, nem sua corres-


pondente configuração, é, entretanto, possível afirmar algumas particula-
ridades relativas ao mapa de percursos e células:
a) de cada uma das células do conjunto originam-se (n-1) linhas de
percurso, buscando cada uma das (n-1) demais células do conjunto.
Se essas linhas fossem coloridas, seriam n conjuntos de cada cor, cada
um contendo (n-1) linhas;

127
b) correspondentemente, a cada uma das n células chegam (n-1) li-
nhas, cada uma de cor diferente, vindo das (n-1) células restantes do
conjunto;
c) com isso, se tem, para cada célula, um feixe incidente de [2 * (n-1)]
linhas, exatamente;
d) entretanto, e muitíssimo importante, os feixes totais de linhas rela-
tivos a cada célula não são iguais. Isso ocorre porque algumas, muitas
delas na verdade, são passagem para outras, significando que se loca-
lizam no caminho mínimo entre um par qualquer de células. Assim
tem-se que, enquanto algumas células têm seu feixe de linhas limita-
do às incidentes, quer dizer, as linhas que têm seus extremos nessas
células, outras têm um feixe maior, composto das linhas incidentes
MAIS as linhas que as atravessam para realizar a conexão de um par
de outras células, não adjacentes e que, em vista disso, dependem da-
quelas para serem alcançáveis mutuamente.
A configuração, isto é, a disposição relativa de células e suas respec-
tivas adjacências, gera uma diferenciação espacial, qual seja uma situação
em que algumas células, além de serem origens e destinos de percursos,
são também conectores de outras células. Essa função dupla é revelada
pelo porte de feixes de linhas de alcançabilidade diferentes conforme uma
célula está posicionada e conectada às demais. Essa diferenciação pode ser
chamada de estrutura espacial urbana. Estrutura espacial urbana, dessa
maneira, fica definida como um sistema de relações espaciais de alcança-
bilidade que vincula cada uma e todas as células pertencentes a uma for-
ma urbana a todas as demais. A estrutura espacial urbana, assim, não é o
espaço em si, mas um tipo de vínculo nele existente. A estrutura espacial
urbana pode ser revelada através do mapeamento das linhas de alcançabi-
lidade, como sugere a Figura 38 a seguir.

128
Figura 38. Estrutura Espacial Urbana. Em A, aparece o diagrama de um fragmento urbano simplificado, com cé-
lulas brancas representando formas construídas e células cinzas representando espaços públicos. Em B, aparece
o mapa de linhas de alcançabilidade partindo da célula A e se destinando a todas as demais. Em C, aparece o
mesmo mapa de alcançabilidade consolidado e representado por linhas de espessuras diferenciadas proporcio-
nais à quantidade de linhas unitárias. Em D, aparece outro mapa de linhas de alcançabilidade, no caso, a partir da
célula 3. Em E, aparecem todos os mapas de alcançabilidade de todas as células, consolidados e representados por
linhas de espessuras proporcionais à quantidade de linhas unitárias partindo, chegando e passando através de
cada célula. Esse mapa representa a hierarquia do sistema representado em A e pode ser considerado como uma
das possíveis expressões da sua Estrutura Espacial Urbana. Pode-se notar que a célula 4 é a que tem maior valor
hierárquico, porque possui o maior feixe de linhas de alcançabilidade dentre todas.

Em vista das situações descritas acima, é possível deduzir algumas


propriedades desse conjunto de espaços urbanos. A primeira delas é que
ele constitui um sistema. Isso se deduz a partir das noções de alcançabi-
lidade e de percurso, ou caminho mínimo. Note que, se se consideram
células como componentes, e adjacência e percurso como relações entre
componentes, tem-se que todos os componentes estão relacionados entre
si, isso ocorrendo através de um caminho mínimo necessariamente exis-
tente entre qualquer par de células. Havendo uma relação de cada célula
com cada uma outra, resulta que qualquer modificação nos componentes,
seja pela adição de um novo, seja pela supressão de um já existente, afeta a
todos. Isso ocorre porque o conjunto de relações concretas mantidas por
cada componente, expresso no mapa de percursos como o feixe relativo a
cada célula, se altera, ganhando ou perdendo uma linha, o mapa ganhando
ou perdendo uma cor. Igualmente, considerando a adjacência como uma
das relações fundamentais entre células, qualquer alteração, seja acrescen-
tando uma nova adjacência, seja suprimindo uma já existente, provoca al-
teração nas relações entre todos os componentes. Com efeito, uma modifi-
cação na adjacência altera a composição dos caminhos mínimos de outros
pares, e assim, pode modificar os feixes de linhas. Essa relação forte entre
componentes, que provoca propagação de perturbações locais até atingir
a totalidade do conjunto é justamente uma das características dos siste-
mas. A equiparação da forma urbana a um sistema é de grande importân-

129
cia para seu estudo, visto que permite não apenas uma nova e mais precisa
conceituação, mas também supõe a utilização de um arsenal de meios ana-
líticos, próprios da ciência dos sistemas, para a sua investigação.
A Figura 38 também demonstra que, numa forma urbana, as célu-
las espaciais estão relacionadas entre si de maneira forte e precisa, de tal
maneira que qualquer modificação local, como, por exemplo, a adição ou
subtração de uma única célula, ou a adição ou subtração de uma única ad-
jacência, produz efeitos que se propagam e afetam o conjunto todo. Com
efeito, fica fácil imaginar o efeito da subtração de uma célula: todo o seu
feixe de linhas incidentes desaparece com ela, cada célula remanescente
terá seu feixe de linhas incidentes diminuído em uma unidade. Se essa cé-
lula for uma conectora, sua subtração certamente modificará alguns ca-
minhos mínimos, fazendo com que a distribuição espacial de feixes cor-
respondentes de linhas seja alterada e, com isso, toda a hierarquia espacial
afetada. Essa relação de interdependência entre componentes, através de
relações que vinculam cada um aos demais de forma sistemática, permite
equiparar o espaço urbano a um sistema, e tratá-lo como tal.
A segunda propriedade é a denunciada pelos feixes diferenciados de
linhas associados a diferentes células. Esses feixes indicam a existência de
uma hierarquia interna no sistema espacial. As células que são reconhe-
cidas apenas pelos feixes de linhas incidentes são as extremidades do sis-
tema, isto é, são células que possuem apenas uma adjacência, e, com isso,
não são capazes de prover acesso a nenhuma outra na sequência. Ao con-
trário, células de têm mais de uma adjacência podem possivelmente fazer
parte de algum caminho mínimo entre pares de outras células; com isso,
ganham o papel de conectores, canalizam percursos e, assim, ocupam po-
sição hierarquicamente superior às de extremidade. As células extremida-
de são, normalmente, as definidas pelos compartimentos mais recônditos
das formas construídas; opostas a essas, as de maior poder de conexão do
sistema espacial são alguns espaços públicos, particularmente aqueles que,
devido à sua posição e conexões no sistema, conseguem ser mais vezes in-
cluídos nos caminhos mínimos de um maior número de pares de espaços
do sistema. A hierarquia é uma propriedade inerente ao sistema urbano,
identificável e mensurável para cada uma e para todas células de qualquer
sistema. A hierarquia espacial é uma propriedade das células do sistema,
porém definida em função da relação de cada uma delas com todas de-
mais; assim, qualquer adição ou subtração de qualquer célula, bem como
de qualquer adjacência entre células, afeta a hierarquia de todas as demais.

130
A hierarquia do sistema espacial urbano é, dessa forma, uma expressão
de um sistema de relações que vincula cada célula às demais, o qual pode
ser denominado de estrutura espacial urbana, justamente por representar
a presença do todo em cada um de seus componentes.
Pode-se notar que, devido à configuração espacial peculiar dos siste-
mas urbanos, há uma tendência a concentrar nos espaços públicos a maior
hierarquia. Com efeito, o espaço urbano se organiza de forma a vincular
o acesso a todas as formas construídas ao espaço público; com isso, os
compartimentos mais recônditos das edificações serão sempre as células
terminais do sistema, aquelas que têm apenas extremidades de linhas de
alcançabilidade; já os espaços públicos sempre serão passagem para outras
células, fazendo com que seus feixes sejam compostos de linhas de alcan-
çabilidade com origem e destino, mais as que passam por elas em demanda
a outras células, extremas do sistema.

Figura 39. Exemplos mostrando a configuração espacial peculiar das cidades, que, ao ligar cada edificação ao
espaço público e não a outras edificações, faz com que os espaços públicos adquiram maior hierarquia. Nos dese-
nhos, pode-se notar a formação de “cachos” de células referentes a formas construídas (pontos negros), subordi-
nados a células de espaço público (círculos vazados).

Estrutura espacial (aqui apresentada) e ordem morfológica (apresen-


tada anteriormente) são formas de caracterizar a globalidade da forma
urbana, utilizando dimensões topológicas e geométricas respectivamente.
Como seria de se esperar, elas revelam aspectos diferentes da morfologia
de uma cidade, que podem eventualmente ser complementares e corres-
pondentes, mas também divergir, como vai ser mostrado mais adiante.

A estrutura espacial urbana


A estrutura espacial é equivalente, em alguns aspectos, à ordem mor-
fológica urbana; ambas são inerentes à forma urbana e, na verdade, reve-

131
lam aspectos fundamentais da sua constituição; ambas tentam se referir ao
todo, isto é, à dimensão global da cidade, identificando o lugar e o papel de
cada parte. Ambas podem produzir indicações qualitativas e quantitativas
precisas quanto ao lugar e papel de cada parte, como já foi demonstrado;
entretanto, suas similaridades param aí. Com efeito, assim como são simi-
lares em alguns aspectos, são fundamentalmente diferentes em outros, e,
talvez, a mais relevante diferença entre ordem e estrutura seja a natureza
da hierarquia implicada em uma e outra. No estabelecimento da ordem
morfológica, se assiste à afirmação dos elementos primários pelos seus
próprios atributos geométricos diferenciais. Esses atributos são suficien-
tes para, em um primeiro momento, definir o status de um componen-
te como de exceção, e esse status pode ser modificado na direção de uma
ainda maior exacerbação das diferenças, ou, ao contrário, mas nunca ser
eliminado. No estabelecimento da estrutura, se assume a equiparação de
todas as células, a definição do tipo de relação que cada uma guarda com
suas vizinhas imediatas, depois com suas vizinhas remotas, até os limi-
tes do sistema de células. É somente depois da verificação dessas relações
todas é que a hierarquia espacial se revela, não como atributo da célula,
mas como atributo do sistema, depositado em cada uma delas. Ordem
morfológica e estrutura espacial, dessa maneira, não se equivalem e, muito
provavelmente, não coincidem integralmente. Com isso, se quer dizer que
um determinado componente da forma urbana pode perfeitamente portar
uma posição hierárquica específica na ordem morfológica e outra posição
hierárquica particular na estrutura espacial. Essa condição de potencial
duplicidade vai ser explorada mais adiante. Por ora, interessa identificar
características da estrutura espacial.
O primeiro aspecto importante é o que concerne à estrutura espacial
correspondente a diferentes configurações, considerando que configura-
ções se diferem pela posição de suas células e as relações entre elas. Es-
sas configurações, no mundo real, hão de variar largamente, obedecendo
às particularidades de cada cidade; entretanto, para uma parametrização
preliminar, pode-se imaginar quais seriam as situações extremas, ou seja,
as que minimizam o papel desempenhado pelas células na conexão entre
pares de outras células, e as que o maximizam. A situação de minimização
equivale a uma configuração em que todas as células se ligam a todas di-
retamente, dispensando outras para realizar a conexão. A situação de ma-
ximização é a que coloca todas as células em subordinação a uma, ou em
subordinação sucessiva. A Figura 40 que segue exemplifica esses casos. A

132
Figura 41 é uma representação gráfica da hierarquia espacial de cada caso,
ou seja, as respectivas estruturas espaciais.

Figura 40. Três configurações representativas dos extremos de variação da hierarquia espacial. Para simplicidade,
os sistemas são reduzidos a apenas seu espaço público, representado em preto. A situação A mostra um conjunto
de 9 ruas convergindo a um só ponto, havendo, por isso, conexão direta entre qualquer par de células, eliminando
qualquer hierarquia. A situação B mostra situação em que um conjunto de 9 ruas convergem para um anel central,
que passa a ser o elemento de conexão obrigatório entre qualquer par de células; com isso, a hierarquia é maximi-
zada. A situação C mostra um conjunto de 9 ruas conectadas em sequência, de forma que a hierarquia é também
sequencial, com o trecho médio ocupando a posição de maior hierarquia.

Figura 41. Representações gráficas da hierarquia espacial implícita nos três sistemas da figura anterior. A situação
A mostra ausência de hierarquia, já que todas as células se conectam a todas as demais diretamente. A situação B
mostra a hierarquia máxima, atribuída a uma célula que está, sozinha, no caminho obrigatório de todos os pares
de células do sistema. A situação C mostra a hierarquia sequencial máxima, em que as células mais internas do
sistema são obrigatoriamente interpostas nos caminhos mínimos, criando um gradiente de hierarquia.

Um segundo aspecto relevante, derivado do que foi mostrado, refere-


-se ao grau de vulnerabilidade do sistema. Vulnerabilidade do sistema
em relação a células pode ser entendida como a capacidade de uma célu-
la para modificar qualitativamente o sistema, o que pode ocorrer de duas
maneiras: quando a célula abandona o sistema e quando ela altera sua re-
lação com as demais. Vê-se que no sistema A, por não haver hierarquia, a
retirada de qualquer célula apenas modifica o feixe de linhas de alcançabi-
lidade de cada célula, sem mudar o status de nenhuma delas no sistema. No

133
sistema B, há duas situações distintas; as linhas radiais não são capazes de
modificar qualitativamente o sistema, visto que a retirada de qualquer uma
apenas modifica o feixe incidente das demais. O anel é um caso inteiramente
distinto, pois sua retirada simplesmente causa a extinção do sistema, já que
o que restaria seriam apenas 9 células desconexas. No sistema C, também
há duas situações distintas, a primeira refere-se às células das extremidades,
que, retiradas, causariam apenas o efeito de diminuir os feixes incidentes das
demais; a segunda refere-se a qualquer uma das demais, cuja retirada cau-
saria a partição do sistema em dois. A vulnerabilidade relativa às relações
entre células ocorre quando uma conexão, adicionada ou subtraída do sis-
tema, provoca modificação da hierarquia. Isso ocorreria, por exemplo, nos
sistemas A e B, se uma das ruas, ao invés de incidir sobre o centro ou o anel,
respectivamente, incidisse sobre uma outra rua, provocando, com isso, em
A, o surgimento de hierarquia, e em ambos os casos, a modificação do status
tanto da célula incidente quanto da que recebe a incidência.
Como se pode facilmente adivinhar, configuração e consequentes hie-
rarquia e vulnerabilidade têm tudo a ver com as redes de espaços urbanos
e sua relação cotidiana com seus usuários, desde as aparentemente triviais
modificações internas das edificações, criando ou eliminando portas,
passando pelos controles de acesso às vias públicas pelo sistema de mão
única, até a eliminação, mesmo que temporária, de trechos de vias públicas
em razão de acidentes de trânsito ou obras de infraestrutura, com efeitos
muitas vezes dramáticos sobre fluxos de pessoas e de veículos.
A terceira questão envolvendo a estrutura espacial que pode ser en-
dereçada neste momento é relativa à mudança e estabilidade. Como se
sabe, a cidade está em permanente mudança, sempre adicionando, mas
também subtraindo partes de sua forma, e, como também agora se sabe, a
estrutura espacial correspondente faz com que todos os componentes do
sistema, e ele próprio como um todo, seja sensível a qualquer mudança.
Juntando as duas coisas, tem-se que a cidade teria uma hierarquia poten-
cialmente instável, mercê de um constante processo de alteração morfoló-
gica. Os exemplos mostrados acima e utilizados para balizar os limites da
produção de hierarquia espacial são muito simplificados e reduzidos para
representar situações realistas; entretanto, pode-se, mesmo assim, inferir
que a hierarquia tem um forte efeito de borda. Chama-se efeito de borda
todo evento ou processo que, ocorrendo nas bordas de um sistema qual-
quer, resulta na consolidação do centro. Isso pode ser verificado nos casos
B e C da Figura 41, em que o acréscimo de novas células na borda resul-

134
tará no aumento da hierarquia do anel central (caso B) e na célula média
(caso C). Está claro que não apenas essas células terão alteração de status
em função do que ocorre nas bordas; outras células intermediárias passa-
rão pelo mesmo processo. Está claro também que nem todas as mudanças
urbanas implicarão aumento da hierarquia do centro; poderá ocorrer até
mesmo o inverso, pela formação de uma nova centralidade, mas de todo
modo infere-se que boa parte das pequenas transformações irão reforçar a
hierarquia do centro e que modificações sensíveis na hierarquia, tais como
emergência de outro centro, poderão ocorrer como resultado do somató-
rio de pequenas adições, durante longo tempo.

Referências fundamentais dos estudos do espaço urbano


A pesquisa voltada ao espaço urbano tem seus fundamentos asso-
ciados ao Martin Centre for Architectural and Urban Studies da Univer-
sidade de Cambridge, Reino Unido, mais particularmente a Leslie Martin,
Lionel Martin e Phillip Steadman, seguido da Bartlett School of the Built
Environment, da Universidade de Londres, e, mais recentemente, do Cen-
tre for Advanced Spatial Analysis, também da Universidade de Londres.
No início da década de 70, foi publicado o livro “Urban Space and Struc-
tures”, contendo um artigo de Martin, denominado “The Grid as Generator”
(Martin; March, 1972), bem como vários artigos de March, todos voltados a
explorar propriedades geométricas da forma urbana, bem como possibilida-
des de configurar diferentes morfologias urbanas a partir dos mesmos elemen-
tos. São muito conhecidos os estudos de Martin sobre a grelha de Manhattan.
March, também um qualificado matemático, mostrava possibilidades descri-
tivas e analíticas do espaço urbano usando matemática booleana, estatística e
teoria dos grafos. March contribuiu muito para o desenvolvimento desse cam-
po, tanto como autor de diversos livros e artigos, quanto como primeiro editor
do periódico “Environment and Planning B – Planning and Design”, dedicado
aos estudos urbanos, com ênfase na questão espacial.
Steadman (1983) foi outro cientista que contribuiu com muitos tra-
balhos sobre o tema; seu livro “Architectural Morphology” é pioneiro no
trato do espaço arquitetônico a partir de um ponto de vista sistemático e
rigoroso. Steadman foi Diretor do Centro de Estudos Configuracionais da
Open University, de onde coordenou extensas pesquisas sobre o ambiente
urbano da Grã Bretanha. Mário Júlio Kruger (1979, 1980, 1981a,1981b),
orientado por March, elaborou sua tese de doutorado sobre o problema
das relações entre edificações e espaços públicos urbanos usando extensos

135
recursos de teoria dos grafos, e constituindo com ela um marco no trata-
mento científico do espaço urbano.
Em Londres, Hillier e Hanson (1984) desenvolveram, na primeira
metade dos anos 80, extensos estudos sobre a espacialidade urbana, fun-
dando sua própria área de estudos dentro do campo de pesquisa sobre a
configuração espacial urbana, que denominou “Sintaxe Espacial”.
A Sintaxe Espacial é um conjunto de métodos e técnicas de descrição
e de análise da configuração espacial e suas possíveis vinculações com o
comportamento social urbano. Para isso, procura descrever e medir as-
pectos da configuração espacial que possam estar associados a processos
sociais, tais como fluxos, copresença e uso do solo. O instrumento analíti-
co mais importante da Sintaxe Espacial é a medida de Integração, que clas-
sifica um sistema de unidades espaciais axiais segundo seu grau de acessili-
dade. A medida de integração sustenta correlações estáveis com a presença
de pedestres nas vias públicas, justificando, dessa forma, sua associação à
manifestação comportamental urbana.
Mais recentemente, Michael Batty (1997, 1998, 2005), um geógrafo
britânico com sólida e conhecida produção no campo dos estudos urba-
nos, fundou o Centre for Advanced Spatial Analysis (CASA), disponível
em www.casa.ucl.ac.uk , que se propõe a desenvolver pesquisa avançada, e
tendo como um dos focos principais a análise espacial urbana. As contri-
buições do CASA são muitas, sendo as mais relevantes para a morfologia
urbana aquelas relacionadas a modelos de simulação da dinâmica espacial
urbana. Simulações de dinâmica espacial incluem a reprodução computa-
dorizada de fenômenos de crescimento urbano, de transformação interna,
de geração e distribuição de fluxos, etc. Batty sucedeu March na editoria
do periódico “Environment and Planning B – – Planning and Design”, que
se constitui hoje na mais importante publicação da área.

136
DESCRIÇÃO
DO ESPAÇO URBANO
8

Ao introduzir a noção de espaço e sua correspondente divisão em


células, estas foram intuitivamente associadas a compartimentos da forma
construída e “porções” de espaço aberto. No desenvolvimento da teoria
básica do sistema espacial urbano de e sua estrutura, a intuição foi mais
uma vez usada para representar espaço, células e estruturas espaciais atra-
vés de esquemas gráficos compostos de pontos e linhas. Neste capítulo, vai
ser buscada uma forma de descrever espaço com mais precisão e rigor.
Voltando ao corte horizontal de uma cidade, apresentado no ca-
pítulo anterior, o que pode ser visto ali é uma profusão de células; as
decorrentes de edificações são mais bem definidas, as decorrentes de
vazios entre edificações, menos. Nessa instância de observação, boa parte
do total das células identificáveis corresponde a espaços edificados, que
são terminações na maioria das cadeias celulares dos sistemas urbanos.
Com efeito, independentemente da forma de representar células espaciais,
a grande maioria dos pares possíveis de um sistema urbano terá células
edificadas nas duas extremidades, isto é, inicia e termina com células cor-
respondentes a edificações. Além disso, uma boa parte dessas cadeias é in-
teiramente desenvolvida no âmbito do espaço privado, como são todas as
que ocorrem no interior de uma única edificação. As situações possíveis
são as seguintes (“FC” significa forma construída, e “EP” espaço público :
a) [FC > FC] é o caso de uma cadeia celular que não envolve espaço
público, e, assim, somente pode ocorrer no interior de uma dada edi-
ficação. A grande maioria são cadeias celulares do âmbito doméstico
(ocorrem no interior das residências), mas também incluem ligações
entre residências, como no caso dos edifícios de habitação coletiva;
b) [FC > EP > FC] é o caso padrão, ou seja, a maioria, em que as ca-
deias celulares iniciam e terminam em diferentes formas construídas,
mas incluem um ou mais espaços públicos conectores;

137
c) [FC > EP] é o caso de um par com uma extremidade no espaço
público; pode ser de forma direta, como é a relação de cada uma das
edificações com a rua que lhe dá acesso, ou pode envolver uma cadeia
mais ou menos longa de espaços públicos conectores;
d) [EP > EP] é o caso em que ambas as extremidades da cadeia celular
são espaços públicos.

Figura 42. As cadeias celulares do sistema urbano: à esquerda, cadeias FC-FC (A), FC-EP-FC (B), FC-FC-EP-EP-FC (C); no
centro, cadeias FC-EP (D), FC-EP-EP (E); à direita, cadeias EP-EP (F) e EP-EP-EP (G). Células FC são sempre terminais e
somente aparecem em cadeias internas às edificações, como em A, e em cadeias mistas, como em B, C, D e E.

As cadeias espaciais urbanas mais comuns são as que iniciam e ter-


minam em espaços construídos, visto que estes são a grande maioria. Essas
cadeias não apenas têm terminações em espaços construídos, mas as têm
na forma de cadeias em si, ou seja, várias células correspondentes a formas
construídas em sequência, como sugere a Figura 43. Essa característica,
associada ao fato de não haver nunca células relativas a formas construídas
no meio de qualquer cadeia, sugere a possibilidade de simplificar a repre-
sentação do sistema espacial urbano. Visto que o foco de qualquer estudo
de morfologia urbana é posto justamente no espaço público e sua interface
com as formas construídas, e não no interior das edificações, as termina-
ções compostas de várias células correspondentes a compartimentos das
formas construídas podem ser eliminadas e substituídas por apenas uma
célula, que passa a representar toda a edificação. Essa medida, além de
simplificar as cadeias compostas em que espaços públicos aparecem como
componentes, tem a virtude de eliminar pura e simplesmente todas aque-
las em que espaços públicos NÃO aparecem, justamente aquelas cadeias
inteiramente situadas dentro de uma única forma construída. A complexi-
dade de cada forma construída pode voltar a ser representada no sistema
espacial, se for o caso, através de algum parâmetro, como, por exemplo, um

138
multiplicador que permita considerar uma determinada forma construída
não como uma única unidade, mas como um somatório de unidades.

Figura 43. O diagrama A representa um fragmento de forma urbana, cujo grafograma aparece em B, e sua sim-
plificação em C.

O fato de haver uma boa parte das cadeias celulares existindo exclu-
sivamente no âmbito do espaço privado permite admitir que, para estudos
focados na forma da cidade, essas cadeias são negligenciáveis. Conside-
rando a sua omissão, as células associadas a formas construídas podem ser
simplificadas e representadas por uma única célula que abrange a totali-
dade da edificação. Essa representação elimina todas as cadeias celulares
internas às edificações, mantendo, não obstante, a presença das edificações
como terminações adjacentes aos espaços públicos urbanos.
Outro problema, já mencionado anteriormente, é o relativo à indi-
vidualização de células de espaço aberto. Como foi lembrado, o espaço
aberto público é contínuo e assim demanda a utilização de artifícios, ou
convenções que tornam possível a sua descrição segundo um conjunto de
células discretas e adjacentes. As formas mais comuns de individualizar
células de espaço aberto público são as seguintes:
a) Por denominação: espaços públicos urbanos usualmente têm de-
nominação – um nome ou um número – que lhes são atribuídos
segundo diferentes critérios, tais como políticos (nomes de pessoas
notáveis, lugares, etc.), lógicos (sequências numéricas ou alfabéticas)
ou geométricos (ruas, avenidas, becos, alamedas). Dado que para a
descrição espacial nomes ou dimensões não interessam, a denomi-
nação genérica de “rua” passa a ser utilizada. Mesmo assim, a defi-
nição de uma “rua” não é claramente identificável na irregularidade
normalmente encontrada nas cidades, particularmente a identi-

139
ficação dos pontos de início e fim de uma rua, dentro de um sistema
de muitíssimas ruas interconectadas. Para ilustrar isso, basta lembrar
que muitas ruas, mesmo mostrando alguma continuidade, possuem
mais de um nome e assim existindo como entidades diferentes, ou,
ao contrário, ruas muito extensas que, mesmo mudando de confi-
guração e geometria ao longo de seu eixo, mantêm um nome e, por
isso, constituindo uma entidade. Mesmo considerando certa impreci-
são, a decomposição do espaço público urbano por ruas é comumente
utilizada, resultando num sistema de células lineares, ou seja, células
consideravelmente longas e estreitas, como são normalmente as ruas
de uma cidade. Em cidades formadas a partir de grelhas regulares e
retilíneas, a definição de unidades de espaço público fica simplificada.

Figura 44. Um sistema de espaços públicos em que a unidade espacial é a rua; cada número caracteriza uma rua
ou célula do sistema espacial público.

Descrição por denominação é uma descrição imediata e econômica,


por resultar em uma quantidade relativamente pequena de unidades, além
de ser facilmente obtenível a partir de mapas viários ordinários. Oferece,
como já foi dito, alguma ambiguidade na definição de unidades, conforme
a irregularidade do traçado aumenta. Em cidades em que as curvas predo-
minam, seja por decorrência da topografia, seja do projeto, a clareza quanto
ao ponto em que uma via começa e termina fica diminuída. Outro problema
decorrente desse tipo de descrição é que as unidades resultantes podem ser

140
bastante extensas; ruas podem ter vários quilômetros de extensão. Isso cria
problemas para definir as relações entre cada unidade espacial, como, por
exemplo, para definir a distância entre duas vias paralelas, caso em que tanto
pode ser considerada a distância entre os seus pontos médios, ou a distância
entre os dois pontos mais próximos, ou a extensão da perpendicular que as
corta. Se as duas ruas consideradas se interceptam, o problema continua.

Figura 45. Um sistema de 3 ruas portando diferentes extensões e quatro formas de medir a distância entre 1 e 3:
A, pelo percurso entre os seus pontos médios; B, pela menor distância; C, pela distância polar entre seus pontos
médios; D, por adjacência.

b) Por axialidade: por este critério, uma unidade de espaço público é a


porção de espaço compreendida pela máxima extensão retilínea de seu
eixo. Amparado por esse critério, o sistema de espaços públicos de uma
cidade pode ser descrito pela menor quantidade possível de linhas re-
tas necessárias para percorrer a totalidade das suas vias públicas. Isso
significa que uma via cujo eixo seja retilíneo será uma célula, enquan-
to vias cujo eixo seja curvilíneo serão descritas por tantas linhas retas
quantas sejam necessárias para percorrer toda a sua extensão. As uni-
dades resultantes dessa descrição são conhecidas por “linhas axiais”.
A descrição axial oferece um recurso de definição de unidades espa-
ciais mais preciso do que sua correspondente por ruas, embora também
ela ofereça oportunidade para descrições desencontradas de um mesmo
sistema, conforme varie a escala de observação e o cuidado com a obser-
vação da forma construída. Como geralmente os mapas axiais são feitos
a partir de outros mapas ou fotos, são suscetíveis a pequenas diferenças
quanto à definição de linhas em vias irregulares. Além disso, as posições
das edificações podem afetar essa definição, já que, nos pontos de inflexão
ou nas curvas, prédios mais ou menos recuados em relação à via podem
mudar a extensão linear dos trechos.

141
Figura 46. Um sistema de espaços públicos em que a unidade espacial é a linha axial. Particularidades da forma
do espaço público podem ser perdidas, como ocorre nas linhas 4 e 21.

Descrição por axialidade tem as mesmas virtudes da descrição ante-


rior. Na verdade, para uma cidade cujo sistema viário seja uma grelha regu-
lar, as duas descrições tendem a coincidir. Além delas, a definição de uma
linha axial é mais precisa do que a de uma rua. Por outro lado, os problemas
quanto a discrepâncias relativas à extensão das unidades também persistem.
A utilização de mapas axiais é frequentemente defendida por seus supostos
méritos intrínsecos, independentemente das análises possíveis de serem fei-
tas a partir deles. Esses méritos intrínsecos seriam; primeiro,
– uma fácil leitura da configuração do espaço público, que permite identi-
ficar as unidades espaciais dominantes por extensão e conectividade, bem
como eventuais descontinuidades e gargalos, como pontes, grandes áreas
impermeáveis, etc.; segundo,
– uma imediata apreensão da granulosidade dos diferentes tecidos urba-
nos que compõem uma determinada morfologia; e terceiro,
– a exposição gráfica sintética de uma base sobre a qual projetos de trans-
formação urbana podem ser exercitados, tais como extensões urbanas,
reconfiguração de áreas existentes, implantação de equipamentos polari-
zadores, etc.
c) por visibilidade: o critério da visibilidade requer que todos os pontos
do perímetro de uma unidade de espaço público sejam visíveis desde
qualquer ponto localizado no seu interior. Essa definição coincide com
a de polígonos convexos, que são, lembrando, figuras geométricas

142
Figura 47. Atributos do sistema espacial capturados pelo mapa axial: A, B, C – diferentes granulosidades; 1, 2 –
pontos de vulnerabilidade; L – extensão e conectividade diferenciada; Ac1, Ac2 – conexões preferenciais.

fechadas cujos ângulos internos são menores do que 180º. As unidades


espaciais resultantes são chamadas de “espaços convexos”. Como pode
ser inferido, a definição de unidades espaciais segundo esse critério
exige muito mais consideração à forma construída, já que basta uma
única edificação desalinhada das demais em um trecho de rua para
fracioná-la. Descrições por ruas ou linhas axiais são obviamente mais
econômicas do que as feitas por convexidade, isto é, descrevem a totali-
dade do espaço público de uma cidade com um número muito menor
de unidades do que a correspondente descrição convexa.

Figura 48. Um sistema de espaços públicos em que a unidade espacial é o polígono convexo.

143
Descrição por visibilidade com mapas convexos busca uma represen-
tação minuciosa da forma do espaço público urbano, com base em um cri-
tério bastante preciso. Resultam, entretanto, em sistemas muito grandes,
particularmente naquelas cidades onde a forma construída é fragmentada.
Por essa razão, critério raramente é utilizado, salvo em situações em que
apenas uma pequena parte da cidade é descrita e o objetivo é justamente a
pormenorização.

Figura 49. A descrição através de polígonos convexos captura particularidades importantes da forma do espaço
público, como as praças e largos, mas também é suscetível à fragmentação da forma construída, como pode ser
visto em algumas ruas.

Linhas axiais e espaços convexos são elementos descritivos funda-


mentais da Sintaxe Espacial, uma linha de investigação criada por Bill
Hillier, no ínicio dos anos 80. Os fundamentos teóricos e metodológicos
dessa abordagem serão tratados mais adiante; por ora, é relevante exa-
minar esses elementos descritivos em maior detalhe. Espaços convexos e
linhas axiais são unidades de espaço público associadas às noções de lo-
calidade e de globalidade. O espaço público urbano é um espaço não pro-
gramado e fracamente controlado desde o ponto de vista institucional, e,
por essa razão, constitui um ambiente propício à copresença de diferentes
indivíduos e segmentos da sociedade urbana. Entende-se por copresença
a interação eventual e aleatória entre usuários do espaço público urbano.
Considerando a natureza casual dessas interações, bem como o fato de po-
der potencialmente envolver qualquer indivíduo e grupos de indivíduos,
cujo status socioeconômico é desconhecido, Hillier propõe uma única dis-
tinção possível, baseada na diferenciação entre locais e não locais. Por esse
caminho, haveria duas interações possíveis no âmbito do espaço público
urbano: as interações locais, praticadas por indivíduos que compartilham
a mesma base espacial – uma microbase espacial, na verdade –, e as in-

144
terações globais, praticada por indivíduos de diferentes bases espaciais.
A base espacial dos indivíduos, a sua localidade, foi definida como sendo
o espaço convexo. Dessa forma, um espaço convexo seria um lugar, uma
pequena porção de espaço público utilizada cotidianamente pelos indi-
víduos que habitam as edificações a ele adjacentes e, dessa forma, prati-
cam uma interação mais ou menos regular, embora não programada. Não
obstante, os indivíduos não limitam sua vida pública às suas respectivas
bases espaciais; ao contrário, percorrem sistematicamente sequencias de
espaços convexos, na busca de atividades localizadas nos mais diversos
pontos de uma cidade. Ao fazê-lo, indivíduos obrigatoriamente interagem
com outros identificados com outras bases espaciais. Essa copresença de
indivíduos de diferentes bases espaciais é denominada global. Para melhor
descrever essa instância mais global do movimento e da interação entre in-
divíduos, lança-se mão dos espaços axiais. As linhas axiais são, na verdade,
sequências de espaços convexos alinhados. Linhas axiais se superpõem a
sequências mais ou menos extensas de espaços convexos e pressupõe-se
que constituam uma outra dimensão do espaço público, precisamente, a
dimensão de sua globalidade. Olhados isoladamente, cada espaço conve-
xo possui um universo de adjacências extremamente reduzido, mas uma
vez tomado como “membro” de uma linha axial, seu universo se expande.
A rede de linhas axiais conduz os fluxos de indivíduos na sua busca coti-
diana de atividades extrabase espacial, e, já se sabe, o faz de forma desi-
gual, distribuindo esses fluxos seletivamente. A consequência disso para o
processo de copresença é que espaços convexos terão proporções diversas
de interações locais e globais; aqueles em que predomina a interação local
serão classificados como mais segregados, enquanto os que mostram uma
predominância de interações globais serão chamados de mais integrados.
e) por conectividade: pelo critério da conectividade, uma unidade de
espaço urbano é uma extensão de via limitada por duas interseções
consecutivas, ou uma interseção e uma extremidade. As unidades re-
sultantes, denominadas “trechos” constituem um mapa detalhado do
sistema viário a partir do ponto de vista de sua conectividade, visto
que a quantidade de células depende do grau de conexão apresentada
pelo sistema. Esse critério, muito simples e direto, considera a inter-
seção uma extremidade de todo e qualquer segmento de via pública
ali incidente e oferece, além de uma definição virtualmente livre de
subjetividade, uma descrição pormenorizada da rede.

145
Figura 50. Sistema de espaços públicos em que a unidade espacial é o trecho.

Descrição por conectividade com mapas de trechos é bastante deta-


lhada, pois eles são compostos de uma grande quantidade de unidades es-
paciais. As vantagens aparentes do uso desse tipo de descrição são que, em
primeiro lugar, as unidades são menores do que linhas ou ruas, minimi-
zando as discrepâncias relativas à extensão das unidades espaciais e conse-
quentes relações entre elas; em segundo lugar, permite associar a descrição
espacial aos modos como os movimentos internos urbanos são desenvol-
vidos, já que a cada trecho pode ser associado um fluxo de entrada e saída.
f) por nodalidade: considerar uma descrição nodal implica identificar
interseções e extremidades de vias como entidades. Com isso, unida-
des espaciais coincidem com pontos notáveis do espaço público, jus-
tamente as esquinas, junções e extremidades de vias públicas. Tam-

Figura 51. Trechos têm extremidades perfeitamente definidas, bem como uma clara identificação de que outros
incidem em cada uma das extremidades, associando a representação à noção geral de fluxo. Os trechos do frag-
mento urbano representado na figura são as linhas negras espessas.

146
bém implica considerar os trechos de vias que incidem nesses pontos
notáveis como simples elementos de conexão, ou como partes inte-
grantes desses pontos notáveis. Em grelhas regulares, cada nó típico
é formado por quatro trechos incidentes, cujos atributos – área, terra,
formas construídas, atividades – passam a fazer parte dos atributos
dos nós. É conveniente notar que esta descrição pode demandar
operações de conversão importantes, já que ignora a materialidade
dos trechos de vias públicas incidentes em cada esquina. Os trechos
são conectores situados entre duas esquinas, mas também são por-
ções de espaço por si sós, e têm formas construídas a si associadas.
Assim sendo, para uma adequada consideração à espacialidade urba-
na, precisam ser tomados como uma microzona, cujo centro é a es-
quina, mas cujo domínio inclui partes dos trechos de vias incidentes.

Figura 52. Sistema de espaços públicos em que a unidade espacial é a esquina, ou a extremidade.

Descrição por nodalidade é semelhante aos de trechos quanto à sua


capacidade de descrever a rede em termos de percursos e fluxos, minimi-
zando as discrepâncias entre escala e dimensão dos componentes. Essa
descrição, entretanto, apresenta um problema novo em relação às anterio-
res, que é a “desmaterialização” dos trechos de vias entre interseções. Com
efeito, uma vez consideradas unidades espaciais as interseções, os trechos
passam a ser simples ligações entre elas. As cadeias espaciais que incluem
formas construídas, consequentemente demandam algum tipo de compa-
tibilização, já que a maioria dessas formas construídas está ligada ao siste-

147
ma através dos trechos de vias e não das esquinas. Uma compatibilização
possível é considerar a interseção como o centroide de uma microzona,
que inclui trechos ou parte de trechos de vias no seu domínio. Com isso, as
formas construídas associadas a esses trechos ou parte de trechos passam,
por extensão, ao domínio da interseção.

Figura 53. A representação nodal requer a abstração dos trechos de vias incidentes nos nós e, consequentemente,
a alocação dos atributos desses trechos aos nós, criando um domínio para cada nó, como exemplificado.

g) por homogeneidade: o critério da homogeneidade requer que o


conjunto de componentes e regras morfológicas de uma unidade es-
pacial forme um padrão, quer dizer, que a unidade espacial apresente
algum tipo de regularidade morfológica. Com isso, vias públicas que
mudam sua geometria, como, por exemplo, vias que possuem tre-
chos mais largos e mais estreitos, retilíneos e curvos, que variam sua
partição fundiária, mostrando trechos formados com lotes mais lar-
gos e outros com lotes estreitos, ou ainda que alteram as formas cons-
truídas, são passíveis de serem divididas segundo uma quantidade tal
de unidades morfológicas que permita a cada uma delas portar um
padrão. Essa é uma situação em que forma e configuração cooperam
para a definição de unidades espaciais. Usualmente, o critério con-
corre para a partição de vias públicas em unidades menores, dada a
diversidade morfológica prevalente nas nossas cidades; entretanto, a
hipótese contrária também deve ser considerada, qual seja, a unifi-
cação de mais de uma via pública em uma única unidade, formando,
então, um punhado de segmentos interligados.

148
Figura 54. Um sistema espacial descrito por homogeneidade; os pontos brancos indicam divisão de uma via em duas
células distintas. Nessa condição, os segmentos de espaço público são individualizados segundo critérios de regula-
ridade, tais como largura da via, ou parcelamento ou edificações predominantes. Note que, nesse caso, pode haver
unidades de espaço cruzando uma a outra, como em A, ou “feixes” formados a partir de trechos de ruas, como em B.

Descrição por homogeneidade permite que se faça uma ponte entre es-
paço e objeto, individualizando unidades daquele em função de particulari-
dades deste. Assim ocorre, por exemplo, quando uma rua, que também seja
uma linha axial, é subdividida em duas ou mais unidades em decorrência de
mudanças na sua forma construída. O uso de um critério de homogeneida-
de quanto à ocupação, ou partição fundiária, por outro lado, permite a con-
sideração de unidades espaciais constituídas por mais de uma via, ou trecho
de via urbana, como sugere o desenho da Figura 55, que levaria a uma perda
de especificidade espacial. Assim, parece mais lógico supor que o critério de
homogeneidade deva ser usado em combinação com uma definição prévia
de células espaciais derivadas de trechos singulares de vias urbanas.

Figura 55. Uma representação baseada em homogeneidade tanto pode seccionar uma via em dois ou mais tre-
chos, de acordo com o elemento diferenciador, como no desenho à esquerda, como pode integrar diferentes vias
ou trechos de vias em uma única unidade espacial, como à direita. No diagrama da esquerda, a via horizontal foi
dividida em três trechos; no da direita, vários trechos de vias foram agregados à praça, formando uma unidade.

149
h) por predominância: a disponibilidade de fotografias orbitais pro-
piciou o desenvolvimento de técnicas de processamento de imagem que
permitem descrever de modo novo o espaço urbano. Fotos desse tipo são
compostas de uma grande quantidade de elementos de informação grá-
fica justapostos – os pixels, cada um portando uma unidade de informa-
ção sobre o objeto representado. As dimensões dessas unidades variam
conforme o seu grau de precisão; hoje estão disponíveis fotos orbitais com
definição de 0,8 metros ou ainda mais precisas. Ter uma definição de, di-
ga-se, um metro, significa representar um objeto segundo uma matriz de
elementos justapostos, cada um medindo um metro por um metro, e con-
tendo uma unidade de informação. A informação de cada pixel é registra-
da como luz de uma determinada frequência que pode ser identificada,
medida e comparada com outras propriedades do objeto fotografado.
Assim, é possível associar determinado comprimento de onda a certos
atributos do objeto, permitindo uma classificação. Mediante técnicas de
processamento dessas imagens, é possível identificar qual frequência de
onda pode ser associada ao pavimento das vias públicas, ou aos telhados
das edificações, ou à água, e dizer que tal pixel corresponde a um espaço
público, ou a uma forma construída ou a uma superfície de água. Ocorre
que nem as dimensões nem muito menos a forma dos elementos da cidade
são perfeitamente associáveis a uma grelha regular de pixels. Com efeito,
numa foto de resolução 5 metros, por exemplo, um pixel de 5x5 pode coin-
cidir inteiramente com um trecho de via pública, ou com uma edificação,
mas também pode conter parte de um espaço público e parte de uma edifi-
cação; como o pixel é a menor unidade possível, a informação que contém
neste último caso terá uma frequência própria, diferente da emitida pelo
asfalto e pelo telhado. Essa frequência precisa ser reduzida a uma dessas
duas, para isso valendo a predominância. Os pixels impõem deformações
geométricas às formas urbanas, que podem ser desprezíveis, se a resolução
for grande, mas que podem ser significativas se houver baixa resolução. Os
pixels podem, evidentemente, ser agregados por similitude, resultando em
porções maiores de espaço, o que resultaria na necessidade de um novo
procedimento classificatório para definir unidades espaciais.

150
Figura 56. Sistema de espaços públicos em que a unidade espacial é o pixel. A grelha regular quadrada da direita
foi superposta ao mapa do assentamento da esquerda, e os pixels que apresentaram maior parte de sua área
coincidente com o espaço público do assentamento foram considerados unidades desse tipo de espaço. Com isso,
a forma do espaço público sofre alguma deformação.

O aumento de precisão de fotos orbitais tem levado à consideração de


quadrículas cada vez menores, e à consequente conveniência (ou inconve-
niência) em reagrupá-las em unidades maiores e mais significativas. En-
tretanto, o oposto também pode ocorrer, ou seja, a consideração de qua-
drículas maiores. Isso ocorreria tanto por interesse em se ter um sistema
contínuo de quadrículas, com adjacências padronizadas, que simplifica,
embora torne mais abstrato – o sistema espacial – quanto pela permissão
uma escala mais apropriada ao trato de alguns sistemas, como grandes
áreas metropolitanas, por exemplo. O sistema de quadrículas contínuas
e regulares é largamente utilizado, como vai ser mostrado mais adiante,
para simulações de dinâmica espacial. Com efeito, se o estudo está focado
simplesmente no presente, ou eventualmente no passado de uma cidade,
sua forma concreta é, em última análise, dada em todas as suas particulari-
dades e idiossincrasias; entretanto, se esse estudo se estende na direção do
futuro possível de uma cidade, pelo menos parte de sua forma está indefi-
nida e não pode ser representada com o mesmo grau de particularização
normalmente provido pelas descrições acima citadas. Nessas situações, as
quadrículas regulares e contínuas representam um recurso genérico e, ao
mesmo tempo, próximo da realidade para narrar uma forma urbana ainda
não constituída, porém possível.

151
Figura 57. À esquerda, a representação do existente, com suas irregularidades e idiossincrasias; à direita, a repre-
sentação do futuro, simulado, com base numa regularidade com escalas compatíveis.

Ruas, linhas axiais e trechos podem, por facilidade, ser representa-


dos por linhas, resultando em mapas simplificados e reduzidos do sistema
de espaços públicos de uma cidade. Os nós e suas respectivas conexões
também resultam em um mapa simplificado do sistema viário urbano. A
representação convexa igualmente resulta em um mapa de figuras geomé-
tricas justapostas, equivalente, embora dimensionalmente diverso, tanto à
matriz de pixels quanto ao mapa de unidades morfológicas. Sendo mapas
de diferentes tipos, todos contêm informações de três naturezas, combi-
nadas: as informações próprias do sistema espacial – células e adjacências
–, do objeto morfológico – dimensões, proporções –, e do próprio mapa-
-base, ou foto, a partir do qual foram construídos – escala. Embora esses
mapas sejam úteis, dada a sua referência formal ao objeto que buscam re-
presentar, eles contêm, em certo senso, elementos supérfluos à descrição e
análise especificamente espaciais. A estas interessa fundamentalmente as
propriedades espaciais, ou seja, a identificação das células, suas posições
relativas e suas adjacências. A maneira mais adequada de representar o sis-
tema espacial unicamente a partir de suas características e propriedades
intrínsecas é através de um grafo.

