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Portugal Sobrenatural Deuses Demonios Se PDF
Portugal Sobrenatural Deuses Demonios Se PDF
Manuel Rodrigues †
Maria da Luz † e Luís Capela †
Domingos Conceição †
João Cruz
José Carlos Tiago de Oliveira
P. Manuel Antunes †
Carlos Silva
Margarida Vasconcelos
Agostinho da Silva †
Juan G. Atienza
Alberto Castro Ferreira
Maria Beatriz Serpa Branco †
António Barahona
Dalila Pereira da Costa
Rafael Monteiro †
Vera Leroi †
João Roque †
Lucília Barata
Lídia Rita
Georges Gusdorf †
José Alexandre Pelágio
Maria Santos Pancadares (Mami) †
José Carlos Barros
Célia Costa
Estêvão Miranda
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PREFÁCIO
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Tenho por verdadeiramente arbitrárias as razões pelas quais é recusada a certos mitos e
tradições a legitimidade consentida a outros. No que me concerne, não admito, por uma
questão de método, lançar, a priori, o anátema sobre determinados factos de cultura, somente
porque não encaixam nos parâmetros convencionados. Tais inibições, de conveniência, repu-
to-as de atentatórias da «gravidade da Ciência», que, ou é do universal, ou não será Ciência
de todo!
Ao leitor compete aquilatar do sucesso ou insucesso deste intento, sustentado numa ine-
quívoca profissão de fé nas vantagens do carácter independente do projecto (não foi objecto
de qualquer subsídio, bolsa ou apoio institucional), sem embargo da sua envergadura: três vo-
lumes, destinados aos verbetes de A a Z do Portugal Sobrenatural e um quarto volume, inti-
tulado Dicionário Histórico-Filosófico da Astrologia em Portugal, exclusivamente dedicado ao
inventário sistemático, registo exaustivo e esclarecimento minucioso de todos os tópicos mais
relevantes desta disciplina tradicional. No futuro, a conjugação destes com os volumes que
hão-de constituir o Dicionário do Milénio Lusíada, garantirá o acesso a informação não com-
prometida sobre todas as mais relevantes facetas da cultura portuguesa.
Portugal Sobrenatural reporta um manancial de matérias e tópicos obtidos a partir de dis-
ciplinas dispares e, por vezes, aparentemente contraditórias e inconciliáveis, para corresponder
aos objectivos que lhe subjazem, desde a primeira hora. O plano gizado compreende verbetes
subordinados aos seguintes complexos temáticos:
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ABREVIATURAS
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A
A tório português, em: Chã de Parada 1 (São João
Primeira letra do alfabeto, denominada «porta de Ovil, Baião), onde é figurada quatro vezes,
das matemáticas», porque nela se figura, escre- achando-se a representação mais evidente (rea-
ve Bluteau, «a esquadria, instrumento cujo uso vivada?) no topo central do ortóstato da cabe-
encerra em si, como em compêndio, quase to- ceira; Chã de Arcas 5 (Baião), descoberta por
dos os Elementos Geométricos, toda a propor- Margarida Moreira, na parte superior do tercei-
ção dos triângulos, todas as medidas da quan- ro esteio do lado esquerdo da câmara, assumin-
tidade contínua e toda a praxis dos sinos, secan- do-se como uma espécie de coluna junto à laje
tes e tangentes». Por ser desenhada com três ris- da cabeceira; Chão do Brinco 1 (Cinfães), inse-
cos significa a trindade, una na essência, trina rida numa notável composição da laje da cabe-
nas pessoas. Em *guematria equivale ao valor ceira, estudada por Eduardo Jorge L. da Silva.
500. Para *Raimundo Lúlio (Theorica, cap. 2) Vítor Oliveira Jorge interroga-se se A Coisa não
representa a matéria da *Pedra Filosofal ou tam- terá tido função simbólica equivalente à do *an-
bém do Caos, confuso princípio da alquimia, a tropomorfo conhecido por «pele esticada de
qual para aqueles «que a não sabem é ciência animal» (por mim interpretada como figuração
muito embaraçada e escura» (Rafael Bluteau). do *voo do xamã) que ocorre sobretudo a Sul
*Alfa-ómega, *alfabeto. do Douro. A tradução para Objecto, adoptada
por Raquel Vilaça, parecia tendenciosa, mesmo
BIBLIOGRAFIA PURIFICAÇÃO, Frei Rafael da, Letras antes de ter sido avançada a interpretação revo-
Symbolicas e Sibyllinas – obra de Recreaçam, e Utilidade, chea lucionária de Serge Cassen e Jacobo Vaquero
de erudição sagrada e profana, de noticias antigas e modernas;
com documentos Históricos, políticos, moraes, e ascéticos para os
Lastres, para quem o motivo figurará um cacha-
estudiosos, e amigos tanto das letras Divinas, como das letras lote, a mesma interpretação sendo legítima para
humanas, Lisboa, Francisco da Silva, 1747, cap. I, II, III e IV o durante muito tempo denominado arado do
Morbihan (Bretanha francesa), correspondendo
A-BRANCA ambos a «dois tipos de representação da mesma
Invocação mariana bracarense, correlata de cena [cerca do quinto milénio a. C.], em dois
Nossa Senhora das Neves, por seu turno, deri- pontos da costa ocidental europeia». De resto,
vada da de Santa Maria Maior, do Monte Es- só a prática da pesca e a assídua frequência do
quilino, em Roma.
A COISA
Motivo enigmático, crucial na arte megalítica
do Noroeste peninsular, assim alcunhado (The
Thing), em 1981, por Shee Twohig. Além dos
dolmenes galegos de Dombate (figurações de A
Coisa nos ortóstatos 1, 3 e 5 da câmara), Espi-
naredo 10 e Casa dos Mouros (representada na
horizontal, no segundo esteio, do lado esquerdo Decalque de algumas das insculturas de A Coisa,
da câmara), apenas ocorre insculturada no terri- referenciadas na serra da Aboboreira.
