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CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

H58

A história das barragens no Brasil, Séculos XIX, XX e XXI : cinquenta anos do Comitê Brasileiro de Barragens /
[coordenador, supervisor, Flavio Miguez de Mello ; editor, Corrado Piasentin]. - Rio de Janeiro : CBDB, 2011.
524 p. : il. ; 29 cm

Inclui índice
ISBN 978-85-62967-04-7

1. Barragens e açudes - Brasil - História. 2. Comitê Brasileiro de Barragens - História. I. Mello, Flavio
Miguez de. II. Piasentin, Corrado. III. Comitê Brasileiro de Barragens. III. Título: Cinquenta anos do Comitê
Brasileiro de Barragens

11-6197. CDD: 627.80981


CDU: 627.82(81)

20.09.11 22.09.11 029752


Comitê Brasileiro de Barragens - CBDB Agradecimentos
DIRETORIA CBDB O Comitê Brasileiro de Barragens externa seus agradecimentos
às empresas abaixo relacionadas pelo apoio que possibilitou
Presidente: Erton Carvalho
a confecção deste livro que resume o desenrolar de importante
Vice-Presidente: Fabio De Gennaro Castro segmento da História do Brasil.

Diretor Secretário: Paulo Coreixas Junior


Arcadis Tetraplan S/A
Diretor Técnico: Brasil Pinheiro Machado
Banco Bradesco S/A
Diretor de Comunicações: Miguel Augusto Z. Sória Camargo Corrêa Energia e Construções S/A
Diretor Adjunto: Marcos Luiz Vasconcellos CEMIG - Companhia Energética de Minas Gerais
CESP - Companhia Energética de São Paulo
Diretor Adjunto: Ademar Sérgio Fiorini
CHESF - Companhia Hidro Elétrica do São Francisco
Construtora Norberto Odebrecht S/A
FICHA TÉCNICA Construtora Queiroz Galvão S/A
Construtora Andrade Gutierrez S/A
Coordenador / Supervisor: Flavio Miguez de Mello
COPEL - Companhia Paranaense de Energia
Editor: Corrado Piasentin
DNOCS - Departamento Nacional de Obras Contra as Secas
Projeto Gráfico: Modonovo Design - Marina Hochman Eletrobras - Centrais Elétricas Brasileiras S/A

Diagramação: Modonovo Design - Marina Hochman / Natália Seiblitz Eletronorte - Centrais Elétricas do Norte do Brasil S/A
Engevix Engenharia S/A
Revisão de texto: Margarida Corção
Furnas Centrais Elétricas S/A
Gráfica: Impressul Indústria Gráfica Geobrugg Ag - Protection Systems
Grupo Energia
Intertechne Consultores S/A.
Itaipu Binacional
Jeene Juntas Impermeabilizações Ltda.
Light S/A
Mc Bauchemie Brasil
Mendes Júnior Trading e Engenharia S/A
Norte Energia S/A
Pires Giovanetti Engenharia e Arquitetura Ltda.
Sto Antonio Energia
índice Prefácio

Apresentação
9
12
Síntese do Desenvolvimento da Implantação
das Barragens no Brasil 16
A Comissão Internacional de Grandes Barragens -
Oitenta e Três Anos de Excelência 48
História do Comitê Brasileiro de Barragens 56
Um Século de Obras contra as Secas 66
As Barragens Construídas pelo DNOCS 76
Resumo da História Remota da
Hidroeletricidade no Brasil 88
Usina Hidroelétrica de Marmelos 98
Usina Hidroelétrica de Angiquinho 112
Usina Hidroelétrica de Itapecuruzinho 124

A Light no Rio de Janeiro, 130


a Cidade Luz Sulamericana

A São Paulo Light, Fomentadora de Progresso 142


As Barragens do Departamento Nacional
de Obras de Saneamento - DNOS 150
A História da CHESF, Indutora do
Progresso do Nordeste 166
Furnas no Século XX 188
A Eletronorte e as Barragens da
Região Amazônica
206
A História das Barragens no Paraná 226
Companhia Energética de Minas Gerais - CEMIG 250
Companhia Estadual de Energia Elétrica
do Rio Grande do Sul - CEEE 272
Companhia Energética de São Paulo - CESP 284
Companhia Força e Luz
Cataguazes-Leopoldina - Energisa 292
Companhia Paulista de Força e Luz - CPFL 304
Breve Memória sobre a Usina de Itaipu
1966 - 2010 308
As Pequenas Centrais Hidroelétricas no Brasil 346
A Nova Face das Empresas Estatais
frente à Expansão da Oferta de 354
Energia Hidroelétrica no País

As Barragens de Rejeitos no Brasil:


Sua evolução nos últimos anos 368
A Evolução do Licenciamento Ambiental
de Barragens no Brasil
396
A Evolução da Legislação
Aplicada às Barragens 406
Centros de Pesquisas Tecnológicas
Aplicadas a Barragens - Introdução
412
CEHPAR - 50 Anos de muito Trabalho 414
Centro de Tecnologia de Furnas em Goiânia 426
O Laboratório de Hidráulica HIDROESB - 432
Saturnino de Brito SA
O Instituto de Pesquisas Hidráulicas - IPH 436
O Instituto de Pesquisas Tecnológicas do
446
Estado de São Paulo - IPT
Laboratório de Hidráulica Experimental e 454
Recursos Hídricos de Furnas - LAHE

O Laboratório CESP de Engenharia Civil - 464


LCEC

Anexos
Anexo 1 - Entrevistas
Eduardo Larrosa Bequio 474
Guy Maria Villela Paschoal 477
Hélio Mendes de Amorim 483
João Camilo Penna 485
José Candido Capistrano de Castro Pessoa 488
Luiz Carlos Queiroz 491
Mario Santos 493
Murillo Dondici Ruiz 506
Olavo Augusto Vieira 509

Anexo 2 - Depoimentos
José Gelazio da Rocha e Antônio Dias Leite
512
Anexo 3 - Diretorias do CBDB 514
Anexo 4 - Seminários Nacionais de
Grandes Barragens
516
Anexo 5 - Simpósios sobre Pequenas e
Médias Centrais Hidroelétricas 519
Anexo 6 - Congressos Internacionais e
Reuniões Anuais e Executivas 520
Anexo 7 - Sócios Coletivos e Mantenedores 522
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Prefácio

Em comemoração aos 50 anos de existência do Comitê Brasileiro de Barragens – CBDB – filiado à


International Commission on Large Dams (ICOLD), apresentamos o livro “A História das Barragens no
Brasil - Séculos XIX, XX e XXI”. Pretendemos, assim, registrar a história das barragens brasileiras,
resgatando os principais personagens que contribuíram para o desenvolvimento da nossa engenharia,
envolvendo não só homens públicos, mas também empreendedores do setor privado e pesquisadores.

As barragens surgiram em decorrência da necessidade de se usufruir dos benefícios do uso múltiplo


dos recursos hídricos para a população brasileira. O livro retrata as primeiras barragens construídas
no Nordeste, a partir de 1887, onde o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS)
teve um papel importante com a construção de açudes para irrigação, abastecimento de água das
cidades e pequenos núcleos populacionais. Essa política, que previa a formação de reservatórios no
semi-árido nordestino, teve como uma das principais finalidades a permanência do sertanejo no seu
ambiente natural, amenizando os processos migratórios para a Região Sudeste do País. Além da
contribuição nos métodos construtivos das barragens, principalmente as de maciços de terra, houve
um grande desenvolvimento nas áreas de hidrologia e meteorologia. A SUDENE, dirigida pelo
economista Celso Furtado na década de 1960, implementou um plano de desenvolvimento regional
embasado em estudos dos recursos naturais, envolvendo mapeamentos pedológicos, águas de
superfície e subterrânea, climatologia, hidrologia, piscicultura, entre outras ciências que serviram de
suporte para projetos de irrigação e construção de barragens.

O livro aborda com abrangência o desenvolvimento tecnológico para a construção das barragens
brasileiras a partir de 1950, quando se iniciou o desenvolvimento do setor elétrico brasileiro.
O primeiro trabalho de inventário dos rios da Região Sudeste foi elaborado pela Canambra Engineering
Consultants Limited, grupo de grande competência, que colaborou, juntamente com algumas empresas
brasileiras, na formação dos nossos engenheiros na área de recursos hídricos e projetos de barragens.
No Brasil foram iniciadas as construções de grandes barragens, apoiadas em estudos e projetos
de alta qualidade. Os técnicos brasileiros foram influenciados principalmente pelas organizações
americanas United States Bureau of Reclamation e US Army Corps of Engineers. Paralelamente, para
suporte tecnológico desses empreendimentos, foram criados vários centros de pesquisas, os
quais fazem parte dos pontos importantes abordados nesta publicação. O aparecimento e o
desenvolvimento das empresas construtoras de barragens constituem fatos de grande relevância.
9
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Este livro registra as primeiras hidroelétricas construídas no país, selecionadas por região.
Apresenta, também, uma significativa documentação sobre o Departamento Nacional de Obras
e Saneamento (DNOS) extinto no inicio da década de 1990, o qual realizou vários trabalhos
apreciáveis nas áreas de abastecimento de água, irrigação e geração de energia elétrica, sendo
também responsável pelas obras de controle de cheias em todo país. As empresas subsidiárias da
ELETROBRAS: FURNAS, CHESF, ELETRONORTE e ELETROSUL, bem como as dos estados
de Minas Gerais (CEMIG), São Paulo (CESP), Rio Grande do Sul (CEEE) e Paraná (COPEL),
aparecem documentadas com a história de suas formações, incluindo os empreendimentos
realizados e as respectivas estratégias de desenvolvimento.

A usina de Itaipu Binacional, pertencente ao Brasil e ao Paraguai, está retratada com a sua
história e importância, não só para a geração de energia elétrica, como também para a
integração dos dois países.

Destaca-se na Região Amazônica o relato do projeto e construção da usina de Tucuruí, a maior


hidroelétrica brasileira, dotada de eclusas para a navegação do rio Tocantins, realçando a importância
da Região Amazônica como continuidade do uso dos nossos recursos hídricos.

A preocupação do CBDB em defesa do desenvolvimento sustentável do País está comentada nos


tópicos sobre a evolução do licenciamento ambiental para os empreendimentos hidráulicos, no que
se refere à construção das barragens e seus impactos. A legislação sobre a segurança das barragens,
que faz parte do programa de trabalho do CBDB, é também citada nesta publicação.

Finalmente, este livro é dirigido a um público abrangente, visando, principalmente, o leitor


interessado na história contemporânea do desenvolvimento brasileiro, sem a exigência de que
ele seja possuidor de conhecimentos técnicos sobre o tema.

Erton Carvalho Presidente do CBDB

10
Reservatório de Tucuruí
CINQUENTA ANOS DO COMITÊ BRASILEIRO DE BARRAGENS

Apresentação
“Águas são muitas, infinitas... E em tal maneira é grandiosa que,
Flavio Miguez de Mello
querendo, a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que
tem.” Pero Vaz de Caminha, 1500.

Com a proximidade do cinquentenário do Comitê Brasileiro de de que está sendo feito todo o esforço, envolvendo todos os atores, para
Barragens CBDB surgiu, em reunião do Conselho Deliberativo, que a implantação de Belo Monte seja um sucesso de sustentabilidade
a proposta do engenheiro Manuel de Almeida Martins de que social e ambiental.”
se editasse um livro comemorativo versando sobre a história da
engenharia de barragens no Brasil. A proposição foi aceita com No início dos trabalhos, a Diretoria do CBDB emitiu uma circular
entusiasmo, cabendo a mim a tarefa de produzir o livro e publicá-lo a todos os sócios comunicando a intenção de publicar este livro e
no aniversário de cinquenta anos do CBDB, em outubro de 2011. incentivou os associados a se apresentarem como voluntários na
Outras entidades publicaram livros de escopo semelhante: a ABMS preparação dos diversos capítulos que haviam sido programados.
publicou Cinquenta Anos de Geotecnia em 2000 e a ABGE publicou Como voluntários não apareceram, e como o assunto a ser abor-
a Edição Comemorativa dos Trinta Anos, em 1998. dado no livro é demasiadamente extenso no tempo, superando
um século, e no espaço, por abranger o vasto território nacional,
Este livro é lançado em difícil momento para os investidores, tive que selecionar alguns voluntários que gentilmente aceitaram
estatais e privados, em empreendimentos para qualquer das di- a tarefa e desempenharam a função de redatores com maestria
versas finalidades de barragens dadas às vigentes dificuldades de e objetividade. Entretanto, mesmo assim, como são muitos os aspec-
aprovação, licenciamento e distorções legais que propiciam prio- tos enfocados, o livro acabou apresentando uma certa concentração
rização soluções mais poluentes, de questionável segurança e de de capítulos em um autor.
menor economicidade. A propósito, cabe realçar as palavras de
Paulo Skaff, presidente da FIESP ao analisar as tendências Ao iniciar a tarefa me deparei com grandes dificuldades provenien-
atuais (2011) do setor elétrico: “O Brasil assiste a desqualificação de tes das importantes perdas para a Profissão de inúmeros expoen-
suas fontes de energia mais competitivas e abundantemente disponíveis. Essa tes da engenharia nesses pouco mais de dez anos que separam as
distorção já contaminou a legislação ambiental brasileira e, mais recentemente, publicações das outras associações da edição do livro do CBDB.
comprometeu o planejamento energético. O Brasil está desperdiçando impor- Essas perdas de quase uma geração inteira de notáveis pioneiros
tantes potenciais hídricos ao limitar, emocionalmente, o dimensionamento dos dos tempos das mais importantes conquistas tecnológicas e da
reservatórios das barragens.” No mesmo sentido, a ministra Miriam fase pioneira da implantação de grandes barragens para as mais
Belchior, do Planejamento alertou (2011): “Acreditamos que será diversas finalidades bem como da época das grandes dificuldades
possível, de fato, Belo Monte ser um exemplo de implantação de usina hi- para identificação, planejamento, projeto, construção e operação
droelétrica na Região Amazônica ... exceto os que tenham uma posição de barragens e reservatórios, fizeram com que a tarefa se tornas-
ideológica e não técnica (sobre meio ambiente), os demais serão convencidos se árdua em função da busca de documentos, relatórios, foto-
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A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

grafias e depoimentos que formassem as bases para o relato de os engenheiros Flavio H. Lyra, John R. Cotrim, Léo A. Penna,
uma história de mais de um século de conquistas que merecem Arthur Crocchi, E. Von Ranke, Victor F.B. de Mello, Carlos Al-
registro. Os que atualmente atuam em implantação de barragens berto Pádua Amarante, Epaminondas Mello do Amaral Filho,
podem não imaginar que, por exemplo, para visitar pela primei- Theophilo Benedicto Ottoni Netto, Antônio José da Costa Nunes,
ra vez o local da hidroelétrica de Salto Grande em Minas Gerais, Francisco de Assis Basílio, José Machado e José Cândido Castro
o engenheiro John Cotrim gastou duas semanas a cavalo. Parente Pessoa com os quais tive oportunidades de angariar va-
liosos depoimentos sobre aspectos de vivências profissionais pas-
Por sorte tive o privilégio de conviver profissionalmente com sadas. Com vários outros atores do passado tive contatos menos
alguns dos mais destacados atores daquele período e que já nos extensos, mas de elevado interesse no relato de experiências pro-
abandonaram. Estive com alguns desses atores com frequên- fissionais tais como Mário Penna Bhering, César Cals de Oliveira
cia em certas longas fases do exercício profissional tais como Filho e consultores como Manuel Rocha e Porland Port Fox.

Usina hidroelétrica Serra do Facão


14
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Desses contatos pude extrair há anos, informações de elevado creditáveis dadas as atuais delongas e dificuldades legais, de aprova-
conteúdo histórico, algumas das quais relato neste livro. Esses ção, de concessão e de licenciamento ambiental, além de oposições
contatos, dos quais guardo recordações as mais preciosas, foram dos auto-proclamados ambientalistas nacionais e estrangeiros.
em parte devidos à minha atuação profissional na engenharia,
à minha atuação na Universidade e às minhas atividades no Com uma longa história tão rica a ser resumida num espaço tão
CBDB e em outras entidades técnicas. No CBDB, embora não curto, o livro inevitavelmente contém omissões pelas quais des-
seja o mais velho, devo certamente ser o mais antigo por ter sido de já peço desculpas. Não foi possível mencionar todos os atores
chamado muito jovem a apoiar as atividades em sua sede. Prova- e relatar todas as inúmeras atividades de implantação de barragens
velmente foram esses fatores que levaram o Conselho do CBDB a que ocorreram por mais de um século nesse tão vasto território
me indicar como responsável pela edição desse livro. Alguns relatos nacional. Presentemente, só considerando as grandes barragens,
apresentados em capítulos deste livro foram obtidos diretamente no Brasil há bem mais de mil dessas estruturas em operação
desses contatos dos que nos precederam na Profissão. O livro e, se consideradas as barragens de rejeitos, ultrapassa-se a casa
foi enriquecido com textos, entrevistas e informações de al- das duas mil grandes barragens.
guns dos mais destacados profissionais que atuam na engenharia
de barragens em nosso País. O presente livro é resultado do apoio e do incentivo de muitas pes-
soas entre as quais cabe destacar especialmente a constante com-
Procurei congregar neste livro narrativas sucintas, porém objetivas, de preensão e apoio de minha esposa, das quatro filhas que passaram
todas as principais atividades que resultaram na implantação de tantas mais de um ano sem minha participação em atividades de fins de
barragens que trouxeram progresso e bem estar ao nosso povo desde semana. Agradeço também aos dirigentes e funcionários do CBDB,
o Século XIX. Considerando que a história recente é mais conhecida o editor Corrado Piasentin, a revisora de texto Margarida Corção
por aqueles que acessarem esse livro, é de se notar que há, em quase e o conselheiro Aurélio Alves de Vasconcelos, presentes e atuantes
todos os capítulos, uma ênfase maior na história remota, de mais difícil desde a primeira hora. Agradecimentos são devidos aos autores
caracterização. Dessa forma há uma ênfase nas primeiras barragens para dos capítulos e aos entrevistados que contribuíram decisivamente
saneamento, para controle de cheias e, principalmente, para combate para a viabilização do livro. Cabe ainda agradecer os importantes
às trágicas consequências ocasionadas pelas secas e para produção de apoios recebidos de diversos profissionais entre eles Alberto Jorge
energia elétrica. Sobre esse aspecto há um capítulo resumindo as primei- C. T. Cavalcanti, Alberto Sayão, Ana Teresa Ponte, André Luiz Fa-
ras hidroelétricas nas diversas regiões do País, com destaque para as biani, Carlos Henrique Medeiros, Carlos Mazzaro, Cleber José de
primeiras usinas hidráulicas para fornecimento público de energia Carvalho, Delphim Mazon Fernandes, Flavio Pilz, Fernando Pires
elétrica: Marmelos no Sul-Sudeste, construída ainda no Século XIX de Camargo, Gisele Miranda Gomes Reis, Gualter Pupo, Gustavo
por Bernardo Mascarenhas, Angiquinho implantada no Nordeste Nasser Moreira, Heloisa Ottoni, Henrique Frade, Hilton Ahiran da
por Delmiro Gouveia e Itapecuruzinho, implementada na Re- Silveira, John Denys Cadman, José Carlos de Miranda Reis Neto,
gião Amazônica por Newton Carvalho, pai do atual presidente Jerson Kelman, João Paulo Maranhão Aguiar, José Gelazio da Rocha,
do CBDB, engenheiro Erton Carvalho. O relato mais detalhado José João Rocha Afonso, Julia Ferrer Leal de Araujo, Leila Lobo de
dessas barragens pioneiras retrata a imagem das imensas dificul- Mendonça, Mair Melo Andrade, Margaret Rose Mendes Fernandes,
dades logísticas de acesso, de obtenção de materiais e de aqui- Nicole Schauner, Og Pozzoli, Paulo Coreixas Jr., Ricardo Ivan Bicu-
sição de equipamentos. Mesmo assim, os que nos precederam do, Rosana Libânio, Sandra Pereira, Sérgio Pimenta, Simone Idalgo
conseguiram, nas mais adversas condições, implantar barragens e Machado, Talvani Hipólito Nolasco Filho, Teresa Malveira, Vânia
hidroelétricas em até menos de um ano, prazos presentemente ina- Rosa Costa, Viviani Siqueira Vecchi e Walton Pacelli de Andrade.
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16
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

“We trust that the results of the study will help the
power industry of South Central Brazil to develop on
Síntese do Desenvolvimento
a sound basis in the years that lie ahead.”
da Implantação das
Barragens no Brasil

“Acreditamos que os resultados do estudo auxiliarão nos anos
vindouros o desenvolvimento da indústria de geração do Centro-Sul
do Brasil sobre uma base sólida”

John K. Sexton, engenheiro chefe da Canambra, 1966.

Flavio Miguez de Mello

O País e seus recursos hídricos A parte central da Região Amazônica é cortada de oeste para leste
pelo rio Amazonas, o mais caudaloso e mais longo rio do mun-
do, com uma descarga média superior a 200.000 m³/s, formado
O Brasil é um território contínuo de forma quase quadrada, a
por dois grandes rios, o Solimões que drena os Andes peruanos
maior parte do qual se situa no hemisfério sul, desde 4° de latitude
e bolivianos e o Negro. Os mais importantes tributários desses
norte a 33º de latitude sul e de 40 º a 75º de longitude oeste, compre-
rios e os rios da bacia do rio Tocantins que flui de sul para norte,
endendo 8,5x106 km². Esse grande território tem uma longa fron-
constituem-se nos grandes recursos hídricos do norte do Brasil,
teira com todos os países da América do Sul à exceção do Equador
apresentando descarga específica média de 35 l/s.km².
e do Chile, com uma extensa costa banhada pelo Oceano Atlân-
tico ao longo de 8.500 km. O País abriga a quinta maior popula-
A leste desta região encontra-se a região semi-árida do nordeste
ção do mundo. A maior parte dos seus 190 milhões de habitantes
brasileiro cujos rios são em geral intermitentes, podendo apre-
vive na Região Sudeste onde as maiores cidades estão localizadas.
sentar descargas específicas médias tão baixas quanto 3 l/s.km².
Nessa área, denominada Polígono das Secas, a incidência solar
Como o País é de tão grande superfície, há diferentes aspectos natu-
supera as 3000 horas por ano, a precipitação média anual pode ser
rais tais como, por exemplo, a quantidade e frequência de precipita-
de 400 mm ou menos. Nessa área a evaporação média pode atingir
ções, os recursos hídricos, o clima, a geologia, o relevo e a vegetação.
2000 mm/ano e, juntamente com evapotranspiração, pode
O ambiente varia das planícies alagadas da Amazônia Equatorial e
ser responsável pelo consumo de até 92% das precipitações. A pe-
do Pantanal ao Planalto Central, da cadeia de montanhas próximas
quena espessura da cobertura de solo faz com que haja dificuldade
à costa no Sudeste até as planícies do Sul e do Meio Oeste, variando
em reter a umidade e, como o substrato cristalino é pouco permeável,
de áreas úmidas ao vasto semi-árido do interior do Nordeste.
só é possível acumular águas subterrâneas em regiões de rochas
com fraturas profundas, sendo geralmente esta água insuficiente e
Barragem de finalidades múltiplas de Pedra de baixa qualidade. Quase todos os rios do Nordeste, com exceção
do Cavalo no rio Paraguaçu na Bahia dos rios São Francisco (que é proveniente do Sudeste) e Parnaí-
ba, têm regime intermitente em pelo menos parte de seus cursos.
17
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Nesses rios intermitentes, no caso de barragens não muito altas, o


tratamento de fundação pode ser feito na primeira estação seca du-
Um olhar para o passado remoto
rante a construção e a barragem construída durante a estação seca
A mais antiga barragem que se tem notícia em território bra-
seguinte, muitas vezes sem requerer estruturas de desvio e ensecadeiras.
sileiro foi construída onde hoje é área urbana do Recife, PE,
possivelmente no final do Século XVI, antes mesmo da invasão
No resto do País as descargas específicas variam de 12 l/s.km²
holandesa. Conhecida presentemente como açude Apipucos,
a 30 l/s.km².
aparece em um mapa holandês de 1577. Apipucos na língua tupi
significa onde os caminhos se encontram. A barragem original
Nos últimos 40 anos o País tem participado intensamente da econo-
foi alargada e reforçada para permitir a construção de uma im-
mia internacional, variando entre a oitava e a décima maior econo-
portante via de acesso ao centro do Recife. Há referências tam-
mia do mundo. As secas no Nordeste e o desenvolvimento do País
bém ao dique Afogados construído no rio Afogados, um braço
foram os fatores determinantes para a implantação do grande nú-
do rio Capiberibe, por Harman Agenau por 6000 florins para
mero de barragens construídas desde a última década do século XIX.
acesso a um forte também na atual região urbana do Recife.
O dique tinha três metros de altura e cerca de 2 km de extensão,
tendo sido concluído em dezembro de 1644; em 1650 sofreu
transbordamento por ocasião de uma grande cheia, tendo cola-
psado em vários pontos.

Figuras 1a e 1b - Barragem de Apipucos na cidade do Recife. A mais antiga barragem


que se tem registro no Brasil

18
CINQUENTA ANOS DO COMITÊ BRASILEIRO DE BARRAGENS

As obras contra as secas Centenas de barragens foram construídas desde a Grande Seca no
Nordeste. Na primeira década do século XX uma membrana de
alvenaria ou de concreto era usualmente usada como elemento
O ano de 1877 foi o início da maior tragédia nacional devido a
impermeabilizante interno de barragens de terra. A pequena al-
fenômeno natural: A Grande Seca no Nordeste com duração
tura das barragens e a rocha sã nos leitos dos rios minimizavam a
superior a três anos deixou cicatrizes que até hoje são nítidas.
necessidade de tratamento de fundação. A rocha sã em geral en-
O estado do Ceará, uma das áreas mais atingidas, na época com
contrada nas ombreiras, em vários projetos, conduziu à adoção de
1,5 milhão de habitantes, perdeu mais de um terço da sua popula-
vertedouros de superfície simplesmente escavados em rocha sã.
ção de maneira trágica, tendo sido palco de migrações em massa
Os anos 50 e 60 do século passado foram os anos dourados na cons-
de flagelados. Somente a partir de meados dos anos oitenta do
trução de barragens para combate às secas. No final do Século XX
século passado passou-se a saber que as secas são devidas ao
o DNOCS executou sua última barragem, Castanhão cuja finalidade
fenômeno conhecido por El Niño no Pacífico Sul. Muitos anos
principal foi o abastecimento de água da cidade de Fortaleza.
antes, outro intenso El Niño foi responsável pela retirada dos
invasores holandeses de onde é hoje a costa do Ceará. Em 1880,
logo após a Grande Seca, o Imperador D. Pedro II que esteve
na área atingida, nomeou uma comissão para recomendar uma
solução para o problema das secas no Nordeste. As principais
recomendações foram a construção de estradas para que a popu-
lação pudesse atingir o litoral e a construção de barragens para
suprimento de água e irrigação no Polígono das Secas cuja área
é superior a 950.000 km². Isso marcou o início do planejamen-
to e projeto de grandes barragens no Brasil. A primeira dessas
barragens foi Cedros, situada no Ceará e concluída em 1906.

Figura 2 - Barragem de Cedros, uma das duas mais


antigas grandes barragens do Brasil (1906)

Figura 3 – Barragem de Castanhão para


abastecimento de água à cidade de Fortaleza, CE

Recentemente foi lançado o projeto de derivação de parte das des-


cargas do rio São Francisco para o Polígono das Secas. Esse gran-
de rio que nasce na Região Sudeste em Minas Gerais, tem no seu
trecho inferior uma descarga média de longo termo de cerca de
2000 m³/s. No seu estágio final a derivação será de 3,2% desta des-
carga para as regiões de seca. Serão construídas diversas barragens,
diques, canais, estações de bombeamento e casas de força para
19
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

geração de energia. Serão bombeados 63,5 m³/s do rio São Fran- dessas unidades estão sendo agora reabilitadas e repotencia-
cisco. Durante as estações chuvosas na bacia do rio São Francisco das. As primeiras grandes barragens do País foram Cedros
poderão ser bombeadas até 127 m³/s . acima mencionada e Lajes, que entrou em operação em 1906
no estado do Rio de Janeiro com o objetivo de derivar as
A maioria das grandes barragens do Brasil (pela classificação da águas do ribeirão das Lajes para da usina de Fontes no Rio de
CIGB) encontra-se na Região Nordeste, a maior parte delas em Janeiro, na época uma das maiores do mundo.
aterro compactado, sem serem muito altas.
Em 1934 o decreto federal nº 24643 conhecido como Código de

As primeiras barragens para produção Águas e o cancelamento da cláusula ouro que protegia as empre-
sas concessionárias dos efeitos da desvalorização da moeda nacio-
de energia elétrica nal, passaram a desencorajar diretamente os investidores do setor
elétrico. Devido à contenção tarifária e à fragilidade do capital
Nas regiões Sul e Sudeste a implantação de barragens foi prin- nacional, passou a haver insuficiência de oferta de energia nas
cipalmente direcionada para produção de energia elétrica. No décadas seguintes. Os danos ao progresso da Nação foram inten-
final do Século XIX começaram a ser implantadas pequenas sos e irrecuperáveis, tendo sido causado intenso estrangulamento
usinas para suprimento de cargas modestas e localizadas, to- na expansão de oferta de energia elétrica. Esse estrangulamen-
das com barragens de dimensões discretas. A primeira usina to fez com que o governo federal e alguns governos estaduais
da Light entrou em operação em 1901, no rio Tietê, para su- criassem empresas de energia elétrica. Assim, o setor elétrico foi
primento de energia elétrica à cidade de São Paulo. Inicialmen- aos poucos sendo estatizado.
te denominada Parnaíba e depois Edgard de Souza, a usina,
quando inaugurada, tinha 2 MW instalados; sua barragem ori- Logo após a II Guerra Mundial, a Light, concessionária da mais
ginal com 12,5 m de altura, era de alvenaria de pedra consti- desenvolvida região do País, construiu diversas barragens e
tuída por grandes blocos de rocha gnáissica solidarizados com grandes casas de forças subterrâneas no Rio de Janeiro e em
argamassa, sendo, em grande parte de sua extensão, um verte- São Paulo. Para esses empreendimentos consultores individu-
douro de soleira livre. Em 1954 a antiga usina foi substituída por ais prestaram importante apoio tais como Karl Terzaghi, Arthur
unidades de recalque e a barragem alteada para 18,5 m através Casagrande e Portland Port Fox.
de reforços em contrafortes e com vertedouro com três compor-
tas de segmento de capacidade conjunta de 800 m³/s. No final Desde o início dos anos cinquenta as concessionárias estatais pas-
do século passado, em função das intensas alterações nos co- saram a se concentrar em empreendimentos de grandes vultos.
eficientes hidráulicos de sua área de drenagem devido à ur- Por esse motivo as mais importantes contribuições no sentido de
banização da cidade de São Paulo e das cidades vizinhas, o desenvolvimento de tecnologias de projeto, construção e opera-
vertedouro foi redimensionado com considerável acréscimo de ção de barragens são principalmente devidas à implantação de
capacidade. Até os anos cinquenta todas as empresas de energia hidroelétricas. Em 1960, devido à desastrosa e desastrada políti-
elétrica eram privadas e as suas usinas eram situadas principal- ca de restrição tarifária iniciada pelo Código de Águas que incluiu
mente nas regiões Sul e Sudeste. A maior parte das barragens o não reconhecimento de remuneração de capital empregado em
eram estruturas de concreto gravidade ou de alvenaria de pe- obras de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica,
dra, não muito altas. Presentemente (2011) há 1206 MW ins- a capacidade instalada no território nacional era de apenas 5.000 MW,
talados em hidroelétricas de mais de 50 anos de idade. Muitas dos quais 3.700 MW provinham de hidroelétricas.
20
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Figura 4 – Barragem e reservatório de Lajes, uma das duas

A evolução do conhecimento dos recursos grandes barragens mais antigas do Brasil (1906)

hidroenergéticos. O legado da Canambra suprimento de energia elétrica às mais importantes regiões no Rio de
Janeiro e em São Paulo, efetuava estudos dispersos, tendo inclusive
Na primeira metade do século passado, dada a escassez de mapea- atingido as Sete Quedas, sem o conhecimento dos potenciais do rio
mento e as dificuldades logísticas, os recursos hídricos em território Grande e do rio Paranaíba, muito mais próximos. Nessa época, John
brasileiro eram pouco conhecidos e não tinha havido ainda estudos Cotrim, diretor técnico da Cemig, organizou uma expedição pelo rio
sistemáticos que posteriormente, a partir dos anos sessenta, passaram Grande entre dois potenciais conhecidos: os locais das usinas de Itu-
a ser designados por estudos de inventário. A Light, responsável pelo tinga e de Peixoto. Nessa expedição foi identificado o local de Furnas
21
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

que posteriormente deu origem à empresa de mesmo nome. A desco- o que demandou aerofotografias de uma área de 516.000 km². Fo-
berta desse potencial causou espanto no meio técnico da época. Como ram identificados como viáveis potenciais que somados atingiram
reflexo desse levantamento veio o objetivo da Cemig de efetuar um 40.000 MW. Os estudos de inventário constituíram-se em atividade
levantamento dos recursos hidroenergéticos de Minas Gerais. A Cemig sem precedente, tendo direcionado o desenvolvimento hidroener-
solicitou apoio financeiro ao Programa das Nações Unidas para o gético da região. Nas fases posteriores de implantação das usinas, a
Desenvolvimento (UNDP sigla em inglês). Ao abrigo desse recurso maioria esmagadora dos estudos realizados pela Canambra foi
financeiro, Cemig assinou, em 2 de novembro de 1962, um con- posteriormente aprofundada nas etapas sucessivas de projeto den-
trato com a Canambra Engineering Consultants, um consórcio entre as tro das diretrizes inicialmente estabelecidas. O relatório final foi
empresas consultoras canadenses, Montreal Engineering Company Ltd. entregue por J.K. Sexton, diretor da Canambra, a John Cotrim,
e G.E. Crippen & Associates Ltd. e a americana Gibbs & Hill Inc., para chefe do Comitê de Direção dos Estudos, em dezembro de 1966.
que fosse realizado o inventário dos recursos hidroenergéticos em
Minas Gerais. Com a sugestão do Banco Mundial que atuou nesse inven- Considerando o sucesso dos estudos desenvolvidos na Região Su-
tário como agente executivo do UNDP, de estender os estudos à toda deste, a Canambra foi contratada para efetuar estudo de mesmo es-
Região Sudeste considerando a importância desses estudos para a copo para a Região Sul. Posteriormente, nos anos setenta, empresas
otimização dos investimentos em geração de energia elétrica e como nacionais realizaram estudos de inventário hidroenergéticos nas regi-
todos os rios que nascem em Minas Gerais atravessam outros estados, ões Norte e Nordeste. A partir dos anos oitenta os estudos anteriores
o governo federal se interessou vivamente pela iniciativa da Cemig e, começaram a ser revisados e densificados em quase todo o território
em 3 de junho do ano seguinte, os estudos foram estendidos à toda a nacional. Progressivamente as condicionantes ambientais foram
Região Sudeste através de um contrato assinado entre a Canambra e ganhando espaço nas definições de projetos em inventários. Um
Furnas. Para tanto, o ministro Gabriel Passos das Minas e Energia e os exemplo típico foi a revisão do inventário do rio Paraibuna em Minas
governadores dos estados de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro Gerais que havia sido feito nos anos oitenta. A partir de poucos anos
e Guanabara assinaram em 1 de março de 1963 o Plano de Opera-
ção. Inicialmente conhecido como ONU-Cemig, os estudos passaram
a ser conhecidos como Canambra. Com esse propósito, o UNDP
disponibilizou recursos da ordem de US$ 2,7 milhões, havendo a contra-
partida em moeda nacional no equivalente a US$ 3,8 milhões.

Três grupos foram formados, um em Belo Horizonte, um em São


Paulo e um no Rio de Janeiro. Os dois primeiros grupos acima mencio-
nados desenvolveram o inventário dos recursos hidroenergéticos em
relatórios independentes e o grupo sediado no Rio de Janeiro usou
os resultados obtidos adicionados a investigações de outras possíveis
fontes geradoras, inclusive termoelétricas a carvão, a óleo e usinas
nucleares, para formatar o programa final de desenvolvimento ener-
gético da Região Sudeste. A área total investigada foi de 1,1 milhão
de quilômetros quadrados cobrindo 28.000 km de rios, usando
3.700 horas de voos de reconhecimento, englobando 510 locais de
Figura 5 – Grupo de Minas Gerais da Canambra trabalhando
barragem dos quais 264 foram levantados com melhor precisão, no escritório central da Cemig
22
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

após seu término, os projetos que pelas exageradas dimensões de


seus reservatórios inundariam centros urbanos e grandes extensões
de obras de infraestrutura viária, foram progressivamente alterados
para reservatórios de menores dimensões, maior número de usinas
com quedas mais modestas e pequenos trechos inaproveitados. Fo-
ram definidos os aproveitamentos de Picada, Sobragy, Cabuy, Monte
Serrat, Bonfante e Santa Fé com pequenas áreas inundadas. Apesar
de pequena perda energética em relação à partição de queda proposta
nos anos oitenta, os empreendimentos passaram a ser econômica e
ambientalmente viáveis, tendo sido implantados a partir do início dos
anos noventa. Na usina que fica mais a jusante foi possível a compati-
bilização inédita do aproveitamento energético com a canoagem, qua-
se sempre objetivos antagônicos. Durante os dias de fim de semana,
feriados e noites de lua cheia, são liberados para a canoagem pela bar-
Figura 6 - John Cadman fotografado por John Cabrera, atolados na beira ragem de derivação a descarga de 50 m³/s, ideal para a prática da cano-
do rio, mostrando as dificuldades logísticas durante os levantamentos de
campo efetuados pela Canambra agem, garantindo melhores condições do que as condições naturais.

7a

7b

Figura 7a - PCH Monte Serrat no


rio Paraibuna, Rio de Janeiro e
Minas Gerais
Figura 7b - PCH Bonfante
no rio Paraibuna, Rio de Janeiro
e Minas Gerais
Figura 7c - PCH Santa Fé
no rio Paraibuna, Rio de Janeiro
e Minas Gerais
Figura 7d – Rafting no rio
7c Paraibuna sobre a soleira vertedora da 7d
barragem de derivação de Santa Fé
23
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Influenciada por essas alterações, a ANEEL contratou a Es- torná-los ambientalmente viáveis. Dentre os aproveitamentos
cola Politécnica da UFRJ em 2000 para reestudar toda a bacia de baixa queda destacam-se as PCHs gêmeas Queluz e Lavri-
do rio Paraíba do Sul com atenção especial aos impactos am- nhas, assim denominadas por terem todos os equipamentos
bientais, a menos das usinas existentes ou aprovadas entre as idênticos. Essas PCHs, com 30 MW cada, construídas no rio
quais o complexo de Simplício. Dessa revisão dos inventários Paraíba do Sul a montante do reservatório do Funil, foram
existentes resultou o projeto de mais de cinquenta novos apro- concluídas em 2011 e tiveram seus reservatórios condicionados
veitamentos, em sua maioria esquemas de baixa queda para pela infraestrutura viária do local.

Figuras 8a e 8b – PCH Queluz antes e depois do enchimento do reservatório. Em primeiro plano a ferrovia de concessão da MRS
e ao fundo a ponte da rodovia Presidente Dutra BR-116

Figuras 9a e 9b - PCH Lavrinhas antes e depois do enchimento do reservatório. Em primeiro plano a ferrovia de concessão da MRS
e ao fundo a rodovia Presidente Dutra BR-116
24
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Alterações nos critérios tarifários e a Figura 10 – Local da usina hidroelétrica de Furnas no início de sua construção.
A partir da esquerda Flavio H.Lyra, Juscelino Kubitschek de Oliveira,
consequente ampliação de implantação John R. Cotrim, Benedito Dutra e outros. Todos olhando para o fotografo
a menos de Flavio H. Lyra preocupado com a concepção do projeto
de hidroelétricas
Nos anos sessenta e setenta, devido ao estabelecimento do cri- Nos anos oitenta e noventa um menor número de hidroelétricas entra-
tério da verdade tarifária introduzido no início do governo Cas- ram em operação devido à carência de recursos financeiros das estatais
telo Branco por Bulhões de Carvalho e Roberto Campos, um causada principalmente pelos impactos na economia nacional devi-
impressionante número de grandes hidroelétricas foram constru- dos aos dois choques do petróleo e a crescente inflação. Entretanto, a
ídas e entraram em operação, algumas das quais entre as maiores concentração de investimentos em poucos, mas grandes empreendi-
do mundo na época. mentos, continuou, resultando no que mostra a tabela a seguir.
25
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

TABELA 1
Maiores Hidroelétricas em Operação em 2011

Hidroelétrica Potência Região Tipo de Barragem


(MW)
Tucuruí 8.370 N TE/CG
Itaipu (Brasil) 7.000 S GA/CG/CT/ER/TE
Ilha Solteira 3.444 SE/CO TE/CG
Xingó 3.162 NE BEFC
Paulo Afonso IV 2.462 NE TE/CG
Itumbiara 2.082 SE/CO TE/CG
São Simão 1.710 SE/CO TE/CG
Foz do Areia 1.676 S BEFC Figura 11 – Casa de força e vertedouro da usina hidroelétrica de Tucuruí
Jupiá 1.551 SE/CO TE/ER/CG
Porto Primavera 1.540 SE/CO TE/CG
Itá 1.450 S BEFC
Itaparica 1.479 NE TE/CG
Marimbondo 1.440 SE TE/CG
Salto Santiago 1.420 S ER
Água Vermelha 1.396 SE TE/CG
Segredo 1.260 S BEFC
Salto Caxias 1.240 S CCR
Furnas 1.216 SE ER
Emborcação 1.192 SE/CO ER
Figura 12 – Usina hidroelétrica de Salto Santiago no rio Iguaçu
Salto Osório 1.078 S ER
Sobradinho 1.050 NE TE/CG
Estreito 1.050 SE ER

Legenda:
N Região Norte
S Região Sul
SE Região Sudeste
NE Região Nordeste
CO Região Centroeste
TE barragem de terra
ER barragem de enrocamento com núcleo de terra
BEFC barragem de enrocamento com face de concreto
CG barragem de concreto gravidade
CCR barragem de concreto compactado com rolo
GA barragem de concreto em gravidade aliviada
CF barragem de concreto em contrafortes
Figura 13 – Usina hidroelétrica de Itá em final de construção
26
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Extensos reservatórios foram criados para algumas dessas grandes


hidroelétricas. Tais reservatórios passaram a propiciar benefícios de
regularização de vazões e, consequentemente, otimização de operação
e confiabilidade no suprimento de energia elétrica.

TABELA 2
Maiores Reservatórios

Barragem Área (km²) Volume (km³) Extensão (km)


Sobradinho 4.214 34 350
Tucuruí 3.007 50 170
Balbina 2.360 17 225
Porto Primavera 2.250 20 250
Serra da Mesa 1.784 54 116
Itaipu* 1.350 29 170
*Incluindo a parte do reservatório sobre território paraguaio. Figura 14 – Usina hidroelétrica de Sobradinho.
Reservatório de maior área do Brasil

Figura 15 – Reservatório
da usina hidroelétrica de
Serra da Mesa, o de
maior volume do Brasil

27
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Desde pouco antes do início dos anos oitenta o governo federal para concessões têm sido processado pela ANEEL. Uma em-
e os governos estaduais passaram a enfrentar grandes dificulda- presa federal (EPE - Empresa de Pesquisa Energética) foi criada para
des para prover recursos necessários para a implantação de novas o desenvolvimento do planejamento do setor elétrico. Presen-
usinas e de sistemas de transmissão. Um dos casos extremos ocor- temente empresas de geração, de transmissão, de distribuição,
reu na implantação da hidroelétrica de Emborcação que, perante de comercialização e outros investidores são encorajados a im-
à reiterada ameaça da Eletrobras em não cumprir o contrato de fi- plantar usinas de geração e sistemas de transmissão, bem como
nanciamento com a Cemig, esta denunciou a Eletrobras ao Banco comercializar a energia produzida ou transmitida.
Mundial. Considerando as funestas e intensas consequências ao
País em outros empreendimentos financiados pelo Banco Mundial, Devido ao sistema ser interligado em grande parte do territó-
a Eletrobras foi obrigada a cumprir o contrato. Nas obras federais rio nacional, as novas hidroelétricas, além de suprirem energia na
houve intensa concentração de recursos na construção das maiores sua região, promovem benefícios para outras áreas. Como resulta-
usinas, nomeadamente em Itaipu e Tucuruí, e depois em Xingó, do, um vasto sistema de transmissão em alta tensão e em extra alta
ficando as demais obras federais sujeitas às verbas de desmobili- tensão promove a interligação de várias regiões do País ao sul do
zação. Essas verbas correspondiam aos valores que seriam des- rio Amazonas unindo os dois maiores sistemas nacionais: o Norte/
pendidos caso as obras viessem a ser paralisadas. Como esses Nordeste ao Sul/Sudeste/Centroeste. Está programada para fu-
valores eram insuficientes para manter o ritmo ideal de constru- turo próximo a interligação entre a margem sul e a margem norte
ção, essas obras ficaram sujeitas a vultosos dispêndios devido aos do rio Amazonas. Em 2008 mais de 95% da população tinha aces-
acréscimos de custo de construção e à maior incidência de juros so a serviço público de eletricidade compreendendo mais de 99%
durante a construção, tendo afetado negativamente as empresas dos municípios. Uma grande parte do território brasileiro, com
contratadas para fornecimento de serviços e de bens de capital. exceção de sistemas isolados na Região Norte, é servido por mais
de 90.000 km de sistemas de transmissão interconectados em

A hidroeletricidade nos anos recentes 230 kV, 345 kV, 440 kV, 500 kV e 750 kV.

Em novembro de 2008 a capacidade instalada no País era de


Em 1996, através da Lei 9427, uma importante modificação ocor-
104.816 MW em 1768 usinas geradoras das quais 706 eram hidroelé-
reu no setor elétrico com a criação da Agência Nacional de Ener-
tricas, 1042 termoelétricas e duas termonucleares. Nos últimos 10 anos
gia Elétrica. Pouco depois foi instituída a Agência Nacional de
a média anual do aumento da capacidade instalada foi de 3652 MW.
Águas e o Operador Nacional do Sistema, entidade, teoricamente
Há poucos anos atrás bem mais de 90% da capacidade instalada provinha
privada, que atua na coordenação e no controle da operação das
de usinas hidroelétricas. Ao final de 2008 essa proporção caiu para 74%
geradoras e dos sistemas de transmissão. Uma segunda alteração
devido ao planejamento para a diversificação de fontes geradoras e às
na legislação ocorreu em 2004 mantendo o processo de licitação
dificuldades de obtenção de licenciamentos ambientais para barra-
para novos projetos, mas tornando-se vencedor aquele que apre- gens e reservatórios. Em abril de 2011 a capacidade total instalada no
sentasse a menor tarifa, ficando assim concessionário da usina ou País passou a ser de 112.398 MW. Entretanto, a carga de impostos
do sistema de transmissão. As transações de compra e venda de na geração de energia elétrica é de cerca de 45% da tarifa cheia, o que
blocos de energia no sistema interligado de transmissão são fei- faz com que, apesar do grande número das grandes usinas hidroelétri-
tas sob os auspícios do Mercado Atacadista de Energia através cas que operam há mais de 30 anos estarem teoricamente depreciadas,
de contratos bi-laterais de curta duração. Todo o planejamento a energia elétrica disponibilizada no Brasil possa ser a mais cara do
concernente a privatização, alterações operacionais e licitações mundo devido principalmente a essa elevada carga tributária. Impostos,
28
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

taxas e contribuições mandatórias em uma conta de consumo de ener- não venham a ser renovadas. Essas concessões, no caso de Furnas,
gia elétrica em residência de classe média quando comparada ao custo compreendem a 5000 MW em seis usinas, além de ativos em siste-
direto da energia fornecida, se situam no entorno de 85%. Presente- mas de transmissão. Tem havido por parte das atuais concessionárias
mente (meados de 2011) a tarifa média para a indústria no Brasil é de e de governos estaduais, intenso lobby para a manutenção das atu-
R$ 329/MWh, 134% superior à média das tarifas industriais nos ou- ais concessões. Por outro lado a FIESP defende que a legislação
tros países do BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) que se situam em não venha ser alterada ou violentada e que as licitações sejam feitas;
R$140,7/MWh. Em estudo recente a FIRJAN considerou críticos os considera que com as licitações as tarifas despencarão a níveis de
níveis dos quatorze encargos cobrados sobre a energia elétrica. 20% dos atuais, pois os investimentos na construção das usinas e
nos sistemas de transmissão já foram amortizados há muito tempo.
Entre 2015 e 2017 muitas das concessões das maiores hidroelétricas Para tanto, a FIESP entrou com representação no TCU solicitando
e dos sistemas de transmissão estarão vencidas. Pela legislação em vi- intervenção para que providências sejam tomadas no sentido de
gor essas concessões retornarão à União que deverá efetuar licitações garantir a execução das licitações de concessão. Entretanto, um dos
para definição de novos concessionários. As hidroelétricas a serem principais problemas é que, com o elevadíssimo nível dos encargos
licitadas já estarão totalmente depreciadas, o que, pelo espírito da sobre o fornecimento da energia elétrica, a intensa redução das tarifas
Lei, deverá fazer com que as tarifas venham a ser consideravelmente que beneficiaria os contribuintes e recolocaria a competitividade da in-
reduzidas. As atuais concessionárias terão que se adaptar à nova dústria nacional no mercado externo, faria com que o governo perdesse
realidade. Prevê-se que em 2015 cerca de 20% do parque gerador, arrecadação o que não costuma ser aceito pelos políticos da situação.
70.000 km de linhas de transmissão e 33% dos contratos de distri-
buição deverão ter suas concessões licitadas. Em abril de 2011 as Desde a última década do século XX, um grande número de in-
grandes concessionárias como CESP, CEMIG e COPEL forma- vestidores têm atuado na implementação de pequenas centrais
ram um grupo para discutir o problema e tentar influenciar uma hidroelétricas até o limite de 30 MW instalados. A esmagado-
alteração na legislação visando prorrogações das concessões. Fur- ra maioria dessas pequenas usinas tem modestos reservatórios,
nas, por exemplo, poderá perder até 52% do seu atual faturamento pequenas barragens, vertedouros de superfície em lâmina livre
caso as concessões que vencem no período acima mencionado, e casas de força em posição remota em relação às barragens.

Figura 16 - PCH Calheiros 19 MW no rio Itabapoana, Figura 17 – Barragem da PCH Ivan Botelho II
entre os estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo (Palestina) em Minas Gerais
29
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

6900 MW instalados. O rio Madeira drena uma extensa área


da Cordilheira dos Andes na Bolívia. Os vertedouros dessas
duas barragens foram dimensionados para as descargas de-
camilenares de 82.600 m³/s e 84.000 m³/s, sendo cada um
equipado com 20 comportas de segmento de 20 m x 25,2 m.
Ambas casas de força abrigarão unidades bulbo operando pra-
ticamente a fio d’água. Os reservatórios com área de 258 km² e
271,3 km², inundarão terrenos da Floresta Amazônica. Entre-
tanto, a relação entre área inundada em km² e a capacidade
instalada em MW é de cerca de 0,08, extremamente baixa em
comparação com a média nacional.

Encontra-se em início de construção a hidroelétrica de Belo


Monte que terá a capacidade instalada de 11.233 MW no rio
18 – PCH Cachoeira em Rondônia, pequena estrutura (barragem) de derivação Xingu, um dos maiores tributários do rio Amazonas. Esse apro-
veitamento está sendo estudado há trinta anos. Por restrições
Hidroelétricas de porte médio são também atraentes a investido- ambientais e com a finalidade de se conseguir o licenciamento
res privados por apresentarem, em relação às empresas estatais, ambiental, a barragem de Babaquara que regularizaria o rio
menores custos internos. Xingu a montante de Belo Monte, teve seu projeto abando-
nado e a área do reservatório de Belo Monte que inicialmente
era de 1225 km², passou para 516 km². O empreendimento
afetará 4300 famílias urbanas e 800 famílias rurais. A hidroe-
létrica de Belo Monte terá baixa relação entre a área do reser-
vatório e a capacidade instalada: 0,05 km²/MW. A média na-
cional é de 0,49 km²/MW. Outras grandes hidroelétricas como
Tucuruí (0,29 km²/MW), Itaipu (0,10 km²/MW) e Serra da
Mesa (1,40 km²/MW) embora com relações modestas, apre-
sentam índices mais elevados. A ausência de reservatórios de
regularização no rio Xingu faz com que o fator de capacidade
seja muito baixo. Localizada nas proximidades de Altamira, no
Pará, a usina aproveitará a queda na grande curva do Xingu.
Pelo projeto em processo de licenciamento, serão implanta-
Figura 19 – Usina hidroelétrica de Monjolinho com vertedouro do tipo lateral das duas casas de força, uma com 11.000 MW com unidades
Francis sob 87,5 m de queda líquida e outra, denominada casa
de força complementar, com 233 MW com unidades bulbo sob
Grandes hidroelétricas estão presentemente sendo construídas. 11,5 m de queda líquida. A descarg a remanescente é a
As hidroelétricas de Jirau e Santo Antônio, situadas no rio Ma- maior que se tem notícia, 700 m³/s, que fluirão pela casa de
deira a montante de Porto Velho terão, no seu conjunto, cerca de força complementar.
30
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Figura 20 – Usina hidroelétrica de Santa Clara em Minas Gerais

Figura 21 – Barragem vertedoura da hidroelétrica Figura 22 – Obras da usina hidroelétrica de


de Picada em Minas Gerais Santo Antônio no rio Madeira
31
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

A hidroelétrica de Estreito, também situada na Amazônia, projeta-


da para 1087 MW instalados encontra-se (maio de 2011) em início
de operação comercial após quatro anos de atrasos devido a demo-
ras no licenciamento ambiental e a paralisações referentes a ações
judiciais e a atos de ocupação indevida de seu canteiro de obra.

A auto-produção de energia elétrica tem movimentado em anos re-


centes várias empresas de grande vulto como a Vale, a Petrobrás,
a CSN, a Votorantim e muitas outras. Um exemplo marcante é a
Companhia Brasileira de Alumínio CBA que por longo período foi o
maior auto-produtor de energia elétrica do País. No início dos anos
quarenta a família Carvalho Dias e o empresário, engenheiro e político
José Ermírio de Moraes fundaram a CBA para exploração da jazida
de bauxita que havia sido identificada nas terras dos Carvalho Dias
nas proximidades de Poços de Caldas, MG, e montar uma fábrica
de alumínio, indústria eletrointensiva. Em 1942 o DNAEE determi-
nou que a São Paulo Light suprisse de energia elétrica a fábrica que
estava projetada para ser construída no município de Mairinque, SP.
Como a São Paulo Light não dispunha de energia para garantir o
fornecimento à CBA, esta requereu a concessão do rio Juquiá-Guaçu
e do seu afluente Assungi. A concessão só foi outorgada em 1952.

Em conversa com o autor, o engenheiro Antônio Ermírio de Mo-


raes externou as dificuldades que encontrou, sendo um empreen-
dedor privado, para a obtenção da concessão. Afirmou ainda que
considerava estratégico ter a garantia de produção de pelo menos
50% da energia necessária à sua indústria.

Assim, a CBA deu início à implantação de uma série de usinas no rio


Juquiá-Guaçu: em 1958 entrou em operação a hidroelétrica de França
com 24 MW, em 1963 Fumaça com 36,4 MW, em 1974 Alecrim com
72 MW, em 1978 Serraria com 24 MW, em 1982 Porto Raso com
28,4 MW, em 1986 Barra com 40,4 MW e, finalmente, em 1989 Iporanga
com 36,87 MW. Nesse período, em 1974, a CBA adquiriu da São Paulo
Light a hidroelétrica de Itupararanga com 55 MW. Com os principais po-
tenciais do rio Juquiá-Guaçu explorados, a CBA partiu para o médio rio
Paranapanema, tendo construído as hidroelétricas de Piraju com 80 MW
Figura 23 – Barragem da usina hidroelétrica
que entrou em operação em 2002 e Ourinhos em operação desde 2006.
de Barra no rio Juquiá, em São Paulo
32
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Figura 24 - Barragem da
usina hidroelétrica de Fumaça,
no rio Juquiá, em São Paulo

Figura 25 – Projeto da barragem da usina hidroelétrica de Barra Figura 26 – Projeto da barragem da usina hidroelétrica de Fumaça

33
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Os projetos das hidroelétricas da CBA no rio Juquiá-Guaçu fo-


ram todos de concepção italiana, com barragens de concreto de
gravidade aliviada. Além do acompanhamento constante do en-
genheiro Antônio Ermírio de Moraes, o executivo da empresa era
o médico Miguel Carvalho Dias que contava com a importan-
te colaboração de vários engenheiros de destaque na profissão
entre eles Carlos Mazzaro, Newton Sady Busetti, Edilberto Mau-
rer e Valério Mortara para o qual o autor teve o privilégio de
entregar o título de engenheiro eminente pela Associação dos
Antigos Alunos da Politécnica em 2000.

Barragens de rejeitos
Atividades de mineração representam um importante segmen-
to na economia nacional. Devido à legislação ambiental, um
grande número de barragens de rejeitos foram construídas ou
estão presentemente em construção. A barragem do Germano,
a maior do País, que atualmente (maio de 2011) está com 155 m
de altura é projetada para atingir 170 m de altura no seu estágio
final. Embora não haja um registro de barragens de rejeitos no
Figura 27 – Antônio Ermirio de Moraes principal
País, são conhecidas mais de 700 barragens em Minas Gerais executivo do Grupo Votorantim, detentor da CBA
e pelo menos 150 outras nos demais estados da Federação.
O método de construção mais empregado é o método de mon-

Figura 28 - Usina
hidroelétrica de
Piraju no rio
Paranapanema
entre São Paulo
e Paraná

34
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

tante. Entretanto, para rejeitos finos a muito finos como na mi-


neração de ouro, o método de jusante é empregado. Um projeto
Vias navegáveis
não usual foi adotado para a disposição de rejeitos em mina de
A navegação interior permanece sendo o método de transporte mais
urânio em Poços de Caldas. Foi adotada uma barragem de usual na Região Amazônica onde há longos e caudalosos rios que
terra e enrocamento compactados, com três filtros chaminé podem ser usados ao longo do ano todo. Nesse grupo de rios se
internos, para ser construída em três fases. Para impedir que encontram todo o rio Amazonas, seus formadores os rios Solimões
a água de chuva se misturasse com a água percolada pelo ma- e Negro, bem como extensos trechos inferiores dos seus afluentes,
ciço da barragem e pela sua fundação, água esta que tem que principalmente nos trechos sobre terrenos sedimentares recentes.
ser tratada, o talude de jusante da barragem foi projetado Nas outras regiões, os poucos empreendimentos de navegação
para ser coberto com uma face de concreto. interior existentes são em geral anexos a hidroelétricas. As duas
principais bacias com eclusas instaladas em hidroelétricas são as dos rios
Controle de cheias Tietê e Paraná, em São Paulo e do São Francisco, no Nordeste.

Por muitos anos desde 1944, o Departamento Nacional de Sa-


neamento, órgão do Ministério do Interior, foi ativo em empre-
endimentos de controle de cheias envolvendo a construção de
barragens, polders e drenagens. As barragens foram construídas
principalmente com o objetivo de evitar cheias em áreas populosas.
Os dois mais destacados empreendimentos foram o sistema de
controle de cheias do rio Itajaí em Santa Catarina, que inclui
três barragens que são somente usadas para controlar as des-
cargas afluentes, o sistema de proteção de cheias da cidade de
Recife em Pernambuco, que compreende três barragens de ter-
ra. O critério de projeto que em geral era adotado objetivava o
controle das cheias de período de recorrência de 100 anos ou a
maior cheia que tivesse sido registrada. Em 1990 as ativida-
des desse Departamento foram abruptamente encerradas e o
Departamento extinto. Nos primeiros anos dos anos noventa
Figura 29 - Eclusas da barragem de Três Irmãos sobre o rio Tietê
diversas barragens que antes eram controladas pelo DNOS fi-
caram sem qualquer controle e sem responsável pela operação e
segurança. Durante a estação chuvosa de 2009 uma grande cheia Paisagismo
ocorreu na bacia do rio Itajaí e as três barragens não foram su-
ficientes para controlar toda a descarga afluente. Severas con- Desde a construção, em 1958, da barragem de Pampulha em que
sequências em grande área alagada no baixo vale do Itajaí com- criou um belo espelho d’água na cidade de Belo Horizonte, algu-
preenderam impressionantes perdas de propriedades. Presente- mas pequenas barragens foram construídas no coração de outras
mente estados e prefeituras que, em geral, não são capacitados cidades para criação de lagos artificiais como elemento paisagístico.
técnica e financeiramente, têm de enfrentar por conta própria O maior e mais famoso desses lagos artificiais é o reservatório de
os problemas de controle de cheias. Paranoá, na capital federal.
35
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Obras de abastecimento de água


Barragens têm sido construídas como parte de sistema de abaste-
cimento de água para zonas urbanas e industriais. O mais destaca-
do desses sistemas é o sistema de Cantareira para abastecimento
de água da grande São Paulo e cidades do vale do Piracicaba. Esse
sistema foi construído nos anos setenta e compreende sete gran-
des barragens de terra, sete túneis escavados em rochas gnaíssicas
e graníticas numa extensão total de 29 km e uma grande estação de
recalque subterrânea com capacidade de 33 m³/s. Os dois maio-
res sistemas do Rio de Janeiro aproveitam as barragens da Light
construídas entre o início do século (sistema Lajes), e as barragens
do sistema de derivação dos rios Piraí e Paraíba do Sul (siste-
ma PPD). Outro sistema importante é o de Belo Horizonte
Figura 30 – Barragem do
compreendendo obras hidráulicas de vulto, com captações em
Ribeirão João Leite para
barragens no rio das Velhas e no rio Manso. Um sistema que me- o abastecimento d’água
rece menção é o sistema para o abastecimento d’água da cidade de da cidade de Goiânia
Fortaleza. O sistema inclui a barragem de terra do Castanhão
com trecho em concreto compactado com rolo, concluída em
1999 com 72 m de altura, represando 4,46 bilhões de metros cúbicos empreendimento de vulto para abastecimento de água é a barra-
de água sob uma superfície de 325 km² no nível d’água máximo nor- gem João Leite construida em concreto compactado com rolo,
mal. O sistema necessitou da construção de 256 km de canais para com 53,5 m de altura e vertedouro de soleira livre sobre a barra-
suprimento de 22 m³/s para a cidade e para projetos de irrigação, gem. A barragem possibilita o acréscimo de 5,33 m³/s de reforço
descarga essa que corresponde a 90% de permanência. O mais recente ao abastecimento das principais cidades do estado de Goiás.

Merece menção a barragem do Ribeirão João Leite, concluida


em 2009, a qual é destinada ao abastecimento de água da cidade
de Goiânia. O artigo técnico sobre o projeto e a construção desta
barragem de CCR com 53,50 m de altura e alas de terra faz parte
da publicação do CBDB Main Brazilian Dams III.  

Figura 31 - Barragem
de Pindobaçu na Bahia,
aproveitamento de
finalidades múltiplas

36
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Entretanto, um estudo recentemente concluído pela Agência Nacio-


nal de Águas revelou que a situação do abastecimento de água em
Finalidades múltiplas
55% dos 5565 municípios brasileiros está se agravando e deve-
Barragens com finalidades múltiplas eram raras no cenário na-
rá estar insuficiente em 2015. Serão necessários investimentos de
cional devido à estanqueidade dos órgãos federais e estaduais na
R$ 22 bilhões para garantir a oferta de água de qualidade adequa-
definição dos empreendimentos hidráulicos. O primeiro gran-
da até o ano de 2025. O maior problema da área de saneamento
de exemplo de barragem implantada com finalidades múlti-
básico, entretanto, se concentra na coleta e tratamento de esgoto
plas foi Três Marias com objetivos de regularização do rio São
uma vez que são poucas as cidades que dispõem de estações com
capacidade de tratamento de porcentagens consideráveis dos es- Francisco, beneficiamento à navegação interior e geração de
gotos coletados. Esse estudo da Agência prevê a necessidade de energia elétrica. Dessa forma, premido por necessidade de ini-
investimentos superiores a R$ 50 bilhões até 2025 tendo em vista o ciar as obras de Três Marias e de Furnas, o governo Juscelino
precário estado dos sistemas de esgoto sanitário de quase todos Kubitschek foi forçado a definir recursos federais para a implan-
os municípios brasileiros. A esmagadora maioria dos esgotos é tação da barragem, do vertedouro e do reservatório, enquanto
lançada em corpos d’água (rios, lagos e oceano) sem tratamento. a Cemig arcou com a casa de força.

Figura 32 - Barragem
de Mirorós na Bahia,
aproveitamento
para irrigação e
abastecimento de água

37
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Outro exemplo é a barragem de Pedra do Cavalo na Bahia que con- a engenharia brasileira, tão dependente de apoio estrangeiro na primei-
tribui para o controle de cheias, o abastecimento de água, a produção ra metade do século XX, a se tornar uma das líderes mundiais nesse
de energia, a regularização e a irrigação. Importantes empreendi- setor. Muitas empresas brasileiras de projeto e construção se ex-
mentos de finalidades múltiplas são as barragens do alto e médio rio pandiram durante a segunda metade do século XX e presentemente
Paraíba do Sul, Paraitinga, Paraibuna, Santa Branca, Jaguari e Fu- ocupam relevante posição no cenário internacional. Neste mesmo
nil que contribuem para a regularização de descargas, controle período diversas fábricas de equipamentos mecânicos, elétricos e ele-
de cheias, geração de energia elétrica e possibilitam o abastecimento trônicos se estabeleceram no País e têm suprido a demanda interna
do Grande Rio de Janeiro. e exportado equipamentos para diversos outros países.

A evolução dos segmentos de bens de Nos últimos 20 anos do século passado o País atravessou um perío-
do de severa estagnação econômica quando vinte empreendimentos
capital e de prestação de serviços com barragens do setor elétrico tiveram sua construção suspensa
por falta de recursos financeiros. Durante esses anos muitas em-
Toda essa atividade em projeto, construção e operação de barragens, presas brasileiras desenvolveram com sucesso atividades no ex-
bem como em fabricação e montagem de equipamentos, incentivou terior em países de todos os continentes. Depois de passado esse
período, a engenharia brasileira voltou a ter um mercado interno
robusto com alguns dos maiores projetos do mundo atual tais como
as hidroelétricas de Jirau, Santo Antonio, Estreito e Belo Monte,
além de diversas hidroelétricas de pequeno e médio porte.

Figura 33b
– Barragem e
casa de força de
Paraibuna

Figura 33a – Barragem de Paraitinga Reservatórios


no final de sua construção
interligados de
Paraibuna e
Paraitinga

Figura 33c – Diques


durante o primeiro
enchimento do reservatório

38
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

A organização da AMFORP veio influenciar na organização da


CEMIG, em Minas Gerais, através do engenheiro John Cotrim
que também trouxe, em seguida, essa experiência organizacional
para Furnas.

Tanto a CEMIG quanto Furnas tiveram seus primeiros grandes


projetos elaborados por empresas consultoras americanas. Aos pou-
cos, foram se formando importantes e bem estruturadas empresas
consultoras nacionais que passaram a atuar nas linhas de frente
dos grandes empreendimentos hidroelétricos dessas duas em-
presas concessionárias. Outras empresas do setor elétrico con-
tavam com projetos desenvolvidos por consultoras suíça, alemã,
portuguesa e italiana. Em São Paulo, o governo estadual orientava
os projetos dos anos cinquenta para empresas brasileiras ou para
Figura 34 - Barragem de finalidades múltiplas de Funil um conjunto de consultores individuais, por bacias hidrográficas.
Quando finalmente foi enfrentado um projeto de grandes propor-
ções, a equipe do contratante, especialmente o engenheiro José
O desenvolvimento e o desmonte da Gelazio da Rocha, incentivou os consultores independentes das
engenharia consultiva barragens do rio Pardo a formar uma empresa que pudesse desen-
volver a contento o projeto da hidroelétrica de Jupiá, no rio Paraná,
Os estudos e projetos de barragens no País tiveram duas origens de dimensões inusitadas para a época.
distintas. No Nordeste, tanto no DNOCS quanto na CHESF,
havia predominância da engenharia nacional com grandes
contingentes de engenheiros formados em nossas escolas, mes- Figura 35 - John Reginald Cotrim jovem na EBASCO 1942-44

mo que inicialmente carentes de experiência. Nota-se que os


projetos do DNOCS eram feitos na sua sede no Rio de Janei-
ro antes da mudança para Fortaleza, com influência de eventuais
consultores provenientes do U.S. Bureau of Reclamation.
Os projetos da CHESF, principalmente na sua primeira hi-
droelétrica, Paulo Afonso I, foram feitos no canteiro de obra
por equipe nacional com influência de alguns engenheiros es-
trangeiros recrutados como imigrantes após o término da Se-
gunda Grande Guerra Mundial e de outros que trouxeram
marcante influência francesa. Entretanto, nesses dois casos, a força de
trabalho e a responsabilidade técnica eram essencialmente nacionais.

Na Região Sudeste, os projetos da Light e da AMFORP eram ni-


tidamente comandados, no início do Século XX, por americanos.
39
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

As hidroelétricas projetadas pelo DNOS no Sul e na Bahia, também


já contavam com expressivo contingente de engenheiros brasileiros.

Os anos setenta se caracterizaram por um enorme desenvolvimen-


to da consultoria brasileira. Nessa época as empresas de projeto
assumiam crescentes responsabilidades em um grande número de
projetos de envergadura, principalmente no setor elétrico. Esse
desenvolvimento acelerado foi em parte condicionado por lei de
proteção ao mercado de consultoria e projeto, conseguida durante
o governo de Costa e Silva. A Associação Brasileira de Consul-
tores de Engenharia - ABCE analisava cada contratação de con-
sultoria externa para detectar se havia similar nacional. Essa lei só
foi cancelada sem alarde e sem anúncio no governo Sarney para
os projetos do programa de irrigação de um milhão de hectares.

Nos anos setenta quase dez consultoras brasileiras figuravam en- Figura 37 - Usina hidroelétrica de Itapebí no rio
tre as maiores do mundo. Por outro lado, as consultoras brasileiras Jequitinhonha, na Bahia
tinham como obstáculo a lei da informática que prejudicou so-
bremodo o desenvolvimento da produção de projetos e, de
acordo com o então senador Roberto Campos, tornou o contra- tratual foi introduzida pelas empresas americanas de consultoria
bandista um herói nacional. na segunda metade dos anos cinquenta. Por esse tipo de contrato
a consultora era remunerada pelo custo do serviço baseado nos
Quase todo esse desenvolvimento era calcado em contratos cost salários de suas equipes técnicas multiplicados por um fator que
plus com empresas estatais do setor elétrico. Essa modalidade con- representava os impostos, os encargos sociais e as despesas diretas,
com a adição do seu lucro em função do trabalho efetivamente de-
senvolvido. As consultoras a cada mês recebiam antecipadamente
Figura 36 - Usina hidroelétrica de Volta Grande no rio Grande
de acordo com a programação aprovada e prestava conta ao final
de cada mês. Dessa forma passou a haver elevada segurança con-
tratual mesmo em regime inflacionário que se acentuou a partir do
governo JK. Dessa forma praticamente não havia necessidade de
capital de giro, a inflação não era sentida e o risco de inadimplência
era muito reduzido. Entretanto, esse tipo de contrato veio causar
o desmanche das empresas consultoras na década seguinte.

Em 1979 foi instituído o teto salarial nas empresas estatais, teto


este que era o salário direto nominal do Presidente da República,
na época o general Figueiredo. Como o salário direto nominal do
Presidente não era muito elevado, os salários nas estatais passaram
40
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

a ser achatados. Por terem salários achatados, os funcionários das Incrivelmente neste País os impostos incidem no ato do faturamen-
estatais federais contratantes de serviços de consultoria passaram to, mesmo que não venha haver pagamento. As consultoras tinham
a não aprovar nos contratos reajustes salariais dos empregados que recolher impostos por serviços que não eram pagos ou que
das empresas contratadas. Como a inflação era intensa, as consul- seriam pagos meses depois, corroídos por uma inflação galopante.
toras passaram a sofrer pressões dos dois lados: as suas equipes
demandando reajustes salariais corretos e os clientes não apro- No advento do governo Sarney houve um dos muitos planos he-
vando esses reajustes nos contratos. O equilíbrio financeiro dos terodoxos no qual teoricamente a inflação seria nula. Foram cria-
contratos das consultoras foi rapidamente corroído. dos os “fiscais do Sarney” que acusavam às autoridades eventuais
aumentos de preços. As contratantes do setor elétricos viraram
A letra desse tipo de contrato pelo custo significava que deveria “fiscais do Sarney” e unilateralmente abateram os multiplica-
haver reembolso pelos acréscimos de custos devido à inflação. dores dos contratos alegando que a partir daquele instante não
A inflação se intensificava a cada período, tendo chegado a um mais haveria inflação. Entretanto, esses multiplicadores haviam
pico de mais de 80% ao mês e ao impressionante e quase ina- sido estabelecidos nos anos cinquenta quando a inflação antes do
creditável, para os que não vivenciaram, índice de 13 trilhões e governo Juscelino ainda era muito baixa.
342 bilhões por cento no período de apenas quinze anos que an-
tecederam ao Plano Real. As consultoras, através da Associação Finalmente, no auge da crise das contratantes estatais federais, as
Brasileira de Consultores de Engenharia - ABCE, pleiteavam in- consultoras foram chamadas para receber parte de alguns atra-
cessantemente fórmulas de reajustes sem encontrar eco em mui- sados pagos em títulos que eram chamados de moeda podre,
tas das empresas contratantes. Nessas empresas uma posição de pois valiam no mercado apenas uma pequena fração de seu valor
clarividência foi assumida pelo engenheiro João Alberto Ban- de face, em geral cerca de 25%, mesmo assim quando e só
deira de Mello que atuava na Eletrobras e que propunha que, quando eram usados nos programas de privatização. Dessa for-
além do correto reajustamento, houvesse também o justo reem- ma, o governo federal desovou empresas nos programas de
bolso dos elevados juros que as consultoras já estavam pagando privatização ganhando dos dois lados.
ao sistema financeiro. Essa proposição sequer foi considerada e
só após muito tempo, já com as consultoras descapitalizadas e Daquelas grandes empresas de consultoria de engenharia que fi-
endividadas, é que uma correção parcial foi admitida nos contra- guravam como das maiores do mundo, algumas foram reduzidas
tos, mesmo assim após 45 dias da entrega da respectiva fatura, a níveis pequenos e várias fecharam, tendo originado forte de-
ou seja, até 75 dias da execução dos serviços. semprego no ramo da engenharia e tendo sido criado o termo
“o engenheiro que virou suco.”
Adicionando a esses aspectos deletérios, sobreveio, nos anos oiten-
ta, a crise financeira das estatais, principalmente das federais, no- Mas outros profissionais se reuniram em pequenas empresas, algu-
meadamente as que não tinham grandes gerações de energia como mas delas atuando em segmentos específicos. Algumas dessas em-
era o caso da Light e de FURNAS. Essas outras empresas passa- presas foram gradativamente crescendo e hoje já apresentam grande
ram a atrasar sistematicamente o pagamento das faturas, em várias número de profissionais engajados.
ocasiões por mais de cinco meses. Como para as consultoras, nos
contratos pelo custo, os seus técnicos não podiam acumular horas Os contratos, entretanto, devido a essa experiência desastrosa, não
trabalhadas para somente faturá-las quando houvesse recursos nas mais foram de remuneração pelo custo; presentemente a esmaga-
caixas das contratantes, os faturamentos tinham que ser mensais. dora maioria dos contratos por prestação de serviços de consultoria
41
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

é por preço fixo, o que transfere para a consultora um risco que A partir de sua fundação até a conclusão da hidroelétrica de Moxo-
deveria ser do empreendedor. tó, a CHESF construiu com equipe própria suas barragens e usinas.
A partir dessa época, dado o desenvolvimento das construtoras
A partir dos anos oitenta as consultoras menos atingidas pelos im- nacionais, estas passaram a ser contratadas para todas as demais obras.
pactos acima relatados voltaram-se para o mercado externo com
o objetivo de substituir os contratos nacionais. Algumas empresas No Sudeste as construtoras estrangeiras foram utilizadas pela
tiveram sucesso e hoje estão presentes em vários continentes. Light e pela AMFORP em suas hidroelétricas que são mais
antigas, todas com construções compreendidas do início até

O desenvolvimento das empresas de meados do século passado.

construção
Semelhantemente ao que ocorreu nas atividades de estudos e
projetos, a construção de barragens no Nordeste foi efetivada
principalmente com equipes do próprio empreendedor, seja o
DNOCS ou a CHESF. No caso do DNOCS, apenas em algumas
poucas barragens consideradas de grande vulto na época, empre-
sas estrangeiras foram contratadas para executar as obras civis.
O DNOCS construiu mais de duas centenas de grandes barra-
gens com recursos humanos e equipamentos próprios. Entretanto,
as obras mais recentes que datam do final do século passado,
foram implantadas por empresas privadas de construção.

Figura 39 – Usina hidroelétrica de Furnas logo


após o enchimento do reservatório
Figura 38 - Usina hidroelétrica de Xingó no rio São Francisco

Da mesma maneira, ainda nos anos cinquenta, Furnas contratou


para a usina que deu nome à empresa, uma construtora britânica
associada a uma empreiteira brasileira. Para essa usina, na época uma
das maiores do mundo em capacidade instalada, em altura da bar-
ragem e em potência dos seus equipamentos de geração, outra em-
presa brasileira com experiência restrita à construção de estradas
foi contratada para erguer a barragem auxiliar de Pium-I, tendo
socorrido os empreiteiros principais na elevação rápida do núcleo
da barragem de Furnas. Com a experiência adquirida essa empre-
sa assim como outras que se capacitaram, já nas obras seguintes,
assumiram a condução das construções.
42
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Figura 40 - Barragem da usina hidroelétrica de Mascarenhas de Moraes,


antiga Peixoto, concluída em 1956. Na margem esquerda o
vertedouro complementar, construído em 2002

A CHEVAP, encarregada da implantação da barragem em


abóbada de Funil, contratou uma empresa nacional para a bar-
ragem principal e outra empresa nacional para a barragem de
terra de Nhangapi, na época a segunda maior barragem desse
tipo no País. Furnas, ao assumir a responsabilidade da cons- Figura 41 - Usina hidroelétrica de São Simão

trução da usina do Funil, substituiu a empresa construtora da


barragem principal por uma empresa dinamarquesa, hoje de
ção de pequenas e médias centrais hidroelétricas que ocorreu nas
controle nacional.
duas últimas décadas, fez com que surgisse considerável número
de novas construtoras no País.
A CEMIG, ao ser instituída, assumiu usinas de portes pequeno
e médio que vinham sendo implantadas por empresas nacionais.
Sua primeira grande obra, a usina de Três Marias, foi constru- Perspectivas para o futuro
ída por empreiteira americana, mas posteriormente, empresas
brasileiras passaram a ser contratadas à exceção da hidroelétri- As dificuldades no licenciamento ambiental e as incertezas que sem-
ca de São Simão que, após acirrada concorrência internacional, pre rondam os processos de aprovação de projetos hidroelétricos
foi delegada a uma empresa italiana. têm causado impressionante perda na matriz energética limpa que
costumava orgulhar o País. São muitas novas centrais geradoras
As grandes empresas brasileiras atravessaram a recessão econô- termoelétricas poluidoras, entretanto de muito mais fácil licencia-
mica e a desaceleração das obras no País nas décadas de oitenta e mento ambiental e aprovação na ANEEL, inclusive as térmicas
noventa, partindo com muito sucesso para empreendimentos no a óleo e a carvão. Há duas usinas nucleares em operação e uma
exterior. Com a intensificação dos investimentos em obras hidráu- em construção. Essas usinas têm sofrido das indecisões políticas,
licas no País, as empresas construtoras têm atuado com intensidade todas elas tendo tido seus cronogramas de implantação constan-
semelhante à do passado, nos anos setenta. A ampla dissemina- temente refeitos e suas obras se arrastado por duas a três décadas,
43
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

onerando sobremaneira os seus custos pela forte incidência dos permanecem há décadas como o mais elevado do mundo, hoje
juros sobre os capitais investidos durante as suas prolongadas em 6,8% a.a., quase três vezes superior ao do segundo colocado,
construções. Entretanto, Angra II que levou 24 anos em constru- a Hungria, com 2,4% a.a.
ção, pode operar até hoje (maio de 2010) há mais de uma década
sem licenciamento ambiental e sem licenciamento da CNEN. As perdas de energia elétrica no sistema interligado e nos sis-
temas de distribuição atingem em 2011 cifras elevadas, entre
O acréscimo de capacidade de geração em empreendimentos sem 15% e 17% da geração. Parcela expressiva dessa perda vem de
possibilidade de armazenamento de energia, tais como usinas ligações ilegais. Além de serem esperados acréscimos de consu-
eólicas, térmicas, nucleares e hidroelétricas a fio d’água, sinali- mo devido ao desenvolvimento industrial, verifica-se também
zam para dificuldades de atendimento de demanda na ponta em que o consumo domiciliar médio no Brasil ainda é muito inferior
diversos centros de carga no País. Para o bem da economia e ao de países desenvolvidos, sendo pouco mais de um décimo do
do meio ambiente, há imperiosa necessidade de se ultrapas- americano, e pouco inferior ao verificado na Rússia e na África
sar as resistências dos que se dizem ambientalistas e se voltar do Sul. Estima-se que o consumo total de energia elétrica no
à implantação de hidroelétricas com grandes volumes úteis de País evolua em média com acréscimos de 4,8% ao ano, passan-
reservatório para se recuperar a capacidade de regularização de do dos 456,5 TWh verificados em 2010 para 730 TWh em 2020.
vazões e, consequentemente, de energia. O atual modelo do se- O consumo médio residencial deverá passar dos 154 kWh/mês
tor elétrico contribui para essas dificuldades por não contemplar em 2010 para 191 kWh/mês em 2020. Entretanto, o máximo
qualquer remuneração para a regularização de descargas que histórico de 180 kWh/mês registrado antes do racionamento
beneficiem a operação do sistema interligado. de 2001 só deverá ser ultrapassado em 2017.

Pelo atual planejamento energético o País enfrenta a necessi- No passado recente (2000 a 2011) tem sido registrado im-
dade de instalação de cerca de 5000 MW/ano. Tendo em vista pressionante número de apagões, vários dos quais abrangen-
esse desafio, as classes dirigentes têm pressionado licenciamen- do extensas regiões densamente habitadas. Considerando
tos ambientais de grandes centrais geradoras como ocorreu a relativa fragilidade dos sistemas de transmissão e as cres-
nas duas usinas em construção no rio Madeira e presente- centes demandas na ponta de carga, prevê-se a continuidade
mente na hidroelétrica de Belo Monte cujo licenciamento e mesmo o agravamento dessa situação.
está sendo obtido por etapas, o que é no mínimo inusitado: o
único licenciamento obtido até agora (maio de 2011) foi con- O controle de cheias permanece nebuloso no futuro próximo.
cedido em janeiro de 2011 para instalação do canteiro de obra. A falta de um órgão de âmbito nacional para controlar e implemen-
Isso, associado às interrupções provenientes de ações judiciais tar obras hidráulicas com esse objetivo é imperioso já que os cursos
ou do Ministério Público ocorrendo na maior hidroelétrica d’água são em geral intermunicipais e mesmo inter estaduais.
em construção, comprova a incerteza dos empreendedores em O setor elétrico através do ONS despacha algumas hidroelétri-
assumir tais riscos. Embates entre membros do governo e do cas levando em conta o controle de cheias. O exemplo mais ní-
licenciamento ambiental têm provocado demissões em vá- tido são as hidroelétricas do vale do rio Paraíba do Sul cujo rio
rios níveis, até no nível ministerial. Eventuais paralisações, principal, por atravessar uma sucessão de importantes cidades de
devidas à ação de vândalos em canteiros de obra e ao Ministé- médio porte e servir de abastecimento de água a grandes núcleos
rio Público que questiona licenças ambientais, contribuem para urbanos, tem uma regra operativa que privilegia a regularização
a elevação de prazos e de custos já que os juros reais no Brasil de vazões e o controle de cheias.
44
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Historicamente a implantação de eclusas para navegação interior têm feito com que planejadores do setor considerem alternativas
sempre vieram a reboque de algumas hidroelétricas ao contrário dispendiosas, incluindo a captação de água de baixa qualidade a
do que acontece em países europeus cuja tradição da navegação grandes distâncias (médio Tietê para São Paulo e sub-médio Pa-
fluvial sempre esteve arraigada ao desenvolvimento viário, vindo raíba do Sul para o Rio de Janeiro), com grandes recalques (Ju-
como sub-produto a geração de energia elétrica. Consolidando essa quiá para São Paulo) ou na regeneração de águas em estações de
deformação brasileira, tramita no Congresso um projeto de lei tratamento de esgotos (Alegria para o Rio de Janeiro), por
que obriga os investidores em hidroelétricas de implantar siste- exemplo, onerando sobremaneira as futuras captações, aduções
mas de navegação onde possível, onerando ainda mais as novas e tratamentos de água.
usinas hidroelétricas.

As constantes e recentes valorizações das commodities no mercado


Homenagem aos membros de juntas de
internacional indicam para o futuro a permanência das atividades consultores
em mineração e, consequentemente, da construção de barragens
de rejeitos cada vez maiores e mais frequentes. Durante o projeto e construção das mais importantes barragens
brasileiras, engenheiros e geólogos consultores de grande proje-
As deficiências previstas no curto prazo para o abastecimento da ção na profissão, brasileiros e estrangeiros, participam de juntas
crescente demanda por água nas cidades e distritos industriais, de consultores. Depois de Karl Terzaghi, Arthur Casagrande e

Figura 42 - A partir da esquerda os consultores da São Paulo Light: Samuel Chamecky, Karl Terzaghi,
Othelo Machado e Casemiro Munarski (Foto do Acervo Paulo Chamecki)

45
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 43 - Arthur Casagrande, John Cabrera,


Gurmukh Sarkaria e Flavio H. Lyra
em inspeção de campo em Itaipu

Figura 44 - Professor Manuel Rocha, pesquisador, fundador


e diretor geral do Laboratório de Engenharia Civil sediado
em Lisboa. Destacada atuação na CIGB e em consultoria
de barragens em vários paises, inclusive no Brasil.

46
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Portland Fox mencionados acima, outros consultores participa-


ram de juntas tais como Roy Carlson, Manuel Rocha, Charles
Blanchet, James Libby, James Sherard, Barry Cooke, Don Deere,
Victor F. B. de Mello e Flavio H. Lyra que são aqui mencionados
como homenagem àqueles que já faleceram.

Esses profissionais altamente qualificados deram valiosas contri-


buições ao projeto e construção de grandes barragens e formaram
engenheiros e geólogos brasileiros que presentemente trabalham
como consultores no Brasil e no exterior.

Figura 45 - Rubens Vianna de


Andrade, Flavio H. Lyra, Arthur
Casagrande e Julival de Moraes em
inspeção nas obras de Itumbiara

Figura 46 - Consultor Roy


Carlson por ocasião da sua
condecoração pelo governo
brasileiro entre Carlos
Alberto de Padua Amarante
e Victor F. B. de Mello
durante o XII SNGB, em
São Paulo abril de 1978

47
Os 5 primeiros
presidentes da CIGB
de 1931 a 1961

1 2

1. G. Mercier - França - 1931-1934

2. M. Giandotti - Itália - 1937-1940

3. A. Coyne - França - 1946-1952

4. G.A. Hathaway - EUA - 1952-1958

5. J.F.R. Pinto - Portugal - 1958-1961

4 5
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

A Comissão Internacional
de Grandes Barragens -
Oitenta e três anos de excelência
Flavio Miguez de Mello

A Comissão Internacional de Grandes Barragens CIGB nasceu na França,

numa época em que havia intensa atividade em implantação de barragens,

notadamente na Europa e nos Estados Unidos. Nos anos vinte muito havia

que ser aprendido em projeto e construção de barragens e o intercâmbio de

conhecimentos passou a ser de nítida importância. Na época, a mecânica


Figura 1 - Reunião Executiva no Rio de Janeiro, 1966 -
dos solos e a geologia de engenharia não haviam ainda sido fundadas,
Flavio Lyra, presidente do CBGB e G. Brown, presidente CIGB
os critérios de projeto de estruturas de concreto eram rudimentares e a

hidráulica fluvial enfrentava pela primeira vez na maioria dos países

que implantavam barragens e reservatórios, obras em rios muito caudalosos.

Corria o ano de 1925 quando, em reunião da Associação Francesa para

o Progresso da Ciência ocorrida em Grenoble, foi manifestada a importância

do estabelecimento de uma comissão de caráter internacional voltada

para grandes barragens. Em 1926, em assembléia da Conferência

Mundial de Energia em Basel, a delegação francesa apresentou formalmente

a proposta de criação da Comissão Internacional de Grandes Barragens.

A proposição foi aceita, assim como o apoio ofertado pelo governo francês,

tendo sido instituído o Comitê Francês de Grandes Barragens sob a

Societé Hydrotechnique de France. A proposta foi formalmente aceita

Figura 2 - Reunião Executiva no Rio de Janeiro, 1966 - G. Brown, pela Conferência Mundial de Energia no ano seguinte, 1927, na
presidente CIGB, Flavio Lyra, presidente do CBGB, Mauro Thibau,
ministro de Minas e Energia e John Cotrim, presidente de Furnas assembléia de Cernobbio (Itália).
49
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 3 - 14° Congresso CIGB Rio de Janeiro 1982 – Pierre Londe sição por um comitê ad hoc novo estatuto que vem corrigir lacunas
(presidente) e Joannes Cotillon (secretário geral) do estatuto vigente. Desde sua fundação com apenas cinco países
membros, a CIGB vem continuamente crescendo, tendo atingi-
do 26 países antes da II Guerra, 56 países em 1967, 56 países em
1980, 72 países em 1990, 81 países em 2000 e 92 países em 2010,
­cifra esta que representa mais de 90% da população mundial.

Além dos seus anais de congressos e simpósios, a CIGB publica


boletins sobre temas específicos, fruto do trabalho dos seus comi-
tês técnicos que congregam profissionais os mais destacados em
diversos países do mundo, tornando, assim, esses documentos
em relatórios do estado da arte sob o ponto de vista global.

A CIGB mantém atualizado o registro mundial de grandes barragens


(barragens com mais de 15 m de altura ou em condições especiais)
contendo as principais características das barragens em todos os
A assembléia que constituiu a CIGB ocorreu no dia 6 de julho países membros e em alguns países não membros da CIGB. Desse
de 1928 com a participação de seis países: Estados Unidos, França, registro não constam apenas as barragens de rejeitos. Apesar do re-
Itália, Reino Unido, Romênia e Suíça. A assembléia do Conselho gistro das barragens no Brasil estar incompleto, o registro da CIGB
Executivo da Conferência Mundial de Energia aprovou a CIGB atualizado em 2010 revela a importante posição do Brasil relativa
por unanimidade em Londres no dia 3 de outubro de 1928. Desde a outros países com mais de mil grandes barragens construídas:
então, reuniões executivas foram realizadas todos os anos a menos
dos anos exceto durante a II Guerra Mundial, de 1940 a 1944.
Já demonstrando seu dinamismo, a CIGB promoveu seu primei- 1 China > 40 000
ro congresso internacional em Estocolmo em 1933. Desde então 2 USA 9 265
a cada três anos a CIGB promove seus congressos que são, reco- 3 Índia 5 101
nhecidamente, de elevado interesse técnico sobre assuntos os mais 4 Japão 3 076
atuais. Seus anais são verdadeiras seções transversais da tecnologia 5 Coréia do Sul 1 302
de cada época que nos permitem visualizar o desenvolvimento dos 6 Canadá 1 166
conceitos e critérios de projeto e de construção de barragens. Como 7 África do Sul 1 114
exemplos históricos pode-se mencionar os trabalhos de Karl Ter- 8 Brasil 1 011
zaghi de 1933 sobre as investigações das características dos solos 9 Espanha 987
quanto a sua viabilidade para a construção das barragens de terra e de 10 Turquia 741
Wolmar Fellenius sobre cálculo de estabilidade de barragens de terra. 11 França 623
12 México 583
Em 1967, considerando seu já grande vulto, a CIGB passou a se 13 Itália 542
tornar independente da Conferência Mundial de Energia. Do seu 14 Reino Unido 519
primeiro estatuto até o estatuto de 1967 poucas alterações signifi- 15 Austrália 507
cativas ocorreram. Encontra-se presentemente (2011) em propo- 16 Irà 501

50
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Desde a sua fundação a CIGB teve 22 presidentes, sendo dois E. Maurer) e dez secretários gerais, todos franceses. A participação
brasileiros (F. Lyra e C. Viotti), 126 vice presidentes, sendo seis brasileira se fez sentir desde os anos sessenta em participações em
brasileiros (F. Lyra, D. Fernandes, F. Miguez, F. Budweg, C. Viotti e diversos comitês da CIGB. Desses comitês foram coordenadores
(chairmen) F. Lyra, F. Budweg, J.F. Silveira e F. Miguez.

A CIGB sempre teve como foco a promoção e divulgação da


tecnologia de planejamento, projeto, construção e operação de
barragens. Nos anos sessenta a CIGB passou também a enfatizar
a segurança e a reabilitação de barragens, nos anos setenta passou
a ser grande divulgadora de progressos na engenharia ambiental,
nos anos oitenta liderou a divulgação tecnológica aplicada a barra-
gens de rejeitos de mineração, nos anos noventa também abriu os
campos de compartilhamento dos recursos hídricos de rios transna-
cionais e de gestão integrada da água, conscientização do público e
na primeira década do Século XXI, abriu discussão sobre mudanças
climáticas globais e planejamento de recursos hídricos escassos.

Figura 4 - K. Höeg, ex-presidente da CIGB

Figura 5 - Reunião do Comitê de Meio


Ambiente da CIGB em Madrid, 1973.
Desde o final dos anos 60 a CIGB dedica
especial atenção aos temas socioambientais.
Na foto os dois primeiros presidentes deste
Comitê Flavio H. Lyra e Pierre Londe.
Entre os dois, o autor

51
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 6 - 70° Reunião Anual CIGB - Foz


do Iguaçu 2002 - Ospina (ex vice-presidente)
recebendo homenagem do presidente Varma

A CIGB fechou o ano de 2010 com 92 comitês nacionais que,


no seu conjunto, congregam mais de 10.000 membros individu-
ais dentre os mais destacados profissionais que presentemente
atuam em empresas públicas e privadas, universidades, institui-
ções de pesquisa, consultoras, construtoras, fabricantes, agências
governamentais e organizações não governamentais.

Figura 7 - Congresso de Brasília


23O CIGB 2009 – Mesa da
Questão 90 - Arthur Walz, Flavio
Miguez de Mello, Maria Bartsch,
Margaret Rose Mendes Fernandes

52
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Figura 8 - Congresso de Brasília 23o CIGB


2009 – Da esquerda para direita Edilberto
Maurer (pres.CBDB), Pham Hong Giang
(pres. Comitê do Vietnam), Luis Berga (pres.
CIGB), Jia Jinsheng (pres.eleito CIGB)

Figura 9 - Homenagem ao professor Victor F.


B. de Mello no 23O CIGB, Brasília 2009

53
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 11 - Congresso de Brasília 23O CIGB


2009 - Michel de Vivo secretário geral e
Luis Berga presidente da CIGB

Figura 10 - Presidente Varma,


secretário geral J. Lecornu e a
secretária Nicole Schauner

Figura 12 - A secretária Margarite Chapelle recebendo


homenagem em 1967, uma placa entregue por sua filha
Nicole Schauner (ao microfone) que a substituiu após 25
anos de serviço desde 1948. Nicole assumiu a secretaria
da CIGB em 1967 permanecendo até o presente (2011).
As duas foram responsáveis pelo eficiente suporte à
CIGB ao longo dos últimos 63 anos

54
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

CIGB - Presidentes de 1961 a 2009


6. C. Marcello - Itália - 1961-1964

7. J. Guthrie Brown - Reino Unido - 1964-1967

8. G.T. McCarthy - EUA - 1967-1670

9. J. Toran - Espanha - 1970-1973

10. C.F. Gröner - Noruega - 1973-1976


6 7 8 9
11. F.H. Lyra - Brasil - 1976-1979

12. P. Londe - França - 1979-1982

13. C.A. Dagenais - Canadá - 1982-1985

14. G. Lombardi - Suíça - 1985-1988

15. J.A. Veltrop - EUA - 1988-1991

16. W. Pircher - Áustria - 1991-1994 10 11 12 13

17. T.P.C. van Robbreck - África do Sul - 1994-1997

18. K. Höeg - Noruega - 1997-2000

19. C.V.J. Varma - Índia - 2000-2003

20. C.B. Viotti - Brasil - 2003-2006

21. L. Berga - Espanha - 2006-2009 14 15 16 17

18 19 20 21
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Flavio H. Lyra e Delphim M. Fernandes. Os responsáveis pela


consolidação e pelos primeiros anos de sucesso do CBDB

56
56
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

História do Comitê
Brasileiro de Barragens
Flavio Miguez de Mello

A pré-história
Em 1936, o engenheiro Francisco Saturnino de Brito Filho,
ao regressar do Segundo Congresso Internacional de Grandes
Barragens realizado pela Comissão Internacional de Grandes Bar-
ragens CIGB em Washington, USA, trouxe consigo o firme propó-
sito de criar em nosso País uma entidade filiada à CIGB. Na época
a CIGB tinha apenas 26 comitês nacionais e havia intensa ativida-
de de projeto e construção de barragens em todos os países mais
evoluídos. Saturnino de Brito, maravilhado com as perspectivas
dos benefícios para o Brasil que eram decorrentes da ampla di-
vulgação de experiências de outros países, conseguiu encontrar
receptividade do engenheiro Luiz Vieira que conduziu a então
instituída Comissão Brasileira de Grandes Barragens.

Entretanto, após poucos anos e ainda nos anos trinta, com o


afastamento do engenheiro Luiz Vieira do Departamento Na-
Figura 1 – Saturnino de Brito Filho e Theophilo Benedicto Ottoni Netto
cional de Obras Contra as Secas DNOCS, a Comissão Brasileira
de Grandes Barragens teve suas atividades paralisadas, não
mais tendo contato com a CIGB e acumulando seguidos débi- empreendimento de maior destaque no País. O engenheiro
tos financeiros não cobertos por mais de vinte anos referentes Antônio Alves de Noronha, que presidia a Associação Brasileira de
às contribuições anuais à CIGB. Pontes e Grandes Estruturas, convocou um grupo para reorganizar
a Comissão, tendo convidado a Associação Brasileira de Mecânica
Somente em 1957, por iniciativa do engenheiro José Cândido Cas-
dos Solos para integrar esse grupo. O engenheiro Chamenski, que
tro Parente Pessoa, então diretor geral do DNOCS, a Comissão
presidia a Associação Brasileira de Mecânica dos Solos, envidou
Brasileira de Grandes Barragens veio a ser reativada. Foi indicado
esforços para conjugar essa associação com a Comissão. Nesse
para presidente da Comissão o engenheiro Casemiro José Munar-
período de cinco anos a Comissão ficou vinculada ao Ministério
ski que na época estava fazendo o projeto da barragem de Orós,
de Viação e Obras Públicas. Por esse motivo havia dificuldades da
57
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

O estatuto do CBGB foi aprovado em assembléia realizada


no Clube de Engenharia no dia 25 de outubro de 1961. Pelo
estatuto o conselho era composto por 12 membros, três indicados
pela ABMS, três indicados pela APGE e seis eleitos em assembléia
pelos sócios individuais. A diretoria, composta pelo presidente,
dois vice-presidentes, um diretor secretário e dois diretores tesoureiros
era eleita pelo conselho, sendo os membros da diretoria partici-
pantes do conselho. Nessa primeira assembléia foi eleita por aclama-
ção uma diretoria presidida por Antônio Alves de Noronha que teve
como secretário o engenheiro Lucio Washington. A assembléia
seguinte foi convocada para o dia 24 de janeiro de 1962. Nessa
segunda assembléia foi eleita a diretoria presidida pelo engenheiro
Flavio Henrique Lyra da Silva, tendo como diretor secretário
Sydney Gomes dos Santos que foi substituído por Delphim
Mazon Fernandes a partir de 25 de março de 1963.

Figura 2 – Casemiro José Munarski ao


lado de João Alberto Bandeira de Mello

manutenção das obrigações financeiras da Comissão com a CIGB,


obrigações estas que novamente não vinham sendo cumpridas.

Os primeiros anos da história


O grupo constituído pelas associações de Pontes e Grandes Estruturas
e de Mecânica dos Solos elaborou os estatutos do Comitê Brasileiro
de Grandes Barragens CBGB e trabalhou para que fossem arreca-
dados recursos financeiros que cobrissem os débitos com a CIGB.
Dessa forma, na última hora, os recursos levantados junto a em-
presas privadas foram entregues à CIGB no dia anterior à abertura
da reunião executiva de 1961. Constava da pauta da reunião executiva
a nova exclusão da representação brasileira dos quadros da CIGB.
A CIGB retirou da pauta a nova exclusão da representação brasileira
e o CBGB pode participar dessa reunião executiva e do VII Con-
gresso Internacional, ambos realizados em Roma, época em que a
CIGB apresentava crescente participação de comitês nacionais
Figura 3 - Antônio Alves de Noronha, primeiro presidente
que naquele ano já eram 48. do CBDB de outubro de 1961 a início de 1962
58
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

A necessidade de uma associação técnica ativa no campo das bar-


ragens era indispensável para a evolução da tecnologia nacional.
O CBGB passou a ter importante suporte de Furnas já que o
presidente do CBGB era diretor técnico de Furnas e seu diretor
secretário no CBGB era seu principal assistente na diretoria técnica
de Furnas. A sede do CBGB passou a ser parte de uma sala da
diretoria técnica de Furnas. Os engenheiros Flavio Lyra e
Delphim Fernandes, presidente e diretor secretário respectiva-
mente, permaneceram nesses cargos por quatro diretorias até 1976
quando o engenheiro Flavio Lyra, por ter sido eleito presidente
da CIGB, se afastou da presidência do CBGB.

Os eventos nacionais
Desde 1962 o CBGB passou a atuar nos moldes da CIGB,
Figura 4 – Antônio José da Costa Nunes, promovendo seminários nacionais de grandes barragens e apoian-
vice-presidente do CBGB em vários mandatos do atividades de comissões técnicas. Os trabalhos apresentados
nos seminários são o perfil do desenvolvimento da tecnologia apli-
cada a projeto e construção de barragens no País. Nos primeiros
O grande impulso que estava ocorrendo no Brasil no campo da seminários o número de trabalhos era modesto mas, a partir
implantação de barragens no pós-guerra e principalmente nos anos do Sexto Seminário em 1970, o número de trabalhos passou a
cinqüenta, notadamente no Nordeste com a construção de açudes ser expressivo, constituindo uma importante contribuição para a
com dimensões sensivelmente superiores aos anteriormente cons- divulgação de experiências profissionais. Em cada sessão técnica
truídos e com a necessidade de promover a instalação de grandes sempre houve um relato do respectivo tema feito por um profis-
hidroelétricas, tornou-se necessária a difusão de conhecimentos sional de reconhecida experiência e destaque no âmbito
na área da engenharia de barragens e de tecnologias correlatas. nacional. Nos primeiros cinco seminários os temas eram li-
Dessa forma, uma atuação efetiva junto à CIGB foi encarada como mitados a apenas três. A partir do VI Seminário realizado no
uma necessidade premente. Antes dessa fase, as barragens eram de Rio de Janeiro em novembro de 1970 e até a presente data,
dimensões mais modestas (a primeira barragem com altura superior os seminários passaram a ter quatro temas.
a 50 m foi Boqueirão das Cabaceiras, na Paraíba, em 1956) e as
hidroelétricas eram de pequeno e médio portes para os padrões atuais. Interessante notar pelo temário do primeiro seminário realizado
Foi nessa época que, com parcos recursos humanos, grandes açudes em julho de 1962, o estágio inicial da tecnologia no País.
começaram a ser construídos como Orós e Banabuiú (Arrojado Os temas foram: Métodos de investigação de fundações de barragens;
Lisboa), ambos no Ceará, e hidroelétricas de grandes proje- Disponibilidade, no Brasil de organizações e de equipamentos
ções a nível internacional estavam começando a ser projetadas para construção de grandes barragens; Disponibilidade, no Brasil,
e construídas como Furnas, Três Marias, Jupiá e Paulo Afonso. de laboratórios para ensaios e experiências, ligados ao projeto e à
O País estava entrando em uma era de realizações de grande vulto. construção de barragens.

59
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 5 – Mesa de abertura do


XIII SNGB – Rio de Janeiro
1980 – Flavio H. Lyra, Carlos
A. P. Amarante, Delphim M.
Fernandes, Licinio M. Seabra

J á n o S eg u n d o S e m i n á r i o , r e a l i z a d o em S ã o P a ul o em Considerando a importância da maximização de benefícios


junho de 1963 aparece a dedicação do CBGB à segurança propiciados pelas barragens, desde o XIV Seminário realizado em
de barragens com o tema Acidentes em barragens. Essa Olinda os usos múltiplos de reservatórios passaram a ser realçados.
dedicação passou a ser manifestada em diversos seminários Análises de risco começaram a ser discutidas desde 1987 no XVII
posteriores assim como temas relativos à tecnologia de estu- Seminário Nacional realizado em Brasília. Como reflexo das altera-
dos, concepção, cálculo e construção de barragens e operação ções no modelo do setor elétrico, a partir de 1997 passaram a serem
de reservatórios. discutidos temas institucionais e o retorno com maior intensidade
de investimentos privados na implantação e operação de barra-
A auscultação de barragens apareceu a partir do IV Seminário gens hidroelétricas. Os esforços do CBDB pelo estabelecimento
realizado no Rio de Janeiro em outubro de 1985. Temas de uma legislação sobre a segurança de barragens e das interfaces
sobre meio ambiente passaram a ser freqüentes já a partir com órgãos concedentes e de licenciamento ambiental passaram
do VIII Seminário, realizado em São Paulo em novembro a ser debatidos nos seminários mais recentes já no Século XXI.
de 1972. A partir de 1980, no XIII Seminário realizado no
Rio de Janeiro, barragens de rejeitos passaram a freqüentar Após os nove primeiros seminários realizados no eixo Rio de
os temários. Janeiro e São Paulo, a diretoria do CBGB passou a realizar seminá-
60
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

rios em diversos outros centros, com grande sucesso. Dessa forma oportunidade de visitar obras de grande vulto que estavam em
foram realizados 10 seminários no Rio de Janeiro, 3 em São Paulo, construção no País.
dois em Curitiba, dois em Fortaleza, dois em Belo Horizonte, um
em Olinda, um em Brasília, um em Aracajú, um em Foz do Iguaçu, Em 1982 o CBGB foi novamente anfitrião de uma reunião
um em Salvador e um em Belém. executiva no Rio de Janeiro, seguida de um congresso internacional.
Mais uma vez os participantes ficaram vivamente impressionados
Considerando as crescentes atividades de implantação de com o vulto das obras que foram incluídas nas diversas viagens
pequenas centrais hidroelétricas, o CBGB passou a organizar de estudo. Nessa ocasião, pela primeira vez foi realizado um
simpósios sobre pequenas e médias centrais hidroelétricas a simpósio em reunião executiva da CIGB, o que se tornou prá-
partir de 1998. tica em reuniões posteriores. O Simpósio foi sobre arranjos
de barragens em vales estreitos.

Os eventos internacionais
Consolidando sua projeção internacional, o CBGB tem
colaborado efetivamente com a CIGB pela participação em diversos
comitês técnicos desde os anos sessenta. Com esse mesmo objetivo,
o CBGB editou importantes livros sobre barragens brasileiras:
Topmost Dams of Brazil (1978), Dams in Brazil (1982), Dams in the
Northeast of Brazil (1982), Main Brazilian Dams (1982), Large
Brazilian Spillways (2002), Main Brazilian Dams II (2000), as duas
edições de Highlights of Brazilian Dam Engineering (2000 e 2006),
Diversion of Large Brazilian Rivers (2009), Main Brazilian Dams III
(2009), Desvios de Grandes Rios Brasileiros (2009), Dicionário de
Barragens (2010). Também foram publicadas diversas traduções
dos boletins técnicos do CIGB.

Quanto a eventos internacionais, o CBGB teve seu batismo em


1966 na reunião executiva da CIGB realizada no Rio de Janeiro
com extremo sucesso. Na ocasião os participantes tiveram a

Figura 6 - 34a Reunião Executiva - Rio de Janeiro


1966 Flavio Lyra e J. Guthrie Brown

61
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 7 – Simpósio Internacional sobre Arranjos


de Barragens em Vales Estreitos – Rio de Janeiro
1982 – Marcos Schwab e Leo Penna

Em 2002 novamente o CBDB promoveu uma reunião


anual da CIGB, desta vez em Foz do Iguaçu com o Inter-
national Symposium on Reservoir Management in Tropical and
Sub-Tropical Regions.

Em 2009 novamente o Brasil foi sede de reunião anual


e do congresso internacional da CIGB, tendo também
realizado o International Symposium on Dams and Reservoirs for
Multiple Purposes.

Figura 8 - 14o Congresso Internacional CIGB – Rio


de Janeiro 1982 – coronel Mauro Moreira, general
Costa Cavalcanti, Delphim M. Fernandes, João
Alberto Bandeira de Mello, Carlos Alberto de Padua
Amarante, John Cotrim e Pierre Londe

62
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Figura 9 - 70a Reunião Anual CIGB –


Foz do Iguaçu 2002 –
Cassio Viotti (presidente CBDB)

A evolução institucional do Comitê Presentemente são os seguintes núcleos regionais:

Núcleo Regional - Bahia


Semelhantemente à CIGB que se separou da Conferência Mundial
da Energia, no final dos anos sessenta, o Comitê deixou de ter os Núcleo Regional - Ceará
conselheiros indicados pela ABMS e pela ABPGE. Núcleo Regional - Goiais/Distrito Federal
Núcleo Regional - Minas Gerais
Objetivando uma ampliação de suas atividades que demanda- Núcleo Regional - Paraná
riam maiores recursos financeiros, em 1976 o Comitê lançou Núcleo Regional - Pernambuco
a campanha de angariação de sócios coletivos e mantenedores Núcleo Regional - Rio De Janeiro
que, pelo estatuto da época tinham tantos votos em assembléias Núcleo Regional - Rio Grande Do Sul
quanto as cotas subscritas. Na primeira eleição de conselho Núcleo Regional - Santa Catarina
realizada em Fortaleza em 1976, uma chapa montada pela
Núcleo Regional - São Paulo
Eletrobras colocou no conselho todos os membros menos o
Flavio Lyra. Pouco depois houve nova alteração dos estatutos, Os núcleos têm mantido importantes atividades em suas regiões,
passando os sócios coletivos e mantenedores serem restritos destacando-se palestras e simpósios de elevado interesse. Em 1999
a elegerem seis membros do conselho. o nome do Comitê Brasileiro de Grandes Barragens CBGB foi
alterado para Comitê Brasileiro de Barragens CBDB de forma a
A partir dos anos noventa, com o objetivo de dinamizar a atuação
abranger também as barragens de menor porte inclusive aquelas da
do CBDB em todas as regiões, foram criados os núcleos regionais.
grande maioria das pequenas centrais hidroelétricas.
63
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 10 - Sessão de abertura do XXVI Seminário Nacional de Grandes Barragens -


Goiânia 2005. Da esquerda para direita: José Pedro Rodrigues de Oliveira presidente
de Furnas, Dilma Roussef ministra de Minas e Energia, Marconi Perillo governador
de Goiás, Edilberto Maurer presidente do CBDB

Em 1999 o nome do Comitê Brasileiro de Grandes Barragens Figura 11 - Como sempre realizado em eventos do
CBGB foi alterado para Comitê Brasileiro de Barragens CBDB de CBDB, visita técnica a obras ( barragem de Itaipu)
forma a abranger também as barragens de menor porte inclusive
aquelas da grande maioria das pequenas centrais hidroelétricas.

A cada período de três anos, o CBDB, ao renovar seu conselho,


tem seis de seus conselheiros eleitos pelos sócios mantenedores e
coletivos e doze eleitos pelos sócios individuais. Os membros da
diretoria saem desses conselheiros eleitos, havendo a possibilidade
de serem nomeados até dois diretores adjuntos com funções
específicas. Os ex-presidentes são membros do conselho.

Presentemente (março de 2011) o CBDB conta com um quadro


social composto por 1088 sócios individuais, 18 sócios coletivos e
35 sócios mantenedores.

Figura 12 - Homenagem ao dr. Flavio H. Lyra – Rio de Janeiro 2004


– Maria Lyra e Heloi José Fernandes Moreira (diretor da Escola
Politécnica da UFRJ, onde Flávio H. Lyra se formou em engenharia)

64
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Figura 13 - Homenagem ao dr. Flavio H. Lyra – Rio de Janeiro 2004 – Figura 14 - Conselheiros do CBDB com familiares em um
Erton Carvalho (diretor CBDB), Cassio Viotti (presidente da CIGB) e dos eventos sociais que são sempre realizados em seminários,
Delphim Fernandes (ex-presidente do CBGB) simpósios e congressos

Figura 15 - Dirigentes e
ex-dirigentes do CBDB
em exposição técnica.
Nos eventos nacionais e
internacionais o CBDB
promove sempre
exposições técnicas de
elevado interesse

65
Açude de Cedros, no Ceará. Vista da barragem, do seu dique e de seu sangradouro. Primeira obra de barragem para combate às secas
no País. Em operação desde 1906, a barragem é, juntamente com Lajes, no estado do Rio de Janeiro, a mais antiga grande barragem
construida no Brasil
66
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Um Século de Obras
contra as Secas
“O sertanejo é, antes de tudo, um forte” Flavio Miguez de Mello
Engenheiro Euclides da Cunha

O Nordeste é uma região com 1.548.672 km² que corresponde a atingida pela tragédia. Esse foi de longe a maior catástrofe gerada
18,2% do território nacional, incluindo a totalidade dos estados por fenômenos naturais que ocorreu no País. A tentativa de de-
do Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Per- bandada da população interiorana redundou na morte pelos
nambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia. Em função de características caminhos e na proliferação de doenças como o tifo, o paratifo e a
climáticas, áreas do norte do estado de Minas Gerais e leste do estado varíola. Na seca de 1915 pereceram 27 mil cearenses e 75 mil
de Tocantins são assemelhadas ao Nordeste. Em números redon- emigraram para a Amazônia.
dos, o Nordeste pode ser dividido em três partes: O semi-árido com
cerca de 800.000 km², o semi-úmido com cerca de 600.000 km² Em 1856 o Governo Imperial instalou a Comissão Científica
e o úmido com os restantes 200.000 km². O semi-árido é com- de Exploração para coordenar os estudos e analisar as soluções
preendido pelo Polígono das Secas que tem 936.933 km² e onde para o problema das secas. A Comissão recomendou que fossem
chove em média menos do que 800 mm/ano. efetuadas a melhoria do sistema de transportes, a construção de
açudes, a instalação de estações meteorológicas e a transposição das
As secas são registradas desde o descobrimento. A primeira seca águas do rio São Francisco para a bacia do rio Jaguaribe. Antes
historicamente constatada foi em Pernambuco em 1583. Seguiram- dessa Comissão havia apenas um posto pluviométrico em Recife
se quatorze secas no Século XVIII, doze no Século XIX e dezoito operando desde 1842 e outro em Fortaleza desde 1849. Esses pos-
no Século XX. Uma das secas remotas foi responsável pela expul- tos em áreas litorâneas não eram referências para a região do semi-
são dos holandeses que tentaram se estabelecer no Ceará. Uma árido. O primeiro posto no interior já sob influência da Comissão
curiosa tentativa de minorar o sofrimento dos sertanejos com foi o de Quixeramobim, no Ceará, instalado em 1896. As melhorias
as secas ocorreu em julho de 1859 quando, por encomenda do nos sistemas de transporte foram discretas em função inicialmente
Governo Imperial, o navio francês Splendide desembarcou no por- da precária situação financeira ocasionada pela Guerra da Tríplice
to de Fortaleza 14 camelos que vieram para procriarem e apoiar as Aliança e, posteriormente, pelo governo republicano. Quanto à cons-
populações no transporte pela caatinga do semi-árido. Entretanto, trução de açudes, foram iniciadas apenas as obras da barragem de
essa tentativa fracassou pela falta de adaptação dos camelos ao Cedro em 1884 que só foram concluídas em 1906. As obras de
solo duro e pedregulhoso. transposição das águas do rio São Francisco só agora, no início do
Século XXI, mais de cem anos depois, estão sendo iniciadas, mes-
As secas deixaram marcas que não se apagam por mais que os mo assim sob forte oposição ambiental. Dessa forma, quando a
anos passem. A Grande Seca que ocorreu de 1877 a 1879 ceifou a mais intensa e prolongada seca atingiu o semi-árido, em 1877, não
vida de mais da metade das 1.754.000 pessoas que residiam na área havia meios de transporte eficientes para a retirada das popula-
67
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

ções interioranas, o primeiro açude não estava concluído e não missão de Perfuração de Poços, e a Comissão de Estudos e Obras
havia registros pluviométricos no semi-árido. A população do inte- Contra as Secas. Essas comissões foram aglutinadas em 1906 na
rior, depois de meses de seca, não mais conseguiu se retirar para o Superintendência de Obras Contra os Efeitos das Secas. Os pre-
litoral, ocasionando mortes em larga escala. cários resultados observados levaram, em 21 de outubro de 1909,
pela idealização de Francisco Sá, Pires do Rio e Arrojado Lisboa,
A Grande Seca (1877-1879) de devastadoras conseqüências im- à criação pelo governo de Nilo Peçanha, da Inspetoria de Obras
pactou o Governo Imperial, tendo o próprio imperador Pedro II Contra as Secas IOCS, embrião do Departamento Nacional de
estado no local assolado pela seca. Importante consignar que em Obras Contra as Secas DNOCS.
sessões sob o comando do Conde D’Eu no Instituto Politécnico
situado na Corte, foi debatido amplamente o problema das se- O primeiro inspetor chefe da IOCS foi o dinâmico engenheiro
cas no Nordeste. Cabe aqui realçar algumas posições decorrentes Miguel Arrojado Ribeiro Lisboa que, devida à carência de recursos
desses debates. Os debates retroagiram à proposta de Gabaglia de 1861 humanos na época, convocou renomados profissionais do Sudeste e
que compreendia a perfuração de poços artesianos e a implantação do exterior para o desenvolvimento de estudos bastante completos,
de barragens. O professor André Rebouças havia escrito em 1877 abrangendo a hidrologia, a geologia, a pedologia, a botânica, a sociologia,
o trabalho “As Secas nas Províncias do Norte”. Rebouças reconhe- a antropologia e a economia. Durante dez anos a IOCS se dedicou a obras
cia a necessidade de ações imediatas, principalmente naquela época de infra-estrutura e promovia apoio aos flagelados assolados pelas secas.
de início de mais uma seca; defendia a construção de obras estrutu-
rais, integradas e definitivas, incluindo poços artesianos, residências Em 1919, no governo de Epitácio Pessoa, esse órgão passou a se
cujos telhados captassem águas de chuva direcionadas para cister- denominar Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas IFOCS. A
nas, construção de barragens e canais, implantação de ferrovias e IFOCS manteve a construção de açudes, tendo implantado mais de
até dessalinização de água do mar. O engenheiro e escritor vinte açudes públicos com destaque para Forquilha e Quixeramobim,
Manuel Buarque de Macedo preconizou que o tesouro imperial ambos no Ceará, complementando alguns dos açudes com piscicultura
não dispunha de recursos para implantar tantos projetos, defendendo incipiente e mesmo irrigação que já havia sido iniciada no açude de
a implantação de açudes menores e estradas distritais. O engenhei- Cedro. Com a eleição de Artur Bernardes à presidência da República
ro Zózimo Barroso propôs a construção de uma rede de grandes em 1922, houve a suspensão de todas as obras e a IFOCS qua-
açudes. O geólogo Silva Coutinho também defendeu a construção se desaparece; seu sucessor, Washington Luiz, eleito em 1926, dá
de grandes barragens. O senador Pompeu e o engenheiro Henri- prosseguimento ao processo de inanição da IFOCS. Registra-se que
que de Beaurepaire Rohan salientaram a importância do refloresta- durante os oito anos desses dois mandatos, a soma dos recursos des-
mento extensivo da região. O professor André Rebouças destacou tinados à IFOCS representou apenas 20% dos recursos despendidos
também a importância da instalação de rede telegráfica e melhorias nos dois últimos anos do governo de Epitácio Pessoa que os antecedeu.
nos portos da província do Ceará para possibilitar a implantação de Nesse período de carência de recursos sobressai-se, em desenvolvi-
vias férreas; enfatizou também a necessidade de construção de mento tecnológico, o aparecimento da “Formula de Aguiar” que serviu
abrigos e de alimentação para os flagelados. de base aos estudos posteriores de hidrologia e dimensionamento
de açudes por muitas décadas ao longo do Século XX. Processando
O Século XX foi iniciado com outra seca no Nordeste. Como de dados hidrológicos principalmente das bacias hidrográficas dos rios
costume, só em época de calamidades é que obras e organismos Quixeramobim e Jaguaribe, o engenheiro Gonçalves Aguiar elabo-
governamentais são efetivados. Assim, a partir de 1904, foram rou notável análise hidrológica de caráter determinístico publicada
criadas três comissões: a Comissão de Açudes e Irrigação, a Co- em trabalho intitulado Estudo Hidrométrico do Nordeste Brasileiro.
68
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Figura 1 - Barragem Lima Campos


em construção em 1932

Figura 2 -
Barragem do Choró
em construção em
1933. Face de
montante com lajes
de concreto

69
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 3 - Inauguração do Açude Público


Boqueirão em 1957 com a presença do
pres. Juscelino Kubitschek e do ministro
Lúcio Meira da viação e obras públicas

Figura 4 - Açude
Choró – Vista do
talude de montante
ao final da construção
em 1934

70
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Com o golpe de estado de 1930, assume a presidência Getúlio só noite no campo do Urubu. Raquel de Queiroz usou a expres-
Vargas que nomeia José Américo de Almeida para o Ministério de são campo de concentração em seu romance “O Quinze” escri-
Viação e Obras Públicas que, por sua vez nomeia o engenheiro to em 1930, portanto, antes da seca de 1932, o que comprova a
Artur Fragoso de Lima Campos inspetor geral da IFOCS. Em prática nos primeiros anos da República. No livro “Barragem
1932 Lima Campos faleceu em acidente aéreo, tendo sido substituí- do Patu, os Descaminhos de uma Obra”, Adriano Bezerra relata
do pelo engenheiro Augusto da Silva Vieira. Em 1932 ocorreu uma o ocorrido em 1932 no campo de concentração em Senador
seca severa e o canteiro de obra da barragem de Patu que havia sido Pompeu onde os corpos das vítimas da sede e da fome eram jo-
paralisada em 1923, se transformou em um campo de concentração, gados em valas coletivas após a extração dos fígados que eram
um cemitério de quinze mil mortos-vivos. A barragem foi concluída destinados a exames médicos. Os guardas só davam um farelo
em 1986, 65 anos após o início de suas obras. Seu reservatório, com amarelo, sangue de boi e carne da cabeça de gado como comi-
71,8 milhões de metros cúbicos de capacidade daria para atender da. Uma epidemia de piolho levou o governo a ordenar que
60% da atual população de Senador Pompeu mas, segundo Fran- as cabeças fossem raspadas. Era comum passarem em redes
cisco Luís de Araújo, residente da Empresa de Assistência Agro- mais de trinta mortos por dia cujos corpos eram jogados em
pecuária do Ceará, a irrigação se devidamente implantada po- valas comuns. Os flagelados que reclamavam das condições a
deria beneficiar três mil famílias, quando apenas 36 famílias são que eram sujeitos, eram classificados como infratores, sendo vio-
presentemente beneficiadas com a irrigação. lentamente penalizados e recolhidos ao sebo, uma pequena gaiola
de varas. Os detentos nos campos de concentração eram reduzidos
A seca de 1932 marcou profundamente os que sobreviveram aos a pele e osso como os filmados pelas tropas americanas ao chegarem
campos de concentração. Os campos foram criados pela IFOCS em aos campos de concentração nazistas na II Guerra Mundial.
Fortaleza, Quixadá, Quixeramobim, Cariús, Ipu, Patu e Crato, no
Ceará, para evitar que os flagelados inchassem as cidades. Cerca- Em dezembro de 1945 o presidente José Linhares e seu ministro
dos por muros e por arames farpados, os flagelados se espremiam Maurício Joppert da Silva transformam a Inspetoria no Departa-
como uma massa esquálida e faminta; morriam de desnutrição e de mento Nacional de Obras Contra as Secas DNOCS que, a partir
doenças diversas nos “currais de fome”. Propositalmente ignora- do ano seguinte sob o governo Dutra se mantém com recursos
dos pela historiografia oficial, os campos de concentração ainda exíguos e praticamente limitados às obras de construção de açu-
estão vivos na memória dos poucos sobreviventes. Hoje há esfor- des, sem dar seguimento a obras de irrigação e de piscicultura, não
ços para que seja tombado o conjunto de edificações na barragem havendo recursos para formação de mão de obra, não houve fi-
de Patu, onde a empresa inglesa Dwight P. Robinson implantou nanciamento para a mecanização para a lavoura e a pecuária, não
um canteiro de obra, uma usina termoelétrica, escritório, depósito aconteceu a difusão de insumos, não foram criadas estruturas de
de explosivos e casas para seus executivos. Os ingleses se retiraram estocagem, não houve meios suficientes para a expansão de obser-
com a paralisação das obras ordenada pelo governo de Artur Ber- vações e estudos hidrológicos, não se promoveu acesso a crédito,
nardes. O maior campo de concentração era o de Crato que chegou não se promoveu a monetarização do mercado interiorano que fun-
a ter 65 mil flagelados. Entretanto, o primeiro campo de concentração cionava à base de escambo. Nesse período de penúrias o Departa-
que se tem notícia foi o campo de Urubu que foi instalado na seca mento foi dirigido por Luiz Vieira e Vinícius Berrêdo.
de 1915. Naquela época Fortaleza era conhecida por “loura despo-
jada pelo sol” e como ninguém gostaria de visitar a cidade inundada Com o retorno de Getúlio Vargas à presidência, desta vez eleito, o
por flagelados, foi formado o campo de concentração do Urubu. orçamento do DNOCS, ainda que insuficiente, foi duplicado em
Há relatos de mortes por febre tifóide de mil pessoas em uma relação ao orçamento deixado pelo seu antecessor. Dessa maneira
71
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

foram retomadas ou iniciadas as obras de diversas barragens os lados recursos necessários para a implantação da nova capital.
tais como Orós, Araras, Banabuiu, Boqueirão das Cabaceiras e O DNOCS não ficou isento a essa insaciável drenagem de recursos
Cocorobó. Nesse período tiveram início os estudos da hidroelétrica e algumas de suas obras ficaram sem recursos e sem crédito.
de Boa Esperança, posteriormente transferida para a COEBE e,
depois incorporada à CHESF. A mais notável delas, Orós, teve o seu colapso anunciado com
meses de antecedência pelos dirigentes do DNOCS dada a inca-
Ao assumir o governo federal, Juscelino Kubitschek, obcecado pacidade financeira e de crédito para concluir a barragem antes
pela sua meta síntese de construção de Brasília, drenou de todos do período de chuvas.

Figura 5 - Barragem
Quixeramobim

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Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

rompeu em 1961 a concessão de subsídios à construção de açudes


particulares por regime de cooperação e desacelerou a implanta-
ção de açudes públicos. No governo de João Goulart o DNOCS
passa à categoria de autarquia em junho de 1963 e passa a trabalhar
sob a coordenação da SUDENE em ocasiões de emergência.

Após a deposição do governo Goulart, o DNOCS passa a ser


gerido por sucessivos coronéis do Exército pouco versados nos
problemas do semi-árido. A modalidade tradicionalmente adota-
da de executar os empreendimentos por administração direta foi
abolida e o efetivo do Departamento passou a entrar em ociosi-
dade. Nos governos seguintes a maior atribuição do DNOCS foi
Figura 6 - Açude Mãe d’Água a de implantar perímetros irrigados.

Em 1999 assumiu o governo o general João Batista Figueiredo e,


em seguida, em paralelo ao segundo choque do petróleo, ocorreu a
severa seca entre os anos de 1980 a 1983. A mais importante obra
desse período foi a construção da barragem de Açu no Rio Gran-
de do Norte, com a capacidade de 2,4 bilhões de metros cúbicos
de acumulação. Durante a construção, apesar das advertên-
cias da empresa encarregada da fiscalização e de seu consultor
Mr. Holtz, engenheiro de carreira no U.S. Bureau of Reclamation,
uma argila de baixa resistência foi colocada anexa ao núcleo da
barragem se prolongando para montante em forma de tapete im-
permeabilizante. Ao final da construção, antes do enchimento do
reservatório, houve o colapso do talude de montante da barragem por
falta de resistência da camada de solo do tapete impermeabilizante.
Figura 7 - Açude Banabuiu As autoridades tentaram culpar o consultor, mas o engenheiro
José Candido Castro Parente Pessoa logrou provar na delegacia
A SUDENE concorreu com eficiência para a divulgação leviana perante a um juiz de direito, a inocência do referido consultor
da idéia de que a capacidade dos açudes então existentes seria sufi- que havia desaconselhado a execução do tapete.
ciente para atender à demanda de água do semi-árido para qualquer
seca que viesse a acontecer. A política de implantação de açudes Com a chegada de José Sarney à presidência da República é lançado
foi, então, brecada até que as secas intensas ocorridas no início o programa de irrigação de um milhão de hectares. Para esse pro-
dos anos oitenta demonstraram o equívoco dessa postura. grama foi sorrateiramente e oficiosamente quebrada a proteção à
engenharia brasileira conseguida por lei no governo Costa e Sil-
O governo Jânio Quadros, além de praticar uma injustificada caça va. Diversas empresas consultoras estrangeiras desembarcaram
às bruxas com relação aos dirigentes do período anterior, inter- no País para surpresa da Associação Brasileira de Consultores
73
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

de Engenharia. Nesta época o autor desse capítulo era o diretor feitas manutenções nessas barragens. Dois anos depois as obras
da ABCE encarregado da proteção à engenharia nacional. foram feitas com dispensa de licitação. Ao ser lançado o PAC –
Plano de Aceleração do Crescimento com uma verba de um bilhão
A viabilidade da existência do DNOCS passou a ser agenda do de reais em 2010, os recursos humanos da instituição não puderam
governo Fernando Collor de Mello que se instaurou em 1991. Foi acompanhar a disponibilidade financeira pela sua carência de es-
instalada uma comissão parlamentar mista tendo resultado daí trutura e de pessoal. Na sua época mais ativa, entre 1940 a 1960,
o relatório de Beni Veras que recomendava a manutenção do o órgão chegou a ter dezessete mil funcionários e fazia as obras por
DNOCS, mas sujeito a profundas modernizações. As moderniza- administração direta, com equipe própria. Hoje os funcionários da
ções foram estudadas, mas não foram implantadas no curto governo ativa não passam de mil e oitocentos, havendo mais de doze mil apo-
Itamar Franco nem no primeiro governo de Fernando Henri- sentados e pensionistas. Depois de passar trinta anos sem renovar
que Cardoso, apesar de neste governo ter ocorrida significativa seus quadros, a DNOCS pediu abertura de concurso para seiscentas
redução de diretores e cargos gratificados. No primeiro dia do se- vagas, mas o Ministério do Planejamento limitou a 92. Essa medida
gundo governo Fernando Henrique Cardoso, 1 de janeiro de 1999, não substituiu devidamente os terceirizados, que tiveram que ser
o DNOCS é finalmente extinto por medida provisória, acabando demitidos, pois vinham prestando serviços para a atividade fim
longa agonia. Entretanto, devido a impressionante mobilização de do órgão, o que é vedado pela legislação em vigor. O diretor geral
diversos setores da sociedade civil do Nordeste, e do peso do Nor- Elias Fernandes lamenta: “todos os meus funcionários têm cabeça
deste no parlamento, o DNOCS foi ressuscitado em maio de 1999, branca”. Da falta de condições do DNOCS e dos perversos cenários
mas sem dotações orçamentárias suficientes, ficando o órgão das secas surgiram construções de açudes particulares e por outros
nos limites da sobrevivência. A única obra importante foi conseguida órgãos federais e estaduais. Implantados em condições questioná-
pela bancada cearense no congresso: o açude Castanhão inaugurado veis, bastou que as precipitações em 2009 fossem 59% superiores
ao apagar das luzes do segundo governo de Fernando Henrique. à média anual para que houvesse o colapso de 50 açudes só
Esse açude e o longo canal de adução das águas à cidade de Forta- em Canindé, no sertão central do Ceará. Em Targinos, Ceará,
leza executado em tempo recorde de acordo com o planejamento 14 barragens colapsaram, muitas delas do INCRA.
do engenheiro José Cândido Pessoa, fortaleceu politicamente o
então governador Ciro Gomes e o lançou na política Federal. Cabe realçar a influência do United States Bureau of Reclamation
Assim, a era FHC deixou duas grandes marcas na Autarquia: a USBR no combate às secas do Nordeste brasileiro. O USBR foi
sua traumática dissolução com seu posterior ressurgimento e a primeira instituição americana dedicada ao estudo e desenvolvi-
a construção da maior barragem do semi-árido brasileiro que incluiu mento de recursos hídricos. Sua missão é o desenvolvimento de
a utilização rara em nosso País, de diques fusíveis. projetos de barragens de regularização e irrigação do árido oeste
dos Estados Unidos. Ao longo do Século XX o USBR implantou
Nos dois governos Lula houve reestruturação do DNOCS, mas centenas de barragens e mais de duzentos projetos de irrigação
não houve obras de barragens. A SUDENE que havia sido extinta no oeste americano. Seu criador em 1898, John Wesley Powell
por medida provisória em maio de 2001, foi novamente criada em deu origem a uma das mais destacadas instituições de engenharia
janeiro de 2007 com o objetivo de reassumir o planejamento regional. já formada. Engenheiros do DNOCS e de outras instituições bra-
A diretoria do DNOCS alertou em 2008 que eram urgentes as sileiras, inclusive o autor, foram treinar nos seus escritórios, labora-
obras de recuperação dos açudes Estevam Marinho e Mãe D’Água tórios e obras. Alguns dos mais destacados profissionais do USBR,
sob o risco de se tornarem inoperantes e causarem danos irrepará- tais como Jack Hilf, W. Holtz e Hoffmann, estiveram dando
veis a bens e a vidas humanas, pois há mais de 40 anos não eram assistência técnica às obras de barragem do DNOCS.
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Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

As causas das secas no Nordeste ficaram desconhecidas até a Pedra Branca e Patu foram concluídas muitas décadas depois.
primeira metade dos anos 80 quando foi detectada a influência da A barragem de Orós cuja proposição é dessa época, teve suas obras
permanência de temperaturas mais elevadas da água no oceano interrompidas. Quando da primeira fase de construção que eram para
Pacífico na latitude do Peru, fenômeno conhecido desde os tem- ser uma barragem de alvenaria, nasceu no canteiro de obra o Theophilo
pos coloniais como El Niño. Um El Niño mais prolongado causa Benedicto Ottoni Netto que, como engenheiro sênior, viria projetar o
no território brasileiro secas no Norte e Nordeste e cheias no Sul. vertedouro da barragem. A barragem de Castanhão teve sua construção
A partir dessa época as secas passaram a ser previsíveis. proposta em 1910 e só foi executada quase 100 anos depois.

Ao analisar as atividades realizadas no combate às secas verifica-se Entretanto, nas fases em que o governo federal propiciou condições
que a descontinuidade na administração das agências de fomento financeiras adequadas, a IFOCS e seu sucessor DNOCS mostrou
e a alternância dos recursos disponibilizados fazem com que obras intensa atividade, sendo responsável pela implantação de mais de
iniciadas há várias décadas são descontinuadas ou retardadas. Barra- 220 grandes barragens (de acordo com a classificação da CIGB),
gens iniciadas ou projetadas no governo de Epitácio Pessoa como o que significa cerca de 20% das grandes barragens brasileiras.

Figura 8 - Jack Hilf e José Candido Pessoa. Exemplo de colaboração


do US Bureau of Reclamation para o DNOCS

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Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

As Barragens Construídas
pelo DNOCS
“Em 1896 há de haver mil rebanhos correndo da praia para o Flavio Miguez de Mello
sertão; então o sertão virará praia e a praia virará sertão.”

Antônio Conselheiro

O Departamento Nacional de Obras Contra as Secas e as inspetorias a construção de barragens era, em geral, feita em duas etapas:
que o antecederam foram os órgãos que mais barragens implanta- no primeiro ano se procedia a limpeza e o tratamento de fundação
ram no Brasil. Com o objetivo de promover condições de fixação e, no segundo ano, após o recuo das águas, se fazia as obras no
dos nordestinos cultivando o semi-árido, 214 grandes barragens leito do rio e nas margens. Até meados do século passado as
(de acordo com a classificação da Comissão Internacional de barragens eram de alturas modestas, sendo que só nos anos 50,
Grandes Barragens) foram implantadas até 1982. Essa cifra mos- em Boqueirão das Cabaceiras, foi implantada a primeira barragem
tra intensas fases de elevada atividade e outras fases de estagnação, de altura superior a 50 m. Como são muitas barragens, para o
em função do maior ou menor interesse do governo federal. presente livro o autor selecionou as barragens do açude de Cedro
por terem sido as primeiras grandes barragens do Nordeste e as
Nos cento e vinte anos de atividades no combate aos malefícios mais bonitas até hoje, a barragem de Orós por ter tido impressio-
das secas, atividades que foram originadas das drásticas conse- nante acidente durante sua construção, a barragem de Engenheiro
qüências da Grande Seca que ocorreu de 1877 a 1889, muitas Ávidos pelo seu arrojado projeto original, a barragem de Cocorobó
barragens com características extremamente interessantes foram pelos motivos que determinaram a sua implantação e a barragem
construídas. Nos primeiros anos do século passado as barragens eram do Castanhão por ser a última grande barragem construída
de alvenaria de pedra, chamadas na época de barragens de peso, pelo DNOCS antes da publicação deste livro.
ou maciços baixos de terra cujo elemento impermeabilizante era
um diafragma central de alvenaria. No caso de haver ombreira em
rocha sã, o sangradouro podia ser simplesmente escavado numa
As barragens do açude de Cedro
das ombreiras, dispensando-se revestimentos. Considerando que
Logo após o término da Grande Seca, em 1880, o Governo Impe-
apenas os rios São Francisco, que flui desde Minas Gerais e o rio
rial encomendou ao engenheiro Jules Revy uma seleção de locais
Parnaíba que divide os estados do Piauí do Ceará são perenes, os
para implantação de barragens com o objetivo da formação de
demais cursos d’água do Nordeste são de regime intermitente,
açudes. Dentre os locais selecionados sobressaiu-se o sítio onde foi
implantado o açude de Cedro. Já em 1882 o primeiro projeto
estava pronto. Esse projeto, entretanto, foi modificado pelo enge-
Sangradouro de Castanhão nheiro Ulrico Mursa, da Comissão de Açudes e Irrigação. As obras
foram iniciadas em novembro de 1890 e foram concluídas em 1906,
77
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

sob a direção do engenheiro Bernardo Piquet Carneiro, após para- ções em sienito são, sua extensão de crista é de 415 m, seu vo-
lisações. O açude só foi verter (sangrar) pela primeira vez em 1924 lume é de 60.000 m³. O vertedouro (sangradouro) é também em
o que demonstra que, pela falta de dados hidrológicos na época alvenaria, de gravidade, com 7,5 m de altura e com lâmina livre pela
do projeto, o açude ficou super-dimensionado. crista; seu comprimento é de 209 m e seu volume é de 9.925 m³.
Há ainda dois diques de terra, um em cada margem do rio, deno-
O açude se localiza no rio Sitiá do sistema Jaguaribe, controlando minados Barragem Sul com altura de 17 m, comprimento de crista
uma área de drenagem de 224 km², com uma superfície de de 243 m e volume de 40.724 m³ e Barragem da Lagoa do Forbes
17,45 km², uma capacidade de acumulação de 126.000.000 m³ e com 4 m de altura, 464 m de extensão e 8.473 m³ de volume.
uma profundidade média pouco superior a 7 m. A alvenaria de pedra em sua crista, seu eixo curvo e os peque-
nos pilares com as grossas correntes aliados à Pedra da Galinha
A barragem principal é em arco gravidade de alvenaria, de longo Choca na margem direita da barragem e à esquerda do vertedouro
raio de curvatura de 254 m; sua altura é de 18 m sobre as funda- formam um conjunto arquitetônico de rara beleza.

Figura 1 –
Açude de Cedro

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Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

A barragem de Engenheiro Avidos, tando muitos matacões e elevada permeabilidade e a margem direita é
constituída por um gnaisse intemperizado. O projeto original da
antiga São José de Piranhas barragem compreende um maciço de terra a montante com talude
variável de cima para baixo de 2:1, de 2,5:1 e de 3:1, um núcleo de
A barragem é localizada no rio Piranhas, no município de Cajazeiras, concreto sob a linha de centro da barragem constituindo-se o prin-
Paraíba, controlando uma área de drenagem de 1124 km². O projeto foi cipal elemento de impermeabilização, e um maciço de enrocamento
concebido pelos engenheiros Luis Vieira e Vinícius Berrêdo, com a no espaldar de jusante com talude de 1,6:1. A barragem tem 44 m
colaboração de Moacyr Avidos, Regis Bittencourt e Lohengrin Chaves. de altura e 340 m de extensão. Na ombreira esquerda as escavações
atingiram a 14 m de profundidade. O vertedouro era de crista livre,
com ogiva de concreto de 160 m de extensão e cuja calha era constituída
por um revestimento do talude jusante em lajes articuladas de concreto
armado projetado para um pico de cheia da ordem de 800 m³/s e situ-
ado na parte central do corpo da barragem. As tomadas d’água são em
duas torres cilíndricas controladas por comportas que aduzem a água
para duas tubulações em células de concreto armado.

Consta que o padre Cícero havia dito que a barragem iria colapsar.
Realmente, o reservatório era mantido em nível baixo a maior parte
do tempo. A barragem havia sofrido recalques e os movimentos
provocaram a abertura de juntas na laje do vertedouro. Esses deslocamen-
tos se acentuaram após a passagem da cheia de 1963 que chegou, no seu
pico, a uma sobre-elevação de cerca de 0,30 m sobre a crista do vertedouro,
o que correspondeu a uma hidrógrafa defluente com pico de apenas
55 m³/s. Nesse ano, após a cheia, o engenheiro O. Rice do US Bureau
of Reclamation, em inspeção à barragem, recomendou que fosse cons-
truído um novo vertedouro na ombreia direita. Foi efetuado um novo
estudo hidrológico para verificação da hidrógrafa de projeto, tendo sido
definida uma hidrógrafa com pico de 1610 m³/s. Como esta era, nos países
ocidentais, uma das quatro barragens com vertedouro sobre o aterro e a
única das quatro que sobreviveu durante quase 30 anos de uso, como as
sondagens no aterro da barragem revelaram graus de compactação ina-
dequados, como a descarga de projeto deveria ser o dobro da descarga
Figura 2 – O engenheiro Moacyr Monteiro Avidos original e como essa descarga de projeto era quase 30 vezes superior à descar-
ga ocorrida em 1963, foi decidido que o vertedouro sobre a barragem seria
As principais condicionantes do projeto eram: não exigir fundação substituído por um vertedouro lateral provido de duas comportas de segmen-
em rocha sã e o elevado custo devido às dificuldades logísticas para to de 9 m x 10 m que descarregam as descargas vertidas em uma calha em
suprimento de cimento ao local da barragem. No local da barragem a concreto armado e dissipação em salto de esqui, o que correspondeu a
margem esquerda é composta por um quartzito decomposto, apresen- uma escavação de 300.000 m³ e a um volume de concreto de 16.000 m³.
79
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 4 - Açude Piranhas – Saída das


galerias da tomada de água

Figura 3 - Açude Piranhas durante sua construção


em 1936. Vista do talude de montante

Figura 5 - Açude Piranhas


durante sua construção
em 1936. Vista do
talude de jusante

80
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

A barragem de Orós que viria a ser destacado engenheiro hidráulico e professor


emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, formando
um sem número de engenheiros, incluindo seus filhos, uma
A barragem de Orós é situada no rio Jaguaribe, conhecido como o
neta e o autor desse capítulo. Curiosamente, como será mencio­
maior rio intermitente do mundo, no interior do estado do Ceará,
nado adiante, o engenheiro Theophilo teria atuação de destaque
a 450 km da capital Fortaleza. Sua principal finalidade é perenizar
no projeto do vertedouro da barragem de Orós quase cinqüenta
o rio e promover a irrigação nos trechos médio e baixo de seu vale.
anos depois do seu nascimento.
Como finalidades secundárias há a piscicultura e aproveitamento
hidroelétrico. Desde os tempos do Império e nos primeiros anos
A excepcional cheia ocorrida em 1924 destruiu ensecadeiras e
da república uma barragem no boqueirão de Orós vinha sendo
parte do canteiro de obra, tendo havido, no janeiro seguinte, drástico
considerada. Houve um primeiro anteprojeto desenvolvido no
corte de verbas e a conseqüente paralisação das obras no governo
início da Inspetoria de Obras Contra as Secas do qual não se tem
de Arthur Bernardes.
notícia por ter se perdido em incêndio ocorrido em dezembro
de 1912 na Primeira Seção dessa Inspetoria. A idéia inicial de uma
Em 1930 estudos adicionais foram realizados sob a orientação
barragem de eixo reto situada na entrada do boqueirão foi abando-
do engenheiro Luis Augusto Vieira.
nada em 1913, em vista dos resultados das sondagens executadas
pelo engenheiro britânico Louis Philips e pelo engenheiro José Em 1932 materiais e equipamentos foram retirados de Orós para
Gomes Parente. Essas sondagens indicaram no leito do rio uma as construções dos açudes de Pilões, Piranhas e São Gonçalo.
cavidade no seu topo rochoso de 40 m preenchida por aluviões. A barragem de Orós deixou de ser prioridade mesmo com a
A cerca de 200 m a jusante do eixo retilíneo original essa cavidade intensa seca de 1932. Posteriormente equipe do engenheiro
apresenta profundidades de até 80 m. Para fugir da cavidade duas Luiz Vieira elaborou dois estudos, um com barragem de terra e outro
alternativas de eixo foram indicadas: eixo reto na parte jusante do com barragem de concreto gravidade, ambos com eixo retilíneo a
boqueirão ou eixo acentuadamente curvo na entrada do boqueirão. jusante do boqueirão para evitar a espessa camada de aluvião que
Em 1919, motivado pela intensa seca que impactou a região, o havia sido detectada nos estudos iniciais.
governo federal contratou a empreiteira americana Dwight P. Ro-
binson & Co. para elaborar um novo projeto e implantar a obra Em 1940 foi concluído um túnel com 1600 m de extensão ligan-
sob a supervisão dos engenheiros Charles W. Comstock e J. A. do Orós ao açude de Lima Campos cuja capacidade de irrigação
Sargent. A barragem seria em alvenaria de concreto ciclópico execu- estava esgotada.
tada com apoio de cabo aéreo cujas torres foram instaladas nas duas
ombreiras. Todos os trabalhos de levantamentos e prospecções e Estudos e investigações geotécnicas efetuadas pelo engenheiro
de projetos de infra-estrutura tais como as instalações das resi- Arthur W. Schneider levaram a professor Casemiro José Munarski
dências e escritórios, acessos rodoviários, ferrovia, eletrificação e a conceber o projeto de uma barragem de terra zonada com
canteiro de obra, foram feitos pelos engenheiros A. Pyles, José Visetti, grande curvatura em planta para montante com o objetivo de fugir
C. P. Cunha, José Wright e George Shobinger. da espessa camada de aluvião. Em outubro de 1958 as fundações
da barragem estavam escavadas e tratadas. O maciço da barragem
Nessa fase inicial de construção participava da equipe o enge- seria erguido após a estação chuvosa seguinte, no decorrer de 1959.
nheiro Augusto Benedicto Ottoni. Durante essa fase, no interior Apesar de dispor de um túnel de desvio, Orós foi programada para
do Ceará, nasceu seu filho, Theophilo Benedicto Ottoni Netto, ter seu maciço totalmente construído em um período seco, como

81
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

era comum nos rios intermitentes do Nordeste. O próprio DNOCS


construía a barragem com equipamentos provenientes da recém
concluída construção da barragem de Araras.