Grafogramas, planilhas e listas


Teoria dos grafos é um capítulo da Matemática que estuda as relações
entre elementos participantes de conjuntos discretos. Um grafo pode ser
definido como uma estrutura composta de dois conjuntos: um conjunto V
de elementos, denominados vértices, ou nós, e outro conjunto E de relações

152
entre vértices, denominados ligações, ou arestas, ou ainda arcos. Com isso,
tem-se, num grafo, uma certa quantidade de vértices, que podem ser re-
presentados graficamente por pontos, e uma outra quantidade de ligações
entre vértices, que podem ser representadas por linhas ligando determina-
dos nós entre si, como mostra a Figura 58.

Figura 58. Exemplos de grafos: à esquerda, um grafo simples; no centro, um grafo direcionado; à direita, um grafo
direcionado e ponderado nos vértices e nas arestas.

Grafos podem representar inúmeros aspectos da realidade, inclusive


urbana, e particularmente, espacial, e permitem extrair, mediante opera-
ções matemáticas, características e atributos dos sistemas por eles repre-
sentados (Kruger, 1979, Wasserman 1994). Um típico grafograma urbano
é o que tem nós representando células do espaço e arestas representando
adjacências entre células, como os que já foram aqui usados, de forma in-
tuitiva, no capítulo anterior. Um grafograma urbano retém o essencial do
sistema espacial – células e adjacências –, e podem agregar informações
sobre ambas; células podem ter atributos tais como área, atividade, atra-
tividade, etc., e adjacências podem ser carregadas com informações sobre
distância, impedância, direção, etc.

153
Figura 59. Grafograma urbano; o espaço público foi decomposto em sete polígonos convexos, representados por
círculos vazados, as formas construídas por pontos negros, as adjacências FC>EP por linhas simples e as EP>EP
por linhas mais espessas.

Ao se restringirem às relações configuracionais fundamentais, os gra-


fogramas urbanos se desligam da geometria dos sistemas que representam.
Com efeito, se o espaço público, por exemplo, é representado por polígo-
nos, como ocorre com os espaços convexos e com as quadrículas, no gra-
fograma respectivo cada unidade será mapeada por um nó, ou ponto, que
tanto pode ser qualquer um dos pontos pertencentes ao polígono, como
o centroide ou qualquer outro, quanto pode ser simplesmente um ponto
qualquer sem nenhuma correspondência à geometria original do espaço
sendo representado. O mesmo ocorre com os mapas baseados em linhas,
que, da mesma forma que os polígonos, serão grafados como um ponto,
pertencente ou não à geometria original do fragmento urbano. Com isso,
qualquer descrição ou análise feita a partir de um grafograma urbano, cujo
resultado será a revelação de algum tipo de atributo ou propriedade das cé-
lulas espaciais, requer um mapeamento posterior, que permita retornar à
geometria original e nela visualizar o resultado dessa descrição ou análise.
A única exceção ocorre na representação nodal do sistema espacial urba-
no, quando então grafograma e mapa coincidem, e consequentemente, a
dimensão geográfica do mapa sobrevive no grafograma.

154
Figura 60. Exemplos de grafos homomórficos; os dois desta figura são equivalentes entre si e ao grafograma
urbano da figura anterior.

Uma forma ainda mais abstrata de representar o sistema espacial ur-


bano é através de matrizes ou listas. Uma matriz de adjacência é quadrada,
contendo o registro da identidade de cada célula na primeira coluna e na
primeira linha. As demais células da matriz são preenchidas com zero (0)
onde não há adjacência, e um (1) onde as células correspondentes são adja-
centes. Com isso, a matriz será preenchida com zero e um de acordo com a
ocorrência de adjacências, e será simétrica em relação à sua diagonal. Uma
lista é um sistema de registro de adjacências ainda mais simples, composto
de pares de células adjacentes, dispostos em linhas separadas. Matrizes e
listas podem ser suplementadas com planilhas de atributos. Planilhas se-
melhantes podem registrar atributos dos vértices e arestas.

155
Figura 61. Os diversos meios de representar o espaço público urbano e seus respectivos grafos. A sequência inclui des-
crição por ruas (R), por linhas axiais (A), por polígonos convexos (C), por trechos (T), por nós (N) e por quadrículas (Q).

156
Tabela 5. Exemplo de matriz de adjacências: o sistema representado tem sete células, identificadas de A a G; as
adjacências entre células são representadas por 1 e ausência de adjacência por 0.

A B C D E F G
A - 1 0 0 1 1 0
B 1 - 1 1 0 1 1
C 0 1 - 0 1 0 1
D 0 1 0 - 0 0 1
E 1 0 1 0 - 0 1
F 1 1 0 0 0 - 0
G 0 1 1 1 1 0 -

Tabela 6. Exemplo de lista de adjacência representa o mesmo sistema de sete células da tabela anterior. A lista
registra os pares de células adjacentes (primeiras duas colunas) e um atributo da aresta implicada no par de
células correspondente. Esse atributo pode ser uma distância, uma resistência ou outro atributo que se queira.

Cel 1 Cel 2 atrib (A<>B)


A B ab
A E ae
A F af
B C bc
B D bd
B F bf
B G bg
C E ce
C G cg
D G dg
E G eg

157
A perda da identidade geométrica dos sistemas espaciais é compen-
sada pelos ganhos aportados pela análise de grafos e pelo processamento
de redes mediante o uso de computadores. A matemática de grafos permi-
te diferenciar, classificar e qualificar os nós de um sistema espacial de for-
ma quantitativa rigorosa, abrindo as possibilidades de uso de ferramentas
estatísticas. O processamento de redes através de computadores permite
considerar a descrição e análise de redes espaciais compostas de muitíssi-
mos nós, tarefa impossível de ser levada a cabo através de procedimentos
manuais e mesmo mecânicos.
Como resultado da exploração de meios descritivos para o espaço ur-
bano tem-se uma relativamente grande simplificação obtida pela elimina-
ção dos trechos de cadeias espaciais internas às formas construídas, a cria-
ção de inúmeras alternativas de discretização do espaço público e ainda
a possibilidade de representar o sistema espacial através de grafogramas,
matrizes e listas, que retêm apenas a informação essencial da configuração
espacial desse sistema. Como se pode denotar, mesmo após essas simplifi-
cações e convergências descritivas possíveis, restam ainda dúvidas quanto
à ou às melhores formas de representar o espaço público urbano, das quais
seis foram aqui apresentadas e discutidas. De todas, a que encontra defesa
mais apaixonada é a linha axial, e isso se deve ao fato de que toda a teoria
da Sintaxe Espacial, na verdade, está construída sobre o conceito da duali-
dade local-global do espaço urbano. Segundo essa ideia, cada unidade de
espaço público urbano teria duas dimensões, por assim dizer, uma local,
associada ao uso que moradores adjacentes dela fazem, e outra global, as-
sociada à passagem de usuários alheios aos locais, que a usam como elo
entre origens e destinos de viagens intraurbanas. A linha axial, consequen-
temente, parece ser crucial na viabilização da teoria.
A descrição por trechos tem sido extensivamente utilizada em estudos
de circulação viária, com base em vantagens operacionais, já que cada tre-
cho, individualizado, pode ser valorado segundo uma quantidade de atribu-
tos relevantes ao problema viário, tais como extensão, capacidade, atrito, etc.
Dentre os poucos estudos comparativos disponíveis, podem-se citar
três; no primeiro deles, Krafta (1994) testa duas descrições alternativas,
uma axial e outra de trechos, para uma mesma situação intraurbana para
a qual um modelo de centralidade por interposição foi utilizado. Sua con-
clusão, com base em correlações entre simulações do modelo e medições
de fluxo independentes, foi que a descrição axial oferecia melhores resulta-
dos para aquela situação.

158
No segundo, Batty (2004) compara duas descrições, uma axial e outra
nodal, na aplicação de um modelo de centralidade por proximidade (descri-
ções detalhadas das características dos modelos de centralidade por interpo-
sição e por proximidade, aqui citados, serão providas mais adiante). Nesse
estudo, o autor procura demonstrar que a descrição nodal, ou seja, aquela
em que as unidades espaciais são as interseções viárias e extremidades de
vias públicas, oferece vantagens sobre a axial nos seguintes aspectos: é mais
precisa e rigorosa, mostra coincidência entre mapa e grafograma e é mais es-
pecífica. O maior rigor e a precisão da descrição nodal já foram comentados
antes e se referem ao fato que a definição de uma linha axial, em situações
de grande irregularidade, não é livre de imprecisão e envolve interpretação
do analista. A coincidência entre mapa e grafo também já foi citada, e refere
à vantagem em ter um grafo planar idêntico ao mapa, que, com isso, repre-
senta melhor as condições reais do sistema viário urbano. É mais específica
porque se mostra mais capaz de representar nuances da estrutura espacial
urbana, como bem demonstrado por Batty no estudo referido, no qual, uti-
lizando uma descrição nodal, obteve resultados consistentes com os da des-
crição axial, porém mais pormenorizados.
No terceiro, Porta, Crucitti e Latora (2004) realizam extenso estudo
sobre centralidade espacial urbana, utilizando diversos modelos, aplicados
sobre duas descrições, também axial e nodal. Suas conclusões apontam com
ênfase as vantagens da descrição nodal sobre a axial. Segundo os autores,
seus resultados suportam fortemente a descrição nodal, por ser mais abran-
gente, objetiva e realista. Sua primeira vantagem é a de se basear numa forma
padrão para registro de dados urbanos em todo o mundo, o que a torna mais
capaz de se valer de bancos de dados existentes. Segunda vantagem é a de eli-
minar subjetividade na construção do grafograma; terceira é relativa à análi-
se estatística, que na descrição axial permite distorções devidas às eventuais
extensões diferenciadas das unidades espaciais. A maior vantagem, segundo
os autores, é que a descrição nodal preserva o conceito de distância métrica
sem abandonar a topologia do sistema, enquanto a descrição axial torna a
produção de índices e medidas muito mais abstratas.
Grafos capturam relações essenciais entre entidades pertencentes a
um mesmo conjunto ou sistema, e, com isso, se prestam à representação
do espaço urbano com grande efetividade e economia. Grafos, entretanto,
possuem a propriedade do homomorfismo, isto é, não descrevem posições
das entidades, apenas relações entre elas. Com isso, diversos grafos com
disposição gráfica diferentes podem, não obstante, representar exatamen-

159
te o mesmo sistema se tiverem o mesmo número de nós e de arestas, e
as mesmas conexões. Isso representa um problema para os sistemas espa-
ciais, que também, e talvez por primeiro, sejam reconhecidos pela posi-
ção relativa de seus componentes. O caminho natural de processamento
de um sistema espacial é, a partir do assentamento, produzir um mapa, e
dele derivar um grafo. Entretanto o caminho inverso não é possível; de um
grafo é impossível reconstituir um mapa. Há uma exceção, contudo, em
que mapa e grafo são idênticos; esta é a descrição do espaço público por
nodalidade. Ao conferir às interseções o status de entidade espacial e, por
conseguinte, abstrair a espacialidade dos trechos que incidem nesses nós,
cria-se um diagrama que repete, em termos essenciais, o traçado viário ur-
bano; o grafo correspondente vai representar cada intersecção por um nó,
e cada trecho incidente por uma aresta. O resultado é um grafo idêntico ao
diagrama espacial, como mostra a Figura 52. Nesse sentido, o grafograma
derivado do mapa nodal possui uma qualidade adicional em relação aos
demais. Representações por polígonos, como a convexa e a por quadrícu-
las, possuem grafos que permitem inferir, com maior precisão no caso das
quadrículas, o mapa que lhe deu origem.

160
ANÁLISE ESPACIAL URBANA 1:
ELEMENTOS
9

A análise dos sistemas espaciais urbanos se vale, em grande parte, da


teoria dos grafos, mediada pela natureza e características da cidade. Diversas
instâncias de tratamento analítico podem ser consideradas. Aqui vai ser apre-
sentada uma abordagem incremental, iniciando-se por análises mais simples e
diretas e evoluindo para procedimentos mais inclusivos e elaborados.

Células, vizinhanças, percursos


A forma mais elementar de proceder a uma análise espacial é buscar
a caracterização e diferenciação das suas células, e isso pode ser feito pelo
exame dos vértices participantes do grafograma respectivo. A principal ca-
racterística de um vértice é o seu grau, dado pelo número de arestas inci-
dentes. No sistema espacial correspondente, o grau de um vértice informa
a quantidade de adjacências de cada célula. Hillier e Hanson (1984) dão o
nome de conectividade a esse atributo das unidades espaciais; entretanto,
essa denominação, na matemática de grafos, tem outro significado, como
será mencionado mais adiante.
Enquanto um grafo puramente abstrato pode conter vértices de qual-
quer grau, os grafogramas urbanos têm limites, dados pelas possibilidades
reais de prover ligações entre lugares urbanos. Ainda assim, a intensida-
de de adjacências dos espaços urbanos pode variar, tanto em função da
quantidade de ligações, quanto em função da forma de individualização
das unidades desse espaço urbano. Do ponto de vista da configuração, é
possível, com efeito, encontrar alguma variação na adjacência, já que tra-
çados viários podem ser mais ou menos regulares, favorecendo mais ou
menos a conexão entre unidades espaciais. Desde o ponto de vista da des-
crição das células, a variação de adjacência pode ser maior. No quadro que

161
apresenta diferentes descrições do espaço público e seus respectivos grafo-
gramas, mostrado no final do capítulo anterior, pode-se ver que as descri-
ções baseadas em linhas tendem a produzir vértices de mais alto grau. Isso se
deve ao fato de que unidades espaciais lineares podem ser muito extensas e
consequentemente manter conexões com muitas outras linhas. Uma Av. de
Manhattan, por exemplo, descrita como uma única rua, ou linha axial, pos-
sui muitas dezenas de conexões às inúmeras ruas transversais daquele siste-
ma. Com isso, as descrições lineares produzem grafogramas potencialmente
muito irregulares, ou seja, com vértices portando grande variação em grau.
No outro extremo, as descrições baseadas em polígonos, particularmen-
te a descrição por quadrículas, é a mais regular; já seus vértices têm ordem
quatro (todos os internos), três (os de borda) ou dois (os de extremidade).
As descrições nodais, por terem grafogramas coincidentes com o traçado
viário, são aos que apresentam graus intuitivamente verificáveis, já que eles
são, afinal de contas, os trechos de ruas que chegam a uma esquina.
Os grafogramas urbanos refletem, nos graus de seus vértices, as di-
versas formas de individualizar e descrever as unidades de espaço dos sis-
temas urbanos, como sugerem os exemplos.

Figura 62. Três grafogramas urbanos (à esquerda) e seus mapas (à direita), respectivamente axial (superior), tre-
chos (médio) e nós (inferior), mostrando as conectividades dos vértices e células. A descrição axial produz vértices
de grau máximo 6 e mínimo 1; a descrição por trechos tem vértices de grau máximo 5 e mínimo 2; a descrição
nodal produz vértices cujo grau varia de 4 a 1. Neste caso, o grau 1 ocorre em função do registro das extremidades
das vias como vértices; se esses são omitidos, o grau varia de 4 a 2.

162
A verificação dos graus dos vértices de um grafograma permite infe-
rir a regularidade de um sistema, já que seus vértices são diferenciados uns
em relação aos outros pelo grau. Assim, grande variação no grau em um
sistema indica a existência de unidades espaciais forte e fracamente conec-
tadas, e, dado que essas conexões são canais de circulação e comunicação
entre diferentes partes da cidade e pessoas, indica, também, a existência de
unidades espaciais mais ou menos importantes na condução e distribuição
dessa comunicação física urbana.
Está claro na Figura 62 que o grau 6 alcançado por um dos vértices
na descrição axial se deve à disparidade entre células do sistema quanto à
extensão; a linha horizontal é dominante e intercepta a maioria das outras.
Já na descrição por trechos, o grau 6 se deve à configuração, que privilegia
a conectividade entre trechos. Note que os trechos de grau máximo são os
que se aproximam de uma configuração em grelha. A variação de grau, ou
irregularidade do sistema é de 6:1 na descrição axial, 5:2 na descrição por
trechos e 4:1 ou 4:2 na descrição nodal. Os espaços de mais alta conecti-
vidade são potencialmente mais relevantes no sistema seja pela provisão
de unidade ao sistema, seja pela dependência do sistema em relação à sua
existência e funcionamento.
O próximo passo para a análise do sistema espacial é considerar cada
célula em relação às demais que a rodeiam; isso pode ser feito por meio de
sua vizinhança e por meio de seus percursos. Num grafo, a vizinhança de
um vértice é o conjunto de outros vértices com os quais o vértice em ques-
tão mantém ligações. No sistema espacial correspondente, a vizinhança de
uma célula é o conjunto de células adjacentes a ela. Vizinhança e grau de
um vértice são expressos pelo mesmo número. Com isso, células têm vi-
zinhanças maiores ou menores, o que pode denotar intensidades de uso e
movimento diferenciadas. Mais uma vez, a forma de descrever as unidades
de espaço influencia na definição da vizinhança de uma célula. Novamente
pode-se verificar que as descrições baseadas em linhas são as que resultam
em vizinhanças potencialmente maiores, em virtude da quantidade de ou-
tras linhas que cada uma pode interceptar.
Além do tamanho da vizinhança, cada célula pode se caracterizar
pelo controle que exerce sobre ela (Hillier, 1985). O controle pode ser visto
como uma medida de domínio sobre o acesso que uma célula exerce sobre
outras. Se a célula A está ligada unicamente à célula B, ela cede à A a totali-
dade do controle sobre o seu acesso ao resto do sistema; caso esteja ligada
também à C, cede metade do controle sobre o seu acesso à B e outra me-

163
tade à C, e assim sucessivamente. É possível computar o controle de cada
célula de um sistema verificando a conectividade de sua vizinhança: para
cada vizinho de A, verifica-se a sua conectividade n e atribui-se o valor 1/n
a A, correspondentes a frações do controle que A exerce na vizinhança.
Seu valor final de controle é o somatório dessas frações. Em termos gerais,
as células urbanas correspondentes a formas construídas são totalmente
controladas pelos espaços públicos que lhe são adjacentes, enquanto célu-
las relativas a espaços públicos possuem graus variados de controle, sendo
as ruas-sem-saída as que possuem mais baixos valores.
A vizinhança de uma célula são as células a ela adjacentes, e é indicada
pelo grau do vértice respectivo. No desenho da Figura 63, a célula assinalada
tem seis vizinhos, mesmo valor do grau do vértice que a representa. O controle
que cada célula exerce sobre sua vizinhança pode ser computado atribuindo-
-lhe a parcela de conectividade devida a si de cada uma de suas vizinhas. Por
esse caminho, o controle que a célula A exerce é um somatório de:
a) 1/3 relativo à B. Como B tem conectividade 3 e uma das conexões é
devida à A, esta exerce controle de 1/3 sobre B;
b) 1/3 relativo à C, pelas mesmas razões;
c) 1/3 de D;
d) 1/4 de E;
e) 1/6 de F;
f) 1/3 de G.
Com isso, o valor de controle de A é 0,33+0,33+0,33+0,25+0,17+0,33 = 1,74.
O controle também pode ser expresso pela fórmula que segue, onde
G é o grau de cada vértice k, pertencente à vizinhança V do vértice C.


n
1
Contr (C) = ( Gk )
v=0

O valor de controle da célula M , usando a fórmula, será:

 1 1
2
Contr (M) = v = 0 ( Gn + Gp ), cujos valores numéricos são,

Contr (M) =
2 1 + 1
v=0
( 5 5 ), ou seja Contr(M) = 0,4.

164
Figura 63. Duas vizinhanças assinaladas por círculos (à esquerda no grafograma) e por polígonos (à direita, no
mapa de trechos) e os contextos de duas células, A e M, para o cálculo do controle. Pelos cômputos expostos no
texto acima, o controle de A é 1,74 e o de M é 0,4.

Uma variação do controle pode ser obtida considerando a situação es-


pecial de uma unidade de espaço público em relação às unidades de forma
construída que lhe são adjacentes. Como já foi referido, essas células são to-
talmente controladas pelo espaço público, o que lhe dá cem por cento de
controle de cada uma. Essa medida, denominada de constituição, é, assim, a
expressa pela soma das células derivadas de formas construídas associadas a
uma determinada unidade de espaço público. Unidades de espaço público
que não possuem nenhuma forma construída adjacente são ditas não cons-
tituídos. Na Figura 64, podem ser observados um fragmento de forma urba-
na e um mapa que descreve a constituição dos trechos de seu espaço público.
A constituição de um espaço público é a quantidade de formas construídas
cujo acesso é propiciado por ele. Como se pode ver no desenho citado, o
mapa de constituição nada mais é do que o grafograma completo do respec-

Figura 64. Mapa de constituição (inferior) de um fragmento de forma urbana (superior), que descreve a vizinhan-
ça edificada de cada unidade de espaço público. As células marcadas A e B são exemplos de constituição máxima
e mínima respectivamente. O mapa de constituição é o grafograma completo (unidades de espaço público e de
formas construídas) do respectivo fragmento

165
tivo fragmento urbano. Ele torna reconhecível graficamente as diferenças de
constituição, como em A (constituição máxima) e B (não constituído).
Um percurso de um grafo é um conjunto de ligações sucessivamente
adjacentes, exceto as extremas. A partir da noção genérica de percurso, é
possível derivar outros conceitos igualmente úteis à análise espacial, tais
como trilhas, caminhos e ciclos. Trilhas são percursos em que todas as
ligações são distintas, caminhos têm ligações e vértices distintos, ciclos são
percursos fechados em que o primeiro vértice é adjacente ao último. Todo
percurso tem um comprimento, equivalente ao número de suas ligações,
ou seja, equivalente ao número de vértices do percurso menos um. A dis-
tância entre dois nós é o caminho de menor comprimento que os liga. Essa
distância também pode ser denominada de geodésica, ou profundidade.
Em termos urbanos, percurso é uma sucessão de células adjacentes
uma à outra, justamente como a intuição nos informa. Através de percur-
sos, pares de células espaciais não adjacentes são mutuamente alcançáveis;
percursos permitem relacionar células entre si através do sistema espacial
como um todo. Medindo e comparando distâncias entre nós, é possível
colher algumas características do sistema espacial; assim é que:
a) a excentricidade de uma célula é a maior distância que a separa de
alguma outra célula pertencente ao sistema. Dessa forma, a excentri-
cidade de uma célula, qualquer que seja ela, é medida pelo caminho
mínimo que a separa da célula mais afastada;
b) uma célula é considerada periférica quanto tem a maior excentricida-
de do sistema. Isso quer dizer que a célula mais excêntrica, aquela que
tem a maior distância a separando de alguma outra, é a célula periférica;
c) o centro de um sistema é aquela célula que possui a menor excen-
tricidade. Haverá uma ou mais células cuja posição relativa no siste-
ma lhe garante a menor distância;
d) o diâmetro de um sistema é igual à maior distância;
e) a cintura de um sistema é igual ao comprimento do seu menor ciclo;
f) a circunferência de um sistema é igual ao comprimento do seu
maior ciclo.
No desenho que segue, estão registrados os principais tipos de per-
cursos: a trilha, que é um percurso aberto, as ligações aparecem apenas
uma vez, mas pode ter vértices repetidos; o caminho, que é aberto com
ligações e vértices não repetidos, e o ciclo, que é fechado.

166
Figura 65. Alguns tipos de percursos reconhecíveis nos grafogramas urbanos: um caminho é um percurso aberto,
no qual todos os vértices e as arestas aparecem uma única vez; uma trilha é um percurso aberto onde apenas
as arestas aparecem apenas uma vez; como se pode ver, a trilha pode repetir vértices. Um ciclo é um percurso
fechado em que o primeiro vértice é adjacente ao último.

Os diferentes caminhos que unem duas células espaciais quaisquer se


diferenciam entre si pela extensão, que é medida pela quantidade de arestas
neles incluídas. Aquele que tiver menor extensão é denominado menor
caminho e sua extensão é a distância entre as duas células.

167
Figura 66. Determinação da distância entre dois vértices: considerando que entre dois vértices é possível identifi-
car diversos percursos, com diferentes extensões, a distância entre eles é sempre o menor caminho. A extensão de
um caminho é medida pelo número de arestas nele incluídas. O desenho mostra três caminhos entre A e B, sendo
que a distância entre eles é 5, justamente a extensão do caminho A-C-J-K-L-B.

Uma maneira gráfica de determinar a distância, ou profundidade,


entre unidades espaciais é pelo uso de grafos ordenados. Um grafo desse
tipo é construído em camadas, cada uma contendo todas as células com
igual distância à célula de referência, colocada na raiz, ou primeira cama-
da. Os grafos justificados oferecem uma melhor visão das ligações seriais,
que aparecem como sequências de vértices segundo linhas verticais, en-
tretanto são difíceis de construir e nem sempre são suficientemente claros.

168
Figura 67. Exemplo de um grafo ordenado. À esquerda, está um grafograma de um assentamento urbano e, à
direita. um grafo ordenado respectivo, que foi feito a partir do vértice 1, assinalado. Cada linha horizontal contém
todos os vértices situados a uma igual distância do vértice 1, a distância entre cada linha é sempre 1.

A partir do estabelecimento da distância entre duas unidades espa-


ciais, é possível reconhecer a posição que cada uma ocupa no sistema, e
isso se faz medindo a sua excentricidade. Considerando que cada célula
está situada a uma determinada distância em relação a cada uma de todas
as demais participantes de um mesmo sistema, chama-se de excentrici-
dade a maior dessas distâncias. Normalmente, num sistema qualquer, as
células situadas nas bordas são as que apresentam maiores distâncias, visto
que suas conexões às células situadas na borda oposta serão necessaria-
mente mais extensas. Já as células situadas mais no centro dos sistemas
tendem a ter distâncias menores. Com base nisso, se diz que a célula que
tem a maior distância dentre todas as do sistema é a periférica, enquanto a
que tiver a menor distância é o centro.

169
Figura 68. O centro e a periferia de um sistema espacial. No grafograma situado à esquerda, correspondente ao
mapa axial mostrado à direita, estão assinaladas as células periféricas, ou seja, aquelas que têm a maior distância,
bem como os centros, ou seja, as células que têm a menor distância dentre todas.

A maior distância de um sistema é também chamada de diâmetro


desse sistema. O diâmetro depende, em primeiro lugar, da quantidade de
células participantes desse sistema, e, em segundo, da conectividade nele
existente. Assim, sistemas pouco conectados, como, por exemplo, as cida-
des preponderantemente lineares, ou as muito fragmentadas, ou as dividi-
das por acidentes topográficos, podem ter diâmetros relativamente gran-
des, mesmo com uma quantidade relativamente menor de células.

Figura 69. Diâmetro de um sistema, dado pelo caminho de maior distância possível.

A última medida topológica mencionada para os grafogramas urba-


nos é a que se refere aos ciclos, os caminhos fechados. Estes podem ser
diferenciados pela quantidade de arestas ou vértices que os compõem. Ao
menor deles se dá o nome de cintura. Num grafo abstrato, a menor cintura
possível é a de três arestas e três vértices. Num grafograma urbano, essa
situação persiste; entretanto, a maneira de representar as unidades espa-
ciais produz situações interessantes. Na Figura 70, o mesmo sistema está
representado, primeiro por nós, na parte superior, e depois por trechos,
na parte inferior. Observa-se, nos respectivos grafogramas, à esquerda, a
existência de ciclos formados por três vértices e três arestas; entretanto,
o ciclo A-B-C-A corresponde a um quarteirão triangular, como aparece
nos mapas à direita, em ambas as representações; já o ciclo A-I-J-A, que
aparece no grafograma do mapa de trechos é, na realidade, a confluência

170
de três trechos numa mesma esquina. Situação similar ocorre na identifi-
cação da circunferência do sistema, isto é, o seu maior ciclo: enquanto o
ciclo D-E-F-G-H-D, em ambos os grafogramas, pode ser identificado com
o quarteirão retangular mostrado nos mapas, o ciclo D-K-E-L-M-F-N-G-
-O-H-P-Q-D, marcado no grafograma inferior é, nessa representação por
trechos, o maior ciclo embora não corresponda ao que se entende por um
ciclo, real na morfologia urbana.

Figura 70. Identificação de cinturas e circunferências, respectivamente o menor e maior ciclo existente em um sistema.
Diferentes descrições das unidades espaciais podem gerar dificuldades de interpretação; na parte superior do desenho,
há na descrição por nós, identificação inequívoca dos ciclos; entretanto, na parte inferior, na descrição por trechos, apare-
cem ciclos (marcados em cinza claro) que não correspondem à ideia geral de ciclo nos sistemas urbanos.

Usar o conceito de percurso em análise espacial implica, antes de


tudo, contar células segundo adjacências; entretanto, o conceito de dis-
tância implica não apenas contar células, mas comparar comprimentos de
percursos e identificar os menores, já que distância, por definição, é o me-
nor caminho entre duas células. Identificar menores caminhos não é uma
tarefa fácil quando o sistema, como no caso das cidades, é formado por
muitas células. Existem alguns procedimentos computadorizados capazes
de, para cada par de vértices de um grafo, pesquisar suas adjacências su-
cessivas e identificar o caminho de menor comprimento. As noções de ex-
centricidade, centro, diâmetro, cintura e circunferência são valiosas para
o estudo dos sistemas espaciais, visto que permitem medir e comparar al-
gumas de suas características configuracionais, e com isso, estabelecer di-
ferenciação não apenas entre elementos componentes de um sistema, mas
também entre diferentes sistemas.

171
Redes
Semelhante ao que foi realizado para vértices-células, pode ser feito
para o sistema como um todo, isto é, pode-se identificar, contar, classifi-
car e comparar características. Para grafos em geral, se diz que têm seu
tamanho dado pelo número de suas arestas, sua ordem dada pelo número
de seus vértices, sua escala dada pelo grau do vértice típico e seu número
ciclomático dado pela subtração de arestas e vértices mais um. Ainda, a
conectividade de um grafo pode ser definida tanto em termos de vértices
quanto de arestas, como a quantidade mínima de vértices ou de arestas a
ser retirada do grafo para desconectá-lo. Desconectar um grafo é dividi-lo
em dois, ou reduzi-lo a apenas um vértice. Não se deve confundir essa de-
finição de conectividade com a adotada por Hillier e Hanson (1984), que a
usa para denominar a quantidade de interseções de uma linha axial.
Transladando os conceitos para o âmbito da análise espacial urbana,
pode-se dizer que ordem se refere ao porte de um sistema, à quantidade de
unidades espaciais com que é composto. Uma referência ao porte dos siste-
mas é relevante, apesar de simples, dada a grande variação possível de porte
das cidades. Tamanho, por sua vez, ao contar a quantidade de arestas do gra-
fo, denota, em termos urbanos, a compacidade do sistema. Com efeito, uma
maior quantidade de ligações entre unidades espaciais diminui proporcio-
nalmente as distâncias entre diferentes unidades, tornando-as mais próxi-
mas umas das outras. Assim, uma referência ao grau de compacidade de um
sistema espacial parece altamente relevante, particularmente no contexto
contemporâneo da urbanização, caracterizada e ameaçada pela dispersão.
A escala de um sistema espacial pode variar grandemente segundo a
forma adotada para descrever suas unidades espaciais, como já foi notado.
Mapas axiais podem derivar grafos de grande escala, uma vez que linhas ex-
tensas têm potencialmente muitas interseções e assim geram vértices com
muitas arestas incidentes. Não obstante, num sistema que apresente alguma
regularidade, haverá o vértice típico, ou seja, uma maioria de células de mes-
ma escala. Nesse sentido, desde o ponto de vista urbano, a melhor observa-
ção pode não ser exatamente quanto à escala, mas sim quanto à variação do
grau, que, ocorrendo, denota irregularidade do sistema. Irregularidade, nes-
ses termos, significa a presença concomitante de unidades espaciais muito
ou pouco conectadas. Unidades espaciais urbanas muito conectadas apre-
sentam uma característica dual: ao mesmo tempo, representam uma virtu-
de, já que permite conectar muitos outros espaços mais diretamente, funcio-

172
nando na prática como canais preferenciais de fluxo, mas também represen-
tam uma fraqueza do sistema, pois são mais sujeitas a congestionamentos e,
falhando, podem comprometer o funcionamento do sistema como um todo.
Assim, regularidade é um atributo a ser perseguido nos sistemas urbanos.
O número ciclomático é a medida da quantidade de ciclos existente
num grafo, e pode ser traduzido como a medida da quantidade de ilhas ou
quarteirões de um assentamento urbano. A existência de ilhas, ou ciclos,
num assentamento urbano aumenta a quantidade de caminhos possíveis
entre duas células quaisquer, e denota o seu grau de distributividade, ou
seja, a sua capacidade de prover alternativas de ligação entre quaisquer
pontos do sistema. Distributividade, dessa maneira, é um atributo muito
importante dos sistemas espaciais urbanos, que pode ser aferida pelo nú-
mero ciclomático.
Finalmente, conectividade pode ser entendida como uma medida
de resistência do sistema espacial à descontinuidade, ou robustez, já que o
conceito se vale dessa ideia de determinar quantos espaços ou adjacências
é preciso retirar do sistema para que ele se torne descontínuo, ou que se re-
duza a um único vértice. A característica de robustez de um sistema é vital
para a sua sustentabilidade, à medida que diminui sua vulnerabilidade.
Não é preciso fazer muito esforço para relacionar as propriedades de
grafos descritas acima, com seus respectivos correspondentes nos sistemas
espaciais urbanos, a aspectos relevantes da existência e funcionamento das
cidades, tais como tamanho, regularidade, continuidade, vulnerabilidade,
flexibilidade, etc., todas propriedades associadas a valores socioespaciais a
serem exploradas mais adiante. Por ora, é relevante buscar uma definição
mais formal aos atributos formulados:
a) porte: seria uma contagem simples não fosse o fato de o grafograma
urbano conter dois tipos de células, as derivadas das formas constru-
ídas e do espaço público. Ambas são passíveis de denotar o porte do
sistema, mas não num somatório simples; assim, a expressão do porte
pode ser a que segue, onde se veem dois somatórios independentes.

P(S) = ∑EP, ∑FC

173
Figura 71. O desenho à direita mostra um assentamento urbano cujo espaço público está representado por linhas
axiais; o da direita mostra o respectivo grafograma, que inclui as formas construídas. A expressão P(S) = 10, 36
registra o porte do sistema, denominado S, que contém 10 células de espaço público e 36 formas construídas.

b) compacidade: a noção de sistema espacial compacto está associa-


da à proximidade entre todos os seus componentes, ao contrário da
noção de sistema disperso, no qual haveria distâncias maiores entre
os componentes. Na análise espacial empreendida aqui, compacida-
de pode ser vista como uma relativa densidade de conexões internas
do sistema, que revelaria a proximidade (distâncias mais curtas entre
elementos). Para obter a aferição desejada, seria necessário contar as
arestas existentes no âmbito de uma determinada quantidade de vér-
tices. Assim, o somatório de arestas é relativizado a um universo de
nós, dando a denotação de densidade de ligações desejada. A expres-
são é a que segue, uma relação simples entre o somatório de arestas
e o somatório de vértices. Parece mais adequado supor a verificação
deste atributo apenas no universo do espaço público, desde que as
formas construídas, cada uma com sua respectiva ligação ao espaço
público adjacente, não afetaria qualitativamente o resultado.

Comp(S) = ∑a / ∑v

Alternativamente, pode-se supor que a verificação da distância média,


feita para uma determinada quantidade de vértices, também denote compa-
cidade, embora uma medida desse tipo seja mais difícil de ser processada,
já que envolveria medir todas as distâncias de todos os vértices a todos os
demais e considerar a sua média, normalizada para a quantidade de nós.

174
Figura 72. Aferição de compacidade dos sistemas espaciais, dada pela relação entre quantidade de arestas, ou liga-
ções, e vértices, ou células. Ambos os sistemas possuem a mesma quantidade de vértices (24) e diferentes quantida-
des de arestas (35 e 24), com o que obtêm medidas diferentes de compacidade: 1,46 para o sistema A e 1,0 para o B.

c) regularidade: sendo uma distribuição de graus de tantos vértices


quantos são as células de um sistema, a forma de verificar isso parece
ser melhor na forma de um gráfico. Este teria, no eixo Y, os diver-
sos graus encontrados no sistema, e, no eixo X, todas as células do
sistema. A curva resultante da plotagem do grau de cada célula é a
expressão da (ir)regularidade. Quanto mais próxima da horizontal
ela for, mais regular e, consequentemente, menos distorcido será o
sistema. De qualquer forma, pode ser obtido um valor numérico para
esse atributo, simplesmente subtraindo do grau máximo o grau míni-
mo, como na expressão:

Reg (S) = gM – gm

Figura 73. A aferição da regularidade dos sistemas pode ser feita pela verificação da variação dos graus de seus
vértices. O sistema A apresenta maior variação (6-1) do que o sistema B (4-2). Esses números são obtidos contan-
do a quantidade de arestas incidentes em cada vértice.

175
d) distributividade: é uma medida da quantidade de ciclos de um
sistema; entretanto, uma simples soma algébrica de arestas e vértices,
como no caso do número ciclomático, não é suficiente, pois se confun-
de com o tamanho do sistema, visto que sistemas grandes tendem a ter
mais ciclos do que sistemas pequenos. As alternativas de aferição deste
atributo são ou relativizar a quantidade de ciclos pela quantidade de
vértices, ou comparar a medida simples com um outro sistema que sir-
va de parâmetro. A expressão abaixo representa a primeira alternativa:
o parâmetro para a segunda poderia ser uma grelha retangular regular
com o mesmo número de vértices do sistema sendo analisado.

Distr (S) = (∑a – ∑v + 1) / ∑v

Figura 74. A aferição da distributividade pode ser feita relacionando o número ciclomático (quantidade de ciclos)
com o número de vértices (primeira linha de cálculo), ou alternativamente relacionando o número ciclomático de
um sistema particular com o de outro, usado como parâmetro. Neste caso, segunda linha de cálculo, o parâmetro
usado foi uma grelha, igual ao sistema A.

e) robustez: no funcionamento cotidiano de uma cidade, robustez


está claramente associada à capacidade de preservar as atividades e os
movimentos de pessoas, mercadorias, informação, etc., em situações
de crise em que componentes do sistema espacial são desativados.
Isso pode tanto ocorrer em situações de desastres, como terremotos,
bombardeios, enchentes, quanto em eventos mais comuns, como

176
bloqueios temporários de edificações e vias públicas. Atividades são
próprias das formas construídas, enquanto movimento é próprio
do espaço público (Echenique, 1976). Considerando que as formas
construídas são sempre terminações nos grafogramas urbanos, blo-
queios ou exclusões de algumas delas resultam em falhas localizadas;
o mesmo já não acontece no espaço público, cujo eventual bloqueio
pode resultar em grande tumulto e, no limite, no seccionamento do
sistema espacial. Estudos em teoria dos grafos (Dekker; Colbert,
2004) demonstram que as redes mais robustas são as que apresentam
as propriedades de similaridade nodal e conectividade ótima.
Similaridade nodal significa ter todos os vértices do grafo com graus
próximos. Grau, ou quantidade de arestas, no urbano, significa quantidade
de adjacências que cada célula espacial mantém com suas vizinhas. Assim,
similaridade nodal numa rede de espaços públicos urbana significa não
ter células muito diferenciadas das demais em termos de quantidade de
adjacências. Isso é facilmente visualizável em cidades cortadas por rios,
onde as (usualmente poucas) pontes unindo os dois lados são pontos vul-
neráveis do sistema espacial. Conectividade ótima significa ter no sistema
o maior grau possível e manter todos os vértices do grafo tão conectados
quanto permitido por esse grau.
Visto que as redes de espaços públicos urbanas são genericamente
planares, o seu grau máximo (quantidade de adjacências de cada célula)
é limitada. Exemplo disso é uma configuração em grelha retangular, re-
presentada por um mapa nodal, que vai mostrar cada esquina com um
máximo de quatro adjacências. Por outro lado, a possibilidade de ocor-
rerem conectividades muito pobres, tão baixas como dois, no caso de ci-
dades lineares, é alto. Então, promover conectividade ótima em cidades
significa ter um máximo de células com o máximo possível de adjacências
e evitar situações de baixa conectividade.
As duas variáveis que compõem o conceito de robustez já foram, na
verdade, mencionadas e aferidas acima. Com efeito, similaridade nodal é
uma manifestação de regularidade que, como já foi visto, pode ser aferida
pela diferença entre os graus máximo e mínimo de um sistema. Conecti-
vidade ótima é uma manifestação de compacidade, a qual pode ser aferida
pela relação entre quantidade de vértices e de arestas. A proporcionalidade
entre robustez e compacidade é direta, ou seja, crescendo a compacidade,
também cresce a robustez; já entre robustez e regularidade, a proporcio-
nalidade é inversa, à medida que diminuindo o valor da medida de regu-

177
laridade aumenta a robustez. Uma combinação possível dessas duas medi-
das seria a relação simples entre compacidade e regularidade. A expressão
pode ser a seguinte:

a
v = a . g
m
Comp (S)
Rob (S) = =
Reg (S) gM v . gM
m
g

Figura 75. Medida de robustez de sistemas espaciais urbanos, como relação entre compacidade e regularidade. O
sistema a, representado por mapa axial, possui menos compacidade (12 arestas para 10 vértices) que o sistema B
(16 arestas para 10 vértices) e ainda menos que o C (24 arestas para 10 vértices). O sistema A possui regularidade
menor (5) do que B (3) e do que C (2); consequentemente a robustez de A é apenas 0,2, enquanto B tem 0,64 e C 1,6.

Essas são análises simples, relacionadas ao exame de relações de cada


elemento do sistema espacial com sua vizinhança mais ou menos imedia-
ta. A seguir, são apresentadas análises mais complexas, que visam a revelar
a estrutura do espaço urbano.

178
ANÁLISE ESPACIAL URBANA 2:
ESTRUTURA 10
A análise descortinada no capítulo anterior permite explorar aspec-
tos relativos a componentes das redes espaciais urbanas, suas relações com
outros componentes, assim como alguns atributos gerais dessas redes. Não
obstante, é possível estender o alcance da análise espacial considerando toda
a rede e explorando o seu caráter sistêmico. O objetivo de uma análise mais
integral do sistema espacial urbano é revelar a sua estrutura. Como já foi
referido anteriormente, na identificação da estrutura, se assume a equipa-
ração de todas as células, e se busca a definição do tipo de relação que cada
uma guarda com suas vizinhas imediatas, depois com suas vizinhas remotas,
até os limites do sistema de células. É somente depois da verificação dessas
relações todas é que a hierarquia espacial se revela, não como atributo da
célula, mas como atributo do sistema depositado em cada uma delas. Dessa
forma, estrutura pode ser vista como um sistema de relações entre todas as
unidades do sistema, que define sua configuração. Esse sistema de relações,
ou estrutura, pode ser revelado mediante análise de centralidade espacial.
Centralidade tem sido crescentemente usada em análise espacial
como forma de desvendar e investigar a estrutura interna de redes de dife-
rentes tipos. Tendo sido originalmente objeto de interesse de geógrafos, em
estudos do mundo físico, redes têm capturado a atenção de muitos outros
cientistas, já que permitem representar sinteticamente muitos fenômenos
do mundo natural e social. Tendo em Haggett e Chorley (1969) seus prin-
cipais desbravadores, esse campo de investigação ganhou ultimamente es-
pecial relevância em função da sua possibilidade de representar sistemas
complexos e, dessa forma, fazer parte de inúmeras investigações que ex-
ploram os limites do conhecimento científico. Fazem parte desse esforço,
entre outros, os recentes estudos de Rosvall e Sneppen (2006) sobre redes
sociais, Buhl e colaboradores (2006), Porta e colaboradores (2004) e Läm-
mer (2006) sobre análise de redes intraurbanas, Portugali (2011) sobre
cognição e dinâmica espacial, e ainda Kim e colaboradores (2006), Min-

179
nhagen e colaboradores (2004) sobre redes aleatórias, e, principalmente, o
trabalho de Mark Newman, Albert-Lázlo Barabási e Duncan Watts (2006)
sobre a estrutura e a dinâmica de redes.
Na grande maioria desses estudos, diferentes maneiras de investigar
propriedades estruturais de diferentes redes têm resultado no uso de me-
didas de centralidade. Centralidade é, resumidamente, o estudo da impor-
tância relativa de nós que compõem um sistema interligado, que pode estar
focado no papel que determinados nós, mais centrais, desempenham no
sistema, ou na distribuição de valores de centralidade. No primeiro caso,
a rede é vista como um sistema assimétrico no qual determinados compo-
nentes (pessoas, lugares, etc., representados por nós) detêm hierarquia e,
consequentemente, papéis diferenciados. No segundo caso, centralidade é
vista como um recurso do sistema, como informação, riqueza, etc., distri-
buído heterogeneamente entre seus membros.
Há diferentes modos de calcular centralidade em redes; Crucitti e
colaboradores (2006) sugerem que os principais são aqueles baseados em
conectividade, excentricidade, proximidade, interposição e informação.
Centralidade por conectividade seria a forma mais simples, baseada na
suposição de que nós mais centrais seriam aqueles que detêm maior nú-
mero de conexões a outros nós do sistema. Centralidade por excentrici-
dade considera uma classificação dos vértices de um grafo segundo a suas
maiores distâncias. Centralidade por proximidade se atém a avaliar a dis-
tância relativa entre os nós de uma rede, assumindo que nós mais centrais
possuem um menor somatório de distância a todos os demais. Centrali-
dade por interposição assume que nós mais centrais são aqueles que mais
vezes são utilizados para conectar outros por todo o sistema. Finalmente,
centralidade por informação é relativa à capacidade de reação da rede à
desativação de um nó.

Centralidade por conectividade


A verificação da centralidade por conectividade é uma operação sim-
ples e direta de exame do grau dos vértices do grafograma. Este método é
grandemente influenciado pelo tipo de descrição do espaço público. Como
pode ser lembrado, unidades de espaço lineares, particularmente ruas e li-
nhas axiais, tendem a produzir um grafograma mais irregular e consequen-
temente apresentar uma maior amplitude dos graus, isto é, vértices com grau
elevado e vértices com graus reduzidos. Outro fator de influência na medida

180
de centralidade por conectividade é a consideração ou não da forma cons-
truída. Esta, em assentamentos mais homogêneos, acaba sendo proporcio-
nal à extensão das unidades de espaço público, e, assim, pouco influente na
definição do grau dos vértices; entretanto, diferenças em densidade de edifi-
cação podem afetar de forma mais dramática a centralidade.
O método de cálculo deste tipo de centralidade é simples e direto, im-
plica, em primeiro lugar, decidir a forma de descrever o espaço público, em
segundo, identificar suas unidade, em terceiro, produzir um grafograma,
incluindo ou não as formas construídas, para, finalmente, computar o grau
de cada vértice. É claro que as células mais centrais serão obrigatoriamente
unidades de espaço público, visto que o grau das formas construídas será
sempre mínimo.
Centralidade por conectividade pode ser medida com ou sem as for-
mas construídas, pode variar conforme o tipo de descrição do espaço pú-
blico. No exemplo da Figura 76, o sistema está representado por axiais,
trechos e nós, sendo os graus de cada vértice os constantes na Tabela 7.
Considerando apenas os espaços públicos, a linha axial 3, o trecho 11 e os
nós 6, 11 e 14 são os mais centrais respectivamente. Considerando as for-
mas construídas, como mostram os grafogramas, a linha axial 3 continua
sendo a mais central, juntamente com o trecho 5 e o nó 11. Interessa notar
que, na situação em que apenas os espaços públicos são considerados, a
representação nodal é uma síntese das outras duas.

181
Tabela 7. Graus dos vértices das três descrições de um mesmo sistema, conforme a Figura 76, e a extração da
centralidade do sistema, considerando ou não as formas construídas.