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A-VER-O-MAR
litoral explica a presença de restos de distintas quanto se dedicava à apanha do sargaço, viu
espécies piscícolas, como de cetáceos, em esta- um cortejo de vultos brancos fazendo a roma-
ções arqueológicas (por exemplo, em Liceia, ria em torno do penedo da pegadinha; o de pai
Oeiras). *Serra da Aboboreira. e filho que observaram um cortejo de luzes
proveniente do mar com o mesmo intuito.
BIBLIOGRAFIA CASSEN, Serge / VAQUERO LASTRES, Ja- *Dinheiro de Caronte.
cobo, Cosas fabulosas, in Trabalhos de Arqueologia, v. 25
(2003), p. 449-508; JORGE, Vítor Oliveira, Questões de inter-
pretação da Arte megalítica, in Brigantium, v. 10 (1997), p. 47- BIBLIOGRAFIA ALMEIDA, Carlos Alberto Brochado de,
-65; JORGE, Vítor Oliveira, A propósito da Arte megalítica do Santo André de A-Ver-o-Mar, in Actas do Colóquio «Santos
NW peninsular, in Arkeos, n. 3 (1º Curso Intensivo de Arte Graça» de Etnografia Marítima – Aspectos Culturais e Aspectos
Pré-História Europeia – 1998), Tomar, 1999, p. 116-117; Religiosos, v. 4, Póvoa de Varzim, 1986, p. 203-211; BONI-
TWOHIG, E. Shee, The Megalithic Art of Western Europe, TO, Rebelo, Santo André das Almas, in Póvoa de Varzim, v.
Oxford, 1981 3, n. 1 (1964), p. 46-53; GRAÇA, A. Santos, A crença po-
veira nas «Almas Penadas», in Homenagem a Martins Sarmen-
to (1933), p. 361 e in Póvoa de Varzim, v. 3, n. 1 (1964), p.
A-VER-O-MAR 119; SARMENTO, Francisco Martins, Antiqua: tradições e
A ermida de Santo André, situada no areal de contos populares, Guimarães, 1998, p. 258; idem, Antiqua:
apontamentos de Arqueologia, Guimarães, 1999, p. 255, 262
Finisterra, entre as freguesias de Aguçadoura e
e 474-475, n. 839
de A-Ver-o-Mar (Póvoa de Varzim), é o destino
de uma romaria (a última do ano para os po-
veiros), cujos devotos, outrora, preferencial- AANI
mente pescadores e respectivas famílias, fazem *Adafina.
o percurso vestidos de luto e descalços, rezando
e implorando ao santo que interceda pelos seus AARÃO
defuntos, enquanto entoam uma canção inti- Patriarca de Israel (membro da tribo de Levi),
tulada Santo André das Almas. Após deposita- seu primeiro Sumo-sacerdote (Êxodo, XXVIII-
rem as oferendas e deambularem em torno da -XXIX) e uma das figuras mais proeminentes
capela, visitam o penedo do Santo ou do Quar- da Lei mosaica. Irmão mais velho de Moisés, a
to (a Norte do santuário), local onde se diz que quem acompanha com frequência, servindo-lhe
o discípulo de Jesus deitava os peixes que pes- de porta-voz perante o faraó (Êxodo, IV, 14-31
cava e se observam cerca de meia dúzia de po- e V, 1) e os israelitas durante o êxodo do Egip-
domorfos, os quais, segundo a tradição, são pe- to. Responsável pelas três pragas lançadas con-
gadas do apóstolo, aqui considerado propicia- tra os egípcios (Êxodo, VII-VIII) e outros pro-
dor de boa pescaria (sardinha e pescada), casa- dígios mágicos, mas igualmente pela criação do
menteiro (as raparigas atiram pedras para o te- Bezerro de Ouro (Êxodo, XXXII), sacrilégio san-
lhado da capela-mor da ermida ou para cima cionado com a interdição de entrar na Terra
das pegadas, no intuito de, no ano seguinte, Prometida (Números, XX, 7-13). A propósito
voltarem casadas) e protector (pescador e bar- de Êxodo, VII, 10-11, onde é descrita a conver-
queiro) das *almas do Purgatório, decerto re- são da vara em serpente por Aarão, o médico e
miniscência da tradição clássica, segundo a *alquimista coimbrão *Anselmo Caetano Gus-
qual as almas dos defuntos eram conduzidas mão Castelo Branco concede que os Magos
para as ilhas *Afortunadas, situadas no extremo chamados pelo faraó para competir com os he-
ocidente europeu. De resto, crença local (co- breus transformaram as suas varas em serpentes
mum às romagens galegas de *Santiago de por intermédio de segredos herméticos e pós de
Compostela e de Santo André de Teixido) asse- projecção de que eram detentores (Ennoea, p.
vera que «quem num biere cá em bida, de mor- 29-33) e não por dons concedidos por Deus.