A barragem, projetada com 54 m de altura e taludes de 2,5:1 e 2:1


respectivamente a montante e a jusante, ambos abrandados em cotas
inferiores, foi executada com espesso núcleo de argila arenosa com-
pactada em camadas de 15 cm e taludes externos em enrocamento que
envelopava, nos espaldares de montante e de jusante, zonas de solo
arenoso compactados em camadas de 30 cm de espessura. O túnel de
desvio situado na ombreira esquerda, tornou-se a tomada d’água e foi
revestido posteriormente com chapa de aço, apresentando a jusante Figura 6 - Galgamento da
barragem de Orós
uma bifurcação para um descarregador de fundo e para a instalação
de uma pequena hidroelétrica que só foi licenciada cinqüenta anos
depois. Como mencionado acima, na margem direita do reservatório Destaca-se a eficiente atuação das forças armadas no resgate das
havia sido construído um túnel que conduz descargas do rio Jaguaribe populações residentes a jusante da barragem. As informações
ao açude de Lima Campos com o objetivo de reforçar as vazões disponíveis dão conta de que apenas um óbito foi registrado,
para irrigação das áreas a jusante desse açude. tendo sido por infarto. O acidente e suas conseqüências impactaram
a opinião pública e muitos recursos foram angariados de populares
Entretanto, devido à incrível concentração de recursos federais e remetidos às vítimas do acidente. A campanha em muitas cidades
para a construção de Brasília, denominada pelo presidente Juscelino do País tinha o lema “Orós precisa de nós”. No âmbito externo, real-
Kubitschek de meta síntese, os demais empreendimentos governa- çam-se as atitudes de países no apoio às vítimas do rompimento
mentais ficaram com desmedidas carências de recursos. O DNOCS
passou a ter sérios problemas na manutenção do ritmo de cons- Figura 7 - Barragem de Orós
trução por falta de recursos financeiros para concluir a barragem a após a ruptura
tempo, tendo perdido também o crédito junto a fornecedores.
Debalde foram os alertas da direção do DNOCS e de seu diretor
geral, engenheiro José Cândido Castro Parente Pessoa, quanto ao
perigo da não conclusão da barragem antes do período chuvoso.
No final do período chuvoso, com a barragem ainda incompleta e
sem ser possível as águas afluentes atingirem a cota da soleira do
vertedouro ainda em escavação, a barragem começou a ser galga-
da. Era nos primeiros minutos da madrugada do dia 26 de março
de 1960. Os esforços para conter o colapso da barragem foram
inúteis. Cerca de 40% do volume do maciço já executado foi
erodido. Várias cidades situadas a jusante foram invadidas pelas
águas oriundas do colapso da barragem.
82
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

da barragem de Orós: Estados Unidos, Reino Unido, França,


Alemanha Ocidental, União Soviética e Vaticano.

A barragem foi rapidamente reconstruída entre julho de 1960


e janeiro de 1961, tendo sido inaugurada pelo presidente
Juscelino Kubitscheck. Apesar de ter sido o responsável
pela carência de recursos que ocasionou o colapso da barragem
com graves consequências para as populações de jusante, há
um monumento em bronze com a estátua do presidente em
tamanho natural.

Entretanto, o sangradouro permaneceu sem ser revestido de


concreto. A rocha local é composta por xistos da série Ceará,
destacando-se quartzitos xistosos dobrados e extremamente
fraturados. Pouco após a reconstrução da barragem, o ver-
tedouro apenas escavado, era protegido por uma pequena
ensecadeira. Em visita ao local em época em que o reservatório
estava com elevado nível d’água, uma alta autoridade federal
mandou abrir a ensecadeira. A água escoando a elevadas ve-
locidades sobre a rocha altamente fissurada, provocou grande

Figura 9 – Saturnino de Brito Filho, Juarez Távora, Theophilo


Benedicto Ottoni Netto e José Cândido Parente Pessoa em visita
ao modelo hidráulico reduzido do vertedouro de Orós

erosão regressiva que quase comprometeu a estabilidade da


ombreira esquerda.

Mais uma vez, após a emergência, recursos foram destinados a


concluir a obra do vertedouro. O projeto foi encomendado ao
Laboratório Hidrotécnico Saturnino de Brito – HIDROESB e
idealizado pelo Professor Theophilo Benedicto Ottoni Netto
aproveitando em parte a configuração da encosta erodida e
desenvolvendo uma concepção de elogiável arquitetura
Figura 8 - Erosão na área do vertedouro antes do revestimento de concreto
hidráulica, testada em modelo reduzido.
83
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 10 – Açude de Orós

Figura 11 – Vertedouro
de Orós em operação

84
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

A barragem de Cocorobó
Na última década do Século XIX foram travados vários combates
entre forças militares do estado da Bahia e, posteriormente, do
Exército Brasileiro contra jagunços seguidores da figura mística de
Antônio Vicente Mendes Maciel, conhecido por Antônio Conse-
lheiro. Inicialmente pacíficos, desarmados e militarmente despre-
parados, os seguidores de Antônio Conselheiro rechaçaram quatro
investidas e expedições das forças armadas, tendo sido finalmente
aniquilados em seu arraial denominado Belo Monte. Esse terrível
episódio de nossa história é magistralmente narrado por Euclides
da Cunha que foi testemunha ocular da terceira expedição coman-
Figura 12 – Prisoneiros da guerra de Canudos
dada pelo sanguinário coronel Antônio Moreira César, o corta
cabeças, que já havia assassinado mais de cem habitantes de Nossa
Senhora do Desterro, cidade posteriormente denominada Floria-
nópolis em homenagem ao ditador da ocasião, e, cem anos após,
também descrita com maestria por Mario Vargas Llosa, prêmio
Nobel de literatura em 2010.

Consta que o pedido da construção da barragem de Cocorobó


partiu do chefe político local durante a visita, em 1940, do presidente
Figura 13 – Estátua
Getúlio Vargas à região e ao segundo Arraial de Canudos, cons-
de Antônio Conselheiro,
truído em 1909 por parentes e sobreviventes do massacre. Getúlio tendo ao fundo o açude
teria perguntado a Isaias Canário o que poderia ser feito por Canudos de Cocorobó
e recebeu como resposta: “Um açude Senhor Presidente.”

Os estudos do DNOCS indicaram o boqueirão Cocorobó como o


sítio mais indicado para a construção da barragem. Na época, em ne- acumulado pelo açude não é suficiente para atender a exploração de
nhum momento foi cogitado que o sítio selecionado iria submergir o todo potencial de solo agricultável a jusante, como ficou evidenciado
que havia restado de Belo Monte, incontestavelmente de elevado va- nas estiagens ocorridas entre 1994 e 2000 quando as demandas fizeram
lor histórico. Principalmente após a construção, a seleção do local foi com que o espelho d’água atingisse níveis muito baixos, aparecendo
questionada por diversos pesquisadores e historiadores, havendo duas as antigas construções, principalmente a parte superior da igreja de
correntes distintas: a primeira acusa o governo federal de tentar apa- Antônio Conselheiro bombardeada por canhões do Exército.
gar da memória nacional o triste incidente de Canudos, escondendo
sob as águas a participação do Exército no conflito. A segunda de- A barragem, concluída em 1968, é uma estrutura de terra compac-
fende a idéia de que o boqueirão era o local mais apropriado para a tada, com 34 m de altura, 643 m de extensão de crista e volume de
implantação do açude. Mesmo no local selecionado, o volume d’água reservatório de 245,3 milhões de metros cúbicos. Na realidade, há
85
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

pareceres de engenheiros e mesmo de arqueólogos como Paulo Exército. Após o aniquilamento do arraial e de seus ocupantes, Pedrão que
Zanettini e Erica Gonzáles, que certificam que o local selecionado havia saído para combater a quinta expedição que chegava com soldados
é na realidade o mais apropriado para a implantação da barragem: do Rio Grande do Sul, se refugiou nos limites do Piauí com o Maranhão
a jusante o vale é muito aberto e com espessas camadas de sedimentos até que uma anistia permitiu que ele retornasse a Canudos. Pedrão
e a montante não havia local tão propício para um reservatório. faleceu e inaugurou o modesto cemitério que havia sido feito como
um dos equipamentos urbanos necessários para a construção da
Entretanto, houve um depoimento do diretor geral do DNOCS no barragem. Como havia sido o primeiro a falecer após a conclusão
início da construção da barragem ao autor deste capítulo, que justifica a do cemitério, o engenheiro José Cândido candidamente indicou a
interpretação de que a barragem teria sido construída para afogar a me- cova número um para acolher o falecido. Pouco tempo depois aden-
mória da Guerra de Canudos concluída em 5 de outubro de 1897. Era tra um coronel do Exército no escritório do referido engenheiro e
mesmo tentador tentar apagar qualquer registro do massacre dos habi- passa uma descompostura nele por ter enterrado na primeira cova
tantes de Belo Monte. Ao final da guerra, mesmo aqueles que se rende- do longínquo cemitério da obra “um inimigo da república”.
ram com a promessa de não serem mortos, homens, mulheres e crianças
foram cruelmente degolados pelas tropas do Exército sob o comando
do general Artur Oscar de Andrade Guimarães no incidente conhecido Barragem do Castanhão
por gravata vermelha. Segundo o engenheiro Euclides da Cunha que
esteve no teatro da guerra, “aquela campanha (do Exército) foi o maior Os primeiros estudos do Castanhão datam de 1910 quando o
crime praticado em território brasileiro.” geólogo americano Roderic Crandall realizou para a Inspetoria
de Obras Contra as Secas, estudos de locais para implanta-
O engenheiro José Cândido Castro Parente Pessoa contou que no início ção de açudes no Nordeste. Nesse trabalho ele identificou o
das obras da barragem conversou muitas vezes com o Pedrão, principal boqueirão do Cunha como sendo um local para implantação
jagunço de Antônio Conselheiro na fase final dos confrontos com o de uma barragem que promovesse alguma regularização e que

Figura 14 – Açude
de Castanhão

86
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

derivasse as águas do rio Jaguaribe. Oitenta anos após, nos


anos noventa, o projeto da barragem foi concluído e sub-
Agradecimento
metido a intensas e extensas discussões para a obtenção do
O autor agradece à engenheira Ana Teresa Ponte pelas foto-
licenciamento ambiental. Além da extensa área do reservatório,
grafias e informações.
o principal impacto foi a necessidade de reassentamento
de quinze mil pessoas que eram residentes na área a ser ala-
gada, incluindo a totalidade da sede municipal de Jaguaribara. Referências
O projeto foi aprovado no Conselho Estadual do Meio
Ambiente em dezembro de 1992 por doze votos a favor e oito Cunha, E. – Os Sertões – Editora Record, nona edição, 2007
contra. Em novembro de 1995 foi expedida a ordem de serviço
Departamento Nacional de Obras Contra as Secas –
autorizando o início da construção.
Barragens no Nordeste do Brasil, 1982

A descrença e a desconfiança permaneciam na população local e os Llosa, M. V. – La Guerra del Fin del Mundo – Seix Barral,
opositores mantinham todas as ações possíveis para evitar que a obra 1991
fosse iniciada. Para contornar essas dificuldades foi constituído um
Miguez de Mello, F. – A Century of Dam Construction in Brazil
colegiado que funcionou como um parlamento, acompanhando as
– Topmost Dams of Brazil, 1978
obras com reuniões públicas mensais em que as manifestações eram
livres. As discussões que foram mantidas no colegiado se transforma- Monteiro, H. P. – Cocorobó, uma Barragem Projetada para
ram em um documento de importância histórica com 6000 páginas Reacender as Esperanças no Futuro ou Apagar o Passado,
de transcrições de debates, 300 páginas de atas de reunião e 360 fitas Conviver, 2009
gravadas. As principais decisões do colegiado foram relativas ao
Lima, P. F. – Castanhão – Conviver, 2009
estabelecimento de uma tabela para indenizações de proprieda-
des, à seqüência de pagamentos e às prioridades no processo de Paulino, M. A. – Orós, Histórico sobre a Construção do
transferência da população, incluindo a seleção do local de cada nova Açude, Conviver, 2009
moradia, além do redesenho do município de Jaguaribara que teve
Sola J. A. – Canudos, uma Utopia no Sertão – Editora Con-
cerca de 60% de sua área alagada. Nesse aspecto foi importante a
texto, 1989
transferência de áreas dos municípios vizinhos de Alto Santo,
Morada Nova e Jaguaretama para o município de Jaguaribara.

A barragem do Castanhão foi concluída em 1999. A barragem é uma


longa estrutura de terra compactada com um trecho em concreto Figura 15 – Açude de Castanhão
compactado com rolo, com 3.450 m de extensão e 72 m de altura.
O vertedouro em concreto gravidade é provido de 12 comportas
de segmento de 10 m por 11,55 m, tendo capacidade de escoar a
descarga de projeto de 12.345 m³/s com sobre-elevação de 6 m.
O reservatório na El. 100 (nível máximo normal de regularização) pos-
sui uma área de 325 km² e represa 4,46x109 m³. O canal de derivação
se estende por 256 km com a capacidade adução de 22 m³/s.
87
88
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Resumo da História Remota


da Hidroeletricidade no Brasil
Flavio Miguez de Mello

Os primeiros tempos - Século XIX blico, pela primeira vez no País, uma experiência de geração e utili-
zação de energia elétrica que se tem notícia em território nacional.
A energia gerada foi utilizada para acender uma lâmpada, demons-
Recuamos à distante época dos meados do Século XIX quando trando que a eletricidade poderia trazer benefícios inestimáveis à
não havia ainda exploração econômica de energia elétrica no mundo. sociedade. Os que presenciaram a experiência, embora surpresos,
Nessa época o Brasil vivia no segundo reinado sob um impera- certamente não poderiam imaginar a dependência que a socieda-
dor extremamente interessado em todos os domínios da cultura, de viria a ter da eletricidade nos dias atuais. Cinco anos depois,
da ciência e da tecnologia. Não raro Dom Pedro II freqüentava em 1862, ocorreu na Praça da Proclamação, hoje Praça Tiradentes,
eventos técnicos na Faculdade de Medicina e na Escola Central, próxima ao prédio da Escola Central, uma nova demonstração
esta precursora das atuais Academia Militar das Agulhas Negras pública de iluminação baseada em energia elétrica, por ocasião
e Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro - da inauguração da estátua eqüestre de Dom Pedro I.
UFRJ. A Escola Central era situada no Largo de São Francisco de
Paula, no coração da cidade do Rio de Janeiro, prédio da UFRJ Em 1879 foi efetuado o primeiro emprego comercial do dínamo
hoje tombado pelo seu valor histórico e conhecido como Alma pela Edison Electric Light Co. em Nova York. Nesse mesmo ano,
Mater da Engenharia Brasileira. É do conhecimento de historiadores Dom Pedro II concedeu a Thomas Alva Edison a concessão para
o intenso interesse do Imperador pelos desenvolvimentos tecnológi- introduzir no Brasil os equipamentos de sua revolucionária invenção
cos que na época encontravam ampla divulgação na Escola Central. e inaugurou a iluminação elétrica da estação da Estrada de Ferro
Por ocasião de eventos no prédio, o Imperador chegava a ocupar a Pedro II, atual estação ferroviária situada na Avenida Presidente
sala frontal do segundo pavimento (na época o prédio era de dois Vargas, no Rio de Janeiro, na época sob a direção de Francisco
pavimentos), até hoje conhecida como a sala do trono, de onde Pereira Passos. Essa foi a primeira instalação de iluminação elétrica
despachava com sua equipe de governo. de caráter permanente que foi instalada no País.

No ano de 1857, por ocasião de uma homenagem ao Imperador Em 1881, por ocasião da viagem de Dom Pedro II a Minas Gerais,
Dom Pedro II no prédio da Escola Central, foi realizada em pú- o diretor Claude Henry Gorceix da Escola de Minas e Metalurgia
de Ouro Preto, fez acender uma lâmpada com energia proveniente
de um dínamo acionado pelos detentos da cadeia local.

A primeira instalação no País de iluminação com base em energia


Usina hidroelétrica de Tombos em Minas Gerais.
Vista do canal de adução para a casa de força.
elétrica em área externa foi efetivada em 1881 no Jardim do Campo
da Aclamação, atualmente Praça da República, no Rio de Janeiro,

89
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

pela Diretoria Geral dos Telégrafos, através de 16 lâmpadas de arco Companhia Força e Luz. Essa usina manteve uma centena de lâm-
voltáico supridas por dois dínamos acionados por um locomóvel. padas na região central da cidade com energia produzida por um
dínamo de 50 CV. Entretanto, a operação dessa usina teve vida
Em 1883, o Professor Armand de Bovet, da Escola de Minas e efêmera, não chegando a durar um ano sequer.
Metalurgia de Ouro Preto, contratado na Europa diretamente pelo
governo imperial como um dos docentes para aquela Escola, instalou Também em 1887 entrou em operação a usina hidroelétrica do
no ribeirão do Inferno, na bacia hidrográfica do rio Jequitinhonha, ribeirão dos Macacos, localizada em Honório Bicalho, atual mu-
no município de Diamantina, Minas Gerais, a mais antiga usina nicípio de Nova Lima, Minas Gerais. A usina, de propriedade da
hidroelétrica do País e uma das mais antigas do mundo. A usina Compagnie des Mines d’Or du Faria, aproveitava uma queda de cerca
dispunha de uma barragem que criava uma queda de cerca de 5 m, de 40 m acionando uma roda d’água de 20 pás que movimentava
casa de força abrigando duas máquinas Gramme de 8 CV cada, com dois dínamos Gramme com potência total de 500 CV. A energia
1500 rpm, gerando em corrente contínua, acionadas por uma era destinada às atividades de mineração, iluminação e esgotamento
roda d’água de madeira com 3,25 m de diâmetro. A transmissão de água nos túneis da mina de ouro e, posteriormente, à iluminação
era a mais longa do mundo na época, com 2 km de extensão (a trans- das residências do acampamento da empresa.
missão da primeira usina de Niagara Falls tinha 1,5 km). A energia
gerada movimentava duas bombas de desmonte a jato d’água para Ainda em 1887, Dom Pedro II acionou a ligação de 60 lâmpadas
exploração de diamante e, após pouco tempo, passou a ser utilizada da Edison Electric Co. na Exposição Industrial que foi instalada
também em iluminação. Essa foi a primeira usina hidroelétrica no no edifício do Paço, então ocupado pelo Ministério da Viação,
Brasil, pioneira de um desenvolvimento impar no século seguinte. na atual Praça 15 de Novembro, no Rio de Janeiro.

No dia 24 de junho de 1883, Dom Pedro II inaugurou, em Campos No dia 7 de setembro de 1889 teve início o emprego da hidroele-
dos Goytacazes, uma usina termoelétrica dotada de três dínamos, tricidade para serviço público no País pela iniciativa de Bernardo
com capacidade total de 52 kW. A iluminação pública contava com Mascarenhas, industrial estabelecido em Juiz de Fora. Nessa data
39 lâmpadas de 2000 velas cada. Ao longo de todo Século XIX a foi colocada em operação no rio Paraibuna, a usina hidroelétrica
iluminação não sofreu sequer uma paralisação noturna, sendo a Marmelos com 252 kW de capacidade em duas unidades gerado-
primeira verificada nas noites de 10 e 11 de junho de 1901. ras acionadas por duas rodas d’água. A barragem, hoje substituída
por uma estrutura de concreto gravidade, era um maciço de enro-
No dia 15 de novembro de 1884, a empresa Real & Portella camento impermeabilizado na face de montante por uma laje de
colocava em funcionamento a iluminação pública da cidade de madeira composta de pranchas aparelhadas. A usina encontra-se
Rio Claro no Estado de São Paulo, através de 10 lâmpadas de arco desativada há décadas, sendo hoje um pequeno museu mantido pela
voltaico de 2000 velas cada. CEMIG à beira da rodovia União Indústria, outro marco histórico
do progresso nacional, este devido a Mariano Procópio que obteve
Em 1887 a empresa Companhia Fiat Lux iniciou um serviço de ilumi- do governo imperial concessão para construir e explorar a rodovia
nação pública em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, com energia elétrica inicialmente utilizada por viaturas de tração animal.
gerada por uma termoelétrica com capacidade instalada de 160 kW.
Em 1893 era colocada em operação a hidroelétrica Luiz Queiroz
Em 1887 foi instalada uma pequena usina termoelétrica no Largo no rio Piracicaba, na zona urbana da cidade de Piracicaba, São Paulo.
de São Francisco de Paula, no Rio de Janeiro, de propriedade da Não havia barragem. A adução era feita por um desvio no

90
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

curso do rio próximo à sua margem


esquerda. A casa de força abriga quatro
unidades de potências e procedências
diversas somando 2,88 MW.

Em 1895 entrou em operação a hidroelétrica


de Corumbataí, no município de Rio Claro,
São Paulo. Duas barragens, uma no ribeirão
Claro e outra no rio Corumbataí, tinham seus
pequenos reservatórios unidos por um túnel
escavado em rocha. A casa de força abriga
duas unidades de capacidades distintas
que somam 1,7 MW.

Até a virada do Século XIX para o Século


XX as primeiras cidades por unidades da
Federação que tiveram serviços públi-
cos contínuos de força e luz foram, pela Figura 1 – Usina hidroelétrica de Marmelos
ordem cronológica, Campos dos Goytaca-
zes, no Rio de Janeiro (1883), Rio Claro, em
São Paulo (1884), Porto Alegre, no Rio
retratada pelas importações de carvão e de querosene que atingiam a apenas 6% e 2% do
Grande do Sul (1887), Juiz de Fora, em
total das importações do País. A abundância de lenha e a aparente ausência de reivindicações
Minas Gerais (1889), Curitiba, no Para-
populares para universalização dos serviços de eletricidade faziam com que não houvesse,
ná (1892), Maceió, em Alagoas (1895) e
por parte do poder público, preocupações com o suprimento de energia. Com uma
Estância, em Sergipe (1900).
atividade de exploração puramente extrativista dos recursos florestais com base em desma-
tamento da Mata Atlântica de forma dispersa e sem registros oficiais, não se desenvolvia a
O início do Século XX mineração de carvão e nem se considerava possibilidades da existência de reservas de petróleo.
O ambiente político era favorável a concessão a empresas privadas, independente da nacio-
(até 1913) nalidade, para serviços públicos e exploração de recursos naturais. Como não havia legislação
específica, as concessões de serviços de energia elétrica eram dadas pelo governo central,
Na virada do Século XIX para o Século por governos estaduais e mesmo por governos municipais. Nessa época estavam sendo
XX a população brasileira de 17 milhões iniciadas várias atividades de implantação de novos serviços de energia elétrica principalmente
de habitantes era predominantemente ru- no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Minas Gerais por empreendedores nacionais e
ral, situada não muito afastada do extenso estrangeiros. Destes últimos, destaque é devido ao grupo que se tornou a São Paulo Light e a
litoral nacional e servida por uma rede Rio Light. A primeira concessão do grupo foi dada pela Câmara Municipal de São Paulo
ferroviária de 14.000 km, uma das mais para serviços de transporte urbano em veículos movidos a eletricidade. Essa concessão
extensas do mundo na época. A energia da São Paulo Railway Light and Power Co. Ltd., formada em Toronto, Canadá, propiciou a
representava pouco na economia nacional vinda do principal executivo Frederick Pearson que trouxe o advogado e empreendedor
91
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 2 -
Barragem e
Reservatório
de Lajes

canadense Alexander Mackenzie e os engenheiros Hugh As hidroelétricas que eram instaladas no início do Século XX eram
Cooper e Robert Brown. A empresa passou a operar no País destinadas a suprir de energia elétrica centros isolados, tendo sido
ao abrigo da autorização concedida em 1895 pelo presidente instaladas por prefeituras ou por pequenos empresários para atendi­
Campos Sales. Nos últimos anos do Século XIX foram iniciadas mento às demandas das suas fábricas. Nesses casos, o excesso de energia
as obras da primeira usina hidroelétrica da empresa no Brasil, era destinado à iluminação pública e domiciliar. Desta maneira
no rio Tietê, a jusante da cidade de São Paulo, denominada surgiram os primeiros concessionários privados nacionais de energia
na época Parnaíba, hoje Edgard de Souza, que teria inicialmente elétrica nas regiões Sul e Sudeste. Com esse perfil de consumo e com
2.000 kW instalados. Essa usina foi sucessivamente ampliada os elevados custos da época em que todos os equipamentos eram im-
até atingir 16 MW instalados. Seu objetivo inicial era atender portados, as hidroelétricas eram em geral de portes muito modestos e
às necessidades da rede de transportes urbanos e iluminação tinham casas de força em posição remota em relação às barragens.
da cidade de São Paulo. A quase totalidade delas e suas áreas de concessão foram sendo
incorporadas por empresas maiores, tendo sido, na quase totalidade,
No Rio de Janeiro a primeira hidroelétrica foi Fontes, instalada pela desativadas anos depois.
Light em 1905 com a finalidade de proporcionar iluminação pública
e residencial bem como tração para os bondes da capital federal. No Estado do Rio de Janeiro nesse início do Século XX destacam-
Em 1908 a usina já tinha 12 MW instalados, sendo ampliada para se, a de Lajes, a implantação das hidroelétricas de Piabanha, Hans
24 MW em 1909, tornando-se uma das maiores hidroelétricas do e Coronel Fagundes. A segunda hidroelétrica instalada no estado
mundo. A barragem era em arco-gravidade situada no alto Ribeirão foi Piabanha, construída no rio Piabanha pelos Guinle em 1908. A
Das Lajes, com vertedouro de lâmina livre em sua crista. barragem é uma soleira vertedoura de gravidade em pedra arga-
92
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

massada com 25 m de extensão e altura de 6,7 m. A casa de força Em 1912 os Guinle implantaram a hidroelétrica de Coronel
abriga duas unidades Francis duplas gêmeas de 3 MW cada. Fagundes no rio Fagundes, município de Paraíba do Sul, muito
próxima à hidroelétrica de Piabanha. Nessa obra trabalhou o en-
Em 1911 os Arp instalaram a hidroelétrica de Hans no ribeirão genheiro Flavio Lyra, pai do então menino Flavio Henrique Lyra
Santo Antônio, em Muri, município de Friburgo com o objetivo de que brincava no canteiro de obra e já se familiarizava com barra-
suprir a fábrica de linhas de energia, tendo assumido em seguida a gens e hidroelétricas, campo de conhecimento em que se tornaria
concessão de serviço público do município. A barragem é em con- uma das mais altas expressões mundiais a partir da segunda
creto gravidade com soleira vertente livre e a casa de força abriga metade do Século XX. A barragem é em gravidade de pedra ar-
uma unidade Francis horizontal de 294 kW. gamassada e concreto, com altura de 13 m e 80 m de extensão.

Figura 3 - Casa de Força de Fontes

93
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

A barragem, situada na crista da cachoeira de


Tombos, é em concreto gravidade de peque-
na altura, constituindo-se em vertedouro de
soleira livre. A casa de força abriga dois grupos
geradores num total de 2,88 MW instalados.

No estado do Paraná há referência à hidroelé-


trica Serra da Prata, instalada por ingleses em
1910 na vertente da Serra do Mar em Paranaguá.
Com capacidade de 510 kW, a hidroelétri-
ca passou em 1932 da Cia Melhoramentos
Urbanos de Paranaguá para a Cia Melho-
ramentos Paulistas, para a prefeitura de
Paranaguá, para o Departamento de Águas e
Energia Elétrica e para a COPEL, sendo
desativada em 1970. Em 1911 foi inaugurada
a hidroelétrica de Pitangui para suprir de
energia elétrica a cidade de Ponta Grossa.
Figura 4 - Barragem de Piabanha. Os contrafortes em primeiro plano são reforços recentes

Nos 30 m centrais a barragem é vertedoura em crista Figura 5 - Barragem de Coronel Fagundes


livre. A casa de força abriga duas unidades Francis
de eixo horizontal de 2,4 MW cada.

No início do Século XX em Minas Gerais destacam-se


as hidroelétricas de Maurício e Tombos. A hidroelétri-
ca de Maurício foi implantada em 1908 no rio Novo,
município de Leopoldina pela Cia. Força e Luz
Cataguazes-Leopoldina. A construção foi supervisio-
nada pelo engenheiro Otávio Carneiro, assessorado
pelos engenheiros Pedro Leivas, Alfredo do Paço,
Osvaldo Lynch e Henrique Fox Drumond. A barragem
com 6 m de altura era vertedoura com crista livre
situada na crista da cachoeira da Fumaça. A potência
instalada era de 1,3 MW.

Em 1912 foi instalada a usina hidroelétrica de


Tombos no rio Carangola, município de Tombos.

94
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

O Estado de São Paulo se destaca nos primeiros anos do Século


XX por um expressivo números de pequenas hidroelétricas como
as usinas de Santa Alice que começou a operar a partir de 1907, as
usinas de Socorro, Rio Novo e Monjolinho, em 1909, Itatinga, São
Valentim e Marmelos II em 1910, Capitão Preto, Macaco Branco,
Salto Pinhal, San Juan, São Joaquim e Brotas, em 1911, Salto Grande,
Bocaina, Votorantim, Chibarro, Esmeril, Turvinho Batista e Sodré,
em 1912, Gavião Peixoto, Boa Vista e Quilombo, em 1913. As
barragens dessas usinas eram de altura modesta, em geral de gravi-
dade em alvenaria de pedra, poucas com contrafortes localizados.
A maioria dos vertedouros era sem controle, sendo soleiras li-
vres implantadas nos leitos dos rios. A maioria dessas usinas tinha
menos do que 1000 kW instalados em sua primeira etapa, a metade
delas tive ampliações de capacidade instalada em etapas poste-
Figura 6 - Barragem vertedoura e canal de adução de Tombos riores, mas sempre ficando com potências inferiores a 6 MW.
Desse conjunto de usinas pioneiras, as hidroelétricas de
Monjolinho, Marmelos II, Salto Pinhal e Bocaina foram desativadas
nos anos oitenta e noventa do século passado. O destaque dentre
Em Santa Catarina, para suprimento de Blumenau, entrou essas usinas é Itatinga, com cinco unidades Pelton com potência
em operação em 1913 a primeira unidade da hidroelétrica nominal de 3 MW cada sob 640 m de queda br uta, mas
de Salto Weissbach no rio Itajaí Açú. A barragem é uma soleira apresentando no conjunto, 10 MW de potência efetiva. A usina
vertedoura de altura apenas suficiente para promover a derivação encontra-se implantada na vertente oceânica da Serra do Mar,
de parte das descargas para a tomada d’água que conduz as envolvida por densa floresta da Mata Atlântica, no município de
águas captadas para as turbinas que são alojadas em casa de
Figura 7 – Usina hidroelétrica
força abrigada na margem direita. As turbinas de fabricação
de São Valentim
J.M. Voith são Francis gêmeas de eixo vertical com potência
de 1470 kW cada sob a queda nominal de 10,5m com engoli-
mento de 19,4 m³/s.

No estado do Rio Grande do Sul as primeiras barragens que se


tem notícia para produção de energia elétrica foram construídas
a partir de 1911 e entraram em operação em 1912. A barragem
Inglês com 4 m de altura e 55 m de extensão, em alvenaria de
pedra e concreto ciclópico foi implantada no município de
Cruz Alta tendo sua casa de força a potência instalada de 268 kW
e a barragem Picada 48, com apenas 2,7 m de altura e 41,5 m
de comprimento, em alvenaria de pedra, foi construída no
município de Dois Irmãos tendo sua usina a capacidade de 200 kW.
95
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 8 – Usina hidroelétrica de Brotas

Figura 10 – Usina hidroelétrica


de Boa Vista
Figura 9 – Usina hidroelétrica
de Gavião Peixoto

96
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Bertioga, SP. O reservatório é formado por duas barragens


de alvenaria de pedra argamassada com vertedouro de so-
Referências
leira livre. O conjunto arquitetônico da casa de força é
Dias Leite, A. – A Energia do Brasil, 1997.
majestoso, sendo o acesso o mesmo utilizado desde o início
das obras em 1890, feito por via férrea a partir da margem direita Memória da Eletricidade - Reflexos da Cidade, 1999.
do rio Itapanhau, próximo à rodovia BR-101. A usina foi
implantada com o objetivo principal de suprir o porto de Santos Miguez de Mello, F. – A Century of Dam Construction in Brazil –
de energia elétrica. Comitê Brasileiro de Grandes Barragens, 1979.

Em 1913 entra em operação a primeira hidroelétrica do Nordeste Miguez de Mello, F. – Brazilian Development in Engineering for Dams
Angiquinho, construída por Delmiro Gouveia na margem alagoa- – Comitê Brasileiro de Grandes Barragens, 1982.
na da cachoeira de Paulo Afonso, com 1,1 MW instalados. A casa
de força foi implantada no trecho médio da escarpa granítica da Miguez de Mello, F. – The Development of the Brazilian Dam
margem esquerda do salto principal. A energia produzida era dire- Engineering - Main Brazilian Dams III, Comitê Brasileiro de
cionada para a fábrica de linhas e para a vila residencial na localidade Barragens, 2009.
de Pedra, hoje Delmiro Gouveia.
Prado Junior F.A.A. Ee Amaral C.A. – Pequenas Centrais Hi-
Essas pequenas hidroelétricas aproveitando quedas d’água naturais drelétricas no Estado de São Paulo Governo do Estado de São
e operando seus reservatórios a fio d’água, tiveram expressivo Paulo, 2000
desenvolvimento nos primeiros anos do Século XX, tendo passado
de 306 em 1920 para 1009 em 1930. Prado Jr., F. A. A. e Amaral, C. A. – Pequenas Centrais Hidrelé-
tricas no Estado de São Paulo – Comissão de Serviços Públicos
de Energia, 2000.

Figura 11 – Usina hidroelétrica de Angiquinho Saveli, M. - Sinopse Histórica da Eletricidade no Brasil, 1976.

97
98
98
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Usina Hidroelétrica
de Marmelos
Adelaide Linhares de Carvalho Carim

Introdução
O Brasil foi um dos pioneiros na exploração da energia elétrica.
Essa história iniciou-se no final do século XIX, quando
Dom Pedro II inaugura, em 1879, na Estação Central da Estrada
de Ferro D. Pedro II, atual Estrada de Ferro Central do Brasil no
Rio de Janeiro, a primeira instalação de iluminação elétrica permanente
do país, em substituição aos 46 bicos de gás existentes. Neste mesmo
ano Thomas Alva Edison havia construído a primeira central elétrica
para utilização na iluminação pública na cidade de Nova Iorque.

Em 1881, foi instalada pela Diretoria Geral dos Telégrafos a primei-


ra iluminação externa pública do país, em trecho da atual Praça da Figura 1 - “Marmelos Zero” - Primeira Usina Hidroelétrica da América
República, na cidade do Rio de Janeiro. do Sul destinada à produção de energia para utilidade pública

Em 1883 o imperador Dom D. Pedro II inaugurou, na cidade de foi desativada cento e quatro anos mais tarde em 1987. Posterior-
Campos (RJ), o primeiro serviço público municipal de iluminação mente mais algumas usinas entram em operação; em 1885 a Usina
elétrica do Brasil e da América do Sul. A energia era fornecida Hidroelétrica da Companhia Fiação e Tecidos São Silvestre, no
por uma usina termoelétrica. município de Viçosa, a Usina Hidroelétrica Ribeirão dos Macacos,
em 1887, ambas em Minas Gerais e a Usina Termoelétrica Velha
Em Minas Gerais, o interesse pela nova fonte de energia intensificou- Porto Alegre, em 1887, no Rio Grande do Sul.
se. Empresas de mineração e fábricas têxteis promoveram, nesse
período, a construção de unidades de produção de energia Mas a primeira hidroelétrica de maior porte construída na América
hidroelétrica visando a autoprodução. No ano de 1883 entrou do Sul, destinada à produção de energia para utilidade pública, foi
em operação a primeira usina hidroelétrica no país, localizada no a Usina Hidroelétrica Marmelos no rio Paraibuna, às margens da
Ribeirão do Inferno, afluente do rio Jequitinhonha, na cidade de estrada União e Indústria, na cidade de Juiz de Fora (MG). A usina
Diamantina, destinada à extração de minério na região. Esta usina de Marmelos, hoje Marmelos-Zero, entrou em operação em
99
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

5 de setembro de 1889, por iniciativa do industrial Bernardo até a principal região mineradora (Vila Rica, Sabará, Mariana,
Mascarenhas, dois meses antes da proclamação da república e Diamantina e tantas outras). Ao longo deste caminho, às margens
apenas 7 anos depois da hidroelétrica de Appleton em Wisconsin do Paraibuna, foram erguidos pequenos povoados, como Matias
na America do Norte. Barbosa, Santo Antônio do Paraibuna - que em 1965 se tornava Juiz
de Fora - Barbacena e outras. Estes eram locais de descanso dos
Bernardo Mascarenhas foi o responsável pela instalação de tropeiros que passavam pela região. Por meio deste caminho
Marmelos, marco zero da energia hidroelétrica no Brasil, e que efetivamente a história de Juiz de Fora se inicia.
fundador da já extinta CME - Companhia Mineira de Eletri-
cidade em 1888. A Companhia Mineira de Eletricidade foi de Juiz de Fora prosperou grandemente devido à cafeicultura; havia
extrema importância para a industrialização de Juiz de Fora. grandes fazendas de café que eram as bases da economia local.
Com a cafeicultura, novos investimentos foram trazidos para a ci-

A cidade de Juiz de Fora no final do dade, como a Rodovia União Indústria, construída pelo engenheiro
Mariano Procópio Ferreira Lage e pela Companhia União Indús-
século XIX tria, em 1861. Neste ano, Dom Pedro II e representantes ilustres
da Corte e da Companhia União Indústria percorreram em di-
A inauguração da usina de Marmelos veio se somar ao pioneiris- ligência os 144 quilômetros da primeira rodovia macadamizada
mo desta cidade, que começou a ser escrito quando o bandeirante brasileira, entre as cidades de Petrópolis e Juiz de Fora. Sua inau-
Garcia Dias Paes traçou o chamado Caminho Novo que passava guração trouxe a mão de obra qualificada dos imigrantes alemães,
pela margem do Rio Paraibuna, para ligar o porto do Rio de Janeiro que iniciaram o processo industrial da cidade, com a inserção de

Figura 2 - Juiz de Fora


em 1875

100
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

algumas fábricas. Mais tarde vieram os italianos e com eles am-


pliaram outros setores como o comércio e a prestação de servi-
ços. A estrada deu origem também ao primeiro guia de viagens
do Brasil, escrito pelo alemão Revert Henrique Klumb, fotógrafo
do imperador, e intitulado “Doze Horas em Diligência - Guia do
Viajante de Petrópolis a Juiz de Fora”. A Estrada União Indústria
existe até hoje em vários e extensos trechos, tendo sido substituída
como ligação rodoviária entre Petrópolis e Juiz de Fora pela BR-040.

Posteriormente, a construção da ferrovia Dom Pedro II em 1875,


promoveu a comunicação entre a cidade e a corte, que ficava
neste momento no Rio de Janeiro. Outro beneficio da estrada foi
a melhoria no escoamento da produção cafeeira da Zona da Figura 3 - Panorâmica de Juiz de Fora – 1893
Mata Mineira até o Rio de Janeiro.

Em 1878 funcionavam seis estabelecimentos de ensino, em 1881 usina hidroelétrica para iluminação pública da América do Sul.
ganhava telégrafo, fórum e jornais. Em 1980 os serviços urbanos Todos estes empreendimentos foram realizados por iniciativa do
foram ampliados com bondes de tração animal, telefones urbanos, industrial Bernardo Mascarenhas. A cidade de Juiz de Fora se ilu-
em 1883, e em 1884, o telégrafo. minava para o mundo, antes mesmo até que algumas importantes
cidades européias. As figuras a seguir mostram Juiz de Fora em
Em 1888 Juiz de Fora ganhava a Companhia Têxtil Bernardo 1893 e a Av. Barão de Rio Branco em 1903 ambas pertencentes
Mascarenhas e o Banco de Crédito Real, e em 1889 a primeira ao acervo do Museu Mariano Procópio.

Figura 4 - Av. Barão


de Rio Branco -1903

101
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 5 - Bernardo Aos 12 anos iniciou seus estudos no colégio Caraça, considerado
Mascarenhas à época, um dos melhores de Minas Gerais. Com 18 anos, recebeu
de seu pai 26 contos de reis, como fazia com os demais filhos ao
completar esta idade, dinheiro para iniciar a vida como criador de gado
e comércio de sal.

A partir da experiência adquirida com os teares de madeira,


tocados a mão na fazenda de seu pai, convida dois irmãos para
montarem em sociedade uma indústria têxtil, utilizando as mais
novas tecnologias da época.

Para aprender sobre tecelagem, viajou para os Estados Unidos


onde ficou por 1 ano e meio. Neste período estudou idiomas,
mecânica, física, visitou fábricas, adquiriu os maquinários desejados
e voltou para o Brasil e, no ano de 1872 em Sete Lagoas, inaugurou
as instalações da fábrica têxtil da companhia Cerdo. Alguns anos
mais tarde, viaja para a Europa e Estados Unidos com a incumbên-
cia de atualizar-se, adquirir novos equipamentos e conhecer a utili-
Bernardo Mascarenhas zação da eletricidade na indústria textil. É criada então em Curvelo
a companhia Cachoeira (1877).
Bernardo Mascarenhas nasceu em 1846, na fazenda São Sebastião,
região de Curvelo, filho de Antônio Gonçalves da Silva Masca- Em 1882 foi aprovada a lei das sociedades anônimas no Brasil e
renhas e de Policena Moreira da Silva Mascarenhas, é o décimo em 1883 fez-se a fusão das empresas (Cedro e Cachoeira), constituindo
filho dentre os 13 filhos do casal. a primeira S.A. privada no país.

Figura 6 - Companhia
Têxtil Bernardo
Mascarenhas inaugurada
em maio de 1888

102
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Bernardo Mascarenhas mudou-se para Juiz de Fora em 1886 e ad-


quiriu o terreno próximo do Rio Paraibuna e da Rodovia União
Indústria, onde pretendia montar uma indústria de tecidos. Neste “A fábrica de eletricidade será provida de dois excelentes dína-
local, mais tarde, seria erguida a primeira usina hidroelétrica da Amé- mos movidos por duas turbinas verticais ou de eixos horizontais,
rica do Sul. O empresário adquiriu outro terreno perto da estação devendo ter força bastante para alimentar 50 lâmpadas de arco
ferroviária, local mais propício para o escoamento da produção de de 1000 velas e quinhentas ditas incandescentes de 16 velas.”
tecidos. A antiga Companhia Têxtil Bernardo Mascarenhas apre-
senta rigorosa simetria com um corpo central em três pavimentos (Trecho de memorial de Bernardo Mascarenhas para Max
e ladeado por suas extensas alas horizontais em dois pavimentos. Nothman & Co., encomendando o material para a usina)

Bernardo Mascarenhas buscava outras fontes de energia em


substituição à energia usada que até então era à base de que-
rosene. Em 1886, Mascarenhas e o banqueiro Francisco Figura 7 - Esboço da hidroelétrica Marmelos Zero
Batista de Oliveira recebem aprovação junto à câmara muni- por Bernardo Mascarenhas
cipal para explorar a Cachoeira dos Marmelos para produção
elétrica e a concessão para a iluminação da cidade e obteve
a revisão do contrato original, tendo em vista o uso da iluminação
elétrica, em substituição à iluminação a gás. “Me conside-
rarei muito feliz se for o primeiro a transmitir força elétrica, pratica-
mente utilizável, no Brasil ou talvez na América do Sul” (trecho da
carta de Mascarenhas em 1887).

Bernardo Mascarenhas projetou e especificou a usina, fazendo


um esboço de próprio punho de como ela seria, aproveitando
os recursos naturais de seu terreno, que se localizava próximo à
cachoeira de Marmelos. Doou este terreno para a CME Compa-
nhia Mineira de Eletricidade, também fundada por ele em janeiro
de 1888. A CME foi a responsável pela construção da usina de
Marmelos Zero e foi presidida por Mascarenhas até seu falecimento.

No dia 22 de agosto de 1889, foi realizada a primeira experiência


com a eletricidade e em 5 de setembro de 1889 ocorreu a inaugu-
ração oficial. A nova usina além de atender à iluminação pública
da cidade atenderia as máquinas da Companhia Têxtil Bernardo
Mascarenhas, inaugurada em maio de 1888.

Bernardo Mascarenhas faleceu no dia 9 de outubro de 1899


de um ataque cardíaco fulminante.

103
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Descrição geral da usina


Geologia
A geologia ao longo do rio e suas margens é constituída por
afloramentos de rochas charnockíticas, gnáissicas, granulitos e
anfibolitos do Complexo Juiz de Fora e parte do embasamento
Pré-Cambriano indiferenciado, ambos de idade Pré-Cambriana.

As rochas charnockíticas são gnaisses que sofreram desidratação e


descalcinação durante metamorfismo de alta temperatura e
pressão média a alta (fácies granulito). Este complexo charno-
ckítico acha-se intercalado por faixas com espessuras variádas de
granulitos, migmatito, quartzito e entrecortados por diques de
Figura 8 - Usina de Marmelos - Primeira usina hidroelétrica da anfibolito, gabro e outras rochas básicas e ultrabásicas.
América do Sul destinada à produção de energia para utilidade pública
e força motriz para indústria
As rochas do complexo charnockítico e do embasamento crista-
lino possuem sistemas de fraturas, planos de fraqueza e a típica
Posteriormente, foram montadas outras usinas no mesmo local esfoliação esferoidal que se interceptam originando blocos de
para atender inteiramente à crescente demanda de consumo, rocha sã de dimensões variadas, disseminados no manto intempe-
como será descrito em seguida. rizado ao longo das encostas e principalmente soltos no leito do
rio Paraibuna. Nas ombreiras e encostas da barragem é comum
O edifício da Cia. Mineira de Eletricidade, denominado “Castelinho”, um manto de solo de 5 a 10 m de espessura. O solo residual é
foi construído em 1890, quando ocorreu a inauguração do motor constituído de areia siltosa, de cor amarelada com alto grau de
elétrico, que iria ser colocado na fábrica Bernardo Mascarenhas erodibilidade. De modo geral, o relevo nas proximidades das
como força propulsora. A edificação, em dois pavimentos, lembra usinas caracteriza-se por altas colinas de topos arredondados,
a arquitetura medieval . vertentes concavo-convexo e drenagem dentrítica.

Figuras 9 e 10 - Edifício da
Cia. Mineira de Eletricidade,
denominado “Castelinho”.

104
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Localização e dados técnicos históricos 1200 kW com a entrada em operação da quarta máquina de
fabricação da Westinghouse, como as demais.

A usina hidroelétrica de Marmelos está localizada no rio Paraíbuna,


Em 1915 o engenheiro Asdrúbal Teixeiras de Souza projetou a
afluente do rio Paraíba do Sul a 7 km de Juiz de Fora e a 290 km
segunda usina Marmelos 2, que foi inaugurada inicialmente com
de Belo Horizonte MG, tem como coordenadas geográficas
dois grupos geradores de 600 kW de potência cada, fabricados
Latitude 21º 43’ Sul e Longitude 43° 19’ Oeste.
pela empresa americana General Electric e turbinas tipo Francis de
A usina foi projetada inicialmente com uma capacidade de geração 1000 HP, fabricadas pela alemã J. M. Voith. A casa de força
de 250 kW distribuída em dois grupos geradores monofásicos de foi construída em prédio contíguo ao da usina Marmelos 1.
125 kW, fabricados pela Westinghouse, operada sob tensão de
1000 Volts, na frequência de 60 Hz. Com o aumento da geração a CME ampliou sua área de influência
na Zona da Mata Mineira, tornando-se concessionária dos serviços
Um terceiro grupo gerador com a capacidade de 125 kW foi ins- de eletricidade de Matias Barbosa, Mar de Espanha, Bicas e Guarará.
talado em 1892, quando Juiz de Fora possuia 180 lâmpadas na
iluminação pública e 700 para uso particular. Esta usina, denomi- Em 1921 e 1922, ampliou-se a potência da usina de Marmelos 2
nada Usina Zero, foi desativada em 1896, após a inauguração de com a instalação da terceira e quarta unidades geradoras, com
Marmelos 1, construída pouco abaixo da usina desativada. capacidade de 600 kW cada uma com as mesmas características
técnicas das duas anteriores.
Marmelos 1 contou inicialmente com duas unidades geradoras
bifásicas de 300 kW cada, acionadas por turbinas Francis. Em 1948, foi construída a quinta unidade, com capacidade de
Em 1898, a usina iniciou o fornecimento de energia para a fábrica 1600 kW, instalada em uma casa de força adjacente à Usina 1,
de Mascarenhas após a aquisição do primeiro motor elétrico sendo denominada Usina 1-A. Esta unidade geradora era composta
instalado no Brasil. Este motor de 30 HP de potência era de por uma turbina tipo Francis dupla, fabricada pela empresa americana
fabricação da Westinghouse. Outro motor elétrico de 20 HP, de James Leffel e um gerador de fabricação da General Electric.
fabricação italiana, foi adquirido na ocasião pela fir ma
Pantaleone Arcuri & Timponi. O acionamento elétrico dessas Marmelos 2 passou então a dispor de capacidade instalada de 4.000 kW.
fábricas representou à época outro marco histórico, pois a
maioria das indústrias têxteis era movida a vapor com Em 1952, dois anos após a construção da usina de Joasal, também
complicados sistemas de transmissão para as máquinas e em Juiz de Fora, última usina construída pela CME, a usina de
muitas ainda eram acionadas por rodas d’água. Marmelos 1 foi desativada.

Nesta época, a cidade de Juiz de Fora passou a viver um intenso desen­ A usina de Marmelos como é denominada atualmente é com-
volvimento industrial o que demandava aumento na oferta de energia. posta pelas antigas Usinas 2 e 1-A e passou a ser operada pela
CEMIG em 1980, quando obteve a sua concessão através do
Em 1905 foi instalada a terceira unidade com capacidade de decreto MME 700725 de 08/07/80.
300 kW, no momento em que a CME adquiria a companhia de
bondes de tração animal de Juiz de Fora, visando transformá-la As figuras a seguir ilustram os equipamentos eletromecânicos da
em linhas elétricas. Em 1910, Marmelos atinge a potência de usina de Marmelos.
105
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 11 - Interior da
casa de força da antiga
Usina 2 de Marmelos

Figura 12 -Turbina e gerador da unidade 5 da antiga Usina 1 A Figura 13 - Gerador da unidade 1 a 4 da antiga Usina 2

106
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Figura 14 - Excitatriz nº 2 semelhante a


uma unidade geradora hidráulica - Usina 2

Figura 15 - Regulador de velocidade da excitatriz Usina 2

Figura 16 - Painel original das unidades 1 a 4 e


excitatrizes 1 e 2, inoperante

107
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 17 – Vista aérea de montante da usina

adução e duas tubulações forçadas que conduzem a água até as


unidades geradoras, vencendo um desnível de 51 m entre o nível máximo
do reservatório e o eixo das tubulações forçadas na entrada das turbinas.

Barragem e vertedouro
A barragem é do tipo gravidade, de alvenaria de pedra, com
um trecho em crista livre vertente com comprimento de 20 m e
vazão de 134 m³/s. Possui uma descarga de fundo motorizada
(2,5 x 2,5m), com capacidade de 58 m³/s, localizada na margem
esquerda. Sobre o vertedouro existe uma passarela que possibili-
ta a colocação de flash-boards de até 2,5 m de altura divididos em
10 vãos ao longo de todo o comprimento da estrutura, que permitem
o aumento da capacidade do reservatório em períodos secos.

Tomada de água
A tomada de água do túnel adutor, localizada na margem direita, é
uma estrutura em alvenaria de pedra possuindo uma comporta moto-
Arranjo geral atual
A barragem para a formação do reservatório operado a fio d’água é
constituida por uma estrutura do tipo gravidade em alvenaria de pedra
com 51 m de extensão e altura máxima de 7,5 m, fundada em rocha
sã pouco fraturada. O arranjo da barragem partindo da ombreira
esquerda para a direita se constitui por uma descarga de fundo de
acionamento motorizado (2,5 x 2,5 m), seguida por um vertedouro
de crista livre com 20 m de comprimento, e por um trecho, tam-
bém em alvenaria de pedra, onde estão localizadas a antiga tomada
de água para o canal de adução da usina Zero e a tomada de água
do túnel de adução da usina de Marmelos.

O circuito hidráulico de geração, localizado na margem direita, é Figura 18 - Vista de jusante da barragem e do
composto por um túnel escavado em rocha, seguido por um canal de descarregador de fundo na margem esquerda.
108
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

rizada tipo deslizante (4,50 x 4,20 m) formada por painéis de madeira.


Próximo a essa estrutura existe um descarregador de fundo.
Casa de força
As estruturas da usina de Marmelos (Marmelos Zero, Marmelos 1,
Canal de adução desativado Marmelos 1A e Marmelos 2) estão localizadas ao longo do rio
Pa­raibuna e foram assentadas em maciços rochosos sãos.
Localizado e incorporado à barragem, na sua margem direita e
junto à tomada de água do túnel adutor, possui uma comporta de A casa de força da usina de Marmelos, em alvenaria de pedra,
madeira acionada manualmente e muro em alvenaria de pedra. é formada por dois blocos distintos: um deles, com área total de
273 m², abriga quatro unidades geradoras de 600 kW cada e casa
de força da antiga Usina 2. As turbinas são tipo Francis, de eixo
Túnel e canal de adução horizontal e engolimento de 1,9 m³/s. O outro bloco, que foi a
casa de força da Usina 1-A, possui uma área total de 201,76 m²,
O túnel adutor tem extensão de 215,80 m e seção em ferradura abriga uma unidade geradora de 1600 kW. A turbina é tipo
com 10 m², totalmente escavado em rocha e revestido lateralmente Francis, de eixo horizontal e engolimento de 4,67 m³/s.
com concreto. Na continuação do túnel existe um canal de adução
com 283,40 m de extensão, dos quais 94,40 m são a céu aberto. A casa de força da antiga Usina 1, também em alvenaria de pedra,
O trecho coberto, 189 m, situado sob a rodovia, tem seção em ferra- hoje é utilizada como almoxarifado. A casa de força de Marmelos
dura semelhante à do túnel. O trecho a céu aberto, em alvenaria de Zero foi edificada em nível abaixo da Estrada União e Indústria.
pedra, tem seção de 3,60 x 3,20 m. Suas paredes são em alvenaria de tijolos maciços aparentes, sobre
embasamento de pedra, sendo vazadas por vãos com vergas em arcos

Câmara de carga abatidos em seqüência ritmada. A cobertura de duas águas é recoberta


por telhas francesas e tem os beirais ornamentados por lambrequim.
Entre o canal de adução e as tubulações forçadas, o circuito hi- Uma pequena torre de seção quadrada e telhado de quatro águas
marca a construção. Hoje é Museu da Usina de Marmelos.
dráulico de geração conta com uma câmara de carga em alvenaria
de pedra. Possui duas comportas na tomada de água, operadas
manualmente, e uma terceira comporta para a regularização do Canal de fuga
nível de água. Na parte direita da estrutura existe um vertedouro
complementar, cujas vazões são absorvidas por um canal de concreto. As paredes do canal de fuga das antigas Usina 1-A e Usina 2 são
em alvenaria de pedra.

Tubulações forçadas A Figura 19 a seguir é uma vista geral da usina de Marmelos


(casas de força e tubulações forçadas).
Existem duas linhas de tubulações forçadas partindo da câmara
de carga, uma com diâmetro de 1,30 m (tubulação 1) e outra com
diâmetro de 1,50 m (tubulação 2). O comprimento de cada uma O Museu Usina de Marmelos Zero
delas é de 125,40 m, em planta. Na tubulação nº 2 existe uma bi-
furcação com diâmetro de 1,30 m e 81,44 m de comprimento, A CEMIG (na época Centrais Elétricas de Minas Gerais) adquiriu
que alimenta a unidade geradora nº 5, situada na Casa de Força 1-A. a usina em 1980. A usina de Marmelos Zero se transformou em
109
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Desde o ano 2000, a administração do museu está a cargo da


Universidade Federal de Juiz de Fora UFJF. O convênio firmado
entre a UFJF e CEMIG (atualmente Companhia Energética
de Minas Gerais) tem como meta aprimorar o atendimento ao
público que visita o museu, mantendo-o aberto diariamente.

O Museu Usina Marmelos Zero encontra-se localizado às mar-


gens da Rodovia União-Indústria, no bairro Retiro, próximo ao
trevo da cidade de Bicas. Está aberto das 8:30 h às 17:00 h, in-
clusive nos finais de semana e feriados. De segunda a sexta-feira
podem ser agendadas visitas monitoradas por acadêmicos da
UFJF, por meio do telefone (31) 3229-7606.

O prédio da fábrica de tecidos de Mascarenhas também se encon-


tra preservado. Após a morte de Mascarenhas o prédio passou por
Figura 19 – Vista geral das casas de força da usina hidroelétrica
de Marmelos: antigas casa de força 1, 2 e 1A.
Figura 20 - Museu de Marmelos Zero (antiga
casa de força Marmelos Zero)
1983 num espaço cultural e museu, após seu tombamento,
neste mesmo ano, pelo Patrimônio Histórico Artístico e Cul-
tural do município de Juiz de Fora. Em 2005, a usina ganhou
um segundo tombamento, desta vez, concedido pelo Insti-
tuto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas
Gerais (IEPHA). Esses tombamentos demonstram a suma rele-
vância de sua preservação como um prédio histórico. O acervo
do museu é composto por objetos particulares de Mascare-
nhas, livros de ata e contabilidade dos primeiros acionistas da
CME, contas de luz, rascunho da planta da usina, máquina de
escrever e de calcular, teodolito, tripés de madeira, painel de
controle de energia e uma réplica de um gerador utilizado na
época, cuja fabricação era da Westinghouse, além de várias fo-
tografias que mostram a construção da usina, assim como fotos
de Bernardo e sua família e painéis com pequenos textos
infor mativos. O museu tem como propósito preser var a
memória tecnológica e científica da cidade, assim como desta-
car a figura importante de Bernardo como sendo o precursor
desta idealização e realização deste sonho, no qual a cidade
de Juiz de Fora foi escolhida para ser a primeira a se iluminar.

110
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Figura 21 - CCBM - Centro Cultural Bernardo Mascarenhas

Referências
CEMIG – Inventário civil – SR/SE Usina Hidrelétrica de
Marmelos Relatório Final Novembro 1983.

CEMIG - Usina de Marmelos - Estudo de Viabilidade de


Recapacitação e Modernização - 1ª Etapa : Diagnóstico da
Situação Atual da Instalação - Setembro 1993.

Cemig Notícia – Mais Energia Para uma Grande Cidade Juiz


de Fora - Edição Especial Junho de 1980.

Umada, Fernanda Borges Ferreira Murilo Keith - História das


Hidrelétricas no Brasil - Universidade Tecnológica Federal do
Paraná Campo Mourão, 2009.

ampliações e modernizações. A fábrica encerrou suas atividades Lima, Silvânia Duarte – Educação e Turismo uma Forma de
em janeiro de 1984, deixando como patrimônio sua sede, que Conhecer a História da Usina de Marmelos – Departamento de
foi utilizada para pagamento de dívidas junto ao governo. A mo- Geociências – UFJF, 2001
bilização de artistas, jornalistas e intelectuais fizeram com que
o imponente prédio, localizado na Avenida Getúlio Vargas 200, http://www.memoria.eletrobras.com/index.asp
fosse transformado em um centro cultural em 1987.
http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/historia-da-
eletricidade-no-brasil/historia-da-eletricidade-no-brasil-5.php
Figura 22 - Canal de adução desativado

http://www.ebah.com.br/historia-das-hidreletricas-no-br-
pdf-a91646.html

www.pjf.mg.gov.br/patrimonio/usina_marmelos.htm

www.ufjf.br/centrodeciencias/museu-usina-marmelos-zero/

http://wikimapia.org/701437/pt/Usina-Marmelos

http://www.conotec.com.br/juizdefora.html

http://www.asminasgerais.com.br

111
Usina hidroelétrica de Angiquinho na cachoeira de Paulo Afonso
em diferentes regimes do rio São Francisco
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Usina Hidroelétrica
de Angiquinho
Aurélio Alves de Vasconcelos

Figura 1 – Vista geral da Usina Hidroelétrica de Angiquinho

Introdução
Inaugurada em 26 de janeiro de 1913, Angiquinho foi a primeira
usina hidroelétrica do Nordeste, localizada na margem alagoana
da cachoeira de Paulo Afonso, no Rio São Francisco, próximo ao
atual Complexo Hidrelétrico de Paulo Afonso, operado pela Chesf.

A Usina Hidroelétrica de Angiquinho tinha capacidade de gerar


1.500 HP (1.102 KW), constituída por três grupos geradores sendo o
primeiro de 175 kVA, o segundo de 450 kVA e, o último, de 625 kVA,
aproveitando uma queda d’água de uma altura de 42 metros,
com tensão de saída em 3.000 Volts. Tinha como objetivo fornecer
energia elétrica a indústria têxtil Companhia Agro Fabril Mercantil
de propriedade do industrial Delmiro Gouveia, localizada na cidade
de Pedra, no estado de Alagoas, atual Delmiro Gouveia em sua
homenagem. Sua energia era suficiente para suprir, além da indústria,
a bomba d’água que abastecia a cidade, distante aproximadamente
24 km da cachoeira, e também a Vila Operária da fábrica. A usina ocupa-
va uma área de 253 hectares e possuía dois conjuntos de instalações, um
com 11 casas e 1 escola, e outro com 2 casas, almoxarifado, subestação
elevadora, casa de bomba e escada de acesso à casa de força.

A partir de 30 de novembro de 2006, as edificações com o acervo


interno e externo e toda a área do Complexo de Angiquinho foi
tombado e integrado ao Patrimônio Histórico Artístico e Natu-
ral do Estado de Alagoas. O ousado projeto, que continua de pé
no meio da caatinga, com sua casa de força encravada nas rochas
113
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 2 – Casa de força da Usina


Hidroelétrica de Angiquinho

íngremes nas margens do cânion do rio São Francisco, levou o


desenvolvimento para a região que até então só conhecia a luz tênue
de candeeiro. Hoje, Angiquinho, além de ser área de preservação
cultural, é um pólo de turismo histórico, educacional, ambiental e
cultural. Resgata e cria uma grande oportunidade para todos que
desejam conhecer a história da eletricidade do Brasil.

Figura 3 - Guindaste usado na fase de construção


e montagem da casa de força

114
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

História no comércio exportador de “courinhos” (artigos de pele de bode


e cabra) e com amparo financeiro de ricos financiadores norte-
americanos. Tomado pelo ímpeto de realizar proezas, sua vida não
No início do século XX, coube ao capitalista Delmiro Gouveia (1863-
seria senão uma conseqüência da prática de ousar.
1917), com sua proeza de transformar as idéias em realidade, construir
o empreendimento pioneiro no campo da hidroeletricidade em pleno
Inicialmente, Delmiro procurou sondar as potencialidades da região
sertão nordestino, a Usina Angiquinho, cuja finalidade seria fornecer
para poder colocar em ação a realização de seu sonho. Por volta de
energia para a fábrica têxtil produtora das linhas Estrela, bem como
1909, recebeu uma delegação de técnicos norte-americanos, em
iluminar sua Vila Operária, ambas da Pedra, no sertão alagoano.
caráter sigiloso, para estudos no rio São Francisco e na cachoeira de
Fugido do Recife por desavenças políticas, ele buscou refúgio em
Paulo Afonso, chefiada pelo capitalista Mr. Moore e sob a supervisão
Alagoas, onde foi bem recebido pela oligarquia local.
técnica do engenheiro Stewart. Sabe-se que os estudos contemplaram
a viabilidade do aproveitamento hidrelétrico de um trecho do rio, em
Delmiro Gouveia refugiou-se no sertão alagoano, precisamente em
virtude do surgimento de condições técnicas e econômicas.
1903, quando fixou residência no vilarejo denominado Pedra, onde,
em breve, seria instalado um curtume para armazenar peles. Logo,
Confirmadas as vantagens, restou acertar as condições comerciais,
consegue recuperar a fortuna perdida no Recife, com investimentos
visando uma cooperação sob a forma de joint-venture, constituída
com capital nacional e estrangeiro, cujo objetivo principal era
“empreender, em grande escala, o aproveitamento e exploração do vale do
rio São Francisco, ou seja, a industrialização da energia hidroelétrica da
cachoeira de Paulo Afonso e um vasto plano agrícola-industrial conexo”.
Assim, o referido projeto consistia em abastecer e iluminar ci-
dades da região, além de mover indústrias próximas à cachoeira
e a outros planos de irrigação de terras locais. Apesar dessas conside-
rações, os norte-americanos só participariam, de fato, com a expressa
autorização dos estados fronteiriços ao rio.

Essa foi a condição para a participação do capital norte-americano


no projeto. Contudo, não contava Delmiro com a recusa do
Governador de Pernambuco, Dantas Barreto. Diante da negativa,
Delmiro chegou até a justificar a proposta do projeto de eletrificação

Figura 4 - Fruto de um caso extraconjugal, Delmiro Augusto da Cruz Gouveia nasceu


em Ipu, hoje distrito de Pires Ferreira, no Ceará, em 5 de junho de 1863. Era descrito
como um homem sempre disposto a assumir grandes compromissos.

115
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

do Recife, mas não foi suficiente, já que o Governador cate- nho da eletrificação. Boa parte desse aval deve-se aos esforços e à
goricamente relutou: “O negócio que o senhor propõe é tão vantajoso petulância de dois alagoanos, o deputado federal Demócrito
para o Estado que deve envolver alguma velhacaria”. Em decorrência, os Gracindo e o consultor jurídico do Estado Alfredo de Maya, os
estrangeiros pularam fora. Superada a recusa, Delmiro resolveu, quais souberam como poucos resistir às críticas e fundamentar
então, encabeçar outro projeto ousado. Então, voltou-se para um seus argumentos na Câmara e na Imprensa.
projeto de construção de uma usina hidroelétrica, para alimentar
uma fábrica de linhas em pleno sertão. Para construir Angiquinho, Delmiro foi à Europa adquirir o maqui-
nário necessário, e acabou por contratar um engenheiro italiano, Luigi
Delmiro conseguiu obter vários privilégios do Governo do Estado Borella, para projetar a empreitada. Também foram contratados
de Alagoas, entre os quais o direito de explorar as terras improdu- engenheiros e técnicos franceses para montar a usina. Como a casa
tivas na cidade de Água Branca, Alagoas; a concessão para captar de máquinas da usina ficaria no paredão do cânion do São Francisco,
o potencial hidrelétrico da cachoeira de Paulo Afonso e produzir local de difícil acesso, houve quem duvidasse do sucesso da obra.
eletricidade; e a isenção de impostos referentes à sua fábrica de linhas
de costura Estrela, na localidade de Pedra, situada a 23 km da Contrataram-se, junto à firma inglesa W. R. Bland & Co. os proje-
cachoeira. Entre 1910 e 1911, todas essas concessões foram transfor- tos iniciais das obras. A parte hidráulica com a alemã J. M. Worth
madas em decretos-lei pelo Estado de Alagoas. e a suíça Piccard Pictet & Co. Equipamentos elétricos ficaram a car-
go da empresa alemã Bergmann & Co. e da suíça Brown Boveri & Co.
A obra foi realizada mediante concessão do estado de Alagoas ao As turbinas foram encomendadas às casas Bromberg e Siemens
abrigo do decreto nº 520 de 12/08/1911 de acordo com a Constituição Schukert & Co. As tubulações foram fabricadas pela competen-
Federal de 1891. Após a morte por assassinato de Delmiro Gouveia, te empresa alemã Mannesmann. Já o maquinismo da fábrica veio
a produção de linha de coser foi prejudicada, mas a usina permaneceu da companhia Dobson & Barlow, da Inglaterra.
intacta, não passando de lenda o lançamento dos equipamentos da
fábrica e da usina, pelos ingleses, dentro da cachoeira de Paulo Afon- Para a montagem dos equipamentos da usina, Delmiro requisitou
so. A usina permaneceu no local e os equipamentos da fábrica anos a experiência estrangeira do técnico Anton Wer, da Alemanha, e
depois foram levados para São Paulo. O decreto nº 503, do mesmo do engenheiro Emilio Levermann. Em 1912, o engenheiro italiano
ano, havia concedido a isenção de impostos pelo período de dez Luigi Borella veio treinar o corpo técnico e dirigir o complexo hi-
anos para a exploração de uma fábrica de linhas de costura. drelétrico. Por conseguinte, as caixas com as máquinas e equipamen-
tos, vindos da Europa, cruzaram o Atlântico até o porto da cidade
Houve reações contrárias à implantação desse aproveitamento de Penedo (AL). Em seguida, foram colocadas em uma barca que
hidrelétrico da cachoeira, sobretudo por parte das imprensas alago- subiu o rio São Francisco até atracar na lapinha do sertão, Piranhas.
ana e carioca que publicavam manchetes com veementes protestos
sobre o assunto. Geralmente, o discurso girava em torno da responsa- Na etapa seguinte, os equipamentos foram transportados de trem
bilidade jurídica sobre a exploração do Rio São Francisco, bem como através da Estrada de Ferro Paulo Afonso até chegar na estação da
dos consequentes impactos ambientais e econômicos. A tribuna Vila da Pedra. Por fim, para a conclusão da longa travessia, o maqui-
da Câmara Federal também foi palco de embaraçosos discursos, nário da usina percorreu os 24 quilômetros que os separavam até a
furiosos debates e fracassadas conclusões acerca da célebre conces- Cachoeira de Paulo Afonso, em carroções puxados por juntas de
são de aproveitamento da maravilhosa queda d’água. No entanto, bois, com a necessária construção de pontes e estradas adequadas
coube a Delmiro, através da firma Iona & Cia., concretizar o so- para permitir sua passagem.

116
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Quem foi Delmiro Gouveia (1863-1817)


Delmiro Augusto da Cruz Gouveia nasceu no dia 5 de junho de
1863, na fazenda Boa Vista, município de Ipu, Ceará, filho natural de
Delmiro Porfírio de Farias e Leonilda Flora da Cruz Gouveia.

Em 1868, transferiu-se com sua mãe para a cidade de Goiana,


em Pernambuco e depois para o Recife, tangidos pelas secas que
periodicamente ocorrem no sertão nordestino e pela morte do pai,
quando ele tinha apenas quatro anos de idade. Em 1872 muda-se
para Recife. Em 1875, quando tinha apenas 12 anos de idade abando-
na o lar materno e se lança no mundo à procura de emprego que lhe
permitisse sobreviver com o mínimo de folga para proporcionar o seu
aprendizado, base de sua capacitação necessária a vencer os diversos
desafios com que sonhava e que nele tinham a firmeza das idéias-fixas.

De família pobre, teve que trabalhar cedo para se manter e ajudar


a mãe. Foi bilheteiro da estação Olinda do trem urbano chamado
maxambomba, trabalhando também na estação de Apipucos,
bairro do Recife, onde adquiriu posteriormente, quando já acu-
mulava riqueza suficiente, um palacete que hoje é propriedade da
Fundação Joaquim Nabuco, onde funciona o Instituto de
Documentação. Trabalhou ainda como despachante de barcaças. Figura 5 - Delmiro da Cruz Gouveia

Interessado na compra e venda de couro e peles de cabras e


ovelhas vai para o interior de Pernambuco, casando-se, em 1883,
com Anunciada Cândida de Melo Falcão, na cidade de Pesqueira. do Derby, no Recife, onde só havia manguezais: abriu estradas,
ruas, construiu casas e um grande mercado modelo sem similar
Dedicou-se ao comércio e exportação de couro e peles, inicial- no Brasil, o Mercado Coelho Cintra, com 264 compartimentos
mente como empregado da família Lundgren e depois por conta alugados a comerciantes de alimentos e de outros tipos de
própria, mantendo um grande número de compradores por toda a mercadoria, inaugurado no dia 7 de setembro de 1899.
região Nordeste do Brasil.
Os baixos preços praticados no mercado incomodaram a
Fundou, em 1896, a Casa Delmiro Gouveia & Cia, passando a destruir concorrência, havendo por isso desentendimentos com o então prefei-
a concorrência no setor e ficando conhecido como o Rei das Peles.  to do Recife, Esmeraldino Bandeira e em decorrência, conflitos com
o poderoso Rosa e Silva, presidente do Senado Federal e vice-
Dispondo de capital, se engajou politicamente e partiu para outros presidente da República, o que culminou com o incêndio do
empreendimentos. Foi o responsável pela urbanização do bairro mercado, no início de 1900.
117
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Hoje, após a reforma realizada em 1924, o prédio do antigo


mercado abriga o quartel general da Polícia Militar de Pernam-
buco (Figura 6).

Autoritário e de temperamento difícil, à medida que enriquecia


criava mais inimigos.

Em 1901, perseguido e com problemas no casamento refugiou-se


durante um ano na Europa.

Separado da esposa, em 1902, aos 39 anos, raptou a adolescente


Carmela Eulina do Amaral Gusmão, fugindo para Alagoas e
fixando-se na Vila da Pedra, uma localidade a cerca de 280 km de
Maceió e que na época só possuía seis casas. Passou a comprar e
exportar couro e peles, utilizando o Porto de Jaraguá, em Maceió. Figura 6 - Prédio do antigo mercado que
agora abriga o quartel general da Polícia
Militar de Pernambuco
Em 1909, inicia os estudos para aproveitamento econômico da
cachoeira de Paulo Afonso. Em 26 de janeiro de 1913, capta
energia elétrica na queda do Angiquinho, no lado alagoano, através
Levou a energia elétrica para a povoação onde ficava a fábrica e
de uma pequena usina geradora de eletricidade, puxando a rede
depois até a Vila da Pedra.
elétrica até a sua fazenda.

Passou a idealizar e desenvolver projetos para a implantação de


Inaugurou, em 1914, uma pequena fábrica têxtil para produção
uma hidroelétrica que abastecesse o Recife de energia, o que cau-
de linha, com a marca Estrela, que logo dominou o mercado
sou desentendimentos com o então governador de Pernambuco,
nacional, impondo-se também nos mercados da Argentina, Chile, Peru,
Dantas Barreto, que o acusava de estar procurando aproveitar-se do
depois Bolívia, Barbados e até nas Antilhas e Terra Nova. 
seu governo e, por isso, rompeu relações com o industrial.

A fábrica era um modelo de organização, com diversos pavilhões


Seu temperamento sempre difícil, além da tensão em que vivia, e
onde ficavam os teares, uma vila operária,  ambulatório médico,
da falta de apoio governamental, produziram uma série de atritos
cinema e ringue de patinação.
e inimizades, que culminaram com o seu assassinato à bala, no dia
10 de outubro de 1917, aos 54 anos de idade, no terraço da sua casa
Não querendo ficar isolado e para ajudar no desenvolvimento das
na Vila da Pedra, hoje município de Delmiro Gouveia.
suas atividades industriais, construiu cerca de 520 km de estradas
carroçáveis e introduziu o automóvel no sertão.
Angiquinho atualmente
Embarcava sua produção através de porto de Piranhas, utilizan-
do a ferrovia que ligava Jatobá (atual Itaparica) a Piranhas para Em outubro de 1958 a usina Angiquinho perdeu a concessão do
transportá-la. aproveitamento parcial da cachoeira de Paulo Afonso, mas con-
118
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

tinuou a distribuir eletricidade para a cidade de Delmiro Gouveia


(antiga vila da Pedra) até 1960, quando foi por fim desativada.

Por intermédio da CHESF e da prefeitura de Delmiro Gouveia, foi


elaborado um projeto de recuperação histórica que inclui a restau-
ração da usina, da Furna dos Morcegos, onde dizem que Lampião
se escondeu, contudo a presença dos cangaceiros na área de Angi-
quinho já foi praticamente desmentida, pois não se encontrou qual-
quer indício dessa passagem. Depoimentos de cangaceiros do bando
afirmaram que estiveram naquela área, mas nunca se esconderam na

Figura 8 - Escada de
Figura 7 - A casa força acesso à casa de força
de Angiquinho localizada
à margem alagoana da
cachoeira de Paulo Afonso

Furna dos Morcegos. Além disso, seria incoerente um bando


tão articulado como o de Lampião se esconder em um local que
tem apenas uma única entrada.

Segundo o projeto de recuperação denominado “Projeto de gestão


de Angiquinho”, a usina foi transformada em um ponto de visita-
ção turística, que além de proporcionar ao turista comum uma vista
diferenciada da cachoeira, bem como atrair profissionais e leigos
com interesse de conhecer a história das hidreléricas no Brasil.
119
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 9 – Prédios da usina recuperados

Figura 10 – Interior
da casa de força

A Chesf, que investiu R$ 1,5 milhão na


recuperação da usina, passou a gestão de
Angiquinho à Fundação Delmiro Gouveia
(FDG), que liderou o movimento pelo
resgate do acervo. “A luta agora é para
que Angiquinho deixe a fila de espera
pelo decr eto do gover no federal e Minis-
tério da Cultura para o tombamento nacio-
nal”, assinala Edvaldo Nascimento,
coordenador da FDG.

Passear no sítio histórico de Angiquinho


é mover as rodas da história. Nas entra-
nhas da usina saem paisagens lunáticas,
águas muito limpa mostram o fundo
translúcido do Velho Chico. São pedras
e rochas e tocas de rio para todos os
lados (Figura 13).
120
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Figura 11 – Gerador

Figura 12 – Turbina
de eixo horizontal

121
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 13 - Vista do cânion a partir da casa de força

122
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

O coração começa a bater mesmo na escadaria de metal, que desce


45 metros abaixo das rochas, no caminho da velha casa das má-
Referências
quinas, que abriga os três geradores Brown Boveri e as turbinas 1. Governador de Alagoas assina decreto de tombamento
Piccard Pictet, que alimentavam a usina, fruto da cabeça do do complexo Angiquinho (HTML). Folha Sertaneja (03 de
cearense Delmiro Gouveia. dezembro de 2006). Página visitada em 6 de janeiro de 2008.
2. Projeto Gestão de Angiquinho (HTML) (2008). Página
A descida é adrenalina pura, escadas em espiral, com plataforma visitada em 6 de janeiro de 2008.
para mirante, de onde os olhos captam uma imagem inesquecível
3. Galdino, Antônio – Mascarenhas, Sávio. Paulo Afonso:
do que resta da cachoeira de Paulo Afonso, ou parte dela. A visão de pouso de boiadas a redenção do Nordeste - Câmara
do Velho Chico cercado por cânions e corredeiras é colossal, e Municipal de Paulo Afonso, Paulo Afonso-BA, 1995.
uma cachoeira transborda na entrada do lago da usina, que iluminou
4. Revista Continente Documento – Ano I, nº 11 – 2003.
boa parte da região até nos anos 60.
5. Jornal Chesf – CER – Ano IV – nº 235 – junho a
novembro/2006.
A casa de máquinas continua presa às rochas e é o ponto culminante
do passeio. Entrar naquele prédio arrojado e quase secular é sen- 6. Cachapuz, Paulo B. de Barros – Dalla Costa, Armando.
Paulo Afonso I: Imagens de uma epopéia. Rio de Janeiro:
tir segurança e êxtase. Principalmente ao abrir as janelas da casa e
Centro da Memória da Eletricidade no Brasil, 2008.
correr o olho nas rochas, no rio e na bela cachoeira.
7. Fernandes, Adriana Sbicca; Szmrecsányi, Tamás (orgs.).
Empresas, empresários e desenvolvimento econômico no
Brasil.
São Paulo: hucitec/Abphe, 2008.
8. Magalhães, Gildo. Força e luz: eletricidade e
Figura 14 - Subestação Elevadora de Angiquinho modernização
na República Velha. São Paulo: ed. Unesp, 2000.
9. Sant’ana, Moacir Medeiros de. Pequena história de
Delmiro Gouveia, o “Rei do Sertão”. Maceió: imprensa oficial,
1961.
10. Silva, Davi Roberto Bandeira. Ousadia no Nordeste: A
Saga Empreendedora de Delmiro Gouveia. Maceió: Fiea/
Gijs, 2007.
11. Site www.controvérsia.com.br
12. http://www.turismo.al.gov.br/sala-de-imprensa/noticias/
noticias-2008/angiquinho-atrai-turismo-de-aventuras-
em-delmiro-gouveia/(Texto de Mário Lima) acessado em
17/02/2011).
13. http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/index.
php?option=com content&vieu=article&id=6068Itemid
=195(Texto de Semira Adler Vainsencher pesquisadora da
Fundação Joaquim Nabuco) Acessado em 17/02/2011.
123
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Usina do Itapecuruzinho -
A primeira hidroelétrica da
Amazônia
Erton Carvalho

Esta usina está localizada no rio Itapecuruzinho, afluente do rio de 1,22 m3/s. No local foi implantada uma casa de força que abri-
Manoel Alves Grande, que desemboca no rio Tocantins pela gava uma turbina Francis de 110 kW, com rendimento de 75%,
margem direita, no município de Carolina, estado do Maranhão. acionando, através de um sistema de polias, um gerador de 120 kVA,
Foi concebida e projetada no período de 1937/1938 e teve a sua 380/220 V, freqüência de 50 Hz e com a velocidade de 750 rota-
construção realizada no período de 1939/1940. A usina foi constru- ções por minuto. As Figuras 2, 3, 4 e 5 mostram a casa de força e
ída aproveitando uma queda de 11,50 m (Figura 1). As obras civis seu interior, hoje completamente abandonada e em péssimo estado
foram constituídas por um canal lateral de forma trapezoidal, com de conservação. O quadro de comando era de ferro perfilado com
88 m de comprimento e um desnível de 0,30 m, dimensionado para painel de mármore polido. Contava, também, com uma pequena
aduzir uma vazão de 2,44 m3/s, que terminava com uma pequena subestação que tinha um único transformador trifásico de 11.000 V.
tomada d’água seguida de um conduto forçado com capacidade A linha de transmissão da usina para a cidade de Carolina tinha

Figura 1 - Cachoeira
do Itapecuruzinho

125
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 2 - Casa de força

Figura 3 - Turbina
Francis 110Kw

126
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

28,5 km, sendo que as perdas no transporte da energia foram


estimadas em 5,2%. A linha foi implantada com postes de aroeira
a uma distância média de 50 m. Na cidade, através de uma
subestação abaixadora, a rede pública de distribuição de energia
era de 220/110 V.

História
A cidade de Carolina, situada no extremo sul do Maranhão,
à margem direita do rio Tocantins, conheceu, nos anos quarenta,
sua fase áurea, como a maioria das cidades ribeirinhas banhadas
pelo grande rio, único meio de transporte existente na região.

Em 1937, Newton Carvalho, homem de idéias progressistas,


iniciou sua luta para convencer um grupo de conterrâneos da
Figura 4 - Gerador de 120 KVA necessidade de construir em Carolina uma usina hidroelétrica,
aproveitando a bela cachoeira existente no rio Itapecuruzinho,
situada a 33 km da cidade.

Naquela época (1937), o Brasil possuia apenas uma potência insta-


lada de 847 MW, correspondendo a 0,75% da atual, sendo 192 MW
em usinas térmicas e 755 MW em hidroelétricas. Excluindo os
grandes centros urbanos, na maioria das cidades, o fornecimento
de energia era restrito ao período das 18 às 21 horas. Tratava-se,
portanto, para aquela sociedade local de uma obra bastante audacio-
sa. Mesmo assim, Newton Carvalho colocou esse empreendimento
como a grande meta de sua vida. Vale ressaltar aqui que Carolina
era uma das cidades consideradas de oposição ao interventor
do estado, Paulo Ramos, e sua classe política bastante temerária
quanto às atitudes do citado interventor. Os sócios pretenden-
tes exigiram que Newton Carvalho obtivesse do interventor uma
autorização para que a usina fornecesse energia para a cidade.
A partir daí, ele fez várias viagens a São Luiz, capital do estado,
não tendo conseguido ser recebido por aquela autoridade.
Por interferência de Dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Motta,
arcebispo do Maranhão, a audiência acabou sendo realizada
Figura 5 - Gerador e painel de controle com sucesso, o que permitiu dar andamento ao início dos trabalhos.
127
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Em 1938, Newton Carvalho foi ao Rio de Janeiro, então capital dor e, em seguida, esvaziava a embarcação, permitindo, assim, que
federal, para estudar junto à companhia alemã Siemens a viabilida- o equipamento subisse pelo empuxo a que era submetido.
de do empreendimento. Viajou às próprias custas e contou com a
ajuda de um comerciante alemão, proprietário da Casa Beckgis, para Após verdadeira epopéia, finalmente o maquinário chegou a
negociar com a empresa a consolidação do projeto e a compra dos Carolina. Para alcançar o lugar escolhido, travou-se outra batalha
equipamentos necessários para a construção da usina. com o transporte dos equipamentos em pequenos caminhões
através de caminhos intricados, utilizados pelos sertanejos locais.
Retornando do Rio de Janeiro com os dados da usina nas mãos, Foi assim instalada, às margens do pequeno rio Itapecuruzinho,
organizou a firma em 1939, registrando-a no dia 11 de julho do a primeira usina hidroelétrica da Amazônia.
mesmo ano, na Junta Comercial do Maranhão. A empresa de nome
Hidroelétrica Itapecuru Ltda., foi então organizada para fornecer Para a construção da linha de transmissão foi aberta uma picada da
energia elétrica ao município de Carolina, com o aproveitamento cidade até o local da usina, com o auxílio de um velho teodolito de
da referida cachoeira. O capital inicial de 340 contos de réis, propriedade do professor José Queiroz, utilizado em um trabalho
dividido inicialmente entre oito sócios, teve, posteriormente, de topografia para a ferrovia Pirapora-Belém, a qual nunca saiu do
a cooperação de mais seis sócios, cada um contribuindo com papel. O rumo da linha de transmissão foi definido por um piloto
10 contos de réis, totalizando 14 sócios. da Condor, companhia aérea alemã, que fazia voos entre Carolina
e Belém. Foram lançados sacos de areia com bandeiras vermelhas
A concessão para o empreendimento ocorreu em 16 de novembro para demarcar o referido caminho. Em sua grande maioria esses
de 1939, quando o presidente Getúlio Vargas e seu ministro marcadores não foram encontrados. Newton Carvalho, ele mes-
Fernando Costa assinaram o decreto n o 4.888, publicado no mo, elaborou a planta da cidade e implantou a rede pública e o
Diário Oficial do dia 8 de fevereiro de 1940, que outorgou à sistema de distribuição de energia residencial.
sociedade o direito de explorar o referido aproveitamento até a po-
tência de 285 kW. O projeto previa a colocação de duas unidades de O Decreto nº 15.790, de novembro de 1941, autorizou o funcio-
143 kW, mas inicialmente só foi instalada uma unidade de 110 kW. namento da usina e a sua inauguração se deu em 15/11/1941,
com uma linha de transmissão de aproximadamente 30 km.
Voltando novamente à capital federal, Newton Carvalho adquiriu
da Siemens todos os equipamentos para a instalação da usina. Trans- Biografia
portados por via marítima até o porto de Belém, seguiram através
do rio Tocantins até Carolina, tendo as embarcações atravessado Por detrás desta pequena central hidroelétrica, se esconde um
várias cachoeiras, dentre elas a de Itaboca, onde hoje está localizada episódio heróico que bem reflete a época e o momento histórico
a usina de Tucuruí. Quando passava pela cachoeira de Itaguatins, em que foi construída. Seu idealizador e executor (Figura 6) teve
perto da cidade de Porto Franco, um dos pesados transformado- que vencer obstáculos quase intransponíveis para implantar na
res da subestação caiu no rio. Desprovido de equipamentos para Região Amazônica a primeira usina hidroelétrica, em plena
içá-lo, foi empreendida uma luta titânica para retirá-lo da água. ditadura do então presidente Getúlio Vargas.
O sucesso dessa operação só foi possível pelo fato de Newton
Carvalho conhecer e fazer uso do princípio de Arquimedes. Com Newton Alcides de Carvalho provinha de família numerosa.
auxilio de mais uma embarcação, esvaziava-as e enchendo-as de água Nasceu em Carolina, em 26 de julho de 1900. Era um dos onze filhos
até chegar ao limite de transbordamento tracionava o transforma- do casal Alípio Alcides de Carvalho e Rosa Sardinha de Carvalho.
128
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Seu pai era originário da cidade de Caxias do Maranhão e sua mãe


era oriunda de berço português, nascida em Vianna do Castelo,
norte de Portugal. A formação do homem visionário, que pensa-
va adiante do seu tempo, não era comum à época: tinha conclu-
ído apenas o curso ginasial, o qual lhe proporcionou sólida base
cultural voltada para as ciências exatas. Autodidata, dedicou-se
com afinco ao estudo da matemática, da física e da engenharia,
tendo adquirido por conta própria noções de inglês e alemão.
Em sua cidade natal, lecionou matemática e escrituração mercantil
a jovens conterrâneos. Ali, participou, também, da construção de
uma usina açucareira, ao mesmo tempo em que desenvolvia ativi-
dades comerciais. Ainda não havia atingido quarenta anos quando
resolveu vender todos os seus bens para conseguir tornar real o
sonho de executar o projeto da construção da pequena usina
hidroelétrica em Carolina.

Não tendo sido ressarcido de seus investimentos, Newton Carva-


lho, decepcionado com a alta inadimplência dos consumidores de
energia, principalmente com a da iluminação pública, em 1944,
resolveu transferir-se com a família, a esposa Eliza Ayres de
Carvalho e seus filhos, para o interior do estado de Goiás.
Ali, construiu as usinas hidroelétricas das cidades de Anicuns
(1948/1949) e de Santa Cruz de Goiás. Elaborou, ainda, projetos Figura 5 - Newton Alcides de Carvalho
para as usinas de Campos Belos e Babaçulândia, obras porém não
realizadas. Em 1949, já radicado em Goiânia, trabalhou na Secretaria
de Educação no planejamento e construção de 248 prédios escolares Referências
na zona rural. Diversificando suas atividades, elaborou, também,
um projeto para a exploração industrial do babaçu. No período de 1. Notas da família Carvalho
1961 a 1965 exerceu a função de chefe-geral da limpeza pública
da capital do estado. Estruturou o serviço de coleta e destino do 2. Artigo do jornalista Waldir Braga no jornal “Folha do
lixo, apresentando um estudo sobre o aproveitamento do mesmo, Maranhão do Sul” (25/Julho a 03/Agosto de 1996)
através de tratamento mecânico e biológico, baseado no método di-
namarquês, conhecido por “Dano”, altamente avançado para a época. 3. Revista Século XX “Gente que fez Carolina” de Paulo
Noleto Queiroz, Outubro de 2000.
Faleceu em 25 de outubro de 1969, vítima de acidente
automobilístico, antes mesmo de completar 70 anos. Deixou 4. Memória Técnica da Usina de Itapecuruzinho, cópia
para a posteridade um exemplo de homem probo, determinado, datada de 1939.
corajoso e realizador.
129
130
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

“Ter-se-á de reconhecer a importância da contribuição da Light,


que deu grandeza ao sistema elétrico brasileiro com projetos A Light no Rio de Janeiro,
ousados, mesmo em comparações internacionais.”
Antonio Dias Leite, 2007
a Cidade Luz Sulamericana
Armando José da Silva Neto e Flavio Miguez de Mello

por em funcionamento no Brasil a empresa que seria referên-


cia no desenvolvimento da engenharia brasileira de barragens
e usinas hidroelétricas.

Em 1908 foi lançado o primeiro grande desafio: a construção no


Ribeirão das Lajes, da usina de Fontes, no Município de Piraí, no
Estado do Rio de Janeiro. Essa usina, na época de sua instalação
era a maior hidroelétrica da América Latina e a segunda maior do
mundo. A barragem era uma estrutura de concreto gravidade em
arco de 100 m de raio, com 32 m de altura e crista com 234 m
dos quais 134 m eram vertedouro de lâmina livre.

A potência instalada era de 12 MW, mas podendo chegar a 15 MW.


Em 1909 foi ampliada com a instalação de mais três unidades
geradoras, elevando sua capacidade para 24 MW. O gerente do
empreendimento foi o engenheiro Clint H. Kearny, recomendado
Figura 1 - Alexander Mackenzie, fundador e
pelo engenheiro Pearson.
segundo presidente (1915-28)

O desenvolvimento da construção, operação e manutenção de


usinas hidroelétricas no Brasil tem um dos capítulos mais im-
portantes na criação de uma empresa chamada The Rio de Janeiro
Light and Power Co. Ltd, em 30 de maio de 1905.

Liderada pelo advogado canadense Alexandre Mackenzie e


pelo engenheiro americano Frederick Stark Pearson, residen- Figura 2 - Frederick
tes no Brasil havia cinco anos, coube a tarefa de implantar e Stark Pearson,
primeiro presidente
(1904-15)
Casa de força de Fontes. Concepção artística do
engenheiro José Carlos de Miranda Reis Neto

131
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 4 - Barragem de Tócos vista de montante

Figura 5 – Saída do túnel de Tócos


Figura 3 - Barragem de Lajes construída em 1906

Em 1914 foi concluída a barragem de Tócos no rio Pirai


e um túnel com 8,4 km de extensão, na época o mais lon-
go túnel hidráulico do mundo. Esse túnel passou a derivar
as águas do rio Pirai para o reservatório de Lajes, possibilitando
o aumento de capacidade de Fontes para 55 MW.

Os dois escritórios da LIGHT nas cidades do Rio de Ja-


neiro e de São Paulo foram reunidos em um só visando a
ampliação da geração de energia hidráulica já que a
demanda naquela época não parava de aumentar em função
do desenvolvimento que estava ocorrendo no País.
132
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Em 1921 a LIGHT foi autorizada a construir uma nova usina


hidroelétrica nos municípios de Carmo, RJ e Além Paraíba, MG
no rio Paraíba do Sul a 150 km da cidade do Rio de Janeiro. A cons-
trução da usina ficou a cargo do engenheiro Asa W. Kenney Billings,
que era especializado em obras hidráulicas e seus equipamentos.

Inaugurada em julho de 1924, a usina tem um canal de adução com


2,5 km de extensão constituído por diques de terra compactada
e trechos em concreto, do lado norte. Com três comportas tipo
setor que até hoje são as maiores do mundo, o vertedouro principal é
localizado na margem esquerda. As comportas se encontram
em operação até os dias de hoje. Há vertedouros de menores capaci-
dades equipados com comportas Stoney.

Figura 6 - Engenheiro Asa White Kenney Billings

Figura 7 - Construção da usina hidroelétrica Ilha dos Pombos em 1924

133
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 8 - Usina hidroelétrica de Ilha dos Pombos – Uma das três comportas setor, as maiores do mundo

Com as ampliações realizadas em setembro de 1937, a usina


de Ilha dos Pombos atingiu a potência instalada de 167 MW sob
31 m de queda bruta.

Após mais de 55 anos de operação, nos anos 90, foi executada uma
reabilitação completa da barragem e de suas comportas, bem como uma
repotenciação da usina com aumento da capacidade instalada.

Em março de 1940, a LIGHT foi autorizada a ampliar a Usina de Fontes.

Figura 9 - Usina hidroelétrica de Ilha dos Pombos tendo


seus vertedouros reabilitados. Vista de montante.

134
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

O projeto do engenheiro Billings


elevou em 26 m a Barragem de La-
jes, aumentando a capacidade de
armazenamento do reservatório para
1.052 milhões de metros cúbicos.

A ampliação constou de três novas


unidades, cada uma com 39 MW,
elevando a potência instalada para
172 MW. O alteamento da barragem
que passou da soleira vertedora
livre em arco gravidade para uma
barragem em contrafortes de 63
m de altura, implicou também na
construção da barragem e do dique
de Cacaria, na barragem do Rio da
Prata, no Dique 4 e no Dique 5.
A obra foi concluída em 1958. Para
permitir a construção foi neces-
sário desocupar a pequena cidade
tombada de São João Marcos no Figura 10 - Início do
alteamento da barragem
município de Rio Claro. O reser- de Lajes
vatório havia sido idealizado para
ser utilizado para regularizar as
descargas que seriam derivadas do
rio Paraíba do Sul. Entretanto, o re-
servatório jamais foi completamente
cheio por dois motivos: o abaste-
cimento de água para a cidade do
Rio de Janeiro havia passado a
depender das descargas efluentes
da casa de força de Fontes sem
outro tratamento que não a clo-
ração e a necessidade de obras Figura 11 - Barragem de
adicionais para garantir a estabi- Lajes após a conclusão
do alteamento
lidade da barragem de Cacaria e
do Dique 4. Essas obras foram
finalmente executadas nos anos 80.
135
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Apesar dos bons serviços prestados e do estrangulamento das a adoção do artifício de se conceber uma ampliação da usina de
tarifas a partir do Código de Águas em 1934, a Light enfrentava Fontes pela derivação de descargas dos rios Pirai e Paraíba do Sul.
opositores de todas as correntes políticas, desde extremados Essa foi a obra de engenharia mais importante no final dos anos 40
esquerdistas que se intitulavam de nacionalistas, até o líder da UDN, e início dos anos cinqüenta. Inaugurada em 1953, resultou na am-
Carlos Lacerda, que se referia a ela como “o Polvo Canadense”. pliação de geração em Fontes com a instalação de três unidades
Nesse cenário, à Light não eram concedidas novas concessões, Francis de 39 MW cada, denominada Fontes Nova e na implantação
embora ela tenha estudado em detalhe potenciais no médio rio da casa de força subterrânea de Nilo Peçanha que, sob a queda bruta
Paraíba do Sul (Funil, Sapucaia e Simplício) e efetuado estudos que de 310 m, aumentou em 378 MW o Complexo de Lajes. Presentemen-
cobriram extensas áreas do território nacional, desde a vertente oceâ- te as antigas unidades Pelton de Fontes estão desativadas, restando
nica da Serra do Mar até as Sete Quedas. Esse cerceamento de novas apenas as três unidades Francis de Fontes Nova e as seis unidades de
concessões e a necessidade de ampliação da geração determinaram Nilo Peçanha, todas Francis de eixo vertical.

Figura 12 - Casa de força de Fontes

136
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Para esta fase da ampliação uma série de obras foram


executadas, destacando-se a elevatória de Santa Cecília,
a barragem de Sant’Ana, no rio Pirai construída em
apenas dois meses, a elevatória de Vigário que dis-
põe de unidades reversíveis, as terceiras instaladas no
mundo depois das unidades de Traição e Pedreira em
São Paulo, também instaladas pela Light, a construção
da barragem Terzaghi e do dique Vigário, projeto em
que Karl Terzaghi introduziu filtros chaminés em
barragens de terra, e a casa de força subterrânea de
Nilo Peçanha, de grandes dimensões para a época,
que contou com a importante colaboração do geólogo
Portland Port Fox. Embora constasse do projeto ori-
ginal, a segunda casa de força de Nilo Peçanha ainda
não foi construída, ficando as usinas de Fontes Nova e
Nilo Peçanha com elevado fator de capacidade. Figura 13 - Barragem de Santa Cecília

Figura 14 - Barragem Santana

137
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Em fevereiro de 1967 intensa precipitação provocou inúmeros recuperação das instalações cuja operação era comandada pelos
deslizamentos nas encostas da Serra das Araras na área das usi- engenheiros Walter Stukembruk e Henrique Smoka, ambos
nas, bloqueando os canais de fuga de Fontes e de Nilo Peçanha. de elevada competência e dedicação.
O refluxo de lama inundou a casa de força de Nilo Peçanha causando
a paralisação da usina por vários meses para a recuperação dos Para que a derivação das águas do rio Paraíba do Sul fosse licen-
equipamentos totalmente feita pelos técnicos da Light. Realça-se a ciada, a Light teve que promover a regularização do rio pela im-
coragem dos operadores e a tenacidade da equipe da Light na plantação da barragem de Santa Branca e contribuído com 40% do

Figura 15 - Desvio Paraíba-Piraí - Elevatória de Vigário,


ao fundo dique do Vigário e a barragem Terzaghi

138
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

investimento na construção das barragens de Paraitinga e


Paraibuna, no trecho paulista da bacia hidrográfica do rio Paraíba
do Sul. Somente nos anos 90 a Light instalou as unidades
geradoras em Santa Branca.

Em 1961 foi concluída a usina de Ponte Coberta, posteriormen-


te denominada de Pereira Passos, com 99 MW instalados sob
36 m de queda bruta, aproveitando as águas turbinadas do
Complexo de Lajes. A barragem de terra tem 52 m de altura e
231 m de crista. As estruturas de concreto da tomada d’água e do
vertedouro, este com 330 m³/s de capacidade de descarga,
são situadas na margem esquerda do reservatório. Curiosamente
a Light esperou a posse do presidente Castelo Branco em 1964
para oficialmente inaugurar a usina.

Considerando as dificuldades acima mencionadas na obtenção


Figura 16 - Presença do Terzaghi (ao fundo) no campo durante a
de novas concessões, essa usina foi inicialmente denominada construção da barragem que tem o nome em sua homenagem
Lajes Auxiliar.

Figura 17 - Canal de fuga de


Nilo Peçanha em 1967 Foto 18 - Inauguração da hidroelétrica Nilo
Peçanha, Ministro Apolonio Salles,
J.R. Nicholson, João Monteiro

139
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

No final do século passado foi desenvolvido o projeto da


PCH Paracambi, mais uma hidroelétrica no leito do ribei-
rão Das Lajes que presentemente (2011) encontra-se em
construção. Essa hidroelétrica terá 25 MW instalados com
elevado fator de capacidade.

A Light foi estatizada em 1966 e privatizada em maio


de 1996, tendo passado de grupos francês, americano e
nacional para, presentemente, ser de controle integral-
mente nacional.

Figura 19 - João Gonçalves de Sousa, ministro extraordinário para


coordenação dos órgãos regionais, General Ernesto Geisel, chefe da casa militar,
Marechal Castelo Branco, presidente da República, Antônio Gallotti,
presidente da Light e Geremias Fontes, governador do Estado do Rio de Janeiro
em inspeção nas usinas geradoras da Light no dia 4 de fevereiro de 1967,
após os acidentes ocasionados pelas intensas precipitações.

Figura 20 - Pres. Castelo Branco


e Gallotti, presidente da Light,
em visita de inspeção após
o acidente de 1967

140
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Figura 21 - Construção da
barragem de terra de Ponte
Coberta, parte da hidroelétrica
Pereira Passos

Figura 22 - Inundação da casa de força de


Nilo Peçanha, inspeção de barco

Figura 23 - O atual
presidente da Light após
ter dirigido a ANA e a
ANEEL, professor da
UFRJ, Dr. Jerson
Kelman, ao ser agraciado
com o título de Engenheiro
Eminente pela Associação
dos Antigos Alunos da
Politécnica, em 2010

141
Alexander Mackenzie, fundador e
segundo presidente (1915-28)

142
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

A São Paulo Light,


Fomentadora de Progresso
“They (Light) say now that they
Armando José da Silva Neto e Flavio
Flavio Miguez
Miguez de
de Mello
Mello
could deliver half a million more
horse-power from this place alone
(Cubatão); and this is but one of the
several places that stand around
São Paulo and sell more power to
its elbow”  Rudyard Kipling*

* “Eles (Light) afirmam agora que


podem fornecer meio milhão de cavalos-vapor
somente deste local (Cubatão); e esse é apenas
um dos diversos lugares que se situam no
entorno de São Paulo e que poderão vender
mais energia para todos seus cantos.”

Figuras 1a e 1b - Desde os primeiros anos a Light constituiu diversas outras empresas de serviços em
São Paulo e no Rio de Janeiro, incluindo fornecimento de gás, telefonia, serviços de bondes e ônibus.
Nas fotografias L.H. Anderson, superintendente geral da São Paulo Gas Company e G.E. Seylaz,
tesoureiro presidente da Companhia Telefônica Brasileira.

Em 1899 o advogado canadense Alexander Mackenzie fundou a contrafortes e lajes planas, passando a ter 18,5 m de altura. Foram
The São Paulo Railway, Light & Power Company e iniciou imediata- introduzidas três comportas de segmento com capacidade de
mente a construção da hidroelétrica de Parnaíba, posteriormente 800 m³/s. Nos anos 80, considerando a extrema alteração nos
denominada Edgard de Souza, situada na cachoeira do Inferno,
coeficientes de escoamento da área de drenagem devida à inten-
no rio Tietê e inaugurada em 1901.
sa ocupação urbana da cidade de São Paulo e de cidades vizinhas,
nova importante reabilitação foi feita, tendo sida aumentada
A barragem foi construída em alvenaria de pedra com verte-
douro de superfície livre em quase toda a extensão de sua crista. a capacidade de descarga do vertedouro. Edgard de Souza foi a
A capacidade instalada inicial era de 2 MW. Em 1954 a antiga casa primeira de uma série de obras hidráulicas executadas nas pro-
de força foi substituída por uma estação de recalque com unida- ximidades da cidade de São Paulo dos últimos dois anos do
des reversíveis e a barragem foi alteada em seis metros através de século XIX até meados do Século XX.
143
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Com o objetivo de regularizar as afluências à usina de Edgard de adução e da casa de força foram reabilitadas tendo em vista o
de Souza, foi construída em 1906 a barragem de Guarapiranga elevado estado de deterioração e os preocupantes resultados das
situada no principal afluente do rio Pinheiros, tributário do rio Tie- análises de estabilidade que foram realizadas. A barragem teve trata-
tê. A barragem é de terra com 15,6 m de altura e 1500 m de crista. mento de concreto projetado no paramento de montante, injeções
Seu volume de 505.000 m³ foi proveniente de área de empréstimo de calda de cimento sob a laje executada no pé de montante e teve
escavada à mão, o solo foi transportado por tração animal e com- reforço por atirantamento, a tomada d’água do canal de adução
pactado apenas com a passagem das carroças. Como elemento de teve reforço em seus contrafortes e a tomada d’água da casa de força
impermeabilização foi executada uma cortina de estacas prancha teve tratamento de sua fundação por injeção de calda de cimento a
na linha de centro da barragem. Uma cheia extraordinária nos alta pressão com cracagem do solo, tratamento este que só havia
anos oitenta fez com que fosse executado um vertedouro adicional sido feito na fundação da barragem de Balbina. A casa de força foi
na ombreira esquerda. também reabilitada e voltou a operar em 1989.

No início da segunda década do século passado, a Light adquiriu O maior empreendimento foi conduzido por Billings: o chamado Pro-
da Empresa de Eletricidade de Sorocaba a concessão da hidroelétrica jeto da Serra que aproveitava descargas derivadas da bacia do rio Tietê
de Itupararanga e concluiu as obras em 1914 com três unidades de para a baixada Santista. O empreendimento foi feito em duas etapas:
11,1 MW cada. a usina de Cubatão e a usina de Henry Borden que operavam em pa-
ralelo. De montante para jusante, o circuito inicia-se pela barragem de
A intensa estiagem de 1924 fez com que Asa White Kenney Billings,
engenheiro americano de elevada competência que vinha de obras
na Espanha e no México, construísse, em apenas onze meses, Figura 2 – Ferdinand M.G. Budweg
a hidroelétrica de Rasgão, com duas unidades de 9,3 MW, aprovei-
tando canal escavado pelos escravos de um proprietário de terras na
região de nome Fernão Paes de Barros quase um século antes com a
esperança nunca concretizada de achar ouro no leito do rio Tietê.
O canal ficou sendo conhecido por Rasgão, tendo posteriormente
dado nome à barragem e à usina. A Light descobriu duas unidades
Francis de 9 MVA em fabricação no exterior, as comprou e as
trouxe para São Paulo. A logística era muito difícil, a maior carroça
transportava no máximo 15 toneladas e as estradas eram de tráfego
precário. A época era convulsionada por movimentos revolucioná-
rios tenentistas como o de 5 de julho que ocupou São Paulo por
semanas. O País entrava em estado de sítio. A coluna Miguel Costa –
Prestes iniciava a sua longa marcha. O canal aberto à mão teve que
ser ampliado e as fundações escavadas, o que demandava explosivos
nessa época tão explosiva. A barragem, com 20 m de altura é em
arco gravidade. A usina, inaugurada em 1925, tinha o caráter provi-
sório, mas operou até 1961 quando foi paralisada devido a excesso
de percolação sob a tomada d’água da usina. Nos anos oitenta
as estruturas civis da barragem e das duas tomadas d’água do canal
144
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Pirapora no rio Tietê a montante do reservatório de Rasgão. Essa barragem


represa as águas até a estação de recalque de Edgard de Souza, reverten-
do o curso do rio Tietê. Essa barragem de 43 m de altura em concreto
gravidade, concluída em 1956, é provida de um vertedouro de superfície
com duas comportas de segmento de 830 m³/s de capacidade. Com as
expressivas alterações dos coeficientes de escoamento que ocorreram em
sua área de drenagem devido à intensa ocupação urbana que passou de
3,6 milhões de habitantes em 1955 para 15 milhões em 1990, houve a
necessidade de ampliação da capacidade de descarga vertida e a proteção
à cidade de Pirapora do Bom Jesus que se situa logo a jusante da bar-
ragem. Essa cidade era inundada a partir de descargas de 480 m³/s.
A condicionante de projeto era conseguir um esquema que permitisse
Figura 3 – Esquema do lake piercing

o deplecionamento do reservatório antes da chegada do pico da cheia,


sendo esta amortecida no reservatório previamente rebaixado. Conside-
rando a impossibilidade do deplecionamento do reservatório durante a
construção por serem baixas (6,40 m) as duas comportas de segmen-
to que ocupam quase toda extensão da crista da barragem, a solução

Figura 5 – Instante da detonação do septo de rocha

Figura 4 – Execução da ensecadeira dentro do túnel


145
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

encontrada pelo engenheiro Ferdinand M.G. Budweg foi


a execução de um lake piercing, solução única no País.

As obras foram realizadas no início dos anos noventa,


tendo sido escavado um túnel de jusante para montante
com extensão de 168 m e seção de 48 m² pela ombreira
direita até bem próximo ao fundo rochoso do reserva-
tório onde, de acordo com o projeto original, deveria ter
sido escavada uma depressão (rock trap) para receber a
rocha quando da abertura final. Em seguida foram insta-
ladas duas comportas de segmento no interior do túnel,
foi construída uma ensecadeira de terra no interior

Figura 6 – Saída do túnel em operação Figura 7 - Vertedouro da barragem de Pirapora

146
146
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Figura 8 – A estação de recalque


de Edgard de Souza

Figura 9 - Barragem de Pedreira


ou do Rio Grande

do túnel para proteção das comportas quando da detonação final


e detonada uma carga que abriu a entrada do túnel pelo fundo
do reservatório.

A obra que incluiu também alargamento da calha natural do rio a


jusante da barragem, foi concluída com sucesso em 1993, não
mais ocorrendo inundações na cidade de Pirapora do Bom Jesus.
A capacidade de descarga da barragem passou para 1450 m³/s.
Figura 10 – Miller
O circuito hidráulico do Projeto da Serra inclui a barragem e Lash, presidente de
a estação de recalque de Edgard de Souza, situada a montante 1925 a 1941
de Pirapora. Essas duas barragens fazem com que o rio Tie-
tê flua de jusante para montante, penetrando no rio Pinhei-
147
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

ros que também flui de jusante para montante pela ação das
elevatórias de Traição e Pedreira implantadas no período
1938-1940, alimentando a represa de Billings e daí o reservatório
da barragem de Rio Das Pedras.

A barragem de Pedreira ou do Rio Grande é constituída por dois


aterros hidráulicos, um em cada lado das estruturas de concreto da
estação de recalque, com 25 m de altura e contendo um diafragma de
concreto armado central que vai das fundações até o nível d’água má-
ximo normal do reservatório de Billings. O diafragma, além de ser um
elemento impermeabilizante, foi também concebido como “protec-
tion against burrowing animals and ants” (proteção contra roedores

Figura 13 - A. Gallotti, último presidente da Light


envolvendo Rio de Janeiro e São Paulo (1965 a 1974)

Figura 11 – Sir Herbert Couzens,


presidente de 1941 a 1944

e formigas) como afirmou Billings em palestra realizada em Lon-


dres em 1936. Além dessa barragem, o reservatório de Billings é
fechado por outras 13 barragens ou diques, quatro dos quais feitos
como aterros hidráulicos e os restantes por transporte animal e com-
pactação apenas pelo tráfego das carroças. As águas estocadas na
represa de Billings acessam o reservatório da barragem de Pedras
situada na crista da serra do Mar onde o rio das Pedras inicia uma
sucessão de cachoeiras e corredeiras em direção à Baixada Santista.
A barragem de Pedras é uma estrutura de concreto em arco gravida-
de com 35 m de altura concluída em 1926, represando as águas na
elevação 728,50 m. O Projeto da Serra era concluído pela condução
das vazões com 710 m de queda bruta para as casas de força de
Cubatão, a céu aberto com oito unidades no total de 661 MW, e
Henry Borden, subterrânea, com seis unidades idênticas de 88 MW
148
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

cada. Todas unidades são com turbinas Pelton. A usina de Henry Nos anos recentes, por imposições ambientais, o bombeamen-
Borden era a ampliação da usina de Cubatão. A instabilidade natural to para o reservatório de Billings foi praticamente suprimido,
das encostas da Serra do Mar foi um dos fatores para que Karl sendo restrito a ocasiões de ocorrência de precipitações intensas
Terzaghi recomendasse que a casa de força de Henry Borden com o objetivo de minimizar as consequências das enchentes
fosse subterrânea. na cidade de São Paulo e no vale do rio Tietê. Houve, portanto,
perda de geração do Projeto da Serra que tanto progresso
Dignas de nota são as unidades das elevatórias de Traição e Pedreira garantiu a São Paulo.
que foram as primeiras unidades reversíveis a serem instaladas no mun-
do, seguidas pelas quatro unidades da elevatória de Vigário, instaladas
pela Rio Light em 1953.

Figura 12 - Seção transversal da


elevatória de Traição

149
150
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

As Barragens do Departamento
Nacional de Obras de
Saneamento - DNOS
Paulo Poggi Pereira

A origem
O Departamento Nacional de Obras de Saneamento - DNOS foi
um órgão federal que, entre 1940 e 1990, construiu obras hidráu-
licas para diversos fins em todo o Brasil, incluindo grande número
de barragens. Ele originou-se de uma comissão, criada em 1933,
para o saneamento da baixada fluminense, cujos extensos alagadi-
ços formavam um ambiente favorável à procriação de mosquitos
transmissores da malária, que na época era doença endêmica na
região em torno da cidade do Rio de Janeiro. Os trabalhos se des-
tinavam a drenar as terras e protegê-las contra inundações, prin-
cipalmente mediante abertura de canais e construção de diques.
A ênfase no objetivo sanitário levou, em certos casos, a dimensio-
nar a drenagem apenas para escoar as águas da chuva em um prazo
que impossibilitasse a reprodução dos mosquitos e permitisse a
utilização da terra para criação de gado, que na época era a principal
atividade econômica da região. Com a redução da população de
mosquitos a malária foi erradicada a ponto de muitas pessoas não
saberem hoje que ela existiu.

Por outro lado, após a Segunda Guerra Mundial, os municípios da


Baixada Fluminense permitiram a urbanização destas terras com
loteamentos inadequados, que não levaram em conta a vulnerabili-
dade a inundações de parte da área, o que faz com que hoje muitos
logradouros, moradias e empresas sejam periodicamente inundados.

Figura 1 – Barragem Em 1940 a Comissão para o Saneamento da Baixada Fluminen-


de Macabú se, em grande parte devido à atuação de seu diretor, Engenheiro
Hildebrando de Araujo Góes, foi transformada no Departamento
151
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Nacional de Obras de Saneamento, que continuou trabalhando primeira obra não foi feito com a necessária impermeabilidade,
ativamente na Baixada, mas estendeu sua atuação para todo tendo sido impermeabilizado posteriormente mediante injeções
o território nacional. de calda de cimento.

A partir de 1944 o DNOS foi encarregado de construir barra- Duas destas barragens foram feitas com concreto ciclópico, con-
gens para usinas hidroelétricas, apoiando programas de eletrifi- feccionado com brita de granulometria pouco mais graúda do que
cação dos estados; naquela época ainda não existia a Eletrobras o normal no qual, logo após seu lançamento e durante sua vibração,
nem outro organismo com a atribuição de aplicar recursos os operários colocavam manualmente pedras de mão. Era difícil
federais em eletrificação. fiscalizar os trabalhos de modo a garantir a correta colocação das
pedras de mão; por este motivo, em todas as outras obras foi
Depois foram sendo atendidas solicitações para construção de bar- utilizado equipamento capaz de preparar e colocar concreto feito
ragens de outras finalidades, o que fez do DNOS, ao longo de seus com agregados maiores, e não foram adicionadas as pedras de mão.
50 anos de existência, a entidade nacional que construiu barragens
com a maior diversidade de funções. Uma vez que as tensões que ocorrem numa barragem tipo gravida-
de, não muito alta, são pequenas, não exigindo grande resistência,
Nos itens seguintes são apresentadas informações sobre estas barra- adotou-se dosagens modestas, não mais que 200 kg de cimento
gens, reunidas de acordo com suas finalidades, e ao final será descrita por m 3, para fazer frente ao alto custo do cimento na época,
sumariamente a sistemática utilizada para realizar os trabalhos de e evitar que o aquecimento que ocorre durante sua hidratação
construção e a atuação dos engenheiros que lideraram o DNOS. aquecesse o concreto além do limite aceitável, o que poderia resultar
na abertura de trincas no maciço; com este mesmo objetivo limita-
va-se a espessura de cada camada de concreto colocada durante a
Hidroeletricidade construção, havendo casos em que foi de apenas um metro.

Quando acabou a Segunda Guerra Mundial o DNOS começou a Uma providência necessária nas obras feitas no planalto do
construir barragens do programa de eletrificação do estado do Rio Grande do Sul foi interromper a concretagem quando a
Rio Grande do Sul, passando depois a atuar em outros estados. temperatura ambiente ficava muito próxima de zero graus
centígrados, porque o cimento poderia ter sua pega prejudi-
O Quadro 1 apresenta a localização e as características principais cada pelas temperaturas excessivamente baixas.
destas obras. Com uma única exceção todas elas foram feitas de
Como de costume, ocorreram problemas técnicos imprevistos nas
concreto, aproveitando o fato de que os locais de implantação eram
obras, os quais foram sendo resolvidos pelos engenheiros do órgão.
rochosos, com boas condições de fundação para barragens deste tipo.

Uma solução interessante foi a estabilização provisória do teto


A primeira barragem de grande porte foi a de Capingui, concluída
de um túnel que tinha 1200 m de extensão e seção circular com
em 1949; é do tipo arco-gravidade, construída em concreto sim- 9,00 m de diâmetro após ser revestido. A rocha local era basalto,
ples com relativamente pouco cimento. Não se dispunha de areia bastante resistente, mas com fissuras. Alguns dias após a escavação
adequada no local nem muita experiência neste tipo de concreto de alguns metros do túnel, soltavam-se blocos de rocha do teto,
na época; face à necessidade de cumprir prazos, o concreto desta o que eventualmente acidentou alguns operários.

152
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

A solução encontrada foi implantar uma abóbada de concreto e material disponível na obra, e funcionou perfeitamente, impedindo
simples bombeado, apoiando o teto nas paredes laterais, algumas quaisquer outros desabamentos.
horas após a abertura de cada trecho de túnel. Nos Estados Unidos
eram realizadas estabilizações deste tipo perfurando a rocha do Uma novidade tecnológica que o DNOS precisou enfrentar foi a
teto do túnel e introduzindo nos furos hastes metálicas especiais, construção da barragem de Ernestina, que consistia em um muro
chamadas roof bolts, que prendiam os blocos de rocha superficiais vertical de concreto protendido, engastado na rocha de fundação.
à rocha mais distante da superfície da escavação. O sistema emprega-
do evitou colocar os operários em risco perfurando o teto do túnel, O projeto foi proposto como variante, na concorrência para
dispensou a importação de roof bolts, foi executado com equipamento execução da obra, pela empresa Estacas Franki, cujo diretor técnico

Figura 2 – Barragem de Glicério

153
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

à época era o professor Costa Nunes, que foi ao longo de toda a britas e pedras arrumadas separando o enrocamento da areia
vida um grande engenheiro entusiasta de tecnologia de ponta. da fundação. O diretor geral do DNOS na época, Engenheiro
Camilo de Menezes, ficou compreensivelmente apreensivo com
A barragem foi construída pela empresa proponente e funcionou relação à solução dada para a fundação; comentou que só ficaria
adequadamente, mas este tipo de obra nunca mais foi adotado, tranqüilo se o projeto previsse a remoção da areia e a colocação
preferindo-se sempre soluções mais simples e menos ousadas. do enrocamento diretamente sobre a rocha subjacente. Como não
Com exceção da barragem de Canastra, que foi construída em havia condições para alterar o projeto, foi admitida a apresentação
contrafortes sustentando lajes planas de concreto armado, todas de variantes na concorrência para execução da obra, e venceu a
as demais obras para hidroeletricidade foram do tipo gravidade, barragem tipo gravidade aliviada.
construídas em concreto simples.
Em 1973 o DNOS encerrou suas atividades na construção de
A única barragem mais sofisticada foi a de Pedra, no Rio de Contas, barragens destinadas a hidroeletricidade, uma vez que já existia
na Bahia, uma estrutura tipo gravidade aliviada, com uma altura entidade federal com a incumbência específica de promover a ele-
máxima de 65 m a partir da fundação rochosa. trificação do país. Na última obra de que participou, barragem de
Passo Fundo, o DNOS ficou encarregado apenas da orientação
O projeto original desta obra previa um maciço de enrocamen- técnica e da fiscalização das obras, provindo os recursos da Eletrobras
to apoiado em fundação de areia, com uma delgada camada de e do governo do estado do Rio Grande do Sul.

Figura 3 - Seção transversal


da barragem de Pedra

154
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Figura 4 – Barragem de Pedra

Abastecimento de água a cidades a duplicação destina-se a ter uma alça conduzindo lentamente água
para ser captada, enquanto na outra alça vão sendo removidos os
O Quadro 2 relaciona as barragens construídas pelo DNOS para sedimentos que se depositaram enquanto ela esteve em operação,
abastecer cidades, informando a localização das mesmas, suas e escoam para jusante as vazões excedentes do rio.
características e os anos de conclusão das obras; algumas delas
têm características interessantes. As barragens de Riachão e Pacoti formam um único reservatório,
que regulariza a contribuição do Rio Pacoti, a qual é depois aduzida
A Barragem do Rio das Velhas, integrante da tomada d’água por gravidade, através de um túnel, ao reservatório que abastece
do sistema adutor constr uído pelo DNOS para abastecer Fortaleza, Ceará. O sangradouro é do tipo labirinto, formado por
Belo Horizonte, Minas Gerais, é de concreto armado, dotada de um muro vertical engastado em uma laje horizontal ancorada na
comportas, e tem fundação em terra. Sua característica mais marcante rocha de fundação; o sangradouro foi localizado, no único local
é a calha do rio ter sido bifurcada em duas alças mediante dragagem; da área onde existe rocha a profundidade adequada, ponto este
155
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

a obra, com o objetivo de conhecer os locais onde havia rocha


subjacente. Só foi encontrada rocha em uma pequena ilha, na qual
foi então implantado o sangradouro em labirinto, a tomada d’água
e a descarga de fundo, obras estas realizadas em concreto, com fun-
dação em rocha. O restante da barragem foi construído em terra,
sobre fundação de argila mole.

Irrigação
O grande sucesso do DNOS em matéria de irrigação foi o projeto
que irriga aproximadamente 15.000 hectares de arroz no município
de Camaquã, no Rio Grande do Sul. A barragem do Arroio Duro
fornece água para essa irrigação; com base no volume acumulado,
é avaliada, em cada ano, a área que pode ser irrigada, autorizando-
se então o respectivo plantio. A barragem é de terra, com funda-

Figura 5a – Usina hidroelétrica de Passo Fundo - casa de força e adução

encontrado através de uma extensa, porém simples, pesquisa


realizada por sondagens a percussão. Aproveitando a existência de
rocha de boa qualidade no local, dispensou-se o revestimento do
canal de restituição, deixando-se a água escoar pelo terreno após
seu vertimento, só tomando precauções para impedir que a água
se aproximasse do maciço da barragem do Pacoti.

A barragem de Juturnaíba, no rio São João, fornece água para


abastecimento das cidades da Região dos Lagos, no Estado do
Rio de Janeiro. Da mesma for ma que a bar ragem acima
mencio­­nada, ela foi projetada após uma campanha de furos de
sondagem a percussão, realizados ao longo do eixo previsto para Figura 5b – Usina hidroelétrica de Passo Fundo - condutos forçados

156
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

ção também em terra. Para controlar as infiltrações na fundação,


além de outros cuidados habituais, o projeto previu uma cortina
Controle de cheias
delgada de solo-cimento para vedação e um filtro instalado em
As primeiras barragens para controle de cheias do DNOS foram
uma trincheira situada no pé do talude de jusante, que recolhe-
construídas no Vale do Itajaí, em Santa Catarina, para proteger
ria as infiltrações, caso a cortina não funcionasse adequadamente.
Blumenau e outras cidades do Vale.
Algumas medições de pressão intersticial na fundação, realizadas
após a entrada em operação da obra, não indicaram funcionamento Iniciou-se pela Barragem Oeste, em concreto gravidade, para
adequado da cortina de vedação, mas a barragem não apresentou depois constr uir em terra a Barragem Sul e finalmente a
nenhum problema, graças ao bom funcionamento do filtro. Barragem Norte; o DNOS não terminou a construção desta
última, mas o Estado de Santa Catarina a concluiu em 1992 e
Quando foi projetada a barragem de Juturnaíba, mencionada no ela está funcionando a contento.
ítem sobre abastecimento urbano, planejou-se implantar irrigação
de hortigranjeiros em uma área localizada na margem esquerda Infelizmente os locais onde podiam ser construídas barragens
do canal do rio São João, imediatamente a jusante da barragem. naquele vale não possibilitavam controlar a maior parte da bacia
Esta área podia ser abastecida de água por gravidade, a partir da barra- contribuinte. Terminou sendo necessário complementar as barragens
gem, e sua cota era suficientemente alta para ter boa drenagem, o que é com dragagem do rio Itajaí a jusante de Blumenau, para abaixar
indispensável para evitar a salinização do solo. Quando estavam termi- satisfatoriamente o nível d’água naquela cidade. Infelizmente o
nando as negociações com uma cooperativa, para implantar o projeto, DNOS foi extinto antes de completar esta dragagem, que só foi
foi desapropriada uma área de mais de 20.000 ha para formar a reserva de executada entre as cidades de Blumenau e Gaspar, sem beneficiar
mico-leão dourado de Poço d’Antas; esta desapropriação incluiu a área esta última cidade nem a área a jusante da mesma.
onde se previa o projeto de irrigação. Foi solicitada a sua liberação,
mediante substituição por outra área equivalente para compor a Outras barragens para controle de cheias foram as de Tapacurá,
reserva, mas este pedido não foi atendido, abortando assim o proje- Goitá e Carpina, na bacia do Rio Capibaribe, no Estado de
to de irrigação. Alguns anos depois os jornais noticiaram a chegada Pernambuco. Tapacurá é utilizada também para fornecer água
de mico-leões dourados importados da Flórida, Estados Unidos, destinada ao abastecimento de Recife, e Goitá é utilizada para
para povoar a reserva de Poço D’Antas. A atual contribuição da reter vinhoto, sub-produto malcheiroso da indústria de cana de
barragem para irrigação resume-se em disponibilizar água para os açúcar, que é liberado somente quando as vazões do rio Capibaribe
fazendeiros que quiserem irrigar suas plantações captando água aumentam a ponto de serem capazes de diluir e dar escoamento ao
no rio São João, a jusante da barragem. vinhoto sem criar problemas ambientais.

Entretanto, com o crescente desenvolvimento de Cabo Frio e O controle de cheias de Recife incluiu, além das barragens, a cana-
outras cidades litorâneas, o reservatório de Juturnaíba tornou-se lização do rio Capibaribe na área urbana daquela cidade; o rio teve
fundamental para abastecimento urbano de água na denominada sua capacidade aumentada mediante regularização e alargamento
Região dos Lagos do Estado do Rio. de sua calha, e substituição de duas pontes, relativamente curtas,
por outras de maior vão. Estas obras aumentaram a capacidade da
O Quadro 3 relaciona as barragens construídas pelo DNOS calha, possibilitando não só escoar sem extravasamento as vazões
para irrigação, e informa suas localizações, características e provenientes da área da bacia contribuinte não controlada pelas
ano de conclusão. barragens, como também operar as mesmas liberando vazões
157
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 6 – Barragem e diques de Tapacurá

relativamente grandes, retendo em seus reservatórios apenas uma 1982. Trata-se de uma barragem de concreto simples tipo gravi-
fração da cheia condizente com a capacidade dos mesmos. dade, cujo reservatório só enche quando ocorrem chuvas fortes,
retendo os deflúvios e liberando-os aos poucos, evitando assim,
Algumas outras barragens do DNOS fazem controle de cheias inundações a jusante. A característica especial desta obra é o fato
do reservatório estar situado em terras do Exército, que permitiu
como objetivo secundário, sendo o caso das barragens de Pedra,
sua eventual inundação, para evitar enchentes na cidade.
Pampulha, Flores, Passaúna e Juturnaíba.
O Quadro 4 relaciona as barragens construídas pelo DNOS
A última barragem de controle de inundações construída pelo para controle de cheias e informa suas localizações, características
DNOS foi Arroio Gontam, na cidade de Bagé, RS, concluída em e ano de conclusão.
158
CINQUENTA ANOS DO COMITÊ BRASILEIRO DE BARRAGENS

Finalidades diversas
O Quadro 5 relaciona barragens construídas com finalidades
diversas, informando suas localizações, características técnicas e
ano de conclusão; nos parágrafos abaixo menciona-se a finalidade
das mesmas e acrescenta-se alguns detalhes.

A mais importante destas barragens é a do Canal São Gonçalo,


o qual drena a Lagoa Mirim, situada no extremo sul do Brasil e é
partilhada com o Uruguai. Esta lagoa é usada intensivamente como
fonte de água para irrigação de arroz em ambos os países, e, du-
rante a estiagem, frequentemente entrava água salgada do oceano
na lagoa, pelo Canal de São Gonçalo, prejudicando a irrigação.

Figura 7 – Barragem e Sangradouro de Arroio Duro

Figura 8 – Barragem de Carpina

159
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Após entendimentos com a República do Uruguai, o Governo Periodicamente ocorrem grandes estiagens, que resultam em
incumbiu o DNOS de construir uma barragem para impedir retração da lâmina d’água do alagado e intrusão de língua salina
a entrada de água salgada na Lagoa. A barragem foi localizada a proveniente do oceano, prejudicando ou interrompendo as
montante da cidade de Pelotas, de modo a não interferir no acesso utilizações de água acima mencionadas.
marítimo àquela cidade, mas a curta distância, para permitir fácil
captação e adução de água doce para abastecimento de Pelotas e A barragem possui comportas que são fechadas por ocasião das
do porto de Rio Grande; o grande desenvolvimento que aconte- estiagens, mantendo o espelho d’água, impedindo a penetra-
ceu recentemente nesta última cidade aumentou a importância da ção da língua salina e garantindo a disponibilidade de água doce.
disponibilidade garantida de água doce criada pela barragem. Para manter a navegação, um dos dissipadores de energia das
comportas funciona também como eclusa, possibilitando o acesso
O projeto previu uma eclusa, para permitir a continuação da navegação de embarcações vindas do mar até a cidade de Pinheiro.
fluvial; uma fábrica de cimento situada em Porto Alegre é abastecida com
matéria prima vinda do Uruguai em barcaças que passam pelo Canal. A barragem do Canal da Flecha tem como finalidade controlar o
nível da água na Lagoa Feia, que recebe a contribuição de grande
O barramento é de pequena altura, e atravessa o canal, com 231 m parte dos rios e canais da planície existente entre a margem direita
de comprimento. A barragem é constituída por uma estrutura de do rio Paraíba do Sul e o mar, na região de Campos – Rio de Janeiro;
concreto com uma cortina profunda de concreto armado, engastada esta lagoa integra a drenagem da área, mas serve também como fonte
em fundação de areia e cascalho, no topo da qual foram instaladas de água para irrigação, o que torna importante controlar seu nível.
comportas basculantes. Em cota um pouco mais alta há uma passarela
onde estão instalados mecanismos de comando das comportas. Quando A barragem de Chapéu D’Úvas controla parcialmente as cheias do
necessário, as comportas são abertas para deixarem escoar o eventual rio Paraibuna e aumenta a vazão de estiagem do rio, o que propor-
excesso de água da Lagoa Mirim, e são fechadas na estiagem para ciona um acréscimo de energia firme em cinco usinas hidroelétricas
impedir que a água salgada do Oceano Atlântico penetre na Lagoa. existentes a jusante, além de aumentar a disponibilidade de água
para o abastecimento de água de Juiz de Fora, MG.
Para executar a obra foi aberto um canal de desvio com 120 m de
largura e a calha do rio foi inteiramente aterrada no local previsto A pequena Barragem de Santa Lucia foi construída na zona urbana
para a barragem. Após a conclusão dos trabalhos a areia usada para de Belo Horizonte, com a dupla finalidade de controlar as cheias do
o aterramento foi retirada completamente e o canal de desvio foi rio Leitão e reter seus sedimentos. Os movimentos de terra realizados
reaterrado. A região é aluvionar, e, por causa disso, houve na bacia do rio Leitão, durante a urbanização da mesma, produziam
empenho em construir a obra exatamente na calha do rio, uma vez muitos sedimentos que assoreavam a calha do rio, prejudicando seu
que qualquer mudança de posição poderia provocar divagações do escoamento. Esses sedimentos passaram a ficar retidos no reservató-
leito do rio com graves conseqüências. rio da barragem de Santa Lúcia; depois de alguns anos, o reservató-
rio da referida barragem ficou completamente assoreado. Por outro
Outra barragem que impede a salinização de manancial de água lado, ao longo destes anos a urbanização ficou mais consolidada e
doce é a do rio Pericumã, ao lado da cidade de Pinheiro, Maranhão; diminuiu a produção de sedimentos que causavam problemas.
existe ali uma área alagada, onde é obtida água para o abasteci-
mento da cidade, criação de gado e irrigação; o alagado também A barragem que existia na Pampulha, em Belo Horizonte, MG,
é utilizado para navegação. rompeu por erosão interna em 1954, e o DNOS a reconstruiu. Suas

160
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

finalidades são recreação, lazer e paisagismo, e realiza também con- seus laboratórios de solos e concreto, ao US Bureau of Reclamation
trole de cheias, amortecendo as vazões do rio Pampulha, que correm dos Estados Unidos e até mesmo à UNESCO.
paralelamente à pista do aeroporto da cidade a jusante da barragem.
Nos seus últimos 15 anos de atividade o DNOS passou a con-
A Barragem Mãe D’Água foi construída para fornecer água para o tratar empresas para realizar os trabalhos técnicos de controle da
laboratório do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade construção de barragens. Os engenheiros do órgão passaram a
Federal do Rio Grande do Sul. fiscalizar o trabalho das consultoras que realizavam os trabalhos
topográficos, de laboratório, de controle dos serviços, etc.
A barragem do Flores, que é um afluente do rio Mearim, controla
parte das vazões que escoam pelo rio Mearim, ajudando a diminuir Em pelo menos duas obras, a empresa consultora procurou evitar
as enchentes que inundam a cidade de Bacabal e pode ser usada relacionamento entre seus engenheiros e os engenheiros da empre-
para aumentar a vazão do rio Mearim durante a estiagem, facilitando sa construtora, proibindo inclusive que fizessem refeições juntos.
assim a navegação; além disso, fornece água para irrigação. Não se sabe se esses cuidados eram realmente necessários, mas
ambas as barragens ficaram em excelentes condições.

A organização dos trabalhos A orientação técnica do DNOS foi muito influenciada pelo
Engenheiro Otto Pfafstetter, funcionário do órgão, autor de muitos
A construção das barragens sempre foi realizada por empresas em- projetos de obras importantes, podendo-se citar as barragens En-
preiteiras, mas nos primeiros 25 anos de construção de barragens os genheiro José Batista Pereira, Tapacurá e São Gonçalo. Foi autor de
trabalhos de fiscalização, incluindo a locação, medição e controle de qua- importantes trabalhos técnicos, como o livro “Chuvas Intensas no
lidade das obras, foram realizados por funcionários do próprio DNOS. Brasil”. Outro trabalho muito interessante dele foi um sistema para de-
signação de número de registro de trechos de cursos d’água, destinado
As instalações para construção de cada barragem incluíam um à organização de cadastro nacional de cursos d’água; esta numeração
conjunto de casas onde ficavam alojados o engenheiro residente, parte da foz dos rios e segue para montante, ao invés de partir das
o topógrafo, o laboratorista e os demais funcionários. cabeceiras, as quais, muitas vezes, são de difícil definição. Este sistema
não é utilizado no Brasil, mas meia dúzia de outros países o adotaram.
Tendo em vista que as atividades do DNOS se desenvolviam em pra-
ticamente todos os estados da Federação, e face à precariedade do Sendo o DNOS um órgão nacional, seus engenheiros tinham que
Departamento dos Correios e Telégrafos (DCT) e do sistema telefô- viajar com freqüência, quase sempre de avião, face às grandes
nico, existentes na época, o DNOS montou uma rede de rádio que distâncias a percorrer e à deficiência das estradas. Antes da adoção
chegou a ter 50 estações, para comunicação entre seus escritórios. de motores a jato e equipamentos modernos para voo por
Havia estações de rádio nas barragens e outras obras importantes, instrumentos aconteciam muitos acidentes.
que tinham assim possibilidade de comunicação diária com os
escritórios regionais e mesmo com a sede do órgão, no Rio de Janeiro. O primeiro deles foi com José Maia Filho, morto em 1950 ao
regressar de uma viagem para contato com a Administração
Sempre foi uma preocupação dos dirigentes promover a capa- Central do DNOS, em um avião Constellation da VARIG, que bateu
citação dos engenheiros do órgão, para que pudessem cumprir em um morro tentando pousar em Porto Alegre com pouca visibi-
adequadamente suas tarefas. Neste sentido recorreram, entre ou- lidade. Ele dirigia o Distrito do Rio Grande do Sul, e seu nome foi
tras entidades, ao IPT de São Paulo, para proporcionar estágios em dado a uma barragem que o DNOS construiu naquele estado.
161
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

órgão até o ano de 1946, quando foi ser prefeito do Rio de Janeiro,
que na época era a capital federal. Ele estabeleceu o sistema de
trabalho pelo qual as obras eram executadas por empresas, em
vez de serem construídas por administração direta, como fazia o
Departamento Nacional de Obras contra as Secas naquela época.
Os funcionários do DNOS orientavam e fiscalizavam os trabalhos,
fazendo inclusive os levantamentos topográficos necessários para
isto. Como a grande maioria das empresas não dispunha de esca-
vadeiras para abertura de canais, o DNOS começou a adquirir este
equipamento e contratar sua operação com empreiteiros.

Camilo de Menezes, engenheiro do órgão, foi o Diretor-Geral


Figura 9 -
Hildebrando de seguinte, tendo ficado 15 anos no cargo. Expandiu as atividades do
Araújo Góes, primeiro DNOS para quase todos os Estados e enfrentou com sucesso o
Diretor do DNOS
desafio da construção de grande número de barragens, com
problemas tecnológicos ainda pouco conhecidos no país. Após
deixar a direção do DNOS, foi presidente da CHEVAP e diretor da
Escola de Engenharia da Universidade Federal Fluminense.
Muitos anos depois houve um abaixo assinado pedindo para dar
o nome do Diretor de Obras do DNOS na época, engenheiro
Uma característica comum aos dois primeiros diretores foi
Raimundo Cláudio Correia Leitão a uma barragem que ia ser constru-
continuar estudando assuntos de engenharia enquanto exerciam
ída no estado onde ele havia nascido. O Diretor Geral encaminhou
a direção do órgão.
o assunto ao homenageado, que respondeu escrevendo que prefe-
ria continuar vivo, uma vez que há uma lei proibindo dar nome de
pessoas vivas a obras do governo. O Diretor-Geral solicitou que o
arquivo lhe remetesse os documentos referentes a este assunto de
volta, após passado um ano, como às vezes fazia. Antes de trans-
correr um ano o engenheiro Leitão, a quem se queria homenagear,
morreu num desastre de avião em serviço. Foi então dado o seu nome
à barragem, conforme havia sido solicitado.

Os Gestores
Figura 10 - Engenheiro
O primeiro Diretor do DNOS foi Hildebrando de Araújo Góes, Camilo de Menezes,
que assumiu a chefia da Comissão de Saneamento da Baixada Diretor-Geral
do DNOS de
Fluminense na sua fundação em 1933, e promoveu sua transfor- 1946 a 1961
mação em Departamento Nacional de Obras de Saneamento em
1940, quando Getúlio Vargas era Presidente da República. Dirigiu o
162
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Em 1961 o presidente Jânio Quadros nomeou Diretor Geral do


DNOS o engenheiro do DNER Geraldo Bastos da Costa Reis, com
a missão de transformar o órgão em autarquia, o que conseguiu fazer
apesar da renúncia de Jânio Quadros.

Um aspecto interessante de sua gestão foi a compra de 200 esca-


vadeiras marca Nobas, da Alemanha Oriental, ao preço total de
sete milhões de dólares, pagos em café. Faziam parte da compra
peças sobressalentes no valor de um milhão de dólares. Estas
máquinas prestaram bons serviços de 1964 até a extinção do
DNOS em 1990, necessitando como grandes reparos apenas a Figura 11 - Geraldo
substituição periódica dos motores quando acabava sua vida útil e Bastos da Costa Reis,
Diretor Geral
a recomposição da mesa sobre a qual girava o conjunto formado
do DNOS
pela cabine e a lança. Provavelmente o fabricante das máquinas não
empregava técnicas de obsolescência programada.

Após a revolução de 1964 sucederam-se na direção do órgão qua- Nos governos dos presidentes João Figueiredo e José Sarney
tro diretores que ficaram pouco tempo, sendo três deles militares. sucederam-se no DNOS diretores que não eram engenheiros
Em 1967 assumiu o cargo Carlos Krebs Filho, engenheiro do DNOS do serviço público federal, mas que se dedicaram ao trabalho
que imprimiu notável organização aos trabalhos. Fez com que as com afinco e realizaram excelentes administrações. Foram eles:
obras e serviços executados para o órgão fossem pagos na ordem
cronológica da apresentação das respectivas medições e faturas - José Reinaldo Carneiro Tavares, em cuja gestão foram execu-
na tesouraria. Na sua gestão foram concluídas dez barragens, tados aterros para saneamento de favelas no Rio de Janeiro, foram
incluindo a Barragem de Pedra, no rio de Contas, estado da Bahia realizadas obras de defesa contra inundações em cidades às mar-
e a Barragem de Tapacurá, no estado de Pernambuco; inaugurou as gens do rio São Francisco e tiveram início os estudos do governo
obras da adutora do rio das Velhas, que aumentou substancialmente federal para transposição do rio São Francisco para o Nordeste
o abastecimento de água a Belo Horizonte. semi-árido; saiu para ser superintendente da Sudene, depois ministro
dos Transportes e, mais tarde, governador do estado do Maranhão;
Em 1974 outro engenheiro da casa, Harry Amorim Costa, assumiu a
- Vicente Fialho, que desenvolveu atividades voltadas para
direção do DNOS e manteve a mesma sistemática de trabalho. Na sua
irrigação no Nordeste e deixou a direção para ser ministro da
gestão foi concluída a construção da Barragem do São Gonçalo. Deixou
Irrigação, depois ministro de Minas e Energia e deputado federal;
o cargo para assumir o governo do estado de Mato Grosso do Sul.
- Paulo Baier, que deu prosseguimento às atividades relacionadas
Assumiu então Jefferson de Almeida, que seria o último engenheiro à irrigação no Nordeste e deu grande impulso às obras de controle
da casa a dirigir o DNOS, o que fez com grande competência, de cheias no Vale do Itajaí; dirigiu o DNOS até sua extinção.
ajudado por sua longa experiência como Diretor Geral Substituto.
Na sua gestão foram concluídas as barragens de Carpina, Goitá, Ao tomar posse em 1990 o presidente Collor, determinou a extinção
Pacoti e Riachão acima mencionadas. do DNOS. As obras e os serviços que o órgão estava executando
163
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

foram paralisados. Mais de cem escavadeiras de propriedade do DNOS ficaram paradas


no campo, até enferrujar completamente no lugar onde se encontravam. O arquivo
técnico do DNOS, que tinha perto de 40.000 desenhos de projeto de obras, foi
entregue ao Arquivo Nacional, ficando sem condições de ser consultado.
Muitas empresas de engenharia que estavam prestando serviços ou executando obras
ficaram numa situação financeira dificílima. Resumindo, foi destruída uma organização
que produzia obras e serviços extremamente benéficos e necessários, sem que fos-
se criada uma alternativa. Por sorte, somente duas barragens estavam em construção
naquele momento: a Barragem de Chapéu D’Uvas, em Minas Gerais e a Barragem Norte,
em Santa Catarina. Esta última chegou a ter sua vila residencial do canteiro de obras inva-
dida por índios naquela ocasião. Entretanto, graças à atuação dos estados mencionados,
a construção dessas duas barragens foi concluída alguns anos mais tarde.