Centralidade

Centralidade

Centralidade

Centralidade

Centralidade

Centralidade
Grau formas

Grau formas

Grau formas
Grau espaço

Grau espaço

Grau espaço
construídas

construídas

construídas
Grau total

Grau total

Grau total
Elemento

público

público

público
Total

Total

Total
EP

EP

EP
Trechos
Axial

Nós
1 2 2 4 2 6 3 0 3 10 16 1 1 2 13 15
2 2 2 4 2 6 4 2 6 6 7 1 2 3 13 11
3 5 19 24 1 1 4 2 6 6 7 1 2 3 13 11
4 2 9 11 2 2 3 2 5 10 13 1 0 1 13 16
5 2 2 4 2 6 5 6 11 2 1 1 0 1 13 16
6 1 4 5 8 4 4 3 7 6 4 4 3 7 1 5
7 2 7 9 2 3 5 1 6 2 7 2 3 5 11 9
8 2 3 5 2 4 5 2 7 2 4 3 4 7 4 5
8 2 1 3 16 16 3 3 6 4 7
10 3 2 5 10 13 1 2 3 13 11
11 6 3 9 1 2 4 6 10 1 1
12 3 4 7 10 4 3 5 8 4 2
13 3 1 4 10 15 3 5 8 4 2
14 2 4 6 16 7 4 4 8 1 2
15 2 4 6 16 7 3 3 6 4 7
16 5 3 8 2 3 1 0 1 13 16
17 3 0 3 10 16 3 2 5 4 9
18 2 1 3 16 16 3 0 3 4 11
19 4 2 6 6 7

182
Figura 76. Centralidade por conectividade; um sistema representado por linhas axiais A, trechos T e nós N (à
esquerda), com seus respectivos grafogramas (à direita). Os elementos assinalados com círculo são os mais cen-
trais, numa situação em que apenas as unidades de espaço público são consideradas, e os assinalados com um
quadrado, numa situação em que as formas construídas são incluídas no cômputo da centralidade.

Centralidade por excentricidade


Excentricidade é uma propriedade dos vértices de um grafo já co-
nhecida e descrita aqui trata-se de um atributo associado a maior distân-
cia de um vértice. Como se sabe, distância entre dois vértices de um grafo
corresponde ao menor caminho existente entre eles. A maior distância de
um vértice, por consequência, é o menor caminho que o separa do vértice
mais distante do sistema. Para um sistema S composto de n vértices, cada
vértice terá n-1 distâncias, ou seja, n-1 menores caminhos ligando-o a to-
dos os demais. Um desses menores caminhos será o maior, então utilizado
para definir a centralidade do vértice.
O processo de cálculo deste tipo de centralidade é mais custoso do
que o anterior, visto que é necessário, para cada vértice do grafograma,
identificar, em primeiro lugar, todos os caminhos possíveis a cada um dos
demais vértices do sistema, e escolher o menor. A seguir, é preciso, ain-
da no âmbito de cada vértice, identificar a maior dessas ligações, que será
usada como referência de classificação. Finalmente, depois de identificar

183
a maior distância para todos os vértices do sistema, será possível elaborar
uma classificação que mostrará o vértice central, como aquele ou aqueles
que tiverem a menor maior distância, e o ou os periféricos como os que
tiverem a maior distância dentre todos os vértices do sistema.
Aqui novamente podem-se considerar os efeitos do tipo de descrição
do espaço público e a inclusão ou não das formas construídas. Da hipótese
de incluir as formas construídas resultará que os vértices periféricos serão
sempre formas construídas, por serem estas terminações nas cadeias espa-
ciais urbanas. Também se pode inferir que sua inclusão acarretará a exten-
são de uma ou duas arestas aos caminhos mínimos das cadeias, conforme
estas se iniciarem por uma unidade de espaço público ou por uma unidade
de forma construída, respectivamente. Para um par de unidades de espaço
público os vértices relativos a formas construídas não tem qualquer efeito
sobre as distâncias. Assim, é possível supor que, para este tipo de cálculo
de centralidade, as formas construídas possam ser simplesmente omitidas.
Quanto ao tipo de descrição, as mesmas observações quanto à potencial
irregularidade nos graus dos vértices, afetando as distâncias entre pares
dentro do sistema, já referidas acima, são pertinentes.
Para o mesmo sistema do caso anterior, desconsideradas as formas
construídas, as maiores distâncias estão registradas na Tabela 8.

184
Tabela 8. Centralidade por excentricidade, obtida pela identificação da maior distância para cada vértice. Os vérti-
ces 3 na descrição axial, 6, 7 2 14 na descrição por trechos, e 13 na descrição nodal são os centros do sistema. Os vér-
tices 1 e 2 na descrição axial, 1, 10 e 18 na descrição por trechos, e 5 na descrição nodal são a periferia do sistema.

Axial Trechos Nós


Maior Centralidade Maior Centralidade Maior Centralidade
distância distância distância
1 4 7 1 7 17 1 7 10
2 4 7 2 5 4 2 5 2
3 2 1 3 6 10 3 7 10
4 3 2 4 6 10 4 7 10
5 3 2 5 5 4 5 8 18
6 3 2 6 4 1 6 7 10
7 3 2 7 4 1 7 6 6
8 3 2 8 5 4 8 6 6
9 6 10 9 7 10
10 7 17 10 7 10
11 6 10 11 6 6
12 6 10 12 5 2
13 5 4 13 4 1
14 4 1 14 5 2
15 6 10 15 5 2
16 5 4 16 7 10
17 5 4 17 7 10
18 7 17 18 6 6
19 6 10

185
Figura 77. Centralidade por excentricidade: nas três descrições do sistema acima, considerados os caminhos mínimos
que ligam cada vértice do grafograma a todos os demais, e, para cada vértice, escolhido, o maior, denominado maior
distância. O vértice que ostenta a menor maior distância é considerado o centro do grafograma, enquanto o de maior
maior distância, é considerado a periferia do mesmo. Os vértices dos grafogramas, à direita, correspondentes às
células dos mapas, à esquerda, assinalados, são os centros do sistema nas duas diferentes descrições.

Aqui pode ser notado que as três descrições produzem basicamente


o mesmo centro, variando apenas o poder discriminatório de cada uma;
a descrição axial, por utilizar unidades espaciais lineares muito extensas,
produz a indicação de um centro linear e extenso, coerente com a descri-
ção. As outras descrições, por identificarem unidades espaciais menores,
conseguem maior especificação na produção de seus centros. Também é
importante notar que a medida em si tem baixo poder discriminatório.
A Tabela 9, a seguir, mostra muito bem essa característica, em qualquer
das três descrições, apontando valores de centralidade iguais para várias
unidades espaciais. À medida que os sistemas crescem em quantidade de
células, esse poder diferenciador tende a diminuir ainda mais.

Centralidade por proximidade


Esta é uma medida baseada em distância relativa, largamente utili-
zada em análise de redes, e denominada genericamente de acessibilidade.
A noção de acessibilidade está intuitivamente associada à de proximidade

186
e de facilidade de alcance. A sua forma de determinação segue a intuição
e se baseia na determinação da distância entre pares de células espaciais.
Pode-se, assim, definir a acessibilidade de uma célula a uma outra como a
distância (o menor caminho) que as separa, e acessibilidade de uma célu-
la em relação ao sistema de células a que pertence como o somatório das
distâncias que a separam de todas as demais. Para um sistema S com n
vértices, a acessibilidade de um vértice genérico i será:


n

Ace (i) = i = 0 dij

O resultado da operação de determinação da acessibilidade é um núme-


ro associado a cada vértice, que pode ser comparado, permitindo uma classi-
ficação de todos os vértices de acordo com seu valor de acessibilidade, quan-
do então os que obtiverem menor valor serão os mais centrais. Isso se deve ao
fato de que um menor valor significa uma maior proximidade do vértice que
o porta a todos os demais. Para eliminar esse efeito contraintuitivo, a fórmula
de cálculo da acessibilidade pode usar o inverso da distância, produzindo um
resultado cujos maiores valores indicam as mais altas centralidades.


n

Ace (i) = i = 0 1/dij

Centralidade por proximidade é, então, dada pelo somatório das dis-


tâncias de um vértice a todos os demais. Esta medida é melhor conhecida
pela denominação de acessibilidade. Centralidade por proximidade tam-
bém é conhecida por integração, em análise sintática. A comparação entre
os escores de todos os vértices, em ordem inversa, é o gradiente de centrali-
dade. No desenho que segue (Figura 78), pode se ver o resultado do cálcu-
lo da acessibilidade para três descrições do espaço público – axial, trechos
e nós –, todas convergentes, com mais detalhe espacial naquelas descrições
em que as células são menores. A capacidade de estabelecer gradientes de
centralidade deste tipo de medida é notadamente maior do que a dos ante-
riores, visto que a distância entre os valores extremos da escala de medida
varia com o tamanho do sistema.

187
Figura 78. Centralidade por proximidade, ou acessibilidade: a hierarquia é dada pelo somatório das distâncias
de cada vértice a todos os demais. No topo, o mapa do assentamento; em A, a representação gráfica da aces-
sibilidade a partir de um mapa axial; em T, a mesma medida tomada a partir de um mapa de trechos; e, em
N, a partir de um mapa nodal.

188
Tabela 9. Medidas de centralidade por proximidade, ou acessibilidade, para três descrições de um mesmo sistema.

Axial Trechos Nós


Elemento Medida Posição Elemento Medida Posição Elemento Medida Posição
1 17 4 1 68 10 1 74 12
2 17 4 2 54 6 2 59 7
3 9 1 3 58 8 3 71 11
4 13 2 4 57 7 4 78 15
5 13 2 5 45 2 5 77 14
6 15 3 6 40 1 6 61 8
7 13 2 7 40 1 7 55 5
8 13 2 8 47 3 8 54 4
9 61 9 9 64 9
10 68 10 10 67 10
11 54 6 11 51 3
12 57 7 12 45 2
13 47 3 13 43 1
14 48 4 14 45 2
15 61 9 15 55 5
16 47 3 16 75 13
17 50 5 17 64 9
18 70 11 18 58 6
19 58 8

Centralidade por interposição


Este tipo de centralidade, desenvolvido originalmente por Freeman
(1977), considera que a alcançabilidade entre pares de vértices de um grafo
pode ser direta ou indireta. Quando é direta, os vértices são adjacentes;
quando é indireta, os vértices não são adjacentes e dependem de outros
vértices, interpostos no seu caminho mínimo, para sua conexão. Nessa si-
tuação, o ou os vértices interpostos são considerados centrais para o refe-
rido par. Assim, para um vértice i pertencente a um sistema S é possível
encontrar todos os vértices centrais para a sua conexão a todos os demais
vértices do sistema. Fazendo essa verificação para todos os vértices, e com-
putando quantas vezes cada vértice apareceu como central para pares de
outros vértices tem-se uma aferição de sua centralidade global. A expres-

189
são matemática da centralidade por interposição é a que segue, onde ”C”
é a centralidade do elemento “X”, e “b” é o número de caminhos mínimos
que contém “X”.
O procedimento de cálculo envolve os seguintes passos:

 b
n n

C1 (xi) = j <k jk
(x1)

Para um grafo S com n vértices, toma-se o vértice # 1, identifica-se o


ou os caminhos mínimos que o ligam a todos os demais vértices do sistema
e listam-se todos os vértices que pertencem a esses caminhos mínimos;
Repete-se o procedimento para todos os vértices de S;
Conta-se a quantidade de vezes em que cada vértice apareceu no ca-
minho mínimo entre pares de vértices de S; esse valor é considerado a cen-
tralidade do referido vértice.
Centralidade por interposição busca determinar a quantidade de ve-
zes que um vértice participa do caminho mínimo entre outros vértices do
sistema, assumindo que um vértice é central para um par de outros vérti-
ces quando “cai” no seu caminho mínimo. Esse tipo de medida de centra-
lidade realiza dois tipos de diferenciação. Em primeiro lugar, separa todos
os vértices que não desempenham papel de ligação entre pares, e conse-
quentemente não detêm centralidade; são os que aparecem na Tabela 10
com valor zero (0). Em segundo lugar, diferencia, por uma escala de valo-
res, os que detêm centralidade.

190
Tabela 10. Centralidade por interposição para as três descrições adotadas do mesmo sistema espacial

Elemento Medida Posição Elemento Medida Posição Elemento Medida Posição

AXIAL TRECHOS NÓS

1 1 6 1 0 1 0
2 1 6 2 25 8 2 0
3 26 1 3 14 10 3 0
4 6 2 4 0 4 0
5 6 2 5 50 3 5 0
6 0 8 6 109 1 6 61 5
7 6 2 7 107 2 7 38 8
8 6 2 8 43 4 8 51 7
9 0 9 38 8
10 0 10 0
11 31 7 11 76 4
12 0 12 121 3
13 43 4 13 130 1
14 0 14 122 2
15 0 15 54 6
16 43 4 16 0
17 0 17 0
18 0 18 0
19 16 9

191
Figura 79. Centralidade por interposição, para as três descrições adotadas. Nota-se convergência das medidas; en-
tretanto, a axial (superior) sugere uma perfeita simetria do sistema em relação ao eixo vertical 6, que, nas outras
medidas, não se verifica, já que a linha axial 1 é descrita, em trechos e nós, diferentemente da linha axial 3. Com
isso, as descrições por trechos e nós mostram um deslocamento da centralidade para o lado esquerdo do sistema.

192
Centralidade por informação
A suposição fundamental neste tipo de cálculo é que todo vértice de
uma rede representa um papel na manutenção da sua conectividade, que
pode ser menor ou maior, o que informa a sua importância relativa, ou cen-
tralidade. Pode-se facilmente intuir situações urbanas em que determinados
nós viários têm importância capital no funcionamento do sistema como um
todo, tal como pontes que conectam duas partes de uma cidade cortada por
um rio. O cálculo da centralidade por informação procura determinar o im-
pacto sobre a eficiência da rede da retirada de cada um dos nós, sendo mais
central aquele que causar maior impacto. A eficiência de um grafo é deter-
minada pelo somatório do inverso das distâncias de todos os vértices a todos
os vértices, comparado ao de um grafo completo com o mesmo número de
vértices. Um grafo completo é aquele em que todos os vértices estão conecta-
dos a todos os outros diretamente. O procedimento de cálculo é o seguinte:
a) Mede-se a distância (menor caminho) de todos os vértices a todos
os vértices e calcula-se o seu respectivo inverso;
b) Calcula-se o somatório dos inversos das distâncias de todos os vér-
tices. Note que a medida de eficiência é, na verdade, a mesma medida
de acessibilidade, já descrita no item anterior;
c) Calcula-se o somatório dos inversos das distâncias de um grafo
completo com a mesma quantidade de vértices. Esse somatório é
igual a n(n-1), sendo n o número de vértices;
d) Calcula-se a relação Ef(S) / Ef (C), onde S é o sistema em questão e C
o grafo completo correspondente; o resultado é a eficiência global de S ;
e) Em S retira-se um vértice e procede-se ao cálculo da sua eficiência,
repetindo os passos b, c e d; o resultado é a eficiência global de (S-v),
sendo v o vértice retirado;
f) Calcula-se a centralidade do vértice retirado subtraindo da eficiên-
cia global de S o valor obtido em “e”;
g) Repetem-se os procedimentos “e” e “f ” para todos os vértices do
sistema.
A Tabela 11 e a Figura 80 mostram os cálculos e resultados para esta
medida.

193
Tabela 11. Centralidade por informação, para três descrições do mesmo sistema.

Elemento Medida Posição Elemento Medida Posição Elemento Medida Posição

AXIAL TRECHOS NÓS

1 1,51 3 1 0,31 16 1 0,15 16


2 1,51 1 2 0,93 10 2 0,41 11
3 10 2 3 1,0 8 3 0,18 15
4 3,33 2 4 0,58 14 4 0,01 18
5 2,04 4 5 2,61 3 5 0,15 17
6 0,01 2 6 9,62 2 6 4,9 5
7 2,04 2 7 10 1 7 0,91 9
8 3,33 3 8 2,2 5 8 3,16 6
9 0,27 17 9 2,73 8
10 0,31 15 10 0,32 13
11 1,9 6 11 5,55 4
12 0,58 13 12 8,47 3
13 1,19 7 13 9,9 2
14 0,59 12 14 10 1
15 0,27 18 15 3,16 7
16 2,2 4 16 0,18 14
17 0,8 11 17 0,32 12
18 0,01 19 18 0,45 10
19 1,0 9

194
Figura 80. Centralidade por informação para as três descrições. Uma vez mais, pode-se notar que as descrições
baseadas em unidades espaciais nodais e por trechos obtêm maior discriminação da centralidade do sistema.

Medidas de centralidade comparadas


Pode-se buscar algum tipo de comparação entre as diversas medidas
de centralidade aqui apresentadas, bem como de seus efeitos combinados
com diferentes descrições do espaço público urbano. O anexo do capítulo
desenvolve cinco medições para um pequeno sistema espacial descrito de
três formas, do qual é possível considerar:
a) a medida de conectividade é local e não possui poder discrimina-
tório suficiente para diferenciar sistemas de grande porte, como os
urbanos. Essa situação decorre do modo de estabelecer a medida,
unicamente baseada no grau dos vértices. As redes espaciais urbanas
são virtualmente planares, condição que restringe fisicamente o grau
de conectividade de seus elementos. A exceção a essa condição ocor-
re quando a descrição é axial, porque, com ela, algumas unidades es-
paciais podem ser muito extensas e assim portar um grande número
de adjacências. As descrições por trechos e por nós têm seus graus

195
restritos a máximo de seis e quatro, respectivamente, para situações
normais de grelhas regulares. Por outro lado, a medida de conectivi-
dade é extremamente fácil de ser obtida, não envolvendo nenhuma
complexidade e permitindo verificação manual. Assim, para uma
avaliação expedita, uma medida de conectividade associada a uma
representação axial pode ser relativamente efetiva.
b) a medida de excentricidade é mais geral que a anterior e possui
aparente poder discriminatório, visto que o gradiente de variação da
medida evolui com o porte do sistema. Entretanto, ela pode induzir a
erro de avaliação, como sugere a situação mostrada na Figura 82, a des-
crição por trechos, onde três unidades espaciais são posicionadas em
mais alto grau de centralidade, mesmo sendo muito diferentes entre si.
Com efeito, o trecho 14, apesar de constar como um dos centros do siste-
ma, é claramente uma unidade espacial menos relevante para o sistema
do que os trechos 6 e 7, as outras unidades posicionadas como centros.
c)a medida de acessibilidade, ou de proximidade, é marcadamente glo-
bal e tem poder discriminatório suficiente para diferenciar sistemas de
grande porte e descritos desagregadamente. Aliás, seu poder discrimi-
natório evolui positivamente com desagregação crescente das descrições
espaciais, ou seja, se comporta melhor conforme a descrição for mais
detalhada. Por outro lado, seu processo de cálculo, embora simples em
princípio, envolve extensa pesquisa de caminhos mínimos, impossível
de ser efetivada manualmente; para um sistema de n vértices, há n(n-1)/2
pares de vértices para os quais encontrar e medir a distância, o que, para
sistemas urbanos, significa milhões de pares. A medida de acessibilida-
de sofre algum efeito de borda, quer dizer, tende a convergir para um
centro geográfico. Considerando que as cidades geralmente crescem por
expansão de sua periferia, a medida corre o risco de, a cada acréscimo
discreto do sistema, mudar a posição do seu núcleo de centralidade e,
com isso, se distanciar da evolução por que passam as cidades, o que in-
clui alguma estabilidade de seu centro histórico.
d) a medida de centralidade por interposição é também global e alta-
mente discriminatória. Na verdade, seu poder de diferenciação in-
clui dois estágios, o dos vértices excluídos de qualquer centralidade –
aqueles que não pertencem a nenhum caminho mínimo entre pares
de outros, que são marcados com zero de centralidade –, e o dos vér-
tices que possuem alguma centralidade, que são graduados segun-
do sua participação nos caminhos mínimos. Essa medida aparente-

196
mente sofre menos efeito de borda, já que não é a distância o fator de
diferenciação e sim a posição relativa de cada vértice no sistema. O
procedimento de cálculo envolve alguma complexidade, já que, além
de identificar o caminho mínimo entre cada par, é necessário listar e
computar a presença de cada vértice que os compõem.
e) a medida de centralidade por informação é global, tem grande po-
der diferenciador e, dada a sua natureza associada à conectividade da
rede, funciona melhor nas descrições nodal e por trechos. Tem um
procedimento de cálculo ainda mais complexo do que as demais.
f) as diversas descrições incluídas no experimento descrito no anexo
sugerem que, primeiro, a descrição axial, embora proporcione uma
boa economia descritiva, que se reflete também na economia de pro-
cessamento dos sistemas, provoca importantes distorções nos sistemas
representados. Isso ocorre pela potencial diferença de escala das diver-
sas unidades espaciais geradas pela descrição. Na verdade, a linha axial
provoca um efeito gravitacional no sistema, fazendo com que toda e
qualquer medida de centralidade convirja para as maiores células es-
paciais, necessariamente. Em situações como a do exemplo utilizado, a
descrição axial reduz a capacidade diferenciadora mesmo das medidas
mais refinadas, como as por interposição e informação. Segundo, as
descrições por trechos e nodal são semelhantes e produzem resultados
comparáveis. Esses resultados também são consistentes com os produ-
zidos a partir da descrição axial, porém mais diferenciadores.
A seguir, estão dispostos os resultados das cinco medidas testadas,
agrupadas segundo o tipo de descrição axial, por trechos e nodal.

197
Figura 81. Comparação entre as cinco medidas de centralidade testadas, na descrição axial. Vê-se que, em todas
elas, a linha 3 domina o sistema, o que é facilmente entendido, dada a sua condição de conectora dos dois setores,
esquerdo e direito, do sistema.

198
Figura 82. Comparação entre as cinco medidas testadas, na descrição por trechos. Observa-se que esta descrição
permite não apenas uma maior especificação da centralidade resultante ao longo da linha principal do sistema, como
também a emergência de situações aparentemente anômalas, como o posicionamento do trecho 14 em posição de
mais alta centralidade na medição por excentricidade, apesar de sua clara condição de pouca relevância no sistema.

199
Figura 83. Comparação entre as cinco medidas testadas na descrição nodal. Observa-se que, embora todas as
medidas sejam consistentes entre si, há, nas três últimas, um maior poder diferenciador, resultado também acen-
tuado pelo tipo de descrição espacial que favorece uma maior especificação dos componentes.

200
MODELOS DE ANÁLISE
CONFIGURACIONAL URBANA
11

Modelos de análise configuracional urbana são aqui chamados


aqueles instrumentos analíticos, derivados dos princípios de análise
estrutural apresentados no capítulo anterior, aplicados mais ou menos
extensivamente a situações empíricas e, assim, confrontados a algum tipo
de validação. A derivação dos modelos pode ocorrer mediante adaptação
mais ou menos radical dos princípios, enquanto a validação de sua apli-
cação para situações realistas pode ocorrer mediante a associação dos re-
sultados a uma ou mais variáveis independentes que descrevam processos
urbanos, ou por dedução lógica, como acontece em alguns casos.

Modelo de Integração de Hillier e Hanson


O Modelo de Integração está descrito em Hillier e Hanson (1984),
embora tenha aparecido em alguns artigos anteriormente a isso. Constitui
a base mais fundamental da Sintaxe Espacial, que é uma área de investiga-
ção configuracional urbana. O conceito que abriga o modelo, em essência,
assume uma correspondência entre configuração espacial e comporta-
mento social, baseada na copresença entre usuários usuais de um deter-
minado espaço público e usuários não usuais. Os usuais seriam aqueles
associados ao espaço público em questão por meio da habitação, ou do
trabalho, ou seja, aqueles que desenvolvem um padrão de uso regular do
espaço. Os não usuais seriam aqueles que, descrevendo percursos urba-
nos, usariam o espaço em questão como meio de conexão entre os espaços
de origem e destino. A integração a que o nome do modelo se refere seria
a interação não controlada (livre, ocasional) entre usuários locais e não
locais. Também se refere à intensidade de interação (quantidade relativa
de usuários), mesmo sendo apenas locais. Uma medida dessa relação de
copresença revelaria o grau de integração, na extremidade considerada

201
positiva da medida, e o grau de segregação, na extremidade considerada
negativa, propiciada pela estrutura espacial urbana.
O modelo envolve uma descrição espacial, um procedimento de me-
dida espacial e ainda outro de sua validação. A descrição espacial é feita
por linhas axiais, incluindo apenas o espaço público. A descrição axial foi,
na verdade, criada junto com o modelo e a teoria da lógica social do es-
paço todo. A medida de integração é feita através da utilização direta da
forma mais simples de verificação de centralidade por proximidade (aces-
sibilidade). Por esse meio, cada unidade espacial é alcançada desde todas
as outras unidades espaciais por um caminho mínimo, caracterizado por
uma distância. A distância entre cada par de linhas axiais é o número de
“passos” – passagem de uma linha para outra – necessários para percorrer
o caminho mínimo. O valor de centralidade, ou no caso, de integração de
cada unidade espacial é o somatório, ou neste caso, a média dessas distân-
cias. No modelo original de integração, a medida obtida pela média das
distâncias de cada vértice do grafograma a todos os outros é submetida a
uma normalização que procura retirar da medida a influência do porte do
sistema, de forma que seja possível, em tese, comparar medições numéri-
cas obtidas de sistemas de tamanhos diferentes. O resultado é uma distri-
buição de valores de integração atribuídos a cada linha axial, constituindo
um gradiente no qual o maior valor corresponde à maior integração, e o
menor valor à maior segregação.
O resultado é uma medida eminentemente espacial que, para ser vali-
dada, demanda algum grau de correspondência a aspectos comportamen-
tais do sistema espacial; a preferência para essa validação tem sido a sua cor-
relação ao número de pessoas presentes nos espaços públicos. A contagem
dos pedestres presentes nos espaços públicos é feita independentemente,
mediante um procedimento próprio, e a validação é evidenciada mediante
um teste de correlação estatística entre os valores de integração calculados
pelo modelo e as quantidades de pessoas presentes nas respectivas vias.
O modelo de integração tornou-se muito popular e tem sido larga-
mente utilizado tanto em estudos acadêmicos quanto em análises visan-
do projetos urbanos. A validação de seus resultados por correlação com
presença de pessoas tem se mostrado viável, embora não livre de proble-
mas. A formulação matemática do modelo é extremamente simples, não
possuindo qualquer mecanismo de ajuste que permita alguma calibração;
assim, os resultados pressupõem uma relação mecânica e definitiva com a
variável independente, que nem sempre acontece em níveis satisfatórios.

202
A forma encontrada pelos usuários para promover algum tipo de refina-
mento na correlação entre resultados e variável independente tem sido re-
tirar da análise de correlação, por algum motivo julgado procedente, um
ou mais valores que mais contribuam para eventuais baixas correlações.
Além dos aspectos relativos à forma fundamental de calcular a me-
dida, o modelo de integração tem sido criticado por duas outras particu-
laridades: a descrição espacial e a normalização da medida. A descrição
axial foi discutida por Batty (2004), que ofereceu um modelo alternativo,
em que os problemas relativos à representação das unidades espaciais e a
distância entre elas foram tratados. A normalização da medida se refere
a artifícios matemáticos introduzidos pelos autores originais do modelo
à sua fórmula, visando eliminar o efeito do tamanho do sistema sobre a
medida. Sendo baseado em distância relativa, o modelo produz resultados
numéricos proporcionais ao tamanho do sistema, visto que o somatório,
ou a média dos caminhos mínimos varia com a quantidade de caminhos e
sua extensão. A forma de normalizar os resultados encontrada foi, primei-
ro, situá-la dentro de uma escala de valores em que um extremo é definido
por um sistema conectado, ou seja, todas as distâncias são diretas e valem
1, e outro extremo, por um sistema linearizado, ou seja, cada novo vértice
aumenta a distância aos demais em 1. Nessa situação, a medida varia entre
0 e 1. Em segundo lugar, uma nova comparação é feita, desta vez com um
sistema abstrato com o mesmo número de espaços, distribuídos regular e
crescentemente a partir de um vértice, considerado como “raiz”. O modelo
de integração pode ser expresso pelas fórmulas seguintes, onde RA é a me-
dida de integração normalizada para variar entre 0 e 1, RRA é a medida de
integração após a segunda normalização, MD é a distância média de cada
espaço a todos os outros e k é o número de espaços, ou vértices, do sistema.

2(MD – 1)
RA = e RRA = RA
k–2 Dk

203
Figura 84. Mapa axial mostrando o gradiente de integração (linhas vermelhas, laranjas, amarelas, verdes, azuis
claras e azuis escuras respectivamente). A forma urbana descrita no modelo inclui apenas o espaço público.
Fonte: Batty, M. A new theory on space syntax. Disponível em <www.casa.ucl.ac.uk>.

Modelo de integração de Batty


Batty (2004) desenvolveu um modelo de centralidade por proximida-
de alternativo ao de Hillier, mantendo a forma de cálculo, porém alterando
a descrição do espaço; em vez de linhas axiais, utilizou uma descrição nodal,
com a qual obteve medidas de centralidade por proximidade consistentes
com as do modelo original. Seus resultados são, como sugerido no capítulo
anterior, mais desagregados do que os obtidos com descrição axial. A con-
sistência dos resultados, em relação aos do modelo original, verifica-se pela
localização dos nós pertencentes ao núcleo de maior integração (maiores va-
lores), sobre as linhas de maior integração apontadas pelo modelo original.
Seus argumentos em favor deste tipo de descrição espacial são justamente os
decorrentes da coincidência entre mapa e grafograma nodais; sendo assim,
o grafograma que orienta o cálculo de qualquer medida é mais consistente
com a rede de espaços públicos urbanos, ao contrário do que ocorre com o
grafograma derivado do mapa axial, que é contraintuitivo.
Outra, e talvez mais importante, contribuição do modelo de Batty é
a observação que no modelo original de Hillier o cômputo das distâncias
entre cada par de vértices é feita simplesmente, isto é, sem consideração
ao fato de alguns caminhos serem mais curtos e outros mais longos. Batty
assume que o valor de cada passo (passagem de um vértice a outro no gra-
fograma) deveria variar conforme o comprimento do caminho: para cami-
nhos mais curtos, o valor de cada passo seria maior do que para caminhos
mais longos. Com isso, introduz uma valoração, mediante um parâmetro

204
ajustável, para as arestas dos grafos, construindo um modelo de acessibili-
dade ponderado no qual o efeito de borda é controlado.

Figura 85.Mapa nodal mostrando o gradiente de integração (círculos maiores).


Fonte: Batty,M. A new theory on space syntax. Disponível em <www.casa.ucl.ac.uk>.

Modelo de integração de Teklenburg


Teklenburg (1993) propôs modificações na forma de normalizar o
modelo de integração de Hillier, argumentando que, na verdade a opera-
ção de comparar o resultado do cômputo de RA com o de um sistema or-
ganizado a partir de uma raiz não garante a eliminação do efeito do tama-
nho do sistema sobre o resultado.
Propõe, em troca, normalizar com base na comparação a uma grelha
regular. Uma grelha axial pode ser representada por um grafo bipartido,
isto é, um grafo com dois subconjuntos de vértices, no qual nenhum vérti-
ce possui ligações com qualquer outro do mesmo subconjunto. Além des-
sas propriedades morfológicas, a grelha é na vida real o modelo de maior
integração possível.

Modelos de acessibilidade de Ingram


Ingram (1971) formulou e testou três modelos de acessibilidade, com
características similares, porém de complexidade crescentes. Todos consi-
deram acessibilidade como uma medida de centralidade baseada em dis-

205
tância relativa, ou proximidade, sendo computada como a distância média
de cada vértice de um grafo a todos os demais.
O primeiro deles considera essa distância como uma medida geo-
métrica polar entre cada par de vértices. Com isso, abandona a clássica
formulação do caminho mínimo em favor de uma medida aérea direta,
tomada em escala geográfica. O segundo modelo considera ainda a dis-
tância geográfica, porém tomada pelo chamado percurso retangular, ou
seja, através do sistema viário urbano real, percorrido segundo a menor
distância. Ingram comparou os resultados de ambos os modelos, para uma
aplicação na cidade de Hamilton, Ontário, com 466 pontos de localização
identificados, e demonstrou que são altamente correlacionados (coeficien-
te de correlação de 0,9901). Seu terceiro modelo considera a possibilidade
de adotar um coeficiente de decaimento da distância não linear. Isso signi-
fica considerar que entre uma situação de acessibilidade máxima de 100%
(acessibilidade de um ponto a si próprio) e outra de inacessibilidade (pon-
tos desconectados ou localizados além de um limite possível de desloca-
mento), haveria uma distribuição de acessibilidade relativa não linear, que,
assim sendo, considera os pontos mais próximos ainda mais próximos, en-
quanto os mais distantes ainda mais distantes. Foram testadas quatro cur-
vas – retangular, recíproca, exponencial negativa e normal –, e demonstra-
do que a curva normal, ou Gaussiana, tem o melhor comportamento. O
modelo é expresso matematicamente como segue, onde a primeira expres-
são é derivada direta do conceito de centralidade por proximidade e define
a acessibilidade de um ponto como o somatório, ou média, das distâncias
desde si até todos os demais. A segunda expressão se refere à distância en-
tre dois pontos, parametrizada pela curva normal, onde v é uma constante
a ser determinada caso a caso.

Ai = j=1 dij
n 2
aij = 100 . e(–(d ij . v–1)

O modelo final de Ingram produz uma medida de centralidade espa-


cial baseada em distância relativa, porém inclui considerável elaboração
no cálculo da distância, além de possibilitar algum ajuste segundo o tama-
nho do sistema (isso é feito pela estimação do valor da constante v).

206
Modelo de escolha de Hillier
Hillier (1987) propôs um modelo de centralidade por interposi-
ção, adaptado diretamente da fórmula original de Freeman, ou seja, um
cômputo do número de vezes que cada vértice de um grafo aparece nos
caminhos mínimos que ligam cada um dos vértices a todos os demais. A
essa medida foi dado o nome de escolha, ou choice, no original em Inglês, e
aplicada sobre uma descrição espacial axial. Confrontados com variáveis
independentes de fluxo, os resultados não provaram correlações estáveis;
segundo o autor, a razão para o modelo de integração ser mais eficiente
que o de escolha seria a de aquele ser baseado num tipo de relação (distân-
cia relativa) mais intuitiva que este (posição relativa). O modelo de escolha
não tem tido uso extensivo no âmbito da Sintaxe Espacial.

Modelos de centralidade de Krafta


Krafta (1994) intuiu que a dinâmica intraurbana, que inclui trocas de
uso do solo, distribuição desigual da população residente e substituição de
estoques edificados no interior de áreas já consolidadas, poderia provo-
car desequilíbrios locais não explicados pelo princípio geral da acessibi-
lidade, e que essas mudanças locais poderiam se propagar, configurando
mudanças extensivas na configuração e na forma urbana. Como se sabe, o
princípio geral da acessibilidade, sugerida já por Hansen em 1959, vincula
o uso do solo, particularmente aquele mais sensível aos efeitos de localiza-
ção, como o comercial, a gradientes de acessibilidade. Considerando que a
configuração espacial do sistema viário, e a distribuição das rotas de trans-
porte urbano e regional criam uma hierarquia de localizações urbanas que
pode ser descrita pela acessibilidade, e que muitas atividades econômicas
dependem de uma boa localização e visibilidade, espera-se que, em termos
gerais, essas localizações privilegiadas sejam efetivamente ocupadas por
essas atividades. Por meio de um processo de alocação lógico, as atividades
mais competitivas ocupariam as melhores posições, seguidas pelas ativi-
dades um pouco menos competitivas, que ocupariam as posições seguin-
tes, etc. até que todas as atividades e residentes preenchessem todos os es-
paços e atingissem um equilíbrio espacial. Esse quadro, embora plausível
desde o ponto de vista socioespacial, não é estático. Diversos fenômenos
efetivamente ocorrem ao longo do tempo, concorrendo para a mudan-
ça; no âmbito espacial, são mais comuns o envelhecimento dos estoques
edificados e o crescimento urbano; no âmbito demográfico, a mudança de

207
perfil da população e a evolução das preferências; no âmbito econômico, a
escala e a tecnologia.
Especificamente no contexto da morfologia urbana, era clara a in-
suficiência dos modelos até então disponíveis, como os de Ingram ou de
Hillier, para representar mais precisamente as relações espaciais efetiva-
mente existentes no interior do tecido urbano. Krafta formulou um mode-
lo de centralidade baseado nos seguintes princípios:

Modelo de centralidade ponderada


a) O sistema espacial a ser representado inclui como partes integrantes
essenciais as formas construídas. Isso decorre tanto do fato morfoló-
gico em si, qual seja a efetiva existência e relevância das formas cons-
truídas, quanto da natureza do processo morfológico, que promove
mudanças da forma urbana mediante a alteração dos estoques edi-
ficados, sem implicar a alteração da configuração dos espaços públi-
cos. Com isso, o grafograma típico do sistema urbano é da Figura 86,
independente do modo adotado para descrever os espaços públicos.

Figura 86. Grafo fundamental do Modelo de Centralidade de Krafta. Vértices numerados representam formas
construídas; círculos marcados com letras representam espaços públicos.

b) O método mais adequado para medir centralidade numa situação


em que os vértices terminais do grafograma são formas construídas
é o de centralidade por interposição. Dados os diversos métodos de
calcular centralidade descritos no capítulo anterior, e descartados os
baseados em conectividade e excentricidade, por serem excessiva-
mente locais (o primeiro) ou possuírem baixo poder discriminató-

208
rio (ambos), restariam as possibilidades oferecidas pelos métodos de
proximidade (acessibilidade), interposição e informação. O primeiro
baseia-se numa medida de distância relativa, em que cada vértice é
classificado conforme a soma, ou média das distâncias de si a todos
os demais. A aplicação desse método num grafograma como o da Fi-
gura 86 teria como consequência a produção de uma medida para
cada vértice do referido grafograma, inclusive para aqueles relativos a
formas construídas. Isso, além de pouco relevante, contribuiria para
diminuir a clareza da leitura, já que compararia e equipararia vértices
que representam elementos diferenciados da forma urbana. Coisa se-
melhante ocorreria com a medida de centralidade por informação;
nesse caso a medida seria mais clara, já que todos os vértices relativos
a formas construídas ficariam agrupados na parte inferior da tabela,
com os valores mais baixos.
A maior clareza seria obtida pelo cálculo de centralidade por interpo-
sição, visto que nenhum vértice relativo a formas construídas jamais seria
incluído no caminho mínimo entre qualquer par de vértices do sistema,
já que estão sempre posicionados nas extremidades de qualquer cadeia
espacial urbana. A medida obtida seria, em consequência, exclusiva dos
espaços públicos urbanos, afetada, não obstante, pela presença e distribui-
ção desigual de formas construídas.

Figura 87. Cadeia espacial típica, na qual apenas os espaços públicos são centrais na alcançabilidade entre duas
formas construídas.

c) O método de centralidade por interposição não é suficiente para re-


presentar a centralidade urbana porque não é capaz de capturar a di-
ferenciação espacial decorrente da extensão dos percursos. O método
básico da centralidade por interposição, formulado por Freeman e,
depois, transposto literalmente por Hillier para o contexto da análi-
se espacial, computa a quantidade de vezes que cada unidade espa-

209
cial do sistema aparece no caminho mínimo entre todos os pares de
unidades espaciais possíveis, independentemente da extensão desses
caminhos mínimos. Modelos anteriores, como o de interação espacial
(Wilson, 1971; Echenique 1969), ao representar a relação entre duas
localizações urbanas, consideram importante a distância entre elas, as-
sumindo que a relação se torna mais tênue à medida que a distância
aumenta. Nos métodos de cálculo baseados em grafos não valorados,
a distância equivale à quantidade de arestas que compõem o caminho
mínimo. A inclusão da distância no modelo Krafta foi feito mediante
os conceitos de tensão e dissipação. O modelo considera a existência de
uma tensão entre duas formas construídas, com valor referencial de 1
(um), resultante do produto dos atributos dessas formas construídas,
ambos unitários por definição inicial. Essa tensão existente em todos
os pares de formas construídas é dissipada de três formas alternativas:
- as formas construídas se comunicam sem a necessidade de um es-
paço público interposto, quando então a tensão não afeta a centrali-
dade urbana;
- as formas construídas se comunicam através de um e apenas um
espaço público, quando então a tensão total (valor 1) é inteiramente
atribuída ao espaço público em questão;
- as formas construídas se comunicam através de uma cadeia de espa-
ços públicos, quando então a tensão é dissipada, ou distribuída igual-
mente entre todas as células componentes do caminho mínimo.
Mediante esse artifício, a tensão, no valor de 1, existente entre duas
formas construídas situadas em dois espaços públicos adjacentes, é dis-
sipada pelo par, com o que cada um retém 0,5 de centralidade. Se entre o
referido par existem três unidades espaciais interpostas, a dissipação da
tensão ocorre entre 3 células, cada uma ganhando 0,33 de centralidade, e
assim sucessivamente.

210
Figura 88. Centralidade Krafta: do grafo à esquerda derivam dois exemplos de caminhos mínimos: à direita, um
entre os vértices 1 e 4, com dois espaços públicos interpostos, e outro entre 1 e 6, com quatro espaços públicos
interpostos. No primeiro, a tensão-padrão de valor 1 é dissipada igualmente entre os dois espaços interpostos,
resultando numa centralidade parcial de ½; no segundo, a mesma tensão é dissipada entre quatro espaços,
resultando numa centralidade parcial de ¼.

d) As formas construídas adjacentes a cada unidade de espaço públi-


co podem ser computadas como atributos dessa unidade de espaço pú-
blico. Dado que as formas construídas são sempre extremidades das
cadeias espaciais urbanas, entre as várias formas construídas a, b-m
adjacentes a uma unidade de espaço público A e as n, o-z adjacen-
tes à unidade de espaço público B haverá sempre a mesma sequência
de unidades de espaço público C, D-N pertencentes ao seu caminho
mínimo. Sendo assim, todas as tensões entre (a, b-m) e (n, o-z) serão
iguais e dissipadas igualmente entre os mesmos espaços C, D-N; con-
sequentemente podem ser agrupadas, de forma que a, b-m tornam-
-se o atributo a de A, n, o-z tornam-se o atributo b de B e as tensões de
todos os pares entre ambos se tornam a tensão aXb do par AB. Dessa
maneira, a tensão deixa de ser unitária e passa a ser considerada entre
as unidades de espaço público, simplificando o cômputo.

211
Figura 89. O grafograma carregado: à esquerda, o grafo original, com discriminação dos seis pares possíveis entre
as formas construídas adjacentes a A e E, e o cômputo da centralidade parcial dos vértices A, B, D e E pertencentes
ao caminho mínimo. À direita. o grafo carregado e o cômputo simplificado da centralidade parcial entre A e E,
carregados com 3 e 2 formas construídas.

Derivado desses princípios o Modelo de centralidade de Krafta tem a


seguinte expressão:

aiaj
C (k) = i . j tij(k)
n
tij = aiaj tij(k) = p i<j

Onde tij é a tensão entre duas unidades i e j de espaços públicos, ai e aj


são as quantidades de formas construídas respectivamente em i e j, compu-
tadas como seus respectivos atributos, tij(k) é a parcela de tensão entre i e j
atribuída a k, sendo k uma unidade de espaço público pertencente ao ou aos
caminhos mínimos entre i e j, p é o número de unidades de espaço público
pertencentes a esse ou esses caminhos mínimos. Finalmente, C(k) é a cen-
tralidade de k dada após o cômputo de todos os pares possíveis do sistema.
A primeira aplicação do modelo a um caso empírico (Krafta, 1994)
obteve coeficiente de correlação de 0,9 com fluxos de pedestres, e de 0,86
com localização de atividades comerciais, utilizando uma descrição axial
para o espaço público. Posteriores aplicações mostraram indicadores de
correlação semelhantes, utilizando outras descrições para o espaço públi-
co, como trechos e nós. O modelo foi implementado através de um softwa-
re denominado Medidas Urbanas (Polidori; Krafta, 2005), o qual, a par das
características básicas acima descritas, permite opções quanto ao cálculo
dos caminhos mínimos (topológica e geométrica), parametrização dos atri-

212
butos (mediante a declaração de atividades associadas às formas constru-
ídas, às quais é possível atribuir pesos diferenciados) e apropriação de im-
pedância (na forma de um coeficiente de atrito que tem o poder de alterar a
extensão do elemento considerado). O software ainda permite estabelecer
limitações de alcance, de forma que a pesquisa de caminhos mínimos en-
tre qualquer par de espaços seja limitada a uma certa distância ou número
de espaços presentes nesses caminhos.

Figura 90. Modelo de Centralidade Krafta: medida extraída para uma área maior (desenho superior) e para suas
partes (desenhos 1, 2 e 3, abaixo).
Fonte: Environment & Planning B 21, 75.

Em outra publicação, Krafta (1996) reporta à formulação de outros


modelos de análise espacial urbana derivados do seu modelo de centralida-
de valorada original. Essa abordagem consiste na utilização de grafos dire-
cionados. Como se sabe, uma das possíveis atribuições de valor aos elemen-
tos de um grafo é justamente a da direção, quando uma ou mais arestas são
substituídas por um vetor que aponta para um vértice. Num grafo desse tipo,
a relação entre os vértices A e B, sendo A a origem e B a destinação do vetor,
não é a mesma verificada entre B e A; é como se A fosse adjacente a B, porém

213
B não sendo adjacente à A. A utilização de grafos direcionados, que permi-
tem associar atributos diferenciados às origens e destinações dos vetores de
direção, resultou na proposição de quatro novas medidas:

Modelo de oportunidade espacial


Oportunidade espacial pode ser definida como a medida do privilégio
locacional de uma residência em relação a um determinado serviço ou gru-
po de serviços existentes no sistema urbano. O entendimento desse conceito
pode ser facilitado pela suposição de uma cidade na qual haja um determi-
nado serviço, demandado por todos os habitantes, e ofertado num único
ponto; nessas condições, a localização residencial mais próxima ao ponto
de oferta do serviço possui a melhor oportunidade espacial, enquanto a lo-
calização residencial mais afastada desse ponto terá a pior oportunidade. A
situação se torna mais complexa se houver mais de um ponto de oferta desse
serviço, quando então a oportunidade espacial de cada localização residen-
cial será determinada pelo cômputo de sua proximidade relativa a todos os
pontos de oferta do serviço. Ainda mais complexa situação é a que apresenta
diversos pontos de oferta do serviço, com diferentes graus de quantidade ou
qualidade; nessa situação, além do cômputo da proximidade relativa a todos
os pontos de oferta, a medida deveria considerar ainda a quantidade e quali-
dade da oferta do serviço em cada um deles.
O modelo de oportunidade espacial se utiliza dos mesmos meios
para computar centralidade, mas desta vez limitando o procedimen-
to aos pares com origem nos vértices residenciais e destinações nos do
serviço especificado. Para isso, é preciso atribuir a cada vértice atributos
específicos quanto ao uso do solo, apontando quais comportam uso
residencial, e, como tal, são passíveis de terem sua oportunidade espacial
aferida, e quais comportam o serviço, ou grupo de serviços de referência.
Com isso, a pesquisa de caminhos mínimos e concomitante verificação de
centralidade parcial, já descritos no modelo de centralidade valorada, são
realizadas no âmbito dos pares de vértices R>S, ou seja, são considerados
apenas os pares residência-serviço. As localizações R, por sua vez, podem
ser discriminadas segundo os perfis de seus habitantes, fazendo com que
apenas aquelas localizações R do tipo associado ao consumo do serviço em
questão sejam consideradas. A tensão verificada no par é dada pelo valor
atribuído ao serviço (quantidade e-ou qualidade do serviço ofertado em
cada localização) e o valor de centralidade parcial calculado para cada par
é atribuído apenas ao vértice R.