to tem que bire» para lograr entrar no Céu. A. Ocorre nas cenas da *Colheita do Maná (Êxo-
Santos Graça regista dois relatos a este propósi- do, XVI, 33) de São João Baptista de Tomar e
to: o do sargaceiro Manuel da Salvada que, en- da Sé do Funchal, iconografado com longa
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ABADA
ABADA
*Rinoceronte fêmea em português e castelhano
antigos. Do árabe bádach, animal de grandes di-
mensões. Também conhecido por *monge das
Índias e *grã-besta. Os bengalis da Índia cha-
mavam-lhe gondda (cf. Frei Manuel da Assump-
ção, Vocabulário em Idioma Bengalla e Portu-
guez, Lisboa, 1743, fl. 126 e 307). Foi uma gra-
vura sobre madeira de Albrecht Dürer (segundo
desenho de António de Holanda, enviado para
Nuremberga talvez pelo impressor moravo Va-
lentim Fernandes), que familiarizou a Europa, a
partir de 1515 (teve oito edições), com o pri-
Aarão incensa a Arca da Aliança [MAS: inv. P 21], meiro rinoceronte chegado ao continente desde
tela proveniente da Colegiada de Nossa Senhora da Oli- o final do império romano. Oferecido a Dom
veira (Guimarães). Manuel por Jafar II, soberano do estado de Gu-
jarate, no norte da Índia, o paquiderme foi
barba (Salmo de Aarão). A vara florida (rever- desembarcado em Lisboa a 20 de Maio de
decida durante a noite) de Aarão, na qual «ti- 1515. Todos os autores, repetindo Plínio, atri-
nham germinado flores e amadurecido amên- buíam ao rinoceronte uma rivalidade relativa-
doas» (Números, XVII, 23), preludia a virgin- mente ao elefante. Um confronto promovido
dade de Maria e a *Ressurreição de Cristo, ten- em Lisboa entre os dois animais, a 3 de Junho
do-se constituído como protótipo dos báculos de 1515, junto do Paço da Ribeira (cf. Damião
episcopal e abacial. Pela mesma ordem de ra- de Góis, Crónica del rei D. Manuel), perante a
zões, a iconografia religiosa serve-se das formas corte, saldar-se-ia pela fuga do elefante (donde
amendoadas (mandorlas ou amêndoas místicas) a expressão levar grande abada). D. Manuel
para evidenciar a luz espiritual e como alusão à ofereceu o seu rinoceronte ao papa. Embarcado
vara do patriarca que floriu como *amendoeira. em Dezembro de 1515, seria apresentado, em
Outro dos atributos de Aarão é um turíbulo. Marselha, ao rei Francisco I, a 23 de Janeiro de
Vaz Velho, Rei de Armas de Portugal, advogan- 1516. Retomada a viagem para Itália, a nau
do a origem divina da heráldica, sublinha que onde seguia naufragou no golfo de Génova,
as doze cores usadas nos brasões são de origem perecendo afogado. Contudo o seu corpo deu à
bíblica (Êxodo, XXVIII, 4-38), tendo sido or- costa, tendo sido empalhado e remetido a Leão
denadas por Deus a Moisés para Aarão sob a X. Porém, o exótico animal possuía todos os in-
forma das doze pedras preciosas patentes no gredientes para maravilhar o público. E foi o
éfode (espécie de avental preso aos ombros com que aconteceu. Dürer fá-lo-ia ainda figurar na
suspensórios) do patriarca: «Os israelitas não ti- torre central do Arco do Triunfo, em honra de
nham mais do que estas divisas e sinais particu- Maximiliano I. Inúmeros autores divulgaram o
lares, além das diferentes cores que se distin- paquiderme nas suas obras científicas (Münster,
guiam pelas doze pedras do peitoral que Aarão, Gessner, Thevet, etc.) e literárias (Lourenço de
supremo sacerdote, trazia sobre o peito e em ca- Cáceres, Paolo Giovio e Giovanni Giacomo
da uma das quais estava gravado o nome da tri- Penni, entre outros), figurando em tapeçarias e
bo: sardónica, topázio, esmeralda, carbúnculo, até em empresas pessoais (Alexandre de Médi-
safira, jaspe, ligúrio, ágata, ametista, crisólita, cis), na pintura (2 fls. do Livro de Horas, dito de
cornalina e berilo». *Ágata, *amêndoa, *ametis- D. Manuel; Breviário da Condessa de Bertiandos;
ta, *Arca da Aliança, *báculo, *carbúnculo, *es- Atlas Miller; Genealogia do Infante D. Fernando,
meralda, *Messias, *safira, *topázio. etc.) e na arquitectura: como mísula de uma das
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ABADE
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ABADIA
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ABADON
ro de Santa Maria de Bouro. A devoção dos po- sentido da festividade, quiçá herdeiro de algum
vos do litoral, designadamente os de Esposende antigo culto da vegetação. Diz-se que de uma
e da Póvoa de Varzim, teve outrora grande ex- pegada da *burrinha de Nossa Senhora, deixa-
pressão (documentada nos ex-votos existentes da num penedo, saiu *água.
no museu organizado numa dependência ane-
xa), dirigindo-se ao santuário em *romaria para BIBLIOGRAFIA ALMEIDA, Carlos Alberto Ferreira de, Senhora
da Abadia, in Revista de Etnografia, v. 2, t. 2, n. 4 (Abr. 1964),
efectuar o pagamento dos dízimos, em *sal, no p. 303-308; CUNHA, Padre Arlindo Ribeiro da, Senhora da
dia da *Assunção. Nessa conformidade, é plau- Abadia: monografia histórico-descritiva, Barcelos, 1951
sível que as promessas pagas em sal, comuns até
há poucas décadas, tenham tido origem nas ABADON
prestações económicas devidas ao regime se- Do hebraico, abaddon, destruição (Job, XXVI,
nhorial, sendo depois transformadas em paga- 6; XXVIII, 22; XXXI, 12; Provérbios, XV, 11;
mento gratulatório à divindade tutelar do mos- XXVII, 20). Nome do *diabo, conforme o
teiro. Em finais do século XIX, esta romaria, Apocalipse (IX, 11): «[...] anjo do Abismo, cha-
paradigma das que se realizavam entre Douro e mado em hebreu Abadon e em grego Apolion,
Minho, ao ponto de se dizer «Quem não for à que segundo o latim quer dizer Exterminador».
Abadia não conhece romaria», começou a ser Também *anjo (ou estrela) que aprisiona *Satã
afectada, nunca mais retomando o seu esplen- durante mil anos (Apocalipse, XX). Por vezes, o
dor primitivo, pela concorrência da de *São termo é adoptado para designar o *Inferno (he-
Bento da Porta Aberta (Rio Caldo, Terras de braico: sheol).