Figura 12 - Inauguração de uma barragem no Nordeste, vendo-se da esquerda para a direita o Gen. José Costa
Cavalcanti, Ministro do Interior, o engenheiro Carlos Krebs Filho, Diretor-Geral do DNOS de 1967 a 1974
e o engenheiro Jefferson de Almeida, que viria a ser Diretor-Geral do DNOS em 1978-1979

QUADRO 1 - BARRAGENS PARA HIDROELETRICIDADE

LOCALIZAÇÃO CARACTERÍSTICAS
ANO DE
Nº NOME VOLUME DO EXTENSÃO ALTURA ACUMULAÇÃO CONCLUSÃO
CURSO MUNICIPIO UF TIPO / MATERIAL MACIÇO(m³) COROAMENTO MÁXIMA RESERVATÓRIO
D'ÁGUA (m) (m) (m³)
1 IVAÍ Ivaí Julio Castilhos RS Gravidade / Concreto Simples 3.000 155 3,50 38.000 1948
2 IJUIZINHO Ijuizinho Santo Ângelo RS Gravidade / Concreto Simples 1.900 150 3 58.000 1948
3 CAPINGUÍ Capinguí Passo Fundo RS Gravidade / Concreto Simples 18.800 220 22 40.000.000 1949
4 GUARITA Guarita Passo Missões RS Gravidade / Concreto Simples 2.000 100 4,50 51.000 1949
5 FORQUILHA Forquilha Marc. Ramos RS Gravidade / Concreto Simples 4.275 125 3 4.250 1949
6 DIVISA Divisa S. F. Paula RS Gravidade / Concreto Simples 22.000 239 25 20.000.000 1950
7 SALTO / BUGRES Santa Cruz S. F. Paula RS Gravidade / Concreto Simples 31.500 600 11,50 15.000.000 1951
8 ERNESTINA Jacuí Passo Fundo RS Muro de Concreto Protendido 8.500 400 15 250.000.000 1954
9 CANASTRA Santa Maria Canela RS Contrafortes / Concreto Armado 11.500 174 24 370.000 1956
10 SANCHURI Sanchuri Uruguaiana RS Terra 119.900 896 6 61.000.000 1956
11 JOÃO AMADO Guarita Passo Missões RS Gravidade / Concreto Simples 5.800 200 11 10.000.000 1957
12 BLANG Santa Cruz S. F. Paula RS Gravidade / Concreto Simples 76.500 507 17 50.000.000 1957
13 PASSO DO AJURICABA Ijuí Ijuí RS Gravidade / Concreto / Terra 2.800/14.000 164 9 5.000.000 1960
14 JOSÉ MAIA FILHO Jacuí Espumoso RS Gravidade / Concreto Simples 57.600 432 24 10.000.000 1961
15 BORTOLAN Antas Poços Caldas MG Gravidade / Concreto Ciclópico 9.000 200 11 15.000.000 1956
16 ANIL Jacaré Oliveira MG Gravidade / Concreto Simples 800 113 8 400.000 1959
17 PAI JOAQUIM Araguari Sacramento MG Gravidade / Concreto Simples 10.500 188 15 390.000 1960
18 MACABU Macabu Glicério RJ Gravidade / Concreto Ciclópico 80.000 256 20 539.000.000 1960
19 GARCIA Garcia Angelina SC Gravidade / Concreto Simples 16.300 100 19 6.500.000 1962
20 LARANJEIRAS Santa Maria Canela RS Gravidade / Concreto Simples 24.000 193 24,50 26.000.000 1965
21 PEDRA Contas Jequié BA Gravidade Aliviada / Concr. Simples 350.000 440 65 1.750.000.000 1970
22 FURNAS DO SEGREDO Jaguarí Jaguarí RS Gravidade / Concreto Simples 30.000 582 22 3.000.000 1972
23 PASSO FUNDO Passo Fundo São Valentim RS Gravidade / Concreto / Terra 130.00/511.30 646 40 1.560.000.000 1973
24 XANXERÊ Chapecozinho Xanxerê SC Gravidade / Concreto Simples 42.700 505 15 17.700.000 ......
25 ITÚ Itaquí Itaquí RS Gravidade / Concreto Simples 35.000 582 22 80.000.000 ......

164
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

QUADRO 2 - BARRAGENS PARA ABASTECIMENTO URBANO


LOCALIZAÇÃO CARACTERÍSTICAS
ANO DE
Nº NOME CURSO VOLUME DO EXTENSÃO ALTURA ACUMULAÇÃO CONCLUSÃO
MUNICIPIO UF TIPO / MATERIAL MACIÇO(m³) COROAMENTO MÁXIMA RESERVATÓRIO
D'ÁGUA (m) (m) (m³)
1 BATATÃ Batatã São Luís MA Terra 390.000 485 17 4.500.000 1957
2 PRETO DO CRICIUMA Rio Preto Jequié BA Arco Gravid. / Concreto Ciclópico **** 104 10 **** ****
3 SANTA BÁRBARA Santa Bárbara Pelotas RS Terra Homogênea 196.000 715 10 16.000.000 1969
4 RIO DAS VELHAS Velhas Nova Lima MG Enrocamento 500 100 1,5 **** 1970
5 RIO DAS VELHAS II Velhas Nova Lima MG Concreto Armado 12.000 42 9 165.000 1970
6 MAESTRA Maestra Caxias do Sul RS Terra Zoneada 430.000 295 28 5.500.000 1971
7 VACACAÍ MIRIM Vacacaí Mirim Santa Maria RS Terra Homogênea 1.350.000 300 28,3 5.450.000 1972
8 VAL DE SERRA Ibicuí Santa Maria RS Concreto Armado 3.340 438 15 2.800.000 1972
9 TAPACURÁ Tapacurá São Lourenço PE Gravidade / Concreto Simples 105.000 320 35 167.000.000 1973
10 RIO DAS VELHAS III Velhas Nova Lima MG Concreto Armado 7.000 42 9 186.000 1977
11 PACOTI Pacotí Pacatuba CE Terra 2.950.360 1595 30 370.000.000 1979
12 RIACHÃO Riachão Pacatuba CE Terra 1.264.440 650 30 70.000.000 1979
13 JUTURNAIBA São João Silva Jardim RJ Terra 1.900.000 3.800 12 126.000.000 1979
14 XARÉU Água Pluvial Fern. Noronha PE Gravidade / Concreto Simples **** **** **** **** ****
15 PASSAÚNA Passúna Araúcária PR Terra **** **** **** **** 1989

QUADRO 3 - BARRAGENS PARA IRRIGAÇÃO


LOCALIZAÇÃO CARACTERÍSTICAS
ANO DE
Nº NOME CURSO VOLUME DO EXTENSÃO ALTURA ACUMULAÇÃO CONCLUSÃO
MUNICIPIO UF TIPO / MATERIAL MACIÇO(m³) COROAMENTO MÁXIMA RESERVATÓRIO
D'ÁGUA (m) (m) (m³)
1 CEDRO Truçu Acopiara CE Gravidade / Concreto Simples 7.000 150 12 4.000.000 1955
2 CARNAUBA Carnauba Acopiara CE Gravidade / Concreto Simples 3.500 40 14 8.000.000 1956
3 RIVALDO CARVALHO Condado Catarina CE Gravidade / Concreto Simples 41.500 390 17 30.000.000 1965
4 ARROIO DURO Duro Camaquã RS Terra Homogênea 2.053.000 1.450 21 148.000.000 1965
5 JOSÉ BATISTA PEREIRA Ceará Mirim Poço Branco RN Terra Zoneada 1.940.000 920 45 135.000.000 1970

QUADRO 4 - BARRAGENS PARA CONTROLE DE CHEIAS

LOCALIZAÇÃO CARACTERÍSTICAS
ANO DE
Nº NOME CURSO VOLUME DO EXTENSÃO ALTURA ACUMULAÇÃO CONCLUSÃO
MUNICIPIO UF TIPO / MATERIAL MACIÇO(m³) COROAMENTO MÁXIMA RESERVATÓRIO
D'ÁGUA (m) (m) (m³)
1 OESTE Itajai Oeste Taió SC Gravidade / Concreto Simples 93.000 422 25 78.500.000 1972
2 SUL Itajai Sul Ituporanga SC Terra 758.000 438 43,50 97.500.000 1975
3 CARPINA Capibaribe Carpina PE Terra / Zoneada 2.887.000 1720 42 270.000.000 1978
4 GOITÁ Goitá Gloria do Goitá PE Gravidade / Concreto Simples 108.000 220 38 52.000.000 1978
5 GONTAN Gontan Bagé RS Gravidade / Concreto simples 93.000 150 16 290.000 1982
6 NORTE Hercilio Ibirama SC Terra 1.580.000 365 63 263.000.000 1992

QUADRO 5 - BARRAGENS COM FINALIDADES DIVERSAS

LOCALIZAÇÃO CARACTERÍSTICAS
ANO DE
Nº NOME CURSO VOLUME DO EXTENSÃO ALTURA ACUMULAÇÃO CONCLUSÃO
MUNICIPIO UF TIPO / MATERIAL MACIÇO(m³) COROAMENTO MÁXIMA RESERVATÓRIO
D'ÁGUA (m) (m) (m³)
1 SANTA LÚCIA Leitão Belo Horizonte MG Terra Homogênea 60.000 115 20 700.000 1956
2 PAMPULHA Pampulha Belo Horizonte MG Terra Homogênea 570.000 400 15 16.000.000 1958
3 MÃE D'ÁGUA Afl. Dilúvio Viamão RS Terra Homogênea 27.000 200 9 500.000 1962
4 SÃO GONÇALO São Gonçalo Pelotas RS Concreto Armado 13.500 218 6,20 **** 1977
5 FLEXA Canal Flexa Campos RJ Concreto Armado 3.400 130 3 **** 1980
6 PERICUMÃ Pericumã Pinheiro MA Concreto Armado 16.800 137,5 29,4 63.000.000 1982
7 FLORES Flores Joselandia MA Terra Homogênea 775.000.000 1988
8 CHAPÉU D'UVAS Paraibuna Juiz de Fora MG Terra Homogênea 2.000.000 400 43 153.000.000 1994

165
166
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

A História da CHESF,
Indutora do Progresso
do Nordeste
“O rio São Francisco é o mais brasileiro dos rios” Flavio Miguez de Mello
Engenheiro Euclides da Cunha

O Nordeste na primeira metade visitantes que para lá se deslocavam enfrentando grandes distân-
cias dos centros urbanos, atravessando com dificuldades o sertão
do século XX nordestino. Dentre esses visitantes o de maior destaque foi o
Imperador D. Pedro II, no dia 20 de outubro de 1859. Em meados
do século passado a cachoeira ainda despertava admiração.
Até a entrada dos anos 50 do século XX o Brasil permanecia sendo
O jornalista Alceu Amoroso Lima relatou no periódico “O Jornal”
um arquipélago de regiões economicamente ativas com parcas
declarações de três estrangeiros que estiveram a admirar a
conexões entre si a menos da malha ferroviária que integrava a
pujança da queda d’água: um francês disse “C’est très chic”, um
Região Sudeste, escassas rodovias rudimentares regionais e o trans-
hindu exclamava “It is just wonderful” e um americano
porte de cabotagem que atingia o litoral mais povoado e penetrava
perguntou “How much hydropower is lost here every day?”.
pelos rios amazônicos. Neste contexto, a exemplo das diversas
bitolas das ferrovias implantadas no país, os sistemas elétricos operavam
em 60 Hz e 50 Hz. Nessa época, castigado pelas freqüentes secas Essa visão do americano foi percebida bem antes, nos primeiros
resultantes de extensas estiagens o desenvolvimento do Nordeste anos do Século XX pelo inglês Richard George Reidy que requereu
era incipiente. As geradoras de energia elétrica na primeira metade do ao governo federal a concessão para exploração do potencial da
Século XX eram de pequeno porte e de operação precária. cachoeira de Paulo Afonso para instalação progressiva de indústrias
e serviços. O requerimento foi indeferido em 1910. Pouco após o
engenheiro Francisco Pinto Brandão solicitou a concessão do apro-
Na virada do Século XIX para o Século XX já se destacava o
veitamento da cachoeira para produção de energia elétrica para uma
potencial hidroenergético da cachoeira de Paulo Afonso na qual
empresa sua a ser implantada na região com a denominação de Em-
o rio São Francisco despencava com uma vazão média plurianu-
presa Hidro Elétrica Agrícola Industrial do Brasil. O requerimento
al superior a 2000 m³/s em vários braços por sobre uma espessa
foi também indeferido pelo governo federal em 1913.
camada de rocha granítica sã. Anos antes, ainda no Século XIX,
a imponente e magnífica queda d’água chamava atenção dos
Foi nesse contexto que também em 1913, o cearense Delmiro
Figura 1 – Usina de Angiquinho Gouveia colocou em operação a pequena usina hidroelétrica de
Angiquinho, com 1.500 HP (1.102 KW) para gerar energia para

167
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

sua fábrica de linhas de costuras situada na localidade de Pedra, nas No início dos anos quarenta a tendência era a de promover a
proximidades da cachoeira de Paulo Afonso. A usina, erguida na construção de uma grande usina em Itaparica (que só se tornou rea-
cachoeira, aproveitava uma queda parcial e uma pequena parcela da lidade nos anos setenta). A partir de 1943 o ministro da Agricultura,
vazão afluente. A obra foi realizada mediante concessão do estado de Apolônio Sales, cujo Ministério incluía o Setor Elétrico comandou
Alagoas ao abrigo do Decreto nº. 520 de 12/08/1911 de acordo com a campanha para a construção de uma hidroelétrica na cachoeira de
a Constituição Federal de 1891. Após a morte por assassinato de Del- Paulo Afonso. Forte oposição a essa idéia veio de diferentes áreas,
miro Gouveia, a produção de linhas de costura foi prejudicada, mas a uma das mais importantes, a capitaneada pelo engenheiro civil e eco-
usina permaneceu intacta, não passando de lenda o lançamento dos nomista por vocação Eugênio Gudin com a justificativa de que os
equipamentos da fábrica e da usina, pelos ingleses da Machine Cotton, parcos recursos federais deveriam ser concentrados no Sudeste onde
dentro da cachoeira de Paulo Afonso. A usina permaneceu no local e já havia grande demanda reprimida de energia elétrica. Apolônio Sa-
os equipamentos da fábrica, anos depois, foram levados para São Paulo. les esteve, em 1944, no Tennessee Valley Authority, autarquia americana
implantada pelo presidente Franklin D. Roosevelt como indutora de
Antes disso, mesmo na monarquia, não houve nenhuma idéia desenvolvimento para a saída da grande depressão econômica que
de aproveitamento do potencial da cachoeira. O Imperador quando ocorreu a partir de 1929 nos Estados Unidos, onde coletou subsídios
a visitou, não havia tecnologia para a implantação de geração para a entidade a ser criada para atuar no vale do São Francisco no Brasil.
de energia hidroelétrica. Na República, com a conhecida
pobreza de combustíveis fósseis da época, a omissão passou O desequilíbrio entre o Nordeste e o Sudeste do país passou a ser
a ser pouco compreensível. cada vez mais nítido, agravado pela dificuldade nos transportes que
se faziam sobretudo por mar, mas que, durante a Segunda Grande
No início dos anos vinte do século passado o Serviço Geológico e Guerra, ficaram prejudicados devido aos ataques de submarinos
Mineralógico do Ministério da Agricultura efetuou um levantamento alemães e italianos nas nossas águas costeiras, submarinos esses
preliminar do potencial hidroenergético do rio São Francisco entre abastecidos por navios argentinos sob o manto de sua neutralidade.
Juazeiro e Paulo Afonso que concluiu com a possibilidade de implan- Esse abastecimento em alto mar foi confirmado em 1982 pelo oficial
tação de grandes centrais hidroelétricas, maiores do que as existentes da marinha alemã que comandava as operações no Atlântico Sul,
na época, mesmo em países mais evoluídos. Isto possibilitaria a irrigação o contra almirante Jaigen Rohwer. O Nordeste ficou isolado do resto do
das áreas ribeirinhas e também o início de industrialização do Nordes- país. Naquela época, após a Constituição de 1934, as concessões para
te, o que ainda não havia em outras partes do território nacional cuja geração de energia elétrica passaram a ser federais sob atribuição do
economia era essencialmente agrícola. A equipe era constituída pelos enge- Ministério da Agricultura. Em 1945, com o fim da II Grande Guerra,
nheiros Antonio José Alves de Souza, Jorge de Menezes Werneck, Jayme o Brasil questionava o regime de exceção do Estado Novo que havia
Martins de Souza, Mário Barbosa de Moura e Mengalvio da Silva marcado eleições para dezembro. O ministro Apolônio Sales, a cujo
Rodrigues. O levantamento foi um marco para o desenvolvimento do ministério a política de energia elétrica estava subordinada, procura-
Nordeste, tendo sido efetuado em região agreste no tempo do cangaço, va sensibilizar as lideranças políticas para a idéia da exploração do
inclusive do bando de Virgulino Ferreira, o Lampião. O Serviço Geoló- potencial da cachoeira de Paulo Afonso. O Presidente Getúlio Vargas
gico e Mineralógico deu origem mais tarde à Divisão de Águas, precur- comandava o Estado Novo no qual Apolônio Sales era Ministro da
sora do Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica DNAEE Agricultura. Há versão que narra que Apolônio Sales havia solicitado
que por sua vez, foi substituído em passado recente pelas Agências, a Getúlio Vargas a assinatura do Decreto de criação da CHESF em
Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e Nacional de Águas (ANA). 30 de setembro por ser ele, Apolônio, devoto de Santa Terezinha,
168
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

na época, festejada naquela data (hoje é 01 de outubro). Já Apolônio que nunca antes havia se envolvido. Dificuldades adicionais também
Sales em conversa informal em 1976 com Eunápio Queiroz, então proviam do próprio ex-ministro Apolônio Sales a apoiar, no final de
diretor superintendente de Sobradinho, narrou que, embora 1946, a idéia de considerar como projeto definitivo um estudo extre-
conhecedor de que Getúlio Vargas era agnóstico e que o dia de mamente sumário da usina localizada no Braço da Velha. Esse fato
Santa Terezinha havia passado, usou o seguinte argumento – originou a negativa do ministro da fazenda Correia e Castro do pedido
“Presidente, amanhã é dia de São Francisco. Ele ficará contente vendo que de verbas para o Ministério da Agricultura para a execução do projeto.
o senhor criou no Nordeste do Brasil uma companhia com o nome dele”.
O Decreto Lei º 8.031 de criação da CHESF foi assinado no Superadas todas as dificuldades, no dia 15 de março de 1948,
dia 4 de outubro de 1945, mas com data do dia anterior. ou seja, quase três anos após sua criação, foi realizada a Assem-
bléia Geral de Constituição da CHESF, depois de um árduo
A empresa podia ser formada, mas o Estado Novo estava próximo trabalho, também comandado por Apolônio Sales, obtendo a
do fim. Getúlio Vargas foi deposto e tomou posse como Presidente adesão de estados e municípios do Nordeste para a integralização
da República o ministro José Linhares do Superior Tribunal Federal. do capital da empresa.
Na seqüência ocorreram eleições gerais no país, sendo o General
Eurico Gaspar Dutra, eleito e empossado Presidente da República.
O início da CHESF
Com a posse do Gal. Dutra, o advogado Afrânio de Carvalho,
O Presidente Dutra entregou o comando da CHESF a um profissio-
chefe de gabinete do ministro da Agricultura, Daniel de Carvalho,
nal de reconhecida capacidade e idoneidade com total liberdade de
procurou incluir como prioritários os aproveitamentos hidrelétricos indicar os demais membros da diretoria e dessa maneira, indicações
de Paulo Afonso, no Nordeste, e Cachoeira Dourada no rio Paranaíba, de origem político partidárias ficaram afastadas. O Decreto 8.031 de
no Centro Oeste, este para suprimento do que seria a futura capital 03/10/1945 concedia à CHESF a exploração de um trecho de cerca
brasileira no Planalto Central. de 500 quilômetros entre Piranhas – Alagoas no baixo rio São Fran-
cisco e Juazeiro – Bahia no sub-médio rio São Francisco. A concessão,
Entretanto, continuava a oposição ao empreendimento hidrelétrico também assinada no mesmo dia 3 de outubro de 1945, para transmitir
no Nordeste e à empresa criada em 3 de outubro de 1945. O mi- e comercializar a energia hidroelétrica produzida em Paulo Afonso,
nistro Souza Costa, por exemplo, afirmara que seria um desperdício definiu um círculo inicial de cerca de 450 quilômetros de raio no
gastar recurso no projeto. Diversos depoimentos dão conta de que interior do qual se inseriam as capitais dos estados de Alagoas, Bahia,
um forte argumento que sensibilizou o general Dutra com relação Pernambuco e Sergipe. Posteriormente esse círculo expandiu-se até
a Paulo Afonso pode ter sido o que aventava a possibilidade de uma atingir Natal – capital do Rio Grande do Norte e finalmente
secessão do Nordeste das demais regiões do Brasil, dada a disparidade Fortaleza – capital do Ceará. No final do século XX quando entrou
daquela região com as regiões Sul e Sudeste. Mantinha-se a oposição em vigor o novo modelo do setor elétrico com concessões por usina,
do agora ministro Eugênio Gudin por considerar que este tipo de por linha de transmissão e por subestação a CHESF era responsável
empreendimento deveria ser feito pela iniciativa privada e que os por produzir e transportar energia elétrica para 8 estados do
investimentos em geração de energia elétrica deveriam priorizar a Nordeste (Piauí, Ceará, Rio Grande do Nor te, Paraíba,
região Sudeste, que atravessava intenso racionamento e não o Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia).
Nordeste onde nem mercado havia. Outros opositores combateram
a idéia usando como argumento a reconhecida incapacidade gerencial Ao trecho de concessão Piranhas – Juazeiro foram acrescentados
do governo, o que seria agravado num tipo de empreendimento em em 1972 mais 350 quilômetros, ainda no submédio rio São Fran-
169
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

cisco entre as cidades de Juazeiro e Xique Xique, ambas na Bahia,


onde a CHESF construiu e opera a hidroelétrica de Sobradinho,
resultando que entre Xique Xique (limite montante) e Piranhas
(limite jusante) se inserem as usinas hidroelétricas de Sobradinho,
Luiz Gonzaga (Itaparica), Apolônio Sales (Moxotó), Piloto, Paulo
Afonso I, II, III e IV e Xingó.

Em 1948, obedecidas às orientações do Presidente Dutra, foi elei-


to Presidente da CHESF o engenheiro Antônio José Alves de
Sousa, do Ministério da Agricultura, onde tinha sido encarrega-
do das concessões de energia elétrica. Esse engenheiro, formado
na Escola de Minas de Ouro Preto, tinha, em 1921, no governo
Epitácio Pessoa, efetuado um levantamento topográfico da
Cachoeira de Paulo Afonso. Alves de Sousa assumiu o comando
da empresa com o programa inicial de destinar o fornecimento de

Figura 2 - Engenheiro Antônio


Alves de Souza, primeiro
presidente da CHESF

Figura 3 - A cachoeira de Paulo


Afonso antes das obras da
CHESF. Na margem esquerda
as instalações de Angiquinho
e no cânion a casa de força

170
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

energia exclusivamente a Pernambuco e imediatamente propôs de comprimento, atinge a margem direita atravessando o braço
estender o fornecimento a outros pontos do nordeste inclusive a Capuxu, formando um funil num comprimento total de 4394m.
Salvador. Graças à vigilância do governador Otávio Mangabeira, A tomada d’água fica situada no encontro desses dois trechos da
da Bahia, e políticos como Luiz Vianna Filho, Clemente Mariani, barragem. A adução é feita por três túneis verticais de 4,8m de
Juraci Magalhães e Pereira Lira, além de Pernambuco, os estados da diâmetro com joelho de 90° para alimentar três turbinas Francis
Bahia, Alagoas e Sergipe foram beneficiados com a energia elétrica situadas em casa de força subterrânea. A barragem atravessa diversas
gerada em Paulo Afonso, logo nos primeiros meses após o início ilhas e suas comportas assinalam os braços originais do rio. São 26
de operação, em fins de 1954. comportas de vertedouro, sendo 10 delas no braço principal,
8 no braço Quebra, 6 no Taquari e 2 no Capuxu. O reservatório
Alves de Souza compôs a sua diretoria com o coronel engenheiro assim formado tem apenas 11 km² de área.
Carlos Berenhauser Junior (diretor comercial), Adozindo Magalhães
de Oliveira (diretor de administração) e Octávio Marcondes Ferraz Um aspecto a destacar foi o fato do IPT ter prestado assistência
(diretor técnico) e como consultor jurídico Afrânio de Carvalho. tecnológica à construção dessa usina, realizando ensaios de defor-
O presidente Dutra manteve a sua palavra de não interferir na com- mação diametral sofrida por câmaras escavadas em rocha, quando
posição da diretoria, adotando essa postura até o final do seu manda- submetidas a pressão interna. Estes ensaios, realizados em 1951,
to. O diretor de administração, pelo seu falecimento, foi substituído marcaram o nascimento da Mecânica das Rochas no Brasil.
pelo consultor jurídico. Somente após a posse do presidente Jânio
Quadros, em 1961, a diretoria passaria a sofrer modificações. Dentro da concepção original foram posteriormente executadas
outras duas casas de força também subterrâneas denominadas
De início, sediada no Rio de Janeiro, a diretoria técnica, com a co- Paulo Afonso II e Paulo Afonso III, passando a original a ser
laboração dos engenheiros Domingos Marchetti, Gentil Norberto, denominada de Paulo Afonso I.
José Villela e Júlio Miguel de Freitas, passou a atuar mais diretamente,
a partir de 1949, no próprio local das obras. Ao longo do tempo Posteriormente, foi implantada mais uma usina denominada
outros engenheiros foram incorporados à diretoria técnica como Paulo Afonso IV, cujo reservatório foi formado captando águas do
Hernani Gusmão, Othon Soares, Dermeval Resende, Hilton Fiú- reservatório de Moxotó, através de um canal artificial, transforman-
za de Castro, Hermínio Lorentz Kerr, Hélio Gadelha de Abreu e do o centro da cidade de Paulo Afonso em uma ilha, cercada por
Nédio Lopes Marques. usinas hidroelétricas. A Usina de Moxotó, construída no início dos
anos 70 do século passado, foi implantada a montante da bacia
Entre as alternativas de projetos que foram consideradas para de decantação (reservatório Delmiro Gouveia), que alimenta as
construção da usina de Paulo Afonso, foi selecionada a que previa usinas de Paulo Afonso I, II e III, e é constituída de barragem, uma
uma extensa barragem de concreto de gravidade com um vertedouro casa de força e um descarregador de fundo provido de comportas
de superfície incorporado e atravessando um arquipélago de ilhas a de segmento, constituindo-se em uma barragem móvel.
montante da cachoeira, uma adução em túneis, uma casa de força
subterrânea e a restituição a jusante da cachoeira. A barragem Leste Para suprimento de energia ao acampamento e ao canteiro de obra
com 3117m de extensão tem sua ombreira na margem esquerda e da primeira usina, a CHESF contou com a geração da usina
atravessa o braço principal onde escoava cerca de 90% da descarga de Angiquinho com 1,1 MW que havia sido instalada por Delmiro
do rio, o braço do Quebra e o braço do Taquari, atingindo as pro- Gouveia em 1913 e de outra pequena hidroelétrica denominada
ximidades da cachoeira. A outra parte da barragem, com 1277m Usina Piloto, esta com operação iniciada em outubro de 1949, tendo

171
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

uma unidade geradora de 2,0 MW, com possibilidade de instalação reduzido das usinas de Paulo Afonso podem ser vistas durante
de uma segunda máquina. A Usina Piloto foi projetada e construída visitas turísticas e escolares agendadas previamente com a CHESF.
pelos engenheiros J. Leal Corrêa e Leopoldo Schimmelpheng e
passou a fornecer energia elétrica para a obra e seu acampamento, Além do capital financeiro inicialmente subscrito para formação
para a cidade de Glória e, complementando Angiquinho, para a da CHESF e reconhecidamente insuficiente, foram efetuados
fábrica de linhas que havia sido implantada por Delmiro Gouveia aumentos de capital e conseguidos empréstimos junto ao
no povoado de Pedra (hoje cidade de Delmiro Gouveia, Alagoas). Eximbank, no BIRD e no Banco Nacional de Desenvolvimento
Em março de 1960, depois de quase 47 anos de operação, a usina Industrial, para permitir a construção da usina e funcionamento
de Angiquinho foi desativada pela CHESF, após seus equipamen- da empresa. Além da previsão insuficiente de recursos por
tos terem sido danificados por uma forte enchente. O sítio desta parte do governo federal, ocorreu ainda pronunciada inadimplên-
usina teve seu tombamento histórico decretado pelo estado cia de aportes financeiros que haviam sido assumidos por estados
de Alagoas e atualmente é ponto de visitação turística na região, sob e municípios nordestinos por subscrição de ações da CHESF,
a administração da Fundação Delmiro Gouveia. apesar de serem esses estados e municípios os mais beneficia-
dos com a implantação da primeira usina de Paulo Afonso. Esse
Ao longo de todo o projeto e construção de Paulo Afonso I e con- desinteresse financeiro permaneceu mesmo após a entrada
tinuando durante quatro décadas, permaneceu em operação no Cen- em operação da usina.
tro de Formação da CHESF em Paulo Afonso, um laboratório de
modelos hidráulicos reduzidos, de inestimável valor para as defini- No início da construção de Paulo Afonso I as escavações para a im-
ções de projeto e construção. Atualmente, as instalações do modelo plantação da casa de força subterrânea foram comandadas pelo enge-

Figura 4 - Usina piloto

172
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

nheiro Domingos Marchetti, especialista em túneis. As ensecadeiras


propostas pelo engenheiro Gentil Norberto, foram executadas sob
a supervisão dos engenheiros Roberto Montenegro e Reginaldo
Sarcinelli. Importante contribuição para a concepção do projeto e para a
execução das obras foi dada pelos que trabalharam no modelo reduzido
sob a orientação do engenheiro francês André Balança, detentor de
profundos conhecimentos de hidráulica adquiridos na sua formação
em Grenoble. André Balança se fixaria no Brasil até seu falecimento,
tendo contribuído em inúmeros empreendimentos hidrelétricos, princi-
palmente através de empresas de consultoria.

A construção de Paulo Afonso exigiu a presença de milhares de


trabalhadores e também atraiu outros milhares de pessoas que
afluíam ao local da usina à procura de trabalho, estabelecendo-se
ao lado do acampamento da CHESF, um crescente conjunto de
casebres, em parte cobertos por sacos de cimento vazios surgindo Figura 6 - Visita do pres. Dutra ao lado de Alves de Souza.
De costas, Marcondes Ferraz
no linguajar popular a Vila Poty e a Vila Zebu, ambas marcas de
cimento. A CHESF participou do apoio à melhoria de vida dos
moradores das novas vilas, contribuindo com assistência social e a implantação de recursos básicos requeridos, dentro das realidades
da época. A vila Poty é hoje o centro da cidade de Paulo Afonso,
Figura 5 - Início da obra em 1950 com Marcondes Ferraz e uma das mais prósperas do estado da Bahia, e a vila Zebu, povoado
Alves de Souza (primeiro e segundo da esquerda) do município de Delmiro Gouveia.

Os estudos hidráulicos para o barramento do rio determinaram a


aplicação de ensecadeiras celulares de estacas prancha. A impossi-
bilidade de execução de batimetria, devido à velocidade de escoa-
mento (cerca de 3,5 m/s) e profundidade do rio nas imediações das
cachoeiras (10 m a 12 m), além da irregularidade do fundo rocho-
so, dificultavam a execução da ensecadeira como fora projetada.
O modelo reduzido definiu a solução considerando a montagem
de um flutuante chamado localmente de “Navio”, com 18 m de
comprimento, 12 m de altura e peso de 350 t, construído na França
e montado no local da obra. Esse flutuante foi imerso no rio em
posição previamente definida através de controle por cabos de aço
fixados nas margens, esquerda e direita. O flutuante afundado des-
viou as correntes mais intensas e possibilitou a instalação das estacas
prancha sem que essas vergassem, uma vez que foi bastante reduzida a
velocidade das águas nestes locais. À medida que as células iam sendo
173
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

executadas barrando e estrangulando a seção do rio, a velocidade da


água ia aumentando progressivamente, atingindo valores de 8,5 m/s.
A solução do “Navio” que protegera a construção das células por
montante não mais seria aplicável. Decidiu-se pela implantação de
uma estrutura metálica em treliça semi-flexível, posicionada a jusante
da linha de centro da ensecadeira celular em construção. Essa treliça
passou a reter blocos de pedra de grandes dimensões lançados na cor-
rente do rio e retidos por redes apoiadas na treliça. Com a diminuição
da velocidade de escoamento, a ensecadeira de estacas prancha pôde
então ser concluída. Em depoimento ao autor o engenheiro Rubens
Vianna de Andrade que, quando jovem participou da construção de
Paulo Afonso I, disse que o esquema de desvio tinha sido realmente
muito ousado, e que uma escavação de canal com estrutura de desvio
como feito em Itaipú teria sido um esquema mais garantido. O fecha- Figura 8 - Montagem da guia das estacas prancha
mento do rio São Francisco, com o término da ensecadeira foi divulgado
para toda a nação e meio técnico de engenharia. Essa vitória da
engenharia brasileira foi comunicada durante uma sessão do Clube de Figura 9 - Construção da ensecadeira
celular com apoio do navio defletor
Engenharia no Rio de Janeiro, a qual foi interrompida para que a notícia
fosse conhecida pelos presentes que vibraram com o êxito da solução
de engenharia, com calorosos aplausos.

Outra alternativa que havia sido estudada para fechamento desse


trecho final do rio era a da construção de um obelisco com uma das

Figura 7 - Montagem do navio defletor

174
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Figura 10 - Construção da ensecadeira celular

Figura 11 - Construção da ensecadeira celular

175
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 12 - Construção
da ensecadeira celular –
Carga hidráulica de 9 m

Figura 13 - Construção da Figura 14 - Ensecadeira celular concluída e


ensecadeira celular fase inicial do fechamento do rio

176
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Figura 15 - Início do lançamento da treliça para Figura 16 - Treliça posicionada para


fechamento do rio fechamento do rio

Figura 17 - Fase final do


fechamento do rio

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A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

faces reproduzindo da melhor maneira possível, o fundo do rio e colo- and generous inspiration is the source of both your and our success.
cado em pé em uma das margens do rio. Ao ser derrubado esperava-se Let us hope that in the passing of time the same ideal penetrates into
que esse obelisco obstruísse quase totalmente o fluxo de água. the mind and heart of all men so that mankind may live in peace,
decency and liberty.”
Importante realçar que o consultor do Banco Mundial, Mr. Dunn,
da American Engineering Co., desaconselhara os dois métodos para No dia 20 de setembro de 1954 foi iniciado o enchimento do
o ensecamento do leito do rio. Essa posição fora transmitida ao reservatório, com o fechamento das comportas. Quando, a jusante
ministro Oswaldo Aranha que tivera contato com Mr. Black, pre- das comportas o leito do rio ficou seco, um dos muitos que
sidente do banco, durante a visita a Washington do presidente da estavam assistindo o evento atravessou a pé o leito do rio empu-
CHESF, engenheiro Alves de Souza, para atender a convocação nhando a bandeira nacional, demonstrando a importância daquele
feita pelo banco. Aproveitando o fato de que o banco havia chamado momento histórico. No dia 1° de dezembro era ligado o primeiro
Alves de Souza a Washington sem dar conhecimento da pauta da circuito que atenderia Recife e poucos dias após era energiza-
reunião e sem a convocação do diretor técnico, engenheiro da a linha de transmissão para Salvador. A inauguração de Paulo
Marcondes Ferraz, o que foi caracterizado como deslize de ética, Afonso ocorreu no dia 15 de janeiro de 1955 em solenidade
o esquema de desvio foi mantido. Esse fato gerou a substituição comandada pelo Presidente da República, João Café Filho.
do representante do banco em Paulo Afonso, Mr. Adolph
Acker mann que se opusera ao esquema de desvio do rio, Além do francês André Balança que chegou com 29 anos e ficou
por Mr. Bass, de elevada competência e distinto cavalheirismo. para sempre no Brasil, uma legião estrangeira prestou importan-
tes serviços para a CHESF nos seus primeiros anos, formada
Cinquenta anos após o desvio do rio, o engenheiro Rubens Vianna principalmente por imigrantes europeus após a II Grande
de Andrade que, quando jovem na profissão, participou da epopéia Guerra Mundial, requisitados na Ilha das Flores, reduto na baía
do desvio em Paulo Afonso, com sua vasta experiência posterior- da Guanabara onde os estrangeiros eram recebidos e triados.
mente em diversos desvios de grandes rios inclusive o desvio do Dessa legião estrangeira participaram Cyrill Iwanow, Abdank
rio Paraná em Itaipú, admitiu ao autor que o esquema que foi em- Abzantovsky e Andre Bijnik.
pregado em Paulo Afonso não teria sido o mais recomendado nem o
mais seguro. Pensava em esquema semelhante ao de Itaipú com Além de sua vital importância econômica e social para todo o
escavação de canal de desvio com aplicação da rocha escavada na Nordeste, Paulo Afonso passou a ser visitado por vastos
barragem e a construção de estrutura de fechamento nesse canal. contingentes de pessoas para apreciar a grandeza das obras ali
implantadas. Considerando essa afluência de visitantes, o profes-
No dia 4 de agosto de 1954, na fase final de construção e sor Amauri Menezes que assumiu a diretoria técnica durante as
com o desvio já equacionado, a Conferência Mundial de ampliações de Paulo Afonso, iniciou uma grande transformação
Energia que na época ainda incluía a Comissão Internacional do entorno da usina em vasto ambiente de agradável paisagismo
de Grandes Barragens, efetuou uma visita técnica a Paulo implantando dezenas de pequenos lagos, intensa arborização
Afonso. Nessa visita, o diretor da CHESF, advogado Afranio pública e jardim zoológico, além de preservar as realizações da dire-
de Carvalho, concluiu o discurso de recepção à delegação toria anterior, como o laboratório de modelo reduzido e a fazenda
com as seguintes palavras, antecipando-se a John Lennon: modelo, criada por Apolônio Sales para difusão de conhecimento
“As the World Power Conference represents the triumph of cooperation e transferência de tecnologia para produtores rurais e pecuaristas
over isolationism, we are pleased to note that, in a way, a common do sertão do São Francisco.
178
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

A notável beleza da cachoeira com suas diferentes quedas em seu Após doze anos na direção técnica da CHESF e sendo um dos
estado natural ainda hoje pode ser vista por ocasião de cheias principais artífices do que ficou sendo conhecida como a epopéia
extravasadas pelos vertedouros. A primeira imagem da cachoeira de Paulo Afonso, Marcondes Ferraz foi destituído em 1960 por
foi captada em 1647 pelos pincéis de Franz Post, notável pintor Juscelino Kubitschek como presidente da república. O afastamen-
vindo na comitiva pessoal de Maurício de Nassau. Dom Pedro II to teve motivação política, por ter Marcondes Ferraz apoiado o
quando esteve na cachoeira em 1859 reproduziu a imagem que presidente da República Carlos Luz, no seu efêmero governo de
vislumbrava a lápis em seu diário de viagens. dois dias e participado da fuga no cruzador Tamandaré após o
primeiro dos dois golpes desferidos pelo general Henrique

A expansão da CHESF D. T. Lott que depôs dois presidentes.

Quando Jânio Quadros foi eleito em 1960, o ministro João Agripi-


A partir de 1953 a CHESF iniciou as negociações para obtenção de
no, promoveu alterações na diretoria da CHESF, tendo convidado
recursos junto ao governo federal para o primeiro plano de expansão
Marcondes Ferraz para a presidência, convite declinado com o
de Paulo Afonso que incluía a terceira unidade da primeira casa de
argumento de que não se deveria deslocar um homem do gabarito
força e a construção da segunda casa de força denominada Paulo
de Alves de Souza. Ao saberem que haveria mudanças na direto-
Afonso II que, como as que se seguiriam, seria também subterrânea.
ria, todos os diretores se demitiram e realçaram a importância da

Figura 18 - O aproveitamento de Paulo Afonso em seu estágio final

179
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 19 – A usina hidroelétrica de Moxotó

continuidade de gestão que seria garantida pela permanência A usina de Paulo Afonso IV, situada a cerca de 1,5 km a jusante
de Alves de Souza na presidência. Ele foi mantido e os demais das suas precursoras, difere destas por captar, por meio de um ca-
diretores foram substituídos por Amauri Menezes, na diretoria nal, água no nível do reservatório da usina de Moxotó implantada
técnica, Fausto Alvim na diretoria administrativa e Ivan Macedo a montante da bacia de decantação Paulo Afonso I, II e III. Ao se
Melo na diretoria comercial. projetar a barragem de Paulo Afonso IV verificou-se que, devido
principalmente às características torrenciais do rio Moxotó, afluente pela
Com o rio São Francisco domado em 1954, as ampliações que margem esquerda do rio São Francisco na região de Paulo Afonso, des-
se sucederam foram muito mais simples. Novas casas de força cargas de até 10.000 m³/s em hidrógrafas de cheia de pequenos volumes
subterrâneas foram se sucedendo, Paulo Afonso II concluída poderiam se somar ao pico de cheia afluente ao reservatório de Moxotó.
em 1968, Paulo Afonso III inaugurada em 1972 pelo presidente Como essa condição excepcional não havia sido considerada no projeto
Emílio Garrastazu Médici, e concluída em 1974, Paulo Afonso IV da barragem de Paulo Afonso, o vertedouro de Moxotó foi dimensionado
cujas obras civis foram concluídas em 1979, e a usina inaugurada para a mesma descarga de projeto da barragem das usinas de Paulo Afon-
em 1980 pelo presidente João Batista Figueiredo, tendo a última so I, II e III (25.000 m³/s). Para garantir o escoamento da cheia máxima
das seis unidades geradoras entrado em operação em 1983. possível, o canal de adução entre os reservatórios de Moxotó e
180
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

de Paulo Afonso IV foi ampliado para permitir o fluxo adicional As sucessivas ampliações em Paulo Afonso passaram a demandar
de 10.000 m³/s, garantindo também o simultâneo escoamento de descargas afluentes mais regularizadas. As alternativas seriam a
possível cheia gerada na bacia do rio Moxotó, sendo projetado e construção das hidroelétricas e reservatórios de Itaparica (em cota
construído um vertedouro de 10 000 m³/s de capacidade na elevada), mais econômica, ou de Sobradinho ambas no rio São
barragem de Paulo Afonso IV. Na ocasião da concepção do projeto Francisco e a montante de Paulo Afonso e Moxotó. A solução ado-
não foi considerada a construção de um obra de barragem tada pelo setor elétrico, a partir de relatório do Comitê de Estudos
para o controle de cheias do rio Moxotó que teria trazido importan- Energéticos do Nordeste foi a construção da barragem de Sobra-
tes benefícios econômicos à construção de Paulo Afonso IV e aos dinho inicialmente sem casa de força por ser a solução de menor
vertedouros de jusante, Xingó já em operação e Pão de Açucar, presen- investimento para a regularização do rio. O planejamento energético
temente em fase de inventário. foi influenciado também pelo baixo custo do petróleo, época do
chamado “milagre brasileiro“, quando o barril de petróleo foi co-
O reservatório da barragem de Moxotó, situado a montante de Pau- tado a menos de US$ 2,00, estimulando a construção de usinas
lo Afonso I, II e III, foi construído para promover a regularização termoelétricas junto aos grandes centros de consumo. Essa opção
semanal das vazões e possibilitar através do canal de adução aci- não prosperou em função do aumento de preços pela OPEP e
ma descrito, a derivação do fluxo d’água para a tomada d’água e da deflagração da guerra do Yom Kippur. Em maio de 1974 a CHESF
vertedouro da usina de Paulo Afonso IV. As obras civis da usina de recebeu instruções para motorizar Sobradinho, recomendações
Moxotó foram iniciadas em 1971 e concluídas em 1974. A usina é plenamente atendidas, ocorrendo o enchimento do reservatório de
composta por duas barragens de enrocamento com núcleo de argi- Sobradinho em 1978 e início de geração de energia em 1979.
la, separadas por uma ilha, uma das barragens contendo a tomada
d’água e casa de força e a outra o descarregador de fundo (barragem Em meados de 1971 a Eletrobras havia determinado a estruturação
móvel) controlado por comportas de segmento. As quatro unidades de uma superintendência sob o comando do engenheiro Euná-
geradoras, de 100 MW cada, entraram em operação em 1977. pio Peltier de Queiroz que havia criado a Centrais Elétricas do Rio
Posteriormente foi constatada a presença de reação álcali-agregado de Contas, na Bahia, e implantado com sucesso a hidroelétrica de
ocasionando expansão do concreto, o que exigiu a execução de Funil e que teria como missão implantar o empreendimento de
serviços para convivência com esse fenômeno e manutenções peri- Sobradinho. Essa decisão da Eletrobras, que entre outros motivos
ódica nas unidades geradoras, monitorando os efeitos da expansão buscava tirar do comando da Diretoria Técnica da CHESF uma das
e garantindo o aumento da vida útil da casa de força. Uma equipe de duas obras gigantescas e simultâneas (Sobradinho e Paulo Afonso IV),
técnicos da CHESF e consultores (Aurélio Vasconcelos, Alberto Jorge causou constrangimentos na subsidiária. Os dirigentes da Eletrobras,
Cavalcanti, Ricardo Barbosa e João Francisco Silveira), dedicaram-se Mário Bhering e Pinto Aguiar foram sensibilizados pelos argumentos
aos estudos e acompanhamento, formando um apreciável acervo de Apolônio Sales, então presidente da CHESF, e criaram, com apoio
sobre a reação álcali-agregado, em empreendimentos de engenharia. de Léo Amaral Penna, uma solução de compromisso: a concessão da
hidroelétrica de Sobradinho seria da CHESF. Além disso, o trabalho
A barragem de Moxotó se situa a cerca de 2 km a montante da conjunto de Apolônio Sales e Eunápio Queiroz, que haviam sido
barragem do Complexo Paulo Afonso I, II, III. Foi necessária a companheiros no Congresso Nacional, neutralizou as componentes
construção de um núcleo urbano para transferência da população negativas desta divisão. Eunápio Queiroz e Ernani Gusmão, além de
da cidade de Glória-BA, inundada com a formação do reservatório. João Paulo Maranhão de Aguiar, Norman Costa, Japhet Diniz, Gláu-
Em 1983 a usina de Moxotó passou a ser denominada oficialmente de cio Furtado, Hilton Silveira, Paulo Pacheco e Margarida Maria Dantas
Usina Apolônio Sales em homenagem ao criador da CHESF. de Oliveira, conduziram a implantação da hidroelétrica de Sobradinho.
181
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Uma barragem de terra zoneada flanqueia as estruturas de con- em março de 1982, atingindo seus 1050 MW de capacidade
creto gravidade da tomada d’água e dos vertedouros de fundo e instalada. Apesar de se situar a cerca de 50 km a montante de
superfície, num arranjo característico de hidroelétrica brasileira em Juazeiro (BA) e Petrolina (PE), portos terminais do trecho navegá-
vale aberto. No local da barragem de Sobradinho e em toda a vel entre Pirapora - Minas Gerais e o sub médio rio São Francisco,
área do seu reservatório o rio São Francisco apresentava margens o Departamento Nacional de Portos e Vias Navegáveis, sucedido
abatidas em vale muito aberto, o que, mesmo limitando a altura pela Portobrás, exigiu e assumiu os custos de implantação de uma
da barragem e definindo a usina como de baixa queda, gerou um grande eclusa de navegação, concluída em 1980.
reservatório de grandes dimensões com volume acumulado de
34,1 bilhões de metros cúbicos e extensa área alagada de 4.214 km2 O reservatório de Sobradinho, tão importante para a segurança
possibilitando, com uma depleção de até 12 metros, um significativo do suprimento de energia ao Nordeste, que na época era um
aumento de descargas garantidas para as usinas a jusante. A casa sistema isolado do resto do País, gerou impactos sócio-ambientais
de força de Sobradinho teve a entrada de sua primeira máquina de porte. Foi necessário a relocação das cidades de Casa Nova,
em operação em novembro de 1979 e a última unidade geradora Remanso, Sento Sé e Pilão Arcado e de outros pequenos povoa-

Figura 20 - A usina hidroelétrica Sobradinho

182
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Figura 21 - A usina hidroelétrica


de Itaparica

dos situados às margens do rio São Francisco, com a transferência mes requeridos. Técnicos brasileiros da CHESF e da Projetista
das suas populações. Ao todo foram 11.400 famílias (cerca de (Esmeraldino Pereira, Antonio Martins, Hilton Silveira, Hi-
70.000 pessoas) reassentadas para formação do reservatório. romito Nakao, Hamilton Oliveira, Guy Bordeaux e Pedro
Tanajura) com a consultoria e acompanhamento de um dos
O usina de Sobradinho permitiu a interligação das regiões mestres mundiais da engenharia de solos – James L. Sherard,
Nordeste e Norte através de linha de transmissão entre Sobradinho no escritório e no campo, desenvolveram estudos, avaliações
e Tucuruí. Como Tucuruí ainda estava em construção quando e tarefas de controle de laboratório e construção dos maciços,
Sobradinho iniciou sua operação, durante cerca de quatro anos, que garantiram todos os requisitos de qualidade e segurança
antecedendo à inauguração de Tucuruí, o canteiro e acampamento na utilização de argila dispersiva.
dessa hidroelétrica, a cidade de Belém do Pará e cidades vizinhas
foram abastecidas com energia elétrica gerada em Sobradinho, Além do papel importante na redução de piques de cheia e interliga-
proporcionando significativa economia de petróleo. ção Norte – Nordeste, em Sobradinho foi construída a tomada d’água
que abastece o mais bem sucedido projeto público de irrigação no
A construção da barragem de Sobradinho trouxe importante Brasil – o Projeto Nilo Coelho, com área irrigável de 25.000 hectares.
contribuição para a engenharia nacional de barragens ao ter
seu núcleo impermeável executado com argila dispersiva, única Com Sobradinho ainda em fase de construção a CHESF iniciou
disponível na área em quantidades compatíveis com os volu- em 1975 no rio São Francisco e a cerca de 40 km a montante de
183
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Paulo Afonso as obras para implantação da hidroelétrica de não foram adiante. Somente em 1975 foram contratados pela
Itaparica, sob comando de Eunápio Queiroz. Tendo em vista a CHESF, sob a supervisão de Felício Limeira de França e a
extensa área de reservatório de 834 km², houve a necessidade do coordenação do engenheiro José Geraldo Araújo, os estudos
assentamento da população ribeirinha que teve que ser desaloja- preliminares para seleção de local e de alternativas de projeto.
da. Foram construídas as novas cidades de Petrolândia, Itacuruba, Os trabalhos foram apoiados por uma junta de consultores com-
Rodelas e o povoado de Barra do Tarrachil, abrigando cerca de posta por James Libby, James Sherard, Manuel Rocha, Armando
36.000 pessoas. O Empreendimento Itaparica foi realizado num Lencastre e Don Deere que, com a empresa consultora, recomendou,
período de intensas dificuldades financeiras do setor elétrico estatal, por mais econômica, a construção de uma barragem em abóbada
motivo pelo qual as obras se prolongaram muito além do que fora com casas de forças subterrâneas nas duas margens. Dada a carência
previsto no planejamento de construção. de experiência nacional em barragens em abóbada e como o esque-
ma com barragem de enrocamento no final do cânion era viável, foi
O vale aberto do rio foi barrado por um extenso maciço de decidida a implantação dessa segunda alternativa de projeto que se
enrocamento com núcleo de saprolito compactado ladeando as situa imediatamente a montante das sedes municipais de Piranhas
estruturas de concreto gravidade da tomada d’água e do vertedou- – Alagoas e Canindé do São Francisco – Sergipe, a Usina de Xingó,
ro. Somente em 1988 foi fechado o reservatório e entraram em constituída por uma barragem com 145 m de altura, de enrocamento
operação as primeiras unidades. Nesse ano a usina foi inaugurada com face de concreto e com desvio por túneis escavados na margem
pelo presidente José Sarney e atingiu plena capacidade em 1990 direita onde também foi localizada a casa de força, abrigando seis
com seis unidades geradoras de 246,6 MW cada, já com a denomi- unidades de 527 MW cada que entraram em operação entre 1994 e
nação de Usina Hidroelétrica Luiz Gonzaga, homenagem ao grande 1997. O nível d’água do reservatório da hidroelétrica de Xingó foi
compositor e cantor nordestino. definido pelo valor aceitável de afogamento do canal de fuga de
Paulo Afonso IV com conseqüente redução de geração nessa usina.
A jusante de Paulo Afonso o rio São Francisco escavou profun-
do e estreito cânion de paredes rochosas de elevadas qualidades Ao lado da tomada d’água para geração de energia elétrica foram
geomecânicas, que atingem até 200m de altura. No após guerra, implantadas duas tomadas para os projetos de irrigação Califórnia
em 1951, o engenheiro Gerdes, da Kaiser, vislumbrou a construção e Jacaré Curituba, ambos no estado de Sergipe e viabilizados pela
de uma hidroelétrica nesse cânion. A indústria americana Reynolds elevação de mais de 120 metros no nível d’água no cânion.
Metals propôs a construção dessa hidroelétrica numa das partes mais
estreitas do cânion com uma barragem em arco. Essa usina teria Além das hidroelétricas acima mencionadas e implantadas pela
como finalidade a geração de grandes blocos de energia para uma CHESF, outras foram incorporadas à CHESF ao longo dos anos.
unidade fabril de produção de alumínio a ser implantada na região. Essas usinas, a menos de Angiquinho já mencionada, que teve sua
A concessão teria sido para autoprodutor por 30 anos e reverteria operação iniciada em 1913 e desativada em 1960 devido a uma
à União no entorno de 1985. Houve forte resistência política dos inundação, e da antiga pequena usina existente em Itaparica, que
que consideravam que essa concessão não atendia aos interesses abastecia um núcleo agrícola e operou de 1945 até a década de
do Brasil e do Nordeste, capitaneada pelo político baiano, Clemente 1970 e foi alagada pelo reservatório da nova hidroelétrica em 1988,
Mariano e pelo industrial e político paulista José Ermírio de Moraes todas as demais usinas incorporadas pela CHESF se situam em
com os argumentos de que haveria prejuízo da incipiente indústria outros rios do Nordeste. Essas hidroelétricas foram: Bananeiras
nacional e que absorveria grande consumo de energia com pequena (inundada pela usina hidroelétrica Pedra de Cavalo, do Grupo Vo-
utilização de mão de obra. Com tanta oposição, a usina e a indústria torantim) no rio Paraguaçu na Bahia, Boa Esperança no rio Parna-
184
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

íba na divisa dos estados do Maranhão e Piauí, as Funil e Pedra no A usina hidroelétrica de Boa Esperança, situada no rio Parnaíba
rio de Contas no sul da Bahia, Curemas a partir dos açudes entre os estados do Maranhão e do Piauí, teve origem na iniciativa
públicos Estevam Marinho e Mãe-d’água do DNOCS nos do DNOCS de criar uma comissão para inventariar as possibilidades
rios Piancó e Aguiar na Paraíba e Araras no açude público de implantação de hidroelétricas no rio Parnaíba. Dessa iniciativa
Paulo Sarasate do DNOCS no rio Acaraú no Ceará. nasceu a Companhia Hidro Elétrica de Boa Esperança COHEBE,
a partir de Grupo de Trabalho formado pelo DNOCS e pela
A hidroelétrica de Bananeiras, situada no rio Paraguaçu, a montante SUDENE, com a participação dos estados do Piauí e Maranhão
da cidade de Cachoeira, havia entrado em operação em 1920 e teve e do Ministério de Minas e Energia, representado pela Eletrobras.
9 MW instalados para suprir o Recôncavo Baiano. Essa usina foi Em julho de 1963 a COHEBE foi formalmente constituída e sua
transferida da COELBA para a CHESF em 1967 e desativada em primeira diretoria foi composta por César Cals de Oliveira Filho,
1981 por interferência com a hidroelétrica de Pedra do Cavalo, Walter Barros da Silva, Hilton Ahiran da Silveira e Ebenezer Gueiros.
de maior potência, que foi implantada no local. A usina de Boa Esperança teve suas obras iniciadas em 1964, e sua

Figura 22 - A usina hidroelétrica de Xingó

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A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

primeira etapa com duas unidades de 54 MW de potência unitária foi geradoras de 10 MW cada, sendo transferida da COELBA para
concluída em 1970 proporcionando energia abundante e confiável a CHESF em 1980. A barragem é uma estrutura de concreto
aos estados do Maranhão e Piauí . Em 1972 Alde de Castro Salgado, gravidade incluindo a tomada d‘água e o vertedouro em vale
então vice presidente executivo da CHESF, assumiu a presidência da relativamente fechado.
COHEBE avançando no processo de absorção dela pela CHESF,
previsto no planejamento do setor elétrico e reforçado pela interli- A usina de Pedra também no rio de Contas, a montante da
gação elétrica CHESF – COHEBE, atingida com a energização de usina de Funil, possui apenas uma unidade geradora de
LT 230 kV Teresina – Sobral – Fortaleza. Para não onerar os consu- 20 MW cuja entrada em operação aconteceu em novembro
midores, o passivo da COHEBE foi coberto com recursos da reserva de 1978, sendo suas obras civis iniciadas em setembro de 1976.
legal para desapropriação de empresas de energia elétrica, e com a passa- A barragem tem múltipla finalidade e além de geração de
gem para o Patrimônio da União do imobilizado não ligado diretamente energia, per mite a regularização do rio para controle de
à geração. Ela encontrou apoio na Eletrobras através dos seus direto- enchentes, abastecimento d’água e ir rig ação ag rícola. A
res Mario Bhering, Pinto Aguiar e Antônio Carlos Bastos. Em 1973 a barragem é do tipo contrafortes de concreto com 24 blocos
COHEBE foi então absorvida pela CHESF. Anteriormente, após a dos quais os sete blocos centrais são vertentes, dotados de
morte do ex-presidente Castelo Branco, a casa de força passara a comportas de segmento.
ser denominada Presidente Castelo Branco, mantendo-se para o
empreendimento a denominação Usina de Boa Esperança. Esse A usina de Curemas com duas unidades geradoras totalizando
procedimento foi replicado quando da morte do deputado federal 3,5 MW encontra-se situada a jusante da barragem dos açudes
Milton Brandão, grande defensor desta usina, que foi homenageado públicos Estevão Marinho e Mãe-d’Água, nos rios Piancó e Aguiar,
com a denominação Barragem Milton Brandão. Somente em 1991 as no estado da Paraíba. Teve suas obras iniciadas pelo DNOCS em
duas últimas unidades geradoras de 63,65 MW cada, entraram em 1939. Em 1957 a hidroelétrica entrou em operação tendo sido
operação, complementando a necessidade de expansão da geração para incorporada pela CHESF em 1969.
a região, atendida pelas hidroelétricas do rio São Francisco através de
linha de transmissão 500 kV Sobradinho – Boa Esperança. A hidroelétrica de Araras, com duas unidades geradoras totalizando
4 MW, encontra-se situada a jusante da barragem do açude público
De modo semelhante ao que aconteceu com Paulo Afonso
Paulo Sarasate, no rio Acaraú, no Ceará. As obras foram iniciadas
na década de 1940, a construção de Boa Esperança sofreu
pelo DNOCS em 1956. A usina só entrou em operação em 1967
grande oposição dos que consideravam que a demanda dos
e em 1969 foi incorporada à CHESF.
estados do Nordeste Ocidental (Maranhão e Piauí) não
justificava a implantação de um empreendimento desse vulto,
o que explica a grande defasagem entre as instalações das Novos tempos – século XXI
unidades geradoras. Em oposição a esses, haviam os que
alegavam que a usina seria um investimento pioneiro A partir de 2006, dentro do novo modelo do Setor Elétrico
fomentador de progresso para a região. Brasileiro, a CHESF voltou a investir e participar de grandes em-
preendimentos de geração de energia elétrica, sendo acionista
A usina hidroelétrica de Funil no rio de Contas, no sul da Bahia, foi minoritária nas usinas hidroelétricas de Dardanelos, Jirau e Belo
implantada inicialmente com 20 MW em 1962 e posteriormente Monte, todas na modalidade de consórcio privado, formando socie-
ampliada para 30 MW em 1970, composta por três unidades dades de propósito específico (SPE).
186
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Na usina hidroelétrica Dardanelos a CHESF participa em socie- Finalmente, no Complexo Hidrelétrico de Belo Monte a CHESF
dade com a Neoenergia e a Eletronorte. A usina está localizada se associou a outras 18 empresas. A usina será construída no
na margem esquerda do rio Aripuanã, no noroeste do Mato rio Xingu, no Pará, na região amazônica, possuindo três sítios, um
Grosso, na Região Amazônica, tendo uma capacidade instalada deles denominado Pimental onde ocorrerá o barramento do rio
de 261 MW, sendo composta de 5 unidades geradoras, quatro Xingu, composto de casa de força complementar e vertedouro,
delas de 58 MW cada e uma de menor porte de 29 MW. outro composto do canal de adução e interligação e o último com-
posto do reservatório intermediário e sítio Belo Monte com a
Na usina hidroelétrica Jirau a CHESF participa em sociedade com usina principal. A potência instalada total de Belo Monte é de
a GDF Suez, a Eletrosul e a Camargo Corrêa. A usina está sendo 11.233 MW, com dezoito unidades geradoras de potência unitária
construída no local denominado ilha do Padre, no rio Madeira, a 611,1 MW, com turbinas Francis na casa de força principal
120 km de Porto Velho, em Rondônia, na região amazônica. Sua denominada Belo Monte e 6 unidades geradoras de potência unitária
capacidade instalada é de 3.450 MW com 46 unidades Bulbo de 38,85 MW, com unidades Bulbo na casa de força complementar.
75 MW cada, dispostas em duas casas de força, uma na margem
esquerda e outra na margem direita. Seu vertedouro possui 44 vãos
e permite uma descarga de vazão de projeto de 85.800 m3/s. Figura 23 - Vista aérea da
hidroelétrica de Xingó

187
188
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Furnas no século XX
Flavio Miguez de Mello

“No Brasil nunca se fez nada demasiadamente grande.”


Leopoldo Miguez

Desde os primórdios da produção de energia elétrica no País até


pouco depois da II Grande Guerra Mundial, a energia elétrica era
praticamente só gerada por empresas privadas, a maioria delas nacio-
nais, mas as duas maiores eram de capital canadense (Light) e ame-
ricano (AMFORP American Foreign Power). Havia também inúmeros
pequenos autoprodutores rurais. Esse cenário começou a se tornar
crítico a partir do Código de Águas que, tendo sido adotado em
1934, criou desequilíbrio econômico nos contratos de concessão de
fornecimento de energia elétrica, tirando o incentivo da iniciativa
privada em promover acréscimos de investimento de geração, trans-
missão e distribuição de energia elétrica. Nessa época o País começou
a deixar de ser apenas essencialmente rural para iniciar a industria-
lização que, por sua vez, gerou crescente aceleração urbana que
passou a pressionar por demanda de energia elétrica. Com as restri-
ções tarifárias, as companhias de energia elétrica passaram a enfren-
tar problemas no atendimento da crescente demanda, fazendo com
que, já nos anos 40, alguns estados como São Paulo e Minas Gerais
principalmente, começassem a criar empresas estatais de energia elé-
trica. A situação da Light, por exemplo, a maior concessionária do
País na época, evidenciava esse cenário. Apesar de procurar aumen-
tar sua oferta de energia elétrica, essa oferta era inferior à demanda
que crescia acima da capacidade de investimento da concessionária.

Reservatório de Serra da Mesa, o maior


do País com capacidade de 54,4 x 109 m3

189
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Desse modo, estimuladas pela própria Light e com perspectivas da exigia o início, em muito curto prazo, de obra que acrescentas-
de racionamentos, as indústrias passaram largamente a instalar gru- se cerca de 1000 MW na Região Sudeste. A solução estava no
pos geradores Diesel. Só em São Paulo, em 1954, havia cerca de local recém descoberto pela CEMIG, em reconhecimento do
100 MW instalados pela indústria em grupos Diesel que represen- potencial do rio Grande entre a hidroelétrica de Itutinga e o re-
tavam quase 20% da capacidade instalada da São Paulo Light. manso do reservatório de Peixoto. O local foi identificado por
Francisco Noronha e Anton Rydland em viagem exploratória
As sinalizações de déficit passaram a ser evidentes, sendo agravadas sugerida por John Cotrim, então diretor técnico da CEMIG.
pela inexistência de interligação dos sistemas das concessionárias. No local havia as corredeiras de Furnas que se situavam em vale
Mesmo na Light, os sistemas do Rio de Janeiro e de São Paulo eram apertado de encostas íngremes, em cujas margens o engenheiro
em frequências diferentes. Havia apenas uma pequena conversora de José Mendes Júnior costumava pescar, nas proximidades de
muito baixa capacidade entre os dois sistemas. sua fazenda. Os dois engenheiros pernoitaram na fazenda e rece-
beram de Mendes Júnior indicações sobre o local das corredeiras.
Nos anos cinquenta, o governo federal que havia criado a CHESF Este se mostrou excepcional para uma grande usina com grande
para explorar o potencial do rio São Francisco em Paulo Afonso, foi reservatório de regularização.
seguido pelas fundações da CEMIG (1951), COPEL (1953), USELPA
(1953), EFE (1954), CHERP (1955) e Escelsa (1956). Os estudos iniciais mostraram que a capacidade instalada seria quase
um terço da capacidade instalada nacional. O vulto das obras que
No início do governo Kubitschek, em 1956, ficou claro que a seriam necessárias para erguer uma das maiores hidroelétricas do
diferença entre a capacidade em construção e a demanda projeta- mundo na época era muito superior à capacidade das empresas

Figura 1 - Francisco
Noronha e Anton
Rydland no local
de Furnas

190
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

estaduais na época. O mercado a atender era primeiramente São


Paulo que se encontrava em situação mais crítica e depois os demais
estados da Região Sudeste. Esses aspectos fizeram com que ficasse
claro que a empresa a ser constituída deveria ser federal.

Lucas Lopes, então presidente do BNDE, e John Cotrim, de dire-


tor técnico da CEMIG para presidente de Furnas, selecionaram os
principais membros da nova empresa, sem influências políticas e
procurando não sacrificar a CEMIG, em cumprimento à promessa
feita ao professor Cândido Holanda, sucessor de Lucas Lopes na
presidência da CEMIG. Apesar de ser diretor da CEMIG, Flavio
Lyra que residia no Rio de Janeiro, foi selecionado como diretor
técnico. Para cuidar da administração, das finanças e dos supri-
Figura 2 – John Cotrim , Bias Fortes,
mentos, foi convidado o engenheiro Benedito Dutra. O famoso Candido Holanda e Flavio H. Lyra
tripé de Furnas estava formado, sendo pessoas perfeitamente in-
tercambiáveis dadas a formação e a experiência dos três. Os três dispunha da infra-estrutura adequada, veio a idéia de finalmente
constituiriam a diretoria executiva de Furnas. concordar com o governador que então parou de se opor e a em-
presa pode ser finalmente constituída. Enquanto ele pensava que
A primeira oposição a Furnas veio do governo de Minas Gerais, tinha trazido a empresa para Belo Horizonte, a sede foi para Passos,
à época exercido por Bias Fortes. Ele queria garantir que Três pequena cidade nas proximidades do local da usina, e o escritório
Marias fosse feita antes de Furnas para ter certeza de que seria con- central ficou instalado no Rio de Janeiro. As atas das assembléias
cluída. Além disso, ele era contra grandes áreas alagadas em Minas eram referidas a Passos apenas nominalmente. Essa situação só foi
para gerar energia para outros estados: costumava dizer que que- normalizada cerca de vinte anos depois com a transferência oficial
riam “fazer de Minas a caixa d’água do Brasil”. Ele temia que o governo da sede para o Rio de Janeiro.
federal não tivesse recursos para as duas obras simultaneamente
e criou toda sorte de obstáculos para atrasar o início de Furnas até As negociações políticas com São Paulo foram mais fáceis, mas
que Três Marias estivesse em construção e em estágio irreversível. também tiveram seu preço. Quando tudo estava pronto para a
Lucas Lopes articulou um esquema de participação da Comissão fundação da empresa, o governador Jânio Quadros disse que só
do Vale do São Francisco em Três Marias, o que foi um presen- autorizaria a participação de São Paulo na empresa se Lucas Lo-
te do governo federal para a CEMIG. A Comissão pagaria pelo pes fosse falar com ele pessoalmente. Lopes e Cotrim foram a São
reservatório e pela barragem, enquanto que a CEMIG apenas Paulo e, depois de serem mostrados os benefícios para o estado
aportaria recursos para a construção da casa de força situada ao que seriam trazidos por Furnas, Jânio disse que só entraria no
pé da barragem. Isso tinha justificativa uma vez que Três Marias projeto se houvesse garantias que o governo federal investisse
era um empreendimento de finalidades múltiplas. também nos projetos do estado que eram os aproveitamentos
hidroelétricos de Urubupungá e Caraguatatuba. Lucas Lopes teve
Mas a oposição do governador Bias Fortes continuava. Seu der- que concordar. O aproveitamento de Urubupungá foi feito, tendo
radeiro lance foi exigir que a sede de Furnas fosse localizada em resultando nas usinas de Jupiá e Ilha Solteira. O aproveitamento de
Minas Gerais. No impasse, já que Belo Horizonte na época não Caraguatatuba não saiu do papel por ser derivação de descargas
191
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

da bacia do rio Paraíba do Sul para o oceano, com graves impactos estaduais e não em obras federais; pelas suas mãos, o advogado
para as regiões a jusante no Vale do Paraíba. Noé Azevedo se tornou patrono de muitos proprietários e muni-
cípios em uma ação cominatória que visava impedir a construção
Resolvidas as participações estaduais, foram negociadas as par- da barragem de Furnas.
ticipações da Light e da AMFORP que, para qualquer aumen-
to de capital, necessitariam de alteração no gargalo tributário Menção é devida a outras pessoas que tiveram destaque na forma-
a que eram sujeitas. Essas alterações foram impedidas pelos ção da empresa, tais como João da Silva Monteiro, diretor da Light,
parlamentares que se designavam como nacionalistas e a par- Maurício Bicalho, diretor da CEMIG, Mário Lopes Leão, chefe
ticipação dessas duas empresas foi sendo diluída pela renúncia do planejamento elétrico do governo de São Paulo, José Luiz
de investimentos adicionais. Bulhões Pedreira, Sérgio Otaviano de Almeida, Emerson Nunes
Coelho, Carlos Mário Faveret, José Pilz Filho, Ernani da Motta
Uma reunião em Alfenas com a comunidade local foi a antevisão Rezende, Delphim Mazon Fernandes e Jarbas Di Piero Novaes.
das atuais audiências públicas. Por Furnas participaram os enge-
nheiros Cotrim, Lyra, L. C. Barreto de Carvalho e Julival de Moraes Em reunião com o presidente JK realizada no palácio Rio Negro,
que encontraram um clima de hostilidade inédito até aquela época. em Petrópolis, foi apresentada por Lucas Lopes a estrutura orga-
Participaram da reunião que se estendeu até a madrugada muitos nizacional da empresa. A diretoria executiva seria composta por
proprietários de terras da região e advogados que os incitavam John Cotrim na presidência, Flavio H. Lyra na diretoria técnica
com o objetivo de angariar clientes em ações contra a empresa e Benedito Dutra na diretoria de administração e finanças. Além
que estava sendo constituída, bem como políticos que tinham suas desses diretores executivos, haveria diretores representando os ou-
bases na área, além do engenheiro Souza Dias, diretor da CELUSA, tros principais investidores: a Light, e os estados de Minas Gerais e
empresa de energia do estado de São Paulo, que defendia que era São Paulo. Juscelino então perguntou: “E eu? Não sobrou nada
melhor para São Paulo que investimentos fossem feitos em obras para mim aí nessa diretoria?” Lucas Lopes esclareceu: “Não temos

Figura 3 – JK e Lucas Lopes reunidos com os


indicados para diretoria de Furnas por ocasião
da constituição da companhia. Da esquerda João
Monteiro, Lucas Lopes, Juscelino Kubitschek,
John Cotrim, Flavio Lyra e Benedito Dutra

192
CINQUENTA ANOS DO COMITÊ BRASILEIRO DE BARRAGENS

Figura 4 - Flavio H. Lyra, José


Pilz Filho, piloto e convidado

Figura 6 - Delphim Mazon


Fernandes e senhora
em 1966

Figura 5 - Assis
Chateaubriand e Flavio
H. Lyra em solenidade
no canteiro de obra de
Furnas

193
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 7 - Visita do presidente Juscelino


Kubitscheck à hidroelétrica de Furnas
no início de sua obra

como mexer na diretoria, mas você tem as vagas do conselho de admi-


nistração e do conselho fiscal.” Disse então o presidente Jusceli-
no: “Ah bom, então Lucas, quero você na presidência do Conselho de
administração.” E indicou alguns nomes para compor os dois
conselhos respeitando os que, representando os investidores,
já constavam das duas relações.

Furnas conseguiu do BIRD, em outubro de 1958, um empréstimo


de US$ 73 milhões, quantia impressionante para a época, o maior
empréstimo feito pelo BIRD para um só empreendimento até
então. Os recursos em moeda nacional vieram do BNDE e do
Fundo Federal de Eletrificação. Na maior parte do tempo os Um marco importante para a engenharia hidráulica brasileira foi
residentes de Furnas na obra foram Rodrigo Mário Penna de a seleção do laboratório que deveria desenvolver os ensaios em
Andrade e Franklin Fernandes Filho. A construção seguiu um modelo hidráulico reduzido. A indicação dos projetistas era de um
projeto muito bem concebido que resultou em uma alta barragem de laboratório nos Estados Unidos, uma vez que não havia experiên-
enrocamento com núcleo de terra no leito do rio, concentrando na cia nesse setor da engenharia no Brasil para encarar os ensaios de
margem esquerda as estruturas do vertedouro e da tomada d’água. uma obra dessa magnitude. Flavio Lyra, conhecedor da capaci-
O canal de adução a essas estruturas foi escavado em cota elevada, dade do professor Theophilo Benedicto Ottoni Netto e de seus
propiciando enrocamento para a barragem. Entretanto, para se can- ex-alunos, assumiu a responsabilidade da execução dos ensaios no
didatar ao empréstimo do BIRD, foi enviado às pressas, no início Brasil pelo Laboratório Saturnino de Brito. Como o laboratório
dos estudos, um dos arranjos que estavam sendo considerados: era instalado no subsolo de um prédio situado na rua Araujo Porto
barragem de concreto gravidade, mais convencional na época, e Alegre, no Centro da cidade do Rio de Janeiro, houve a necessidade
vertedouro com seis comportas de segmento com capacidade total de se construir os modelos em área do laboratório do Departamen-
de 13.000 m³/s. Com o aprofundamento dos estudos hidrológicos to Nacional de Portos e Vias Navegáveis, situado no Caju. Esse foi
verificou-se que não seria possível a ocorrência de uma descarga o primeiro grande passo para a formação de várias gerações de
superior a 10.500 m³/s no local da barragem. O diretor técnico excelentes engenheiros hidráulicos no País.
propôs ao BIRD a eliminação de um vão do vertedouro, mas o enge-
nheiro responsável por esse empreendimento no BIRD, traumatizado Além da barragem principal e do conjunto tomada d’água e verte-
por já ter perdido uma barragem por ruptura causada por transbor- douro, o reservatório é fechado com a barragem de terra de Pium-I
damento, não aceitou que a redução fosse efetuada. Com isso, além que impede que as águas afluam para a área de drenagem do rio
dos gastos com a escavação, o concreto e a comporta do vertedouro São Francisco. Inicialmente essa barragem seria construída nas
e do acréscimo de calha desnecessários, houve inflação de capacidade cercanias da pequena cidade de Capitólio. O projeto teve que ser
de descarga nos vertedouros a jusante. mudado devido à pressão da população da cidade, revoltada com a
194
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

possibilidade de ser impactada pela obra. Entretanto, com o pas- mineiro e engenheiro Aureliano Chaves que pressionou Furnas
sar do tempo, a população verificou as muitas melhorias que Fur- para construir a pequena barragem de Boa Esperança com a fina-
nas havia introduzido em outras cidades na área do reservatório e lidade de manter o nível d’água constante em frente à cidade de
pressionou em sentido contrário para que a barragem retornasse Capitólio, um de seus redutos políticos. Durante a construção hou-
ao local originalmente selecionado para que houvesse em Capitó- ve uma ruptura da fundação em argila muito compressível, sendo
lio os benefícios propiciados às outras cidades. Tarde demais, não o vertedouro, na reconstrução da barragem, sido deslocado para
mais havia tempo para alterações. A cidade de Capitólio ficou às um local onde ocorria rocha competente.
margens do reservatório, sujeita à imagem desagradável das áreas
que afloravam quando o reservatório era deplecionado. Cerca de
vinte anos após o reservatório ter sido formado, assumiu a vice-
Figura 8 - Vista aérea de Furnas nos primeiros anos de operação.
presidência da República e o Ministério de Minas e Energia o político
A montante do canal de acesso à tomada d’água e ao vertedouro,
o morro dos Cabritos em fase inicial de erosão.

195
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

A respeito da barragem de Pium-I um episódio interessante sido liberado quando Flavio Lyra, que vinha atrás em outro carro,
ocorreu muitos anos depois de sua construção. O governo Fer- disse para o guarda abrir a cancela. Quando foi impedido de en-
nando Henrique Cardoso se propunha privatizar o setor elétrico trar, John Cotrim disse para o guarda: “Eu sou o Cotrim”. O guarda,
estatal federal, inclusive a usina de Furnas. O ex-presidente que não conhecia o presidente da empresa e seguindo instru-
Itamar Franco, na época governador de Minas Gerais, apesar de ter ções disse: “Nem Cotrim nem Delphim, aqui não pode entrar ninguém.”
iniciado o programa de grandes privatizações quando era presiden- Perto das 24 horas, Flavio Lyra com um megafone começou a
te, com a bem sucedida privatização da CSN, se colocou frontal- comandar o fechamento dos dois túneis de desvio. A operação
mente contrário à privatização do setor elétrico, principalmente de ocorreu com sucesso. Ainda não havia amanhecido quando chegou
Furnas, concessionária de várias hidroelétricas em Minas Gerais, na portaria um oficial de justiça com um mandato para impedir
a começar por Furnas. No seu esforço político contra a privatização, o fechamento do reservatório. Depois de perder muito tempo na
mobilizou uma força policial para a região de Pium-I com equi- operação padrão da portaria, o oficial de justiça entregou o man-
pamentos de terraplanagem e ameaçou abrir a barragem fazendo dato. Flavio Lyra disse a ele que ele havia chegado tarde pois não
com que as águas do rio Grande represadas pela barragem de havia mais qualquer possibilidade física de retirar as comportas
Furnas fossem afluir para a bacia do rio São Francisco. Ao adotar que já estavam com bem mais de 20 m de água sobre elas. O oficial
essa inédita postura afirmava que por ser engenheiro, saberia efe- de justiça se retirou, John Cotrim também saiu no meio da manhã.
tuar essa sabotagem com eficiência. A derivação do rio Grande, Flavio Lyra ficou na obra para acompanhar o desempenho do fe-
se realmente executada, prejudicaria enormemente todas as usinas a chamento. No meio do dia chegou na obra o então governador de
jusante de Furnas, três das quais concessões da CEMIG. A pressão Minas Gerais, Magalhães Pinto, que, ou comprometido com o
política foi grande e a privatização de geradoras do setor elétrico mandato de segurança acima mencionado ou querendo ter colhi-
nessa fase se limitou à Eletrosul. do dividendos políticos na operação de fechamento, passou uma
descompostura no diretor presente, Flavio Lyra, que aguentou
Voltando aos anos sessenta. Como havia oposição ao empreendi- firme tal estupidez. Tempos depois, por ocasião da inaugura-
mento mesmo depois dele já consolidado, o fechamento do reserva- ção da usina, já sem problemas de oposição ao empreendimento,
tório foi sigilosamente programado para o dia 9 de janeiro de 1961. o governador Magalhães Pinto foi convidado junto a outros governa-
No dia anterior membros da diretoria se deslocaram para a obra. dores, ministros e demais autoridades.
O avião de Furnas não pôde decolar do aeroporto Santos Dumont.
Foi acionado um avião da Líder que costumava fazer o trajeto Poucos dias depois começou o pesadelo na execução dos plugues
entre Rio e Furnas. O piloto que naturalmente acompanhava as dos dois túneis de desvio. Em cada um dos dois túneis, quando os
atividades de construção, vendo os VIPs congregados no avião, plugues estavam quase concretados, ocorreram explosões que acar-
comentou que deveria ser para o fechamento do reservatório. retaram acréscimos substanciais e crescentes de vazão que indicavam
Esse ingênuo comentário fez com que Cotrim entrasse em de- que alguma coisa havia colapsado no túnel, na parte a montante
sespero dizendo que a operação já era do conhecimento geral. dos plugues. Após extensos trabalhos, os vazamentos foram con-
O piloto afirmou que ele não sabia de nada e que apenas supôs trolados pela colocação de tetrápodos, enrocamento grosso, enroca-
que o fechamento do reservatório iria ocorrer vendo quem eram mento fino, areia e argila, nessa ordem, a montante das comportas
os passageiros no avião. Na guarita da obra foi montado um esque- de desvio. Essa longa operação para solucionar o mais importante
ma do tipo operação padrão para impedir ou retardar ao máximo acidente que até então havia ocorrido em obras no País fez com
a entrada de qualquer pessoa estranha. O esquema funcionou muito que o engenheiro Flavio Lyra, ao final desse período tivesse fi-
bem, pois até o carro que conduzia o Cotrim foi barrado, só tendo cado grisalho. Na conclusão dos serviços, o engenheiro Franklin
196
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Fernandes Filho, ao adentrar num túnel com outras pessoas, viu Apesar do importante acidente nos túneis de desvio, a usina e
uma delas cair. Foi então descoberta a causa das explosões: mistura seu sistema de transmissão associado entraram em operação como
de oxigênio com gás metano acumulado nos túneis, proveniente programado, tendo salvado o estado de São Paulo de uma concreta
da decomposição de matéria orgânica da área do reservatório. ameaça de forte racionamento. Nessa ocasião eram impressionantes
as fotografias dos reservatórios em São Paulo completamente deple-
Com a elevação do nível d’água na área do reservatório, houve cionados, principalmente os da São Paulo Light, com barcos enca-
efetiva colaboração das Forças Armadas na retirada de algumas pes- lhados na lama do fundo dos reservatórios. A usina foi inaugurada
soas que, embora avisadas, permaneciam na área que estava sendo pelo presidente Castelo Branco em 12 de maio de 1965.
alagada. Centros urbanos como a cidade de Guapé e a vila de
São José da Barra haviam sido reconstruídas com melhores habita- Como consultores internacionais para o projeto e a obra, Furnas
ções e equipamentos urbanos às margens do reservatório. Entretanto, contou com o canadense Richard L. Hearn, o austríaco Arthur
naquela vila, por exemplo, havia um habitante que teimava em Casagrande e o americano Portland Port Fox.
permanecer na casa que já havia sido comprada e paga por
Furnas. Dizia ele que “nem a cheia de 1930 trouxe água até aqui e Muitos anos se passaram e a encosta do morro dos Cabritos,
não será essa tal de Furnas que fica a léguas de distância, que vai quase frontal à barragem apresentava constante e acelerada erosão
trazer água até a minha roça. Se a água vier até aqui eu bebo ela com desplacamento de material. Um desses desplacamentos cau-
todinha.” Teve que ser tirado à força. sou uma onda que incidiu contra a barragem. Com o progresso da
erosão foi se formando um grande monólito que, se incidisse no
Cenas como essas não eram incomuns na época. A Companhia reservatório poderia, de acordo com o modelo hidráulico reduzi-
Paulista de Força e Luz, do grupo AMFORP, para a visualização do, provocar uma onda de até 30 m sobre a barragem. Toda a área
dos residentes antes do fechamento do reservatório de Peixoto, instável foi então removida.
hidroelétrica anterior e a jusante de Furnas, fincou estacas brancas
de madeira em diversos pontos onde a linha d’água iria atingir A Companhia Paulista de Força e Luz detinha a concessão do
quando da formação do reservatório. Na última hora foi reporta- aproveitamento hidroelétrico de Estreito situado no rio Grande
do que ainda havia um teimoso na área do reservatório. Aos que a jusante da usina de Peixoto. A partir de acordo entre as duas com-
lá foram ter com ele, foi dito: “Seu Doutor, o senhor não garan- panhias, a concessão foi transferida para Furnas que, naquela época,
tiu que as águas iriam subir até a estaca branca?” Após a resposta 1965, estava mais bem estruturada para executar a construção.
afirmativa, ele acrescentou: “Pois assim seja. Eu peguei a estaca e A obtenção dessa concessão foi obtida graças ao elevado desempe-
finquei ela lá em baixo.” nho da empresa na construção de Furnas e quebrou a orientação
governamental de que Furnas se limitaria à implantação da usi-
O projeto e a obra de Furnas foram executados com grande sucesso. na de Furnas e à sua operação. Mais uma vez houve uma corrida
A regularização promovida pelo reservatório beneficiou sobremodo contra o tempo para que a usina de Estreito entrasse em opera-
os potenciais a jusante propiciando a ampliação da capacidade insta- ção para evitar colapso no suprimento de energia elétrica à Região
lada de Peixoto (Mascarenhas de Moraes) e viabilizando os muitos Sudeste. A barragem de enrocamento com núcleo de terra fe-
e grandes aproveitamentos a jusante que foram todos construídos cha o vale e as estruturas do vertedouro com capacidade de
até Itaipu com exceção de Ilha Grande no rio Paraná que, apesar de 12.950 m³/s e da tomada d’água foram implantadas cada uma em
ter tido iniciadas as obras, não foi construída por ter sido criado um uma das margens, ambas com largos canais de acesso que pro-
parque nacional na área que seria o reservatório. piciaram os enrocamentos necessários à barragem. Nessa obra
197
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 9 – John Cotrim, presidente Castelo Branco


e ministro Mauro Thibau em visita a Estreito

foi usado pela primeira vez no País rigoroso plane-


jamento e controle de construção em PERT/CPM
permitindo que a obra tivesse controle de prazos.
A usina, com capacidade final de 1050 MW (duas
unidades foram montadas em segunda fase) entrou
em operação antes da data programada, em 1969,
a tempo de se evitar uma crise de suprimento de
energia em toda Região Sudeste.

O rio Paraíba do Sul após a cidade de Cruzeiro (SP)


passa a apresentar gradientes progressivamente
mais acentuados até pouco a montante da cidade
de Itatiaia (RJ) onde se localizavam três corredeiras
que despertaram o interesse da Estrada de Ferro
Central do Brasil e da Light, ambas tendo desen-
volvido estudos preliminares. No final dos anos 50
foi criada a CHEVAP, empresa estatal destinada a
desenvolver os aproveitamentos no Vale do Paraí-
ba. Consta que a diretoria abrigava indicações dos
governos dos estados da Guanabara, Rio de Janei-
ro, São Paulo e de Minas Gerais além do governo
federal. Naquela época esses governos eram de
diferentes correntes políticas, o que pode ter
gerado ineficiência de gestão, principalmente
quando comparada à eficiência demonstrada por
Furnas. A Eletrobras assumiu a construção da hi-
droelétrica de Funil e, no ano seguinte, em 1967,
transferiu essa responsabilidade a Furnas. Nessa
época apenas sete dos dezessete blocos da bar-
ragem principal haviam sido concretados, sendo
que o mais elevado não ultrapassava a cota do
piso dos geradores. A barragem de Nhangapi, na
Figura 10 – Ministros Mauro Thibau e Roberto Campos, John Cotrim e época a segunda maior barragem de terra do País,
presidente Castelo Branco na inauguração da usina hidroelétrica Estreito também estava com considerável atraso. Furnas
198
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Figura 11 – Luiz aplicou um verdadeiro choque de gestão e iniciou a geração


Carlos Barreto comercial em dezembro de 1969. A barragem principal com altura
de Carvalho
de 85 m permanece sendo a única barragem em abóbada no
País, tendo tido excelente desempenho. Presentemente a usina
com 210 MW instalados é também e principalmente usada como
elemento de regularização de vazões e de controle de cheias, assim
como as usinas e os reservatórios de Paraitinga/Paraibuna,
Santa Branca e Jaguari, situados a montante. Por ocasião da maior
cheia registrada no rio Paraíba do Sul, ocorrida em fevereiro de
2000, o reservatório de Funil amorteceu totalmente a cheia afluente,
beneficiando as cidades a jusante. Entretanto, esse eficiente contro-
le de cheias tem feito com que o leito secundário do rio, por falta
de inundações periódicas, venha sendo ocupado por construções
irregulares e até por instalações da Prefeitura de Resende.

Episódio pitoresco ocorreu a partir das primeiras investigações


realizadas no local da barragem. Um místico chamado Savananda que
se assemelhava a um guru indiano e residia em Resende, portanto

Figura 12 - Barragem de Funil

199
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 13 - Usina hidroelétrica


de Porto Colômbia

a jusante do local da barragem, afirmava que a barragem iria romper seriam de pouca expressão as áreas a serem inundadas no vale do
causando um desastre sem precedentes. A barragem não rompeu. rio Pardo. Ao serem iniciados os estudos de campo, o prefeito da
Entretanto, muitos anos depois, após a cheia de 2000, o autor por aca- pequena cidade de Guaira, julgando que a inundação das terras do
so esteve em ponto remoto do reservatório e verificou que estava se seu município seria grande, capitaneou um movimento de oposição à
desenvolvendo uma grande vossoroca que se formava a jusante de alternativa de barragem a jusante da foz do rio Pardo. O movimento
uma estreita sela topográfica. Foi produzida vasta documentação fo- conseguiu que, numa solenidade em Jupiá, o ministro Costa Caval-
tográfica enviada ao engenheiro Erton Carvalho, na época chefe do canti das minas e energia, afirmasse que a usina de Porto Colômbia
Departamento de Engenharia Civil, que providenciou a devida seria implantada a montante da foz do rio Pardo. Poucos dias de-
correção, paralisando o desenvolvimento da vossoroca. pois, diretores e assessores de Furnas mostraram a conclusão dos
estudos que demonstrava que a inundação no vale no rio Pardo seria
Em 1968, Furnas recebeu as concessões de Porto Colômbia e muito menor do que estava sendo alardeada. O ministro afirmou que
Marimbondo, ambas situadas no rio Grande entre São Paulo e “palavra de ministro não volta atrás.” Até a presente data (maio de 2011)
Minas Gerais. No inventário realizado pela Canambra o aproveita- cerca de 25 milhões de megawatts hora deixaram de ser economica-
mento de Porto Colômbia foi situado pouco a montante da foz do mente gerados. Após a decisão do ministro, Flavio Lyra propôs que
rio Pardo no rio Grande. O rio Pardo contribui com cerca de 30% o reservatório de Marimbondo, situado a jusante, pudesse amortizar
da descarga média do rio Grande. Os primeiros estudos de Furnas as cheias do rio Pardo por elevação de seu nível d’água acima do nível
visaram o confronto do arranjo do inventário com uma alternati- máximo normal por ocasião da afluência das cheias. Essa operação
va de projeto situada logo a jusante da confluência dos dois rios. não pode ser efetuada devido à interferência da ponte Gumercindo
Além do considerável acréscimo de energia gerada em Porto Colôm- Penteado sobre o rio Grande entre as cidades de Planura e Colômbia.
bia, a alternativa propiciava uma pequena regularização das vazões A construção e montagem da usina foram feitas sem maiores proble-
do rio Pardo que beneficiaria todas as usinas a jusante. A usina de Por- mas. A usina entrou em operação no dia 29 de junho de 1973, cinquenta
to Colômbia é de queda modesta, pouco superior a 20 m, e, portanto, e um dias antes do inicialmente programado.
200
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

A hidroelétrica de Marimbondo foi implantada em paralelo com e a usina foi inaugurada em 28 de maio de 1976, dentro do previs-
Porto Colômbia, mas com ligeira defasagem. No local de Marim- to na programação. Porto Colômbia com 320 MW e Marimbondo
bondo havia a primeira usina de Marimbondo, implantada pelo com 1440 MW foram as últimas usinas de Furnas no rio Grande.
governador de São Paulo Armando de Salles Oliveira em 1928
com 8 MW instalados. A usina aproveitava parte das descargas do A concessão seguinte foi o aproveitamento de Itumbiara, palavra
rio Grande no seu braço esquerdo. Ao inaugurar essa usina, a pers- indígena que significa o caminho da cachoeira. Assim que foram
pectiva era de que essa usina supriria de abundante energia todo iniciados os estudos, Flavio Lyra recomendou que fosse estudada
interior paulista na região de influência de São José do Rio Preto uma alternativa de projeto que englobasse a usina prevista a mon-
até o Século XXI. A antiga usina foi adquirida por Furnas, sendo tante pelo inventário da Canambra. Essa alternativa teria barragem e
desativada após a construção da barragem da margem esquerda. reservatório muito ampliados. Apesar das análises energéticas e
A nova usina que começou a ser construída 30 anos antes da virada econômicas internas não terem recomendado essa alternativa,
do século, tem potência 175 vezes superior à antiga usina de 1928. ela foi selecionada para construção. Logo a seguir dessa decisão,
As obras que transcorreram sem atropelos, foram iniciadas em 1971 após o primeiro choque do petróleo ocorrido no final de 1973,

Figura 14 – Usina hidroelétrica de Marimbondo

201
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 15 - Usina
hidroelétrica de
Itumbiara

nova análise energética e econômica revelou que essa alternativa final de 1973 e, em 1980 as primeiras unidades geradoras entraram
adotada era muito mais viável do que a do inventário. em operação comercial dentro da programação original.

Na implantação de Itumbiara, pela primeira vez, foi ultrapassado o Em 1981, Furnas recebeu a concessão do aproveitamento do alto
índice de 90% de nacionalização nos equipamentos permanentes. rio Tocantins em trecho que havia sido estudado inicialmente
Essa marca foi muito importante para a indústria porque nas últi- pela CELG e posteriormente pela ELETRONORTE, tendo sido
mas duas décadas do século passado o País vivenciou forte recessão, definido um aproveitamento designado como São Felix. Furnas
o setor elétrico não sendo exceção. Nessa época as indústrias de instituiu um concurso/concorrência entre empresas consultoras,
bens de capital, baseada no desenvolvimento que experimentou nas sendo que pelo menos duas recomendaram a adoção de um
décadas anteriores, pode se lançar com vigor ao mercado externo eixo a montante do local de São Felix, denominado Serra da Mesa,
obtendo resultados compensadores. Em Itumbiara foram ultrapas- com excepcionais características geológicas, muito superiores às
sados os recordes de concretagem anteriores e foram instaladas do local de São Felix. Os estudos conduziram a uma barragem de
as maiores turbinas já fabricadas até então. A obra foi iniciada no enrocamento com núcleo de terra com 154 m de altura represando
202
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Figura 16 – Arthur Casagrande e Guy Bordeaux Figura 17 – Arthur Casagrande, Agenor Antônio Bailão Galletti,
na área de empréstimo de Itumbiara João Alberto Bandeira de Mello e Don Deere inspecionando a
barragem de Itumbiara

54,4 bilhões de metros cúbicos que possibilitam a utilização de


43,24 bilhões de metros cúbicos de volume útil para efeitos de regula-
rização de descargas. A elevada qualidade do granito do local permitiu
a adoção de casa de força subterrânea abrigando três unidades de 431
MW cada na margem esquerda e desvio por dois túneis escavados na
margem direita. Essa foi a primeira usina em que Furnas se associou
a uma empresa privada, no caso inicialmente ao grupo do Banco Na-
cional. Em 1988 foram executadas as ensecadeiras de terra e rocha
que permitiram, no mesmo ano, a construção de duas ensecadeiras de
concreto compactado com rolo com 25,5 m e 16,5 m de altura com o
objetivo de permitir a passagem de cheias no período construtivo sem
danificar o aterro da barragem que seria executado. As ensecadeiras e
a parte da barragem construída foram galgadas por cinco vezes por
descargas de até 6.571 m³/s, com tirantes de água de até 12,4 m. A re-
cessão acima referida e a falência do Banco Nacional fizeram com que
Figura 18 - Os consultores Don Deere e Arthur Casagrande em
a obra fosse paralisada de 1990 a 1994. A usina foi concluída em 1997. Itumbiara com o engenheiro Ludgero Pimenta de Ávila
203
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Em paralelo à construção de Serra da Mesa, Furnas implantou a a Furnas para examinar a partição de quedas do rio. Atenção
usina hidroelétrica de Corumbá sobre o rio Corumbá em Goiás especial foi dedicada à preservação das águas termais da região
com potência instalada de 375 MW. A barragem de enrocamento de Caldas Novas.
com núcleo de terra teve também na sua construção ensecadeiras
galgáveis, estas de terra e rocha. No Século XXI Furnas passou a atuar com frequência associada a
empresas privadas para implantação de novas hidroelétricas como
A obra começou a ser implantada pela CELG e interrompida reportado por Márcio Porto nesse livro.
em dezembro de 1982. No ano seguinte a Eletrobras solicitou

Figura 19 - Usina hidroelétrica de Serra da Mesa

204
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Figura 20 - Usina hidroelétrica


de Corumbá

Referências
Carvalho, E. – Barragem da Usina de Serra da Mesa, Desvio do Miguez de Mello, F. _ O Aproveitamento Hidroelétrico de Porto
Rio, Ensecadeiras Galgáveis – Desvio de Grandes Rios Brasileiros Colômbia – Construção Pesada n° 27, 1973
– CBDB, 2009 Miguez de Mello, F. – Grandes Barragens Brasileiras – Construção
Cotrim, J.R. – A História de Furnas das Origens à Fundação da Pesada n° 47, 1975
Empresa – Comitê Brasileiro do Conselho Mundial da Energia, 1994 Miguez de Mello, F. – General Paper – XIII International Congress on
Lyra, F.H. et al. – Furnas Hydroelectric Scheme, Closure of Diversion Large Dams, 1979
Tunnels – Institution of Civil Engineers, 1967 Porto, M.A.A. et al. – A Nova Face das Empresas Estatais Frente
Miguez de Mello, F. – O Aproveitamento Hidroelétrico de Itumbiara à Expansão da Oferta de Energia Elétrica no País – A História
– Construção Pesada n° 26, 1973 das Barragens no Brasil – CBDB, 2011

205
Usina Hidroelétrica de Tucurui
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

A Eletronorte e as Barragens
da Região Amazônica
Alexandre Magno Rodrigues Accioly,
Alvaro Lima de Araujo e Humberto Rodrigues Gama

A história da Eletronorte, resumida nas linhas que se seguem,


não será contada de forma linear. Optou-se por descrever alguns
fatos relacionando-os aos grandes eventos e obras que marcaram a
empresa entremeados por comentários dos tempos atuais. Hoje o
nome da empresa é Eletrobras Eletronorte, mas neste histórico, será
simplesmente Eletronorte.

A Eletrobras anunciou a intenção de construir a usina Tucuruí,


baseada em estudos do Comitê Coordenador de Estudos Ener­
Figura 1 - Cel. Llano recebendo o presidente géticos da Amazônia (Eneram) que havia sido criado em 1968,
João Figueiredo em Tucuruí
no governo Costa e Silva.

O início Para isso, em 20 de junho  de 1973, foi criada a Centrais Elétricas


do Norte do Brasil S.A. –  Eletronorte, sociedade anônima de
Estávamos na época do chamado Brasil Grande depois que, economia mista e subsidiária da Centrais  Elétricas Brasileiras S.A.
em 1964, os militares assumiram o poder e deram grande impulso – Eletrobras, como  concessionária de serviço público de energia
às obras de infraestrutura no País. elétrica com sede em Brasília no Distrito Federal.

Os saudosos tempos das marchinhas de carnaval bem humoradas, Embora a engenharia nacional, na época, já tivesse em seu cur­
mas bastante críticas, mostravam a situação que havia no País rículo importantes obras tanto em porte quanto em quantida­
antes desse impulso, como neste trecho de uma delas, “Rio de de, a Eletronorte já nasceu com o duplo desafio de constituir a
Janeiro, cidade que me seduz, de dia falta água, de noite falta luz”. empresa propriamente dita e, ao mesmo tempo, construir o maior
projeto inteiramente nacional: a usina de Tucuruí.
Encampando a ideia do presidente Juscelino, os governos da épo­
ca incentivaram a marcha para o oeste, assim incluindo o norte A presidência da empresa coube ao Cel. Raul Garcia Llano (Fi­
do Brasil, mais precisamente a Amazônia. Era o início da inte­ gura 1), nome que se confunde com a própria Eletronorte, pois
gração do Brasil como um todo, caminhando para o que hoje, foi sua capacidade empreendedora que consolidou a empresa
em 2011, podemos perceber. executando Tucuruí e outras obras a serem relatadas adiante.
207
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

A concessão para a construção de Tucuruí foi outorgada à Eletro­ canalões de até 40 m abaixo do nível do mar. Logo, em alguns
norte, pelo decreto 74.279 em julho de 1974. A usina foi concebida trechos, a barragem chegou a ter quase 120 m de altura.
para ser construída em duas etapas, sendo o último aproveitamento
hidrelétrico antes da foz do Tocantins, distando aproximadamen­
te 300 km de Belém, capital do Estado do Pará. Para viabilizar
A execução da obra de Tucuruí
a produção de tamanha quantidade de energia, o projeto foi as­
Não bastasse o porte do rio Tocantins quanto à largura
sociado ao fornecimento de energia para indústrias de alumínio
(mais de 2 km) e vazões (média de longo termo da ordem de
eletrointensivas, Albrás e Alumar, que garantiriam o consumo
11.000 m³/s e picos de mais de 40.000 m³/s registrados até
de boa parte da produção.
então), a Amazônia, naqueles tempos, era uma região carac­
terizada por inóspitas florestas tropicais com quase nenhuma
A primeira missão infraestrutura.

O batismo de fogo da empresa, como já dito anteriormente, Isso tornava o desafio importante, especialmente em termos
foi a usina de Tucuruí. logísticos. Enfim, era um empreendimento caracterizado pelo
pioneirismo em vários aspectos.
Esta obra foi concebida para ser construída em duas etapas,
inicialmente com a instalação de 12 unidades geradoras princi­ A Eletronorte formou seus primeiros quadros buscando, em
pais, cada uma com 350 MW de potência nominal, e mais duas boa parte, profissionais egressos da Cemig. Foi assim que
unidades auxiliares com 22,5 MW de potência nominal cada, vieram para a empresa os engenheiros Geraldo Afonso Pra­
totalizando uma potência instalada de 4.245 MW. A usina tes, Berilo Mamoré Pereira Belo, Érico Bittencourt de Freitas,
teria, na segunda etapa, mais 11 unidades de 375 MW totalizando Humberto Rodrigues Gama, José Antônio da Silveira, João
8.370 MW de potência instalada. Eduardo de Moura Guido, José Augusto Pimentel Pessoa,
o topógrafo Geraldo Magela Barbosa, entre outros.
O vertedouro da usina, projetado e construído para a vazão de
110.000 m³/s era o maior do mundo na ocasião. Do tipo vertedouro Curiosamente, a decisão de maior significado daquela fase,
em salto de esqui, previa o descarregamento de toda essa energia a que determinaria o local exato da barragem, foi posterior­
ao pé da própria obra. As vazões específicas adotadas foram pionei­ mente tomada num ambiente muito mais bucólico do que
ras e ousadas. Embora ainda não tenha sido testado para os limites técnico. À sombra de uma grande árvore da margem esquerda
de vazão, a evolução do desempenho do vertedouro vem correspon­ do rio, o diretor técnico da Eletronorte, Dário Gomes (Fi­
dendo às previsões do modelo hidráulico reduzido. gura 2), reuniu os futuros comandantes da obra, consultores
brasileiros e estrangeiros contratados para assessorá-lo, e a
A vazão de desvio de 51.000 m³/s exigiu a construção de 40 adufas alta diretoria executiva das empresas escolhidas para o proje­
sob o vertedouro, cada uma com 6,5 m de largura por 13 m de altura, to e a construção de Tucuruí. Depois de longa confabulação,
para funcionar com uma carga de 32 m. eles localizaram precisamente, na carta elaborada pelos
topógrafos, as duas pontas de terra separadas por quase dois
A cota de coroamento da barragem de terra seria de 78 m acima quilômetros de água revolta entre as quais seria feito o
do nível do mar sendo que, em alguns trechos do leito do rio havia barramento do Tocantins.
208
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Figura 2 - Engenheiro Dário Gomes na cabeceira


da mesa em reunião no escritório da vila pioneira

Figura 3 - Da direita para a esquerda:


o 2º, Érico Bittencourt de Freitas,
Geraldo Afonso Prates,
o 5º Fausto Cesar Vaz Guimarães,
sr. Sebastião Camargo,
o 8º, Cel. Llano e o último,
Sebastião Florentino da Silva
durante celebração do lançamento
da 1ª caçamba de concreto
em Tucuruí

O principal obstáculo à construção do novo


complexo residencial de apoio às obras da
usina foi o isolamento de Tucuruí. Transpor­
tes, comunicações, energia elétrica confiável e
saneamento básico não existiam. Nesse am­
biente foi construída, em 1975, a ensecadeira
de primeira fase do desvio do rio, marcando o
início dos trabalhos de terraplenagem. Somente
dois anos depois, em 1977, seriam efetivamente
começadas as obras civis.

Durante o período de trabalho mais intenso, o


que marcou o início das obras civis, uma mul­
tidão de mais de 30.000 pessoas enxameava
em torno do canteiro da obra. Era um grupo
heterogêneo, que tivera de ser recrutado em
locais próximos, sem nenhuma experiência,
e que precisou ser treinado para as tarefas
específicas de uma construção. e a barragem seriam assentadas sobre a rocha do fundo do rio, foi feito em 1975.
Mas somente quando as obras civis foram efetivamente iniciadas, em 1977 (Figura 3),
O primeiro desvio do Tocantins, para ensecar a Amazônia começou a revelar aos pioneiros o tipo de dificuldades que eles podiam
a superfície em que as estruturas de concreto esperar no futuro imediato.
209
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

por piping inundando o trecho de jusante da obra. Essa ruptura


causou danos materiais relativamente pequenos, visto que o mo­
nitoramento das estruturas detectou em tempo hábil o problema
possibilitando a retirada de pessoas e equipamentos. Além disso, a
área afetada permaneceu pouco tempo inundada porque o acidente
ocorreu ao final da cheia.

Outro fato relevante foi que, durante a construção, ocorreram três


das quatro maiores cheias do histórico, inclusive a maior de todas,
em 1980, que alcançou 68.400 m³/s contra uma vazão de projeto
de desvio de 51.000 m³/s. Contudo, a capacidade técnica e in­
tegração das equipes de projeto e principalmente de construção
possibilitaram atravessar esse imprevisto sem maiores transtornos.

As obras de concreto e terra na área ensecada já estavam adiantadas


quando, em março de 1980, o rio Tocantins teve um verdadeiro acesso
Figura 4 - Sebastião Camargo e Osório Ferrucci,
da Camargo Corrêa, construtora de Tucuruí de mau humor. O rio estava desviado por ensecadeiras e a tempora­
da de chuvas mais copiosas já parecia ter chegado ao fim. Mas, nos
dias 2 e 3 daquele mês, o sistema de previsão de vazões a partir da
Também entre os primeiros a entrar no grande palco que o governo leitura das réguas linimétricas a montante da obra, revelava uma situa­
montara em plena selva para a encenação da primeira grande aventura ção inquietante. O céu carregado e a cheia, que já ultrapassara o nível
tecnológica na Amazônia, estava Osório Ferrucci (Figura 4), que ficou da maior enchente observada em 1926, ameaçavam as ensecadeiras
na memória do alto comando técnico da obra como uma espécie de que protegiam as obras em construção.
marco do empreendimento. Ele era funcionário da Camargo Corrêa
desde 1947 e, segundo seus companheiros em Tucuruí, a única voz que Os homens do alto comando da obra, Érico Bittencourt de Freitas,
Sebastião Camargo, o lendário capitão da grande empreiteira, ouvia Humberto Gama, Osório Ferrucci, José Armando Del Greco Peixoto,
sem contestar. Por coincidência, o residente da Eletronorte também Luiz Fernando Rufato, José Antônio da Silveira, Gilson Nakamura e
se chamava Osório Correa Neto, que foi substituído em 1977 pelo mais um punhado de executivos sabiam muito bem o que aconteceria
engenheiro residente Érico Bittencourt de Freitas responsável pela se a água que chegava a perigosos 15 centímetros do topo da enseca­
condução da obra até 1982 quando passou a gerente do Departamen­ deira conseguisse galgá-la. O Tocantins levaria por água abaixo equi­
to de Construção da Eletronorte, tendo sob sua responsabilidade as pamentos e materiais. Sobretudo, afogaria cinco anos do trabalho de
demais obras além de Tucuruí. dezenas de milhares de homens e uma considerável fatia do orçamento
da Eletronorte. Por isso, às ordens dos chefes, os encarregados de
O desvio do rio foi um dos grandes desafios superados apesar das turmas convocaram seus homens para enfrentar o problema.
adversidades. Entre elas, as condições do leito do rio, com vários
canalões muito profundos, um com até 40 m abaixo do nível do Ser viços de alteamento e proteção das ensecadeiras foram
mar, preenchidos com material aluvionar e seixos rolados que difi­ feitos com sucesso durante dez dias de trabalho ininterrupto
cultaram a execução das ensecadeiras, vindo uma delas a se romper sob violento estresse.

210
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Finalmente, na manhã do décimo dia da operação, a água O projeto contou, ainda, com um board internacional de consulto­
parou de subir. As ensecadeiras haviam sido alteadas em três res composto por James Libby, Don Deere, Victor F.B. de Mello,
metros e o nível d’água alcançara dois metros acima do topo da Nelson Souza Pinto, Milton Vargas e Flavio H. Lyra.
ensecadeira original. O episódio ficou poeticamente conhecido
como “águas de março”. A superação dessa ocorrência excepcional Por conta de sua formação e gosto pessoal, o engenheiro Balança
em 1980 foi fundamental para a equipe concluir a construção se interessava pessoalmente pelos estudos hidráulicos em modelo
de Tucuruí com êxito. reduzido de Tucuruí realizados pelo Hidroesb – Laboratório
Hidrotécnico Saturnino de Brito SA, no Rio de Janeiro. Somente
O projeto da usina foi desenvolvido pelo Consórcio Engevix-The­ para corroborar comentários anteriores sobre as dimensões do
mag tendo pelo lado da Engevix o comando do engenheiro francês empreendimento, a equipe de engenheiros que operava o mode­
radicado no Brasil André Jules Balança, presidente da empresa e lo e não tinha elementos de comparação com outros projetos,
detentor de profundos conhecimentos de hidráulica adquiridos percebeu claramente que “aqueles senhores (Balança e sua equipe)
na sua formação em Grenoble e na experiência iniciada no Brasil na mesmo com toda a experiência mostravam uma preocupação excepcional com o
construção de Paulo Afonso da CHESF. projeto”. Mais tarde, essa equipe iria compreender a dimensão de sua
primeira experiência.
Na Eletronorte, o gerenciamento do projeto foi feito pelos en­
genheiros João Eduardo de Moura Guido (civil), João Ângelo O engenheiro Fausto César Vaz Guimarães, sucessor do engenhei­
Casagrande (mecânico) e Leôncio Gotti (planejamento). ro Dário Gomes na Diretoria Técnica da Eletronorte, e que era

Figura 5 - Os consultores examinando


os testemunhos de sondagem. Da esquerda
Don Deere, James Libby e Milton Vargas

211
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

responsável pelas construções, imprimia seu dinamismo aos em ritmo normal. O engenheiro Kerman José Machado assu­
trabalhos contagiando toda a equipe envolvida no empreendimento. miu a Diretoria Técnica e o engenheiro Érico Bitencourt de
Freitas foi empossado chefe do Departamento de Construção,
Em 1982, quando a Eletronorte construía simultaneamente com então condutor dos três empreendimentos Tucurui, Balbina e
Tucuruí, as usinas de Samuel em Rondônia e Balbina no Amazonas, Samuel. A chefia da obra de Tucuruí foi assumida pelo engenheiro
justamente em momento festivo de conclusão do desvio de Samuel, Humberto Rodrigues Gama.
houve um grave acidente aéreo que causou a morte dos diretores
da Eletronorte Fausto César Vaz Guimarães (diretoria técnica) e O enchimento do reservatório teve início em setembro de 1984,
Jayme Barcessat (diretoria de Suprimentos) e do chefe do Departamento atingindo a cota 72,00 m, nível máximo normal, em março de 1985.
de Construção, engenheiro Geraldo Afonso Prates. Entretanto, a usina foi inaugurada pelo Presidente da República
João Figueiredo em 22 de novembro de 1984, com duas unidades
Nesta etapa, a Eletronorte já contava com funcionários dos de 350 MW em operação comercial. A Figura 6 dá idéia da dimen­
mais diversos rincões do país chamados para auxiliar nas tare­ são do estator de uma forma lúdica muito bem compreendida pelo
fas da empresa e, apesar da importante perda, a obra continuou brasileiro em geral.

Figura 6- Jogo de futebol


de salão dentro do estator
de uma máquina da
primeira etapa

212
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

O coronel Raul Garcia Llano, grande incentivador do


empreendimento, por conta do destino não chegou
a ver concluída a obra que hoje tem seu nome.

A motorização da primeira etapa foi concluída em 1992.

Posteriormente, o nível máximo normal operacio­


nal foi elevado para a cota 74,00 m. Essa elevação
aumentou a área de inundação de 2.875 km² para
3.007 km², porém, com um ganho de energia firme
de 109 MW.

Em junho de 1998 as obras de expansão de Tucuruí


foram autorizadas e iniciadas. As obras de terra­
plenagem e escavação em rocha foram concluídas
no ano de 2002. A unidade geradora 13 (Figuras
7, 8 e 9) teve sua montagem concluída no final de
novembro de 2002, estando em operação comercial
desde abril de 2003.

Figura 7 - Descida do estator da unidade 13 em 3 de maio de 2002

Figura 8 - Equipe com o José Antônio Muniz, presidente da Eletronorte, Figura 9 - Presidente da República Fernando Henrique Cardoso,
ao centro, tendo ao seu lado esquerdo Adailton de Sousa Pinto, José Antônio Muniz (presidente da Eletronorte) e governador
residente da obra da segunda etapa de Tucuruí celebrando a descida do Pará, Almir Gabriel em visita às obras da segunda
do estator da unidade 13 etapa de Tucuruí.
213
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

A unidade 23 entrou em operação em julho de 2006, totalizando Tucuruí tem hoje os maiores contratos de fornecimento de energia elé-
8.370 MW de potência instalada. O mercado principal de Tucuruí trica em bloco do mundo, com as indústrias do alumínio Albrás e Alumar.
é o sub-mercado Norte de energia que abrange os estados do Pará,
Maranhão e Tocantins, e é segmentado em prestadores de serviços Em 2011, foi concluída a eclusa constituída de duas câmaras que
públicos de energia elétrica e indústrias eletrointensivas. vencem um desnível de cerca de 68 m e são separadas por um ca­

214
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

nal intermediário. Essa obra é fundamental para a implantação da dem de 59.400.000 m³ e o volume de concreto utilizado,
hidrovia do Tocantins. A Vale e outras empresas da região já da ordem de 9.000.000 m³.
iniciaram o transporte de seus produtos pelo rio Tocantins de Marabá
até Belém utilizando a eclusa, e daí ao oceano Atlântico. Atualmente, Tucuruí (Figuras 10 e 11) responde por 28,4%
do faturamento global de toda empresa; é a principal responsá­
Os números do empreendimento impressionam, como podemos vel pelo intenso desenvolvimento regional, fruto da abundante
ver a seguir: oferta de energia e recolhimento de impostos resultantes da
- O cimento empregado na obra, equivale a 28.800.400 comercialização e compensação pela utilização de recursos
sacos de 50 kg; hídricos, além dos programas socioambientais; foi a primeira
- O aço aplicado totaliza cerca de 222.000 t; hidroelétrica do mundo certificada pela JIPM (Japan Institute
- O volume máximo diário de concreto lançado na obra foi of Plant Maintenance) com Prêmio Excelência em TPM –
de 11.200 m³, ou seja, a cada semana de trabalho era aplica­ 1 a Categoria (Total Productive Maintenance, isto é Manutenção
do o equivalente ao volume empregado na construção do Total Produtiva); e a primeira unidade do setor elétrico brasileiro
estádio do Maracanã; a conquistar o Prêmio de Qualidade do Governo Federal –
- O volume total dos aterros executados na obra foi da or­ PQGF, em 2002.

Figura 11 - Tucuruí -
Casa de Força

Figura 10 - Tucuruí - vista


do vertedouro em operação

215
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI
ocupando efetivamente um território que já vinha sendo invadido­
Principal geradora do Sistema Norte-Nordeste, Tucuruí passou a
desordenadamente e acrescentando uma formidável potência de
fazer parte do Sistema Interligado Nacional – SIN em março geração ao sistema elétrico nacional.
de 1999, com a conclusão da Interligação Norte-Sul. Essa linha
permite a preservação de  energias estocadas em reservatórios de Finalmente, apesar de seu gigantismo, a usina vem operando desde
hidroelétricas situadas em outras regiões durante o período hidro- a inauguração sem apresentar problemas relevantes.
lógico favorável no rio Tocantins.

A energia firme e renovável de Tucuruí é escoada por linhas de trans­ A usina hidroelétrica Coaracy Nunes
missão de 230 kV e 500 kV. Além de atender os mercados do Pará,
Maranhão e Tocantins, com cerca de 4.500 MW médios mensais, a Em 1975, a Eletronorte recebeu da Eletrobras a incumbência de
usina exporta energia para os sistemas Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste. operar a usina de Coaracy Nunes situada no rio Araguari no Amapá.
Esta usina, construída por terceiros, tinha duas máquinas de 20 MW
Hoje se pode comemorar dois fatos indiscutíveis: Tucuruí foi a e previsão de ampliação para mais uma máquina de 30 MW.
obra isolada de maior impacto sobre a Amazônia, mas ela foi
O vertedouro (Figura 10) com capacidade para 12.000 m³/s escoava
também a de melhor repercussão socioambiental e econômica
as águas para um braço do rio diferente da casa de força. Como ca­
entre todas as que foram feitas na região. Em segundo lugar, o
racterística, praticamente não havia obra para dissipação de energia:
Brasil e muitos de seus filhos – aqueles que influiram diretamente
as águas vertidas eram lançadas no canal do rio constituído de material
sobre a monumental empreitada da usina e os que hoje estão sob
rochoso com um ligeiro salto ao pé da superfície de vertimento.
sua influência – vivem melhor do que viviam antes dela.

O reservatório tem 120 km² e a operação é a fio d’água.


Outro exemplo significativo dos benefícios trazidos pela usina
é a própria cidade de Tucuruí, um simples entreposto de pesca e
Esta missão surgiu numa época em que todos os olhos estavam
castanhas, com população esparsa e arrecadação ínfima até o início
voltados para Tucuruí de modo que a história dessa usina foi de
dos anos 1970. Com os impostos locais pagos pela Eletronorte,
certa forma ofuscada, apesar da importância que tem tido para a
o município veio a ser o segundo maior arrecadador do Pará – Eletronorte e para o estado do Amapá.
só perde para Belém – e abriga 80 mil habitantes que dispõem do
primeiro hospital modelo da região, e passou a ser servido por Como a usina foi construída por vários empreiteiros numa obra
extensa rede de estradas e tem uma pista de pouso capaz de que levou mais de quinze anos para ser concluída, a documenta­
receber aeronaves de grande porte. ção técnica que a Eletronorte conseguiu obter foi muito precária.
Ainda hoje há certos aspectos do projeto e da construção sobre
Mais que isso, Tucuruí fez com que uma imensa região coberta os quais não se tem informação precisa.
de densa floresta, mas sem expressiva identidade geográfica,
entrasse incontestavelmente para o mapa do Brasil. Mesmo sendo um vertedouro com o porte citado, esta obra não
foi submetida a estudos em modelo hidráulico reduzido.
A contribuição dos engenheiros da Eletronorte formou assim, com
o uso inteligente de sua especialidade, a mais significativa coleção Logo no início da vida da usina, o rio Araguari submeteu a obra a
de tecnologias para a construção de grandes barragens em am­ uma cheia de cerca de 4.000 m³/s, suficiente para apontar graves
biente remoto. Isso ao mesmo tempo em que construíam Tucuruí, defeitos do vertedouro.

216
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

A Eletronorte contratou então o CEHPAR, laboratório hidrotéc­


nico da UFPR na ocasião sob a direção dos engenheiros Nelson
Pinto e Sinildo Hermes Neidert que ofereceram uma solução para
o problema. A recomendação do CEHPAR foi executada e, desde
então, não ocorreram incidentes com o vertedouro embora a vazão
não tenha alcançado o valor que causara os danos iniciais.

Na Eletronorte o funcionário que todos identificamos com


Coaracy Nunes é o engenheiro Mário Dias Miranda que tem sido o
grande entusiasta do empreendimento.

Em 2004, as máquinas de 20 MW foram recapacitadas aumentan­


do sua potência para 24 MW cada uma e a terceira máquina com
30 MW foi instalada entrando em operação em 2000 e aumentando a
potência instalada da usina para 78 MW (Figura 12).
Figura 13 - Usina Hidroelétrica Coaracy Nunes - Casa de Força

Figura 12 - Vertedouro da Usina


Hidroelétrica Coaracy Nunes

217
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Devido às características hidrológicas do rio Araguari, já se havia vis­ O vertedouro com capacidade para 5.840 m³/s com bacia de dissi­
lumbrado a possibilidade de ampliação do aproveitamento por meio pação convencional, assim como a casa de força e a tomada d’água,
de uma segunda casa de força com potência instalada superior à atual. eram obras sem nenhum aspecto inovador ou preocupante. Enfim,
Balbina era uma obra comum para o estado da arte de então.
No momento, a Eletronorte vem se dedicando à análise mais
aprofundada dessa possibilidade tendo em vista que a região está Contudo dois aspectos mereceram considerações especiais.
para ser interligada ao SIN o que tornará ainda mais interessante
o investimento. O primeiro por não ser totalmente conhecido de nossos técnicos:
a existência abundante de canalículos com diâmetro de até 5 cm no
solo de fundação que tornava a construção de barragem altamente
A usina hidroelétrica Balbina problemática. Seria como construir uma barragem sobre um “queijo
suíço”. O problema não era totalmente novo para a empresa uma
A decisão sobre a construção da Usina Hidroelétrica Balbina, bem
vez que algumas ocorrências do fenômeno haviam sido constatadas
como a de Samuel, foi resultado de um embate do cel. Raul Garcia
em Tucuruí, mas a quantidade tornava muito sério o problema.
Llano com a Eletrobras, que na época era contra as construções de
hidroelétricas na Amazônia por julgar que usinas térmicas a carvão A solução, que se mostrou eficiente, foi a execução de uma
em Manaus e Porto Velho com transporte do carvão do sul pelos cortina por injeção de calda de solo cimento com ruptura hidráulica
navios da Vale (então Vale do Rio Doce) seriam mais vantajosas. do solo (cracagem), para obturar esses canalículos. Esse proble­
ma viria a nos assombrar com mais intensidade na construção de
Os benefícios econômicos das hidroelétricas de Balbina e de Samuel Samuel como veremos oportunamente.
se acentuaram pela substituição do óleo importado para termoelé­
tricas, economizando divisas, em uma época em que a situação da O segundo aspecto foi a área do reservatório. Concebida numa
balança de pagamentos do País era um fator de entrave ao desen­ época em que não havia as agências reguladoras e controladoras com
volvimento. Ademais, essas hidroelétricas foram escolhidas para os poderes de hoje nem tampouco a consciência ambiental havia
construção por serem as mais econômicas do País na época, quando se desenvolvido nos níveis atuais, a usina foi projetada e executada
comparadas com as alternativas de geração para atendimento da apesar da área inundada ser exagerada para a potência instalada.
evolução das cargas locais, critério básico do setor elétrico de então,
fato não divulgado convenientemente para o público. Entretanto, como citado no capítulo dedicado aos estudos ambien­
tais, apesar de tudo, a usina trouxe muitos benefícios socioambientais
Situada no rio Uatumã, município de Presidente Figueiredo, não o à região.
Presidente da República da década de 80, mas sim o presidente da
província do Amazonas, quando os atuais estados eram chamados O projeto foi executado pelo Consórcio Monasa - Enge Rio.
de província na época do Império, Balbina é mais uma usina pioneira O Consórcio havia elaborado os estudos de inventário e recomen­
que coube à Eletronorte construir. dado a construção da usina de Katuema no rio Jatapu como hidro­
elétrica prioritária para suprir Manaus, no entanto a escolha recaiu
Com capacidade instalada de 250 MW composta por 5 unidades sobre Balbina que era o menor investimento e a menor distância
de 50 MW, destinava-se a abastecer Manaus visando solucionar o de transmissão e de acesso. Considerando a provável área do reser­
caos energético ainda reinante na região no final da década de setenta. vatório de Balbina, os projetistas haviam recomendado que fosse
218
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

feito levantamento da área a ser alagada, mas isto só foi feito após
o início da construção por restrições financeiras, tendo em vista
o elevado custo de restituições aerofotogramétricas em função
da espessa cobertura vegetal que  acarretava dificuldades logísticas
ainda não enfrentadas até aquela época.

A construção se iniciou em 1º de maio de 1981, com a primeira


máquina entrando em operação em fevereiro de 1989. Este atraso
deveu-se à falta de recursos para sua realização em prazos normais,
problema constante na época. O grande maestro da construção
de Balbina por parte da Eletronorte foi o engenheiro Francisco
Nelson Queiroga da Nóbrega. Figura 14 – Usina Hidroelétrica Balbina

A construtora foi a Andrade Gutierrez cujo residente geral se A usina (Figuras 14 e 15) vem operando desde a inauguração sem
destacou como responsável pela execução da obra a contento. apresentar problemas relevantes.

Figura 15 - Usina Hidroelétrica Balbina –


Casa de Força - vista de jusante

219
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

A usina hidroelétrica Samuel


Situada no rio Jamari no Estado de Rondônia, a usina hidroelétri­ Tal como Balbina, era uma obra comum para o estado da arte de então.
ca Samuel (Figura 16) tem como particularidade ter sido a única
usina da Eletronorte a contar com o apoio popular e do governo Contudo o aspecto dos canalículos já constatados em Tucuruí e
local personificado no governador Jorge Teixeira. em Balbina mereceu considerações e esforços especiais pela sua
incidência em quantidades exageradas e pela quantidade de diques
Com capacidade instalada de 220 MW, vertedouro para 4.820 m³/s que compunham o projeto, tornando a extensão do problema ainda
e um reservatório de cerca de 600 km², a usina hidroelétrica maior que o usual.
Samuel foi construída no período de 31 de março de 1982 a 31
de julho de 1989 (última unidade) sob o comando do engenheiro Neste caso, em linhas gerais, a solução adotada foi a construção
Adailton de Souza Pinto residente da Eletronorte, quando entrou de tapetes impermeáveis a montante das obras de terra para au­
em operação a primeira máquina. A usina foi projetada pela Sondo­ mentar a distância de percolação. Esta solução vem funcionando
técnica S/A, cujo coordenador geral foi o engenheiro Paulo Pinho satisfatoriamente, mas tem exigido muita atenção das equipes de
Lopes e a obra foi feita pela Construtora Norberto Odebrecht. instrumentação e manutenção da usina.

Figura 16 – Usina Hidroelétrica Samuel – Vista panorâmica de jusante

220
220
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Figura 17 – Usina Hidroelétrica Curuá Una – Casa de Força

A usina hidroelétrica Curuá Una composta por 5 unidades geradoras, quatro delas de 58 MW cada
e uma de menor porte de 29 MW.
Adquirida em 2005 da CELPA em permuta de dívidas, a usina de
Curuá Una (Figura 17), situada no rio de mesmo nome no município Como peculiaridade é uma usina construída sobre uma gran­
de Santarém, PA tem três unidades de 10 MW e previsão de insta­ de queda d’água natural de cerca de 90 m de altura apro­
lação de uma quarta unidade de 11 MW. Esta foi uma das primeiras veitando esta queda como vertedouro. Enfim, é uma usina
usinas desse porte construídas na Amazônia. que além de não ter um vertedouro clássico, não tem reser­
vatório. Apenas foi construída uma soleira vertente mais
No momento, a Eletronorte está em vias de executar a instalação desta com o intuito de nivelar o leito natural do rio para garantir
quarta máquina. o nível normal de montante.

O usina hidroelétrica Dardanelos No AHE Dardanelos (Figura 18), a Eletronorte foi respon-
sável pelos estudos de inventário e viabilidade. Atualmente,
A usina está localizada na margem esquerda do rio Aripuanã, no participa minoritariamente em sociedade com a Neoenergia
noroeste do Mato Grosso e tem capacidade instalada de 261 MW, e a CHESF.
221
Figura 18 - Usina Hidroelétrica Dardanelos

A usina hidroelétrica Belo Monte O grande mentor deste projeto cuja personalidade se identifica
com o empreendimento é o engenheiro José Antônio Muniz Lopes.

O aproveitamento hidrelétrico Belo Monte será construído no Desde os tempos em que foi diretor de engenharia da Eletronorte
rio Xingu, no Pará, possuindo três sítios, um deles denominado no final da década de 80, presidente da empresa no final da déca­
Pimental onde ocorrerá o barramento do rio Xingu, composto de da de 90 e início dos anos 2000 e finalmente como presidente da
casa de força complementar e vertedouro, outro composto do Eletrobras, ele não mediu esforços até levar o projeto a ser leiloado
canal de adução e interligação e o último composto do reservatório pela ANEEL com sucesso.
intermediário e sítio Belo Monte com a usina principal.
Finalmente, a Figura 19, a seguir, mostra a equipe de residentes
A potência instalada total de Belo Monte é de 11.233 MW, com das obras da Eletronorte.
dezoito unidades geradoras de potência unitária 611,1 MW, com
turbinas Francis na casa de força principal denominada Belo Mon­
te e 6 unidades geradoras de potência unitária 38,85 MW, com
Aspectos sócioambientais comuns aos
unidades Bulbo na casa de força complementar. diversos empreendimentos
A Eletronorte participou, desde 1975, dos estudos de inventário do “Preservando a biodiversidade amazônica e a cultura brasileira”
rio Xingu e das otimizações de projeto realizadas desde então que
culminaram com o leilão da ANEEL realizado em 20 de abril de A geração de energia hidroelétrica na Amazônia é um tema que
2010. No empreendimento, a participação da empresa é minoritária, sempre estará presente nas discussões sobre meio ambiente e de­
junto com outras 18 empresas. senvolvimento sustentável, seja pela alta diversidade biológica e
222
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

cultural encontrada na região, seja pelo grande potencial de gera- A legislação ambiental brasileira determina que empreendimentos
ção hidráulica da Região Norte do Brasil. de grande impacto compensem os danos causados ao meio ambiente
com a implantação e apoio a unidades de conservação.
A Eletronorte é grande conhecedora da região amazônica. Em to­
dos os seus projetos são realizados estudos ambientais, em parceria Atendendo a essas exigências, a Eletronorte apoia as seguintes
com as mais capacitadas instituições técnicas e científicas, a fim atividades em unidades próximas a seus empreendimentos: demar­
de aliar desenvolvimento e conservação da natureza, com foco na cação das terras; projetos de desenvolvimento das populações resi­
qualidade de vida dos seres humanos. dentes; atividades de proteção e vigilância às áreas, e atividades de
educação ambiental às populações locais.
Com o objetivo de conservar a fauna, a flora, as águas e as tradições
Dezessete unidades de conservação ambiental, sendo treze de
amazônicas, a Eletronorte criou uma ampla organização interna, res­
proteção integral e quatro de uso sustentável, todas na Amazônia
ponsável pelos estudos ambientais, centros de proteção ambiental
Legal, foram ou são apoiadas financeiramente pela Eletronorte.
em suas maiores usinas, e equipes técnicas com profissionais especiali­
Isso significa 4.700.000 hectares protegidos, desenvolvimento
zados nas mais diversas áreas do conhecimento ambiental.
de técnicas racionais do uso dos recursos naturais e formação de
recursos humanos.
As Unidades de Conservação tem o objetivo de manter a diversi­
dade biológica regional. São áreas que aliam o desenvolvimento de Fauna - A geração de energia hidroelétrica requer, na maioria das
pesquisas com uso racional dos recursos naturais. vezes, a formação de reservatórios que modificam a paisagem, inun­

Figura 19 - Residentes da
Eletronorte: da esquerda
para a direita, Vanderlei
Ângelo de Menezes
(Ávila – convênio com
a CERON), Gustavo
Reis Lobo de Vasconcelos
(Manso enquanto era da
Eletronorte), José Antônio
da Silveira (Tucuruí),
Francisco Nelson Queiroga
da Nóbrega (Balbina), Luiz
Fernando Rufato (Tucuruí),
Érico Bittencourt de Freitas
(Tucuruí), Adailton de Sousa
Pinto (Samuel e Tucuruí II e
Humberto Rodrigues Gama
(Tucuruí)

223
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

dando áreas de florestas. Para evitar o afogamento da fauna habi- E essa diferença começou a ser construída em 1980, quando uma
tante desses ecossistemas, a Eletronorte realiza o resgate dos animais. parceria entre a Eletronorte e o Instituto Nacional de Pesquisas
Esse procedimento faz parte do Programa de Resgate da Fauna, da Amazônia – Inpa, com a participação de outras instituições
que tem o objetivo de conservar as espécies da região. de pesquisa, deu início ao processo de resgate do material genético
das principais espécies florestais existentes na área de inundação
Atualmente, as ações dos resgates são baseadas em conservação e e de plantio em local específico. Era sabido que, depois do enchi­
aproveitamento científico e cultural da fauna local. As novas áreas mento do reservatório da Hidroelétrica Tucuruí, muitas ilhas seriam
que receberão os animais, conhecidas como áreas de soltura, são formadas. A do Germoplasma foi uma delas. Foi um trabalho de
delimitadas e o trabalho começa antes mesmo da formação do lago, resgate, espécie por espécie. O plantio foi feito numa área dividi­
com as ações de identificação das áreas, pré-resgate, o monitora- da em quadras e a Ilha passou a abrigar a parte nativa (in situ) e
mento e manejo dos animais. a plantada (ex situ).

A Eletronorte conduziu três grandes operações de resgate da fauna, A área da Ilha é de 129 hectares. O banco de conservação in situ
incluindo soltura, monitoramento e estudos científicos. A Operação compreende 32 ha de floresta nativa, com a identificação e marca­
Curupira, realizada em Tucuruí, resgatou 300 mil animais. Em Bal­ ção de 100% das árvores com diâmetro igual ou superior a 25 cm.
bina, a Operação Muiraquitã resgatou 26 mil animais. E em Samuel, Foram identificados e mapeados 2.914 indivíduos adultos, perten­
com a Operação Jamari, mais de 16 mil animais foram resgatados. centes a 221 espécies botânicas distribuídas em cinquenta famílias.
No banco ex situ estão representadas 28 famílias botânicas e 82
A Operação Jamari, incluindo o aproveitamento científico, espécies. Para esse fim, foram plantadas aproximadamente 15 mil
envolveu aproximadamente 60 instituições nacionais. Os ani­ mudas distribuídas em 29 quadras, com área total de 22.6 ha.
mais resgatados foram de suma importância para pesquisas
realizadas em diversas áreas de conhecimento, como genética, Para o analista ambiental da Eletronorte, Rubens Ghilardi Ju­
zoologia, fisiologia e taxonomia (identificação e classificação nior, as espécies de árvores mantidas nas áreas de coleta de
dos animais) e ecologia. sementes florestais da Ilha de Germoplasma, das áreas de soltura
e da Terra Indígena Parakanã, garantem a perpetuação dos
As principais atividades desenvolvidas nas operações de resgate recursos da floresta em seu estado natural. “Esta é uma conserva-
são a triagem e manejo; manejo de filhotes; atendimento vete­ ção consciente, pois por meio dos inventários florestais e o monitoramento
rinário; alimentação e remessa de animais para instituições de fenológico das matrizes de sementes, é possível conhecer cada uma das
pesquisa e preservação. ‘árvores-mães’ que geram sementes saudáveis e que estão sendo utiliza-
das para reflorestamentos com objetivos ecológicos, sociais e comerciais.
A Eletronorte, em conjunto com outras instituições ligadas ao meio Os bancos de germoplasma mantidos pela Eletronorte permitirão que a
ambiente, estabeleceu orientações pioneiras para resgates futuros. região de Tucuruí e outras regiões recuperem sua vocação natural de uso
A primeira e a mais importante delas é dar prioridade às espécies sustentável de florestas nativas”, afirma.
raras ou ameaçadas de extinção. Para isso, é preciso criar e conso­
lidar unidades de conservação para compensar a perda do habitat, Programas indígenas - A Eletronorte é responsável pelo desen­
e investir na capacitação de novos profissionais, que vão elaborar, volvimento de dois programas indígenas cujos resultados apresen-
conduzir e supervisionar esses procedimentos. tados desde o final da década de 1980 são considerados referência
no Brasil e no mundo. São os programas Waimiri Atroari, criado a
Banco de Germoplasma - Muita gente não sabe que Tucuruí guar­ partir da construção da Usina Hidroelétrica Balbina, no Amazonas;
da boa parte do DNA da Amazônia na Ilha de Germoplasma. e Parakanã, no entorno da Usina Hidroelétrica Tucuruí, no Pará.
Uma das 1.600 ilhas que formam o Mosaico de Tucuruí é especial. Os dois programas envolvem ações de educação, saúde, apoio à
224
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

produção e proteção ambiental, possibilitando o resgate das rodovia Transamazônica, que faz limite com a Terra Indígena
tradições, das terras e da dignidade daqueles povos indígenas. Parakanã. A situação fundiária está totalmente regularizada, com
registro em cartório de imóveis e serviço de patrimônio da União.
Em julho de 2010 a população dos índios Parakanã era de 840 pessoas,
resultado de uma taxa de crescimento de 4,8% ao ano. Em julho de 2010, a população dos Waimiri Atroari era de 1.404
pessoas, com uma taxa de crescimento de 5,77% ao ano.
A situação dos Parakanã antes do início do Programa, em 1986, era
totalmente diferente. A população era de 247 pessoas. Na produ­ Antes do início do Programa, em 1988, a população era de 374
ção havia dependência total dos alimentos fornecidos pela Funai. pessoas. A redução populacional chegava a 20 % ao ano. Na pro­
A cultura encontrava-se em processo de perda dos seus valores como dução havia pequenas roças e dependência alimentar externa. A
festas tradicionais, pinturas corporais, e ritos de passagem e morte. cultura encontrava-se em processo de perda dos seus valores, não
A língua estava sendo perdida gradativamente bem como os conhe­ se realizando mais as principais manifestações de seu patrimônio
cimentos dos mais velhos sobre a natureza, seus mitos, sua medicina, cultural e em fase de desmoralização como etnia.
sua tecnologia, enfim sua história.
Na educação, as escolas eram inexistentes e a escrita desconheci­
As escolas não existiam e a escrita era desconhecida. No campo da. No campo da saúde, o quadro era de epidemias de sarampo,
da saúde o quadro era grave: epidemias de sarampo, malária e malária e gripes, subnutrição, diarreias crônicas, nenhum atendi­
gripe, hepatite B, subnutrição, diarreias crônicas, nenhum atendi­ mento odontológico, falta de vacinação e qualquer controle so­
mento odontológico, falta de vacinação e qualquer controle sobre bre a saúde. A terra não estava delimitada, nem demarcada e com
a saúde. A terra era demarcada, mas com pendências de registros processo de invasão em andamento, além da situação fundiária
e regularização. totalmente irregular.

Hoje, além do aumento populacional, grandes roças têm tido Hoje, a situação é totalmente diferente. Na produção observa-
produção de excedentes; foi regatada a prática do extrativismo e se grandes roças, estoque de animais para abate (peixes e gado)
coletas de frutos para comercialização como açaí, cupuaçu, casta­ e total independência alimentar. Na cultura houve o resgate de
nha entre outros, o que resultou em total independência alimentar. todas as práticas culturais e de sua dignidade como povo indíge­
Também na cultura houve o resgate de todas as práticas culturais. na. Na educação são 21 escolas com 60 professores indígenas,
63,40% da população Waimiri Atroari alfabetizada e o restante em
Na educação são doze escolas com 57,86% da população Paraka­ processo de alfabetização.
nã alfabetizada na língua materna e em português, além de uma
grande parte da população em processo de alfabetização. Na saú­ Na saúde, nenhuma doença imunoprevenível nos últimos 15 anos;
de não se observa nenhuma doença imunoprevenível nos últimos controle total de doenças respiratórias; boa nutrição; controle de
12 anos; controle total de doenças respiratórias; boa nutrição; malária e de outras doenças endêmicas; vacinação de 100% da
controle da malária e de outras doenças endêmicas; controle to­ população; e controle informatizado da saúde dos índios.
tal da hepatite B; vacinação de 100% da população; controle in­
formatizado da saúde dos índios e um programa de saúde bucal A terra está demarcada, homologada, sem nenhum invasor e com
preventivo, curativo e corretivo. fiscalização sistemática dos seus limites e dos transeuntes das
estradas existentes dentro das terras indígenas Waimiri Atroari.
A terra está demarcada, homologada, sem nenhum invasor; com A situação fundiária está totalmente regularizada, com registro em
fiscalização sistemática dos seus limites e dos transeuntes da cartório de imóveis e serviço de patrimônio da União.
225
Calha do vertedouro de Foz do Areia, primeiro
vertedouro do Brasil com aeração da calha
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

História das Barragens


no Paraná
Brasil Pinheiro Machado e Denise Araújo Vieira Krüger

Introdução Figura 1- Estado do Paraná

O Paraná é um estado rico em recursos hídricos, dotado de um sis­


tema fluvial importante. A maior parte de seu território pertence
à bacia hidrográfica do rio Paraná. Este rio faz a divisa do esta­
do com o Paraguai e com Mato Grosso do Sul e recebe, em sua
margem esquerda, os principais cursos de água que formam a hi­
drografia paranaense, entre os quais se destacam os rios Iguaçu,
Piquirí, Ivaí e Paranapanema, este último formando a divisa entre
os estados do Paraná e São Paulo.

A drenagem em relação ao rio Paraná é conformada pela Serra do


Mar, que se desenvolve paralelamente ao litoral Atlântico, a oeste
de Curitiba com altitudes entre 1200 a 1800 m acima do nível do
mar. Isto faz com que os principais cursos d’água do estado nas­
çam próximo ao litoral e se desenvolvam em direção ao inte­
rior, vencendo desníveis da ordem de 800 a 1000 m e com isso à criação de pequenos reservatórios para o suprimento de água
favorecendo a instalação de aproveitamentos hidroelétricos. potável a algumas comunidades, particularmente Curitiba, Ponta-
Grossa e Londrina.
A leste da Serra do Mar, os cursos d’água apresentam elevados
gradientes, com desníveis de 500 a 800 m vencidos em percursos A orografia que cria a barreira da Serra do Mar e faz com que os
menores de 80 quilômetros. A exceção é o rio Ribeira, que nasce a rios se afastem do litoral não favorece à navegação fluvial, em­
noroeste de Curitiba, no planalto, com altitudes da ordem de 800 m bora tenha havido um período histórico em que esta atividade
e desenvolve em direção ao litoral entrando no estado de São Paulo ocorreu. Isto foi no trecho superior do rio Iguaçu, entre União da
através de uma região onde a Serra do Mar permite uma passagem. Vitória e Curitiba, onde o rio flui no planalto e não se requeriam
obras específicas para permitir a navegação, e, além disso, havia
O aproveitamento dos recursos hídricos do estado foi fundamen­ interesse econômico no transporte de erva-mate da região sul
talmente ligado à geração hidroelétrica, e em muito menor grau, para as indústrias de beneficiamento instaladas em Curitiba.
227
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Com a diminuição do valor desta atividade econômica, a partir dos inicialmente desenvolvidas a partir do comércio de tropas entre o
anos 40, a navegação neste trecho desapareceu e não prosperou Rio Grande do Sul e São Paulo; (ii) a região norte, colonizada a
de forma significativa em nenhum outro local do Estado. partir de Londrina e incluindo cidades como Maringá e Apucarana,
desenvolvida a partir dos anos 30-40 com base na agricultura do café
Por estas razões, a história das barragens no Paraná se confunde atingindo seu pico econômico nos anos 50 e estreitamente vincula­
com a história da implantação da geração de energia elétrica para da economicamente ao estado de São Paulo; (iii) a região sudoeste,
o atendimento público. onde se destacam as cidades de Foz do Iguaçu e Cascavel, que se
desenvolveram a partir dos anos 50-60, com a agricultura de ce­

Os primórdios da geração elétrica reais entre os quais trigo e soja, e colonizada com deslocamentos
populacionais originados principalmente no Rio Grande do Sul.
no Paraná Apesar desta diversidade, o poder político sempre esteve em Curi­
tiba e as ações de governo, incluindo a implantação de obras de
Historicamente o estado do Paraná se desenvolveu em três regi­ infraestrutura, sempre tiveram a preocupação da integração das
ões economicamente distintas: (i) o leste incluindo o litoral e os regiões, enfrentando grandes dificuldades até pelo menos o início
planaltos que formam o primeiro e o segundo degraus em direção dos anos 70. Em função destas peculiaridades a implantação de
ao rio Paraná, onde se destacam a cidades de Paranaguá, Curitiba, obras de eletrificação no Paraná ocorreu inicialmente, e durante
Ponta-Grossa, União da Vitória, de colonização antiga, originadas ou muitos anos, na região leste do estado, centrada em Curitiba.

Figura 2 - Usina
Termoelétrica de
Curitiba - 1901

228
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

O primeiro esforço para eletrificação ocor­


reu no dia 9 de setembro de 1890, quando
o presidente da Intendência Municipal de
Curitiba, Dr. Vicente Machado, assinou o
contrato com a Companhia Água e Luz do
Estado de São Paulo, para iluminar a cidade
com “uma força iluminativa de onze mil velas”.
Baseada nesse contrato, e com uma conces­
são por 20 anos, a citada companhia instalou
a primeira usina elétrica do Paraná, num
terreno próximo à antiga estação ferrovi­
ária, localizada atrás do então Congresso
Estadual. A usina começou a funcionar,
oficialmente, em 12 de outubro de 1892. Em
1901 foi instalada a primeira usina, termoelé­
trica, propriamente dita, com dois conjuntos
geradores de 200 cavalos-vapor cada.

Outras cidades na região, entre elas Pa­


ranaguá, Ponta Grossa, União da Vitória
e Campo Largo, somente dispuseram de
geração elétrica na segunda década do
século vinte.

As primeiras usinas geradoras, térmi­


cas ou hidráulicas, instaladas no estado,
pertenciam a empreendedores priva­
dos locais que contratavam, geralmente
com as prefeituras dos municípios corres­
pondentes, os serviços de suprimento e
Figuras 3a, 3b e 3c - Usina Hidroelétrica Serra da Prata – 1910
distribuição diretamente aos consumido­
res finais. A maior parte destes empreen­
dedores era imigrante de origem alemã A primeira usina hidroelétrica do estado foi Hidroelétrica Serra da Prata, construída por
ou da Europa Central. Nomes como técnicos ingleses, no litoral paranaense, para abastecer a cidade de Paranaguá, que começou
Hauer, Grollmann, Blitzkow e Schlemm a operar em 1910 com a potência de 510 kW, até 3 de agosto de 1970.
tiveram papel importante nas iniciati­
vas pioneiras no final do século XIX Um ano mais tarde, na região de Ponta Grossa, entrou em operação a usina de Pitangui,
e primeiras décadas do século XX. com 760 kW de potência.

