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Resenha de Antropologia, Impérios e Estados Nacionais PDF
Resenha de Antropologia, Impérios e Estados Nacionais PDF
pois tanto recobre a maneira como são três entradas, uma mais geral, que pro-
designados pela sociedade, como o mo- blematiza o estatuto e o lugar da reli-
do como o grupo sob questionamento gião na modernidade à luz dos casos
se reconhece. No entanto, para o autor, francês e brasileiro, e outras duas mais
isto não elimina os mecanismos de re- concretas, servindo tanto para interes-
gulação do Estado em relação a ele e a sar os estudiosos do fenômeno “new
essa modalidade de religião, mas ape- age” quanto para engrossar a vasta e
nas expressa outra configuração de que recente lista de trabalhos sobre a “Igre-
a regulação se reveste. A ausência de ja Universal do Reino de Deus”. No pri-
uma legislação geral de regulação das meiro caso, acrescenta a um tema em
religiões pelo Estado brasileiro faz com geral associado a pós-modernidade, um
que todas as iniciativas de monitora- viés voltado para clivagens em um “cam-
mento e controle institucional – iniciati- po minado”, para retomar uma imagem
vas que envolvem atores dos campos de Patricia Birman; e, no segundo, acres-
intelectual, jurídico, religioso e jornalís- centa um olhar diferenciado aos esque-
tico – se realizem nos terrenos específi- mas que vêem a IURD amplificando
cos das diversas conjunturas e modali- certas características de um chamado
dades. Nesse sentido, nem os intelec- neopentecostalismo, preferindo tomá-la
tuais, repercutindo uma agenda estabe- como um caso emblemático que des-
lecida pelo campo social e midiático, al- perta distintas percepções sobre a regu-
cançam um distanciamento da proble- lação do “religioso” no Brasil atual.
mática em que estão inseridos. Ao seu Após finalizar uma densa leitura, fi-
modo acadêmico, mantêm afinidades e ca uma questão ecoando: afora a abor-
participam das mesmas preocupações dagem empreendida por Giumbelli de
de outros campos quanto à necessidade mapeamento da dinâmica do “campo
de enquadramento do fenômeno (:312). de controvérsias” e de sua recolocação
Quanto à questão da regulação do no quadro da problemática entre reli-
religioso pela sociedade moderna, en- gião e modernidade, uma apreciação
quanto na França há coordenação, no mais substantiva e direta dos aspectos
Brasil há dispersão, para lembrar a clás- em jogo (mesmo que, e principalmente,
sica visão gramsciana da “guerra de acadêmica) conseguirá escapar ao cír-
posição” e “guerra de guerrilha”. Com culo inclusivo desse campo?
isso, a IURD multiplica suas pendências
em várias esferas da sociedade, multi-
plicando também sua visibilidade e pa- L’ESTOILE, Benoît de, NEIBURG, Fede-
recendo “estar em toda parte!” rico e SIGAUD, Lygia (orgs.). 2002. An-
O livro resulta em um tratado com tropologia, Impérios e Estados nacio-
suas 456 páginas compactadas e acom- nais. Rio de Janeiro: Relume Dumará/
panhadas por uma profusão de notas FAPERJ. 295 pp.
que indicam esmero e rigor no trabalho
e conectam a argumentação do autor
com múltiplas obras de referência. Em- Heloisa Pontes
bora seja leitura para um público mais Departamento de Antropologia da Unicamp
“interno” ao tema, sua narrativa, por via
da reconstituição de uma seqüência de Faz algum tempo que a expressão ‘et-
conjunturas e fatos, é envolvente e es- nografia do pensamento’ parece ter per-
clarecedora. Pode ser lido a partir de dido a sua conotação herética – tributá-
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ria da idéia algo intranqüila de que ‘so- dêmica. Lygia Sigaud, Federico Nei-
mos todos nativos’ – para se transformar burg e Benoît de L’Estoile, os organiza-
em uma das rotinas de trabalho mais fe- dores dessa mais que bem-vinda cole-
cundas da antropologia contemporâ- tânea, fazem parte desse grupo de an-
nea. Cunhada por Clifford Geertz há tropólogos interessados em desvendar
vinte anos, em seu ensaio “The way we as condições sociais, culturais, intelec-
think now”, ela permitiu a uma parcela tuais, políticas e institucionais que es-
de antropólogos intrigados com os cons- tão na base da constituição da antropo-
trangimentos que perpassam a produ- logia e de sua atualização em cenários
ção do pensamento (e não só dos ‘ou- nacionais ou imperiais diversos.