214
Oportunidade espacial é uma medida que permite distinguir, com
grande precisão, as diferenças existentes entre as inúmeras localizações re-
sidenciais de uma cidade no que se refere ao acesso a serviços existentes na
mesma, e representa um avanço significativo em relação às inferências de
qualidade de serviço normalmente utilizadas, que se servem de uma pro-
porção simples entre população e serviço. Assim é que, por exemplo, a do-
tação de área verde de uma cidade, normalmente medida com base na re-
lação “metro quadrado por habitante”, pode esconder grandes diferenças,
tanto na sua distribuição no interior da cidade quanto na distribuição dos
reais usuários. Isso efetivamente ocorre, com oferta grandemente diferen-
ciada de bairro para bairro. A medida de oportunidade espacial capta as
nuances dessa distribuição num grau de precisão espacial tão minucioso
quanto for a descrição espacial adotada no modelo. Seu cálculo é baseado
no somatório das distâncias desde uma localização residencial a todas as
localizações de serviço existentes no sistema.

Modelo de convergência
Por analogia, convergência é a medida de privilégio locacional de um
serviço, frente à distribuição espacial dos seus potenciais usuários e con-
correntes. Igualmente pode-se supor uma cidade cuja população consome
um certo serviço, ofertado em apenas um ponto, quando então esse ponto
detém a totalidade da convergência. Isso ocorreria se a população total ti-
vesse mobilidade suficiente para alcançar o ponto de oferta. Se o serviço
em questão fosse ofertado em duas localizações, a convergência de cada
uma delas seria função de três fatores: a atratividade do ponto de oferta, a
proximidade relativa às localizações residenciais e a concentração relativa
de habitantes em cada uma dessas localizações residenciais. A atratividade
do ponto de oferta pode ser considerada como uma função da quantidade
e qualidade do serviço ofertado. Nessa situação, a demanda total, ou seja,
a população potencialmente consumidora do serviço seria repartida em
proporções relativas determinadas por essa tríplice função.
O modelo de convergência condiciona o cálculo de centralidade va-
lorada do modelo original a um grafo direcionado, no qual os pares váli-
dos são os que têm, na origem, um vértice que contém o serviço em ques-
tão e, na extremidade, um vértice residencial. A tensão de cada par é dada
pelo produto do serviço (magnitude) no vértice de origem pela população
do vértice de destinação. Os vértices de destinação são, por sua vez, discri-
minados segundo diferentes perfis de usuários, resultando num cômputo

215
apenas dos pares S>R em que R contém o tipo de consumidor associado ao
serviço em questão. O valor da centralidade parcial de cada par é atribuído
ao vértice de origem, onde o serviço está localizado, e a qualquer outro vér-
tice do caminho mínimo que também contenha o serviço. Procedendo dessa
maneira, o modelo distribui a totalidade dos potenciais consumidores de
um serviço entre as diversas localizações de oferta do mesmo, consideran-
do proximidade relativa, distribuição da população, magnitude dos servi-
ços em cada ponto de oferta e ainda a posição relativa desses pontos.
A medida de convergência simula a distribuição dos consumidores
entre os diferentes pontos de oferta de um serviço ancorada na raciona-
lidade da proximidade relativa e da atratividade dos maiores e melhores
pontos de oferta. Pode-se arguir essa simulação com base na possibilidade
da escolha ser baseada em outros critérios, como preferência pessoal, ou
atributos mais abstratos, tais como segurança ou conforto; não obstante,
não se pode descartar os critérios de racionalidade incluídos no modelo,
que muito provavelmente são determinantes na escolha do consumidor.

Modelo de polaridade
O conceito de polarização pode ser descrito como uma medida de
atratividade relativa intraurbana. Os pontos de oferta de serviços e em-
prego, por exemplo, atraem consumidores e trabalhadores, em determi-
nados momentos, enquanto residências atraem essas mesmas pessoas, em
outros momentos. É muito difícil identificar, na escala do indivíduo, quem
é atraído por qual tipo de serviço localizado em que particular posição de
uma cidade, mas é possível obter uma medida macro dessa distribuição de
atratividade, considerando genericamente dois polos possíveis de atração:
a residência e o serviço/emprego.
O modelo de polarização nada mais é do que um modelo de cen-
tralidade valorada, como descrito anteriormente, entretanto restrito por
pares orientados R<>S. Com essa restrição, apenas os pares que possuam
atributos opostos serão considerados no cálculo, resultando numa medida
que atribui frações de centralidade a todos os espaços que operam como
conectores R<>S. Este não é um grafo direcionado, como os anteriores;
apenas restringe a pesquisa de pares de vértices pelo critério do atributo
oposto. O resultado é um gradiente semelhante ao obtido pelo modelo de
centralidade, mas fatorial, que procura retratar em algum grau o aparelha-
mento do espaço, realizado pelos seus usuários. Esse aparelhamento apa-

216
rece justamente pelo uso do solo, que permite inferir um determinado tipo
de complementaridade entre diferentes unidades do espaço urbano. Essa
complementaridade funcional altera o status dos espaços e interfere na es-
colha de destinações preferenciais, realizadas pelos usuários.

Modelo de potencial
O último dos modelos derivados do modelo de centralidade valorada
de Krafta é este, denominado potencial. Seu propósito é identificar me-
lhores possibilidades de localização de serviços, dadas uma distribuição
de consumidores potenciais e uma rede de pontos de oferta desse serviço,
já existente. Isso se obtém pelo exame dos restos de cálculo do modelo de
convergência. Este, como foi demonstrado acima, realiza uma distribuição
virtual de consumidores entre pontos de oferta de um serviço, existentes
no sistema. Faz isso calculando valores de centralidade parcial existente
entre pares S-R, ou seja, vértices com atributo serviço e residência respec-
tivamente, e atribui esses valores apenas aos vértices que contêm unidades
desse serviço, a saber, a origem do par e eventuais unidades espaciais que
pertencem ao caminho mínimo do par em exame e são simultaneamente
pontos de oferta do serviço considerado. Esse valor de centralidade parcial
é assim atribuído porque somente faz sentido medir a eficiência de um
serviço nos locais onde ele efetivamente ocorre; entretanto esse mesmo va-
lor poderia ser teoricamente atribuído a todas as unidades espaciais per-
tencentes ao caminho mínimo; essa medida não pode ser designada pelo
nome de convergência, nem significa isso, dado que o serviço não existe
nessas unidades, mas pode medir um potencial para tê-lo.

Modelos de centralidade de Crucitti, Latora e Porta


Em recente artigo, Crucitti, Latora e Porta (2006) aplicam diversas
medidas de centralidade a diferentes fragmentos de cidades, com o objeti-
vo de comparar a distribuição espacial e estatística dos valores de centrali-
dade nesses diferentes tipos de tecidos urbanos. Para tal, usam quatro me-
didas de centralidade – por proximidade, por interposição, por eficiência
e por informação, todas aplicadas a sistemas descritos por mapas nodais.
As medidas de centralidade por proximidade, interposição e informação
já foram descritas anteriormente; a medida de centralidade por eficiên-
cia é similar à de acessibilidade, mede centralidade através da aferição dos
somatórios dos inversos dos caminhos mínimos entre todos os pares de

217
vértices do grafograma. A descrição nodal, como já foi demonstrado, as-
sume que as interseções e extremidades das vias públicas constituem as
unidades espaciais, representadas no grafograma pelos vértices, e os tre-
chos de vias incidentes são representados como as arestas do grafograma,
de sorte que mapa e grafograma se equivalem. Os grafogramas foram va-
lorados, de forma que a cada aresta foi dado um atributo igual à sua exten-
são geográfica. Os tecidos urbanos examinados foram fragmentos de uma
milha quadrada de 18 cidades, de diferentes países e de diversas culturas,
algumas planejadas e outras resultantes de processos de auto-organização
em longos períodos de tempo.
A distribuição espacial dos valores de centralidade das quatro me-
didas, para os 18 fragmentos, revelou que a centralidade por interposição
melhor captura a continuidade das rotas mais importantes através das in-
terseções, mudanças de direção e pontos focais. Na maioria dos casos exa-
minados, essa medida também foi capaz de identificar a estrutura básica
de fluxos urbanos e de diferenciá-la das demais vias locais. A centralidade
por eficiência demonstrou capacidade de identificar rotas lineares e pon-
tos focais do sistema espacial. Finalmente, a centralidade por informação
produziu uma distribuição espacial muito similar à de centralidade por in-
terposição. Já na distribuição estatística da centralidade, enquanto as me-
didas baseadas em proximidade, interposição e eficiência demonstraram
comportamento semelhante e incapacidade de distinguir entre cidades
planejadas e cidades auto-organizadas, a medida baseada em informação
mostrou clara diferenciação entre os dois grupos de fragmentos urbanos. A
análise estatística de centralidade por interposição, proximidade e eficiência
mostra uma distribuição uniescalar de todos os casos. Já a medida baseada
em informação mostra uma distribuição uniescalar para os fragmentos de
cidades planejadas e multiescalar para cidades auto-organizadas.

218
UMA APLICAÇÃO DE ANÁLISE
CONFIGURACIONAL URBANA
12

No capítulo 5, foi desenvolvida uma análise exemplificativa de uma


área urbana, a partir de uma abordagem objetual; a mesma área será uti-
lizada para ilustrar a aplicação de análise configuracional, com a aplica-
ção de modelos descritivos e analíticos existentes e descritos neste texto. A
área em questão é um trecho da cidade do Rio de Janeiro, que abrange os
bairros de Copacabana, Arpoador e parte de Ipanema. Serão usadas três
descrições básicas, a axial, a nodal e a de trechos, conforme características
já conhecidas. A descrição axial permite uma variação, como mostrado na
Figura 91, que se deve à interpretação do conceito de linha axial, aplicada
a uma via urbana à beira-mar; na descrição axial 1, as seis linhas axiais
necessárias para descrever a Av. Atlântica resultam de um mapeamento
a partir do espaço da avenida propriamente dito, enquanto, na descrição
axial 2, foi considerada a visibilidade integral, propiciada pela praia.

Figura 91. As três descrições básicas utilizadas – axial, nodal e trechos – e ainda a variação axial possível. Di-
ferentes descrições resultam em quantidades diferentes de unidades espaciais, como está registrado junto aos
respectivos nomes (axial 189, axial 2.184, nodal 255 e trechos 397)

219
Para cada uma das quatro descrições, foram produzidas medidas de
centralidade por proximidade (acessibilidade), por interposição simples
e por interposição ponderada. As medidas de interposição ainda foram
tomadas segundo critérios topológico e geométrico; todas as medidas de
centralidade por interposição consideram o binômio tensão-dissipação
especificados para os modelos de Krafta. A medida de acessibilidade con-
sidera as distâncias topológicas desde cada unidade espacial a todas as de-
mais; a medida de centralidade por interposição simples considera a quan-
tidade de vezes que cada unidade espacial aparece no caminho mínimo
entre todos os pares do sistema, ponderando cada presença em função do
tamanho desse caminho mínimo, sem considerar as formas construídas.
A medida de centralidade por interposição ponderada acrescenta às vari-
áveis da medida anterior as formas construídas. As medidas de centralida-
de por topologia tomam a distância entre duas unidades espaciais como a
quantidade de outras unidades espaciais interpostas no caminho mínimo,
enquanto as por geometria consideram a medida de distância geográfica
entre as unidades espaciais.
As formas construídas, necessárias para o cálculo da medida de cen-
tralidade por interposição ponderada, foram tomadas pelo critério gené-
rico da constituição. Com isso, uma edificação residencial, independen-
temente do número de pavimentos ou unidades imobiliárias, é tomada
como uma unidade de forma construída. Já uma edificação mista, como
ocorre muito frequentemente na área em questão, pode ser considerada
como mais de uma unidade, já que terá mais de um ponto de permeabili-
dade entre os domínios público e privado. Dada a extensão da área, algu-
mas simplificações foram tomadas:
a) Foram registrados dois tipos de formas construídas residenciais,
um de alta densidade, que inclui a grande maioria das edificações da
área, composta de edifícios de doze pavimentos aproximadamente,
e outro de baixa densidade, que inclui várias edificações de baixa e
média altura, presentes nas favelas e em alguns recantos mais recôn-
ditos da área. No cômputo da centralidade ponderada, o tipo de baixa
densidade foi tomado diretamente, enquanto o tipo de alta densidade
foi ponderado em (2), o que, na prática, equivale a considerar duas
unidades para cada registro;
b) As edificações mistas foram sempre consideradas como três uni-
dades, uma residencial e duas comerciais;

220
c) Um quarto tipo de forma construída, denominado “equipamento”,
foi cadastrado, destinado a representar formas construídas especiais,
como escolas, hospitais, shopping centres, supermercados, etc.
A apropriação das milhares de formas construídas, distribuídas nas ca-
tegorias acima mencionadas, foi feita de forma simplificada e aproximada,
mediante contagem simples a partir de uma foto orbital e alguma aproxima-
ção quanto a tipos, particularmente escolas, hospitais e centros comerciais.
Com isso, muitas omissões e falhas de leitura podem ter ocorrido; a intenção
de produzir uma ilustração da aplicação de alguns modelos, bem como a
comparação de seus resultados, entretanto, justificam essa simplificação.
A área de estudo é um pequeno fragmento de uma grande cidade, e o
seu seccionamento, para efeito de análise ilustrativa, deve provocar distor-
ções nas diferentes medidas. Isso, entretanto, não invalida os experimen-
tos aqui mostrados. Apesar de ser uma parte de cidade, a área de estudo
tem uma razoável delimitação, dada pelo mar e montanhas que a circun-
dam por todos os lados, exceto um. O mapograma da Figura 92 mostra um
pouco dessa situação: as ligações 1 e 2 são túneis que conduzem ao centro
urbano principal; a ligação C é uma passagem estreita entre dois morros,
que conduz a bairros vizinhos e, por extensão, ao centro principal; a ligação
4 é a única através de tecido urbano contínuo, para o bairro de Ipanema.
Internamente, as rotas longitudinais A e B, pelas avenidas Nossa Senhora
de Copacabana e Barata Ribeiro respectivamente, são as mais importantes
do ponto de vista de comércio, serviços urbanos e transporte público. A
Av. Atlântica (C) tem fluxo intenso, mas um volume de serviço e comércio
muito inferior às outras duas. Entre as transversais, as que promovem a li-
gação com o exterior, são, obviamente, as mais importantes (marcadas em
linha pontilhada). As zonas de maior animação, onde o comércio e o fluxo
de pessoas são mais intensos, são, em primeiro lugar, a situada na conflu-
ência das duas principais avenidas longitudinais e as duas transversais que
ligam ao centro urbano principal (zona D) e, depois, as zonas E, F e G, res-
pectivamente o ponto de acesso principal à favela do Pavão-Pavãozinho, as
imediações da Rua Bolívar e as imediações da Av. Princesa Izabel.
Uma versão reduzida deste mapa foi incluída nas figuras que mos-
tram os resultados das diferentes medidas, como referência genérica de
hierarquia urbana. É uma referência genérica porque não resulta de medi-
ções quantitativas rigorosas de uso do solo, nível de atividade ou fluxo. As-
sim, embora possa auxiliar na leitura dos resultados dos diversos modelos
de centralidade, não se constituem em apoios explícitos para a legitimação

221
ou falsificação desses resultados, que devem ser tomados como ilustração
do uso dos modelos apenas.

Figura 92. Esquema da área de estudo, mostrando o padrão da grelha de espaços públicos, as ligações com outras
partes da cidade e sua organização interna básica.

Descrição axial
Para a descrição axial 1, os resultados das cinco medidas estão expos-
tos graficamente na Figura 93, que procura representar os gradientes de
centralidade através de sequência de cores, com o vermelho representando
os 8% mais centrais. Desses, os cinco maiores escores estão identificados
por números de 1 a 5. A medida de acessibilidade (mapa 1), como esperado,
privilegiou as linhas mais longas e melhor conectadas, tendeu a delimitar
a zona de atividade mais intensa no centro da área (linhas 2, 4 e 5). Este é o
modelo de integração de Hillier, na sua forma clássica.
A medida de centralidade por simples interposição topológica (mapa
2) também privilegia algumas linhas longas e bem conectadas (linhas 1,
2, 3 e 4), repete o delineamento da zona central de atividade mais intensa

222
e identifica a provável segunda zona de atividade (linha 5), principal pon-
to de acesso à favela Pavão-Pavãozinho. Essa zona é ainda mais marcada
como central na medida geométrica (3), na qual o principal núcleo de cen-
tralidade passa a ser na entrada e principais vias da favela. Nas medidas
geométricas, a centralidade tende, no caso sem ponderação pelas formas
construídas, a estabelecer uma linha contínua da favela à Av. Atlântica, e
no caso ponderado, a se concentrar apenas na favela.
Comparação das diferentes medidas, para além da visual, pode ser
obtida mediante a plotagem em gráficos, como mostra a Figura 94 e ain-
da mediante o estabelecimento de correlações estatísticas, como na Tabela
12. No gráfico, onde constam apenas as medidas topológicas, se pode ver
que, embora as linhas mais centrais nas três medidas sejam praticamente
as mesmas, há grande variação nas gradações intermediárias, resultando
em coeficientes de correlação inexpressivos entre as três. Outras compa-
rações interessantes são entre critério topológico e geométrico, para as
mesmas medidas; no caso da centralidade sem ponderação, o coeficien-
te é de 0,688 e, na ponderada, 0,767. Esses indicadores são relativamente
altos para uma descrição axial, visto que linhas axiais podem variar lar-
gamente de extensão num mesmo sistema. No caso da área em exame,
embora haja algumas linhas excepcionalmente longas, a maioria tende a
uma média estável. Finalmente a comparação entre medidas com e sem
ponderação pode ser feita. Para o critério topológico, o coeficiente é de
0,79, o que indica que a inclusão das formas construídas respondeu apenas
por cerca de 20% da particularidade da medida. Esse valor aparentemente
baixo reflete, por um lado, a homogeneidade da ocupação da área, na
qual predomina amplamente um tipo de edificação. Por outro lado, pode
estar refletindo uma má calibração dos parâmetros de ponderação. Como
foi mostrado anteriormente, o sistema foi composto com apenas quatro
formas construídas típicas: habitação densa, habitação menos densa,
com parâmetros dois e um respectivamente, serviço e equipamento. Os
parâmetros para estes dois tipos foram arbitrados em 10 e 50, respectiva-
mente, na tentativa de capturar, com eles, o poder de polarização relativo
das diversas formas construídas.

223
Figura 93. Resultados para a descrição axial: 1- acessibilidade, 2- centralidade por interposição modo topoló-
gico, sem formas construídas, 3- centralidade por interposição modo geométrico, sem formas construídas, 4 -
centralidade por interposição modo topológico, com ponderação por formas construídas, e 5 - centralidade por
interposição modo geométrico, com ponderação por formas construídas. Na extremidade esquerda inferior, o
mapeamento aproximado das zonas de atividade mais intensa. O mapa 1 ilustra a aplicação do modelo de In-
tegração de Hillier, enquanto as Figuras 2 a 5 são exemplos de aplicação do modelo de centralidade Krafta, nas
suas várias alternativas.

Figura 94. Plotagem de três medidas comparadas. As unidades espaciais, com suas respectivas medidas, foram
ordenadas decrescentemente pela medida de acessibilidade.

224
Tabela 12. Correlação estatística entre as diferentes medidas. O coeficiente de correlação varia entre zero e um,
sendo zero o indicador de completa ausência de relação entre uma medida e outra, e um o indicador de perfeita
correspondência entre as medidas comparadas.
acessibilidade CentPlTopo CentPlGeo CentPondTopo CebntPondGeo
acessibilidade x
CentPlTopo 0,381407731 x
CentPlGeo -0,051707929 0,688060913 x
CentPondTopo -0,044850015 0,792330007 0,825646555 x
CebntPondGeo -0,451750951 0,349337884 0,747737454 0,767825204 x

Para a descrição axial alternativa há, como se poderia esperar, a su-


premacia da grande linha da av. Atlântica, com alguns deslocamentos de-
vidos à conectividade diferencial introduzida por ela. Afora isso, os resul-
tados são semelhantes aos da descrição anterior.

Figura 95. Comparação entre as medidas para a descrição axial alternativa. Destaca-se a dominância da grande
linha que descreve a Av. Atlântica. Também é notável a captura das linhas de maior atividade urbana nas descri-
ções 3, 4 e 5. Obs.: as linhas convergentes ao ponto médio da grande axial, nos mapas 3 e 5, são auxiliares e não
representam qualquer característica espacial do sistema.

225
Descrição nodal
Para a descrição nodal, todos os critérios anteriormente descritos
foram observados, apenas variando a descrição das unidades espaciais e,
consequentemente, o tamanho do sistema, que evoluiu de 189, ou 184,
para 255 células. Como se pode denotar da Figura 96, todas as medidas
conseguem, em maior ou menor grau, uma melhor aproximação entre
seus resultados e os núcleos de mais intensa atividade urbana da área. A
medida de acessibilidade derivada do modelo de Integração de Hillier
(mapa 1) identifica o principal núcleo de centralidade (1), núcleos secun-
dários em posições convergentes com o mapa da animação (2, 3, 4 e 5) e,
ainda, captura as ligações importantes com a Lagoa (6) e com Ipanema
(7). A medida de centralidade por interposição não ponderada e calculada
pelo critério topológico (mapa 2) repete, com precisão, as identificações
realizadas pela medida anterior (pontos 1 a 7) e, em adição, registra a liga-
ção complementar com Ipanema (9) e o acesso à favela do Leme (8). A me-
dida de centralidade não ponderada, calculada pelo critério geométrico é
acentuadamente convergente com a topológica (coeficiente de correlação
0,98) (mapa 4), e isso se deve fundamentalmente à regularidade e homoge-
neidade da rede de espaços públicos do sistema. A medida de centralidade
ponderada e calculada pelo critério topológico (mapa 3) parece ser o que
melhor captura a hierarquia espacial da área: o núcleo principal (1), a sua
extensão (2), os núcleos secundários (3, 4, 5 e 6), as ligações com a Lagoa
e Ipanema (7, 8 e 9), a ligação com o Centro Urbano pelo túnel velho (10),
e a amenização da importância da favela do Leme (11). Falha apenas em
capturar a hierarquia do acesso ao Centro Urbano pelo túnel novo (12). A
medida de centralidade ponderada e calculada pelo critério geométrico,
tal como havia ocorrido já com a medida não ponderada, é acentuada-
mente convergente à topológica (coeficiente de correlação de 0,97), pelas
mesmas razões já expostas.

226
Figura 96. Mapogramas das diversas medidas de centralidade, com descrição nodal: acessibilidade (1), centrali-
dade sem ponderação pelas formas construídas e calculada pelo critério topológico (2), a mesma medida calcu-
lada pelo critério geométrico (4), centralidade ponderada pelas formas construídas e calculada pelo critério to-
pológico (3) e a mesma medida calculada pelo critério geométrico (5). À esquerda, embaixo, o mapa aproximado
das zonas de maior intensidade de atividade urbana observadas na área de estudo. O mapa 1 ilustra a aplicação
do modelo de Batty, que adapta a medida de integração de Hillier para uma descrição nodal. Os mapas 2 a 5 são
aplicações do modelo de centralidade Krafta em suas diversas alternativas.

Figura 97. Comparação gráfica de três medidas de centralidade, com base na descrição nodal. As unidades espaciais
foram ordenadas segundo a sua medida de acessibilidade, decrescentemente.

227
Tabela 13. Coeficientes de correlação entre as diversas medidas. Observa-se uma maior convergência entre elas,
em comparação com a descrição axial. Note a altíssima correlação entre medidas topológicas e suas correspon-
dentes geométricas, devido à homogeneidade e regularidade da rede viária da área de estudo.

Acessibilidade CentPlTopo CentPlGeo CentPondTopo CebntPondGeo


Acessibilidade x
CentPlTopo 0,565179848 x
CentPlGeo 0,652851518 0,984290178 x
CentPondTopo 0,702148179 0,823423909 0,859695278 x
CebntPondGeo 0,728420288 0,695300609 0,759932991 0,971635664 x

Descrição por trechos


Mantidas todas as condições anteriormente determinadas para as
medições, estas foram processadas, agora sobre uma base descritiva por
trechos, com a qual o sistema passou a ter 397 unidades espaciais. A medi-
da de acessibilidade (mapa 1 na Figura 98) consegue bom desempenho ao
identificar o principal núcleo de atividade urbana (1), núcleos secundários
(2, 3 e 4). Não captura as ligações da área com o restante da cidade, exceto
uma indicação de continuidade na direção de Ipanema (5). Como possí-
veis falhas, coloca ênfase na Av. Atlântica (6) e omite o núcleo de intensa
atividade do acesso à favela Pavão-Pavãozinho (próximo a 5). A medida de
centralidade por interposição sem ponderação (mapa 2 na Figura 98) co-
meça com a localização equivocada do principal núcleo de centralidade na
Av. Atlântica (1), mas identifica logo a seguir o real núcleo mais central (2),
os demais núcleos secundários (4, 5 e 6), omitindo um deles (3), e identifi-
ca as ligações com Ipanema e túnel velho (7 e 8 respectivamente).
A medida de centralidade ponderada (mapa 3) aperfeiçoa a análise
obtida pela medida não ponderada ao recolocar o principal núcleo de ati-
vidade como zona de máxima centralidade (1), identificar o núcleo secun-
dário (2), e ainda a ligação com o centro urbano pelo túnel novo (9). Insis-
te, entretanto, em apontar a Av. Atlântica como região de alta centralidade.
As medidas tomadas pelo critério geométrico privilegiam as rotas longitu-
dinais, sendo que a ponderada (mapa 5) destaca com clareza a Av. N. S. de
Copacabana, a principal via comercial da área e região de mais intensa ati-
vidade urbana pública (1), a Rua Barata Ribeiro, a segunda (2), bem como
distingue o lado ocupado (3) do não edificado (4) da Av. Atlântica.

228
Figura 98. Medidas de centralidade com base descritiva em trechos: acessibilidade (1), centralidade não ponderada
e calculada pelo critério topológico (2), a mesma medida calculada pelo critério geométrico (4), centralidade
ponderada calculada pelo critério topológico (3) e a mesma medida, calculada geometricamente (5).

Figura 99. Comparação gráfica entre três medidas de centralidade, obtidas a partir de uma descrição espacial por
trechos. As unidades espaciais foram ordenadas pela medida de acessibilidade, decrescentemente.

229
Tabela 14. Coeficientes de correlação entre as diversas medidas baseadas em descrição por trechos.
Acessibilidade CentPlTopo CentPlGeo CentPondTopo CebntPondGeo
Acessibilidade x
CentPlTopo 0,457874887 x
CentPlGeo 0,500688559 0,166157675 x
CentPondTopo 0,486497052 0,891193836 0,287770978 x
CebntPondGeo 0,390057613 0,047930337 0,837468394 0,342150996 x

Descrições comparadas
A análise dos processos de determinação de centralidade ainda pode
comportar uma verificação dos possíveis efeitos que as diferentes descri-
ções causam nas medidas. Na Figura 100, foram selecionados mapas de-
monstrativos de medidas de acessibilidade, usando as três descrições re-
petidamente testadas aqui. Vê-se que o sistema espacial está estruturado
em uma grelha muito regular e homogênea, isto é, uma grelha que se afasta
pouco de um padrão de malha quadrada, ou retangular, com dimensões
homogêneas. Apesar do formato linear, a área tem essa curvatura imposta
pela linha da praia, que faz com que os percursos longitudinais, apesar de
mais extensos, possuam uma axialidade semelhante à dos percursos trans-
versais. Esse padrão sofre poucas exceções, e são justamente elas – o trecho
inicial da rua Barata Ribeiro e os vários trechos da Av. Atlântica, que, sen-
do mais extensas, aparecem enfatizadas na descrição axial.
A comparação dos três mapogramas parece deixar claro que, para
uma situação como esta, em que a área de estudo é relativamente peque-
na, mas, apesar disso, apresenta nuances e complexidades devidas à inten-
sa ocupação e grande animação, que as descrições nodais e trechos, por
serem mais particularizadas, produzem representações de centralidade
melhores. Há a considerar ainda o efeito de borda. Por efeito de borda, se
entende o efeito causado no centro de um sistema, por ocorrências na pe-
riferia do mesmo. A medida de acessibilidade, por se basear em distância
relativa de um ponto a todos os outros, reforça a centralidade estrutural de
pontos situados no centro geográfico do sistema. Assim, cada nova célula
adicionada à periferia de um sistema faz com que o valor de centralidade
das células geograficamente mais centrais seja reforçado. Isso pode ser em
parte responsável pelos belos desenhos de pontos e trechos coloridos nas
descrições nodal e de trechos, situados mais ou menos no centro geográfi-

230
co do sistema. Não obstante, essas identificações são muito precisas quan-
to à revelação da hierarquia espacial da área de estudo.

Figura 100. Descrições comparadas: medidas de centralidade por proximidade, ou acessibilidade, tomadas a partir
de descrição axial, nodal e trechos.

Para a medida de centralidade por interposição sem ponderação pela


forma construída – quer dizer, tomada apenas a partir do sistema de espa-
ços públicos –, vê-se na descrição axial o mesmo problema já verificado
anteriormente, qual seja, o da predominância das linhas mais longas, cau-
sando distorção na medida. A descrição nodal, novamente, demostra uma
maior capacidade de apreender as particularidades da hierarquia espacial
do sistema, mostrando os diferentes núcleos de centralidade com grande
grau de discernimento. A medida de centralidade por interposição, basea-
da em posição relativa, é menos suscetível ao efeito de borda mencionado
anteriormente; mesmo assim, o modelo identifica os núcleos de animação
nas regiões geograficamente mais centrais do sistema. A descrição por tre-
chos proporciona uma medição bastante pormenorizada, tal como ocorre
com a descrição nodal, entretanto tende a enfatizar trechos da avenida de

231
beira-mar. Isso pode se dever à forma particular utilizada para descrever a
referida avenida no sistema. Como se sabe, a Av. Atlântica tem um canteiro
central de grandes proporções, o qual interrompe o acesso de algumas ruas
transversais à pista bairro-centro localizada junto à praia. Na confecção do
mapa de trechos, essa avenida foi desmembrada em duas sequências de
trechos, uma para a pista centro-bairro, ligada a todas as transversais, e
outra para a pista bairro-centro, ligada apenas às transversais que permi-
tem a conversão à esquerda. Com isso, esses trechos funcionam como liga-
ções microrregionais e reforçam os percursos mais extensos.

Figura 101. Descrições comparadas: medidas de centralidade por interposição, sem ponderação e calculada pelo
critério topológico, tomadas a partir de descrição axial, nodal e trechos.

Na medida de centralidade por interposição ponderada, Figura 102,


nota-se a descrição axial falhando em prover uma representação minima-
mente razoável da estrutura espacial do sistema e representações nodal e
por trechos mais ajustadas às características percebidas da área.

232
Figura 102. Descrições comparadas: medidas de centralidade por interposição, ponderadas pelas formas construídas
e calculadas pelo critério topológico, tomadas a partir de descrição axial, nodal e trechos.

Finalmente, uma das medidas de centralidade por interposição com


critério geométrico está ilustrada na Figura 103, na qual se vê a descrição
axial enfatizando as sequências de espaços que constituem as duas favelas
da área. Isso se deve provavelmente à característica labiríntica desses as-
sentamentos, que aumentam dramaticamente as distâncias médias, deslo-
cando a hierarquia. A descrição nodal repete, grosso modo, o desempenho
já verificado na medida topológica correspondente. A medida de centra-
lidade baseada em descrição por trechos é que melhor identifica a hierar-
quia superior da Av. Nossa Senhora de Copacabana. É relevante lembrar,
mais uma vez, que os parâmetros de ponderação das diferentes formas
construídas foram arbitrariamente estabelecidos, apenas como forma de
demonstrar as potencialidades dos modelos. Numa situação em que os re-
sultados empíricos são relevantes, esses parâmetros poderiam ser ajusta-
dos para oferecer uma leitura ótima do sistema.

233
Figura 103. Descrições comparadas: medidas de centralidade por interposição, ponderadas pelas formas construídas
e calculada pelo critério geométrico, tomadas a partir de descrição axial, nodal e trechos.

Medidas de desempenho espacial


A par dos modelos de centralidade propriamente ditos, que buscam
identificar e descrever a hierarquia espacial dos sistemas urbanos, outros
modelos, mais particularizados, são disponíveis. Os que estão apresenta-
dos e testados aqui são de avaliação de oportunidade espacial e convergên-
cia. Oportunidade espacial é uma medida de vantagem locacional relati-
va, tomada para localizações residenciais, em relação a um determinado
sistema de serviços. Convergência é, semelhantemente, uma medida de
vantagem locacional relativa, tomada para pontos de oferta de serviços,
em relação a um determinado conjunto de consumidores potenciais, bem
como às localizações de outros pontos de oferta do mesmo serviço. Para
realizar os testes correspondentes, foi assumida a distribuição de apenas
dois serviços específicos – supermercados e hospitais –, sendo os super-
mercados divididos em duas bandeiras, conforme o mapa da Figura 104. A
população está distribuída espacialmente conforme já descrito no exame
dos modelos de centralidade.

234
Figura 104. Localização de equipamentos: círculos representam supermercados, os negros de uma rede e os cinzas
de outra; os losangos representam hospitais. Esses pontos de oferta são reais, mas não a totalidade da oferta desses
serviços na área de estudo; a configuração acima serve, entretanto, aos propósitos da demonstração dos modelos.

Oportunidade espacial
A operação de cálculo da oportunidade espacial envolve computar,
através de um grafo direcionado, cujas origens são as unidades espaciais
que contêm habitação e destinos das unidades que possuem o equipa-
mento em questão, as posições relativas de cada origem (residencial)
a todos os destinos (equipamento) simultaneamente. Na Figura 105, é
mostrado o mapeamento da oportunidade espacial para os três hospitais
considerados na área; na representação, as linhas mais claras e espessas
são as de maior oportunidade espacial, as mais escuras e finas são as de
menor, sendo que as unidades espaciais que não contêm habitação não
aparecem no diagrama, como ocorre, neste caso, com os trechos da pista
bairro-centro da Av. Atlântica, à beira-mar. Note que, para os dois hos-
pitais localizados mais à esquerda, há correspondência entre localização
do equipamento e aglomeração de locais mais bem pontuados quanto à
oportunidade espacial. Isso não acontece com o terceiro ponto de oferta,
localizado na parte superior do mapa; isso ocorre justamente porque a
oportunidade espacial é tomada em relação a todos os pontos de oferta
do serviço simultaneamente, o que privilegia as localizações mais à es-
querda, próximas de dois pontos de oferta.

235
Figura 105. Mapograma de distribuição da Oportunidade Espacial em relação à rede de (3) hospitais localizados na área.

Na Figura 106, está mostrada a gradação de oportunidade espacial


quanto a supermercados. Aqui, como ocorreu no caso anterior, todas
unidades do serviço, das duas redes, foram consideradas iguais, o que
equivaleria a uma equiparação quanto a porte, qualidade do serviço, pre-
ço ou quaisquer outros atributos que podem ser usados para diferenciar
supermercados. Numa situação alternativa, em que essas unidades fos-
sem diferenciadas, a gradação seria alterada correspondentemente. Situ-
ação semelhante ocorre com a população, que não está diferenciada por
nenhum critério, mas poderia. Assim, se um critério de diferenciação
entre supermercados fosse, por exemplo, o preço, uma diferenciação da
população de consumidores por renda poderia estabelecer uma medi-
da de oportunidade espacial sensível aos padrões socioeconômicos dos
usuários e dos serviços simultaneamente.

236
Figura 106. Mapograma de distribuição da Oportunidade Espacial em relação à rede de (11) supermercados
localizados na área.

Convergência
O cômputo da convergência é semelhante ao da oportunidade es-
pacial; entretanto, possui algumas particularidades. A primeira é que a
quantidade de usuários existente em cada localização residencial é rele-
vante. Para a oportunidade espacial interessa apenas a localização em si,
independentemente de quantos usuários estão ali localizados, mas, para
a convergência, isso pesa, pois a eficiência de cada ponto de oferta do
serviço somente pode ser estabelecida após determinar qual a parcela de
usuários potenciais existentes no sistema serão “capturados”. Na Figura
107, está mapeada a gradação de convergência para os onze supermer-
cados considerados no sistema; como se vê, o nó de maior convergência
é o assinalado com o número 1, antes de mais nada porque possui dois
supermercados. Considerando que não é por acaso que as duas redes
consideradas têm unidades de serviço nessa localização, provavelmente
a localização é também estratégica. Outra situação peculiar é a assinala-
da em último lugar, número 10 que, no sistema considerado está efetiva-
mente em posição desvantajosa (numa das extremidades da área, atrás
de outras unidades); entretanto, isso ocorre apenas porque a área de es-
tudo foi seccionada do todo, e com isso, na verdade, há um outro bairro
igualmente populoso à esquerda, que, se considerado, tornaria a situação
desse ponto de oferta de serviço muito diferente.

237
Figura 107. Distribuição de convergência para onze (11) pontos de oferta de serviço de supermercado considerados
na área. O nó # 1 contém duas unidades.

Tabela 15. Distribuição de convergência para onze (11) pontos de oferta de serviço de supermercado considerados
na área. O nó # 1 contém duas unidades

nó convergência
1 19,25 %
2 11,95 %
3 11,29 %
4 10,14 %
5 10,06 %
6 9,57 %
7 7,62 %
8 7,50 %
9 6,58 %
10 5,99 %

238
Por último, a Figura 108 à esquerda mostra a gradação de convergên-
cia para os três hospitais considerados na área. Como se vê, as diferenças
de convergência entre eles são muito pequenas, considerando que todos
foram tomados com o mesmo porte e-ou qualidade. No diagrama da di-
reita, a medida foi recalculada, considerando hipoteticamente o hospital
da extremidade esquerda como tendo um porte três vezes maior do que os
outros dois; com isso, a medida de convergência reage, mostrando o referi-
do equipamento com 59,74 % da convergência total no sistema.

Figura 108. Distribuição de convergência para três (3) hospitais considerados no sistema. À esquerda, considerando
as três unidades com o mesmo porte/qualidade; à direita, considerando a unidade da extremidade esquerda com
o triplo do porte das outras duas.

Tabela 16. Distribuição de convergência para três (3) hospitais considerados no sistema. À esquerda, consideran-
do as três unidades com o mesmo porte/qualidade; à direita, considerando a unidade da extremidade esquerda
com o triplo do porte das outras duas.

Nó Convergência
1 (vermelho) 33,45 %
2 (laranja) 33,28 %
3 (amarelo) 33,27 %

Nó Convergência
1 (vermelho) 59,74 %
2 (laranja) 20,24 %
3 (amarelo) 20,02 %

239
DESEMPENHO DA FORMA URBANA 13
A forma urbana, assim como outros elementos da realidade, pode
ser avaliada. Avaliar significa, em termos gerais, determinar o desempe-
nho do que está sendo examinado, frente a um sistema e a uma escala de
valores. Dessa forma, uma avaliação depende, por um lado, de indicadores
que permitam aferir o desempenho do objeto, e por outro, um conjunto de
valores, necessariamente sociais (March, 1976), que indicam o que é bom,
desejável, benéfico, belo, adequado, conveniente, prioritário, etc. Avalia-
ção, nesse sentido, sempre será relativa, quer dizer, depende de parâmetros
previamente estabelecidos. Cada pessoa realiza permanentemente avalia-
ção de muitos aspectos da realidade urbana, como forma de decidir, e o faz
com base em valores individuais. Esses valores podem ser muito particu-
lares e, assim, valerem apenas para aquele indivíduo, ou podem ser gerais,
e valerem para grupos de indivíduos mais ou menos amplos. Quanto mais
partilhados, mais objetivos serão os valores sociais.
Empreender uma avaliação da forma urbana significa, assim, mapeá-
-la, através de seus atributos, em relação a um outro universo. Esse universo,
externo ao domínio da morfologia, é o dos usuários da cidade, que vivem
nas cidades, dependem dela para levar adiante suas vidas e, assim, desenvol-
vem necessidades e preferências. Demandas dos usuários quanto a qualida-
des da forma urbana são genericamente chamadas de valores, isto é, carac-
terísticas urbanas específicas às quais estão associados graus diferenciados
de dependência ou preferência. Valores são necessariamente sociais, ou seja,
qualquer avaliação da forma urbana é feita com base na sua capacidade de
resposta aos requerimentos impostos pela vida social, em termos gerais. Já
foi visto que a vida social urbana é feita de complementaridades que deman-
dam espaços adaptados para atividades e deslocamentos, ou fluxos dos mais
variados tipos. A cidade, consequentemente, resulta em um campo de força
onde cada elemento contribui para magnetizar, polarizar, distribuir e con-
duzir atividades e fluxos. Dessa forma, a cidade pode ser vista como uma

241
gigantesca infraestrutura da vida social, que possibilita que cada indivíduo
e cada organização se localizem, estabeleçam suas relações vitais e desen-
volvam seus rituais simultaneamente com todos os outros. Essa visão socio-
infraestrutural da cidade permite entendê-la não apenas como um simples
conjunto de edificações e espaços intersticiais, mas como um sistema de
acumulação, potencialização e distribuição de relações socioespaciais. Um
mapeamento de atributos da forma urbana sobre o universo de valores dos
usuários permitiria relacionar um ao outro.
Assumindo que avaliação depende da disponibilidade de indicadores
(forma de medir), de critérios de mensuração (valores sociais) e de uma
escala (espaço de variação da medida), pode-se delinear o que essas coisas
significam no âmbito da morfologia urbana:
a) Indicadores de desempenho – são instrumentos de medida de
atributos específicos da forma urbana, servem para destacar um
determinado aspecto dessa forma e aferi-lo de maneira mais ou
menos precisa. Dessa medida deve resultar um indicador capaz de
diferenciar um determinado assentamento, ou parte dele, de outros.
Isso se faz através de escores, níveis, categorias, classes, etc.
b) Sistema de valores – são conjuntos de preferências, necessidades
ou conveniências sociais, relativas à cidade, que permitem distinguir
prioridades, desejos, etc. Valores emergem de interesses funcionais,
econômicos, culturais, etc., variam de lugar para lugar, de um seg-
mento social para outro, e podem mudar com o tempo.
c) Escalas de valores – são gradientes de preferência ou urgência, que
permitem graduar o valor social de um determinado atributo urba-
no e, a partir do ponto de vista de sua importância, estabelecer uma
direção de sua evolução e, eventualmente, confrontá-lo com outros.
Desses três componentes, o mais difícil de ser abordado é, sem dúvida,
o sistema de valores. Isso se explica pelo fato de ser esse sistema baseado em
preferências individuais. Isso remeteria, no limite, a uma perspectiva real-
mente individual da avaliação, o que não faria avançar nenhuma forma de
conhecimento sobre a cidade, desde que preferências individuais são sub-
jetivas e dificilmente comparáveis. Os caminhos disponíveis para gerar tal
conhecimento seriam, primeiramente, buscar construir uma convergência
de tantos valores individuais quanto possível, transformando-os em valores
coletivos. Esse é o método indutivo, que se baseia na procura de algum tipo
de generalização a partir de observações empíricas; pressupõe que a cultura,
o ambiente, a genética reduzam o arbítrio e tornem algumas escolhas indi-

242
viduais semelhantes a outras. Isso constituiria de base para a formulação de
valores coletivos, total ou parcialmente compartilháveis por vários indiví-
duos. A segunda possibilidade seria deduzir valores teoricamente comparti-
lháveis por muitos indivíduos a partir da racionalização do comportamento
dos usuários e de sua relação com a morfologia urbana. Esse seria o método
dedutivo, uma física social que pressupõe que a maioria das ações, na maio-
ria das vezes, praticadas pela maioria dos usuários é restrita a um conjunto
de imposições da realidade e, assim, decidida num contexto de alternativas
previamente conhecidas. Dessa forma, embora cada decisão individual, em
cada situação, seja impossível de ser determinada, o agregado de muitas de-
cisões, dadas que limitadas pelas circunstâncias da realidade urbana, pode
ser estimado. A forma urbana é, sem dúvida, uma circunstância concreta
e, muitas vezes, incontornável da realidade, que interfere diretamente nas
decisões dos usuários e poderia, então, ser associada ao comportamento dos
usuários, gerando uma avaliação de desempenho.

Critérios sintéticos de avaliação de desempenho da forma urbana


Em cada período de sua curta história, a ciência urbana tem privile-
giado uma certa visão de mundo e construído formas de representação e
avaliação das cidades, correspondentes, que passam a fazer parte definitiva
do referencial analítico. Na década de 60, a questão principal foi a eficiên-
cia das cidades, trazida à consideração pelo desenvolvimento da economia
urbana e da pesquisa operacional. A racionalidade das decisões envolven-
do a maximização da utilidade e da renda, bem como a provisão de servi-
ços urbanos, motivou o entendimento das cidades como um sistema a ser
otimizado. Pode-se pensar a eficiência urbana como uma forma de bus-
car economia de meios, ganhos de produtividade e funcionalidade. A vida
urbana cotidiana, diferente para cada indivíduo porque montada a partir
de sua rede particular de relações e dependências, pode, não obstante, ser
equiparada a um contínuo processo de deslocamentos e interações inter-
mitentes. Com efeito, independentemente do que cada indivíduo realize
ao longo de seu dia, seu procedimento envolve deslocamentos e atividades
localizadas e sequenciais. A eficiência desse procedimento envolve distri-
buição espacial de atividades e minimização de distâncias, ambas associa-
das à forma urbana. Eficiência também pode ser buscada no âmbito da
implementação e operação de infraestruturas e serviços urbanos dos mais
diversos tipos. A maioria dos serviços urbanos públicos implica melhoria
de eficiência através de minimização de extensão de suas redes (água, es-

243
goto, eletricidade, circulação, transporte, gás e muitas outras) e maximiza-
ção de abrangência, com implicações na forma urbana também.
A década de 70 trouxe a equidade à tona ao contestar os princípios
de eficácia de mercado e arguir a neutralidade das instituições urbanas.
Eficiência, embora mantida como parâmetro confiável de avaliação das
cidades, passou a compor com equidade um quadro mais amplo de re-
ferência à condição de funcionamento das cidades e de distribuição jus-
ta de custos e benefícios. Melhoria de equidade tem sido uma referência
ética do planejamento urbano desde que ele existe, e sua busca envolve,
em primeiro lugar, o combate às diferenças causadas pela ocupação do
espaço. Com efeito, em razão da impossibilidade de concentrar a cidade
em um único ponto e o custo inerente ao vencimento das distâncias, a ge-
ração de diferenças locacionais urbanas é inevitável. Como consequência
imediata e lógica das diferenças locacionais, um processo de competição
pelas melhores localizações se instala, instituindo uma estrutura de valo-
res de localização. Os custos diferenciados associados às diversas localiza-
ções urbanas é parte do processo econômico mais geral e tende a refletir
a segmentação socioeconômica da sociedade. É claro que, sendo associa-
da à localização e às distâncias, a procura por equidade, tem uma defini-
ção própria no planejamento e na gestão das cidades, e, por extensão, na
morfologia urbana, que pode diferir em algum grau das demais políticas
sociais. No Brasil, a maioria das políticas sociais é voltada ao combate à po-
breza e, muitas vezes, políticas urbanas são atreladas a esse objetivo, com
resultados geralmente decepcionantes, justamente por força da particula-
ridade requerida no trato às questões urbanas.
Na década de 80, a questão da qualidade espacial emergiu como um
problema urbano relevante. Viu-se que externalidades afetam o ambien-
te urbano e, por consequência interferem na eficiência e na qualidade de
vida de todos, no presente e no futuro, oferecendo, assim, uma nova base
de entendimento do que sejam eficiência e equidade. Em termos genéricos,
externalidades são efeitos não intencionais decorrentes de ações intencio-
nais, muitíssimo frequentes nas situações urbanas, onde prevalece alguma
concentração de indivíduos e organizações cujas ações, embora legítimas,
planejadas e cuidadosas como podem ser, inevitavelmente causam efeitos
não intencionais a outros. Da projeção de sombra sobre o terreno do vizi-
nho ao congestionamento viário, da violação da privacidade ao desconforto,
mas também da segurança nas ruas à valorização imobiliária, da urbanidade
à geração de oportunidades, a cidade é plena de externalidades. Qualidade

244
espacial, mais que eficiência ou equidade, denota preferências individuais
e, nesse sentido, poderia ser dito que a primeira e fundamental qualidade
espacial urbana seria a diversidade, capaz de prover situações julgadas ade-
quadas a uma gama variada de usuários diferenciados. Não obstante, aspec-
tos relativos à qualidade da forma urbana podem ser abordados desde um
ponto de vista objetivo e prover deduções de indicadores de desempenho.
Finalmente, na década de 90, a preocupação com o urbano trouxe a
sustentabilidade para o foco. Esta sumariza, sem descartar, os demais pro-
blemas ao pressupor um processo dependente de múltiplos fatores que se
interferem mutuamente em equilíbrio instável. Pretende ser uma visão
unificadora ao considerar os interesses e necessidades de todos os agentes
sociais no âmbito de um processo que precisa ser duradouro. Com efeito,
pode-se, em princípio, supor que uma cidade que se mantém eficiente e
equânime será sustentável, à medida que os requerimentos vitais dos agen-
tes tendem a ser providos. Na verdade, a cidade é um exemplo admirável
de sustentabilidade, ao sobreviver, tanto como fenômeno quanto como
situação empírica, às incríveis transformações impostas pelo processo de
evolução humana e social. Ao mostrar capacidade de adaptação a situa-
ções tão diversas em tempos tão longos, a sustentabilidade urbana pode
ser associada a uma de suas qualidades fundamentais, a flexibilidade.
Eficiência, equidade e qualidade espacial são hoje paradigmas da
avaliação urbana e do planejamento das cidades, que demandam formas
eficazes de mensuração e de monitoramento (sustentabilidade tende a as-
sumir um papel semelhante, à medida que deixa de ser um valor genérico
e adquire contornos e definições mais precisas). A forma urbana, tal como
vem sendo tratada neste livro – um campo de conhecimento e investiga-
ção dotado de alguma autonomia –, é certamente passível de ser escru-
tinada segundo seu desempenho. Alguns indicadores são introduzidos e
comentados a seguir.