229
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 4 - Usina
Hidroelétrica
Pitangui – 1911

É interessante observar que no discurso político, embora as insta­ nicípios de Campina Grande e Bocaiuva com capacidade de 30.000 c.v. na
lações geradoras existentes e em estudo fossem todas privadas, a máxima estiagem” situadas próximas a Curitiba, com a finalidade de
associação da geração de energia elétrica com recursos hidráulicos “interessar a todos nossos industriais na organização de uma sociedade anonyma
começa a aparecer no Paraná na segunda década do século XX. que tome a seu cargo a construção de uma usina hydro-eletrica e sua exploração”.
Nada resultou desta iniciativa até 50 anos depois, quando então o
O ano de 1910 marca a entrada das grandes empresas internacio­ rio Capivari foi aproveitado para geração de energia elétrica com
nais no negócio de energia elétrica no Paraná. Neste ano a con­ um esquema muito diferente do que foi imaginado originalmente.
cessão do suprimento elétrico da cidade de Curitiba foi adquirida
do empresário local José Hauer pela empresa anglo-francesa South Em 1927, a AMFORP – American Foreign Power, um braço da
Brazilian Railways Company Ltd., que também implantava a ligação empresa americana Electric Bond & Share Company se estabele­
ferroviária entre São Paulo e o Rio Grande do Sul. ceu no Brasil e, em 1928, com o nome de Empresas Elétricas
Brasileiras contratou com o governo do Paraná a concessão da
Em 1913, o presidente do estado sabendo que o estado de Mato distribuição de energia elétrica em Curitiba. Logo em seguida
Grosso pretendia outorgar a concessão das Sete Quedas, no Rio constituiu uma empresa com o nome de Companhia Força e Luz
Paraná para exploração energética (hoje inundadas pelo reservató­ do Paraná (CFLP) e a ela transferiu a concessão. Neste contrato o
rio de Itaipu), telegrafou ao presidente daquele estado dizendo que governo do estado requeria que a concessionária construísse
este era um recurso paranaense, sobre o qual tinha “direito de posse”. “...uma usina para geração de energia eletrica por força hydraulica ...” no
prazo máximo de 3 anos. Efetivamente, disto resultou a constru­
Em 1926 o governo do estado adquiriu de particulares, pela soma ção da usina hidroelétrica de Chaminé, no rio São João, na Serra
de 500 contos de réis, “as quedas d’água existentes no Rio Capivary, mu- do Mar, no município de São José dos Pinhais, iniciada em 1929

230
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Figuras 5a e 5b - Mr. Howell Lewis Fry, ao centro, preparando acampamento (1928)


e na inauguração da usina de Guaricana (1957)

e concluída em 1931. Aproveitando um desnível de mais de trezentos


metros, a usina gera 18 MW através de quatro unidades Pelton.

Mr. Howell Lewis Fry, nascido nos Estados Unidos, desde os


22 anos trabalhou e se dedicou ao Brasil. Em 1928 começou a
trabalhar nas Empresas Elétricas Brasileiras, quando esta realiza­
va estudos no rio São João, que resultaram na usina de Chaminé.
Mr. Fry era o engenheiro residente e assistente do superinten­
dente geral, responsável por todo serviço de campo, de aprova­
ção das fundações da barragem e da casa de força e, segundo ele: Figura 6 - Mr. Howell Lewis Fry – Visita a Chaminé em outubro de 1978

“Em 1929 nós tivemos que colocar cascalho na avenida principal de São José
dos Pinhais para poder passar com os equipamentos que seriam usados na motores eram operados a vapor na época da obra e foram
construção da usina de Chaminé”, e “em 1930 havia três escalas de prio- automatizados em 1999.
ridades para serviços urgentes: para a primeira, usava-se o cavalo, para a
segunda a bicicleta e para a terceira, ia-se a pé...” A usina hidroelétrica Chaminé é atualmente alimentada por dois
reservatórios no rio São João, formados pelas barragens de Salto
O trabalho de construção durou três anos e, como o aces­ do Meio e Voçoroca, 12 km a montante.
so era difícil para transportar pessoal, máquinas e peças, foi
construído um trole, vagonete sobre trilhos, ligando os escri­ A barragem de Salto do Meio é do tipo concreto gravidade, com
tórios à casa de força. O trole acabou se tornando a principal 12 m de altura e 92 m de extensão. Seu reservatório tem um volu­
característica de Chaminé por proporcionar uma viagem de me útil de 500 mil m³, suficiente apenas para regularização diária.
720 m, por uma exuberante reserva da Mata Atlântica, ven­ O vertedouro fica no trecho central da barragem e é equipado
cendo declives de até 55 graus. Operando desde 1929, o trole é por flash-boards perfazendo 34 m de vão, com capacidade máxima
acionado por motores que liberam e recolhem cabos de aço. Esses de descarga de 360 m³/s.
231
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 7a - Trole para acesso Figura 7 b – Barragem de


à casa de força – Usina Salto do Meio
hidroelétrica Chaminé

concreto a gravidade, com 29,5 m de altura e 95 m de extensão, tam­


bém projetada e construída por Mr. Fry. Conforme explicado por ele,
“na região destas usinas havia uma palmeirinha que os colonos usavam para
fazer paredes e coberturas de casas e se chamava Guaricanga. Daí surgiu o
nome Guaricana.” O vertedouro, na parte central, possui três vãos de
A barragem de Voçoroca foi iniciada somente em 1947, também 12,3 m de largura e flash boards de 2 m de altura. A usina aproveita
sob a responsabilidade de Mr. Fry, é de concreto a gravidade, com uma queda superior a trezentos metros, gerando os 36 MW com
21 m de altura e 152 m de comprimento tendo em seu trecho cen­ quatro turbinas Pelton.
tral, três vãos vertedores com comportas radiais de 5,5 x 6,4 m
para uma capacidade máxima de descarga 495 m3/s. Além destas duas usinas hidráulicas, a CFLP desenvolveu outros
estudos visando identificar locais promissores para a instalação de
A CFLP continuou com a concessão e o suprimento de energia elé­ reservatórios e usinas geradoras. Em 1954 contratou um levanta­
trica à região de Curitiba até a década de 70 quando foi absorvida mento de possíveis locais nos rios Iguaçu e Tibagi, que embora
pelo governo do estado através da COPEL. Durante os 45 anos em distantes da região de Curitiba, onde era concessionária, po­
que foi responsável por este mercado, a CFPL construiu, além da deriam no futuro vir a ser alimentadores do seu sistema. Este
usina de Chaminé, mencionada anteriormente, a usina hidroelétrica estudo foi contratado com a firma americana de consultoria
de Guaricana, com 36 MW instalados também na Serra do Mar, a EBASCO International Corporation e nas suas conclusões há a iden­
75 km de Curitiba. Esta usina comissionada em 1957 utiliza as águas tificação das possibilidades técnicas de implantação de projetos
do rio Arraial, cujo reservatório é criado por uma barragem de de grande porte no rio Iguaçu, onde hoje se situam as usinas
232
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Figura 8a – Usina hidroelétrica Chaminé – Casa de força


Figura 8b - Interior da casa de força
com os grupos geradores

de Segredo (chamada na ocasião de Encantillado) e


Salto Santiago. As conclusões deste relatório não ge­
raram nenhuma ação específica e a CFLP continuou
operando unicamente as hidroelétricas da Serra do Mar
e instalações térmicas a Diesel em Curitiba até desa­
parecer como empresa concessionária, nos anos 70.

O desenvolvimento dos recursos hídricos do estado


para fins energéticos passou a ser explicitamente
considerado como preocupação política governa­
mental nos anos 40, com a criação do Serviço de
233
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Energia Elétrica do estado, transformado em 1948 no Departa­ usinas de Salto Grande do Paranapanema, Capivara e Mourão, os
mento de Águas e Energia Elétrica (DAEE) com a atribuição de dois interligados em Teixeira Soares, e do oeste com centros gera­
cuidar, em nível estadual, do suprimento de energia elétrica e do dores isolados. Posteriormente, em 1952, este plano transformou-se
desenvolvimento de projetos hidroelétricos. Na realidade, este em outro, a ser cumprido em duas etapas: a primeira, a curto prazo,
departamento governamental encampou incipientes serviços com recursos orçamentários do DAEE, previa a construção de
em municípios que não eram atendidos por empresas privadas pequenas hidroelétricas (Cavernoso, Caiacanga e Laranjinha) e a
organizadas como os das regiões de Curitiba, Ponta Grossa, Lon­ segunda, dependente de financiamentos especiais, previa a cons­
drina, União da Vitória e cidades do chamado norte-velho. Nos trução das centrais de maior porte, tais como Capivari-Cachoeira
municípios em que atuou instalou geradores Diesel e realizou (105 MW), Tibagi (36 MW), Carvalhópolis (27 MW) e a termo­
um único projeto hidráulico, a mini-usina de Cotia, na região de elétrica de Figueira (20 MW). O Departamento foi responsá­
Antonina, no litoral do estado. vel pela construção das usinas hidroelétricas de Ocoí em Foz
do Iguaçu, desativada para a formação do lago de Itaipu, Caverno­
O primeiro Plano Hidroelétrico do Estado foi elaborado em 1948, so no rio Laranjeiras e Melissa em Cascavel, bem como pelo início
com previsão dos sistemas elétricos do sul apoiados nas usinas das usinas de Chopim I em Pato Branco e Mourão I em Campo
de Capivari-Cachoeira e Salto Grande do Iguaçu, do norte pelas Mourão que foram posteriormente concluídas pela COPEL.

Figura 9 – Usina hidroelétrica


Presidente Vargas – Rio Tibagi –
Grupo Klabin de Papel
e Celulose (1947)

234
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Figura 10 – Usina
hidroelétrica de Ocoí

A era da COPEL elétrica e serviços correlatos,” e teve como seu presidente nomeado The­
místocles Linhares. A primeira diretoria da COPEL incluiu como
Em 1954, seguindo o exemplo de Minas Gerais, o governo do es­ diretor técnico, o professor Pedro Viriato Parigot de Souza, cate­
tado criou a Companhia Paranaense de Energia Elétrica - COPEL, drático da cadeira de hidráulica na Escola de Engenharia da Uni­
através do decreto n°14.917 de 26 de outubro, do então gover­ versidade do Paraná (atualmente Universidade Federal do Paraná).
nador Bento Munhoz da Rocha Neto, uma empresa de econo­ O professor Parigot tinha já, na época, uma reputação técnica
mia mista que teria a atribuição de implementar o suprimento de ligada a questões energéticas por ter participado da discussão de
energia elétrica do estado. Esta empresa seria uma instituição mais planos governamentais envolvendo usinas hidroelétricas na Serra
flexível que os órgãos governamentais tradicionais e poderia, in­ do Mar. Nesta primeira diretoria da COPEL foi de sua res­
clusive, habilitar-se de maneira mais eficaz aos financiamentos ponsabilidade a formulação técnica racional de uma evolução
requeridos para a realização de obras de geração e transmissão. objetiva e realista da oferta de energia elétrica no estado que,
como indicado anteriormente, era extremamente precária. En­
A nova sociedade se destinava a “planejar, construir e explorar sistemas tretanto, mudanças no governo do estado afastaram a diretoria
de produção, transmissão e transformação, distribuição e comércio de energia inicial da empresa em menos de um ano após sua instalação.
235
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Não obstante, na curta gestão de sua participação inicial na em­ Parigot de Souza, que consiste na derivação do rio Capivari que se
presa, o professor Parigot implantou uma filosofia de seriedade e desenvolve no planalto, para o rio Cachoeira, no litoral, vencen­
respeito técnico. Isto fez com que a COPEL pudesse atrair um con­ do o degrau de mais ou menos 800 m da Serra do Mar. A idéia
junto de engenheiros que teve uma atuação decisiva na evolução do aproveitamento do rio Capivari, que corre relativamente próximo
bem sucedida da empresa especialmente nos anos 60, quando a Curitiba, era antiga, como mencionado anteriormente. Entretanto,
novamente este voltou à empresa, agora como presidente e go­ a derivação para o litoral vencendo desnível importante foi nesta
zando da inteira confiança do governador. Fizeram parte deste ocasião revista e estudada detalhadamente. Para isto três empresas
grupo os engenheiros Hiran Lamas, Maurício Schulman, Nel­ internacionais, de países diferentes, foram chamadas e encarregadas
son Luiz de Sousa Pinto, Péricles Tourinho e Clodoveu Holz­ de propor soluções técnicas para o aproveitamento. A solução que
mann, entre outros, que tinham sido admitidos na empresa entre prevaleceu foi proposta pela SOGREAH, francesa, e consiste em uma
1955-60 e neste período desenvolveram estudos importantes barragem no rio Capivari e desvio para o rio Cachoeira, no litoral,
que deram origem às obras executadas no período seguinte. através de sistema de túneis de grande extensão e casa de força única,
subterrânea, instalada com quatro grupos Pelton somando 260 MW
Entre estas obras destaca-se o aproveitamento hidroelétrico Capivari- de potência. Outras soluções propostas consideravam várias usinas
Cachoeira, atualmente denominado usina hidroelétrica Governador menores em sequência, instaladas ao longo da encosta da serra.

Figura 11 - Mapa de 1915


com os primeiros estudos
para o aproveitamento
do Rio Capivari

236
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Figura 12 – Usina hidroelétrica


Capivari - Cachoeira – Perfil
esquemático

Para a construção do aproveitamento a COPEL criou, no início lado por comportas vagão, que foi utilizado para o desvio e suple­
dos anos 60, uma subsidiária específica a ELETROCAP e outorgou menta a capacidade do vertedouro em 250 m3/s. Juntamente com as
a Hiran Lamas e Nelson de Sousa Pinto a responsabilidade de sua demais obras do aproveitamento a barragem começou a operar
implementação. Foi decidido desenvolver o projeto detalhado com em outubro de 1970 e ao longo deste período demonstrou um
esforço próprio, assistido por consultores pessoas físicas e não desempenho excelente sem nenhum incidente.
empresas. Maurice Bouvard foi contratado como consultor ge­
ral do projeto, Milton Vargas como consultor para a barragem de Na construção desta usina a Copel se projetou no panorama da
terra no rio Capivari e o incipiente laboratório de hidráulica da energia brasileira, conquistando dois recordes para a época: maior
Universidade do Paraná, CEPHH (mais tarde CEHPAR e hoje Lactec) avanço médio em escavação subterrânea em obras do gênero e
recebeu a incumbência de realizar os estudos hidráulicos em mode­ maior volume de concretagem mensal no interior dos túneis.
lo reduzido. Apesar de inusitada e mesmo arriscada, a decisão de
executar o projeto e a supervisão da construção com equipe pró­ Apesar da relevância de Capivari-Cachoeira, não foi este o único
pria, prescindindo da contratação de uma empresa de projeto, não empreendimento desenvolvido pela COPEL no início dos anos 60.
só foi muito bem sucedida como também foi importante na for­ A chamada Usina Piloto do Salto Grande do Iguaçu foi também
mação e desenvolvimento de quadros técnicos locais treinados nesta época projetada e construída. O rio Iguaçu nasce na região
em empreendimentos de dimensões e de grande complexidade, urbana de Curitiba e se desenvolve em uma região do planalto com
que nunca haviam sido feitos no estado. baixas declividades até as imediações da cidade de União da Vitó­
ria, na divisa com Santa Catarina. Logo a jusante desta cidade o rio
A barragem do Capivari pode ser considerada como a primeira bar­ entra na região dos basaltos e aí ocorre o primeiro salto abrupto
ragem de porte realizada no Paraná. Tem 60 m de altura, é de terra dos vários que o rio apresenta ao longo de percurso. Este é o
homogênea e dispõe de vertedouro de superfície em canal, controla­ chamado Salto Grande do Iguaçu. Neste local, naquela época, se
do por duas comportas de segmento, para uma vazão de projeto de estudou um aproveitamento de porte médio que foi considerado
750 m3/s. Dispõe também de um descarregador de fundo, contro­ muito grande para atender a demanda existente. Imaginou-se então

237
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 13 – Usina hidroelétrica Capivari Cachoeira – fotos da casa de força

uma usina menor que serviria como passo inicial para um apro­ Outra iniciativa importante nesta época foi a contratação de um estudo
veitamento futuro de maiores dimensões. Por isso foi chamada para verificar a viabilidade técnica e econômica da reversão do alto rio
de “usina piloto”. O projeto foi contratado com o engenhei­ Iguaçu para o litoral, num esquema semelhante ao projeto Capivari-
ro Cardellini, de formação italiana e radicado em São Carlos, Cachoeira, mas agora revertendo uma vazão muitas vezes maior. Para
São Paulo. O conceito do projeto previa um canal de adução de pare­ isto foi contratada a IECO – International Engineering Company, dos Estados
des curvas na margem esquerda, alimentando uma barragem-tomada Unidos, que tinha contratos em andamento com Furnas e grande repu­
d’água em arco com 4 grupos geradores de 3,8 MW cada um. tação técnica. O estudo final viabilizava o empreendimento (supondo a
O fluxo principal do rio não era afetado e continuava livre so­ existência de demanda) com três barragens no alto Iguaçu associadas a
bre o salto. O projeto de características hidráulicas e constru­ estações elevatórias, túneis de adução e casa de força subterrânea com
tivas complicadas foi estudado no laboratório de hidráulica do aproximadamente 4.000 MW instalados e restituição através de túneis
CEHPAR, foi construído a partir de 1962 e entrou em operação de fuga descarregando próximo a Garuva, na divisa entre o Paraná
em setembro de 1967. Este empreendimento, 15 anos mais tarde, e Santa Catarina. O empreendimento não prosperou porque, entre
foi inundado pelo reservatório de Foz do Areia. outras razões, não existia demanda para tal potência. Houve tentativas
238
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Figura 14 –
Barragem de
Capivari-Cachoeira

modestas de acordo com o estado de São Paulo para o desenvolvi­ Entretanto, houve uma parceria importante para ocasião, entre
mento em parceria, mas que também não progrediram porque este os estados de São Paulo e do Paraná, através da participação da
estado estava iniciando na ocasião os grandes projetos do Complexo COPEL na USELPA – Usinas Elétricas do Paranapanema, do
Urubupungá, no rio Paraná (Jupiá e Ilha Solteira) que, embora mais governo paulista, com base na qual foi possível o suprimento de
distantes da capital do estado e mais caros que a alternativa do Iguaçu, energia elétrica à região de Londrina e Maringá a partir da
não podiam politicamente ser trocados por projeto em outro estado. usina de Salto Grande do Paranapanema.

Figura 15 - Vista
da casa de força
da usina de Salto
Grande do Iguaçu
– 15.200 kW

239
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Na segunda metade dos anos 60 a COPEL desenvolveu o projeto


e construiu a usina hidroelétrica de Foz do Chopim, chamada pos­
teriormente de Júlio de Mesquita Filho, com 44 MW, no oeste do
Estado. O rio Chopim é um afluente pela margem esquerda do rio
Iguaçu, atingindo este rio após desenvolvimento em várias curvas
(falsos meandros) ocasionadas pela orografia da região basáltica.
Com uma pequena barragem-tomada d’água na última curva, a
vazão do rio Chopim é encaminhada por meio de canal aberto e
conduto forçado a uma casa de força equipada com dois grupos de
22 MW cada, situada na margem esquerda do rio Iguaçu. Este
empreendimento foi projetado pela SERETE Engenharia, de São
Paulo. Pela COPEL o responsável foi o engenheiro Arturo Andre­
oli, que mais tarde viria a ser presidente da empresa e responsável Figura 16 - Inauguração de Salto Grande do Iguaçu em 29 de setembro
pelas obras subsequentes no rio Iguaçu até o final dos anos 70. de 1967. Da esquerda para direita: professor Parigot de Souza, general
José Costa Cavalcanti e governador Paulo Pimentel

Um fato extremamente relevante ocorrido na segunda metade dos do Sul. O objetivo do Comitê Sul era o levantamento das principais
anos 60, foi a constituição do Comitê de Estudos Energéticos da bacias hidrográficas dos três estados sulinos (menos os rios que já
Região Sul – Comitê Sul, sediado em Curitiba e organizado sob a tinham sido considerados no estudo do sudeste: Tibagi e Ribeira
gestão da COPEL. O Comitê Sul era a continuação dos estudos do Iguape e dos trechos que formam fronteira internacional) com
executados na região Sudeste pela CANAMBRA, e foi formado o propósito de identificar e avaliar os locais potencialmente ade­
por engenheiros canadenses e americanos que haviam atuado no quados, técnica e economicamente, para desenvolvimento hidro­
Sudeste e por profissionais locais designados pela COPEL, além de elétrico. O estudo desenvolvido entre 1967 e 1969 identificou as
alguns designados pelas empresas de Santa Catarina e do Rio Grande principais obras no curso principal e afluentes dos rios Iguaçu, Piquiri

Figuras 17a e 17b - Usina hidroelétrica de Foz do


Chopim - casa de força e barragem

240
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

e Ivaí, no Paraná, Canoas e Uruguai, em Santa Catarina, e Rio Grande Um outro aspecto relevante no desenvolvimento deste projeto foi
do Sul, Jacuí, Ibirapuitã e Camaquã, no Rio Grande do Sul. Apesar o fato de que, apesar da COPEL ter tido a iniciativa do empreen­
de ter havido revisões nos resultados dos estudos, quase todos dimento, a recente criação, na época, de uma empresa federal que
os potenciais identificados estão hoje aproveitados. teria a exclusividade na geração de obras de propósito supra-esta­
dual, fez com que a concessão fosse transferida para a ELETRO­
No final dos anos setenta, com base no resultado dos estudos SUL. A COPEL, entretanto, conseguiu ser designada a “gestora”
do Comitê Sul – CANAMBRA, a COPEL decidiu pleitear e cons­ do empreendimento e seguiu assim até o final da obra, em 1974.
truir a usina hidroelétrica de Salto Osório. Esta decisão, que poderia
parecer injustificada, pois iniciava o desenvolvimento do rio com
uma obra situada longe das cabeceiras, foi tomada por razões prá­
ticas uma vez que no local estava sendo finalizada a construção de
Foz do Chopim e existia uma estrutura de apoio para o início de
um novo empreendimento. A decisão e a implementação com su­
cesso das gestões voltadas para a realização da obra são devidas
ao engenheiro Arturo Andreoli, então diretor técnico da empre­
sa. Depois de Capivari-Cachoeira, Salto Osório (1.050 MW) foi
a grande realização da COPEL no início dos anos 70 e o ponto
de partida para os sucessos seguintes.

O projeto de engenharia de Salto Osório foi contratado com o


consórcio SERETE (que já atuava em Foz do Chopim) e Kaiser
Engineers Corp., dos Estados Unidos. O gerente do projeto do
consórcio projetista foi o engenheiro Warren Schumann que teve
um papel fundamental no desenvolvimento da maioria das obras Figura 18 - Usina hidroelétrica de Salto Osório
do rio Iguaçu. Pela primeira vez no Paraná, foi estabelecida pela
COPEL uma junta de consultores independentes, que também Antes do final de Salto Osório, a ELETROSUL e a COPEL se
teriam um papel muito importante nas obras subsequentes. Esta mobilizaram politicamente para realizar outras obras no rio Iguaçu
junta era formada pelos engenheiros J. Barry Cooke, James Libby, tomando sempre por base a previsão de obras formulada pelo
Thomas Leps e Victor F. B. de Mello. Comitê-Sul – CANAMBRA.

A solução técnica do projeto inclui uma barragem de enrocamen­ A ELETROSUL fixou seu objetivo na usina de Salto Santiago
to com núcleo inclinado de argila, com 56 m de altura máxima e (1.420 MW), situada imediatamente a montante de Salto Osório
750 m de comprimento, e dois vertedouros com capacidade con­ com a possibilidade de iniciar serviços de campo a partir da base
junta de descarga de 27.000 m3/s. Nas discussões para a formulação estabelecida em Salto Osório. Ela obteve sucesso em seu pleito pela
do arranjo e do tipo de barragem, houve a sugestão da junta de concessão do aproveitamento e contratou os estudos de engenharia
consultores para adoção de uma barragem de enrocamento com de projeto com a Milder-Kaiser Engenharia S.A. em 1974, que re­
face de concreto, mas como não havia antecedentes deste tipo tomou alguns estudos preliminares já executados para a ELETRO­
de obra no Brasil, a COPEL não aceitou a sugestão. SUL em anos anteriores, pela SERETE. A ELETROSUL, naquela

241
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 19 - Obra e fechamento do desvio do rio da usina hidroelétrica de Salto Santiago.


Engenheiros e consultores (a partir da esquerda: Brasil P. Machado, Jaime
L. Piuma, Kamal Kamel, Thelmo Thompson Flores, Arturo Andreoli)

época, era dirigida pelo engenheiro Mario Lannes e seu diretor


técnico era o engenheiro Fernando Correa de Azevedo. A Milder-
Kaiser que tinha sido organizada em São Paulo por Isaac Milder,
oriundo da SERETE, montou uma estrutura técnica no Rio de Janei­
ro e designou para a gerência do Projeto Salto Santiago o engenheiro
Jaime Leivas Piuma que foi o principal responsável pela engenha­
ria desta obra. A ELETROSUL, seguindo a prática de Salto Osório
contratou o mesmo grupo de consultores especiais daquela obra:
J. Barry Cooke, James Libby, Victor F. B. de Mello e Thomas Leps.

A usina hidroelétrica de Salto Santiago, projetada para uma insta­ com 80 m de altura, e uma barragem de terra homogênea fechando
lação de 2.000 MW, foi construída pela Camargo Correa estrita­ um ponto baixo no reservatório.
mente no cronograma estabelecido inicialmente, com a primeira
unidade entrando em operação no final de 1980. O projeto incluiu A COPEL centrou sua atenção nas obras previstas no trecho ini­
uma barragem principal de enrocamento com núcleo de argila, cial do rio Iguaçu, Lança a montante de União da Vitória, Salto
242
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Figura 20 - Usina
hidroelétrica
Salto Santiago

Grande do Iguaçu e Foz do Areia a jusante desta cidade. Em 1973 só empresas federais poderiam construir obras de geração que ultra­
contratou os serviços de engenharia da Milder-Kaiser e assegurou passassem a demanda do estado onde se situam.
a participação técnica, como gerente do projeto, de Warren Schu­
mann, da Kaiser Engineers. Os estudos realizados pela Milder-Kaiser Definidas as características energéticas e orográficas de Foz do Areia
mostraram que Lança, uma barragem baixa criando um reservató­ a seleção do tipo de barragem que teria 160 m de altura demandou
rio de área muito extensa tinha méritos, mas resultava economica­ longas discussões técnicas. A COPEL contratou, como fizera em
mente menos atraente que uma variante de Foz do Areia que, com Salto Osório, uma junta de consultores especiais, agora formada
uma barragem muito mais alta, inundasse o Salto Grande do Iguaçu por J. Barry Cooke, Victor F. B. de Mello e Nelson Luiz de Sousa
estabelecendo o nível máximo em cota compatível com a cidade Pinto. A influência de Barry Cooke fez com que se decidisse por
de União da Vitória. Esta alternativa, chamada na época Foz do uma barragem de enrocamento com face de concreto, que não só
Areia Alto, prevaleceu pois, além de criar um reservatório regulador seria a primeira do tipo no país, mas seria na época a mais alta do
semelhante ao previsto para Lança, tinha menor área e criava mundo neste tipo. Isto tudo fez com que o grupo técnico envolvido
uma queda aproveitável para geração de energia. O engenheiro na concepção e desenvolvimento da obra fosse formado e mantido
Arturo Andreoli, presidente da COPEL na época, teve o gran­ com pessoal de alta qualificação. A projetista, Milder-Kaiser, já dis­
de mérito de assegurar o projeto para o Paraná e de convencer punha de um quadro técnico de primeiro nível e a COPEL trouxe da
a ELETROBRAS a criar uma exceção à regra que determinava que Colômbia o engenheiro Bayardo Materón, que tinha experiência
243
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figuras 21a e 21b – Obras da usina hidroelétrica Foz do Areia

neste tipo de obra nas realizações na­ dos os serviços urbanos necessários. Um pouco antes da implantação da planejada Faxinal,
quele país, e designou o experiente en­ com o interesse da população ribeirinha por Foz do Areia, em busca de um novo “Eldorado”
genheiro Pedro Marques Filho, para o iniciou-se a formação de um pequeno povoado próximo ao canteiro da usina. Com a influência
acompanhamento e controle dos ma­ da novela da época (1973), “Fogo sobre Terra”, a pequena vila em formação recebeu o nome
teriais de enrocamento e questões ge­ de Nova Divinéia e seus principais personagens inspiraram nomes de bares, pensões e outros
ológicas associadas. A construção da ramos comerciais, tais como Barbearia Sandra Bréa e Bar Pedro Azulão.
obra foi dividida em dois contratos: o
primeiro para os túneis de desvio e pré- Figura 22 - Usina hidroelétrica Foz do Areia
ensecadeiras foi realizado pela Andrade
Gutierrez; o segundo, para o restante
das obras civis foi outorgado à CBPO
hoje uma empresa do Grupo Odebre­
cht. A usina, projetada para 2.500 MW
teve sua primeira unidade entrando em
operação em outubro de 1980, estrita­
mente de acordo com o cronograma
formulado 5 anos antes.

Para que a obra começasse a deslan­


char, em janeiro de 1975, a Copel ini­
ciou a implantação das obras de infra-
estrutura que incluíam uma verdadeira
cidade, Faxinal do Céu, cerca de 12 km
da obra, com 1.600 residências e to­

244
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Desta forma, no princípio da década de oitenta


as grandes barragens do Paraná vinculadas
à COPEL e ELETROSUL eram Capivari,
Salto Osório, Salto Santiago e Foz do Areia,
hoje denominada usina hidroelétrica Go­
vernador Bento Munhoz da Rocha Netto.
A década de oitenta foi marcada pela crise da
dívida externa brasileira que fez com que as
fontes de financiamento do governo secas­
sem e poucas obras pudessem ser realizadas.
No Paraná a COPEL fez várias tentativas
de viabilizar financiamentos para a próxima
usina do rio Iguaçu, Segredo e desta obra so­ Figura 23 – Visita às obras de Foz do Areia em 31 de agosto de 1979, na qual foi confirmada
a concessão da usina hidroelétrica Segredo. A partir da esquerda Douglas Souza Luz, governador
mente conseguiu executar os túneis de desvio Ney Braga e o presidente João Figueiredo discursando
e escavações preliminares para a barragem.
as empresas MDK (sucessora da Milder-Kaiser agora parte do grupo CNEC) e CENCO.
A usina de Segredo, a jusante de Foz do Manteve a mesma junta de consultores especiais de Foz do Areia. O projeto incluiu uma
Areia tinha sido planejada para ser cons­ barragem de enrocamento com face de concreto com 145 m de altura formulada com
truída contemporaneamente com Salto os mesmos conceitos de Foz do Areia. De 1982 a 1987 o projeto foi desenvolvido sob a
Santiago, que por isso tinha tido a cota má­ gerência do engenheiro Kamal Kamel, naquele tempo, na MDK. Em 1985 foi contratada
xima do seu reservatório aumentada em
Figura 24 – Assinatura do contrato do projeto da usina hidroelétrica Segredo em 19 de março de 1980.
15 m de modo que numa operação conjunta Da esquerda para direita Lindolfo Zimmer (diretor de engenharia e construções da COPEL), Douglas
houvesse ganho de volume em Santiago e Souza Luz (presidente da COPEL), governador Ney Braga assinando, Brasil Pinheiro Machado
(diretor técnico da Milder Kaiser), Fernando Luiz Correa de Azevedo (presidente Milder Kaiser)
de queda em Segredo. Neste conceito, Se­
e Willian Simonsen (diretor comercial da Milder-Kaiser)
gredo seria uma obra da ELETROSUL que
efetivamente realizou estudos incluindo al­
ternativas com barragens de concreto em
abóbada propostas pela Enge-Rio. Entretan­
to, por problemas econômico-financeiros,
a obra de Segredo foi postergada.

Durante a visita do então presidente da re­


pública João Figueiredo à obra de Foz do
Areia, em 31 de agosto de 1979, foi confir­
mada a concessão da usina de Segredo para
a COPEL, com potência prevista à época
de 2.100 MW e foram iniciadas as ativida­
des de projeto. Para isso foram contratadas

245
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figuras 25a e 25b – Obras da usina hidroelétrica Segredo

a construção das obras do desvio com a Construtora CR Almeida S.A. Estas obras duraram Desde o inventário, a motorização e
aproximadamente um ano e a continuação não pode ser realizada por problemas políticos e energia da usina hidroelétrica Segredo
econômico-financeiros. Em 1988 foi possível a retomada da obra que foi contratada com consideraram as águas do rio Jordão,
um consórcio de empresas do Paraná: DM Construtora de Obras, CESBE e SINODA. que é um tributário importante do rio
A obra foi concluída em 1992 e a geração inicial ocorreu em julho daquele ano sendo hoje Iguaçu. Com a definição da implantação
denominada Usina Hidroelétrica Governador Ney Braga. da usina de Salto Santiago em cota mais
alta que a originalmente prevista, o eixo
da usina de Segredo foi modificado
para montante da foz do rio Jordão.

Durante a implantação da hidroelétrica


de Segredo, considerou-se para efeito
de motorização a derivação das águas
do rio Jordão através de conjunto barra­
gem, vertedouro e túnel de interligação
entre os dois reservatórios. O conjun­
to de obras de derivação do rio Jordão
contempla ainda uma pequena central
hidroelétrica para aproveitamento da vazão
mínima de 10 m3/s necessária à pereni­
zação do trecho a jusante do rio Jordão,
por questões ambientais.

A obra foi iniciada em maio de 1994 e


Figura 26 - Usina hidroelétrica Segredo concluída em outubro de 1996, permi­
246
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Figuras 27a e 27b – Derivação do rio Jordão durante a construção. Barragem e túnel de derivação

tindo a geração na usina hidroelétrica pela italiana Del Favero S.p.A. considerando o arranjo utilizando barragem de concreto compacta­
Segredo com as águas derivadas do rio do com rolo. O arranjo selecionado tem o vertedouro em soleira livre incorporado à barragem, que
Jordão. A PCH entrou em operação possui altura máxima de 95 m, utilizando 570.000 m3 de concreto compactado com rolo e 80.000
em 2 de dezembro de 1997 comple­ m3 de concreto convencional. O túnel da derivação tem extensão de 4.800 m e diâmetro de 9 m.
tando o complexo energético Segredo-
Jordão, com uma potência instalada de Figura 28 – Derivação do rio Jordão
6,5 MW e queda líquida de 71,5 m. O
projeto básico foi executado pela MDK
Engenharia de Projetos, e o projeto
executivo foi feito internamente pela
COPEL - Companhia Paranaense de
Energia, concessionária dos dois apro­
veitamentos do complexo. A licitação
para contratação das obras permitiu
a escolha pelo empreiteiro entre dois
projetos, um com solução da barragem
em enrocamento com face de con­
creto e o outro arranjo em barragem
de concreto compactado com rolo.

A proposta vencedora foi apresentada


pelo consórcio formado pela empresa
paranaense Ivaí Construtora de Obras e
247
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 29 – Engenheiros da
COPEL e consultores durante
reunião da junta de consultores
da derivação do rio Jordão

O projeto executivo foi gerido e coordenado pelo engenheiro conveniência de aumentar o nível de represamento, levando o re­
José Marques Filho da COPEL, tendo como consultor de mate­ manso até Salto Osório e inundando Foz do Chopim. Esta foi
riais para a barragem o engenheiro Francisco Rodrigues Andriolo. a solução adotada e que deu origem, em 1992, à contratação do
Esta foi a primeira barragem de porte expressivo de CCR no consórcio projetista liderado pela INTERTECHNE e formado
Brasil, e a primeira que demonstrou a competitividade deste tipo adicionalmente por ENGEVIX, LEME e ESTEIO, que havia ven­
de solução. A junta de consultores foi composta pelo renomado cido a licitação promovida pela COPEL. Este consórcio realizou os
engenheiro paranaense Nelson Luiz de Sousa Pinto e os con­ estudos de engenharia e meio-ambiente incluindo projeto básico
sultores internacionais J. Barry Cooke, Thomas M. Leps e Paolo e executivo civil e eletromecânico. A barragem selecionada foi de
Cassano. Colaboraram, também, no processo de definições da concreto compactado a rolo (CCR) com 67 m de altura e 1.083 m
barragem de CCR, os consultores Walton Pacelli de Andrade, de comprimento. O gerente do projeto foi o engenheiro Kamal
Paulo José Melaragno Monteiro e Brian Forbes. Kamel, da INTERTECHNE. Uma característica significativa é o
vertedouro controlado por comportas com vazão de projeto de
A última barragem realizada no curso do rio Iguaçu foi a usi­ 50.000 m3/s. A construção foi contratada com a DM Constru­
na hidroelétrica de Salto Caxias, atualmente usina hidroelétrica tora de Obras que já havia atuado no Projeto Segredo. A usina
Governador José Richa. Esta obra estava prevista na divisão de entrou em operação em 1998 seguindo estritamente o cronograma
quedas proposta pelo Comitê-Sul – CANAMBRA, porém com de obras pré-determinado.
nível de represamento mais baixo, permitindo a construção de
uma outra obra – Cruzeiro – a jusante de Salto Osório e a mon­ Na época de sua construção foi um passo muito significativo em
tante de Foz do Chopim, mencionada anteriormente. Estudos termos de volume da barragem com cerca de 1.000.000 de m³ e em
realizados ao longo da década de oitenta pela COPEL indicaram a capacidade do vertedouro incorporado.
248
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Figuras 30a e 30b – Obras da usina hidroelétrica Salto Caxias

Figura 31 - Usina hidroelétrica Salto Caxias


249
250
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Companhia Energética de
Minas Gerais – CEMIG
Fazendo progresso com energia
“Trata-se (a Cemig) da mais bem sucedida história dentre todas as Flavio Miguez de Mello
experiências em âmbito estadual” Antonio Dias Leite Jr., 2007.

A pré-história Figura 1 – Início da obra da hidroelétrica de Gafanhoto sobre


o rio Pará em Divinópolis, inaugurada em 1946

No estado de Minas Gerais antes da II Gran­


de Guerra Mundial a energia elétrica era
escassa. Muitas micro-usinas hidroelétricas
supriam a necessidade de energia de fazendas
isoladas e mesmo de pequenas cidades.
Destacava-se na época a Zona da Mata que
era suprida pela Companhia Força e Luz
Cataguazes Leopoldina CFLCL no vale do
rio Pomba e pela Companhia Mineira de
Eletricidade no vale do rio Paraibuna, nas pro­
ximidades de Juiz de Fora. A capital do estado
era suprida pelo grupo da AMFORP. Essas
empresas passaram a sofrer as consequências
funestas do Código de Águas, criado em 1934
com o pretexto de disciplinar o regime de
concessões dos serviços de eletricidade que até
então era anárquico, pois as concessões eram
dadas por estados e municípios. Dentre as

Usina hidroelétrica de São Simão. A mais importante usina


da Cemig: a de maior produção de energia e a mais rentável

251
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

consequências funestas estava a eliminação da cláusula ouro que ga­ O Código de Águas estabeleceu determinados princípios tais como
rantia às empresas o reajustamento das tarifas. Como as empresas o de que todos os recursos hídricos eram da União e, consequen­
acima mencionadas eram privadas, passou a haver dificuldades para temente, o poder concedente passou a ser exercido pela União.
o correto equilíbrio econômico e financeiro dos contratos de con­ Para tanto foi criada a Divisão de Águas no Ministério da Agricul­
cessão na medida em que a inflação, ainda que nos níveis modestos tura, antecessora do Departamento de Águas e Energia Elétrica
da época, desestimulava novos empreendimentos de geração, trans­ DNAEE que deu origem às atuais Agências Nacionais de Águas
missão e distribuição de energia elétrica. Das empresas privadas que ANA e de Energia Elétrica ANEEL.
atuavam em Minas Gerais, apenas a CFLCL sobreviveu ao Código
de Águas que era mais de energia do que de águas. Águas era só o No estado de Minas Gerais o início da participação do estado na
pretexto. O principal objetivo do Código de Águas era a paralisação geração de energia elétrica começou a ocorrer no governo Milton
das empresas privadas do setor elétrico o que gerou considerável Campos que formulou um plano de maior envergadura para aten­
gargalo na expansão da oferta de energia elétrica e, consequente­ dimento das necessidades de eletrificação do estado. O secretário
mente, desaceleração no desenvolvimento econômico no pós guer­ de viação e obras públicas entre 1947 e 1951, engenheiro José
ra, época em que houve forte incremento da economia em quase Rodrigues Seabra contratou a consultora Companhia Brasileira de
todos os outros países. O gargalo acima mencionado propiciou Engenharia para elaborar o Plano de Eletrificação de Minas Ge­
o aparecimento do estado na geração de energia elétrica. rais. A intenção do engenheiro Seabra era que o engenheiro Lucas
Lopes se encarregasse de comandar a elaboração do plano com
o apoio da consultora. Entretanto, nem a consultora nem Lucas
Lopes tinham experiência na elaboração de planos dessa natureza.
Na formação da equipe foram incluídos os engenheiros Mauro
Thibau e John Cotrim. Pela primeira vez foi feito no Brasil um plano
de obras públicas tão abrangente. Foi feito um detalhado levantamento
das vocações econômicas mineiras e dos locais onde essas vocações
deveriam ter o suporte de energia elétrica. A idéia era criar a infra­
estrutura energética para incentivar a implantação de indústrias e de
atividades de mineração. A esse respeito, os mineiros não perdoaram
Getúlio Vargas por não instalar a primeira grande siderúrgica em
Minas Gerais apesar do Macedo Soares ter explicado inúmeras vezes
que foi selecionado o local de Volta Redonda por questões de mer­
cado pois siderúrgicas devem ficar próximas ao mercado e não ao
minério. Mas o Plano de Eletrificação garantiu a energia necessária
para a instalação da Mannesmann em Minas Gerais.

Figura 2 – Lucas Lopes, primeiro


presidente da CEMIG

252
CINQUENTA ANOS DO COMITÊ BRASILEIRO DE BARRAGENS

Na campanha presidencial de 1950 Getúlio se disse em dívida com Como essas empresas existiam e como era necessário haver
Minas Gerais e prometeu a instalação de uma segunda siderúrgica recursos para o pagamento dos salários dos executivos que iriam
em território mineiro. A Mannesmann tinha planos de se instalar comandar a CEMIG que ainda não existia, os membros da equi-
no Rio de Janeiro e foi ao Getúlio, então presidente da República, pe de transição ficaram sendo diretores dessas empresas. Assim,
para pedir apoio federal para implantação da nova siderúrgica. Em foram diretores dessas empresas Lucas Lopes, John Cotrim,
resposta Getúlio disse “Eu dou tudo que os senhores quiserem contanto Pedro Laborne Tavares, Júlio Soares e José de Castro.
que essa usina vá para Minas”. Os alemães argumentaram que em
Minas Gerais não havia energia elétrica. Getúlio disse aos alemães
que procurassem o recém governador de Minas Gerais pois ele
A CEMIG em seus primeiros anos
havia mencionado o Plano de Eletrificação elaborado no governo
A CEMIG foi fundada em 22 de maio de 1952. Desde o seu início
Milton Campos. Juscelino afirmou aos alemães: “Podem instalar a
até 1955/1956 a CEMIG dedicou-se basicamente à construção
usina que nós garantimos a energia”. Essa garantia dada pelo governa-
de usinas hidroelétricas, algumas das quais já se encontravam em
dor foi a principal razão do sucesso inicial da CEMIG uma vez que
passou a haver a necessidade de promover o suprimento de energia
elétrica tão logo que a siderúrgica ficasse pronta.

Empossado no governo Milton Campos, enquanto o Plano de Eletrificação


era formulado, o engenheiro Américo René Gianetti, titular da
Secretaria de Agricultura, Indústria, Comércio e Trabalho, dava
início a algumas hidroelétricas. Foram criadas empresas estatais
estaduais para implantação das primeiras hidroelétricas estatais em
Minas Gerais que posteriormente foram incorporadas pela CEMIG
quando esta foi criada no governo Juscelino Kubitschek. Assim,
foram criadas a Companhia de Eletricidade do Alto Rio Doce para
implantar a hidroelétrica de Santo Antônio, a Companhia de Ele-
tricidade do Médio Rio Doce para a construção da hidroelétrica de
Tronqueiras, a Companhia de Eletricidade do Alto Rio Grande para
implementar a hidroelétrica de Itutinga.

Figura 3 - Bilhete do governador Juscelino Kubitschek, dirigido ao seu secretário de


Viação e Obras Públicas, José Esteves, datado de 22 de fevereiro de 1951: “O Sílvio
Barbosa e o Júlio vão lhe falar sobre os planos que desejo pôr em execução no sector
de energia elétrica. Para facilitar-lhe a organização e dar-lhe o caráter comercial que
possibilite entendimentos com firmas financiadoras, precisamos estabelecer um “holding”
que controle as atividades gerais das diversas centraes elétricas que pretendemos
construir. Peço combinar com eles e assentar em definitivo as medidas. Grato.”

253
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 4 - Assinatura de contrato


para financiamento no Export
Import Bank para construção da
usina de Camargos. Da esquerda
para a direita: Mário Bhering,
vice-presidente da Cemig,
Cândido Hollanda de Lima,
presidente da Cemig, e S. Wangh,
presidente do Eximbank

Figura 5 - Inauguração da Usina


Hidroelétrica de Camargos em
janeiro de 1961, vendo-se o
governador Bias Fortes descerrando
a placa inaugural, ao lado do
presidente da Cemig, Cândido
Hollanda de Lima

254
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Figura 6 – Inauguração da Usina de Itutinga, em 3 de fevereiro de 1955, vendo-se o governador Juscelino Kubitschek
no momento simbólico em que aciona a chave, colocando a usina em operação. Da esquerda para a direita, Tancredo
Neves, deputado federal, John Reginald Cotrim, vice-presidente da Cemig

construção. Seu programa inicial compreendia a construção ou a Mauro Thibau e Mario Bhering. Entre os primeiros engenheiros que
conclusão das hidroelétricas de Itutinga, Troqueiras, Salto Grande, foram contratados estavam Camilo Penna e Henrique Guatimosin.
Piáu e Cajuru, totalizando quase 150 MW instalados.
Das obras iniciadas no governo anterior a que demandou mais
Os passos iniciais da CEMIG na implantação de suas usinas eram trabalho foi a hidroelétrica de Salto Grande. Há relatos de que os
apoiados por recursos diretamente destinados à empresa sem pas­ estudos existentes eram muito superficiais, não havia levantamento
sar pela Secretaria de Finanças para desespero do secretário José topográfico completo da área de implantação da usina, não haviam
Maria Alkmin. Na realidade havia uma disputa nesse sentido entre o sido executadas prospecções geológicas e geotécnicas, os túneis
secretário de finanças Alkmin e o engenheiro Lucas Lopes que conse­ estavam mal locados, a casa de força estava em terreno não apro­
guiu manter os recursos financeiros diretamente alocados à CEMIG. priado, os equipamentos permanentes já haviam sido comprados e
entregues, estando há mais de um ano abandonados em caixotes em
Após a constituição da CEMIG foram agregados ao grupo de terreno marginal à ferrovia em Coronel Fabriciano sem qualquer
diretores anteriormente composto os engenheiros Flavio H. Lyra, identificação. Vários equipamentos elétricos estavam estragados.
255
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 7 - Inauguração da barragem


de Cajuru em 1959. Juscelino
Kubitschek, candidato a presidente
da República do Brasil e Mario
Bhering, vice-presidente da Cemig

A Techint italiana foi contratada e o projeto foi alterado e detalhado. financeira que nunca antes havia sido feito em empreendimento
Essa indispensável alteração teve suas implicações políticas, pois uma não privado no País. Como na época não havia empresas nacio­
obra iniciada no governo da UDN estava sendo novamente concebida nais com reconhecidas capacitações para o desenvolvimento do
e projetada num governo do PSD. Com uma nova estrutura geren­ projeto e da construção, foram contratadas a IECO de São Fran­
cial que compreendeu a contratação de novos quadros da CEMIG cisco e a Morrison & Knudsen, ambas americanas que já estavam
foram incluídos engenheiros civis que permaneceram no setor engajadas em outros contratos no Brasil. Os padrões exigidos pelo
elétrico como Carlos Alberto Pádua Amarante e João Alberto Banco Mundial fizeram com que a CEMIG fosse obrigada a, des­
Bandeira de Mello. Carlos Gomes foi o engenheiro eletricista de seu início, se tornar uma empresa com gestão moderna para a
encarregado de identificar, estocar e recuperar os equipamentos época. John Cotrim como diretor técnico, Flavio H. Lyra acumu­
que haviam se estragado pela chuva no matagal marginal à ferrovia; lando a diretoria financeira da CEMIG com a superintendência
a obra de Salto Grande que envolvia duas barragens, dois túneis de Itutinga, Mário Bhering como responsável pelas compras e
de adução e uma casa de força foi concluída com sucesso. uma equipe de supervisão de obras que contava com Camilo
Penna, a implantação de Itutinga não causou problemas como os
A implantação da hidroelétrica de Itutinga teve uma história verificados em Salto Grande.
diversa. Após a instituição da CEMIG surgiu a oportunidade
do Banco Mundial financiar a aquisição dos equipamentos e de Um dos fatores que garantiram o sucesso nos primeiros anos da
alguns serviços de engenharia. Com isso foi necessário que se CEMIG foi o criterioso processo de contratação. Numa oportu­
fizesse um estudo completo de viabilidade técnica, econômica e nidade o governador Israel Pinheiro, através de Julio Soares, outro

256
Figura 8 – Escavação do túnel
de adução da hidroelétrica de
Salto Grande

257
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

diretor da empresa, indicou um engenheiro para contratação. John Veio a posse do Juscelino como presidente da República e
Cotrim pediu inicialmente que lhe enviassem o currículo do referi­ um natural esvaziamento da CEMIG com a drenagem de seus
do engenheiro. Israel comentou “Que bobagem é essa que o Cotrim está quadros para o governo federal. Lucas Lopes, presidente da
inventando?” Julio Soares explicou: “É o curriculum vitae.” Israel con­ CEMIG, assumiu o BNDE (hoje BNDES), John Cotrim e
cluiu: “Ah, essa companhia não vai funcionar nunca.” Passado algum Flavio H. Lyra começaram a trabalhar para viabilizar a hidro­
tempo o próprio Israel foi assediado por um cidadão que queria um elétrica de Furnas. A solução encontrada para a CEMIG foi
emprego em qualquer lugar. Como o Israel queria se livrar do a colocação do professor Cândido Holanda de Lima na presi­
referido cidadão, lembrou-se do ocorrido anteriormente e per­ dência uma vez que, contraparente e amigo do governador Bias
guntou ao Júlio Soares: “Como é que se chama aquilo que o Cotrim pede Fortes e ex-professor de muitos que compunham os quadros
quando não quer contratar alguém?” técnicos da CEMIG, tinha as condições de bom trânsito interna­
mente na empresa e externamente junto ao governo do estado.
Cabia ao engenheiro Mauro Thibau a organização das equipes O governo federal passou a atuar no sentido de viabili­
de operação das primeiras usinas. Ele conseguiu alguns poucos zar dois grandes empreendimentos de geração com grandes
veteranos de outras empresas que operavam no Brasil como reservatórios em Minas Gerais: Três Marias com objetivos de
Mr. Leslie T. Smith, contador inglês vindo da Light, mas grande regularizar e melhorar as condições de navegabilidade do rio
parte do pessoal veio de fora, inclusive Vítor Cataldo que veio São Francisco e Furnas com objetivo de vir a ser o principal
de Porto Rico organizar a operação e Mr. Crowl que trouxe a regularizador de todo rio Grande onde muitas hidroelétricas
disciplina financeira do TVA. Também vieram mais de dez grandes viriam a se localizar.
russos após a revolução chinesa de 1949 como Alissof, Schnaptis,
Tornovsky e os Popof. Três Marias, situada em uma área pobre de recursos naturais e
com baixíssima ocupação demográfica, era um empreendimento
Quando os esforços estavam direcionados para a conclusão das simpático aos mineiros enquanto que Furnas, por ser destinada a
usinas de Salto Grande, Itutinga e Tronqueiras, a única fonte de atender a demanda regional e principalmente socorrer centros de
receita operacional vinha da venda de energia da usina de Gafa­ carga situados em outros estados estrangulados pelos efeitos do
nhoto herdada do DAE. A receita era insuficiente para os gastos da Código de Águas em empresas privadas do setor elétrico, nome­
recém criada CEMIG. Nessa época a atuação de Júlio Soares, cunha­ adamente a Light e as empresas do grupo AMFORP, foi alvo de
do do Juscelino e responsável por sua educação, foi de fundamental ferrenha oposição a partir do governo estadual.
importância, pois na hora de desempatar a disputa por recursos,
desempatava sempre a favor da CEMIG. A barragem de Três Marias deveria ter sido uma obra da SUVALE,
autarquia destinada ao desenvolvimento do vale do rio São Fran­
cisco. A ferrenha oposição à implantação de Furnas fez com que o
Três Marias – A primeira grande obra governo federal firmasse um acordo muito vantajoso com a CEMIG
para a implantação de Três Marias pelo qual o governo federal
Desde 1946 foram acentuadas as discussões sobre os problemas custeou o reservatório e a obra civil, e a CEMIG se encarregou
de controle das vazões do rio São Francisco que desembocaram apenas da casa de força. Dificuldades iniciais existiram com a
na criação, em dezembro de 1948, na Comissão do Vale do São Fran­ Comissão do Vale do São Francisco que queria gerenciar a obra
cisco CVSF, posteriormente denominada SUVALE. Os primeiros civil e com ofertas de fabricantes despreparados para o fornecimento
estudos foram concluídos em 1952. de equipamentos.

258
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Figura 9 – Visita presidencial


às obras de Três Marias.
Da esquerda para a direita:
o embaixador dos EUA
no Brasil, C.P. Shoeller,
vice-presidente da Morrison-
Knudsen, o presidente da
Cemig, Cândido Hollanda
de Lima, o vice-presidente
da Cemig, Mario Penna
Bhering; o presidente da
República, Juscelino Kubitschek
de Oliveira, Assis Scafa, o
superintendente da CVSF,
Júlio Soares, diretor da Cemig,
Galdino Mendes, engenheiro
da CVSF e Henrique
Guatimosin, superintendente
de construções da Cemig

Três Marias era obra estratégica para o governo federal e se situava daquele que pedia carona e que ele não conhecia. Em outra opor­
a meio do caminho entre a então capital federal e a futura capital, tunidade, numa visita do presidente Juscelino ao canteiro de obra,
em construção. Embora o local de Três Marias fosse na época ele viu Mário, um técnico de solos que posteriormente trabalhou
considerado remoto, os dirigentes da CEMIG lhe dispensavam no IPT e na Enge-Rio, retirando com um cilindro na praça de
toda atenção. Consta que o diretor técnico John Cotrim, tido como compactação da barragem. Cautelosamente ele se aproximou
nervoso e bravo, e que havia expedido circular proibindo que veículos do técnico e, em voz baixa, perguntou o que ele estava fazendo.
da empresa dessem carona, no caminho para a obra, teve seu carro Mário respondeu que estava fazendo o controle de compactação
danificado em uma das longas estradas não pavimentadas. Como pelo método Hilf, novidade na época; explicou o método, Juscelino
ele sabia que uma viatura da CEMIG passaria por ali naquele dia, não entendeu nada mas disse ao pé do ouvido: “A qualidade é importante
ficou aguardando. Ao aparecer o veículo salvador levantando uma mas não retarde a construção.”
nuvem de poeira, ele começou a fazer sinais para que o veículo
parasse. O veículo diminuiu a marcha mas não parou. Muitas horas Para a implantação de Três Marias foi repetida a estrutura que teve
depois Cotrim chegou na obra e mandou chamar o motorista do excelente desempenho em Itutinga: o projeto pela IECO que insta­
veículo que, ao saber quem era o pretenso carona, tremia de medo. lou um escritório em Belo Horizonte e a construção pela Morrison
Ao se apresentar ao Cotrim, este elogiou o motorista que havia Knudsen. Os principais equipamentos permanentes vieram da
cumprido o que determinava a circular apesar da difícil situação Voith e da Siemens da Alemanha e contribuíram decisivamente para
259
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 10 - Inauguração de Três Marias, em 25 de julho de 1962, vendo-se o


presidente João Goulart, acionando a chave de funcionamento da usina, o governador
José de Magalhães Pinto e o presidente da Cemig, Celso Melo de Azevedo. Sorridentes
na fotografia, meses depois Magalhães participaria ativamente da deposição de Goulart

usinas geradoras como as da Companhia Mineira de Eletricidade,


da Sul-Mineira de Eletricidade e da Companhia Força e Luz de Minas
Gerais, esta vinda do grupo AMFORP. Mais tarde a CEMIG assumiu
a área de concessão da Bragantina em território mineiro, não sem
dificuldades políticas pois a Bragantina apelou para congressistas
ligados a Paulo Maluf e ao ministro Murilo Badaró da Indústria e
Comércio, este por estar em oposição a Trancredo Neves. A partir
de Três Marias a CEMIG foi gradativamente passando a contratar
consultoria nacional. Construtoras nacionais passaram a ser con­
tratadas com uma única exceção: a construção da hidroelétrica de
São Simão, resultante de concorrência internacional em que o fator
financiamento e contrapartidas pesaram na decisão da concorrência.

Em Três Marias, e principalmente nas usinas que se seguiram,


começaram a aparecer as segunda e terceira gerações de engenhei­
ros e gestores nas quais despontaram nomes de projeção tais como,
entre outros, Archimedes Viola, Paulo e Mario Mafra, Guy Vilella,
Licínio Marcelo Seabra, Octávio Mello Areas, José Maria Baptista,
Sérgio Brito, Cássio Viotti, Roberto Fonseca, José Augusto Pimen­
tel, Paulo do Val, Wellington Sebastião Jacarandá, Vinício Noce de
que esses fabricantes posteriormente instalassem fábricas no Brasil. Magalhães Gomes, Luiz Francisco Gualda Pereira, além dos mais
O desvio do rio foi feito no término do governo Juscelino e a inau- novos colaboradores do CBDB como Ricardo Aguiar Magalhães,
guração da usina pouco antes da revolução de 31 de março de 1964. Marcos Vasconcelos e Gilson de Almeida Furtado e muitos outros.

Três Marias marcou a transição da CEMIG na implantação de obras


de porte modesto para grandes usinas e obras de grande vulto. Logo
Jaguara e Volta Grande, importantes
após dava início às hidroelétricas no rio Grande, nomeadamente passos no rio Grande
Jaguara e Volta Grande, seguidas das hidroelétricas no rio Paranaíba,
São Simão e Emborcação. Marcou também a evolução da engenha­ Sob encomenda da Companhia Geral de Minas, a Ebasco de Nova
ria geotécnica em obras de terra. Pouco após essa época, já com a Iorque efetuou um estudo dos recursos hidroenergéticos do esti­
CEMIG estabelecida como grande empresa, ocorreram incorporações rão de 33 km do rio Grande nas proximidades da cidade de Rifaina
de pequenas usinas, cooperativas de eletrificação rural e de empresas e concluindo pela recomendação da implantação de uma hidroelétrica
260
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Figura 11 – Usina hidroelétrica de Jaguara

Figura 12 – Inauguração da
usina de Jaguara. Em primeiro
plano Mario Bhering, presidente
da Cemig, e Israel Pinheiro,
governador de Minas Gerais

que veio a ser confirmada pelo inventário da Canambra realizado


a partir de 1963 e confirmada pelo Comitê Energético da Re­
gião Centro-Sul. O projeto foi contratado à Eletroprojetos/
Eletrowatt associada à Geotécnica, em 1964. A construção foi
iniciada pela Mendes Jr em 1966 e, em 1971, a primeira unidade
entrou em operação. A necessidade de deslocamento do eixo para
montante por motivos geológicos em sua fundação demandou
tempo para tomada de decisão e ocasionou importante retardo no
cronograma inicial de construção. Sua segunda hidroelétrica com
capacidade acima de 600 MW propiciou à CEMIG importante
desenvolvimento nos campos de barragens de enrocamento com
núcleo de terra e de mecânica de rochas.

No estirão do rio Grande entre Jaguara e as cachoeiras Dos Patos e


Das Andorinhas (local da antiga e da nova hidroelétrica de Marim­
bondo) não havia nenhuma concentração de queda natural no rio
Grande. A queda nesse trecho do rio Grande foi dividida em três
locais com quedas brutas modestas. Coube inicialmente à CEMIG
a hidroelétrica de Volta Grande com 27,50m de queda bruta como
recomendada pelos estudos de inventário hidroenergéticos feitos pela
Canambra em 1966. No início de 1969 foi assinado com o consórcio
TAMS/ENGEVIX o contrato para desenvolvimento do projeto
261
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 13 – Usina hidroelétrica de Volta Grande


262
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

A conquista do rio Paranaíba: as


Figura 14 - Assinatura de contrato de financiamento com o Banco
Mundial, para a construção da usina hidroelétrica de São Simão,
na cidade de Washington, em 14 de junho de 1972
hidroelétricas de São Simão e Emborcação
O local das quedas conhecidas como Canal de São Simão, de im­
da hidroelétrica de Volta Grande e no início de 1970 começou a pressionante riqueza cênica pelo fato do rio Paranaíba despencar
construção pela Mendes Jr. As unidades geradoras entraram em em saltos verticais pelos dois lados de longa fenda longitudinal em
operação entre julho de 1974 e agosto de 1975, totalizando 380 MW. seu leito, se constituiu em excelente local para implantação econô­
Poucos problemas ocorreram na construção, podendo ser citadas mica de hidroelétrica de elevada capacidade instalada. Esse local
as erosões nos blocos de impacto da bacia de dissipação e a não passou desapercebido no inventário da Canambra e resul­
ocorrência de sismos induzidos pelos reservatórios de Volta Grande tou na hidroelétrica de São Simão com capacidade instalada de
(2,17x109 m³), cujo enchimento foi iniciado em novembro de 1973 1608 MW na primeira etapa (projetada capacidade de 2680 MW
e de Porto Colômbia (1,5x109 m³), cujo enchimento foi iniciado na segunda etapa). Pela primeira vez a CEMIG ultrapassou os
em junho de 1973. No dia 24 de fevereiro de 1974 foi sentido na 1000 MW instalados em uma única casa de força. O reservatório
cidade de Conceição das Alagoas pouco ao norte dos dois com área de 674 km² demandou a relocação das cidades de São
reservatórios um sismo de intensidade VIII na escala Mercalli Simão e Paranaiguara, além das vilas de Chaveslândia e Gouveilândia,
modificada. Esse foi o maior sismo induzido por reservatórios com importante operação de reassentamento populacional.
no Brasil. Tremores se seguiram nos últimos dias de fevereiro e
no início de março. As consequências na cidade foram pequenas Os primeiros levantamentos de campo visando a implantação de
e os tremores não se repetiram desde então. uma hidroelétrica foram efetuados a partir de 1960 pela Comissão
263
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 15 - O governador
Rondon Pacheco e o presidente da
Cemig, Camilo Penna, assinam
o contrato com a Impregilo para
a construção das obras civis da
usina hidroelétrica de São Simão,
em 14 de junho de 1973

Interestadual da Bacia do Paraná-Uruguai CIBPU. Em 1969 a argüido por horas. Um dos mais ferrenhos argüidores foi o deputado
CEMIG desenvolveu estudos visando a obtenção da concessão. Sylo Costa disse que a CR Almeida não tinha referências bancárias.
Em 1970 foi assinado o contrato com o consórcio projetista composto Camilo Penna disse que a CEMIG sempre pedia em suas concor­
pela IECO e sua filial brasileira. rências referências bancárias dos concorrentes. O referido deputado
insistiu várias vezes e Camilo Penna desconversava até que o depu­
São Simão era um empreendimento gigantesco para a CEMIG. tado repetiu a afirmação de que as referências, se realmente existiam,
Seu investimento era equivalente a todo capital da CEMIG. Foi teriam sido dadas por um “banquinho vagabundo”. Por mais de duas
necessário grande esforço para captar recursos externos para equi­ vezes o Camilo Penna desconversou, mas o deputado irado pros­
pamentos e para a obra civil. Estes vieram de financiamento do seguia pedindo as referências e afirmou “denuncio o Sr. Camilo Penna
Banco Mundial que exigiu uma concorrência internacional. Isso por estar escondendo documentos que são solicitados”. Nessa hora Camilo
gerou muita reclamação das empreiteiras nacionais. A concorrência Penna solicita a Licínio Marcelo Seabra que mostre as garantias.
foi vencida pela Impregilo, construtora italiana, em consórcio com Licínio começou, apresentando toda documentação: “a primeira re-
a CR Almeida, tendo a Mendes Júnior em segundo lugar com uma ferência é do Banco do Brasil, a segunda é do Bradesco, a terceira é do Banco
diferença de apenas cerca de 2%. O Banco Mundial foi inflexível Nacional, a quarta é do Banco Real,...”. Interessante realçar que dias
e a CEMIG teve que reconhecer a Impregilo/CR Almeida como depois da abertura das propostas, o presidente do Banco Central,
vencedora. A pressão sobre a diretoria da CEMIG foi grande. Em Paulo Lyra, ao valorizar o Cruzado aumentou a diferença a favor
depoimento ao Congresso Nacional o presidente da CEMIG foi da Impregilo/CR Almeida.
264
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Em junho de 1973 o consórcio construtor composto pela


Impregilo e a CR Almeida foi contratado para a execução das obras
civis, com a obra sendo iniciada dois meses depois. Em junho de
1978 a primeira unidade entrou em operação comercial após
cinco anos de construção. São Simão conferiu à CEMIG nova
importante ampliação em sua escala de obras civis e principalmente
em equipamentos permanentes.

Entretanto, foi ao longo do início da obra de São Simão que a


CEMIG, que havia sofrido uma sangria de recursos humanos
Figura 16 - João
quando da formação de Furnas, voltou a perder quadros técnicos Camilo Penna,
com a instituição da Eletronorte. Nessa ocasião foram da CEMIG presidente da
Cemig na época
para a Eletronorte os engenheiros Dário Gomes, João Eduardo de da usina
Moura Guido, Pimentel, Érico Bitencourt entre outros. John D. hidroelétrica
Cadman que havia trabalhado na CEMIG quando da realização do São Simão

inventário da Canambra, também foi da UFRJ para a Eletronorte


levando consigo o geólogo Homero Teixeira.

Naquela época a disputa por concessões era intensa entre as prin­


Dentro dessas perspectivas sombrias para o setor elétrico, a
cipais empresas do setor elétrico que se concentravam na Região
CEMIG que havia contratado a TAMS em 1976 para projetar a
Sudeste. O rio Grande, por exemplo, em seu trecho inferior dividia
hidroelétrica de Emborcação a partir dos estudos de inventário da
os estados de Minas Gerais e São Paulo, onde havia empresas
Canambra no rio Paranaíba a montante de São Simão, Cachoeira
importantes na geração de energia elétrica, estando também na área
Dourada e Itumbiara, contratou a Construtora Andrade Gutierrez
de Furnas. João Camilo Penna afirmou que “Da luta por Estreito a
que construiu a usina de Emborcação entre 1977 e 1982. A hi­
CEMIG ganhou Jaguara e depois ganhou Volta Grande. E tanto lutamos por
droelétrica de Emborcação se caracteriza pela alta barragem de
Marimbondo que acabamos ganhando São Simão.”
enrocamento com núcleo de terra, desvio e adução subterrânea e
capacidade de 1192 MW.
O País atravessava a segunda metade dos anos setenta com
dificuldades econômicas geradas a partir do primeiro choque do
petróleo (1973). Desde 1976 as tarifas passaram a ser manipuladas Retorno às hidroelétricas de porte médio
pelo governo federal longe do princípio de serviço pelo custo.
O governo Figueiredo passou a se interessar intensamente por Após São Simão e Emborcação a CEMIG passou a implantar
obtenção de empréstimos externos o que endividou as estatais hidroelétricas de porte médio em território mineiro.
federais. Outro erro dessa época foi, desde o governo Geisel,
o de ligar a rentabilidade das empresas de energia elétrica ao O aproveitamento de Igarapava havia sido identificado pela
esquema de tarifa única, o que penalizou a CEMIG como COBAST em 1960 e reavaliado pela Canambra em 1964/1965.
empresa de elevada eficiência, tendo que transferir recursos Inicialmente relegado a um segundo plano por causa de sua baixa
através da Reserva Global de Garantia. queda e potência inferior a de outros aproveitamentos, Igarapava

265
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 17 – Usina hidroelétrica de Emborcação

foi o último aproveitamento a ser desenvolvido no baixo rio 17m, entrou em operação no final de 1988 e passou a ser referência
Grande. Em 1985, sob a coordenação de José Turco Neto e a para outros projetos posteriores de usinas de baixa queda.
liderança técnica de Joaquim Pimenta de Ávila, a Enge-Rio desen­
volveu o estudo de viabilidade com aplicação de unidades bulbo, Também identificada pela Canambra, a usina de Miranda no
tendo conseguido viabilizar o até então “patinho feio” do rio rio Araguari, afluente do rio Paranaíba, teve o aprofundamen­
Grande. No final de 1987 a IESA foi contratada para o desenvolvi­ to técnico inicial em 1985 pelo consórcio Leme-EPC. A partir
mento do projeto mas, por carência de recursos, a construção só foi de 1986 a IESA foi contratada para o desenvolvimento do
iniciada em 1987 pela CNO após a CEMIG se associar outros inves­ projeto e em 1995 a Queiroz Galvão iniciou a construção.
tidores (Vale, CSN, Morro Velho e Cia Mineira de Metais). A usina, Durante o ano de 1998 as três unidades Francis de 132,5 MW cada
com quatro unidades bulbo de 40 MW cada sob a queda bruta de entraram em operação.

266
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

O exemplo das hidroelétricas anteriores, no que se refere à asso­ a SPEC que alterou o projeto adotando uma barragem de terra com­
ciação com outros investidores, frutificou também em Funil do rio pactada, túnel de desvio e estruturas de concreto situadas na margem
Grande. Vale e CEMIG se associaram para a implantação da direita; como construtor foi contratada a Servix/Mendes Jr. A primeira
hidroelétrica de Funil situada no rio Grande. Após reconheci­ das três unidades geradoras Kaplan entrou em operação em fevereiro
mento preliminar executado pela IECO em 1955, o local foi de 2006. A capacidade instalada da usina é 180 MW.
adotado pelos estudos da Canambra nos anos sessenta. Em
1971 a CEMIG encaminhou ao DNAEE relatório de pré-via­ Prosseguindo com a associação bem sucedida com a Vale, a Cemig
bilidade. Após 20 anos, em 1991, os estudos foram retomados. e a Vale implantaram a hidroelétrica de Aimorés denominada Elie­
Esses estudos foram complementados em 1996 indicando uma zer Batista em homenagem ao engenheiro que fez carreira na Vale
barragem em concreto compactado com rolo. Já nos anos 2000 foi atingindo a sua presidência e exercendo cargos públicos de
formado o consórcio construtor composto que teve como projetista relevância política no cenário federal. O baixo rio Doce envolvendo

Figura 18 – Usina hidroelétrica de Igarapava

267
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 19 - Guy Maria Villela Paschoal, Figura 20 – Usina hidroelétrica de Miranda


ex-presidente da Cemig

Figura 21 – Usina hidroelétrica de Funil, no rio Grande Figura 22 – Usina hidroelétrica de Irapé

268
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 23 - Inauguração da Usina de Irapé,


Hidroelétrica Presidente Juscelino Kubitschek,
no dia 8 de junho de 2006, no momento
simbólico de acionamento das unidades
geradoras. Aparecem na fotografia o presidente
da Cemig, Djalma Bastos de Moraes, o
governador Aécio Neves, a filha de Juscelino
Kubitschek, Maristela Kubitschek Lopes e
o presidente do conselho de administração da
Cemig, Wilson Bruner

Figura 24 - Solenidade de entrega da “Medalha


Lucas Lopes” à família de Licínio Seabra,
realizada na Sociedade Mineira dos Engenheiros
– SME, no dia 22 de fevereiro de 2001, com a
presença de ex-presidentes e do atual presidente
da Cemig. Da esquerda para a direita: Celso
Mello de Azevedo, Mario Penna Bhering,
Djalma Bastos de Morais, João Camilo Penna,
Francisco Afonso Noronha e Guy Maria
Villela Paschoal

270
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

o local de Aimorés foi alvo de diversos estudos sendo os principais que congreguem grande importância cultural, tecnológica, estética,
os da Servix em 1963/1964, os da Canambra a partir de 1964, funcional e social. Implantada em uma das regiões mais carentes
os da CEMIG entre 1975 e 1980, os da Themag/Montreal no do Estado de Minas Gerais, a hidroelétrica de Irapé representou
mesmo período para a Portobrás, os da IESA para a Eletrobras um investimento de cerca de R$ 1 bilhão dos quais R$ 250 milhões
entre 1985 e 1989, os da Monasa para a CEMIG e Vale em 1992 e foram destinados a programas sócio-ambientais. As 638 famílias
finalmente os da Promon SPEC em 1997 para a CEMIG que que ocupavam a área da hidroelétrica foram reassentadas em proprie­
resultaram no projeto executivo da SPEC. Todos esses estudos e dades que ocupam sessenta mil hectares, área que supera em quatro
projetos revelam que a concepção da hidroelétrica sofreu grandes vezes a área ocupada pelo reservatório.
alterações ao longo do tempo em função das interferências e dos
impactos sócio-ambientais com a cidade de Aimorés e com a fer­ Ao final desse meio século de intensas atividades, a CEMIG ultra­
rovia da Vale, implicando em derivação das descargas por vales passou as fronteiras do Estado de Minas Gerais com importantes
laterais situados na margem esquerda do rio. Essa derivação per­ participações em grandes empreendimentos como sua participação de
mite o aproveitamento de uma queda bruta de 26,9m resultando 10% no aproveitamento hidroelétrico de Santo Antônio no rio Madeira,
em três unidades geradoras Kaplan com 110 MW cada. A constru­ tendo vindo ter grande participação na Light, tradicional e importante
ção foi feita pela Queiroz Galvão e a primeira unidade entrou em empresa do setor elétrico no Estado do Rio de Janeiro.
operação em fevereiro de 2006.

Em 2002 a CEMIG iniciou a construção da usina de Irapé no vale


do Jequitinhonha com projeto Leme/ Intertechne e construção
Andrade Gutierrez/CNO. A barragem de enrocamento com nú­
cleo de terra com 208m de altura é a mais alta do País e a segunda
mais alta da América Latina. A implantação dessa usina fez jus ao
prêmio Puente de Alcántara que a cada dois anos é entregue a obras
272
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Companhia Estadual de
Energia Elétrica do Rio
Grande do Sul - CEEE
Lúcia Wilhelm Véras de Miranda

A história da Companhia Estadual de Energia Elétrica do Rio Gran­ Em 1948, era inaugurada a primeira unidade geradora de energia
de do Sul se apresenta em cinco principais períodos, estando, desde elétrica da Companhia, a usina do Passo do Inferno, totalmente
o seu início, vinculada à hidroeletricidade. projetada e construída pela Companhia. Seriam seguidas por
Ijuizinho, Ivaí, Saltinho, Touros, Forquilha, Santa Rosa e Guari­

Primeiro período: A CEEE como ta, com a participação do DNOS, seguida pelas hidroelétricas de
Ernestina, Bugres, Canastra, a termoelétrica de São Jerônimo e a
Comissão Estadual de Energia Elétrica usina Diesel de Porto Alegre.

Criada em 1º de fevereiro de 1943 através do decreto lei n.º 328, Iniciava uma vida profissional talentosa o engenheiro Pedro
vinculada à Secretaria de Estado dos Negócios e Obras Públicas Holtermann Netto, projetista nesse período, que acompanhou
com a finalidade de prever e sistematizar, em plano geral elaborado a história da CEEE até a sua gestão como diretor de obras no
para todo o estado, o aproveitamento dos potenciais hidráuli­ período de 1965 a 1970, acompanhado dos engenheiros
cos e carboníferos para a produção de energia, bem como inte­
grar esforços para a eletrificação dos municípios riograndenses
Figura 1 - Barragem Capingui no rio do mesmo nome (2.520 kW)
através do Plano de Eletrificação do Estado, lançado em 1945.

As hidroelétricas construídas no estado, anteriores à formação da


CEEE, construídas pelo DNOS ou empresas privadas, pertencen­
tes aos municípios e empresas privadas, como Inglês, Picada 48,
Pirapó, Guaporé, Toca, Capingui, Andorinhas e Herval, foram
encampadas pelo valor histórico menos a depreciação. Como se
tratava de unidades antigas, elas foram basicamente repassadas para
a CEEE, sendo assumidos seus passivos e encargos trabalhistas.

Usina hidroelétrica de Itauba. Vertedouro, tomada d’água,


condutos forçados, casa de força e subestação

273
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 2 – Engenheiro Pedro Holtermann Netto iniciou sua atividade profissional como
estagiário da CEEE, e logo formado, como engenheiro civil, em 1948.
Participou ativamente de todas as obras relacionadas à hidroeletricidade da
CEEE,especialmente entre os anos de 1965 e 1970, quando foi diretor de obras.
Após essa data, continuou atuando como projetista de hidroelétricas, atuando
inclusive em Tucuruí. A foto foi tirada em 23 de julho 2011 em sua residência.
 

Jorge Ernesto Dreher, Dietrisch Kuhlmann, Mario Lanes Cunha,


Heinrich Kotzien e Silvio Freitas.

A disponibilidade de um empréstimo do Banco Mundial arquite­


tada por Assis Chateaubriant, em valores da época de 30 milhões
de dólares não foi viabilizado. No entanto, um empréstimo con­
cretizado por parte do BNDE permitiu o desenvolvimento de
projetos diferenciados. de Energia Elétrica Rio Grandense – CEERG, de capital americano,
da energia necessária para o atendimento do seu mercado, que era

Segundo período: A CEEE como basicamente Porto Alegre.

autarquia É neste período que começam a se materializar as intenções da


comunidade gaúcha de agregar à CEEE esses serviços. Já em 1939
Em 20 de fevereiro de 1952, pela Lei n.º 1744, a CEEE foi conver­ o então Prefeito de Porto Alegre, José Loureiro da Silva, apresen­
tida em autarquia, tendo cada vez mais importância devido ao seu tara ao Coronel Osvaldo Cordeiro de Farias, Interventor Federal
crescimento, pois já no ano de 1950 a CEEE supria a Companhia no governo do estado, um estudo sobre os contratos de concessão

Figura 3 - Noé de Melo


Freitas, primeiro presidente
da CEEE quando
assinava o contrato da
usina hidroelétrica Jacuí

274
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

dos serviços públicos de energia elétrica com a CEERG. Foi então ção de um novo pacto político com a participação preponderante
discutida a encampação dos serviços de energia elétrica prestados dos militares. O modelo adotado desenvolveu-se sob a égide das
pela CEERG.  O engenheiro-chefe da CEEE, Noé de Mello Freitas, empresas multinacionais e do setor produtivo estatal. Com o
desempenhou um papel fundamental neste processo, pois já no objetivo de melhorar a infra-estrutura para o desenvolvimento na­
ano de 1945 se pronunciava a respeito da encampação, em docu­ cional, em 1965 o governo federal passou a estatizar os serviços
mento enviado ao secretário de obras públicas do estado, Walter de energia elétrica. Na década de setenta as concessionárias
Jobim. Somado a isso, havia a discutível alteração de valores de do setor de energia elétrica passaram a ter capital nacional.
tarifas nos contratos.

A CEEE viabilizava a construção de obras relevantes como as hidroelé­ Quarto período: a privatização
tricas de Ernestina, Bugres e Canastra, com tubulação adutora de 7 km,
Nos anos 90 setores antes considerados estratégicos para a economia,
e Maia Filho, com túnel de importante valor técnico para a época.
como o setor elétrico, começaram a ser privatizados.
No ano de 1957 inicia-se o processo de encampação, sendo que
em 11 de maio de 1959, através do decreto n.º 10.466 assinado Em 26 de dezembro de 1996 a lei estadual n.º 10.900 autorizando
pelo então governador Leonel Brizola, sacramentava-se a en­ o poder executivo a reestruturar societariamente e patrimonialmen­
campação de contratos de concessão e declarava-se de utilidade te a CEEE, através de cisão, fusão, transformação, incorporação,
pública, para fins de desapropriação, os bens da CEERG. extinção, redução ou aumento de capital ou a combinação destes
instrumentos, podendo criar sociedades coligadas, controladas ou
subsidiárias, assim discriminadas: 1 - duas sociedades anônimas
Terceiro período: a CEEE como de geração de energia elétrica, a Companhia de Geração Hídri­

sociedade de economia mista ca de Energia Elétrica e a Companhia de Geração Térmica de


Energia Elétrica; 2 - uma sociedade anônima de transmissão de
Na década de 60 ocorreram profundas mudanças no setor elé­ energia elétrica, a Companhia Transmissora de Energia Elétrica;
trico em âmbito nacional, que passou a ser considerado bem pú­ 3 - três sociedades anônimas de distribuição de energia elétrica,
blico e promotor do desenvolvimento nacional. Foram criados o a Companhia Sul-Sudeste de Distribuição de Energia Elétrica,
Ministério das Minas e Energia e a Eletrobras. a Companhia Centro-Oeste de Distribuição de Energia Elétrica
e a Companhia Norte-Nordeste de Distribuição de Energia Elétrica;
Em 1961 o então governador Leonel de Moura Brizola foi autoriza­ 4 - uma sociedade controladora (holding) das sociedades de energia
do a criar uma sociedade por ações para os serviços de eletricidade, elétrica, sob controle acionário do Estado do Rio Grande do Sul,
a qual foi efetivamente criada  em 19 de dezembro de 1963, através que é a Companhia Estadual de Energia Elétrica.
da lei estadual n.º 4.136 de 13.09.1961, passando a denominar-se
Companhia Estadual de Energia Elétrica – CEEE,  destinada a No dia 21 de outubro de 1997 ocorreu o leilão na sede da FIERGS,
projetar, construir e explorar sistemas de produção, transmissão no qual a Companhia Centro-Oeste de Distribuição de Energia
e distribuição de energia elétrica no estado. Elétrica e a Companhia Norte-Nordeste de Distribuição de Energia
Elétrica foram adquiridas por capital privado. A Centro-Oeste foi
Um ano após a transformação da CEEE em sociedade de econo­ vendida à AES Guaíba Empreendimentos e a Norte-Nordeste
mia mista, acontece a Revolução de 1964, determinando a forma­ foi adquirida pelo consórcio formado pela VBC (Votorantim,

275
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Bradesco e Camargo Correa), Previ (fundo de pensão dos fun­ rogação de prazo à ANEEL, uma vez que a data-limite ini­
cionários do Banco do Brasil) e Community Energy Alternatives. cial para a adequação da empresa ao novo modelo expirou em
A Centro-Oeste alterou sua razão social para AES Sul Distribuidora 15.09.2005. A ANEEL, atendendo aos argumentos apresentados
Gaúcha de Energia S/A e a Norte-Nordeste passou à denomina­ pela CEEE concedeu a prorrogação solicitada até 30.6.2006,
ção de Rio Grande Energia S/A. Desta forma, dois terços da área data limite para a cisão.
de Distribuição deixaram de pertencer à CEEE.
Em 13 de setembro de 2006, a Assembléia Legislativa aprovou
A CEEE havia chegado, em 1997, com 99,2% dos lares urbanos a Lei n.º 12.593, autorizando o Poder Executivo a promover a re­
e 84% das economias rurais abastecidos com energia elétrica, fa­ estruturação societária e patrimonial da Companhia Estadual de
zendo com que o estado alcançasse um dos mais altos índices de Energia Elétrica - CEEE, com a finalidade de segregar as ativi­
eletrificação rural do país. dades de distribuição de energia elétrica das demais atividades
por ela exercidas, para ajustá-la ao disposto na Lei Federal n.º 10.848,
Quinto período: a desverticalização de 15 de março de 2004, anteriormente citada, mediante altera­
ção de sua denominação e constituição de duas outras sociedades,
Em 15 de março de 2004 foram aprovadas pelo Congresso Nacional assim discriminadas:
novas regras para o setor elétrico brasileiro. Em seus dispositivos
a Lei proíbe que uma empresa de distribuição de energia exerça a) constituição de uma sociedade por ações holding, deno­
atividades de geração, transmissão e venda de energia a consumi­ minada Companhia Estadual de Energia Elétrica Participa-
dores livres, dentre outras restrições. Uma vez que a CEEE era ções - CEEE-Par, a qual será controladora das duas sociedades
uma empresa verticalizada, ou seja, possuia na mesma empre­ referidas nos itens seguintes;
sa atividades de distribuição, geração, transmissão e venda de
energia a consumidores livres, para adequar-se à lei, ela teve b) alteração da denominação da atual Companhia Estadual de
que desverticalizar-se, criando, no mínimo, mais uma empresa, Energia Elétrica - CEEE - para Companhia Estadual de Geração
para separar a distribuidora de energia das demais. e Transmissão de Energia Elétrica - CEEE-GT;

No final de 2004, a CEEE procedeu à contratação de consultoria c) constituição de uma sociedade por ações, controlada, de
para indicar alternativas para a desverticalização da empresa, em espe­ distribuição de energia elétrica, denominada Companhia
cial, a segregação da atividade de distribuição, exigida pela legislação Estadual de Distribuição de Energia Elétrica - CEEE-D -,
federal. O modelo societário adotado compreendeu a criação de a qual será resultante da cisão parcial da atual Companhia
uma empresa holding com duas subsidiárias, permanecendo o Estadual de Energia Elétrica - CEEE.
Governo do Estado do Rio Grande do Sul com o controle acionário
das empresas oriundas do processo de reestruturação. Em 20 de outubro de 2006, a Diretoria da CEEE aprovou  os
organogramas iniciais para a CEEE-Par, CEEE-GT e CEEE-D. 
Para viabilizar a adequação societária da companhia à legis­
lação federal e implantar o modelo proposto havia, entretan­ Em 26 de outubro de 2006, através de uma assembléia geral de
to, a necessidade de realização de plebiscito ou de alterações constituição, a CEEE-Par foi declarada formalmente constituída.
na Constituição Estadual e de promulgação de Lei Esta­ Nesta ocasião, foram eleitos os conselheiros de administração e
dual específica, fato que levou a CEEE a solicitar pror­ fiscalização da companhia.

276
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Em 27 de novembro, através de uma assembléia geral extraordiná­ Na Zona Central encontravam-se as indústrias transformativas,
ria de acionistas, ocorreu a constituição formal da Companhia de pois ali se localizava a bacia carbonífera.
Distribuição de Energia Elétrica – CEEE-D, ficando estabele­
cido que a companhia deveria iniciar as atividades previstas em Preocupados com a falta de energia, que tolhia o desenvolvimento
seu objeto social a partir do dia 1.º de dezembro de 2006. Na econômico do Rio Grande do Sul, resolveu o governo do estado
mesma assembléia, foi aprovada a mudança de denominação social estudar o aproveitamento racional de seus potenciais hidráulicos,
da CEEE para Companhia Estadual de Geração e Transmissão conjugando-os a usinas termoelétricas a vapor.
de Energia Elétrica – CEEE-GT, do endereço da sede social e
objeto social, com a conseqüente alteração do estatuto social. O estudo das diversas centrais foi baseado em investigações cui­
dadosas, não somente sob o ponto de vista técnico, como princi­
Em 1° de dezembro de 2006 foi assinado um termo de com­ palmente de potencialidade econômica das zonas de influência de
promisso e cooperação entre a CEEE-GT e a CEEE-D, com cada usina. Todos os projetos hidroelétricos foram feitos, tendo
o objetivo de ressarcir e compartilhar o exercício de ativi­ como base dados hidrológicos desde o ano de 1917.
dades comuns e de apoio necessárias à consecução dos seus
respectivos objetos sociais. O prazo de vigência deste ter­ Sendo então anunciado em 1945 o Plano de Eletrificação, enquanto
mo é de dois anos a partir da data de sua assinatura, poden­ já estavam sendo construídas, ou estavam construídas, as hidroe­
do ser prorrogado por até igual período ou rescindido de létricas dos Bugres, Guarita, Pirapó, Capingui e Santa Rosa, que se
comum acordo entre as empresas. constituiriam em centrais destinadas a abastecer as zonas de maior
densidade demográfica, em etapa inicial de urgência.
As hidroelétricas no plano de eletrificação do estado
Assim vieram as hidroelétricas de Passo do Inferno, Touros, Saltinho,
Em 1824 chegaram ao Rio Grande do Sul os primeiros colonos Ivaí, Forquilha e Ijuizinho.
alemães e da mesma forma os italianos em 1874.
A etapa seguinte do Plano de Eletrificação trouxe as hidroelétri­
Com o advento da república entrou o Rio Grande do Sul na fase cas do Jacuí, Canastra, Ernestina, Forquilha e o segundo grupo
da industrialização. Na transformação de povo pastoril para povo de Capingui.
agrícola e industrial, o braço do colono foi sua força propulsora.
Na década de 60 foi dado o início da operação da usina hidroe­
Na fronteira, a industrialização da carne era feita nos grandes frigo­ létrica do Jacuí e gerado o projeto da usina de Passo Real. Passo
ríficos. Na Colônia Antiga do norte do estado, colonizada por ale­ Real foi o segundo aproveitamento do rio Jacuí, criando o maior
mães e italianos, a atividade relacionada com a suinocultura e laticínio lago artificial do estado através dos 3.850 m de barramento. Os
demandava energia, assim como a maior produção agrícola. estudos de viabilidade técnico-econômica da usina hidroelétrica
de Itaúba foram iniciados em 1969. As obras tiveram início em 1972
Na Colônia Nova a noroeste do estado se desenvolviam a opulen­ e a operação comercial ocorreu em 1978. Nesse período, houve
ta riqueza madeireira e o desenvolvimento das serrarias, engenhos a participação consultiva do engenheiro Casemiro Munarski,
de farinha, assim como de inúmeros pequenos estabelecimentos colaborando com o seu conhecimento em barragens de terra,
fabris completavam a feliz diversidade de atividades econômicas também criador da cadeira de mecânica dos solos na Universidade
que asseguravam o progresso da região. do Rio Grande do Sul.

277
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 4 - Usina hidroelétrica de Itaúba

Figura 5 - Barragem Dona Francisca em


concreto compactado com rolo, no rio Jacui

278
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

A história do empreendimento de Dona Francisca iniciou em extensão compreendendo trecho retilíneo na região das comportas
1980, quando a CEEE obteve a concessão para implantar a usina. e tomada d’água, 99 m em curva, 65,25 m de trecho retilíneo sem
No final da década de 1990, com a permissão de parceria com in­ vertedores e 46 m de ombreira esquerda.
vestidores privados por meio de lei, em 1995, e a possibilidade de
formação de consórcios, a construção da usina se viabilizou. A barragem de Ernestina foi originalmente concebida como bar­
O grupo investidor deu origem à Dona Francisca Energética S.A. – ragem de gravidade, com eixo curvo. Através de convênio firmado
DFESA. A barragem foi construída em concreto compacta­ entre CEEE e o extinto DNOS, a execução do projeto ficou a
do com rolo, alternativa escolhida em substituição ao projeto cargo deste segundo, a quem coube realizar a correspondente con­
original do tipo enrocamento com núcleo de argila. corrência. O consórcio entre a filial brasileira das Estacas Franki e
empresa Campenon Bernard francesa foi o vencedor da licitação.

A barragem de Ernestina e sua concepção Na variante apresentada pelo consórcio contratado, o sistema
original, um projeto único no mundo estrutural foi concebido de forma a ter-se toda a estrutura em
concreto protendido. Segundo o memorial descritivo da obra, a
A barragem de Ernestina sobre o Rio Jacuí está localizada no atual barragem é configurada por cortinas protendidas com cabos curvos
município de Tio Hugo, ao norte do Estado do Rio Grande do Sul, com painéis de 15 m de largura, mediados por pilares com 1,50 m
no Planalto Rio - Grandense. de largura também protendidos que são independentes. Para ga­
rantir a estabilidade externa essa estrutura é atirantada por uma
A barragem foi concebida com extensão de 400 m e altura de 14,32 m. linha de cabos verticais ancorados na rocha 4 metros abaixo do
No seu comprimento, tem-se 44 m na ombreira direita, 145,75 m de embutimento em concreto. As cortinas possuem protensão nas

Figura 6 - Vertedouro da barragem de Ernestina Figura 7 - Vertedouro da barragem de


antes das obras de reforço Ernestina antes das obras de reforço

279
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

duas direções: na direção vertical para resistir aos principais esfor­


ços e na direção transversal para garantir comportamento uniforme
sem fissuração, à semelhança de uma laje armada em duas direções.

Ao que tudo indica, a própria equipe de Eugéne Freyssinet foi


responsável pela elaboração do projeto, já que eram consultores
associados à Campenon Bernard.

Durante o seu período de operação, iniciado em 1954, várias dúvi­


das quanto à estabilidade estrutural da barragem de Ernestina foram
levantadas e, a fim de elucidá-las, alguns estudos foram elaborados.
Em 1963 foram instalados clinômetros junto aos pilares para co­
nhecimento dos deslocamentos e, na década de 90, foi realizada
uma reavaliação do projeto estrutural original concluindo que
nenhuma tensão de tração deveria ser esperada para as cortinas ou
pilares, mesmo estimando a relaxação dos cabos de protensão e as
acomodações por fluência e retração do concreto após 40 anos
Figura 8 – Planta da barragem e seção típica do vertedouro
de construção. Foi sugerido que fosse realizado monitoramento
das vibrações para verificar o risco de amplificação dinâmica.

O reservatório passou a ser operado com rebaixamento de 1,00 m


por medida de segurança.

Em 2008, a CEEE contratou a execução de um completo lau­


do técnico de avaliação da estrutura da barragem de Ernes­
tina, realizado pela empresa gaucha Azambuja Engenharia e
Geotécnica, coordenado pelo engenheiro Marco Aurélio
Azambuja. O laudo consistiu na recuperação dos documentos
de projeto originais, detalhando o estado da prática na épo­
ca da construção. O trabalho apresentou as estruturas pro­
tendidas em barragens, o sistema de protensão empregado,
os fios de aço empregados em cabos, a sistemática do atiran­
tamento dos cabos verticais na rocha adotados assim como
os cabos transversais e as cabeças de ancoragem. Seguiu-se
a apresentação do sistema de injeção dos cabos de proten­
são, a corrosão dos cabos de protensão e suas consequ­
ências, qualidade do concreto e dos agregados, geologia e
Figura 9 – Seções transversais típicas dos pilares do vertedouro da
geotecnia da região de Ernestina. barragem de Ernestina, com a posição dos cabos de protensão

280
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Figura 10 - Seções transversais típicas dos paineis do vertedouro da


barragem de Ernestina, com a posição dos cabos de protensão

de um maciço de enrocamento reforçado com grelhas metálicas,


utilizando o paramento existente apenas como paramento de veda­
ção, à semelhança de uma barragem convencional de enrocamento
com face de concreto. A solução para o reforço do vertedouro
foi a transformação do mesmo em um maciço de concreto gra­
vidade com perfil Creager, de soleira vertente, retirando-se as
comportas e a passarela.

Foi realizado um diagnóstico da qualidade dos materiais, prova de


carga dinâmica e verificação estrutural.
Figura 11 – Fundação da barragem

Ao final do estudo foram apresentadas as informações que con­


cluiam estar Ernestina no final de sua vida útil, exigindo intervenções
de manutenção, restauração e reforço. A condição de ancoragem
dos tirantes na rocha sugeria uma grande vulnerabilidade à
corrosão, sendo possível muitos desses cabos já tivessem se
rompido ou viriam a fazê-lo brevemente. As condições de ve­
dação das cabeças de ancoragem e a presença de fluxo d’água
nos bicos de injeção denunciavam que a corrosão nos cabos
estaria avançada, podendo ser esse fenômeno progressivo
para os painéis e pilares. Os ensaios dinâmicos das cortinas
mostravam perda grave de rigidez, sendo previstas fraturas na
face de montante. Com a estabilidade crítica para excitações
dinâmicas, a estrutura poderia entrar em ressonância com o
galgamento dos vertedores. Da mesma for ma, os estudos
hidrológicos e hidráulicos sugeriram capacidade insuficiente
do vertedouro.

Assim, foi desenvolvido projeto de reforço. A solução adotada para


reforçar a barragem fora da região do vertedouro foi a construção

281
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 12 – Seção
transversal típica do
vertedouro reabilitado

Figura 13- Obras de


reforço do vertedouro

282
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Figura 14 - Seção transversal típica do


trecho não submersível

A obra de reforço estrutural en­


contra-se em fase de finalização
(julho de 2011), prolongando-se
assim a vida útil da barragem.
A barragem de Ernestina pode ser
considerada como a única no mun­
do com essa concepção original
executada. Com a reforma, a bar­
ragem em seu trecho não submer­
sível passará a ser uma barragem
de enrocamento com face de mon­
tante verticalizada em concreto
protendido, também concepção
única no mundo.

Figura 15 – Obras
de reforço da
barragem no trecho
não submersível

283
284
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Companhia Energética de
São Paulo – CESP

Fabio De Gennaro Castro

A CESP Centrais Elétricas de São Paulo foi criada em 5 de dezembro


de 1966, no governo Laudo Natel, pela unificação de todas as empre­
sas estatais de energia elétrica então existentes, inicialmente foi deno­
minada CESP Centrais Elétricas de São Paulo S.A. Seu idealizador
foi o Dr. Souza Dias, Francisco Lima de Souza Dias Filho. Deposto o
governador Adhemar de Barros, em 1966, assumiu seu vice, Laudo Natel.
Souza Dias, por meio de um amigo comum e também presidente do São
Paulo Futebol Clube, fez chegar ao então governador, são paulino que era,
os seus sonhos de unificação das empresas de energia elétrica do estado. Dai
foi criada a CESP, sendo seu primeiro presidente Henry Aidar, advogado e
são paulino! Souza Dias foi designado como o primeiro Diretor Técnico,
vindo a exercer a terceira presidência entre 23 de março de 1979 a 27 de
maio de 1982. Em 27 de outubro de 1977 a CESP passou a ser Com-
panhia Energética de São Paulo, com área de atuação mais abrangente.

As onze empresas que formaram a CESP eram:


Usinas Elétricas do Paranapanema (Uselpa),
Companhia Hidroelétrica do Rio Pardo (Cherp), que detinha
o controle acionário de:
Central Elétrica de Rio Claro (Sacerc) e de suas associadas;
Empresa Melhoramentos de Mogi Guaçu;
Companhia Luz e Força de Jacutinga e
Empresa Luz e Força de Mogi Mirim
Figura 1 – Souza Dias, de chapéu, com Garcez em visita
Centrais Elétricas de Urubupungá (Celusa),
às obras de Ilha Solteira
Bandeirante de Eletricidade (Belsa), que controlava:
Companhia Luz e Força de Tatuí e
Usina hidroelétrica de Ilha Solteira a maior do sistema CESP Empresa Luz e Força Elétrica de Tietê
Companhia Melhoramentos de Paraibuna (Comepa).
285
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Em 1912 Eloy de Miranda Chaves e outros empresários paulis­


tas adquiriram o controle acionário da Central Elétrica Rio Claro
e a reorganizaram como SACERC.

Em 1915 foi fundada a Companhia Luz e Força de Tatuí, assim


como em 1919 também foi criada a Companhia Luz e Força de
Jacutinga S.A. e em 1923 a Empresa Melhoramentos de Mogi
Guaçu, todas formadoras da CESP.

Em 1931 foi fundada a Companhia Sanjoanense de Eletricida­


de, encampada em 1953 pelo governo do paulista, originando
em 1962 a empresa estadual Bandeirante de Eletricidade S.A.
BELSA, com o objetivo de ser a grande distribuidora de energia
no estado. Foi também formadora da CESP.

Justiça deve ser feita à figura pública do professor Lucas Nogueira


Garcez, que governou o estado de São Paulo de 1951 a 1955, pela
Figura 2 – Os engenheiros Souza Dias e Gelazio da Rocha
em avião de Furnas sua visão técnica e também por ser formador e agregador de ca­
pacitações. Logo no início de seu mandato de governador criou o

Primórdios da geração hidroelétrica no Departamento de Águas e Energia Elétrica DAEE, chefiado pelo
engenheiro Octávio Sampaio Ferraz, na função de diretor geral.
estado de São Paulo
Relevante também relembrar a situação anterior à criação, re­
motamente iniciando pela inauguração da Usina Hidroelétrica
do Corumbatai, em 1895, propriedade da Central Elétrica de
Rio Claro. Esta usina atualmente encontra-se totalmente res­
taurada e tombada pelo Patrimônio Histórico, Arqueológico e
Turístico do Estado de São Paulo.

Em 1909 foram fundadas de forma independente a Empresa


Luz e Força Elétrica de Tietê S.A. e a Empresa Luz e Força de
Mogi Mirim S.A.

Em 1911 foi inaugurada a Usina Hidroelétrica São Valentim, em


Santa Rita do Passa Quatro, interior do estado e pertencente à Com­
panhia Força e Luz São Valentim, que foi comprada em 1923 pela
Figura 3 - Fantinatto, Souza Dias, José Gelazio da Rocha, Darcy
Companhia Prada de Eletricidade, incorporada à CESP em 1973.
Andrade de Almeida e Reynaldo de Barros em Jupiá
286
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

As estaduais de economia mista foram:

Usinas Elétricas do Paranapanema S.A. USELPA

Nascera objetivando a eletrificação da Estrada de Ferro Sorocabana e


tendo como meta a implantação da Usina Salto Grande no rio Para­
napanema, inaugurada em 28 de abril de 1958 e hoje merecidamente
chamada Lucas Nogueira Garcez. Importante registrar a Comissão
Mista Brasil Estados Unidos, instituída logo após o término da Segun­
da Guerra Mundial e sediada na então capital do País, Rio de Janeiro.
Tal comissão canalizava recursos para auxiliar o desenvolvimento bra­
sileiro. Os dirigentes da Estrada de Ferro Sorocabana desenvolveram
estudos para eletrificação da ferrovia e para tal conceberam
que seria construída uma usina hidroelétrica no rio Paranapanema,
Salto Grande. Foram pleitear recursos financeiros na referida Comissão
Mista Brasil Estados Unidos. Junto com a negativa recebe­
ram a orientação que somente poderiam obter financiamento
se fosse organizada uma empresa de economia mista espe­
cífica para tal finalidade. Daí foi criada a USELPA em 1953,
que obteve os recursos necessários e construiu Salto Grande.
Figura 4 - Professor Lucas Nogueira Garcez

O DAEE era organizado por Serviços de Vales. Quatro eram os O principal executivo da USELPA era Dagoberto Salles Filho,
vales abrangidos, a saber do Rio Pardo, chefiado pelo enge­ o qual se apoiou na SERVIX, como projetista e construtora para
nheiro Souza Dias, o do rio Tietê, chefiado pelo engenheiro as duas primeiras barragens e início da terceira. Posteriormente
Catullo Branco, o do rio Paraiba, chefiado pelo engenheiro os planos feitos foram concretizados com a Usina de Jurumirim,
Antonio Graef Borba e o do rio Ribeira de Iguape, chefiado pelo en­ hoje Armando A. Laydner,tendo a seguir iniciado a usina Chavantes,
genheiro Dagmar Malet de Andrade. Foi o DAEE o embrião das também no mesmo rio Paranapanema. Desnecessário mencionar
mais importantes empresas de economia mista na área de energia que o objetivo de eletrificação da Estrada de Ferro Sorocabana
elétrica do Estado de São Paulo, como será exposto neste texto. deixou de ser prioritário.

No governo Garcez também foi realizado o primeiro Plano de Companhia Hidroelétrica do Rio Pardo CHERP
Eletrificação do Estado de São Paulo, que embora somente tenha
sido formalizado no mandato sucessivo, em 1956, já fora posto Como já mencionado o Serviço do Vale do rio Pardo do DAEE
em prática enquanto elaborado. Garcez também foi presidente da era chefiado pelo engenheiro Souza Dias, o qual também participava
CESP por dois mandatos sucessivos, de 16/02/1967 a 20/03/1975, da Comissão Mista Brasil Estados Unidos.
o que contribuiu fortemente para a continuidade da gestão. Onze
foram as empresas agregadas para formar a CESP, cinco estaduais Em 1952, o jovem engenheiro José Gelazio da Rocha foi convidado
e seis empresas privadas, porém controladas pelas estaduais. para integrar a equipe de Souza Dias e designado para estudar o
287
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

aproveitamento de Limoeiro, hoje Armando de Salles Oliveira, a navegação interior. Assim, em 1957, iniciavam-se as obras de
dizendo que havia sido encarregado pelo Lucas Nogueira Garcez Barra Bonita, com projeto da TECHINT.
para construir as usinas do rio Pardo. Assim sendo acrescentou:
“Você vai projetando e eu vou dando as orientações que você precisar.” Para Em 1959 tiveram início as obras de Bariri, hoje Engenheiro Álvaro
realizar a missão foi constatado que não existia nem levantamento de Souza Lima, antigo diretor do DAEE e pai do professor Victor
topográfico e menos ainda o perfil do rio em toda sua extensão. de Souza Lima. E em 1963 foram iniciadas as obras de Ibitinga.
Gelazio contratou então o engenheiro Gustavo Pratti para tal
escopo, ou seja, fazer o perfil do rio que daria assim origem Os quadros da CHERP no setor Tietê contaram com ilustres
ao plano de aproveitamento integrado de toda a bacia, com engenheiros, tais como Geraldo Queiroz Siqueira, Jacob Leiner,
Graminha, duas barragens menores a jusante de Graminha, Julio Petenucci e Reolando Silveira, além de Darcy Andrade
Euclides da Cunha e Limoeiro. de Almeida, que foi da área do rio Pardo.

Em 1954 o DAEE iniciou Euclides da Cunha, mesmo antes de Centrais Elétricas do Urubupungá S.A. CELUSA
ser criada a CHERP em 1955. Essa barragem teve o projeto de
seu túnel de desvio feito pela TECHINT e executado pela NORENO Uma palavra inicial sobre a CIBPU Comissão Interestadual da
do Brasil. Para construir o túnel de desvio de Graminha Gelazio fez Bacia Paraná Uruguai.
um contato com Sebastião Camargo, com o objetivo de obter uma
proposta, enquanto Dr. Souza Dias fez o mesmo com a Noreno. Tal comissão, chefiada pelo Professor Paulo Mendes da Rocha,
Ao ser procurado Sebastião perguntou ao interlocutor quem era criada em 1952, tinha por objetivo o estudo e o desenvolvimento
seu chefe e por que o mesmo não estava presente, sugerindo que dos estados brasileiros que pertenciam às bacias dos rios Paraná e
fosse marcada outra reunião com Souza Dias presente. Na segun­ Uruguai. A CIBPU tinha recursos e contratara a empresa italiana
da reunião Souza Dias acompanhou Gelazio e a Camargo Correa Edison de Milão para desenvolver os estudos do aproveitamento
decidiu apresentar proposta. Venceu a concorrência por ter sido do Salto de Urubupungá, no rio Paraná, junto à foz do rio Tietê.
a única empresa proponente. O projeto da barragem de terra de Em 1961 foi lançada a concorrência para as ensecadeiras da usina
Graminha foi feito pelo Professor Milton Vargas e o projeto das de Jupiá, no rio Paraná, concorrência essa vencida pela Camargo
estruturas de concreto pelo engenheiro Henrique Herweg, ambos Correa. Lançada a concorrência para a obra principal, a vencedora
contratados com a chancela do IPT. Camargo Correa apresentou uma variante que fora estudada
na França pela SOGREAH, pelo engenheiro Charles Blanchet.
Em 1955 era criada a CHERP, que embora somente tivesse rio Tal alternativa apresentava vantagens sobre aquela estudada por
Pardo em seu nome posteriormente também incorporou toda a Edison de Milão para a CIBPU. A variante foi aceita e exe­
responsabilidade do rio Tietê. A necessidade de sua criação foi cutada a usina de Jupiá que hoje é denominada Engenheiro
decorrente de apresentar ao BNDES uma empresa de economia Francisco Lima de Souza Dias.
mista que tivesse projetos sólidos para obter seus recursos. Parale­
lamente às atividades do rio Pardo, o Serviço do Vale do rio Tietê, Eleito Carvalho Pinto como governador do estado, Plínio de Ar­
chefiado por Catullo Branco, realizou estudos à semelhança da­ ruda Sampaio, de sua equipe, foi motivado por Gelazio para levar
queles do Tennessee Valley Authority TVA, que contemplassem ao coordenador do Plano de Ação do Governo, Diogo Gaspar,
o desenvolvimento integrado do vale, com barragens e usinas a idéia de construir a usina hidroelétrica de Jupiá. Assim nasceu a
que gerassem energia e tivessem eclusas que viessem permitir CELUSA. Posteriormente, ainda no governo Adhemar de Bar­

288
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Figura 5 – Usina hidroelétrica


de Jupiá

ros, foram iniciados os estudos e as obras de Ilha Solteira, com das cheias e contenção de várzeas, tendo construído com ma­
projeto THEMAG e obras da Camargo Correa. A THEMAG foi estria muitos quilômetros de “polders”. A COMEPA realizou
criada como um departamento técnico da CELUSA e também em ainda a usina de Jaguari e iniciou as de Paraitinga e Paraibuna,
caráter de exclusividade, o qual somente foi extinto por decisão duas barragens formando um único reservatório com só uma
da CESP, por ocasião do projeto do Metrô de São Paulo, quando
casa de força ao pé de Paraibuna, com projeto Hidroservice e
a projetista ficou desobrigada de sua cláusula de exclusividade.
construção Camargo Correa.

Outras empresas de energia elétrica Estudos de inventário


Em 1962 foi criada a Bandeirante de Eletricidade S.A. BELSA.
Ainda na década de 60, foram desenvolvidos os estudos da

Em 1963 foi criada a Companhia Melhoramentos de Paraibuna Canambra, primeiros estudos de planejamento integrado, com
COMEPA, por inspiração de Plinio de Queiroz. critérios uniformes, que propiciaram condições técnicas de com­
paração e priorização de usinas em uma mesma bacia hidrográ­
O antigo Serviço do Vale do Paraíba, que ocupava-se do rio fica. Na área de São Paulo foram muito importantes e também
Paraíba do Sul, preocupou-se prioritariamente com o problema com papel de formação de técnicos.
289
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 6 a – Barragem de Três Irmãos no rio Tietê com Figura 6 b – Barragem de Três Irmãos - entrada da
suas eclusas na margem direita eclusa inferior no lago intermediário

Consultores que atuaram nas senvolvimento do Canal Tietê-Paraná, como também pelas inúmeras
eclusas construídas. Pode também ser afirmado que ela foi pioneira
hidroelétricas na área de São Paulo nos estudos ambientais. Chegou a ter vinte e cinco usinas, todas com
alta expressão técnica e padrão de projetos, construção e operação.
Menção deve ser feita sobre os consultores independentes que
atuaram na área de São Paulo, contribuindo para a garantia da qua­
lidade dos projetos e obras, assim como na formação de pessoas Anos recentes
que com eles conviveram. Dentre eles podem ser citados Karl
Terzaghi, Arthur Casagrande, Tom Leps , James Sherard, Victor Em 1996 iniciou-se o processo de privatização do setor de energia
de Mello, Don Deere, Milton Vargas, Roy Carlson, Manuel Rocha, do Estado de São Paulo.
Fernando de Oliveira Lemos, Charles Blanchet, Flavio H. Lyra,
Em 1999 CESP passou por uma cisão parcial, sendo criada a
Ven Te Chow, Araken da Silveira, Evelina Bloem Souto, Vic­
Companhia de Transmissão de Energia Elétrica Paulista, a CTEEP
tor Souza Lima e inúmeros outros que no dia a dia contribuíram
e três empresas de geração.
para colocar a CESP na posição de destaque que ocupa.

Hoje a CESP possui apenas seis usinas e sete barragens, pelo fato
Navegação interior de Paraitinga não ter casa de força.

A CESP detém o mérito de ter contribuído de forma ampla para


o desenvolvimento da navegação interior no país, não só pelo de­
290
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Figura 7 – Usina hidroelétrica Porto Primavera (Sergio Motta)

291
Usina Mauricio,
primeira hidroelétrica da
CFLCL

Usina hidroelétrica de Nova Maurício. Primeiro financiamento do BNDE para


empresa privada, em 24 de agosto de 1954. Em operação desde março de 1956
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Companhia Força e Luz


Cataguazes Leopoldina –
Energisa - Cem anos de luz
na Zona da Mata
“A trajetória da CFLCL é exemplar para demonstração de que a Flavio Miguez de Mello
livre iniciativa tem tanta vitalidade quanto a vida.”
João Camilo Penna

Na virada do Século XIX para o Século XX o Brasil tinha apenas Foi lançada concorrência (mesmo sem projeto) para a construção
dez usinas geradoras totalizando 12.085 kW instalados. Nesse da primeira usina geradora, a hidroelétrica de Maurício, na cacho­
início de século na Zona da Mata Mineira, incentivados pelo eira da Fumaça, no rio Novo. Oito concorrentes se apresentaram,
agente executivo (equivalente ao atual cargo de prefeito) de Ca­ tendo a obra sido alocada à Trajano de Medeiros & Cia, destacada
taguazes, Araújo Porto, destacavam-se o Senador José Monteiro indústria metalúrgica para os padrões do início do século passado.
Ribeiro Junqueira, o Dr. Norberto Custódio Ferreira e o comer­ O contrato foi assinado em maio do ano seguinte. Pela primeira
ciante, político e banqueiro João Duarte Ferreira como homens vez uma usina hidroelétrica foi construída por uma empreiteira ge­
que gerenciavam seus negócios com clarividência e se interes­ nuinamente brasileira. Os primeiros estudos para o aproveitamento
savam pelo desenvolvimento da tecnologia, principalmente pela parcial da queda natural da cachoeira da Fumaça no distrito de
incipiente aplicação da energia elétrica. Em 26 de fevereiro de Leopoldina foram desenvolvidos pelo engenheiro Eupídio de
1905 os três fundaram a Companhia Força e Luz Cataguazes Le­ Lacerda Werneck, na época recém formado nos Estados Unidos.
opoldina com capital de 400 contos de réis em quatro mil ações O potencial a ser aproveitado foi definido como sendo de
adquiridas por 263 investidores, com o objetivo de “exploração 1,3 MW, suficiente para suprir de energia elétrica outros muni­
da eletricidade para fins industriais em suas diversas aplicações e comér- cípios da região como Rio Novo e São João Nepomuceno, bem
cio de materiais elétricos, dentro ou fora da república, principalmente nos como a fábrica do industrial Daniel Sarmento que fez um contra­
municípios de Cataguazes e Leopoldina.” to de pré-venda de energia. A organização geral e as compras de
materiais ficaram a cargo do engenheiro Otávio Carneiro e a res­
Pouco após um ano da fundação da empresa, dois dos três fundado­ ponsabilidade da construção com o engenheiro Ferreira Martins.
res, João Duarte Ferreira e Norberto Custódio Ferreira renunciam O engenheiro L. Luck, enviado pela Westinghouse, supervisionou
a seus cargos de diretores para, respectivamente, cuidar de seus as instalações elétricas. O engenheiro Paulo Saboia, recém chega­
empreendimentos particulares e para assumir elevada posição no do dos Estados Unidos, supervisionou as montagens. A primeira
Banco do Brasil do qual assumiu a presidência em 1910. unidade geradora entrou em operação em 7 de julho de 1908.
293
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 1 - Cachoeira da Fumaça no rio Novo, local da Figura 2 - Cachoeira da Fumaça no rio Novo, local da
hidroelétrica de Maurício hidroelétrica de Maurício

Figura 3 – Casa de força da hidroelétrica de Maurício Figura 4 - Geradores da hidroelétrica de Maurício

Os primeiros anos consolidaram a empresa e, em 1915, apenas Os anos vinte do século passado propiciaram expressivo crescimen­
dez anos após sua fundação e sete anos de geração e distribui­ to da indústria de energia elétrica. Uma das principais causas foi a
ção de energia elétrica, a empresa contava com ilustres investi­ rápida difusão dos serviços de bondes e de iluminação pública. Além
dores de outras localidades de Minas Gerais, do Rio de Janeiro disso, o perfil das indústrias modificava-se rapidamente; o recensea­
e de São Paulo entre eles o então presidente de Minas Gerais, mento de 1920 revelara que a energia elétrica já assumia 47% da força
Raul Soares de Moura, e o presidente da república, Wenceslau Braz. motriz consumida pelas fábricas no País. Com o objetivo de su­
prir esse acentuado acréscimo de demanda, ocorreu intenso surto
Em 1918 a empresa adquiriu a usina Coronel Domiciano de 360 HP de instalações de novas hidroelétricas que ultrapassaram com folga a
que era concessão da Câmara Municipal de Muriaé, o que possibilitou geração térmica.
que seus serviços fossem estendidos às localidades de Piedade,
Laranjal, Palma, Guarani e Tebas, além da cidade de Coronel Domiciano.
294
CINQUENTA ANOS DO COMITÊ BRASILEIRO DE BARRAGENS

Figura 5a – Barragem da hidroelétrica Coronel Domiciano

Figura 5b - Usina hidroelétrica Coronel Domiciano

Imagens dos aspectos logísticos dos primeiros tempos da CFLCL

5295
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Aquisições de empresas e de concessões foram realizadas pela contratados junto à Siemens e as obras ficaram a cargo da Christia­
Light nesse período principalmente no eixo Rio de Janeiro e São ni Nielsen e da Trajano Medeiros & Cia. Inicialmente foi instalada
Paulo. A Cataguazes Leopoldina também entendeu o momento uma unidade Francis dupla horizontal de 2,83 MW. A adução era
e adquiriu em 1920 a Companhia Pombense de Eletricidade que feita com um trecho inicial de conduto em concreto armado com
detinha a hidroelétrica de Santo Antônio situada no município de 3 m de diâmetro e 600 m de extensão; a adução em alta pressão foi
Rio Pomba e que, dada as suas desfavoráveis condições geotécnicas, executada em aço vindo da Alemanha. Entretanto foi verificado
teve que ser desativada. Iniciaram-se as atividades visando a implan­ no início da montagem que não havia luvas de dilatação da tu­
tação de uma nova usina: a hidroelétrica de Ituerê que aproveita a bulação forçada. As luvas foram fabricadas em Jundiaí. A usina
queda natural da cachoeira do Sumidouro. A barragem de concreto foi inaugurada em 16 de agosto de 1928 pelo presidente de Mi­
tem 15 m de altura, imponente para a época, e 74 m de comprimen­ nas Gerais, Antônio Carlos Ribeiro de Andrade que, em discurso
to de crista, fechando um vale estreito. O projeto foi comandado solene, afirmou que teve “a grande ventura (...) de acionar as máquinas da
pelo engenheiro Vanor Ribeiro Junqueira, os equipamentos foram monumental instalação de Ituerê”.
296
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

6 7

8 9

10

Figura 6 - Cachoeira do Sumidouro no rio Pomba, local da hidroelétrica de Ituerê


Figura 7 - Construção do vertedouro de Ituerê com o desvio num vão rebaixado
Figura 8 - Construção do vertedouro de Ituerê
Figura 9 - A barragem de Ituerê e o vertedouro de soleira livre
Figura 10 - Casa de força da usina hidroelétrica de Ituerê
11
Figura 11 - Cinematografando a inauguração da usina hidroelétrica de Ituerê
297
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Os anos vinte foram também importantes para os funcionários distribuição de dividendos aos acionistas, garantindo a manutenção
da empresa que passaram a ter participação nos lucros, iniciati­ dos serviços e não mais podendo expandi-los por longo período, mes­
va patronal de vanguarda para a época. A empresa ultrapassara a mo porque nesse período se instalou a inadimplência no pagamento
marca de 9.000 consumidores e havia instalado mais de 900 km de energia fornecida para o serviço público de prefeituras.
de redes de transmissão e de distribuição.
Em 5 de fevereiro de 1935, Norberto Custódio Ferreira faleceu e
A crise econômica mundial de 1929 gerou profundas conseqüências abriu caminho para o encerramento do ciclo dos fundadores da
nos cenários econômicos e políticos no Brasil que acarretaram con­ empresa na sua direção, já que João Duarte Ferreira havia falecido
flito aberto com lançamento de candidatura de oposição na figura em 1924 e José Monteiro Ribeiro Junqueira, após trinta anos de
de Getúlio Vargas à presidência da república, candidatura esta intensa dedicação à empresa e com o ambiente economicamente
que foi oficialmente derrotada nas urnas. Com a eclosão da hostil à iniciativa privada no setor elétrico, passou a presidência para
revolução de 1930, profundas modificações econômicas, sociais e seu sobrinho, o engenheiro Ormeo Junqueira Botelho forma­
políticas ocorreram no País, tendo Getúlio assumido o comando do pela Escola Politécnica da Universidade do Brasil (UFRJ) em
de um governo provisório em novembro de 1930 com plenos po­ 1918. Ormeo Junqueira Botelho ajustou a empresa às condições
deres, tendo sido eleito pela Assembléia Constituinte em 1934 e se políticas e econômicas advindas da Constituição Federal de 1937,
tornado ditador de 1937 até a queda do Estado Novo, em 1945. fortemente influenciada pela doutrina fascista e que instituíu um
Nesse longo período, houve a expansão da intervenção do estado regime de exceção. A empresa se voltou à ampliação das capaci­
na economia a partir da promulgação da constituição de 1934 que, dades instaladas das usinas de Ituerê e Coronel Domiciano, tendo
pela primeira vez, inserira um capítulo sobre a ordem econômica tido como uma das principais dificuldades a entrega dos equipa­
e social, estabelecendo a legitimidade da intervenção do Estado mentos encomendados em 1938 a países que se envolveram na
em atividades consideradas de importância para o interesse nacio­ II Guerra Mundial.
nal, aí incluídas a “exploração de quedas d’água para geração de energia”.
Esse ambiente foi propício ao aparecimento do Código de Águas, O quadro estatizante do setor elétrico foi ampliado nos anos cin­
promulgado em 1934. O Código havia inicialmente sido preparado quenta, no governo Juscelino Kubitscheck, pela proibição de rea­
por Alfredo Valadão em 1907 com colaboração de Inácio Verís­ juste de tarifas de serviços públicos em função da inflação, além dos
simo de Melo e José Castro Nunes. O Código de Águas gerou o desconfortos que haviam sido introduzidos pelo Código de Águas e
confronto entre uma corrente interessada em manter os serviços pela inflação que passou a ser acelerada nesse governo. Já em 1950
de eletricidade com a iniciativa privada e outra corrente radical a empresa obteve permissão para proceder a um racionamento
que pugnava por uma profunda intervenção estatal com a encam­ preventivo que se estendeu às fábricas de tecido em até três ve­
pação de concessionárias estrangeiras. O Código introduziu o zes por semana. Foi datado do dia 24 de agosto de 1954, dia do
absurdo instrumento do reconhecimento apenas dos custos histó­ suicídio de Getúlio Vargas, o contrato de empréstimo do Banco
ricos dos investimentos realizados pelos concessionários no am­ Nacional de Desenvolvimento para a construção da hidroelétri­
biente inflacionário vigente no País, o que penalizou sobremodo as ca de Nova Maurício, o primeiro financiamento do Banco para
empresas privadas, cerceando a expansão da capacidade instalada uma empresa privada. A situação de carência de energia perdurou
com nefastos reflexos na evolução do crescimento da economia até março de 1956 quando entrou em operação a primeira uni­
nacional. Como as demais empresas do setor elétrico, a Cataguazes dade de 5,58 MW da hidroelétrica de Nova Maurício que apro­
Leopoldina não passou incólume por essa legislação equivocada e veita a queda total de 90 m da cachoeira da Fumaça. A segunda
pela II Guerra Mundial e teve que reduzir gastos, investimentos e unidade geradora só entrou em operação em abril de 1958.

298
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Figura 12 - Engenheiro Ormeo Junqueira Botelho

No início dos anos sessenta o agravamento


do cenário político e a aceleração da inflação
que atingiu 80% ao ano com a impossibilidade
de se obter a devida correção tarifária, encontrou
totalmente descapitalizadas as empresas priva­
das de energia elétrica. No período entre 1962
e 1965 o engenheiro Ormeo Junqueira Botelho
foi eleito deputado federal pela UDN, tendo
nesse período transferido para o engenheiro
Vanor Ribeiro Junqueira, engenheiro também
formado pela Escola Politécnica da Universidade
do Brasil (UFRJ), a presidência da empresa.

Figura 13 - Ormeo Junqueira Figura 14 - Ormeo Junqueira


Botelho na campanha eleitoral Botelho com Tancredo Neves

299
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Ao se aposentar em 1965, Vanor teve como sucessor o enge­ A empresa nesse novo cenário pode ampliar seu parque gerador
nheiro Ivan Müller Botelho. Com o advento do governo Castelo instalando mais duas unidades geradoras em Maurício Nova que
Branco ocorreu profunda e benéfica alteração na política eco­ passou a ter 31 MW de capacidade instalada.
nômica do País por terem composto o ministério dois políticos,
Bulhões de Carvalho e Roberto Campos, identificados com o li­ Os anos setenta foram iniciados sob o signo do Brasil Grande
beralismo econômico mais ortodoxo. A orientação do governo com Estado todo poderoso sob o excesso de consumo deno­
federal passou a ser voltada para a contenção da inflação e a reto­ minado de milagre brasileiro. Passou a haver a concentração de
mada do desenvolvimento. O Decreto 54936 de novembro de 1964, investimentos estatais em grandes obras hidroelétricas e no pro­
implantado pelo ministro Mauro Thibau das Minas e Energia, grama nuclear com a construção das usinas de Angra 1, 2 e 3,
autorizou a correção monetária do valor original do ativo imo­ esta até hoje (2011) ainda inacabada. Em dezembro de 1974
bilizado, tendo vindo a tempo de salvar as empresas de energia veio novo golpe para as empresas eficientes: passa a vigorar a
elétrica da destruição devida ao arrocho tarifário tão prolongado. tarifa unificada independentemente das diferenças geográficas,
A então chamada de realidade tarifária e serviço pelo custo veio climáticas, geomorfológicas, culturais e sociais. O Decreto 1383
proporcionar novo desenvolvimento do setor elétrico. passou a fazer com que a parcela da remuneração que ultrapassasse
12% ao ano fosse revertida para subsidiar as empresas com retorno
inferior a 10% ao ano sobre os investimentos num cenário chama­
do de Robin Hood em que as empresas mais eficientes passaram
a socorrer as menos eficientes, muitas delas concentradas no
Norte, no Centro-Oeste e no Nordeste. Esse decreto acabou
com a concorrência e com os esforços para redução de custos.
Somente em 1993 pela Lei 8631 é que as tarifas diferenciadas vol­
taram a ser praticadas. Entretanto, nessa década o governo federal
passou a utilizar as tarifas de energia elétrica para controle da
inflação que retomava o ritmo do início dos anos sessenta.
Os constantes abatimentos nas tarifas produziram intensas cri­
ses de liquidez nas concessionárias, principalmente nas estatais
federais, que ocasionaram elevados índices de inadimplência
que geraram o colapso da engenharia consultiva no País.

Em 1976 a Cataguazes Leopoldina adquiriu a Companhia Leste


Mineira de Eletricidade na região de Manhuaçu. Em 1977 a em­
presa ofereceu ao grupo Brascan US$ 330 milhões para adquirir
a Light. A Brascan respondeu que venderia se tivesse o consenti­
mento do governo federal. Durante um ano a empresa consultou
o ministério de Minas e Energia sob Shigeaki Ueki sem obter qual­
quer resposta. No final desse período o próprio governo federal
adquiriu por US$ 380 milhões a Light. No ano seguinte a empresa
Figura 15 - Engenheiro Ivan Müller Botelho tentou adquirir a Companhia Mineira de Eletricidade. Entretanto,

300
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

adução por túnel. A usina, projeto da Promon, somente em 1983


entrou em operação comercial com 13,8 MW instalados.

Com o falecimento de seu pai em fevereiro de 1990, o engenheiro


Ivan Botelho assumiu a presidência do Conselho do grupo de em­
presas e o engenheiro Manoel Otoni Neiva assumiu a presidência
da CPFL Minas onde se concentravam as hidroelétricas.

Em 1991 as hidroelétricas do Gloria, Ituerê e Nova Maurício,


concessões de serviço público, foram vendidas à Valesul, subsi­
diária da Vale, como auto-produtora para suprir parte da carga
de sua fábrica no Rio de Janeiro. Em 1999 a empresa criou a
Cat-Leo para operar como produtor independente de energia
elétrica. Nessa década, a empresa ampliou as capacidades ins­
taladas das hidroelétricas de Coronel Domiciano e Neblina II e
Figura 16 - Engenheiro Manoel Otoni Neiva
adquiriu, em 1999, as hidroelétricas de Anna Maria e Guary (6,5
MW), localizadas em Santos Dumont e colocou em operação
em manobra considerada pela Comissão de Valores Imobiliários a hidroelétrica de Ervália de 6 MW instalados. Em 1997 a em­
como tendo sido “ao arrepio da lei”, a Cemig arrematou a Mineira presa adquiriu a Companhia de Eletricidade de Nova Friburgo
de Eletricidade por Cr$ 2,02 por ação. CENF e a Empresa Energética de Sergipe ENERGIPE. Com a
aquisição da CENF a empresa passou a operar as hidroelétricas
No início dessa década a empresa começou o projeto da hidroe­ de Hans, Catete e Xavier, todas situadas no rio Grande, estado
létrica do Gloria com barragem de concreto com 14 m de altura e do Rio de Janeiro. Em 1999 a empresa adquiriu a Companhia

Figura 17a – Barragem da hidroelétrica Sinceridade

Figura 17b – Barragem da hidroelétrica Santa Cecilia

301
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

de Eletricidade de Borborema CELB e, em 2000, a Sociedade


Anônima de Eletrificação da Paraíba Saelpa.

Em 2000 a Cat-Leo construiu em 362 dias a PCH Benjamin Ma­


rio Baptista com 9,5 MW instalados, em Manhuaçu. Em segui­
da, em apenas dois anos, instalou as PCHs Ivan Botelho I, Túlio
Cordeiro de Melo, Ivan Botelho II, Ormeo Junqueira Botelho
e Ivan Botelho III. Considerando a grande expansão do grupo
em diversos ramos industriais e nas diversas aquisições de conces­
sões de distribuição de energia elétrica em outros estados, o grupo,
para se capitalizar, teve que se desfazer de algumas hidroelétricas
acima em favor do grupo Brascan, hoje Brookfield. Em 2004 o
engenheiro Manoel Otoni Neiva se aposentou, tendo assumido
a presidência da Energisa Minas o engenheiro José Antônio da
Silva Marques, carinhosamente chamado de Zé Tunim, que veio
a falecer prematuramente em 2009, tendo sido substituído pelo
engenheiro Gabriel Pereira.

Figura 18 - Engenheiro José Antônio da Silva Marques (Zé Tunim)

Figura 19 - Barragem
da hidroelétrica Túlio
Cordeiro de Mello
(Granada)

302
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Figura 20 -
Barragem da
hidroelétrica
Ormeo Junqueira
Botelho (Cachoeira
Encoberta)

Figura 22 – Casa de força da hidroelétrica Benjamim Mario


Baptista (Nova Sinceridade) de 9,5 MW com apenas uma
Figura 21 - Barragem da hidroelétrica Ivan Botelho I (Ponte) única unidade geradora

303
304
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Companhia Paulista de
Força e Luz - CPFL
Fabio De Gennaro Castro

No dia 16 de novembro de 1912, na capital de São Paulo, foi criada


a Companhia Paulista de Força e Luz, com foco na produção de
energia elétrica por iniciativa dos engenheiros Manfredo Antonio
da Costa, José Balbino de Siqueira e outros capitalistas.

O artigo 3º de seu Estatuto Social dispunha que a empresa “terá


por fim a exploração industrial da eletricidade em todas as suas variadas
aplicações no Estado de São Paulo, onde atual ou futuramente se possa ex-
plorar tal indústria, com ou sem privilégio, promovendo ou auxiliando, direta
ou indiretamente, quaisquer empreendimentos que possam contribuir para
o desenvolvimento do consumo de energia elétrica e também comércio de
mercadorias relativas à indústria da eletricidade”.

O ponto de partida da CPFL foi a Empresa Força e Luz de Botucatu.

Já em 1913 incorporou a Empresa Força e Luz de São Manoel


e a Companhia Elétrica do Oeste de São Paulo, seguida da Empre­
sa Força e Luz Agudos-Pederneiras, isto em 1914, para em 1919
incorporar a Empresa de Eletricidade de Bauru.

Paralelamente, em 1912 era criada a Empresa de Eletricidade de


Araraquara, pelas mãos de Ataliba Vale, Fonseca Rodrigues e

Usina hidroelétrica de Campos Novos, exemplo recente de parceria da CPFL


com outros agentes do setor elétrico na implantação de grandes hidroelétricas

305
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Ramos de Azevedo, a qual, em 1920, passou a controlar a


Empresa de Eletricidade de São Paulo e Rio, que atuava em
parte do vale do Paraíba.

Por outro lado, em 1871 fora implantada a iluminação pública a


querosene em Campinas, sendo criada em 1875 a Companhia
Campineira de Iluminação a Gás.

Em 1904 a firma Cavalcante Byington & Cia construiu a Usina


Salto Grande no rio Atibaia também para iluminação pública, po­
rém de Itatiba e Souzas, sem conseguir atender Campinas, pois esta
deveria ser atendida pela Companhia de Iluminação a Gás.
Figura 1 – Barragem de Lavrinha
Em 1927 o controle acionário da CPFL passa para a CAEEB,
Companhia Auxiliar de Empresas Elétricas Brasileiras S A, subsi-
diária da AMFORP, American & Foreign Power Company.

Em 1946 inaugurou-se a usina Avanhandava no rio Tietê, inicia-se


a construção da usina de Americana e da termoelétrica de Carioba.

Em 1957 entra em operação Peixoto, atual Mascarenhas de Moraes.

Em 1975 o controle acionário passa a ser exercido pela CESP.

Figura 2 - Usina hidroelétrica de Salto Grande Em novembro de 1997, com a privatização, o controle da com­
com 4,55 MW, no rio Atibaia panhia passou para o atual grupo composto pela VBC Energia
(Grupo Votorantim, Bradesco e  Camargo Corrêa), pelo Fundo
de Pensão dos Funcionários do Banco do Brasil (Previ), e pela
Bonaire Participações (que reúne os fundos de pensão Funcesp,
Sistel, Petros e Sabesprev).

Nos anos recentes a CPFL passou a atuar intensamente com


outros parceiros em grandes hidroelétricas, tais como as usinas hidro­
elétricas de Campos Novos e Foz do Chapecó.

Figura 3 - Usina hidroelétrica de Americana com 30 MW

306
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Em 2011 ocorreu a fusão da CPFL com a ERSA dando origem à CPFL Reno­
váveis. Com isso o parque gerador foi ampliado com diversas outras usinas de
pequeno porte, tais como Alto Irani, Plano Alto, Varginha, Corrente Grande,
Cocais Grande, Paiol, Arvoredo, São Gonçalo e Ninho da Águia.

Figura 4 - Barragem de São Gonçalo com 11 MW

Figura 5 - Barragem da PCH Alto Irani, com 21 MW. Esta usina


foi agregada a CPFL Renováveis pela fusão da ERSA e CPFL

Figura 6 - Visão
artística do arranjo
da usina hidroelétrica
de Foz do Chapecó

307
308
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Breve Memória sobre


a Usina de Itaipu
1966 - 2011
Miguel Augusto Zydan Sória

1. Introdução
A hidroelétrica de Itaipu é fruto do Tratado celebrado em 26 de
abril de 1973 pelo Brasil e pelo Paraguai para o aproveitamento dos
recursos hídricos do rio Paraná, pertencentes em condomínio aos dois
países, desde e inclusive o Salto Grande de Sete Quedas ou Salto de
Guaíra até a foz do rio Iguaçu, tendo como signatários os chanceleres
Mário Gibson Barboza, pelo Brasil, e Raúl Sapena Pastor, pelo
Paraguai. Nesse período, eram presidentes Emílio Garrastazu
Médici, no Brasil, e Alfredo Stroessner, no Paraguai.

Fazem parte do Tratado o Anexo A – Estatuto; o Anexo B – Des­


crição das instalações destinadas à produção de energia elétrica
e das obras auxiliares; e o Anexo C – Bases financeiras e de pres­
tação de serviços de eletricidade. O Tratado é complementado por
acordos, notas reversais, leis e protocolos. Com a finalidade de
realizar o aproveitamento hidroelétrico, o Tratado cria a entidade
binacional Itaipu, instalada em 15 de maio de 1974 e constituí­
da com igual participação em seu capital pela Centrais Elétricas
Brasileiras S.A. (Eletrobras), representando o Brasil, e pela Admi-
nistración Nacional de Electricidad (ANDE), representando o Paraguai.

Apresentamos neste capítulo um breve relato histórico sobre a


obtenção desse ingente resultado por ambos os países. Como são

Usina hidroelétrica de Itaipú. Barragem principal e condutos forçados


Foto de Caio Francisco Coronel - Itaipu Binacional

309
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

muitos os aspectos da Itaipu possíveis de serem explorados, e tentes recomendamos pesquisa no livro “Itaipu Hydroelectric
considerando que a presente publicação se propõe a organizar Project – Engineering Features”, editado pela Itaipu Binacional
em um único volume a memória das principais barragens cons­ em 1994, que possui versão em português “Usina Hidroelé­
truídas no Brasil para várias finalidades - e, no caso de Itaipu, trica de Itaipu, Aspectos de Engenharia”, publicada em 2009,
realizada em conjunto com o Paraguai -, por isso mais ligada à a qual constitui também o texto-guia deste trabalho.
engenharia civil e à geologia, descreveremos as motivações e a
concepção do projeto e enfatizamos os tópicos relacionados aos
estudos prévios realizados e às obras civis, nominando alguns 2. Cronologia do Projeto Itaipu
de seus inúmeros protagonistas. As menções feitas a eles
devem ser consideradas uma homenagem a todos os que indis- O Quadro I, abaixo, e o Quadro II, anexo, mostram, de modo resu-
tintamente participaram no esforço de construir Itaipu. mido, as principais etapas e datas relativas ao Projeto Itaipu.

Como nosso intento é o de dissertar sobre a história da constru­ Esses marcos nos permitem separar com nitidez as diferentes fases
ção da hidroelétrica de Itaipu, limitamo-nos a apresentar refe­ do processo de construção de Itaipu.
rências sobre detalhes técnicos do empreendimento quando as
descrições assim o exigirem. Sugerimos que os leitores que esti­ A assinatura da Ata de Iguaçu, em 1966, pode ser considerada como
verem interessados em conhecer informações técnicas sobre o o momento que encerra a fase estratégica do processo. Registra a
projeto Itaipu consultem outras publicações, onde as encontrarão concepção da idéia e prescreve as estratégias de alto nível a serem
fartamente. Nesse sentido, das referências bibliográficas exis­ seguidas, decorrentes estas das escolhas julgadas mais favoráveis.

Fonte: livro “Usina Hidroelétrica de Itaipu - Aspectos de Engenharia”, ITAIPU Binacional 2009.

310
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

3. Principais motivações para a energia em conjunto. A inauguração da Ponte da Amizade


em 1965 alimentou o clima de cooperação ao oferecer a
construção de Itaipu perspectiva de facilitar o intercâmbio comercial entre eles.

A análise mais profunda dos acontecimentos que levaram à Como resultado de intensas negociações, em 1966 foi assinada
construção de Itaipu revela que duas foram as suas motivações a Ata de Iguaçu pelos ministros das Relações Exteriores do
primordiais, as quais, devido a circunstâncias intrínsecas, con­ Brasil, Juracy Magalhães, e do Paraguai, Raúl Sapena Pastor. A
vergiram e se somaram. A primeira dessas motivações é oriunda declaração conjunta manifestava a disposição de estudar o apro­
da política externa, e a segunda, da socioeconomia. veitamento dos recursos hidráulicos pertencentes em condo­
mínio aos dois países, no trecho do rio Paraná “desde e inclusive o
3.1. Motivação decorrente da política externa Salto de Sete Quedas até a foz do rio Iguaçu”. O entendimento diplomá­
tico abriu caminho para o início dos estudos técnicos. A solução
Para explicar a origem da motivação fundamentada na política proposta por um consórcio de empresas estrangeiras, que pre­
externa remontamos a 1750, ano em que Espanha e Portugal via o alagamento de grande parte da área em litígio, encerrou
assinaram em Madri o Tratado de Limites, primeira descrição a disputa por terras na fronteira.
minuciosa da fronteira brasileiro-paraguaia. O texto, porém,
era impreciso ao determinar os limites entre os territórios na Em 1967, uma Comissão Mista foi criada para implementar a
margem direita do rio Paraná. O Tratado de Paz assinado em Ata do Iguaçu. O consórcio formado pelas empresas IECO – Inter-
1872, logo após o término da Guerra do Paraguai (1865-1870), national Engineering Company Inc. (EUA) e ELC – Electroconsult SpA.
acabou por reabrir a polêmica em torno da fronteira na região (Itália), depois de adequada avaliação das propostas de diversos
das Sete Quedas porque estabelecia que os territórios deveriam grupos qualificados, foi escolhido para a realização dos estudos
dividir-se pelo rio Paraná, até o Salto, e pelo cume da Serra de de viabilidade e para a elaboração do projeto da obra. Em 26 de
Maracaju. No entanto, o detalhamento completo dos limites da abril de 1973, Brasil e Paraguai assinam então o Tratado de Itaipu.
fronteira jamais foi concluído em face de desacordo entre as partes
em relação à demarcação da Serra de Maracaju no trecho em que ela 3.2. Motivação decorrente da socioeconomia
se divide em dois ramos, um acima e outro abaixo das Sete Quedas.
Conforme assinalado, a disposição de construir uma hidroelétrica
Esse brevíssimo repasse pela história nos serve para compreen­ para atender à demanda de energia elétrica foi motivo de desa­
der que a possibilidade de exploração de um grande potencial cordo entre Brasil e Paraguai nos anos 60. Prevaleceu, porém, a
hidroelétrico, pela sua enorme importância, pode dar causa a signi­ inteligência política quando se estabeleceu que a construção e o
ficativos conflitos de interesses. E foi justamente o que aconteceu uso da futura instalação seriam realizados em conjunto. O entendi­
com Brasil e Paraguai no início da década de 60 com a desco­ mento da questão sob esse prisma acabou por reverter totalmente
berta do potencial hidroelétrico do rio Paraná, pois a indefinição a situação. É importante frisar que era central nessa discussão
quanto à posse das Sete Quedas interferia nos planos de um e de a estratégica aspiração de suficiência no suprimento futuro de
outro para o aproveitamento pretendido, colocando ambos os energia elétrica para os dois países.
países em oposição. Mas, em vez de medir forças, os dois go­
vernos, sabiamente, optaram por unir forças. Em 1962, pela pri­ Ao investigarmos a formação da demanda de energia naquele mo­
meira vez cogitou-se de os dois países se unirem para produzir mento da história, deparamo-nos com hábitos da sociedade que

311
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

requeriam crescentes níveis de uso da eletricidade, numa miría­ É nesse clima de grande atenção ao tema energético nacional
de de aplicações cotidianas, proporcionadas por tecnologias cada que foi criado em 1961 o Comitê Brasileiro de Grandes Barra­
vez mais inovadoras e sofisticadas. Ou seja, pelo lado da procura, gens (CBGB), pois o Brasil evoluía da construção de barragens
os dados da questão eram razoavelmente claros. baixas e médias para barragens e hidroelétricas de grande vul­
to. A iniciativa de criação do CBGB foi dos engenheiros que
Pelo lado da oferta, não restava alternativa a não ser incrementar naquela época estavam assumindo gradativamente a respon­
a produção maciça de energia elétrica nos níveis demandados, sabilidade pelas atividades técnicas relacionadas à implantação
o que podia ser feito de diferentes formas. A forma preferen­ dessas barragens no País.
cial, que perdura até então mundo afora, é a de produzir energia
elétrica com o emprego de combustíveis fósseis (carvão, gás e E as previsões sobre a importância que viria a ter a hidroeletricici­
petróleo, preponderantemente). Secundariamente, vem a pro­ dade acabaram por se confirmar, pois em 1973, coincidentemente
dução de energia elétrica de base hidráulica e atômica, onde o mesmo ano em que é assinado o Tratado de Itaipu, sobreveio a
disponível e viável. A essas formas acresce-se hoje o emprego crise mundial do petróleo, de profundos impactos na economia e
da biomassa e de outras fontes alternativas (eólica, solar, ondas, no ordenamento social de muitas nações. A visão de “seguran­
geotermia, etc.). O contraste, que naquele momento não pas­ ça energética” tomou então contornos dogmáticos, estimulando
sou despercebido pelos estrategistas mais argutos, consiste o rápido desenvolvimento de iniciativas em diversos segmentos
no fato de que os combustíveis fósseis não são renováveis, en­ no campo da produção de energia, voltadas para a substituição
quanto a água que corre nos rios o é. A hidroeletricidade é, de importações do petróleo. Entre as principais, têm início a
portanto, um predicado, um diferencial competitivo. produção de etanol de cana-de-açúcar (Pró-Álcool – 1975), a pro­
dução de energia elétrica com base em energia atômica (Usina
Esse preciso diagnóstico feito com competência pelo meio téc­ de Angra I – 1976) e a expansão da geração de energia de base
nico acabou por ser em grande parte internalizado pela classe hidráulica, tendo como pontos altos justamente o início, em 1975,
dirigente do país, tendo reflexos profundos nas decisões toma­ da construção das mega-hidroelétricas de Tucuruí e de Itaipu,
das sobre a matriz energética brasileira, e de suas implicações a primeira na inexplorada região Norte do País, a segunda,
nas demais infra-estruturas públicas e privadas que foram objeto de nosso relato, na região Sul, em sociedade com o Paraguai.
posteriormente implantadas. Àquela época já se sabia que o
potencial hidroelétrico dos rios interiores brasileiros era imen­ 3.3. A decisão de construir Itaipu
so, o que indicava autossuficiência de energia elétrica a médio
prazo. Mas considerava-se também a possibilidade de aprovei­ A conjugação, portanto, dos citados fatores políticos e socioeco­
tamento conjunto dos rios compartilhados com países vizinhos, nômicos formaram o argumento de base para Brasil e Paraguai
principalmente com a Argentina e o Paraguai. Em razão disso, decidirem pela construção em conjunto de uma usina hidroelétri­
o Brasil, já nas décadas de 50 e 60, faz valer sua visão de “se­ ca sobre o rio Paraná, no trecho de fronteira fluvial entre os dois
gurança energética”, e constrói hidroelétricas de grande por­ países. Foi antes de tudo, uma decisão de cunho macroeconô­
te, Paulo Afonso I (1954), Três Marias (1962), Furnas (1963) mico, de longo alcance, que se inscreve na magnanimidade das
e Jupiá (1968). A experiência na execução desses projetos políticas de estado, de construção do futuro dos dois países.
proporcionou adicionalmente a acumulação do capital inte­
lectual, que serviu mais tarde para os outros tantos projetos Dessa presciente decisão maior decorreram todas as demais, de
que foram realizados, incluindo o de Itaipu. caráter mais técnico, abrangendo os entendimentos prévios entres

312
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

os dois países, a contratação de estudos de alternativas de locali­ 4.1. A Ata de Iguaçu


zação da obra, a assinatura do Tratado de Itaipu, a constituição
da Itaipu Binacional, a elaboração dos estudos e projeto de en­ A “Ata de Iguaçu: Brasil – Paraguai”, assinada em 22 de junho
genharia, a execução da obra e montagem dos equipamentos e, de 1966, é, portanto, o registro do entendimento a que chegaram os
por fim, a produção de eletricidade, tal como será visto na con­ governos do Brasil e do Paraguai e que expressa irrefutavelmente
tinuidade deste trabalho. Cabe destacar a atuação do engenheiro o amadurecimento da ideia de construir Itaipu, fundada antes de
e economista Antonio Dias Leite Júnior, Ministro de Minas tudo na amizade e no respeito mútuo cultivado entre os dois países.
e Energia do Brasil de 1969 a 1974, que intercedeu a favor
do projeto perante o Congresso Nacional brasileiro. No documento consta “... o vivo desejo de superar, dentro de um mesmo
espírito de boa-vontade e de concórdia, quaisquer dificuldades ou problemas,

4. Período preparatório achando-lhes solução compatível com os interesses de ambas as Nações. ... ”,
o que revela o reconhecimento explícito das partes de que,
num projeto daquela envergadura, eram esperados óbices
Conforme salientado, no princípio da década de 60 cresce com
de diversas naturezas para sua concretização.
rapidez a demanda de energia elétrica na metade Centro-Sul
do Brasil. O governo brasileiro, na época, após alguns estu­
A Ata de Iguaçu, por conseguinte, faz prescrições sobre alguns aspec­
dos realizados em 1955-56, já estava ciente das potencialidades
tos relevantes do empreendimento, tais como a decisão de dar início
energéticas que representavam os aproximadamente 100 me­
ao estudo e levantamento das possibilidades econômicas de uso dos
tros de queda existentes no Salto Grande de Sete Quedas,
recursos hidráulicos comuns, a divisão da energia em partes iguais,
na região mais meridional da porção brasileira da imen­
a cessão da energia não utilizada e a necessidade de entendimentos
sa bacia hidrográfica do rio Paraná. Foi, então, contratada a
com os estados ribeirinhos da Bacia do Prata. Esses aspectos serão
empresa EMF, dirigida pelo engenheiro Octávio Marcondes
tratados com mais detalhes nas seções seguintes deste capítulo.
Ferraz, projetista, entre outras obras, da usina de Paulo Afonso.
A EMF propôs um aproveitamento hidroelétrico da ordem 4.2. O papel da Comissão Mista Técnica
de 10 mil MW, que, porém, não pode ser aceito porque se pre­
via sua implantação exclusivamente em território brasileiro, Para cumprir o disposto na Ata de Iguaçu, em 1967 foi criada a
desviando-se o rio em trecho de fronteira e desconsideran­ Comissão Mista Técnica Brasileiro-Paraguaia com a finalidade de
do-se o aspecto binacional do sítio. Antes disso, em 1959, o realizar o estudo e o levantamento das possibilidades econômicas
Serviço de Navegação da Bacia do Prata já havia construído do aproveitamento hidroelétrico pretendido e apresentar o resul­
uma pequena hidroelétrica com 1.200 kW de potência instala­ tado aos dois governos. A Comissão Mista Técnica, por sua vez,
da em um dos braços das Sete Quedas, a qual foi desmontada em 10 de abril de 1970, firma convênio de cooperação com a Eletrobras
em 1982, por ocasião do enchimento do reservatório de Itaipu. e com a ANDE.