tros’) a legitimidade intelectual neces- Somando esforços ao que já vem
sária para trazerem para dentro da sua sendo feito no Brasil no campo da socio-
disciplina objetos até então refratários a logia dos intelectuais e da história das
uma abordagem mais etnográfica. Não ciências sociais – ainda que nem sem-
por qualquer característica intrínseca a pre reconhecendo explicitamente o dé-
esses objetos, mas em virtude da de- bito intelectual em relação a esses tra-
marcação das sempre arbitrárias e con- balhos –, os organizadores lançam luzes
tingentes fronteiras disciplinares entre novas na área. No capítulo introdutório,
a antropologia, a sociologia e a história. tornam público o partido teórico e ana-
Assim, se concepções mais alargadas lítico que dá sustentação ao livro. Em
do fazer antropológico, como as enun- primeiro lugar, a idéia de que a com-
ciadas por Merleau-Ponty, entendiam a preensão sociológica da relação dos an-
antropologia não como um recorte ou tropólogos e, por tabela, da antropolo-
campo de investigação particular, mas, gia com o Estado e com os seus círculos
fundamentalmente, como uma maneira dirigentes exige uma abordagem com-
de pensar que se impõe quando o obje- parativa e histórica. Sem isso não é pos-
to é ‘outro’, o certo, porém, é que havia sível pensar o impensado da disciplina
domínios nos quais os antropólogos não nesse domínio, aprisionada que está às
se aventuravam. Entre eles, o da produ- categorias nativas, isto é, dos próprios
ção cultural das elites ‘ocidentais’ e de antropólogos, no uso recorrente e reite-
seus cientistas. rativo que fazem de pressupostos mo-
Verdadeira lufada de ar fresco para rais, assentados ora na denúncia, ora no
muitos, a idéia da etnografia do pensa- engajamento, quando confrontados com
mento parecia, para outros, arrombar a dimensão política que informa, reco-
portas abertas, visto serem seus pressu- bre ou recorta as práticas mundanas e,
postos teóricos e desdobramentos me- em alguns casos, epistemológicas de
todológicos elementares para os prati- sua disciplina. Longe, portanto, de ma-
cantes da sociologia da cultura e do co- nifestações contingentes ou ocasionais,
nhecimento, como bem mostram os tra- esse tipo de relação precisa ser enten-
balhos de Raymond Williams, Norbert dido, segundo os organizadores, a par-
Elias e Pierre Bourdieu – para citar uma tir do seu caráter estrutural, dada a mú-
trinca de primeira linha na área. Quere- tua implicação entre a prática científica
las disciplinares à parte, vale a pena su- e a formação e o funcionamento dos Es-
blinhar, no entanto, o vigor dessa em- tados nacionais ou imperiais. Trata-se,
preitada quando conduzida por antro- portanto, de analisar as condições de
pólogos dispostos a escarafunchar os in- produção da antropologia (e das ciên-
terstícios da produção científica e aca- cias sociais em geral) em relação ao
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ciclopédia chinesa de Borges. Não por- das ciências sociais. Se nunca fora atri-
que ela nos conduza à impossibilidade buída agência às crianças, não é porque
de pensá-la, mas porque nos leva a du- estas fossem meros reprodutores da so-
vidar que seja necessário ainda man- ciedade adulta, mas porque havia um
ter uma única nomenclatura para uma completo desconhecimento das especi-
prática intelectual tão diversa como a ficidades do mundo infantil. Nesse sen-
dela. Em face das gritantes diferenças tido, o livro filia-se explicitamente a um
teóricas, empíricas e institucionais que projeto intelectual em termos do qual as
explicam sua trajetória e atualização – crianças devem ser tratadas como sujei-
e que são tão bem analisadas no livro –, tos sociais completos e interlocutores le-
será que as continuidades ainda são gítimos do pesquisador. A constituição
fortes o suficiente para continuarmos a deste paradigma esteve associada à
insistir na sua identidade disciplinar? proliferação dos estudos sobre crianças
O que há de comum, por exemplo, en- em contextos urbanos, industriais e glo-
tre a antropologia portuguesa no pe- balizados, principalmente na Europa
ríodo do salazarismo – praticada nas (:12-15); procurando estendê-lo, este li-
horas vagas por médicos, biólogos, mis- vro fornece uma porta de entrada aos
sionários, administradores e até mes- estudos sobre crianças em contextos in-
mo militares que se diziam antropólo- dígenas (embora os capítulos bibliográ-
gos – e aquela que, sendo um desdo- ficos da segunda parte falem também
bramento da escola sociológica france- de outros contextos). A primeira parte
sa, de corte universitário e acadêmico, da coletânea é composta por sete arti-
apartou o folclore de seu horizonte? O gos, todos baseados em pesquisa de
que afinal é isto que teimamos em con- campo em sociedades indígenas (Xa-
tinuar a chamar de antropologia no vante, Kaiapó-Xikrin, Guarani, Kaiowá,
singular? Asurini) e orientados pelo projeto de
constituição de uma antropologia da
criança ou da infância.
LOPES DA SILVA, Aracy, NUNES, Ange- Em sete ricos flashes etnográficos,
la e MACEDO, Ana Vera (orgs.). 2002. recolhidos em um longo trabalho de
Crianças indígenas: ensaios antropo- campo (de 1971 a 1995) entre os A’uw?
lógicos. São Paulo: Global. 280 pp. (ou Xavante e Xerente), Aracy Lopes da
Silva discute os processos de aprendi-
zagem, transmissão e expressão do co-
Flávia Pires nhecimento, onde a corporalidade se
Doutoranda, PPGAS/MN/UFRJ revela como um dos mecanismos cen-
trais. Ao dizer, no segundo flash: “Há
O livro Crianças indígenas: ensaios an- sempre o que aprender, e durante a vi-
tropológicos é uma tentativa de romper da toda se aprende” (:43), Aracy contri-
com mais um dos tantos “centrismos” bui para os estudos em que a cultura é
que assombram a antropologia. Se as vista como algo em perene constituição.
crianças foram por tanto tempo tratadas Afinal, não são apenas as crianças que
como adultos em miniatura, isso não se aprendem, mas todos os sujeitos sociais,
deveu a uma característica própria da inclusive os adultos e idosos, como a
infância, mas sim a uma postura “adul- autora bem mostra nesse flash sobre a
tocêntrica”, nas palavras de Angela Nu- experiência corporal em contextos ri-
nes, predominante ao longo da história tuais. O flash número quatro, sobre co-