Indicadores da forma geral dos assentamentos


A forma urbana pode ser avaliada genericamente quanto à sua rela-
ção com o território sobre o qual se assenta. É certo que particularidades
desse território têm influência decisiva sobre a forma geral dos assenta-
mentos urbanos, principalmente aquelas dadas pela topografia e pela
ocupação natural (águas, vegetação). Não obstante, decorrente seja des-
ses fatores naturais, seja de fatores sociais e históricos, como proprieda-

245
de do solo, tensões resultantes do sistema viário regional, etc., ou, ainda
mais provável, de ambos combinados, uma forma geral dos assentamentos
emerge, perdura e, claro, afeta a dinâmica socioespacial. Avaliação da for-
ma geral pode ser feita mediante os seguintes indicadores:
a) indicador de continuidade – procura medir o grau de fragmenta-
ção da forma urbana através do exame de seu perímetro. A maneira
mais simples de produzir um indicador quantitativo de continuidade
é comparar o perímetro do assentamento com o do polígono conve-
xo mínimo que o contém. A expressão resultante é:
2pconv
Icont(U) =
2pu
Um polígono convexo, como se sabe, não possui ângulos internos
maiores de 180º, o que o impede de apresentar reentrâncias. Reentrâncias,
assim como vazios internos, são ocorrências comuns nas cidades e produzem
efeitos, geralmente negativos, na sua eficiência. Com efeito, descontinuida-
des da forma geral urbana geralmente resultam em percursos mais longos,
que afetam as viagens que têm origem e destino nas zonas semi-isoladas
pela fragmentação. Com isso, não apenas a vida de muitos usuários é
influenciada, mas também redes de infraestrutura e serviços públicos.
A medida sugerida acima varia entre zero (0) e um (1); o limite supe-
rior representa a máxima continuidade, situação em que o perímetro do
assentamento coincide com o do seu polígono convexo mínimo circuns-
crito, e assim não possui reentrâncias ou vazios internos. O limite inferior
corresponderia a uma situação hipotética em que o perímetro do assenta-
mento tenderia para o infinito, com a máxima fragmentação.
Na Figura 109, o assentamento está representado pela figura mais es-
cura, enquanto seu polígono convexo circunscrito pela figura mais clara.
Como se pode ver, o assentamento urbano tem perímetro irregular e frag-
mentado, apresentando reentrâncias e vazio urbano interno. As medidas
aproximadas do perímetro do assentamento e do seu polígono são apro-
ximadamente 19,45 e 8, 86 quilômetros, respectivamente. O indicador de
continuidade, relacionando ambos, alcança um valor de 0,455, situado na
metade inferior do intervalo 0<>1, dentro do qual a medida varia, indi-
cando um relativamente alto grau de descontinuidade e de fragmentação.
Continuidade espacial urbana é uma característica associada à efi-
ciência urbana, já que eventuais descontinuidades do tecido urbano im-

246
põem percursos mais longos a usuários, a redes de infraestrutura e servi-
ços, além de fomentar a concentração e o congestionamento. No exemplo
da figura, de uma cidade existente, pode-se notar facilmente a ocorrência
desses fenômenos na ligação do centro histórico (extremo Norte do mapa)
e as partes mais novas da cidade, a Oeste.

Figura 109. Esquema demonstrativo do cálculo do indicador de continuidade, que relaciona as medidas do pe-
rímetro do assentamento, incluindo eventuais perímetros internos devidos a vazios, como ocorre acima, e do
perímetro do polígono convexo circunscrito, que representa a forma mais regular possível de ser obtida, mantidos
os pontos extremos da cidade BdoR.

247
A tarefa de definir e medir o perímetro de uma cidade pode não ser
tão simples quanto a ilustração acima sugere; com efeito, formas irregula-
res podem encerrar procedimentos de medida e mesmo conceitos de geo-
metria mais complexos do que os correntemente utilizados em geometria
Euclidiana. Batty e Longley (1994), em seu livro “Fractal Cities”, desenvol-
vem uma extensa investigação sobre as variantes dimensionais da forma
urbana, utilizando o conceito de geometria fractal.
b) indicador de forma – procura medir o grau de regularidade da
forma geral dos assentamentos urbanos mediante o exame de sua
forma geométrica. Uma das maneiras mais simples de produzir um
indicador quantitativo é comparar a área do assentamento com a do
seu círculo circunscrito. A expressão resultante é:
Au
Iform(U) =
Acirc
A comparação com o círculo decorre do fato de ser o círculo a figura
geométrica que minimiza a distância dos pontos extremos, localizados so-
bre o seu perímetro, em relação ao centro. Com isso, uma cidade de forma
circular tende a apresentar uma distância média de viagem mínima, o que,
mais uma vez, reflete sobre sua eficiência. O indicador também varia entre
zero e um, proporcionando uma escala estável de medição.
É claro que o efeito da forma geral da cidade, tanto no que se refere à
sua continuidade quanto à sua forma, sobre a eficiência do sistema urbano
é parcial e deve ser considerado no âmbito da análise morfológica e con-
figuracional. Tanto a configuração do sistema viário quanto a operação de
meios de transporte, para não falar da distribuição espacial da população e
das atividades, podem ser tão ou mais decisivos na determinação da efici-
ência das cidades desde o ponto de vista da eficiência de circulação. Pode-se
argumentar que a forma circular, que, por um lado, minimiza a distância
desde o centro aos pontos extremos, por outro, concentra interesses no cen-
tro, criando congestionamento e, por decorrência, ineficiênca de circulação.
Esse é um dos argumentos para a defesa de cidades lineares. Como se sabe,
cidades lineares buscam justamente evitar a concentração de serviços e ativi-
dades comerciais em um ponto, linearizando os centros urbanos. Ao fazê-lo,
entretanto, introduzem na pretendida área central uma externalidade gran-
demente negativa, que é justamente a distância linear que se instala entre di-
ferentes atividades, que funcionariam melhor estando próximas e, no mode-

248
lo linear, encontram-se localizadas ao longo de uma linha. Essa externalida-
de é minimizada justamente com sistemas de transporte, como no modelo
original de Soria e Malta, e também no modelo estrutural de Curitiba. Não
obstante, não deve ser considerada mera coincidência o fato de as cidades,
desde que seus sítios não apresentem constrangimentos, apresentarem uma
tendência à forma circular, que se evidencia à medida do crescimento urba-
no, como em São Paulo, Londres e Paris.

Figura 110. Medida de forma dos assentamentos, realizada mediante comparação das áreas destes com seus
respectivos círculos circunscritos. Um círculo circunscrito é o menor círculo que contém a totalidade de BdoR.
No exemplo da Figura, o assentamento tem área de 173, enquanto seu círculo circunscrito, 610, resultando num
índice de 0, 283, numa escala que varia entre 0 e 1 (baixo, por conseguinte).

249
Indicadores do espaço público urbano
O chamado espaço público urbano, constituído basicamente pelo seu
sistema viário, pode ser acessado através de uma variedade de indicadores,
a maioria deles derivada da aplicação de teoria dos grafos, como já foi am-
plamente demonstrado anteriormente. Alguns dos indicadores mais rele-
vantes são os que seguem.
a) indicador de distributividade – procura medir o grau de conecti-
vidade da rede viária urbana. Já se viu aqui anteriormente que distri-
butividade é uma propriedade das redes espaciais caracterizada pela
existência de caminhos alternativos entre pares quaisquer de nós des-
sas redes. Assim, diz-se que uma rede é não distributiva quando, entre
um par qualquer de pontos, existe apenas um caminho possível, como
ocorre, por exemplo, nas formações urbanas compostas de apenas
uma via principal e várias outras transversais. Na direção oposta, um
sistema seria distributivo quando, para um par qualquer de nós, hou-
ver mais de um caminho possível, sendo a quantidade de caminhos
uma denotação do grau dessa distributividade. A disponibilidade de
caminhos alternativos numa rede planar, como é o caso das cidades, é
oportunizada fundamentalmente pelos circuitos fechados, isto é, pela
formação de ilhas resultantes da interceptação sistemática de cada rua
por várias outras. Em teoria de grafos, o número ciclomático faz exata-
mente isso, mede a quantidade de ciclos existente num sistema, dadas
as quantidades de nós e arestas. A fórmula de cálculo é:

C=A–N+1

onde C é o número ciclomático, A o número de arestas e N o de nós.

Se esse procedimento de cálculo é aplicado a um mapa nodal de uma


cidade, obtém-se como resultado a quantidade de ciclos fechados, ou quar-
teirões, nela existente. Isso, isoladamente, não chega a ser um procedimen-
to eficaz, já que nem o método é aparentemente o mais eficiente (mais fácil
seria simplesmente contar o número de quarteirões) nem o resultado ilu-
minador (saber a quantidade de quarteirões de uma cidade não acrescenta
um conhecimento particularmente relevante); entretanto, se esse número
é comparado com algum tipo de padrão, passa a ser mais efetivo. Como já

250
foi dito anteriormente, a situação de distributividade mínima é a da inexis-
tência de ciclos fechados, o que resultaria num valor ciclomático de zero.
Já o máximo é indeterminado, variando de acordo com o número de nós e
de arestas do sistema. O padrão de referência para uma comparação seria
o de máxima distributividade para uma mesma quantidade de nós, ou seja,
a medida de distributividade seria a relação do número ciclomático do sis-
tema em análise, e a do número ciclomático de um sistema teórico com
o mesmo número de nós e a máxima conectividade. Essa condição seria
alcançável teoricamente quando todos os nós estivessem ligados direta-
mente a todos os demais, configurando um grado chamado estrela. Essa
condição, entretanto, não é realizável para os sistemas espaciais, que são
constrangidos pela planaridade, ou seja, desenvolvem-se basicamente so-
bre uma superfície. Na planaridade, os nós são restritos pela sua posição,
somente podendo se conectar a outros que lhes sejam vizinhos geográfi-
cos. As arestas não podem se cruzar, sob pena de criar um novo nó.
Um padrão vastamente verificável no mundo das cidades é o da gre-
lha retangular; se fosse utilizado para a constituição da medida de distri-
butividade, o resultado mediria o desvio que uma configuração concreta
qualquer sofre em relação a uma grelha retangular perfeita, constituída do
mesmo número de nós. O resultado, desta vez, não se limita a uma varia-
ção entre zero e um, já que é possível construir um sistema urbano com
distributividade superior à das grelhas retangulares. Exemplos disso são
os projetos de Belo Horizonte, Barcelona e Washington, que combinam
uma grelha retangular básica e uma supergrelha retangular rotacionada
45º com vértices coincidentes com as da grelha básica. Com isso, alguns
quarteirões serão retangulares (quadrados, na verdade) e outros serão
triangulares, aumentando a distributividade e resultando num indicador
maior do que um. Na grande maioria das vezes, inclusive para essas cida-
des, que, depois dos respectivos projetos originais, sofreram acréscimos
que lhes diminui a distributividade, os valores assumidos pelo indicador
serão inferiores a um. Com isso, a expressão do indicador resulta:
u
Idistrib(U) = Cgrelha
C
Não é preciso enfatizar a importância da distributividade na deter-
minação da eficiência urbana, visto que incide diretamente sobre a segun-
da principal atividade urbana padrão, a mobilidade.

251
Distributividade é característica espacial urbana associada à quantida-
de de percursos alternativos existentes entre dois pontos quaisquer de um
sistema. Na Figura 111, estão ilustradas duas situações de distributividade
diferentes; na parte superior, se vê uma grelha que permite uma variedade
de caminhos entre quaisquer pares de pontos, enquanto na parte inferior
se vê uma árvore que permite apenas um caminho entre quaisquer pares de
pontos escolhidos. Como pode ser denotado, a multiplicidade de caminhos
disponíveis entre pontos no interior de um sistema urbano está relacionada
à existência de ciclos fechados, isto é, de uma rede propriamente dita; por
isso a medida de distributividade pode ser obtida pelo número ciclomático,
que é justamente a quantidade de ciclos fechados existente em um sistema.
Na figura referida, a grelha da parte superior tem 25 ciclos, resultado obtido
pela fórmula C = A – N + 1, onde C representa o número de ciclos, A o nú-
mero de arestas e N o número de nós; na árvore da parte inferior o número
ciclomático cai para zero, ou seja, inexistem ciclos fechados.

Figura 111. Esquema demonstrativo da distributividade: no diagrama superior, se vê uma grelha composta de 24
nós e 60 arestas, resultando num número ciclomático de 25. No diagrama inferior, há uma árvore composta de 18
nós e 17 arestas, resultando em um número ciclomático de zero.

252
Considerando que o número ciclomático varia de acordo com o ta-
manho do sistema, é conveniente que a medida de distributividade, daí
derivada, seja mais controlada, permitindo um uso mais sistemático, com-
parando-se o número ciclomático do sistema que se quer medir com o nú-
mero ciclomático de uma grelha retangular perfeita com o mesmo número
de nós. Usa-se a grelha retangular por ser a forma mais comum de organi-
zação espacial existente, embora não seja a mais distributiva.

Figura 112. Demonstração da medida de distributividade: à esquerda, se vê o mapa nodal de BdoR, e, à direita, uma
grelha retangular perfeita, com o mesmo número de nós, 144. A cidade tem um número ciclomático igual a 46,
resultante da existência de 144 nós e 189 arestas. A grelha tem um número ciclomático igual a 121, resultante dos
mesmos 144 nós, porém 264 arestas. A medida de distributividade da cidade em questão resulta ser igual a 0,38.

b) indicador de permeabilidade – procura medir a intensidade da


interface entre o espaço público e o privado. Este indicador funda-
-se na noção de que essa interação, fundamental para a própria exis-
tência da cidade e consecução das atividades humanas, é função da
oportunidade de contato entre os universos do público e do priva-
do, propiciada pelas linhas de contato entre espaços públicos e lotes
de terra privados. Permeabilidade consta como uma das qualidades
urbanas a serem perseguidas (Bentley, 1994) e pode ser associada à
eficiência, no sentido da otimização do uso do solo, particularmente
no modo comercial. A permeabilidade também afeta os padrões de
circulação urbana no modo pedestre, razão pela qual muitas cidades
estabelecem medidas máximas para novos quarteirões.

253
Uma forma simples e efetiva de medir a permeabilidade é relacionar
a extensão total de vias públicas a unidades de área. A expressão dessa me-
dida é a que segue, onde L é o comprimento das vias públicas e A é a área
considerada.

Iperm(U) = L
A

A escala de variação dessa medida depende da área adotada, bem


como de um eventual padrão tomado como referência para comparação.
Considerando que permeabilidade em uma cidade varia, a medida tan-
to pode ser tomada para a totalidade do assentamento, quando espelharia
uma média de permeabilidade, quanto ocorrer em partes, que poderiam,
então, ser comparadas entre si, produzindo uma medida comparativa lo-
cal, válida apenas para o sistema em análise. Considerando que uma me-
dida de permeabilidade, tomando medidas de comprimento em metros
e de área em hectares, terá um valor maior do que zero, a medida relativa
pode adotar a seguinte expressão, onde j representa uma zona pertencente
a um sistema urbano em análise, e i representa a zona desse sistema onde a
permeabilidade é máxima.

rel
Iperm(j)
Iperm(U) =
Iperm(i)
Permeabilidade é uma medida de penetrabilidade do espaço, resul-
tado da combinação densa entre espaço público e privado. Pode, assim,
ser vista como um indicador de intensidade de interface entre esses dois
domínios e resulta da quantidade de oportunidades de troca entre eles. As
Figuras 113 e 114 ilustram essa medida.

254
Figura 113. Medida de permeabilidade, tomada como uma relação entre a extensão de vias e área de uma zona
urbana. No diagrama, observam-se três zonas com a mesma área e quantidades de vias públicas diferentes, va-
riando desde uma situação de maior permeabilidade, à esquerda, até outra de menor, à direita. As medidas mos-
tradas resultam das relações entre os respectivos somatórios das extensões das vias (12, 8 e 6) e a área das figuras
(1) – linha superior e medidas relativas, tomando como referência a permeabilidade da zona A.

Figura 114. Permeabilidade aplicada a BdoR: duas zonas de uma mesma cidade comparadas, com medidas
absolutas e relativa uma à outra.

255
c) indicador de profundidade – procura avaliar o grau de distancia-
mento existente entre as unidades espaciais do sistema espacial ur-
bano. Uma medida para isso pode ser a do maior caminho mínimo
existente no sistema, ou, mais abrangente, a medida da distância mé-
dia. Como já foi exposto anteriormente, esta é a média de todos os
caminhos mínimos existentes entre todos os pares de unidades espa-
ciais de um sistema. Esta última pode ser expressa como abaixo, onde
cm é o caminho mínimo entre um par qualquer ij e n é o número total
de unidades espaciais do sistema.
1 cmij
n

Iprof(U) =
n–1
Para acrescentar à medida um parâmetro comparativo, pode-se no-
vamente comparar a medida de profundidade obtida para um sistema à
de outro, teórico, configurado como uma grelha retangular com o mesmo
número de nós.
u
rel Iprof
Iprof(U) = grelha
Iprof
Uma outra forma de produzir um indicador de profundidade é atra-
vés do diâmetro do sistema, que, como já foi anteriormente referido, é igual
ao maior caminho mais curto existente no sistema. O diâmetro é, assim,
complementar à medida de distância média, indicando a maior profun-
didade existente no sistema. Ainda uma terceira forma de avaliar profun-
didade é medi-la a partir de um ou mais pontos específicos, procedimento
que ordena o sistema a partir desses pontos, dando-lhe uma dimensão de
profundidade direcionada.
Profundidade do espaço urbano está associada tanto à eficiência
quanto à equidade; afeta a eficiência quando, sendo alta, implica viagens
mais extensas e afeta a equidade quando, ainda alta, denota segregação es-
pacial. Assim, indicadores de profundidade devem ser baixos. A medida
sugerida na fórmula 8, acima, tem um valor mínimo de um, quando a ci-
dade em exame possui a mesma profundidade que uma grelha retangular
com o mesmo número de nós, e valores maiores quando a média de seus
caminhos mínimos é maior do que a grelha correspondente.

256
Figura 115. Indicador de profundidade; à esquerda, a medida de distância média, computada como a média de
todos os caminhos mínimos do sistema, calculado para uma fração de BdoR. No exemplo, há 45 caminhos míni-
mos ligando cada ponto a todos os demais. No diagrama do meio, a profundidade é medida como o diâmetro, ou
seja, o maior caminho mínimo do sistema, ligando os pontos 1 e 10, os mais afastados. No diagrama da direita, o
sistema é ordenado a partir do ponto 6, havendo, consequentemente, três níveis de profundidade (a distância 1,
os pontos laranja; a distância 2, os amarelos; e a distância 3, os azuis).

O indicador de profundidade, como visto, pode oferecer como re-


sultado quaisquer números, variando de acordo com a quantidade de en-
tidades espaciais do sistema; para obter um valor relativo mais estável, é
possível comparar o sistema em análise a um outro, do tipo grelha, como
mostra a Figura 116.

Figura 116. Indicador de profundidade relativo, obtido pela comparação das distâncias médias do fragmento de
BdoR considerado (C), e outro do tipo grelha com o mesmo número de entidades (S).

O indicador de profundidade pode ser associado a avaliações de efi-


ciência e equidade urbanas. A eficiência pode ser denotada a partir do fato
de sistemas mais ou menos profundos produzirem viagens mais ou menos
extensas; a equidade decorre da inferência que sistemas profundos tendem
a produzir mais segregação socioespacial.

257
d) indicador de acessibilidade – procura sistematizar a aferição ofer-
tada pelo indicador de profundidade, expandindo e comparando as
distâncias médias de todas as unidades espaciais do sistema. Cada
unidade espacial terá uma distância média em relação às demais
unidades espaciais, que expressa a acessibilidade dessa unidade; se
as distâncias médias de todas as unidades espaciais são comparadas,
obtém-se um ranking de acessibilidade. Acessibilidade, como já foi
visto, é uma medida de centralidade por proximidade, e expressa di-
ferenciação espacial existente dentro de um sistema. Níveis de aces-
sibilidade, particularmente os valores extremos, tendem a revelar as
zonas urbanas mais e menos animadas; assim, acessibilidade pode
auxiliar na avaliação de eficiência e equidade simultaneamente, já
que permite identificar regiões urbanas mais propícias às atividades
públicas, como comércio e serviços, bem como aquelas que podem
contribuir para alguma segregação socioespacial. A fórmula abaixo
produz a medida de acessibilidade de uma unidade espacial i perten-
cente a um sistema U de n unidades.
i=0 dij
n

Iace(i) =
n–1
É uma medida de centralidade calculada para cada unidade espacial
do sistema, levando em consideração todas as outras. É um indicador do
espaço público, visto que admite como variável apenas as unidades espa-
ciais relativas ao sistema viário. Já que produz um indicador para cada uni-
dade espacial, o conjunto configura um ranking, como mostrado no exem-
plo, representado pela Figura 117 e pela Tabela 17.

Figura 117. Indicador de acessibilidade calculado para BdoR: o ranking está representado por uma escala de tons
variando do branco (mais acessíveis) ao preto (menos). O núcleo de maior acessibilidade está marcado em vermelho.

258
Tabela 17. Indicador de acessibilidade: os primeiros e últimos dez unidades espaciais do ranking para BdoR. As dez
primeiras correspondem aos nós vermelhos do mapograma da Figura 117. A coluna 2 mostra escores de acessibili-
dade absoluta, enquanto a coluna 3 mostra os mesmos escores, porém normalizados para uma escala percentual.
Unidade Espacial Acessibilidade absoluta Acessibilidade relativa ranking
55 29,451 0,852 1
71 29,334 0,849 2
54 29,199 0,845 3
119 29,045 0,841 4
64 28,910 0,837 5
56 28,687 0,830 6
43 28,627 0,829 7
48 28,599 0,828 8
40 28,303 0,819 9
57 28,288 0,819 10
. . . .
. . . .
147 15,793 0,457 147
107 15,742 0,456 148
2 15,685 0,454 149
1 15,668 0,453 150
4 15,668 0,453 151
112 15,415 0,446 152
113 15,415 0,446 153
108 14,990 0,434 154
109 13,834 0,400 155
110 13,475 0,390 156

e) indicador de acessibilidade diferencial – a medida de acessibili-


dade, por tudo o que já foi demonstrado anteriormente, é grande-
mente importante como identificador de propriedades estruturais de
redes espaciais; com ela, é possível discernir com grande acuidade,
a diferenciação espacial existente nos sistemas urbanos, bem como
relacionar essas diferenciações a aspectos do funcionamento das ci-
dades, tais como probabilidade de localização de zonas comerciais,
ou localização de áreas potencialmente segregadoras. Essa diferen-
ciação interna é possível ser observada mediante o exame dos escores
das diversas unidades espaciais situadas no ranking de acessibilidade,

259
como demonstrado no item anterior. Cabe ainda, entretanto, outro
tipo de observação, relativa não à diferenciação interna de cada sis-
tema, mas à posição desse sistema, como um todo, frente a referên-
cias gerais. Para se obter isso, mais uma vez, é necessário comparar a
acessibilidade da cidade sendo analisada com a de um outro sistema,
teórico, considerado como referência. Dessa comparação, os seguin-
tes itens são relevantes:
• relação entre valores médios dos dois sistemas – revelam os graus de
afastamento das unidades espaciais mais e menos acessíveis da cidade,
em relação ao modelo teórico de referência. Esse afastamento pode ser
calculado como a relação entre as acessibilidades médias da cidade e
do modelo teórico de referência, como sugere a expressão abaixo.

dif Iace (S)


Iace (S) =
Iace (T)
A relação referida acima tende a produzir um indicador com valor
menor que um, já que a grelha, na maioria das vezes, terá um valor médio
de acessibilidade mais alto que os sistemas reais.
• distribuições relativas comparadas – alternativamente, pode-se exa-
minar a distribuição dos escores de acessibilidade comparados aos de
um sistema de referência, normalmente uma grelha retangular regular,
que possui a menor diferença entre o maior e o menor valor de acessi-
bilidade. Para obter tal comparação, plotam-se as curvas respectivas de
escores normalizados do sistema em exame e do sistema de referência.
As duas curvas deverão se interceptar, já que a do sistema real variará
dentro de um intervalo maior; com isso, a plotagem revelará quantos
e quais componentes deste sistema se encontram acima e abaixo dos
escores máximos e mínimos do sistema de referência.
Este indicador é uma medida do desvio da distribuição da acessibi-
lidade da cidade em análise, em relação a um sistema teórico em forma de
grelha retangular. Como se vê na Figura 118, os escores de acessibilidade
da grelha são sempre mais altos do que os de BdoR, evidenciando pelo ín-
dice de 0,806 uma perda em relação ao sistema de referência.

260
Figura 118. Indicador de acessibilidade diferencial, calculado como uma relação entre a acessibilidade média da
cidade em análise e de um sistema teórico de referência, configurado como uma grelha retangular com a mesma
quantidade de unidades espaciais.

A acessibilidade diferencial ainda comporta a análise de distribuição


dos escores, procurando mostrar o desvio do sistema no que diz respeito à
sua hierarquia interna. Na figura que segue se vê a plotagem dos valores de
acessibilidade relativa dos dois sistemas em questão. Os valores são relati-
vos porque normalizados segundo uma escala percentual. Considerando
que a grelha tende a minimizar a hierarquia interna, isto é, ter as menores
diferenças de acessibilidade entre suas unidades espaciais, e ainda que am-
bas as curvas variam dentro da mesma escala, elas deverão se interceptar
em um ou mais pontos, restando alguns espaços da cidade com valores
superiores aos correspondentes na grelha, e outros abaixo.

261
Figura 119. Indicador de acessibilidade diferencial: o gráfico mostra a comparação entre os escores de acessibi-
lidade relativa de BdoR e de uma grelha retangular perfeita contendo o mesmo número de unidades espaciais.
Todos os aproximadamente 58 espaços situados à esquerda possuem acessibilidade maior do que os correspon-
dentes na grelha de referência, representando o diferencial de hierarquia desse sistema.

Indicadores do tecido urbano


Para a análise do tecido urbano, alguns indicadores podem ser pro-
postos, em adição aos enumerados na seção anterior, a qual, mesmo tra-
tando especificamente do sistema de espaços públicos, pode ser tomada
como concernente ao tecido urbano, genericamente. Nesta seção, a noção
de tecido urbano, envolvendo componentes derivados da forma construí-
da e do parcelamento fundiário, será enfatizada:
a) indicador de compacidade – compacidade é um conceito caro a
muitos urbanistas, que o defendem como uma das qualidades espa-
ciais urbanas mais importantes, por estar associado a outros concei-
tos característicos de uma vida urbana interessante, como animação,
urbanidade, segurança, etc. Cidades compactas, quer dizer, aquelas
que mostram algum grau de concentração espacial, são também fre-
quentemente referidas como exemplo de eficiência, por propiciarem,
pelo menos até certo ponto, uma mais econômica utilização de in-
fraetruturas, serviços e equipamentos urbanos. Finalmente, com a
crescente preocupação com sustentabilidade, cidades compactas

262
são, mais uma vez, citadas como exemplo de uso intensivo do espaço,
promovendo contenção da expansão generalizada da urbanização
sobre o ambiente natural.
É possível propor diferentes formas de aferir o grau de compactação
da forma urbana, com graus variados de acuidade e também de dificuldade
de cálculo. Um procedimento, que oferece ambos em alto grau, é o que com-
para área construída com área urbanizada. Essa relação permite aferir a in-
tensidade de ocupação do solo urbano, sem dúvida um indicativo confiável
de compacidade. Entretanto, a quantificação da área construída geralmente
é uma tarefa difícil, particularmente em cidades de maior porte. Um proce-
dimento alternativo, menos preciso, mas ainda capaz de denotar compaci-
dade, é comparar as áreas ocupadas com edificação e total de uma cidade.
Mediante este procedimento é possível distinguir os graus diferenciados de
compacidade entre diferentes cidades, como, por exemplo, Brasília e Rio de
Janeiro. A primeira obterá índice de compacidade baixo, por possuir extensa
área não ocupada com edificações; a segunda obterá índice de compacidade
mais alto, por promover ocupação mais ou menos extensiva do solo urba-
no. Entretanto, apenas o primeiro procedimento permitiria estabelecer dis-
tinções, por exemplo, entre São Paulo e Hong Kong, porque embora ambas
promovam mais ou menos o mesmo padrão de ocupação extensiva do solo,
a segunda privilegia também ocupação intensiva, ou seja, uma quantidade
de área construída por unidade de terreno muito maior.
Há exemplos, na bibliografia (Burton, 2002), de utilização de um ou-
tro tipo de indicador de compacidade, mediante a relação entre área ur-
bana e população nela contida. Esse indicador, também conhecido como
índice de densidade, avalia compacidade indiretamente, supondo que as
cidades mais densas também serão mais compactas. Os procedimentos
acima referidos podem ser expressos, matematicamente, como:

fc
Icomp(U) = ed
pop
Icomp(U) = Icomp(U) =
AU Aurb AU

263
Figura 120. Indicador de compacidade, que relaciona áreas abertas e edificadas de uma cidade. À esquerda, a
relação é obtida entre áreas abertas pública mais privada (áreas brancas e pretas) e áreas construídas (somatório
das áreas construídas de todas as edificações). No diagrama 2, a relação, simplificada, computa a área aberta
(preta) e a área de terra ocupada com edificações (branca).

Uma forma alternativa de medir compacidade é, como já foi sugeri-


da no capítulo 9, considerar o grau de conectividade do sistema espacial,
dado pela relação entre número de arestas do grafo representando o siste-
ma em questão e do grafo que representa uma grelha perfeita com mesmo
número de nós. Para o caso de BdoR, o índice de compacidade é dado pela
relação 189/264 = 0,72.
b) indicador de espaço público – a provisão de espaço público ur-
bano é igualmente matéria de interesse do urbanismo; no Brasil, ela
é regulada por lei federal (Lei nº 6.766), que estabelece proporções
mínimas para a provisão de espaço para sistema viário, áreas verdes
e para equipamentos públicos de vizinhança em loteamentos urba-
nos. Disponibilidade de espaço público atende simultaneamente aos

264
requisitos de eficiência e equidade, ao prover área para redes públicas
de diferentes tipos e, ao mesmo tempo, suporte para atividades co-
letivas e vida pública. O indicador de espaço público é uma relação
simples entre área total do assentamento e área pública correspon-
dente, como sugere a fórmula abaixo.

Aep
Iep(U) =
AU

Figura 121. Indicador de espaço público: para o fragmento urbano da esquerda, o indicador seria calculado divi-
dindo a área marcada em preto; no diagrama da direita, pela área total do fragmento.

c) indicador de continuidade da forma construída – a continuida-


de das fachadas urbanas pode ser aferida por este indicador, que re-
laciona a extensão total das vias públicas com a parcela das mesmas
efetivamente ocupadas por edificações. É fato conhecido que padrões
de urbanização podem ser caracterizados, entre outras formas, pelo
grau de agregação de sua forma construída (Kruger, 1979), variando
desde uma agregação muito compacta nas zonas mais centrais, até um
padrão disperso nas periferias. O procedimento de cálculo é simples,
e busca comparar a extensão total das vias públicas e a fração cons-
truída das mesmas. O valor urbanístico associado à continuidade da
forma construída é controverso. A favor de uma maior continuidade,
contam-se os fatores relativos a uma maior disponibilidade de pontos de
contato entre o público e o privado, considerada importante para áreas
comerciais; uma maior privacidade, dada pela efetiva separação entre
os domínios do público (rua) e do privado (interior dos lotes), bem
como um maior distanciamento entre as aberturas das diferentes edifi-

265
cações, forçosamente dispostas nas fachadas frontais. Também conta a
favor da continuidade da forma construída uma melhor delimitação do
espaço público, o que é tido como fator de ambientação urbana. Contra
essa continuidade são citados alguns aspectos relativos à salubridade,
sob o argumento de que uma separação entre as edificações permitiria
maior ventilação e iluminação de seus interiores.

lU
Ifc(U) =
 lfc
U

Figura 122. Indicador de continuidade da forma construída, calculado como a relação entre os perímetros dos quar-
teirões e a parcela destes efetivamente ocupada por edificações. Assim, quarteirões inteiramente edificados, como os
5 e 6, têm índice 1, enquanto outros como o 1 ou 3, com ocupação fragmentada, alcançam índices menores.

Indicadores de desempenho da estrutura primária


Sendo um caso particular de tecido urbano, os indicadores do item
anterior se aplicam, genericamente, à estrutura primária; entretanto, há
aspectos próprios que podem ser endereçados. Como foi descrito anterior-
mente, estrutura primária urbana é o conjunto de elementos não temáti-
cos que, frequentemente articulados, formam uma espécie de supertecido,
um organismo de referência do todo urbano. Vários aspectos da vida e do

266
funcionamento das cidades são associados à sua estrutura primária. Sen-
do formada historicamente, mas também por força das relações espaciais
e funcionais existentes na cidade, a estrutura primária é frequentemente
associada a processos cognitivos, e por extensão, à navegação urbana. Sen-
do formada por elementos espaciais e arquitetônicos singulares, funciona
como uma macroreferência de conhecimento, orientação e construção de
percursos urbanos, conferindo aos usuários um suporte de conhecimento
e controle da cidade como um todo. Estrutura primária, identidade das ci-
dades e identificação entre cidade e cidadãos são elementos estreitamente
relacionados. Outro aspecto associado à estrutura primária é o relativo a
sistema de serviços urbanos, visto que, frequentemente, os equipamentos
mais importantes, os aglomerados de serviços mais populares, os eixos de
transporte e circulação são coincidentes com polos e tensões pertinentes à
estrutura primária urbana. Baseados nesses pressupostos, os indicadores
relativos à estrutura primária podem ser os seguintes:
a) indicador de identidade – procura mensurar qual fração da exten-
são total do sistema de espaços públicos de uma cidade pertence ou
está sob o controle da sua estrutura primária, supondo que ela ancora
os processos de cognição espacial e navegação urbana. O pertencimento
é estabelecido diretamente como elemento constitutivo dessa estrutura
primária, como o são as principais tensões e polos; a situação de controle
pode ser definida como a chamada árvore 1, ou seja, os elementos axiais
diretamente conectados aos pólos e tensões pertencentes à estrutura pri-
mária. Dessa forma, a estrutura primária e sua árvore 1 podem ser men-
suradas quanto à sua extensão e comparadas à extensão total do sistema
viário urbano, definindo uma medida de identidade que varia entre zero
U
e um. Na expressão abaixo, lU é a extensão total do sistema viário, e lep+1 éa
extensão da árvore 1 da sua estrutura primária.
U
lep + 1
Iid(U) = U
l

267
b) indicador de abrangência – procura mensurar a parcela do terri-
tório urbano “coberto”, ou seja, abrangido pela estrutura primária, su-
pondo que ela ancora o sistema de serviços necessários à vida urbana.
O cálculo é semelhante ao anterior, que se faz pela relação entre a área
urbana total e a área coberta pela árvore 1 da sua estrutura primária.
U
Aep + 1
Iabr(U) = U
A

Figura 123. Indicador de identidade: para uma suposta estrutura primária (linhas cinza mais espessas), e a resul-
tante árvore 1 (todas as linhas cinza mais espessas), o índice de identidade é a relação entre a extensão total do
sistema viário e a da árvore 1.

268
Este indicador, semelhante ao anterior, procura identificar a área ur-
bana abrangida pela estrutura primária, considerando como abrangidos
todos os espaços situados até uma distância “razoável” de um elemento
primário. O conceito de distância razoável inclui diferentes considerações
a situações particulares; pode ser a extensão até o limite da urbanização,
como ocorre nas linhas L-O da estrutura primária assumida para BdoR,
na Figura 124; pode ser a extensão de um percurso a pé, ou ainda aquela
coberta por transporte público, ou ainda a que pode ser percorrida em um
determinado tempo. A indicação de abrangência assume que a estrutu-
ra primária urbana, apesar de ser um evento morfológico determinado, é
também a base espacial de muitos serviços urbanos, funcionando, assim,
como um qualificador da vida urbana.

Figura 124. Indicador de abrangência, computado como a relação entre a área coberta pela estrutura primária e
a área total da cidade.

269
Uma avaliação de abrangência da estrutura primária interessa desde
o ponto de vista da eficiência, visto que esta opera no interior da cidade
como um macro suporte para circulação, transporte e serviços. Ao mesmo
tempo, a estrutura primária pode ser lida como um suporte de animação
e urbanidade. A intensidade da vida urbana aumenta nas zonas da estru-
tura primária, tornando-a uma destinação preferencial não apenas para o
suprimento de necessidades, mas também para o convívio e o entreteni-
mento. Nessa dimensão, é possível entender o indicador de abrangência
também como uma referência de equidade.

Indicadores da estrutura espacial urbana


Finalmente, alguns indicadores mais gerais, relativos à estrutura
espacial urbana como um todo, podem ser examinados. Esses são indi-
cadores que procuram mensurar atributos do sistema urbano mais geral,
contribuindo para discernir a sua ordem e estrutura internas. Um dos pro-
cedimentos analíticos mais rigorosos para examinar o sistema espacial ur-
bano é o baseado em centralidade, como já foi anteriormente descrito. Os
indicadores de desempenho da estrutura espacial urbana aqui descritos
são derivados da análise de centralidade.
a) indicador de centralidade urbana – como foi já amplamente de-
monstrado, as medidas de centralidade urbana objetivam identificar
gradientes de diferenciação espacial no interior das cidades. Essa
diferenciação espacial pode corresponder a gradientes de intensida-
de de atividades urbanas diversas, como fluxos viários e de pedes-
tres, atividade comercial, etc. O modelo de centralidade ponderada
de Krafta, devido ao conjunto de variáveis (espaço público e formas
construídas), é um desses modelos aptos a revelar relações estruturais
entre configuração espacial e distribuição espacial de atividades ur-
banas. É claro que a identificação do centro urbano – a zona de maior
intensidade de atividade urbana – pode ser feita empiricamente sem
maior dificuldade; entretanto, a virtude contida na aplicação de um
modelo deste tipo reside em três fatores básicos: a) a possibilidade de
quantificar e, com isso, graduar com maior precisão a centralidade,
identificando a hierarquia implícita, b) a possibilidade de discernir os
papéis relativos desempenhados pela estrutura viária, forma constru-
ída e, eventualmente, uso do solo. Isso se dá pelo uso explorativo do
modelo, segundo o qual o operador altera as descrições das variáveis,

270
obtendo como resposta medidas que mostram a variação da centra-
lidade devida a cada uma dessas modificações. As alterações na des-
crição das variáveis podem incluir modificações no sistema viário, na
quantidade e na distribuição das edificações; e c) a possibilidade de
comparar diversos estados de um mesmo sistema, obtendo, com isso,
uma perspectiva de evolução do mesmo, ou ainda de comparar um
sistema com outros sistemas.
O indicador de centralidade urbana é construído a partir do modelo
de centralidade de Krafta, ao qual são acrescentados parâmetros de ajuste
relativos aos diferentes usos do solo urbano associados às formas constru-
ídas. O modelo básico é o expresso nas equações abaixo:
a1aj
C(K) = ii <. jj tij(K)
n
tij = a1aj tij (K) =
p
A primeira expressão calcula a tensão entre um par qualquer de uni-
dades espaciais tij, como sendo o produto dos atributos ai e aj dessas duas
unidades espaciais. Esses atributos são, em princípio, os somatórios das
quantidades de formas construídas existentes nas respectivas unidades es-
paciais. Essas formas construídas são, entretanto, destinadas a diferentes
usos do solo, os quais têm papéis diferenciados na formação da centralida-
de urbana. Efetivamente, enquanto o uso residencial opera como origem
difusa de movimentos urbanos, usos de serviço operam alternativamente
como destinações frequentemente concentradas desses movimentos. Di-
ferentes equipamentos urbanos, como escolas, hospitais, lojas ou escritó-
rios, têm diferentes poderes de polarização. É certo que esses equipamen-
tos têm sua localização decidida em função de requerimentos espaciais,
tais como acessibilidade; entretanto, cada um tem sua própria lógica, que
os diferencia quanto a esses requerimentos. Com isso, os usos do solo adi-
cionam à configuração espacial um fator de centralidade específico, dife-
rente para cada atividade, que deve ser considerado quando se procura
descrever centralidade urbana.
Os atributos ai e aj podem ser desdobrados em tantos usos do solo
quanto se deseje desagregar o sistema de atividades urbanas, gerando, para
cada atributo, um somatório ponderado, conforme equação abaixo, na
qual ur, us, ui, etc. são usos do solo residencial, serviço, industrial, etc. e α, β,
μ, etc. são parâmetros a serem definidos conforme o poder de centralidade
de cada uso do solo.

271
ai, aj = u 
r, s, i, ...
...

Com as demais equações do modelo original inalteradas, o indicador


de centralidade urbana passa a contar com variáveis de três naturezas – es-
paço público, formas construídas e usos do solo –, sendo esta última ajus-
tável – e com considerável poder de representar as gradações de níveis de
atividade urbana. A distribuição espacial da centralidade é de interesse para
a análise da eficiência urbana, visto que sua concentração em uma zona, ou,
alternativamente, sua ocorrência em várias zonas, ou em linhas, denotam a
dependência da cidade a um ou vários centros espaciais de atividade.
Os resultados obtidos pela aplicação do indicador de centralidade ur-
bana são dependentes do tamanho do sistema, assim como da quantidade
de usos do solo especificados, e seus respectivos parâmetros, fazendo com
que algum tipo de normalização seja necessário. Dentre as várias possibi-
lidades de normalização, a mais simples é aquela que fixa uma escala, por
exemplo, de zero a cem, equipara o somatório de todos os valores produ-
zidos pelo indicador ao maior valor – cem, no exemplo –, e recalcula cada
um segundo a proporção estabelecida pela escala. O novo resultado é um
escalonamento percentual de valores de centralidade.
Na Figura 125 e na Tabela 18 está exposto o resultado de medição
de centralidade para BdoR, na qual foram considerados a rede de espaços
públicos representada por um mapa nodal, uma quantificação simplifica-
da da forma construída e ainda três usos do solo – habitação, serviços e
equipamentos públicos. Esses três usos do solo foram ponderados, para
fins de demonstração da obtenção da medida, com pesos 1, 10 e 50 respec-
tivamente. Essas ponderações procuram capturar o poder de polarização
que essas atividades exercem nas cidades, e devem ser calibradas adequa-
damente, buscando a melhor representação possível do sistema em aná-
lise. Há diversos procedimentos de calibração disponíveis, cujo objetivo
comum é determinar os valores dos parâmetros de cada uso do solo decla-
rado no cálculo, com vistas a produzir o resultado que melhor descreva a
centralidade urbana real. A verificação dessa qualidade descritiva é geral-
mente obtida pela comparação estatística entre os resultados produzidos
pela medida e outros aspectos relevantes do sistema, medidos indepen-
dentemente, como, por exemplo, a distribuição dos fluxos urbanos, medi-
dos empiricamente, ou o nível de atividade urbana, computado por algum
tipo de combinação entre dados de uso do solo e presença de usuários.

272
Figura 125. Indicador de centralidade urbana: a hierarquia espacial urbana está representada pela escala de cores entre
branco (mais centrais) e preto (menos centrais). O núcleo de mais alta centralidade está representado em vermelho.

Tabela 18. Indicador de centralidade urbana: os dez espaços mais e menos centrais de BdoR.
Unidade espacial Centralidade absoluta Centralidade % posição
64 6860027,0000 0,8457 1
71 6146347,0000 0,8398 2
55 6032248,0000 0,8388 3
49 4944379,0000 0,8281 4
33 4181422,2500 0,8191 5
32 4123840,7500 0,8184 6
35 4079566,7500 0,8178 7
40 4011150,7500 0,8169 8
48 3575415,2500 0,8107 9
20 3492566,5000 0,8094 10
. . . .
. . . .
115 15819,2061 0,5195 0,0001
118 15819,2061 0,5195 0,0001
114 15690,3818 0,5190 0,0001
95 15206,7158 0,5174 0,0001
89 14835,8418 0,5160 0,0001
91 14835,8418 0,5160 0,0001
127 14160,3145 0,5135 0,0001
112 12110,4238 0,5051 0,0001
113 12110,4238 0,5051 0,0001
77 1928,8735 0,4064 0,0000

273
b) indicador de centralidade diferencial – tal como proposto em
outros indicadores anteriormente descritos, o indicador de centra-
lidade urbana diferencial busca estabelecer uma comparação entre
a medida de centralidade de uma cidade específica, e um sistema te-
órico cujas propriedades são conhecidas. Para isso, pode se utilizar
como referência uma grelha retangular perfeita, na qual a distribui-
ção das formas construídas e usos do solo é homogênea. Relacio-
nando as medidas de ambos os sistemas, através de suas centralida-
des médias, obtém-se uma aferição desse diferencial. A distribuição
dos escores de centralidade costuma ser próxima de uma lei de
potência, ou seja, um pequeno número de espaços portando altos
valores, e uma grande quantidade de espaços portando pequenos
valores. Na grelha de referência, essa distribuição é diferente, mos-
trando um comportamento próximo do linear.
A relação entre os valores de centralidade de um sistema altamente hie-
rarquizado e outro homogêneo pode resultar em números muito pequenos,
já que os escores de um e de outro podem diferir enormemente; o uso de
uma relação entre os logaritmos de ambos torna o novo escore mais legível.

dif Icent (S)


Icent(S) =
Icent (T)
Outro procedimento para verificação de centralidade diferencial é
mediante a plotagem simultânea dos valores de centralidade relativa, nor-
malizados em escala percentual, o que permite identificar as diferenças
entre os valores máximos de centralidade no sistema real e na grelha de
referência, bem como a distribuição das unidades espaciais acima e abaixo
dos valores de referência.
Na Figura 126, no gráfico à esquerda, está exposta a comparação entre
a centralidade de BdoR e de uma grelha retangular com carregamento ho-
mogeneamente distribuído, resultando numa relação entre as centralidades
médias de 0,0164, que reflete o enorme desvio. No gráfico à direita o mesmo
cálculo é feito, desta vez para os logaritmos dos valores de centralidade.