Foram esses os principais antecedentes do acordo prévio que Brasil O convênio estabelecia que o trabalho fosse realizado por um gru­
e Paraguai alcançaram em 1966, visando ao aproveitamento hi­ po de técnicos de ambos os países, com a supervisão de uma firma
droelétrico conjunto, traduzido pela Ata de Iguaçu, documento de consultores de engenharia, sob a direção geral e coordenação
que marca o início do período preparatório, que se encerra com de um Comitê Executivo. Para esse fim foi então contratado, em
o Tratado de Itaipu, complementado depois pelo Acordo Tripartite. 18 de novembro de 1970, o consórcio ítalo-americano IECO-ELC.

313
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 1 - Comissão Mista-Técnica Brasileiro-Paraguaia

4.3. Os estudos de viabilidade Comparando-se os arranjos, as estimativas de custos e os resul­


tados das simulações operacionais, duas soluções se mostraram
Em 1 de fevereiro de 1971 foram iniciados os estudos do aprovei­ preferenciais: (i) Itaipu Alto, uma única barragem na ilha de Itai­
tamento, a serem desenvolvidos em quatro fases metodológicas, pu, com todo o potencial concentrado em uma única usina hi­
que envolveram levantamentos de campo, análises hidrológi­ droelétrica e (ii) Itaipu Baixo e Santa Maria, duas barragens,
cas, investigações geotécnicas e um inventário completo de al­ uma na ilha de Itaipu e outra 150 km a montante em Santa Maria,
ternativas possíveis de projeto. Foi então feita a classificação com o potencial dividido em duas hidroelétricas.
e análise das informações existentes e aquisição de dados adi­
cionais envolvendo a meteorologia, pluviometria, fluviometria, 4.4. A escolha do local Itaipu
sedimentação, topografia, condições geológicas e geotécnicas, assim
como a disponibilidade de materiais de construção e seus meios No cotejamento entre as duas alternativas finais selecionadas,
de transporte. Disso resultou a indicação de dez locais possíveis a solução Itaipu Baixo e Santa Maria mostrou-se menos competi­
para a construção de barragens (Guaíra, Santa Maria, Laguna Verá, tiva porque os custos dos desvios do rio e dos vertedouros seriam
Alex Gage, Arroio Guaçu, Porto Mendes, São Francisco, Itaipu, duplicados, os saltos hidráulicos líquidos seriam menores e os
Puerto Embalse e Ilha Acaray) e 50 diferentes arranjos. custos da potência instalada maiores. Além disso, a topografia,
314
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Figura 2 - Ilha de Itaipu – rio Paraná

Figura 3 - Trabalhos de sondagem na Ilha de Itaipu - 1972

a geologia e as condições de vazão do rio também encareceriam


os custos em Santa Maria. Por outro lado, a capacidade instalada
para Itaipu Alto seria 5,5% maior e a energia firme por volta de Figura 4 - A partir da direita: Pierucci, R. Delgado, W. Taboada, Giovanni
33% superior à da combinação Itaipu Baixo e Santa Maria. Ou Salerno e Piero Sembenelli (todos da IECO-ELC), o consultor Arthur
Casagrande e outros não reconhecidos – 1973.
seja, concluiu-se que o esquema com uma única barragem fornecia
maior capacidade instalada ao menor custo por quilowatt (kW).

No final de dezembro de 1972, após a realização das três primeiras


fases previstas na metodologia, foi apresentado o relatório sobre o estu­
do preliminar de viabilidade, que indicou como mais favorável o projeto
Itaipu Alto, o que foi aceito pela Comissão Mista Técnica. A partir
daí passou-se a utilizar a denominação Itaipu simplesmente.

A ilha de Itaipu, que deu nome ao empreendimento, quase sem­


pre submersa, era localizada logo após uma curva acentuada do
rio Paraná, a pouco mais de 20 quilômetros da confluência com o
rio Iguaçu. Ela consistia em um afloramento de rocha, cujo maru­
lhar provocado pela correnteza inspirou os indígenas a chamá-la
“Itaipu”, que significa na língua tupi “a pedra que canta”.
315
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

oportunidades iguais para mobilização da força de trabalho e


para a realização dos fornecimentos em geral, tendo-se como
limite apenas a capacidade de cada um. Essa harmonização de
interesses contribuiu para que se estabelecesse o “espírito
binacional” que reinou durante toda a empreitada e perdura
até hoje. De modo a conferir a adequada segurança jurídica ao
acordo, o Tratado foi ratificado pelos poderes legislativos de
ambos os países no mesmo ano de 1973.

A ITAIPU foi então constituída pela Eletrobras e pela ANDE,


com igual participação no capital, regendo-se por normas esta­
belecidas no próprio Tratado e seus anexos. O Tratado também
define que a ITAIPU é administrada por um Conselho de
Administração e uma Diretoria Executiva integrados por igual
Figura 5 - Consultor Arthur Casagrande (à esquerda) e Piero Sembenelli
(IECO-ELC) na travessia do rio Paraná - 1973
número de nacionais de ambos os países, sendo seus docu-
mentos oficiais redigidos em português e espanhol.

Algumas disposições do Tratado refletem a adoção das me­


Em 12 de janeiro de 1973, foi apresentada uma minuta do re­ didas prévias que o viabilizaram, que são: a possibilidade
latório final de viabilidade à Comissão, oportunidade em que de aporte de recursos financeiros mediante operações de cré­
se optou pelo prosseguimento do projeto Itaipu. Essa deci­ dito, não aplicação de impostos (mediante isenções fiscais)
são possibilitou o avanço dos entendimentos que resultaram e de algumas restrições administrativas, a divisão da energia pro­
na redação do Tratado de Itaipu. Na continuidade, a Comis­ duzida em partes iguais e o estabelecimento da obrigação de aqui­
são Mista Técnica determinou que fosse realizado pelos con­ sição por um país da energia não utilizada pelo outro país para seu
sultores estudo completo de viabilidade para confirmação próprio consumo.
da alternativa escolhida, com detalhamento e profundidade
adequados à obtenção de empréstimo perante os organismos Os três anexos do Tratado servem, basicamente, para detalhar o
financeiros internacionais. O relatório final dos consultores “como fazer” no empreendimento.
foi apresentado posteriormente, em julho de 1974.
4.6. A singular engenharia econômico-financeira
4.5. O Tratado de Itaipu do projeto
O Tratado de Itaipu, de 26 de abril de 1973, é, portanto, o instru­ As simulações de custo do projeto que foram feitas na fase inicial
mento-chave de consolidação do acordo alcançado pelo Brasil e dos estudos de viabilidade já indicavam a necessidade de recur­
pelo Paraguai para a execução do aproveitamento hidroelétrico. sos financeiros da ordem de bilhões de dólares americanos para a
O acordo foi feito de modo equilibrado, superando divergên­ execução das obras. Essas altas cifras, se já eram onerosas para o
cias pretéritas, atribuindo a ambos os países o mesmo poder de Brasil, ultrapassavam em muito a própria economia do Paraguai,
decisão e, na medida do possível, e em igualdades de condições, o que inviabilizava investimentos com uso de recursos próprios.
316
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Figura 6 - Assinatura do Tratado de Itaipu em 26 de abril de 1973 - Presidentes Alfredo Stroessner (Paraguai) e Emílio Garrastazu Médici (Brasil),
acompanhados pelos chanceleres Raúl Sapena Pastor (esquerda da foto) e Mário Gibson Barboza, respectivamente.

Optou-se, assim, pelo financiamento integral do Projeto Itai­ algo em torno de 10% de sua metade. Para garantir que a totali­
pu por meio de empréstimos bancários, assegurando assim o dade da potência disponível da ITAIPU fosse sempre contratada,
necessário suporte dos gastos a serem realizados nas diversas e assim viabilizar economicamente o empreendimento, o Brasil e
frentes de obra. Ficou definido que os empréstimos, encargos o Paraguai se comprometeram a contratar conjuntamente o total
financeiros e demais itens de custeio do empreendimento se­ da potência instalada da usina. Paralelamente, o Brasil, por meio
riam depois pagos com as receitas resultantes da produção da Eletrobras, concordou em celebrar contratos com a ITAIPU
de energia elétrica da própria usina. de forma que o total da potência contratada fosse igual à potência
instalada. Essas duas disposições viabilizaram economicamente o
Os modelos matemáticos utilizados nos estudos de viabilidade empreendimento, pois o Brasil, na prática, passou a assumir todas
indicaram que a hidroelétrica, quando estivesse completa, com as incertezas financeiras e de mercado associadas a um empreendi­
18 unidades geradoras operando, dependendo das condições hi­ mento desse porte. Para aferir o grau dessa responsabilidade, o Brasil
drológicas na bacia do rio Paraná e do grau de regularização a em 2011 assume cerca de 95% de todos os encargos da ITAIPU,
montante da barragem, produziria anualmente uma quantida­ utilizando aproximadamente 92% da energia gerada pela usina.
de variável de energia, com uma média estimada da ordem de
70 milhões de megawatts-hora por ano (MWh/ano). Para que se alcançasse a constância de receitas almejada, os gover­
nos do Brasil e do Paraguai resolveram então adotar um modelo
Dessa imensa quantidade de energia, o Brasil estaria apto a ab­ de comercialização pelo qual as contratações anuais seriam feitas
sorver a metade que lhe corresponderia, enquanto o Paraguai não não pela produção de energia - medida em MWh, e, portanto, va­
conseguiria fazer o mesmo, pois só utilizaria para consumo próprio riável -, mas pela potência do conjunto gerador da usina, medido
317
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

em MW, grandeza invariável cujo valor seria fixado nos limites tivamente. O Paraguai ficava, assim, praticamente blindado contra
de potência necessários à produção da “energia garantida”. os efeitos dessas sazonalidades. Tal modelo acabou por constituir
o fator diferencial que selou a decisão de construir Itaipu.
A prestação do serviço de eletricidade seria então remunerada pela
capacidade de produção posta à disposição do usuário, independente­
mente do que fosse consumido de energia. Ou seja, exemplificando-
5. Execução do projeto
se pelo extremo, mesmo que nada fosse consumido pela entidade
Atendidas as condições necessárias ao desenvolvimento do proje­
compradora, esta pagaria sempre pelo direito de ter potência
to, em seu patamar mais elevado, passou-se então à sua execução,
energética à sua disposição. Isso acarretava para o comprador au­
em uma fase predominantemente de intervenção na realidade.
mento do componente de custeio devido à energia adquirida da
Itaipu sempre que o consumo fosse inferior à capacidade contratada. 5.1. Constituição da Itaipu Binacional
Esse modelo implica, é claro, na transferência das incertezas para Cumprindo o disposto no Tratado e seus anexos, em 15.05.1974
a Eletrobras e para a ANDE, e destas, por sua vez, às demais enti­ é efetuada a instalação da ITAIPU Binacional, com a presença
dades compradoras a elas vinculadas. Como o Brasil consumiria a dos Presidentes Ernesto Geisel, do Brasil, e Alfredo Stroessner,
maior parte da energia produzida, o maior impacto dessas incer­ do Paraguai. Para esse fim, os Ministros das Relações Exteriores
tezas recairia sobre seu setor elétrico. Contudo, as avaliações feitas e de Minas e Energia do Brasil conjuntamente com os Ministros
indicaram que, em razão de o setor elétrico brasileiro ser de grandes de Relações Exteriores e de Obras Públicas e Comunicações do
proporções, e estar em expansão, ele teria condições de absorver Paraguai deram posse nos respectivos cargos aos Membros do
e diluir eventuais variações de demanda para menos que viessem a Conselho de Administração e da Diretoria Executiva, sendo
ocorrer, tornando suportável desse modo os efeitos da contratação nomeados Diretores-Gerais José Costa Cavalcanti, pelo Brasil,
por potência sinalizado para o Projeto Itaipu, viabilizando-o defini­ e Enzo Debernardi, pelo Paraguai.

Figura 7 - Constituição da Itaipu Binacional em


17de maio de 1974: Presidentes Alfredo Stroessner
(Paraguai) e Ernesto Geisel (Brasil)

318
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Figura 8 - Organograma geral da ITAIPU Binacional


Logo após, são então destinadas áreas de terras no Brasil para a
construção da hidroelétrica, para instalação dos serviços administra­
tivos, para a edificação da vila residencial para os trabalhadores, e,
posteriormente, para a formação do reservatório. De igual manei­ Foram Diretores-Gerais Brasileiros, responsáveis pela coorde­
ra, são destinadas áreas de terras no Paraguai, em caráter parcial, nação, organização e direção das atividades da Itaipu, José Costa
para as instalações do aproveitamento hidroelétrico e suas obras Cavalcanti (1974-85), Ney Aminthas de Barros Braga (1985-90),
auxiliares, tendo sido posteriormente definida a área total delimitada. Fernando Xavier Ferreira (1990-91), Jorge Nacli Neto (1991-93),
Francisco Luiz Sibut Gomide (1993-95), Euclides Girolamo Scalco
Estavam desse modo estabelecidos o local, a estratégia de alto (1995-98), Altino Ventura Filho (1998), Euclides Girolamo Scalco
nível, o orçamento inicial, o aparato organizacional e o instrumental (1998-2002), Antonio José Correia Ribas (2002-03). Desde 2003 o
necessários ao início da execução do projeto. cargo é ocupado por Jorge Miguel Samek.

319
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

18 unidades de 700 MW; (v) os ensaios em modelo de regulari­


zação do rio e instalações para navegação, na escala 1:100; (vi) as
unidades geradoras principais; (vii) a dupla frequência, decorrente
do fato de que o Brasil adota a frequência de 60 Hz e o Paraguai de
50 Hz; (viii) o arranjo geral; (ix) o vertedouro, na margem direita;
(x) as barragens; e (xi) a casa de força.

5.3. Projeto de engenharia: dados básicos e características


Com base nas prescrições do relatório final de viabilidade do em­
preendimento a partir do segundo semestre de 1974 deu-se início
a ampla mobilização de pessoas e empresas no Brasil, no Paraguai
e em outros países, para elaborar o projeto de engenharia de Itaipu.

Consoante a complexidade e importância da tarefa, com o emprego


Figura 9 - Grupo de engenheiros com os consultores. A partir da esquerda: de técnicas apuradas de gerenciamento de projetos, foram forma­
Castro, Piasentin, Belloni, Nauroz Khan (gerente do estudo de viabilidade),
dos, de maneira concatenada, vários grupos especialistas, detento­
P. Sembenelli, A. Gallico , Arthur Casagrande, José Gelazio da Rocha
(Itaipu, Superintendente de Engenharia), Don Deere, Edwin Smith - 1974 res de conhecimentos compatíveis com as necessidades técnicas de

5.2. Estudos e investigações


confirmatórios Figura 10 - A partir da esquerda: Luis Carlos Domenicci (Unicon), Rubens Vianna de Andrade
(Itaipu, Superintendente da Obra), Arthur Casagrande (consultor), José Roberto Monteiro (Itaipu)
Com vistas a cumprir a determinação da e Flavio H. Lyra (Chairman do Board de Consultores da Itaipu) – outubro de 1977
Comissão Mista Técnica para que fossem
desenvolvidos pelos consultores estudos de
viabilidade adicionais e de confirmação da
alternativa escolhida, passou-se à realização
da quarta e última fase dos estudos de viabi­
lidade do projeto, cujo relatório foi apresen­
tado em julho de 1974, portanto logo após
a instalação da ITAIPU Binacional.

Esse relatório final incorporou: (i) os estudos


hidrológicos levados adiante; (ii) a enchen­
te de projeto do vertedouro, na ordem de
62.600 m3/s; (iii) os estudos da frequência
das enchentes; (iv) a capacidade instalada
da usina, concluindo pela instalação de
320
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

dimensionamento e especificações das principais partes da hidroe­ Conforme mencionado, em razão do aprofundamento dos estudos,
létrica: estruturas de desvio, barragens e ensecadeiras, reservatório, e mediante os resultados dos testes e verificações feitos na fase de
vertedouro, casa de força e equipamentos de geração de energia. projeto, o arranjo geral das instalações permanentes foi diferente em
Essas partes principais, por sua vez, foram subdivididas em diversas alguns aspectos daquele definido durante a fase de viabilidade.
outras, igualmente tratadas por especialistas de diversas áreas.
O Quadro III, anexo, apresenta uma síntese das principais atividades
A diretriz geral que marcou essa etapa essencialmente conceptiva desenvolvidas nessa etapa de estudos e projetos, relacionando somente
do Projeto Itaipu foi a do emprego incondicional de critérios de as principais empresas participantes, pois não se revela possível nes­
excelência técnica mundialmente disponíveis para projetos des­ ta memória resumida listar as muitas outras empresas e profissionais
sa natureza. Isso necessariamente implicou o atendimento de que participaram do esforço. Cabe destacar que a Itaipu manteve a
rigorosas exigências, que se refletiram posteriormente em toda liderança do processo a cargo do consórcio internacional IECO-ELC,
a cadeia de processos, de subprojetos e de esquemas organiza- representado pelo experiente Engenheiro Gurmukh Sarkaria, que,
cionais do empreendimento. naquela fase, desempenhou a função de Coordenador-Geral do Projeto.

Figura 11 - A partir da
esquerda: Corrado Piasentin,
Gurmukh Sarkaria
(Coordenador-Geral da IECO-
ELC), Arthur Casagrande,
Don Deere, Klaus John,
Fernão Paes de Barros, Orlando
Gomes dos Santos e Flavio H.
Lyra (Chairman do Board de
Consultores da Itaipu) –
outubro de 1977

321
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 12 - Rubens Vianna


de Andrade (esquerda,
Superintendente da Obra),
e Diretores-Gerais José Costa
Cavalcanti (Brasil) e Enzo
Debernardi (Paraguai) –
dezembro de 1977

A Itaipu manteve um painel permanente de consultores inter­ o cálculo e dimensionamento das fundações das barragens e das
nacionais (Board), representativos do conhecimento acumulado demais estruturas a serem erigidas.
no mundo até aquela época em projetos hidroelétricos. Esses
consultores, relacionados no Quadro IV, anexo, se reuniam re­ Caracterizada a geologia da área do projeto e do reservatório, que
gularmente para analisar aspectos especiais do projeto e da cons­ jazem sobre grandes derrames basálticos da bacia superior do
trução das obras civis, bem como do projeto e da fabricação rio Paraná, partiu-se para as investigações geotécnicas, por meio
das unidades geradoras. de sondagens e perfurações, escavações de trincheiras, poços e
túneis para verificação e a realização de ensaios in situ e ensaios
Foram também mobilizados muitos consultores, especialistas em laboratório, que definiram a deformabilidade e a resistência
e firmas encarregadas dos ensaios em modelos para resolverem dos diversos tipos de brecha, basalto vesicular e basalto denso,
problemas específicos de engenharia civil e aspectos ligados bem como identificaram as principais descontinuidades existentes
ao projeto, fabricação e funcionamento dos geradores. As­ no subsolo de assentamento das fundações.
sim, os recursos de simulação auxiliaram significativamen­
te nas decisões dos projetistas. O Quadro V, anexo, apre­ Essas descontinuidades, encontradas na forma de juntas, contatos,
senta uma relação dos principais ensaios e estudos especiais áreas fraturadas e zonas cisalhadas, exigiram o emprego de tratamen­
realizados e das instituições que os conduziram. tos subterrâneos para assegurar sua estabilidade frente às cargas a
serem suportadas, com o emprego principalmente de chavetas de con­
5.4. Fundações: investigações geológicas e geotécnicas creto na descontinuidade da margem direita, e, de maior extensão e
volume, nas fundações da barragem principal no leito do rio, que foram
Definido o arranjo geral das instalações permanentes e, por conse­ devidamente instrumentadas para posterior monitoramento. Dessas
guinte, a geometria e a disposição territorial do conjunto, pôde-se investigações, foi também prescrita a execução de injeções, cortinas
dar início ao aprofundamento das investigações geológicas e geo­ de injeção e de drenagem, poço de investigação e de acesso, furos e
técnicas feitas na Fase 1 dos estudos de viabilidade, tendo em vista túneis de drenagem, complementares às estruturas das fundações.
322
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Por essa lógica, as obras civis tiveram início com a execução de vá­
rias frentes conjuntas de escavações, tendo como mais volumosas
o próprio canal de desvio, a calha do vertedouro e a fundação da
barragem de enrocamento. O material das escavações foi utilizado
para a construção das ensecadeiras principais no leito do rio Para­
ná e da barragem de enrocamento na margem esquerda. Conclu­
ído o canal de desvio, suas ensecadeiras em arco e a estrutura de
controle nele existentes, e desviado o rio, passou-se para a cons­
trução da barragem principal e do vertedouro e da casa de força,
parte desta última no leito do rio ao pé da barragem principal
e parte dela ao pé da estrutura do desvio.

Nesse sentido, merece menção especial a contribuição do La­


boratório de Materiais e Concreto da Itaipu (que atualmente se
denomina Laboratório de Tecnologia do Concreto da Itaipu –
LabTecon), situado no contexto geral do Sistema de Qualidade das
Construções de Concreto. Na época de sua implantação (1975-76)
Figura 13 - Grupo de geólogos das projetistas se apronta para inspecionar ainda não existiam normas avançadas de controle de qualidade,
os túneis e poços. A partir da esquerda: Minervino Buosi, John Cabrera, tais como as séries ISO, que tiveram seu advento nos anos seguin­
Szolt Gombosy, Roberto Ramón Acosta Alvarez, Nelson Infanti Jr. e tes. No laboratório foram adotados padrões até mais exigentes
Maurício Muller – maio de 1977
do que aqueles que essas normas depois vieram a estabelecer,
e com dinâmica adequada à velocidade de construção da obra.

5.5. Planejamento e organização dos trabalhos Foram Diretores Técnicos brasileiros da Itaipu, responsáveis
pela condução do projeto, construção das obras e operação
A Itaipu, em 1975, definiu que no ano de 1983 seria iniciada a operação das instalações: John Reginald Cotrim (1974-85), Roberto Lei­
da primeira unidade geradora. Essa decisão determinou o planeja­ te Schulman (1985-90), Rubens Vianna de Andrade (1990-91),
mento, a cronologia e a organização dos trabalhos a serem realizados. Márcio de Almeida Abreu (1991-92), Flávio Decat de Moura
Tratava-se de uma operação complexa, pela expressiva monta das di­ (1993-95), Marcos Antônio Schwab (1995-96) e Altino Ven­
mensões e volumes envolvidos na construção da usina. tura Filho (1996-2002). Desde 2002 o cargo é ocupado por
Antonio Otelo Cardoso.
Sendo a construção do canal de desvio a atividade mais crítica,
segundo indicou a rede CPM (Critical Path Method) elaborada, foram en­ 5.6. Relações do trabalho e previdência social
tão separadas as atividades que dela independiam, o que permitiu que,
no programa de construção, se previsse o início em 1975 de diferen­ Para o normal andamento da obra, era importante assegurar direitos
tes frentes de trabalho em paralelo, envolvendo algumas importantes laborais e proteção social que favorecessem a recepção e a perma­
obras civis e diversas encomendas de equipamentos e componentes nência do expressivo contingente de trabalhadores e suas famílias
eletromecânicos com perfil de fornecimento de longo prazo. na área do projeto.
323
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Para tanto, foi assinado pelo Brasil e pelo Paraguai, em 11.02.1974, 5.8. Execução das obras civis
o Protocolo sobre Relações de Trabalho e Previdência Social,
estabelecendo as normas jurídicas aplicáveis, em matéria do direito As obras tiveram início em janeiro de 1975, com a constru­
de trabalho e previdência social, aos trabalhadores contratados pela ção do canteiro e da infraestrutura. Logo depois, em maio do
Itaipu, independentemente de sua nacionalidade. Por sua impor­ mesmo ano, começaram as obras civis propriamente ditas,
tância e complexidade, as matérias relativas a higiene e a segurança como mencionado no item 5.5 acima, que foram concluídas
do trabalho são objeto de acordo complementar ao Protocolo, em em 1991. No Quadro VI, anexo, consta a relação dos consórcios
que também é previsto a constituição de comissões de prevenção e empresas que as executaram.
de acidentes de trabalho, as conhecidas CIPAs. Na mesma linha,
é também assinado, em 10.09.1974, o Protocolo Adicional so­ O desvio do rio Paraná se deu em quatro etapas, iniciando-se em
bre Relações do Trabalho e Previdência Social relativo aos outubro de 1975 pela escavação do canal de desvio e terminando
contratos de trabalho dos trabalhadores, dos empreiteiros e subem­ em julho de 1979 com o esgotamento da área de trabalho entre as
preiteiros de obras e locadores e sublocadores de serviços. ensecadeiras principais. As obras do desvio têm como elementos

5.7. Infraestrutura de apoio


Foram implantadas obras de infraestrutura destinadas a abrigar e
dar assistência aos trabalhadores brasileiros e paraguaios das várias
empresas contratadas para executar as obras e serviços, em ambas
as margens, uma vez que as cidades de Foz do Iguaçu e Puerto
Stroessner, à época, não dispunham de condições de absorver os
contingentes humanos que a elas afluiriam em breve.

Essas obra incluíram conjuntos habitacionais, escolas, creches,


hospitais, centros comunitários, clubes e áreas de lazer, redes de
serviços de eletricidade, água, esgoto e comunicação, e estradas
pavimentadas permanentes para garantir o transporte de pessoal,
materiais e equipamentos. Foi também melhorada e expandida a
rede viária existente para integrar as instalações do projeto com as
cidades da área e organizados serviços de coleta de lixo, segurança
física e de assistência social aos trabalhadores e suas famílias.

Figura 14 - Ultima inspeção das adufas e do canal antes do desvio do rio Paraná em
outubro de 1978. Da esquerda para a direita: José Augusto Braga (Itaipu), Ronan
Rodrigues da Silva (Diretor de Construção da Unicon), Roberto Monteiro,
Francisco Andriolo e Ademar Sonoda (todos da Itaipu)

324
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Figura 15 - Consultores Klaus John (à esquerda),


Don Deere e Arthur Casagrande –
outubro de 1978.

construtivos principais o canal de desvio, a estrutura de controle do ção para contato entre si e dispositivos de abraço para contato
desvio, as ensecadeiras auxiliares em arco de montante e de jusan­ com as estruturas de concreto (barragem de contrafortes e
te no canal de desvio (demolidas a fogo posteriormente, gerando vertedouro), que exigiram os cuidados executivos de costume
imagens que ficaram famosas devido à ampla divulgação do fato para terraplenos com essa tipologia.
na mídia) e as ensecadeiras principais de montante e de jusante no rio.
Uma das fases mais importantes e críticas foi o fechamento do rio O vertedouro, localizado na margem direita do rio Paraná, com
Paraná e seu desvio para o canal e a estrutura de desvio. Atenção es­ capacidade de evacuar 62.200 m3/s por meio de três calhas com
pecial foi dada às comportas de desvio e seu fechamento, sendo reali­ trampolim, teve seu arranjo final precedido de ensaios em mo­
zados ensaios e estudos em modelo hidráulico necessários ao projeto delo hidráulico em escala 1:100, testes nos trampolins e análises
e fabricação de seus componentes, testes de funcionamento e seu dos efeitos erosivos a jusante. Foram então executados a estrutu­
fechamento final que aconteceu em 13.10.1982, evento que marca ra da crista, o túnel rodoviário, as calhas, os muros, os trampolins
o início do enchimento do reservatório de Itaipu. As comportas e as galerias, que são os principais componentes que formam a
de desvio foram posteriormente recuperadas e recondicionadas geometria dessas estruturas, e que depois receberam as respecti­
para uso como comportas de tomada d´água. vas comportas e equipamentos associados. A partir de 1982, com
o enchimento do reservatório, foi possível operar o vertedouro,
A barragem de enrocamento da margem esquerda (1.984 m de com­ observar seu desempenho hidráulico e seu desempenho estrutural
primento) e as barragens de terra existentes na margem esquerda e os processos erosivos de jusante. A experiência de operar a
(2.294 m) e na margem direita (872 m), que compõem o arranjo geral contento o vertedouro durante muitos anos atestou sua absoluta
da Itaipu, requereram em suas extremidades zonas de transi­ confiabilidade para extravasar as descargas necessárias.
325
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 16 - Consultores Charles


Blanchet (à esquerda), Arthur
Casagrande e Gurmukh Sarkaria
(IECO-ELC) no canal de desvio
– outubro de 1978

Figura 17 - Maquete da
escavação da barragem
de Itaipu - Paul Joachim
Folberth (à esquerda)
e Gurmukh Sarkaria
(ambos da IECO-ELC)
– abril de 1979

A parte central da hidroelétrica, que aloja a casa de força e, sobre


esta, o Edifício da Produção, foi dotada de uma barragem de concreto
de gravidade aliviada, enquanto o longo segmento em curva que liga
a barragem ao vertedouro na margem direita e a estrutura de desvio
na margem esquerda foram dotados de barragens de concreto de
contrafortes. Enquanto eram executadas as escavações para as
fundações, em grande volume, e feitas as injeções, tratamentos e
construção de chavetas sob o leito do rio, foram se erigindo gra­
dualmente as estruturas das tomada d’água e dos demais blocos de
concreto. O desempenho da barragem durante a fase de construção
e o enchimento do reservatório foram avaliados pela instrumenta­
ção de monitoramento instalada nas estruturas e suas fundações.
Essa atividade de auscultação da barragem continua na fase atu­
al de operação e inclui a avaliação do comportamento estrutural,
hidráulico e térmico das barragens pelos resultados da instrumentação,
associada às inspeções dos engenheiros e técnicos da Itaipu.

Essas obras civis envolveram colossais quantidades: mais de 23 mi­


lhões de metros cúbicos de escavação em terra, quase 32 milhões
de metros cúbicos de escavação em rocha, 6,5 milhões de metros

326
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Figura 18 - Enchimento do reservatório. A partir da esquerda:


cúbicos de argila compactada e 15 milhões de metros cúbicos Adão K. (motorista IECO-ELC), Ricardo Abrahão (Promon),
Hilário Da Fré (motorista IECO-ELC), Alessandro Gallico
de enrocamento; 12,6 milhões de metros cúbicos de concreto com (Engenheiro Chefe da ELC - Milão), Fernão Paes de Barros
31,5 milhões de toneladas de peso, o que consumiu mais 2,5 milhões (Itaipu), Michael Sucharov (Engevix), Giacomo Re
de toneladas de cimento e 481 mil toneladas de aço. É importante (Themag), não identificado, Libero Medaglia (IECO-ELC),
Engenheiro Gurmukh Singh Sarkaria (Coordenador Geral
salientar a decidida atuação do Engenheiro Rubens Vianna de An­ IECO-ELC), não identificado, José Antônio Rosso (Itaipu),
drade, Superintendente de Obras, nessa complexa etapa do projeto. Dillo Rocha (Engevix) – outubro de 1982.

5.9. A auscultação da barragem e a junta de


consultores civis
automática, pois a leitura manual obriga os técnicos a visitar roti­
O projeto de auscultação da represa de Itaipu busca a garantia da neiramente toda a barragem, assegurando assim a observação direta
segurança da barragem. Os blocos mais instrumentados, denomi­ das estruturas e fundações e dos próprios instrumentos.
nados blocos-chave, foram selecionados levando em conta altura,
posição, tipo, representatividade de um trecho e peculiaridades da Existe também uma rede de sismômetros que cobre a área da bar­
fundação. No projeto original de Itaipu foi adotado o critério da ragem e do reservatório de Itaipu. O objetivo é monitorar a even­
leitura manual da instrumentação, em vez da leitura centralizada e tual ocorrência de sismos induzidos pelo reservatório, até hoje não

327
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

registrados. Os equipamentos são capazes de registrar terremotos e do Paraguai, Marcos Antonio Daniel Damus e Roberto Ramón
que ocorrem inclusive em regiões distantes, como a Cordilheira Acosta Alvarez.
dos Andes e as Filipinas.
5.10. O Acordo Tripartite
Criado em 1974, conforme citado no Quadro IV do item 5.3,
a Itaipu mantém um painel permanente de consultores inter­ A Argentina, ciente das expressivas dimensões da barragem
nacionais especialistas em engenharia de barragens, também de Itaipu e de sua capacidade de armazenamento e de contro­
chamado de “Junta de Consultores Civis” ou “Board de Con­ le dos caudais, mobilizou-se para assegurar uma regulação do
sultores Civis”. Essa Junta de consultores, que se reunia com fluxo que não prejudicasse seus direitos e interesses sobre as
frequência maior durante a fase de estudos e projetos e iní­ águas do rio Paraná. As questões estavam centradas no estabeleci­
cio da construção das obras, atualmente se reúne a cada qua­ mento de um nível de água de operação de Itaipu que permitisse
tro anos aproximadamente para verificar o desempenho das a viabilidade do futuro aproveitamento hidroelétrico argentino-
estruturas civis da Itaipu. A Junta realiza inspeções técnicas e paraguaio de Corpus, a ser erigido logo a jusante de Itaipu,
analisa os dados da auscultação para aferir as condições de uso e na manutenção da viabilidade da navegação e do abastecimen­
segurança da usina. Se necessário, os consultores recomendam to de água, bem como na adoção de medidas de segurança e
eventuais ações de melhoria e correção. Ao término de cada de preservação ambiental.
reunião é elaborado um relatório técnico sobre a segurança
da barragem e seus temas correlatos. Por outro lado, Brasil e Paraguai avocavam direitos de uso das
águas do rio, que consideravam igualmente legítimos e pertinentes.
A Junta realizou 20 reuniões entre 1975 e 2010, em cujos traba­ Os argumentos se contrapunham ao ponto de o assunto ter sido
lhos participaram trinta consultores. Foram presidentes da Junta debatido inclusive durante a Assembléia Geral da ONU realizada
Flavio H. Lyra (1974 a 1992), Gurmukh S. Sarkaria (1995 a 2006) em 1972. As negociações, que não foram isentas de momentos
e Nelson L. de Souza Pinto (2010). Deve-se destacar a presença tensos, exigiram mais um tour de force da área diplomática, que, para
no Projeto Itaipu desses renomados engenheiros, conhecidos in­ satisfação de todos os interessados, mais uma vez triunfou. Isso
ternacionalmente, sem dúvida os mais qualificados para exercer a se deu em boa parte graças ao hábil uso pelos diplomatas dos
gestão técnica do empreendimento. elementos fornecidos pelo meio técnico que possibilitaram o alcance
de entendimentos operativos que vieram a pacificar a questão.
As reuniões da Junta são precedidas de acurados preparativos,
levantamentos e pré-análises técnicas, feitas por consultores Nascia desse modo o Acordo sobre Cooperação Técnico-Opera­
especialistas que acompanham por anos o cotidiano da aus­ tiva entre os Aproveitamentos de Itaipu e Corpus, celebrado em
cultação da barragem e apóiam as equipes técnicas da Itaipu. 19.10.1979 pela Argentina, pelo Brasil e pelo Paraguai, em que
Alguns desses profissionais são colaboradores de longa data “As deliberações (do Acordo) caracterizam-se por um espírito de boa vizinhan-
da Itaipu, tendo participado dos trabalhos de engenharia ça e de cooperação na busca de uma solução que representasse, para as três
desde o início do projeto, passando depois pelas fases de Partes, a efetiva convergência de interesses e a obtenção de benefícios recípro-
construção, montagem e operação da usina. Entre estes men­ cos.”. Embora nessa oportunidade a obra de Itaipu já estivesse em
cionamos: do Brasil, Corrado Piasentin, João Francisco Al­ andamento, a natureza do assunto o insere ainda como última
ves da Silveira, Michael Maxwell Dayan Dermont Sucharov; providência do período preparatório.

328
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Figura 19 - Assinatura do
Acordo Tri-Partite
Argentina-Brasil-Paraguai
em 19.10.1979 – Chanceleres
Alberto Nogués (Paraguai,
em pé), Carlos Washington
Pastor (Argentina) e Ramiro
Saraiva Guerreiro (Brasil).

5.11. A formação do reservatório 170 km de comprimento, profundidade máxima de 180 m e su­


perfície de 1.350 km2 (780 km2 no Brasil e 570 km2 no Paraguai),
Conforme mencionado, em 13 de outubro de 1982 as comportas de capaz de armazenar 29 bilhões de metros cúbicos de água.
desvio foram completamente fechadas e teve início o enchimento
do reservatório de Itaipu, que se deu em três etapas. Esse evento, Esse lago, compartilhado pelo Brasil e pelo Paraguai, situa-se na
da mais alta importância para todo o projeto, foi antecedido de uma porção mais a jusante do rio Paraná ainda em território brasileiro,
série de preparativos, a montante e a jusante da barragem, funda- sendo por isso o último de um conjunto de 47 reservatórios de
mentais para que a operação fosse bem-sucedida, tal como ocorreu. usinas com potência maior que 30 MW existentes na Região Hi­
drográfica do Paraná, que drenam os cursos de água de uma
O rio Paraná, então, no prazo de 15 dias, passou da cota 109 me­ vasta área com mais de 820 mil quilômetros quadrados a montan­
tros para a cota 205,80 metros (acima do nível do mar), elevando- te de Itaipu. Cabe salientar que a existência desses reservatórios
se em quase 100 metros . O cânion, que antes comportava inte­ faz com que o rio Paraná saia do Brasil, justamente por Itaipu,
gralmente o veloz rio Paraná, passa a ser insuficiente para a água em direção ao Paraguai e à Argentina, com elevado grau de regu­
que se acumula, que enfim transborda da calha do rio, invade e larização. A cessão desse benefício é feita pelo Brasil sem ônus
se espraia com rapidez nas adjacências mais altas e mais planas. para a Argentina e para o Paraguai, dentro de um espírito de
Formou-se desse modo um lago artificial de expressivas dimensões: cooperação entre os países do Cone-Sul da América do Sul.
329
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Afora os aspectos ambientais relacionados à formação do Os levantamentos previstos se deram então quanto ao meio am­
lago de Itaipu, que serão apresentados na sequência, o pro­ biente físico (qualidade da água, limpeza da área do reservatório,
jeto previu também a avaliação do desempenho geofísico do efeitos climáticos e transporte de sedimentos, tendo o relató­
reservatório no que se refere a recalques da crosta terrestre rio referente a esse último item sido elaborado pelos consultores
devido ao peso da água e à atividade sísmica relacionada ao James Albert Harder e Hans Albert Einstein), ao meio ambiente
reservatório (sismo induzido). A medição desses parâmetros biológico (levantamento florestal, levantamento da fauna e levan­
tem indicado que, como se previa, não ocorrem fenômenos tamento da pesca) e ao meio ambiente social (programas sanitários
geofísicos que afetem adversamente a segurança e a estabi- e de saúde pública e investigações arqueológicas). As medidas de
lidade das estruturas da represa. proteção e valorização do meio ambiente envolveram a proteção
das florestas existentes e reflorestamento (que nos dias atuais
5.12. Meio ambiente e ecologia contabiliza 44 milhões de árvores plantadas), a implantação de
reservas e refúgios (em um total de oito no Brasil e no Paraguai),
Como a maioria dos empreendimentos de grande porte, a constru­ o resgate de animais (operação Mymba Kuera – pega-bicho), a aqui­
ção de Itaipu inevitavelmente interviria no ambiente natural, ainda cultura (tanques-rede e canal de migração e desova – Canal da Pira-
que naquela época parte da região registrasse importante inter­ cema) e a recuperação e paisagismo da área de construção da obra,
venção humana, na agricultura e na pecuária, que já havia alterado projeto em que atuou o arquiteto e paisagista Fernando Magalhães
significativamente o meio ambiente local, principalmente na mar­ Chacel e que foi executado pelas empresas PARELC – GCAP
gem brasileira. Isso foi percebido pelos projetistas que, em 1973, e Arquitetura Ambiental S.C. Ltda.
se aprofundaram no assunto e apresentaram à Comissão Mista
Técnica Brasileiro-Paraguaia estudo elaborado pelo Dr. Robert As informações e os resultados obtidos com os levantamentos
Goodland e por especialistas da própria IECO-ELC. Esse estu­ realizados mostraram quais seriam as várias utilizações possíveis
do categorizou os possíveis efeitos físicos, biológicos e sociais do reservatório, algumas delas potencialmente conflitantes entre si.
e traçou diretrizes para a proteção e valorização do meio ambiente Essa avaliação serviu principalmente para definir qual estru­
na área do projeto e nas regiões afetadas. turação seria mais adequada ao Plano-Mestre de utilização da
área do reservatório. O plano definiu então os usos múltiplos do
A possibilidade de adoção de medidas voltadas ao meio ambien­ reservatório, além, é claro, da geração de energia elétrica: nave­
te deu o tom para toda a ação que se seguiu. A partir dos estudos gação, pesca, abastecimento de água para consumo doméstico
de 1973, foi elaborado o “Plano Básico de Conservação do Meio e irrigação, turismo e lazer. Definiu também um zoneamento
Ambiente”, que definiu a política ambiental da Itaipu a partir territorial do reservatório: (1) zona do reservatório e (2) zona
de 1975, e prescreveu a realização de levantamento ambiental do litoral (onde se encontra a área de proteção do reservatório):
na área do projeto, a elaboração de um plano-mestre para utili­ setores especiais, setores de aproveitamentos múltiplos, setores
zação da área do reservatório e a aplicação de medidas de prote­ de lazer e setores de integração urbana; suas formas de ocupação
ção ambiental. Essas considerações ambientais, inusuais à época, e usos permitidos. O plano também estipula os procedimentos
tiveram reflexo inclusive na estrutura organizacional da Itaipu, de gestão dos usos múltiplos pela Itaipu e a coordenação dessa
pois, conforme estabelecido no Anexo A do Tratado, foi criada a com as autoridades das diversas esferas de governo. Cabe men­
Diretoria de Coordenação, entre cujas atribuições está a cionar a participação do Engenheiro Arnaldo Carlos Muller
de ser responsável “pelos serviços relacionados com a preservação das condições na liderança desses trabalhos, o qual posteriormente publicou
ambientais na área do reservatório”. o livro “Hidroelétricas, meio ambiente e desenvolvimento”.

330
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

principalmente em Foz do Iguaçu e em Ciudad del Este (anti­


ga Puerto Stroessner). Nos dois municípios foram construídas
10 mil casas nas áreas residenciais, com vias pavimentadas, ele­
tricidade, água, esgoto e demais equipamentos urbanos. Nessas
cidades e em outras, próximas a elas, houve notório incremento
da circulação econômica, tanto pelo atendimento da diversidade
de suprimentos necessários às diversas frentes das obras, o que de­
senvolveu o comércio e a prestação de serviços locais, como pelo
consumo de bens e serviços proporcionados pelos milhares
de trabalhadores que recebiam salários e benefícios de seus
empregadores vinculados ao projeto.

Figura 20 - Faixa de proteção do reservatório. Alia-se ao fato da Itaipu ter sido construída na região que abriga
as mundialmente famosas Cataratas do Iguaçu - e por isso forte­
Entre os impactos físicos de repercussão social, talvez o mais im­ mente turística -, a grande atratividade que a represa exerce sobre
portante tenha sido a necessidade de reassentamento de pessoas que os turistas, a tal ponto de ter sido visitada por cerca de 16 milhões
residiam ou tinham suas posses ou desenvolviam suas atividades de pessoas de 1977 a 2010, ou seja, com uma média histórica por
(majoritariamente agrícolas, produtivas) nas áreas que seriam inunda­ volta de meio milhão de pessoas por ano. A Itaipu contribui, por­
das pelo lago, cuja densidade demográfica era de 35 habitantes/km2. tanto, para a maior permanência de turistas na região da fronteira
Tais áreas requeridas pelo projeto perfaziam em torno de mil qui­ trinacional Argentina-Brasil-Paraguai, com reflexos socioeconômicos
lômetros quadrados no lado brasileiro (ver item 5.1), onde exis­ locais, o que coopera também para o processo de desenvolvimen­
tiam 8,5 mil propriedades (6,9 mil rurais e 1,6 mil urbanas), cuja to da região. A atividade turística, no entanto, não se limita ao sítio
compensação paga pela Itaipu foi equivalente a US$ 190 milhões. da usina, estendendo-se também às localidades próximas ao lago,
Esses valores possibilitaram que os deslocados comprassem em uma vez que o nível de água do reservatório permanece pratica­
média uma metade a mais em relação às terras que possuíam antes, mente inalterado ao longo do tempo, proporcionando assim um
e a grande maioria deles permaneceu nas proximidades da área do uso regular de sua linha costeira para atividade de turismo e lazer,
projeto. Além da perda das áreas cultiváveis (a maior parte no Brasil), com balneários e marinas.
da submersão de equipamentos urbanos e de construções lo­
cais de valor cultural ou afetivo, foram também submersos Foram Diretores de Coordenação brasileiros da Itaipu, responsá­
577 km de estradas, o que exigiu que outros 390 km fossem veis pelos serviços relacionados com a preservação das condições
reabertos com novo traçado. ambientais na área do reservatório e à execução de projetos e
obras fora da área das instalações destinadas à produção de energia
5.13. Desenvolvimento regional e turismo elétrica: Cássio de Paula Freitas (1974-85), Luiz Eduardo Veiga Lopes
(1985-90), Nelson Farhat (1990-91), Tércio Alves de Albuquerque
No que se refere ao desenvolvimento econômico e social da re­ (1991), Márcio de Almeida Abreu (1994-95), Brasílio de Araújo
gião com a implementação do Projeto Itaipu, verifica-se que, Neto (1995-97), José Luiz Dias (1997-2000), Antonio José Correia
além do aumento populacional, houve melhorias e expansão da Ribas (2000-2002) e Olivo Zanella (2002). Desde 2003, o cargo é
infra-estrutura nos municípios da área de influência do reservatório, ocupado por Nelton Miguel Friedrich.

331
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

5.14. A montagem eletromecânica As obras de montagem eletromecânica foram iniciadas em 1980 e


concluídas em 1991. O Quadro VII, anexo, contém a relação dos
À medida que obras civis foram avançando, e os segmentos da consórcios e empresas fabricantes. O Quadro VIII e o Quadro IX,
construção foram sendo liberados, foram também iniciadas as também anexos, contêm as relações dos consórcios e empresas que
montagens eletromecânicas, de acordo com o cronograma geral. fizeram respectivamente o controle de qualidade e inspeção e exe­
Desse modo, foram então montadas as tomadas de água, os condu­ cutaram a montagem propriamente dita dos equipamentos. Esses
tos forçados e os equipamentos na barragem de concreto. Obede­ trabalhos contaram com a experiente atuação do engenheiro José
cendo-se os delays programados, deu-se continuidade à montagem Gelazio da Rocha, Superintendente de Engenharia da Itaipu em 1974.
dos equipamentos de geração da casa de força e dos equipamen­
tos e sistemas auxiliares desta, ao passo que foram também sendo 5.15. Funciona a primeira unidade geradora
instalados os sistemas de controle, supervisão e proteção. Foram
também montadas as linhas de transmissão que conectam a usina ao Cumprindo o cronograma de montagem, em 17 de dezembro de 1983
sistema elétrico interligado, por meio das subestações construídas ocorre o primeiro giro mecânico da turbina da unidade geradora U1,
na margem brasileira e na margem paraguaia. localizada na extremidade direita da Casa de Força, no setor de 50 Hz.
Logo depois, em 5 de maio de 1984, foi iniciada sua operação efetiva,
Conforme é característico dessa fase da construção de uma hidro­ sincronizada com a rede da ANDE, e, alguns dias depois, ela passou a
elétrica, boa parte das peças eletromecânicas provém de centros transmitir energia em caráter experimental para São Paulo, utilizando
industriais ou do exterior, passando por portos marítimos. No o sistema de corrente contínua (HVDC – High Voltage Direct Current),
caso de Itaipu, esses portos eram bastante afastados da região pertencente a empresa Furnas Centrais Elétricas S.A..
das obras, o que exigia transportes de longa distância em veículos
especiais, acarretando para a Itaipu dispêndios em obras de acon­ A usina alcançava desse modo autonomia parcial, pondo em funciona­
dicionamento de rodovias e de pontes no Brasil para a passagem mento a primeira de suas 18 unidades geradoras contratadas à época.
dessas cargas de grandes dimensões e peso. Foi um importante marco na história do empreendimento.

Figura 21 - Entra em operação a primeira


unidade geradora em 05.05.1984 –
Congratulações dos Diretores-Gerais
José Costa Cavalcanti (Brasil) e Enzo
Debernardi (Paraguai, à direita).

332
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

6. Operação da usina e desenvolvimento Posteriormente, de 2000 a 2007, foram também montadas


as unidades U9A e U18A, passando a hidroelétrica a contar en­
organizacional tão com 20 unidades geradoras, alcançando, assim, sua potência
máxima de 14.000 megawatts (MW), cuja descrição será
6.1. A operação da usina apresentada adiante. O Quadro X, anexo, mostra a relação
dos consórcios e empresas que executaram a instalação das
Decorrido o breve período inicial, em 25 de outubro de 1984 unidades de reserva.
foram então oficialmente inauguradas as unidades geradoras
U1 e U2, ambas em 50 Hz. Desse modo, ainda em 1984 foram 6.1.1. Início da operação comercial da usina
produzidos por Itaipu 277 gigawatts-hora (GWh) de energia,
entregues ao sistema interligado. A partir de 1 de março de 1985, foi então iniciada a comercializa­
ção da energia produzida pelas duas primeiras unidades geradoras
Mantido o ritmo de montagem de duas a três unidades por ano, (U1 e U2), ativando assim a contabilidade dos suprimentos de ele­
em 6 de maio de 1991, decorridos, portanto, sete anos da entrada tricidade da Itaipu às entidades compradoras Eletrobras e ANDE,
em operação das duas primeiras unidades, é enfim inaugurada a uni­ para efeitos de faturamento.
dade geradora U18, última das 18 unidades previstas do conjunto
gerador principal com 12.600 megawatts (MW) que consta no Anexo B. O ápice da participação da Itaipu Binacional no mercado brasilei­
ro foi então alcançado em 1997, com o atendimento de 26% da
Antes, porém, por volta de 1982, a Itaipu começou o processo demanda do setor elétrico do país.
de mobilização da força de trabalho necessária para a futura ope­
ração e manutenção da usina, fase que exigiria competências e 6.1.2. Custo direto de Itaipu
relações de trabalhos diferentes das aplicáveis aos trabalhado­
res que atuaram durante o tempo que durou a construção e a De acordo com o item 4.5 acima, os governos do Brasil e do
montagem. Foi, assim, gradualmente constituído o quadro de Paraguai resolveram realizar a obra mediante a obtenção de emprés­
trabalhadores per manentes da usina, muitos deles vindos timos a serem pagos a longo prazo, utilizando as receitas a serem
de outras empresas do setor elétrico. geradas com a própria produção da usina.

A exemplo dessas empresas, em face do novo vínculo emprega­ Nesse sentido, foram captados, de 1974 a 2008, montantes da
tício, que seria de longa duração, a Itaipu instituiu a Fundação ordem de US$ 26,9 bilhões, que somados aos US$ 100 milhões
Itaipu-BR de Previdência e Assistência Social, uma entidade relativos ao capital social inicial, totalizam a cifra de US$ 27 bi­
fechada de previdência privada (fundo de pensão), sem fins lu­ lhões de recursos utilizados no empreendimento, o que resu­
crativos, para atender aos empregados do quadro permanente da me o histórico do endividamento da Itaipu. Desse montante,
Entidade binacional. Nessa linha foi também criada em 1994 US$ 12,2 bilhões correspondem aos investimentos diretos, que via­
no Brasil a Fundação de Saúde Itaiguapy, que passou a adminis­ bilizaram a obra, e US$ 14,8 bilhões ao pagamento dos encargos e
trar o Hospital Ministro Costa Cavalcanti. Na margem paraguaia rolagem da dívida durante a construção. O Governo Federal
foram criadas para as mesmas finalidades a Caja Paraguaya de Brasileiro apoiou integralmente o esforço de captação de recur­
Jubilaciones y Pensiones del Personal de la Itaipu Binacional (Cajubi) e sos para o financiamento da construção e o Tesouro Nacional
a Fundación de Salud Tesai. do Brasil ofereceu todas as garantias para os empréstimos.

333
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 22 - Reunião do
Board de Consultores Civis
em novembro de 2006. A
partir da esquerda: Victor de
Souza Lima, Nelson L. de
S. Pinto, Gurmukh Sarkaria
(Chairman), Vidal Galeano,
Juan Bosio, Paulo Teixeira
da Cruz; e, na assessoria aos
consultores, João Francisco Alves
Silveira (consultor especialista)
e Carlos Leonardo (Itaipu).

6.1.3. Pagamento dos “royalties” e seus benefícios 6.1.4. Recorde operativo e comparações

Conforme mencionado, o Tratado de Itaipu estabeleceu os royal- A Usina de Itaipu, que passa então de 12.600 MW para 14.000 MW
ties em seu Anexo C como mecanismo compensatório pelo uso do de capacidade, é superada nesse quesito somente pela Usina de
potencial hidráulico do rio Paraná no trecho em condomínio entre Três Gargantas, localizada na China, que possui 18,2 mil mega-
os dois países. O pagamento dos royalties é então feito às Altas watts (MW) de potência instalada. Mas, devido, de um lado, ao
Partes Contratantes, em montantes iguais, em valor equivalente a regime hidrológico favorável do rio Paraná e à regularização do
US$ 650 por gigawatt-hora (GWh) gerado e medido na central elé- fluxo a montante na Região Hidrográfica do Paraná e, de ou-
trica, acrescido do respectivo fator de ajuste, sendo contabilizado tro lado, ao fato de que o projeto de Três Gargantas prioriza o
no custo anual do serviço de eletricidade prestado pela Itaipu. controle de cheias em detrimento da geração de energia, a usi-
na chinesa dificilmente superará a de Itaipu em geração anual de
Os valores transferidos a título de Royalties entre 1991 e 2010 energia, questão primordial quando se trata de hidroeletricidade.
ao Brasil e ao Paraguai, que alcançaram a casa dos US$ 7 bilhões,
proporcionam um aumento da capacidade realizadora dos dois Essa excepcional condição fez com que desde 1997 a Itaipu ve-
países, principalmente por parte dos municípios da região impac- nha gerando em torno de 90 mil gigawatts-hora (GWh) por ano,
tada, que auferem inegáveis benefícios para sua população. Esse alcançado seu recorde operativo em 2008 com a produção de
efeito pode ser constatado pela elevação verificada no IDH (Índice 94.685 gigawatts-hora (GWh) de energia. A Itaipu se consagra des-
de Desenvolvimento Humano do PNUD - Programa das Nações se modo, atualmente, como a maior usina hidroelétrica do mundo
Unidas para o Desenvolvimento) de vários municípios da região. em geração de energia.

334
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Figura 23 - Inauguração das duas últimas


unidades geradoras em 17.05.2007 –
Presidentes Luis Inácio Lula da Silva
(Brasil) e Nicanor Duarte Frutos
(Paraguai), acompanhados dos respectivos
Diretores-Gerais da Itaipu Jorge Miguel
Samek e Victor Luis Bernal Garay.

Cabe registrar que, na crise de abastecimento de energia elétrica vi­ qual a Entidade tem experimentado significativo êxito, a partir do
vida pelo Brasil em 2001 - 2002, decorrente da escassez de chuvas início da operação da usina. Isso é sobremaneira reforçado pelas
naquele período e conseqüente dificuldade de reposição da água Notas Reversais sobre Responsabilidade Social e Ambiental,
armazenada nos reservatórios da maior parte das hidroelétricas assinadas em 31.03.2005, pelas quais o Brasil e o Paraguai defi­
do País, Itaipu pôde deplecionar seu reservatório, mantendo ele­ nem “... que as iniciativas no campo da responsabilidade social e ambien-
vados níveis de produção, da ordem de 80 milhões de megawatts- tal devem inserir-se como componente permanente na atividade de geração
hora (MWh) por ano, conseguindo desse modo mitigar sobre­ de energia...”, conforme será percebido pelas ações mostradas
maneira os efeitos da redução da oferta de energia no sistema cronologicamente na seqüência.
interligado brasileiro naquele momento crítico.
6.2.1. O canal de transposição de peixes
6.2. A Itaipu se desenvolve organizacionalmente
Em termos de ictiofauna, a construção da barragem sobre o rio
O Tratado de Itaipu define como propósito específico da Enti­ criou dois ambientes bastante distintos, um, novo, a montante, com
dade Binacional construir e operar unicamente a hidroelétrica de águas calmas, no lago, e outro a jusante, na restituição do fluxo
Itaipu, sob determinados parâmetros e normas, não prevendo sua de água no leito do rio Paraná. Esses dois ambientes perma­
expansão para outros negócios. neceram originalmente incomunicáveis entre si. Tal fenômeno,
porém, praticamente também ocorria na região de Guaíra, com
Essa limitação, todavia, não impede o desenvolvimento endógeno mais intensidade durante os períodos secos do rio Paraná, já antes
da Itaipu como organização empresarial, que é uma vereda pela da construção da usina.

335
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Por isso, foi projetado e construído pela Itaipu o Canal da Pirace- construídas para essa finalidade. As competições ali realizadas tam-
ma, com 10 km de extensão, em parte artificial e em parte regula- bém contribuem para o desenvolvimento do turismo regional.
rizando o rio Bela Vista, cuja foz se localiza na margem esquerda
do rio Paraná, 2,5 km a jusante da usina. Essa decisão foi precedi- 6.2.2. O parque tecnológico Itaipu
da do estudo denominado “A ictiofauna de ocorrência do rio Bela
Vista”. O Canal foi inaugurado em 2002, embora sua execução Ao por em operação suas duas últimas unidades geradoras, a Itai-
tenha sido iniciada em 1997 pelo Governo do Estado do Paraná, pu encerrou suas obras principais da usina. Desse processo, com-
mediante acordo deste com a Itaipu. plexo, resultou apreciável acúmulo de conhecimento por parte
dos profissionais e da organização, cuja reutilização é indispensá-
O Canal da Piracema permite então que os peixes migradores che- vel ao adequado funcionamento da empresa, hoje e no futuro e
guem às áreas de reprodução e berçários acima da usina no período pode ser útil ao meio externo à Itaipu, no Brasil e no Paraguai.
da piracema (migração reprodutiva), e retornem no outono e inverno
(migrações ascendente e descendente). A comunicação estabelecida Com essas concepções, firmadas em 2003, a administração da
finalmente entre o lago e o rio passa, portanto, a desempenhar um Itaipu deu, logo depois, enunciado mais amplo à Missão da Enti-
papel importante para a conservação da biodiversidade. Assim, hoje dade, inserindo nela, entre outros aspectos, o necessário impulso
é livre a migração de peixes de jusante para montante e vice-versa, ao desenvolvimento tecnológico sustentável no Brasil e no
inclusive na região de Guaíra, mesmo nas épocas de estiagem. Paraguai. A partir daí foi implantado em 2003 o Parque Tec-
nológico Itaipu, o PTI, como um espaço para a integra-
No Canal da Piracema são também praticados esportes náuticos, ção educacional, tecnológica e cultural da América Latina,
como canoagem de rafting e slalom, em corredeiras especialmente idéia que surgiu depois de muitas discussões.

Figuras 24 e 25 - Reunião do Board de Consultores Civis em novembro


de 2010 – foto da esquerda (a partir da esquerda), Vidal Galeano, Selmo
Kuperman, John Gummer, Giuseppe Stevanella, Nelson L. de S. Pinto
(Chairman), Antonio Otelo Cardoso (Diretor Técnico Executivo da Itaipu),
Paulo Teixeira da Cruz, Ruben Brasa Soto (Diretor Técnico de Itaipu) e João
Francisco Alves Silveira (consultor especialista da assessoria ao Board); na foto
da direita, os consultores em túnel de drenagem.

336
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

O PTI se dedica, portanto, à educação, à pesquisa, ao turis­ Atualmente, o CAB conta com mais de 1.600 parceiros, entre prefei­
mo (em 2007 foi repassada à Fundação PTI a exploração do turas, cooperativas, associações de classe, produtores rurais, ONGs,
Complexo Turístico Itaipu, proporcionando desse modo uma órgãos governamentais, representantes da sociedade civil organizada
fonte de receitas que ajuda no financiamento de suas atividades) e outros, que organizados em Comitês Gestores em cada um dos
e ao empreendedorismo. Nas atividades de pesquisa conta com o 29 municípios, atuam nos programas e ações que estão sendo de­
CEASB – Centro de Estudos Avançados em Segurança de Bar­ senvolvidos, além dos comitês específicos dos programas transver­
ragens, de especial interesse para a engenharia de barragens, que sais, que permeiam todo o tecido social da BP3. Os membros do
se constitui em um espaço técnico-científico implantado pela
Comitê Gestor se reúnem periodicamente para dialogar sobre o an­
Universidade Corporativa Itaipu, pelo PTI, pela Universida­
damento das ações do CAB no município. O comitê faz também a
de Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) e por instituições
articulação perante os órgãos públicos do Poder Executivo, do Po­
parceiras, o que inclui também o CBDB. O CEASB conta
der Judiciário e dos órgãos ambientais para ajudarem a encaminhar
com alunos de graduação, mestres, doutores, pós-doutores e
soluções, principalmente relacionadas às pequenas propriedades.
profissionais de notório saber.

O objetivo do CEASB é estudar, entre outros, os comporta­ 6.2.4. A Missão ampliada da Itaipu e seus reflexos
mentos das estruturas de barragens e seus respectivos materiais,
avaliar resultados das medições efetuadas, correlacionar me­ Conforme citado nos itens anteriores, a Itaipu, após reflexões
dições com as prováveis causas e desenvolver técnicas de feitas por parte de sua Direção, em 05.09.2003 aprovou a revisão
inteligência computacional relacionadas ao comportamento de seu planejamento estratégico, nele explicitando aquelas ini­
ciativas que já vinha conduzindo, próprias de qualquer empresa
e segurança de barragens.
contemporânea, na forma de uma Missão ampliada em relação ao
enunciado anterior, que era a reprodução do objeto do caput do
6.2.3. O Programa Cultivando Água Boa
Tratado de Itaipu. Desse modo, a organização exterioriza para
as sociedades de Brasil e Paraguai valores convergentes com
Considerando-se que é pela água, enfim, que se justifica a existên­
uma governança corporativa atualizada.
cia de Itaipu, foi então criado o Programa Cultivando Água Boa
(CAB), com o propósito final de dedicar cuidados extremos à água
de que dispomos, para que ela se mantenha abundante, com qua­ A Missão ampliada da Itaipu passa então de:
lidade, hoje e sempre. Trata-se, portanto, de um movimento de “Aproveitamento hidroelétrico dos recursos hídricos do rio Paraná, pertencen-
participação permanente, em que a Itaipu, além de mitigar e cor­ tes em condomínio aos dois países, desde e inclusive o Salto Grande de Sete
rigir passivos ambientais existentes nas comunidades da região, Quedas, ou Salto de Guaíra, até a foz do rio Iguaçu.”,
trabalha com a sociedade para mudar os seus valores e sua maneira para
de se conduzir, de viver, de produzir e de consumir. “Gerar energia elétrica de qualidade, com responsabilidade social e am-
biental, impulsionando o desenvolvimento econômico, turístico e tecnológico,
O CAB define como território de atuação a unidade de planejamen­ sustentável, no Brasil e no Paraguai”.
to da natureza: a bacia hidrográfica. Em decorrência desse conceito,
a área de influência de atuação direta de Itaipu deslocou-se dos 16 mu­ Essa Missão ampliada obrigou o reajustamento das políticas e di­
nicípios conhecidos como lindeiros - que tiveram áreas inundadas pelo  retrizes fundamentais da Itaipu e influiu diretamente na redefinição
reservatório da usina, na margem brasileira - para os 29 municípios da de seus objetivos estratégicos, o que passou a exigir determinados
Bacia Hidrográfica do Paraná 3 (BP3), que consiste em uma das 16 bacias resultados empresariais antes não requeridos ou requeridos de for­
hidrográficas instituídas oficialmente no Estado do Paraná. ma diferente, moldando-se assim uma nova maneira de operar a
337
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

empresa, mas aproveitando-se sua estrutura organizacional, com que selam o acordo celebrado pelos dois países quanto à conduta de
poucas alterações para atender a essas demandas. ambos no campo da responsabilidade socioambiental na Itaipu.

Consoante a Missão ampliada, que estabelece também o “... de-


senvolvimento ... tecnológico ...”, a Itaipu, com a cooperação do PTI,
7. Epílogo
desenvolve alguns projetos, que são considerados estratégicos para a
Os números de Itaipu suscitam impressionantes comparações: o
organização porque estão alinhados com objetivos da organização e
volume total de concreto utilizado na construção da usina seria
procuram apresentar os resultados que se pretende obter com o
suficiente para construir 210 estádios de futebol como o do Maraca­
desenvolvimento tecnológico da usina e do seu entorno.
nã; o ferro e aço utilizados permitiriam a construção de 380 Torres
Eiffel; a capacidade de descarga máxima do vertedouro de Itaipu
Esses projetos estratégicos, dentre os quais se encontra o próprio
PTI, partem da Universidade Corporativa Itaipu (UCI) para seu de­ (62,2 mil metros cúbicos por segundo) corresponde a 40 vezes a
senvolvimento, quer sob a linha da educação corporativa, quer sob a vazão média das Cataratas do Iguaçu.
de pesquisa, de desenvolvimento e inovação e de gestão do conheci­
A altura da barragem principal (196 metros) equivale à altura de
mento. Com esse ordenamento conceitual, estão sendo conduzidos
um prédio de 65 andares; o Brasil teria que queimar 536 mil barris
o projeto de modernização da usina (atualização tecnológica);
de petróleo por dia para obter em plantas termoelétricas a mesma
o projeto de software livre; a Plataforma Itaipu de Energias Re­
nováveis; o projeto do veículo elétrico; o projeto do Centro produção de energia de Itaipu; o volume de escavações de terra e
Internacional de Hidroinformática (junto com a UNESCO) e a Uni­ rocha em Itaipu é 8,5 vezes superior ao do Eurotúnel no Canal da
versidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA). Mancha, e o volume de concreto é 15 vezes maior. 

6.2.5. Responsabilidade social e ambiental Em razão disso, a revista norte-americana Popular Mechanics e a
Associação Norte-Americana de Engenheiros Civis (American Socie-
De acordo com a Missão ampliada da Itaipu, a ação de gerar ty of Civil Engineers - ASCE), em 1995 classificaram a Itaipu como
energia pressupõe que sua execução se dê com responsabilidade “uma das sete maravilhas do mundo moderno”.
social e ambiental. Embora essa concepção não seja novidade na
Itaipu, o fato de ela passar a constar na Missão serve para reiterar Portanto, essas comparações, comentários e adjetivos servem para
a convicção das Altas Partes Contratantes quanto à necessária e demonstrar que o Brasil e o Paraguai decidiram construir juntos
contínua assimilação desses valores pela Itaipu, próprios de uma não só uma hidroelétrica de extragrande porte, mas sim eri­
atuação empresarial moderna. gir uma das obras de engenharia mais portentosas existentes no
planeta, de grandeza obliterante.
Nesse sentido, em 2003, a Itaipu criou a Coordenação dos Progra­
mas de Responsabilidade Social, com nível de superintendência. Isso Contudo, subjacentes à exatidão dos números e de seus resul­
reafirma a visão de que a responsabilidade social não é apenas um tados materiais, que a todos tanto impressiona, estão os valores
conjunto de ações, mas uma forma de gestão da empresa na sua inte­ maiores do acordo que os cidadãos brasileiros e paraguaios
gralidade. E, dada à importância do assunto, em 31.03.2005 o Brasil e souberam consolidar, dentro de um espírito de cordialidade
o Paraguai trocaram notas diplomáticas reversais, sob o título “Missão e os laços de fraternal amizade. Foi a solidez dessa base de
da Itaipu Binacional no campo da responsabilidade socioambiental”, entendimento e de união que verdadeiramente permitiu que

338
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

ambos os países convergissem para o interesse comum de re­


alizar o aproveitamento hidroelétrico. Esperamos que esse
Agradecimentos
texto tenha sido útil ao leitor, principalmente para a com­
Pelas contribuições ao texto e quadros anexos: a Margaret Mussoi
preensão desse aspecto sinérgico, que foi fundamental para a
Luchetta Groff, José Ricardo da Silveira, Marco Aurélio Vianna de Escobar,
concretização do Projeto Itaipu. João Emílio C. S. de Mendonça, Cláudio Porchetto Neves, Corrado Piasentin,
Flavio Miguez de Mello, Ademar Sérgio Fiorini, Joran Alfredo Sachs e ao Centro
de Documentação da margem brasileira, na pessoa de seu gerente Jorge Henn.
Pela cessão das fotografias: à Assessoria de Comunicação Social, Superin-
tendência de Engenharia e Superintendência de Obras, todos órgãos da Itaipu,
José Augusto Braga e a Corrado Piasentin (álbum particular).

339
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Continuação da página anterior

Fontes: livro “Usina Hidrelétrica de Itaipu - Aspectos de Engenharia”, ITAIPU Binacional 2009; Centro de
Documentação da ITAIPU Binacional, margem brasileira.

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Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Fontes: livro “Usina Hidrelétrica de Itaipu - Aspectos de Engenharia”, ITAIPU Binacional 2009; Centro de
Documentação da ITAIPU Binacional, margem brasileira.

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A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Fontes: livro “Usina Hidrelétrica de


Itaipu - Aspectos de Engenharia”,
ITAIPU Binacional 2009; Centro de
Documentação da ITAIPU Binacional,
margem brasileira.

Fontes: livro “Usina


Hidrelétrica de Itaipu -
Aspectos de Engenharia”,
ITAIPU Binacional 2009;
Centro de Documentação
da ITAIPU Binacional,
margem brasileira.

342
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Fontes: livro “Usina Hidrelétrica de Itaipu - Aspectos de Engenharia”, ITAIPU Binacional 2009;
Centro de Documentação da ITAIPU Binacional, margem brasileira.

Itaipu - vista aérea

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A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Fontes: livro “Usina


Hidroelétrica de Itaipu -
Aspectos de Engenharia”,
ITAIPU Binacional 2009;
Centro de Documentação
da ITAIPU Binacional,
margem brasileira.

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Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

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Fontes: livro “Usina Hidroelétrica de Itaipu - Aspectos de Engenharia”, ITAIPU Binacional 2009; Centro de
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letricidade. 1ª edição. Foz do Iguaçu, PR. 2010.
8. Itaipu Binacional. Atos oficiais da Itaipu Binacional.
Fontes: livro “Usina Hidroelétrica de Itaipu - Aspectos de Engenharia”, ITAIPU Binacional 2009; Centro de Curitiba, Itaipu Binacional, Diretoria Geral, Assessoria de Comu­
Documentação da ITAIPU Binacional, margem brasileira. nicação Social, 1996.
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11. Itaipu Binacional. Jornal Itaipu Eletrônico - JIE. Disponível em
< http://jie.itaipu/ >. Acessos em setembro. 2010.
12. Itaipu Binacional. Nossa história. Disponível
em < http://www.itaipu.gov.br/index.php?q=node/356 >.
Acesso em 16.09.2010.
1 3 . I t a i p u B i n a c i o n a l . T h e I t a i p u hyd r o e l e c t r i c p r o j e c t
12.600 MW; design and construction features. [s.l.], [s.e.], 1981.
14. Itaipu Binacional. Usina Hidrelétrica de Itaipu: aspectos
de engenharia. Foz do Iguaçu, Itaipu Binacional, 2009.
15. Muller, Arnaldo Carlos. Hidrelétricas, meio ambiente e
desenvolvimento. São Paulo. Makron Books, 1995. 412 p.
16. Wikipédia: a Enciclopédia Livre. Disponível em
<www.wikipedia.org>. Acesso em setembro de 2010.

Fontes: livro “Usina Hidroelétrica de Itaipu - Aspectos de Engenharia”, ITAIPU Binacional 2009; Centro de
Documentação da ITAIPU Binacional, margem brasileira.

345
PCH Ivan Botelho III (Triunfo) no rio Pomba em Minas Gerais
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

As Pequenas Centrais
Hidroelétricas no Brasil
Ricardo Nino Machado Pigatto

Introdução
As pequenas centrais hidroelétricas sempre fizeram parte da his­
tória do Brasil no que diz respeito à geração de energia elétrica.
Foram, literalmente, a força motriz do Brasil no final do século XIX
e no início do século XX.

Neste capítulo são enfocados o nascimento, o desenvolvimento, o


apogeu e, atualmente, a crise das pequenas centrais hidroelétricas.
O desenvolvimento do país sempre esteve ligado diretamente à
expansão da geração de energia. A caracterização e definição do
conceito de pequenas centrais hidroelétricas – PCHs só foi criado
no Brasil nos anos 80 do século XX. No início do século passado
as usinas hidroelétricas eram referidas como “pujantes e estru­
turantes”. Naquela época, as usinas eram de potências modestas Quadro 1 – Quadro comparativo UHE x PCH
porque alimentavam pequenas cidades, algumas poucas indústrias e
iluminação pública, além de fornecerem força motriz para bondes relaciona a soma das PCHs em operação no Brasil com as grandes
nas cidades maiores. As usinas, com raras exceções, ultrapassa­ hidroelétricas e apresenta o conjunto das PCHs como a terceira maior
vam 1.000 kW instalados. Pela definição atual, as pequenas cen­ fonte geradora de energia hidráulica nacional.
trais hidroelétricas PCHs são de até 30 MW e são chamadas de
“pequenas”, mas com características, complexidades e tecnologia Entre 1901 e 1910 foram construídas em todo o Brasil setenta e
que orgulham a engenharia nacional e são referência internacional. sete usinas hidroelétricas. Até 1930 mais de mil diferentes empre­
sas de geração e distribuição de energia elétrica estavam ativas,
Para demonstrar a atual importância das PCHs na matriz elétrica operando hidroelétricas de pequeno ou médio portes. Foi um
brasileira, um quadro elaborado pela ABRAGEL – Associação período notável para o País, muito mais importante pelo pio­
Brasileira de Geração de Energia Limpa, antes denominada APM­ neirismo e como alavanca do desenvolvimento, do que os em­
PE – Associação Brasileira dos Pequenos e Médios Produtores preendimentos dos dias de hoje. Naquela época, a geração de
de Energia, com mais de 10 anos de história na defesa das PCHs, energia elétrica era eminentemente privada.
347
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Nos anos seguintes, cinquenta e sessenta, a industrializa­ Mesmo que tenha havido um programa de pequenas centrais
ção do País exigia maior expansão da geração e o braço forte nos anos 1980’s, foi a partir de 1998 que passou a ser definida
estatal migrou dos pequenos aproveitamentos para as grandes comercialmente como PCH as usinas com capacidade instala­
hidroelétricas. Neste período muitos dos pequenos aproveita­ da acima de 1 MW e até 30 MW, com restrições quanto às áreas 
mentos foram caindo no ostracismo e, posteriormente, desati­ de seus reservatórios nos níveis d’água máximos normais.
vados. Algumas poucas usinas, com características de concessão
de serviço público, permaneceram ativas.
O desenvolvimento das PCHs
O Brasil cresceu muito nos anos setenta e consolidou o conceito Em 1998 também foi criado o MAE – Mercado Atacadista de
de que usina “boa” era usina grande. Mas vieram os questiona­ Energia. Já estava criado o conceito de consumidor livre, aquele que
mentos ambientais, os questionamentos sobre os “danos” dos poderia escolher seu fornecedor de energia elétrica. Era uma mu­
grandes reservatórios e o retorno do conceito de que muitas peque­ dança de paradigmas e um mundo novo a ser explorado. Havia um
nas usinas poderiam ser melhores do que uma grande usina. Esse nicho para ser explorado pelas PCHs, mas faltava alguma coisa.
debate alimentou os ambientes acadêmicos e ainda nos anos Muitos novos projetos de PCHs foram desenvolvidos, tendo sido
oitenta o governo federal buscou criar um programa de pequenas analisados e aprovados pela ANEEL. Um novo horizonte para o
usinas denominado de Programa Nacional de Pequenas Centrais desenvolvimento de profissionais nas áreas de engenharia, geologia,
Hidroelétricas que buscava incentivar a autoprodução de energia. meio-ambiente, etc, foi descortinado, com geração de empregos
Mas, infelizmente, o momento econômico do Brasil não era fa­ e renda para especialistas nessas áreas de desenvolvimento de
vorável para quaisquer investimentos que necessitassem de capi­ projetos. Os licenciamentos ambientais, mesmo que difíceis, por
tal intensivo e retorno de longo prazo. Havia sobra de energia, serem também novos assuntos tratados no âmbito dos órgãos li­
os valores praticados como tarifas eram relativamente baixos e cenciadores, estavam em andamento. Em suma, havia um grande
aplicados pelas distribuidoras, não havendo qualquer estímulo potencial de empreendimentos para serem construídos, mas faltava
para aderir ao novo programa criado. E assim a implantação de o essencial: o comprador da energia. Poderia, é claro, ser um con­
novas pequenas usinas hidráulicas foram se arrastando até 1995. sumidor livre, mas como garantir a entrega da energia contratada
Neste ano, através da Lei das Concessões, foi criado o conceito de de uma PCH se tratava-se de empreendimentos dependentes da
produtor independente de energia elétrica, um marco para o setor, hidraulicidade e de variáveis climáticas? E mais, para construir uma
assim como o conceito de autoprodutor que poderia vender exce­ PCH era necessário capital intensivo e financiamento de longo
dentes de energia elétrica. Para produtores independentes seriam prazo. Para obter financiamento de longo prazo era fundamental
concedidos, mediante licitação, aproveitamentos com potência ter garantias de pagamento num conceito moderno denomina­
superior a 1.000 kW. Para autoprodutor seria autorização, sem do project finance (onde o próprio negócio gera suas condições de
licitação, até 10.000 kW. Para os aproveitamentos com potên­ financiabilidade). Para haver um project finance era necessário um
cia inferior a 1.000 kW cabia (e ainda permanece assim) apenas fluxo-de-caixa previsível. Para haver um fluxo financeiro previsível
comunicação ao poder concedente. Em 1998, após a criação da era necessária receita previsível e não sujeita a sazonalidades ou a
ANEEL (1996), estes limites foram mudados. Passou a ser atri­ variáveis climáticas. Para haver uma receita previsivelmente segura
buição da ANEEL conceder outorgas de autorização, tanto para para fins de garantias de financiamento, somente seria possí­
produtores independentes de energia, PIEs, como para auto­ vel havendo geração de energia garantida, e isto as PCHs não
produtores de energia APEs de usinas hidrelétricas com potên­ tinham. Realmente uma equação difícil e de contornos assustadores
cia igual ou maior que 1.000 kW e menor ou igual a 30.000 kW. diante dos desafios das soluções possíveis.

348
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Já era o ano de 2000. Ainda século XX, mas com ares de sécu­ justas, o PROINFA- Programa de Incentivo (de geração de ener­
lo XXI. Os empreendedores de PCHs foram convidados para gia elétrica através) de Fontes Alternativas, que então englobou,
apoiar uma iniciativa louvável da Eletrobras de criar um programa além das PCHs, as fontes biomassa e eólicas. Foram contrata­
chamado de PCH-Com. Era um programa no qual a Eletrobras dos 3.300 MW, divididos entre as três fontes. Este programa,
garantia a compra da energia gerada pelas PCHs, mas dentro de que se encerra neste ano de 2011, teve um caráter didático e de­
certos limites garantidos de geração que, pela modelagem pro­ senvolvimentista que permitiu a expansão da indústria de equipa­
posta pela Eletrobras na época, resultava em fatores de capaci­ mentos, da construção civil, de serviços especializados, tais como
dade muito baixos para as usinas, gerando uma receita incapaz projetos, geologia, topografia, hidrologia, serviços ambientais, segu­
de suportar as exigências do agente financiador de longo prazo, ros, produtos financeiros e muito mais, de forma a assegurar uma
no caso o BNDES. Desta forma, o programa não progrediu. expansão do setor de PCHs com segurança para o mercado cativo
Ou seja, não havia como vender a energia para consumidor livre (ambiente regulado), mas altamente preparador para o atendimen­
por não haver uma energia garantida e também não havia como to do mercado dos consumidores livres, já então confiantes da
vender para a Eletrobras porque a forma que esta estava pensando capacidade das PCHs atenderem suas demandas de energia, assim
em adotar para calcular a energia firme das PCHs não era su­ como os agentes financiadores confiarem nos mecanismos de
ficiente para garantir o pagamento dos financiamentos. Logo, atenuação de riscos e garantias de pagamentos. Ou seja, um cír­
o grande problema a ser solucionado era firmar a energia das culo virtuoso desde o ano 2000 até 2008. O Brasil tinha cerca de
PCHs. Ter uma energia de placa. Pelo critério de cálculo ado­ 850 MW em operação de PCHs em 1998 passando para 3.000
tado para as hidroelétricas de maior porte, com controle de re­ MW em 2008. Atualmente (2011) está em torno de 3.500 MW.
servatórios, era impossível, haja vista que a quase totalidade dos Um crescimento digno de nota e de reconhecimento.
reservatórios de PCHs eram projetados para operar a fio d’água.
Quadro 2 – Evolução das pequenas centrais hidroelétricas
Então, numa ação conjunta e bem conduzida pelo MME, ONS,
ANEEL e Eletrobras com seus corpos técnicos qualificados e
até 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
empenhados em dar as condições necessárias para a expansão do
Qtde 189 15 12 23 7 11 18 17 38 30 22
setor, as PCHs passaram a fazer parte do MRE (Mecanismo de Total 189 204 216 239 246 257 275 292 330 360 382
Realocação de Energia) com o cálculo da energia média através da
Potência (MW) 831 69 51 268 68 126 228 253 650 463 248
Resolução ANEEL 169/2001 de 3 de maio de 2001. Mais um dos Total (MW) 831 900 952 1219 1287 1413 1641 1894 2544 3007 3256
grandes marcos do setor, talvez o mais importante sob o ponto
Fonte:
de vista regulatório e viabilizador dos empreendimentos de hoje. BIG - ANEEL - setembro/10
Relatório Acompanhamento da Expansão da Oferta de Geração de Energia Elétrica - setem-
bro/10
Mas ainda não estava tudo resolvido. Como vender para consu­ Obs.: consideradas apenas as PCH - 1 a 30 MW

midor livre ainda era uma novidade, o agente financiador exigia


garantias corporativas dos empreendedores, sem adotar o conceito A figura na página a seguir é o resultado desta expansão e mostra
de project finance. Para financiar com segurança era necessário um as localizações das PCHs no Brasil em 2011.
comprador/garantidor com bom rating na praça e contratos de
compra e venda de energia de longo prazo. Apenas o governo tinha, Neste período muito se aprendeu. A questão ambiental foi foco
na época, este perfil. E então foi criado, em 2002 e consolidado em de discussões acaloradas e ainda assim permanece. O denomina­
2004, um dos programas mundiais mais importantes de geração de do “aproveitamento ótimo”, estabelecido por Lei em 1995, exige
energia através de fontes ambientalmente corretas e socialmente o estudo e a definição de uma sucessão de aproveitamentos no
349
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

mesmo curso d’água, provocando uma cascata de usinas. Os ór­


gãos ambientais e ONGs ambientais questionam se esta é melhor
condição ambiental para o curso d’água e, de forma cíclica, ques­
tionam se não seria melhor um grande reservatório ao invés de
uma sequência de pequenos. As teses do passado voltaram a as­
sombrar novamente, mas no sentido inverso. Agora há necessidade
de um profundo estudo para cada inventário de rio denominado
de análise ambiental integrada – AAI que ampliou os limites das
discussões. Nesta área, certamente, as discussões nunca terão fim.

Com o grande desenvolvimento das PCHs, ou apogeu, houve


uma avalanche de novos projetos e inventários junto à agencia
reguladora ANEEL que resultou no enorme potencial identifica­
do no Brasil. Em janeiro de 2011 encontravam-se em tramitação
dentro da ANEEL projetos conforme tabela abaixo:

Quadro 3 – Situação dos projetos de PCH em tramitação


Figura 1 - Localizações das PCHs no Brasil em 2011 na ANEEL em janeiro de 2011

Potência (MW) Quant. Prazo (1)


(anos)
Com autorização (com LP/LI) 2.089 213 3
Análise/Aceite - ANEEL (com LP/LI) 856 66 5
Aguardando Análise ANEEL 3.035 194 6
Figura 2 – Distribuição das PCHs nos diversos estados
Subtotal 1 5.980 473
Em Elaboração/Complementação 2.271 170 7
Potencial Teórico 15.454 1.288 15
Subtotal 2 17.725 1.458
TOTAL 23.705 1.931

(1) prazo estimado de maturação dos projetos - início da construção


Obs.: não foi considerado potencial em fase de inventário

Obs.:Dados ANEEL Janeiro/2011, salvo o Potencial Teórico, que é um


estudo do CERPCH de Itajubá.

Na tabela acima a coluna prazo é uma estimativa de tramitação na


ANEEL até a emissão da outorga de autorização, baseada em mé­
dia histórica de 2007 até 2010. Entretanto há movimentos firmes e
Fonte: Abragel / 2011
sérios na agência para redução drástica dos prazos de tramitação.
350
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

A crise das PCHs MWh, sem levar em consideração as características e as regionalidades


de cada fonte, fazendo competir entre si diversas fontes de geração
e, no caso das PCHs, houve uma importante e fatal perda de compe­
Em 2008 o mundo foi sacudido por uma crise econômico-finan­
titividade em função da evolução tecnológica de outras fontes, além
ceira que envolveu os principais bancos internacionais e provocou
da disponibilidade internacional de equipamentos, também agravada
uma falta de liquidez e, por consequência, redução da atividade
por desequilíbrios tributários, fazendo com que as PCHs, atualmente,
econômica. Naturalmente esta crise teve reflexo no desenvolvimen­
fiquem completamente alijadas dos processos de leilões no ACR.
to do Brasil e estancou, de forma abrupta, a expansão industrial.
As PCHs, que vinham se desenvolvendo muito bem através da venda
antecipada de sua energia e assim viabilizando os project finance, no A esperança no futuro
mercado livre (as PCHs são denominadas como fonte incentiva­
da pois há desconto de 50% nos custos de transporte da energia), Não há dúvidas de que as PCHs são fontes de geração de energia
ficaram sem mercado potencial de comercialização de seu produto. limpa, renovável, sustentável, descentralizada, socialmente inseridas
Os valores que passaram a ser negociados no ACL - ambiente de nas comunidades, sem impactos de êxodos rurais, além de outros
contratação livre - não foram mais capazes de viabilizar a cons­ adjetivos qualificativos favoráveis ao seu desenvolvimento. As cir­
trução dos empreendimentos. Passou a ter excesso de oferta de cunstâncias atuais levam à desindustrialização do setor, à perda de
energia e o mercado spot desde então esteve, em média, com va­ mão-de-obra qualificada desenvolvida ao longo dos últimos anos
lores modestos, não induzindo aos consumidores livres, a busca e ao desenvolvimento de outras fontes ambientalmente menos
de fornecedores incentivados; então este ciclo se encerrou. qualificadas, tudo em nome da “modicidade tarifária”. Mas como
“não há mal que sempre dure....” certamente as PCHs retomarão o mes­
Mas ainda existia (e existe) o ACR - ambiente de contratação regula­ mo caminho virtuoso que, desde 1883, foi capaz de desenvolver o
da - que são os leilões de energia levados a efeito pelo poder conce­ estado da arte na engenharia hidroelétrica, capaz de construir usinas
dente. Nem tudo estava perdido. Ledo engano. O Governo passou memoráveis do passado e brilhantes, levando o potencial de geração
a fazer leilões de energia tendo como competição apenas o valor do através de PCHs no Brasil aos almejados 25.000 MW em 20 anos.

Figura 3 – PCH
Antônio Brennand
no rio Jauru

351
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 4 – PCH Irara com 30 MW no rio Doce, em Goiás Figura 5 – PCH São Simão com 27 MW no rio Itapemirim
Braço Norte Esquerdo, no Espírito Santo

Figura 6 - PCH São Joaquim no rio Benevente,


no Espírito Santo

Figura 7 – PCH Anna Maria no rio Pinho em Minas Gerais

352
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Figura 8 – PCH Ivan Botelho I (Ponte) no rio Pomba em Minas Gerais

Referências
(1) Tiago, Geraldo; Nascimento, José Guilherme; Ferrari, Jason; Galhar-
do, Camila - A Evolução Histórica do Conceito das PCHs no Brasil,–
CERPCH – Itajubá/MG
(2) ABRAGEL – Associação Brasileira de Geração de Energia Limpa
– Diversas apresentações em palestras
(3) Prado Jr, Fernando; Amaral, Cristiano - Pequenas Centrais Hidro-
elétricas do Estado de São Paulo – 2.000 – Governo do Estado de São
Paulo
(4) Souza, Zulcy; Santos, Afonso Henriques; Bortoni, Edson – Centrais
Hidrelétricas – Ed. Interciência – 2009
(5) Site da ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica
(6) Tolmasquim, Maurício – Geração de Energia Elétrica no Brasil – Figura 9 - PCH Santa Fé no rio Paraibuna,
Ed. Interciência - 2005 Rio de Janeiro e Minas Gerais
353
354
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

A Nova Face das Empresas Estatais


frente à Expansão da Oferta de
Energia Hidroelétrica no País
Márcio Antônio Arantes Porto e João Batista Gribel Soares Neto

O setor elétrico brasileiro vivenciou mudanças profundas em sua orga­ inspiração de experiências desenvolvidas em outros países oci­
nização estrutural a partir de meados da década de 1990. Tal reestrutu­ dentais. Dada a natureza peculiar do sistema brasileiro – forte
ração teve por objetivo promover a criação de um mercado competitivo prevalência da hidroeletricidade, extensão continental, diversida­
de energia elétrica no país, dando oportunidade de acesso a novos de de hidrologias entre regiões, entre outras – a adaptação dos
agentes às receitas expressivas dessa atividade econômica, buscando, modelos importados mostrou-se particularmente desafiadora
desse modo, atrair os capitais privados para o setor, com a consequente e não isenta de riscos.
redução da presença do Estado nesse segmento da economia.
A justificativa para essa reestruturação era introduzir uma maior
A partir de então as empresas públicas, que em um desenho inicial competitividade nesse importante segmento da infraestrutura e,
da reestruturação seriam todas privatizadas, tiveram que se adap­ dessa forma, atrair os investimentos privados, dada a dificuldade
tar às mudanças de cenários e às diferentes lógicas às quais o setor de o poder público continuar a arcar com os vultosos recursos
elétrico foi submetido nos anos seguintes. demandados pelo setor, especialmente aqueles voltados à sua ex­
pansão, tanto no plano da expansão da oferta de energia elétrica
Neste capítulo procura-se discutir, por certo de forma muito bre­ (geração), como nos segmentos de transmissão e distribuição, todos,
ve, essas experiências das empresas públicas no novo ambiente
à época, sob amplamente majoritário controle estatal.
setorial, as adaptações às quais tiveram que se submeter para se
manterem como agentes importantes no setor elétrico e as carac­ Essa reestruturação setorial viveu dois momentos distintos, ten­
terísticas (e desafios) para a gestão dos empreendimentos no novo do como grande divisor de águas o traumático racionamento de
contexto, com foco particular nas novas usinas hidroelétricas. Os
energia elétrica vivenciado em 2001 e 2002. No primeiro movi­
exemplos contidos no texto que se segue referem-se, em sua maio­
mento da reestruturação, a meta era retirar completamente do
ria, a empreendimentos relacionados à empresa Furnas Centrais
Estado o papel de agente econômico no setor, privatizando todas
Elétricas, na qual os autores exercem suas atividades profissionais.
as empresas públicas então existentes. As atividades de geração,
transmissão e distribuição seriam segregadas, desverticalizando
O contexto de mudanças as empresas, que seriam gradualmente privatizadas. Ao Estado
restaria o papel da regulação, tendo sido criada, então, sob
A partir da década de 1990 a estrutura regulatória e funcional esse contexto político e econômico, a ANEEL – Agência Nacional
do setor elétrico brasileiro foi profundamente modificada, sob de Energia Elétrica.

Usina hidroelétrica de Anta

355
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

A privatização conforme originalmente planejada, com a comple­


ta retirada do Estado da atividade econômica na área da energia
Requisitos essenciais para o sucesso das
elétrica, ficou em meio do caminho com a ascensão de um novo empresas públicas no novo modelo
governo a partir de 2003 e após o fracasso do modelo anterior,
que desaguou no racionamento de 2001-2002, causando prejuízos O modelo setorial vigente tem por base a competição nos
profundos à economia do país. segmentos de Geração e Comercialização, enquanto a Trans­
missão e a Distribuição são consideradas monopólios naturais,
O movimento de privatização das empresas públicas foi suspenso, que devem ser regulados.
o planejamento do setor pelo Estado foi retomado (com a criação
da EPE – Empresa de Pesquisa Energética) e o modelo setorial As tarifas aos consumidores não tem mais como base os custos
radicalmente revisto, embora mantida a ênfase na competição, mas incorridos na construção dos empreendimentos (a tarifa pelo cus­
agora sob uma lógica que priorizava a segurança energética. to), conforme ocorria anteriormente sob a égide da prestação do
serviço público – onde não havia uma preocupação dominante com
A Lei n o 10.848, de 15.03.2004, introduziu uma nova regula­ a minimização dos custos, que seriam repassados, enfim, aos
mentação para a outorga de concessões de geração e para a consumidores. Ou seja, no modelo competitivo busca-se a efici­
comercialização de energia no país. Estabeleceu dois ambientes ência econômica, um compromisso entre qualidade (regulada) e
de comercialização, o “Ambiente de Contratação Regulada (ACR)” o preço (tarifa) do serviço.
e o “Ambiente de Contratação Livre (ACL)”. O ACR para a compra
e venda de energia elétrica por concessionárias, permissionárias e Esse equilíbrio entre a qualidade e os investimentos – custos,
autorizadas do serviço público de distribuição de energia elétri­ enfim, para o empreendedor – é um dos grandes desafios a ser en­
ca, enquanto no ACL se daria a comercialização direta de energia frentado nas obras do setor, tema ao qual será dedicada, adiante,
pelos agentes de geração aos consumidores livres. alguma reflexão, ao tratar-se dos Modelos de Gestão dos empreendi­
mentos e da Engenharia do Proprietário.
É esse o ambiente competitivo complexo onde hoje convivem
empresas privadas e públicas. Mudanças culturais importantes, ainda No segmento da Transmissão a concorrência se dá através de
em curso, foram necessárias às empresas estatais para adaptar sua leilões para outorga das novas obras de ampliação do sistema.
atuação ao novo contexto. Os novos empreendimentos, determinados pelo planejamento
setorial, são outorgados aos agentes que se dispuserem a realizá-
Em verdade elas vem sendo particularmente bem sucedidas nessa los pela menor tarifa para os usuários, ou seja, a menor Receita
nova configuração do setor. Em especial quando se consorciam com Anual Permitida ou RAP.
empresas privadas para a exploração dos novos empreendimen­
tos, somando experiências e capacitações que se complementam. O modelo de competição na Transmissão se consolidou primeiro,
Tais parcerias tem-se mostrado não somente rentáveis, mas – atraindo, desde o início, investidores nacionais e estrangeiros para
e até mesmo mais importante – tem atraído a participação dos os leilões de outorga das concessões dos ativos de transmissão.
investidores privados para compartilhar, com o setor público, o A concorrência tornou-se notoriamente mais acirrada, observando-
desafio imenso que é expandir a oferta de energia para o vigoro­ se maiores deságios sobre os tetos de remuneração estabelecidos
so mercado brasileiro, insumo essencial para o desenvolvimento pela ANEEL, após liberada a participação das empresas públicas
econômico e social do país. nos leilões, que era inicialmente vedada.

356
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Já no segmento de Geração houve, com a reformulação do modelo vência no novo modelo competitivo setorial, mas ainda há muito por
setorial introduzida a partir de 2004, uma mudança radical de con­ avançar frente às exigências do mercado. A ótica do “negócio” e
ceitos. No modelo competitivo inicial a outorga das concessões se sua rentabilidade tiveram que prevalecer frente à tradição das obras
dava àquele agente que mais pagasse por essa outorga. Ou seja, de altíssima qualidade, mas que eram construídas com elevados
recebia a concessão para as novas usinas hidroelétricas aquele inves­ custos. As parcerias com a iniciativa privada e o contexto de com­
tidor que ofertasse o maior valor pelo Uso do Bem Público (UBP), petição pelas novas outorgas de concessão proporcionaram um
a partir de um piso, valor de referência estipulado pelo governo. importante aprendizado às empresas públicas.
Daí o agente negociaria sua energia livremente, através de contratos
bilaterais registrados no Mercado Atacadista de Energia – MAE.
Alguns fatores de sucesso
Nesse ambiente a energia disponibilizada ao mercado acabava,
Relacionam-se, a seguir, alguns fatores que se consideram essenciais
finalmente, sempre cara. Aquelas usinas mais atraentes, com cus­
para o desenvolvimento favorável dos novos projetos de geração
to de produção mais econômico, ficavam oneradas por um ágio
no ambiente competitivo e que, não obstante aplicáveis a todos
elevado na UBP, motivado pela competição acirrada por sua
os agentes, podem justificar o sucesso das empresas públicas nos
outorga. Caso típico foi a excelente usina de Serra do Facão
certames para expansão da oferta de energia, em especial no que
(210 MW), no rio São Marcos, em Goiás, que teve um ágio de
se refere às novas usinas hidroelétricas.
3.090% sobre o piso de UBP estabelecido – agregando elevação
de cerca de 30% aos seus custos de produção. Outro exemplo,
a usina de Foz do Chapecó, no rio Uruguai, com 855 MW de O desenvolvimento dos projetos através de SPE
capacidade, que teve ágio de 554%.
As SPE – Sociedades de Propósito Específico são empresas priva­
Na transição de modelo ocorrida após 2003, muitas dessas usinas, das quando apresentam, em sua constituição societária, participa­
outorgadas sob o modelo anterior – e que ficaram conhecidas como ção minoritária das empresas públicas. Aliam, de forma sinérgica,
“Botox” – encontraram dificuldades para se viabilizar e comercia­ as melhores características das empresas privadas e das empre­
lizar sua energia no novo ambiente. Para resgatar esses projetos, sas públicas em prol do desenvolvimento do projeto. Podem
prejudicados pela mudança de modelo, foi necessário um forte incorporar parceiros com perfis bastante distintos, como investi­
empenho no âmbito da regulação bem como, em muitos casos, dores puros, fornecedores de bens e serviços e concessionárias,
a parceria das empresas estatais. em virtuosa complementaridade.

Nesse novo contexto setorial, as empresas públicas, liberadas Por desenvolver um empreendimento específico, as SPE podem
para participar dos leilões de novas concessões, ressurgiram como exercer uma gestão do projeto moderna e dentro das melhores
agentes de relevo, estando presentes em vários empreendimentos práticas, sob uma estrutura organizacional projetada. Os parceiros
importantes, tanto em parceria com a iniciativa privada – maio­ individualmente, muitas vezes, teriam dificuldades, dentro das estru-
ria dos casos – como através de empreendimentos corporativos, turas funcionais de suas organizações, em gerir o projeto com tais ca­
ou seja, 100% estatais. racterísticas – fato especialmente verdadeiro para as empresas públicas.

Houve necessidade de mudanças culturais profundas no modo de Ademais, por disporem, devido às características do modelo seto­
atuar das empresas públicas com vistas à sua adaptação e sobrevi­ rial, de receitas antecipadamente estabelecidas e de longo prazo, as

357
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

SPE podem usar tais receitas futuras como garantia para obter junto de estudos nos quais é definida a concepção global da usina,
os financiamentos. Assim conseguem, em geral, face aos baixos sua otimização energética, técnico-econômica e ambiental. Con­
riscos envolvidos, alavancar seus projetos com custos de financia- templa os Estudos de Viabilidade Técnico-Econômica (EVTE),
mento bastante atraentes. os Estudos de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Im­
pacto Ambiental (RIMA), com avaliação de benefícios e custos
Tratamento da questão ambiental associados à nova usina cuja outorga será licitada.

O tratamento adequado da questão ambiental – aí incluídos, com Investir, com a possível profundidade que os prazos em geral
toda a ênfase, os aspectos sociais – é absolutamente determinan­ escassos permitem, no conhecimento técnico que envolve o pro­
te no sucesso dos empreendimentos hidrelétricos na atualidade. jeto, em suas várias disciplinas, dá ensejo aos agentes a propor
Não observar essa “regra de ouro” significa condenar o projeto a soluções inovadoras para sua execução, que muitas vezes são o
atrasos no seu licenciamento, embargos, paralisações, enfim, com­ grande diferencial que define o vencedor de um leilão de outor­
prometer fortemente sua rentabilidade. ga. Permite, ademais, redução dos riscos associados ao projeto,
o que acarreta em menores prêmios de risco e melhores condi­
Há necessidade de transparência no trato com os órgãos ambientais ções de contratações das obras e outros serviços – enfim, maior
e com os afetados, direta e indiretamente pelo empreendimento. competitividade nos leilões.
A qualidade dos estudos ambientais deve ser a melhor possível,
agregando-se sempre, mas não exclusivamente, o conhecimento Nesse aspecto, as empresas públicas são naturalmente fortes,
científico existente na região do empreendimento. As interações com por disporem de equipes próprias e capacitadas – quer na engenha­
os órgãos ambientais devem ser constantes e tecnicamente elevadas. ria, construção e operação, quer nas áreas ambiental e fundiária –
e pela grande intimidade que muitas vezes tem com as regiões de
É preciso reconhecer que toda e qualquer obra de infraestrutura, desenvolvimento dos projetos. Vantagens essas que são potencia­
não obstante sua utilidade pública, impacta o meio ambiente – lizadas através de parcerias venturosas, que se somam ao expertise
físico, biológico e social – e que, por isso, são necessárias compensa­ das empresas públicas, dando agilidade na realização de estudos
ções àqueles atingidos pelo empreendimento, que deve inserir-se de complementares àqueles disponibilizados pela ANEEL.
forma sustentável no contexto regional ao qual que se incorpora.

Engenharia financeira do projeto


Um ambiente de mútua confiança e de aceitação do empreendimento
é construído a partir do tratamento respeitoso às partes interessa­
O equacionamento financeiro do projeto talvez seja o ítem mais
das, com o adequado atendimento às condicionantes de licencia­
importante, definidor do sucesso e da rentabilidade empreendimen-
mento, negociando prioridades de forma aberta com a sociedade
to no ambiente competitivo existente em nosso modelo setorial.
organizada, e deixando claro à população o que é factível realizar
a título de compensação, bem como o que não é viável.
O papel do financial advisor é essencial. A adequada modelagem
financeira do negócio, e seus riscos, envolve várias componen­
Conhecimento aprofundado do projeto tes: a busca pelas melhores fontes de financiamento, a melhor
solução tributária, os incentivos fiscais, o melhor perfil da dívida e
Aos agentes interessados, a ANEEL disponibiliza participar dos dos desembolsos, a colocação de parcela de energia no ACL, a
leilões de outorga dos novos empreendimentos de geração um con­ antecipação da produção e a eventual geração de caixa durante
358
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

a construção – tudo isso é absolutamente crucial para a proposição de No segundo caso, em que todos os envolvidos perdem, podemos
uma tarifa módica e tecnicamente sustentável nos leilões. citar os aumentos dos prêmios de seguros, maior preocupação
da sociedade civil quanto à segurança dos empreendimentos e
As empresas públicas incorporaram e vem aperfeiçoando essa maiores cuidados dos organismos de licenciamento ambiental.
abordagem financeira “privada” nos leilões do setor elétrico, jun­ Independentemente de outras possibilidades, o fato é que, no fim
tamente com seus parceiros. Regidos pela modelagem financeira da linha, perde a sociedade brasileira, que pagará por uma energia
abrangente e detalhada, os participantes que se consorciam para a mais cara e menos favorável sob o ponto de vista ambiental.
competição – investidores e fornecedores de bens e serviços –
identificam a necessidade de atuar de forma solidária, sacrificar Portanto, para o sucesso efetivo dos empreendimentos, ganha
margens e compartilhar ganhos, para vencer os leilões de outorga importância a busca por modelos de gestão apropriados. Estes
dos novos empreendimentos. devem procurar blindar todas as partes interessadas, combinando
aspectos positivos de modelos de gestão já utilizados e minimizan­
Sendo de risco moderado os retornos dos investimentos em do seus pontos falhos, através de uma atuação em parceria entre
geração hidroelétrica, os agentes devem compartilhar a visão de os proprietários dos empreendimentos e os consórcios contratados
longo prazo que as inversões no setor elétrico requerem, não ha­ para a execução, tendo em mira benefícios mútuos para as partes,
vendo, pois, no modelo competitivo em vigor, espaço para retornos com reflexos positivos para a sociedade.
espetaculares e em curto prazo.
Modelos de gestão recentemente utilizados
Modelos de gestão dos empreendimentos
Percebe-se, na atualidade, a existência de várias modalidades de
As características atuais do modelo setorial reforçam a necessida­ gestão de empreendimentos na área de geração, o que pressupõe que:
de, por parte dos empreendedores, de buscar soluções que garan­ (i) não há uma única modalidade que possa ser considerada como
tam a conclusão das obras conforme os preços e prazos definidos ideal para o atingimento dos objetivos e atendimento das necessidades
nos planos de negócios (uma vez que a energia já está vendida com de todas as partes interessadas no negócio; e (ii) os empreendedores
preço e data de entrega contratados). Igualmente, é preciso gestão estão, efetivamente, buscando e testando fórmulas que possam
consistente dos projetos no sentido de assegurar a qualidade dos viabilizar os novos negócios de maneira a reduzir riscos e atender
serviços, tanto durante a implantação quanto na fase de operação. aos objetivos de todas as partes interessadas.

A não observância desses preceitos tem como consequência Na discussão que se segue procura-se identificar alguns dos mo­
perdas diretas para os empreendedores e indiretas para o negócio delos já utilizados ou em utilização, a fim de contribuir para que o
de geração de energia no país. tema seja analisado sob vários ângulos pelos profissionais do setor.

No primeiro caso, podemos elencar as perdas de receita de geração · Modernização de usinas existentes
por atrasos das obras, multas impostas pelos órgãos públicos de
fiscalização e regulação, necessidade de aquisição de energia no Em suas obras de modernização de usinas hidroelétricas (usina hidro­
mercado livre para suprir os compromissos assumidos, prejuízos elétrica Mal. Mascarenhas de Moraes – MG e Luiz Carlos Barreto de
à imagem das empresas envolvidas, dentre outros – com sacrifícios Carvalho – MG/SP), que tem sido desenvolvidas desde 2001, Furnas
à rentabilidade dos projetos. adotou a modalidade de contratação mista com EPC – Engineering,
359
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Procurement and Construction (Engenharia, Fornecimentos e · Novas usinas hidroelétricas


Construção) e execução direta. Os Consórcios contratados respon­
sabilizam-se pelo projeto, pelos fornecimentos dos equipamentos, Na implantação da usina hidroelétrica Peixe Angical, concluída ao
pela construção e pela montagem eletromecânica, com contratos longo de 2006, a Enerpeixe (parceria entre Energias do Brasil e
a preços globais. Furnas resguardou para si a prerrogativa de apro­ Furnas) contratou, separadamente, o projeto, o fornecimento/mon­
vação de todos os projetos, da execução dos comissionamentos tagem e a construção civil, incluindo as obras de reservatório, todas a
e dos licenciamentos ambientais. Os contratados só podem desenvolver preços globais. À Concessionária coube a responsabilidade pelo
suas intervenções nos equipamentos após aprovação de Furnas. controle da qualidade das obras, pelo licenciamento ambiental,
pela gestão fundiária e pelos programas ambientais.
Já na modernização e ampliação da UTE Santa Cruz (RJ), ini­
ciada em 2002, Furnas adotou o regime de EPC, a preço global,
reservando para si os licenciamentos ambientais e os forneci-
mentos dos turbo-geradores.
Figura 1 – Usina hidroelétrica Peixe Angical

360
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Figura 2 – Usina hidroelétrica de Foz do Chapecó

Para a implantação da usina hidroelétrica Foz do Chapecó (SC/ Cimentos), que iniciou as obras em março de 2007, similarmente
RS), cujas obras foram iniciadas em janeiro de 2007, o Consórcio a Foz do Chapecó, optou pela contratação de um EPC tradicio­
Empresarial Foz do Chapecó (pertencente à CPFL, CEEE e Fur­ nal (engenharia, fornecimentos e construção, incluindo o contro­
nas) optou pela contratação de um EPC tradicional (engenharia, le da qualidade), a preço global. Analogamente ao caso anterior,
fornecimentos e construção, incluindo o controle da qualidade), também reservou para si as responsabilidades pelo licenciamento
a preço global. No entanto, manteve, sob sua tutela direta, as res­ ambiental, pela gestão fundiária e pela execução dos programas
ponsabilidades pelo licenciamento ambiental, pela gestão fundiária, ambientais e das obras de reservatório.
pela execução dos programas ambientais e das obras de reservatório.
Na construção da usina hidroelétrica Simplício (RJ/MG), concessão
No caso da usina hidroelétrica Serra do Facão (GO), a Serra do Facão 100% de Furnas, cuja obra teve início em janeiro de 2007, a empresa
Energética S.A. (pertencente à Alcoa, Furnas, DME, Camargo Corrêa decidiu pelas contratações separadas do projeto (preço global), do
361
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 3 – Barragem de Foz do Chapecó

Figura 4 - Usina hidroelétrica de Serra do Facão no rio São Marcos

fornecedor/montador (preço global) e das obras civis (misto de


preço global e preços unitários). A integração das responsabilida­
des que se interfaceiam é gerida diretamente pela própria conces­
sionária. O contrato da construção civil não inclui o controle da
qualidade das obras, nem as obras de reservatório. Além disso, Furnas
se responsabiliza pelo licenciamento ambiental, pela gestão fundiária
e pelos programas ambientais. A novidade no caso de Simplício foi a
utilização, no contrato das obras civis, de um sistema misto de preços:
parte do contrato é por um preço global e parte é por preços unitários.
Tal opção foi feita buscando eliminar volumes significativos de
verbas de contingenciamento relativas a riscos geotécnicos,
anterior mente embutidos no preço global da empreiteira.
A contrapartida é que tal risco está sendo assumido por Furnas.

362
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Já a implantação da usina hidroelétrica Batalha (GO/MG), outra


concessão 100% de Furnas, possui a seguinte formatação atual:
contratações separadas do projeto (preço global), do fornecedor/
montador (preço global) e das obras civis (preço unitário), incluindo
o controle da qualidade. A integração das responsabilidades que se
interfaceiam também será gerida diretamente pela própria
concessionária.O contrato da construção civil não inclui as obras
de reservatório. Analogamente à usina hidroelétrica Simplício,
Furnas se responsabiliza pelo licenciamento ambiental, pela gestão
fundiária e pelos programas ambientais.

Na usina hidroelétrica Retiro Baixo (MG), obras iniciadas em março


de 2007, a Retiro Baixo Energética S.A. optou pela contratação de um
EPC mais amplo, também denominado internamente por Turn Key,

Figura 5 –
Obras da barragem
e usina de Anta
do aproveitamento
hidroelétrico
de Símplicio

Figura 6 - Usina hidroelétrica


de Retiro Baixo

363
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

onde o contratado responsabiliza-se pela integralidade das ações os organismos financiadores dos projetos tem colocado para as
necessárias à implantação completa do empreendimento, ou seja, viabilizações dos empréstimos.
projeto, fornecimento, construção civil, montagem eletromecânica,
comissionamentos, controle da qualidade, licenciamento ambien­ Não obstante, percebe-se algum movimento no sentido de se
tal, gestão fundiária, programas ambientais e obras de reservatório, incluir preços unitários em partes do projeto mais sensíveis a
tudo por um preço global. previsões muito antecipadas, que findam por gerar: (i) preços mui­
to avultados em função de grandes contingenciamentos embutidos
Para a implantação da usina hidroelétrica Santo Antônio (RO), cuja pelos construtores, ou (ii) pleitos de reequilíbrios econômico-
obra foi iniciada em setembro de 2008, a Santo Antônio Energia S.A. financeiros em função de serviços adicionais imprevisíveis, ou por
(parceria de FURNAS, CEMIG, FIP, OII, CNO e AG), optou pela alterações de projeto ou por situações reais distintas daquelas
contratação de um EPC tradicional (engenharia, fornecimentos e previstas nos projetos básicos.
construção, incluindo o controle da qualidade), a preço global. No
entanto, manteve sob sua tutela direta as responsabilidades pelo As experiências têm mostrado que os regimes de preços globais
licenciamento ambiental, pela gestão fundiária, pela execução dos fixos não eliminam por completo possibilidades de situações como
programas ambientais e das obras de reservatório. acima relatadas. Por tal motivo, já há movimentos mais recentes
no sentido de se mesclar os regimes de preço global com partes
No caso da usina hidroelétrica Teles Pires (MT/PA), com obras por preços unitários, mostrando, em nossa opinião, uma tendência
previstas para iniciar em julho de 2011, a Companhia Hidroelétrica para o futuro próximo.
Teles Pires (FURNAS, ELETROSUL, NEOENERGIA e ODE­
BRECHT) igualmente optou pela contratação de um EPC tradicio­ Outra modalidade comumente observada é a utilização de contrata­
nal – engenharia, fornecimentos e construção, incluindo o controle ções do tipo EPC, em que o contratado se responsabiliza pelo projeto,
da qualidade – a preço global. Manteve também sob responsabili­ fornecimentos, construção civil e montagem eletromecânica, incluin­
dade direta da SPE o licenciamento ambiental, a gestão fundiária a do o controle da qualidade das obras. Mesmo havendo variações
execução dos programas ambientais e das obras de reservatório. percebidas em tal modalidade de contratação, pode-se afirmar que
ela ainda é a que mais agrada aos investidores, que recebem tal
· Tendências exigência dos órgãos financiadores, por ser entendida como a que
melhor transfere os riscos de execução e integração dos empreende­
Obviamente, os exemplos acima não encerram todos os ca­ dores aos contratados.
sos recentemente utilizados ou em implantação atual no Brasil.
São, contudo, bastante ricos em diversidades de modelos de ges­ Via de regra, os concessionários reservam, para si, as responsabi­
tão, ratificando a inquietude dos diversos empreendedores quanto lidades sobre os licenciamentos ambientais, as gestões fundiárias
à busca pelo melhor modelo a ser utilizado para os negócios de e os programas ambientais, dado o caráter crítico dessas atividades
geração de energia elétrica no país, com foco na hidroeletricidade. para o sucesso dos empreendimentos e para a imagem da empresa
na região de inserção dos projetos.
Percebe-se, no entanto, algumas fortes tendências. Uma delas é a
adoção da modalidade de preço global, em substituição aos preços A questão das obras de reservatório não tem uma tendência defini­
unitários. Tal tendência tem forte relação com a transferência de da. Tal constatação deve-se ao fato de que as obras de reservatório
riscos do empreendedor para o construtor, uma das exigências que tem uma dependência direta da área afetada e dos condicionantes
364
Figura 7 - Vista aérea das obras da usina hidroelétrica de Santo Antônio sobre o Rio Madeira

dos licenciamentos, sendo, em alguns casos, possíveis as pré- fizerem parte do mesmo grupo responsável pela execução das
definições necessárias aos orçamentos seguros pelas construto­ obras o construtor e o projetista.
ras e, em outros casos, impossível uma orçamentação isenta de
riscos, que fatalmente elevaria o preço proposto em função de A questão da responsabilidade integral do contratado, sob o ponto de
contingenciamentos altos. vista da engenharia, é secundária, pois o interesse do investidor é o
empreendimento concluído da forma como foi planejado, bem como
a preservação de sua imagem, e não a vitória na batalha dos tribunais.
Engenharia do proprietário
Entendemos que a engenharia do proprietário tem como principal
Não resta dúvida quanto às inúmeras vantagens que o modelo de papel a atenuação de riscos envolvidos quanto a prazos e confor­
contrato EPC – Turn key trazem ao empreendedor sob o ponto midade de produtos contratados, visto que as incertezas inerentes à
de vista econômico. execução dos serviços de construção, fornecimento, montagem,
comissionamento e operação de empreendimentos de geração
Entretanto, com a ocorrência de inúmeros acidentes em obras de devem ser controladas, por meio do monitoramento adequado
grande porte, incluindo eventos em usinas hidroelétricas e também dos processos empregados.
no metrô de São Paulo, especialistas passaram a questionar esse
modelo sob a ótica da segurança. Complementarmente, a engenharia do proprietário deve disponi­
bilizar informações para subsídio técnico ao empreendedor na to­
Fica patente que, para o emprego desse modelo de contrato, o mada de decisões frente ao construtor, com base no contrato EPC,
empreendedor deve ter em seu auxílio equipe técnica que exerça a de forma a atender aos objetivos previamente estabelecidos para o
engenharia do proprietário de forma ostensiva, ainda mais quando empreendimento e aos critérios de segurança operativa definidos
365
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

nos procedimentos de rede do ONS e nas regulamentações da Emissão de relatórios e documentações específicos para os
ANEEL e MME. órgãos financiadores, caso requerido pelo empreendedor;
Análise dos dossiês de qualidade - data book
Atividades contempladas na Engenharia do Proprietário Acompanhamento das obras e serviços em face das normas
de higiene e segurança industrial pertinentes;
Dessa forma, a engenharia do proprietário deverá exercer, sem se
limitar a elas, as seguintes atividades: Seleção de assuntos de interesse do empreendedor para
serem discutidos nas reuniões de produção (semanal) e de
Acompanhamento das obras civis e eletromecânicas,
coordenação (mensal);
quanto à conformidade em relação aos documentos de
projeto, especificações técnicas, plano de inspeções e Organização das reuniões de coordenação e de produção;
testes, normas técnicas aplicáveis e aos demais documentos Análise de planejamentos executivos elaborados pelo cons­
técnicos contratuais; trutor, fornecedor e montador e emissão de pareceres
Acompanhamento rigoroso dos processos executivos emprega­ ao empreendedor;
dos pelo contratado previstos nos anexos da qualidade; Análise de redes de precedência emitidas pelo contratado
Certificações parciais dos produtos entregues pelo contratado e emissão de pareceres ao empreendedor;
e certificação global, quando na entrega do empreendimento Emissão de pareceres ao empreendedor quanto a pedi­
para operação comercial; do de modificação de projeto – pedido de modificação de
Acompanhamento do pré-comissionamento, comissionamento campo, emitidos pelo contratado;
e pré-operação; Acompanhamento de quantitativos dos serviços executados
Atendimento às solicitações do empreendedor, quanto a das obras civis e de montagem eletromecânica;
alterações no projeto básico consolidado e/ou especifica­ Emissão de relatórios, registros fotográficos, filmes e vídeos
ções técnicas, subsidiando-o de elementos necessários para relativos à obra, quando solicitados;
análise econômico-financeira afetos à relação contratual
Análise e parecer sobre relatórios de progresso emitido pelo
estabelecida com o contratado;
empreendedor;
Emissão de pareceres, quanto a questões técnicas no âmbito
Emissão de relatórios técnicos destinados à análise de pleitos.
das atividades no local da implantação, para subsidiar solu­
ção de impasses ou divergências que possam ocorrer entre
o empreendedor e o construtor.
A forma de atuação da Engenharia do Proprietário
Análise e emissão de pareceres relativos a fornecimentos ne­
De modo geral, os conceitos anteriormente apresentados não
cessários que estejam fora do escopo do Contrato EPC;
encontram discordâncias entre os diversos segmentos e atores
Análise dos métodos e resultados relativos ao controle de envolvidos nas gestões de empreendimentos de grande porte.
qualidade dos materiais de construção desenvolvido pelo
laboratório contratado pelo contratado; Por outro lado, há grandes divergências com relação à forma e/ou
Acompanhamento de liberações de serviços por parte intensidade de atuação da engenharia do proprietário. Com a en­
da projetista; trada de diversos agentes econômicos no setor de energia elétrica
366
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

no Brasil, a partir das mudanças no marco regulatório observadas dono”. Eventuais defeitos poderão ficar ocultos por vários anos,
desde 1995, uma das principais alterações conceituais percebida vindo a manifestar suas consequências danosas apenas na fase de
foi no enfoque dado à questão da engenharia do proprietário. operação, muitas vezes quando o construtor já estiver isento de
qualquer responsabilidade legal sobre o problema.
O termo “fiscalização” passou a sofrer forte preconceito por trazer
consigo a ideia da presença da mão-forte do empreendedor nas de­ A engenharia do proprietário pode, e deve, atuar de maneira mais
cisões de obra, a exemplo do que sempre ocorria nas gestões de consistente, acompanhando a integralidade das obras, sem que isso
grandes obras no Brasil. Vem, de então, o emprego do neologismo traga ao empreendedor a assunção de riscos que não são de sua
“engenharia do proprietário”, traduzido do inglês owner’s engineering. responsabilidade. Entendemos que as equipes de engenharia do
proprietário deverão ser dimensionadas de maneira a que as obras
Com receio de trazer para o empreendedor riscos contratualmente sejam fiscalizadas em sua integralidade, acompanhando o emprei­
definidos como de responsabilidade dos fornecedores/construto­ teiro em todos os turnos de trabalho, desenvolvendo um trabalho
res, o exercício da engenharia do proprietário passou a ser defini­ de verificação de aderência das atividades às normas e especificações
do como de spot check, onde se faz a checagem do atingimento de técnicas, apontando eventuais não-conformidades para subsidiar
grandes marcos, sem um acompanhamento passo a passo da obra. as decisões do proprietário.

Com isso, as equipes de engenharia do proprietário, dimensionadas Tal tipo de atuação não transfere riscos sob responsabilidade
dentro desse conceito de atuação extremamente distante e pontu­ dos construtores para o empreendedor, uma vez que não interfere
al, ficaram reduzidas a poucos profissionais, com atuação restrita diretamente na execução das atividades das obras, mas tão somen­
aos horários comerciais, sem acompanhamento integral das obras. te verifica o atendimento às normas e especificações executivas.
A interferência direta se dá apenas em casos extremos, em que se
Vemos uma grave omissão dos empreendedores em tal tipo de verificam riscos às obras e às pessoas.
atuação, uma vez que importantes etapas das obras deixam de ser
acompanhadas, com a intensidade devida, diretamente pelo “olho do Figura 8 - Usina hidroelétrica de Serra do Facão no rio
São Marcos com 212 MW de capacidade instalada

367
368
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

As Barragens de Rejeitos
no Brasil: Sua evolução
nos últimos anos
Joaquim Pimenta de Ávila e Marta Sawaya

1. Introdução De acordo com Ruchkys e Renger [Ref. 1], o ouro primário


foi descoberto na região no início do século XVIII, sendo que
O presente capítulo apresenta um sumário da experiência brasileira uma lavra rudimentar foi iniciada em 1729. Entre 1729 e 1819, vá­
em barragens de contenção de resíduos de mineração e de indús­ rios mineiros obtiveram concessões para explorar a propriedade
tria. Descreve, de forma sintética, a evolução histórica das barra­ mineral da Passagem até que em 1819 ela foi adquirida, junto
gens de rejeitos no Brasil, com foco em seu desenvolvimento de com algumas concessões vizinhas, pelo Barão de Eschwege, que
tecnologias de disposição e na aplicação das técnicas da engenha- criou a primeira companhia mineradora do País de capital pri­
ria de barragens ao projeto e construção de barragens de rejeitos. vado, com o nome de Sociedade Mineralógica da Passagem, e
instalou um engenho com nove pilões e moinhos para pedras,
As barragens de rejeitos no Brasil surgiram das atividades de mi­ até então não usados no Brasil.
neração, as quais tiveram seu início em épocas que remontam a
cerca de 300 anos atrás. Antes até da corrida do ouro no oeste Até essa época, a exploração do ouro utilizava técnicas e ferra­
americano, a atividade de mineração de ouro no Brasil já ha­ mentas rudimentares na lavagem e beneficiamento do minério.
via se iniciado com a Mina da Passagem, em Mariana, conforme Eschwege aplicou técnicas modernas para a época, dando inicio a
é descrito adiante neste capítulo. Esta mina é descrita a seguir, uma profunda galeria para esgotamento de água e elaborou o
pela importância histórica que tem na mineração brasileira. primeiro plano de lavra subterrânea em Passagem. Em 1821,
Eschwege deixou o Brasil e desta época em diante a propriedade
A Mina da Passagem está localizada na Vila da Passagem, lugar passou pelas mãos de vários mineradores, ficando a exploração
da passagem da estrada entre Ouro Preto e Mariana, sob o Ribeirão paralisada em alguns momentos devido à conjuntura econômica
do Carmo, a sudeste de Belo Horizonte. do Brasil e à baixa cotação do ouro no mercado. Atualmente,
a Mina da Passagem foi transformada num complexo turístico
A mineralização está inserida no Supergrupo Minas, entre a Forma­ onde os equipamentos desativados foram requalificados. Há alguns
ção Cauê, no topo, e o Grupo Caraça (Formação Moeda e Batatal) anos, a mina também passou a ser utilizada para mergulho nas
ou Grupo Nova Lima (Supergrupo Rio das Velhas). galerias e túneis inundados pelas águas do lençol freático. O
acesso é feito por meio de um trolley, e a estrutura é a mesma uti­
lizada na época de Eschwege. A Mina da Passagem é um bom
Barragem São Bento - 2005 exemplo de iniciativa de valorização e utilização de minas antigas
para geoturismo, o que já é bastante difundido na Europa. [Ref. 1]
369
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Em relação aos rejeitos gerados, as atividades de mineração, por mui­ Precedentes legais gradativamente trouxeram um fim à dispo­
to tempo descartaram seus resíduos na natureza, em cursos d’água sição incontrolada de rejeitos na maioria dos países ocidentais,
ou lançando-os em terrenos adjacentes, formando depósitos sem com o cessamento de práticas inadequadas que ocorriam até
nenhuma preocupação de ordenação e sistematização. A situação 1930. Entretanto, algumas destas práticas acontecem até hoje em
no Brasil não foi diferente do resto do mundo, e a evolução deste muitos países em desenvolvimento.
assunto no panorama mundial pode ser percebida por um levanta-
mento feito pelo USCOLD, em 2004 [Ref.3], como descrito a seguir. Foi a partir da década de 30 que, para a manutenção da mineração
e a mitigação dos impactos ambientais, as indústrias investiram na
Antes do século XV, a geração de rejeitos pelas empresas de mi­ construção das primeiras barragens de contenção de rejeitos. As
neração e os impactos decorrentes de sua disposição no meio barragens construídas no início do século XIX geralmente eram
ambiente eram considerados desprezíveis. No entanto, com a projetadas transversalmente aos cursos d’água, com considerações
introdução da força a vapor e com o aumento significativo da ca­ limitadas apenas para inundações. Consequentemente, quando
pacidade de processamento dos minerais de interesse econômico, fortes chuvas ocorriam, poucas destas barragens permaneciam
a geração de rejeitos aumentou significativamente e estes pre­ estáveis. Raramente existiam engenheiros ou critérios técnicos
cisavam ser removidos da área de produção, sendo então enca­ envolvidos nas fases de construção e de operação.
minhados para algum local conveniente, geralmente próximo
aos rios ou cursos d’água. Até meados de 1930, equipamentos para movimentação de terras
não eram acessíveis para a construção das barragens. Um pequeno
A partir do século XV, o desenvolvimento tecnológico aumen­ dique era inicialmente preenchido com rejeitos hidraulicamente depo­
tou ainda mais a habilidade de minerar corpos com baixo teor sitados e depois incrementado por pequenas bermas. Esse procedi-
mineral, resultando na produção ainda maior de rejeitos, com mento de construção, atualmente mecanizado, continua sendo utilizado.
cada vez menor granulometria. Entretanto, as práticas de dispo­
sição de rejeitos permaneceram inalteradas e, como resultado, Na década de 40, a disponibilidade de equipamentos de alta ca­
mais rejeitos estavam sendo depositados e transportados por pacidade para movimentação de terras, especialmente em minas
distâncias cada vez maiores das fontes geradoras para os cursos a céu aberto, tornou possível a construção de barragens de con­
d’água, lagos e oceanos. tenção de rejeitos com técnicas de compactação e maior grau de
segurança, de maneira similar às barragens convencionais.
Foi somente a partir do início do século XX, que os pequenos dis­
tritos minerários começaram a se desenvolver, atraindo indústrias O desenvolvimento da tecnologia para construção de barragens
de apoio e desenvolvendo a comunidade local. Surgiram também de contenção de rejeitos ocorreu de modo empírico, engrena­
conflitos pelo uso da terra e da água, particularmente por inte­ do pelas práticas de construção e equipamentos disponíveis em
resses agrícolas, pois os rejeitos frequentemente acumulados no cada época. Esse desenvolvimento ocorreu ainda sem a aplicação
solo obstruíam os poços de irrigação, além de contaminar as áreas das técnicas da engenharia de barragens.
a jusante. Os produtores rurais começaram a associar a diminui­
ção da colheita nas terras impactadas aos rejeitos, e os aspectos Na diversidade das condições brasileiras, embora em algumas mi­
relacionados ao uso da terra e da água conduziram os confli­ nas sejam hoje aplicadas tecnologias disponíveis de implantação de
tos iniciais, que abriram caminho para elaboração das primeiras barragens, ainda prevalece em minas de tecnologia mais rudimen­
legislações sobre o gerenciamento de resíduos da mineração. tar a construção empírica, que se desenvolveu a partir da década

370
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

de 30, quando o progresso na fabricação dos equipamentos de da então MBR Minerações Brasileiras Reunidas, em Nova Lima;
terraplenagem foi aproveitado nas operações de lavra e constru­ e Germano, da Samarco, em Mariana.
ção de barragens, embora nem sempre fossem usados os conhe­
cimentos sobre a engenharia de barragens, abordados em outras A partir da década de 80, os aspectos ambientais também cresceram
áreas como a de geração de energia elétrica. em importância. A atenção foi amplamente voltada para estabili­
dade física e econômica das barragens, considerando o potencial
Assim, a construção de barragens de rejeitos no Brasil teve por de dano ambiental e os mecanismos de transporte de contaminan­
muitos anos aplicada a prática de utilizar os equipamentos de la­ tes. Aspectos de estabilidade física têm permanecido na vanguar­
vra, com orientação técnica dos engenheiros de minas, especiali­ da, por causa de recentes acidentes com barragens de rejeitos que
zados nas técnicas de lavra, construindo aterros com o material ganharam amplo espaço na mídia, com implicações financeiras
estéril removidos da mina e lançados em forma de aterros, trans­ severas em muitos casos.
versalmente aos vales, para criar volumes de retenção dos rejeitos
do beneficiamento do minério, o qual se resumia a operações de Numa primeira fase, o controle da segurança das barragens era
britagem e peneiramento com lavagem, resultando em volumes basicamente orientado para a segurança estrutural e hidráulico-
de resíduos a serem represados pelas barragens. operacional, em que a característica básica era investir contra a
causa potencial da ruptura da barragem. A regra era optar pelo
Enquanto estas barragens rudimentares se resumiam a estruturas controle rigoroso do projeto, construção e operação como for­
baixas e de menores volumes de represamento, as atividades eram ma de garantir à sociedade, em geral, e às populações residentes
bem sucedidas, sem grandes acidentes. Entretanto, com o progres­ nos vales a jusante, uma segurança satisfatória, compatível com
so das atividades de mineração e aumento da escala de operações, probabilidade de ruptura adequadamente baixa.
os problemas estruturais destas barragens passaram a representar
riscos maiores e rupturas significativas começaram a ocorrer. Posteriormente, as técnicas de observação do comportamento
das barragens durante a operação vieram reforçar a necessidade
O progresso das tecnologias de implantação de barragens de re­ do controle da segurança em longo prazo. Com o passar do tem­
jeitos foi sempre entremeado pelos acidentes com rupturas de po, a produção de rejeitos aumentou, e as áreas para disposição
barragens, os quais sempre foram catalisadores do progresso tec­ se tornaram cada vez mais escassas, culminando no desenvolvi­
nológico da engenharia de barragens, pela exigência da sociedade mento dos projetos de engenharia permitindo a construção de
de eliminação desses desastres. Assim, na década de 50, mui­ barragens com alturas cada vez maiores. Esses projetos se torna­
tos dos princípios fundamentais de geotecnia já eram compre­ ram possíveis com a ampliação contínua do conhecimento e con­
endidos e aplicados em barragens de contenção de rejeitos. trole dos aspectos de segurança, tais como melhor compreensão
Em 1965, um terremoto causou rompimento de muitas barra­ do comportamento dos materiais, novos desenvolvimentos na
gens no Chile, recebendo considerável atenção e tornou-se um ciência de mecânica do solo, introdução de equipamentos cada
fator chave na pesquisa sobre as causas das rupturas. vez mais robustos para movimentação de terra.

Na década de 70, a maioria dos aspectos técnicos (por exemplo, Entretanto, falhas ocorrem, muitas vezes, devido à falta de aplicação
infiltração, liquefação e estabilidade da fundação) já eram bem adequada dos métodos conhecidos, de projetos mal elaborados,
entendidos e controlados pelos projetistas. Exemplos desta aplica­ de supervisão deficiente durante a construção, ou negligência das
ção são as barragens de: Pontal, da Vale, em Itabira; Águas Claras, características vitais incorporadas na fase de construção. [Ref. 2 e 3]

371
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

A ocorrência destes acidentes tem tido grande influência na atitu­ A partir dos resultados apresentados, foram preparadas as duas
de dos profissionais de geotecnia de barragens, nas ações preven­ tabelas apresentadas a seguir. Na primeira tabela, são mostrados
tivas, e no estabelecimento de regulamentações específicas sobre os acidentes com maior número de mortes, até 2001, quando esta
a segurança de barragens de rejeitos, aspectos que são abordados estatística foi atualizada.
resumidamente, em suas particularidades principais. As causas des­
tes acidentes têm sido atribuídas, em grande parte, à não aplicação Observa-se que o Brasil comparece na tabela com dois casos: Fer-
das tecnologias existentes, embora seja observado o aparecimento nandinho e Rio Verde.
em número crescente de publicações específicas sobre barragens
de rejeitos e temas correlatos, o que tem catalisado uma evolução Tabela 1 - Principais Acidentes com Mortes
positiva da própria tecnologia de rejeitos. (1970-2001)

Os métodos de disposição de rejeitos têm também evoluído po­ Ano Barragem / País No de
sitivamente, tanto na direção da redução do potencial de dano
mortes
dos reservatórios de rejeitos, como do aumento da segurança das
1985 Stava / Itália 269
estruturas de contenção dos mesmos. O melhor conhecimen­
to do comportamento geotécnico dos rejeitos vem permitindo 1972 Buffalo Creek / USA 125
implantar estruturas mais seguras. 1970 Mufilira / Zambia 89
1994 Merriespruit/ África do Sul 17
2. Fatos relevantes na evolução recente 1974 Bakofeng / África do Sul 12
da geotecnia de barragens de rejeitos 1995 Placer / Filipinas 12
1986 Fernandinho / Brasil 7
2.1. Rupturas e incidentes em barragens de rejeitos 2001 Rio Verde / Brasil 5
1978 Arcturus / Zimbabwe 1
A apresentação destes fatos relevantes inicia-se obrigatoriamente
pelos acidentes com rupturas, muitas das quais catastróficas, que
(dados segundo ICOLD-2001)
marcaram, desde os anos 70, o panorama desta área da engenharia.

Em 2001, o ICOLD (International Commission on Large Dams), As duas maiores catástrofes ocorridas: Stava, na Itália, e Buffa­
publicou um boletim (Bulletin 121: “Tailings Dams, Risk of Dan- lo Creek, nos EUA, representaram, à época dois extremos, em
gerous Occurrences, Lessons Learnt From Practical Experiences) com termos de aplicação de engenharia: Buffalo Creek era uma pilha
o resultado de um trabalho da comissão de barragens de rejeitos de estéril que estava operando como dique de contenção dos
que, durante cinco anos, inventariou os acidentes e incidentes rejeitos, sem qualquer engenharia de barragem. Stava foi uma
ocorridos desde 1970. Participaram deste inventário represen­ barragem projetada segundo a prática corrente da engenharia, po­
tantes de 52 países, que colaboraram com informações sobre rém em uma situação de ocorrência de uma geologia complexa
acidentes e incidentes. Cerca de 400 casos foram analisados para e materiais de fundação com comportamento de difícil análise,
identificar as causas principais destes eventos. atingindo, portanto, o limite do “estado da arte” vigente à época.

372
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

A segunda tabela mostra os aciden­ Tabela 2 - Acidentes Recentes com Contaminação


tes, sem mortes, porém com de-
gradação ambiental significativa. Ano Local Consequência
2007 Mirai / Brasil Vazamento de rejeitos de bauxita
Observa-se que o Brasil compa­
Interrupção de fornecimento de água
rece novamente na tabela, com
três casos. 2006 Mirai / Brasil Vazamento de rejeitos de bauxita
Interrupção de fornecimento de água
2003 Cataguases/ Brasil Lixívia negra liberada
Interrupção de fornecimento de água
2000 Kentucky/ Usa Mortalidade de peixes
Interrupção no fornecimento de água
2000 Romênia Contaminação das águas c/ metais pesados
2000 Romênia 100.000m³ de cianeto contaminando águas
1999 Filipinas 700.000 t. de cianeto contaminando águas
1998 Haelva/ Espanha 50.000 m³ de água ácida tóxica liberada
1998 Aznalcóllar/ Espanha 5,0 milhões de m³ de água ácida liberada
1995 Omai / Guiana 4,2 milhões de m³ de lama com cianeto

(dados segundo ICOLD-2001)

Os acidentes em barragens de rejeitos continuam insistente­ Esta situação não é exclusiva do Brasil, e outros países já identifi­
mente a ocorrer no Brasil, com consequências indesejáveis para a caram as mesmas deficiências de proprietários e operadores, que
sociedade e para o setor de mineração e indústria, como um todo. falham na sua responsabilidade de adotar procedimentos gerenciais
Além destes acidentes ocorrem incidentes - estes mais nume­ de segurança, para redução de riscos.
rosos - onde não ocorre a ruptura, mas ocorre o vazamento de
sólidos para jusante com conseqüências variáveis. Existem ain­ Várias entidades internacionais têm trabalhado para a cons­
da numerosos incidentes que, infelizmente, não são informados, cientização dos proprietários e têm produzido excelentes contri­
porque os proprietários não os revelam, tirando a chance de buições sobre a segurança das barragens de rejeitos. Alguns são
aprendizado com suas causas. citados a seguir:

As causas desses acidentes incluem, na grande maioria dos ca­ O ICOLD, composto de especialistas de diversos países, pro­
sos, situações já resolvidas pela tecnologia disponível, e as defici­ duziu nos últimos anos 10 boletins, em forma de recomen­
ências decorrem da não aplicação de ações voltadas a garantir a dações de boa prática para projeto, construção e operação de
segurança de estruturas. barragens de rejeitos.
373
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Dentre os 10 boletins, em 2001, a comissão de barragens de rejei­ essas ações resultaram em regulamentações sobre a segurança de
tos do ICOLD publicou o boletim 121, já mencionado, onde são barragens e esses países contam com legislação sobre o assunto.
apresentados e analisados os acidentes e incidentes com barragens
de rejeitos nos últimos anos, com recomendações sobre a melhor No Brasil, entretanto, as tentativas que vêm sendo feitas há mais
prática para a segurança. de trinta anos somente agora, em 2010, resultaram em uma
legislação federal sobre segurança de barragens.
O Banco Mundial, por meio do IFC (International Finance Corpora-
tion), que financia o setor privado, estabeleceu requisitos mínimos Embora as ações para implantação de uma legislação federal de
de segurança que as barragens de rejeitos devem atender para segurança de barragens tenham já cerca de 30 anos no Brasil (basi­
receberem empréstimos daquela instituição. camente, ações do CBDB junto ao governo), somente em 2010 foi
criada uma lei federal de segurança de barragens (Lei 12.334/2010).
A MAC (Mining Association of Canada) produziu vários trabalhos
de interesse aos procedimentos de segurança de barragens para No estado de Minas Gerais, constata-se um maior progresso na
uso de seus associados. regulamentação, concentrada nas barragens de rejeitos, com forte
influência da ocorrência de acidentes e da atuação dos órgãos re­
O ICMM (International Council on Mining Metals) criou, com a colaboração guladores e fiscalizadores como o Ministério Público Estadual e a
do ICOLD, um website de boas práticas para a engenharia de barra- Fundação Estadual do Meio Ambiente - FEAM.
gens de rejeitos. (www.goodpracticemining.com/tailings).
Após o acidente com a barragem de rejeitos da Mineração Rio
No Brasil, a situação não é diferente. Embora existam algumas Verde, em 2001, a FEAM coordenou a elaboração de regulamenta­
empresas de grande desempenho, que conhecem a necessidade de ção específica, que foi discutida com representantes das empresas
uma boa gestão da segurança, algumas empresas de menor porte, mineradoras, do corpo docente de universidades e de empresas
infelizmente ainda desconhecem os aspectos principais da técnica de de engenharia, e contou com consultoria especializada.
segurança de barragens.
As regulamentações resultantes deste processo estão hoje nas Delibe­
O Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM) tem incentivado rações Normativas, DN 62/2002, DN 65/2003, 87/2005 e 124/2008,
debates sobre o tema de segurança de barragens, promovendo se­ que podem ser consultadas pelo site da FEAM: www.feam.br.
minários e workshops específicos e instituiu cursos de treinamento
para empresas de mineração em todas as esferas hierárquicas, desde As barragens de rejeitos em MG somente são licenciadas se aten-
diretores até operadores de barragens de rejeitos. derem aos requisitos das regulamentações.