Bouro, Braga). A tradição manda que os ro-
meiros rezem diante de Nossa Senhora da Aba- ABAFAÇÃO
dia (escultura gótica em calcário policromado Estrangulamento ou asfixia de um *cristão-no-
figurando a Virgem com o Menino no braço vo moribundo, acto concretizado por um *aba-
esquerdo e o pedúnculo remanescente de uma fador, *encalcador ou *massagista.
flor na mão direita), lhe ofereçam flores, re-
colham o suor da sua imagem em lenços que ABAFADOR
depois passam pelo próprio rosto e deitem uma Também *afogador (Covilhã e Penamacor),
esmola na caixa que ali se acha para o efeito. A *acabadeira (Castelo de Vide), *encalcador (La-
Confraria de Nossa Senhora da Abadia, ainda goaça, Bragança) e *massagista (Vilarinho dos
hoje activa, remonta ao século XV, tendo adop- Galegos, Bragança). Segundo a lenda, a função
tado o compromisso ainda em vigor no ano de de tais homens e mulheres consistiria em es-
1886. A inauguração, em 15 de Agosto de trangular, ou asfixiar com cobertores, os *crip-
1947, no cimo do monte de São Miguel, de to-judeus ou judeus quando declarados agoni-
uma estátua de grandes dimensões figurando o zantes ou moribundos, para que eles, com seus
*Sagrado Coração de Jesus, também designada gestos ou atitudes, não comprometessem à ho-
*Bom Jesus da Paz, a qual recebe as paróquias ra da morte os membros da família e demais
de Amares em peregrinação no último domin- parentes e correligionários. G. de Vasconcelos
go de Maio, mais terá contribuído para a deca- Abreu (Correio na Noite, 25 Out. 1886) explica
dência da devoção à Senhora da Abadia, da que, originalmente, a operação fora prática cá-
qual existem treze imagens na diocese de Braga. tara, com o objectivo de impedir que o mori-
No domingo de *Pascoela, realiza-se neste san- bundo cometesse pecado, após a imposição de
tuário uma festa em louvor da *Senhora da mãos pelo sacerdote. Refere, ainda, o mesmo
Goma (eventualmente sinónima da *Senhora autor que, para ajudar a bem morrer, os judeus
da Seiva), identificada pelos respectivos fiéis tinham por costume colocar uma almofadinha
com a Senhora da Abadia. A imagem é a mes- com penas de galinha sob a cabeça do enfermo.
ma, divergindo a invocação, a efeméride e o O Abade de Baçal comprovou a existência de
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ABDÃO, SANTO
abafadores em Bragança (cf. Memórias, v. 5, p. Santo Agostinho compôs o Psalmus contra par-
LIX), baseando-se em revelações tornadas pú- tem Donati (393), poesia contra os donatistas,
blicas, em 1886, por uma criada a propósito da também conhecida por Psalmus Abecedarius,
abafação da sua ama. Leite de Vasconcelos asse- cujas vinte estrofes seguem a ordem alfabética.
vera que o costume persistia em 1932, confor- Trata-se de um género literário muito popular,
me testemunho de uma cristã-nova daquela ci- extremamente cultivado a partir do Renasci-
dade transmontana (cf. Etnografia Portuguesa, mento, encontrando-se Juan de Encina, Lope
v. 4, p. 174-178). O tema dos abafadores foi de Vega e Luís de Camões entre os seus mais
ficcionado por Miguel Torga, o qual descreve distintos cultores peninsulares. Gonçalo Fer-
um episódio de abafação, alegadamente perpe- nandes Trancoso é autor de um Abc sentencioso.
trada em Riba Dal (Alma-Grande, Coimbra, Toma-se metaforicamente pelos primeiros
1952, p. 13-23). *Alma-Grande. príncipios de qualquer ciência ou arte (cf. An-
tónio das Chagas, Cartas Espirituais, v. 2, p.
ABANO 257 e 293). *Alfabeto.
Sonhar com um abano indicia falsa amizade ou
traição. *Flabelo, *leque. BIBLIOGRAFIA BARROS, Caetano Manuel Martins de, Signi-
ficação das letras do ABC aplicadas à Segunda Paixão de Christo
Nosso Senhor, Lisboa, 1745 [BPNMafra: BVol. 2-24-12-
ABÁSSIA 6(9º)]; GANDRA, Manuel J., Dicionário do Milénio Lusíada,
O mesmo que Abásia (João de Barros, Ásia, Dé- v. 1, Lisboa, 2003; PURIFICAÇÃO, Frei Rafael da, Letras
Symbolicas e Sibyllinas – obra de Recreaçam, e Utilidade, chea
cada segunda, liv. VIII, cap. 1), Abexia (Fernão
de erudição sagrada e profana, de noticias antigas e modernas;
Lopes de Castanheda, História do Descobrimen- com documentos Históricos, políticos, moraes, e ascéticos para os
to e Conquista da Índia pelos portugueses, 5, 23), estudiosos, e amigos tanto das letras Divinas, como das letras hu-
*Abissínia e *Etiópia (cf. Os Lusíadas, X, 50). O manas, Lisboa, Francisco da Silva, 1747
Padre Baltasar Teles afirma que este nome lhe
foi dado, como sugere Estrabão, «por ser região ABCESSO
cercada de grandes charnecas e desertos, a que Contra os abcessos provocados por infecção
os egípcios chamam abasses». Difere, todavia, dental são preconizados emplastros mornos de
desta opinião, D. Afonso Mendes (Rerum Ae- fermento lêvedo misturado com *alho (Allium,
thiopicarum scriptores occidentales inediti a saec. L.) picado (aconselhado no tratamento de to-
XVI ad XIX), para quem o termo deriva da pa- dos os tipos de caroços) e bochechos com água
lavra abaxa, com a qual se designava a principal de malvas.