274
Figura 126. Indicador de centralidade diferencial: os gráficos mostram as plotagens dos valores de centralidade
de BdoR e da grelha de referência, em valores absolutos (à esquerda) e logarítmicos (à direita).

A segunda maneira de computar a centralidade diferencial é comparar


as distribuições de centralidade relativa, na escala percentual, que permite
identificar a proporção de unidades espaciais situadas acima e abaixo da
centralidade correspondente na grelha de referência, como sugere a Figura
127 a seguir. Como aí se pode ver, no sistema real, o pico de centralidade é
muitíssimo mais alto que na grelha (0,058% contra 0,012%), bem como a
distribuição contempla uma parcela relativamente pequena (23% dos espa-
ços) acima da centralidade da grelha, restando os 67% abaixo da mesma.

Figura 127. Indicador de centralidade diferencial: plotagem dos valores de centralidade relativa, em escala per-
centual, de BdoR e da grelha de referência. Pode-se observar a diferença entre os maiores valores, bem como a
distribuição dos valores acima e abaixo da referência.

c) indicador de polaridade – considerando que, como foi dito no


item que descreve centralidade urbana, esta é função da configuração
espacial e do uso do solo, é possível supor o interesse em detectar o

275
efeito de um determinado uso do solo ou, ainda mais especificamente,
de um determinado equipamento urbano, sobre a centralidade urba-
na. Para isso, foi desenvolvido um indicador de polaridade, para o qual
concorrem as variáveis configuracionais de costume – sistema viário e
forma construída –, e mais o uso ou equipamento em análise. O pro-
cessamento dessa medida lança seleciona apenas os pares R<>S, ou
seja, as unidades espaciais que contenham uso residencial e o equipa-
mento em questão; todas as unidades espaciais que não contenham um
desses usos do solo são desconsideradas no cálculo de tensões, embora
continuem fazendo parte do sistema espacial e, assim, desenvolvendo
centralidade por interposição, tal como descrito no modelo de polari-
zação de Krafta, anteriormente exposto. O resultado deste indicador,
que requer normalização, tal como os anteriores, é um medidor fato-
rial. Por fatorial se entende a medida que discrimina um determinado
fator de composição do sistema urbano e procura descrever a maneira
pela qual o sistema é afetado por esse fator.
Polaridade é um indicador de centralidade fatorial, ou seja, avalia a
centralidade devida a um determinado fator de carregamento do sistema
espacial. No exemplo que segue, foi destacado um equipamento existente
na localização assinalada, para o qual foi calculado o índice de polaridade.
Como previamente existente, participou do cálculo da centralidade urba-
na, descrita no item acima; lá, entretanto seu papel individual no resultado
daquele indicador não é explícito, o que ocorre aqui. Nota-se que, sem os
demais atratores do sistema, a hierarquia espacial do sistema se desloca na
direção do equipamento citado.

276
Figura 128. Indicador de polaridade, calculado para um equipamento supostamente localizado no ponto indicado
no mapa à esquerda. Pode-se ver, no diagrama da direita, o efeito desse equipamento na centralidade do siste-
ma. A representação segue a mesma escala de cores dos diagramas anteriores.

d) indicador de convergência – este indicador decorre da utilização


direta do modelo de convergência, já descrito. Como se sabe, a con-
vergência é uma medida de distribuição potencial de usuários de um
determinado serviço entre os seus diversos pontos de oferta, baseados
no critério de localização espacial. Para calcular a convergência, o mo-
delo lança mão de um grafo direcionado, ou seja, considera apenas os
pares de unidades espaciais que tenham como origem as localizações
residenciais e como destino as que ofertam o serviço em questão.
O indicador de convergência constitui-se em instrumento de avalia-
ção de eficiência, ao denotar o poder de cada ponto de oferta de um servi-
ço para capturar proporções da população de usuários distribuída irregu-
larmente no espaço urbano.
O cálculo de convergência simula a distribuição dos usuários de um
determinado serviço entre os diferentes pontos de oferta do mesmo, se-
gundo critérios espaciais, ou seja, as distribuições espaciais dos usuários
e dos pontos de oferta do serviço. No exemplo que segue, considerou-se a
existência de dois pontos de oferta de um serviço, como indicado, para o
que o cálculo resultou em valores de 67% e 33% respectivamente.

277
Figura 129. Indicador de convergência, calculado para duas localizações, conforme indicado no diagrama. O cál-
culo considera a distribuição da população, a rede de espaços públicos e as posições de oferta do serviço, com seus
respectivos portes. Os valores 67 e 33 representam as proporções da população de usuários do serviço considera-
do teoricamente capturadas pelos dois pontos de oferta.

e) indicador de oportunidade espacial – este indicador decorre da


utilização direta do modelo de oportunidade espacial, já descrito. A opor-
tunidade espacial é a medida do privilégio locacional residencial, relativa-
mente a um serviço ou conjunto de serviços. O procedimento de cálculo
envolve um grafo direcionado, como descrito anteriormente. Este é um
indicador que instrumenta a análise de equidade, já que descreve com pre-
cisão as facilidades de acesso de cada ponto de localização residencial a um
sistema de serviços existente.
Este indicador busca determinar as vantagens locacionais compa-
rativas de locais residenciais, tendo em vista a oferta de um serviço. No
exemplo da Figura 130 foram adotadas duas localizações diferenciadas,
uma central e outra periférica, com o objetivo de mostrar os efeitos dessas
localizações sobre a oportunidade espacial das residências.

278
Figura 130. Indicador de oportunidade espacial, que mede as vantagens locacionais comparativas dos pontos
residenciais, em relação a um serviço oferecido nas duas localizações assinaladas. No exemplo, os dois pontos de
oferta foram considerados de mesmo porte e qualidade; a representação usa a mesma escala de cores das ante-
riores. A sequência de nós mais escuros ao longo do eixo principal N-S não foram declarados como localizações
residenciais e, por isso, aparecem com baixa valoração.

f) indicador de sintopia – o objetivo deste indicador é detectar corres-


pondência geográfica entre forma e configuração espacial urbanas; para
isso, compara a distribuição dos valores de acessibilidade com a estrutu-
ra primária. Como já se viu no item 11.6 deste capítulo, o indicador de
acessilidade captura uma propriedade configuracional urbana associada
a distâncias relativas entre as unidades espaciais de um sistema; essa pro-
priedade tem sido repetidamente associada à localização de atividades,
comerciais principalmente, bem como a fluxos urbanos. A estrutura pri-
mária, por sua vez, é definida como o conjunto de elementos distintos da
forma urbana, particularmente viários, identificados por seu desvio em
relação a padrões do tecido urbano. A estrutura primária tende a conter
os elementos mais importantes, desde o ponto de vista geométrico, da
forma urbana e, dessa forma, pode corresponder, em certa medida, ao
núcleo de maior acessibilidade. Esse indicador de sintopia busca justa-
mente identificar o grau de coincidência entre ambos. Para isso, relacio-
na a quantidade de espaços pertencentes simultaneamente ao núcleo de
maior acessibilidade e à estrutura primária, com a quantidade de espaços
total do núcleo referido.
ep
Qace
Isinto(S) =
Qace
279
Esse indicador se baseia na suposição de que as unidades espaciais
mais acessíveis teriam maior qualidade se acompanhadas de um investi-
mento em área compatível com sua hierarquia e seu papel na condução
dos fluxos urbanos. Esse investimento em área é descrito, de forma dife-
rencial, pela análise da estrutura primária.
O indicador procura identificar a coincidência de atributos de aces-
sibilidade e características de estrutura espacial nas mesmas unidades es-
paciais. A medida assume como vantagem essa coincidência, incidindo no
aumento da qualidade espacial dos lugares públicos urbanos. A Figura 131
mostra os diagramas de acessibilidade, à esquerda, e da estrutura primá-
ria, à direita, de uma área urbana anteriormente analisada. Como se pode
observar visualmente, há alguma convergência entre ambos; entretanto,
uma comparação mais precisa fica dificultada pelo fato de os dois diagra-
mas utilizarem bases descritivas diferentes. Uma maneira simplificada de
quantificar a relação entre os dois diagramas é verificar quais unidades es-
paciais do núcleo de acessibilidade estão incluídas na estrutura espacial, e
calcular a percentagem de coincidências. A Tabela 19, a seguir, registra as
unidades espaciais de mais alta acessibilidade, coluna 1, suas respectivas
posições no ranking, na coluna 2, a sua condição de inclusão ou não na es-
trutura primária, na coluna 3, e finalmente a percentagem de coincidência
para os núcleos de 5% e 12%.

Figura 131. Indicador de sintopia, que procura capturar a coincidência entre atributos relativos à estrutura primá-
ria e acessibilidade, assumindo que espaços que possuem ambas poderão ter maior qualidade espacial.

280
Tabela 19. Indicador de sintopia: as unidades espaciais do mapa nodal, listadas na coluna 1, com suas respectivas po-
sições no ranking de acessibilidade, listadas na coluna 2, têm sua inclusão na estrutura primária conferida e anotada
na coluna 3. A coluna 4 registra, para os núcleos de 5% e 12%, as percentagens de coincidência respectivas.

espaço Posição Pertencimento convergência


acessibilidade Estrutura primária
120 1 S
121 2 S
147 3 N
114 4 S
119 5 S
122 6 S
115 7 S
146 8 N
113 9 S
116 10 S
95 11 N
145 12 S
125 13 S 77%
162 14 S
77 15 S
92 16 S
118 17 S
93 18 N
124 19 N
96 20 N
176 21 S
117 22 S
156 23 N
109 24 S
89 25 N
148 26 N
163 27 N
78 28 N
66 29 S
94 30 N
90 31 N
79 32 N 56%

281
Foram registrados dois núcleos de acessibilidade, de 5% e de 12%, de-
terminados em função de quebras de padrão de distribuição, como mos-
trado na Figura 132.

Figura 132. Determinação de núcleos de acessibilidade em função de quebras de padrão de distribuição dos
escores: no gráfico, que contém 20% das unidades espaciais do sistema do exemplo, observa-se mudança de
inclinação da curva nos pontos assinalados

g) indicador de tensão estrutural – este indicador é, como o ante-


rior, de segunda ordem, pois é elaborado a partir de outros indicado-
res, mais simples, na busca de uma descrição apurada de um aspecto
mais complexo da forma urbana. Aqui a ideia é articular duas pro-
priedades dos sistemas urbanos que podem ser complementares e,
assim sendo, trariam vantagens se analisadas juntas. A primeira des-
sas propriedades é a acessibilidade, já referida anteriormente. A aces-
sibilidade revela um determinado potencial de centralidade urbana,
já que lugares mais acessíveis seriam localizações preferenciais para
atividades que dependem de exposição ao público, como as comer-
ciais. A outra propriedade usada na medida é justamente a de centra-
lidade urbana. Esta foi aqui descrita como a medida de intensidade
de atividade urbana, calculada com base na configuração e no uso
do solo. Seria lógico supor que esses lugares de maior centralidade
coincidissem com os de maior acessibilidade, já que esta denota po-
tencial para centralidade. Entretanto isso nem sempre ocorre, já que
outros fatores, como os históricos, os de legislação urbanística, os de

282
dinâmica espacial, frequentemente concorrem para produzir centra-
lidade relativamente desvinculada da acessibilidade viária simples.
A medida de tensão estrutural parte de uma correlação estatística en-
tre os núcleos de maior acessibilidade e de centralidade urbana, consideran-
do a relação [1 – correlação]. O cálculo é feito com base numa determinada
percentagem de unidades espaciais que detenham mais altos escores numa
e noutra medida, os chamados núcleos de centralidade e de acessibilidade.
Esses núcleos não são compostos pelos mesmos elementos, já que são de-
terminados através de cálculos independentes e diferentes, mas podem ter
elementos comuns, mesmo que ocupando posições diversas nas respectivas
hierarquias. O indicador calcula a correlação existente entre as posições que
os espaços num e noutro núcleo; adota a relação [1 – correlação] para que o
valor numérico corresponda àquilo que está sendo medido: altos valores re-
presentam alta tensão estrutural devida a um distanciamento entre núcleos
de centralidade e de acessibilidade, baixos valores representam baixa tensão
resultante de maior coincidência entre esses dois núcleos.
Considerando que a dinâmica de uso do solo é mais rápida do que
a de transformação espacial, é de esperar sempre algum grau de desloca-
mento relativo entre as duas medidas, particularmente naquelas cidades
onde o crescimento é mais intenso. Cidades que apresentam dinâmicas
mais lentas e-ou as que possuem controles urbanísticos mais estritos e ri-
gorosos podem ser casos em que o indicador de tensão estrutural pon-
tua mais baixo. Entretanto escores altos, por sua vez, não significam mau
desempenho; podem estar indicando justamente um processo de mudança
estrutural para o qual a medida de centralidade representa o presente, e a
de acessibilidade pode representar um atrator, ou possível estado futuro.
No exemplo, ilustrado pela figura que segue, vêem-se os núcleos de
acessibilidade e centralidade de BdoR; na Tabela 20, a seguir, estão dispos-
tos os respectivos espaços e escores dos dois núcleos. A coluna “posição em
centralidade” registra a ordem hierárquica dos espaços do núcleo de centra-
lidade, enquanto a coluna “posição em acessibilidade” registra a posição que
esses espaços ocupam no núcleo de acessibilidade. Assim, o espaço 64, pri-
meiro do ranking de centralidade (posição 1), aparece em quinto no ranking
de acessibilidade (posição rel. 5); o espaço 71 aparece em segundo lugar em
ambos os núcleos, ocupando posição 2 e posição relativa igualmente 2. To-
mando as colunas “posição em centralidade” e “posição em acessibilidade”
como base, a correlação é calculada (coluna “correlação”) e a seguir subtraí-
da de 1 (coluna “índice de tensão estrutural”). Aqui, para fins de demonstra-

283
ção, foram tomados núcleos de 5, 10 e 20%, e ainda para os cinco primeiros
espaços, para os quais os índices de correlação foram 0,65, 0,36, 0,26 e 0,61,
respectivamente. Esses cortes se explicam pela existência de “quebras natu-
rais”, ou seja, mudança de padrão dos resultados. Com isso, o resultado mais
significativo é o do núcleo de 5%.

Figura 133. Indicador de tensão estrutural: diagramas mostrando visualmente a relação entre os núcleos de aces-
sibilidade e de centralidade para BdoR.

Tabela 20. Indicador de tensão estrutural: dados comparativos dos núcleos de acessibilidade e de centralidade, e
as correlações obtidas com 5 espaços, 8 espaços (5%), 16 espaços (10%) e 36 espaços (20%).

Posição Posição Indicador


Espaço em em Correlação de
centralidade acessibilidade tensão estrutural
64 1 5
71 2 2
55 3 1
49 4 17
33 5 31 0,61 0,39

32 6 21
35 7 29
40 8 9 0,65 0,35

48 9 8
20 10
Continua...

284
Continuação

Posição Posição Indicador


Espaço em em Correlação de
centralidade acessibilidade tensão estrutural
27 11
42 12 24
17 13
22 14
41 15 26
119 16 4 0,36 0,64

23 17
54 18 3
56 19 6
28 20
11 21
43 22 7
21 23
24 24
63 25 11
84 26 13
36 27 27
76 28 12
57 29 10
81 30 23
82 31 25
26 32 0,27 0,73

Indicadores e avaliação de desempenho


Os dezenove indicadores acima descritos constituem-se em instru-
mentos para uma possível avaliação de desempenho das cidades. A análise
deles decorrente é, evidentemente, restrita à morfologia urbana; entretan-
to, a maioria, senão a totalidade dos indicadores, permite inferir questões
mais gerais a respeito da vida das cidades e de seus usuários. Sendo assim,
os critérios universais de avaliação urbana – eficiência, equidade, qualida-
de espacial e sustentabilidade – podem, como já foi sugerido, ser instru-
mentados pelos indicadores, sem prejuízo de outras avaliações possíveis.

285
Avaliação de eficiência
A morfologia urbana toma a cidade a partir de seus elementos mate-
riais e, sendo assim, pressupõe principalmente uma avaliação baseada nos
possíveis efeitos que a materialidade das cidades pode determinar na sua
produção, manutenção e uso. Desses, o principal é, sem dúvida, a distân-
cia, que impõe a usuários, produtores de cidade e prestadores de serviço
custos crescentes. Não surpreende a importância que os transportes assu-
mem no planejamento urbano, visto ser principalmente através de tecno-
logia de transportes que a distância é minimizada. A distância, entretanto,
se manifesta na cidade de várias maneiras, sendo as principais a distân-
cia absoluta, ou seja, a extensão dos percursos, a distância relativa, que se
refere àquelas distâncias específicas entre elementos complementares do
sistema urbano, a distância-tempo, que se refere às variações de tempo
dispendido nos percursos, decorrentes de eventuais congestionamentos,
a distância-conforto, que se reporta à qualidade dos elementos envolvidos
nos percursos, e ainda a distância-custo, que, como o nome sugere, se re-
porta ao custo envolvido no desenvolvimento dos percursos.
Vários indicadores referem-se direta ou indiretamente à distância em
algumas de suas manifestações; estes são os casos dos indicadores de conti-
nuidade e forma, que buscam aferir em que medida a forma geral dos as-
sentamentos urbanos impactam a distância absoluta. Semelhantemente,
os indicadores de distributividade e de profundidade permitem inferir a
capacidade dos sistemas urbanos quanto à distância-tempo. O indicador
de distributividade o faz através da verificação do potencial de fluidez do
sistema viário, enquanto o de profundidade busca aferir distâncias internas
desse sistema. Ainda insistindo na avaliação de eficiência, os indicadores de
abrangência e centralidade contribuem, buscando aferir distâncias relativas,
ambos buscando identificar as relações entre centros de serviços e áreas resi-
denciais. Finalmente, os indicadores de convergência e polaridade prestam-
-se à avaliação de eficiência ao retratarem, no primeiro caso, a capacidade de
atrair usuários para diferentes pontos de oferta de serviços, e, no segundo, o
efeito de atratividade que elementos causam no sistema urbano.
Como se vê, não são poucos os instrumentos de análise da forma ur-
bana que podem dar suporte à avaliação de eficiência urbana. É certo que
as respostas providas por esses instrumentos não são valores quantitativos
absolutos que dispensam interpretação; pelo contrário, a maioria deles exi-
ge uma leitura quase tão complexa quanto a sua própria concepção, o que
torna a sua utilização ainda mais interessante e potencialmente criativa.

286
Avaliação de equidade
A avaliação de equidade é, em parte, provida pela de eficiência, à me-
dida que sem esta não é possível prover aquela. Por esse caminho, quando
os efeitos da distância são avaliados, não apenas o problema da eficiência
da produção, manutenção e utilização da cidade está sendo enfocado, mas
também o da distribuição dos custos e benefícios inerentes a ela entre os
usuários. Não obstante, problemas específicos relativos à equidade podem
ser endereçados por alguns dos instrumentos propostos. Um exemplo é
o da oportunidade espacial, explicitamente um instrumento de avaliação
de privilégio locacional residencial capaz de revelar com precisão as gra-
dações de acesso a qualquer serviço que todos os pontos de residência go-
zam. Semelhantemente, o indicador de acessibilidade reporta as condições
mais gerais de localização intraurbana, com capacidade para identificar
situações de maior ou menor segregação espacial.

Avaliação de qualidade espacial


Vários indicadores proveem inferência sobre a qualidade do espaço
urbano, embora indiretamente. Na verdade, qualidade espacial não é um
atributo claramente definido, e, sim, um conjunto de características que,
articuladas, resultam em situações espaciais reconhecíveis como de qua-
lidade. Não obstante, algumas dessas características são intrinsecamente
espaciais e podem, de alguma forma, ser apontadas. Um caso desses é o
oferecido pelo indicador de permeabilidade, que retrata situações espaciais
mais ou menos propícias à vida urbana animada e diversificada. É certo
que áreas urbanas de baixa permeabilidade dificultam a interação entre
usuários e oferecem menos possibilidades de articulação entre atividades.
Outros exemplos de avaliação de qualidade são os providos pelos indica-
dores de espaço público e de continuidade da forma construída. O primeiro
afere a quantidade relativa de espaço destinado ao uso público e o segundo
mede a proporção de fachadas urbanas propriamente constituídas nos es-
paços urbanos. Tanto no caso da permeabilidade quanto nestes, a presença
das características espaciais aferidas não é garantia de existência de quali-
dade espacial; entretanto, é certo que sua presença contribui para situações
urbanas com potencial de mais alta qualidade espacial.
Ainda há a citar o indicador de identidade, que busca capturar uma
característica bastante abstrata, porém muito importante do sistema ur-
bano. A identidade das cidades, que também poderia ser chamada de

287
“conhecibilidade” urbana é uma das formas mais recônditas de relacionar ci-
dade e usuário. Virtualmente todos os movimentos realizados por qualquer
usuário de uma cidade, seja morador ou visitante, são realizados com base
em algum tipo de informação prévia a respeito do sistema espacial nela im-
plícito. Essa informação pode ser interna, quer dizer, conhecimento prévio
armazenado na memória das pessoas, ou externa, como mapas, fotos, des-
crições verbais, etc. Informação desse tipo é vital para a consecução da vida
urbana de qualquer cidadão, já que somente ela permite ao usuário navegar
no interior de um sistema que não pode ser visto na sua inteireza. Análise
dessa informação básica e vital revela que boa parte do seu conteúdo se refe-
re à forma e à configuração das cidades. Elementos distintos transformam-
-se em referências, ancorando o conhecimento e possibilitando o controle
de partes da cidade pelos usuários. Complementarmente, padrões da forma
urbana também são objetos de ancoragem do conhecimento, permitindo
um conhecimento genérico de zonas urbanas. O indicador de identidade
procura aferir um desses componentes da forma urbana potencialmente ca-
paz de ancorar o conhecimento e possibilitar o controle de partes da cidade
pelos seus usuários, que é a chamada estrutura primária.
Ainda há a considerar o indicador de sintopia enquanto denotação
de qualidade espacial; não é comum encontrar referências que associem
diretamente quantidade de área pública à qualidade espacial nas cidades.
O contrário é mais comum, o elogio à “escala humana” de alguns luga-
res considerados memoráveis, à proporção correta de diferentes espaços,
destinados a fins específicos, etc. Nesse caso, a medida busca a presença
simultânea de dois atributos urbanos, um estrutural – a acessibilidade –,
e outro formal – a estrutura primária –, assumindo que seriam comple-
mentares. A complementaridade ocorreria porque lugares mais acessíveis,
como mostram diversos experimentos, tendem a concentrar fluxos e, des-
sa forma, funcionar como indutores de centralidade. Concentração de flu-
xos e aumento de centralidade são fatores de demanda por espaço.

Avaliação de sustentabilidade
Como já referido, sustentabilidade não é um campo de avaliação con-
solidado, e muito menos na sua dimensão urbana. Não obstante, é possível
associar um ou mais indicadores aqui propostos a um sentido geral de sus-
tentabilidade. O indicador mais obviamente capaz de prover essa associação
é o de compacidade. Efetivamente, a contenção da urbanização dentro de

288
limites físicos mais ou menos estritos parece ser um objetivo inteiramente
compatível com a noção geral de sustentabilidade. A dispersão urbana, ve-
rificada em vários países, e em particular nos Estados Unidos, onde alcança
dimensões dramáticas, parece ser um fator de comprometimento da qua-
lidade do ambiente natural que, ao mesmo tempo, não resulta em melhor
qualidade do ambiente urbano, ou quase urbano, desses assentamentos.
O conceito e medida de tensão estrutural, como desenvolvidos aqui,
podem ter alguma convergência para a sustentabilidade. Como se viu por
ocasião da elaboração do indicador, trata-se de uma medida da coincidên-
cia geográfica de duas características espaciais, acessibilidade e centralida-
de. Maior ou menor coincidência dessas propriedades denotaria maior ou
menor estabilidade do sistema urbano. Isso se daria dessa maneira porque,
enquanto centralidade expressa a hierarquia do sistema urbano, a aces-
sibilidade é um fator de indução de centralidade, uma espécie de atrator
de centralidade. Daí, encontrar dissociação geográfica entre ambas indi-
caria um desequilíbrio potencialmente capaz de provocar transformação
na centralidade. Como se vê, quanto maior o escore de tensão estrutural,
maior a instabilidade do sistema urbano.
A questão que se coloca é como avaliar instabilidade, se como uma
ameaça à sustentabilidade ou ao contrário, como um sinal de vitalidade que
a reforça. Essas duas possibilidades espelham a essência do debate sobre
sustentabilidade hoje existente, qual seja, a oposição entre uma sustentabi-
lidade buscada mediante redução do desenvolvimento e outra, que aposta
na capacidade de resolução de problemas alcançada justamente no desen-
volvimento tecnológico. Sustentabilidade, dados o estágio de elaboração de
suas premissas e o conteúdo político de suas proposições, ainda é mais uma
crença, que uma ciência. Não obstante, mesmo num cenário como esse, e
considerando o âmbito estrito das cidades, pode-se arguir, concordando
com a maioria das teorias urbanas contemporâneas, que instabilidade é um
componente intrínseco do processo urbano, que mudança e transformação
estão na essência do conceito de urbano, e que, consequentemente, o indica-
dor de tensão estrutural é, portanto, positivo, ou seja, que valores mais altos,
denotando mais instabilidade, são sinal de maior sustentabilidade. Não se
pode, entretanto, esquecer que a variação de um (1) a zero (0) de sua escala
envolve situações dramaticamente diferentes e que, então, dissociações ex-
tremas entre centralidade e acessibilidade podem ser, tais como coincidên-
cias extremas, sinais de problema à frente.

289
PROCESSO URBANO 14
A mudança é uma característica inerente à cidade e, por extensão,
à sua forma. É possível e relativamente fácil enumerar várias possíveis
forças a atuar sobre a cidade, tanto internas quanto externas, induzindo
à mudança: crescimento demográfico, migrações, evolução econômica re-
gional, nacional e global, evolução tecnológica, perfil socioeconômico da
população, evolução da renda e da família, obsolescência funcional, de-
gradação, organização da produção e do trabalho, etc. As primeiras expla-
nações científicas para a urbanização tomavam a cidade como um sistema
basicamente estável, mantendo um equilíbrio firme, que era quebrado fre-
quentemente por forças externas, mas que, após vencer as perturbações
causadas por elas, retornava à sua estabilidade e equilíbrio. A relação entre
cidade e essas forças, por sua vez, era considerada de causa e efeito direto.
Essa visão newtoniana do mundo pressupunha uma cidade governada por
leis mecânicas, provindas do mundo social e econômico, às quais a morfo-
logia obedeceria. Teorias de localização industrial, residencial ou comer-
cial, de interação espacial e de crescimento buscavam capturar a essência
dessas leis gerais da urbanização.
Competindo com essa visão, enunciados supostamente mais críticos
descreviam a cidade como o resultado de um processo industrial de produ-
ção que visa à acumulação de capital e simultaneamente o palco e instru-
mento de uma disputa entre uma minoria detentora desse capital e a maioria
de despossuídos. Seja de processos de competição, até o limite do conflito,
seja de cooperação, a cidade implícita a essas teorias era uma cidade instru-
mental, ou mesmo um subproduto de um processo de alguma forma externo
a ela própria. No seu arcabouço conceitual, o importante eram as leis gerais
que, uma vez conhecidas, dariam o suporte necessário para o entendimento
do fenômeno e, na sequência, condições de predizer seu futuro.
Mais recentemente, uma nova visão de mundo, alimentada pelo
avanço da ciência da complexidade, tem propiciado novas explanações

291
para o fenômeno urbano, com surpreendentes derivações para a sua mor-
fologia. Em essência, um sistema complexo é composto por uma grande
quantidade de componentes que interagem entre si segundo regras locais,
de tal forma que, mesmo havendo preditibilidade sobre cada interação lo-
cal, a simultaneidade de um grande número delas torna os estados ma-
croscópicos impossíveis de serem antecipados. Regras locais são aquelas
que regulam a relação de cada componente com os demais; interação é
justamente o relacionamento de cada um dos componentes com os demais
segundo essas regras. Contando que o sistema tem muitos componentes,
todos interagindo constantemente, mesmo que através de regras conheci-
das previamente, o resultado da interação, no plano global a cada momen-
to, é imprevisível. Diz-se que o estado macroscópico é emergente, ou seja,
resultante do processo de interação, de baixo para cima, e não definido por
qualquer arcabouço normativo global, de cima para baixo.
Desde logo, a cidade passou a ser lembrada como um exemplo de sis-
tema complexo: basicamente é um grande organismo socioespacial, feito
de uma grande quantidade de componentes: os agentes, ou habitantes, que
interagem entre si, indivíduo a indivíduo, segundo regras que estabelecem
parâmetros de comportamento para indivíduos e grupos de indivíduos; e
os espaços, ou lugares, que mediam essa interação. O resultado é uma teia
de relações sociais e espaciais cujo status, a cada momento, é imprevisível e,
frequentemente, indescritível, tal sua magnitude e tessitura. Nessa aborda-
gem, a cidade seria fundamentalmente um fenômeno de auto-organização,
isto é, um fenômeno de ordem emergente, que gera e desenvolve formas de
ordem global a partir de instâncias de definição locais. Milhares, ou milhões
de indivíduos independentes, sem conhecimento da totalidade do sistema
em que estão imersos, agindo localmente, desenvolvendo seus planos e es-
tratégias particulares de ação urbana, sem saber dos planos e estratégias dos
demais, contribuem, não obstante, para a formalização de um organismo
gigantesco dotado de ordem e estrutura autoproduzidas. Embora nenhum
dos indivíduos envolvidos nesse processo tenha a priori nem um projeto
global a concretizar, nem um plano diretor geral para obedecer, colabora as-
sim mesmo para a construção de um grande organismo, o qual, à medida do
progresso de sua constituição, consolida procedimentos, cria tradição, “na-
turaliza” processos e reforça sua própria ordem e estrutura.
Está aceito que o conceito de “indivíduo”, ou mais genericamente
“componente” de um sistema urbano é um que demanda maior precisão
e certamente envolve uma variedade de situações, do cidadão isolado às

292
empresas, às instituições públicas, ao próprio Estado que, enquanto agen-
tes, possuem distintos poderes e capacidades de criar normas que limitam
a liberdade de outros agentes, enrijecendo o sistema. Com isso, os planos
e estratégias de certos agentes são suscetíveis de serem sobrepujados pelos
de outros, fazendo com que o sistema urbano resulte numa dinâmica com-
binada de auto-organização propriamente dita e em ações coordenadas –
os planos e projetos institucionais. O espaço urbano, por sua vez, pode ser
descrito em termo de um sistema de componentes que se relacionam entre
si; unidades ou fragmentos de espaço que, embora imóveis, porém não
inertes, possuem vizinhos imediatos e remotos e desenvolvem interações
com eles. Trata-se de um sistema baseado em uma dinâmica local cons-
tante, sobre a qual frequentemente incidem ações mais ou menos globais
com abrangência territorial e duração finitas e diversas. Essas duas instân-
cias de desenvolvimento da cidade, aqui denominadas resumidamente de
“processo” e “projeto” serão tratadas a seguir.
É comum comparar a cidade a um campo magnético, no interior do
qual as pessoas e instituições se movem e interagem sob sua influência.
Nessa analogia, está subentendida a existência de forças, ou leis, que cons-
tituem o campo e afetam, de alguma forma, as decisões dos agentes, desde
as mais simples, como escolher um percurso, ou a localização residencial
mais adequada, até as mais complexas, tais como definir um grande in-
vestimento imobiliário ou um plano de desenvolvimento. Indo adiante,
pode-se arguir a respeito da natureza dessas forças ou leis e identificar duas
origens: as do espaço e as da sociedade. A matéria desenvolvida até aqui
permite reconhecer as do espaço: fundamentalmente aquelas derivadas
da distância, em suas várias manifestações. Efetivamente, o vencimento da
distância impõe um custo a qualquer procedimento de interação espacial,
hierarquiza o território e se constitui, sem dúvida num campo de força a
influenciar qualquer ação de uso ou transformação da cidade. Cumpre, no
entanto, verificar que o magnetismo gerado pela distância não se manifes-
ta como um campo único, polarizado por um ou dois pontos, como os da
analogia, e sim como um conjunto de forças interagentes, simultâneas e in-
termitentes. Para se ter uma pálida ideia de como isso se configura, podem
ser enumeradas as seguintes forças:
a) Um campo polar, gerado pelo centro urbano, como nos modelos
monocentrais;
b) Uma ou mais tensões axiais, geradas pelas conexões regionais,
como no modelo setorial;

293
c) Campos polares gerados pelos nós de especialização funcional,
como no modelo multipolar, todos até aqui positivos, ou seja, com-
postos de forças de atração;
d) Campos areais constituídos por fragmentos urbanos de padrões
morfológicos particulares, tanto positivos quanto negativos;
e) Campos polares e tensões axiais negativos, gerados por externa-
lidades urbanas, como congestionamento, poluição, equipamentos
indesejados, etc.;
f) Campos permanentes, como em a, b ou d, e intermitentes, como
aqueles gerados por equipamentos marcados por períodos específi-
cos de funcionamento.
Esse mapeamento esquemático e preliminar sugere que, virtualmen-
te, qualquer fragmento de território urbano estaria sujeito a várias forças
simultaneamente, algumas, evidentemente, mais fortes do que outras, mas
de qualquer forma, uma situação em que a eventual resultante, ou seja, a
força prevalente num procedimento de decisão de um indivíduo, relativo
àquele fragmento, é imprevisível.
As forças oriundas da sociedade, também de forma ilustrativa, po-
dem ser resumidas como na lista seguinte:
g) A racionalidade das decisões microeconômicas, relativas à maxi-
mização do benefício e à minimização do custo. O benefício, no caso,
pode ser tanto a renda auferida de uma transação, quanto à utilidade
resultante de uma aquisição;
h) A dependência entre os agentes sociais, decorrente dos intrinca-
dos processos de provisão e do consumo de bens e serviços;
i) A cooperação e a competição entre indivíduos, decorrentes dos
processos de produção e de divisão do trabalho;
j) A solidariedade entre os agentes sociais, decorrente de afinidades
entre membros de grupos de interesse;
k) O arbítrio dos indivíduos, decorrente de seus respectivos arcabou-
ços culturais e éticos.
Tal como no território, as forças decorrentes da estrutura social pare-
cem constituir um campo múltiplo ao qual todo indivíduo está constante-
mente exposto e ao qual pode reagir diferentemente conforme a circuns-
tância. Todas essas forças são potencialmente atuantes simultaneamente,
mas nem todas serão efetivas no momento da promoção de uma mudan-

294
ça urbana. O papel de cada uma dessas forças na concretização de uma
transformação depende, em última instância, de uma articulação muito
particular entre um lugar e um, ou um conjunto de agentes. Dessa manei-
ra, embora as forças, ou leis, sejam conhecidas e possam ter abrangência
global sobre o sistema, a sua ação como promotora de mudanças será sem-
pre dependente de circunstâncias locais. Embora seja possível, em teoria,
mapear cada uma delas e até inferir as possíveis resultantes de suas mui-
tas interseções, a ocorrência concreta, discreta e singular é imprevisível.
Cada ocorrência discreta, por sua vez, altera um ou mais campos de força
(mediante a modificação da base física e espacial, e-ou do sistema de ativi-
dades), e isso ajuda a condicionar a ocorrência seguinte. Isso significa que
o desenvolvimento do processo urbano é dependente do caminho (path-
-dependent), ou seja, depende da sequência de atos de mudança urbana.
Assumindo cada decisão de transformação urbana como uma esco-
lha entre duas ou mais possibilidades – uma bifurcação – uma sequên-
cia delas, mesmo curta, engloba muitos cenários prováveis, como sugere a
Figura 134. Assim, a essência do processo de transformação urbana parece
ser explicada pela sequência-dependente de mudanças discretas, cada uma
levada a cabo através de leitura individual e local de leis gerais do urbano.

Figura 134. Uma transformação urbana decorrente de uma sequência de apenas três escolhas envolve, entretan-
to, a possibilidade de configurar vários diferentes resultados.

Está claro que nenhuma abordagem a partir das leis, ou seja, do geral
para o particular, será capaz de capturar e descrever o processo de mudan-
ça. Entretanto, processos em que uma, ou uma conjunção de leis torna-se
dominante a ponto de parecer aos agentes a opção claramente preferen-

295
cial, pode, eventualmente, ser descrito por esse tipo de abordagem. Essas
situações geralmente coincidem com períodos de relativa estabilidade de
partes da cidade.
Está igualmente claro que a intensidade de cada força, bem como a
sensibilidade de cada agente a elas, varia no espaço e no tempo, criando
padrões dinâmicos mais ou menos duradouros. As diferenças de inten-
sidade podem reduzir o leque de alternativas consideradas pelos agentes
nas decisões relativas à transformação urbana, de maneira que as várias
resultantes, embora latentes, têm diferentes probabilidades de ocorrência.
Está ainda claro que os sistemas urbanos são intensamente regulados,
seja através de mecanismos formais de caráter institucional e legal, seja de
mecanismos mais informais de caráter cultural. O resultado disso é, via de
regra, um enrijecimento do sistema, com contração da liberdade de esco-
lha e, consequentemente, de resultantes possíveis. Não obstante, o processo,
na sua elaboração fundamental, continua essencialmente o mesmo, já que
normas, assim como projetos, são equiparadas às demais ações de agentes
individuais, com âmbito, intensidade e duração particulares e finitos.

Processo urbano e morfologia


Tal como sugerido, a transformação urbana é, hoje, pensada como
resultado de um processo de aplicação local de regras gerais imbricadas;
essas aplicações são feitas, ainda, com base na visão (parcial) que os agen-
tes sociais têm do sistema, na promoção de seus interesses particulares.
Qualquer método de exploração desse tipo de processo precisa manter cla-
ras algumas características:
a) reprodução de uma dinâmica baseada em agentes individuais e uni-
dades espaciais locais – a verificação dessa característica corresponde
a um tipo de transformação do particular ao geral, ou seja, está anco-
rada em muitos agentes atuando simultaneamente em escala local;
b) manutenção de um processo de mudança contínuo que possibilite, en-
tretanto, mudanças de velocidade e intensidade – a continuidade res-
ponde a um tipo de mudança que não tende ao equilíbrio e é instável;
c) atualização sistemática dos vários estados do sistema, de forma que
cada um resulte de uma sequência particular de decisões – esta carac-
terística está associada à maneira cumulativa e bifurcativa do proces-
so de mudança urbana;

296
d) combinação e contextualização local de regras gerais de urbanização
– esta característica constitui o fundamento deste tipo de dinâmica,
ao articular agente, lugar e leis gerais da urbanização.
A possibilidade de tratar a exploração da dinâmica urbana desde pon-
tos de vista alternativamente ligados ao espaço e aos agentes gerou duas
abordagens básicas, com derivações tecnológicas correspondentes, que
constituem hoje as principais linhas de desenvolvimento científico nesta
área. São os chamados modelos baseados em espaço, de um lado, e os base-
ados em agentes, de outro. Como o nome sugere, os modelos baseados em
espaço põem mais ênfase nas regras espaciais do urbano e mais diretamente
assumem objetivos ligados à prospecção da forma e da configuração urba-
nas. Os instrumentos mais comumente utilizados para a exploração de dinâ-
micas espaciais urbanas são os denominados modelos autômatos celulares.

Modelos autômatos celulares


Os modelos AC produzem uma dinâmica na qual entidades mem-
bros de um sistema, originalmente portando determinado atributo, dentre
dois ou mais possíveis, são repetidamente submetidas a testes de mudança,
podendo, como resultado, trocar de estado. As entidades de um sistema
são denominadas células, os estados possíveis são conjuntos de caracterís-
ticas assumidas pelas células, os testes de mudança de estado são regras de
transição que condicionam a manutenção das características das células
ou sua mudança para outras características, dentre as previamente esta-
belecidas como possíveis. Regras de transição são normalmente expressão
do efeito de cada célula sobre suas vizinhas; dessa maneira, a manutenção
ou a mudança de estado de cada célula depende do estado das células ad-
jacentes. Originalmente cada célula do sistema porta um estado, dentre os
possíveis, e pode mantê-lo ou alterá-lo para qualquer dos outros possíves,
conforme responde às condicionantes estabelecidas pelas regras. Esse pro-
cedimento de conferência da resposta de cada célula ao conjunto de regras
é repetitivo, daí a denominação “autômata”. O formalismo de transição de
estado, descrito a seguir, envolve uma base bidimensional de células inter-
conectadas, na qual cada célula pode estar em um dos k estados possíveis
{S1, S2, ….,Sk}, sendo a transição definida pela equação abaixo, onde é o
estado corrente da célula , é o estado corrente de uma certa vizinhança de, e f é
a regra de transformação de acordo com a qual o novo estado de é selecio-
nado do conjunto {S1, S2, ….,Sk}.

297
St + 1 = f [St U (St 
O modelo AC mais conhecido é o popular Jogo da Vida, que é consti-
tuído de uma grelha quadrada contendo muitas células, que podem assumir
dois estados possíveis: vivas ou mortas, representadas por cores diferentes.
Assim, o estado inicial do jogo é um tabuleiro de células quadradas, bran-
cas ou pretas. As regras impostas a todas as células são as de sobrevivência e
de nascimento. Segundo a regra de sobrevivência, uma célula viva (branca)
se mantém viva se tiver pelo menos três vizinhas igualmente vivas; a regra
de nascimento diz que uma célula morta (preta) nasce (torna-se branca) se
tiver pelo menos 2 vizinhas vivas. Qualquer célula viva que falhe em cum-
prir a regra de sobrevivência torna-se preta, e qualquer célula preta que não
cumpra a regra de nascimento continua morta. Uma vez dispostas no tabu-
leiro (tempo t0), o jogo se processa pela aplicação da regra de sobrevivência a
todas as células brancas e de nascimento a todas as pretas simultaneamente,
atualizando o tabuleiro (tempo t1). A seguir, aplicam-se novamente as re-
gras, atualizando o tabuleiro (tempo t2), e assim sucessivamente. Como se-
ria de se esperar, a dinâmica resultante é, em princípio, caótica, uma vez que
as células mudam de estado constantemente e de maneira errática. Mas nem
sempre é assim. Algumas configurações encontram estabilidade e se man-
têm inalteradas, ou desenvolvem ciclos de mudanças mais ou menos longos.
Em alguns casos, as configurações criam sequências altamente complexas e
ordenadas. A lógica do jogo é justamente inventar configurações capazes de
manter estabilidade; durante algum tempo muita gente se envolveu com ele,
criando um grande banco de configurações ordenadas e estáveis.
As primeiras aplicações desse tipo de modelo a estudos científicos
se devem a John Von Neumann, que desenvolveu um modelo abstrato de
autorreprodução em biologia (Wolfram, 2002; Pinto; Antunes, 2007); em
seguida, tornou-se atraente a outros tipos de aplicação, inclusive para fe-
nômenos geográficos, pelas suas características de simplicidade e poten-
cial capacidade de simular fenômenos de propagação a partir de regras lo-
cais. Tobler (1979), Couclelis (1987), White e Engelen (1993) produziram
estudos teóricos de adaptação do modelo básico às aplicações urbanas, en-
quanto Batty (1998) buscou possibilidades de refinamento para atender a
demandas do mundo urbano real. Os fundamentos de um AC urbano são
derivados diretamente do modelo teórico: células são fragmentos de terri-
tório, grelhas que definem células são generalizações que representam es-
truturas espaciais, redes ou infraestrutura física, estados são representações

298
flexíveis de atributos de uma cidade, como uso do solo, densidade, cober-
tura do solo. Finalmente, vizinhanças representam áreas de atratividade,
extensão de percursos, etc. (Torrens, 2001). Extensões do modelo urba-
no são possíveis, objetivando melhor representar cidades reais: o uso de
probabilidade sobre as regras de transição, para representar as variações
possíveis de ocorrência de mudanças, restrições geométricas para repre-
sentar o território, feedback positivo para as variações de intensidade com
que os fenômenos de transição ocorrem nas cidades, mutações nas regras
para inovações, e ainda vizinhanças descontínuas para representar intera-
ção espacial (Batty, 1997, 1998, 2005).
Algumas aplicações de AC já realizadas envolvem basicamente pro-
cessos de crescimento urbano. Batty (1997) reporta experimento na área
de Buffalo-Niagara Falls, na fronteira entre Estados Unidos e Canadá,
onde, a partir de três “sementes” representando Buffalo, Niagara Falls e St.
Catherine, o modelo foi capaz de simular o crescimento urbano da região,
comparável ao efetivamente verificado. White e Engelen (1993) realizaram
aplicações para simular o desenvolvimento da estrutura espacial do uso do
solo, no tempo, gerando com ele estruturas para a cidade como um todo e
para cada uso do solo, demonstrando a possibilidade de alcançar alto nível
de detalhe espacial e realismo, além de vincular os resultados diretamente
às teorias gerais da evolução estrutural das cidades.