2.2. Implementação de legislação e regulamentação de 2.3. A lei federal 12.334/2010, sobre a segurança de
segurança de barragens barragens
Os acidentes em barragens provocaram sempre reações da sociedade A Lei 12.334/2010 tem as características a seguir listadas.
em todo o mundo, levando a tentativas diversas de regulamentação legal · Aplica-se às barragens destinadas à acumulação de água para
que obrigue os proprietários de barragens a tomarem providências quaisquer usos, à disposição final ou temporária de rejeitos e à acu­
efetivas de redução de riscos. Nos países mais desenvolvidos, como mulação de resíduos industriais que apresentem pelo menos uma
EUA, Canadá, diversos países da Europa, Austrália, África do Sul das características abaixo: 

374
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

I - Altura do maciço, contada do ponto mais baixo da fundação


à crista, maior ou igual a 15 m (quinze metros); 
3. Desenvolvimento de tecnologia
II - Capacidade total do reservatório maior ou igual a 3.000.000 m³ específica sobre barragens de rejeitos
(três milhões de metros cúbicos); 
III - Reservatório que contenha resíduos perigosos conforme Vários trabalhos têm sido publicados sobre a tecnologia de pro­
normas técnicas aplicáveis;  jeto, construção, operação e fechamento de barragens de rejeitos.
IV - Categoria de dano potencial associado, médio ou alto, em Os principais estão listados a seguir:
termos econômicos, sociais, ambientais ou de perda de vidas
humanas, conforme definido no art. 6o.  • C.L. Aplin e George O. Argall, Jr (Ed.). Tailing Disposal Today. Volume
1: Proceedings of the First International Symposium (1972);
· Os fundamentos da Política Nacional de Segurança de Barragens –
• George O. Argall, Jr (Ed.). Tailing Disposal Today. Volume 2:
PNSB são:
Proceedings of the Second International Symposium. Volume 1. (1978);
I - A segurança de uma barragem deve ser considerada nas
suas fases de planejamento, projeto, construção, primeiro • Colorado University. Proceedings: Tailings and Mine Wastes, vários anos
enchimento e primeiro vertimento, operação, desativação e a partir de 1978, de início como Uranium Mill Tailings Management;
de usos futuros;  • ICOLD Committee on Tailings Dams and Waste Lagoons, 10 boletins
II - A população deve ser informada e estimulada a participar, a partir de 1982;
direta ou indiretamente, das ações preventivas e emergenciais; 
• Vick, S. G. Planning, Design and Analysis of Tailings Dams ( 1983);
III - O empreendedor é o responsável legal pela seguran­
ça da barragem, cabendo-lhe o desenvolvimento de ações • ABMS (Associação Brasileira de Mecânica dos Solos e
para garanti-la;  Engenharia Geotécnica), REGEO e COBRAMSEG´s; (1987
IV - A promoção de mecanismos de participação e controle social;  e seguintes);
V - A segurança de uma barragem influi diretamente na sua
• Proceedings of an International Bauxite Tailings Workshop (1992);
sustentabilidade e no alcance de seus potenciais efeitos sociais
e ambientais.  • ICMM site: www.goodpracticemining.com/tailings

· Os instrumentos da Política Nacional de Segurança de Barragens são: Recentemente, a Comissão de Barragens de Rejeitos do ICOLD,
I - O sistema de classificação de barragens por categoria de risco concluiu o boletim Improving Tailings Dams Safety, que aborda os
e por dano potencial associado; aspectos relevantes relacionados ao projeto, construção, opera­
II - O Plano de Segurança de Barragem; ção e fechamento de barragens de rejeitos, indicando as principais
III - O Sistema Nacional de Informações sobre Segurança de referências bibliográficas sobre cada um destes estágios.
Barragens (SNISB);
IV - O Sistema Nacional de Informações sobre o Meio Ambiente; A partir dos anos 80, trabalhos de pesquisa nas universidades
V - O Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumentos brasileiras passaram a enfocar o comportamento dos rejeitos, em
de Defesa Ambiental; todos os aspectos de seu comportamento geotécnico, e vá­
VI - O Cadastro Técnico Federal de Atividades Potencialmente rios projetos com aplicação de novos métodos de disposição têm
Poluidoras ou Utilizadoras de Recursos Ambientais; resultado em significativa evolução das práticas de engenharia
VII - O Relatório de Segurança de Barragens. de barragens de rejeitos.

375
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Na área da pesquisa as universidades PUC-Rio Pontifícia Uni­ mento por diferenças finitas, a partir dos trabalhos pioneiros do
versidade Católica Rio de Janeiro, UFOP Universidade Federal professor Robert Schiffman, na Universidade do Colorado.
de Ouro Preto, UnB Universidade de Brasília e UFV Univer­
sidade Federal de Viçosa, já produziram dezenas de teses so­ Várias teses de mestrado e doutorado foram desenvolvidas sobre
bre o comportamento de rejeitos, com importantes contribui­ esse tema, inicialmente na PUC-Rio (anos 80), e posteriormente
ções ao conhecimento deste comportamento e possibilitando de forma mais intensa na UFOP (anos 90 e atual) e UFV, pesqui­
a implantação de projetos de novos métodos de disposição. sando as características de compressibilidade de rejeitos com uti­
lização de ensaios de adensamento em laboratório (inicialmente
Na área de novos métodos de disposição, a de rejeitos finos com CRD e atualmente HCT).
secagem e a aplicação de empilhamento drenado merecem des­
taque pelas características de economia, baixo potencial de dano Estudos em laboratório sobre secagem de rejeitos (Lúcio Villar)
e benefícios ambientais que estes métodos proporcionam. também foram desenvolvidos.

A disposição de rejeitos em pasta ainda não conseguiu superar os Estudos sobre a influência da mineralogia na resistência ao cisalha­
problemas do seu custo alto, embora tecnicamente este método mento de rejeitos granulares, assim como de potencial de liquefação,
seja uma solução muito favorável. podem ser encontrados em trabalhos produzidos pela UNB e UFOP.

3.1. Comportamento geotécnico dos rejeitos Deve ser mencionado que o desenvolvimento dessas pesquisas
tem sido aplicado tanto para determinação de características geo­
Nos anos anteriores à década de 70, a disposição de rejeitos técnicas dos rejeitos, como para aplicação de métodos de análises
era feita sem uma abordagem de engenharia adequada. Alguns dos problemas de disposição.
projetos simplesmente lançavam os rejeitos nos cursos de água
existentes, ou armazenavam os rejeitos em reservatórios cria­ Cerca de 50 dissertações de mestrado até o presente, foram desen­
dos por aterros de estéril de lavra. Conforme já mencionado, volvidas nos últimos 25 anos, abordando estas características dos
após a ocorrência de grandes rupturas com mortes e grandes rejeitos nas universidades: PUC/Rio, UNB, UFOP, UFV.
impactos ambientais, passou-se a considerar e, em um núme­
ro crescente de casos, a aplicação da tecnologia disponível de 3.2. Aplicação de novos métodos de disposição de rejeitos
engenharia de barragens ao problema.
Os métodos mais comuns de disposição de rejeitos consideram, em
No Brasil, algumas universidades passaram a dar atenção à geotecnia geral, a polpa represada em barragem convencional (projetada como
de disposição de rejeitos, elaborando projetos de pesquisas em co­ barragem para água) ou como parte do maciço do barramento, como
laboração com empresas de mineração e indústria. Vários aspectos nos casos de alteamento por linha de centro e alteamento por montante.
importantes têm sido pesquisados.
Os métodos de alteamento por montante e por linha de centro
Nos aspectos de compressibilidade de rejeitos, para a previsão das têm vantagens econômicas, pois apresentam redução do custo de
densidades e cálculos da vida útil dos reservatórios, um grande pro­ implantação e têm o custo de construção e custo operacional distri­
gresso foi possibilitado, pela aplicação da teoria do adensamento buído no tempo. Entretanto, têm na água dos poros do rejeito e do
a grandes deformações, com os modelos de simulação de adensa­ reservatório, o principal elemento instabilizador.

376
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Os novos métodos de disposição procuram reduzir o grau de satu­ São apresentadas aqui duas situações de projeto, envolvendo os dois
ração da polpa de rejeitos por meio da drenagem da água dos poros tipos básicos de rejeitos: a) os que contêm uma fração expressiva de
ou da evaporação. Os objetivos principais dos novos métodos de material arenoso/siltoso, com baixo teor de argila e de grande conteúdo
disposição são: de fração granular; e b) os que contêm maior conteúdo de material
mais fino, predominando argila e silte, com fração mínima de areia.
• Redução do custo;
• Maior capacidade do reservatório; Os dois tipos de rejeitos podem ser dispostos por métodos
• Maior aproveitamento da água; que retiram água dos mesmos. No caso dos rejeitos arenosos,
• Aumento da segurança; a água é retirada por drenagem e no caso dos rejeitos argilosos
• Vantagens para o fechamento; a evaporação é o principal agente da retirada da água.
• Menor chance de contaminação.
3.2.1. Empilhamento drenado
A expressão “novos métodos de disposição” contém implícita uma
Neste método, ao invés de utilizar uma estrutura impermeável de
expectativa de inovação na técnica de disposição. Entretanto, al­
barramento, adota-se uma estrutura drenante, que não retém a água
guns dos métodos hoje chamados de novos, embora contenham
livre que sai dos poros dos rejeitos, mas libera essa água através de
aspectos de desenvolvimento recente, foram iniciados há algumas
um sistema de drenagem interna, de grande capacidade de vazão,
décadas e vêm sendo aprimorados ao longo do tempo, de forma
ligada aos rejeitos do reservatório. Este método tem sido utiliza­
que inovações estão presentes em processos antigos de disposição.
do no Brasil, desde a década de 80, embora em poucos casos. É
interessante notar que na Europa, surgiu recentemente a expres­
Há também a expressão “métodos alternativos”, com a mesma in­
são pervious dam para designar um “novo método”, que está sendo
tenção de diferenciar do método clássico de bombear lama de alto
proposto para reduzir o potencial de dano.
grau de saturação para uma barragem impermeável que retém os
sólidos e a água. Este tipo de disposição é o mais utilizado, sendo Os objetivos principais do método de empilhamento drenado são:
que a polpa de rejeito fica retida com praticamente o mesmo grau • Obter um maciço não saturado, portanto com maior estabilidade;
de saturação da ocasião do bombeamento. O projeto da barragem, • Obter maior densidade e, portanto, maior capacidade e vida útil;
nestes casos, é semelhante ao de uma barragem para retenção de água. • Obter menor potencial de dano em uma eventual ruptura;
• Obter maior facilidade para o fechamento e recuperação ambiental;
Nos anos mais recentes, o problema da segurança das barragens de rejei­ • Aplicação segura do método de montante, com baixo risco
tos, assumiu uma expressão maior e vem condicionando várias escolhas de liquefação e de ruptura.
na seleção de alternativas. Em conseqüência, os métodos que utilizam a
disposição com menor grau de saturação dos rejeitos têm assumido Além destas características, a disposição é mais econômica por
maior importância por introduzirem situações de menor risco. tonelada de rejeito disposto.

Na presente abordagem, o que se pretende apresentar são méto­ São exemplos principais, deste método, no Brasil, as pilhas do Xin­
dos que priorizam a disposição com menor grau de saturação dos gu (Mina de Alegria), Monjolo (Mina de Água Limpa), Pilha da
rejeitos. Desta forma, quanto mais água for retirada dos rejeitos, Barragem do Germano, da Samarco (altura de 175,0 m), e Pilha da
mais vantajoso é o método. Cava do Germano (altura de 160 m), também da Samarco.

377
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Nas figuras a seguir são apresentadas fotos das pilhas da Samarco, O maciço de rejeitos obtido ao final é uma pilha de material arenoso,
onde duas áreas são preenchidas com pilha drenada. O dreno de na umidade natural, sem risco de ruptura que provoque uma onda
base é implantado no fundo do reservatório e recebe toda a água de lama para jusante.
drenada dos rejeitos, que devem ter suas características de drena-
bilidade bem estudadas previamente no projeto.

Figura 1 - Empilhamento drenado após drenagem Figura 2 - Aspecto do rejeito após a drenagem

Figura 3 - Superfície final do talude da pilha Figura 4 - Correia transportadora implantada sobre a pilha de rejeitos

378
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Em minas de bauxita, os resíduos da lavagem do minério é tam­


bém uma lama com sólidos de granulometria fina, passando na
#400. O Método de Secagem pode também ser aplicado, com
vantagens em relação ao bombeamento convencional de lama.
A solução de projeto depende do comportamento reológico da
lama, pois suas características podem inviabilizar em custo uma so­
lução, devendo a escolha ser feita pela combinação do menor custo
com a viabilidade da secagem com menores densidades.

A disposição com secagem apresenta diferenças em relação ao


método de dry stacking de lama vermelha.

Basicamente, procura-se bombear a lama na máxima densidade


bombeável com bombas centrífugas, procurando-se obter um teor
de sólidos entre 30 e 35% para então ser submetido à evaporação
no reservatório final.

São exemplos deste tipo de disposição os projetos da MRN, em


Porto Trombetas, e da Vale, em Paragominas.

As figuras e as fotos a seguir mostram as características de seca-


gem das lamas da MRN e Paragominas.

Figura 5 - Vista geral da pilha a jusante da barragem

Figura 6 - Lançamento de lama de bauxita no reservatório

3.2.2. Disposição de rejeitos finos com secagem

O método de disposição chamado de dry stacking é antigo e


muito utilizado pelas empresas de alumínio para disposição
econômica de rejeitos de resíduo de produção de alumina (red mud).

Neste método o rejeito fino (em geral de granulometria passando


na peneira 400) é adensado em espessadores até teores de sóli­
dos elevados, acima de 50%, e bombeado para um reservatório
onde sua superfície é exposta à evaporação com o teor de sólidos
crescendo até valores da ordem de 80%.
379
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 7 - Lama lançada, em processo inicial de secagem Figura 8 - Lama em estágio final de secagem

Figura 9 - Aterro construído sobre lama após a secagem Figura 10 - Teste piloto de secagem

4. Algumas barragens de rejeitos representativas


Apresenta-se aqui um resumo das informações de duas dessas ção apresentada é do sistema em sua configuração atual. A segunda
barragens: uma que pode ser considerada como o primeiro siste­ barragem aqui apresentada é a barragem do Germano, da Samarco,
ma de rejeitos implantado no Brasil, em 1944, na Mina de Morro no município de Mariana, a qual contém a barragem de rejeitos
Velho (Mina do Queiroz), em Nova Lima, Minas Gerais. A descri­ mais alta do Brasil, atualmente com cerca de 175,0 m de altura.

380
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

4.1 Mina do Queiroz - Nova Lima - MG - Anglo


Gold Ashanti
Este item foi redigido pelo engenheiro Murilo Amorim Costa
e gentilmente cedido pela Anglo Gold Ashanti. Os dados aqui
apresentados têm como base os documentos mencionados nas
referências desta publicação [Ref. 4 a 8].

Localização e acessos

A Anglogold Ashanti Córrego do Sítio Mineração (AGACSM) ope­


ra algumas minas e plantas metalúrgicas para beneficiamento de
minério aurífero na região de Minas Gerais e Goiás. Em particular
aqui, será abordado o tratamento na planta industrial do Queiroz,
principal unidade em operação no Brasil (Figura 11). Figura 11 - Sistema de disposição de rejeitos – foto aérea das instalações

A planta industrial do Queiroz está situada no Município de Nova A planta metalúrgica do Queiroz possui uma área
Lima - MG, próximo à divisa com o Município de Raposos, em útil de 480.000 m2, incluindo, além da planta de
região da bacia hidrográfica do Córrego do Queiroz, afluente do beneficiamento industrial propriamente dita, três
Rio das Velhas (Figura 12), na região do chamado Quadrilátero barragens e seis valas para disposição de rejei­
Ferrífero de Minas Gerais. tos. O acesso ao empreendimento, partindo-se
de Belo Horizonte, pode ser feito pela rodovia
MG-030, que liga Nova Lima a Belo Horizonte
a uma distância aproximada de 30 km.

A planta possui duplo circuito, denominado Cuia­


bá - Raposos, alimentado pelo minério sulfetado
da Mina de Cuiabá, transportado por meio de um
teleférico com 15 km de extensão e capacidade no­
minal instalada de 830.000 toneladas de minério por
ano. O concentrado do minério da Mina de Cuiabá,
através das etapas de ustulação (que corresponde à

Figura 12 – Localização da planta industrial


do Queiroz (AngloGold Ashanti)

381
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

oxidação ou queima do minério na presença de oxigênio e tempera­ deposição previu uma sequência de lançamentos com os conse-
tura elevada) e a hidrometalurgia (responsável pela extração do ouro quentes alteamentos dos maciços, a saber:
contido no minério). O produto final obtido são os metais ouro
e prata, e o ácido sulfúrico. A produção média mensal (2010) é de - Barragem de Cocuruto - capacidade total de ~4 x 106 m3
800 kg de ouro, 60 kg de prata e 17.500 toneladas de ácido sul­ - Barragem de Rapaunha - capacidade total de 17 x 106 m3
fúrico. O circuito Raposos é alimentado por minérios não-sulfe­ - Barragem de Calcinados - capacidade de 12 x 106 m3
tados extraídos de minas menores do entorno de Nova Lima e - Barragem de Queiroz - capacidade total de 12 milhões de m³.
está atualmente paralisado.
No momento atual, encontram-se sob utilização os reservatórios
No circuito de Cuiabá, para a recuperação do ouro no processo das barragens de Rapaunha e Calcinados. No futuro, exaurida a
industrial, foi necessário introduzir a tecnologia de ustulação. Uma capacidade de deposição na barragem de Rapaunha, virá a ser pro­
vez que o processo de ustulação retém os gases de SO2, foi via­ movido o alteamento da barragem de Cocuruto, o que dará vez à
bilizada a construção de uma fábrica de ácido sulfúrico. Parte do chamada barragem do Queiroz, o que irá capacitar aquele reservatório
material resultante da ustulação volta para receber o processo a um incremento de deposição de cerca de 12 x 106 m3.
de cianetação, e os resíduos são encaminhados para barragem
de Calcinados e valas de lama arsenical. A partir do ano de 1995, foram sistematicamente instituídos pro­
cedimentos de gerenciamento das atividades de operação e moni­
Histórico toração das barragens de rejeitos integrantes do sistema, inserindo
nestes a criação de uma equipe permanente de fiscalização e controle.
A AGACSM mantém, desde o ano provável de 1944, um sistema
de deposição de seus rejeitos industriais na região do vale do Queiroz. Descrição do sistema

Inicialmente, constava este de uma barragem interposta ao vale O sistema de deposição de rejeitos industriais processados pela An­
do Queiroz, à altura do antigo bairro do Galo, em Nova Lima, gloGold Ashanti Brasil Mineração na sua Instalação de Beneficia­
(denominada Barragem de Queiroz) a qual assegurou a deposi­ mento localizada no Queiroz é contido em 03 reservatórios e mais
ção dos rejeitos da Empresa até meados do ano de 1954, com a um sistema de valas fechadas, todos eles localizados no vale do
acumulação, neste período, de cerca de 2,5 x 106 m3. Queiroz, que se situa na mesma bacia hidrográfica da planta in­
dustrial do Queiroz. A operação deste sistema foi iniciada no
A partir de 1981, este sistema foi ampliado com a construção de ano de 1944, com a primitiva barragem ali existente. Hoje con­
mais duas barragens, denominadas Rapaunha e Cocuruto, que templa as seguintes unidades: barragem de rejeitos de Cocuruto,
passaram a operar no final do ano de 1982, além de uma outra, de Rapaunha, de Calcinados e o conjunto de valas de deposição
a barragem de rejeitos Calcinados, construída em 1986, de for­ de arsenato férrico (lama de gesso).
ma a adequar o sistema às necessidades decorrentes da expansão
da Empresa (Projeto Cuiabá/ Raposos). O rejeito gerado no processo de beneficiamento do minério é
conduzido para tanques na unidade industrial e então bombeado
Essas barragens, de um modo geral, foram concebidas de forma para as barragens por meio de tubulações em PEAD ou aço car­
a serem alteadas à medida em que venha a ocorrer a ocupação do bono, suportadas por estruturas metálicas por um caminhamento
seu reservatório pelos rejeitos lançados: para isso, o programa de sempre em nível ascendente.

382
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Na barragem do Rapaunha, que abriga os rejeitos inertes, esses entrada em operação da planta metalúrgica de Cuiabá, o aporte
são lançados na posição mais a montante possível, de tal ma­ de rejeitos foi interrompido.
neira que a formação da praia ocorra de montante para o barra­
mento, onde está posicionado o lago e o sistema de recirculação A barragem de rejeitos de Rapaunha situa-se no vale Queiroz, e foi
de água para aproveitamento nas operações industriais. concebida para que sua construção ocorresse em fases, de acordo
com a necessidade de enchimento do reservatório. A capacidade
Na barragem de Calcinados, que abriga rejeitos não inertes, esses total de deposição em seu reservatório é de cerca de 17 milhões
são lançados por meio de espigotes posicionados sobre o barra­ de toneladas de rejeitos, aproximadamente 10 milhões de metros
mento, formando a partir daí a praia. Na posição a montante e mais cúbicos, dos quais 5 milhões encontram-se ocupados por rejeitos
próximo da ombreira esquerda, um lago protegido por dique depositados no período de 1986 até a presente data.
é formado e o sobrenadante é bombeado para uma estação de
tratamento de efluentes. Sua elevação de crista encontra-se na cota 856,50 m (topo do muro
de concreto, posicionado sobre a crista da barragem) e o nível d’água
A barragem do Cocuruto, no momento, não recebe rejeitos por estar do reservatório na elevação 853,50 m. O final de sua vida útil está
com sua capacidade volumétrica tomada. Quando de sua operação, previsto para se dar até o ano de 2025, mantidas as taxas de produ­
os rejeitos eram conduzidos por gravidade por meio de canaletas ção previstas até o momento. Após esse período, prevê-se disponi-
construídas em concreto e lançadas tal como em Rapaunha na bilizar a barragem do Queiroz, como abordado anteriormente.
posição mais a montante possível.
4.1.2 Barragem do Cocuruto
4.1.1 Barragem do Rapaunha
A barragem de Cocuruto, que consiste em um alteamento da
A barragem de rejeitos de Rapaunha, construída a montante e antiga barragem da MMV, que veio a operar até o ano de 1957,
simultaneamente com a barragem de Cocuruto, encontra-se no teve sua construção e início de operação em meados de 1983,
momento sem receber aporte de rejeitos, servindo apenas como havendo sido utilizada até o final do ano de 1985, quando teve
reservatório de água para suprimento à planta metalúrgica. Desde a esgotada a sua capacidade adicional do alteamento, sendo que

Figura 13 - Seção esquemática


da barragem do Rapaunha

383
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

a disposição desses rejeitos passou a ser feita no reservatório da Figura 14 - Seção da barragem do Cocuruto
barragem Rapaunha.

A barragem do Cocuruto tem previsão de alteamento no futu­


ro, a partir de quando terá sua capacidade acrescida em aproxi­
madamente 12 milhões de metros cúbicos, em conseqüência da
elevação de sua crista em mais 20 m.

4.1.3 Barragem de Calcinados


Figura 15 - Seção da barragem de Calcinados
A barragem de Calcinados foi construída em 1986, passando a operar
desde então, destinando-se aos depósitos de rejeitos calcinados pro­
cessados na planta do Queiroz. Esta barragem não descarta efluen­
tes para jusante, contendo para isso dispositivos especiais que lhe
asseguram a operação em regime de “circuito-fechado”, mantendo
bombeamentos dos fluxos internos e do excedente da fração líquida
do reservatório de retorno para a planta industrial.

O maciço original foi construído de um núcleo de aterro argiloso


compactado, tendo sua crista situada na cota 830 m. A cons­
Os filitos apresentam-se alterados, por vezes na forma de solo re­
trução do maciço ciclonado, utilizando como material de cons­
sidual resistente, competentes para garantir a estabilidade das fun­
trução o underflow da ciclonagem dos rejeitos gerados na Planta
ocorreu por meio do método construtivo centerlining (linha-de- dações das barragens de terra, apresentandobons parâmetros de
centro) até atingir a cota 846 m. A partir desta elevação, os alte­ resistência à penetração.
amentos passaram a ser realizados por jusante, utilizando para
o alteamento material ciclonado do rejeito originário do circuito Os filitos se apresentam menos alterados na ombreira esquerda
de Raposos e do Rejeito da Flotação. O alteamento da barra­ e na região de descarga das vazões.
gem de Calcinados, de acordo com as condições de projeto,
ocorreu até a cota 860 m. A área da bacia de deposição de rejeitos é caracterizada pela ocor­
rência da série Rio das Velhas, com predominância de rochas do
Geologia e Fundação Grupo Nova Lima. Esse grupo é representado principalmente por
xistos e filitos metassedimentares e metavulcanicos e, secundaria­
O maciço de fundações, excetuado seu recobrimento coluvionar e mente, por Formação Ferrífera laminada e conglomerado de matriz
horizontes superficiais mais alterados, é relativamente homogêneo, xística, na forma de camadas descontínuas ou lentes de médio
embora anisotrópico devido à xistosidade. porte. O pacote estratigráfico do Grupo Nova Lima é local­
mente cortado por diques metadiabásicos e veios de quartzo
Quanto às propriedades hidráulicas do solo da fundação, o mesmo de espessura métrica, caracterizados geomorfologicamente por
apresentabaixas permeabilidades, da ordem de 10-5 cm/s, devido à cristas ou cordões realçados na topografia, graças a sua maior
presença de siltes micáceos. resistência aos processos de erosão e denudação.

384
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

A área é recoberta por espesso manto de intemperismo, pro­ consistência média a rija, apresentando índice de resistência à pe­
veniente da alteração dos xistos metassedimentares. O perfil netração crescente com a profundidade, até a superfície da rocha
típico do manto de intemperismo apresenta, a partir da super­ alterada. O coeficiente de permeabilidade é da ordem de 10-5 cm/s.
fície, uma camada de argila pouco arenosa, amarela ou mar­
rom, pouco espessa, de consistência mole, uma camada de Monitoramento e controle do sistema
silte argiloso vermelho, pouco consistente, com espessura de
poucos metros; uma camada de silte arenoso, pouco compac­ O monitoramento e o controle do sistema de contenção de rejeitos
to, geralmente róseo; uma camada de xisto alterado, compacto, são realizados na seguinte seqüência:
com coloração variegada (rosa, vermelho, marrom, amarelo); e fi­
a) Inspeções periódicas de campo, onde são feitas observações
nalmente o xisto são, com coloração esverdeada. A estrutura mais
superficiais nas várias estruturas que constituem o sistema de con­
marcante dos xistos é a foliação, representada pelos seus planos
tenção de rejeitos;
de xistosidade, que assumem localmente direção variando de
N10 a N30, com mergulhos acentuados para SE. b) Leituras sistemáticas dos instrumentos;

c) Avaliação das condições de funcionamento e/ou de segurança


A margem direita do vale apresenta inclinação média, da ordem
da estrutura, feita com base nas inspeções periódicas, nas leituras
de 11º, sendo coberta por manto de intemperismo de espessu­
dos instrumentos, na utilização de ferramentas auxiliares como
ra de 15 a 25 metros. O perfil do subsolo apresenta basicamente
as ”cartas de risco”, entre outras, no conhecimento teórico e na
uma camada superficial de argila siltosa mole, marrom ou amarela,
experiência acumulada tanto com as atuais estruturas quanto
com espessura média de 2 metros. Sobrejacente ao solo residual
com estruturas semelhantes;
de xisto, constituído inicialmente por uma camada de silte argiloso
de consistência média, sem estrutura preservada, passando gra­ d) Aplicação de medidas de controle, quando for o caso.
dativamente a rijo e duro com xistosidade preservada, sendo que
o índice de resistência à penetração SPT cresce com a profundida­ As estruturas seguintes são objeto de monitoramento e controle.
de, até ser alcançado o impenetrável, representado pela superfície
Cada uma delas é abordada de forma conveniente, em destacado,
de rocha alterada.
na sequência do Manual de Operação:

A calha do rio apresenta material impenetrável a percussão em Barragens de rejeitos;


profundidades de 5 a 15 metros – xisto alterado. Sobre esse ma­ Vertedouro de emergência;
terial, ocorrem solos silto argilosos de consistência rija a média,
aparecendo ainda uma camada superficial descontínua de argila sil­ Tubulação de rejeitos;
tosa mole. De uma maneira geral, o coeficiente de permeabilidade Bombas flutuantes;
dos solos varia de 3 x 10-5 cm/s a 2 x 10-4 cm/s.
Tubulação de recirculação de água;

A margem esquerda apresenta inclinação acentuada, com trechos Estação de tratamento de efluentes;
bastante íngremes. Existe uma camada superficial de argila, que Corta-rio;
se apresenta descontínua em face de escavações anteriormente re­
Sistema de coleta e bombeamento de água percolada;
alizadas na área, com espessura média de 2 m. Sob essa camada,
ocorrem solos residuais de xisto, constituídos de silte argiloso de Reservatórios das barragens.

385
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

O monitoramento da segurança da barragem é feito utilizando-se Diante das dificuldades de detecção de problemas pela simples
dos seguintes tipos de instrumentos: inspeção visual, foi preparada uma carta de risco, para avaliação
do potencial de ruptura, seja por erosão interna, cisalhamento
Marcos superficiais;
ou galgamento.
Medidor de vazão;

Régua graduada e pluviômetro; A figura 16 apresenta a localização dos pontos de monitora-


mento ambiental.
Piezômetros e medidores de nível d’água.

Sistema de vertimento
Com as informações obtidas nas inspeções periódicas e na leitura
dos instrumentos pode-se então avaliar a segurança da barragem
O sistema de disposição de rejeitos do Queiroz, constituído
para as condições de ruptura por erosão interna, cisalhamento
pelas três barragens e mais seis valas de lama, tem seu sistema
ou galgamento.
extravasor, conforme adiante descrito:

Figura 16 - Pontos de monitoramento ambiental

386
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Barragem de Calcinados Barragem do Cocuruto

É uma barragem em circuito fechado, não havendo, portanto, ver­ O barramento é dotado de um vertedouro tipo poço, com ori­
timento de seu reservatório. A água acumulada no reservatório é fícios verticais duplos com dimensões iguais a 2,0 m x 1,3 m e
encaminhada ao sistema de tratamento de efluentes por meio de bom- soleira na elevação 802,00 m. Muito embora haja outros orifícios
beamento e posteriormente conduzida à barragem do Rapaunha. inferiores a esta elevação, estes encontram-se selados por stop-logs
em virtude do avanço de rejeitos.
O fluxo oriundo das águas de percolação, seja pelas fundações,
seja pelo maciço, é captado a jusante em poço e bombeado para o A torre do vertedor acopla-se a uma galeria em concreto arma­
reservatório. do, com seção transversal igual a 2,40 m x 1,20 m e declividade
igual a 2,5%, que atravessa o maciço e liga-se a uma tubulação
Barragem do Rapaunha em aço, com diâmetro igual a 1,80 m e declividade igual a 22%,
responsável por lançar os vertimentos no córrego do Queiroz
Esta barragem possui a missão de armazenar rejeitos e água para a jusante da barragem.
uso na planta metalúrgica e utiliza um vertedouro tipo poço, em
seção retangular com base igual a 1,20 m e altura igual a 1,50 m, 4.1.4. Valas de lama
construído na ombreira esquerda da barragem.
As valas de lama não possuem sistema de vertimento, apenas drena­
À medida que são dispostos rejeitos no interior do reservatório, gem interna, que é direcionada para jusante para um poço, onde os
vão sendo adicionadas placas de concreto na torre de captação fluxos são coletados e bombeados para a estação de tratamento
dessa estrutura para evitar o vertimento de rejeitos. Como foi de efluentes.
construído contemplando o arranjo inicial, o vertedouro permite
operação até quando o nível do rejeito atingir a elevação 859,0 m, Ficha Técnica
garantindo uma borda livre igual a 3,0 m, suficiente para amor­ Plano de Fechamento
tecimento de uma PMP (Precipitação Máxima Provável), sendo
que está prevista a construção de outro vertedouro de superfície, Com vistas no futuro, foi elaborado um plano de fechamen­
para o fechamento da barragem. to para a Planta Metalúrgica do Queiroz, incluindo o sistema de
disposição de rejeitos.

Tabela 3 – Ficha Técnica das Barragens Rapaunha, Calcinados e Cocoruto

Barragem Status Volume m3 Área km2 Construção Altura m FS Drenagem Classe

Rapaunha Operação 12 x106 1,60 Aterro compactado 50,50 1, 592 Filtro vertical e tapete III

Calcinados Operação 4 x 106 0,60 Rejeito ciclonado 52 1, 628 Tapete III

Cocuruto Fechada 4,9 x 106 4,55 Aterro compactado 41 1, 560 Filtro inclinado e tapete III

FS = Fator de segurança
387
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Esse plano de fechamento é revisado periodicamente, para ade­ Na Samarco, o reaproveitamento da água utilizada no processo de
quação da dinâmica das operações e atendimento às novas leis beneficiamento do minério de ferro é realizado através de um sistema
ambientais que venham a ser aprovadas. de recirculação com captação no reservatório da barragem do San­
tarém, que está localizada a jusante dos reservatórios do Germano
Esse plano de fechamento atende também o disposto no Código e do Fundão. Além da função de reservação de água, a barragem
Internacional de Cianeto, aos sistemas de certificações obtidos e do Santarém tem como finalidade a contenção dos sedimentos
implementados pela empresa. provenientes destes reservatórios, localizados a montante.

A seguir estão apresentadas as informações do sistema do Ger­


4.2 Sistema de Disposição de Rejeitos do Germano
mano, com base nos documentos mencionados no item 6 deste
Samarco Mineração S.A
capítulo [Ref. 9 a 11].

Introdução
Localização do sistema
A Samarco Mineração S.A é uma empresa brasileira de mineração que
O reservatório do Germano é formado pela barragem prin­
extrai minério de ferro das frentes de lavra do complexo de Alegria, na
cipal, que fecha o vale no lado extremo leste, e pelos diques
Unidade Germano, em Mariana - MG. A empresa realiza lavra a céu
da Sela, Tulipa e Selinha, posicionados sobre três antigas selas
aberto por meio de equipamentos móveis e por correias de banca­
da, alimentando um sistema de correias transportadoras de longa
distância, que levam o minério para a planta de beneficiamento.

A partir do processo de beneficiamento do minério de ferro, ex­


traído pela Samarco, são gerados dois tipos de rejeitos com ca­
racterísticas bastante distintas: um rejeito mais fino, denominado
lama e um rejeito com granulometria mais grosseira, denominado
rejeito arenoso.

Com o início de operação da segunda unidade de beneficiamento


(Planta II) da Samarco, no final de 2008, houve um aumento na
geração de rejeitos. Esse fato, somado à proximidade do final da
vida útil do Reservatório do Germano, fez surgir a necessidade de
um novo local para a disposição dos rejeitos gerados pelas duas
unidades de beneficiamento (Planta I e Planta II).

Neste contexto surge o Sistema de Rejeitos do Fundão, como


uma nova área para a disposição dos rejeitos granulares (arenosos)
e finos (lamas), gerados pelas Plantas I e II, em um horizonte de
operação de aproximadamente 9 anos. Este sistema não faz parte
da presente descrição.
Figura 17 – Mapa com a localização da Unidade Operacional Germano
388
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

topográficas na margem nordeste do reservatório. O dique Auxiliar atravessa o reser­ montante, com uma camada de transição entre o
vatório do Germano, separando uma área do reservatório a montante e servindo de núcleo e o enrocamento. Este dique foi construído
estrada de acesso para o lado norte. com crista na elevação 849,5 m e altura máxima
igual a 70 m. A partir daí, foram realizados altea­
A Figura 18 ilustra a configuração das estruturas, no sistema do Germano. mentos sucessivos para montante, na medida em
que se elevava o nível de rejeitos arenosos, lançados
no interior do seu reservatório. Os alteamentos
foram realizados através de diques de aterro com­
pactado com altura variável entre 4 e 6 metros,
até ser atingida a elevação 886 m.

A partir de 1993 o alteamento da barragem


principal, por diques a montante junto à crista
do estágio anterior, passou a ficar inviável por
razões de estabilidade da barragem. Com o ob­
jetivo de garantir a continuidade do lançamento
dos rejeitos no reservatório, sem comprometer a
estabilidade da barragem, os alteamentos sub­
sequentes foram executados com afastamento
entre 60 e 100 metros para montante da crista
existente na elevação 886 m. A crista da barragem
alcançou a elevação 899 m com aproximada-
Figura 18 - Vista geral do sistema de disposição de rejeitos da Samarco
mente 120 metros de altura.
O reservatório do Germano foi formado a partir da construção da barragem Princi­
pal do Germano, em 1976. A mesma entrou em operação em 1977, com a finalidade A partir daí, o empilhamento drenado de rejeitos
de receber os rejeitos, finos e granulares, provenientes da planta de beneficiamento arenosos, a jusante da barragem do Germano, foi
de minério de ferro. a alternativa adotada para postergar a implantação
de uma nova área de disposição de rejeitos e me­
Posteriormente, com a subida do nível de rejeitos no interior do reservatório do lhorar as condições de estabilidade da barragem
Germano, foi necessária a construção dos diques da Sela, Tulipa e Selinha para o principal, visando a situação de fechamento.
fechamento das três selas topográficas existentes na região nordeste do reservatório.
O empilhamento de rejeitos a jusante da barra­
4.2.1 Barragem principal e empilhamento a jusante gem principal teve início a partir de um dique de
partida, construído com aterro compactado, com
Generalidades inclinação dos taludes igual a 1V:1,5H e crista na
cota 790 m, com o ponto mais baixo das funda­
A implantação da barragem do Germano foi iniciada com a construção de um dique ções na elevação 745,0 m. O sistema de drena­
de partida de enrocamento, impermeabilizado por um núcleo de material argiloso a gem interna deste dique de partida consistia em

389
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

um filtro inclinado no talude de montante e Com este sistema de drenagem interna, o maciço de rejeitos é drenado constituindo-se,
na crista do dique, composto por camadas de portanto, em um maciço não saturado estável e de baixo potencial de dano.
oversize fino e grosso, blocos passados em gre­
lha e blocos de maior dimensão. O talude de O reservatório da barragem do Germano unificará com o reservatório da barragem do
jusante foi protegido com blocos. Fundão na cota 920,0 m. Considerando a cota de fundação, em seu ponto mais baixo,
a altura total atual é de 175,0 m.
A partir da construção deste dique de partida
foram feitos alteamentos consecutivos para O sistema de drenagem superficial é constituído por uma escada de descida d’água,
montante, a cada 5 m de altura. O núcleo dos posicionada na ombreira esquerda, disposta perpendicularmente às canaletas lon­
diques é constituído por rejeito arenoso, pro­ gitudinais das bermas. O sistema será expandido à medida que os alteamentos
tegido na face de jusante por solo argiloso forem sendo implantados
compactado Os taludes de jusante possuem
inclinação igual a 1V:2H com um talude médio Na figura 19 está apresentada uma seção típica da barragem principal do Germano
global igual a 1V:3H. incluindo o empilhamento de rejeitos a jusante.

O sistema de drenagem interna do empilhamen­


to consiste, além do dreno do dique de partida,
de um dreno situado no fundo do vale, desde
o dique de partida do empilhamento até o offset
de jusante da barragem do Germano. No contato
dos rejeitos do reservatório da Pilha a Jusante
com o talude de jusante da barragem prin­
cipal do Germano há um dreno interligado
ao dreno de fundo.

Figura 19 – Seção transversal


típica da barragem principal
do Germano com o
empilhamento a jusante

Figura 20 – Foto de estrutura construída


sobre o empilhamento drenado

390
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Ficha Técnica Na barragem principal do Germano foram instalados 14 piezôme­


tros do tipo Casagrande, localizados no patamar da cota 886,0 m
Na Tabela 4 estão apresentadas as principais características da bar- e nas bermas do talude de jusante.
ragem principal do Germano.
Na pilha a jusante do Germano, foram instalados 6 piezômetros
Tabela 4 – Características da Barragem do Germano do tipo Casagrande.
(maio/2008)
Os piezômetros instalados na pilha de jusante indicam leitu­
Dados gerais ras com poropressões nulas, comprovando a boa drenagem do
Finalidade Contenção de rejeitos maciço de rejeitos.

Empresas Projetistas Bechtel / Pimenta de Ávila Consultoria 4.2.2 Dique da Sela e Dique da Tulipa
Etapa Construtiva Atual
Devido à existência de duas selas topográficas na margem norte do re­
Data Conclusão -
servatório do Germano, foi necessária a construção de dois diques,
Cota Atual da Crista 919,0 m denominados dique da Sela e dique da Tulipa, para possibilitar a
Altura Atual do Maciço 169,00 m continuidade do lançamento de rejeitos no interior do reservatório.

Comprimento Atual da Crista 300,0 m


À medida que o nível de rejeitos dentro do reservatório do Germa­
Sistema Extravasor Tipo tulipa com galeria de descarga no foi sendo elevado foram necessários vários alteamentos, tanto
(localizado adjacente ao dique da Tulipa) do dique da Sela, quanto do dique da Tulipa.

Geologia e fundações Devido ao início de operação da segunda planta de beneficia­


mento de minério de ferro da Samarco e o conseqüente aumento
A fundação da barragem principal do Germano é composta por fili­ na geração de rejeitos, foram necessários novos alteamentos dos
to são, nas porções inferiores das ombreiras esquerda e direita e em diques da Sela e da Tulipa.
todo o fundo do vale. A parte superior das ombreiras é formada por
filito decomposto. Os maciços, em geral são constituídos em seção mista, com uti­
lização de uma zona impermeável em aterro argiloso compacta­
Em toda a região de fundação da barragem foi removida a camada do, funcionando como núcleo, e uma zona em enrocamento no
superficial de material orgânico. Na região do fundo do córrego espaldar de jusante.
foram removidos blocos de rocha, matacões, areia e cascalho.
No final de 2010, os dois diques foram alteados pelo método de mon­
Monitoramento tante, com crista na El.913,0 m.

O monitoramento da barragem principal do Germano consiste Os materiais de construção disponíveis para a implantação dos
na leitura dos piezômetros instalados. A frequência das leituras é maciços de alteamento dos dois diques conduziram a uma geo­
mensal, sendo alterada para cada 15 dias em caso de anomalias. metria em blocos sujos com uma faixa de material argiloso im­

391
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

permeabilizante a montante. Na fundação do Tabela 5 – Características do Dique da Sela


alteamento dos dois diques foi implantada uma
base constituída de blocos sujos, apenas para dar Dados gerais
suporte ao alteamento. Finalidade Contenção de rejeitos

Ficha Técnica Empresas Projetistas Figueiredo Ferraz / Pimenta de Ávila Consultoria

Etapa Construtiva Atual Alteamento para El.913,0 m concluído


Nas Tabelas 5 e 6 estão apresentadas as princi­
pais características do dique da Sela e do dique da Data Conclusão Março de 2011
Tulipa, respectivamente.
Cota Atual da Crista 913,0 m

Monitoramento Altura Atual do Maciço 41,0 m

Comprimento Atual da Crista 450,0 m


No dique de Sela estão instalados 3 piezômetros de
Casagrande e 3 indicadores de nível de água. No
dique da Tulipa estão instalados 3 piezômetros de
Casagrande e 3 indicadores de nível de água.
Tabela 6 – Características do Dique da Tulipa
Sistema extravasor Dados gerais

As condições de amortecimento das cheias, no reserva­ Finalidade Contenção de rejeitos


tório do Germano, supõe a distribuição dos deflúvios
Empresas Projetistas Figueiredo Ferraz / Pimenta de Ávila Consultoria
nas várias sub-áreas, controladas por soleiras vertentes
situadas nas seguintes posições: Etapa Construtiva Atual Alteamento para El.913,0 m concluído

Data Conclusão Março de 2011


a)- no local do antigo túnel bala, a sul do reservatório
do dique auxiliar; Cota Atual da Crista 913,0 m
b)- na extremidade de jusante da Baia 3, em soleira
Altura Atual do Maciço 23,0 m
construída sobre a encosta rochosa;
c)- na área imediatamente a montante da tulipa. Comprimento Atual da Crista 375,0 m

O sistema extravasor construído na ocasião do alte­


amento para El.910,0 m dos diques da Sela e Tulipa
é composto por uma galeria ligeiramente inclinada 4.2.3 Dique da Selinha
associada a uma torre vertical, ambos em concre­
to celular pré-fabricado PÁDUA e um trecho de Na região sudeste do reservatório do Germano, na confluência do acesso ao Empi­
galeria em concreto armado, conectada a um canal lhamento de Rejeitos Granulares de Germano Jusante e do acesso à mina de Fábri­
rápido e uma bacia de dissipação à jusante deste. ca Nova (Vale), foi verificada a existência de uma nova sela topográfica, com cota

392
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

de topo posicionada na elevação 901,0 m. Dessa forma tornou-se necessário im­ Monitoramento
plantar um dique de sela nesta região, denominado dique da Selinha, simultanea- No dique da Selinha estão instalados 4 piezômetros
mente aos alteamentos a serem implantados nos diques da Sela e da Tulipa. de Casagrande e 5 indicadores de nível de água.

O dique da Selinha foi construído utilizando uma seção composta por aterro 4.2.4 Dique Auxiliar
compactado de material argiloso proveniente da pilha de estéril da Vale, em Fá­
brica Nova. O sistema de drenagem interna é composto por tapete horizontal O dique Auxiliar foi implantado, inicialmente para se­
de areia, de aproximadamente 1,0 m de espessura, e filtro vertical de areia. parar as lamas dos rejeitos arenosos, retendo as lamas
na área de montante do reservatório do Germano e
No final de 2010 a crista do dique da Selinha foi alteada pelo método de montan- ficando o restante do reservatório para a descarga, atra­
te para a El.913,0 m. vés de tubulação, dos rejeitos da flotação em célula. Ao
longo do tempo, o lançamento simultâneo de lamas e
Os materiais de construção disponíveis para a implantação do maciço de altea­ rejeitos arenosos, em ambos os lados do dique auxiliar,
mento do dique conduziu a uma geometria com utilização de uma faixa imper­ resultou em uma estrutura submersa tanto a montante
meável de material argiloso a montante e em blocos sujos no espaldar de jusante. como a jusante, sendo alteada sucessivamente.
Na fundação do alteamento do dique foi implantada uma base constituída de
blocos sujos, apenas como suporte ao alteamento. A jusante do dique foi im­ Atualmente a cota da crista do dique Auxiliar está
plantada uma berma de blocos sujos afim dar estabilidade à estrutura alteada. na elevação 917,50 m. Para o estabelecimento de
A drenagem interna do dique foi prolongada nesse trecho. uma borda livre, foi executado um alteamento emer­
gencial de 0,50 m em julho de 2010, sendo utiliza­
Ficha técnica do laterita na sua construção. O dique não possui
sistema de drenagem interna.
Na Tabela 7 estão apresentadas as principais características do dique da Selinha.
Ficha Técnica

A Tabela 8 apresenta as características gerais do


Tabela 7 – Características do Dique da Selinha dique Auxiliar.

Dados gerais Monitoramento


Finalidade Contenção de lama
Atualmente, encontram-se instalados e funcionando
Empresas Projetistas Pimenta de Ávila Consultoria corretamente 3 indicadores de nível d’água.
Etapa Construtiva Atual Alteamento para El.913,0 m concluído
Extravasor
Cota Atual da Crista 913,0 m
Até dezembro de 2010 o dique Auxiliar possuía um
Altura Atual do Maciço 23,0 m
sistema extravasor composto por três tubos ARMCO’s
Comprimento Atual da Crista 135,0 m (Ø 1,50 m), que conectam o reservatório do dique
Auxiliar ao reservatório do dique da Sela/Tulipa.
393
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Tabela 8 – Características do Dique Auxiliar material proveniente da erosão das suas paredes, sendo desenvolvido
um projeto de recuperação. Esse projeto de recuperação foi divido
Dados gerais em duas partes, denominadas de primeira e segunda fase.
Finalidade Contenção de rejeitos
O material assoreado funcionou como a fundação da pilha de re­
Empresas Projetistas Figueiredo Ferraz /
jeitos na primeira fase de recuperação da cava. Como a fundação é
Pimenta de Ávila Consultoria
em solo, tanto o dique quanto o tapete possuem camadas de transição
Etapa Construtiva Atual Alteamento para El.917,5 m concluído fina junto a fundação da pilha.
Cota Atual da Crista 917,50 m
Altura Atual do Maciço 37,50 m O dique de partida e o tapete drenante são os principais dispositivos
Comprimento Atual da Crista 820,0 m de drenagem interna da pilha de primeira fase. A cota de crista do
dique foi projetada na elevação 950,00 m e o tapete drenante com
Sistema Extravasor 3 tubos ARMCO’s Ø 1,50 m e 4 tubos
30,00 m de extensão e para montante, com o objetivo de manter
ARMCO’s Ø 1,00 m a linha de saturação afastada do talude externo da pilha.

Recentemente, foram instalados mais quatro ARMCO’s (Ø 1,00 m) Em 2006 iniciou-se o empilhamento de rejeito arenoso da segunda fase
com o intuito de melhorar a eficiência de extravasão desse reserva­ da Cava do Germano, dando continuidade ao projeto de reabilitação
tório. Além disso, vislumbra-se a possibilidade de implantação de dessa área degradada.
um canal trapezoidal em enrocamento, com base menor de 5,0 m,
taludes 1V:1H e 2,50 m de altura em substituição aos três tubos
A pilha de rejeito atingirá a elevação 1.100 m, com superfície da funda­
ARMCO’s (Ø 1,50 m).
ção na elevação 945,00 m. A crista do dique de partida foi posicionada
na elevação 955,00 m e os diques de alteamento da pilha, alteados
4.2.5 Cava do Germano
para montante, foram projetados com suas bermas com declividade
A Cava do Germano é uma antiga área de lavra, exaurida no final da de 2% para sul, com taludes de 5,00 m de altura, 5,00 m de largura
da crista e uma inclinação média de 1V:3H.
década de 80. A partir dessa época a cava passou a ser assoreada pelo

Figura 22 – Seção transversal típica da Cava do Germano

Figura 21 – Vista da Cava do Germano

394
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

O sistema de drenagem interna é constituído de tapete drenan­


te associado a drenos de fundo e por um dique de partida com
Referências
paramento de montante drenante.O sistema de drenagem su­ 1- Azevedo, U. R. Patrimônio Geológico e Geoconservação no
perficial do talude de jusante da pilha é composto por canaletas Quadrilátero Ferrífero, Minas Gerais; Potencial Para Criação de
e escadas em concreto estrutural. Um Geoparque da UNESCO. Tese de Doutorado, UFMG, 2007.

2- Anderson Pires Duarte. Classificação das Barragens de


Ficha técnica
Contenção de Rejeitos de Mineração e de Resíduos Industriais
no Estado de Minas Gerais em Relação ao Potencial de Risco.
As principais informações da Cava do Germano estão apresentadas
UFMG, 2008.
na Tabela 9.
3- UNITED STATES COMMITTEE ON LARGE DAMS –
USCOLD. Tailings Dams Incidents. 2004. 82p.
Tabela 9 – Características da Cava do Germano
Disponível em: http://www.icold.br.
Dados gerais
4- Manual de Operações do Sistema de Rejeitos da Planta Metalúrgica
Finalidade Empilhamento de rejeito arenoso do Queiroz, Revisão ano 2009.
Empresas Projetistas Pimenta de Ávila Consultoria Ltda
5- MMVREPAA- Estudo de Operação dos Reservatórios das Barragens
Etapa Construtiva Atual Alteamento para El.913,0 m concluído
de Calcinados, Rapaunha e Cocuruto da CMEC,
Data Conclusão Março de 2011
Julho /2002.
Cota Atual da Crista 992,0 m
Altura Atual do Maciço 54,0 m 6- RT-039-5133-1310-0007-00-B - Estudos de Descomissionamento
Comprimento Atual da Crista 325,0 m das Barragens de Rejeitos da Área da Planta do Queiroz, da Golder
Associates, de Setembro de 2004.
Sistema Extravasor Tubo flauta conectado a uma galeria
de concreto 7- G3-PR-13-0017/79- Bacia de Acumulação de Rejeitos, Barragem
do Queiroz, Relatório Final de Estudos Geológico-Geotécnicos,
Geotécnica de Maio de 1980.
Monitoramento
8- PI-PR-130005/78- Bacia de Acumulação de Rejeitos, Barragem
O monitoramento na Cava é realizado através de instrumentos insta­ do Queiroz, Programa Preliminar de Estudos Geológico-Geotécnicos,
lados sendo dez piezômetros do tipo Casagrande e dois indicadores da Geotécnica de Novembro de 1978.
de nível de água.
9- Pimenta de Ávila Consultoria. SA-410-LT-22349-00 - Laudo
Sistema extravasor Técnico de Segurança de Barragem – Barragem do Germano.
Setembro de 2010.
O sistema extravasor é composto por tubo flauta acoplado a uma galeria
de concreto posicionada na parede direita da cava (sul). 10- Pimenta de Ávila Consultoria. SA-901-RL-4596-0C – Sistema
de Rejeitos – Rejeito Arenoso – “Manual de Operação da Barragem

Agradecimentos do Germano”. Dezembro de 2003.

11- Pimenta de Ávila Consultoria. SA-410-RL-22801-0C - Avaliação


Agradecemos à Pimenta de Ávila Consultoria Ltda a utilização do Trânsito de Cheias nos Reservatórios da Barragem do Germano –
de informações de seu arquivo técnico e a preparação dos textos Atualização Base Topográfica – Dezembro 2010. Março de 2011.
aqui publicados.
395
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Evolução do
Licenciamento Ambiental
de Barragens no Brasil
Homero André dos Santos Teixeira

Para abordar o tema do licenciamento ambiental de barragens no em larga escala, como suprimento de água, poluição de mares
Brasil, é preciso lançar um olhar histórico sobre a questão do meio e oceanos e ocupação urbana desordenada. Além desses temas,
ambiente como um todo e situá-lo no contexto político do País. foram identificados como prioritários a necessidade de compreensão
e controle das modificações ambientais produzidas pela humani-
As primeiras manifestações de preocupação com o meio ambiente dade nos principais sistemas ecológicos; a necessidade de acelerar
podem ser identificadas na convocação, pela Assembléia Geral da a disseminação de tecnologias ambientalmente amigáveis e de
Organização das Nações Unidas (ONU), em 1968, da Conferência desenvolver tecnologias alternativas àquelas danosas ao meio am-
das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, que veio a biente; a necessidade de somente aceitar a introdução de novas
realizar-se em Estocolmo, em junho de 1972. Dessa Conferência, tecnologias após a avaliação das consequências de sua utilização sobre
participaram representantes de 113 países e de cerca de 250 orga- o ambiente; a necessidade de encorajar a distribuição inter-
nizações não-governamentais e o seu foco de atenção principal foi nacional da capacidade industrial; e a necessidade de prestar
a constatação de que a ação do homem vinha produzindo severa assistência a países em desenvolvimento, de forma a minimizar
degradação da natureza, criando condições de grande risco para a os riscos ambientais de suas estratégias de desenvolvimento. O dia
própria sobrevivência da humanidade. Nesse evento, ficou patente 5 de junho de 1972, quando foi realizada a primeira plenária dessa Con-
a divisão de enfoque entre os representantes de países desenvolvi- ferência, ficou estabelecido como o Dia Mundial do Meio Ambiente.
dos e de países em desenvolvimento. Os primeiros externaram suas
preocupações com os danos impostos ao ambiente pelo modelo O Brasil, em 1972, vivia sob um regime ditatorial, com plena domi-
de desenvolvimento predatório por eles próprios empreendido, ao nância estatal dos investimentos em grandes obras públicas, em que
mesmo tempo em que os demais não queriam que se impusessem se incluíam as barragens, predominantemente com o objetivo de
limitações ao seu próprio desenvolvimento. Como resultados, fo- formação de reservatórios para geração de energia elétrica. O Gover-
ram definidos vários tópicos que requeriam atenção urgente e ações no impunha a sua vontade e, à custa de endividamento externo, uma
significativa quantidade de usinas hidroelétricas teve sua construção
O canal da Piracema de Itaipu, via fluvial para migração de peixes, com cerca de iniciada na década de 70, entre elas, as mais destacadas: usina hidroelé-
10 km de extensão e desnível médio de 120 m, conecta o lago de Itaipu ao rio Paraná trica Itaipu e usina hidroelétrica Tucuruí. Apesar de, àquela época, não
aproveitando em seu trecho inferior o leito natural do rio Bela Vista. Em primeiro haver exigência legal de licenciamento ambiental, as empresas do cha-
plano o lago de Itaipu e a tomada de água do canal, em seguida o canal para peixes
e mais abaixo o lago e a represa. A jusante do lago, mas não visível na foto, foi mado setor elétrico de então (FURNAS, ELETRONORTE, CHESF,
construído o canal de águas bravas, utilizado para competições esportiva desaguando ELETROSUL, do Sistema ELETROBRAS, e as principais geradoras
no rio Bela Vista (foto Caio Francisco Coronel) estaduais como CEMIG, CESP, COPEL e CEEE, além da ITAIPU

397
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

BINACIONAL) já demonstravam alguma consciência da importância criou, em 1976, uma Divisão de Ecologia que passou a concentrar as
do componente ambiental em seus empreendimentos. Esse despertar atividades ligadas ao meio ambiente. Simultaneamente, contratou o
para o meio ambiente foi iniciado pelos problemas de conflitos de ecólogo Robert Goodland, conceituado profissional ligado ao Cary
reassentamentos de populações desalojadas pela formação de reser- Arboretum of the New York Botanical Garden, que já havia prestado con-
vatórios e pela necessidade de compatibilizar a eventual explotação sultoria para FURNAS, CEMIG e ITAIPU, para elaborar um relatório
de recursos minerais em áreas alagáveis antes de sua inundação. diagnóstico da problemática ambiental relativa à implantação
da usina hidroelétrica Tucuruí e recomendar ações para minimizar os
Com o início do aproveitamento de potenciais hidrelétricos na potenciais impactos ambientais identificados. O ecólogo Goodland,
Região Amazônica, o tratamento das questões ligadas aos povos na companhia de profissionais da ELETRONORTE, realizou vá-
indígenas foi, também, abordado. Iniciativas anteriores de preser- rias campanhas de campo na região e apresentou, em setembro de
vação ambiental, ligadas principalmente à qualidade da água e à 1977, o relatório Environmental Assessment of the Tucuruí Hydroelectric
introdução de peixes em reservatórios, bem como o reflorestamento Project, Rio Tocantins, Amazônia (Avaliação ambiental do aproveita-
de suas margens, já eram objeto de ações das empresas do Setor mento hidroelétrico de Tucuruí – Rio Tocantins). A partir desse
Elétrico desde a década de 60. relatório, a ELETRONORTE, que já vinha enfrentando a pro-
blemática ambiental, continuou ações ambientais sistematizadas
A implantação da usina hidroelétrica Tucuruí, com um reservatório da em nove subprojetos, que abrangeram estudos a montante e a ju-
ordem de 2.430 km2, em um bioma sensível – Floresta Amazônica, des- sante da barragem. Essas ações desenvolvidas entre 1978 e 1984,
pertou nos responsáveis pelo empreendimento a certeza de que ações de quando do enchimento do reservatório, culminaram na denomi-
diagnóstico dos meios físico e biótico, avaliação de impactos a mon- nada Operação Curupira, que teve por objetivo promover o salva-
tante e a jusante da barragem e monitoramento ambiental, seriam mento do maior número possível de indivíduos da fauna silvestre,
indispensáveis para o sucesso do projeto. Assim, a ELETRONORTE para soltura em áreas protegidas ou aproveitamento científico.

Consultor de meio
ambiente Robert
Goodland em 2011

Consultor ambiental Robert Goodland


(à direita) junto com Rupert Spearman
(Ieco-Elc) na primeira inspeção a
Itaipu em 1972

398
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Na implantação da usina hidroelétrica Itaipu, cujo fechamento do II - à definição de áreas prioritárias de ação govername tal relativa
desvio e enchimento do reservatório ocorreu em 1982, também foi à qualidade e ao equilíbrio ecológico, atendendo aos interesses da
realizada operação de salvamento de animais silvestres, com União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos
resgate de 36.450 indivíduos. Municípios;
III - ao estabelecimento de critérios e padrões de qualidade ambiental e
Somente nove anos após a realização da Conferência de Estocolmo de normas relativas ao uso e manejo de recursos ambientais;
é que surge, no Brasil, a primeira lei que trata, de forma integrada, da IV - ao desenvolvimento de pesquisas e de tecnologias nacionais orien-
Política Nacional do Meio Ambiente - PNMA (Lei 6.938, de 31.08.81). tadas para o uso racional de recursos ambientais;
Em seu Art. 2º, esta lei estabelece: V - à difusão de tecnologias de manejo do meio ambiente, à divulgação
de dados e informações ambientais e à formação de uma consciência
“A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação,
pública sobre a necessidade de preservação da qualidade ambiental
melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando
e do equilíbrio ecológico;
assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos VI - à preservação e restauração dos recursos ambientais com vistas à
interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida sua utilização racional e disponibilidade permanente, concorrendo para
humana, atendidos os seguintes princípios: a manutenção do equilíbrio ecológico propício à vida;
I - ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, conside- VII - à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de
rando o meio ambiente como um patrimônio público a ser necessaria- recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contri-
mente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo; buição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos.”
II - racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar ;
Ill - planejamento e fiscalização do uso dos recursos ambientais; E o inciso IV do Art. 9º., define que são instrumentos da
IV - proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas represen- PNMA “o licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou poten-
tativas; cialmente poluidoras”.
V - controle e zoneamento das atividades potencial ou efetivamente
poluidoras; A Lei 6.938, portanto, encampa os resultados da Primeira
VI - incentivos ao estudo e à pesquisa de tecnologias orientadas para Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Hu-
o uso racional e a proteção dos recursos ambientais; mano e estabelece, pela primeira vez no Brasil, a instituição
VII - acompanhamento do estado da qualidade ambiental; do licenciamento ambiental de atividades efetiva ou poten-
VIII - recuperação de áreas degradadas; cialmente poluidoras.
IX - proteção de áreas ameaçadas de degradação;
X - educação ambiental a todos os níveis de ensino, inclusive a edu- No entanto, somente em 17.02.86, já restabelecida a democracia
no Brasil, é publicada no Diário Oficial da União - DOU a Re-
cação da comunidade, objetivando capacitá-la para participação ativa
solução CONAMA n o. 01, que dispõe sobre critérios básicos e
na defesa do meio ambiente.”
diretrizes gerais para a avaliação de impacto ambiental, e define
no Art. 2º. que: “Dependerá de elaboração de Estudo de Impacto Am-
Já o Art. 4º. define que a PNMA visa:
biental - EIA e respectivo Relatório de Impacto Ambiental – RIMA,
“I - à compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a serem submetidos à aprovação do órgão estadual competente, e da
a preser vação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio Secretaria Especial do Meio Ambiente – SEMA em caráter supletivo,
ecológico; o licenciamento de atividades modificadoras do meio ambiente, tais como:

399
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

.... VII – Obras hidráulicas para exploração de recursos hídricos, do o Manual de Estudos de Efeitos Ambientais dos Sistemas
tais como: barragens para fins hidrelétricos, acima de 10MW, de Elétricos, elaborado por um grupo de trabalho constituído por
saneamento ou de irrigação, ....”. Nasce, assim, o licenciamento profissionais de empresas do setor, coordenado pela Eletrobras,
ambiental de barragens no Brasil. manual esse previsto para ser revisado em 1991, em decorrência
da evolução esperada para o assunto.
A mesma Resolução CONAMA no. 01/86 determina que o Estudo
de Impacto Ambiental e respectivo RIMA devam ser analisados Em novembro de 1986, a ELETROBRAS publicou o primeiro
pelo órgão estadual competente, ou pela SEMA ou, quando cou- Plano Diretor para Proteção e Melhoria do Meio Ambiente nas
ber, pelo município, que terá prazo para essa análise, sem, contudo Obras e Serviços do Setor Elétrico (I PDMA), que propôs uma po-
estabelece-lo. Define, também, que o RIMA deverá ser dado a lítica socioambiental para o Setor, baseando-a em quatro diretrizes:
público e que os órgãos públicos que manifestarem interesse, viabilidade ambiental; inserção regional; articulação interinstitucional
ou tiverem relação direta com o projeto, receberão cópia, para e com a sociedade; e eficácia gerencial. Esse documento orienta-
conhecimento e manifestação. Determina, ainda, que esses órgãos va a forma de conduzir o Setor sob a égide das diretrizes que o
públicos e demais interessados deverão ter prazo para se norteavam, apresentando, também, uma análise dos empreendimen-
manifestarem, uma vez mais não o estabelecendo. O órgão estadu- tos considerados de maior impacto social e ambiental e propunha
al competente, a SEMA ou, quando couber, o município, sempre medidas mitigadoras e compensatórias.
que julgar necessário, promoverá a realização de Audiência Públi-
ca para informação sobre o projeto e seus impactos ambientais e Imediatamente após a publicação do I PDMA, foi criado, em
discussão do RIMA. A realização de Audiências Públicas, no pro- dezembro de 1986, o Comitê Consultivo de Meio Ambiente da
cesso de licenciamento ambiental, embora tenha sido objeto da ELETROBRAS – CCMA. Esse Comitê, composto por técnicos de
Resolução CONAMA no. 09, de 03.12.87, só veio a se tornar efetiva notório saber nas áreas social e ambiental, sem vínculos com o setor,
quando de sua publicação no DOU, em 05.07.90. prestou assessoria à alta direção da ELETROBRAS, analisando os aspectos
de suas especialidades, diagnosticando problemas e propondo soluções.
Na mesma data de publicação da Resolução CONAMA no. 01/86,
o DOU publicou a Resolução CONAMA no. 06/86, que dispõe Com o objetivo de organizar a estrutura gerencial e executiva para o
sobre a aprovação de modelos para publicação de pedidos de trato da temática ambiental, a ELETROBRAS criou, em fevereiro
licenciamento. Em 19.12.1997, foi promulgada a Resolução de 1987, uma Divisão de Meio Ambiente ligada ao Departamento de
CONAMA no. 237, que dispõe sobre a revisão e complementação dos Estudos Energéticos. Essa Divisão tornou-se, pela sua importância,
procedimentos e critérios utilizados para o licenciamento ambiental, em agosto de 1989, o Departamento de Meio Ambiente – DEMA.
que estabelece a exigência de licenciamento para barragens e diques.
Apesar de o número de barragens para outros fins, com predomi-
O setor elétrico, responsável por considerável quantidade de bar- nância daquelas para abastecimento de água (açudes), representar
ragens em operação, construção e projeto nas décadas de 70 e 80 cerca de duas vezes o das barragens para geração de energia elétri-
do século passado, e alinhado com as preocupações com o meio ca, pela sua importância e estruturação por concessionárias estatais,
ambiente, liderou uma série de ações que, além de demonstrarem foi o setor elétrico que comandou as ações para estruturar o seu
a importância atribuída ao tema, tinham em foco o licenciamento processo de licenciamento ambiental. O esforço de um trabalho
dos empreendimentos, cuja regulamentação se apresentava, ainda, conjunto de representantes das principais empresas do setor elétrico,
bastante inconsistente. Assim, em junho de 1986, foi publica- do Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica – DNAEE,

400
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

da Secretaria Especial de Meio Ambiente – SEMA e de órgãos am- Proteção à Fauna (Lei 5.197, de 03.01.67 e suas modificações); a
bientais estaduais resultou na elaboração e publicação da Resolução criação do Instituto Brasileiro do Desenvolvimento Florestal
CONAMA no. 06, de 16.09.87, publicada no DOU em 22.10.87. (Decreto-Lei 289, de 28.02.67); a criação da Fundação Nacional do
Essa resolução, cuja ementa informa que dispõe sobre o licencia- Índio – FUNAI (Lei 5.371, de 05.12.67); a criação do Instituto
mento ambiental de obras do setor de geração de energia elétrica, de Colonização e Reforma Agrária – INCRA (Decreto-Lei 1.110,
no entanto, abrange também obras de transmissão. Para as barragens, de 09.07.70); a criação da Secretaria Especial do Meio Ambiente –
essa resolução é um marco histórico, pois pela primeira vez os tipos SEMA (Decreto-Lei 73.030, de 30.10.73); a Lei de Criação de
de licenças são correlacionados a etapas de desenvolvimento do Estações Ecológicas e Áreas de Proteção Ambiental (Lei 6.902,
empreendimento (Licença Prévia – LP; Licença de Instalação – LI de 27.04.81 e suas modificações); a promulgação da lei que
e Licença de Operação – LO), estabelecendo os documentos neces- disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos
sários a cada solicitação, destacando-se o Estudo de Impacto Am- causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos
biental e o RIMA para a LP e o Projeto Básico Ambiental para a LI. de valor artístico, estético, histórico e paisagístico (Lei 7.347,
Ficou também estabelecido que o órgão ambiental competente de 24.07.85); a criação da Fundação Cultural Palmares –
definirá, resguardado o disposto na Resolução CONAMA FCP (Lei 7.668, de 22.08.88), etc.
no. 01/86, o conteúdo, a abrangência e a profundidade dos estu-
dos ambientais, bem como o nível de detalhe dos programas do O aprendizado das partes envolvidas no processo de licenciamento
Projeto Básico Ambiental. Resguardou-se, contudo, a possibilidade ambiental de barragens vem sendo paulatino, cada vez mais com a
de o empreendedor debater essas exigências, o que hoje se presença de atores que são determinantes para o sucesso, ou não, de
denomina discussão do Termo de Referência - TR. cada processo individualmente. Destacam-se o Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, cria-
A partir do estabelecimento das exigências de produção de estudos do pela Lei 7.735, de 22.02.89, que absorveu as atribuições do IBDF,
e projetos ambientais para o licenciamento de barragens e outras da SEMA, da Superintendência de Desenvolvimento da Pesca –
atividades consideradas “modificadoras do meio ambiente”, foi SUDEPE e da Superintendência da Borracha – SUDHEVEA; os
desencadeado um processo de formação de equipes técnicas multi- Órgãos Estaduais do Meio Ambiente – OEMAs; a FUNAI;
disciplinares em empresas de consultoria e nas empresas e autarquias o IPHAN; a FCP e o Ministério Público, conforme atribuições
estatais, bem como nos próprios órgãos ambientais licenciadores. constantes da Constituição Federal de 1988 (Art. 127 a Art. 130).

O estabelecimento das diretrizes da Resolução CONAMA Em 1996, foi criada a Agência Nacional de Energia Elétrica –
n o. 06/87 não tornou, contudo, o licenciamento ambiental de ANEEL (Lei 9.427, de 26.12.96), diploma que também disciplinou
barragens uma questão simples e pacífica. Os mais variados o regime de concessões de serviços públicos de energia elétrica.
diplomas legais de proteção ambiental, que devem ser consi- Essa lei particularizou, para o setor elétrico, o que determina a Lei
derados na elaboração dos estudos ambientais e formam um 8.987, de 13.02.95, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão
elenco legislativo de grande porte, em que se incluem, entre outros, de serviços públicos. As empresas estatais de água e energia perdem
o Código de Águas (Decreto 24.643, de 10.07.34); a organização a exclusividade de receber concessões e os agentes privados entram
do patrimônio histórico e artístico nacional, com a criação do em cena. A modificação do marco regulatório das concessões vem
Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – SPHAN alterando, desde a promulgação dessas leis, os trâmites e a respon-
(Decreto-Lei 25, de 30.11.37), hoje IPHAN; o Códig o sabilidade pela obtenção das licenças ambientais. É de ressaltar
Florestal (Lei 4.771, de 15.09.65 e suas modificações); a Lei de que essa modificação é marcante para as barragens para fins de

401
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

geração hidroelétrica, não tendo sofrido alterações para estão ligados à remoção de populações das áreas dos reservatórios;
barragens de outras finalidades. às interferências com populações indígenas, com comunidades
quilombolas, com sítios arqueológicos, paleontológicos e espele-
Em 04.12.98, a Resolução Normativa ANEEL no. 395, que trata ológicos e com áreas de preservação ambiental, em especial as de
dos procedimentos gerais para registro e aprovação de Estudos proteção integral; à proteção da flora nativa e da fauna silvestre e à
de Viabilidade e Projeto Básico de empreendimentos de geração preservação da qualidade dos recursos hídricos.
hidroelétrica, assim como autorização para exploração de Centrais
Hidroelétricas até 30 MW, estabelece que a obtenção do licencia- Os aspectos ambientais mais importantes atrás mencionados es-
mento ambiental pertinente é de responsabilidade do interessado. tão diretamente ligados ao processo de licenciamento, tendo sido,
(Art. 12, inciso IV). Esse requisito se aplicava tanto para em- ao longo dos anos, desde a publicação da Resolução CONAMA
preendimentos a serem colocados em licitação (Usinas Hidro- no. 01/86, objeto de legislação elaborada por diversas entidades que
elétricas) quanto àqueles com características de Pequena Cen- interferem diretamente no grau de detalhamento do Estudo de Im-
tral Hidroelétrica. Essa Resolução, que permite a apresentação pacto Ambiental, do Projeto Básico Ambiental e dos Relatórios de
de mais de um estudo ou projeto para uma única usina hidroelétrica ou Acompanhamento da Implantação dos Programas Ambientais, ne-
PCH, implica o licenciamento ambiental do mesmo objeto por mais cessários, respectivamente à emissão da LP, da LI e da LO para cada
de um interessado, com evidente desperdício de recursos, tanto dos empreendimento. Essa legislação, obviamente, cria, cada vez mais,
empreendedores quanto dos analistas dos órgãos ambientais. Essa incrementos de prazos e custos para a obtenção das licenças ambientais,
situação perdura, para PCHs, conforme disposto na Resolução Nor- especialmente para as barragens que formam reservatórios.
mativa no. 343, de 09.12.08. Tem-se conhecimento que a ANEEL
está estudando uma modificação nas diretrizes de apresentação A remoção e o reassentamento de populações para implantação de
de projetos para permitir que apenas um empreendedor autorizado reservatórios de barragens vêm sendo feitos mediante acordos dos em-
seja o responsável pelo licenciamento ambiental. preendedores (públicos ou privados) com os atingidos, geralmente por
meio de desapropriação por utilidade pública. Nas décadas de 1970 e
Com a criação da Empresa de Pesquisa Energética – EPE, pela 1980, quando da implantação de grandes barragens e imensos reserva-
Lei 10.847, de 15.03.04, passou a ser de sua competência, con- tórios (usinas hidroelétricas Tucuruí, Itaipu, Sobradinho, Itaparica, Ita
forme inciso VI do Art. 4º. “obter a licença prévia ambiental e a e Machadinho) construídos por empresas estatais, muitas remoções
declaração de disponibilidade hídrica necessárias às licitações envolvendo foram feitas para novas vilas ou cidades, implantadas, em geral, às
empreendimentos de geração de energia elétrica e de transmissão de ener- margens dos lagos formados. É dessa época a fundação do MAB
gia elétrica, selecionados pela EPE”. Essa determinação está sen- – Movimento dos Atingidos por Barragens, organização que mi-
do seguida para a licitação de concessões de geração hidroe- lita pelos direitos dos afetados pelas barragens, sendo hoje muito
létrica, garantindo ao empreendedor a certeza da viabilidade atuante e geradora de dificuldades nos processos de licenciamento
ambiental do empreendimento, expressa pela LP, embora lhe caiba a ambiental, com voz presente, especialmente, em audiências públicas.
obtenção das demais licenças ambientais, a LI e a LO.
Os problemas de interferências com aldeias e terras indígenas vêm
Historicamente, mesmo antes da existência de legislação referente sendo, a cada dia, um complicador no processo de licenciamento.
ao licenciamento ambiental de barragens, os principais problemas Mesmo não havendo interferência direta com essas unidades,
ligados aos potenciais impactos dessas obras se focavam em aspec- a FUNAI, que se manifesta necessariamente na análise do Estudo
tos ambientais ligados aos meios físico, biótico e antrópico. Eles de Impacto Ambiental, tem feito exigências de estudos etnoecológi-

402
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

cos dos grupos indígenas que se encontram, muitas vezes, a mais de após a publicação da mesma no DOU. Devido à falta de quadros
20 km de distância da barragem e seu reservatório e que não se- técnicos, o IPHAN vem atrasando a análise dos projetos de pesquisa, com o
riam, em qualquer hipótese, submetidos a qualquer tipo de impacto. atraso na emissão das Portarias e, também, a aprovação dos seus rela-
Mesmo após estudos antropológicos conclusivos, realizados em tórios, para fins de liberação das LP e LI. Esses procedimentos oneram
atenção ao Termo de Referência específico, que provam não haver e atrasam o processo de licenciamento ambiental das barragens.
impacto, tem havido imposição de “compensações”, que oneram o
empreendedor e que são motivo de atraso no licenciamento. O patrimônio paleontológico é protegido, desde 1942, mediante o
Decreto-Lei 4.146. A implantação de barragens e reservatórios, em
As comunidades remanescentes de quilombos, que são passíveis áreas cujas rochas apresentem potencial paleontológico, requer a
de autorreconhecimento, são amparadas pelo disposto no Decreto identificação e o resgate dos fósseis.
4.887, de 20.11.03, que regulamenta o procedimento para identi-
ficação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das A proteção das cavidades naturais subterrâneas existentes no ter-
terras ocupadas por remanescentes de comunidades quilombolas. ritório nacional foi estabelecida pelo Decreto 99.556, de 01.10.90,
A Fundação Cultural Palmares tem necessariamente que ser ou- que, praticamente, inviabilizava a implantação de empreendimen-
vida no processo de licenciamento, havendo sempre o risco de tos em regiões dotadas de cavernas naturais. Depois de muita
existir algum processo de autorreconhecimento em andamento discussão, com a edição do Decreto 6.640, de 07.11.08, foi de-
e isso não ser informado na consulta prévia que as consultoras finido que deveriam ser criados critérios de relevância para a
costumam fazer na fase inicial de elaboração do EIA. Esse tipo classificação das cavidades naturais subterrâneas e a possibilidade de
de omissão pode acarretar atraso no processo, ou até inviabilizar implantar empreendimentos em áreas em que elas ocorram,
um empreendimento. exceto nas de relevância máxima, desde que sejam implementas
medidas e compensações. Com esse Decreto, que modificou a
O patrimônio arqueológico é protegido, sendo obrigatória, para inclu- redação do anterior Decreto 99.556, passou a ser possível a
são no Estudo de Impacto Ambiental, a realização de diagnóstico das convivência de barragens e outros empreendimentos com a
Áreas de Influência da barragem, independente de seu porte, para a proteção às cavidades naturais subterrâneas. A definição dos
obtenção da LP. Mesmo não havendo evidências da existência de critérios para estabelecimento da relevância das cavidades na-
vestígios arqueológicos relatada no Diagnóstico Arqueológico, para a turais subterrâneas foi feita através da Instrução Normativa do
obtenção da LI é requerida a realização de Prospecção Arqueológica que, Ministério do Meio Ambiente no. 2, de 20.08.09.
caso identifique algum vestígio, deverá promover o seu salvamento e
deposição em instituição de pesquisa, bem como desenvolver um A proteção do patrimônio espeleológico, considerando-o dentro
Programa de Educação Patrimonial a ser implantado nas comunidades do processo de licenciamento ambiental de empreendimentos, foi
próximas ao achado. Para a realização dos trabalhos de arqueologia, regulada, inicialmente, pela Resolução CONAMA n o. 347,
deve-se obedecer ao disposto nas Portarias SPHAN no. 07, de 15.12.88 de 10.09.04. Essa Resolução institui o Cadastro Nacional de Infor-
e IPHAN no. 230, de 17.12.02, que dispõem sobre os procedimentos mações Espeleológicas – CANIE, a cargo do IBAMA, definindo, em
para obtenção de licenças ambientais referentes à apreciação e acom- seu Art. 4º., que “a localização, construção, instalação, ampliação, modificação
panhamento das pesquisas arqueológicas no País. Para a realização e operação de empreendimentos e atividades, considerados efetiva ou potencial-
dos trabalhos de arqueologia é necessário submeter ao IPHAN um pro- mente poluidores ou degradadores do patrimônio espeleológico ou de sua área de
jeto de pesquisa que, uma vez autorizado, gera uma Portaria específica influência dependerão de prévio licenciamento pelo órgão ambiental competente,
para o arqueólogo responsável, cujos serviços só podem ser iniciados nos termos da legislação vigente”.

403
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

O Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC foi de conservação do Grupo de Proteção Integral, de acordo com o disposto neste artigo
estabelecido pela Lei 9.985, de 18.07.00, regulamentada pelo e no regulamento desta Lei.”
Decreto 4.340, de 22.08.02. De acordo com seu “Art. 4 o o
SNUC tem os seguintes objetivos: Como houve muita discussão quanto aos critérios de cálculo da
I - contribuir para a manutenção da diversidade biológica e dos compensação financeira, depois de várias determinações exaradas
recursos genéticos no território nacional e nas águas jurisdicionais; em Resoluções do CONAMA para o tema (Resolução CONAMA
II - proteger as espécies ameaçadas de extinção no âmbito regional n o. 10/87 e Resolução CONAMA n o. 2/96), o assunto está
e nacional; finalmente regulado pela Resolução CONAMA no. 371, de 05.04.06.
III - contribuir para a preservação e a restauração da diversidade
de ecossistemas naturais; Outra limitação à implantação de barragens e outros empreendimentos
IV - promover o desenvolvimento sustentável a partir dos recursos é a que define critérios de distância para proteção do entorno de Unida-
naturais; des de Conservação, como definido na Lei do SNUC, em seu “Art. 25.
V - promover a utilização dos princípios e práticas de conservação As unidades de conservação, exceto Área de Proteção Ambiental e Reserva Par-
da natureza no processo de desenvolvimento; ticular do Patrimônio Natural, devem possuir uma zona de amortecimento e,
VI - proteger paisagens naturais e pouco alteradas de notável be- quando conveniente, corredores ecológicos.” Essa zona de amortecimen-
leza cênica; to foi estipulada na Resolução CONAMA no. 13, de 06.12.90, em
VII - proteger as características relevantes de natureza geológica, 10 quilômetros. Essa distância foi estabelecida sem qualquer critério
geomorfológica, espeleológica, arqueológica, paleontológica e de avaliação de impactos ambientais. Essa Resolução, finalmente, em
cultural; 17.12.10, foi revogada, passando o assunto a ser regulado pela Reso-
VIII - proteger e recuperar recursos hídricos e edáficos; lução CONAMA no. 428, que estabeleceu critérios para definição das
IX - recuperar ou restaurar ecossistemas degradados; distâncias a serem consideradas para as zonas de amortecimento, que
X - proporcionar meios e incentivos para atividades de pesquisa caíram para 3 km no caso de empreendimentos sujeitos a elaboração
científica, estudos e monitoramento ambiental; de EIAe RIMA e para 2 km para os de reduzido impacto ambiental.
XI - valorizar econômica e socialmente a diversidade biológica;
XII - favorecer condições e promover a educação e interpretação A proteção da fauna silvestre é um tema que passou a ser encarado
ambiental, a recreação em contato com a natureza e o turismo com extremo rigor no âmbito do licenciamento ambiental de bar-
ecológico; ragens. A Instrução Normativa do MMA n o. 146, de 11.01.07,
XIII - proteger os recursos naturais necessários à subsistência de estabeleceu, para qualquer empreendimento, a obrigatoriedade de
populações tradicionais, respeitando e valorizando seu conhecimen- realizar diagnósticos da fauna, com captura, coleta, transporte e
to e sua cultura e promovendo-as social e economicamente.” exposição de grupos da fauna, abrangendo mamíferos, aves, répteis
e peixes. Esses diagnósticos só podem ser realizados mediante
No apoio às Unidades de Conservação de Proteção Integral, a autorização do IBAMA, requerendo-se, para tal, a execução de um
chamada Lei do SNUC estabelece: processo dispendioso e demorado. Essa IN veio sendo aplicada,
“Art. 36. Nos casos de licenciamento ambiental de empreen- indistintamente, a qualquer tipo de empreendimento, embora o
dimentos de significativo impacto ambiental, assim considerado seu espírito original fosse de que deveria ser aplicada a barragens
pelo órgão ambiental competente, com fundamento em Estudo formadoras de reservatórios. A Portaria Normativa do MMA
de Impacto Ambiental e respectivo relatório - EIA/RIMA, o empre- no.10, de 22.05.09, restringiu a sua aplicação a empreendimentos de
endedor é obrigado a apoiar a implantação e manutenção de unidade geração hidroelétrica, ou seja, a barragens com essa finalidade.

404
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Finalmente, cabe mencionar a Resolução CONAMA no.279, de 27.06.01,


que estabelece procedimentos para o licenciamento ambiental simplifi-
Referências
cado de empreendimentos elétricos com pequeno potencial de impacto
CBGB. Topmost dams of Brazil. São Paulo: Novo Grupo
ambiental. Essa Resolução vem sendo aplicada, principalmente, às
Editora Técnica, 1978.
PCHs com pequenas barragens e reservatórios. Ela instituiu o Relatório
Ambiental Simplificado – RAS, como elemento base para a concessão
Centro nacional de desenvolvimento de PCH. Legislação
da LP e Relatório de Detalhamento dos Programas Ambientais – RDPA
ambiental. Disponível em: http://www.cndpch.com.br/
para a solicitação da LI. Em substituição à Audiência Pública, essa
zpublisher/paginas/legislacao_ambiental.asp
Resolução introduz a Reunião Técnica Informativa – RTI, que, hoje, é
Acesso em: mar. 2011.
exigida por praticamente todos os órgãos ambientais licenciadores, em
atenção a ações do Ministério Público. O processo de licenciamento
Ecclesia. Entendendo o meio ambiente: principais
simplificado não desobriga, no entanto, a consideração de todos os
Conferências Internacionais sobre o meio ambiente e
aspectos ambientais atrás mencionados, como as manifestações da
documentos resultantes.
FUNAI, da FCP e do IPHAN, bem como da avaliação fundamentada
Disponível em: http://www.ecclesia.com.br/biblioteca/
dos impactos sobre o patrimônio paleontológico e espeleológico e as
fe_e_meio_ambiente/principais_conferencias_internacionais_
Unidades de Conservação, bem como sobre a fauna silvestre.
sobre_o_meio_ambiente_e_documentos_resultantes.html
Acesso em: mar. 2011.
Pelo exposto, verifica-se que a evolução do licenciamento ambiental
de barragens no Brasil é um tema complexo e, nem sempre, se pode
ELETROBRAS. Plano Diretor de Meio Ambiente do Setor
dizer que a “evolução” tenha um sentido de aprimoramento. A legis-
Elétrico 1991/1993. Rio de Janeiro, 1990.
lação aplicável é vasta, os órgãos ambientais sofrem de falta de pessoal
qualificado para analisar os estudos ambientais que são apresentados
______. Plano Nacional de Energia Elétrica 1987/2010: Plano
para instruir os processos de licenciamento, muitas vezes esses de qua-
2010. Relatório Geral. Rio de Janeiro, dez. 1987.
lidade duvidosa, posto que com o aumento da demanda, o mercado de
consultoria ambiental cresceu, nem sempre atendendo aos requisitos
ELETRONORTE. Estudos Tocantins: inventário hidrelétrico
exigíveis. Os prazos constantes dos diplomas legais não são cumpridos,
das bacias dos rios Tocantins e Araguaia. Relatório
em geral, pelos órgãos licenciadores, tornando os processos demora-
Condensado. Brasília, out. 1977.
dos e, consequentemente, caros. Os analistas tendem a se resguardar,
exigindo, para a concessão das licenças, detalhamentos incompatíveis
______. Livro Branco sobre o Meio Ambiente na Usina
com o porte dos empreendimentos e, por receio de ação do Ministério Hidrelétrica de Tucuruí. Brasília, 1984.
Público que, praticamente, intervém na maioria dos processos como
guardião da lei, elaboram pareceres sobre estruturas de pequeno porte ELETRONORTE/ENGEVIX. Inventário do baixo Araguaia
semelhantes aos aplicáveis a grandes barragens. – Tocantins. Relatório Final. Rio de Janeiro, jun. 1986.

O processo é penoso, restando às partes envolvidas, empreendedores, UNEP. Stockholm 1972: Brief summary of the general debate.
consultores ambientais, analistas dos órgãos licenciadores, demais Disponível em: http://www.unep.org/DocumentsMultilingual
instituições intervenientes e à sociedade civil, promoverem cons- Default.asp?DocumentID=97&ArticleID=1497&l=en
tante troca de experiências no sentido de que o licenciamento sofra,
Acesso em: mar. 2011.
efetivamente, uma evolução sustentável.
405
Itaipu - uma barragem densamente monitorada
com elevado nível de segurança. Figuras
selecionadas dos resultados da instrumentação
Deslocamentos horizontais máximos para jusante
(períodos de inverno)
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

A Evolução da Legislação
Aplicada às Barragens
“A História prova que se as barragens não fossem construídas, Ciro Humes
não haveria desenvolvimento humano. Existem aproximadamente
45.000 grandes barragens ao redor do mundo servindo a
sociedade por meio do fornecimento de água para uso doméstico,
industrial e irrigação, gerando energia elétrica e controlando
enchentes”. III World Water Fórum (Kyoto, 2003).

1. Introdução 2. Histórico da legislação sobre


Obras de tamanha importância devem ter a sua segurança geren-
segurança de barragens
ciada ao longo de toda a sua vida. A ruptura de barragens é uma
hipótese pouco provável e de baixíssima probabilidade de ocorrên-
2.1 Panorama internacional
cia quando os aspectos de projeto, construção e operação desses
O ICOLD (Inter national Commission on Lar ge Dams) sempre
empreendimentos são tratados com seriedade. Todavia, o imenso
esteve preocupado com a segurança de barragens, tendo atuado neste
potencial de perdas de vida, danos ambientais e conseqüências de
campo com a formação de diversos comitês, edição de boletins e
elevado valor econômico decorrentes de uma eventual ruptura,
deixa claro a grande responsabilidade das concessionárias e pro- organização de congressos, seminários e cursos.
prietárias quanto à preservação da segurança das barragens, assim
Durante o Congresso Internacional de Grandes Barragens, promo-
como levanta a importância do papel da Comunidade Técnica e
dos pertinentes órgãos governamentais no sentido de minimizar a vido pelo ICOLD em 1979, em Nova Delhi, foi decidido investir
possibilidade da ocorrência de eventos desta natureza. maiores esforços no âmbito de segurança em função de: diversos
incidentes em barragens, com graves conseqüências ocorridas
O Comitê Brasileiro de Barragens sempre esteve atento à neces- na época; aumento nas dimensões das novas barragens e envelheci-
sidade da implantação de uma política e de uma legislação que mento de uma quantidade apreciável de outras; além do incremen-
tratassem do aspecto de segurança de barragens. Neste capítulo será to da quantidade de barragens sendo construídas em países com
resumidamente apresentada a atuação do CBDB na evolução dos pouca ou nenhuma experiência em engenharia de barragens.
aspectos ligados à implantação de uma política de segurança de
barragens no Brasil, que seguramente contribuirá para reduzir os Dentre as diversas publicações do ICOLD relacionadas à segurança
riscos de acidentes nas nossas barragens, empreendimentos que tem de barragens, destacam-se: “Lessons from Dams Incidents” (1974), “Au-
papel relevante no desenvolvimento do nosso país. tomated Observations for Safety Control of Dams” (1982), “Deterioration
407
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

of Dams and Reservoirs” (1983), “Dam Safety Guidelines” (1987), ASDSO (Association of State Dam Safety Officiais). Um terceiro órgão,
“Dam Monitoring-General Considerations” (1988), “Inspection of Dams a FERC (Federal Energy Regulatory Commission) também atua
Following Earthquake” (1988), “Monitoring of Dams and Their Founda- na área, principalmente no tocante aos planos de ações emergenciais
tions” (1989), “Dam Failures Statistical Analysis” (1995), “Dams less than em barragens.
30 m high – Cost Savings and Safety Improvements” (1998), “Rehabilitation
of Dams and Appurtenant Works – State of the Art and Case Histories” Em Portugal foi promulgado, em 1990, o decreto-lei sobre o “Re-
(2000), “Risk Assessment in Dams Safety Management - A Reconnaissance gulamento de Segurança de Barragens”, para que as barragens
of Benefits, Methods and Current Applications” (2005). existentes passassem a aplicar as imposições do regulamento. Entre
estas imposições pode-se destacar:
Nos Estados Unidos da América, na década de 70, em um intervalo
de cinco anos, as rupturas das barragens de Buffalo Creek (cau- Designação dos responsáveis pela segurança englobando o go-
sando 125 mortes e enormes prejuízos materiais) e Canyon Lake, verno (representado pela Direção Geral dos Recursos Naturais),
em 1972, Kelley Barnes (causando 39 mortes) e Teton (causando o LNEC – Laboratório Nacional de Engenharia Civil, o Serviço
14 mortes e danos avaliados em um bilhão de dólares), em 1976, Nacional de Proteção Civil, a Comissão de Segurança de Barragens
contribuíram decisivamente para uma revisão geral da legislação e o proprietário da obra;
para a segurança e inspeção de barragens no país. Constituição de um plano de observação e sua adaptação quando
necessário, obrigatoriamente a cada 20 anos;
Entre as iniciativas adotadas pelo governo americano figuram:
Inspeções periódicas por meio da autoridade competente.

Lei autorizando o U.S. Army Corps of Engineers a inventariar


No Canadá, em 1980, o Comitê de Segurança de Barragens do
e inspecionar barragens não federais (1972);
Canadian National Commitee on Large Dams, verificou que a legislação
Revisão de critérios de segurança, coordenação centrali-
de todas as províncias e territórios era genérica e continha
zada de programas de segurança de barragens, revisão dos
poucos artigos específicos sobre programas de segurança e moni-
procedimentos adotados por agências federais (1977) por
toramento. A partir desta constatação foi dada maior ênfase aos
junta de consultores independentes;
aspectos de segurança, tendo sido preparado o Dam Safety Guidelines
Ordem presidencial para que o Guia de Segurança de
em 1995, revisado em 1997.
Barragens fosse aplicado e que suas conclusões fossem encaminha-
das à nova agência FEMA (Federal Emergency Management Agency),
Na Suécia o controle de construção e manutenção é regido pelo
organizada em 1979;
Water Rights Act de 1918. Foi organizado um serviço especial de
Publicação do Water Resources Development Act, autori-
inspeção de barragens pertencentes aos “State Power Board” que
zando o financiamento federal a programas estaduais de
segurança de barragens (1986); passou a inspecioná-las com especialistas, em intervalos pré-fixados.
Aprovação do National Dam Safety Act e respectivas dotações Os mesmos procedimentos foram seguidos pelas companhias as-
orçamentárias (1997). sociadas à Swedish Power Association. A legislação sobre recursos
hídricos foi reformulada no início da década de 80, passando
Além da FEMA, foram criados outros dois organismos encar- as autoridades municipais a arcar com a responsabilidade pela
regados de desenvolver, supervisionar e divulgar a segurança de supervisão, inspeção e eventuais medidas a serem tomadas junto
barragens: o ICODS (Interagency Committee on Dam Safety) e a aos proprietários das barragens.

408
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

A Noruega adotou, formalmente, através de decreto real A Constituição do Estado de São Paulo aborda de maneira indireta
de 1980, o Regulamento para Planejamento, Construção e o assunto ao se referir, no art. nº. 210, quanto à garantia de segu-
Operação de Barragens, que editou em 1992 o Projeto Norueguês rança e saúde pública, quando de eventos hidrológicos indesejáveis.
de Segurança de Barragens que estabelece responsabilidade e
respectivos impactos, bem como enfoca a segurança durante a O mesmo nível de abordagem consta da Lei 7663 que esta-
operação e aborda aspectos técnicos. belece normas de orientação à Política Estadual de Recursos
Hídricos bem como ao Sistema Integrado de Gerenciamento de
A Finlândia editou, em 1994, o Dam Safety Code of Pratice obrigando Recursos. Alguns trechos de certos artigos podem ser aplicáveis
que o mesmo fosse obedecido em conjunto com o Dam Safety Act à segurança de barragens e ao seu funcionamento adequado,
e o Dam Safety Decree, ambos de 1984. tais como os que dizem que: o Estado assegurará meios fi-
nanceiros e institucionais para “defesa contra eventos hidrológicos
A Inglaterra possui várias barragens muito antigas e a ruptura de c r í t i c o s , q u e o f e r e ç a m riscos à saúde e segurança públi-
algumas delas deu origem a uma legislação especifica sobre segu- ca, assim como prejuízos econômicos e sociais, o Estado realizará
rança de barragens, em 1930. Outras rupturas ocorreram no início pr ogramas conjuntos com os Municípios mediante convênios ...
da década de 70 dando ensejo a mudanças legais, propostas em com vista a ...implantação de sistemas de alerta e defesa civil
1975, que se mostraram eficazes. para garantir a segurança e a saúde pública, quando de eventos
hidr ológicos indesejáveis, o Estado ...articulará com a União,
Em 1982, a Itália editou um decreto aplicável e barragens outr os Estados viz inhos e Municípios, atuação para apr oveita-
com altura superior a 10 m e reservatórios com capacidade mento e controle dos recursos hídricos em seu território ... com vistas...
superior a 100.000 m 3, onde são indicadas as responsabilidades a contr ole de cheias, a pr e venção de inundações, e dr enagem
que envolvem os diversos organismos nas várias fases de um e à correta utilização das várzeas”.
empreendimento.
O CBDB, na época CBGB: Comitê Brasileiro de Grandes Barra-
2.2 Histórico da segurança de barragens no Brasil gens, seguindo a tendência mundial da década de 70, editou em
e o papel do CBDB 1979 e 1983 as Diretrizes para a Inspeção e Avaliação da Seguran-
ça de Barragens em Operação. Posteriormente, em 1986, editou
Os fatos mostram que as demandas por programas de segurança as Recomendações para a Formulação e Verificação de Critérios
de barragens ocorrem principalmente após a ocorrência de e Procedimentos de Segurança de Barragens, em 1995 o Cadas-
acidentes de vulto. tro Brasileiro de Deterioração de Barragens e Reservatórios e,
em 1996, Auscultação e Instrumentação de Barragens no Brasil.
Especificamente no Estado de São Paulo, logo após os aci- Estas publicações, elaboradas por comissões do CBGB, foram
dentes ocorridos com as barragens de Euclides da Cunha e muito importantes para nortear os procedimentos de segurança
Armando de Salles Oliveira, em 1977, foi emitido o Decreto adotados por algumas organizações brasileiras.
nº. 10752 dispondo sobre segurança das barragens no Estado
e recomendando auditorias técnicas permanentes. Entretanto, O Ministério de Minas e Energia, através da Portaria nº. 739,
como não houve a regulamentação deste decreto, ele nunca de 1988, criou um grupo de trabalho com o objetivo de normalizar
foi implementado. procedimentos preventivos e de manutenção voltados à segurança

409
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

das diversas barragens existentes. Coordenado pela Eletrobras Este guia foi desenvolvido com base no Canadian Dam Safety
o grupo publicou em 1987 a publicação Avaliação da Segurança Guidelines com a incorporação da cultura e experiência nacional.
de Bar ragens Existentes que é uma tradução do Manual Ele foi apresentado à nossa comunidade no XXIII Seminário
SEED (Safety Evaluation of Existing Dams) do Bureau of Reclama- Nacional de Grandes Bar ragens que aconteceu em Belo
tion dos Estados Unidos da América. Também concluiu, em 1989, Horizonte em 1999.
um relatório que abordou entre outros aspectos importantes:
estabelecimento de mecanismo de monitoração e da instrumentação; Em 2003, novamente confirma-se que a demanda por programas
definição da periodicidade de inspeção; procedimentos gerais a se- de segurança de barragens ocorrem principalmente após a ocor-
rem seguidos em casos de acidentes; definição das responsabilidades rência de acidentes de vulto. Neste ano ocorreu a ruptura de uma
pela execução das ações. barragem de rejeitos situada no rio Pombas no município de
Cataguases no Estado de Minas Gerais. Este acidente espalhou
O relatório previa a criação de uma Sub-Comissão de Segurança resíduos no rio Paraíba do Sul e causou graves danos ao meio am-
de Barragens, a instalação de um Cadastro Nacional de Barragens biente e à sociedade, deixando uma vasta população sem água nos
e a caracterização do potencial de risco de cada barragem. Estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro.

Em 1996 o CBGB, através da Comissão de Deterioração e Após este acidente o Deputado Leonardo Monteiro propôs
Reabilitação de Barragens, elaborou minuta de Portaria do o projeto de lei (PLC-168) com foco na Segurança de Barra-
Ministério de Minas e Energia, estabelecendo as diretrizes para gens. Nesta ocasião O CBDB deslumbrou a oportunidade de
a avaliação da segurança das barragens e propondo a criação do suportar tecnicamente a implantação desta lei, com base nos
Conselho Nacional de Segurança de Barragens (CNSB). Este diversos trabalhos pertinentes já desenvolvidos. Foi realiza-
instrumento previa que o CNSB providenciaria a redação de do um processo de aproximação e apoio a esta iniciativa, com
um Regulamento de Segurança de Barragens e Reservatórios e apoio de outras entidades como a ABMS (Associação Bra-
na etapa seguinte seria responsável pela supervisão da correta sileira de Mecânica dos Solos) e com o apoio importante da
aplicação deste regulamento. ANA (Agência Nacional de Águas).

Este documento foi apresentado para debate no XXII Seminário Este projeto passou pelas Comissões de Minas e Energia, Meio
de Grandes Barragens realizado na cidade de São Paulo e Ambiente e Constituição e Justiça. Neste momento o deputado
posteriormente foi consolidado com as sugestões recebi- Leonardo Monteiro, coordenador do projeto de lei, aceitou o
das de vários associados e encaminhado para a análise do substitutivo proposto pelo Conselho Nacional de Recursos
DNAEE - Departamento Nacional de Águas e Energia Elé- Hídricos, elaborado com participação do CBDB.
trica, hoje ANEEL Agência Nacional de Energia Elétrica),
órgão do Ministério de Minas e Energia, o qual não conseguiu Encaminhado para o Senado, o projeto de lei passou pelas comis-
dar prosseguimento a esta proposta do CBDB. sões do Meio Ambiente e Infraestrutura, de onde saiu aprovado
em março de 2010 e recebeu a sanção presidencial em 21/09/2010
Outra importante iniciativa do CBDB, por meio do Núcleo que conferiu ao projeto de lei, cujo relator foi o deputado Arnaldo
Regional de São Paulo, foi a elaboração do Guia Básico Jardim, a uniformidade e a posição de lei que estabelece a Política
de Segurança de Barragens pela sua Comissão de Segurança. Nacional de Segurança de Barragens.

410
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

3. Considerações finais
A atuação do CBDB na área de segurança de barragens, promo-
vendo o debate deste tema nos seus seminários e simpósios, por
meio de publicação de documentos técnicos consistentes e atu-
ando firmemente para a criação de uma legislação específica, foi
relevante e fundamental para que após uma luta de décadas uma lei
sobre segurança de barragens fosse promulgada.

Vale registrar que a caminhada ainda não está finalizada, pois falta
a regulamentação da lei. O CBDB continuará atento para que a
concretização da legislação que cria uma política de Segurança de
Barragens seja efetivada.

Figura 1 - Ferdinand M.G.


Budweg. Precursor das atividades
sobre implantação de legislação
aplicada a barragens no Brasil

Figura 2 - Fábio De Gennaro Castro,


coordenador da Comissão Técnica de
Segurança de Barragens do CBDB e
membro do Comitê de Segurança de
Barragens da CIGB

411
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Centros de Pesquisas
Tecnológicas Aplicadas a
Barragens - Introdução
Erton Carvalho

A história das barragens brasileiras contempla os centros de Filho, sendo o responsável pelos estudos em modelo reduzido da
pesquisas que foram, na sua maioria, implantados a partir da Usina de Furnas, tornando-se um laboratório de grande impor-
década de 1950, devido à necessidade de se ter um apoio tecno- tância nacional a partir de 1965. Em 1983, Furnas implantou no
lógico para o desenvolvimento dos estudos, dos projetos e das Rio de Janeiro, junto à subestação de Jacarepaguá, seu Laboratório
construções de barragens. de Hidráulica Experimental e Recursos Hídricos (LAHE), dando
continuidade aos estudos em modelo reduzido das hidroelétricas
O Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo (IPT), que tra- da empresa, que estavam sendo estudadas pelo Hidroesb.
balhava desde 1938 em investigações geotécnicas para a construção
de barragens e obras de terra de um modo geral, teve as suas insta- Pela necessidade de se ter um grande desenvolvimento na área tec-
lações ampliadas visando a atender o desenvolvimento de ensaios e nológica de concreto massa, mecânica dos solos e mecânica das
pesquisas que permitiram subsidiar principalmente os grandes pro- rochas, Furnas agrupou em Goiânia os seus laboratórios em um
jetos de aproveitamentos hidrelétricos construídos pela Companhia moderno centro de pesquisas (DCT) e passou a atender os pro-
Energética de São Paulo (CESP) bem como várias obras no país. jetos e construções das barragens de Furnas, prestando, também,
serviços a outras empresas do setor elétrico.
O Departamento de Águas e Energia de São Paulo (DAEE) em
convênio com a Universidade de São Paulo (USP) implantou um No sul do país, o laboratório, Instituto de Pesquisas Hidráulicas
importante laboratório de hidráulica, hoje denominado Fundação (IPH) do Rio Grande do Sul, ficou mais dedicado ao desenvolvi-
Centro Tecnológico de Hidráulica (FCTH) que, complementado mento de pesquisas no campo da hidráulica experimental. O Centro
pelo Laboratório CESP de Engenharia Civil (LCEC), localizado de Estudos e Pesquisas de Hidráulica e Hidrologia (CEPHH),
junto à hidroelétrica de Ilha Solteira, desenvolveram praticamente posteriormente denominado Centro de Hidráulica e Hidrologia
todos os estudos em modelo reduzido das usinas da CESP. professor Parigot de Souza, (CEHPAR), desenvolveu importan-
tes estudos para as Companhia Paranaense de Energia (COPEL).
Os laboratórios de hidráulica experimental foram surgindo para Dentre os vários estudos realizados em modelo reduzido des-
atender à exigência da ampliação do setor elétrico no Sudeste Bra- tacam-se os ensaios para a hidroelétrica de Itaipu. A seguir, es-
sileiro. Dentre eles, o Laboratório Hidrotécnico Saturnino de Brito tão apresentados os textos específicos dos centros de pesquisas:
SA (Hidroesb) que teve sua origem no Escritório Saturnino de Brito CEHPAR, Furnas (DCT e LAHE), Hidroesb, IPH, IPT e LCEC.

413
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

CEHPAR - 50 Anos de
muito Trabalho
André Luiz Tonso Fabiani e José Junji Ota

Introdução Antes mesmo da inauguração do Centro Politécnico, o CEPHH


iniciou suas atividades dentro do Campus Universitário, com
mostra a Figura 1. As atividades de Hidrologia também começaram
Em 14 de março de 1959 o Centro de Estudos e Pesquisas de
logo em seguida e a Divisão de Hidrologia tem uma história de
Hidráulica e Hidrologia CEPHH passou a existir legalmente com
muitas realizações, mas o presente texto enfoca basicamente o
a aprovação do seu primeiro estatuto. Teve como fundadores o
caminho percorrido pelo laboratório de Hidráulica.
Catedrático da Cadeira de Hidráulica Teórica e Aplicada,
professor Pedro Viriato Parigot de Souza, que posteriormente foi
O Centro passou a ser chamado de Centro de Hidráulica e Hidro-
Presidente da COPEL e Governador do Estado do Paraná e seu
logia professor Parigot de Souza - CEHPAR em julho de 1973,
assistente professor Isaac Milder grande idealista que mais tarde
em homenagem ao seu fundador que faleceu enquanto Governador
veio a presidir a SERETE e a MILDER KAISER. Desde então, o
do Estado. Na época, estavam sendo estudadas em modelos redu-
Centro de Hidráulica conta com uma história de mais de 50 anos,
zidos as obras de Salto Osório e São Simão. Os estudos das usina
com preocupação universitária permanente de seus membros,
hidroelétrica Itaipu e Foz do Areia estavam para se iniciar.
realizando trabalhos considerados úteis à sociedade e ainda respei-
tando os limites do mercado das empresas de engenharia. Em todo o processo é indiscutível a importância que teve o
professor Nelson Pinto, diretor do Centro por quase trinta anos,
com uma liderança inquestionável. Cabe a ele o mérito do
Laboratório ter conquistado o reconhecimento internacional.
Outra grande personagem foi o professor Sinildo Neidert, respon-
sável pela implantação do trabalho sério, preciso e eficiente no La-
boratório de Hidráulica. Em 1976 o Centro passou a ser administrado
pela Companhia Paranaense de Energia – COPEL, fruto do convênio

Figura 1 – Primeiro modelo em operação no Centro


Politécnico da UFPR, no CEHPAR, em 1961.

415
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 2 – Fechamento do Rio


Uruguai para a construção da
usina hidroelétrica Itá.

entre a Universidade Federal do Paraná e a empresa de energia. Os estudos sobre aeração de fluxos de altas velocidades para
Nos anos setenta o CEHPAR teve um considerável avanço, evitar cavitação em descarregadores de cheias se desenvolveram
por exemplo, na consolidação da metodologia para os estudos nos anos setenta e oitenta; a Figura 3 apresenta estudos de
de fechamento de grandes rios com a construção de ensecadeiras aeração para Foz do Areia.
em água corrente, como mostrado na Figura 2.
No Seminário CEHPAR 30 anos, houve quem afirmasse que
“o Centro de Hidráulica jamais teve uma fase de baixa”. De fato,
até aquela data o laboratório vinha mantendo um ritmo acelerado
de sucessos. O convênio com a COPEL foi bastante favorável ao
Centro pois tornou os salários dos funcionários mais competitivos,
eliminando o risco da perda dos seus seletos e treinados profissionais
para o mercado externo; deu estabilidade ao emprego dos engenheiros
e técnicos do laboratório. O convênio garantiu também a existência

Figura 3 – Testes em modelo reduzido escala 1:8


do aerador da usina hidroelétrica Foz do Areia.

416
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

de trabalhos de modelos reduzidos das usinas da COPEL que assumir o CEHPAR e, seguindo a própria orientação do Reitor da
estavam em acelerado processo de projeto e de construção no época, professor Carlos Roberto Antunes dos Santos, em maio de 2000
rio Iguaçu, como Foz do Areia e Segredo. o CEHPAR passou a ser administrado pelo LACTEC, uma associa-
ção civil, de direito privado, auto-sustentável e sem fins lucrativos
A Universidade teve o seu retorno com o aperfeiçoamento do que também nasceu da privatização dos laboratórios da COPEL e
seu quadro de docentes do Departamento de Hidráulica e Sa- da Universidade. A passagem do CEHPAR da COPEL para o
neamento e dos seus estudantes através de estágios. Havia até LACTEC foi gerenciada pelo engenheiro Ralph Carvalho Groszewi-
quem dissesse que os estudantes deveriam pagar para es- cz que soube conduzir a transição com muita habilidade e paciência.
tagiar no Centro pois sempre foi um invejável treinamento O LACTEC é uma OSCIP - Organização da Sociedade Civil
reservado a poucos selecionados entre os bons alunos do cur- de Interesse Público, que provê seus recursos através da venda de
so de engenharia civil. O curso de pós-graduação em engenha- projetos de pesquisa e desenvolvimento e outros serviços tecnológicos.
ria hidráulica foi criado em 1986 e patrocinado pelo CEHPAR
que colocou seus engenheiros à disposição do curso, tanto para Nos primeiros anos da privatização o período era de muitas difi-
ministrar aulas como para administrar o curso. O laboratório culdades para o setor de construção de usinas e o CEHPAR teve
e a oficina foram também disponibilizados para se desen- que buscar outra forma de garantir o caráter de auto-sustentabili-
volver pesquisas na área de Hidráulica. O CEHPAR trouxe dade. Nesse aspecto, os projetos de pesquisa e desenvolvimento,
vários professores, da Inglaterra, Estados Unidos, França conhecidos como P&D ANEEL foram essenciais. Projetos da
e Holanda para o curso de mestrado. ELETRONORTE, CHESF, COPEL, CERJ e CEB foram desen-
volvidos com muito empenho e eficiência na Divisão de Hidráulica.
Entretanto o Brasil estava em recessão em termos de construção Brilhou aqui o caráter universitário do CEHPAR que jamais limitou
de hidroelétricas desde 1982 (ano do enchimento do reservatório suas atividades aos estudos em modelo reduzido e procurou sempre
de Itaipu), período negro que se estenderia até a virada do milênio. investir e dar um passo a mais para desenvolver conhecimentos.
Nesse período o CEHPAR teve a satisfação de ver lançado dois de Mesmo nesse período difícil, o laboratório investiu na formação dos
seus grandes líderes a serviço da Diretoria da COPEL, os profes- seus engenheiros, incentivando a realizar seus cursos pós-graduação.
sores Francisco Gomide e Sinildo Neidert que deixaram as che- O Centro sempre apoiou a formação de seus engenheiros - dos 33 en-
fias das Divisões de Hidrologia e de Hidráulica, respectivamente. genheiros que trabalharam na Divisão de Hidráulica, 30 tiveram algum
Ficaram nas chefias os professores Marcos Tozzi (Hidráulica) e tipo de apoio para a sua formação no seu mestrado ou doutorado.
Heinz Fill (Hidrologia) até suas aposentadorias em 1999.
Aos poucos o CEHPAR começou a ser procurado para realizar
O Seminário 30 anos do CEHPAR, realizado nos dias 24 e 25 de estudos hidráulicos de várias obras brasileiras (Itapebi, São João,
novembro de 1989, reuniu 108 pessoas inscritas e se desenvol- São José, Castro Alves, 14 de Julho) e estrangeiras. Com a vinda
veu em grande estilo, com palestras de professores estrangeiros do modelo reduzido de Paute Mazar, uma obra importante do
(Maurice Bouvard da França e Vujica Yevjevich dos Estados Equador, o laboratório começou a recuperar o seu ânimo. Ironica-
Unidos). O aniversário de 40 anos, que nem teve uma comemoração mente, o aquecimento do mercado trouxe também alguns proble-
formal, foi dos mais difíceis para o Centro, pois o Governo Estadual mas. Os engenheiros do Laboratório começaram a ser procurados
estava prestes a privatizar a própria COPEL e o processo começou por empresas que ofereciam melhores oportunidades e salários.
pelos laboratórios que hoje compõem o LACTEC – Instituto de Se não fosse a competência dos que os substituíram, o laborató-
Tecnologia para o Desenvolvimento. A Universidade não pôde rio poderia ter entrado em colapso. Por uma época, o CEHPAR

417
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

passou a ter mais estudos de obras estrangeiras do que


brasileiras (Palomino da República Dominicana, Cambambe
da Angola, Gibe III da Etiópia, Ituango da Colômbia) até o início
dos estudos para a usina hidroelétrica Belo Monte. Hoje o labo-
ratório está bastante ativo, com seus funcionários trabalhando
com bastante otimismo. Lista-se a seguir, uma série de estudos
que relatam os passos da Divisão de Hidráulica do CEHPAR.

Primeiros estudos do Laboratório de Hidráulica e


estudos sobre erosão ao redor de pilares de pontes
Segundo o que consta nos anais do Seminário CEHPAR 30 anos,
o primeiro projeto do Laboratório de Hidráulica foi um trabalho
singelo, mas com objetivo bem claro, o de estudar em modelo
Figura 4 – Teste de fechamento na usina hidroelétrica
hidráulico as condições de assoreamento na tomada de água da Termo- Itapebi, com representação de aluvião
elétrica de Figueira. Esta foi uma iniciativa do engenheiro Leão Schul-
man, Presidente da Central Elétrica de Figueira S.A. – UTELFA que realizar estudos sobre erosão ao redor de pilares de pontes. Ainda
apoiou os primeiros passos do CEHPAR. O Professor Nelson hoje, o Centro utiliza essa técnica para reproduzir o aluvião em
Pinto, recém retornado dos EUA, realizou ensaios com fundo modelo reduzido, como pode ser visto na Figura 4, que mostra o
móvel utilizando serragem de imbuia peneirada e tratada para fechamento do rio na usina hidroelétrica Itapebi.

Figura 5 – Modelo de Salto Grande do


Iguaçu, mostrando, da esquerda para a direita
os professores Sinildo Hermes Neidert, Pedro
Viriato Parigot de Souza e Nelson Luiz de
Sousa Pinto, o engenheiro Octavio Marcondes
Ferraz (na época da usina e depois presidente
da Eletrobras) e um técnico do Laboratório

418
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

A usina de Capivari-Cachoeira, construída na década de sessenta A contratação do Centro para os estudos para a hidroelétrica de
(1963-1970), constituiu a primeira experiência concreta de par- São Simão em 1971 foi um marco que levou o CEHPAR para
ticipação no desenvolvimento e otimização de um projeto de além dos limites do Estado do Paraná. O modelo contribuiu com
grande porte. Os estudos em modelo incluíram a descarga de a definição do esquema de desvio que era sofisticado. O labo-
fundo e o vertedouro, a chaminé de equilíbrio com câmara ratório fez também estudos sobre vórtice na tomada de água,
de expansão, o sistema de restituição das águas das turbinas caracterização do vertedouro e erosão da rocha a jusante do
vertedouro com material coesivo.
Pelton ao túnel de fuga, e a estrutura de dissipação de energia
na restituição ao rio Cachoeira. Os estudos da hidroelétrica
Capivari-Cachoeira marcaram o início das relações do Centro com o Estudos hidráulicos para o aproveitamento
engenheiro Maurice Bouvard, de Grenoble, que não só orientou o
hidroelétrico de Itaipu
desenvolvimento geral desse projeto como participou em diversas
atividades didáticas promovidas pelo CEHPAR. Foram importantes Itaipu foi um marco importante para o setor elétrico e foi sem
os estudos para Salto Grande do Iguaçu (estudos de vórtices na dúvida um ponto alto para o CEHPAR. Dirigido pelo professor
tomada de água) e de Mourão, acumulando conhecimentos para que Sinildo Neidert, um grupo de engenheiros e bem intencionados
fossem confiados, na seqüência, os estudos de grandes obras do técnicos começaram seus trabalhos em 1972 para a maior obra
rio Iguaçu. A Figura 5 apresenta uma visita do representante da hidroelétrica do mundo. Um pavilhão de 70 m por 50 m em
empresa de Salto Grande do Iguaçu ao modelo, onde pode-se ver estrutura metálica foi construído especialmente para abrigar o
ainda os professores Parigot de Souza, Nelson Pinto e Sinildo grande modelo. Foi instalado um novo sistema de recalque,
Neidert, no início da década de 1960. capaz de circular 1000 l/s. Essas construções podem ser vistas
na Figura 6. O custo dessas instalações foi financiado pela COPEL
Estudos hidráulicos de Salto Osório e São Simão e pago posteriormente pelos trabalhos realizados pelo CEHPAR.
Foram cinco modelos reduzidos. O primeiro modelo foi desti-
A hidroelétrica de Salto Osório é uma grande obra do rio Iguaçu, nado ao estudo do desvio, desde a verificação do grande canal,
cujos estudos se desenvolveram no começo dos anos setenta. da estrutura das comportas até dos detalhes da construção das
Um dos modelos foi implantado no interior do pavilhão com es- ensecadeiras. Havia também uma preocupação com a ponte que
trutura em madeira com grande vão, um prédio que merece ser tinha seus pilares fixados dentro do canal. O fechamento do rio
visitado. A reprodução do leito, uma região de corredeira e cacho- foi feito em avanços simultâneos de quatro pré-ensecadeiras,
duas para a ensecadeira de montante e duas para a de jusante.
eira foi feita de forma muito minuciosa numa época em que não
Testes de fechamento requeriam um controle dinâmico das pon-
se dispunham de técnicas eletrônicas de levantamento e de registro
tas de aterro com medições de níveis de água e de velocidades
de imagens. O relevo do modelo foi feito com fitas de aço nivela-
do escoamento, analisando-se a estabilidade do enrocamento a
das segundo as curvas de nível. Hoje o Centro executa com seções
cada deposição de material. Os ensaios dinâmicos foram feitos
transversais de Duratex. A técnica de construção de modelos de es-
de maneira ininterrupta, com duração de três dias. Como havia
truturas com acrílico estava sendo consolidada na época, mas ainda
uma camada de sedimentos na região, a construção das pré-
foi usado muito cedro nas partes importantes das estruturas. Nessa ensecadeiras devia proporcionar uma limpeza automática através
época, o CEHPAR enviou o seu engenheiro Sinildo Neidert para da apropriada escolha da seqüência de avanço nas pontas de aterro.
aperfeiçoamento na Alemanha. Para fechamento de rios com considerável profundidade, como

419
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

é o caso de Itaipu, começou a tornar um consenso uma “regra pava muito com a erosão provocada pela enorme concentra-
prática”, que o diâmetro do enrocamento necessário para o ção de energia do jato efluente do vertedouro. A capacidade
fechamento com um desnível é da ordem de 30% a 40% desse de descarga do vertedouro foi cuidadosamente verificada no
valor, ou seja, . Para escoamentos com peque- modelo geral e confirmada também no modelo parcial
nas profundidades essa regra não parece ser válida. Grandes construído em escala maior. Para o arranjo final do vertedou-
planilhas bem estruturadas foram utilizadas para gerenciar esses ro foram feitos testes de erosão com leito coesivo envolvendo
testes de fechamento. enorme volume de material; a Figura 8 apresenta um dos
resultados obtidos nos ensaios.
No modelo geral de Itaipu foram desenvolvidos os estudos do
vertedouro de encosta com 14 comportas e calhas bem longas A tomada de água e a casa de força foram ensaiadas extensivamente.
de concreto, com defletores em salto de esqui nas extremida- Foram feitos os testes de verificação das tendências à formação de
des de jusante, que pode ser visto na Figura 7. Vários arranjos vórtices e condições de aproximação, assunto que foi também
foram verificados uma vez que a equipe de projeto se preocu- explorado no modelo parcial da tomada de água. Com o intuito de

Figura 6 – Construção do pavilhão para o modelo tri-dimensional de Itaipu e a a instalação de recalque.

420
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Para o vertedouro, foram feitos testes em um modelo parcial


construído na escala 1:50, com a reprodução de três vãos. Influen-
ciado pela cavitação ocorrida em grandes obras da época, (Karun
no Irã, por exemplo), cogitou-se instalar no vertedouro de Itaipu
um sistema de auto-aeração das calhas, a exemplo do adotado em
Foz do Areia. Entretanto, os cálculos sobre índices incipientes de
cavitação indicaram que a configuração da calha do vertedouro de
Itaipu é favorável, não necessitando a implantação de aeradores.

Estudos hidráulicos de Foz do Areia, Emborcação e


Sabaneta – estudo sobre aeração

De forma paralela aos estudos para Itaipu, o Centro conduziu os ensaios


Figura 7 – Modelo tri-dimensional do AHE Itaipu em operação
para Foz do Areia e Salto Santiago. Foz do Areia trazia uma novidade

compensar possíveis efeitos de escala, o laboratório realizou en- que é a barragem de enrocamento com face de concreto (na época,
saios com distorção da escala das velocidades, forçando intensificar a maior área de laje do mundo). O Centro teve a oportunidade de con-
no modelo a formação de vórtices aumentando a vazão de teste. tribuir com vários ensaios sobre juntas da laje de concreto da barragem.

Figura 8 – Resultado
dos testes de erosão
a jusante do vertedouro
de Itaipu.

421
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Os desastres devido à cavitação ocorridos na calha do vertedouro de recorrência). Mas a contracurva, que faz a ligação da estrutura da crista
Karun do Irã e nos túneis americanos de Palisades e Yellowtail com a longa calha inclinada, provocava um aumento excessivo das
preocuparam o meio técnico e já se sabia que a solução é a aeração do pressões que atingia a linha da crista. A pressão sobre a crista que de-
escoamento, conforme havia mostrado os russos no vertedouro de veria ser nula pelo conceito original, estava majorada pela presença da
Nurek e Bratsk. Assim, o CEHPAR iniciou seus primeiros testes de contracurva. Em conjunto com a COPEL, o CEHPAR sugeriu uma
aeração no modelo reduzido (escala 1:30) do descarregador de fundo redução da carga de projeto da crista, isto é, o perfil seria desenhado mais
de Foz do Areia. A cavitação e aeração tornaram-se assuntos muito delgado de forma que a pressão final fosse razoável e garantisse uma
enfocados na época. O CEHPAR efetuou uma série de ensaios me- boa capacidade de descarga. A crista do vertedouro foi redimensionada
dindo a vazão de ar no modelo utilizando medidores simples (bocal, com uma carga de projeto 25% menor que a carga máxima de operação.
pitot, orifício, venturi) com manômetro dotado de micrômetro. Mas Coincidência ou não, hoje muitas obras brasileiras adotam como padrão
logo concluiu que os efeitos de escala são consideráveis e que não há a carga de projeto igual a 75% da carga máxima de operação. O labora-
correspondência entre modelo e protótipo em termos de demanda tório também se despertou no uso de modelo matemático (elementos
de ar em testes realizados em modelos construídos nas escalas usuais. finitos e elementos de contorno) para estudos dessa natureza.

O laboratório teve a oportunidade de estudar os aeradores da calha Xingó foi outra usina que o CEHPAR veio a contribuir decisivamente.
do vertedouro de Foz do Areia e de medir a vazão correspondente Os estudos em modelo tornaram possível um dos mais complicados
de ar no protótipo. O laboratório levou o programa adiante e efetuou esquemas de fechamento do rio. Até no dia do fechamento, o CEHPAR
estudos em modelos parciais de escalas maiores (1:15 a 1:8 – Figura 3) estava realizando testes para instruir o passo seguinte na obra. Estudou-se
que culminou na publicação do trabalho: Pinto et al. (1982) na revista também uma descarga de fundo instalada em um dos túneis de desvio.
Water Power & Dam Construction (Aeration at High Velocity Flow). Estu-
do semelhante, feito para o vertedouro de Emborcação foi também Estudos sobre vertedouros em degraus
confirmado no protótipo. O laboratório também teve uma contri-
buição importante para a definição do aerador do descarregador de Já em 1985 o CEHPAR defrontou com o estudo de barragens de
cheias no túnel de Sabaneta (República Dominicana). concreto compactadas com rolo (CCR). Em 1991 realizou os pri-
meiros ensaios de vertedouros em degraus para fins de pesquisa
Estudos hidráulicos de Segredo e Xingó utilizando como projeto piloto o vertedouro de Cubatão. Esse estudo
foi realizado a título de mestrado por um aluno que veio a desistir do
No estudo do desvio de Segredo os túneis foram reproduzidos curso, mas foi retomado como um estudo mais aprofundado para a
por tubos de acrílicos dotados de rugosidades em forma de tiras. tese de doutorado do então chefe da Divisão de Hidráulica, engenheiro
O laboratório desenvolveu uma técnica própria para dimensionar Marcos Tozzi, pela Universidade de São Paulo. Este estudo permi-
a espessura dessas tiras e passou a considerar, quando desejável, a tiu a caracterização do escoamento conhecido como skimming flow.
sobrescavação do túnel e a rugosidade, de forma a produzir um esco- O estudo sobre vertedouro em degraus culminou em mais uma tese de
amento mais próximo do esperado para o protótipo. Analisando-se a doutorado, do engenheiro Júlio César Olinger que se preocupou em
crista do vertedouro que seguia aproximadamente o padrão US Army estudar as pressões nos degraus. Com estudos feitos posteriormente,
Corps of Engineers, concluiu-se que as pressões registradas na crista es- mais um engenheiro do CEHPAR defendeu sua tese de mestrado.
tavam totalmente a favor da segurança, mas estavam prejudicando a O mesmo pesquisador veio a atuar na pesquisa e desenvolvimento
sua capacidade de descarga. Até então, as cristas tinham como carga ANEEL para a Eletronorte, estudando a possibilidade de se operar os
de projeto a carga máxima de operação (enchente de 10.000 anos de vertedouros com degraus de grandes dimensões para fins de economia.

422
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Estudos hidráulicos para a hidroelétrica de de comportas. O CEHPAR estudou o downpull e catapultamento da


Salto Caxias comporta da tomada de água de Segredo. Depois recebeu o desafio de
estudar a comporta do aqueduto da eclusa de Porto Primavera. Neste
O modelo de Caxias foi o que permaneceu mais tempo no CEHPAR. projeto o grande problema foi o atrito do modelo da comporta.
Começou nos anos noventa e só foi demolido em 2010. Foram estudados os Realizaram-se testes de abertura e de fechamento da comporta para
problemas de desvio, do vertedouro, da tomada de água e do canal de fuga, extrair o atrito do modelo, que não apresenta semelhança física e não
como de praxe. Caxias representou o último grande estudo da fase do con- pode ser transposto ao protótipo. O outro projeto que foi um desafio
vênio entre a Universidade e a COPEL que terminou em maio de 2000. interessante foi o da definição do esforço no servomecanismo de aciona-
Destaca-se, no entanto, que a erosão a jusante do vertedouro, perfeitamente mento da comporta da tomada de água de Tucuruí (Figura 9). Os ensaios
aceitável sob o ponto de vista da engenharia, tornou-se um problema para a mostraram que água acumulada nas vigas constituía um peso adicional
usina devido ao aprisionamento de peixes nas fossas de erosão e em locas, exigindo que aumentasse a capacidade do servomecanismo.
após o fechamento das comportas do vertedouro. O material erodido e
depositado a jusante (barra) tornou-se também um obstáculo para a saída
dos peixes. A COPEL procurou uma medida definitiva, que não se limi-
tasse ao resgate manual dos peixes aprisinados. O laboratório reativou
o modelo e prestou uma contribuição importante à usina, realizando
ensaios para várias alternativas de canais para a liberação dos peixes.

Estudos das hidroelétricas de Itá, Campos Novos,


Machadinho e Barra Grande
O CEHPAR teve a oportunidade de trabalhar com as obras cata-
rinenses dos rios Canoas, Pelotas e Uruguai. Nos modelos de Itá e
Machadinho foram realizados ensaios de erosão em rocha utilizando-
se materiais coesivos. A título de pesquisa de mestrado, o CEHPAR
chegou a construir um modelo reduzido de Itá na escala 1:300 para
verificar a viabilidade de estudo em modelo em escala mais reduzida
visando a economia no estudo. A conclusão foi que modelos muito
pequenos não conduzem a bons resultados, em geral por efeito de
escala mais pronunciados, e a tão esperada redução do custo não
ocorreu a contento, tendo em vista o cuidado com que as estruturas
foram executadas. Figura 9 – Estudo da Comporta de Fechamento daTomada de Água
de Tucuruí – 2a fase, com o engº Edie Taniguchi em primeiro plano
Estudos hidrodinâmicos de movimentação de
comportas Pesquisa e desenvolvimento: projetos ANEEL e
modelos matemáticos
O CEHPAR, que veio trabalhando essencialmente com engenheiros
civis, teve a preocupação de contratar um engenheiro eletrônico para A Divisão de Hidráulica passou por uma fase difícil no período em
dar assistência à instrumentação. Esse engenheiro foi fundamental que no Brasil o ritmo de construção de usinas teve acentuada queda.
no desenvolvimento de ensaios hidrodinâmicos de movimentação Mas o talento dos engenheiros fez surgir uma nova oportunidade
423
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

para Centro. Foram os projetos de pesquisa e desenvolvimento da


ANEEL. Assim, a COPEL, CHESF, ELETRONORTE, LIGHT, CERJ,
CEB e DUKE firmaram parcerias que deram oportunidades de pesquisa ao
Centro. Principalmente a ELETRONORTE propiciou três estudos, de
vertedouro em degraus, vertedouro não convencional em curva e vertedouro
de ogiva baixa. Com a CHESF o Centro executou um interessante trabalho
sobre a capacidade natatória de peixes, uma pesquisa aplicada ao rio São
Francisco. A CERJ e a CEB foram as empresas que estudaram metodologias
para repotenciação de usinas antigas. Para a LIGHT o laboratório fez estudos
sobre escadas de peixes. Com a COPEL o Centro desenvolveu um estudo
sobre o uso de perfilador acústico ADCP como medidor de transporte de
sedimentos e outro estudo sobre assoreamento de reservatório (parte de um
projeto maior do CEHPAR). Depois a COPEL liberou mais dois projetos, Figura 10 – Modelo de Gibe III em operação
sobre dissipadores de energia em fenda e pilares defletores e sobre vertedouros
labirinto que haviam sido submetidos anteriormente. Atualmente o Centro faz uma dessas obras estudadas pelo CEHPAR. Para o rio Paute havia sido
um estudo sobre geração de energia alternativa. O Coordenador do CEHPAR calculada uma vazão decamilenar de 2.340 m3/s, mas em vista de que
no período de 1999 a 2008 tomou uma iniciativa bastante positiva à Divi- já havia experimentado um desastre com rompimento de uma barra-
são de Hidráulica com a aquisição do modelo computacional DELFT 3D. gem natural formada pelos restos de um desmoronamento de encos-
Um dos engenheiros começou os estudos em modelos matemáticos com o tas, foi concluído que o rio tem um potencial de gerar uma vazão de
uso do modelo RMA, do U. S. Army Corps of Engineers em uma aplicação 7.500 m3/s. A passagem dessa vazão tornou-se requisito para o
à sua tese de mestrado e ao projeto de P&D ANEEL com a COPEL. Foi vertedouro, sendo necessária a operação sem comportas.
feita uma pesquisa para a COPEL um estudo sobre sedimentação na baia
de Antonina utilizando o DELFT 3D. O modelo CFX deu origem a uma Sendo o vertedouro construído em um reduzido espaço devido aos
tese de mestrado de um bolsista LACTEC. O Centro fez também um estu- íngremes taludes das encostas, o projetista foi forçado a sugerir uma
do do escoamento no rio Iguaçu para a usina de Baixo Iguaçu da COPEL, configuração não convencional semelhante a um vertedouro lateral.
utilizando o HEC-RAS e o DELFT-3D. Ao estudar o habitat de peixes no O modelo reduzido, na escala 1:60 mostrou que essa configuração não
projeto de P&D ANEEL da Chesf o CEHPAR deparou com o modelo é propícia e contribuiu na seleção de uma nova forma aceitável sob
RIVER 2D, um software livre bastante útil em projetos. Desde então muitos o ponto de vista técnico e econômico.
engenheiros passaram a usar esse modelo. De certa forma essa é também
uma contribuição importante do CEHPAR ao setor elétrico. Para a Duke O modelo de Palomino (República Dominicana) trouxe um novo desafio.
está sendo desenvolvido um equipamento para geração de energia elétrica. Pela primeira vez o CEHPAR realizou um ensaio de purga de sedimentos
conhecida como flushing, em modelo reduzido construído na escala 1:70.

Modelos de Paute Mazar, Palomino, Cambambe, Cambambe é uma obra da Angola que estava inacabada por anos.
Ituango e Gibe III Trata-se de uma barragem de concreto em arco, em cujo topo
pretende-se instalar um vertedouro orifício. Está programado
A demanda de energia em vários países fez com que as empresas brasi- também implantar um vertedouro de encosta. As duas estruturas
leiras encontrassem um excelente mercado. Paute Mazar no Equador foi são objetos de estudo no CEHPAR.
424
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

O projeto Gibe III é uma contratação feita diretamente por uma empresa rão feitos em 5 modelos reduzidos e levará um tempo total de 3 anos.
italiana que faz serviços para a obra a ser construída na Etiópia. Cons- A Figura 11 apresenta o trabalho de construção do modelo principal
truiu-se no laboratório um modelo com 4,5 m de altura. Está em estudo (sítio Pimental) no pavilhão antes ocupado por 13 outros estudos.
o desempenho do vertedouro, incluindo a sua capacidade de descarga,
pressões e erosão provocada pelo jato efluente e a operação da usina.
Observações finais

Modelo reduzido do sistema de refrigeração da usina O laboratório de hidráulica do CEHPAR faz questão de lembrar que
os sucessos dos estudos em modelos reduzidos não se devem apenas
nuclear de Angra dos Reis
aos engenheiros. Os trabalhos dos serventes, pedreiros e artífices,
normalmente considerados modestos em outras áreas de atuação,
A ELETRONUCLEAR procurou o Centro de Hidráulica para realizar
são responsáveis pela precisão dos resultados. Atrás do reconhecimen-
os estudos em modelo reduzido do sistema de refrigeração da usina
to internacional do Centro de Hidráulica está o apoio imprescindível
nuclear de Angra dos Reis, levando em conta a inclusão iminente da
dos artífices que contribuem a cada dia com excelentes idéias dentro
unidade III. O laboratório fez questão de oferecer uma solução para
de suas especialidades. A seleção de bons estagiários é uma contri-
realizar testes dinâmicos do sistema de refrigeração, simulando paradas
buição importante para o setor elétrico, pois uma boa maioria dos
instantâneas das usinas e levando em conta as condições de maré na
estagiários do CEHPAR escolhe o setor elétrico para desenvol-
região de descarga da água.
ver seus talentos. O termo “pesquisa aplicada útil” sempre foi o
foco do CEHPAR. Segundo palavras do seu fundador, professor
Modelo reduzido da hidroelétrica de Belo Monte Parigot, o “CEHPAR faz trabalhos úteis à sociedade, e a medida dessa
utilidade é a vontade da sociedade pagar por estes trabalhos”. A seriedade,
O CEHPAR está iniciando os estudos para a terceira maior hidroelétrica a humildade e o compromisso com a verdade têm ajudado em mui-
do mundo, a ser construída no Rio Xingu, no Estado do Pará. Sua po- to o CEHPAR. O ponto forte do laboratório são ainda os estudos
tência instalada será de 11.233 MW, o que fará dela a maior capacidade hidráulicos em modelos reduzidos, mas a privatização do laboratório
instalada em hidroelétrica inteiramente brasileira, visto que a de Itaipu tornou o grupo mais forte e fez descobrir que seus integrantes têm
está localizada na fronteira entre o Brasil e o Paraguai. Os estudos se- potencial para ampliar seus campos de atuação.

Figura 11 – construção do modelo reduzido


do sítio Pimental do AHE Belo Monte

425
Corumbá

Marimbondo

Serra Mesa

Itumbiara
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Centro de Tecnologia de
Furnas em Goiânia
- Resumo histórico e
atividades de pesquisa
Resumo histórico Flavio Miguez de Mello

O início dos ensaios especiais


O ano de 1968 estava iniciando quando o Departamento de Obras de Furnas, chefiado por Geofredo de Moraes, recebeu uma solicitação
vinda da obra da hidroelétrica de Estreito, depois denominada Luiz Carlos Barreto, para aquisição de equipamentos para ensaios triaxiais
em amostras de solo. Até então Furnas mantinha nas suas barragens que na época estavam em estágios avançados de construção
(Estreito, Funil e Nhangapi) laboratórios de campo apenas para os controles de liberação de obra. Os ensaios especiais eram contra-
tados junto a laboratórios de empresas ou a institutos de pesquisa. A referida solicitação foi enviada ao Departamento de Engenharia
chefiado por Franklin Fernandes Filho que passou a documentação para a Divisão de Engenharia Civil sob o comando do engenheiro
Adolfo Szpilman. A documentação foi enviada para o engenheiro Humberto Pate coordenador do grupo de estudo dos novos projetos
de Furnas, os aproveitamentos de Porto Colômbia e de Marimbondo.

Ao longo desse percurso, com pouca perda de carga, a solicitação percolou sem despertar interesse no sentido do seu atendimento ten-
do por destino o seu arquivamento. Com instruções de apenas tomar ciência antes do arquivamento, Pate entregou a documentação a um
engenheiro recém formado que acabara de integrar o grupo dos novos projetos. Esse engenheiro preparou um trabalho com considerações
teóricas sobre os diversos tipos de ensaios triaxiais e desenvolveu um estudo do aproveitamento da instalação desses aparelhos em labora-
tório próprio para, com maior disponibilidade de execução de ensaios, obter informações necessárias e abundantes para o desenvolvimento
dos projetos das hidroelétricas de Marimbondo e de Porto Colômbia cujos estudos preliminares indicavam grandes maciços de terra com
extensas fundações em solo, além de prever a aplicação em eventuais projetos futuros.

O pedido de aquisição dos equipamentos e o trabalho sobre ensaios triaxiais percolou em sentido contrário ao anterior mas dessa vez atin-
gindo a Diretoria Técnica. O engenheiro Flavio H. Lyra concedeu a permissão para a aquisição. Os equipamentos foram instalados no
acampamento de Marimbondo em 1968. Esses foram os primeiros equipamentos de laboratório de Furnas além dos equipamentos
de ensaios correntes em obras. Em Marimbondo outro jovem engenheiro, Agenor Bailão Galletti ficou encarregado do laboratório de solos.

427
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Os laboratórios nos seus primeiros anos


Em 1969 Furnas acelerava as obras e montagens da hidroelétrica de
Funil para que pelo menos uma das três unidades entrasse em opera-
ção antes do fim do ano para que os custos de construção já incidissem
na tarifa do ano seguinte. A usina entrou em operação comercial nos
últimos dias de dezembro de 1969. Com a obra tendo sido concluída
em 1970, Flavio H. Lyra recomendou a Rubens Vianna de Andrade, su-
perintendente das obras do rio Grande, que incorporasse o engenheiro
Walton Pacelli de Andrade para atuar na tecnologia do concreto nas
novas obras que se iniciavam. De 1970 a 1975 Pacelli melhorou a Figura 2 – Ambiente de trabalho no DCT
capacitação do laboratório de concreto com a instalação de prensas
de grande capacidade e estudos de propriedades térmicas, entre outros.
As instalações definitivas
Com o término da obra de Itumbiara foi pensada a criação de um centro
Em 1975 os laboratórios de solos e de concreto foram trans- tecnológico. Três locais foram considerados: Brasília, Belo Horizonte e
feridos para Itumbiara onde Furnas passou a implantar sua Goiânia, tendo sido decidida pela instalação em área anexa à subestação
maior hidroelétrica. Na fase de Itumbiara houve expansão da de Furnas, em Goiânia. A construção inicial foi concluída em 1985 já
capacidade dos laboratórios. abrigando também o laboratório de mecânica de rochas. Inicialmente
o centro foi comandado pelo engenheiro Ludgero Pimenta de Ávila.
A partir de dezembro de 1992 o centro foi chefiado já em nível de
departamento (Departamento de Apoio e Controle Técnico – DCT)
pelo engenheiro Walton Pacelli de Andrade que acumulava a che-
fia do laboratório de concreto, tendo como assistente o engenheiro
Nelson Caproni que acumulava a chefia dos laboratórios de solos e
rocha. Nessa época estava começando a obra da hidroelétrica de
Serra da Mesa e em seguida Corumbá. O DCT passou a dar crescentes
e importantes contribuições técnicas para os projetos e obras.

É importante realçar as contribuições dos consultores Roy Carlson


e Paulo Monteiro para o DCT e os laboratórios que o antecederam.

Com a aposentadoria dos engenheiros Pacelli e Caproni em de-


zembro de 2002, assumiu a chefia do DCT o engenheiro Rubens
Machado Bitencourt, cargo que exerce presentemente (agosto de 2011),
tendo sido presidente do Instituto Brasileiro do Concreto IBRACON.

A destacada atuação do engenheiro Pacelli no DCT projetou-o como


consultor no País e no exterior. Quanto ao engenheiro recém forma-
Figura 1 – Engenheiro Walton Pacelli de Andrade, destaque na tecnologia do mencionado acima, ele ficou sempre ligado profissionalmente à
do concreto e Epaminondas Mello do Amaral Filho, expoente na engenharia de barragens embora, por capricho do destino, não tenha
construção de barragens, presidente do CBDB e do IBRACON trabalhado com o DCT e aqui relata o início dessa história de sucesso.
428
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Atividades de pesquisa do DCT Extraido de texto redigido pela equipe do DCT

Furnas constituíu o DCT, unidade criada para atuar no desen- No limiar da década de 70, os laboratórios também participa-
volvimento de serviços tecnológicos e atividades de pesquisa, ram de estudos e desenvolvimentos da tecnologia para as usinas
desenvolvimento e inovação, direcionadas aos novos empreendi- hidroelétricas Itaipu e Tucuruí, além da central nuclear de An-
mentos com foco nas aplicações de engenharia civil e correlatas. gra dos Reis que já se encontrava em curso e que demandava
A partir dos anos 90 consolidou-se com a participação em padrões de garantia de qualidade estabelecidos pela Agência
mais de 200 empreendimentos hidrelétricos no seu acervo de Internacional de Energia Atômica. Ao final da década de 80,
serviços prestados em países da América, Europa e África. esta tecnologia foi intensificada com a aplicação da metodologia
do concreto compactado com rolo na construção das enseca-
O DCT é hoje reconhecido nacionalmente como uma das mais
deiras galgáveis da barragem de Serra da Mesa, implicando em
importantes instituições tecnológicas em sua área de atuação.
relevantes benefícios de segurança no empreendimento. Poste-
Possui alguns diferenciais, como por exemplo:
riormente, no final da década de 90, foi implantado e inaugura-
do o laboratório de concreto compactado com rolo, único do
O único equipamento do mundo, em operação, capaz de
mundo em funcionamento.
executar pistas experimentais de concreto compactado com
rolo em laboratório;
No início dos anos noventa os processos foram mais bem estru-
O mais bem equipado laboratório do Brasil na área de mecânica turados dentro de padrões internacionais de gestão da qualidade,
das rochas e enrocamento;
possibilitando a obtenção da acreditação junto ao Inmetro em 1994
Realização de pesquisas e desenvolvimentos em parceria e a sua certificação ISO 9000 no ano de 1996.
com as principais universidades e centros de tecnologia do
Brasil, como a COPPE/UFRJ, PUC-RJ, USP, UFSC, UnB, Em meados dos anos noventa, o DCT implantou e inaugu-
UFRGS, UFG, dentre outras; rou o seu laboratório de mecânica das rochas, um laboratório
A área de instrumentação e segurança de barragens com a certi- singular, que possibilita um conjunto de análises aplicadas
ficação ISO 9001 que vão desde a análise em nível microscópico por análise
Sistema de gestão implantado com reconhecimentos obtidos eletrônica de varredura até a análise de resistência por meio
desde o ano de 1994, incluindo-se acreditações junto ao INMETRO, de ensaios triaxiais, de cisalhamento e de compressão unidi-
certificação segundo as normas da série ISO 9000 e premiações recional em rochas. Diversos estudos para a construção de
pelo Prêmio Nacional da Gestão Pública do Governo Federal. barragens de enrocamento com face de concreto foram desenvol-
vidos com o apoio desse laboratório.
Ao longo de sua história, o DCT sempre procurou identificar e
acompanhar os avanços necessários à superação dos desafios que Em paralelo, também em meados dos anos noventa, diversos
a evolução do setor de energia impunha. Alguns exemplos destes ensaios na área de geotecnia iniciaram o processo de infor-
avanços são descritos a seguir. matização e automação, tendo como intuito o incremento do
429
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

desempenho em prazos, custos e confiabilidade dos resultados ambientais e a estruturas mais seguras e mais duráveis. O co-
e análises realizados. nhecimento das características técnicas dos materiais do local do
empreendimento permite subsidiar análises de custo, prazo e qua-
Dando continuidade a conhecimentos técnicos pré–existentes na lidade global das estruturas. O DCT possui equipe qualificada
análise da microestrutura dos materiais, o DCT intensificou, na se- e infraestrutura adequada para o desenvolvimento deste processo.
gunda metade dos anos noventa, o desenvolvimento de pesquisas
Dentro desta área de competência encontram-se estruturadas as
na área de durabilidade de estruturas, com destaque para técnicas
seguintes linhas de trabalho:
de diagnóstico, prevenção e correção de reações álcalis-agregado
Ensaios físicos de caracterização de rochas, areias, cimento,
e também na área de sulfetos. Análises que chegam próximo ao
aditivos, água e asfalto;
nível nano possibilitaram o desenvolvimento de competências
Análises microscópicas e mineralógicas;
únicas no Brasil nesta área, sinalizando no momento atual
desenvolvimentos ainda maiores, buscando o domínio e aplicação Análises químicas para caracterização dos materiais de construção,
de técnicas em tecnologia dos materiais em nano e microtecnologia. incluindo reatividade potencial.

Três pilares sustentam bons empreendimentos no que tange à sua


No final dos anos noventa e no início da década seguinte, outra área
qualidade: um bom projeto, a utilização de métodos e técnicas
que ganhou impulso foi a de instrumentação e auscultação de barra-
construtivos adequados e a qualidade e uso dos materiais empre-
gens e estruturas anexas. A proficiência e a competência nesta nova
gados. O primeiro está basicamente sob a responsabilidade da
linha de trabalho foi reconhecida em 2004, quando obteve a extensão
projetista e o segundo basicamente sob a responsabilidade da
do escopo certificado segundo a ISO 9000 para essa atividade. construtora. O terceiro pilar, para as obras civis, fica sob a res-
ponsabilidade da equipe do controle tecnológico. A junção destes
Uma intensa atividade de pesquisa e desenvolvimento foi desenvol- três pilares, adequadamente gerenciados, permite a obtenção de
vida aproveitando os estímulos trazidos pela lei 9.991 e outras que um empreendimento “saudável”, que desempenhará suas funções
se seguiram. O aprimoramento de tecnologias existentes e o desenvolvi- com o mínimo de intervenções externas pela equipe de ma-
mento de outras novas tecnologias se seguiram desde então, ampliando nutenção, por toda sua vida útil, que em casos de barragens
a busca de agregação de valor por este centro de tecnologia. estima-se da ordem de 100 anos.