cidade do Reino de Adel, confinante com a
Abíssinia. Os seus reis reivindicavam ser descen- ABDÃO, SANTO
dentes da Casa de David, pretensão, aliás, subli- O mesmo que Abdom, Adom, Audom, Ou-
nhada numa carta remetida a D. Manuel no dom, Eudom e, talvez, *Adão. Peregrino me-
ano de 1507, na qual o monarca *abexim se in- dieval de *Santiago de Compostela, beatificado
titula «filho de David e filho de Salomão». pelo povo que lhe atribui muitos milagres (de-
signadamente curas e exorcismos). Orago de
ÁBATO uma capela românica em Correlhã (Ponte de
Do grego abatos, local onde não se entra. Zona Lima), localidade onde conforme a narrativa
de um *templo reservada apenas aos não- dos Miragres de Santiago, terá falecido quando
profanos. O mesmo que *naos. regressava da peregrinação a Compostela. O re-
verendo Francisco Diogo de Azevedo, quando
ABC da sua visitação, em 8 de Agosto de 1750,
Versos narrativos ou líricos (quadras, sextilhas mandou picar e alisar a zona do tímpano onde
ou hendecassílabos) que se iniciam pelas letras se observava uma representação de Adão, «que
do alfabeto dispostas na respectiva sequência. terá quatro palmos de alto, todo absolutamente
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ABDIAS
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ABELHA
ABDUL DE NAZARINO
Pseudónimo do autor de O Secretário da Magi-
ca e do magnetismo contendo a arte de fazer toda
a qualidade de magica preta ou feiticeria, e ma-
gica branca ou magnetismo; o segredo da Claví-
cula de Salomão, por onde se requerem os espiritos
de todas as regiões, para se ter pacto com eles; a ad-
mirável revelação do modo d’adivinhar […]
(Porto, 1878).
ABELHA
A mais remota figuração da abelha, porventura
datando do Magdalenense, acha-se pintada na
parede da gruta de Cueva de la Araña (Espa- Pormenor de uma iluminura do Livro
nha). Melissai (abelhas) era o nome pelo qual 3.º da Comarca de Além-Douro, Leitura
eram conhecidas as sacerdotisas gregas da Mãe Nova n.º 2 (1538) [ANTT].
dos Deuses em Eleusis e em Éfeso. Atributo de
*Diana, *Ceres e *Júpiter. Símbolo solar e real exercício, voltam às colmeias, à própria cons-
e, nessa acepção, adoptado por Childerico e ciência; e aí se alimentam no gozo do espírito e
Napoleão. Representação da *alma (segundo na sua doçura» (Obras Completas, v. 3, p. 382-
uma versão, quem sonha com abelhas tem a -383); uma Cantiga de Santa Maria (n. 128)
morte diante de si), da ressurreição e imortali- menciona o achamento de uma imagem de
dade da alma (abelhas foram encontradas nos Nossa Senhora com o menino no interior de
tesouros de túmulos no Egipto, na Gália, etc.), um cortiço; frei Paio de Coimbra compara
da ordem (constrói favos hexagonais), da dili- *Santo António com a abelha trabalhadora; a
gência (constante azáfama) e da eloquência (te- dominicana Margarida Pinheira, professa no
rá pousado nos lábios de Platão, Píndaro, *San- mosteiro de Jesus de Aveiro, estabelece um pa-
to Ambrósio e São João Crisóstomo). São Pau- ralelo entre as abelhas e as freiras. A abelha ad-
lino de Nola (séc. IV) chamava a este insecto quire conotação erótica em diversos poemas
bendito «a misteriosíssima abelha» (Correspon- barrocos, mercê da analogia entre o beijo e a li-
dência: carta IX a Santo Amando). O cristianis- bação das flores pelo insecto, conforme escreve
mo fez da abelha um símbolo crístico: a activi- Fonseca Soares: «De um cravo logo partido, /
dade incessante da abelha-mestra foi colocada a chupo, racional abelha, / as instâncias de um
par da incessante actividade espiritual de Cristo favor / novo acidente da inveja» [BA: ms. 49-
na sua Igreja; o mel tornou-se um dos símbolos -III-76, p. 100]. Sonhar com abelhas significa
litúrgicos do Salvador, bem como das doçuras exito em negócios; com abelhas mortas, perda
eternas reservadas aos justos; já a picada da abe- de dinheiro; ser picado por elas, uma esperança
lha remete para o castigo dos ímpios. A vida que se desfaz; capturá-las, danos ou insucessos
das abelhas e o seu comportamento na colmeia em empresas. Em diferentes civilizações e cul-
foram convertidos em emblemas das Virtudes turas o *mel é considerado alimento sagrado,
cristãs. *São Bernardo considera-a símbolo do intervindo na confecção do hidromel e do néc-
*Espírito Santo. A literatura medieval portu- tar. Numa opala ambarina do período romano,
guesa reservou-lhe lugar de relevo: *Santo An- achada no Alentejo [MNArqueo], observa-se
tónio expõe a analogia entre a abelha e a Vir- gravada uma abelha. Ocorre na escultura tu-
gem Maria, acrescentando: «as abelhas são os mular, ora como símbolo da alma, ora como
justos que se exercitam no ar, na contemplação símbolo do trabalho e emblema laudatório das
das coisas celestes [...]. Depois de semelhante virtudes profissionais do defunto. Na Madeira,
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ABELHEIRA
afirma-se que «quando as abelhas ferram cu- seus restos mortais. Confrontada com a notícia
ram o reumatismo». Em certas regiões (mor- das epifânias, a população dividiu-se em dois
mente nas Beiras), o muco nasal e as secreções partidos. O partido da santa deu início à cons-
vaginais são preconizados como antídoto para trução de uma ermida no monte (edificada en-
a picada da abelha. Agouro: abelha que entra tre Agosto de 1924 e Abril do ano seguinte),
em casa é boa nova (Madeira), porém, um en- mesmo face às tentativas goradas do pároco pa-
xame delas já é mau agouro (cf. Revista Lusita- ra demover os fregueses. Entretanto, haviam
na, v. 10, p. 305). Anexins: A abelhinha mestra começado a acorrer a Escariz muitos forasteiros
faz andar o rei na festa; Em Março, de dia canta que tinham ouvido falar do milagre. Todavia,
a abelha e à noite pinga a telha. A mosca, em- uma vez edificada a capela, o corpo de Maria
blema das coisas fúteis e efémeras e figura do Justa não apareceu. Por essa ocasião deslocou-se
demónio (*Asmodeu e *Belzebu), é a antítese a Escariz uma mulher de virtude de Macieira
emblemática da abelha. *Bulhoa, *colmeia. de Cambra, decidida a descobrir o cadáver.