Modelo potencial-centralidade
Em Krafta (1994, 1999), há a descrição de um modelo de simulação
da dinâmica espacial, voltado a representar o processo de ocupação e re-
ocupação imobiliária de áreas intraurbanas. O fundamento teórico desse
modelo é a suposição de que a diferenciação espacial decorrente da cen-
tralidade pode operar como uma força interna dos sistemas urbanos capaz
de direcionar a alocação dos estoques edificados urbanos produzidos ao
longo do tempo. Segundo essa lógica, havendo uma força externa primá-
ria (como o crescimento demográfico, por exemplo) que gera demanda
por espaços edificados, estes serão produzidos em localizações que melhor
remunerem o investimento imobiliário necessário para a sua produção.
Essas localizações podem ser justamente as de menor centralidade, por se
situarem nas posições inferiores da hierarquia espacial, que, por sua vez,
pode representar a pirâmide de valores da terra. Com essa regra de tran-
sição, o modelo identifica o potencial de cada célula espacial para sediar

299
novas edificações, verificando atributos logísticos, como disponibilidade
de terra, valor de investimentos imobiliários que passaram a ser destruí-
dos para criar condições de alocar novos, e um atributo configuracional,
justamente a medida de centralidade. O potencial de uma célula é maior
se tiver mais terra edificável disponível, ou, se ocupada, o valor imobiliário
das edificações existentes for menor, e ainda se sua centralidade for menor.
Sua concepção teórica considera a produção do espaço construído ur-
bano como uma atividade industrial voltada a produzir renda, quando então
a decisão dos promotores imobiliários sobre seus investimentos, conside-
ra diferentes oportunidades locacionais intraurbanas. Os principais fatores
concorrendo para essa decisão locacional são o valor do capital a ser desva-
lorizado (edificações antigas a demolir), a quantidade de edificação possível
de ser construída em seu lugar, e o valor da terra. Este varia conforme sua
centralidade, ou seja, os maiores valores serão encontrados nas áreas mais
centrais da cidade. O modelo computacional criado por Krafta consiste em
um sistema de simulação recursivo que, para cada iteração, primeiro calcu-
la a centralidade do sistema espacial, segundo, calcula o potencial de cada
localização desse sistema, conforme sua centralidade, quantidade de terra
disponível e capital imobiliário a desvalorizar, e, terceiro, aloca quantidades
de edificação nova nas diferentes localizações, de acordo com o potencial
calculado. Assim, no tempo t0 o modelo calcula a centralidade do sistema,
recebe exogenamente uma quantidade determinada de edificação nova a
alocar, calcula o potencial de cada localização e realiza a mudança de estado
para t1, alocando a edificação nova proporcionalmente aos potenciais calcu-
lados. Imediatamente após, reinicia o processo, recalculando a centralidade,
o potencial e fazendo a alocação relativa a t2. Essa sequência continua até
que o operador a interrompa. Note que a cada iteração, a centralidade é re-
calculada; isso ocorre porque a alocação de novas edificações no interior do
sistema espacial tem o poder de alterar sua centralidade.
O resultado desse modelo é um crescimento interno urbano despa-
relho e espacialmente descontínuo, já que uma determinada localização,
tendo potencial para receber novas edificações é objeto de alocação, o
que, por consequência, aumenta sua centralidade e diminui seu potencial
na próxima alocação. Na Figura 135, há um exemplo de aplicação desse
modelo, descrito por Mussi e Krafta (2003), no qual o desenvolvimento da
área central da cidade de Pelotas, RS, Brasil é simulado, com o intuito de
aferir a influência do mercado imobiliário e da legislação urbanística sobre
a transformação da morfologia. Os mapas mostram, para uma dada itera-

300
ção, a distribuição dos acréscimos da forma construída. A descrição espa-
cial foi feita na escala do lote; assim, a resposta do modelo é para cada lote.
Note que, como a alocação é probabilística, o resultado não é exatamente
uma quantidade de edificação nova para cada lote, mas uma probabilidade
de que este venha a ser objeto de uma operação imobiliária. Para efeitos
estatísticos, entretanto, o resultado foi lido como uma distribuição propor-
cional às probabilidades de cada lote.

Figura 135. Output gráfico representando uma das iterações feitas para a área central de Pelotas. O mapa A destaca
os lotes que não sofreram modificações; em B, os que tiveram acréscimos estatísticos de até 50%; em C, os que cres-
ceram até 75%; em D, os que cresceram até 100%; em E, os que tiveram acréscimos superiores a 100%. O diagrama
F mostra a estrutura de centralidade resultante da alocação de edificações novas na área na iteração considerada.

301
O mecanismo é iterativo e envolve, para o momento inicial t0, o cál-
culo do potencial de cada célula, pela verificação de seus atributos, e a alo-
cação de uma quantidade de área construída é previamente estabelecida,
distribuída proporcionalmente ao potencial de cada célula. A alocação
transforma o sistema, que ganha algumas novas edificações em adição
e-ou substituição de outras existentes no momento inicial. Esse novo esta-
do t1 demanda novo cálculo de potencial, considerando os novos atribu-
tos, tanto logísticos quanto configuracionais, que levará a nova alocação,
repetindo a operação recursivamente. As quantidades de área construída
a ser alocada a cada iteração do modelo são informadas externamente e
representam a força externa primária. Com isso, o modelo segue generi-
camente o perfil AC: recursivo, com cada iteração alterando o estado das
células, em função do seu estado anterior, bem como os das células de sua
vizinhança. A diferença fica por conta da definição de vizinhança, que nes-
te caso é a totalidade do sistema; a regra de transição f é uma probabilidade
definida pelos atributos logísticos e configuracionais das células.
Uma outra diferença deste modelo em relação ao AC genérico é que as
suas células são irregulares, isto é, definidas a partir do desenho de uma ci-
dade existente, considerando trechos de vias públicas, com as áreas de terra
urbanizadas anexas, como unidades espaciais. Uma descrição espacial irre-
gular como essa demanda uma estrutura de vinculação entre elas, já que a
vizinhança regular e automática da base celular tradicional é abandonada.
Essa estrutura é um grafo, ou seja, um sistema de vizinhança constituído a
partir das adjacências realmente existentes entre as unidades espaciais. Uma
solução como essa somente pode ser aplicada em cidades preexistentes, para
as quais é possível definir a base espacial com precisão e particularização.
Em O’Sullivan (2001) há a descrição de um modelo que combina
características de modelos AC com grafos, constituindo o que ele de-
nomina um modelo AC-grafo. Um modelo AC-grafo é basicamente um
sistema espacial irregular, em que a vizinhança de cada célula é captu-
rada por um grafo que descreve as suas adjacências, como sugerido no
modelo anterior. O´Sullivan usa essa base descritiva para simular micro
transformações intraurbanas, em que células representam lotes que, en-
tão, sofrem mudanças de uso e ocupação. Suas regras de transição são
elaboradas a partir do conceito de rent gap, ou seja, a diferença entre ren-
da imobiliária real e esperada, incidentes sobre cada localização urbana.
Com isso, foi capaz de modelar processos de gentrificação, que requerem
mudanças de ocupação e no uso do solo.

302
Modelos como os de Krafta e O´Sullivan exigem dos modelos AC
tradicionais o refinamento das descrições espaciais, que permitem a intro-
dução de células irregulares, correspondentes a morfologias particulares
existentes nas cidades; não obstante, sofrem restrições quando aplicações
envolvendo expansão urbana são requeridas. Com efeito, células irregu-
lares são resultado de processos de parcelamento do solo ocorridos em
tempos e sob critérios morfológicos particulares e variados, cuja repeti-
ção, em outros tempos e locais, são improváveis. Semboloni (2000) sugere
um processo de simulação de expansão usando células irregulares; em seu
modelo, glebas constituindo propriedades rurais são representadas como
células que se subdividem durante o processo, vindo a constituir unidades
urbanas de forma irregular e escala aproximada às previamente verifica-
das. Esse procedimento, entretanto, envolve regras arbitrárias de parcela-
mento do solo que podem não antecipar os processos reais.

Modelo SACI
Para aplicações relacionadas à expansão urbana, Polidori e Krafta
(2005) propuseram um modelo AC-grafo estendido, no qual a unidade es-
pacial é uma célula regular quadrada. A regra de transição é também base-
ada no desequilíbrio que conduz à transformação, como em Krafta (1994),
porém localizada, ou seja, considerada no âmbito de uma vizinhança celular
regular. A contribuição desse modelo é que os estados possíveis das células
são tomados como porções cumulativas de desenvolvimento urbano. Esse
artifício permite que uma célula, mesmo após ter sido urbanizada, isto é, ter
recebido uso e ocupação urbana, continue a ser alvo de desenvolvimento.
O Simulador do Ambiente da Cidade - SACI –, em sua dinâmica,
considera, no estado inicial t0, os atributos ambientais, urbanos e insti-
tucionais de cada célula e sobre cada uma aplica um mecanismo de mu-
dança de estado. Este envolve fatores de estímulo à mudança (vizinhança
mais intensamente ocupada, indução de elementos existentes, como vias e
atratores naturais e urbanos, terra disponível para urbanização) e elemen-
tos de restrição à mudança (obstáculos, legislação de proteção ambiental,
etc.). Também considera um crescimento da forma construída informada
exogenamente para cada iteração, e realiza a alocação desses novos acrés-
cimos edificados segundo o potencial de cada célula.
Nas Figuras 136 e 137 abaixo, está descrita uma aplicação do modelo
para a cidade de Torres, RS, Brasil. Inicialmente o input do modelo é provi-

303
do por cartografia e fotos orbitais interpretadas, de onde se obtém a área do
assentamento, a definição da matriz celular, obtida pela superposição de
uma grelha de tamanho previamente definido sobre a área do assentamen-
to, e os atributos geográficos, urbanos, ambientais e institucionais. Uma
vez obtido o input, o modelo aciona o mecanismo de mudança de estado
repetidamente. No caso em questão, foram realizadas quarenta repetições,
com taxa de crescimento de 2% a cada uma. O procedimento simula o de-
senvolvimento da cidade em quarenta anos. O output do modelo engloba
os seguintes elementos: evolução da expansão urbana, da densificação e da
centralidade urbana. Ainda subsidiariamente oferece inferências quanto
a impacto ambiental da urbanização e potencialidades do sistema urbano
com respeito a mais desenvolvimento.

Figura 136. Algumas fontes de input do modelo SACI: em A, a cartografia digital de base; em B, a grelha geratriz
da matriz celular; em C, rios e canais; em D, a topografia; em E, a área urbana inicial; e, em F, as rodovias.

304
Figura 137. Output do modelo SACI: evolução da área urbanizada, após 10, 20, 30 e 40 iterações.

Figura 138. Output do modelo SACI: evolução do crescimento interno da cidade, descrito pelos estados do sistema
nos tempos t0, t10 e t40.

305
Modelo de evolução da forma construída
Utilizando base espacial irregular com células correspondentes a lo-
tes urbanos, porém usando outro tipo de mecanismo de mudança de esta-
do, Constantinou e Krafta (2007) desenvolvem um estudo de evolução de
padrões de tipologias edilícias urbanas. Nessa pesquisa, a mudança urbana
verificada na substituição de edificações por outras, ao longo do tempo, foi
simulada através de cadeias de Markov, que são procedimentos de mudan-
ça de estado baseados em probabilidades fundadas em estados anteriores
de cada lote e suas vizinhanças.
O modelo de evolução da forma construída urbana foi desenvolvido
com o objetivo de desenvolver capacidade preditiva no processo de des-
truição criativa urbana, pelo qual formas construídas são, a seu tempo,
substituídas por outras. Fundamenta-se no princípio da auto-organização,
segundo o qual ordem espacial na escala macro emerge de arranjos e trans-
formações locais. O modelo realiza uma aplicação das cadeias de Marcov
para prover a transição entre diferentes estados do sistema espacial urba-
no. A base descritiva é um grafo urbano no qual cada vértice representa
uma parcela de terra urbana ocupada com um tipo edilício específico, que
poderá ou permanecer ou ser substituído por outro após um determinado
intervalo de tempo; a transição para um novo estado depende apenas do
estado anterior. Uma aplicação desse modelo está exemplificada na Figura
139, em uma área urbana de Porto Alegre, RS, Brasil, ao longo de um perí-
odo de sua evolução de aproximadamente um século.

306
Figura 139. Sistema descritivo do modelo de evolução da forma construída: à esquerda superior, a área urbana
ensaiada; embaixo, o princípio de construção do grafo; e à direita superior, o grafo urbano resultante.

O grafo urbano do experimento contém 806 vértices e 3.915 arestas;


vértices representam parcelas de terreno edificado, e arestas representam
adjacências entre parcelas. Para cada iteração, o modelo examina as proba-
bilidades de mudança de ocupação de cada lote para cada uma das outras
ocupações possíveis existentes na área, como sugerem os mapas abaixo.

307
Figura 140. Output do modelo de evolução da forma construída: à esquerda, se vê a distribuição simulada dos tipos
edilícios em uma determinada iteração; à direita, são identificados os locais onde houve mudança de um tipo para outro.

Figura 141. Gráfico de análise de propriedades estruturais da simulação: a curva ascendente contínua representa
a evolução da complexidade medida pelo índice de Kolmorogov; a curva ascendente tracejada representa a en-
tropia; e a linha descendente contínua, a complexidade estrutural.

308
Os modelos AC e assemelhados apresentados acima, dentre muitos
outros existentes, promovem a representação do processo de mudança da
forma urbana, utilizando para isso mecanismos de transição baseados na
própria forma urbana e em suas características locais. Com isso, verificam
a eficácia das regras espaciais como vetores de transformação urbana; não
obstante, ainda representam apenas parte do processo urbano enquanto
uma manifestação de complexidade. Isso ocorre porque, tal como exposto
anteriormente, a mudança ocorreria como resultado de uma interpretação
das leis gerais, do espaço e da sociedade, e essa interpretação está apenas
esboçada nos modelos AC. Com efeito, as regras de transição envolvem
basicamente procedimentos de comparação e imitação, segundo os quais,
células trocariam de estado por força da presença de vizinhas que portam
uma condição específica que influenciaria nessa mudança. A aplicação da
regra, qualquer que seja, é automática e repetitiva, o que torna a amplitude
de interpretação aí contida questionável. A possibilidade de real interpre-
tação das leis do urbano somente poderia ocorrer num contexto simulató-
rio em que agentes sociais estivessem representados. Isso tem sido tentado
nos chamados modelos multiagentes.

Modelos multiagentes
O conceito de modelos baseados em agentes, ou seja, um tipo de simu-
lação em que indivíduos virtuais interagem entre si e com o espaço urba-
no, oferece a perspectiva de maior alcance para a representação do proces-
so urbano concebido como fenômeno complexo. Com efeito, assumindo o
pressuposto que a mudança discreta decorre da ação de agentes que leem e
interpretam as leis gerais da urbanização, o ambiente existente e as intenções
e ações dos demais agentes, esta somente poderia ser reproduzida de forma
realista através de um processo simulatório baseado na interação entre esses
agentes, cada um deles gozando de autonomia para, considerando seu pró-
prio código de conduta, empreender as ações urbanas possíveis.
Uma grande quantidade de dificuldades, entretanto, apresenta-se
quando essa perspectiva é contemplada: diferentes agentes terão diferentes
códigos de conduta e, naturalmente, diferentes limites e referências de va-
lidação de suas ações. Tempos, escalas, tipos, tudo isso representa um uni-
verso de variabilidade aparentemente interminável e indeterminável. Não
foi por acaso que a experimentação com modelos multiagentes iniciou
com as situações mais simples: uma base espacial dada e fixa, agentes equi-
valentes e objetivos comuns (Batty, 2005). Uma situação desse tipo é, por

309
exemplo, o movimento de pedestres verificado em locais de grande afluxo
de pessoas, como shopping centres, galerias de arte ou mesmo centros ur-
banos. Nesses casos, os indivíduos, embora intrinsicamente diferentes uns
dos outros, são representados por agentes equivalentes, ou seja, indiferen-
ciados. O ambiente em que se movem é fixo, quer dizer, não se altera com
a presença dos agentes nem tampouco em decorrência de seu movimento.
Finalmente, os objetivos dos agentes podem ser resumidos à realização de
percursos vagamente orientados pelos elementos de conteúdo do espaço.
Situações como a descrita acima são, obviamente, apenas o princípio
da representação do processo urbano, focado tão somente na forma mais rá-
pida, efêmera e circunstancial de mudança urbana. Não obstante, é a forma
mais pervasiva, insistente e fundamental de promover mudanças. Efetiva-
mente, os padrões de movimento que emergem e se dissolvem todos os dias
nas cidades são um exemplo magnífico de padrão temporal, no qual todos os
componentes são substituíveis, e o são, a seu tempo, mas o padrão persiste.
A persistência dos diferentes padrões urbanos ao longo do tempo
pode ser entendida como uma resultante de feedbaks positivos. Feedbak
positivo é o efeito de reforçamento de um determinado padrão pelo seu
próprio exercício, ou seja, um efeito circular de autorrealimentação. Um
exemplo de feedback positivo é o encontrado nos processos de formação
de centralidade, nos quais uma vantagem locacional gera atratividade, que
desperta o interesse de atividades sensíveis à exposição ao público, que, ao
se localizar nesses pontos aumenta-lhe a atratividade, que contribui para
aumentar a afluência de pessoas, que incentiva a localização de mais ativi-
dades atratoras de viagens, recursivamente.
É claro que, da mesma forma que padrões incluem feedback positi-
vo, o fazem com feedback negativo. No mesmo exemplo acima, a espiral
ascendente que realimenta a centralidade esconde o desenvolvimento de
uma espiral descendente que gera e realimenta externalidades, como con-
gestionamento, aumento do custo de localização, exacerbação da concor-
rência, etc. As externalidades corroem as vantagens locacionais e podem
acabar destruindo-as, como eventualmente ocorre em centros urbanos.
Modelos para simular processos como esses ainda estão em estágios ini-
ciais de concepção e desenvolvimento, a seguir são apresentados dois arca-
bouços teóricos que oferecem perspectivas de desenvolvimento para mo-
delos urbanos capazes de representar processos de mudança.

310
Um modelo de produção e consumo de espaço
Partindo do pressuposto que a produção de espaço edificado urbano
é uma atividade orientada para a produção de renda, pode-se supor um
mercado de produção e consumo de espaço urbano submetido às seguin-
tes condições:
a) agentes produtores de espaço – compartilham os mesmos custos de
produção e procuram, através da escolha da localização dos empre-
endimentos maximizar a renda. A escolha de uma localização, en-
tretanto, fica sujeita a duas expectativas antagônicas: a da produção
de renda extra e a do risco de não encontrar compradores. Locali-
zações mais centrais carregam expectativas de menor renda (terras
mais caras) e também de menor risco (mais facilmente vendáveis).
Produtores, assim, estão submetidos a uma tensão que somente pode
ser resolvida pela tomada de algum risco, cuja magnitude depende
de decisão individual. Em adição a isso, produtores devem ainda es-
colher o padrão (valor unitário) de seus empreendimentos, com base
em conhecimento parcial da demanda. A tomada de algum risco é
necessária para alimentar a perspectiva de crescimento da escala, que
será outro fator de maximização da renda.
b) agentes consumidores residenciais – além de buscar um bom negócio
imobiliário, consumidores residenciais procuram antecipar o padrão
da região em que pretendem residir. Essa antecipação envolve também
algum risco, já que num contexto dinâmico, o padrão socioeconômico
de cada região do sistema urbano, representado pelo nível de serviço e
características da vizinhança, está em constante transformação. Zonas
antigas perdem qualidade, algumas zonas novas ganham, zonas anti-
gas podem recuperar qualidade, zonas novas podem falhar na conso-
lidação de um padrão anunciado. Elevação, manutenção ou perda de
qualidade espacial obviamente afetam tanto o valor imobiliário, po-
dendo tornar mau um pretendido bom negócio e vice-versa, quanto à
homogeneidade social. Decisões de localização residencial envolvem
risco em função dos custos de sua efetivação.
c) agentes consumidores provedores de serviço – guiam-se por uma ló-
gica semelhante à dos produtores de espaço, balizando sua decisão
locacional pelo custo de localização, proximidade aos consumidores
e localização de outros provedores. Para cada tipo de serviço, uma
superfície de oportunidade de localização pode ser identificada, e

311
suas extremidades são as localizações de alto custo e baixo risco e as
de baixo custo e alto risco.
O esquema apresentado acima coloca cada agente, seja produtor ou
consumidor de espaço, como fator de decisão dos demais, criando uma
interdependência estrutural. A decisão de cada um envolve o risco de in-
sucesso, que somente pode ser verificado a posteriori, na forma, então, de
um feedback. A rotina de uma simulação voltada a produzir uma dinâmica
socioespacial como essa pode ser a descrita a seguir.

Constituição do sistema

Introdução de uma certa quantidade de promotores imobiliários (PI)


Estes são agentes produtores de espaço, representados como peque-
nos programas dentro de um programa, ou software, maior, que contém o
sistema. Cada agente tem três características: a) capacidade, b) padrão, e
c) fator de risco. A capacidade de todos que entram no sistema é um (1), e
pode aumentar no decorrer do processo, se suas iniciativas forem bem su-
cedidas. Como não pode diminuir, um certo número de insucessos causa a
sua eliminação ou morte. O padrão é estabelecido aleatoriamente (sorteio
ponderado) dentre um grupo de alternativas disponíveis. O sucesso de um
PI de determinado padrão aumenta a probabilidade (ponderação) de ou-
tros serem introduzidos no sistema, e o insucesso diminui essa probabili-
dade. O fator de risco também é estabelecido aleatoriamente por sorteio
dentro de uma escala de variação previamente estabelecida. O sucesso de
sua promoção imobiliária provoca um aumento do valor desse fator de ris-
co na próxima iniciativa, o insucesso faz com que o fator seja reduzido na
iniciativa seguinte. O sucesso de um PI é determinado pela ocupação da
ou das unidades espaciais por ele produzidas, ou seja, que seja escolhida
por um consumidor. Com isso, se houver um feedback eficiente, entradas e
saídas de PIs do sistema são autorreguladas.
Assim, os promotores imobiliários “nascem” com uma característica
predefinida – a capacidade –, que vai ser modificada ao longo do proces-
so, e outras duas aleatoriamente atribuídas, sendo que aquela associada a
padrão imobiliário é fixa, enquanto a associada a fator de risco pode ser
alterada. A decisão de cada agente é independente das dos demais. Cada
agente somente poderá produzir uma nova unidade espacial se a anterior-
mente produzida for ocupada. O tempo decorrido entre produção e even-

312
tual ocupação é a medida do sucesso de cada PI. A decisão de cada agente
é feita com base em fatores internos e externos; os fatores internos são as
características de cada agente no momento da decisão, enquanto os externos
são a estrutura de valores da terra e a disponibilidade de terrenos. A estru-
tura de valores da terra pode ser simulada através de uma medida de centra-
lidade que considere os fatores locacionais (acessibilidade) e de ocupação
(quantidade e valor dos estoques edificados). À medida que os PI aumentam
sua capacidade de produzir, podem decidir entre fazê-lo segundo unidades
individuais ou agregadas, quer dizer, com baixa ou alta densidade; sua deci-
são será informada pelo consumo relativo de ambos os tipos.

Introdução de uma certa quantidade inicial de agentes consumidores


residenciais (CR)
A quantidade inicial de potenciais residentes pode ser aleatória, es-
truturada segundo uma escala socioeconômica previamente determinada.
Assim, a população potencial inicial terá quantidades específicas de indi-
víduos de padrões socioeconômicos diferentes. Cada CR tem três caracte-
rísticas: a) padrão socioeconômico, b) preferência e c) fator de tolerância.
O padrão socioeconômico é estabelecido aleatoriamente, obedecendo às
proporções entre diferentes grupos, previamente estabelecidas. Os padrões
socioeconômicos correspondem, inicialmente, aos padrões imobiliários,
mas ambos têm trajetórias opostas: enquanto os padrões imobiliários ten-
dem a perder valor e assim degradarem-se com o tempo, os padrões socio-
econômicos podem agregar renda e assim aumentarem com o tempo. As
preferências se referem ao grau de concentração espacial, variando entre
as extremidades de alta e baixa densidade, e são atribuídas aleatoriamente
mediante sorteio ponderado, podendo ser alterados ao longo do processo,
em função do tamanho da cidade. A concentração espacial também se re-
fere à proximidade a centros de serviço, com o que a preferência também
expressa o grau de dependência à base de serviços e empregos urbanos.
O fator de tolerância reflete a flexibilidade do agente para conviver com
desvios em relação a suas preferências e padrão; funcionaria como um pa-
râmetro variando entre extremidades prefixadas.
Pode-se ver que CRs “nascem” com duas características prefixadas e
uma terceira, também estabelecida previamente, mas que tem o poder de
alterar as outras duas. A decisão de cada CR é independente dos demais e
obedece a um fator externo, além dos internos já citados, justamente a dis-
ponibilidade de unidades espaciais adequadas. Oferta e demanda de unida-

313
des espaciais são, no início, independentes, com o que poderá ocorrer oferta
superior ou inferior à demanda, em cada segmento socioeconômico. Ha-
vendo excesso de oferta, unidades espaciais serão deixadas desocupadas;
havendo excesso de demanda, haverá CRs não atendidos, que irão para uma
“fila”. A ocorrência de oferta, assim como o tamanho da fila são fatores de
informação retroativa aos agentes produtores de espaço, e funcionam como
estímulo positivo ou negativo à entrada de novos agentes no sistema. CRs
com menor grau de tolerância terão mais chances de ocuparem mais vezes
lugar na fila. Inexistindo filas, poderá haver sobra de unidades espaciais,
cujos produtores não serão autorizados a produzir novas unidades e muito
menos aumentar sua escala. A decisão de cada CR é feita em avaliação de
vizinhança, ou seja, local, a partir de uma lista de unidades espaciais dispo-
níveis. Pode haver uma ordem de alocação, por exemplo, dos mais ricos aos
mais pobres, e cada alocação será feita na unidade espacial que melhor aten-
der aos critérios de padrão, preferência e tolerância. Havendo mais de uma
unidade com iguais características, a escolha é por sorteio.

Introdução de uma certa quantidade de provedores de serviço (OS)


Estes também são consumidores de espaço. A quantidade de OS será
estabelecida exogenamente, associada à população, e eles serão divididos
em categorias. Essa divisão deveria expressar tipos diferentes de serviço
e de consumidores, o que pode ser obtido pela limitação de abrangência
(raio de alcance). Os raios de abrangência simplificam a diversidade de
serviços, dividindo-os em locais, microrregionais, urbanos, etc. Um agen-
te PS terá as seguintes características:
a) alcance, estabelecido aleatoriamente, mas obedecendo a uma pro-
porcionalidade entre os diversos tipos previamente estabelecidos;
b) porte, definido como unitário no momento de entrada no siste-
ma; c) tipo, estabelecido aleatoriamente, porém obedecendo a um
fator de proporcionalidade entre os tipos previamente estabelecidos;
c) fator de aglomeração, estabelecido aleatoriamente no momento
da entrada no sistema. Alcance pode ser calculado como um raio de
abrangência, tipo pode atender a uma divisão do universo dos servi-
ços pelo critério da variedade. Fator de aglomeração procura medir
as vantagens e desvantagens locacionais de um serviço em relação a
outros já existentes.

314
Agentes PS “nascem” com características moldadas à sua atividade –
fator de aglomeração, porte e alcance –, todas estabelecidas aleatoriamente
no momento da entrada no sistema, mas, no caso do alcance, submetida a
uma determinada proporcionalidade. Porte e alcance se alteram, dependen-
do do grau de sucesso ou insucesso. O sistema calcula a média de consumi-
dores potenciais para cada unidade de serviço e estabelece esse valor como
referência de sucesso; qualquer captura acima desse valor representa sucesso
e abaixo, o contrário. A decisão de localização de cada PS é independente da
dos demais e tomada com base em acessibilidade e fator de aglomeração. A
acessibilidade é uma característica do sistema espacial, calculada e mantida
atualizada pelo sistema central nas abrangências associadas aos diferentes
tipos de serviço. Com isso, o sistema mantém indicadores de acessibilida-
de local, microrregional e global de todas as unidades espaciais existentes
no sistema. A captura de consumidores é calculada através do indicador de
convergência, cuja definição já foi apresentada anteriormente.

Dinâmica socioespacial
a) base espacial – uma base espacial inicialmente “neutra” poderia ser
provida por uma grelha na qual uma unidade espacial poderia corres-
ponder a uma quadrícula, ou a um nó; cada unidade espacial poderia
prover apenas uma localização (um sítio disponível para desenvolvi-
mento imobiliário) ou várias. Uma quadrícula poderia, por exemplo,
ser dividida em quatro quadrantes, um nó poderia conter quatro seg-
mentos, etc. Está claro que uma base reticular como a referida acima
não é completamente neutra, já que as células localizadas próximas ao
centro geográfico terão maior acessibilidade que as das bordas. Esse
efeito pode, entretanto, ser diminuído pela utilização de uma grelha
suficientemente extensa, ou ainda neutralizado pela utilização de um
torus, ou seja, uma grelha em que as células da extremidade Leste são
adjacentes às da extremidade Oeste, as da Sul com as da Norte. O de-
senvolvimento imobiliário de uma localização a torna indisponível
para outro, até que condições de redesenvolvimento ocorram.
b) tempo – o tempo deve ser discreto, ou seja, considerado em uni-
dades de uma medida qualquer, e será aplicado em todos os proce-
dimentos, segundo quantidades previamente estabelecidas. Assim, a
produção de uma nova unidade imobiliária consumirá x unidades
de tempo; a depreciação de uma unidade imobiliária existente se dá

315
a cada y unidades de tempo; a mudança demográfica, definida em
termos de p novos habitantes a cada z unidades de tempo; a escolha
de uma localização residencial ou comercial implica a permanência
ali por t unidades de tempo e assim por diante.
c) alocação de unidades imobiliárias – a ação do promotor imobiliá-
rio é decidida por sorteio de uma localização, escolhida dentre todas
as que atendam à condição de mais baixo custo da terra. Esse custo é
estabelecido com base em quatro variáveis: acessibilidade, padrão
imobiliário da vizinhança, eventuais estruturas existentes a demolir
e fator de risco. Cada localização tem um valor de acessibilidade
calculado; o padrão da vizinhança é dado pelo valor médio unitário
das edificações existentes nas localizações adjacentes à unidade con-
siderada, sendo esse valor calculado a partir do padrão e da idade de
cada unidade imobiliária existente nas localizações adjacentes. Com
isso, vizinhanças onde predominam padrões imobiliários mais altos
terão terra a valores mais altos. O mesmo ocorre com vizinhanças onde
o desenvolvimento imobiliário é recente. O mesmo procedimento ser-
ve para determinar o valor das eventuais edificações existentes a de-
molir. Promotores imobiliários com capacidade para produzir mais de
uma unidade a cada tempo o farão sempre em apenas um sítio, aumen-
tando, assim, a concentração, a não ser que o operador da simulação
estabeleça um limite para cada sítio.
d) ocupação residencial – a escolha da localização residencial é feita,
para cada indivíduo, pela opção disponível que melhor pontue pelos
critérios de padrão socioeconômico e preferência da vizinhança. A
disponibilidade se dá pela existência de edificações de padrão imo-
biliário adequado, não ocupadas. A pontuação é calculada pela pro-
porção de vizinhos do mesmo padrão socioeconômico, bem como
pela quantidade de vizinhos. O fator de tolerância pondera essas duas
medidas de vizinhança. Indivíduos que não logram obter uma loca-
lização compõem uma fila, conforme especificado, e, após algumas
tentativas, abandonam o sistema. Uma vez alocados a uma unidade
residencial, indivíduos devem permanecer nela um certo tempo an-
tes de tentar realocação.
e) ocupação comercial – dá-se, como as demais, pela escolha da loca-
lização que melhor atenda aos critérios deste tipo de agente. Havendo
três características intrínsecas – alcance, tipo e porte –, cada um com,
por exemplo, três categorias (alcances local, microrregional e urba-

316
no; portes 1, 2, 3; tipo A, B e C) tem-se como resultado um universo de
vinte e sete serviços originais. O fator de aglomeração deverá dar conta
de regular a atitude de cada um desses serviços originais para com os
outros, sendo a variação do parâmetro a medida de conveniência ou
inconveniência de estar localizado na vizinhança de algum ou alguns
desses outros serviços originais. O fator de aglomeração também re-
gula a relação do serviço com a vizinhança de consumidores. Serviços
dependem da disponibilidade de unidades de espaço edificado dispo-
níveis, podendo, assim, haver alocação incompleta, ou seja, unidades
de provisão de serviço não alocadas. Estas não constituem filas, já que
são instituições que se constituem em face da oportunidade; entretan-
to, as tentativas mal sucedidas de alocação de unidades de serviço são
registradas como importante elemento de feedback.
f) feedback do PIs – seu objetivo é fundamentalmente aumentar o co-
nhecimento de cada agente quanto ao mercado; para isso, as seguin-
tes informações lhe são relevantes: 1) destino da(s) unidade(s) por ele
produzida(s) – a alocação bem sucedida permitirá ao agente produtor
aumentar sua escala e possivelmente aumentar seu fator de risco; 2)
eventual existência e tamanho da fila de consumidores não atendidos,
que igualmente lhe dirão da conveniência em aumentar ou diminuir
seu fator de risco; c) estado do sistema quanto à disponibilidade e ao
valor da terra, que lhe permitirá decidir o próximo investimento.
g) feedback dos CRs – monitora a evolução do valor imobiliário
da unidade que ocupa, comparando-a com o seu próprio padrão
socioeconômico, que também evolui. Paralelamente, monitora a
evolução do padrão socioeconômico da vizinhança, confrontando-o
com o seu próprio, parametrizado pelo correspondente fator de
tolerância. Ainda monitora a evolução da densidade da vizinhança,
comparando-a com a sua preferência e tolerância. O aumento da
distância entre situações experimentadas e expectativas pode levar
à decisão de relocação; se isso ocorrer, o consumidor abandona sua
localização e ingressa na fila dos que buscam localização.
h) feedback dos PSs – é dado basicamente pela sua convergência; sen-
do maior do que a média para aquele serviço, seu porte aumenta.
i) feedback do sistema – este é o mais extenso e abrangente, visto que
monitora todos os setores e abastece os agentes. Os principais indica-
dores observados são 1) a estrutura de valores da terra, que, associa-
da aos padrões imobiliários e socioeconômicos existentes, pode fazer

317
emergir novos valores; 2) a evolução da distribuição espacial dos es-
toques edificados, que contribui para definir o valor imobiliário; c) a
relação entre população e estrutura de serviços.
j) aprendizado – o delineamento acima descrito pode ser capaz de
gerar uma dinâmica socioespacial representativa de um processo au-
to-organizativo, no qual ações individuais e interações entre agentes
em bases locais constituem o mecanismo básico de transformação e
definição do estado geral do sistema; entretanto, não parece ainda ter
poder de simular a evolução de instituições sociais urbanas, que, de
algum modo, se formam para diminuir os graus de aleatoriedade e
incerteza do processo. Essas organizações, tanto nos âmbitos estritos
de produtores, consumidores e provedores de serviço (corporativas),
quanto, e principalmente, num âmbito mais amplo que envolva in-
divíduos de diferentes grupamentos, seriam responsáveis pela emer-
gência de regras de produção e consumo de espaço válidas para todo
o sistema. Regras gerais somente podem, evidentemente, emergir,
ou seja, resultar de um processo de aprendizado, cuja representação
computacional envolve o domínio da inteligência artificial.
Aprendizado pode ser entendido como procedimento de busca de
uma instância cognitiva superior à individual. No processo delineado aci-
ma, o conhecimento de cada indivíduo se dá retroativamente, mediante
feedback. Efetivamente, o promotor imobiliário, por exemplo, somente
acrescenta algum conhecimento ao verificar quais unidades produzidas
foram efetivamente consumidas e quais falharam; mesmo assim, esse co-
nhecimento se traduz num simples reajustamento de seu fator de risco, o
que objetivamente fará com que sua próxima ação, se ela for possível, seja
mais conservadora do que a anterior. Sucessivos insucessos simplesmente
o retiram do sistema, e não há nada que ele possa fazer para evitar isso.
Melhoramentos na sua cognição individual poderiam incluir a decisão de
interromper o fluxo de investimentos por algum tempo, mudar de produto
(alterando o padrão imobiliário das unidades produzidas) e realizar inves-
timentos de mais longo prazo em terra. No primeiro caso, o mecanismo
de tomada da decisão de não realizar o próximo ciclo de produção imo-
biliária parece simples e mais fácil do que o necessário complemento, de
voltar ao ciclo produtivo. Este último dependeria de uma visão mais ampla
do mercado, inalcançável com apenas o feedback normal. A mudança de
produto não envolve dificuldade extraordinária, o que, em contrapartida,
ocorre com o investimento em terra. Esse procedimento corresponde a
uma capacidade preditiva maior do que um ciclo produtivo simples; como
defini-lo e quando acioná-lo ainda constitui um problema.

318
No âmbito de cada grupamento de agentes, uma instância coletiva
de conhecimento envolveria identificar as principais incertezas e perigos
comuns inerentes à atuação e limitá-los mediante troca de informação. No
caso dos promotores imobiliários, informação relevante seria, por exem-
plo, uma quantidade de unidades a serem produzidas nos próximos ciclos,
que permitiria a cada agente avaliar as suas chances. No âmbito mais geral,
as dificuldades aumentam ainda mais, já que o conhecimento novo a ser
gerado e distribuído deveria nascer não mais a partir da insegurança co-
mum aos agentes, como ocorre dentro de cada grupamento, mas, ao con-
trário, dos conflitos entre grupamentos.
O modelo acima referido baseia-se na ação de agentes sobre a produ-
ção e o consumo de espaço urbano, numa situação em que a ação de pro-
dutores de espaço restringe a ação de consumidores e esta corrige aquela.
Produtores de espaço são livres para escolher quais padrões e localizações
irão produzir, pautando sua decisão pela perspectiva de lucro e de ris-
co envolvidos em cada operação. Lucratividade é maior em localizações
menos valorizadas; em contrapartida, o risco aí também é maior. Lucro
e risco são forças centrífuga e centrípeta respectivamente. Consumidores
residenciais são livres para ocupar localizações segundo o padrão adequa-
do ao seu perfil socioeconômico, definido pela sua capacidade de paga-
mento e preferência por situações mais ou menos densas. Também correm
riscos inerentes à escolha, relativos à eventual depreciação da localização
e à composição da vizinhança. Consumidores comerciais são livres para
escolher o tipo de serviço e localização que acham mais convenientes,
apostando na sua virtude de capturar clientes. A medida de sucesso dos
produtores imobiliários é a ocupação dos imóveis produzidos, um feedba-
ck de curto prazo. A medida de sucesso dos consumidores residenciais é a
evolução do valor da sua localização e da homogeneidade da vizinhança,
feedback de mais longo prazo. O sucesso dos consumidores comerciais, de
curtíssimo prazo, é a parcela resultante da divisão do contingente de con-
sumidores entre os pontos de oferta que consegue capturar.
Na Figura 142, se vê um território livre e homogêneo onde três promo-
tores imobiliários realizam seus investimentos, todos unitários e de padrão
mais baixo. Não havendo qualquer referência geográfica ou socioeconômica
que hierarquize o território, sua escolha é aleatória. Como são independen-
tes, a configuração resultante não é coordenada e mostra três unidades re-
sidenciais de padrão 1. A planilha ao lado da base espacial mostra o tipo de
registro de eventos e processos da simulação. Na primeira iteração, constam
apenas as três unidades imobiliárias (P1), desocupadas (V).

319
Figura 142. Registro do primeiro loop da primeira iteração, considerando apenas três promotores imobiliários: à
esquerda, o território de alocação; à direita, a planilha de registro dos eventos da simulação. A primeira coluna registra
os promotores imobiliários existentes no sistema; as cinco seguintes controlam as edificações existentes e seus status;
as três seguintes controlam as posições dos moradores e as últimas três as posições e estado dos provedores de serviço.

A Figura 143, mostra o segundo loop dessa iteração, provendo a alo-


cação de consumidores residenciais, bem como o primeiro loop da segunda
iteração, provendo nova alocação de unidades de espaço construído. Para
melhor ilustrar a lógica do modelo, assumiu-se uma fila de apenas dois
consumidores, que irão ocupar as células 1 e 2, por possuírem vantagens
locacionais em relação à célula 3, isolada. Os promotores imobiliários 1 e
2, que tiveram sucesso, aumentaram sua produção em uma unidade dada,
enquanto que o PI3, cujo produto não foi escolhido, fica estagnado. As novas
unidades do PI1 são na direção da periferia do assentamento delineado na
primeira alocação, significando que o sucesso da primeira rodada o encora-
jou a tomar mais risco. O mesmo ocorre, com maior intensidade, com o PI2,
que posiciona sua edificação 7 ainda mais periférica. A planilha registra as
ocupações e as novas edificações com seus respectivos status.

320
Figura 143. Registro do segundo loop da primeira iteração e primeiro da segunda iteração. Veem-se as células 1 e 2
ocupadas e a emergência de quatro novas. O círculo de tom cinza representa a centralidade gerada pela primeira iteração.

A Figura 144 mostra a evolução do sistema derivada da terceira itera-


ção. Assumindo uma fila de três residentes, as células ocupadas são as mais
agrupadas. O feedback recebido pelos promotores imobiliários é tal que o
PI1, mais bem sucedido, amplia sua produção, incluindo, desta vez, um
imóvel de serviço (célula 10). O PI2, sofrendo um revés, justamente na sua
aposta de maior risco, reduz, e o PI3 continua estagnado. Vê-se que a cen-
tralidade aumenta e se desloca levemente para Oeste, em função da maior
concentração de moradores. A formação urbana é fragmentada.

321
Figura 144. Registro do segundo loop da segunda iteração e primeiro da terceira iteração. Veem-se as células 1, 2, 4,
5 e 6 ocupadas e a emergência de quatro novas, sendo uma comercial. A centralidade se amplia e desloca para Oeste.

A Figura 145 mostra o estado do sistema no t4. O promotor P1 conti-


nua sendo mais bem-sucedido, produz mais uma unidade de serviço (cé-
lula 13) e uma de padrão intermediário (célula 15). O processo duplo de
alocação de unidades imobiliárias sobre o território e de ocupantes nas
unidades imobiliárias segue segundo as lógicas mencionadas. A planilha,
aqui mostrada incompleta, deve registrar, também, a idade de cada imó-
vel, permitindo que os estoques possam, no tempo, serem substituídos. A
escala de produção dos promotores imobiliários deve prever a construção
concentrada, com o que a densidade do assentamento poderá variar. Com-
plexidade ao processo é adicionada à medida que diferentes padrões habi-
tacionais, diferentes perfis socioeconômicos e diferentes tipos de serviço
são admitidos na simulação.
Como fica evidente, o modelo tem capacidade de se autorregular
através do feedback sistemático entre produção e consumo de espaço, bem
como oferta e consumo de serviços. Demanda que excede a oferta (filas
com mais consumidores do que imóveis ofertados) estimula a produção e
espalha a cidade; demanda menor reduz a produção e concentra a cidade.

322
Figura 145. Registro do segundo loop da terceira iteração e primeiro da quarta iteração, com a centralidade
sofrendo elongação e a fragmentação oscilando.

323
PROJETO URBANÍSTICO 15
Consequente com o que vem sendo desenvolvido e apresentado neste
livro, o problema do projeto urbanístico terá uma abordagem e tratamen-
to restritos ao seu conteúdo morfológico e configuracional; isso significa
que todos aqueles aspectos relativos à oportunidade, a programa, a finan-
ciamento, à participação institucional e individual, à autoria e à doutrina,
certamente importantes para qualquer operação projetual, serão mantidos
implícitos, em benefício de uma maior atenção aos aspectos de conforma-
ção morfológica e articulação espacial. Nesses termos, o projeto urbanísti-
co é tomado como a proposição de uma forma, resultante de um processo
de articulação de componentes segundo regras particulares, constrangido
(isto é, limitado, informado, regulado) pela doutrina, programa, institui-
ções, autor, etc. Implica conceber o projeto como uma composição cujo
produto porta utilidade, significado, intenção, estilo, valor, custo e tudo o
mais que possa representar, mas cuja produção obedece a procedimentos
de escolha de componentes e articulações próprias e independentes dessas
propriedades aderidas ao produto final. São esses procedimentos que inte-
ressam a este estudo. Tomá-los de forma independente dos demais fatores
envolvidos no projeto é uma iniciativa consequente com a noção geral de
autonomia disciplinar da Morfologia Urbana.

Geração de ordem 1: áreas temáticas


A maneira mais simples de gerar ordem através de projeto é, sem
dúvida, pela criação de áreas temáticas, que são, relembrando, trechos de
tecido urbano caracterizados pelo uso recursivo de alguns componentes e
algumas regras de articulação. A ocorrência repetida de elementos cria re-
gularidade e padrão, ou seja, uma ordem de instância local. Para produzir
uma área temática são necessários “apenas” três elementos: o sítio, os objetos
bi e tridimensionais componentes da forma e as regras compositivas. O sítio

325
é uma superfície de terra suficientemente extensa; a real extensão, em cada
caso, depende do contexto geográfico e de todos os constrangimentos ex-
ternos já citados (programa, instituições, etc.). Com isso, a extensão de uma
área temática pode variar largamente; não obstante limites inferiores podem
ser divisados, já que para a verificação de um tema é necessária a ocorrên-
cia repetida de determinados componentes. Sendo a edificação individual e
seu correspondente lote o menor componente do tecido urbano, o sítio para
uma área temática exige pelo menos a repetição de alguns desses menores
componentes. Com isso, a menor área temática pode ser um simples trecho
de rua composto a partir de uma partição fundiária e de uma forma cons-
truída regulares. Não obstante, é necessário considerar que, em um contexto
mais amplo, a justaposição de muitas áreas temáticas muito pequenas pode
levar à perda do próprio sentido de regularidade. Por outro lado, embora a
extensão máxima seja indeterminada, um limite pode ser requerido, para
manter a noção de localidade. Assim, regularidade e localidade, duas das
principais características das áreas temáticas, estão interligadas.
O “tema”, ou seja, a combinação de alguns determinados componen-
tes bi e tridimensionais segundo uma regra de articulação composta (na
verdade, quatro regras de articulação combinadas: a primeira que articula
espaços públicos, a segunda que articula parcelas de espaço privado, a ter-
ceira que articula formas construídas e a quarta que promove articulação
entre espaços públicos, privados e formas construídas), pode ser definido
a partir dos seguintes procedimentos:
a) Mimetização de um padrão conhecido – é um procedimento apa-
rentemente comum, tanto como uma operação deliberada de repro-
dução de um tema conhecido e reconhecido por suas características
e qualidades, quanto como uma operação automática, de reprodu-
ção naturalizada. Os temas podem ser mimetizados a partir de áre-
as temáticas existentes em cidades reais, ou de outros projetos. A
imitação feita a partir de projetos não oferece maior interesse, uma
vez que não envolve qualquer transformação; já a imitação a partir
de casos reais é muito mais interessante. Isso decorre do fato de que
um padrão observado da realidade urbana quase sempre decorre
de uma transformação evolutiva de um tema original. É de grande
importância se observar que um padrão espacial urbano verificado
num determinado momento é, na verdade, o estado particular de
um processo cujo tema original pode bem ter sido muito diferente.
Assim, a imitação de um padrão existente em uma ou mais cidades

326
envolve a recuperação de seus componentes originais assim como os
parâmetros associados à sua transformação.
b) Adaptação de um padrão conhecido – padrões morfológicos urbanos
dificilmente são imitados literalmente, em função dos inúmeros condi-
cionantes impostos a cada projeto particular, forçando, assim, a ocorrên-
cia de um procedimento de ajustamento mais ou menos radical e com-
plexo, iniciando no tema de referência e terminando numa proposição
virtualmente nova. Este, possivelmente, seja o tipo de procedimento
mais usual, dada a possibilidade de combinar, no processo projetual,
alguma redução de incerteza (propiciada pela utilização de um padrão
cujas características e desempenho são conhecidos) com geração de al-
guma originalidade (possivelmente resultante da introdução de novas
características que respondem a demandas específicas da situação).
Diversas adaptações são possíveis, sendo as mais usuais as que envol-
vem a) introdução ou supressão de componentes; b) flexibilização de uma
ou mais regras de articulação entre componentes; e c) variação dos parâ-
metros que regulam a forma dos componentes. Novos componentes intro-
duzidos num padrão conhecido muitas vezes não são novos propriamente,
mas simplesmente componentes de outros padrões conhecidos; não obs-
tante, os resultados, mesmo que decorrentes de acréscimos aparentemente
sem importância, podem ser dramáticos. Os acréscimos de maior e mais
imediato impacto sobre o padrão original de uma área temática são, sem
dúvida, os das formas construídas; entretanto, mesmo modificações mais
simples e aparentemente irrelevantes, como a introdução de um novo tipo
de lote, pode desencadear modificações de padrão, já que transmitem es-
sas inovações para outros elementos, notadamente as edificações e, por ex-
tensão, para a prática social decorrente.
De forma semelhante, as adaptações feitas nas regras de articulação
têm o poder de transformar um padrão original. Variações na disposição
das edificações, tanto no que se refere às posições relativas de cada uma fren-
te às demais (alinhamentos, continuidade ou descontinuidade das fachadas,
etc.), quanto às posições relativas aos espaços públicos (justapostas, recu-
adas, superpostas) resultam em morfologias significativamente diferencia-
das. Há referências explícitas (Aymonino, 2000) quanto ao caráter da forma
urbana, associadas ao emprego sistemático de regras de articulação. Aymo-
nino vai ao extremo de defender a tese de que o significado último da cidade
somente pode ser encontrado na sua particularidade tipo-morfológica.