Do ponto de vista tecnológico, os projetos de P&D desenvolvidos A atuação da equipe do controle tecnológico durante a construção,
possibilitaram o exercício de um importante papel na construção pela dinâmica que é a escolha e emprego dos materiais, juntamente
com o setor de análises de materiais, conduz estudos e pesquisas
da usina hidroelétrica Foz do Chapecó, empreendimento que
de materiais para subsídios ao projeto, à construção e à otimiza-
utilizou a solução do núcleo asfáltico pela primeira vez no País.
ção do custo final do empreendimento, além de avaliar a qualidade
O desenvolvimento de um projeto de P&D desta tecnologia, anterior
especificada dos materiais utilizados nas obras civis.
ao empreendimento, possibilitou o exercício do papel de controle
e apoio tecnológico à execução dessa solução de engenharia. Visando aprimorar o conhecimento dos materiais e dos métodos
construtivos a serem implementados nos diversos empreendi-
O adequado emprego dos materiais disponíveis nos locais onde mentos da empresa, o DCT desenvolve um conjunto de estudos e
os grandes empreendimentos deverão ser construídos leva à oti- pesquisas avançadas. Estes estudos possibilitam os seguintes
mização de estruturas, à redução de custos, à redução de impactos diferenciais competitivos:

430
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Dentro desta área de competência encontra-se estruturadas as Baseado na premissa de que nos tempos atuais, a base para o su-
seguintes sub-áreas: cesso de qualquer organização, em especial na área de serviços,
Ensaios Especiais; é o capital humano, o seu conhecimento e a sua cultura, como
Desenvolvimento de Novas Soluções de Engenharia; elementos agregadores de valor aos serviços prestados, em con-
sonância com as equipes técnicas em todas as áreas de atuação do
Tecnologia do Ambiente Construído.
DCT é implementado e desenvolvido um conjunto de atividades
que visam à identificação de necessidades e demandas de co-
Os principais produtos entregues, no âmbito desta área de competência,
nhecimento e capacitação. Essa área de competência tem os
são os seguintes:
seguintes produtos principais:
Estudos e pesquisas avançadas como subsídios às otimizações
de projeto e de custos dos empreendimentos;
Padrões de trabalho adequados e atualizados;
Estudos e pesquisas do ambiente construído voltado às instalações
Assessoria em tecnologias de gestão;
de FURNAS, dos empreendimentos em construção e à sociedade;
Confiabilidade metrológica e calibração de instrumentos de
Uma das áreas de competência decorrente desta atividade é a de medição;
confiabilidade metrológica, por intermédio da qual se busca a
Capacitação e treinamento voltados aos empreendimentos e às
garantia e a precisão de todos os processos de medição técnica
atividades de tecnologia.
voltados aos empreendimentos.

Vista aérea do DCT

431
Sangradouro do açude de Orós. Ensaio em modelo reduzido e o protótipo em operação
CINQUENTA ANOS DO COMITÊ BRASILEIRO DE BARRAGENS

O Laboratório de
Hidráulica HIDROESB
– Saturnino de Brito SA
Luiz Felipe Pierre

O HIDROESB – Saturnino de Brito SA - foi a mais importante de várias outras associações como ASCE (American Society of Civil
instituição privada de hidráulica experimental no Brasil. Engineers) e AWWA (American Water Works Association).

Sua origem remonta ao Escritório Saturnino de Brito fundado Em 1946, Saturnino de Brito Filho, com o apoio de seu assis-
por Francisco Rodrigues Saturnino de Brito (Campos dos Goytaca- tente Theophilo Benedicto Ottoni Neto, então recém formado,
zes, 1864 – Pelotas, 1929) considerado o “Patrono da Engenharia decidiu criar, no sub-solo do prédio ocupado pelo Escritório
Sanitária Brasileira”. Saturnino de Brito, no centro da cidade do Rio de Janeiro, o pri-
meiro laboratório de hidráulica do país, embrião do que viria a se
Há indicações de que o Escritório Saturnino de Brito foi a transformar no Hidroesb.
primeira empresa constituída no Brasil com a finalidade especí-
fica de atuação na engenharia consultiva tendo sido responsável, A partir do final da década de 40 a empresa desenvolveu diversos
desde o final do século XIX, pelo projeto de saneamento básico estudos hidrológicos e hidráulicos aplicando técnicas inovadoras
de várias cidades brasileiras. no Brasil para a época como foi o caso da utilização do método do
hidrograma unitário nos estudos hidrológicos do rio Joanes, no
Seu fundador desenvolveu técnicas de projetos de saneamento estado da Bahia. Na década de 50 a empresa foi pioneira na realiza-
que vieram a ser adotadas em países como França, Inglaterra e ção das primeiras medições de descarga sólida em rios brasileiros e
Estados Unidos. foi responsável por projetos de destaque como a tomada d’água do
rio Guandu, responsável, até hoje, pela captação de parcela sig-
Após a morte de seu fundador, o Escritório passou a ser dirigido nificativa da água potável consumida na cidade do Rio de Janeiro
por Francisco Saturnino de Brito Filho (Campos dos Goytacazes, 1899 – e pelo projeto do sistema hidráulico de renovação das águas da
Rio de Janeiro, 1977). Formado em 1º lugar na turma de 1923 da lagoa Rodrigo de Freitas, na zona sul da cidade do Rio de Janeiro.
Escola de Minas de Ouro Preto foi professor catedrático da cadeira
de Higiene e Saneamento da Escola Politécnica da Universidade do Em 1959, com o aumento no volume de serviços, o laboratório de
Brasil e teve onze livros publicados. Desenvolveu ao longo da vida hidráulica, ainda ligado ao Escritório Saturnino de Brito, se transfe-
intensa atividade em associações de engenheiros tendo sido fundador riu para uma grande área no bairro do Andaraí, no Rio de Janeiro,
da FEBRAE (Federação Brasileira de Associações de Engenheiros) e onde havia espaço suficiente para expandir suas atividades, já en-
da UPADI (Associação Panamericana de Associações de Engenhei- tão sob a supervisão direta de Theophilo Benedicto Ottoni Neto
ros). Presidiu o Clube de Engenharia do Rio de Janeiro e foi membro (Porangaba, Ceará, 1921 - Rio de Janeiro, 2009).
433
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Em 1965 foi criado o Laboratório Hidrotécnico Saturnino de Brito SA - Hidroesb, empresa pág.293 a 300, Grandes Vertedouros
independente do Escritório Saturnino de Brito. Brasileiros pág.123 a 128).

A nova empresa se dedicou a estudos de campo nas áreas de topografia, hidrometria e Na década de 60 o Hidroesb reali-
sedimentometria bem como a estudos e projetos hidráulicos. Seu maior destaque, porém, zou projetos e estudos hidráulicos
se deu no campo da hidráulica experimental, no rastro dos grandes projetos que o País em modelo reduzido de tomadas
desenvolveu na época. d’água para fins industriais para as
instalações da USIMINAS, no rio
No ano de 1962 desenvolveu os estudos hidráulicos em modelo reduzido e os projetos Piracicaba, em Ipatinga, para a CSN,
hidráulico e estrutural para reconstrução do sangradouro do açude de Orós, no rio Jaguaribe, no rio Paraíba do Sul, em Volta
no Ceará, que havia sido destruído por uma cheia ocorrida em 1960 (ver ICOLD – Redonda e para a usina termoelétri-
“Lessons from Dam Incidents” – 1974, páginas 68 a 70, CBDB - Main Brazilian Dams II ca de Santa Cruz, no canal de São
Francisco, no Rio de Janeiro.

Nas décadas de 60 e 70 desenvol-


veu estudos hidráulicos em modelo
reduzido de vários dos mais impor-
tantes aproveitamentos hidroelé-
tricos projetados na época dentre
os quais Estreito, Jaguara, Volta
Grande, Porto Colômbia e Ma-
rimbondo, todos no rio Grande,
Mascarenhas, no rio Doce, Boa Es-
perança, no rio Parnaíba e Balbina,
no rio Uatumã. O Hidroesb cons-
truiu, também, modelos para estudos
especiais como as eclusas do AHE
Tucuruí e do AHE Boa Esperança

Figura 1 - Juarez Távora, ministro de viação e


obra públicas, ouvindo a explicação do professor
Theophilo B. Ottoni Netto sobre o modelo
reduzido do vertedouro de Orós

434
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Figura 2 - Professor Theophilo Benedicto


Ottoni Netto tendo à sua esquerda os
engenheiros Lúcio Washington e
Olívio Kalckman

e a tomada d’água do AHE Fur-


nas visando avaliar a possibilidade
de redução da cota do seu nível
mínimo operativo.

Em 1978 a empresa teve sua razão


social alterada para Hidroesb –
Saturnino de Brito SA.

Pelo pioneirismo de sua atuação


o Hidroesb deu importante con-
tribuição ao desenvolvimento da
engenharia hidráulica no país. Seu
principal executivo, professor The- Aproveitamentos Hidroelétricos, Recursos Hídricos, Hidrologia Geral, Perenização e Regula-
ophilo Ottoni, atuou profissional- rização Fluvial, Fluviometria, Hidrotécnica, Saneamento, Abastecimento d’Água de Cidades e
mente na área da Educação Superior Impactos Ambientais, em universidades como UFRJ, PUC, UFF, UnB e em instituições oficiais,
e na prestação de ser viços de como Escola Técnica do Exército (Ministério da Guerra), Escola Nacional de Saúde Pública
Engenharia Consultiva, envolvendo da Fundação Oswaldo Cruz e SUDENE.
Hidráulica, Hidrologia, Engenharia
Costeira, Planejamento Integrado Foi professor titular e emérito da UFRJ, chefe do Departamento de Hidráulica e Saneamento
dos Recursos Hídricos, Controle de do Curso de Engenharia Civil da UFRJ, vice-presidente da Associação de Antigos Alunos da
Enchentes e de Secas, Saneamen- Politécnica, membro do Conselho de Curadores da UFRJ, do Conselho de Pesquisas e Ensino
to Ambiental, Ecologia Aplicada para Graduação da UFRJ, do Conselho Diretor da Fundação de Ensino Especializado de
e Engenharia Sanitária. Saúde Pública e coordenador da Sub-Comissão da Associação Brasileira de Normas Técnicas
para Projeto de Construção de Órgãos Auxiliares de Barragens.
Como docente, ministrou aulas
em cursos de graduação e pós- O Hidroesb e o professor Theophilo Benedicto Ottoni Netto, com a sua experiência prática de
graduação, em temas de Hidráuli- engenharia e acadêmica de professor pesquisador, desempenharam importante papel na evolução da
ca, Empreendimentos Hidráulicos, engenharia hidráulica e na formação de novos profissionais na área.

435
436
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

O Instituto de Pesquisas
Hidráulicas - IPH
Marcelo Giulian Marques, Luiz Augusto Magalhães Endres e
André Luiz Lopes Silveira

setores das obras marítimas, fluviais, hidroelétricas e assemelhados


na região sul do Brasil e da América Latina.

Vários docentes de então atuavam simultaneamente na referida


secretaria e na universidade. Desta forma, seus anseios tiveram
eco no reitorado do Professor Elyseu Paglioli, que designou
uma comissão para criação deste novo instituto em 7 de agosto
de 1953, em função de um oficio do professor Adolfo Laran-
jeira Mariante solicitando a criação de um centro destinado às
Figura 1 – Vista geral do Instituto de Pesquisa
questões hidráulicas. A conjuntura histórica da época ajudou
Hidráulicas da UFRGS (1962)
nesse objetivo, pois a universidade aprovou, também em 1953,
a localização da nova Cidade Universitária junto à área destinada
à implantação do IPH.
Um breve histórico
O primeiro prédio do IPH foi o Pavilhão Marítimo, termina-
O Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) é o instituto das águas do em 1955 e inaugurado oficialmente em 1957 pelo Presidente
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), realizan- Juscelino Kubitschek. Em 1962, todos os prédios do projeto origi-
do atividades de ensino, de pesquisa, de extensão e de prestação de nal (Figura 1) estavam concluídos e operando, incluindo o Labora-
serviços em hidráulica, recursos hídricos e meio-ambiente atuando tório de Ensino, planejado pelo engenheiro Pierre Engeldinger do
ativamente em diferentes setores (elétrico brasileiro, abastecimento Laboratoire National d’Hydráulique de Chatou - França.
de água, irrigação, navegação, entre outros).
O primeiro trabalho realizado foi sobre o estudo da desemboca-
A sua criação tomou corpo em 1953, na então Universidade do dura do Rio Tramandaí, que começou em 1956 para o DEPRC
Rio Grande do Sul, em função de uma idéia circulante na Esco- (Figura 2) com a ajuda de pesquisadores franceses. Em seguida
la de Engenharia e na Secretaria de Obras Públicas do Estado do outros estudos foram realizados em modelo reduzido, tais como:
Rio Grande do Sul, de que havia necessidade do domínio da téc- Travessia do Delta do Jacuí para o DAER (Figura 3), Barragem
nica dos modelos reduzidos, assim como de um laboratório de do Arroio Duro para o DNOS (Figura 4), Barragem Bom Retiro
hidráulica para ensino, estudos e treinamento que atuasse nos do Sul (Figura 5), entre outros.
437
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 3 - Vista do modelo da travessia do


Jacuí (DAER) - estudo da proteção com
enrocamento – DAER

Figura 2 - Desembocadura do rio Tramandaí -


RS – DEPREC

Figura 5 - Barragem Bom Retiro do Sul


(DEPREC) - escoamento com comporta de
fundo e lâmina vertente.

Figura 4 - Barragem do Arroio


Duro (extinto DNOS) –
estudo do vertedouro

438
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Os anos 60 consolidam o IPH como referência nacional e hidroelétrica Passo Fundo – rios Passo Fundo e Erechim - RS,
sulamericana para estudos hidráulicos. Em função da visão de tra- usina hidroelétrica Passo Real - Rio Jacuí –RS, usina hidroelétrica
tar de maneira mais ampla os recursos hídricos, o IPH também Salto Grande – Rio Santa Cruz - RS
se tornou um pólo de capacitação e pesquisa em hidrologia * Departamento Estadual de Portos, Rios e Canais (DEPRC) -
no âmbito do Decênio Hidrológico Internacional 1965-1975, Barragem de Bom Retiro do Sul - Rio Taquari - RS (Figura 5)
com o apoio da UNESCO. * Departamento Nacional de Obras de Saneamento (DNOS) -
Barragem do Arroio Duro –RS (Figura 4)
Desta forma, em 1969, com apoio de pesquisadores estrangeiros, * Departamento Nacional de Portos e Vias Navegáveis (DNPVN)
sobretudo franceses, foi criado o curso de pós-graduação do IPH e - Barragem eclusa do canal São Gonçalo Lagoa dos Patos e
o Curso Técnico em Hidrologia, ainda hoje, único na América La- Lagoa Mirim - RS
tina. Esse convênio com a UNESCO, juntamente com a reforma * ELETROSUL - usina hidroelétrica Machadinho (1º arranjo de
universitária de 1970 marca uma segunda fase do IPH, que pas- obra) – Rio Pelotas –RS (Figura 10)
sa a ser um instituto de pesquisas também em recursos hídricos e * Garcia de Garcia - Barragem do Arroio Ribeiro -RS
saneamento ambiental, atuando no ensino (técnico, graduação e pós- * Instituto de Pesquisa Hidráulicas (IPH) - Barragem do Arroio
graduação) e apoiado por ampla atividade em pesquisa e extensão. Mãe D’água - RS
Em 1989 o doutorado foi implantado no seu programa de
pós-graduação, completando efetivamente todos os níveis de
ensino e diplomação, além de dar novo impulso e amplitude às
pesquisas. Em 2006, foi implantado o curso de engenharia ambiental,
e está em fase de implantação o curso de engenharia hídrica.

O IPH, até o presente momento, tem um acervo de centenas


de trabalhos de prestação de serviços à comunidade nas áreas
de hidráulica, de recursos hídricos e de meio-ambiente, atuando
ativamente em diferentes setores: hidrelétrico, abastecimento de
água, irrigação, navegação, modelos reduzidos de obras hidráulicas,
entre outros. Cerca de um terço destes trabalhos são referen-
tes ao setor elétrico brasileiro e as obras hidráulicas ligadas a
barragens. Destes, 15 foram estudos em modelo reduzido de
barragens, podendo-se citar: Figura 6 - Barragem do Anel de Dom Marco
(CEEE) - escoamento no vertedouro
* Administração das Hidrovias do Sul - AHSUL - Barragem do
Anel de Dom Marco Rio Jacuí - RS
* Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE) – Barragem do As pesquisas
Anel de Dom Marco – Rio Jacuí (Figura 6), Barragem Laranjeira
- rio Santa Cruz, usina hidroelétrica Dona Francisca 1º arranjo de O IPH como instituto de pesquisa sempre teve a visão: “O uso
obra (Figura 7) - Rio Jacuí –RS, usina hidroelétrica Itaúba - Rio da água com sustentabilidade, pr eser vação e conser vação”, e a
Jacuí –RS (Figura 8), usina hidroelétrica Leonel de Moura Brizola meta: “A capacitação de indivíduos e de instituições aptas a lidar
- ex-Usina Hidroelétrica do Jacuí - Rio Jacuí – RS (Figura 9), usina com os problemas que envolvem o uso da água”.

439
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 7 – Usina
hidroelétrica Dona
Francisca (CEEE) -
1º arranjo escoamento
no vertedouro

Figura 8 – Usina
hidroelétrica Itaúba
(CEEE) – erosão a
jusante do salto de esqui

440
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Figura 9 – Modelo da usina hidroelétrica Leonel de


Moura Brizola - ex-Jacuí (CEEE) - apresentação
do modelo pela equipe do IPH durante vista técnica
Figura 10 – Usina hidroelétrica Machadinho
(ELETROSUL) – escoamento pelo vertedouro.

Isto levou o IPH a desenvolver uma ampla gama de


especialidades nas ciências da água, necessárias para
uma abordagem integrada dos problemas que envolvem
os recursos hídricos ligados à quantificação, à qualidade,
ao armazenamento e ao controle das águas fluviais,
influenciando diretamente os projetos e a operação das
barragens e do setor elétrico. Para isso reuniu e busca
atualizar o seu conhecimento para:

* Avaliar as disponibilidades desses recursos;

* Projetar obras e sistemas para aproveitá-los;

* Preservar a sua qualidade e

* Promover a gestão integrada dos mesmos,


da forma mais eficiente possível.
441
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Hoje, o IPH (http://www.iph.ufrgs.br/apresentacao/) conta com O acervo de dissertações de mestrado e teses de doutorado do curso de
diferentes laboratórios e núcleos de pesquisa que trabalham de pós-graduação do IPH é resumidamente de cerca: 110 teses de douto-
forma integrada nas diferentes áreas dos recursos hídricos: rado e 315 dissertações (http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/2).
Entre os trabalhos dos últimos 10 anos referentes diretamente ao setor
* Laboratório da Estação Recuperadora da Qualidade da
elétrico brasileiro e as obras hidráulicas ligadas às barragens, foram
Água da UFRGS (ERQA)
desenvolvidas nove teses e mais de dezesseis dissertações.
* Laboratório de Clima e Recursos Hídricos

* Laboratório de Eficiência Energética e Hidráulica (LENHS) Na área de pesquisa e desenvolvimento (P&D) relacionados a
empreendimentos no setor elétrico, o IPH vem desenvolvendo
* Laboratório de Engenharia de Água e Solo
projetos através do seu Laboratório de Obras Hidráulicas (LOH),
* Laboratório de Ensino de Hidráulica aprimorando os conhecimentos sobre fenômenos hidráulicos,
a fim de gerar soluções técnicas que sejam eficientes, seguras e
* Laboratório de Hidráulica Marítima (LAHIMA)
de menor custo para o dimensionamento de obras hidráulicas.
* Laboratório de Hidrometria Esses projetos de P&Ds visam:
* Laboratório de Instrumentação e Canal de Velocidade
* compreender os processos físicos envolvidos nos fenômenos
* Laboratório de Limnologia
hidráulicos;
* Laboratório de Obras Hidráulicas (LOH)
* desenvolver ferramentas e metodologias de previsão de esfor-
* Laboratório de Processos Erosivos e Deposicionais ços hidrodinâmicos provocados pelo escoamento;
* Laboratório de Saneamento * desenvolver, verificar e comparar os critérios de dimensiona-
* Laboratório de Sedimentos mento existentes na literatura;

* Núcleo de Águas Urbanas * desenvolver linhas de pesquisa na área de eficiência energética


e hidráulica.
* Núcleo de Estudos em Correntes de Densidade (NECOD)

* Núcleo de Estudos em Transição e Turbulência (NETT) As pesquisas têm sido desenvolvidas dentro das seguintes
Linhas Mestras:
* Núcleo de Planejamento e Gestão de Recursos Hídricos

Aproximadamente 35 pesquisas desenvolvem-se regularmente * Esforços Hidrodinâmicos: em Dissipadores de Energia Hidráulica e

nesses laboratórios e núcleos, com cerca de 150 publicações a Jusante de comportas,


anuais entre periódicos e anais de eventos. Há participação Vertedouro em Degraus e Salto esqui a Jusante de comportas;
efetiva dos professores e alunos nos principais eventos na-
cionais e internacionais no domínio das águas, assim como * Transientes Hidráulicos em Usinas Hidroelétricas e em Eclusa;

nos principais fóruns de discussões sobre hidráulica, obras * Vibração em Estrutura Hidráulica em Cilindro e em Comporta;
hidráulicas, planos nacionais e estaduais de recursos hídricos
* Eco Hidráulica - Mecanismo de Transposição para Peixes (MTPs).
e de meio-ambiente.
442
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Titulo do P&Ds Parceiros


Análise da macro turbulência em dissipadores por ressalto hidráulico (Figura 11) LAHE/FURNAS
INA e IST (colaboradores)
Análise das características macro turbulentas ao longo da calha de um vertedouro DFESA
em degrau e no ressalto hidráulico formado a jusante. (Figura 12) IST (colaborador)
Análise do comportamento hidráulico dos sistemas de enchimento e esgotamento LAHE/FURNAS e UFMG
de eclusas de navegação (Figura 13) URI e UNISINOS (colaboradores)
Análise do escoamento em mecanismo de transposição para peixes – MTPs (Figura 14) CPH/UFMG
IST (colaborador)
Análise dos processos físicos envolvidos na formação de fossas de erosão em leito LAHE/FURNAS
Coesivo a jusante de salto de esqui - em desenvolvimento (Figura 15) UFSM (colaborador)
Características de escoamentos sobre vertedouros em degraus LAHE/FURNAS
IST (colaborador)
Determinação das características geométricas da soleira terminal em bacias de DFESA
dissipação a jusante de vertedouro em degraus - em desenvolvimento IST (colaborador)
Estudo dos processos geomecânicos provocados por esforços hidrodinâmicos em LAHE/FURNAS, PUC/Rio e UFMG
fossas de erosão a jusante de saltos de esqui - em desenvolvimento (Figura 16) UFSM (colaborador)
Padrões de vibração em estruturas hidráulicas por ação de escoamentos (Figura 17) LAHE/FURNAS
Transientes hidráulicos em circuitos de usinas hidroelétricas LAHE/FURNAS e IME
Utilização de modelos numérico e experimental para dimensionamento e LAHE/FURNAS e IME
otimização de bacias de dissipação

Os P&Ds desenvolvidos ou em desenvolvimento nos últimos


10 anos pelo LOH, aplicados a barragens no setor elétrico estão
listados acima.

Figura 11 - Análise de vibrações induzidas


pelo escoamento sobre uma comporta

443
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 12 – Análise da macro turbulência


em dissipadores por ressalto hidráulico

Figura 13 – Análise das características macro turbulentas ao longo da calha


de um vertedouro em degrau e no ressalto hidráulico formado a jusante.

Figura 14 – Análise do escoamento a jusante de uma


comporta tipo segmento invertida de uma eclusa

444
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Figura 16 – Análise das pressões dinâmicas a jusante de um salto esqui

Figura 17 - Análise das pressões dinâmicas em um jato direcionado


Figura 15 – Análise do
escoamento em mecanismo
de transposição para
peixes – MTPs

Em resumo, o IPH construiu


uma história voltada às águas
buscando a quantificação, a
qualidade, o armazenamento, o
controle e a gestão deste recurso
de maneira a tornar os empre-
endimentos sustentáveis.
445
446
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

O Instituto de Pesquisas
Tecnológicas do Estado de
São Paulo - IPT
Carlos de Sousa Pinto, Ronaldo Rocha e Antonio Marrano

Pela sua característica de instituto pioneiro no Brasil na tecnologia Poço Preto e Piraçununga. Mas a atuação mais marcante do IPT
da engenharia civil, o IPT teve atuação relevante no desenvolvimen- nas obras de barragens passou a ocorrer a partir da década de 1950,
to das barragens no país, tanto pelo seu envolvimento direto em com a construção de usinas hidroelétricas construídas no estado
muitas obras, como pelo seu papel de difusor de conhecimen- de São Paulo pelas empresas CHERP – Centrais Elétricas do Rio
tos técnicos. A participação do IPT se desenvolveu nas áreas de Pardo, CELUSA – Centrais Elétricas de Urubupungá SA, USELPA –
geotecnia, geologia de engenharia, concreto e estruturas. Usinas Elétricas do Paranapanema e de outras que foram unidas,
dando origem à CESP – Companhia Energética de São Paulo. Esta
atuação se realizou no reconhecimento geológico dos locais, na ca-
Geotecnia e geologia de engenharia racterização das jazidas naturais, na determinação das propriedades
de comportamento de solos, rochas e agregados para concreto, no
Um exemplo do papel difusor de conhecimentos do IPT se fez controle de execução dos maciços de terra e das estruturas de con-
notar logo após a fundação de sua Seção de Solos, em 1938. No ano creto e no monitoramento das obras, além da consultoria técnica na
seguinte, o engenheiro Mario Brandi Pereira, professor da Escola formulação e a adaptação dos projetos durante a construção.
Politécnica do Rio de Janeiro, após estagiar no IPT, fundou o labora-
tório da I.N.O.C.S. - Inspetoria Nacional de Obras Contra a Seca, em Nos levantamentos geológicos dos locais das obras, destacou-se
Campina Grande, Paraíba, este, sem dúvida, o primeiro laboratório a atividade do engenheiro Ernesto Pichler, pioneiro da geologia
de solos a se dedicar ao apoio tecnológico das barragens no Brasil. aplicada às obras hidráulicas, que já em 1947 havia publicado
um conjunto de conferências intitulado “Elementos básicos de
No início da década de 1940, o IPT estudou fundações e solos de Geologia Aplicada”. Ainda no final da década de 1940, na cons-
empréstimo para duas pequenas barragens de terra, as barragens de trução da Usina de Salto Grande, no rio Paranapanema, Pichler
iniciou a prática de estudos geológicos para projeto e constru-
ção de barragens baseados em sondagens rotativas adaptadas
aos fins de engenharia civil. Em 1953, realizou, na barragem de
Ensaio de cisalhamento de grandes dimensões do maciço rochoso num bloco de rocha
de 6 m x 6 m de seção por 4 m de altura, realizado em Ilha Solteira em 1969. Barra Bonita (rio Tietê), o primeiro ensaio de perda d’água sob
O maior ensaio in situ de resistência ao cisalhamento feito no mundo pressão em furo de sondagem, dando as primeiras contribuições
ao avanço da área de hidrogeologia no País.
447
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Pichler foi também pioneiro na implantação da mecânica das elétricas nas proximidades das barragens, Pacheco dedicou-se ao
rochas no Brasil, tendo se notabilizado pela determinação das desenvolvimento de outra, por ele batizada de “célula DM”, a partir
tensões in situ e realização de ensaios de deformação de maci- da característica de “duplo manômetro”, um manômetro lendo di-
ços rochosos nas escavações da casa de força da usina de Paulo retamente a pressão neutra no maciço e o outro acionado por ação
Afonso. Faleceu, em 1959, em plena atividade no campo, fazendo pneumática a partir da superfície fazendo a leitura do primeiro. Cinco
levantamento geológico no local da barragem de Jupiá. Em reco- piezômetros deste tipo foram instalados na barragem de Ilha Solteira
nhecimento à relevante contribuição, o seu nome foi atribuído ao
aeroporto de Jupiá. Nas barragens de Jupiá (1961 a 1969) e de Ilha Solteira (1966 a 1973)
o IPT especificou e colaborou na instalação dos laboratórios de so-
Nas barragens do Rio Pardo, Limoeiro (1953 a 1958), Euclides da los e de mecânica das rochas instalados pela CESP. No laboratório
Cunha (1956 a 1960) e Graminha (1959 a 1966), o IPT coordenou de solos de Ilha Solteira, três pesquisadores do IPT ficaram perma-
todo o controle de compactação dos maciços. Nesta ocasião, o nentes, na coordenação dos trabalhos, enquanto que no laboratório
engenheiro Hamilton de Oliveira fez uma adaptação para solos brasi- de mecânica das rochas toda a equipe era do IPT. Os laboratórios
leiros do método de Hilf de controle de compactação, introduzindo foram muito bem equipados, principalmente o de Ilha Solteira, com
no Brasil esta técnica, que passou a ser adotada em muitas obras. equipamentos da mais alta qualidade, com câmaras de ensaios tria-
xiais, equipamentos de cisalhamento direto e de adensamento. Além
Já na barragem de Limoeiro, o engenheiro Pacheco Silva instalou da determinação das propriedades mecânicas dos solos usados
piezômetros de sua própria idealização, com extensômetros elétricos na barragem, diversas pesquisas foram realizadas durante a obra,
colados em membrana de aço inoxidável, obtendo o desenvolvi- esclarecendo, por exemplo, a influência das condições de com-
mento das pressões neutras durante o alteamento do aterro e o pactação nas propriedades geotécnicas do solo compactado e a
enchimento do reservatório. Observou que as pressões neutras comparação entre as características apresentadas pelos corpos de
decresciam inicialmente durante o alteamento do aterro, para só pas- prova compactados em laboratório com as dos corpos de prova
sarem a aumentar após ser atingido um certo nível de carregamento, moldados a partir de blocos indeformados extraídos do maciço.
fato totalmente inesperado. Seus resultados tiveram repercussão Estes trabalhos passaram a ser referência para projetos de outras obras.
internacional. O engenheiro Pacheco Silva analisou este compor- Os laboratórios de Ilha Solteira, após a conclusão da barragem, pas-
tamento, característico de solos tropicais, com desenvolvimento de saram a prestar assistência tecnológica a outras barragens e, atual-
pressões neutras baixas quando devidamente compactados, o que mente, tornou-se laboratório do curso de engenharia civil da UNESP.
serviu de orientação para o projeto de barragens posteriores.
No campo da mecânica das rochas, dentre as investigações realiza-
A atuação do IPT nas barragens do rio Tietê, Bariri (1959 a 1960), das pela equipe do IPT, sob a liderança do engenheiro Murilo Ruiz,
Ibitinga (1964 a 1969), Barra Bonita (1952 a 1962) e Promissão (1966 a merecem destaques as relacionadas com as características das funda-
1975) envolveu a supervisão do controle de compactação e a instrumen- çõesdas barragens de Jupiá e Ilha Solteira, onde se sucediam camadas
tação dos maciços. Tendo notado que primeiros piezômetros instalados de constituição bem distintas. Notável foi o conjunto de ensaios de
nas barragens do rio Pardo não se mantinham confiáveis por muito cisalhamento do maciço rochoso, inclusive um ensaio de grandes di-
tempo, em virtude da deformação lenta, passou-se a usar piezômetros mensões, num bloco de rocha de 6 m x 6 m de seção por 4 m de al-
de corda vibrante, importados da Suíça, com algumas alterações pro- tura (Figura 1), o que caracterizava o maior ensaio in situ de resistência
postas pelo engenheiro Pacheco Silva e aceitas pelo fabricante. Frus- ao cisalhamento feito no mundo. Estes estudos foram fundamentais
trado com a perda de algumas destas células, pelo efeito de descargas para a definição das cotas de fundação dos diversos setores da obra.

448
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Figura 1 – Usina hidroelétrica


de Ilha Solteira, rio Paraná.
Ensaio de cisalhamento em bloco
de grandes dimensões (1969)

Também a partir do final da década de 1960, destacaram-se os argilominerais expansivos, na compreensão do comportamen-
trabalhos junto à Centrais Elétricas de São Paulo (CESP) que pos- to das juntas-falhas e na avaliação da rápida decomposição das
sibilitaram o desenvolvimento de especificações de sondagens rochas basálticas (alterabilidade), assim como na caracterização
e de critérios para a classificação dos graus de alteração e de fratu- tecnológica de agregados naturais. Avanços significativos na com-
ramento das rochas, bem como a definição de vários outros pro- preensão do comportamento dos basaltos como fundações de
cedimentos até hoje utilizados, estabelecendo uma prática brasileira barragens foram obtidos com os estudos a respeito das estruturas
para os estudos e investigações de eixos de barragens. Também foi circulares em Água Vermelha, as lavas em almofadas (pillow lavas)
desenvolvido o primeiro sistema de classificação de maciços rocho- em Nova Avanhandava e os basaltos leves de Porto Primavera.
sos utilizados no Brasil, com a colaboração do consultor alemão
Klaus W. John, empregado com sucesso na fundação de Ilha Na década de 1970, destacaram-se a formulação das primeiras orien-
Solteira e posteriormente adotado em todas as demais obras tações técnicas de normatização dos ensaios de permeabilidade em
da CESP com fundação em maciço basáltico. furos de sondagens, os estudos de caldas de cimento e argamassa para
tratamento de maciços de fundações e análise da eficiência dos trata-
Contribuições significativas decorrentes da experiência com gran- mentos de fundações de barragens. Na década de 1990, destacam-se
des obras envolveram desenvolvimentos na caracterização geoló- o desenvolvimento dos obturadores de impressão e um protótipo
gico-geotécnica de basaltos, especialmente na identificação de de equipamento para o televisionamento de furos de sondagens.
449
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Igualmente importante foram os estudos de sismicidade indu- de laboratório de solos completo no local. Este laboratório foi pos-
zida decorrente da instalação de reservatórios de barragens, teriormente vendido a um consórcio de empresas empreiteiras,
o desenvolvimento e aplicação da geologia estrutural para a constituindo o Laboratório Rankine, que passou a dar assistência
análise dos condicionantes geológico-geotécnicos, a melhoria a várias obras de engenharia, inclusive rodoviárias e de fundações.
e desenvolvimento das técnicas da geofísica e as primeiras pes-
quisas desenvolvidas no Brasil para estudo da permeabilidade A barragem de Saracuruna, localizada na Baixada Fluminense,
tridimensional dos maciços rochosos que começaram em 1984, construída pela Petrobrás, de 1960 a 1962, para abastecimento
cuja primeira aplicação com equipamentos idealizados e cons- de água para a Refinaria Duque de Caxias, apresentou infiltração
truídos pelo IPT foi na barragem de Porto Primavera, em 1989. e surgimento de água a jusante, quando atingida cota parcial de en-
A partir da década de 2000, destacam-se estudos voltados ao chimento do reservatório. Após diversas tentativas de impermea-
monitoramento dos processos erosivos nas margens do reserva- bilização das ombreiras, sem sucesso, o grupo de geologia aplicada
tório de Porto Primavera. e de geotecnia do IPT, liderado pelo engenheiro Murilo Ruiz,
realizou, em 1970, estudos para identificar as características da
O IPT contribuiu muito no campo da geotecnia e geologia de percolação. Foram realizados, pioneiramente no Brasil, ensaios de
engenharia nas barragens da CESP, mas deve-se registrar que injeção de corantes e de traçadores radioativos que, juntamente com
igualmente importante para o próprio IPT foi o apoio recebido a inspeção de amostras indeformadas, permitiram a identificação
da CESP para o desenvolvimento desta instituição, tanto no de pequenos túneis, nas ombreiras, passando de montante para jusan-
investimento em recursos materiais, como nos recursos humanos, te, com poucos centímetros de diâmetros, a profundidades de cerca
proporcionando a oportunidade para a formação de especia- de 3 m, resultantes de antigas colônias de formigas. Após a execução
listas que vieram posteriormente contribuir para a engenharia de cortina de solo-cimento nas ombreiras e fundações, as infil-
nacional em diversas atividades. trações cessaram e o monitoramento posterior, feito pelo IPT,
permitiu assegurar a estabilidade da barragem e a plena utilização
Além dos trabalhos para as barragens da CESP, o IPT teve a do reservatório na cota de projeto.
oportunidade de participar de diversas obras de barragens de
outras entidades. Alguns destes casos, pelas suas peculiaridades, Na construção da rodovia dos Imigrantes os projetistas optaram
são apresentados a seguir. por fazer a travessia da Represa Billings por meio de um aterro lan-
çado dentro d’água, projetado de maneira a poder ser transformado
A barragem de Ponte Nova, próxima às nascentes do rio Tietê, cons- numa posterior barragem, dividindo a represa em duas áreas, po-
truída pelo DAEE - Departamento de Águas e Energia Elétrica do dendo ser operadas de maneira distinta, no seu aproveitamento no
estado de São Paulo, como reguladora do rio e parte do sistema de suprimento de água na região. Na execução desta obra, o IPT instalou
abastecimento da cidade de São Paulo, teve a assistência do IPT tanto e operou piezômetros que registravam o crescimento e a dissipa-
nos ensaios dos materiais como no controle de compactação. Em ção da pressão neutra após cada lançamento do aterro, já acima
virtude das peculiaridades da obra, fundação em sedimentos arenosos do nível d’água em função do que era liberado o lançamento de
(que requereu paredes diafragma para vedação), e área de emprés- novas camadas, garantindo-se a estabilidade dos taludes do maciço.
timo de solo muito argiloso, muito úmido, de difícil secagem em
virtude do clima na região e com peculiaridades de compactação A experiência da obra anterior possibilitou ao IPT atuação impor-
(grande alteração dos parâmetros de compactação com ligeira se- tante na construção da Barragem do Rio Verde, no Paraná, em
cagem a partir da umidade natural), o DAEE optou pela instalação que se compactou o solo com umidade muito acima da ótima, em

450
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

virtude das condições de umidade muito elevada na região, com Para a barragem de Jupiá, o professor Telêmaco van Langendonck,
o consequente abatimento dos taludes do maciço para garantir a por parte da empresa projetista, solicitou ao IPT um modelo dos
estabilidade, conciliando-se esta solução com a baixa resistência apoios das comportas nos contrafortes da barragem. O modelo foi
do solo da fundação, que não precisou ser escavado. Medido- de comportamento elástico, tendo sido construído com poliés-
res de recalque e piezômetros mostraram o comportamento ter, sendo um trabalho que na época, 1968, apresentava muita
adequado da barragem, justificando a solução adotada. dificuldade em virtude da pouca disponibilidade de materiais.
O modelo foi moldado com as dimensões estudadas, a partir de
Em 2010, o IPT, colaborando para o contínuo desenvolvimento matérias primas, o que requereu um estudo preliminar para a deter-
tecnológico das barragens brasileiras, construiu um equipamento minação da adequada proporção dos componentes e dos procedi-
para realização de ensaios de medidas de tensões in situ por meio de mentos de cura. O contraforte da barragem, no modelo, tinha cerca
fraturamento hidráulico. Conhecer o estado de tensões nos maci- de 50 cm de altura, representando a barragem numa escala de 1:100
ços rochosos é particularmente importante para o projeto de túneis e foi carregado por meio de pesos mortos até serem atingidas as
de alta pressão, onde é necessário evitar que a pressão hidráulica pressões na escala empregada. Conduzido com sucesso, constituiu-se
interna conduza à ruptura do maciço. O conhecimento sobre o no primeiro modelo estrutural voltado a barragens no Brasil.
estado de tensões do maciço também contribui significativamente
para o dimensionamento da blindagem do conduto forçado. Posteriormente, de 1977 a 1979, foram executados dois mode-
los para o projeto da barragem de Itaipu, segundo a técnica de

Tecnologia de concreto ensaios em modelo desenvolvida pelo Istituto Sperimentale Mo-


delli e Strutture (ISMES), de Bergamo, Itália. Esta técnica se
caracteriza pela utilização de modelos de grandes dimensões,
No campo de concreto o IPT contribuiu na consultoria e supervi-
formas de resina, micro-concreto de pedra pomes e sistema es-
são das dosagens e no controle dos materiais constituintes. Papel
pecial de aplicação de cargas de peso próprio. A técnica de en-
importante ocorreu nas barragens de Jupiá e Ilha Solteira, onde
saio é extremamente complexa, e para o seu desenvolvimento,
se constatou, devido às características dos agregados, a possibili-
o engenheiro Fausto Tarran do IPT, depois de um estágio na
dade de reações álcali-agregados que comprometeriam a durabi-
Itália, projetou um laboratório especial, na realidade um pórti-
lidade das obras. Os estudos apontaram para a incorporação de
co de reação que permite ensaio de modelos de até 3 m, que foi
pozolanas na constituição dos concretos, o que foi adotado, com
construído pelo IPT. Coube a ele, também, a realização dos ensaios.
o ganho adicional de redução da temperatura do concreto durante
a cura e o endurecimento.
Os micro-concretos utilizados para a representação das fundações
e do elemento estrutural em estudo são executados com materiais
Modelos físicos estruturais especiais e misturas adequadas, de maneira que resulte em material
com propriedades reológicas adequadas à escala do modelo. No caso
Modelos físicos de estruturas de barragens não são rotineiros nos específico dos modelos da barragem de Itaipu, foi desenvolvido um
projetos destas obras. Restringem-se a casos especiais, quando os material básico com micro-concreto de argila expandida, em subs-
projetistas recorrem a eles para esclarecer dúvidas sobre o com- tituição às pedras-pomes diatomito, empregados pelo ISMES, ou o
portamento da estrutura em obras cujo valor e importância os jus- gesso, utilizado pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil de
tifiquem. No Brasil, foram realizados dois estudos com modelos Lisboa. Quando o material deveria ter módulo de deformação muito
físicos de características diferentes, conforme descrito a seguir. baixo, utilizou-se argamassa de areia, cimento e pérola de isopor.
451
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Os modelos tinham alturas de 1,8 m (estrutura de controle do juntamente com os aperfeiçoamentos na unidade de leitura, foram
desvio do rio) e 2,5 m (bloco de gravidade aliviada da barragem nomeados de instrumentos pneumáticos tipo IPT.
principal, incluindo as fundações - Figura 2). As formas das estru-
turas foram construídas sobre contra-formas, estas uma réplica, em As primeiras utilizações destes instrumentos pneumáticos em
madeira, da estrutura do modelo a ser construído. No corpo dos mo- barragens foram nas barragens de Rio Verde da Petrobrás, em
delos foram introduzidos tirantes para simulação do peso próprio da 1976, e Piraquara da SANEPAR, em 1978 (Figura 3). No entanto,
estrutura. As cargas hidrostáticas na face do modelo foram aplicadas a aplicação mais importante e extensiva ocorreu nas barragens do
por pequenos macacos hidráulicos. No modelo do contraforte, foram Jaguari e Jacareí da SABESP, em 1979. Nas barragens da SABESP,
aplicados 22 macacos, de maneira a simular o empuxo corresponden- foram instalados instrumentos pneumáticos tipo IPT ao lado
te ao reservatório em plena altura. Os ensaios foram conduzidos até de instrumentos elétricos de corda vibrante tipo Maihak, a se-
melhança do ocorrido na barragem de Piraquara onde se uti-
a observação de indícios de ruptura nas fundações, no modelo da
lizou piezômetros elétricos tipo Geonor. A comparação dos
estrutura de desvio. No modelo do corpo da barragem, o ensaio foi
resultados alcançados revelou o bom desempenho dos pneumáticos.
até a ruptura da junta vertical de concretagem dos contrafortes, em
função do que foi feita modificação do projeto estrutural da obra.
Nesta fase, as importações de instrumentos geotécnicos eram
difíceis e tal fato favoreceu o crescimento e aplicação dos instru-
Instrumentação de barragens mentos fabricados no Brasil. Foram muitas as barragens instru-
mentadas com piezômetros e células de pressão tipo IPT, entre
Em meados da década de 1970, foi desenvolvido o primeiro piezôme- elas destaca-se a barragem de Itaparica da CHESF onde foram
tro pneumático no IPT, pelo engenheiro Alinor Figueiredo e equipe. instalados quase duas centenas de instrumentos pneumáticos.
Em seguida, foram desenvolvidas as células de pressão total que, Também foram instrumentadas barragens na América do Sul com

Figura 2 – Usina
hidroelétrica Itaipu,
Rio Paraná -
Modelo reduzido
do bloco da barragem
principal (1978)

452
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

estes pneumáticos como, por exemplo, Paso Severino no Uru-


guai. A partir dos anos 2000 os instrumentos pneumáticos
perderam espaço para os instrumentos elétricos de corda vibrante,
em razão da automação das medidas e não em função do desem-
penho deste tipo de instrumento.

Além dos instrumentos pneumáticos, o IPT também desenvol-


veu instrumentos elétricos, com princípio de transdução por
strain-gauge, que também foram aplicados em várias barragens
nacionais e internacionais.

Segurança de barragens
Figura 3 – Barragem de Piraquara, SANEPAR.
Após os acidentes ocorridos com as barragens de Euclides da Cunha e Instalação de piezômetro pneumático (1978)
Armando de Salles Oliveira (Limoeiro), duas barragens em cascata no
Rio Pardo, em 1977, o governo de São Paulo promulgou o decreto companhias em cujo capital o Estado tivesse participação majoritária.
estadual no 10.752, em 21 de novembro de 1977, dispondo sobre a Por falta de regulamentação este decreto não foi implementado por
realização de auditoria técnica externa permanente em autarquias e todas as autarquias e companhias.

Em 1978, atendendo solicitação da SABESP, o IPT organizou uma


equipe formada por especialistas de diversas áreas do próprio insti-
tuto acrescida de consultores externos, para monitorar a segurança
das barragens dessa companhia responsável pelo abastecimento da
Grande São Paulo. Vinte e três barragens na região metropolitana
de São Paulo tiveram suas características técnicas levantadas e passa-
ram a ser vistoriadas anualmente, constituindo-se este projeto num
exemplo da auditoria externa de segurança de barragem (Figura 4).

Dentro destes conceitos de segurança de barragens também foi


objeto de continuidade dos trabalhos a barragem de Saracuruna da
Petrobrás, entre outras.

Referências
IPT 100 anos de Tecnologia. Publicação IPT no 2600.
Figura 4 – Barragem de Pedro Beicht, SABESP. Mapeamento São Paulo, 24/06/1999
de fissuras no paramento de jusante (1992).
453
Vista aérea do LAHE
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Laboratório de Hidráulica
Experimental e Recursos
Hídricos de Furnas - LAHE
Fátima Moraes de Almeida e Marcos da Rocha Botelho

Para atender necessidades específicas que foram surgindo ao seu Departamento de Engenharia Civil, sendo inicialmente desen-
longo de seus projetos, Furnas foi, pouco a pouco, aumentando volvida através da contratação do laboratório Hidroesb.
o seu grau de participação nos estudos em modelo até assumir
integralmente a coordenação dos mesmos. Visando exercer maior controle técnico sobre os trabalhos realiza-
dos e manter os modelos de suas usinas construídos mesmo após
Com isso, Furnas começou a supervisionar diretamente os testes as definições de projeto das mesmas, em 26 de dezembro de 1983
realizados para a validação e otimização dos projetos de seus em- foi iniciada a implantação do Laboratório de Hidráulica Experi-
preendimentos e a atividade de desenvolvimento de estudos hi- mental (LAHE) de Furnas, em área própria da empresa, junto a
dráulicos em modelo reduzido passou a ser de responsabilidade do subestação de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro. Essa medida se apoiou

Figura 1 -
LAHE – Sede
em Jacarepaguá –
Instalações

455
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 2 - Engenheiro Erton Carvalho (segundo à


frente, da esquerda para direita). Responsável pela
criação do LAHE – Visita ao modelo vertedouro
da usina hidroelétrica de Batalha

no fato do modelo reduzido também se revelar uma importan- da empresa, contou com a prestação de serviços do Laboratório
te ferramenta de trabalho para as fases de construção e operação Hidroesb Saturnino de Brito S.A. em suas instalações.
dos empreendimentos hidráulicos. Com a construção dos mo-
delos em área própria, Furnas os teria disponíveis para atender a Ressalta-se, no início desse período, a importante atuação do
qualquer necessidade que surgisse durante ou mesmo após a engenheiro Dirceu Pennafirme Teixeira (do Hidroesb) que ao
construção das suas usinas. lado da equipe de Furnas colaborou ativamente no processo de
implantação do laboratório.
Para o desenvolvimento do projeto e construção de toda a infra-
Nas instalações de Furnas esse laboratório desenvolveu as ativida-
estrutura necessária ao funcionamento de um laboratório de hi-
des de projeto, construção e operação dos modelos dos empreen-
dráulica, fez-se necessário um enorme trabalho de mobilização dos
dimentos em estudo àquela época, a saber:
recursos internos da empresa. Esse trabalho foi coordenado pelo
engenheiro Erton Carvalho, então chefe da Divisão de Estudos
Usina de Serra da Mesa, nas fases de projeto e construção;
e Projetos Hidrotécnicos de Furnas, e pelo engenheiro Carlos Usina Luiz Carlos Barreto de Carvalho (Estreito), em operação;
Alfredo de Almeida Paiva, seu substituto imediato. Usina de Furnas, em operação;
Usina de Porto Colômbia, em operação;
A construção da sede própria do LAHE foi iniciada somente após Usina de Cana Brava, em projeto e
três anos de funcionamento efetivo do laboratório. Usinas de Anta e Simplício, em projeto.

Nos seus primeiros quatro anos de funcionamento, o LAHE, cria- No modelo de conjunto da usina de Serra da Mesa foi feito o
do com objetivo de atender exclusivamente aos empreendimentos acompanhamento dos projetos básico e executivo e de alguns pro-

456
CINQUENTA ANOS DO COMITÊ BRASILEIRO DE BARRAGENS

cessos construtivos utilizados pela obra. Isso permitiu a integra- vam comprometer a estabilidade da estrutura de seu vertedouro em
ção entre as diversas etapas de construção da usina, otimizando, salto de esqui. A solução encontrada, de fácil execução e baixo custo,
entre outras coisas, o balanço de materiais, trazendo assim grande foi a alteração da geometria da concha de arremesso do vertedouro,
economia ao empreendimento. modificando assim as características de lançamento do jato.

Figura 4 - Modelo de conjunto da usina Luiz Carlos


Barreto de Carvalho (Estreito)

Para a usina de Furnas foi analisada a ameaça de desmoronamento


de parte da encosta do Morro dos Cabritos. Foram estudadas as
ondas geradas por esse deslizamento e que poderiam ameaçar seria-
mente as estrutura da barragem. Diversas possibilidades de queda
desse maciço rochoso foram estudadas. Foram avaliadas as alturas das
ondas, os danos que ocorreriam a montante da barragem e os níveis
Figura 3 - Modelo de conjunto da usina hidroelétrica de Serra de segurança do reservatório. Sem os recursos de instrumentação
da Mesa. Detalhe da reprodução da tomada d’água necessários às medições a serem realizadas, o LAHE contou com
o apoio técnico e logístico do INPH (Instituto de Pesquisas
Foram pesquisados também, num modelo de detalhe de seu circui- Hidroviárias) e da COPPE (Coordenação de Pós-Graduação
to de geração, os coeficientes de forma que alimentaram o modelo e Pesquisa de Engenharia da UFRJ – Universidade Federal do Rio
matemático adotado para a simulação dos transientes hidráulicos de Janeiro). Com o INPH foi obtida, por empréstimo, a instru-
a que a usina estaria submetida durante a sua operação. mentação necessária às medições de ondas. Já a COPPE contribuiu
com o desenvolvimento de parte da instrumentação necessária ao
No modelo da usina Luiz Carlos Barreto de Carvalho as pesquisas LAHE e com o estudo teórico do fenômeno em estudo. Além
foram direcionadas para eliminar as erosões regressivas que ameaça- da aproximação com outro centro de tecnologia, esse estudo
457
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

marcou assim a primeira interface do LAHE com um centro acadê- Tirando partido das informações modelo-protótipo, os dados de
mico de pesquisa. Nessa ocasião, os dados obtidos no modelo físico pressão obtidos em Porto Colômbia foram posteriormente utilizados
foram confrontados com o resultado de estudos em modelos mate- na calibração de um modelo matemático de previsão do campo
máticos desenvolvidos pela COPPE. de pressões, velocidades e níveis d’água em bacias de dissipação.
Com orientação do IME, esse estudo gerou a tese de mestrado inti-
No modelo bidimensional do vertedouro de Porto Colômbia foi tulada “Estudo Numérico e Experimental de Bacia de Dissipação”
diagnosticada a causa das erosões existentes no concreto da bacia de da Renata Cavalcanti Rodrigues, na época engenheira do LAHE.
dissipação do vertedouro. Os estudos que conduziram à solução
adotada na obra foram complementados em um modelo de conjunto No modelo da usina de Cana Brava, construída a jusante de Serra
da usina que permitiu, inclusive, direcionar as obras de enseca- da Mesa, no rio Tocantins, foi feito o acompanhamento de toda a
mento da bacia. Em parceria com outros laboratórios e entidades fase de estudo do projeto básico.
de pesquisa, após a realização da obra corretiva sugerida pelo
modelo, foi realizada uma campanha de medição de pressões
instantâneas na bacia de dissipação do empreendimento.

Figura 6 - Modelo da usina de Cana Brava

Nos modelos onde foram estudados os arranjos originais da usinas


Figura 5 - Modelo de conjunto da usina de Porto Colômbia. Medição de Anta e Simplício, no rio Paraíba do Sul, foram otimizados os
de pressões instantâneas na bacia de dissipação
projetos básicos das mesmas.

Após quatro anos de existência do LAHE, e num momento em


Esses dados foram disponibilizados para a comunidade científica que alguns dos estudos acima citados ainda se encontravam em
que não dispunha, até aquele momento, de dados suficientes de andamento, Furnas se deparou com o término do contrato com a
protótipo que pudessem validar os estudos teóricos que vinham Hidroesb e com a impossibilidade de sua renovação. Diante desse
sendo desenvolvidos nessa área de atuação. impasse, parte da mão de obra especializada da Hidroesb acabou
458
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Figura 7 - Engenheiros Marcos da Rocha


Botelho e Fátima Moraes de Almeida,
técnicos pioneiros do LAHE

por ser absorvida por Furnas que, contando com o apoio de seus
técnicos locais, passou a se responsabilizar pelo completo desen-
volvimento dos estudos em modelo.

Dentre esses técnicos, responsáveis pela supervisão dos serviços


do laboratório, destacam-se como pioneiros os engenheiros Mar-
cos da Rocha Botelho (atual gerente do LAHE) e Fátima Moraes
de Almeida (que atua ainda hoje na coordenação de estudos em
desenvolvimento no laboratório).

Esse foi um dos momentos decisivos para a constituição da atu- parceria com o consórcio PROMAN, Furnas decidiu pela constru-
al identidade do laboratório de Furnas que, ainda sob a condição ção de um novo modelo da usina em seu laboratório para a realiza-
de uma atividade de uma divisão de projeto da empresa, preci- ção de estudos complementares, acompanhamento do término da
sou obter recursos para a aquisição de todo o ferramental, equi- construção e fornecimento de subsídios para a operação da mesma.
pamento e instrumentação eletrônica indispensável aos estudos
em modelo. Itens esses que antes eram fornecidos através do Visando subsidiar o projeto, construção e operação de um verte-
contrato com o laboratório Hidroesb. douro complementar que compatibilizasse a capacidade de ver-
timento da usina com os demais aproveitamentos da cascata, foi
Nessa ocasião, mais uma vez o espírito empreendedor do engenheiro construído e operado no LAHE um modelo de conjunto da Usina
Erton Carvalho entrou em ação. Como chefe da divisão respon- Marechal Mascarenhas de Moraes, inicialmente em concessão da
sável pelo Laboratório e tendo em mãos uma carteira de trabalhos CPFL e que, a partir de 1973, passou a ser operada por Furnas.
já realizados, ele foi buscar junto aos órgãos superiores de Fur-
nas os recursos necessários à consolidação do controle total pela Em 1994, o LAHE foi procurado pela Light para subsidiar, através
empresa de todos os estudos hidráulicos em modelo reduzido de de estudos hidráulicos em modelo reduzido, o projeto de reabilita-
seus empreendimentos. A superação dessa fase acabou por trazer ção da Usina de Ilha dos Pombos. Esses estudos foram realizados
ao LAHE alguns grandes benefícios, tais como: modernização entre os anos de 1995 e 1996. Essa primeira solicitação de desenvol-
da instrumentação utilizada nos seus processos de construção e vimento de um serviço externo motivou o LAHE a investir, a partir
operação de modelos, reformulação dos processos de construção de 1997, na melhoria contínua de seus processos e produtos por
de modelos que geraram facilidades construtivas e operativas dos meio da busca pela certificação através da Norma NBR ISO 9001.
mesmos e maior possibilidade de investimento no aperfeiçoa- Esse projeto, incentivado pelo engenheiro Erton Carvalho,
mento de seu quadro técnico. chefe do Departamento de Engenharia Civil de Furnas, foi de-
senvolvido na gestão do engenheiro Danilo Lopes Marques da
Quanto à usina de Manso, estudada pelo CEHPAR quando de pro- Silva que exercia, àquela época, a chefia da divisão responsável
priedade da Eletronorte, ao assumir 70% de seus investimentos em pelas atividades do Laboratório. Para alcançar esse objetivo fez-se
459
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 8 - Modelo
da usina Marechal
Mascarenhas de Moraes
(Peixoto)

necessário, além de um intenso treinamento de sua equipe, a ou num manual clássico dessa disciplina. Por essa razão, as di-
elaboração de instruções de trabalho prescritivas de cada uma ficuldades encontradas na sistematização dessas tarefas foram
das etapas dos estudos. enormes tendo em vista que, ao longo de anos, elas se basearam
unicamente na experiência profissional dos técnicos envolvi-
Tecnicamente apoiada nos fundamentos teóricos da hidráu- dos nos serviços de modelo. A elaboração dessas “normas” de
lica, da mecânica dos fluidos e de outras disciplinas afins, a projeto, construção e realização de ensaios em modelo, além de
realização de estudos hidráulicos em modelo reduzido não consolidar a experiência adquirida pelo LAHE ao longo dos seus,
possui um conjunto rígido de critérios ou normas próprias que até então, 16 anos de serviços prestados a Furnas, contribuiu
norteiem ou que, obrigatoriamente, devam ser aplicadas nas fases de forma marcante, não só para o auxílio à formação de seus
de projeto e construção dos modelos e durante a fase de estu- profissionais iniciantes, como também para o trabalho da-
dos propriamente dita. Toda a fundamentação teórica em que se queles que já atuantes na área, passaram a poder contar com
baseiam os estudos experimentais é extraída dos manuais clássi- um roteiro organizador de suas atividades.
cos tanto de hidráulica, quanto de projeto de estruturas hidráu-
licas, de trabalhos e pesquisas acadêmicas e, ainda, de publica- Após três anos de trabalho nesse sentido o laboratório, ainda na
ções de estudos específicos realizados em diversos laboratórios condição de uma atividade de uma divisão, obteve em outubro de 2000
do ramo.Embora possam ser encontrados alguns trabalhos es- a sua Certificação ISO 9001.
parsos, em que se procurou reunir o maior número possível das
informações em que se baseiam os estudos em modelo físico, A partir desse momento o Laboratório de Furnas, apresentando
os mesmos estão longe de se constituírem num compêndio como diferencial o fato de ser o primeiro laboratório de hidráulica

460
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

experimental do Brasil certificado pela ISO 9001, passou a par- de energia elétrica as concessionárias de geração e empresas
ticipar de várias concorrências para a prestação de serviços autorizadas à produção independente de energia elétrica ficaram
externos, colocando-se lado a lado com os tradicionais labora- obrigadas a aplicar, anualmente, o montante de, no mínimo,
tórios brasileiros já citados. um por cento de sua receita operacional líquida em pesquisa
e desenvolvimento do setor elétrico. O primeiro ciclo de
Logo após a sua primeira prestação de serviço externo, foram participação de Furnas nesse programa compreendeu os anos
estudados no LAHE: de 2000/2001.

A usina de São Gabriel da Cachoeira para a qual, por solici- Com o programa de P&D assim implementado por Furnas, o
tação do Ministério da Aeronáutica, foi avaliado num modelo bidi- LAHE passou também a participar dos projetos anuais de pesquisas
mensional o comportamento de seu vertedouro de superfície com que utilizassem os estudos hidráulicos em modelo reduzido
paramento de jusante em degraus; como ferramenta de trabalho. Desde então, em parceria com
universidades e entidades afins, o LAHE vem realizando
A usina Cana Brava, da Tractebel. Esses estudos foram reto- estudos em pesquisa e desenvolvimento que abrangem, dentre
mados para atender ao projeto executivo e fases construtivas da usina. outros temas, as áreas de:

A usina de Monte Claro, da CERAN (Companhia Energética Transientes hidráulicos em circuitos de usinas hidroelétricas;
Rio das Antas), localizada no Rio das Antas, no Rio Grande do Sul,
cujos estudos objetivaram o diagnóstico do projeto, a otimização e Escoamento sobre vertedouros em degraus;

a caracterização dos vertedouros da usina; Padrões de vibração em estruturas hidráulicas por ação de
escoamentos;
As usinas de Capim Branco I e II, ambas da CEMIG, lo-
calizadas no Rio Araguari, em Minas Gerais. Para a realização Dimensionamento e otimização de bacias de dissipação
desses estudos o LAHE foi contratado pela Intertechne visan- através da utilização de modelos numérico e experimental;
do o diagnóstico dos arranjos propostos e a otimização das Análise de macroturbulência em estrutura de dissipação de
estruturas hidráulicas e energia;

A usina de Foz do Rio Claro, localizada a montante da foz Eclusa de navegação;


do Rio Claro (afluente do Rio Paranaíba pela margem direita),
Previsão de erosões a jusante de vertedouros
no estado de Goiás. Esse estudo foi desenvolvido para a
Alusa Engenharia Ltda e teve por objetivo fornecer informa- Os assuntos abordados nas pesquisas que vem sendo desenvolvidas
ções de interesse ao projeto executivo do aproveitamento no pelo LAHE são aqueles em que o laboratório sente maior neces-
sentido de avaliar, otimizar e consolidar o projeto das estruturas sidade de aprofundamento para o desempenho de suas atividades
hidráulicas do mesmo. e os que, por apontarem para tendências futuras, possam permitir
o seu desenvolvimento e expansão.
Com a implementação da lei 9.991, de 24 de julho de 2000,
que dispõe sobre a realização de investimentos em pesquisa e Os parceiros tecnológicos foram, inicialmente, aqueles com os
desenvolvimento e em eficiência energética por parte das em- quais o LAHE havia desenvolvido trabalhos em conjunto e onde
presas concessionárias, permissionárias e autorizadas do setor as exigências de cumprimento de cronograma e metas haviam se
461
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Figura 9 - Modelo físico utilizado no


P&D sobre eclusa de navegação

Nessa mesma época o LAHE havia recebido outro grande desafio:


realizar o diagnóstico do projeto de viabilidade da usina hidroelé-
trica de Jirau, no rio Madeira, projeto esse que Furnas vinha desen-
volvendo em parceria com outras empresas do ramo. Para atender
a essa solicitação o LAHE precisou, num exíguo espaço de tem-
po, ampliar as suas instalações adequando-as às necessidades de
área, volume d’água e vazão exigidas por um empreendimento
do porte das usinas da Região Amazônica. Esses estudos foram
concluídos em dezembro de 2006.

Posteriormente, a topobatimetria implantada nesse modelo foi


aproveitada para o estudo do sistema de interceptação e coleta de
revelado satisfatórias. Posteriormente foram feitos contatos com troncos que estava sendo estudado em conjunto com os empreende-
outros centros de pesquisa em função das áreas de estudo a dores das usinas de Jirau e de Santo Antônio, ambas no rio Madeira.
que estes estavam se dedicando e novas parcerias surgiram.
A diversidade de parceiros é vista como benéfica, pois cada ins- Foi também estudado no LAHE o modelo de conjunto da usina
tituição de pesquisa tem características e excelências próprias de Anta, de concessão de Furnas e integrante do complexo Sim-
que aumentam as perspectivas e os horizontes do LAHE. plício. Esse modelo foi utilizado para o estudo de desvio do rio,
diagnóstico das estruturas e definição do plano de operação das
Em parceria com o IPH (Instituto de Pesquisas Hidráulicas) da comportas do seu vertedouro.
UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), o IME
(Instituto Militar de Engenharia) e a UFMG (Universidade Federal Logo a seguir surgiu outro grande desafio: a construção de um pos-
de Minas Gerais), os projetos de P&D desenvolvidos geraram doze to avançado de trabalho para o desenvolvimento dos estudos em
teses de mestrado e quatro de doutorado. modelo da usina hidroelétrica de Santo Antônio.

Após 22 anos de existência, em janeiro de 2005 o LAHE foi Somente o modelo de conjunto da usina hidroelétrica de Santo
transformado num órgão oficial de Furnas. Na qualidade de Antônio, na escala 1:80 por exigência da empresa projetista, com-
escritório regional da empresa, incorporou em suas atribuições preende uma área útil de 4.000 m². Como, para atender a toda
as atividades da área de recursos hídricos da extinta DEPH.T, essa demanda, as instalações existentes em Jacarepaguá se
divisão a qual pertencia. Nessa ocasião, para atender a deman- mostraram insuficientes, o LAHE viabilizou a utilização de outra
da de serviços e poder fornecer acomodações adequadas ao seu área de Furnas localizada ao lado da Subestação de São José, em
novo corpo técnico, o LAHE teve a área de suas instalações Belford Roxo. Nesse local, com o apoio dos parceiros de Furnas
prediais duplicada. nesse empreendimento, foi montada uma nova unidade do

462
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

LAHE para atendimento exclusivo dos estudos da usina hidro- A trajetória do LAHE, desde a sua criação em 1983 até a pre-
elétrica de Santo Antônio. sente data, esteve calcada na competência e dedicação dos pro-
fissionais que atuam nos diversos setores que o compõem, a
Em contribuição ao projeto dessa usina já foram realizados em modelo: saber: estudos, projeto, construção e modelagem, operação,
documentação cinefotográfica, instrumentação, pesquisa e
O diagnóstico e otimização do arranjo geral das estruturas; desenvolvimento, administração e qualidade. Foi com o traba-
O levantamento da capacidade de vazão dos seus vertedouros; lho e o comprometimento desses profissionais que o laborató-
As simulações das condições de desvio do rio; rio de Furnas conseguiu, ao longo de sua existência, se colocar
O diagnóstico e otimização do sistema de transposição de peixes; no patamar de visibilidade em que se encontra. Todo o seu his-
tórico de serviços realizados, tanto para Furnas quanto para
O último projeto diagnosticado e otimizado no LAHE foi o da clientes externos, sua iniciativa em pesquisas voltadas ao setor
usina hidroelétrica Batalha, concessão de Furnas. de energia, sua política de valorização de pessoal, sua respon-
sabilidade técnica e, principalmente, seu compromisso com os
Encontra-se hoje em andamento a realização dos estudos hidráu- princípios éticos na condução de seus trabalhos, con-
licos em modelo reduzido da usina hidroelétrica de Teles Pires, solidaram a imagem do LAHE a nível nacional e o tornou
localizada no Rio Teles Pires. conhecido internacionalmente.

Figura 10 - LAHE – Unidade Belford Roxo

463
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

O Laboratório CESP de
Engenharia Civil - LCEC
Flávio Moreira Salles, Wanderley Ognebene, Luiz Morita

O Laboratório CESP de Engenharia Civil - LCEC, instalado em Na seqüência foram construídas usina hidroelétrica Jurumirim no rio
Ilha Solteira/SP, é o mais antigo laboratório de tecnologia das Paranapanema e usina hidroelétrica Euclides da Cunha no rio Pardo.
empresas ligadas ao setor elétrico no país, tendo completado
40 anos de existência em agosto de 2009, e considerado A partir da segunda metade dos anos 50 foram tomadas algumas
uma referência na prestação de serviços tecnológicos para os iniciativas governamentais, como a instalação da CIBPU - Comissão
empreendimentos da CESP e de terceiros. Interestadual da Bacia Paraná-Uruguai, para estudar o desenvolvi-
mento sócio-econômico e os aproveitamentos energéticos dessa
Reviver a história do Laboratório CESP é passar a limpo o desen- importante bacia hidrográfica.
volvimento da tecnologia de construção de barragens no Brasil.
É verificar como se deu a transposição da ponte do desenvolvimen- Por solicitação da CIBPU, a Societá Edison de Milão-Itália
to - passando da total dependência dos estrangeiros ao domínio da desenvolveu estudos para o aproveitamento das quedas de
arte de construir hidroelétricas no Brasil e permitir a participação Urubupungá, contemplando a construção de duas barragens: uma em
em obras de usinas no exterior. Jupiá e outra em Ilha Solteira.

Aprovada a construção, realizadas as investigações geológicas,


O início do laboratório com o IPT iniciou-se a construção da usina hidroelétrica Jupiá em 1961,
que sem dúvida, constituiu-se num marco na história das grandes
A década de 50 se notabilizou pelas iniciativas empreendedoras, hidroelétricas do país, quer pela dimensão do projeto e o desenvol-
destacadas pelo início dos trabalhos de projeto e construção das vimento técnico que propiciou, quer pelas dificuldades enfrentadas
grandes barragens no Brasil. Particularmente no Estado de São Pau- para sua execução. Ainda vivia-se sob forte dependência tec-
lo, a Usina Hidroelétrica Salto Grande no rio Paranapanema foi a nológica do exterior. O projeto foi desenvolvido no Brasil,
primeira, tendo sido totalmente projetada no exterior. mas modelo hidráulico foi feito na França, os estudos de me-
cânica das rochas realizados no Laboratório Nacional de En-
Depois se seguiram as usinas Barra Bonita (1952) no rio Tietê e Limo-
genharia Civil, de Lisboa, e o concreto e seus constituintes
eiro (1953) no rio Pardo, que tiveram assistência de técnicos estran-
estudados na Universidade de Berkeley, nos Estados Unidos.
geiros, principalmente nas questões de hidráulica e de equipamentos.
Os frutos desses investimentos foram colhidos a partir do
Usina hidroelétrica de Porto Primavera (Sérgio Motta)
projeto executivo de Ilha Solteira, a hidroelétrica de maior
capacidade de geração da CESP, que foi desenvolvido no Brasil.

465
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Na ocasião da obra, instalou-se em Jupiá, ainda na CELUSA, As seções do laboratório de concreto foram implantadas e incre-
um laboratório de hidráulica, com a consultoria francesa da mentadas com suas diferentes modalidades e especialidades, para
SOGREAH (Société Grenobloise d’Etudes et d’Applications Hydrau- possibilitar o adequado controle de qualidade dos materiais, da
liques) onde foram estudados os modelos hidráulicos reduzidos produção dos aglomerantes e dos concretos lançados.
da Usina hidroelétrica Ilha Solteira, e posteriormente das usinas
Promissão, Água Vermelha, Capivara, Nova Avanhandava, Porto Foram desenvolvidos estudos multidisciplinares para determina-
Primavera,Taquaruçu, Rosana e Três Irmãos. Posteriormente, tal ção do mecanismo de desagregação das rochas basálticas e a sua
laboratório foi incorporado ao CTH, da USP. influência no comportamento do concreto, quando usadas como
material de construção.
Em Jupiá foram instalados laboratórios de concreto e solos, for-
mando o Laboratório de Obras, com a colaboração do Instituto de Deve-se ressaltar a participação do ilustre professor Arthur
Pesquisas Tecnológicas de São Paulo - IPT: o Laboratório de Solos, Casagrande, que em muito contribuiu para o sucesso dessas
implantado quando as ensecadeiras começaram a ser construídas em pesquisas com suas opiniões e ensinamentos.
Jupiá, era caracterizado como área de apoio do Setor de Terraplena-
gem da obra, e seu quadro era formado por técnicos especializados do Importante contribuição foi oferecida pelo engenheiro Heraldo
IPT que supervisionavam os empregados da recém formada de Souza Gitahy do IPT, em visitas sistemáticas à obra, por suas
CELUSA - Centrais Elétricas de Urubupungá S.A., proprietária da obser vações e pesquisas da reatividade potencial do seixo
obra, orientando-os nos ensaios de controle de qualidade. rolado do rio Paraná para a reação álcali-agregado, oferecendo
ao Brasil o conhecimento dessa anomalia recém descoberta e
Eram de sua responsabilidade, compreendendo tanto as ativida- as conseqüências para o concreto.
des de campo como as de laboratório, os serviços de controle
de qualidade das barragens de terra e de enrocamento, os filtros, A constatação de que a composição mineralógica dos terraços
drenos e transições e a proteção de taludes, além das sondagens aluvionares da região de Jupiá era constituída em grande parte
nas jazidas e áreas de empréstimo da barragem e das estradas por minerais deletérios, sujeitos a reações químicas com os álcalis
da região, executados como serviços de apoio para outros do concreto, intensificou a pesquisa para obtenção do inibidor
setores do empreendimento. da reação. Após pesquisa com emprego da pozolana artificial
produzida no canteiro de obras, a partir da argila calcinada e mo-
A necessidade de se contar com gente experiente em algumas ída, comprovou-se os benefícios desse material, impulsionando a
atividades, trouxe para trabalhar na CELUSA e se incorporar à equipe tecnologia do uso da pozolana, que adicionada à mistura de
do Laboratório de Obras o técnico Agostinho Maldonado Guirão, com concreto provoca a mitigação do processo expansivo da reação.
a missão de adequar os ambientes físicos e os equipamentos e implantar
os métodos de ensaios, consolidando a Área de Solos. Papel semelhante Em 1964, o técnico Adonis Thimóteo dos Santos dedicou-
cumpriu, à época, o técnico Clarindo Brandão na Área de Concreto. se à tradução das normas da ASTM - The American Society for
Testing Materials e do US Army Corps of Engineers, para a adap-
O Laboratório de Concreto se instalou no mesmo ano de 1961, tação e implantação dos métodos de ensaios de tecnologia do
sob a supervisão do engenheiro Fausto Cesar Vaz Guimarães. concreto no Laboratório de Obras, que foram usados por mais
Destacam-se na época, as relevantes análises de aplicabilidade dos de duas décadas no país, suprindo a necessidade de metodologia
materiaisdisponíveis na região da obra para confecção do concreto. referência para os ensaios em concreto no Brasil.

466
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Figura 1 - Vista aérea do canteiro de obras de Ilha


Solteira, mostrando localização do LCEC

O laboratório da CESP O professor Roy Carlson, da Universidade da Califórnia em


Berkeley, se destacou neste período, na transferência da tecnologia
do concreto para os engenheiros brasileiros, particularmente do
Em 1969, os laboratórios de Concreto e Solos foram transferidos
concreto-massa, e teve no Laboratório CESP guarida para seus
para o canteiro de obras de Ilha Solteira, constituindo-se formal-
experimentos e ensinamentos.
mente o Laboratório da CESP para fazer frente às experiências
tecnológicas que aquele projeto exigia, e se consolidando a partir
Menção para o engenheiro José Florentino de Castro Sobrinho, ide-
de então, em local para ensaios de materiais da própia CESP, das
alista determinado, que naquela época como gerente do laboratório
congêneres no Brasil e do exterior.
estabeleceu os contornos da independência tecnológica externa e
a forma de trabalho do Laboratório idealizado, sustentado pelas
O Complexo Urubupungá, integrado por Jupiá e Ilha Solteira, se
viagens de intercâmbio aos Estados Unidos, especificamente na
destacou nesse contexto como um marco brasileiro na constru-
Universidade da Califórnia em Berkeley.
ção das grandes barragens. E o Laboratório se notabilizou pelo
suporte oferecido àqueles empreendimentos, quer pelas inovações É inegável a contribuição oferecida por Ilha Solteira à engenharia
tecnológicas conquistadas, quer pela conduta do experimentar para nacional, com as inovações tecnológicas e novas técnicas construtivas,
aplicar, desenvolvendo técnicas construtivas e empregando o emprego de equipamentos e materiais não convencionais. E a partici-
materiais alternativos, e pela metodologia de ensaios oferecida ao pação do Laboratório CESP foi intensa e fundamental, oferecendo su-
meio técnico nacional. porte para as decisões e garantindo a qualidade do empreendimento.

Esse processo se deu com maestria, capitaneado por técnicos Na construção de Ilha Solteira foi empregado pela primeira vez
dedicados e competentes, aos quais muito se deve por essa no Brasil o concreto refrigerado com gelo em escamas, marco
jornada desenvolvimentista. pioneiro da CESP, introduzido pelo seu Laboratório de Concreto.
467
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Naquela oportunidade existiam seis áreas distintas, com quadros


especializados e atividades específicas: Concreto e Materiais, Mecâ-
nica dos Solos, Mecânica das Rochas, Geologia Aplicada, Segurança
e Controle de Barragens e Instrumentos e Modelos Estruturais.

Sob o comando do engenheiro George Antonio Mellios, o Labora-


tório reuniu vinte e quatro colaboradores com formação superior em
atividades permanentes nas salas de ensaios e nos canteiros de obras,
realizando pesquisas e análises em materiais, ou liberando escava-
ções e tratamentos geológicos, acompanhamento da produção e
qualidade dos maciços e dos concretos, e instalando instrumentos
ou realizando provas de carga nas estruturas.

Período bastante promissor para o laboratório de ensaios tecnoló-


Figura 2 - Cemitério de blocos de concreto integral, confeccionados
com diversos agregados e aglomerantes (desde 1971) gicos da CESP, pois a Companhia vivia época de franca expansão:
terminava as construções das usinas hidroelétricas Capivara, Pro-
missão e Paraibuna/Paraitinga, construía a usina hidroelétrica
Nesse período, a partir de 1971, teve início um notável programa
Água Vermelha, reconstruía as usinas acidentadas do rio Pardo,
de ensaios com a moldagem de blocos para verificar o comporta-
instalava o canteiro para as obras da usina hidroelétrica Nova Ava-
mento de concretos confeccionados com diferentes composições
nhandava e concluía os projetos básicos para as três obras do Pontal,
de agregados e de aglomerantes. Aqueles blocos de concreto foram
para uma no Alto rio Tietê e realizava as investigações no Canal Pe-
expostos ao tempo e assim estão até hoje, possibilitando acom-
panhar eventual fissuração e sua evolução, e certificar a eficiência reira Barreto. As malhas de linhas de transmissão de responsabilidade
da aplicação de material pozolânico nas misturas para inibir os da CESP se espalhavam pelo interior do Estado, com avanços para
processos expansivos, particularmente da reação álcali-agregado. os estados circunvizinhos, tendo a participação do Laboratório em
Em área de destaque, o conjunto de blocos de concreto é conhecido testes de arrancamento em bases das torres, levantamento e liberação
por “cemitério”, pela forma e disposição dos espécimes. das fontes de agregados e controle das resistências dos concretos.
As subestações se multiplicavam, e o LCEC realizava os trabalhos
de controle da compactação das suas áreas de implantação.
O Laboratório Central de Engenharia
Civil – LCEC Registra-se importante participação do Laboratório CESP,
particular mente da equipe de Geotecnia, nos trabalhos de
No ano de 1976, a Unidade foi denominada Laboratório Central de investigação e levantamento de campo nos estudos de viabilidade
Engenharia Civil - LCEC, com atribuições para atender as deman- de aproveitamentos hidráulicos no Estado de São Paulo.
das internas da CESP e com estrutura que possibilitou intensificar a Esse trabalho, desenvolvido pela CESP nos anos 80, possibilitou
prestação de serviços a projetos externos nacionais e internacionais. mapear o potencial energético remanesceste nas bacias dos rios
Diversos foram os clientes, destacando-se as obras das barragens: Turvo, Alto e Baixo Pardo, Juquiá, Médio Tietê, Sapucaí, Ribeira e
Itaipu, Itaparica, Sobradinho, Couto Magalhães, Tucuruí. Alto Mogi-Guaçú, com os seus diversos barramentos.
468
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Começaram suas atividades profissionais no Laboratório CESP e


de lá partiram para outras conquistas em novos desafios: Ademar
Sonoda, Adilson Barbi, Bento Carlos Sgarbosa, Dilermando Her-
mínio Bispo, Francelino Fernandes Neto, Francisco Rodrigues
Andriolo, Horácio Sverzut Júnior, João Luiz Armelin, José Edu-
ardo Costanzo, Luércio Scandiuzzi, Luiz Carlos Mendes, Miguel
Normando Abdalla Saad, Regis Frota, Sérgio Silva Macedo,
Taylor Castro Oliveira, entre outros.

O Laboratório CESP de Engenharia Civil realizou investigações e


pesquisas em materiais e jazidas, verificações de processos cons-
trutivos e testes para controle de qualidade e acompanhamento
das obras das hidroelétricas e barragens da CESP: Capivara, Parai-
buna, Paraitinga, Promissão, Água Vermelha, Nova Avanhandava,
reconstrução de Limoeiro e Euclides da Cunha, Rosana, Taquaru- Figura 3 - Ensaios geotécnicos especiais -
çu, Três Irmãos, Porto Primavera e Mogi Guaçu, além de Jupiá e triaxiais sobre amostras indeformadas
Ilha Solteira. As escavações no Canal Pereira Barreto também con-
taram com os serviços do LCEC. Assim como a construção das

usinas hidroelétricas Canoas I e Canoas II, de conces-


são do Consórcio CESP - CBA - Companhia Brasileira
de Alumínio teve a participação do Laboratório nas
atividades de controle de qualidade, em modelo
diferente daquele praticado até então nas obras
da Companhia.

Assim como foi mencionada a colaboração dos profes-


sores Arthur Casagrande e Roy Carlson, não pode ser
omitida a participação do professor Manuel Rocha, par-
ticularmente na caracterização das propriedades geodinâ-
micas dos arenitos da escavação do Canal Pereira Barreto.

Figura 4 - Ensaio de cisalhamento direto


em materiais rochosos

469
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

compatibilizados com o cronograma de obras, conseqüentes


vantagens econômicas.

Podem ser citados alguns exemplos na CESP, com grandes contri-


buições aos empreendimentos e à Engenharia Nacional, que tiveram
a participação do LCEC, a saber:

a Usinas hidroelétricas Jupiá e Ilha Solteira


A identificação da reatividade potencial álcali-agregado do
seixo rolado do rio Paraná e o emprego de material pozolânico
para o combate desta reação;

Desenvolvimento de técnicas de produção, através da


Figura 5 - Ensaio de módulo de elasticidade de corpo de prova montagem de moinhos de cimento e pozolana em Jupiá, e
de concreto de grandes dimensões (450 mm x 900 mm) controle da qualidade do produto;

Uso de cimento de alta finura, acima das recomendações


Estruturas para o controle tecnológico das normas, com a finalidade de melhor explorar toda a
potencialidade do cimento;
Concluídas as usinas Jupiá e Ilha Solteira, outras obras de hi-
droelétricas de concessão da CESP se seguiram. O controle O emprego de armadura pré-montada, reduzindo o índice de
tecnológico sempre mereceu atenção e destaque, com estruturas es- homens/hora por tonelada de barras de aço aplicada;
pecíficas e atribuições definidas, peculiares a cada empreendimento.
Ao seu tempo, os canteiros das obras tinham Laboratório de Cam- A aplicação de pré-moldados incorporados à barragem;
po para o acompanhamento das construções e o LCEC em Ilha
Solteira executava os ensaios especiais e não corriqueiros, e Emprego de aglomerante em concreto abaixo do limite de
oferecia metodologia e procedimentos para padronização das 100 kg/m3, praticado nos anos 70, com uso de 84 kg/m3;
atividades em campo.
O emprego de concreto com agregado pré-colocado, em
alguns pilares da subestação de Ilha Solteira;
Benefícios técnicos e vantagens econômicas
A utilização de caldas refrigeradas e técnicas de injeção a
O desenvolvimento de um eficiente Controle Tecnológico dos vácuo em cabos de protensão.
materiais e produtos aplicados nas estruturas construídas, e a
possibilidade de se contar com os serviços de um Laboratório, b Usina hidroelétrica Três Irmãos
desenvolvendo pesquisas e avaliando os materiais e os processos
executivos empregados nas obras, resultou em benefícios técnicos Emprego racional e seletivo de alguns basaltos e recusa de
(bons desempenhos e eficiência dos concretos), devidamente outros, pela formação heterogênea e alterabilidade, identificadas
470
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

a partir de estudos conduzidos no Laboratório, minimizando Verificação da condição aceitável para manutenção dos perfis
descarte de materiais; de veda-junta e de barras de aço aplicadas nos blocos, após longo
período de exposição.
A economia resultante dessa seleção foi de aproximadamente
US$ 1 milhão, computando-se o volume de escavação; que foi supe- d Complexo Canoas
rior se considerados transporte e criação de bota-fora com volume
de 160.000 m3 e ampliação da pedreira com decape superior a 10 m. Confecção de concretos convencional e bombeado com
emprego de areia artificial como agregado miúdo, com economia
c Usina hidroelétrica Porto Primavera da ordem de US$ 30 milhões.

Estudo da viabilidade de emprego do basalto de escava-


ção, susceptível ao intemperísmo, no concreto da barragem. Considerações finais
Alternativa aprovada pelos ensaios desenvolvidos no Laboratório,
com condição de restrição. A atuação do LCEC acompanhando par e passo a evolução da obra,
avaliando soluções para as mais diferentes situações e controlando
Pesquisa de mercado para definição de cimento a ser aplicado os materiais e suas aplicações, trouxe benefícios técnicos com van-
com material potencialmente reativo com os álcalis. Desenvolvi- tagens econômicas significativas. Vantagens que se apresentaram
mento de cimento pozolânico com características específicas de também junto aos fornecedores, garantindo o produto requerido e
finura e teor de adição do material pozolânico, resultando cimento evitando-se rejeições, atrasos no cronograma e retrabalho.
Portland CP IV de excelente qualidade, empregado nos diferentes
concretos da obra de Porto Primavera. E também nas construções
das hidroelétricas Rosana, Taquaruçu, Porto Primavera e Canoas.
Anexos
Anexo 1 - Entrevistas

Anexo 2 - Depoimentos

Anexo 3 - Diretorias do CBDB

Anexo 4 - Seminários Nacionais de


Grandes Barragens

Anexo 5 - Simpósios sobre Pequenas e


Médias Centrais Hidroelétricas

Anexo 6 - Congressos Internacionais e


Reuniões Anuais e Executivas

Anexo 7 - Sócios Mantenedores e Coletivos

473
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Anexo 1
Entrevista com o engenheiro Eduardo Larrosa Bequio
Formação: Faculdade de Engenharia da Entrevistador:
Universidad de la Republica Oriental del Flavio Miguez de Mello
Uruguay, em 1968 Abril de 2010

FMM - Larrosa, como foi a sua formação profissional? do Departamento de Estudos e Projetos de Geração onde foram desenvolvidos em-
ELB - Sou engenheiro civil formado em 1968 pela Faculdade de Engenharia da preendimentos em bacias hidrográficas e de usinas, destacando-se as UHE’s Belo
Universidad de la Republica Oriental del Uruguay Monte, Jirau e Santo Antônio, Lajeado, Santa Isabel, entre outros. Em 1991 fui
convidado para trabalhar no DNAEE, onde fui Coordenador Geral de Concessões.
FMM - Larrosa, antes de sua vinda para o Brasil como foi a sua carreira No final de 1997, com a criação da ANEEL, sai do setor estatal e fundei a Larrosa
no Uruguai? & Santos Engenheiros Consultores, da qual participo da direção até hoje.
ELB - De inicio trabalhei, no período 1966/1973, no Projeto Lagoa Mirim-
Brasil/Uruguai/FAO/PNUD, estudo de desenvolvimento integrado desta bacia FMM - Na sua trajetória no DNAEE, qual foi a mais interessante tarefa que
internacional. Tive, então, contacto com mais de 50 técnicos nacionais e estrangei- você vivenciou?
ros nas diversas disciplinas de uso de recursos naturais, hidroeletricidade, irrigação, ELB - Como consequência da necessidade de reestruturar o setor elétrico diversas
meio ambiente, economia, etc. Em 1968 cursei uma pós-graduação em hidrologia e disposições legais foram estabelecidas a partir do final da década de 80. Desse arca-
hidráulica em Madri. Posteriormente fui co-diretor pela contrapartida uruguaia dos bouço sobressai-se a Constituição de 1988- Art 175- que estabeleceu que os serviços
estudos dos aproveitamentos hidroelétricos de Salto Centurião e Talavera no rio de energia elétrica são responsabilidade da União e podem ser outorgados em regime de
Jaguarão, mas essa vez, na fronteira entre Brasil e Uruguai. Exerci também a concessão ou permissão, sempre através de licitação. A necessidade de regulamentar
presidência do Comitê de Irrigação do Leste do Uruguai, entidade esta responsável o dispositivo constitucional incorporou varias leis, decretos, portarias e outros tipos
pelas outorgas de água para irrigação. de disposições. Em paralelo à regulamentação do Art 175, surgiram ações im-
plantadas para resolver a situação de falência econômico-financeira das empresas
FMM - E quando você veio para o Brasil? concessionárias, na sua maioria estatais (lei 8631/97); sem este acerto era impossí-
ELB - Em 1974 vim trabalhar na Sondotécnica no Rio de Janeiro em estudos, vel pensar em reestruturação do setor elétrico. A sequência de tarefas que surgiram
entre outros, do Vale do Paraíba do Sul e dos aproveitamentos hidroelétricos de depois foi imensa e é difícil escolher a mais interessante.
Manso, no Mato Grosso e de Samuel, em Rondônia. Posteriormente, entre 1978 e
1980, fui chefe do departamento de Estudos de Recursos Naturais da ECP/Projest, FMM - Nos anos oitenta havia sérias dificuldades de investimento na quase to-
também no Rio de Janeiro. talidade das empresas estatais. Como foi a época em que a implantação de usinas
hidroelétricas era feita com as verbas de desmobilização?
FMM - Depois dessas experiências em consultoria, você veio para Brasília e ELB - Ante à falta de recursos, as empresas estatais partiram para a paralisação
permanece aqui até hoje. total de seus estudos e obras ou a manutenção em ritmo lento e ajustes no planejamento
ELB - Exatamente. Entre 1980 e 1991 atuei na Eletronorte, tendo sido gerente setorial GCPS (Grupo Coordenador do Planejamento do Sistema).

474
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

FMM - Esse procedimento fez com que as obras tivessem seus cronogramas das mesmas, sem a obrigatoriedade de se proceder os tombamentos, tarefas
constantemente dilatados com inevitáveis reflexos nos prazos e nos custos, difíceis e demoradas.
inclusive nos juros durante a construção. Como isso era suportado pelas
empresas estatais? FMM - Dos anos sessenta até meados da década de 1990 a geração de
ELB - Como comentei antes, a resposta ante à falta de recursos levou a paralisação energia elétrica era predominantemente estatal, exercida por empresas
das obras e, em alguns casos, não dando inicio a novas obras que o planejamento estatais federais ou estaduais. Havia poucas empresas privadas, todas de
setorial indicava como necessárias em horizontes próximos. dimensões discretas. Como foi a transição para a entrada de investidores
privados no setor?
FMM - Essas restrições financeiras das estatais geraram consequências da- ELB - Com a promulgação das leis 8987/95 e 9074/95 e do decreto 2003/96
nosas a todos seus contratados principalmente às empresas de consultoria e o setor deu um passo importante na entrada de investidores privados, formação de consór-
projetos que tinham contrato do tipo “cost plus” que tinham que apresen- cios com empresas detentoras de concessões, criação do produtor independente de energia,
tar faturamentos a cada mês com remuneração inicialmente sem correção figura que se agregou às de serviço público e autoprodutor, já existentes. Esta participa-
monetária e, posteriormente, sem a correção integral e sem reembolso dos ção pôde se configurar na forma de concessões ou autorizações de uso de bem público ou
elevados juros que o sistema bancário cobrava dessas empresas. Quais foram de serviço público. Ao produtor independente foi assegurada, dentro de limites, a co-
as consequências desse ambiente? mercialização da energia gerada e ao autoprodutor foi assegurado o consumo para
ELB - Muitas empresas de consultoria e projetistas preparadas para o desenvolvi- uso exclusivo e venda parcial da energia produzida. A outra forma de entrada da
mento de pesados contratos tiveram que cancelá-los, o que trouxe a necessidade de iniciativa privada no setor se deu através do processo de privatizações iniciado na
desmobilizar equipes técnicas de alta especialidade, situação que perdurou por um segunda metade da década de 90 através do Programa Nacional de Desestatização.
longo tempo caindo finalmente no contra-senso que se arrastou pela década de 90
e ainda no novo século, de não haver técnicos suficientes para a retomada das ações. FMM - Como a legislação viabilizou a figura do produtor independente
no aspecto de implantação dos empreendimentos e comercialização da
FMM - Como sucedeu essa fase? energia gerada?
ELB - Algumas tímidas ações com formação de parcerias com a iniciativa privada, ELB - Foi estabelecida a possibilidade de consumidores livres adquirirem energia
sustentadas por regulamentação provisória (Decreto 915/93), permitiram reiniciar diretamente dos geradores dentro de certos limites de carga. Também foi estabelecido
obras como Igarapava (Cemig), Itá ( Eletrosul) e Serra da Mesa (Furnas). Pos- o livre acesso aos sistemas de transmissão e distribuição, mediante pagamento de uso
teriormente, em abril de 1995, já apoiado na nova regulamentação, foi cancelado das instalações e do transporte.
um conjunto de 40 concessões cujas obras não tinham sido iniciadas. Foi um pro-
cesso difícil porque a maioria das empresas não queria perder tais concessões. FMM - Como eram as bases do modelo implantado no governo Fernando
Entretanto um grupo menor de empreendimentos com concessões, em torno de vinte, Henrique Cardoso?
foi mantido por ter suas obras sido iniciadas, mesmo estando paralisadas. Nes- ELB - Os fundamentos desse modelo tiveram um claro direcionamento no senti-
se caso abriu-se espaço para a participação privada, na forma de consórcios, do da busca da privatização das empresas estatais e da redução dos investimentos
prévia aprovação do DNAEE de um Plano de Conclusão. Foi uma tarefa públicos, procurando estabelecer condições favoráveis para a participação de grupos
muito interessante, pois coube ao DNAEE ajudar na formação das parcerias. privados no setor de geração de energia elétrica. Diversas ações foram empreendidas
Esta ação permitiu agregar um significativo montante de energia e capacidade como pode ser constatado nas respostas às perguntas formuladas anteriormente.
instalada, caso de Tucuruí II, Machadinho, Dona Francisca, UTE Jorge Lacerda, etc. No âmbito do modelo foram definidas as bases para estabelecer entidades como a
ANEEL em 1996 (Lei 9427/96), o Mercado Atacadista de Energia (livre
FMM - Como foi tratada situação de concessões de exploração de serviços negociação de energia) e o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Outra
públicos que estavam com os prazos vencidos ou indeterminados? disposição do Modelo foi a obrigatoriedade das empresas de serviços públicos des-
ELB - Ante a alternativa de licitar novas concessões, processos estes que pode- verticalizar suas atividades de geração, transmissão, distribuição e comercialização.
riam criar dificuldades no atendimento ao mercado, optou-se pela prorrogação Algumas empresas partiram para este processo enquanto outras permaneceram

475
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

com a estrutura antiga. O aspecto que considero mais significativo do modelo foi o processo Foi criado o ambiente de contratação regulada de energia ACR, visando proteger
de privatizações. Quando começamos esta fase não tínhamos uma idéia exata de como os pequenos consumidores através da compra de energia pelas distribuidoras em lei-
proceder. Não existiam modelos de editais e de contratos; tudo teve que ser idealizado para lões, no intuito de haver tarifas módicas e reguladas. A compra de energia através
o primeiro caso: ESCELSA, considerando em parte, os modelos inglês e argentino. de negociação bilateral passou a acontecer no ambiente de contratação livre ACL.

FMM - Esse modelo teve sucesso? FMM - Quais são, a seu ver, as perspectivas da participação da iniciativa
ELB - Em vários aspectos o modelo teve sucesso pois quebrou, através da aplicação privada em investimentos no setor elétrico?
de uma regulamentação bastante eficiente, vários conceitos que engessavam o setor. ELB - A participação em escala pequena, PCH’s como exemplo, deve continuar,
Entretanto, algumas ações mostraram que o modelo precisava de melhorias, havendo visando a compra por consumidores livres para os quais se possibilita pagar uma ta-
fatores que atrapalhavam o estabelecimento firme do mesmo. Não houve, como se espe- rifa menor que a cobrada pelas concessionárias. Entretanto, para empreendimentos
rava, grandes investimentos de capital privado para substituir os investimentos públicos. de maior porte que passam por um processo de leilão onde a tarifa tem sido fixada
Várias regulamentações não foram formuladas. O plano de privatização das grandes em valores aquém dos necessários para viabilizar tais empreendimentos, a situação
estatais não teve êxito fundamentalmente devido a interesses regionais. se torna mais difícil. Como resultado acontece que o governo acaba por subsidiar
a implantação para poder viabilizar os empreendimentos. Veja os resultados
FMM - Quais foram as causas da crise de fornecimento de energia dos últimos leilões.
elétrica em 2001?
ELB - A causa fundamental foi a insuficiência da capacidade instalada para aten- FMM - No atual modelo há riscos excessivos na obtenção de autorizações ou
der o crescimento do mercado devido a falta de investimentos públicos e/ou privados. concessões num processo extremamente longo desde o pedido de registro
Por outra parte, os sistemas de transmissão estavam incompletos, o que impedia a ativo para estudo de inventário na ANEEL.
transferência entre sub-sistemas. Simultaneamente aconteceu um período de baixa ELB - As outorgas de autorizações e concessões de empreendimentos se sustentam
pluviosidade que contribuiu para tornar a situação mais crítica. Entendo que a na qualificação empresarial do interessado e na qualidade dos estudos e projetos
falha maior se deu por não haver a ANEEL estabelecido, com tempo, um plano que apresenta. A análise desses elementos técnicos se torna muito lenta, seja por fal-
emergencial para uma situação que já estava sendo anunciada desde final da década ta de analistas, seja pela carga de processos/requerimentos que entram na Agência.
de 90. Como forma de contornar esta situação que se tornou grave foi estabelecido Cabe uma reforma intensa nesse procedimento de análise sob pena de colapso do
um plano de racionamento que vigorou no período 2001/2002. Obviamente com atendimento à demanda do mercado.
o estabelecimento do racionamento surgiram problemas no equilíbrio econômico-
financeiro dos contratos das concessionárias, bem como os encargos financeiros FMM - Nos dias de hoje, com tantos intervenientes e com tantas alte-
sobre os consumidores. rações na legislação ambiental, há riscos excessivos para os empreen-
dedores privados?
FMM - Ao assumir o governo, a equipe do presidente Lula se dedicou por ELB - O atendimento à mitigação dos impactos no meio ambiente é a grande
mais de um ano para mudar substancialmente o modelo do setor elétrico. preocupação dos empreendedores. A maioria deles se sujeita a elaborar exausti-
Como ficou em linhas gerais o novo modelo? vos estudos sobre os diferentes meios que definem o ambiente e como esses meios são
ELB - Antes do governo Lula tomar posse, os técnicos começaram a trabalhar impactados pela implantação de empreendimentos hidroelétricos, reservatórios, etc.
numa reforma do setor elétrico levando em consideração os impactos do racionamento Os processos de licenciamentos, tanto ambientais como de outorga de uso da água,
e as principais causas do mesmo. As ações imediatas foram no sentido de suspender o na maioria dos casos se fundamentam em regulamentos definidos pelas agências es-
processo de privatização, alterar os processos de outorgas de concessões e autorizações taduais ou pelo Ibama, muitas vezes com dificuldades de interpretações jurídicas,
de geração e ajustar as regras de comercialização de energia (Lei 10.848/2004). e se desenvolvem, sobretudo, ao longo de prazos aparentemente sem fim.

476
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Entrevista com o engenheiro Guy Maria Villela Paschoal

Formação: Engenharia mecânica e Entrevistador:


eletricista, em Belo Horizonte, em 1959 Flavio Miguez de Mello - FMM e Erton Carvalho - EC
Julho de 2011

FMM - Dr. Guy, eu sempre começo as entrevistas pedindo para que o en- que era diretor de Operação foi para Diretoria Técnica e reuniu sob ele nova-
trevistado fale sobre sua formação. mente toda a Diretoria Técnica e o Dr. Camilo Penna ficou como vice-presidente.
GV - Eu me formei em Belo Horizonte, naquele tempo só havia uma escola aqui, Quando o Dr. Camilo foi a presidente, Dr. Mário Bhering era presidente da Eletro-
no ano de 1959. Eu comecei o curso de engenharia civil e depois me transferi para bras e o Dr. Licínio Seabra ficou como diretor técnico e eu como diretor de operação.
mecânica e eletricista. Inclusive na escola, eu fui o representante do curso de enge- Por sua vez, quando o Dr. Licínio Seabra se aposentou da Cemig e foi ser diretor
nharia civil e depois terminei como representante do curso de engenharia mecânica de Engenharia e Planejamento da Eletrobras, eu ocupei a diretoria dele. Então,
e eletricista, eleito pelos colegas. a Diretoria Técnica da Cemig. Assim, o primeiro foi o Dr. Cotrim, o segundo foi
o Dr. Camilo, o terceiro foi o Dr. Seabra, e quarto foi o Guy Villela. Evidentemente,
FMM - Dr. Guy, profissionalmente o senhor começou na Cemig, não foi? que eu não estava à altura de representar os três que me precederam, mas fiquei mui-
GV - Aqui na Cemig, eu entrei como estagiário. Trabalhei inicialmente na to tempo. E tive a oportunidade de conviver com as questões que me foram entregues.
Cidade Industrial de Contagem em serviços de laboratório, sendo os laborató- Nesse período, onde tive uma participação muito ativa em algumas iniciativas, por
rios centrais lá localizados, e tínhamos também muito serviço de campo. Na Cidade exemplo, me recordo que, como diretor de operação, eu questionava a capacidade ope-
Industrial eu fiquei três anos. Depois fui transferido para a sede e mudei a minha racional não de volume, mas de estabilidade do vertedouro de Três Marias, e todas
atividade. A diretoria me designou para cuidar dos grandes consumidores da Cemig. as iniciativas para ajustá-lo não foram suficientes. Então, primeiramente, sofri na ope-
Eu cheguei a chefe de divisão, depois chefe de departamento e superintendente, fui, ração; a minha preocupação inicial foi rever o estudo de modelo reduzido. E a revisão
aliás, o primeiro superintendente da Cemig. E finalmente, eu fui convocado para a di- desse estudo, levou-nos a uma mudança do perfil da calha e da concha do vertedouro.
retoria no ano de 1966. Eu, inicialmente, saí, não estava numa área nem de projeto e
nem de obras; eu fui diretor de relações industriais. Fiquei nesta diretoria um período FMM - Onde esse estudo foi feito?
curto. E, como o Dr. Mauro Thibau estava como ministro, o Dr. Camilo Penna, GV - Foi feito no Paraná. A Cemig dependeu muito do laboratório da Univer-
que era o diretor técnico, foi a presidente e o Dr. Licínio Seabra, que era o diretor sidade Federal do Paraná. Para as obras nós inicialmente pusemos uma licitação,
de operação, passou a ser diretor técnico, e eu passei a ser o diretor de operação. mas depois eu fiquei com medo porque a usina estava em operação, era a principal
usina da Cemig, e, como a estação chuvosa atrasou, suspendi a licitação e lancei-a
FMM - No início, o presidente era o Lucas Lopes e o diretor técnico era o no ano seguinte. No ano seguinte a obra foi realizada pela Alcini Vieira Convap.
John Cotrim. A estrutura superficial era em concreto armado, e pela primeira vez, nós usamos
GV - É isso mesmo. A ordem foi a seguinte: o Dr. Cotrim, diretor técnico. Quando concreto compactado com rolo. Era só uma questão de dar suporte para a superfície
o Dr. Cotrim saíu, a diretoria dele foi dividida em duas diretorias: o Dr. Cami- que era de concreto armado. E o vertedouro, todos os questionamentos que se levan-
lo Penna ocupou a Diretoria de Projetos e o Dr. Mário Bhering a Diretoria de tavam sobre ele ficaram plenamente resolvidos, que não vou mencionar aqui para
Obras. Quando o Dr. Mário Bhering foi para a Eletrobras, o Dr. Licínio Seabra, não chegar a muitos detalhes, mas eram questões importantes.

477
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

FMM - Houve um paper sobre isso do Carlos Alberto Pádua Amarante num era tudo diferente. O Dr. Camilo à frente, nós da diretoria, não havia como; ou acei-
dos primeiros seminários do CBDB. távamos a concessão ou abríamos mão. São Simão nos foi oferecido assim, essas pa-
GV - Trabalhei com ele na Eletrobras. lavras são de Guy Villela, como um prêmio de consolação. Eu tenho a impressão
que a estrutura federal na época não acreditava - isso eu escrevi e publiquei - não
FMM - Ele esteve lá em Três Marias, na época? acreditava que a Cemig poderia dar conta de realizar aquele empreendimento.
GV - Ele foi residente, um dos residentes. Antes foi o Archimedes Viola e depois Era mais que tudo o que a Cemig havia feito nos seus trinta anos anteriores. En-
o Paulo Durval. tão, foi realmente um ato de muita coragem a Cemig assumir. O Dr. Camilo Pen-
na como presidente da Cemig, teria que montar as fontes de recursos para suportar
FMM - Estou puxando pela memória, o paper versava sobre as lajes da calha uma obra que naquele tempo, já na primeira etapa, precisaria de quase um
do vertedouro que foram deslocadas... milhão e setecentos mil metros cúbicos de concreto. Isso, na época, era mui-
GV - Isso, exatamente. O vertedouro apresentava uma vibração muito grande to concreto. Muito concreto para uma Cemig daquela época. O que é que ele fez em
e todos os serviços feitos de reforço não foram suficientes. O problema estava onde eu primeiro lugar? Ele não procurou nem BID, nem Banco Mundial para os for-
suspeitava: era no perfil. Tanto é que, modificado o perfil, acabou aquela vibração. necimentos de equipamentos eletromecânicos porque o BID e o Banco Mun-
Quando a descarga chegava a 2.000 m3/s, ele entrava numa vibração. Esse tra- dial, naquela época, financiavam as obras hidroelétricas até um terço do total
balho foi uma iniciativa minha e foi motivado pela minha responsabilidade anterior do empreendimento. E se nós ficássemos com o financiamento da par-
por ter sido diretor de operação. Eu vivia momentos assim de grande dificuldade, te eletromecânica, nós teríamos um valor muito pequeno. Então, o segundo
porque às vezes precisava dar uma descarga maior e não se tinha coragem para dar arrocho foi chamar o Banco Mundial para suportar as obras civis numa época
essa descarga. Todos os serviços de reforço foram executados. Esse trabalho foi em que os construtores nacionais se sentiam, e de fato eram, perfeitamente capa-
depois que o Carlos Amarante deixou a Cemig. zes de assumir a responsabilidade de uma obra dessa dimensão. Só que o Banco
Mundial exigia concorrência internacional. Se nós ficássemos restritos aos constru-
EC - Eu conheço o relatório do laboratório do Paraná. Eu pesquiso muito... tores nacionais, nós não contaríamos com o Banco Mundial, e não teríamos um ter-
GV - Pois é, esse trabalho foi uma iniciativa minha. Bem, estamos falando aí de ço dos recursos necessários para o empreendimento. Então, é uma lógica aristotélica,
trabalho puramente de engenharia motivado pelo usuário. Um segundo trabalho peripatética, diria assim cartesiana, melhor dizendo, não tenha dúvida. Era uma
que eu acho de grande destaque na Cemig, foi mal compreendido, sobretudo condição sine qua non. Além disso, os construtores, penso eu, estavam muito
aqui em Minas Gerais, na época e que o Dr. Camilo Penna pode complemen- confiantes na sua capacidade. De forma que, quando foi feita a pré-qualificação
tar, foi a questão de São Simão. Na revista do cinquentenário da Cemig, eu escre- e a Impregilo entrou, ninguém protestou, ninguém reclamou. Foi feita a licitação,
vi um artigo, que foi o artigo principal da revista, em que fiz algumas afirma- ela apresentou o menor preço. Estamos falando aí cartesianamente, não tinha mais o
ções, isso foi em 2002, portanto, o ano que vem é o sexagésimo aniversário. Até que se fazer. Mas, evidentemente, que se levantou, “não, é porque é acordo do governo
hoje, nesses nove anos, eu não fui contestado. Portanto, eu acredito que isso que vou de Minas para trazer a Fiat”. A Impregilo, como todo mundo sabe, hoje não sei se
lhe falar é a verdade. A Cemig pretendia outra usina, no Rio Grande. ainda é assim, mas lá na Itália ela era um consórcio constituído para executar obras
fora da Itália. Pegou Tarbela no Paquistão, a mudança dos monumentos de Abu
FMM - Essa outra usina era Marimbondo. Simbel no Egito, etc. A Impregilo é constituída por três empresas: Impresit, Girola
GV - Na disputa por Estreito eu acompanhei, mas eu era apenas um engenhei- e Lodigiani. A Impresit é da Fiat, mas as outras duas não eram. Então, havia os
ro, um chefe subalterno, mas não participei das decisões, mas no caso de São Simão, que falavam que a Impregilo era da Fiat. Não era.Ela tinha uma empresa no con-
eu já era da diretoria e me lembro bem. Como você antecipou, Cemig queria Ma- sórcio constituinte. E não era só isso. Eu estou citando aquelas obras de uma gran-
rimbondo, uma usina grande num rio já regularizado, o rio Grande. O rio Para- de magnitude de engenharia e complexidade. Tarbela teve grande dificuldade de se
naíba não era regularizado. Nós tínhamos que enfrentar uma questão ambiental vedar. Foi uma campanha tremenda, a Cemig conseguiu com os argumentos absolu-
difícil, hoje seria impossível de ser ultrapassada: o canal de São Simão. A usi- tamente incontestáveis manter, o resultado da licitação. A Impregilo nos trouxe, não
na de São Simão é a melhor usina da Cemig, não é só a maior, ela é que dá os só à Cemig, mas à construção civil brasileira, alguns princípios interessantes: primei-
melhores resultados para a geração da Cemig. Ela é um fator extraordinário de pu- ro deles: era um pequeno número de equipamentos de construção, mas equipamentos
jança econômica, na estrutura econômica da Cemig, imbatível. Mas, na época, de grande porte. Eu cito, por exemplo, equipamento de escavação. Duas escavadeiras,

478
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

cada uma demandava 5 MW, que até então só em mineração havia se tentado coi- trabalho muito grande, mas nós podíamos, hoje já não se poderia fazer mais isso, nós
sa nessa escala, foram capazes de suprir toda a demanda da obra a tempo e a hora. podíamos nos dar ao luxo de usar o preço unitário. Mas hoje, fixa-se um valor de-
Três grandes guindastes em São Simão conseguiram dar enorme volume de concreta- finido e depois sempre alguém arranja motivos ou motivações apoiadas no projetista.
gem. Miguez, eu acho que essas informações que estou dando são um pouco peri- Miguez, eu acho que o senhor com a experiência e seriedade que tem, também
gosas, mas eu tenho a impressão que é do interesse, já que o senhor está escrevendo deve ficar incomodado com uma situação dessa. Isso aí não otimizou e não deu
esse livro. Além disso, eles também exploraram aquelas formas metálicas deslizan- a segurança que se precisava ter. Tanto é que nós temos hoje quadros de engenharia
tes. Aquilo deu também uma velocidade de obra muito grande e um acabamento su- bem menores. É claro que temos a máquina, existem áreas de especialização que
perior. Aquela carpintaria complicada desapareceu. Além disso, havia um compu- podem ser terceirizadas, mas no início, aqui havia um departamento de hidro-
tador para fazer os estudos sempre de otimizar os caminhos, quantidades e tempos logia. Hoje, há uma pequena equipe, a empresa não tem os recursos que nós tínha-
na obra. A Impregilo lidou aqui com recursos modernos que foram assim importantes. mos. Comparando a primeira fase que eu fui diretor com a segunda, a diferença era
enorme. Além disso, hoje as questões ambientais exigem esforços muito grandes. Em
FMM - E quanto aos componentes da equipe da Cemig, reconhecidamente parte eu vim para cá porque o governador Itamar Franco pretendia que se voltasse
de elevada competência? a construir usinas em Minas. Lançamos seis usinas praticamente ao mesmo
GV - O Dr. Seabra, embora seja também originário da eletromecânica, foi um tempo e todas foram feitas. Algumas delas, como Funil, foram feitas de acordo com
grande mestre que eu tive. Além de outros engenheiros contemporâneos e os mais an- o cronograma físico e financeiro. Quando eu deixei a obra, ela já estava em operação.
tigos como o Amarante, o Paulo Durval, o José Maria Batista. Eu convivi na Então, nesta fase eu tive a experiência de trabalhar dos dois jeitos: tra-
obra de São Simão com muitos. balhar no sistema antigo e trabalhar com o sistema novo. Talvez, tives-
se que fazer uma adaptação, é claro, que o comprometimento do fabricante,
FMM - Em seguida, após São Simão, ainda no final dos anos setenta, come- com o construtor civil precisava ser mais forte, mas a engenharia, o projetista,
çou a obra de Emborcação. eu acho que ele não pode fazer parte da EPC. O ‘E’ tem que sair, ficar só ‘PC’.
GV - Eu gostaria de citar em Emborcação que primeiro que houve uma otimização
da partição de queda do trabalho da Canambra; seguindo um exemplo do Dr. Cotrim FMM - E depois da Cemig?
lá em Itumbiara que elevou a queda de Itumbiara e afogou uma parte da queda de GV - Depois de eu ter sido presidente da Cemig e deixado a Cemig, fui indicado
Cachoeira de Sertão que era o aproveitamento imediatamente a montante, nós, tendo pelo Aureliano Chaves e fui secretário-geral do Ministério de Minas e Ener-
em vista esse fato, revimos a partição de queda para ficar quase que praticamente Em- gia. Eu fiquei lá dois anos com ele, em Brasília. Eu estava até na Eletrobras,
borcação sozinha, englobando usinas a montante. Nós tínhamos a responsabilidade de na época, e ele era governador, como também o governador Itamar Franco, am-
chamar as empresas e contratar diretamente um projetista, e contratava separadamente bos, talvez por serem engenheiros, e bons engenheiros, tinham um interesse gran-
o construtor e os fabricantes. E até muitos fabricantes, às vezes, as turbinas eram de de em geração nuclear. Então, na época do Aureliano Chaves, nós mostramos
um, os geradores de outro, os transformadores de um terceiro. Era um trabalho muito que a Cemig não era própria para lidar com aquilo. E naquele tempo, por exem-
grande. Eu me lembro que nós tínhamos que manter na obra, além da residência de plo, os vasos chegavam inteiros ao canteiro. Nós não tínhamos raio de curvatura,
obra, um escritório de engenharia, e que esses órgãos eram subordinados aos órgãos su- nem ferrovia e nem rodovia para passar um volume daquele tamanho.
periores aqui na sede. Quem fazia a comunhão entre o projeto e a obra era o diretor, em
última instância, porque a residência preocupada com a produção dava ênfase à pro- FMM - E nem transporte fluvial.
dução. Já a engenharia, preocupada com a qualidade e apoiada no laboratório, GV - E ainda tínhamos o problema da água de arrefecimento; não é qualquer lugar
tinha poder até de parar a obra. O diretor, ele tinha assim uma participação, uma que pode se colocar uma nuclear. Por isso, essa preferência pela costa até onde
responsabilidade grande. Hoje em dia, a título de simplificar o trabalho há o tem tsunami.
EPC, eles cuidam de tudo. Eu, pessoalmente, vejo um grande defeito nisso. O pro-
jetista não pode ser um parceiro de origem do construtor e do fabricante. Não pode, EC - Só vou dar um dado sobre isso. Se as três entrarem em operação, a
mas hoje é. É claro que não é daqueles casamentos, o desenho não chegou, o casa- Angra I, II e III, a I e II já estão, vão construir a III, a vazão necessária para
mento desse equipamento com aquele, a obra seguiu, já o concreto o primeiro es- refrigerar os três reatores é de 200 m3/s. Eu sei por que eu trabalhei lá.
tágio, o segundo, para poder receber a turbina. Então, essas coisas todas davam um FMM - Na época em que o Noronha era presidente, ele nos chamou com

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A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

essa idéia de pesquisar um local em Minas Gerais para uma usina nuclear, Emborcação que, quando fomos fazer não havia ainda uma montagem de recur-
provavelmente no vale do Rio Doce. sos financeiros suficientes. Naquele tempo Furnas trabalhava para que geração
GV - Exatamente, o que eu estava falando, o governador era o Aureliano Chaves. fosse uma responsabilidade apenas das geradoras de controle federal. Então, nós es-
O Noronha era presidente, eu era vice-presidente e diretor de projeto e construção. Mas, távamos tendo dificuldade para lançarmos Emborcação, como já tínhamos tido
não era o caso. Embora, eu até acho que esse caso lá do Japão é um caso diferente, para lançar Jaguara. Em Emborcação o problema era maior porque era uma usi-
aquela é uma usina que não é com água pressurizada, é aquele processo da GE. na de rio de fronteira, Minas com Goiás. Furnas então trabalhou muito contra.
O da Westinghouse já é mais avançado, o circuito de água que entra lá no arrefeci- Eu já estava bastante calejado com essas questões. Propus à diretoria que fizés-
mento é selado. E, além disso, aqui há não tsunami. Então, eu acho que na época do semos apenas a licitação do desvio do rio. E levei mais tempo para assegurar os re-
Dr. Itamar, eu escrevi, embora você possa dizer o que quiser, mas eu li bastante, cursos para uma segunda licitação para as obras civis principais. Nesse ínterim,
eu escrevi um paper reservado para ele a respeito de geração nuclear quando ele era nós conseguimos o recurso total, cancelamos a primeira licitação e partimos já para a
governador. E nesse paper, eu inclusive afirmei que Angra III teria quer ser con- obra total. Havia ainda um inconveniente sério, que a Rede Ferroviária Federal exi-
cluída, pois já havia seiscentos, setecentos milhões de dólares investidos em equi- gia que a ferrovia não fosse interrompida, Minas-Goiás, e passasse por cima do
pamentos. Embora ainda o valor a completar seja muito grande, mas se você reservatório. Isso ocasionou duas pontes e deu uma com pilares de noventa me-
perder o que você já fez, escavações que já foram feitas, estaqueamento, você não tros de altura em rampa e em curva. Nós chegamos a lançar a licitação da pon-
vai aproveitar praticamente quase nada. Então, o preço tem que ser levado em conta. te, mas o Ministério do Transporte não cedia. E a firma que ganhou, que eu
não vou mencionar aqui, ganhou com um preço que visivelmente não dava para fa-
FMM - Então, este seu paper, na realidade, desaconselhava usinas nucleares, zer. Estava pré-qualificada, mas o preço não dava confiança. Mas o ministro dos
porém, aconselhava acabar a instalação de Angra III? transportes passou a ser o Elizeu, o nosso conterrâneo; partimos para cima dele
GV - Angra III é um problema nacional e não se deve estar inventando outra. e conseguimos que ele aceitasse que a ferrovia, em vez de cortar o reservatório e entron-
Hoje, o programa já é um pouco mais amplo, não é? Vai haver unidades meno- car em Goiandira, ela entroncasse em Araguari, antes do rio. Nós conseguimos nos
res no Nordeste. Mas, eu concluí isso na época, com o governador Itamar Franco, unir ao Exército que assumiu a obra. A distância que era antes de trinta e tantos
e ele também, como o governador Aureliano Chaves, se interessaram pelo assunto. quilômetros, passou a ser o triplo. Nós conseguimos pelo mesmo valor e com o mes-
mo desembolso fazer um ramal com cem quilômetros em vez de fazer um de trinta.
FMM - Dr. Guy, e a obtenção do licenciamento ambiental que para as hidro- E escapamos de um sério problema de cronograma para o enchimento do reservatório.
elétricas tem sido muito mais difícil do que para outras alternativas muito
mais poluidoras? FMM - Dr. Guy, em Emborcação houve algum problema de obtenção de
GV - Miguez, o senhor tocou num assunto importante. No passado nós tínhamos recursos?
mais liberdade de ação, mas tínhamos responsabilidade. São Simão, quando nós GV - Nós tivemos problema em Emborcação, porque um terço do financiamento era
fizemos, contratamos trabalhos até no exterior. Hoje há alguma coisa assim com- da Eletrobras, o presidente era o Schulman. O Dr. Noronha me mandou ao Rio
plicada, porque primeiro é a Licença Prévia. E quando sai a Licença de Instalação de Janeiro e lá, numa reunião no Mineirão, a Eletrobras propôs que diminuíssemos
para começar a obra, vêm sempre junto novos condicionantes. E da mesma maneira, o ritmo ou paralisássemos a obra. Não tinha como diminuirmos o ritmo ou parali-
depois quando sai a Licença de Operação, vêm novas condicionantes. Trabalha-se com sarmos a obra. Com o dinheiro da Eletrobras já estava difícil, pois os financiamen-
uma viabilidade econômica, há um orçamento. É claro que tem que examinar os aspectos tos da Eletrobras não tinham cálculo de correção: a cada ano negociava-se um termo
ambientais, mas do jeito que está deixa a situação muito insegura. Já foi comigo aqui na aditivo em face da desvalorização da moeda. No primeiro ano a Eletrobras arrepiou,
Cemig: para nós lançarmos Irapé, que é uma usina bastante complexa. Poderia ser uma mas assinou o termo aditivo. No segundo ano foi quase impossível. Quando chegou
barragem em abóbada; a barragem é muito alta numa garganta estreita, mas, dada a o terceiro ano, a obra em plena magnitude, a Eletrobras disse: “não temos dinheiro,
disponibilidade de rocha e terra, foi feita em enrocamento, mas é uma obra que não é uma não vamos mais assinar o termo aditivo”. Eles tinham o compromisso de um
usina gigante. Mas é uma usina que, a logística de terraplanagem é digna de registro. terço da obra, que representava 91% da obra civil. E lá na reunião termi-
nou o Dr. Schulman, que era meu amigo pessoal, aos gritos. Foi uma coisa nun-
FMM - Premiada, inclusive. ca vista lá na Eletrobras. E nós só conseguimos romper porque aqui na Cemig
GV - Foi o caso também dessa engenharia bem acoplada. Eu recordo também de com Dr. Noronha e toda diretoria, denunciamos a Eletrobras ao Banco Mundial.

480
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Embora o Banco Mundial não estivesse em Emborcação, lá era o BID, nós éramos FMM - Dr. Guy, sobre os embates entre Furnas e Cemig por concessões.
mutuários de outras obras e tínhamos esse direito. O Banco forçou o governo brasi- GV - Era o Luiz Carlos Barreto de bela memória, por Furnas e eu pela Cemig. Mas
leiro, ameaçando suspender qualquer financiamento para outras obras. Foi assinado antes disso a história começou com Três Marias. Quando o Dr. Cotrim deixou a Cemig
um Plano Diretor e a Eletrobras teve que participar. Miguez, esse é um episódio que com o propósito de construir Furnas, ele já sabia que Furnas era grande demais para
talvez o senhor não sabia e também ninguém sabe, mas eu estou falando aqui, esta a Cemig. Principalmente, porque a Cemig tinha um mercado definido. Naquele tempo
é a primeira vez que eu falo. A Cemig denunciou a Eletrobras ao Banco Mundial era outra estrutura de distribuição de concessões. Ele teve a grande visão do Rio de Ja-
porque tínhamos a responsabilidade de uma obra hidroelétrica. neiro e São Paulo carentes de energia, partindo então para uma empresa federal, em que
Minas também seria mercado de Furnas. Eu sei o que sofri. Eu como chefe de depar-
EC - Uma paralisação da obra seria irrecuperável? tamento e o Seabra como diretor técnico, fizemos várias reuniões com Furnas e sofremos
GV - Não se recupera, fica inviável, não tem como, nunca mais, ela seria uma obra bastante na mão de Furnas no primeiro contrato de suprimento de Furnas à Cemig.
que vai dar prejuízo a vida inteira. E a Cemig sempre operou, apesar de ter controle
estatal, como empresa. Tanto é que vai fazer dez anos que nós ganhamos o prêmio FMM - É mais ou menos o que é hoje Itaipu, que a Cemig também tem
em Nova Iorque de sustentabilidade. A Cemig opera rigorosamente como empre- obrigação de consumir parte da energia produzida por Itaipu.
sa. Eu estou aqui no Conselho e posso atestar esse fato. Era um fato importante GV - Três Marias, o Dr. Cotrim antevendo, foi contra. A Cemig fez Três Ma-
estou falando assim com grande convicção. Entendemos que hoje para a Cemig está rias porque o presidente da Cemig, meu professor Cândido Holanda na Escola
ficando muito difícil disputar essas licitações de geração, sobretudo de hidroelétricas, de Engenharia, era cunhado do governador Bias Fortes. Então quando come-
uma vez que tem havido mergulhos de tarifas. Entendemos que vamos ter que olhar çou uma conversa que a Cemig não poderia fazer Três Marias, nós usamos as
para geração termoelétrica também. Essa é uma questão tranquila, não tem essa ques- armas que tínhamos e a Cemig partiu para Três Marias. A Cemig ficou com
tão da forma que é conduzida a outra, com essas usinas hoje, sobretudo lá na Ama- a responsabilidade de controladora geral da obra, ficou com a responsabilidade
zônia, as usinas do rio Madeira, Belo Monte. Belo Monte é uma usina que entra da casa de força, tomada d’água, adução forçada e subestação.
aquele valor de energia assegurada está em grande parte em cima de energia secun-
dária. Se olhar o histórico hidrológico do rio Xingu naquele eixo vai se verificar que FMM - O vertedouro, a barragem e o reservatório ficaram com a Comissão
tem anos críticos no período crítico, que a água mal dá para tocar uma máquina de do Vale do São Francisco.
550 MW, e são vinte máquinas. Aquele valor médio de 4.500 MW a 4.800 MW, GV - A Cemig paga pelo uso, sempre pagou e não é um valor simbólico, pelo uso
está baseado em cima disso. Está correto, porque se admite uma integração hidrotérmica. de instalações e da água. Pois muito bem, a primeira dificuldade foi Três Marias.
A Cemig quando fez Três Marias se interessou por Estreito, e perdemos para
FMM - Dr. Guy, e quanto a outros tipos de usinas geradoras na Cemig? Furnas. O presidente era o Celso Mello Azevedo, fez um livro; me lembro ain-
GV - A Cemig já está olhando assim para essa questão. A usina de Igarapé é tér- da das exposições dele, ele com Camilo Penna na Associação Comercial, defendendo
mica. A capacidade dela original seria de 125 MW. De fato, o projeto da Cemig tenazmente o direito da Cemig de construir Estreito. Perdemos. Nós só conseguimos
na ocasião eram duas máquinas, mas como entrou a primeira crise do petróleo, o construir Jaguara porque fizemos um acordo com a Billiton, que tinha a conces-
Ministério autorizou apenas uma, e deixar para autorizar a outra depois. Quan- são. Nós contornamos o caminho assim que começou a armar a resistência. Nessa
do chegou a hora de fazer a segunda, novas crises e, embora fosse econômico, para a época, eu era diretor; nós fizemos um acordo que envolveu a Alcoa que tinha negócio com
finalidade que nós pretendíamos, faltava moeda forte no País. Então, terminamos fi- a Billiton. Então com isso, nós chegamos lá.
cando com a usina com uma máquina só, caldeira-turbina. Nós pretendemos fazer lá
um ciclo combinado, colocar lá uma máquina de 250 MW a gás, sendo que o escape FMM - Com a Billiton e com a Alcoa ou...?
dela vai ser suficiente para alimentar a turbina a vapor. Além disso, também, a GV - Não, a Alcoa fez parte porque ela ficou consumidora. Era uma das gran-
Cemig tem olhado para usinas eólicas. Nós adquirimos cerca de 100 MW no des consumidoras da geração. Quer dizer, havia mercado para a Cemig. Depois,
Ceará. E aqui no estado, a Cemig patrocinou e conduziu um estudo e mapa eó- nós tivemos o caso de Igarapé; eu me recordo o seguinte: quando nós pretende-
lico de Minas Gerais onde está todo definido o potencial de vento no estado, mos fazer a usina de Igarapé para dar sustentação, calculamos qual era a capa-
e nós estamos procurando associações. A usina pioneira é da Cemig, Camelinho, cidade das duas unidades, Furnas afirmou que tinha energia e nos denunciou
uma usina de um megawatt, que já está operando há tempos. ao Banco Mundial.

481
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

FMM - Eu era novo na época, ouvia alguns ecos, mas não imaginava uma o carvão era melhor, mas eles tiravam o carvão que era o carvão para siderúrgi-
disputa tão acirrada. ca, e o resto, o carvão lavado, era para geração térmica. Quer dizer, não sustentavam
GV - Eles são da pesada. Denunciaram-nos ao Banco Mundial. Aí, o Dr. Cami- o preço daquilo. Aí, criaram a CCC, tudo nessa época num pacote só. Então, o
lo me entregou a responsabilidade, o Clóvis Lobo de Resende e eu fizemos um relató- Brito e eu fomos várias vezes ao Congresso, acompanhamos o deputado mineiro Au-
rio, pusemos em dúvida a disponibilidade de Furnas e mandamos o relatório para o reliano Chaves, presidente da Comissão Mista. Ele, grande daquele jeito, dirigia um
Banco Mundial. O Banco Mundial nos liberou. Muito bem, como Furnas isola- Fusca, conosco para baixo e para cima. Naquele tempo não tinha disso. Depois dis-
damente não tinha a disponibilidade, ela voltou e denunciou que ela com a Cesp ti- so, ele que me fez vice-presidente da Cemig e foi ele quem me chamou para Brasília.
nham. Aí, o Camilo me chamou, fizemos novamente um grupo de trabalho, geramos Eu o substituí meia dúzia de vezes como ministro interino. Ele era uma inteligência
um segundo relatório e enviamos ao Banco Mundial, derrubando o relatório de Fur- fenomenal, de honestidade a qualquer prova, ele era uma grande figura.
nas. Foi nessa época, quem sabe, que me mandaram para os Estados Unidos. Te-
ria sido por causa disso? Quando voltei dos Estados Unidos onde fiz um curso FMM - Que saudade desses tempos.
de quatro meses, o Camilo, falou assim quando perguntei sobre Igarapé. “Pá de GV - Notável, notável, notável. A única falha dele sabe o que era? Ele era tão sé-
cal. Você imagina que Furnas denunciou pela terceira vez a Cemig? Fur- rio, mas tão sério, que ele às vezes avaliava os outros como se fossem sérios como ele.
nas agora diz que ela sozinha não tem; ela com acesso não está assegu- Então, ele decidia uma coisa e achava que cada um iria cumprir a sua parte, e a
rada, mas ela com a Copel tem”. Aí, parecia que realmente não tinha jeito. gente sabe que não é bem isso. Mas eu que estive lá junto dele, eu não vi uma falha
Eu falei então que iria entrar na campanha de novo. Ganhamos, mas seguraram a nele, ele era perfeito. Eu tive assim a sorte de ter, assim o Seabra, o Camilo Penna,
segunda unidade. Nós ficamos com o direito de Igarapava e Volta Grande e Fur- Aureliano Chaves, Itamar Franco, pessoas que caracterizam-se pela inteligência,
nas com Porto Colômbia e Marimbondo. Houve São Simão, houve Emborcação. competência, grandes engenheiros e sérios a qualquer prova.
Eu me recordo quando foi votada a lei de Itaipu, nós fizemos uma frente de Minas,
São Paulo e Paraná. Ou seja, Cemig, Cesp e Copel para tentar, porque no projeto FMM - Sei que houve muita disputa entre Cemig e Furnas.
nós perdíamos o direito de uso, fazer a geração e fazer a transmissão de geração de GV - Enorme. Eu me lembro quando nós fomos a Brasília falar com o Dias Leite.
alta tensão. Na Eletrobras com o Dr. Mário Bhering, que eu achei que eram favas Pela Cesp foi o Lucas Nogueira Garcez. O Camilo Penna não pôde ir. Ia o Camilo
contadas para o nosso lado, não nos deu razão. Nosso governador pediu que o minis- e eu e o Brito com o Garcez. O Camilo não pôde ir porque estava num depoimento
tro Dias Leite nos recebesse. Aí, eu fui com o Brito lá em Brasília e ficamos um dia. de nove horas na Assembleia Legislativa. Inquiriram ele numa Comissão Parlamen-
Um dia, nós achávamos que de manhã liquidaria o assunto. Eu levantei tamanhas tar de Inquérito a respeito de São Simão. E a única coisa que eu consegui mudar
dificuldades com ele, mas tamanhas dificuldades, e ele é um homem de pavio curtís- foi o seguinte, o GCOI que pela proposição, seria feito por Furnas. Eu falei ao mi-
simo (ele expõe o episódio no livro dele). E fomos até tarde. No fim, nós tínhamos nistro: “não é possível porque Furnas é interessada comercialmente
doze emendas e ele autorizou dez. Só uma emenda que nós não conseguimos que ele nos procedimentos”. O ministro Dias Leite perguntou: “mas quem é
autorizasse, que era para não haver CCC, que era para dar dinheiro para o Sul. que pode ser então?” Eu respondi: “A Eletrobras”. Aí, ele alterou e pôs.
Nós cedemos por conta da CCC. O Luiz Carlos Barreto fazia o trabalho dele e eu o meu.

FMM - Não era para o Norte? FMM - Dr. Guy, uma história que ouvi dos antigos dirigentes de Fur-
GV - Não, agora na segunda fase é, mas naquele tempo era um sistema interligado. nas é que Furnas queria fazer Jaguara muito mais alta, afogando Estreito.
Era para sustentar a geração térmica de Candiota, essas usinas da Eletrosul. Eu Quer dizer, em vez de ter Estreito e Jaguara, teria um Jaguarão.
fui lá, visitei aquelas usinas. A de Candiota era um absurdo, não tinha água para GV - Bom, mas isso era nessa fase, aí. Furnas ganhou Estreito apenas. Ah, mas
fazer a tiragem de cinza que era feita pneumaticamente. Tinha torre de resfriamen- iria inundar lá naquelas terras de São Paulo e Minas, naquela região? Então,
to. A água era racionada. O minério de baixíssima qualidade, metade da capa- não conseguiu. Aí, ela fez Estreito. A estratégia de Furnas era não deixar a
cidade calorífica de óleo combustível, e um teor de cinza altíssimo. Porque lá ha- Cemig, ainda se fosse de qualquer natureza hidráulica ou térmica, ampliar a sua
via um grande reservatório, tirava-se uma camada meio metro de terra e tinha capacidade de geração, porque ela estava querendo que a Cemig fosse um mercado
dois metros daquele carvão ordinário, então precisava de um suporte. No Paraná, cativo de Furnas.

482
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Entrevista com o engenheiro Hélio Mendes de Amorim

Formação: Escola Nacional de Engenharia da Entrevistador:


Universidade do Brasil (hoje Escola Flavio Miguez de Mello
Politécnica da UFRJ) em 1955, em engenharia Dia 3 de setembro de 2010
civil com atribuição adicional de arquitetura

FMM- Como foi sua vida profissional antes de se dedicar ao apoio à con- FMM- Em saneamento e em irrigação, em geral, os contratos não eram
sultoria de engenharia? cost plus e sim a preço fixo.
HMA- Fui empresário da construção civil por quase 30 anos, atuando na elabora- HMA- Sim, mas onde se concentravam os maiores contratos, como os do setor
ção de projetos de arquitetura e execução de obras de edificações e urbanização, além elétrico, eram mais comuns os contratos cost plus. Contratar por preço global traba-
de realizar incorporações imobiliárias. lhos de consultoria de vulto e complexidade elevada implica em riscos que ou elevam
preços ou resultam em prejuízos para as empresas.
FMM- Você começou a prestar serviços para a Associação Brasileira de
Consultores de Engenharia - ABCE quando eu estava no meu primeiro FMM- Com a inflação galopante e os atrasos de pagamento, as empresas de
mandato como diretor. consultoria sofreram.
HMA- É verdade. Isso foi em 1984. Desde aquela época me dedico integralmente HMA- A partir da segunda metade dos anos oitenta a inflação disparou e o
à ABCE. Sou diretor executivo da Associação. governo falseava os dados e índice econômicos que não permitiam repor a elevação
de custos nos contratos em andamento.
FMM- Nesse intervalo de tempo, como você sentiu a evolução das em-
presas de consultoria? Há 26 anos as empresas eram muito grandes, FMM- Alguns dos grandes projetos nos anos cinqüenta e sessenta foram
empregavam enormes contingentes de funcionários, eram muito ativas e feitos por empresas estrangeiras tais como a IECO/Internacional, a Serete,
extremamente capacitadas. a COBA, a COBAST, a Sofrelec, e outras.
HMA- Havia empresas consultoras com três mil, quatro mil funcionários. Não HMA- Aos poucos muitas empresas estrangeiras foram se nacionalizando. Havia
eram muitas com esses contingentes tão grandes, mas eram muito capacitadas. uma proteção férrea da engenharia nacional. A ABCE e a ABEMI eram
Muitas delas desapareceram. Foram perdas importantes para a engenharia brasileira. responsáveis por analisar os pedidos de empresas estrangeiras para contratação de
serviços de engenharia, obrigatoriamente submetidos ao INPI. A permissão ou não
FMM- Quais foram os principais desafios, os mais sérios obstáculos para a contratação saia da mesa da ABCE onde as duas entidades se reuniam
nesses 26 anos? mensalmente para esse fim.
HMA- Até o início dos anos 90 as contratações eram mais civilizadas. Adotava-se
a modalidade de contratação cost plus, com justa remuneração. As empresas inves- FMM- O movimento para a reserva de mercado para a engenharia nacional
tiam em capacitação dos profissionais, inclusive no exterior, incorporando novas tec- foi iniciado no Clube de Engenharia que conseguiu essa norma no governo
nologias. A composição de preços dos serviços de consultoria levava incluía custos de Costa e Silva.
treinamento e capacitação de pessoal. HMA- Collor revogou essa reserva de mercado da engenharia no início dos anos 90.

483
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

FMM- Mas no governo Sarney a lei já estava sendo driblada na contra- anos predominaram contratações por esse conceito de valorização da técnica. Com tempo,
tação de consultoria do exterior para o programa federal de irrigação. entretanto, passaram a predominar contratações por menor preço, mais cômodas para o
As empresas nacionais sofreram com a abertura do mercado? contratante, com a perda conseqüente de qualidade da engenharia. No julgamento da técnica
HMA- De imediato não, mas pouco a pouco cresceu a participação de empresas há sempre uma certa margem de subjetividade que pode levar a recursos intermináveis.
estrangeiras no mercado nacional geralmente associadas ou adquirindo o controle de A elaboração dos editais é mais complicada, o julgamento difícil e trabalhoso e havia o risco de
empresas brasileiras. pedidos de anulação da licitação. A contratação por menor preço explica o prejuízo da quali-
dade dos serviços e os baixos salários das equipes de projeto. A contratação pelo menor preço
FMM- Na fase de inflação elevada e atrasos de pagamento havia intensos é a chave de tudo que está acontecendo. As empresas que concorrem nesse mercado
pedidos das consultoras para que houvesse correção monetária nos paga- trabalham até sem lucro e correm grandes riscos financeiros.
mentos em atraso. Durante muito tempo esses pedidos não encontraram
qualquer resposta dos contratantes estatais. Depois dessa longa fase, FMM- Nesse período houve episódios hilários para quem estava de fora
os contratantes estatais passaram a reconhecer correção monetária e tristes para quem vivenciava a consultoria para empresas estatais.
mas somente a partir dos 45 dias do vencimento das faturas. Com os Por exemplo, quando o governo Sarney instituiu o primeiro plano hetero-
elevadíssimos níveis inflacionários da época (que chegaram a atingir doxo, houve certa euforia e foram criados os “fiscais do Sarney”. As esta-
80% ao mês) não havia como as empresas sobreviverem. Houve até tais, na função de “fiscais do Sarney” enviaram cartas às empresas de
quem nas equipes contratantes (Eng. João Alberto Bandeira de Mello) consultoria contratadas e, unilateralmente, comunicaram que os multiplica-
que achasse justo que as consultoras, além da correta correção, dores em contratos cost plus foram reduzidos. Apesar de ser nitidamente
recebessem também juros com taxas interbancárias. ilegal, essa redução prevaleceu e os valores dos multiplicadores não
HMA- Foram anos de negociação difícil. Artifícios de reposição das perdas não mais retornaram ao que havia sido estabelecido por consenso nos con-
repunham as perdas reais. Empresas consultoras credoras de empresas estatais, espe- tratos que são instrumentos jurídicos perfeitos. No fim deu no que deu!
cialmente no setor elétrico, tiveram que aceitar acordos leoninos no fim de intermináveis Quais são as perspectivas para o futuro da consultoria?
negociações para salvar o que era possível. HMA- Há hoje otimismo. As empresas estão com boa carteira de contratos. Per-
manecem preocupações já mencionadas: modalidades de contratação inadequadas
FMM- Dessa crise surgiram muitas empresas pequenas e muitos engenheiros e carência de pessoal qualificado. O faturamento segue em curva ascendente. As
passaram a se dedicar a outros segmentos da economia. empresas associadas da ABCE têm mais de 20 mil profissionais de nível universitário.
HMA- É verdade, mas algumas empresas retomaram o crescimento e hoje são gran-
des como a Concremat, Themag, Leme, Engevix, PCE e muitas outras. Algumas FMM- As consultoras reclamam muito da formação dos engenheiros?
empresas ampliaram o seu campo original de pura consultoria para atuar também HMA- Sim. Durante a crise antes comentada houve muitos engenheiros que
como empreendedoras de negócios em contratações da modalidade EPC. viraram taxistas, donos de lanchonetes, etc. e recém formados em engenharia se di-
rigindo para outras atividades. O resultado está hoje na carência que as empresas
FMM- Quando eu assumi uma diretoria da ABCE, o Gravina era o presidente. enfrentam. A menos de grandes empresas estatais em áreas específicas como a Petrobras
Quem foram os mais recentes presidentes da ABCE? que investe em treinamento do seu pessoal, é difícil promover qualificação de
HMA- Flavio Henrique Lyra da Silva, Braz Alberto Gravina, Alexandre Car- profissionais através de cursos e outras modalidades de treinamentos, menos ainda
valho e Lindolpho Correa de Souza, este desde 1992. no exterior, pelos baixos preços praticados.

FMM- Como as empresas encaram a modalidade de contratação por preço FMM- Essa carência deve estar propiciando o retorno de empresas estran-
global, mais comum atualmente? geiras ou aquisição de consultoras nacionais por estrangeiros?
HMA- Em 1993 a lei 8666 extinguiu a modalidade cost plus para contratos com HMA- Sim. O Brasil é a “bola da vez” no mercado internacional, com destaque
empresas da administração pública e empresas estatais. Nos contratos com privados há para os investimentos exigidos para a realização da Copa do Mundo em 2014
mais flexibilidade na escolha das modalidades mais adequadas de contratação para cada e Olimpíadas em 2016. Empresas estrangeiras buscam ativamente parcerias e
caso. A nova lei de licitações incluiu, por proposição atuante da ABCE, a modalidade alianças com empresas brasileiras, como forma mais cômoda de se inserir no nosso
de licitação por melhor técnica ou por uma combinação de técnica e preço. Durante muitos mercado de engenharia.

484
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Entrevista com o engenheiro João Camilo Penna

Formação: Engenharia civil e Entrevistadores:


elétrica, pela Universidade Federal Erton Carvalho e Flavio Miguez de Mello
de Minas Gerais, MG, em 1948 Dia 16 de julho de 2011 em Belo Horizonte

FMM - Dr. Camilo, como foi a sua formação profissional? FMM - E o Flavio H. Lyra?
JCP - Me formei em engenharia civil e elétrica na Escola de Engenharia da JCP - Esse não; ele era educadíssimo, uma dama.
Universidade Federal de Minas Gerais, em Belo Horizonte, em 1948.
FMM - E depois dessa fase inicial?
FMM - Dr. Camilo, o Cotrim me contou que o senhor foi o primeiro JCP - Fiquei na Cemig de 1951 a 1974. Quando o Cotrim saiu para fun-
engenheiro a ser contratado pela Cemig. dar Furnas, fui para o lugar dele como diretor técnico e depois para o
JCP - É verdade. Quando me formei fui trabalhar na então chamada Cia lugar do Mario Bhering quando ele foi para a Eletrobras. Fiquei oito anos
Vale do Rio Doce. Morei num apartamento com o Eliezer Batista. Depois como diretor presidente, de 1967 a 1975. Nesse ano fui convocado para
fui para a Cemig que tinha como dirigentes o Lucas Lopes, o John Cotrim, ser o Secretário de Fazenda do Estado de Minas. Fui Ministro da
o Mauro Thibau, o Júlio Soares e o Flavio H. Lyra. O Benedito Dutra não Indústria e Comércio no governo Figueiredo.
era do quadro, mas dava apoio. Inicialmente trabalhei com o Mauro Thibau
pesquisando mercado de distribuição. Fizemos um programa por ordem decres- FMM - Dr. Camilo, como foi a saída do aproveitamento de Furnas
cente de cidades: primeiro as maiores e mais perto para garantir um lucro ini- da Cemig que havia iniciado os estudos?
cial maior para depois irmos para as cidades mais deficitárias. Os municípios JCP - O Cotrim mandou que fizéssemos um reconhecimento de campo
compravam ações com o compromisso de não vendê-las por certo tempo, podendo no rio Grande a jusante do local de Itutinga. O Noronha e eu, com mais
a Cemig recomprar essas ações a médio prazo. Como era importante ter carga algumas pessoas, fomos incumbidos desse levantamento. O Noron-
industrial, a Cemig criou o INDI - Instituto de Desenvolvimento Integrado. ha descobriu o local de Furnas, um cânion relativamente estreito com
Uma das primeiras grandes indústrias foi a Mannesmann. possibilidade de formar um grande reservatório de regularização. Inicial-
mente o Cotrim não acreditou, mas, indo ao local, se convenceu de vez.
FMM - Dr. Camilo, antes da Cemig, no governo Milton Campos, Entretanto o aproveitamento de Furnas era na realidade muito grande para
o estado havia iniciado a construção de algumas hidroelétricas, mas a Cemig que havia pedido sua concessão. Quando o Juscelino assumiu a
elas eram mal conduzidas, especialmente Salto Grande. Presidência da República ficou claro que o Rio de Janeiro e São Paulo estavam
JCP - Realmente as obras eram executadas como repartições públicas, com entrando em rota de forte crise energética dado o desincentivo da Light
baixa eficiência. Mas creio que o Cotrim exagerava um pouco para melhorar a em investir na ampliação do seu sistema pela contenção dos valores das tari-
imagem da nova empresa. O Cotrim e o Mauro, vindos do Rio de Janeiro, fas. A solução foi formar uma empresa regional para construir Furnas que
maltratavam um pouco os mineiros. viria atender ao Cotrim que estava querendo retornar ao Rio de Janeiro.