Acompanhada pelo vidente, dirigiu-se ao mon-
BIBLIOGRAFIA ARAGÃO, Padre Francisco de Faria e, Tracta- te da Abelheira, chegou a entrar em transe, dei-
do historico e fyzico das abelhas, Lisboa, Oficina da Casa Lite-
rária do Arco do Cego, 1800; DIONÍSIO, João, Uma abelha
xando a santa falar pela sua boca, perante gran-
no prólogo: sobre um desejo formulado no início do Leal Conse- de assistência de locais e romeiros, mas o certo
lheiro, de D. Duarte, in Rev. Biblioteca Nacional, s. 2, n. 10 (1) é que o corpo de Maria Justa persistia em não
(Jan.-Dez. 1995), p. 7-22; FELGUEIRAS, Guilherme, Como
aparecer. Apesar de tudo, esta contrariedade
cuidam das abelhas os montanheses do Gerês, in Terra Lusa, n. 1
(Lisboa, 1951), p. 23-25; MARTINS, Mário, Alegorias, sím- não fez abrandar a devoção. Em Setembro, os
bolos e exemplos morais da literatura medieval portuguesa, Lis- peregrinos já haviam deixado no santuário ofer-
boa, 1980; PEREIRA, Felix Alves, Jornadas de um curioso nas tas monetárias que ultrapassavam a quantia de
margens do Lima, in O Arqueólogo Português, v. 28 (1927-
1929), p. 25-43; PORTO DA CRUZ, Visconde do, Crendi- 9.000 escudos – considerável para a época –,
ces e Superstições do Arquipélago da Madeira, s. l., 1954 além de objectos de ouro e prata. Entretanto,
os habitantes de Escariz solicitaram ao pároco,
ABELHEIRA primeiro, e, depois, ao bispo do Porto que man-
Invocação de uma imagem de Maria, festejada dasse benzer a capela, o que foi liminarmente
no último domingo de Agosto no Monte da recusado pela autoridade eclesiástica com os
Abelheira (Escariz, Arouca). A devoção ganhou seguintes três argumentos: 1. não fora solicita-
corpo na sequência de duas alegadas visões de da qualquer licença para a construção da cape-
um pastor conhecido pela alcunha de «Salve la; 2. não existia qualquer santa com o nome de
Rainha», ocorridas em Junho e Julho de 1924 Maria Justa; 3. o culto em questão era supersti-
(cf. Gazeta de Arouca, 19 Jul. 1924). De seu cioso, destinando-se apenas a angariar esmolas.
nome Manuel Francisco de Oliveira (1867- A população não desarmou, agredindo o páro-
-1939), a circunstância de ser cego de um olho co e obrigando-o a abandonar a paróquia, não
e possuir seis dedos nas mãos e nos pés foi por sem antes entregar ao presidente da Junta de
muitos interpretada como sinal sobrenatural e Freguesia a chave da matriz (4 de Outubro de
justificação bastante para a sua vidência. A pri- 1925). Em resposta à sublevação popular, o bis-
meira de tais visões teve-a em sonhos, manifes- po do Porto, Dom António Barbosa Leão, de-
tando-se-lhe uma mulher que lhe disse cha- cretou (no dia 12) a interdição da igreja matriz
mar-se *Santa Maria Justa e lhe revelou que o e de todas as capelas públicas da freguesia, bem
seu corpo incorrupto se achava sepultado havia como o desmembramento da paróquia, repar-
seis séculos no monte da Abelheira. Posterior- tindo os lugares da freguesia por cinco paró-
mente, quando guardava o rebanho, teve a se- quias vizinhas – Fajões, Fermedo, Mansores,
gunda visão da santa sobre um penedo, a qual Mato e Romariz. Em resultado desta atitude os
pediu que lhe fosse construída uma capela, após meses que se seguiram foram de confrontos ver-
o que revelaria o local onde se encontravam os bais e físicos entre os partidários da santa e os do
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ABERTO
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ABETARDA
ABETO
Ensalmo para curar pulso ou mão aberta e pé Nome vulgar de várias árvores da espécie das
estornegado (Terras do Barroso) coníferas. Na linguagem das plantas, flores e
frutos significa fortuna.