327
As adaptações devidas a modificações dos parâmetros são aquelas
que permitem mudar o porte, as proporções, os ângulos de incidência de
cada componente sobre os demais, o “passo” ou ritmo de repetição, além
da tolerância para desvios em relação ao padrão ortodoxo. São essas adap-
tações que permitem a articulação entre padrões baseados em geometria
esquemática e sítios com topografias particulares, ou a aplicação de um
padrão morfológico característico de um tipo de uso do solo e prática ur-
bana a situações que requerem outro tipo de uso ou prática.
c) Combinação de dois ou mais padrões conhecidos – são operações
geométricas mais complexas que se valem de duas ou eventualmente
mais matrizes morfológicas para gerar um padrão geneticamente asso-
ciado a elas, porém original. Os casos mais comuns de combinação de
padrões podem ser encontrados no desenho do espaço público, normal-
mente combinando formações em grelha com fragmentos de labirintos,
árvores ou pátios. Igualmente comuns são as situações de combinação
na forma construída, alternando dois ou mais tipos edilícios diferentes.
d) Invenção – equivalente ao procedimento de criar um padrão total-
mente novo. Está claro que mesmo as invenções mais radicalmente
inovadoras são, em alguma medida, informadas por preexistências;
entretanto, supõe-se aqui que um padrão inventado seja inovador ao
ponto de não conter referências diretas a qualquer outro conhecido.
O resultado de uso de áreas temáticas para geração de ordem projetual,
qualquer que seja o procedimento, é um ou um conjunto de fragmentos
caracterizados individualmente por temas específicos, cada um ancorado
numa seleção de componentes e regras compositivas próprias.

328
Figura 146. Exemplos de áreas temáticas: A – formação de padrão por mímese; B – padrão formado por adaptação;
C – padrão resultante de combinação de padrões; D, invenção arbitrária.

Geração de ordem 2: estruturas primárias


Como se sabe, estruturas primárias são manifestações de ordem
morfológica mais global. Isto equivale a um tipo de organização da forma
urbana baseado em elementos e articulações que visam abarcar a cidade
como um todo. Ao contrário das áreas temáticas, cuja ordem decorre da
repetição de elementos, a estrutura primária funda-se em elementos ori-
ginais, seja pela escala, magnitude, conformação geométrica, posição ou
monumentalidade. Estrutura primária é baseada fundamentalmente em
pontos e linhas, que podem ou não estar articulados em sequências, cons-

329
tituindo continuidade espacial. Exemplos clássicos de estruturas primárias
articuladas em linhas e continuidade espacial são os planos de Haussman
para Paris, e de articuladas em linhas e pontos, o de Sixto V, para Roma.

Figura 147. Estereótipos de estruturas primárias: Roma e Paris.

Pontos e linhas são abstrações de elementos morfológicos urbanos


caracterizados por linearidade e concentração respectivamente, também
referidos como polos e tensões. Linhas, geometricamente unidimensio-
nais, são, na prática, elementos morfológicos compostos que contêm es-
paços abertos públicos e privados e forma construída. Da mesma forma,
polos geometricamente adimensionais equivalem na prática a algum tipo
de concentração de espaço aberto e/ou formas construídas numa locali-
zação pequena o suficiente para merecer a equivalência pontual. Com-
ponentes da estrutura primária, linhas e pontos, devem ter conformação
morfológica, bem como inserção no tecido urbano, tais que o distingam
dos elementos pertencentes aos tecidos temáticos. Essa originalidade, ou
diferenciação morfológica, pode ser absoluta (diferenciação plena em re-
lação a qualquer outro elemento daquela morfologia) ou relativa (elemen-
tos eventualmente pertencentes a áreas temáticas, porém posicionados
em outro contexto). Elementos primários lineares são, na grande maioria
das vezes, vias públicas, e, como tal, podem ser caracterizadas pelo espa-
ço aberto (geratriz, dimensões, particularidades), bem como pela partição
fundiária e forma edificada (geometria, agregação, posição relativa ao es-
paço aberto, simetria, etc.). Elementos primários nodais são edificações
originais, edificações temáticas inseridas no tecido de forma original, es-
paços abertos ou qualquer combinação de edificações e espaços abertos.

330
No que se refere à posição dos elementos primários, embora pos-
sam estar isolados dos demais – inteiramente circundados por áreas te-
máticas, portanto – é mais razoável supô-los articulados de alguma ma-
neira: elementos nodais justapostos ou superpostos a elementos lineares,
elementos lineares conectados a outros elementos lineares compondo
algum tipo de continuidade.
A articulação dos elementos primários entre si pode ocorrer de duas
formas: segundo algum tipo de regularidade geométrica, de maneira que
a estrutura primária apresente um padrão, como se fosse um tema na es-
cala global, ou alternativamente segundo articulações não regulares. O
primeiro caso pode ser ilustrado pelo desenho de Belo Horizonte, sobre
cuja grelha local básica se superpõe uma outra, supergrelha rotacionada
em 45º, com malha quatro ou cinco vezes maior e nós coincidentes com os
da grelha mais fina. O segundo caso pode ser ilustrado pelo sistema de vias
principais de Porto Alegre, cada uma com uma conformação morfológica
diferente das demais, todas articuladas segundo um padrão vagamente ra-
dial, porém irregular e identificável apenas em parte do território.

Figura 148. Estrutura primária regular de Belo Horizonte (à esquerda) e irregular de Porto Alegre (à direita).

331
Elementos combinados da estrutura primária de uma cidade po-
dem resultar de projetos voltados a gerar grande monumentalidade, como
o grande eixo de Paris (Louvre, Jardin dês Tuileries, Place Concorde, Av.
Champs Elysees, Clemenceau-F Roosevelt, Charles de Gaulle-Etoile, Grand
Armee, Porte Maillot, Charles de Gaulle e finalmente La Defense, com mais
de oito quilômetros de extensão), grande diversidade morfológica, como a
conexão Regent’s – St. James Park, em Londres (Regent’s Park, Park Crescent,
Portland Place, Regent Street, Oxford Circus, Picadilly Circus, Waterloo Place,
The Mall e, finalmente, St. James Park), grande contraste, como o decorrente
da superposição da grelha retangular de Manhattan sobre o traçado mais
espontâneo da Broadway, ou simplesmente resultar de formação histórica
e ações descoordenadas, acumuladas ao longo de muito tempo, como o que
verificado no eixo Oswaldo Aranha-Protásio Alves em Porto Alegre.

Geração de ordem 3: o tecido urbano


Tecido urbano é, genericamente, uma combinação de áreas temáticas e
elementos primários dispostos sobre o território; as áreas produzem ordens
de âmbito local, baseadas na regularidade com que componentes e regras de
articulação são verificados; os elementos primários são supostamente com-
ponentes de uma estrutura que cria uma ordem global. A estrutura primária,
baseada em linhas e pontos notáveis, pontua e conecta toda a cidade. Com
isso, áreas temáticas e estrutura primária guardam relações de complemen-
taridade. As situações merecedoras de atenção são as seguintes:
a) articulação entre duas áreas temáticas – quanto ao posicionamen-
to de áreas temáticas no contexto do tecido urbano, pode-se antever
apenas uma possibilidade: a justaposição simples. Todas as demais
possibilidades configuram desdobramentos temáticos; a superposi-
ção gera uma nova área temática, no caso, uma que combina os temas
das duas áreas temáticas superpostas; o espaço deixado entre duas
áreas temáticas fatalmente dará lugar a uma terceira, ou a um ele-
mento da estrutura primária. A justaposição pura e simples de áreas
temáticas é um fato recorrente nas cidades brasileiras, decorrente da
sucessão de loteamentos de glebas. Na maioria dos casos, essa justa-
posição envolve alguma descontinuidade viária e consequentes áreas
de acessibilidade inferior.

332
Figura 149. Elementos primários orientados para monumentalidade (A), diversidade morfológica (B), contraste
(C) ou articulação ad hoc.

b) articulação entre área temática e estrutura primária – semelhan-


temente, elementos primários, particularmente os lineares, posicio-
nam-se em relação às áreas temáticas de quatro maneiras possíveis:
justapostos e superpostos, na borda e no interior da área temática.
A justaposição ocorre quando os limites da área temática e do(s)

333
elemento(s) primário(s) são coincidentes e claramente identificados.
Considerando que, como regra geral, o limite de uma área temáti-
ca é uma rua, a justaposição ocorre quando ou o elemento primário
possui apenas o espaço público diferenciado, mas não a partição fun-
diária e a forma construída, estas pertencentes à área temática (por
exemplo, uma rua mais larga), ou a formação primária inclui partição
fundiária e forma construída próprias que se estendem até a linha de
limite da área temática. A superposição ocorre quando partição fun-
diária e forma construída pertencentes à área temática e ao elemento
primário se interpenetram e se combinam. Justaposições e superpo-
sições podem ocorrer nas bordas de uma área temática ou no seu in-
terior. Na borda, configura uma situação em que a estrutura primária
une diversas áreas temáticas; no interior configura outra, em que a
estrutura primária hierarquiza a área temática. Exemplos de justapo-
sição são a Av. Atlântica, no Rio de Janeiro, e o Central Park, em Ma-
nhattan. Em ambos os casos, o elemento primário (avenida e parque)
encaixam-se sem modificar as áreas temáticas adjacentes. Exemplos
de superposição são a Broadway, em Manhattan, e a Av. Presidente
Vargas, no Rio de Janeiro. No primeiro caso, há um seccionamento
diagonal do tecido de base (grelha retangular); no segundo, embora
haja alguma coordenação geométrica da avenida com as áreas temá-
ticas adjacentes, a partição fundiária e forma construída da avenida
são próprios e interferem nas áreas temáticas adjacentes.

Figura 150. Av. Presidente Vargas superposta às áreas temáticas vizinhas.

Geração de estrutura 1: acessibilidade local


Se o propósito básico é gerar e distribuir acessibilidade, as grelhas são
a resposta, como já demonstrado por Martin (1972). Com efeito, para uma

334
área temática qualquer, a adoção de uma grelha como base para a divisão e
partição da terra tem o poder de colocar todas as localizações em patama-
res equivalentes de acessibilidade, mesmo considerando uma distribuição
desigual, com algum privilégio para as localizações geograficamente mais
centrais. As grelhas são tidas como mais abertas, à medida em, ao produzi-
rem baixa hierarquia espacial, aumentam a probabilidade de ocorrência de
centralidade difusa, ou seja, desconcentrada.
Grelhas podem sofrer vários tipos de deformação, desde as dimen-
sionais, que alteram a granulosidade do tecido resultante, sem alterar a
acessibilidade, até as estruturais, que alteram a constituição da própria
grelha, modificando a hierarquia espacial e, consequentemente, a acessi-
bilidade. Alterações dimensionais (aumento ou diminuição da malha em
parte da grelha), respondendo a peculiaridades do terreno, restrições fun-
diárias ou especificidades programáticas, embora não tenham efeito sobre
a acessibilidade da área temática como um todo, podem reduzir, na práti-
ca, a acessibilidade de determinados pontos, particularmente quando as
malhas se tornam muito grandes, exigindo percursos maiores, ou quando
estão associadas a acidentes topográficos, como aclives ou cursos d’água.
Deformações nas grelhas também podem decorrer de intenções de
projeto, situações em que se deseje, por alguma razão, a elaboração de al-
guma hierarquia interna a uma área temática, seja para induzir centrali-
dade, reforçar direcionalidade, ou superar obstáculos. A forma mais ime-
diata de operar deformações é interrompendo e-ou suprimindo trechos
da grelha, ou seja, introduzindo algum efeito de labirinto. É relevante,
entretanto, considerar a introdução de deformações locais, ou seja, efei-
tos esperados no interior do tecido, não apenas localmente, mas também
mais amplamente. Áreas temáticas estarão necessariamente articuladas a
outras, diretamente ou através de elementos conectores principais; tanto
neste como naquele caso, os efeitos de deformação de uma grelha podem
facilmente propagar-se.

Geração de estrutura 2: acessibilidade global


uma grelha pode, evidentemente, ser expandida e deixar sua caracte-
rística local para propiciar cobertura mais ampla, como as grandes grelhas
de Chicago, Los Angeles ou Manhattan; não obstante, as situações mais
comuns são aqueles em que grelhas de diferentes padrões e extensões, li-
mitadas, são postas em sequência para cobrir superfícies urbanas exten-

335
sas, geralmente resultando de processos evolutivos de crescimento e ex-
pansão urbana. Justaposição direta de grelhas de diferentes padrões pode
facilmente resultar em descontinuidades e perda de acessibilidade local e
mesmo, se essas justaposições forem frequentes, perda de acessibilidade
em escala mais global. A alternativa mais comumente usada para articular
grelhas de padrões particulares é o uso de conectores – vias interpostas
entre duas grelhas que conectam todas as extremidades de vias de ambas.
Conectores, devido a essas conexões, tornam-se mais acessíveis que qual-
quer zona interna das grelhas locais envolvidas, invertendo o efeito, veri-
ficado numa grelha isolada, de concentração dos pontos mais acessíveis
na zona geograficamente mais central. Com isso, as periferias das grelhas
tornam-se regiões mais acessíveis, muitas vezes mais permeáveis e mais
propícias às atividades mais públicas.
Em cidades mais extensas, os conectores prolongam-se linearmente
por grandes distâncias, articulando muitas áreas locais, atraindo tráfego
e congestionamento. Em função disso, há a tendência de buscar algum
isolamento entre conectores e grelhas locais, reduzindo o número de
conexões entre ambos. A tentativa mais extrema nesse sentido é a cidade
nova inglesa de Milton Keynes, que conta com uma grelha de grandes vias
desconstituídas e afastadas uma da outra uma milha, e diferentes áreas te-
máticas no interior de cada malha. Essas áreas temáticas são conectadas
com cada grande via na sua periferia apenas uma vez, criando uma disso-
ciação entre os conectores (que ganham características de vias expressas)
e as grelhas locais (que ocupam cada malha resultante da combinação das
vias expressas, e acabam constituindo pequenas cidades). Os conectores,
sendo vias de maior capacidade, também passam a limitar o acesso entre
duas áreas locais situadas em lados opostos; assim, conectores articulam
grelhas locais, atraindo para si as maiores acessibilidades, ao mesmo tem-
po mantendo alguma separação entre as áreas.

336
Figura 151. Coleção de áreas temáticas de diferentes configurações, articuladas por grandes conectores, que con-
centram as maiores acessibilidades. Como consequência, as zonas de maior acessibilidade de cada área temática
residem nas suas bordas, adjacentes aos conectores.

De qualquer forma, uma rede de conectores permite articular não


apenas duas grelhas locais adjacentes entre si, mas áreas mais afastadas,
fomentando uma acessibilidade de escala mais global. Isso ocorre justa-
mente à medida que apenas algumas extremidades de vias locais chegam
aos conectores, tornando-os, assim, caminhos mais diretos e menos frag-
mentados entre pontos de acesso de áreas distantes entre si. Por mais essa
razão, o equilíbrio entre conexões locais e remotas e, consequentemente,
entre acessibilidades locais e globais é matéria de cuidadosa dosagem de
ligações de cada fragmento temático e seus conectores adjacentes.

337
Figura 152. Forma urbana em Milton Keynes UK (à esquerda): uma supergrelha de vias expressas que articula
pequenas cidades no interior das malhas, cada uma com sua morfologia particular, e em Goiânia BR (à direita):
coleção de retalhos sem articulação.

Geração de estrutura 3: centralidade local


Centralidade decorre fundamentalmente da concorrência entre po-
sição relativa (vantagens locacionais), ocupação do solo (forma construí-
da) e atividade. É certo que a determinação da atividade é tarefa incerta no
âmbito do desenho urbano, já que as relações entre atividade, forma cons-
truída e localização são flexíveis e decorrentes de circunstâncias espaciais,
temporais e sociais. Além disso, atividades são mais fluidas e mutáveis, fa-
zendo com que, na prática, uma mesma localização e uma mesma forma
construída possam ser agenciadas para diferentes atividades ao longo do
tempo. Por essas razões, projetos urbanos devem se apoiar fundamental-
mente nas variáveis espaciais – distribuição de vantagens locacionais e de
forma construída – como elementos mais permanentes, porém capazes de
induzir usos do solo seletivamente.
Contando que a grande maioria da área territorial e construída das
cidades é destinada ao uso residencial e segue uma disposição espacial se-
gundo diferentes padrões (áreas temáticas), centralidade, do ponto de vis-
ta da atividade, acaba sendo gerada basicamente pela distribuição espacial
de atividades não residenciais, atratoras, que funcionam como pontos de
convergência dos movimentos intraurbanos. Alternativamente, centra-

338
lidade pode ocorrer da eventual concentração (distribuição desigual) da
população residente, como costuma ocorrer com conjuntos habitacionais
de grande densidade construídos nas periferias das cidades.
Do ponto de vista da posição relativa, a configuração que mais ho-
mogeneamente distribui vantagens locacionais é a grelha. Nela, a conecti-
vidade de cada ponto pertencente ao sistema é igual, com exceção daque-
les localizados nas bordas, e a hierarquia espacial é definida apenas pelo
centro geográfico. Deformações internas de uma grelha, com a introdução
de fragmentos de labirintos ou árvores, podem concorrer para enfraque-
cer o centro geográfico. Alternativamente, a introdução de novos elemen-
tos, particularmente diagonais, concorre para reforçar ainda mais o centro
geográfico. A concatenação de várias grelhas por intermédio de conectores
tende a enfatizar a hierarquia destes últimos, em detrimento dos centros
geográficos locais ou outros pontos tornados mais importantes pelas de-
formações das grelhas. A próxima questão a ser abordada é a da distribui-
ção das formas construídas em situações como essas.
Pontos que apresentam vantagens locacionais num sistema espacial
urbano adquirem maior valor imobiliário e demandam usos que possam
remunerá-lo adequadamente. Essa remuneração pode ser eventualmente
alcançada ou por atividades econômicas, ou por habitação concentrada,
ou ainda pelas duas coisas combinadas, tanto dispostas em edificações
mistas quanto especializadas. Em situações de baixa especialização funcio-
nal, a predominância será de uso misto; em casos de maior especialização,
a atividade econômica predominará. Seguindo essa tendência, a primeira
geração de formas construídas pode apresentar uma distribuição que pri-
vilegie justamente os conectores, particularmente se estes preexistirem em
relação às áreas temáticas adjacentes. A evolução do sistema poderá, entre-
tanto, minimizar essa distribuição desigual, mediante gradual substituição
dos estoques edificados originais no interior do tecido por outros, compa-
ráveis ou até mesmo mais concentrados que os dos conectores.

Geração de estrutura 4: centralidade global


Centralidade global tem formação espacial, porém com forte compo-
nente histórico, ou seja, resulta de um processo acumulativo de atividades
e de crescimento combinados. Áreas centrais originais de uma cidade ten-
dem a permanecer nessa condição, juntamente com outras que emergem
ao longo do processo evolucionário. Para cidade que se desenvolve sobre

339
um território sem obstáculos, é muito provável que seu centro histórico
seja muito próximo ao centro geográfico. Projetos que contrariam esse
tipo de tendência podem acarretar dissonância entre forma e prática ur-
banas. Não obstante, há a considerar o fato de que esse mesmo processo
cumulativo de atividades e de crescimento combinados produz uma ex-
pansão do centro original, que pode ser, de alguma maneira, operada.
Essa expansão, tanto contínua, quer dizer, por anexação de áreas con-
tíguas ao centro original, ou ocupação dos principais eixos de conexão
do centro às periferias, quanto remota, ou seja, mediante a formação
de centralidades alternativas à original, fica facilitada numa situação de
acessibilidade distribuída. Quando isso não ocorre, os conectores mais
próximos ao centro original tendem a operar a expansão da centralida-
de, variando de intensidade conforme sua conectividade mais remota
(pertencimento a rotas regionais, ligações entre cidades) e particularida-
des morfológicas (conectividade local, dimensões, partição fundiária).
Essa centralidade assume uma forma dendrítica.
Sendo um processo, a centralidade tem um forte componente evo-
lutivo que precisa ser considerado nos projetos urbanos. Considerar a
componente evolutiva significa projetar uma estrutura capaz de absorver
mudanças – não apenas crescer nas bordas para além dos limites origi-
nalmente propostos, mas fundamentalmente crescer internamente, rede-
finindo a forma e a função de suas partes.

Indicadores de desempenho como controles de projeto


Da mesma forma que áreas temáticas, estruturas primárias, ou os
conceitos de acessibilidade e centralidade não são capazes de gerar, por si
só, formas urbanas particulares portadoras de seus atributos, os indicado-
res de desempenho não derivam automaticamente arranjos espaciais de
qualquer natureza, mas podem, não obstante, funcionar como excelentes
controles de projeto. Por controle de projeto se entende um instrumento
ou procedimento analítico que permita aferir a possível resposta de um
arranjo espacial proposto a uma demanda, caracterizado por um atributo,
uma forma de medir e uma escala de variação. A resposta, expressa na for-
ma de uma medida, pode ser comparada com outros arranjos alternativos,
ou com situações existentes eventualmente tomadas como referência.

340
A utilização de indicadores como controles de projeto implica, evi-
dentemente, associação destes a valores cuja presença seja ou não requeri-
da nos arranjos espaciais, sendo engendrados, e esses valores podem tanto
ser definidos externa como internamente a cada projeto. Valores externos
são os que preexistem, aqueles que todo projeto urbano deve ter, em maior
ou menor grau, enquanto que internos são valores cuja própria existência
se deve ao projeto, ou se preexistentes, seu intervalo de variação é estabe-
lecido internamente, frente aos requerimentos específicos do projeto em
questão. Com isso, indicadores quantitativos relevantes são apenas aqueles
definidos no escopo de cada projeto, e sua análise num contexto mais geral
como este fica reduzida. Não obstante, situações de aplicabilidade poten-
cial para alguns indicadores, particularmente os já referidos anteriormen-
te neste livro, podem ser examinadas.
a) Indicadores de continuidade e de forma – embora o indicador de
continuidade sugira esta como um atributo desejável na forma urba-
na, é sabido que fragmentação e descontinuidade são intrínsecas ao
processo de desenvolvimento das cidades, particularmente durante
e logo após ciclos de crescimento relativamente rápidos. Nessa pers-
pectiva, continuidade pode ser vista de duas formas complementares:
a sua composição e a possibilidade de sua recomposição. A primei-
ra implica propor a promoção da continuidade da forma urbana no
projeto (continuidade imediata, por assim dizer), enquanto a segun-
da implica manter a possibilidade de continuidade futura, ou seja,
constituir um projeto que, mesmo contendo alguma descontinuida-
de circunstancial, possa, no seu desenvolvimento ulterior, superá-la.
É comum em projetos urbanos a inclusão de áreas contínuas de pou-
ca ou nenhuma permeabilidade, tanto decorrentes de características
do sítio (acidentes topográficos ou hidrográficos), quanto de elemen-
tos projetuais (parques, linhas ferroviárias, pistas de aeroportos, etc.),
que resultam em descontinuidades internas, cujas decorrentes des-
vantagens precisam ser avaliadas em confrontação com as eventuais
qualidades trazidas ao sistema.
Continuidade urbana tem sido, indiretamente, contestada pelas ideo-
logias de sustentabilidade e supremacia do ambiente natural sobre o urba-
no. As formas mais comuns de defesa da sustentabilidade são os assenta-
mentos de baixa densidade, dispersos, por serem os que, na microescala,
supostamente privilegiam o uso de tecnologias de produção de energia de
pequena escala, materiais e técnicas construtivas primitivos, e preservação

341
de características ambientais mais próximas das naturais. Um modelo es-
pacial como esse é essencialmente descontínuo; semelhantemente, alguns
ambientalistas defendem a supremacia do ambiente natural, que, então,
deveria sobreviver no interior das cidades. Essa sobrevivência pode in-
cluir a intocabilidade de cursos d’água e áreas adjacentes, a manutenção
de reservas biológicas e outros eventos que resultam em fragmentação do
tecido urbano e descontinuidade. A emergência dessas novas ideologias
provoca um choque de valores entre as supostas virtudes e os defeitos dos
ambientes natural e urbano, ainda não completamente esclarecido.
O indicador de forma, por outro lado, acena para uma formação
morfológica compacta próxima do círculo, por conta da teórica economia
de percursos internos. É claro que essa economia também depende de ou-
tros fatores, particularmente da distributividade do sistema viário inter-
no. Há a considerar ainda que formações como essas frequentemente de-
senvolvem centros urbanos polares, com concentração de atividades que
podem, por consequência de congestionamento, neutralizar as vantagens
iniciais de percursos mais curtos. Projetos urbanos precisam sempre ser
tomados como o início de um processo (em caso de cidades novas) ou
como uma fase adicional de um processo de desenvolvimento que vai além
deles; nessa perspectiva, o indicador de forma pode ser tomado como um
indicador de tendência genérica. Projetos que contrariam essa tendência
podem resultar em situações urbanas significativamente diferentes daque-
las pretendidas por seus autores.
b) Indicadores de distributividade e de permeabilidade – distributivida-
de é uma dessas qualidades que todo projeto deve promover, em qual-
quer circunstância, visto que repercute por todo o sistema e afeta dire-
tamente e cotidianamente a vida de todos os usuários. Distributividade
não diz respeito apenas a padrão de circulação e de fluxos urbanos,
como é óbvio, mas contribui para uma configuração espacial menos
hierarquizada que, como consequência, distribui centralidade, valor
da terra e uso do solo. Permeabilidade é claramente uma propriedade
espacial associada à centralidade. Visto que se refere à extensão da
linha de contato entre os universos do público e do privado, desem-
penha melhor quando aplicada a um contexto de intensa ocupação do
solo e de animação urbana, características dos centros urbanos. Usado
no sentido contrário, ou seja, como recurso de diminuição de conexões
e da relação entre público e privado, tende a contribuir para o rebai-
xamento do nível de atividade. Permeabilidade se presta a uma certa

342
modulação, oferecendo ao operador a possibilidade fazê-la variar con-
forme requerimentos de ordenamento de microáreas, como são exem-
plos a variação dos tamanhos dos quarteirões dentro de uma mesma
área temática, ou a escolha de direção na disposição de quarteirões
retangulares. Permeabilidade é um dos principais fatores de controle
nos projetos algorítmicos.
c) Indicador de profundidade – mesmo considerando um contexto
genérico de favorecimento à acessibilidade geral do sistema espacial,
pode haver situações que demandam algum grau de segregação, para
o que o indicador de profundidade pode propiciar adequada aferição.
As duas situações potencialmente mais comuns neste caso são a se-
gregação de pontos ou áreas, com vistas à indução de ambientes me-
nos expostos à interação espacial urbana e assim mais favoráveis ao
exercício de certas atividades, e ainda a segregação relativa de canais
importantes de circulação. No primeiro caso, podem-se enquadrar
áreas residenciais mais reservadas, ou a localização de equipamen-
tos sensíveis aos efeitos do tráfego e da animação urbana. O segundo
caso refere-se ao manejo da circulação urbana voltado à redução de
interseções em vias destinadas ao tráfego de passagem.
d) Indicador de compacidade – esta é outra propriedade do tecido ur-
bano que se presta a modulação e ajustes finos, visando induzir for-
mação de ambientes urbanos diversificados. Alguma compacidade
tem sido julgada necessária não apenas do ponto de vista da eficiên-
cia do uso do solo, das infraestruturas e dos serviços urbanos, mas
também do ponto de vista do conforto e da aprazibilidade, importan-
tes qualificadores da experiência de vida urbana. Os referidos ajustes
de compacidade do tecido urbano podem ocorrer segundo duas va-
riáveis: a intensidade de ocupação do solo e a distribuição da forma
construída. A primeira se refere à relação entre quantidades de área
de solo urbano e de área edificada; a segunda se refere à relação entre
área de solo urbano e de parcelas deste efetivamente ocupadas com
edificações; também conhecidos por indicadores de aproveitamen-
to e de ocupação. Em sentido estrito, o indicador de aproveitamento
denota a compacidade urbana, já que afere o grau de concentração de
área edificada em uma determinada fração de território; entretanto, o
indicador de aproveitamento captura o grau de dispersão das formas
construídas, reportando, dessa maneira, a visibilidade, ou percepção
da compacidade urbana a partir do espaço público. Pelo primeiro

343
indicador, é possível distinguir entre compacidades absolutas; pelo
segundo, é possível distinguir entre duas morfologias com mesma
compacidade absoluta.
e) Indicador de espaço público – auxilia no controle da dotação de
área pública, objetivando não apenas o cumprimento dos requisitos
legais existentes no Brasil, mas também a distribuição desse recur-
so, sabidamente escasso segundo os diversos propósitos do projeto,
e o correto dimensionamento dos diferentes componentes e seus
custos associados.
f) Indicador de continuidade da forma construída – sendo uma medi-
da de transparência da forma construída agregada, permite ao opera-
dor controlar o grau de definição dos lugares públicos. Isso pode ser
feito na escala do tecido (relação entre as extensões de fachadas e va-
zios, agregados), da rua (mesma relação, tomada para uma determi-
nada extensão de via pública) e do lugar, quando então a relação pode
ser mais eficiente se tomada angularmente (parcela dos 360º tomados
por fachadas, comparada com a mantida livre) a partir do centroide.
g) Indicadores de identidade e abrangência – um simples mapa de
figura-e-fundo da estrutura primária e sua árvore 1 é, em si, esclare-
cedor do grau de identidade e cobertura desta em relação ao sistema
urbano global, e sua elaboração e exame visual já valem a pena. Não
obstante, os cálculos de extensão e área comparados, próprios dos
cômputos das duas medidas podem quantificar as relações contidas
num projeto urbano.
h) Indicador de sintopia: pode ser um importante controle de proje-
to, uma vez que se refere à dotação de área a espaços públicos que,
por razões estruturais ou funcionais, demandam dimensionamento
especial. Isso ocorreria em uma variedade de situações, dentre as
quais se destacam trechos de vias urbanas de maior centralidade,
dedicadas prioritariamente ao tráfego, ou alternativamente, dedi-
cadas às atividades comerciais e aos espaços de concentração ou de
dispersão de usuários, etc.

344
EPÍLOGO 16
O capítulo 4 deste livro contém um esboço de teoria da forma ur-
bana, baseada em objetos, cuja essência é uma suposta relação entre pa-
drão e exceção, envolvendo articulação escalar. Nessa perspectiva, padrões
ocorreriam, primeiro, na escala local, conformando áreas temáticas, cuja
ordem morfológica decorre do uso recorrente de certos tipos de objetos,
bem como de sua articulação segundo regras de composição específicas.
Com isso, áreas temáticas produzem padrões de homogeneidade e regu-
laridade formal. Entretanto, essa não seria a única maneira de produzir
padrões, já que, numa escala mais global do tecido urbano, elementos ex-
cepcionais tenderiam a ocorrer igualmente articulados, compondo uma
outra estrutura, ali denominada de “estrutura primária”, cujo padrão não
seria necessariamente baseado em homogeneidade e regularidade, mas
em determinação escalar. Elementos primários extrairiam essa sua con-
dição justamente por se contraporem aos elementos regulares das áreas
temáticas segundo diferenciação de escala. O elemento mais polêmico da
referida teoria é a proposição de que haveria uma relação generativa entre
essas duas instâncias fundamentais da forma urbana, ou seja, a hipótese
segundo a qual, seja qual for a precedência verificada, a existência de um
provocaria a emergência do outro.
Várias razões causais foram mencionadas em suporte a esse enuncia-
do, tais como a hierarquia do território e suas infraestruturas regionais, a
sequência histórica do crescimento (expansão) e desenvolvimento (restru-
turação interna) das cidades, a ação do Estado e das grandes corporações
em contraposição à dos pequenos agentes. O fundamento dessas justifi-
cativas é o de que as expressões morfológicas naturais dos agentes seriam
associadas à formação de padrões (grandes agentes atuando em grandes
áreas) ou exceções (pequenos agentes atuando localmente, ou grandes
agentes atuando em pequenas áreas) fatalmente produziriam áreas temá-
ticas, objetos orientados pela imitação e grandes elementos originais res-

345
pectivamente. O problema dessas justificativas é que parecem ser irreme-
diavelmente externas ao fenômeno morfológico propriamente dito, isto é,
seriam justificativas alheias à teoria, apesar de plausíveis e eventualmente
efetivas no desenvolvimento urbano.
Os capítulos 10 e 11 acrescentaram novos elementos relevantes para a
consolidação dos enunciados teóricos sobre a forma urbana aqui buscados.
Com efeito, ali está demonstrado (como de resto desde Hansen, 1959) que
o espaço urbano possui uma estrutura cujo padrão é hierárquico. Isso signi-
fica que o espaço urbano é essencialmente diferencial, que cada localização
urbana é diferente das demais, e que a inerente diferenciação determinada
pelo espaço gera um campo de força capaz de orientar o seu desenvolvimen-
to ulterior. Forças de polarização, tensões entre polos e ao longo de linhas,
vetores de centralização e de descentralização, resultantes, etc. são elemen-
tos vivos e próprios da estrutura espacial urbana, apesar de invisíveis.
Partindo de um plano isotrópico vazio, a colocação de um único objeto
é suficiente para gerar hierarquia e diferenciação: próximo ou distante dele,
ligado ou desligado a ele, à esquerda ou direita, ao Norte ou ao Sul dele, e as-
sim por diante. A cada novo objeto adicionado, a hierarquia e posição relati-
va de todos os previamente existentes são redefinidas. A partir de cada obje-
to, se forma um campo de influência, com um gradiente de força decrescente
a partir dele; a partir de cada par de objetos se forma uma tensão, tão mais
forte quanto mais próximos eles forem, que influencia os arredores segundo
um gradiente decrescente a partir da linha de tensão. Cada novo objeto adi-
cionado na borda do sistema reforça o seu centro, segundo um vetor centrí-
peto; quanto maior a distância entre centro e borda, maior a probabilidade
de ocorrência de concentrações morfológicas fora do centro, segundo um
vetor centrífugo. Quanto maior for o crescimento da periferia, menor será
a duração dos estoques do centro, provocando mudança interna. Essas são
algumas das principais forças internas (quer dizer, próprias do sistema es-
pacial urbano) que melhor explicariam o processo de formação de padrões
locais e exceções globais verificado historicamente.
Fenômenos de diferenciação são muito mais facilmente explicados
pela estrutura espacial, visto que a hierarquia interna dos sistemas urba-
nos conduziria naturalmente à diferenciação morfológica, como corres-
pondente sistêmico da diferenciação espacial. Não obstante, a evolução
das cidades se faz pela acumulação de ações discretas que, salvo em situ-
ações especiais, tende à emulação de ações anteriores já praticadas (ação
de imitação com adaptação ao lugar, ao programa, à técnica, etc.). Nessa

346
perspectiva, ações de conversão de terra para uso urbano (loteamentos) e
de produção de objetos arquitetônicos ocorreriam segundo formas dife-
rentes, em locais diferentes, obedecendo à orientação geral de diferencia-
ção espacial, mas ao mesmo tempo segundo formas semelhantes em cada
local, obedecendo ao princípio da emulação.
Localizações grandemente diferenciadas tenderiam a ser objeto de
agenciamento morfológico de igual maneira agudamente excepcional; lo-
calizações levemente diferenciadas podem ser objeto de ações de agencia-
mento morfológico continuado ao longo do tempo, adquirindo sua carac-
terística excepcional por agregação contínua de elementos discretos. Entre
os primeiros casos, estariam os pontos estratégicos dados pelo sistema vi-
ário, pela topografia, pelos elementos qualificadores da paisagem; entre os
segundos casos, estariam as vias preferenciais de movimento urbano, que
emergem e se reforçam à medida que a cidade cresce.
Forma urbana e configuração espacial estariam, assim, fortemente
inter-relacionadas e em causação circular contínua ao longo do processo
de mudança por que passam as cidades. Forma urbana resulta de projetos,
sejam eles tão pequenos quanto uma simples casa ou tão grandes quan-
to uma cidade inteira; configuração espacial, entretanto, emerge da com-
binação interminável de projetos realizados sobre a cidade, tanto os que
a ampliam na periferia, quanto os que a modificam internamente. Cada
novo objeto é adicionado à cidade em função de determinantes configura-
cionais; em retorno, cada objeto adicionado à cidade muda a sua configu-
ração, propiciando o aparecimento de novos determinantes.

347
REFERÊNCIAS

ALONSO, W. Location and land use: toward a general theory of land rent. Cambridge, Mass: Har-
vard University Press, 1964.
ANAS, A. Dynamics of urban residential growth. Journal of Urban Economics, 5, p. 66-87, 1978.
AYMONINO, C. Il significato delle città. Padova: Marsiglio, 2000.
BATTY, M. Cellular automata and urban form: a primer. Journal of the American Planning Associa-
tion. 63, p. 264-274, 1997.
______. Urban evolution on the desktop: simulation with the use of extended cellular automata. En-
vironment and Planning A. V. 30, n.11, 1998.
______. A New Theory of Space Syntax. London, UK: University College London. Centre For Ad-
vanced Spatial Analysis Publications, CASA Working Paper . v. 75, 2004
______. Cities and Complexity: Understanding Cities with Cellular Automata, Agent- Based Mo-
dels, and Fractals. Cambridge, MA: MIT Press, 2005.
BATTY, M. LONGLEY, P. Fractal Cities: a geometry of form and function. London: Academic
Press, 1994.
BENTLEY, I. et al. Responsive environments. Oxford:.Butterworth-Heinemann, 1994.
BERRY, B. J. L.; HARRIS, C.D. Walter Christaller: an appreciation. Geographical Review. v. 60, n. 1,
p. 116–119, 1970.
BORSDORF, A.; BÄHR, J.; JANOSCHKA, M. Die Dynamick stadtstruckturellen wandels in Latei-
namerika, Geographica Helvetica. v. 57, n.4 , p. 300-310, 2002.
BUHL, J. et al. Topological patterns in street networks of self-organized urban settlements. Euro-
pean Physical Journal B. v. 49, n. 4, p. 513–522, 2006.
BURTON, E. Measuring urban compactness in UK towns and cities; Environment and Planning B.
v. 29, 2002. Planning and Design v. 29, n. 2, p. 219–250.
CANIGGIA, G.; MAFFEI, G. L. Composizione architettonica e tipologia edilizia. Veneza: Marsiglio
Editori, p. 77, 1979.
CASTEX, J. Urgencia e necessidade del analisis urbano. In: PANERAI, P.; DEPAULE, J. ; DEMOR-
GÓN, M. VEYRENCHE (Ed), Elementos de Analisis Urbano. Madrid: Instituto de Estudios de Ad-
ministracion Local, 1983.
CATALDI, C.; MAFFEI, G. L.; VACCARO, P. Saverio Muratori and the Italian school of planning
typology. Urban Morphology. v. 6, n. 1, p. 3-14, 2002.
CONSTANTINOU E.; KRAFTA R. Built Form Change: Randomness and Emergence of Space-Ti-
me Patterns. Proceedings of the International Seminar on Urban Form Ouro Preto, 2007.
COUCLELIS, H. Cellular dynamics: how individual decisions lead to global change. European jour-
nal of operational research. v. 30, 1987.
CRUCITTI, P.; LATORA, V.; PORTA, S. Centrality measures in spatial networks of urban stre-
ets; Physical Review. n. 73, 036125, 2006.

349
CULLEN, G. The concise townscape. London: The Architectural Press, 1961.
DEKKER, A.H.; COLBERT, B. Network Robustness and Graph Topology, Proc. 27th Australasian
Computer Science Conference. Dunedin: NZ, 2004.
ECHENIQUE, M. Urban systems: Toward an explorative model. London: Centre for Environmental
Studies, 1969.
______ . Modelos matemáticos de la estructura urbana. BsSa: SIAP, 1976.
FREEMAN, L. A set of measures of centrality based on betweenness. Sociometry. n. 40, p. 35-41,
1977.
FUJITA, M.; MORI, T. Structural stability and evolution of urban systems, Regional Science and
Urban Economics. v. 27, 1997. 
GAUTHIER, B. The history of urban morphology. Urban morphology. V. 8, n. 2, p. 71-89, 2004.
GOOGLE EARTH – MAPAS website. Disponível em <http://www.google.com/intl/pt-PT/earth/
index.html> Acesso em: 2010.
HAGGET, P.; CHORLEY, R. Network Analysis in Geography. London: Edward Arnold, 1969.
HALL, P. Von Thunen’s Isolated State. Oxford: Pergamon Press, 1966.
HANSEN, W.G. How Acessibility Shapes Land Use. Journal of American Institute of Planning. V. 25,
p. 73-76, 1959.
HARRIS, C.; ULLMAN, E. The nature of cities. Annals of the American Academy of Political and
Social Science, 1945.
HILLIER, B.; BURDETT, R.; PEPONIS, J.; PENN A.; HOUSE W. Creating Life: Or, Does Architectu-
re Determine Anything. Architecture & Behaviour, 1987.
HILLIER, B.; HANSON, J. The Social Logic of Space. Cambridge: Cambridge University Press, 1984.
HOYT, H. The Structure and Growth of Residential Neighbourhoods in American Cities. Washington:
Federal Housing Administration, 1939.
INGRAM, D. R. The concept of accessibility, a search for an operational form. Regional Studies. n.
5, p. 101-107, 1971. 
KIM, B.J.; JUN,T.;KIM, J.Y. CHOI, M.Y. Network marketing on a small-world network. Physica A:
Stat. Mech. Appl., 360, p. 493-504, 2006.
KRAFTA, R. Spatial self-organization and the production of the city. Urbana. v. 24, p. 49-62, 1999.
______. Modelling Intraurban Configurational Development. Environment and Planning B, v. 21,
p. 67-82, 1994.
______. Urban Convergence: Morphology and Attraction. Environment and Planning B, v. 23, p.
37-48B, 1996.
KRUGER, M. J. T. An approach to Built-form connectivity at an urban scale: variations of connecti-
vity and adjacency measures amongst zones and other related topics. Environment and Planning B,
v. 6, p. 305-320, 1979.
______. An approach to Built-form connectivity at an urban scale: relationships between built-
-form connectivity, adjacency measures and the Urban Spatial Structure. Environment and Plan-
ning B, v. 7, p. 163-194, 1980.
KRUGER, M. J. T. An approach to Built-form connectivity at an urban scale: modeling the distribu-
tion of partitions and built-form arrays. Environment and Planning B, n. 8, p. 41-56, 1981.
______. An approach to Built-form connectivity at an urban scale: modeling the disaggregation of
Built-forms by types. Environment and Planning B, v. 8, p. 57-72, 1981.
LÄMMER, S.; GEHLSEN, B.; HELBING, D. Scaling laws in the spatial structure of urban road ne-
tworks. Physica A: 363(1), p. 89-95, 2006.
MARCH, L. The logic of design and the question of value. In: The architecture of form. Cambridge
University Press, 1976.

350
MARTIN, L. The grid as generator, in L Martin, L March (Ed). Urban Space and Structures. Cam-
bridge University Press, 1972.
MARTIN, L.; MARCH, L. Urban Space and Structures. Cambridge University Press, 1972.
MIEZKOWSKY, P. Urban Economics. In: The Palgrave: Dictionary of Economics. London: Mac-
Millan Press, 1989
MINNHAGEN, P.; ROSVALL, M.; SNEPPEN, K.; TRUSINA, A. Self-organization of structures and
networks from merging and small-scale fluctuations, Physica A: Statistical Mechanics and its Appli-
cations n. 340, 2004.
MUSSI, A.; KRAFTA, R. Modelagem da produção do ambiente construído – a influência do mer-
cado imobiliário e da legislação urbana na transformação espacial urbana, X Encontro Nacional da
Anpur. Belo Horizonte, 2003.
NEWMAN, M.; BARABÁSI A.L.; WATS, D. The Structure and Dynamics of Networks. Princeton
University Press, 2006.
 O’SULLIVAN, D. Graph-Cellular automata: a generalized discrete urban and regional model. Envi-
ronment and Planning B, v. 28, 2001.
PARK, R.; BURGESS, E.; MCKENZIE, R. The city. University of Chicago Press, 1925.
PINTO, N.; ANTUNES, A. P. Cellular automata and urban studies, a literature survey, ACE Arqui-
tecture, City and Environment, 1. 2007.
POLIDORI, M. C.; KRAFTA, R. Simulando crescimento urbano com integração de fatores natu-
rais, urbanos e institucionais, GeoFocus. 5 , p. 156-179, 2005. 
PORTA, S.; CRUCITTI, P.; LATORA, V. The network analysis of urban streets: a dual approach. ar-
xiv.org preprint cond-mat/ 0411241, 2004.
PORTUGALI, J. Complexity, cognition and the city. Berlin: Springer-Verlag, 2011.
ROSSI, A. L’ architettura della cittá. Padova: Marsiglio, 1966.
ROSVALL, M. ; SNEPPEN, K. Self-Assembly of Information. In: Networks. Europhys. Lett. 74, p.
1109, 2006.
ROWE, C.; KOETTER, F. Collage city. Cambridge Mass: MIT Press, 1978.
STEADMAN, J. P. Architectural Morphology. London: Pion, 1983.
TEKLENBURG, J. A. F; Timmermans, H. J. P.; van Wagenberg, A. F. Space Syntax: Standardized
integration measures and some simulations. Environment and Planning B, v. 20, p. 347-357, 1993. 
TOBLER, W. R. Cellular geography. In: GALE, S.; OLLSON, G. (Ed) Phylosophy in Geography. Rei-
del: Dordrecht, 1979.
TORRENS, P. How cellular models of urban systems work. CASA working paper. London: Univer-
sity College London, 2001.
WASSERMAN, S.; FAUST, K. Social Network Analysis. Cambridge: Cambridge University Press,
1994.
WHEATON, W. Urban spatial development with durable but replaceable capital. Journal of Urban
Economics, v. 12, 1982.
WHITE, R.; ENGELEN, G. “Cellular automata and fractal urban form: a cellular modelling ap-
proach to the evolution of urban land-use patterns”. Environment and Planning A,  v. 25, n. 8,
p.1175 – 1199, 1993.
WHITEHAND, J. W. R. British urban morphology: the Conzenian tradition.Urban Morphology, v.
5, n. 2, p. 103-109, 2001.
WILSON, A. G. A family of spatial interaction models and associated developments. Environment
and Planning B, v. 3, n. 1, p.1-32, 1971.
WOLFRAM, S. A new kind of Science. USA: Wolfram Media, Inc. 2002.
 

351
Tipologia utilizada no texto: Minion Pro/11,5
Papel Off Set 90g
Impresso

Editora da UFRGS • Ramiro Barcelos, 2500 – Porto Alegre, RS – 90035-003 – Fone/fax (51) 3308-5645 – editora@ufrgs.br
– www.editora.ufrgs.br • Direção: Sara Viola Rodrigues • Editoração: Luciane Delani (Coordenadora), Carla M. Luzzatto, Cris-
tiano Tarouco, Fernanda Kautzmann, Lucas Ferreira de Andrade, Maria da Glória Almeida dos Santos e Rosangela de Mello;
suporte editorial: Jaqueline (bolsista) • Administração: Aline Vasconcelos da Silveira, Getúlio Ferreira de Almeida, Janer Bit-
tencourt, Jaqueline Trombin, Laerte Balbinot Dias, Najára Machado e Xaiane Jaensen Orellana • Apoio: Luciane Figueiredo

View publication stats

Você também pode gostar