485
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Tiraram Furnas da Cemig e nos deram Três Marias. Os membros da Cemig es conseguiu que eu fosse convocado para depor na Assembléia Legislativa e no
ficaram magoados. Posteriormente o mesmo aconteceu com Estreito, também no Congresso Nacional. Quem me salvou em Brasília foi o Magalhães Pinto que
rio Grande. Bias Fortes não era um governador forte, apesar do nome. Mas seus me disse: “Destruir você, nunca. Você é mais importante do que a Cemig”.
sucessores, Israel Pinheiro e Rondon Pacheco punham a boca no trombone. Tendo tido sucesso no Congresso, me emocionei tanto que saí chorando. A Impregi-
lo deu um verdadeiro show na obra, terminou três meses antes do prazo que havia
FMM - Dr. Camilo, e quanto à divisão dos potenciais do Triân- sido estabelecido e não teve nenhuma reivindicação de preço. O próprio Murilo
gulo Mineiro? Porto Colômbia e Marimbondo para Furnas, Água disse que os empreiteiros brasileiros aprenderam muito com a Impregilo.
Vermelha para a Cesp e São Simão para a Cemig?
JCP - O Mauro Thibau, sob forte pressão de Furnas e da Cesp, concedeu a FMM - E como foi o após Cemig?
essas empresas Marimbondo e Água Vermelha, respectivamente. A Cemig JCP - Queria ir para a iniciativa privada para receber um salário maior
ficou com a concessão de São Simão porque os federais não acreditavam que que me sustentasse na velhice que se aproximava. O José Carlos Figueire-
a Cemig fosse capaz de implantar São Simão. Depois de algum tempo, do Ferraz já havia me convidado quando o Aureliano Chaves me disse que
a Cemig não implantaria a usina e a concessão retornaria para os federais. eu teria uma entrevista com o recém empossado Presidente Figueiredo. Não
me revelou o assunto da entrevista. Quando eu estava na ante-sala com o
FMM - Realmente os custos de implantação de São Simão general Venturini, o Delphim Neto saiu da sala do Figueiredo e, ao me ver,
representavam na época todo o patrimônio da Cemig somado. perguntou-me o que eu estava fazendo ali. Sem mentir eu disse que não sabia.
JCP - Exatamente. Foi um desafio tremendamente difícil. Inicialmente fui O presidente me recebeu e falou: “O senhor foi indicado para ser o Ministro
ao Israel Pinheiro e mostrei a ele a oportunidade que se apresentava para a das Minas e Energia. Mas o senhor foi vetado porque falou mal do acordo
Cemig e o grande vulto do empreendimento. Ele me disse que estava deixan- nuclear. Assim, o senhor será o Ministro da Indústria e do Comércio”. Fui
do o governo e que seria assunto para o Rondon Pacheco, e acrescentou: “Vai ministro por cinco anos e nove meses. Aí aconteceu um imprevisto. Recebi o rec-
ao Rondon e vê se resolve isso hoje”. Consegui ser recebido no dia ado de que o Delphim Neto havia ordenado que todos os ministros recebessem
seguinte graças à recomendação do Israel. O Rondon me recebeu com as seguinte o Paulo Maluf, candidato do governo à presidência. Eu disse que meu can-
palavras: “O senhor estava marcado para as oito horas e já são didato era o Tancredo Neves que era meu amigo e era mineiro e, conse-
oito e dez”. Achei que naufragaria já no meu primeiro confronto. Após quentemente, eu não apoiaria o Maluf. Emiti minha carta de demissão.
ter explicado o projeto ao governador eleito e todas as dificuldades de alavan- O Figueiredo ficou muito abatido.
cagem de recursos, ele me disse: “No meu governo nós plantaremos
carvalhos e não couves. Vá e faça São Simão”. Nessa época o Del- FMM - Dr. Camilo, no governo seguinte o senhor foi presidente
phim Neto mandava na economia e sabotava o Israel Pinheiro. Pedi de Furnas.
prioridade para o financiamento de US$ 700 milhões para São Simão e o JCP - O presidente Sarney me selecionou para essa posição por indicação
Delphim negou. Mauro Thibau recomendou que tentássemos financiamento do Aureliano Chaves. Não gostei de Furnas. O corporativismo era enorme,
externo. Corremos oito países em vinte e dois dias. Conseguimos financiamento havia muitas greves, muita gente e pouco trabalho. Tive que desmobili-
para os equipamentos e financiamento do Banco Mundial para as obras civis. zar mais de sessenta engenheiros. Muito diferente da Furnas no seu iní-
cio. O Cotrim, quando na presidência, queria Furnas fazendo Itaipu e as
FMM - Foi esse financiamento que abriu toda celeuma. hidroelétricas na Amazônia.
JCP - Isso mesmo. O banco exigiu que a concorrência para construção fosse in-
ternacional. A Camargo Corrêa disse que não entraria e registrou um protesto. EC - Dr. Camilo, quando o senhor era presidente de Furnas me lem-
Mas os empreiteiros nacionais não aparentavam muitas preocupações e a An- bro que o senhor fez duas palestras. Uma sobre a situação energética
drade disse que o importante era haver financiamento para a obra. Abertas nacional e outra sobre o difícil cenário de Furnas naquela ocasião.
as propostas, vitória apertada da Impregilo, firma italiana. O Murilo Mend- JCP - Tive em Furnas importantes apoios do Benjamim Batista, do Nor-

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Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

berto Medeiros e de outros. Antes de terminar, quero também citar um grande emente, instabilizado. Um pedaço da encosta já havia caído antes,
brasileiro, o Antônio Dias Leite Filho que foi Ministro das Minas e Ener- tendo provocado pequenos danos. A Mendes Júnior foi contratada
gia. Quando saí de Furnas fui para a Companhia Força e Luz Cataguazes para executar um projeto da Enge-Rio para desmonte do monólito
Leopoldina. Nessa ocasião saiu um manifesto dentro de Furnas dizendo que eu e estabilização da encosta.
havia vendido a minha alma para a iniciativa privada! EC - Olavo Pinheiro, que era o residente de Furnas na obra, foi
entrevistado pelo Jornal Nacional da TV Globo. As perguntas
EC - Durante o seu mandato em Furnas ocorreu a emergência na haviam sido submetidas pela repórter antes e o Olavo havia pre-
encosta do córrego Dos Cabritos que tinha grandes blocos amea- parado as respostas. Mas a última pergunta não havia sido progra-
çando cair dentro do reservatório próximo à barragem, podendo mada e o Olavo foi apanhado de surpresa com essa pergunta: “
provocar uma grande onda. Fui chamado para solucionar o prob- O que acontecerá se a encosta cair?” A resposta do Olavo que impactou
lema e pedi um prazo de uma semana. Na UFRJ havia um doutor todos os telespectadores foi: “Só Deus sabe”.
em ondas, o professor Claudio Neves. Em uma semana tínhamos FMM - Dr. Camilo, nossa entrevista foi muito curta para uma
uma estimativa da onda por modelo matemático. Mas, por que vida profissional tão rica como a do senhor; o senhor gostaria de
não fazer um modelo físico reduzido? Tirei recursos de um mod- registrar mais alguma coisa?
elo de Estreito e fiz o modelo do colapso da encosta do córrego JCP - Vou falar do Aureliano de quem o Figueiredo não gostava muito.
Dos Cabritos. O senhor foi duas vezes ao laboratório. Dr. Lyra O Aureliano estava em Brasília hospitalizado no Sara Kubitschek e muito
foi nosso consultor. mal, tinha diabetes e disse que queria morrer em Minas Gerais. Veio para
FMM - O Vice-Presidente da República, Aureliano Chaves, telefo- Belo Horizonte e fui visitá-lo no hospital. Ele me disse: “João, você chegou
nava pressionando o senhor. Na encosta havia um grande monóli- em boa hora. Os médicos querem amputar minhas duas pernas. Eu
to de quartzito em contínuo processo de alteração e, consequent- não quero”. Ele morreu dois dias depois e foi enterrado com as duas pernas.

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A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Entrevista com o engenheiro


José Candido Capistrano de Castro Pessoa
Formação: Engenharia civil, Entrevistador:
especialização em geotecnia, Flavio Miguez de Mello
pela PUC-RJ em 1990 Dia 6 de abril de 2010

FMM - A vida profissional do seu pai foi sempre de grande importância JCP - Um episódio curioso foi que meu pai percebeu que os desenhistas, princi-
para o cenário dos aproveitamentos hídricos do nosso país. Conte-nos palmente no verão carioca, transpiravam excessivamente danificando os desenhos
um pouco da vida dele. de projeto que na época eram feitos em papel vegetal. Meu pai mandou insta-
JCP - Meu pai nasceu no Ceará e formou-se em engenharia civil pela Escola lar ar condicionado na sala dos desenhistas que foram os primeiros a ter esse
Politécnica, no Rio de Janeiro. Ele estagiou na Aerofoto da Cruzeiro do Sul. Nesta conforto essencial para suas funções. Por conta disso apareceram críticas nos jornais
época houve um anúncio de duas vagas para um treinamento nos Estados Unidos que qualificaram como luxo desproporcional pelo fato do escritório do DNOCS
no US Bureau of Reclamation em Denver Colorado. Era um programa de dois ter uma sala com ar condicionado.
anos e por incrível que pareça somente dois candidatos se apresentaram. Isso foi pro-
vavelmente em 1950 ou pouco depois. Ele foi muito bem na primeira prova e ganhou FMM - Um episódio que marcou esta época no DNOCS foi o colapso da
a amizade de jovens profissionais destacados do Bureau tais como Jack Hilf, barragem de Orós. Um engenheiro francês, Lamperriere, publicou um artigo
W. Holtz e Hoffmann. Eles deram apoio ao meu pai na época do treinamento e na revista Water Power & Dam Construction, dando exemplos de acidentes
mesmo até o fim das vidas. Esse treinamento foi muito importante para o meu pai. de barragens que provocaram muitas mortes tendo incluído a barragem de
Meus avós ficaram com muitas saudades, foram lá e trouxeram o meu pai de volta. Orós. Baseado em relato de seu pai refutei esse artigo uma vez que apenas
Após o retorno ao Rio de Janeiro começou a trabalhar no Departamento de Obras uma pessoa faleceu de ataque cardíaco.
Contra as Secas DNOCS cuja sede era na capital da República. JCP - Realmente Orós foi muito impactante. O acidente era esperado. Houve uma
Quando JK assumiu a presidência meu pai foi indicado como diretor geral do tentativa de subida do aterro e, quando ficou claro que haveria um transbordamento
DNOCS. Ele se achava ainda muito novo. Era uma época de muitas obras de houve uma tentativa de proteção com lonas que não evitaram a ruptura da barragem
açudes no Nordeste. ainda em construção.

FMM - Essa época, anos 40 e anos 50, foram os anos mais intensos de implan- FMM - Eu me lembro, embora fosse ainda muito jovem na época, das notícias de
tação de açudes para mitigação dos efeitos das secas no Nordeste. Os projetos jornal que antecederam em alguns meses o acidente. Lembro de ter lido no Diário
eram feitos no Centro do Rio de Janeiro e implantados no interior das regiões ári- de Notícias que na época era jornal da oposição, que os dirigentes do DNOCS
das do Nordeste. Seu pai narrou alguma particularidade desta época? Eu sei, por afirmavam que havia uma probabilidade da barragem de terra vir a ser galgada pelo
exemplo, que o engenheiro Octacílio Santos Silveira algumas vezes enfrentava fato de que os recursos para as obras públicas estavam todos direcionados para a
dificuldades para conseguir material adequado para compor os maciços das construção de Brasília dessa forma, o DNOCS estava sem recursos financeiros e
barragens de terra. sem crédito junto aos fornecedores.

488
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

JCP - A obra ficou realmente paralisada, os equipamentos de terraplanagem sem contam os mais velhos, era razoavelmente domesticada. Para evitar caronas no
combustível por falta de pagamento. Meu pai foi ao ministro Lúcio Meira e, depois avião do DNOCS algumas vezes a onça ia como passageira. Isto bastava para
de muito custo, conseguiu recursos para Orós no Banco do Brasil. O cheque que afugentar os possíveis caronas. No Rio de Janeiro a onça era transportada no carro
meu pai recebeu foi imediatamente descontado no banco, o dinheiro colocado em uma particular. Um dia, ao descer do avião, a onça foi atingida por um tiro desferido por uma
mala e despachado no avião do DNOCS. Era um avião pequeno com um piloto pessoa que não sabia das qualidades da onça. A onça faleceu.
de inteira confiança. Como se tratava de uma emergência, não havia tempo para
um procedimento de compensação bancária uma vez que isso demandaria muitos dias. FMM - Como foi a vida do seu pai após o DNOCS?
Antes de pousar em Orós o avião levou uma pessoa ao Recife. Apesar das instru- JCP - JK transfere a presidência a Janio Quadros que inicia uma verdadeira caça às
ções terem sido claras e da urgência da operação o piloto esqueceu a mala do dinheiro bruxas. Meu pai era muito amigo e freqüentava a casa de JK. Nessa época, Armando
no avião. Cerca de 5 dias depois, como a obra continuava paralisada ficou claro que os Falcão recomendou ao meu pai que não freqüentasse mais a casa do Juscelino porque
fornecedores não haviam recebido os pagamentos. Meu pai mandou verificar o avião, a a principal bruxa a ser caçada era o próprio Juscelino. Meu pai teve que responder
mala ainda lá estava e o piloto fez um vôo de urgência para Orós. Entretanto já está- a vários inquéritos sendo que um deles com 24 horas sem intervalo. Num desses inqué-
vamos no fim da estação chuvosa quando veio a precipitação que causou a descarga que ritos um coronel perguntou: “ Você fez uma estrada que não vai a lugar nenhum; que
rompeu a barragem ainda em construção. estrada é esta?” Meu pai respondeu que era a estrada de acesso à área de empréstimo
da barragem. O termo empréstimo causou ainda mais confusão no referido coronel.
FMM - Devemos realçar a impressionante operação do exército e da for- Em outra ocasião foi perguntado ao meu pai por que o DNOCS tinha uma máqui-
ça aérea no socorro e salvamento da população a jusante da barragem. na de raspar gelo. Foi esclarecido que esta máquina já estava no DNOCS antes dele
Quase ocorreu outra ruptura em Orós depois do corpo da barragem assumir o cargo.
reconstruído. Esse acidente me foi narrado pelo Epaminondas Mello do
Amaral Filho. O vertedouro da barragem se situa na ombreira esquer- FMM - E quanto ao trabalho...?
da onde a rocha é extremamente fissurada. Na reconstrução apenas o JCP - Ele foi trabalhar na Noronha Engenharia. Ele era muito amigo do Noronha.
aterro da barragem foi erguido e havia uma pequena ensecadeira em fren- Era uma época de instabilidade financeira com dificuldades de recebimento por serviços
te à escavação para o vertedouro. Numa visita do ministro do interior prestados a órgãos públicos. Numa ocasião o Noronha teve que vender o seu carro
à barragem ele estranhou o fato de haver esta ensecadeira e um trator des- próprio para efetuar o pagamento aos funcionários. O dinheiro da venda foi depositado
tinado a mantê-la. Esse ministro ordenou que a ensecadeira fosse aberta. num banco, o aviso de pagamento foi feito aos funcionários, mas no dia seguinte o banco
Como o nível estava alto no reservatório a água começou a escoar sobre quebrou. As dificuldades eram muito grandes. Veio a concorrência do projeto da tran-
a rocha provocando uma grande erosão na mesma. Essa erosão amea- samazônica. A Hidroterra que estava hibernando desde 1954 venceu a concorrência
çou a estabilidade de toda a ombreira esquerda. Para evitar a repetição com a Noronha. Esse contrato fez com que a Hidroterra decolasse. Depois veio o
desse incidente, o laboratório de Saturnino de Brito foi contratado projeto da barragem de Pacoti, primeiro projeto de barragem da Hidroterra. Na época
para projetar um vertedouro em concreto. Esse vertedouro projetado um coronel do exército afirmou que o reservatório não iria encher, mas que o talu-
pelo professor Theophilo Benedicto Ottoni Netto encontra-se até hoje de da barragem seria aproveitado como uma arquibancada. O reservatório está lá
promovendo a segurança da barragem. até hoje abastecendo Fortaleza.
JCP - Naquela época era um outro país. Houve uma vez em que meu pai ia de jipe
para a cidade de Boa Viagem no interior do Ceará. O jipe cruza na estrada com o FMM - A barragem do Açu foi um assunto muito comentado.
carro da prefeitura que ia no sentido contrário. O prefeito como precisava falar com meu JCP - Realmente. Aconteceram dois acidentes, o primeiro sendo um pequeno escorrega-
pai entrou no jipe de volta para Boa Viagem. O carro do prefeito pouco mais a mento acontecido em 1978. Nessa ocasião meu pai convocou o Holtz, que após detalhada
frente foi emboscado e todos seus ocupantes morreram fuzilados. Meu pai e o prefeito visita ao local recomendou a remoção do material do núcleo e do tapete impermeabi-
que não presenciaram esta cena estavam na casa do prefeito quando os assassinos não lizante. O DNOCS durante dois meses fez inúmeras reuniões e mandou arquivar
tendo atingido o prefeito no seu carro foram para Boa Viagem e investiram a tiros o relatório do Holtz considerando o assunto como tendo sido superado. As recomendações
na casa do prefeito. Foi um tremendo tiroteio, mas desta vez não houve vítimas. do Holtz e, consequentemente, as recomendações da Hidroterra na posição de enge-
Outro exemplo que o país era diferente está no fato do meu pai criar uma onça que, nharia do proprietário não foram aceitas. A barragem foi construída com a utilização

489
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

desses materiais inadequados e de baixa resistência. Ao final da construção acon- impossível, pois eram 103 km de canal com 5 metros de base, uma estação elevatória
teceu o segundo acidente, uma ruptura de talude de montante envolvendo grande e dois sifões invertidos. A Hidroterra trouxe o Hoffmann para comandar o projeto
quantidade de aterro compactado. Meu pai recebeu então um telefonema no qual trancado num quarto de hotel em Fortaleza. Haviam muitos boatos em relação ao
seu interlocutor dizia “temos que salvar a imagem dos colegas do DNOCS. Vamos projeto um dos quais, por exemplo que teria que haver uma proteção contra golpe de
culpar o gringo. Nos Estados Unidos ninguém vai saber disto.” Meu pai foi contra ariete na estação elevatória. A equipe do governo do estado foi até o hotel e sequestrou
essa proposição e virou boi de piranha. Até os relatórios da Hidroterra sumiram o Hoffmann de modo que ele pudesse garantir ao governador Ciro Gomes que não
de seus arquivos do Rio de Janeiro; foram roubados. Apesar de não ser projetista haveria necessidade de tal proteção. A previsão de três meses foi quase cumprida:
e sim supervisora, a Hidroterra foi atacada. No auge das acusações a Hidroterra a obra levou 93 dias e Fortaleza se livrou de uma seca intensa.
sem os relatórios que haviam recomendado a remoção do material de baixa resistên-
cia meu pai recebeu o telefonema de um amigo de Fortaleza que disse onde estavam FMM - Como foram as transições no governo federal?
os relatórios. Meu partiu imediatamente para Fortaleza e, em audiência com o Juiz JCP - Realmente, para quem trabalha para governo estas transições costumam
declarou que tinha as provas que haviam sido mencionadas. O juiz designou um ser traumáticas. Por exemplo quando Collor era governador de Alagoas tinha
oficial de justiça e outros funcionários do judiciário que em comboio foram à sede do uma audiência marcada com um diretor do Departamento Nacional de Obras
DNOCS e lá acharam todos os relatórios. O juiz deu a sentença inocentando meu de Saneamento-DNOS. Collor não foi atendido nem de manhã e nem de tar-
pai e realçando a inépcia do advogado de defesa que provavelmente havia sido comprado. de. Ao tomar posse na presidência da República Collor extinguiu o DNOS.
Faltava muito pouco para a conclusão da barragem Norte. Essa e outras obras
FMM - Conte um pouco do projeto do Canal do Trabalhador no Ceará. ficaram sem responsável.
JCP - Esse foi realmente o último projeto da vida do meu pai. A situação de abas-
tecimento d’água a Fortaleza havia chegado a um ponto de calamidade pública com FMM - E o que não foi realizado?
perspectiva as mais sombrias. Meu pai, que não tinha medo de desafio, assumiu JCP - Meu pai tinha o sonho da transposição do rio São Francisco. Esse projeto ele
perante o governo do estado que a obra poderia ser executada em três meses. Parecia não vivenciou. Faleceu em 2007 com 77 anos.

490
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Entrevista com o engenheiro Luiz Carlos Queiroz

Formação: Engenharia Mecânica, Entrevistador:


pela PUC-RJ em 1965 Flavio Miguez de Mello
Outubro de 2010

FMM - Há muitos anos você me disse que os contratos da Brascep, em- era possível faturar um técnico com mais horas úteis do que o mês tinha. Com a de-
presa de consultoria que você dirigia, eram quase que exclusivamente mora nos pagamentos não havia como acumular serviços para só emitir as faturas
com empresas privadas. Eu me lembro que naquela oportunidade eu quando havia caixa nas estatais, como faziam os empreiteiros. Durante muito tem-
te felicitei. Mas depois o perfil dos clientes da Brascep mudou. Como po os serviços eram pagos sem correção pela inflação. As empresas trabalhavam
se deu a transformação dos clientes da Brascep de privados para estatais? no vermelho. As empresas reclamavam com as estatais, mas a resposta era: se vocês
LCQ - A Brascep trabalhava para clientes industriais. Entretanto, o mercado não estiverem satisfeitos podem pedir rescisão dos contratos.
de termoelétricas de portes médio e grande era exclusivamente estatal. Para indús-
trias privadas as termoelétricas eram raras e pequenas; em geral eram otimizações FMM - Mas houve uma época em que, após anos seguidos sem correção, a
para auto consumo.
correção foi admitida nos contratos.
LCQ - Mas a correção não era total. Essa correção se aplicava apenas à atuali-
FMM - Quando começaram os clientes estatais para a Brascep?
zação monetária parcial dos valores que haviam sido faturados, e que não incluía juros.
LCQ - Nos anos de 1978 a 1980 com a ELETROSUL. Nos anos oitenta come-
çamos a trabalhar para ELETRONORTE, FURNAS e CHESF, subsidiárias
FMM - Nessa época as empresas tiveram que recorrer ao sistema financeiro?
da Eletrobras.
LCQ - As empresas já vinham recorrendo a bancos e, portanto, não conseguiam um
fluxo de caixa positivo.
FMM Como eram os contratos com as estatais?
LCQ - Os contratos eram na modalidade cost plus. Na década de 80 cerca de 80%
FMM - Na composição do cost plus qual era a parcela do lucro?
dos contratos já eram com estatais. Nessa época a seleção da consultora pelas estatais se
LCQ - No nosso caso era 10% antes do imposto de renda.
fazia com base na capacitação técnica da consultora/projetista.

FMM - O que gerou a crise na consultoria? FMM - E qual era o nível da inflação mensal e dos juros bancários?
LCQ - Houve um inchaço nas consultoras para possibilitar a terceirização de pes- LCQ - Não me lembro exatamente, mas a inflação era galopante com períodos de altos
soal para estatais porque estas, a partir de certa época, passaram a ser impedidas de e baixos, mas certamente muito superior a 10% nesse período. Além disso, os juros
expandir seus quadros. Havia atrasos nos pagamentos, mas dava para conviver até bancários neste país sempre foram muito elevados.
o fim da década de 80. No governo Sarney os atrasos e a inflação passaram a ser
grandes e, conseqüentemente, as empresas passaram a ter que arcar com prejuízos FMM - E nesses períodos esporádicos de baixa inflação o que ocorreu?
correntes. Nos contratos cost plus os faturamentos eram mensais e, portanto, não LCQ - Eram planos heterodoxos que sumiam com a correção da inflação de um mês.

491
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

FMM - Mas nesse cenário a equação financeira dos contratos não FMM - E como foi a transição do governo Sarney para o governo
poderia fechar. Collor?
LCQ - De acordo. Isto causou uma descapitalização e endividamento das consulto- LCQ - Catastrófica. As consultoras vinham com altos créditos a receber, valores
ras além de perda de profissionais. Como os clientes atrasavam, as consultoras eram atrasados que não haviam sido pagos no governo anterior. Conseqüentemente as
forçadas a atrasar os salários de seus profissionais. Os profissionais da consultoria consultoras se encontravam com elevados endividamentos em bancos, num ambiente
passaram a ir para as indústrias. em que a inflação atingiu 80% ao mês. O governo Collor tomou logo de início duas
medidas que foram a pá de cal nas empresas de consultoria: cancelar todos os contra-
FMM - Você me sucedeu na diretoria da ABCE. Os profissionais de tos em vigor e declarar que não iria pagar os valores devidos na era Sarney. Depois
engenharia industrial tinham essa possibilidade de migrarem para traba- de muitas negociações e demandas, as estatais pagaram esses créditos com moeda
lhar em indústrias que podiam garantir o pagamento de salários em dia
podre chamada ELET que tinha valor de mercado correspondente a 26% do seu
e com plano de crescimento profissional. Na ABCE você sentiu que
valor de face. As consultoras, já muito endividadas, não tiveram outra saída se não
as consultoras que trabalhavam em projetos de barragens tiveram este
aceitar receber essas ELETs para poder demitir a quase totalidade de seus
problema e que esses profissionais não tinham para onde ir?
quadros de funcionários com enorme passivo trabalhista.
LCQ - Sim, esses profissionais encontravam muito mais dificuldade de se recolocar,
pois o setor era todo estatal.
FMM - Qual foi o destino dessas consultoras?
LCQ - A maioria dessas empresas quebrou ou ficou desfigurada sem contratos ou sem
FMM - Isto significa que houve um desmonte da engenharia brasileira na
corpo técnico. Foi comum ver engenheiros de elevada qualificação passarem a ser adminis-
área de barragens?
tradores de restaurantes, motoristas de taxis, etc...
LCQ - Na ABCE isso era comentado. Embora nós trabalhássemos na área termo-
elétrica, sabe-se que isso é verdade.
FMM - Como ficou o mercado de consultoria após essa fase?
FMM - Uma consultora independente não precisa de grande patrimônio LCQ - Quando houve a retomada do desenvolvimento, não havia mais capacitação de
contábil? empresas nacionais em vários setores. Não havia também a proteção de mercado que
LCQ - As consultoras tinham como patrimônio o know-how. Sem suas equipes, as existia a partir do governo Costa e Silva. Nesse cenário ocorreu o retorno de empresas
consultoras perderam seu patrimônio. estrangeiras de consultoria, sempre vinculadas ao dinheiro dos órgãos financiadores.
Muito mais competência tiveram os advogados que nunca permitiram a invasão de
FMM - Então, com recebimentos em atraso, as consultoras perderam seu empresas multinacionais. A advocacia, assim como a engenharia, são setores mui-
pequeno capital e se endividaram. Isso é correto? to importantes para o desenvolvimento de um país; não devem ficar sob controle de
LCQ - Isso é correto. Parece que havia um plano sinistro de acabar com a engenha- interesses estrangeiros.
ria nacional que, se não era uma intenção clara do governo, era uma conseqüência
das ações que foram tomadas.

492
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Entrevista com o engenheiro Mario Santos

Formação: Engenharia elétrica pela Entrevistador:


Universidade Federal de Pernambuco Flavio Miguez de Mello
em 1962 Outubro de 2010

FMM - Mário, Essa é uma das primeiras entrevistas para o livro dos FMM - E logo foi trabalhar na Chesf ?
50 anos do CBDB. MS - Primeiro eu fui estagiário da Chesf, ainda em 1961. E depois, através de
MS - Quantas pessoas estão trabalhando nesse seu livro? um professor famoso, André Falcão, que era meu professor e estava fazendo curso
na França, grande engenheiro que muito me influenciou.
FMM - Por enquanto só eu, mas vamos contratar outras pessoas.
FMM - Ele era presidente da Chesf.
F M M - O q u e e u t e n h o f e i t o p r i m e i r o é e s c r e ve r s o b r e a MS - Foi. Nessa época, ele era um grande consultor e professor. Eu fui monitor
for mação do entrevistado. O senhor se for mou na Universi- de turma, cheguei a ser assistente dele durante um ano. Ele foi fazer o doutorado na
dade Federal...? França e deixou em seu lugar outro engenheiro famosíssimo que você conheceu de
MS - Eu me formei pela Universidade Federal de Pernambuco em 1962. Eu sou nome com certeza e que, por alguma razão, parou de fazer engenharia, e sumiu. Eu
mais velho do que você. não consigo entender o porquê. Ele era um engenheiro de altíssimo nível, sobretudo do
ponto de vista prático: Mauro Amorim. O Mauro é um cara que você devia entrevis-
FMM - Em engenharia elétrica? tar, tentar achar, buscá-lo. Hoje, ele fica em São Paulo ajudando os filhos na oficina,
MS - Engenharia elétrica. Naquele tempo, inicialmente, não havia distinção. em padaria, em negócio. Ele deixou a engenharia, mas ele tem história, foi uma
Quando já estava no segundo ano de engenharia, em 1959, então houve a possi- pessoa importantíssima por causa de Jupiá e até de Itaipu. Ele foi o principal
bilidade de diferenciação. Havia um curso de primeiro e segundo anos igual para responsável pela Itamon.
todos. No terceiro ano surgiu a novidade. Foi até Luiz Pereira quem trouxe
isso em função dos franceses, e surgiu a novidade de fazer a especialização: FMM - E ele foi diretor técnico da Chesf.
minas, mecânica, civil e elétrica. Então a gente optava. MS - Foi diretor técnico da Chesf, foi diretor da Cohebe, diretor técnico da Chesf,
foi responsável técnico de toda a montagem de Itaipu. E a história foi essa, o Mauro
FMM - Em engenharia elétrica não se estudava disciplinas de enge- me queria. Aí, eu era noivo, pobre e queria casar rápido, fiz concurso para a Petrobrás
nharia civil? e para a Sudene. E ele mandou a carta para André Falcão dizendo como é que
MS - Quando chegávamos ao terceiro ano, nós tínhamos uma cadeira chamada eu que era eletricista não ia para a Chesf. Aí, o André, da França, me manda a
REC - resistência, estabilidade e concreto. Depois havia novamente um pouco de es- ordem: “você tem que ir para a Chesf ”. E eu fui para a Chesf a convite do Mauro
tabilidade, um pouco de concreto, mas num nível bem menos profundo de que a parte Amorim e por orientação de André Falcão; lá passei 29 anos e 7 meses da
de civil e mecânica. minha vida profissional como engenheiro

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A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

FMM - Vinte e nove anos? FMM - É porque no início era muito voltado só para Paulo Afonso. Depois
MS - Foi. 29 anos e 7 meses na Chesf. Saí no inicio do governo do Collor. veio Boa Esperança?
Saí no final de maio de 1990 e, em julho, fui colocado à disposição do DNC MS - Foi a primeira fusão de duas empresas e depois veio a primeira “interligação”.
(antecessora da Agência Nacional do Petróleo). Aí fui ser diretor de Abastecimen- Aí o Brito, o Dr. José Marcondes Brito de Carvalho, o primeiro e grande diretor
to Nacional e tive entre outros desafios coordenar racionamento de petróleo durante de operação da Eletrobras e criador do GCOI (Grupo Coordenador da Operação
o período da - Guerra entre o Iraque e o Irã. Em maio de 1991 fui convidado Interligada). O GCOI foi muito importante. E, posteriormente, o CCON
para ser Diretor de Operação de Sistemas na Eletrobras. (Comitê Coordenador de Operação do Nordeste). Em 1967, com a seca do São
Francisco, houve trocas de energia entre Cesp, Cemig e Furnas para poder permitir
FMM - Nesses 29 anos e meio de Chesf, a única coisa que você não o aumento da defluência em Três Marias para mandar a água para o reservató-
rio de Moxotó. Esse negócio foi uma coisa que marcou profundamente minha vida,
pegou foi Paulo Afonso I, porque aí pegou Paulo Afonso II, III, IV,
porque foi o primeiro contato que tive com as grandes empresas do Sudeste e do Sul e
Moxotó, Sobradinho, Itaparica, etc.
com os problemas de um sistema de potência que já começava a se interligar e a ficar
MS - Peguei Paulo Afonso II, III e IV. Interessante registrar que em PA-IV Ita-
gradativamente mais complexo. E aí a gente teve, não uma interligação elétri-
parica e Xingó consta meu nome junto com os demais integrantes da Diretoria de
ca entre o Sudeste e o Nordeste, mas na realidade a primeira interligação hídrica
cada época nas placas comemorativas. E consta em tantas placas porque eu passei 10
que se constituiu ao se coordenar a operação hidro-energética entre usinas situadas
anos como diretor de operação. De 1979 até 1990 fui diretor. Dez anos, onze anos,
no mesmo rio São Francisco a 2000 km de distância uma da outra, ou sejam Três
vamos dizer, dez anos e meio. Como diretor de operação eu me envolvia muito com
Marias da Cemig e Moxotó e Paulo Afonso I da Chesf. Observe-se que era uma
esse processo de comissionamento, operação e manutenção das instalações de uma operação de coordenação hidráulica. Eram dois mil quilômetros com tempo de viagem
maneira geral. Fui chefe de serviço de manutenção geral, depois chefe do Departamen- da onda de água de cerca de 20 dias; os reservatórios de Moxotó e Paulo Afonso
to de Manutenção da Transmissão, depois fui fazer curso na França, voltei com a só tinham capacidade de regularização de sete dias no máximo e estávamos viven-
ideia de criar uma área de movimento de energia, nome que os franceses da EDF do uma seca extremamente crítica, assolando toda a bacia do rio São Francisco.
utilizavam, enquanto que os americanos usavam a designação de despacho de Assim, caso não houvesse a contribuição do reservatório de Três Marias que
carga ou operação de sistema para a mesma função. Tive sucesso em convencer a era o grande pulmão regulador de toda a bacia, o reservatório de Moxotó teria
direção da Chesf da época e foi criado então o Departamento de Movimento que operar a fio d’água e teríamos um racionamento de energia elétrica sem
de Ener gia, o memorável DME. Aí, era apenas a CHESF, junto com controle em todo Nordeste. Hoje não, ele só regula uma hora, duas.
a Hidronor que era a proprietária da hidroelétrica de El Chocon na Argentina,
as únicas empresas das Américas que utilizavam esta designação. Isto ocorreu por- FMM - Mas por que a regularização passou a ser tão baixa? Por causa
que o engenheiro Antonio Vignolo que trabalhava na Hidronor também estagiou na do assoreamento?
EDF comigo no famoso Service de Mouvement d‘Energie daquela empresa, MS - Seca. Seca fortíssima, aguda no Nordeste todo. Naquela época a seca foi
na época considerado um dos mais modernos do mundo. Em síntese, o que penso tão forte que a gente precisava da água do reservatório de Três Marias para poder
Paulo Afonso I e II funcionarem. Então, de forma coordenada, se solicitava o au-
ser relevante é que o curso na França me convenceu da necessidade de nos preparar-
mento da geração de Três Marias para aumentar a descarga no alto São Francisco e
mos como empresa em rápida expansão e que no futuro se interligaria com outros
chegar mais água a Paulo Afonso 14 a 15 dias depois. Então, tinha que haver
sistemas de potência no Brasil para operar não apenas instalações de geração
redução de geração de energia em outras usinas da Cemig e de outras da Região Su-
e transmissão, mas sim um complexo integrado no qual a energia tinha que ser
deste. Algumas vezes por dias e por vezes, durante algumas semanas se programava
“movimentada“ com segurança, qualidade e eficiência. Isto marcou minha volta: vertimentos em Três Marias para poder mandar para jusante a quantidade de água
conseguir convencer a Chesf a se preparar para operar um já grande sub-sistema mais adequada para combater a escassez provocada pela gravidade da seca a ju-
Nordeste que mais tarde fatalmente se integraria ao restante do Sistema Nacional. sante de Três Marias.O tempo de viagem da onda d’água nos períodos de seca mais
Até então, naquela época, a gente fazia só operação e manutenção de Instalações. críticos chegava a atingir vinte dias de Três Marias a Paulo Afonso. Ou se au-
Sem ênfase para a visão sistêmica. mentava a geração em Três Marias o que,muitas vezes, provocava problemas de

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Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

operação elétrica de distribuição de carga e de geração no sistema da Cemig que ti- FMM - Era o Luiz Carlos Barreto de Carvalho?
nha que ser compensada por Furnas. Furnas se comprometia, e a Cesp também. MS - Era. Luiz Carlos Barreto. E como resultado, eles foram cedendo, cedendo, se
Chesf e Furnas se comprometiam a pagar a Cemig. E a Chesf, quando houvesse fechou, mas se criou a figura do EPP na equação de dívida. Então, se fazia duas si-
melhores condições energéticas e que fossem implantadas as linhas de interligação entre mulações operacionais: uma simulação visando as necessidades da Cemig, já de acordo
os sub-sistemas Sudeste e Nordeste, pagaria à Cemig, à Cesp e às empresas do sistema para qual reservatório seguiria; e uma simulação de operação real, que foi efetivamente
Eletrobras. Foi uma grande operação de cooperação energética entre as empresas feita para ajudar a Chesf. Nesta, então, havia um deplecionamento mais acelerado.
estatais da época. Essa pequena diferença de nível era transformada em energia e colocada no lado da
nossa conta para pagar. Mas foi aí o meu primeiro contato com os grandes problemas de
FMM - Isso ainda foi no final dos anos sessenta? sistema. Paulo Afonso, no início de sua operação atendendo a um consumo restrito,
MS - 1967, 1968, 1969. Vou ver se te dou mais alguma documentação sobre isso. era uma usina que, com a geração própria, mesmo nos anos críticos, tinha capacidade
Isso foi uma operação interessantíssima, realmente a primeira interligação, quando a de atender o mercado. Então, meus primeiros contatos com operação hidráulica no
crise energética no Norte e Nordeste não foi elétrica; foi hidráulica, por conta da Brasil foi nessa época quando eu comecei realmente a ver, e depois, com as entradas
pouca capacidade de regularização. Foi uma seca realmente terrível. Acertamos com sucessivas das usinas da Chesf, que a ideia era comissionar. E, confesso que a barra-
a Cemig liberações de água de Três Marias para socorrer Paulo Afonso. gem para nós era algo que era tão bem feita, era tão perfeita, que nós da manutenção
éramos muito mais preocupados com a operação eletromecânica do que com a ope-
ração de base. Tanto que muitas das barragens não eram muito bem monitoradas.
FMM - Foi em 1967?
A gente tinha consultores estrangeiros, e os financiadores, os bancos que você conhece
MS - A memória me diz que foi em 1967, mas eu lhe confirmo isso porque é o
muito bem, é claro, eram chamados de tempos em tempos, vinham, faziam relatórios
ano da pior seca do rio São Francisco. É um dos anos de pior seca. Então, vai
e nós da manutenção muitas vezes não nos preocupávamos com os relatórios. Eu me
ser fácil descobrir a data.
lembro, eu era homem de manutenção. Até criaram o departamento de produção de
energia que tinha um colega oriundo do IME chamado Edgar Barros que foi
FMM - E o interessante é depois esse pagamento à Cemig em longo prazo.
o superintendente e outro, o Leonardo Cavalcanti. Esses engenheiros eram quem
MS - Antes de ontem ou na semana passada estávamos recordando. Passamos mais de
conduziam os aspectos técnicos de manutenção e segurança das barragens Na época
cinco anos para zerar essa conta, porque a Cemig foi muito correta em tudo, mas ela fazia
eu já era diretor de operação e eles eram os responsáveis pelo Departamento
questão, extremamente criteriosa, ela fazia questão de tudo. Então, a grande briga...
de Produção de Energia que cuidava exatamente das barragens.

FMM - Se não fossem eles...


FMM - Pelo que eu me lembro, a Eletrobras e a Chesf chegaram à conclu-
MS - Aí, a grande questão deles. Eles contabilizaram tudo, valoraram cada metro
são que deveriam construir uma regularização para o São Francisco. E foi
cúbico por segundo, cada centímetro de deplecionamento em Três Marias.
nessa época de 1967 que essa decisão foi tomada para os anos seguintes.
E entre Itaparica e Sobradinho, a decisão foi Sobradinho, sem casa de força.
FMM - Demorou cinco anos para zerar essa conta? E depois se viu a necessidade de instalar mil megawatts em Sobradinho.
MS - Eu me lembro que demorou muito a zerar essa conta. A grande questão dela era Por que foi Sobradinho antes de Itaparica? O que se fala aqui é que
o chamado EPP. O tal do EPP ficou famoso. Eles faziam questão da Energia por tinha alguma coisa relativa a Apolônio Sales.
Perda de Produtividade. Eles alegavam que quando eles aumentavam a geração, MS - Na realidade, existem algumas lendas aí. Doutor Apolônio tinha feito, antes
eles esvaziavam mais rapidamente o reservatório e que haveria perda de queda. de ser ministro, um grande projeto em Itacuruba, na região de Itaparica. Eu te-
Eles inicialmente apresentaram algumas dificuldades para concordar com a operação, nho um profundo carinho e admiração por ele porque ele realmente era magnífico.
mas a racionalidade do pedido, a dramaticidade do pedido decorrente da gravidade Se, em Itaparica tivesse sido feito da maneira que precisava ser feita a regula-
da situação, e já haviam se inserido aí Brito da Eletrobras e o Luiz Carlos de Furnas rização do rio, esse projeto agrícola, que era todo um campo de irrigação arti-
para convencer o Guy Villela da Cemig que, com aquele jeito dele, terminou apoiando ficial, com drenagem, com assistência técnica, com o assentamento necessário,
a idéia; Cesp no muro, nós também, mas aí ficou só a Cemig que acabou concordando. seria alagado e perdido.

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A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

FMM - E acabou sendo alagado posteriormente. é na região dele. Como também no governo anterior, a prioridade era
MS - É verdade, acabou sendo alagado numa segunda fase, em menor escala, Tucuruí e Itaipú.
mas foi. Então, surgiu a ideia de primeiro regularizar o rio. Quer dizer, garantir MS - Itaparica passou também pela possibilidade de inicialmente apenas regularizar
aqueles dois mil e sessenta metros cúbicos por segundo de vazão mínima. Era o com- o rio a jusante. Itaparica não se prestaria a esse papel. E eu não sei, aí realmente eu
promisso mínimo e havia aquele problema a jusante de Paulo Afonso que até hoje não sei, porque na época eu fui comissionar Sobradinho; o João Paulo estava lá, quan-
ainda é complicado, pelos problemas das plantações de arroz do baixo vale. E a do eu o conheci melhor. Eu o conhecia da escola, mas onde fizemos relacionamento
decisão se voltou muito a: profissional foi em 1977, 1978, 1979, que foi o comissionamento dos equipamentos
Primeiro - podia se postergar a motorização porque não teria a necessidade de ener- russos de Sobradinho. Sobradinho foi trocado com os russos por sapatos brasileiros que
gia. Então, você faz primeiro a regularização do rio para garantir a vazão mínima devem ter se acabado rapidamente naquele frio, enquanto as turbinas geradores e má-
que depois ficou modulada para o resto do aproveitamento, e só depois se partiu quinas russas ainda estão firmes prestando serviços ao Brasil. Foi um bom negocio sem
para a motorização de Itaparica. Eu não sei aí, honestamente, eu era um gerente dúvida. Havia uma equipe de russos lá que trabalhava feito loucos, depois bebiam,
novo de manutenção de operação. Era em 1967, eu tinha me formado há pouco, eu bebiam, bebiam. E havia um cara que falava português perfeito. Soube-se depois na
não sabia nem... Para mim, Rio de Janeiro era Roma e Apolônio era o Papa. realidade ele era agente da KBG. Entretanto a gente nunca se referia a ele como de
E tem outro cara, que você conheceu - esse cara realmente, inclusive ele está aposentado agente da KGB, porém era o cara que controlava tudo. Havia uma engenheira especia-
agora, se você pegar um cara desse ele vai adorar, João Paulo Maranhão de Aguiar. lizada em sistemas de excitação dos geradores. Nunca vou me esquecer. Era uma boa
Ele está aposentado em Recife, está com um negócio, virou inimigo de José Antônio. engenheira especialista em sistemas de controle e de sistemas de excitação dos gerado-
Ele é um católico extremamente vinculado a movimentos sociais. João Paulo Mara- res. Muitas vezes, a gente gozava com a designação de sua especialidade, ou seja, esse
nhão de Aguiar também é outro que você precisa entrevistar. Depois de Sobradinho, negócio de excitação. Então, um dos primeiros contatos nossos aqui no Sobradinho foi
ele foi fazer Itaparica e depois ainda trabalhou em Xingó. Depois virou assisten- esse aqui, em 1979, e pelo tamanho do lago, quatro mil quilômetros quadrados de
te de diretoria. Ele é uma figura meio mística, meio religiosa, doa tudo que ganha. área inundada, ainda é o primeiro ou segundo maior lago artificial do mundo, com
É uma pessoa muito séria e coerente. 40 bilhões de metros cúbicos e área inundada de 4000 quilômetros quadrados.

FMM - Nos anos oitenta o CBDB promoveu um Seminário Nacional de FMM - Serra da Mesa é maior. São mais de 54,4 bilhões de metros cúbicos
Grandes Barragens em Olinda. Na época Xingó, estava em construção, de água armazenada.
do meio para o fim da obra que estava sendo tocada com grande sacrifício MS - Me refiro que é maior no que concerne a área inundada porque enquanto Serra
financeiro por causa da crise que se vivia no País, e principalmente no da Mesa é relativamente mais encaixada Sobradinho é mais espraiado.
setor elétrico. Ele fez uma palestra sobre Xingó e, muito exaltado, disse
que os americanos trinta e cinco ou quarenta anos antes, tinham querido FMM - O vale do São Francisco em Sobradinho é muito aberto.
fazer a Usina de Xingó e que então o Brasil resistiu, não deixou fazer a usina MS - A profundidade média do reservatório é de onze, doze metros. Então, eu não
e “agora estamos fazendo usina nossa brasileira”. Minha pergunta a ele: sei também se foi a possibilidade de se fazer esse volume naquela época, porque hoje creio
mas se a usina estivesse operando a trinta e cinco ou quarenta anos atrás, que seria impossível com todos condicionantes ambientais ora vigentes. Naquela época o
a concessão já teria terminado, a usina seria nossa de graça. Governo era muito forte e determinado na implantação dos grandes projetos de infra-
MS - E isso é irrefutável, você disse. Ele tem um viés ideológico extremamente acendra- estrutura; talvez parecido com o PAC de hoje, mas com muito mais poder do Governo
do, então, começa a perder um poço de pragmatismo, mas compensa pelo seu idealismo. Federal. Assim foi possível deslocar sem muito diálogo e/ou negociações comunidades indí-
É um cara brilhante. genas inteiras, para áreas situadas a quatrocentos quilômetros de sua localização original
que seria inundada pelo reservatório de Sobradinho. Ou seja, literalmente arrancou-se
FMM - E a construção de Xingó foi uma construção difícil porque o tribo de índio de seu habitat natural sem muitos estudos, e os governos militares dessa época
setor elétrico brasileiro na época e o governo de uma forma geral es- deram apoio total. Na época, o mais importante era preparar o Pais para crescer tornar
tavam numa crise financeira muito grande. Naquela época o Collor era o Brasil Grande. A gente implantava as grandes obras com ênfase na eficácia e dando
presidente e direcionava a prioridade de investimento para Xingó, que prioridade ao bem maior do conjunto Pais e atenção menor aos problemas localizados.

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Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

FMM - Foram algumas cidades... que também a própria presença de Apolônio Salles tentando convencer o governo foi mais
MS - Muitas cidades. Foram mais de sete cidades. E na música de Sá e Gua- importante. A instituição da Chesf ainda foi com o próprio Getúlio Vargas.
rabyra, a gente sabe: Remanso, Casa Nova, Sento Sé. Foram sete cidades:
Remanso, Sento Sé, Pilão Arcado, e tem mais três. São sete cidadezinhas. Agora, FMM - O decreto de criação da Chesf foi do Getúlio, mas isso foi pou-
eu não consigo mais me lembrar. Essa estância de Sobradinho tem na biblioteca cos dias antes dele ser deposto. As atividades iniciais de implantação
da Chesf e tem na cabeça do João Paulo. Ele tinha um diário que era terrível. foram já no governo Dutra.
Todo dia, ele fazia o diário. Era uma novela toda. Então, ele estava pronto para MS - Você tem as ampliações, mas a instituição da Chesf foi Getúlio. Foi Getúlio
quando ele quisesse escrever. Ele tinha e penso que ainda tem o habito de escrever, que fez toda a implantação da Chesf com Apolônio. Apolônio é uma espécie de pai
de registrar tudo que faz. da Chesf. E Afrânio foi muito importante porque ele fez toda a organização e é pouco
reconhecido. Um colega meu, Luiz Carlos foi um grande engenheiro de construção de
FMM - Voltando um pouco no tempo, uma época que você não pegou usinas e barragens e já morreu. Os pais desses dois colegas seguiram a tradição:
na Chesf, mas certamente sabe muito bem. A época de construção de os técnicos, nem eram os engenheiros, que trabalhavam em Paulo Afonso conseguiram for-
Paulo Afonso I. Eu li alguns livros e alguns depoimentos sobre Paulo mar os filhos, mandavam para Recife para serem graduados em engenharia e depois esses
Afonso I, inclusive, um livro muito interessante do Afrânio Carvalho. filhos se transformavam em engenheiros da Chesf. Conheci muitas pessoas assim. E eles
E ele conta coisas surpreendentes. Uma das coisas que ele conta é um dos contavam que o doutor Afrânio foi muito importante, era o que ficava na organização.
argumentos que fez com que o governo Dutra instituísse a Chesf, con-
tra a opinião de Eugênio Gudin que queria que os investimentos fossem FMM - Ele era advogado.
direcionados para o Sudeste, que estava também numa crise de ener- MS - Era o homem da organização, dizem que foi muito importante. Então, a
gia. O Eugênio Gudin acrescentava que o Nordeste não tinha mercado, história diz que Apolônio era contra a área econômica do governo. Só que era
o que depois se comprovou que teria sido um erro, pois o mercado de Getúlio Vargas. Pode ser que as ampliações que se sucederam já tenham sido Gudin
energia elétrica apareceu com intensidade. Esse argumento que o Afrânio com Dutra. E há a história mesmo que Gudin dizia que abaixo do paralelo tal não
Carvalho mencionou é que poderia haver uma secessão do Nordeste. haverá mercado. Dava logo o recado. E, rapidamente, um crescimento. Tem outro
O Dutra, sendo general e tendo evidentemente estudado a Guerra da livro de um engenheiro também muito importante e que trabalhou na Chesf e na
Secessão, que foi a primeira guerra moderna do mundo, talvez tenha se Eletrobras aonde encerrou sua carreira, chamado Augusto Azevedo; está vivo ain-
influenciado por esse argumento. Isso é verdade? da, suas atividades mais marcantes foram nas áreas de mercado e medição elétrica
MS - Não posso testemunhar. O que eu posso dizer é que essa história pode ter base e da Chesf. Ele atualmente vive aqui no Rio, é carioca. O Augusto sempre partici-
cunho de veracidade pelo espírito guerreiro do nordestino e, particularmente, do pou da equipe do Brito, pois trabalhavam juntos quando eram jovens. Nesta época
pernambucano. O pernambucano, a Revolução de 1817, a Revolução de Caneca conheceram o Eng. Balança. Creio que Você sabe que o Balança faleceu recentemente.
de 1824, a Confederação do Equador e as diversas revoluções também ocorridas
no Nordeste, que no fundo, no fundo, todas essas revoluções a partir da chegada da FMM - O Balança faleceu no final do ano passado.
Corte, em 1808 ao Rio de Janeiro, se criou claramente um centro de poder que foi MS - Voltando a recordar a época pioneira da chegada da energia de Paulo Afonso
Rio de Janeiro, que depois se irradiou para São Paulo e Minas. Até a Primeira Repú- através do primeiro gerador e o esforço para vender ações e assinar contratos de forneci-
blica, até a Segunda República, claramente, o centro de poder e o sentimento que vem mento de energia com os municípios da área de concessão da Chesf para obter recursos
desde 1808 e por razões inclusive absolutamente mercantilistas, comerciais, é que você para instalar a segunda maquina. O Augusto Azevedo que participou do proces-
muitas vezes para a região do Norte e Nordeste, e Norte quando digo é Pará, o Grão so contava: o camarada dizia ao Augusto que ia discutir os contratos e pedir que
Pará e Maranhão, e para o Nordeste capitaneado por Pernambuco e parte por Bahia, os municípios pernambucanos, nordestinos de maneira geral, pernambucanos e
era mais vantajoso ter vinculações comerciais com a Corte de Lisboa do que com Rio de baianos principalmente, porque foi por ali que chegariam as duas primeiras linhas,
Janeiro. Então, o movimento contra o poder central, a Federação, o poder centralizado no que dariam dinheiro para comprar ações da Chesf. Era difícil de ele explicar.
Sudeste, sempre foi, de certa maneira, latente. Como é latente por outras razões no Sul O cara devia, entender e acreditar que teria energia durante as 24 horas do dia
sob influência do Prata. Então, no fundo, no fundo, pode ter cunho de verdade. Eu acho pois qual era a importância, porque a cidadezinha tinha eletricidade só da noite,

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A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

a partir de seis da noite até dez da noite,proporcionada por aquele velhos motores MS - Ele se dava a este luxo. Ele foi algumas vezes, até censurado por isso. Porém
de gasogênio. E ele conta a história de como é que vendia e como é como de repente num a obra era fácil e econômica de fato. O Dr. Amaury gostava tanto de Paulo Afonso
mercado incipiente houve uma grande transformação um grande crescimento socioeconô- que mandou construir uma torre de concreto como um grande mirante seu, em cima
mico em um ano já se registrava consumo de 50 megawatts. Em dois, três, quatro anos de um platô e ao lado da tomada d’água de Paulo Afonso III.
Paulo Afonso, já possuia três geradores instalados e a carga crescendo rapida-
mente. Assim, a primeira Usina PA-I foi rapidamente viabilizada em final da FMM - E o escritório dele lá em cima.
década de 50 e se começou a pensar na implantação de PA-II. Pode-se dizer que o MS - Correto. Você se lembra! Ele usava realmente o escritório que enchia de
desenvolvimento do Nordeste só foi possível com a energia elétrica disponibilizada pássaros como tucanos e que viviam soltos no ambiente. Ele era uma figura marcante
por Paulo Afonso, ou seja, pela CHESF. Por isso ela é tão emblemática para os um grande entusiasta de Paulo Afonso e da Chesf como um todo; um líder. Ele era
nordestinos sobretudo das gerações mais velhas. uma figura difícil, era vaidoso, mas era extremamente dedicado e comprometido
ao que ele fazia.
FMM - Havia uma gigantesca demanda reprimida no Nordeste.
MS - E quando chegou energia, aí começou... Uma coisa bonita é que quando FMM - E uma coisa interessante em Paulo Afonso é que, como a obra foi
vou a Paulo Afonso, faz muitos anos que não vou lá porque até me toca muito, é sendo feita com intervalos de tempo, não sei se isso foi proposital ou não, mas
uma verdadeira emoção justificada a meu ver, da mesma maneira que a gente via aquele paisagismo todo que existia lá, diversas barragens pequenas, fazenda
aquelas catedrais da Europa, principalmente as inglesas nas quais você vê muito modelo, zoológico, pelo menos ocupavam mão de obra.
militar sepultado ali dentro, mortos em diversas guerras, parece que eu estou vendo a MS - Uma construção como aquela usina, e sobretudo Moxotó, quando a Chesf
catedral inglesa que rememoriza, de forma que homenageia seus generais das diversas ainda não terceirizava, era tudo construído com recursos próprios. Chegou a haver
guerras. Eu acho que se eu entrar em Paulo Afonso I pelos túneis ali das cavernas um canteiro de obras em Paulo Afonso finalizando uma obra aqui, outra acolá,
por baixo e sair em Paulo Afonso III, que é uma caverna única, é uma verdadei- e o Dr. Amaury, que dava muita importância aos aspectos estéticos, talvez para
ra aula de como foi a guerra da engenharia civil e eletrotécnica brasileira para se impressionar as inúmeras caravanas de autoridades civis e militares que visitavam
dominar a arte. Porque você começa com as máquinas da Westinghouse da pri- regularmente Paulo Afonso, como por exemplo a Escola Superior de Guerra, implan-
meira usina, passa pelas três primeiras máquinas da Hitachi, as outras três da tava jardins belíssimos por todo acampamento. Eram canteiros de obras que exigiam
Asea, aí continua por Afonso III e, em Paulo Afonso IV vai encontrar as máquinas muito cuidados e eram custosos. Havia um jardineiro que tinha o nome de Veloso,
Siemens. Passa-se de máquinas 100% estrangeiras, todos componentes, e chega-se às considerado peça chave para cuidar de tudo. Além dos jardins tínhamos também
máquinas da Siemens, 99% nacionais. É uma viagem da evolução da engenharia um Zoológico com muitos animais da fauna local. Tudo isto era patrocinado pelo
brasileira que julgo excepcional. Dr. Amaury e com certeza dava um toque especial a Paulo Afonso independentemen-
te dos custos envolvidos. No período de pico das obras civis e de movimento de terra
FMM - E depois de Paulo Afonso I, as outras ampliações foram extrema- em Moxotó, a Chesf chegou a empregar diretamente em torno de quinze mil pessoas.
mente econômicas.
MS - Foram, porque a principal tecnologicamente, Paulo Afonso I, domou o rio FMM - Em Itaparica a construtora era a Mendes Júnior.
São Francisco. Depois era só abrir buracos e escavar túneis e agora está lá esta cate- MS - A famosa ação judicial que está aí até hoje. Mas, Moxotó foi a última usina
dral grande subterrânea que se constitui no complexo Paulo Afonso I,II e III, tendo construída com recursos humanos próprios. Então, era muita gente.
ainda a magnífica Paulo Afonso IV logo ao lado.
FMM - A Chesf nesse início tinha muito apoio de engenharia externa, prin-
FMM - Eu me lembro do Amaury Menezes, que foi professor da nossa Es- cipalmente francesa.
cola Politécnica aqui no Rio de Janeiro, a Universidade Federal, provocando MS - Tinha. Recordo de alguns experientes engenheiros franceses Alran, Roche etc.
a gente lá em Furnas dizendo que Paulo Afonso III estava custando menos que eram os velhinhos da Sofrelec, firma de consultoria apoiada pela EDF quan-
do que US$50/kW instalado, sendo, portanto, de longe a hidroelétrica mais do se aposentavam. Para mim, aqueles caras eram deuses, sobretudo, quando eu fui
econômica do País. estagiar na França. Enquanto aqui em Furnas o Cotrim se vinculou aos Estados

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Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Unidos e à Inglaterra, mas mais aos Estados Unidos, a Chesf se vinculou à França. correção monetária dos ativos, etc. Aí então, do Castelo Branco até o
Toda influência nossa foi da França: as soluções de proteção, os arranjos das subesta- Fernando Henrique talvez tenha sido um modelo, Fernando Henrique
ções, etc. Eu vivi minha formação e organizei a operação da Chesf, toda com influência outro, e depois mais outro no governo Lula.
francesa. Nós criamos a organização funcional da Chesf à imagem daquela vigen- MS - Eu vivi toda a minha juventude e toda a minha consolidação de visão ide-
te na EDF na época. Assim, na EDF havia o Service de Mouvement d’Energie, ológica do papel da energia elétrica, no governo Castelo, no governo dos militares.
Service de Production, etc. Foram criados na Chesf o Departamento de Movimento E como eu digo uma cristalização da minha visão do papel essencial da energia
de Energia, o Departamento de Transmissão de Energia, o Departamento de Produção elétrica para a criação da cidadania. Eu nunca vi a energia elétrica como um produto,
de Energia, que era nitidamente o modelo que eu copiei da França.Meu par aqui em e sim como um serviço essencial à dignidade humana. Eu vivi um ano e meio de
Furnas, quando eu era diretor de operação, era o Pantoja, de quem fiquei amigo pessoal, Jânio, e depois a Revolução. Eu tinha vinte e três anos e era nordestino, onde ener-
baixinho como eu. O Pantoja, no âmbito do GCOI, brigava com a Cesp e tentava gia elétrica era redenção. Eu fui muito inoculado em minha formação como cidadão
atrair a Chesf para ser a favor dele. Mauro Arce, pernambucano por acaso, era o quanto à essencialidade da energia. E o papel que tinha o governo no desenvolvimento.
grande líder da Cesp. Era uma briga grande entre Furnas e Cesp para ver quem ti- Eu achava que a posição do governo era definindo acessibilidade e a disponibilida-
nha maior influência técnica e política. E eu era bem tratado pelos dois, porque os dois de de energia. Eu era um pouco desenvolvimentista como um nordestino, onde havia
queriam me cooptar para as decisões. Era interessante. O bonito dessa história toda, a Sudene e o Banco do Nordeste, sendo a Chesf o instrumento fundamental destes dois
Miguez, e que não tem nada a ver com o nosso livro, o nosso motivo é que a briga era entes, Sudene e Banco do Nordeste, para que o Nordeste pudesse melhorar se desen-
para fazer bem as coisas. O sentimento de compromisso e de ética é a maior lição de volver e previa a disponibilidade de energia elétrica como fator catalisador, considerado
vida que eu levo. O meu medo hoje em dia, primeiro não é nem que a gente este- indispensável pelos desenvolvimentistas da Sudene. Eu me acostumei muito com o papel
ja ficando velhinho e não transferir conhecimento; é estar ficando velhinho e não forte do Estado e do governo na indústria da energia elétrica, que é o fato de o gover-
conseguir transferir valores. Eu acho que a coisa mais fundamental que eu tenho no definir quando fazer, quanto fazer, quem fazer, e que as empresas deveriam ter o
na minha vida foi o que aprendi com meus chefes, meus companheiros e instruí papel fundamental, era muito importante. Você disse pelo custo aí, eu era engenheiro
aos meus subordinados, a necessidade que eu sinto de transferir esse sentimento. mais desenvolvimentista na verdade para estar preocupado de onde vinha o dinheiro.
Quando a gente vê aí hoje a meritocracia indo para o brejo ... Dinheiro? Alguém arrumava o dinheiro. Eu queria era fazer usina, e queria
chegar com a linha construir as subestações e proporcionar energia elétrica para
FMM - Então já que você mencionou isso, vamos passar para os mode- cada município nordestino. Eu fui o engenheiro que teve o privilegio de participar do
los. Quando comecei no setor elétrico lá em Furnas, as concessões eram processo da chegada de eletricidade a uma cidade. Energizar um município é como
realmente dadas às empresas. Nós conseguimos Marimbondo e Porto batizá-lo para a redenção do progresso. Quer dizer, ia lá ajudar a construção e no
Colômbia, no rio Grande, a Cesp ficou com Água Vermelha no mesmo final receber, comissionar. O vigia da obra virava operador. Tínhamos que treinar
rio, e a Cemig recebeu São Simão no rio Paranaíba, todas essas usinas no os vigias que mal sabiam escrever para ser operador de subestação, pessoas que não
Triângulo Mineiro. Eram usinas de grande porte para época, aliás, tinham escola. Depois se fez o Centro de Treinamento de Paulo Afonso.
grandes até hoje. E, o DNAEE, o governo federal deu a concessão às
empresas, e era - como você disse - um processo bastante ético, bastan- FMM - Isso deve ter sido tremendamente gratificante, ainda mais em
te voltado ao desenvolvimento. Aquele modelo, de certa maneira, foi cidades pequenas.
completamente alterado talvez até no governo Fernando Henrique; e MS - Para mim, até hoje, é o prêmio de minha vida. São emoções, como você mes-
depois, uma outra grande alteração no governo Lula. Como é que você mo falou, eu sou mais velho que você, mas somos contemporâneos, eu me emociono
encara essas duas alterações de modelo? até hoje. Toda a minha formação foi muito voltada para energia como serviço que o
MS - Eu realmente fiz uma viagem muito interessante. governo deveria protagonizar.

FMM - Aliás, só um momento. Teve uma outra mudança drástica FMM - Ou seja, aquele modelo de Castelo Branco até Fernando Henrique.
que foi no governo Castelo Branco, porque aí veio a tarifa pelo cus- MS - Até Fernando Henrique. Chegou Fernando Henrique e aí a ironia da vida.
to. Realmente pelo custo, porque talvez antes fosse, mas não havia Nós vínhamos do governo de Collor, eu estava lá no DNC. Eu não quis ficar na

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A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Chesf, não interessava nos termos que me ofereceram, eu poderia ter sido presidente benefícios têm que ser repartidos equitativamente entre todos agentes integrantes
da Chesf. Eu presidir a Chesf fazendo Xingó, o cunhado dele como diretor e mais do sistema. Não pude evitar mudança da lei de concessão da geração. Aí, já a conces-
dois amigos, e Paulo Cesar como diretor. Eu achei que a vontade de um estagiário de são ficou para quem desse a melhor tarifa. Antes já havia lutado para implantar a
conseguir chegar a ser presidente era enorme, mas o medo de trair meus ideais ideia de Armando Araújo, então Secretario Executivo do Ministério de Minas e
e de trair meus colegas era mais forte ainda. O tipo de proposta não dava para aceitar. Energia, de haver uma única grande empresa de transmissão, o que seria importante
Eu tive que sair da Chesf, fui para o DNC, veio a Guerra do Golfo e aí termi- para assegurar o despacho centralizado. Entretanto, aprendi depois que mesmo
na o ministro de Minas e Energia Luiz Otávio Motta da Veiga me indicando com a estrutura atual de multi concessionários na transmissão, desde que existam
para Diretor de Operação da Eletrobras em substituição a Lindolfo Paixão. normas bem estabelecidas por lei e procedimentos do regulador e um operador
O Motta da Veiga tinha sido presidente da Petrobras. Foi ser ministro quan- com as atribuições do ONS, como constam hoje no modelo atual, é possível
do Ozires Silva saiu. Ele quis inicialmente me colocar para ser presidente da continuar a função despacho centralizado
Chesf novamente com os mesmos parceiros, mas eu não quis, porque ele tinha
como secretário executivo o Simá Medeiros, que fez a reforma do setor, inclusive FMM - Armando Araújo que foi para o Banco Mundial.
gostava muito de mim, e terminou que Paixão morreu. Ele não teria se dado bem MS - E agora está aqui de volta ao Brasil como dirigente de empresa privada e consultor.
com José Maria Siqueira de Barros, Presidente da Eletrobras e daí o Simá me O modelo que o Armando queria implantar, o de uma única grande empresa de trans-
indicou ao Ministro para que eu viesse a ser Diretor de Operações da Eletrobras. missão tinha que ser explicado aos agentes. Para tanto, Celso Ferreira, diretor de Furnas,
Faziam nove meses que eu estava no DNC. De repente me ofereceram a diretoria da Leonardo Lins,da Chesf e eu fomos escalados por ele que era o secretário executivo
Eletrobras, eu venho ser diretor da Eletrobras, nove meses depois e para substituir do Ministério e tinha realmente poder junto ao Ministro e o Presidente da Republica.
um mito, ou seja Marcondes Brito criador da Diretoria e que passou quase dezes- Aí, Furnas, Cemig e todo mundo se uniu contra nós por que perderiam a propriedade
sete anos no cargo de diretor. Um ano depois acaba o mandato de Itamar Franco, de suas linhas de transmissão e seriam apenas geradoras.
Fernando Henrique é eleito, eles começaram o processo político para decidir quem ia ser
o presidente da Eletrobras e me chamaram perguntando se eu aceitava ser provisório FMM - E aí foi todo mundo contra?
enquanto eles decidiam em dois meses, três meses, quem ia ser o novo presidente. MS - Todo mundo contra. Ninguém queria perder as linhas. Lutei para que se
Eu disse:“Olha, eu sou homem técnico, sou operador, não quero ser presidente”. houvesse um operador único. Consegui manter um operador forte, centralizado: fui
Responderam: “Não, você acumula, com sua função de diretor de operações”. Eu fui fundador do ONS e seu primeiro presidente. Também, sofremos uma pressão enor-
ser presidente da Eletrobras. Na época Fernando Henrique começou seu mandato me de Furnas, da Chesf, das próprias empresas, pois elas não queriam perder o
com José Serra no planejamento; a gestão de privatizar passou a ser o modelo do setor controle das suas operações como o tinham quando vigia o GCOI. Foi um proces-
energético brasileiro. Aí, eu entrei na briga tentando segurar. E fui surpreendido so muito difícil. Mas, aprendi - aí é que eu digo a você - com toda essa formação
como presidente da Eletrobras quando dava uma palestra na Bolsa de Valores, ideológica voltada ao governo, aprendi que ser dono não é vital; como se usa o bem
com os jornalistas me indagando sobre, anuncio que a Eletrobras e todo o siste- a forma e os condicionantes de fazer uso dos ativos é que é vital. E aí, eu entendi
ma tinha entrado no PND- Programa Nacional de Desestatização. Aí, eu entrei que a solução de Fernando Henrique de ter as agências reguladoras era absolu-
na luta para tentar minimizar as transformações, tentando adiar as coisas e tamente vital. Eu comecei racionalmente a aceitar que a concessão fosse feita por
salvaguardar determinadas características muito particulares do modelo brasi- quem desse o maior preço e que podia ser uma empresa privada, o que significa-
leiro como, por exemplo, a necessidade da função despacho centralizado,ou seja, va que no limite se a política se mantivesse a longuíssimo prazo, o modelo pode-
a operação centralizada, como hoje faz o ONS, porque eles queriam implan- ria ser todo privado. A turma começou a reagir ao problema da verticalização
tar o modelo inglês e nós não podíamos fazer isso porque tínhamos sistema que era para vender a transmissão e vender a geração. Furnas foi muito importante,
interligado interdependente, onde na operação em cascata de uma bacia, um foi a heroína disso; a corporação conseguia convencer os presidentes que chega-
concessionário de uma usina a montante não podia operar de qualquer jeito. vam lá e cooptava-os. Furnas tem um papel vital e Chesf num segundo plano.
Eu lutei muito, muito junto a muitos outros companheiros do setor elétrico. Eu E sabotavam, dificultavam de todas as formas o processo de desverticalização e
considero isso talvez a coisa mais importante da minha vida profissional: a luta evitou-se que a geração fosse privatizada. Mais aí eu aprendi uma coisa interessante.
para salvaguardar a operação interligada, o sistema interligado e sua forma co- Se a agência é forte e tem um operador forte, e se essa agência e esse operador estão com-
operativa de condução na busca de obtenção de ganhos sinérgicos onde ônus e prometidos com o sistema, você deve olhar o interesse da parte, mas jamais colocando

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Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

a parte sobre o todo, o interesse do todo, você consegue tornar menor a questão de conduzidos ao racionamento. Novamente, eu tive uma recaída fortíssima de que
quem é o proprietário e tornar fundamental as normas e as regras de utilização o Estado não podia estar ausente como no Modelo Fernando Henrique pois sempre
os condicionantes para como se usa. Comecei então a aceitar no modelo Fernando seria o último responsável perante a sociedade . Eu defendia, por exemplo, quando
Henrique e, de certa maneira, achava que estava bom. Porém veio a experiência do se estudava o processo de privatização das empresas do Sistema Eletrobras, que o
racionamento que fez mudar novamente os meus conceitos. Por que? Porque o pla- governo jamais podia perder de forma total a maestria em cada segmento. Quer dizer,
nejamento que no GCPS fazia as pessoas eram comprometidas, as empresas eram você podia vender suas linhas de transmissão, mas tinha que ter pelo menos uma empresa
estatais. Então, embora os estudos e planos de expansão do GCPS não fossem federal forte em linhas. Você podia privatizar parte de suas usinas, fazer térmicas,
determinativos, no fundo todos agentes queriam realizá-los. Se coordenava, se brigava, mas tinha que ter uma empresa federal forte com o domínio em geração térmica.
mas sempre se chegava a um acordo e as obras, mesmo com atraso, eram realiza- Eu achava que podia permitir que a iniciativa privada entrasse, mas teria sempre
das. O interesse predominante não era comercial, pois a maioria das empresas eram empresas fortes para concorrer, para participar, e que sobretudo o planejamento
estatais. Quando se implantou o modelo Fernando Henrique, acabou-se pratica- teria que ser inalienavelmente do Estado. Então, eu entendi que foi providencial essa
mente esse GCPS, o planejamento ficou por conta do mercado, identificou-se que a minha passagem. Eu entendi desde o governo Collor, que se eu tenho uma agência
lei de mercado, a mão do mercado, não é tão forte quanto se pensa, a mão do mer- forte, que está comprometida realmente com o modelo de visão de administrar
cado resolve isso, a mão do mercado não resolve nada se não houver dinheiro. o setor para aproveitar as características de hidroeletricidade e complementaridade
O que aconteceu? Eu faço uma imagem pessoal que algumas vezes para alguns de nossas bacias, que deveriam esses ganhos ser bem repartidos com a sociedade
amigos eu já falei: veio um momento de um pouco de estagnação empresarial, a polí- e não só com a iniciativa privada e que a ação de nenhuma agência isoladamente
tica de contrato era meio frouxa, não era obrigatório contratar os 100% de mercado, poderia prejudicar esse ganho sinérgico.
você poderia contratar ou não, você podia definir o risco de quando os distribuidores
iam se expor ou não. Então, as distribuidoras diziam, “o mercado não está crescendo, FMM - É, mas a agência tem que ser muito forte, mas principal-
temos um pouco de energia de sobra, eu não vou procurar contrato de energia, não vou mente ser independente.
me arriscar a ficar super contratado e perder dinheiro. Só vou buscar contrato se tiver MS - É preciso controlar três coisas:
certeza que meu mercado de energia vai crescer, quer dizer, não “sacava seu revolver” - A agência tem que ser realmente independente, não pode ser instrumento de governo,
no duelo permanente com as empresas geradoras para contratar. Uma geradora dizia, e sim um importante instrumento de Estado.
eu não tenho quem contrate a minha energia, eu não vou fazer uma usina sem ter - O governo precisa decidir por que ele está indo. É porque as empresas precisam
lastro de longo prazo, então, ele também não “sacava”, ou seja, não construía/ crescer? Será que ainda é preciso ser grande aí?
programava a expansão sem ter certeza que sua energia futura seria contratada. - O governo através do Ministério é responsável pela concessão e pelo planejamento,
Ficou então um combate que ninguém sacava, ninguém atirava, mas a bala virtual ele tem que ter extremo cuidado se está fazendo planejamento, visando o planeja-
resultante do racionamento matou o povo. Ou seja, eu senti nessa hora que, quan- mento energético do país enquanto Estado, ou no interesse de fortificar a empresa
do veio o novo modelo defendendo o planejamento pelo estado e a criação da EPE estatal A ou B. E, como ele induz o processo que eu chamo de coabitação, o modelo
(Empresa de Pesquisa Energética), passei a julgar o modelo atual melhor do que híbrido público privado, o governo não pode ser padrasto, que protege o filho contra o
o anterior. Comentando ainda algumas causas do racionamento podemos dizer que enteado. Ele tem que ser realmente equânime. Então, existe o perigo de que o governo,
Furnas foi envolvida em uma das causas, não porque quis, mas porque não teve apoio como é dono também da sua própria empresa, perca o equilíbrio, seja mais um padras-
do governo para resolver os problemas da terceira linha de Itaipu. A Chesf foi en- to que protege os filhos do que um tutor que cuida de tudo. Então, nesse modelo há
volvida com atrasos obra da Linha II de interligação com o Norte. Houve também que se ter muito cuidado porque senão ele volta a ser totalmente estatal. Tenho tido a
atrasos de obra nas interligações do Sul com o Sudeste. Xingó atrasando, Itaparica atra- oportunidade de vivenciar agora na iniciativa privada que ser estatal ou ser privado
sando máquina, terceira linha de Itaipu atrasando, e sobretudo, além de todos atrasos não é o que distingue as pessoas; ser sério é que distingue. Hoje eu sou empresa
de obras de geração e transmissão, as limitações da interligação com o Sul e uma seca privada e acho que aqui dentro as pessoas são honestas. No meu caso vim tra-
impressionante simultaneamente nas regiões Sudeste, Norte e Nordeste. Uma épo- balhar numa empresa que teve sua origem estatal e assim tem no seu DNA a
ca hidrológica de curto prazo terrível e de difícil previsibilidade, que foi janeiro e responsabilidade de explorar por concessão um serviço publico essencial e assim
fevereiro,e você não sabia o que vinha depois. Resultado: fomos forçosamente sabe que tem deveres que vão muito além de simplesmente buscar exclusivamen-

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A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

te o lucro. Atualmente, como sabe, a gente olha ao redor e vê gente do Estado, vê FMM - Mas houve uma fase em que as empresas de consultoria,
as empresas públicas sendo instrumentadas de maneira inadequada. É o caso que principalmente as empresas de consultoria que trabalhavam para o setor
ocorre em algumas áreas das nossas empresas de economia mista. Petrobrás que hoje elétrico com contratos no sistema “cost plus” deixaram de receber em
é, como nossa Furnas é, como a Chesf é. Então, você nota também que o mal não dia e não tinham correção monetária, juros nem pensar. As empresas
está no continente, o mal está no conteúdo. Eu acho que o modelo é bom, mas ele pre- foram liquidadas, destruídas. A engenharia brasileira foi desmontada.
cisa claramente levar em conta que tem que haver agência reguladora com o papel de MS - Foi na década de 80.
instrumento do Estado e não do governo do momento.O governo,como responsável pela
concessão e do planejamento como é hoje, tem que ter extremo equilíbrio. As es- FMM - Deixa-me fazer umas três perguntas.
tatais e as empresas privadas devam ser tratadas com equanimidade, de maneira MS - Fique à vontade. E se você quiser, prazerosamente você pode preparar
correta. Se a gente consegue que estas características, esses vieses sejam considerados, as perguntas que você achar, que quiser ao longo do tempo que você tem. Não
eu acho um modelo muito bom. tem prazo. Quando você quiser. Isso aqui eu vou ver para você. E o que você achar
que eu posso ajudar de memória, quer seja o que eu vivi, quer seja para o que
FMM - Existe um problema que é a fixação de um teto tarifário eu me lembre e não testemunhei, ou o que eu possa conseguir através das mi-
para as novas usinas. Muitas vezes, esse teto pode estar muito baixo
nhas ligações, ligar para a turma mais jovem ou mais antiga, eu ligo, pergunto,
o que desincentiva a iniciativa privada de entrar e o que faz
ou consigo me lembrar.
um retorno crescente das estatais nos novos empreendimentos
por não terem compromisso com a lucratividade e com a
FMM - O ONS, teoricamente, é uma empresa privada. Ela opera como
aversão ao risco de sobrecustos.
empresa privada, ou tem um forte domínio do governo?
MS - Gradativamente o Estado adota esse modelo, esse é o meu medo. É por
MS - Tem um forte domínio do governo. Já foi menor, mas ao longo do tempo esse
isso que eu digo, o planejamento estabelece a ordem do mérito e define os pre-
domínio foi se acendrando. E no governo de Lula, a mudança do modelo de 2003,
ços e faz a avaliação; e outra coisa, a engenharia brasileira perdeu muito da
era muito difícil conviver com o governo, o Ministério gostava sempre de “estar bem
sua capacidade em termos dos levantamentos dos aproveitamentos; agora é que
informado e preventivamente“ o que é natural. A ANEEL respeitou sempre o
está se voltando com as consultoras e com a capacidade de precificar. Quer dizer,
ONS, sempre. Botava para quebrar às vezes, queria exorbitar um pouco do seu
sob a influência muito forte dos próprios fabricantes de equipamentos, a enge-
poder, mas numa luta franca. Já o governo nem tanto. O governo Fernando
nharia brasileira boa, pura mesmo, ela hoje está tentando se recriar. Esse é
um dos pontos fortes. Antigamente, a precificação era forte, as empresas esta- Henrique tentava influenciar, via Ministério, mas havia o contraponto do con-
tais tinham seus próprios bancos de dados, tinham sua definição. A engenharia selho e da própria diretoria. Por quê? A formação do conselho tinha influência
executiva e construtiva brasileira tinha lucros fortes. Claro, que tinha con- privada e o conselho elegia diretoria. Com a mudança, se tirou o poder em 2003,
sultoras gigantes, exageradas, que até vendia cópia. A mesma empresa de o estatuto mudou e se colocou cláusulas no estatuto que o presidente mais dois
consultoria era contratada por duas empresas estatais para brigarem entre si. diretores, numa diretoria de cinco, são escolhidos pelo Ministério sob orientação,
Caso de Furnas com Chesf; Chesf com Eletronorte; Eletronorte com Furnas; e só dois diretores são indicados pelo mercado. Na própria formação do número
Furnas com Eletrosul. No sistema do Sul, uma subestação da Eletrosul ao do conselho, as empresas estatais têm crescente influência, porque tem o segmento de
lado da subestação de Furnas. Numa subestação da Eletronorte, uma linha geração, o segmento de transmissão e o segmento de distribuição. Só no segmento de
de 500 kV ligando norte-nordeste, onde até determinada área há a frontei- distribuição é que há mais presença privada. O número de conselheiros da geração
ra elétrica das duas áreas de concessão, onde há subestação de 500 kV da privada é muito pequeno. E por trás da própria geração privada, Miguez, você
Eletronorte há uma concepção, controle de proteção, arranjo físico e filosofia sabe mais do que eu, a influência estatal é muito forte: uma CPFL será
de arranjo físico completamente diversa da filosofia da Chesf e foi projetada que é privada? Porque a Previ está instrumentada pelo sindicato. Então, a
pela mesma consultora. Então, havia desvantagem? Havia. Havia desper- influência estatal no operador existe, influência de governo existe. Você não
dício? Havia. Havia muito pouca reengenharia em cima da cópia? Havia. é presidente do operador se o Estado não quiser. As três das diretorias são
Mas havia também núcleos de excelência nas empresas. indicadas pelo governo, o presidente e mais dois.

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Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

FMM - Isso de certa maneira afugenta um pouco os investidores privados, de corpo e alma e de coração à operação interligada e a utilizar a complementari-
principalmente os investidores estrangeiros? dade das bacias, que transformou transmissão de interligação em usinas virtuais
MS - Hoje, eu diria que a forma como o governo se porta respeitando os contratos. - que transmissão são usinas virtuais, é como se você botasse uma usina na fronteira
O que foi bolado para a transmissão: o contrato sindicalizado. Quer dizer, a do supermercado -, eu acho que isso é praticamente um crime de lesa pátria. Não
distribuidora não paga um transmissor; a distribuidora paga é o contrato co- é que eu seja contra os ambientalistas, mas eu acho que não se colocou clara-
letivo, paga a todas. E a segurança é a própria receita das distribuidoras. E a mente o problema para a sociedade. E aí, eu acho que nós do setor elétrico temos
estabilidade que isto está tendo geralmente faz com que haja uma maior culpa. A importância que tem a capacidade de regularização, por que toda a
confiança no governo. Tanto é que os italianos continuam colocando e os espanhóis nossa riqueza vai ser jogada fora? Eu acho que devia ser um compromisso quase
continuam, vieram chineses agora, mas o Brasil como estatal também continua. sacrossanto. Todos nós que entendemos o sistema, deveríamos alertar, talvez usan-
Quer dizer, é preciso ter cuidado. do mais fortemente o novo Congresso para tentar reavaliar as decisões que estão
sendo tomadas, conduzindo o País a instalar térmicas a óleo combustível, o que é
FMM - Os portugueses também vieram. um crime. É inaceitável que um país que diz querer preservar o ambiente e que tem
MS - É, os portugueses vieram. Os próprios americanos pararam, mas durante um 80% da sua matriz hidroelétrica, possa se permitir ao luxo de virar um sistema pro-
certo tempo e não saíram ainda correndo como saíram da Argentina. Mas mesmo
gressivamente sujo na sua matriz. Eu acho que o governo e a sociedade organizada
assim, eles ainda se ressentem das surpresas, das mudanças, quer dizer, a busca pela
deviam fortemente trazer esse problema novamente à discussão, usar o Congresso
modicidade tarifária a qualquer custo e a fixação dos preços para os leilões, o estabe-
Nacional e buscar reavaliar o planejamento do setor elétrico que está sendo feito.
lecimento dos pisos para transmissão. Na transmissão pode ser vista com certa ironia
Térmica é absolutamente necessária mesmo. Usinas térmicas são necessárias,
a reclamação do mercado porque os deságios são muito grandes e as empresas priva-
mas não como é que está se caminhando numa velocidade incrível além de se
das continuam participando. Ou seja, os deságios são oferecidos pela própria empresa
estar fazendo uma usina hidroelétrica de 11.000 MW de ponta para gerar
privada que reclama dos tetos baixos fixados pela ANEEL. Então, o governo
4.000 MW na média, como é o caso de Belo Monte e fazer uma transmissão para
ressalta a incoerência; se eu estou exorbitando no estabelecimento de preços de base
11.600 MW. Gastar uma fortuna para usar dois, três meses por ano uma trans-
de referência por que há deságio? Então, são sinais antagônicos. Então, eu diria
missão dessa ordem. Porque para se conseguir as licenças ambientais para as trans-
que as empresas privadas, agora que eu estou desse lado, se sentiriam muito mais à
missões existentes, e se for mexer na transmissão de Belo Monte, pode-se provocar
vontade com o governo menos presente. Porém, a presença do governo que é sempre
o atraso de todo sistema de interligação do complexo Belo Monte com o sistema inter-
vista por eles como uma perda de espaço no processo de liberdade, não é simples-
mente negativa para que a parte cresça. Eu não sei se a negatividade é pouca ou ligado nacional. Então, nas atuais circunstâncias o mal menor é continuar como está,
interesse pelo Brasil é maior do que a negatividade. ou seja, implantar assim mesmo, permanecendo a impressão que se estaria a jogar
dinheiro fora. Você se referiu ao problema do planejamento. Hoje, se existe um
FMM - Uma coisa que eu verifico é que antes havia a implantação de ponto importante nesse país e no setor elétrico; é este: o país tem que repensar o seu
grandes reservatórios, como você mencionou Sobradinho e Itaparica planejamento energético considerando todas as fontes disponíveis (suas fontes de
no São Francisco, Furnas, o grande reservatório de regularização do geração distribuídas renováveis, mas, sobretudo - reitero a exaustão - o problema
rio Grande, Serra da Mesa do rio Tocantins, etc. de voltar a se planejar, e implantar os grandes reservatórios com capacidade de re-
MS - O reservatório de Furnas é vital para o País. gularização, claro de forma e de maneira negociada, e ambientalmente responsável.
E segundo ponto, qual é o segundo ponto? Garantir - isso pouco a gente fala - que
FMM - Mas hoje não há nenhum incentivo, nem para as empresas os reservatórios que foram construídos para este fim, continuem sendo utilizados
estatais, muito menos para as empresas privadas, para implantação de re- para esse fim, porque está aí o reservatório de Furnas, onde já há campanha
servatórios de regularização. E o que se está assistindo é um sem número para não deixar ele flutuar.
de usinas novas, todas elas operadas a fio d’água, e isso o ONS deve estar
sentindo no planejamento de operação do sistema interligado. FMM - Então, não adianta nada tentar fazer reservatórios de regularização.
MS - Eu, pessoalmente como cidadão, que a vida profissional me levou e me dedicar Há a oposição frenética de falsos ambientalistas durante o licenciamento,

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A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

não há remuneração pelo benefício proporcionado às usinas a jusante e ao estou instalando térmicas com fatores de capacidade de 90%, e estou tentando cobrir
sistema e depois vem as campanhas para não deplecionar os reservatórios. o meu sistema com essas térmicas, as térmicas na ponta começaram, como é o caso
MS - Porque há exploração de turismo, há isso, há aquilo, há tantas prefeituras e da Argentina, a serem despachadas por problema de ponta. Então, eu não diria ago-
políticos nas épocas de eleição que querem influir na região. Deve novamente haver in- ra, mas o problema pode vir a se manifestar daqui a uns cinco anos. Com certeza, eu
teresse local se sobrepujando ao interesse da pátria. Tudo o que eu falei que o sistema diria que se devia começar a se estudar agora como é o balanço de ponta, não só o
interligado deve existir para que nenhum agente do setor ganhe em detrimento ao balanço de ponta global como o balanço de ponta regional e sub-regional, e se verificar
conjunto, a mesma coisa se diz em relação à implantação ou não de reservatórios de claramente se não deveria haver uma política mais arrojada: Há 3, 4, 5 mil me-
regularização. Qual é o mal menor? Não é o que é bom ou mau, qual é o mal menor? gawatts adicionais possíveis de repotenciação das usinas hidroelétricas mais antigas.
Então, acho que você tocou num ponto que é de fundamental importância. Eu, como Entretanto, não se faz isso porque não há sinal econômico. A Abrage está fazendo
pessoa que vi regularização de reservatórios, não sou saudosista, eu estou mirando o um belo trabalho sobre isso, a Associação Brasileira dos Geradores, porque isso
futuro porque eu acho que a nossa experiência, a nossa vocação e os nossos recursos nos interessa mais às estatais e a Associação é constituída sobretudo pelas empresas de
obrigam a continuar mantendo a operação interligada. Os frutos que ela pode dar e as geração federais e estaduais. Entendo eu que esse problema deva ser estudado,
características das nossas bacias e dos nossos sistemas de sub-transmissão exigem mas ainda há algum tempo para aprofundar bem as analises inclusive tarifárias.
reservatórios de regularização. Sem isso, a longo prazo, a razão de ser de um Eu começaria pela repotenciação. O planejamento para o atendimento de ponta é
operador centralizado deixa de existir. também um problema, mas não tem, a meu ver, a mesma necessidade e urgência que
tem o problema da capacidade de regularização dos reservatórios. O problema dos
FMM - Há muitos anos e hoje não é diferente, vê-se que nessas diversas reservatórios de regularização é o grande desafio e o mais importante para o futu-
licitações e em todos os documentos que são emanados no setor elétrico ro. Lutar por voltar a ter capacidade de regularização é imprescindível para todos
se fala muito em produção de energia, mas não se menciona atendimento que conhecem as características do sistema elétrico brasileiro. Outro grave problema
de ponta. A sua experiência no ONS, o aparecimento de usinas eólicas é o dos níveis dos tributos e dos impostos que oneram o setor. Atualmente,como o
e o espantoso crescimento do número de usinas térmicas, não vai ge- governo usa o setor elétrico como um grande arrecadador de impostos, para tentar
rar uma necessidade de se valorar a ponta, de certa maneira de se in- continuar sendo um arrecadador com modicidade há que esmagar os custos em prol da
centivando a criação de usinas hidroelétricas com fator de capacidade modicidade tarifária, mesmo como atualmente se fala com a imposição de “ taxas pa-
mais baixo para atender a ponta? trióticas“ de retorno do investimento. Se o peso monstruoso dos impostos fosse retirado,
MS - Você tocou também num ponto interessantíssimo. Eu diria o seguinte: por ser o grande arrecadador (50% é de impostos/tributos), se a carga fiscal que
em curto e médio prazo o problema de ponta não é de geração; o problema de pon- é imposta ao setor elétrico como arrecadador fosse reavaliada, poder-se-ia ser mais
ta é de transmissão. Pouca gente sabe que a gente passa a ter energia incentivada razoável e menos draconiano na política de estabelecimentos de referência dos tetos
sobrando, e a gente não pode fazer energia incentivada para importação, para ex- fixados nas licitações para tentar buscar a modicidade tarifária que, como está sendo
portação como se tentou há dois anos porque o subsistema de transmissão não tem proposta agora, é muito exacerbada. É grave: está quase se voltando ao serviço pelo
capacidade. Então os problemas maiores da região de Minas Gerais, da região de custo. O serviço de se premiar aquela eficiência está começando a acabar de novo, porque
São Paulo, de algumas regiões da Bahia e de Pernambuco, o problema é a sub- tudo que o agente faz para melhorar sua eficiência, a ANEEL quer vir buscar e
transmissão que não tem capacidade de escoar na hora da ponta. Parece mentira, levar para a sociedade. Na realidade, o problema é que atualmente nós compomos e
mas há indústrias que precisam aumentar seu consumo de energia e não se permite, operamos a matriz energética brasileira de forma não otimizada: não se consegue mais
pois a sub-transmissão está no seu limite nas horas de ponta. Seria necessário pelo fazer a regularização hidrológica ótima devido ao problema da gestão do gás na-
menos, se não é possível a ampliação a curto prazo, ampliar o sinal tarifário para tural, quer dizer, hoje toda a cadeia de produção,de transporte e praticamente de
deslocar a ponta por causa da sua elevada necessidade. Como já estou afastado comercialização está sob controle da Petrobras. Assim, os demais empreendedores
do ONS há cinco anos, não me sinto a vontade de comentar. têm receio de investir em térmicas a gás pois ficarão à mercê da disponibilida-
Temos hoje cerca de 100 mil megawatts instalados e estourando no pico de abril de de gás e não terão a segurança de que depende do monopólio da Petrobras.
e fevereiro, 67 mil MW. Para o Nordeste há 12 mil MW instalados e ponta de cerca A solução só vira quando a rede de gasodutos for tratada como atualmente o é a
de 9 mil MW. Então, ainda não é um problema de ponta. Agora, à medida que eu rede básica do sistema interligado nacional SIN que é gerenciada pelo ONS,

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Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

bem como o despacho das usinas térmicas a gás. Pode-se até antever para o futuro Todo técnico do setor que acredita nos processos de otimização energética como um
a criação de uma entidade Operador Integrado Gás - Energia Elétrica que faria a fator diferencial para a economia brasileira, e eu me incluo entre eles, sonha com a
gestão operacional do despacho de energia elétrica e de gás, garantido a otimização e criação de um mercado secundário de energia lato sensu: hora eu uso gás, hora eu uso
sinergia das duas importantes fontes com grande ganhos para toda sociedade. Isto água, hora uso energia eólica, hora uso combustível, pegando todas as sazonalidades
seria mais importante na medida em que o gás natural passe, como se espera, e complementaridade e dando incentivo e política de grau de liberdade para o usuário
a ter participação cada vez mais importante na oferta de energia elétrica. Se o gás final poder discernir desde que seja com antecedência para ele planejar seu uso para
passar a ter forte participação na matriz elétrica, seria necessário se ter uma coor- que um operador integrado possa utilizar. Não um socialismo paternalista, mas com
denação mais forte e sistêmica, o que não seria possível e adequado se for realizada visão econômica, com grau de liberdade para com os agentes, para com a lógica de
isoladamente pela Petrobras. O problema todo é que nós precisamos saber criar e mercado, mas com a utilização de recursos com uma lógica mais cinética, mais social.
administrar o mercado secundário de energia elétrica e sobretudo de gás natural. Se você precisar, eu reitero o meu oferecimento. É um prazer recebê-lo e revê-lo.

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A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Entrevista com o engenheiro Murillo Dondici Ruiz

Formação: Engenharia civil pela Escola Entrevistador:


Politécnica da Universidade de São Paulo Flavio Miguez de Mello
USP em 1958 Dia 15 de julho de 2010, em São Paulo

FMM - Prezado Murillo, como começou sua brilhante carreira e seu inte- foi obrigatória nessa obra, seguida de intensos estudos para obtenção de pozzolana
resse pela geologia e mecânica das rochas que o levou a fazer um treina- artificial pela calcinação de argilas aluvionares locais.
mento no LNEC em 1962?
MDR - Antes mesmo de me formar na Poli, comecei em 1956 como estagiário no FMM - Você mencionou acima os problemas de Jupiá. Os mesmos cascalhos
Instituto de Pesquisas Tecnológicas IPT na Seção de Geologia Aplicada com o foram também empregados em Ilha Solteira. Quantas foram as barragens
engenheiro geólogo Ernesto Pichler. Fiquei no IPT até 1970 quando chefiava a no seu período no IPT?
então Divisão de Geologia e Minas. Nesse período cursei na USP as disciplinas MDR - Foram muitas. No rio Tietê foram todas desde Ponte Nova a montante da
de pós graduação em Geologia e Petrografia. cidade de São Paulo até o baixo Tietê, a menos de Três Irmãos. No Paranapanema
prestei consultoria para Xavantes. No Paraná as maiores: Jupiá e Ilha Solteira.
FMM - Essa fase dos anos sessenta e setenta foi uma fase de intenso pro-
gresso no desenvolvimento da tecnologia nas geociências em função das FMM - Por falar nas barragens do rio Paraná, o que mais me impressio-
grandes obras hidráulicas e viárias que eram implementadas no País. nou naquela época foram os ensaios de cisalhamento direto “in situ” dos
Foi uma fase gloriosa. grandes blocos cúbicos com 6 m de aresta.
MDR - Sem dúvida. Foi uma fase que dificilmente voltará. MDR - Foi uma época em que o Brasil se desenvolvia muito e a nossa tecnolo-
gia também. Em Jupiá e Ilha Solteira executamos inúmeros ensaios “in situ”
FMM - Nessa fase quais foram os seus maiores desafios profissionais? no maciço basáltico em blocos de rocha de diversas dimensões, o que permitiu um
MDR - O maior desafio deve ter sido a obtenção do conhecimento dos maciços ba- adequado conhecimento do comportamento desses maciços rochosos. O primeiro
sálticos uma vez que nossas grandes obras estavam sendo construídas sobre essas geólogo que contratei foi o Fer nando Pires de Camar go. Após oito anos
rochas e havia lacunas no seu conhecimento tecnológico, pois as maiores ocorrências eram havia 35 geólogos e engenheiros na Divisão de Geologia e Minas do IPT.
aqui e na África do Sul e poucas ocorrências nos países mais desenvolvidos. Foi um tempo de intenso trabalho, um tempo maravilhoso. Para divulgar
Outro desafio foi a construção de estruturas hidráulicas em concreto com a utilização os avanços tecnológicos que estávamos experimentando e sistematizar os ensaios
de agregados silicificados reativos com os álcalis do cimento. Em Jupiá foram desco- tecnológicos, fundamos a Associação Paulista de Geologia Aplicada - APGA,
bertos e usados cascalhos de grandes depósitos aluvionares no rio Sucuriu, afluente da qual fui o primeiro presidente. A APGA foi a antecessora da atual Associação
pela margem direita do rio Paraná, logo a montante do local da obra de Jupiá. Brasileira de Geologia de Engenharia - ABGE.
A presença de mineral expansivo (nontronita) em rochas basálticas, que causam a
desagregação dessas rochas quando submetidas a secagem e umedecimento inviabi- FMM - E após essa época no IPT?
lizaram a sua utilização como agregado para concreto. A utilização dos cascalhos MDR - De 1970 a 1974 integrei as equipes do Consórcio Nacional de Enge-

506
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

nheiros Consultores - CNEC e atuei como consultor da Construção e Comércio e a ENGECORPS foi uma das pioneiras nesse tipo de contrato de consultoria e
Camargo Corrêa - CCCC. de projeto de engenharia. Um dos nossos projetos mais marcantes foi o estudo de
navegação do rio Araguaia nas corredeiras de Santa Isabel. São corredeiras que
FMM - Quais foram os principais realces dessa fase? se desenvolvem no rio por 12 km atingindo um desnível de 12 m. A solução proposta
MDR - Nessa fase cito a recuperação dos túneis do Guandu, obra vital para o foi inédita: uma sucessão de bacias de dissipação escavadas no maciço rochoso
abastecimento de água para o Grande Rio; o projeto do ramal ferroviário Roca do leito do rio. Essa solução é aplicável em rios de leitos rochosos. Outros grandes
Sales-Passo Fundo e o aterro barragem da Billings, onde solo silto argiloso foi projetos foram a eclusa de Tucurui e a Transposição das Águas do Rio São Francisco.
lançado com técnica especial em lâmina de água de 22 m, com pleno sucesso
(Rodovia dos Imigrantes). FMM - Quando trabalhamos para o mesmo cliente, a LIGHT e no
mesmo empreendimento, Nilo Peçanha II, fiquei muito impressionado
FMM - E na THEMAG? numa reunião onde você se concentrou nos aspectos financeiros
MDR - Essa fase de minha vida profissional foi de 1974 a 1989 e os principais dos contratos de consultoria.
destaques foram projetos de grandes hidroelétricas como Paulo Afonso IV, Porto MDR - Na época do projeto de Nilo Peçanha II estávamos atravessando no país o
Primavera, Tucurui e Itaipu, além dos projetos do Metrô. auge da inflação e dos não pagamentos dos serviços prestados pelos contratantes esta-
tais. Eu era na THEMAG diretor operacional e depois, diretor executivo. Foi uma
FMM - Depois da THEMAG você fundou a ENGECORPS. época em que os executivos tinham como principal preocupação, às vezes única
MDR - Isso foi em 1990. Foi nessa época que começamos a trabalhar por preço fixo preocupação, os recebimentos e os critérios de reajustamento.

507
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

FMM - As empresas de engenharia consultiva sofreram com isso. 2ª) Nesse período contávamos com a presença de Board de Consultores, constituídos
MDR - Sem dúvida. Esse sofrimento só terminou com a estabilização da moeda no de técnicos nacionais e estrangeiros: Flávio Lyra, Victor de Mello, Don Deere,
Plano Real. A falta de pagamento era sufocante numa época em que a inflação chegou Arthur Casagrande, Sherard e outros que acompanhavam os projetos, os estudos
a 70% ou 80% ao mês e havia atraso de pagamento de até seis meses. tecnológicos realizados e a construção.

FMM - Como as empresas sobreviveram nesse cenário? FMM - E o atual modelo?


MDR - Muitas não sobreviveram. As grandes empresas desmobilizaram pessoal MDR - Presentemente há planos de investimentos bem definidos pelos empreen-
ou reduziram a participação em projetos de engenharia civil e de hidroelétricas. dedores com datas muito apertadas para início de geração, resultando em projetos
Muitas empresas fecharam. com menores níveis de investigação geológica e geotécnica. Assume-se, portanto,
maiores riscos de desempenho. Tanto projetistas como empreiteiras, muitas vezes
FMM - Não havia cláusulas de correção monetária nos contratos de são sócias do empreendimento e se preocupam primordialmente com o retorno
engenharia consultiva? do capital investido, coisa que não acontecia no passado. Consequentemente, têm
MDR - De início não havia. Quando a correção monetária foi adicionada aos ocorrido acidentes que não ocorriam no modelo anterior. Hoje não se conta
contratos, ela era parcial e não acompanhava integralmente a inflação. com a colaboração de Board de Consultores, que certamente dariam melhor
equilíbrio aos projetos e à construção.
FMM - E quanto aos diferentes modelos do setor elétrico que vivenciamos ao longo
dessas décadas? FMM - Qual foi o grande salto nos empreendimentos da engenharia
MDR - Eu era feliz no modelo estatal antigo. Havia duas grandes vantagens: de barragens que você vivenciou?
1ª) As empresas estatais empreendedoras não tinham tanta preocupação com o MDR - Foi quando passamos, em 1960, de hidroelétricas de porte médio como
retorno dos investimentos. As obras eram mais conservadoras e os cronogramas de Barra Bonita (140,76 MW/Rio Tietê), Limoeiro (28,0 MW/Rio Par-
mais elásticos. Isso resultava em investigações e estudos mais apurados e melhores do) e Euclides da Cunha (108,8 MW/Rio Pardo) para a hidroelétrica de Jupiá
fiscalizações, das construções, resultando obras seguras. (1.411,2 MW/Rio Paraná). Foi um grande salto.

508
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Entrevista com o engenheiro Olavo Augusto Vieira

Formação: Engenharia civil pela Escola Entrevistador:


Nacional de Engenharia da Universidade Flavio Miguez de Mello (FMM)
do Brasil, em 1945. Agosto de 2010

FMM – Dr. Olavo, eu sempre começo as entrevistas perguntando sobre a FMM – E eram diversas concessões em vários estados, desde o Rio Grande
formação profissional do entrevistado. do Sul até o Rio Grande do Norte. E os projetos, os novos empreendimentos?
OV – Fui formado em engenharia civil, em 1945, aqui no Rio de Janeiro, na Por que a maior usina feita por esse grupo na CAEEB foi Peixoto?
Escola Nacional de Engenharia da Universidade do Brasil, que voltou a ser OV – Peixoto já foi muito mais recente. Peixoto entrou em operação, se eu não me
designada Escola Politécnica, hoje na UFRJ. engano, em 1956. As duas primeiras unidades, em 1956.

FMM – Nos conte algumas lembranças daquele tempo. FMM – O Leo Penna me contou que havia um canal muito profundo no
OV – O vestibular era para 63 vagas. Apenas 48 foram aprovados. Outro vestibular rio Grande no local da barragem de Peixoto, e que esse canal profundo
foi feito para completar a turma, agregando mais 15 alunos. Quando eu estava no quinto iria consumir muito concreto caso a barragem fosse de eixo retilíneo.
ano, em 1945, o número de vagas já havia subido para 110. A Politécnica, como era Por essa razão o projeto foi alterado para uma barragem em arco.
chamada por todos, era a única escola de engenharia do Rio de Janeiro. Recordo-me de OV – Exatamente. Barragem em arco com dois blocos laterais de ancoragem como
alguns grandes professores como os professores Delcídio Almeida Pereira, de física e de seu ombreiras artificiais. Foi projeto da Ebasco Services. O chefe do projeto era um
jovem assistente Antônio José da Costa Nunes, Idio Pereira, de mecânica aplicada, detentor engenheiro de Ebasco, com grande experiência em barragens de concreto em arco.
de um português perfeito, Ruy de Lima e Silva, de geologia, Kfuri de economia, Theophi-
lo Benedicto Ottoni Netto, monitor de termodinâmica, Flavio Henrique Lyra da Silva FMM – Outra coisa que o Leo Penna me contou foi que, assim que o
que já nasceu muito bom, assistente do Barbozinha em hidráulica. túnel de desvio foi fechado, aconteceu uma das maiores cheias do rio
Grande e o reservatório subiu muito rapidamente. Os vertedouros, que
FMM – Dr Olavo, o senhor entrou na CAEEB (Companhia Auxiliar de descarregam em onze calhas, calhas estas que ainda não estavam reves-
Empresas Elétricas Brasileiras) do grupo AMFORP ao se formar? tidas de concreto. E essa cheia teve que ser escoada pelas 11 calhas do
OV – Antes disso, entrei como estagiário em 1945. vertedouro que ainda não estavam todas revestidas de concreto. Como
é que foi essa epopéia de alternar o fechamento de algumas calhas
FMM – E foi nesse tempo que o senhor conheceu o Leo Penna? para concretar, deixando as outras abertas?
OV – Sim, nesse tempo, o Leo Penna, o John Cotrim. OV – Pelo que eu me lembro, foi uma luta tremenda. As calhas A, B e C eram
as mais críticas. Miguez, eu não posso me lembrar muito bem por que foi há tempo.
FMM – E como era o trabalho na CAEEB daquela época? Houve um risco nessa operação.
OV – Naquela época, o que nós mais jovens fazíamos era a parte de estatística
de produção de energia das empresas dos estados, e hidrologia também, medição de FMM – Eram as mais próximas da barragem em arco, as calhas que apresen-
vazão, observação de réguas. taram as maiores erosões e que por isso, são hoje as mais curtas?

509
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

OV – Isso, exatamente. Houve uma erosão grande que teve que ser revestida com FMM – Aquela concepção do transporte e colocação do concreto com
concreto a toque de caixa. A rocha teve que ser revestida com concreto porque senão ia os vagões pendurados em monotrilhos e com aqueles sete cabos aéreos
tudo embora. Foi feito um revestimento valente mesmo durante a cheia. Então, a água era revolucionária. Em Peixoto havia um cabo aéreo, não foi?
foi jogada de um conjunto de calhas para outro. Na verdade, houve uma dose de sorte OV – Exatamente. O cabo aéreo foi instalado e depois se descobriu na fundação um
porque a cheia diminuíu quando devia diminuir. Tivemos bastante sorte naquilo. veio de xisto de baixa resistência. Por isso, o eixo da barragem foi deslocado para
jusante e uma parte da barragem saiu do alcance do cabo aéreo.
FMM - Voltando àquela época de 1945 em que o senhor começou na
CAEEB, quais foram os primeiros projetos em que o senhor atuou? FMM – Com aquela posição do vertedouro de Peixoto jogando água per-
OV - Foram duas barragenzinhas pequeninas lá no Espírito Santo: Jucu e Fru- to do canal de fuga, havia muita perda de energia pela elevação do nível
teiras. As duas já existiam. Foi reforma, se pensava em ampliar, instalar outras d’água do canal de fuga?
máquinas. Havia também o estudo de Jucu II. Depois disso foi o projeto de Areal OV – Elevava muito o nível de jusante. Não me lembro bem, mas influenciava bastante.
no rio Preto, estado de Rio de Janeiro.
FMM – E como é que foi aquela encampação que foi feita a partir do Rio
FMM – E naquelas usinas da CAEEB em São Paulo, por exemplo, Grande do Sul, na época do Brizola? A impressão que eu sempre tive é
Americana, o senhor participou? que foi Brizola, lá por 1963, quem fez a encampação em Porto Alegre. E
OV – Trabalhei em Americana e Avanhandava, no interior de São aí, quando o governo da revolução assumiu, o Castelo Branco fez uma
P a u lo. T r a b a lhe i ta mb é m e m P e ti, u s in a p a r a su p r imen to d e Belo negociação com os acionistas americanos e os pagou corretamente, tendo
Horizonte. Peti era pequena, duas unidades de 4500 kW, mas dava para comprado o resto da CAEEB. Nessa compra da CAEEB, Peixoto foi para
suprir Belo Horizonte. Depois, durante o governo JK em Minas Gerais, Furnas. Por que Peixoto foi para Furnas e não ficou com a Companhia
adicionamos grupos Diesel. Paulista de Força e Luz? Foi alguma atuação do Cotrim?
OV – Eu não sei. Eu tenho impressão que pode ter sido alegada a facilidade de
FMM – A disciplina na CAEEB era muito forte, não é? Eu senti que operação, porque já existiam Furnas e Estreito, ficando Peixoto entre as duas.
o Cotrim, quando foi para a Cemig, levou essa disciplina para a Cemig
e depois para Furnas. FMM – Marimbondo e Porto Colômbia eram concessões da CAEEB.
OV – Sim, isso mesmo. A CAEEB não se interessou em construir essas duas usinas?
OV – Eu acho que não. Para a ocasião, Marimbondo era grande demais.
FMM – O senhor continuou lá na CAEEB quando o Cotrim saiu?
OV – Continuei. Da CAEEB, quando o grupo da AMFORP foi estatizado, FMM – Quando eu comecei a trabalhar em Marimbondo, e eu vi que
fui transferido para a Eletrobras onde fiquei até 1978, quando me aposentei. a concessão havia sido ou ainda era, da CAEEB ou da Companhia
Paulista de Força e Luz.
FMM – Mas o senhor também deu uma contribuição a Itaipu depois OV – Existia lá a usina Marimbondo Velha, da CAEEB.
de ter se aposentado da Eletrobras.
OV – Em Itaipu sim. Aí, Cotrim já estava em Itaipu. Fui trabalhar com ele FMM – Essa usina de Marimbondo Pequena, que chamávamos de Ma-
novamente aqui no Rio de Janeiro. rimbondinho, que aproveitava parte da descarga do braço esquerdo do rio
Grande, foi inaugurada nos anos vinte do século passado, um pouco antes
FMM - O senhor tem algum comentário sobre a concepção do projeto da grande cheia do rio Grande, que se eu não me engano foi em 1927. Na
de Itaipu? inauguração de Marimbondo Pequena, o presidente Carlos de Campos,
OV – De início se pensava em fazer duas usinas naquele trecho binacional do rio do Estado de São Paulo, fez um discurso dizendo que aquela região de
Paraná, mas não seria mais econômico do que apenas uma usina como foi feito. São Paulo estaria atendida de energia elétrica até a virada do século.
Uma questão de escala. OV - Pensava-se assim, não é?

510
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

FMM – E na Eletrobras, qual foi a sua atuação? FMM - Outro caso: Finalmente, nos anos oitenta, quando Peixoto ia ser
OV – Eu trabalhava com o Leo Penna que era diretor de planejamento e engenha- remodelada, modernizada, eu já estava na EngeRio e o Leo Penna tam-
ria. Depois, eu passei para a diretoria do Cel. Mauro Moreira. bém estava na EngeRio. Reuni o grupo de engenharia com um gravador
para registrar o Leo Penna falando do projeto de Peixoto. Foi então que
FMM - O Leo Penna uma vez me disse que ele teve a sensação de que descobrimos que o projeto de Peixoto como construído estava muito
os dois coronéis, Raul Garcia Llano e Mauro Moreira, foram colocados bem guardado, na casa do Leo Penna.
na Eletrobras para fiscalizá-lo (vinha de empresa privada estrangeira) OV – Na casa dele?
e que vieram a ser grandes amigos dele.
OV – Os dois eram formidáveis. Tanto o Llano como o Mauro Moreira. Eu nunca FMM – Outro episódio curioso nessas usinas da CAEEB ocorreu numa
vi uma atitude dos dois que não fosse corretíssima. outra usina em que o senhor trabalhou, a usina de Areal. A CERJ, na
época era concessionária de Areal, tinha que fazer pela primeira vez um
FMM – E eles eram engenheiros militares? esvaziamento do conduto forçado em aço, dentro de um túnel e me pediu
OV – Todos os dois haviam cursado a Escola Técnica do Exército que hoje é o para ir lá para ver como é que eles podiam fazer isso sem ameaçar a inte-
IME – Instituto Militar de Engenharia. gridade do conduto forçado pela ação pressão externa. Fui à usina com
os únicos desenhos do projeto que haviam nos arquivos da CERJ, todos
FMM – Da época da CAEEB o senhor gostaria de mencionar alguns assinados pelo John Cotrim e pelo Leo Penna. Depois de analisar o pro-
engenheiros? blema do conduto, pedi ao operador para visitar a barragem, incluindo
OV – Na CAEEB havia uma turma muito boa: John Cotrim, Leo Penna, Má- uma ida à galeria de drenagem e injeção. Ele me disse: “Não há galeria”.
rio Mendes de Oliveira Castro, Jorge Magalhães Gondim, Ferdinand Budweg, Eu disse que deveria haver, pois a galeria constava nos documentos de
Olavo Pinheiro, Alfred Marane, americano e superintendente da obra de Peixoto. projeto. Ele disse “Eu participei da construção e garanto que não há galeria”.
Aliás os chefes de todas as obras eram americanos. Ele então me mostrou as fotografias colhidas durante a construção e
eu vi que realmente não havia galeria.
FMM – Eu trabalhei por muito tempo com o Flavio H. Lyra, e uma OV – E não havia mesmo. Foi eliminada, sabe por que? Para economizar forma.
das coisas que iríamos fazer para Furnas era uma ampliação e uma
modernização de Peixoto. Eu ainda estava em Furnas, quando Furnas FMM - Nós fizemos uma análise de estabilidade da barragem de Areal sem
recebeu Peixoto em 1973; nós mandamos o nosso chefe do arquivo a galeria; pelos critérios convencionais a estabilidade estava no limite. Nós
para Peixoto para levantar os desenhos as built (como construído). instalamos piezômetros que realmente comprovaram que a subpressão
Ele trazia para mim pilhas de desenhos, e eu sempre dizia que não não tinha qualquer alívio. Entretanto, como o vale é encaixado e a rocha
era nada daquilo que havia sido construído. E Furnas ficou então competente, acho que deve existir um efeito de arco na parte inferior da
com a usina de Peixoto sem os desenhos de projeto. Nesta épo- barragem. Por isso é que ela está lá em pé até hoje. Muito bem, o senhor
ca eu estive em Peixoto, logo quando Peixoto passou para Furnas; quer contar mais alguma coisa, algumas dessas curiosidades?
perguntei pela instrumentação e o operador da usina respondeu OV – Minha memória está falhando há muitíssimo tempo.
“Nós temos três piezômetros”; eu disse: “Só três”? e ele disse “Só três, tudo isso”.
Perguntei: “Onde estão as células piezométricas?” Resposta: “Provavelmente, na FMM – Dr. Olavo, agradeço muito ao senhor pela interessante entrevista.
fundação”. Perguntei: “Você sabe a posição das células?” Ele respondeu que Muito obrigado.
não. Perguntei: “Como é que você mede a pressão intersticial?” Ele disse: “Ah,
eu vou com um tubo graduado e um cronômetro”. Ou seja: não mediam nada.
É uma coisa impressionante. Aquela barragem era, na época, uma
das mais importantes do Brasil.
OV – Mas Peixoto foi feito há 60 anos...

511
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Anexo 2
Depoimentos de Antônio Dias Leite Júnior e
José Gelazio da Rocha nos 35 Anos de Itaipu

Figura 1 - José Gelazio da Rocha,


de 81 anos, e Antônio Dias Leite
Júnior, de 89 anos: histórias vivas
da usina

Em março de 2011 dois protagonistas de capítulos diferentes e mar- Tratado de Itaipu, em 1973. Questionado sobre a lembrança mais marcan-
cantes na história da Itaipu: Antônio Dias Leite Júnior, de 89 anos, e te daquela época, ele responde sem titubear. “Foi o alívio de conseguir, depois
José Gelazio da Rocha, de 81 anos, estiveram novamente em Itaipu de anos de debates, chegar a algo que às vezes parecia impossível: o tratado”.
acompanhando o Conselho Superior do Sistema Eletrobras (Consise)
quando foram homenageados pelo diretor-geral brasileiro Jorge Segundo o ex-ministro, aos poucos as dificuldades de entendimento entre
Samek e plantaram mudas de árvore no bosque dos visitantes. Brasil e Paraguai foram sendo superadas. “O problema maior foi a Argen-
tina, que na época se colocou em uma posição radical, de impedimento à construção
Algumas testemunhas da “batalha” diplomática das negociações que resulta- de Itaipu”, recorda. Os argentinos temiam que a usina prejudicasse seus
ram no Tratado de Itaipu dizem que o engenheiro Antônio Dias Leite Júnior, interesses sobre as águas do rio Paraná, o que só foi resolvido com a assi-
professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), foi natura do Acordo Tripartite, em 1979, quando Antônio Dias Leite Júnior
fundamental para convencer o Congresso Nacional da importância do já havia deixado o ministério.
acordo. Ele humildemente nega: “Isso aí já é um certo exagero”, diz sorrindo.
Mas ele não desmente o fato de ter sido, enquanto ocupava o cargo de Com o desafio, no começo de 1974, de coordenar um projeto de mon-
ministro de Minas e Energia de 1969 a 1974, ferrenho defensor da constru- tagens eletromecânicas sem paralelo, o engenheiro mecânico e eletricista
ção da maior hidroelétrica do planeta, exatamente no período mais agudo José Gelazio da Rocha recebeu o convite do primeiro diretor técnico da
e intenso das negociações que culminaram na redação e assinatura do Itaipu, John Cotrim, para assumir a superintendência de engenharia da

512
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Figura 2 - Ao lado do
diretor-geral brasileiro, Jorge Figura 3 - José Gelazio da
Samek, Antônio Dias Leite Rocha também deixa a sua
Júnior deixa a sua marca no pitomba no Parque Tecnológico
Parque Tecnológico de Itaipu de Itaipu PTI e posa para foto
PTI: um pé de pitomba com Jorge Samek

gigantesca hidroelétrica que seria construída. Durante cinco anos, até sair “O que preocupava mais era a dimensão das máquinas”, revela. “Eram números
para assumir a direção de planejamento da Eletrobras, Gelazio da Rocha avassaladores, com os quais ninguém havia lidado antes, mas, felizmente, tudo foi
esteve à frente do projeto das máquinas que notabilizariam a Binacional. bem pensado e equacionado”, afirma.

A elaboração desse projeto ficou a cargo de cinco empresas brasileiras Hoje, ao ver os sucessivos recordes mundiais de produção de energia
consorciadas com outras paraguaias, subordinadas a um consórcio cons- elétrica de Itaipu, ele não esconde a satisfação e parabeniza as equipes
tituído por uma consultora norte-americana e outra italiana. “Estava em que conduzem a usina atualmente. “Isso é fruto de uma administração que
uma posição que me dava o panorama de tudo, de modo que, para mim, essa foi a está se renovando cada vez melhor”, diz. “O fator de capacidade das máquinas
mais marcante experiência pessoal e profissional”, recorda. José Gelazio da Ro- conseguido ano passado pela Itaipu é fantástico, único no mundo, e fico feliz por ter,
cha sabia como poucos o projeto das unidades geradoras que viriam. de alguma forma, colaborado para que isso um dia pudesse estar acontecendo”.

Estes depoimentos foram editados a partir da matéria publicada por Itaipu Binacional e gentilmente cedida.

513
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Anexo 3 - Diretorias do CBDB


Eleita em 25 de outubro de 1961 Eleita em 17 de dezembro de 1976
Presidente Antônio Alves de Noronha Presidente Delphim Mazon Fernandes
Secretário Lucio Washington Vice-Presidente Epaminondas M. Amaral Filho
Vice-Presidente Carlos Alberto de Pádua Amarante
Eleita em 24 de janeiro de 1962 Secretário Flavio Miguez de Mello
Presidente Flavio H. Lyra 1º Tesoureiro José Pougy
Vice-Presidente Francisco Saturnino de Brito Filho 2º Tesoureiro Evelyna B. Souto Silveira
Vice-Presidente Félix E. H. Von Ranke
Eleita em 27 de janeiro de 1980
Secretário Sydney Gomes dos Santos (1)
Presidente Carlos Alberto de Pádua Amarante
1º Tesoureiro Odair Grillo
Vice-Presidente Epaminondas M. Amaral Filho
2º Tesoureiro João Camillo Penna (2) Vice-Presidente Evelyna B. Souto Silveira
(1) Renunciou; substituído em 25/03/63 por Delphim Mazon Fernandes Secretário Flavio Miguez de Mello
(2) Renunciou; substituído em 31/10/63 por Antonio Carlos Amaral Bastos 1º Tesoureiro João Alberto Bandeira de Mello
2º Tesoureiro Antonio Carlos Tatit Holtz
Eleita em 17 de março de 1965
Presidente Flavio H. Lyra Eleita em 19 de maio de 1983
Vice-Presidente Félix E. H. Von Ranke Presidente Carlos Alberto de Pádua Amarante
Vice-Presidente Antônio José da Costa Nunes Vice-Presidente Epaminondas M. Amaral Filho
Secretário Delphim Mazon Fernandes Vice-Presidente Antonio Carlos Tatit Holtz
1º Tesoureiro Antônio Carlos Amaral Bastos Secretário Flavio Miguez de Mello
2º Tesoureiro José Pougy 1º Tesoureiro João Alberto Bandeira de Mello
2º Tesoureiro Ferdinand M. G. Budweg
Eleita em 27 de novembro de 1970
Presidente Flavio H. Lyra Eleita em 29 de abril de 1986
Presidente Epaminondas M. Amaral Filho
Vice-Presidente Antônio José da Costa Nunes
Vice-Presidente Antonio Carlos Tatit Holtz
Vice-Presidente Francisco de Assis Basílio
Vice-Presidente Ferdinand M. G. Budweg
Secretário Delphim Mazon Fernandes
Secretário Flavio Miguez de Mello
1º Tesoureiro Antônio Carlos Amaral Bastos 1º Tesoureiro João Alberto Bandeira de Mello
2º Tesoureiro José Pougy 2º Tesoureiro Miguel Khair Filho

Eleita em 21 de novembro de 1973 Eleita em 02 de maio de 1989


Presidente Flavio H. Lyra Presidente Flavio Miguez de Mello
Vice-Presidente Antônio José da Costa Nunes Vice-Presidente Cássio Baumgratz Viotti
Vice-Presidente Francisco de Assis Basílio Vice-Presidente João Alberto Bandeira de Mello
Secretário Delphim Mazon Fernandes Secretário Miguel Khair Filho
1º Tesoureiro José Pougy 1º Tesoureiro Luiz Felipe Pierre
2º Tesoureiro Carlos Alberto de Pádua Amarante 2º Tesoureiro Agnaldo Ricoy de Oliveira

514
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Eleita em 11 de maio de 1992 Eleita em 26 de abril de 2005


Presidente Flavio Miguez de Mello Presidente Edilberto Maurer
Vice-Presidente Cássio Baumgratz Viotti Vice-Presidente Gilberto Valente Canali
Vice-Presidente Fábio de Genaro Castro Diretor Técnico Erton Carvalho
Secretário Luiz Felipe Pierre Diretor de Comunicações Marcos Luiz Vasconcellos
1º Tesoureiro Joaquim Pimenta de Ávila Diretor Secretário Paulo Coreixas Junior
2º Tesoureiro Agnaldo Ricoy de Oliveira   
Eleita em 13 de maio de 2008
Eleita em 16 de maio de 1995
Presidente Edilberto Maurer
Presidente Flavio Miguez de Mello
Vice-Presidente Erton Carvalho
Vice-Presidente Cássio Baumgratz Viotti
Diretor Técnico Brasil Pinheiro Machado
Diretor de Comunicação Edilberto Maurer
Diretor de Comunicações Marcos Luiz Vasconcellos
Dir. Administr. e Financ. Erton Carvalho
Diretor Técnico Ferdinand M. G. Budweg Diretor Secretário Paulo Coreixas Junior
Diretor Adjunto Cássio Baumgratz Viotti
Eleita em 09 de abril de 1996 Diretor Adjunto Armando José da Silva Neto
Presidente Cássio Baumgratz Viotti
Vice-Presidente Edilberto Maurer Eleita em 04 de novembro de 2009
Diretor de Comunicação Ferdinand M. G. Budweg Presidente Erton Carvalho
Dir. Administr. e Financ. Erton Carvalho Vice-Presidente Fabio De Gennaro Castro
Diretor Técnico João Francisco Alves Silveira Diretor Técnico Brasil Pinheiro Machado
Diretor de Comunicações Marcos Luiz Vasconcellos
Eleita em 08 de abril de 1999 Diretor Secretário Paulo Coreixas Junior
Presidente Cássio Baumgratz Viotti Diretor Adjunto Armando José da Silva Neto
Vice-Presidente Edilberto Maurer
Diretor Secretário Paulo Coreixas Junior
DIRETORIA ATUAL
Diretor de Comunicações Erton Carvalho
Eleita em 20 de maio de 2011
Diretor Técnico Gilberto Valente Canali
Presidente Erton Carvalho
Vice-Presidente Fabio De Gennaro Castro
Eleita em 16 de julho de 2003
Diretor Secretário Paulo Coreixas Junior
Presidente Edilberto Maurer
Vice-Presidente Gilberto Valente Canali Diretor de Comunicações Miguel Augusto Z. Sória
Diretor Secretário Paulo Coreixas Junior Diretor Técnico Brasil Pinheiro Machado
Diretor de Comunicações Marcos Luiz Vasconcellos Diretor Adjunto Marcos Luiz Vasconcellos
Diretor Técnico Erton Carvalho Diretor Adjunto Ademar Sérgio Fiorini

515
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Anexo 4 - Seminários Nacionais de Grandes Barragens

I SEMINÁRIO - Rio de Janeiro (julho, 1962) VI SEMINÁRIO - Rio de Janeiro (novembro, 1970)
Tema I – Métodos de Investigação de Fundações de Barragens Tema I – Fissuras e Outros Defeitos em Barragens de Concreto e em Es-
Tema II - Disponibilidade, no Brasil, de Organizações e Equipamentos para a truturas Auxiliares
Construção de Grandes Barragens Tema II – Fissuras em Barragens de Terra e em Núcleos de Barragens de
Tema III – Disponibilidade, no Brasil, de Laboratórios para Ensaios e Ex- Enrocamento
periências Ligados a Projeto e Construção de Barragens Tema III – Previsão e Controle de Reservatórios e Equipamentos Necessários
à sua Caracterização
II SEMINÁRIO - São Paulo (junho, 1963) Tema IV – Construção de Barragens de Enrocamento - Progressos e Recentes
Tema I – Subpressão em Barragens na Técnica de Construção
Tema II – Concreto em Barragens - Tecnologia, Preparação e Colocação.
Tema III – Acidentes em Barragens VII SEMINÁRIO - Rio de Janeiro (novembro, 1971)
Tema I – Fundações de Barragens - Ensaios “In Situ”
III SEMINÁRIO - São Paulo (outubro, 1964) Tema II – Fator de Segurança em Barragens
Tema I – Mecânica das Rochas Aplicada a Fundação de Barragens Tema III – Diretrizes para Projeto e Execução de Barragens de Terra e de
Tema II – Compactação de Barragens de Enrocamento e de Terra – Controle Enrocamento.
dos Resultados Tema IV – Diretrizes para Projeto e Execução de Barragens de Concreto.
Tema III – Barragens de Abóbodas Múltiplas em Concreto – Evolução do
Conceito e Método de Cálculo VIII SEMINÁRIO - São Paulo (novembro, 1972)
Tema I – Práticas Recomendadas em Fundações de Barragens – Ensaios,
IV SEMINÁRIO – Rio de Janeiro (abril, 1965) Projetos e Execução de Tratamentos.
Tema I – Uso de Concreto Protendido em Barragens e Estruturas Auxiliares Tema II - Ecologia – Conseqüências ao Meio Ambiente Devido à Construção
Tema II – Observação de Deformações em Barragens de Barragens
Tema III – Projeto e Observação de Estruturas de Sangramento e de Desvio Tema III – Diretrizes para Projeto e Construção de Barragens de Terra e de
Durante a Construção, Inclusive Ensaios em Modelo Reduzido Enrocamento
Tema IV – Diretrizes para Projeto e Construção de Barragens de Concreto
V SEMINÁRIO - Rio de Janeiro (abril, 1968)
Tema I - Técnica e Controle de Concretagem em Barragens. IX SEMINÁRIO - Rio de Janeiro (novembro, 1973)
Tema II - Estanqueidade e Estabilidade de Ombreiras de Barragens e Margens Tema I – Recomendações para Investigações Preliminares para Escolha de
de Reservatórios Local de Barragem
Tema III - Deformações de Fundações de Barragens de Terra e suas Tema II – Progresso nas Recomendações para Projeto e Construção de
Conseqüências Barragens de Terra, de Enrocamento e de Concreto e de suas Fundações

516
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Tema III – Dispositivos de Proteção e Impermeabilização de Taludes de XIV SEMINÁRIO - Recife (agosto, 1981)
Barragens de Terra e de Enrocamento Tema I – Detalhes Especiais em Projetos Geotécnicos e em Construção de
Tema IV – Novas Idéias para Construção mais Rápida e Econômica de Barragens Barragens
Tema II – Fundações Permeáveis
X SEMINÁRIO - Curitiba (abril, 1975) Tema III – Desenvolvimento de Novos Métodos Construtivos e Equipamentos
Tema I – Planejamento e Estudos Preliminares para Implantação de Barragens de Construção para Barragens de Concreto
Tema II – Efeitos do Meio Ambiente sobre Barragens e Reservatórios Tema IV – Barragens e Reservatórios para Finalidades Múltiplas
Tema III – Instrumentação em Fundações de Barragens
Tema IV – Técnicas Atualizadas Empregadas na Construção e no Controle de XV SEMINÁRIO - Rio de Janeiro (novembro, 1983)
Barragens de Concreto Tema I – Planejamento de Recursos Hídricos em Regiões Tropicais
Tema II – Efeitos ao Meio Ambiente Decorrentes da Construção de Barragens
XI SEMINÁRIO - Fortaleza (agosto, 1976) em Regiões Tropicais
Tema I – Deformações Lentas em Barragens de Concreto e em suas Fundações Tema III – Segurança de Estruturas de Concreto em Barragens
em Rocha – Influência dos Diversos Fatores Tema IV – Materiais e Métodos Não Convencionais em Barragens de Terra
Tema II – Modelos de Barragens e Estruturas Anexas – Modelos Hidráulicos, e de Enrocamento
Modelos de Estrutura de Concreto e Modelos de Maciço de Terra e de Enro-
camento – Modelos Físicos e Matemáticos XVI SEMINÁRIO - Belo Horizonte (novembro, 1985)
Tema III – Observações de Desempenho e Recuperação de Barragens, de Tema I – Concreto Rolado
Estruturas Correlatas e de Reservatórios Tema II – Recuperação de Barragens e de Reservatórios
Tema IV – Atualização e Comentários dos Trabalhos Apresentados e Dis- Tema III – Segurança Durante a Construção
cussões Mantidas em Seminários Anteriores Tema IV – Deformabilidade de Maciços de Terra e/ou Enrocamento

XII SEMINÁRIO - São Paulo (abril, 1978) XVII SEMINÁRIO - Brasília (agosto, 1987)
Tema I – Fissuração em Concreto de Barragens - Processos para Evitar Fissura- Tema I – Subpressão em Estruturas de Concreto
mentos, Efeitos Térmicos, Fissuras Superficiais e Profundas, Influência de Retra- Tema II – Benefícios de Barragens e Reservatórios
tação Hidráulica no Fissuramento de Concreto Massa Tema III – Riscos e Custos de Construção
Tema II – Fundações de Barragens em Terrenos Compressíveis e/ou de Tema IV – Concepções Não Convencionais em Projetos e em Construção de
Baixa Resistência: Alternativas de Soluções Barragens e Ensecadeiras
Tema III – Segurança de Barragens: Critérios e Avaliação de Segurança; Conse-
qüências de Colapsos e Meios de Prever e/ou Minimizar os Efeitos Negativos XVIII SEMINÁRIO - Foz do Iguaçu (abril, 1989)
Tema IV – Planejamento, Projeto e Execução de Controle de Grandes Rios Tema I – Barragens de Concreto Compactado com Rolo – Novos Materiais:
Durante a Construção. Microssílica, Escória e Outros – Aspectos de Projetos e de Construção
Tema II - Elementos de Vedação Diferentes de Núcleos Argilosos em Barragens
XIII SEMINÁRIO - Rio de Janeiro (abril, 1980) de Terra ou de Enrocamento
Tema I – Desempenho de Vertedouros Tema III - Benefícios Ambientais Gerados pela Implantação de Barragens
Tema II – Críticas de Critérios de Escolha de Tipos de Barragens e seus Custos
Tema III – Barragens de Terra pouco Convencionais e Obras de Terra Provisórias Tema IV - Concepção de Projetos de Barragens - Condicionantes para Seleção
Tema IV – Interfaces em Barragens de Alternativas

517
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

XIX SEMINÁRIO - Aracaju (março, 1991) Tema III – Meio Ambiente


Tema I – Desempenho Não Previsto em Projeto de Barragens e de Enseca- Tema IV - Projeto e Construção
deiras de Terra e de Enrocamento – Acidentes e Incidentes
Tema II – Reabilitação de Barragens e de Reservatórios – Aspectos de Projeto XXIV SEMINÁRIO - Fortaleza (novembro, 2001)
e de Construção: Deterioração, Revisão de Critérios de Segurança, Revisão Tema I – Aspectos Institucionais
de Critérios de Operação, Melhorias de Performance, Erosão a Jusante de Tema II – Meio Ambiente
Estruturas Hidráulicas Tema III – Projeto e Construção
Tema III – Planejamento de Empreendimentos: Custos de Projeto, de Tema IV – Desempenho, Segurança, Recuperação e Modernização
Construção e de Supervisão; Otimização de Projeto e de Métodos Cons-
trutivos Visando Economicidade de Recursos e de Tempo; Otimização de XXV SEMINÁRIO - Salvador (outubro, 2003)
Seqüência Construtiva Tema 91 - Estudos e Projetos
Tema IV – Impactos Ambientas - Realidade Comparada com Previsões de Projeto Tema 92 - Construção e Auscultação de Barragens
Tema 93 - Assuntos Institucionais
XX SEMINÁRIO - Curitiba (novembro, 1992) Tema 94 – Qualificação, Quantificação e Valoração dos Efeitos das Barragens
Tema I – Planejamento, Controle e Avaliação de Empreendimentos sobre o Meio Ambiente
Tema II – Barragens e o Meio Ambiente
Tema III - Vertedores em Operação XXVI SEMINÁRIO - Goiânia (abril, 2005)
Tema IIV – Projeto e Construção de Barragens Tema 95 - Segurança de Barragens
Tema 96 - Concreto nas Obras de Barragens
XXI SEMINÁRIO - Rio de Janeiro (dezembro, 1994) Tema 97 - Inovações Tecnológicas e Pesquisas no Projeto e na Construção
Tema I – Soluções Recentes para Economia em Projeto e em Construção de de Barragens
Barragens de Terra e de Enrocamento Tema 98 - O Papel das Barragens no Desenvolvimento das Bacias Hidrográficas
Tema II – Soluções Recentes para Economia em Projeto e em Construção de
Estruturas de Concreto e em suas Fundações XXVII SEMINÁRIO - Belém (setembro, 2007)
Tema III – Reabilitação de Barragens e de suas Estruturas Hidráulicas Tema 99 - A Questão Ambiental nos Estudos, Projetos e Construção
Tema IV – Construção de Barragens e o Meio Ambiente de Barragens
Tema 100 – Estudos, Projetos e Construção de Barragens
XXII SEMINÁRIO - São Paulo (abril, 1997) Tema 101 – Segurança de Barragens - Legislação e Desempenho
Tema I – Participação da Iniciativa Privada na Implantação e na Operação de Tema 102 – Planejamento e Gestão de Empreendimentos
Barragens
Tema II - Reservatórios e o Meio Ambiente XXVIII SEMINÁRIO - Rio de Janeiro (outubro, 2011)
Tema III – Lições Aprendidas com Acidentes e Incidentes em Barragens Tema 103 – Reabilitação, reforma e melhoria de Barragens Existentes
Tema IV – Modificações de Conceitos e Critérios em Projetos e em Cons- Tema 104 – Segurança e Controle de Ricos na Realização e na Operação
trução Visando Economicidade de Barragens
Tema 105 – Formas de Contratação de Serviços de Engenharia e de Construção de
XXIII SEMINÁRIO - Belo Horizonte (março, 1999) Barragens e de Obras Hidráulicas – Análises Críticas Visando Qualidade e Segurança
Tema I – Aspectos Institucionais - Privatização Tema 106 – Soluções Técnicas Compatíveis com a Proteção e Melhoria do
Tema II – Segurança de Barragens, Auscultação, Desempenho e Reparação Meio Ambiente

518
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

Anexo 5 - Simpósios sobre Pequenas e Médias Centrais Hidroelétricas

I Simpósio Brasileiro sobre Pequenas e Médias Centrais V Simpósio Brasileiro sobre Pequenas e Médias Centrais
Hidrelétricas Hidrelétricas
Poços de Caldas em agosto/1998 Florianópolis - SC em abril/2006
Tema I: Aspectos políticos-institucionais, econômicos e ambientais Tema 17 – Segurança de barragens
Tema II: Equipamentos eletromecânicos e aspectos operacionais Tema 18 – Aspectos ambientais e institucionais
Tema III: Projeto e construção Tema 19 – Equipamentos eletromecânicos. Recapacitação e mercado
Tema IV: Recapacitação de usinas de energia
Tema 20 – PCH – história, estudos, projetos, construção e aspectos
II Simpósio Brasileiro sobre Pequenas e Médias Centrais econômico-financeiros
Hidrelétricas
Canela em abril/2000 VI Simpósio Brasileiro sobre Pequenas e Médias Centrais
Tema I - Projetos e estudos Hidrelétricas
Tema II - Assuntos institucionais Belo Horizonte - MG em abril/2008
Tema III - Equipamentos eletromecânicos - projeto, construção, operação Tema 21 – Aspectos políticos, legais, institucionais, planejamento e
e manutenção gestão.
Tema IV - Meio ambiente Tema 23 – Projeto, construção e montagem
Tema 24 – Auscultação, manutenção e segurança de barragens
III Simpósio Brasileiro sobre Pequenas e Médias Centrais Tema 25 – Operação, recapacitação e descomissionamento.
Hidrelétricas
Foz do Iguaçu - PR em abril/2002 VII Simpósio Brasileiro sobre Pequenas e Médias Centrais
Tema I - Meio ambiente Hidrelétricas
Tema II - Projeto e construção São Paulo - SP em maio/2010
Tema III - Assuntos institucionais Tema I – Inovações e qualidades técnicas dos empreendimentos de
pequenas e médias centrais hidrelétricas
IV Simpósio Brasileiro sobre Pequenas e Médias Centrais Tema II – Regimes contratuais e forma de contratação de obras de
Hidrelétricas pequenas e médias centrais hidrelétricas
Porto de Galinhas - PE em setembro/2004 Tema III – Segurança e desempenho de obras de pequenas e médias
Tema 13 - Planejamento centrais hidrelétricas
Tema 14 – Projeto e construção Tema IV – Marco legal e licenciamento ambiental de pequenas e médias
Tema 15 – Equipamentos eletromecânicos centrais hidrelétricas
Tema 16 – Auscultação das obras e recapacitação de usinas

519
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Anexo 6 - Congressos Internacionais e


Reuniões Anuais e Executivas

1a Londres (R.U.) junho de 1931 21a Paris (França) setembro de 1954

2a Paris (França) julho de 1932 22a Paris (França) maio de 1955 - 5° Congresso

3a Estocolmo (Suécia) junho de 1933 23a Lisboa (Portugal) junho de 1956

4a Trolhattam (Suécia) julho de 1933 - 1° Congresso 24a Istambul (Turquia) setembro de 1957

5a Londres (R.U.) outubro de 1934 25a Nova Iorque (EUA) setembro de 1958 - 6° Congresso

6a Haia (Holanda) junho de 1935 26a Helsinki (Finlândia) junho de 1959

7a Washington (EUA) setembro de 1936 - 2° Congresso 27a Tóquio (Japão) outubro de 1960

8a Washington (EUA) setembro de 1936 28a Roma (Itália) junho de 1961 - 7° Congresso

9a Paris (França) junho de 1937 29a Moscou (Rússia) junho de 1962

10a Viena (Áustria) agosto de 1938 30a Cairo (Egito) fevereiro de 1963

lla Zurique (Suíça) julho de 1939 31a Paris (França) setembro - 1° de outubro de 1963

12a Paris (França) abril de 1946 32a Edinburgo (R.U.) maio de 1964 - 8° Congresso

13a Paris (França) outubro de 1946 33a Lausanne (Suíça) setembro de 1965

14a Haia (Holanda) setembro de 1947 34a Rio de Janeiro (Brasil) junho de 1966

15a Estocolmo (Suécia) junho de 1948 - 3° Congresso 35a Istambul (Turquia) setembro de 1967 - 9° Congresso

16a Bruxelas (Bélgica) junho de 1949 36a Stavanger (Noruega) junho de 1968

17a Londres (R.U.) outubro de 1950 37a Varsovia (Polônia) setembro de 1969

18a Nova Delhi (Índia) janeiro de 1951 - 4° Congresso 38a Montreal (Canadá) maio de 1970 - 10° Congresso

19a Chicago (EUA) setembro de 1952 39a Dubrovnik (Iugoslavia) outubro de 1971

20a Paris (França) setembro de -1953 40a Camberra (Austrália) abril de 1972

520
Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens

41a Madri (Espanha) junho de 1973 - 11° Congresso 60a Granada (Espanha) setembro de 1992

42a Atenas (Grecia) maio de 1974 61a Cairo (Egito) novembro 1993

43a Teera (Irã) outubro de 1975 62a Durban (África do Sul) novembro 1994 - 18° Congresso

44a Cidade do México (México) março 1976 - 12° Congresso 63a Oslo (Noruega) julho de 1995

45a Salzburgo (Áustria) setembro de 1977 64a Santiago (Chile) outubro de 1996
65a Florença (Itália) maio de 1997 - 19° Congresso
46a Cidade do Cabo (África do Sul) outubro de 1978
66a Nova Delhi (Índia) novembro de 1998
47a Nova Delhi (Índia) outubro de 1979 - 13° Congresso
67a Antalya (Turquia) setembro de 1999
48
a
Roma (Itália) outubro de 1980
68a Pequim (China) novembro de 2000 - 20° Congresso
49
a
Estocolmo (Suécia) maio de 1981
69a Desdren (Alemanha) setembro de 2001
50
a
Rio de Janeiro (Brasil) abril de 1982 - 14° Congresso
70a Foz do Iguaçu (Brasil) setembro de 2002
51
a
Londres (R.U.) setembro de 1983
71a Montreal (Canadá) junho de 2003 - 21° Congresso
52
a
Tóquio (Japão) maio/junho de 1984
72a Seul (Coréia) maio de 2004
53
a
Lausanne (Suíça) junho de 1985 - 15° Congresso
73a Teerã (Irã) maio de 2005
54a
Jacarta (Indonésia) junho - 1° de julho de 1986 74a Barcelona (Espanha) junho de 2006 - 22° Congresso
55a Pequim (China) maio de 1987 75a São Petersburgo (Rússia) junho de 2007
56a San Francisco (EUA) junho 1988 - 16° Congresso 76a Sófia (Bulgária) junho de 2008
57a Copenhagen (Dinamarca) junho de 1989 77a Brasília (Brasil) maio 2009 - 23° Congresso

58a Sydney (Austrália) maio de 1990 78a Hanói (Vietnã) maio de 2010

59a Viena (Áustria) junho de 1991 - 17° Congresso 79ª Lucerne (Suíça) junho de 2011

521
A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI

Anexo 7 - Sócios Mantenedores e Sócios Coletivos

Sócios mantenedores Sócios coletivos


ARCADIS TETRAPLAN S/A Eletrobras - Eletronorte Associação Brasileira de Cimento
ATP Energia Ltda Eletrobras - Furnas Portland - ABCP
Carpi Brasil
Agência Nacional de Energia Elétrica - Empresa Metropolitana de
COBA Consultores Para Obras,
ANEEL Águas e Energia S/A Barragens e Planejamento
BERROCAL & Associados Enerconsult S/A Construtora LJA Ltda
BRASILOS S/A Construções Engevix Engenharia S.A. CPFL Geração de Energia S/A
BROOKFIELD Energia Renovável S/A Grupo CEEE Departamento de Águas e Energia
Elétrica - DAEE
C.R. ALMEIDA S/A Engenharia de Obras Intertechne Consultores S/A
ECSA Engenharia Socioambiental S/A
CEMIG Geração e Transmissão S/A Itaipu Binacional
EGESA - Engenharia S/A
Companhia Energética de São Paulo - CESP JEENE Juntas e Impermeabilizações Ltda EIT - Empresa Industrial Técnica S/A
CNEC WorleyParsons Engenharia S/A Light Energia ENGESOLO Engenharia Ltda
Construtora Andrade Gutierrez S/A Mendes Junior Trading e Engenharia S.A. INJECIA Comércio e Serviços Ltda
Instituto de Gestão das Águas e
Construtora e Comércio Camargo Correa S/A Norte Energia S/A
Clima - INGA
Construtora Norberto Odebrecht S/A SPEC Planejamento, Engenharia e
LARROSA & SANTOS
Construtora Triunfo Ltda. Consultoria Ltda Consultores Associados S/C Ltda
COPEL Geração e Transmissão S/A TECBARRAGEM Construções e LEME Engenharia S/A
Departamento Nacional de Obras Comércio Ltda LOGOS Engenharia S/A
RDR Consultores Associados Ltda.
Contra as Secas - DNOCS TECHDAM Tecnologia para Barragens Ltda
SONDOTECNICA Engenharia
DESCON Construtora Ltda THEMAG Engenharia e
de Solos S/A
Eletrobras Gerenciamento S/C Ltda VORTEX HYDRA do Brasil
Eletrobras - Chesf Votorantim Energia Ltda Sistemas Industriais

522
Agradecimentos
8

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