Repete-se nove dias consecutivos (novena). Pre-
viamente ferve-se um novelo de fio de algodão
ABEXIM
numa cafeteira. A água da fervura é deitada num
alguidar e a cafeteira colocada dentro dele, inver- Chama-se a alguém natural da Abássia, Abissí-
tida (com a boca para baixo). O novelo é passado nia ou *Etiópia, suposto reino do *Preste João,
em torno da zona ferida, atando o membro aber- «a mais estranha monstruosidade que a África,
to, enquanto é pronunciada a oração: a mãe dos monstros, criou nas suas remotas e
selvagens selvas» (padre Manuel de Almeida,
Eu te coso História da Etiópia Alta ou Abássia, Coimbra,
Carne aberta 1660, prólogo). O mesmo que abissínio, abas-
O nervo torto si, abasi, abexi, etc. Segundo o padre Baltasar
Pelo poder de Deus
Teles, «[um dos] infernais abusos e diabólicas
E da Virgem Maria
Padre-Nosso e Ave Maria.
superstições dos abexins [é a] infernal heresia
de não haver em Cristo senhor Nosso mais que
Responso para o pulso aberto (Folgosinho) uma natureza [i. e., o *monofisismo]» (História
Geral da Etiópia-a-Alta ou Preste João, I, 36). O
Deita-se água previamente aquecida num reci- padre Gonçalo Rodrigues da Companhia de
piente, colocando o paciente o pulso sobre o va- Jesus (citado pelo também jesuíta padre Balta-
por. O benzedor vai cosendo um pano com uma
sar Félix) refere a seguinte profecia «muito re-
agulha enfiada em linha sem nó, enquanto repe-
petida pelos seus sacerdotes»: «[...] que viria
te três vezes:
tempo em que os Portugueses com um grande
Eu te coso, capitão iriam apresentar batalha ao Imperador
Carne furada, da Etiópia, o qual Imperador seria vencido e
Fio destorço. morto com muitos frades cismáticos ao mesmo
Poder de Deus e da Virgem Maria, tempo que um irmão do capitão dos Portugue-
Senhor Santiago e S. Silvestre, ses ficaria Rei e que a Etiópia, daí por diante,
De quanto eu faço lhe preste,
seria governada por vice-rei que fosse de Por-
Jesus Cristo seja o Divino Mestre.
tugal» (cf. Sobre o Sebastianismo, Coimbra,
BIBLIOGRAFIA AZEVEDO, Domingos de, Tradições popula- 1959, p. 104). Acresce que o próprio Santo
res de Vila do Conde, in Douro Litoral, s. 2, n. 1 (1944), p. 61- Inácio de Loiola advertia os missionários da
-69 [Ensalmos para talhar unheiro, azia, defumadoiros, mão
ou pé abertos, coser o pulso, erisipela, tirar o sol, quebranto, Companhia de Jesus para a circunstância de o
icterícia] povo do Preste João ter «como profecia que
nestes tempos um rei destes do poente (e não
ABETARDA pensam noutro que no rei de Portugal) há-de
1. Do latim, avis tarda (ave lenta), pernalta de destruir os mouros» (Instruções aos missionários
arribação (Otis tarda, L.). Em virtude de não da Etiópia, p. 3). A língua abexim é o ge’ez.
voar e ficar presa à terra, figura, segundo a vox Uma alegada profecia de Angelo Roncali (futu-
populi, a criança que quer manter-se sob a tu- ro papa João XXIII), respeitante a uma desco-
tela da progenitora. berta de «rolos de papel», que havia de ter lugar
2. Nome por que é conhecida, em Trás-os- nos Açores, inspirou uma bem urdida «estória»
-Montes, uma ave de rapina da família das Vul- contada por um conhecido colecionador e co-
turidae, o Gyps fulvus (Habl.), a qual, em outras merciante de antiguidades, secundado pelo es-
regiões, é denominada grifo, abutre loiro, ave, tímulo e aplauso de algumas penas amantes de
ave carniceira e brita-ossos. *Porco-bispo. pseudo mistérios e emoções fortes (cf. Victor
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ABIDIS
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ABIEGNO
ABIEGNO
Nome do monte ou *montanha polar que, ale-
gadamente, abriga o túmulo de *Christian Ro-
sencreutz, constituindo sempre indício da au-
têntica adesão às Altas Ordens iniciáticas, face à
baixa qualidade da iniciação ministrada pelas
Ordens dos vales (*Maçonaria). *Fernando Pes-
soa explora o seu simbolismo de omphalos do O abismo no túmulo de D. Inês de Castro
mundo em poemas como Na Sombra do Mon- (mosteiro de Alcobaça).
te Abiegnus; Do Vale à Montanha; No Túmulo de
Christian Rosencreutz, etc. *Tábua de Cebes. patente no túmulo de *Inês de Castro (*mos-
teiro de Alcobaça) e em painéis das *almas (um
BIBLIOGRAFIA BIDERMANN, Sol, Mount Abiegnos and the pouco por todo o país). Cf. Salmos, XXXII, 7;
Masks: Occult Imagery in Yeats and Pessoa, in Luso-Brazilian Re-
view, v. 5, n. 1 (Jun. 1968); CUERVO-HEWITT, Julia, Fer- XXXV, 7; XLI, 8; CVI, 26; CXXXIV, 6; Pro-
nando Pessoa frente ao Monte Abiegnus, in Actas do I Congresso vérbios, VIII, 24-27; Eclesiástico, I, 2; XVI, 18;
Internacional de Estudos Pessoanos, Porto, 1979, p. 419-440 XXIV, 8; XLII, 18; Isaías, LI, 10; Romanos, X,
7; Apocalipse, IX, 1-2; IX, 11; XI, 7; XVII, 8.
ABIGOR
O cânone 7 do Concílio de Braga (560-563) ABISSÍNIA
menciona-o como uma das principais entida- O mesmo que *Etiópia e *Abássia. De acordo
des demoníacas. Comanda sessenta legiões de com as respectivas tradições, a cristandade abe-
demónios, assumindo a aparência de um cava- xim atribui a sua origem à conversão ao cristia-
leiro armado com lança ou ceptro. nismo do eunuco da rainha Candácia, na Pa-
lestina, na aurora dos tempos evangélicos. A
ABISMO evangelização da Etiópia remonta apenas ao
Do grego, abyssos. O poço sem fundo, no qual séc. IV, a igreja etíope tendo-se tornado mono-
se situa o lago ígneo onde os inimigos de *Deus, fisita juntamente com o *Egipto do qual de-
anjos rebeldes e pecadores, condenados à dana- pendia. Constituiria um baluarte do cristianis-
ção eterna, são precipitados. Sinónimo de *In- mo na África e o mais oriental após a ruína das
ferno. No Antigo Testamento surge associado à cristandades da Ásia em consequência das in-
figura de *Leviatã. Em Lucas (VIII, 31) é des- vasões mongólicas, a última das quais já islami-
crito como a morada dos demónios e no *Apo- zada, foi chefiada por Tamerlão (1336-1405).
calipse (XX, 1-3) como o local onde o *diabo se Esse o motivo crucial por que coube à Etiópia
encontra aprisionado. A iconografia represen- encarnar o papel de sede do reino do *Preste
ta-o por uma grande bocarra aberta, como é João. No ano de 1442, o Infante Dom Henri-
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ABISSÍNIA
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ABITUREIRAS
cisco Álvares: queda de um mito, in Literatura de Viagem: narra- assim obtidos terão decidido empreender a
tiva, história, mito, Lisboa, 1997, p. 85-98; CASTANHOSO,
Miguel de, Dos feitos de D. Cristóvão da Gama em Etiópia, Lis-
construção da igreja ainda hoje de excessiva di-
boa, 1898 e 1983; COUTINHO, J. de Siqueira, Os portugue- mensão para a localidade. Neste templo, existe
ses na Etiópia, In Actas do 1º Congresso da História da Expansão a imagem de uma enigmática *Santa Sens que,
Portuguesa no Mundo, 4ª secção, [Lisboa], 1938; CRUZ, Ma-
segundo a crença local, deve manter-se constan-
ria Augusta Lima, Pero da Covilhã e a primeira embaixada por-
tuguesa à Etiópia, in Revista do Icalp, v. 12-13 (Jun.-Set. 1988), temente voltada para uma janela, a qual deve
p. 110-118; CURTO, Pedro Mota, Portugal, o Preste João e a permanecer sempre aberta, condição necessária
Etiópia: séculos XV e XVI, (Tese de mestrado em História dos para não desaparecer, como aconteceu inúme-
Descobrimentos e da Expansão Portuguesa, Universidade de
Lisboa), 1996 [BN: SC 76082 V]; FERREIRA, F. Palyart Pin- ras vezes, para regressar ao local onde fora en-
to, Os portugueses na Etiópia, Lisboa, Paulo Guedes, 1935 contrada e de onde a deslocaram para a igreja.
[BN: HG 33170 P]; GUIMARÃES, Luís, Os portugueses e o
conhecimento científico da Etiópia (séc. XVI e XVII), Lisboa,
BIBLIOGRAFIA Bol. da Junta de Província do Ribatejo
1938; JONES, A. H. M. / MONROE, Elizabeth, A History of
Abyssinia, Oxford, 1935; KRAUSE, Kurt, Os portugueses na (1937-40), p. 54; IadS, p. 85
Abissínia, Lisboa, Sociedade de Geografia, 1915; idem, Os por-
tugueses na Abissinia: subsídios para a história da descoberta da ABIUL
Africa, Lisboa, Tip. Universal, 1915 (Tese doutoramento em
Filosofia, Univ. de Leipzig); MENDES. M. Maia, Os Portu- Localidade do concelho de Pombal (Leiria). Na
gueses na Etiópia: honras e sacrifícios, in Actas do 1º Congresso praça onde se realiza a feira existiu um forno
da História da Expansão Portuguesa no Mundo, 2ª secção, [Lis- onde, outrora, ocorria uma prática inequivoca-
boa], 1938; PAIS, Pero, História da Etiópia: reprodução do có-
dice coevo inédito da Biblioteca Pública de Braga, Porto, [s. d.] mente xamânica. Depois de se manter aceso
e 1945, 3 vols.); PENNEC, Hervé, Des Jésuites au Royaume du durante dois dias, entrava nele um homem con-
Prêtre-Jean, Éthiopie: stratégies, rencontres et tentatives d’implan- fessado e sacramentado, com um *cravo na bo-
tation, 1495-1633, Lisboa, 2003; PERAGALLO, Prospero,
Epistola di D. Emanuele Re di Portogallo al Papa Leone X
ca e transportando enorme fogaça para cozer.
annunziandogli l’entrata solenne dell’Ambasciata Portoghese in Comemorando o rito, praticado em memória
Abissinia, Genova, 1906; SANTOS, Luís Reis, Importante do- de uma promessa feita em tempo de peste, lia-
cumento evocativo da acção dos Portugueses na Abissínia (Pintura
da Renascença em Portugal), in Ocidente, v. 5, n. 12 (Abr.
-se numa inscrição setecentista: «Rubum quem
1939), p. 72 e ss.; SABÓIA, Salvador / VIEIRA, Tomé, A Etió- viderat / Moises incombustus / conservata, ag-
pia e os portugueses: narrativa da acção civilizadora dos portugue- novi/mus. tuam. laudabi/lem. virginitatem / Dei
ses nas terras do Preste João, [Lisboa], O Século, 1935; SAN-
Genitris interce/de pro nobis. An. de 1718».
CEAU, Elaine, Etiópia e Portugal, in Ocidente, v. 57 (1959), p.
101-108; idem, Os portugueses na Etiópia, Porto, 1961; SAN-
TOS, João dos, Ethiopia Oriental e varia história de cousas no- ABJURAR
taveis do Oriente [...], Évora, Manuel de Lira, 1609 e Lisboa,
1891 e 1990; SANTOS, Vitor, O missionário quinhentista Fr. Retratar-se, renunciar aos erros contra a *fé. O
João dos Santos e o seu livro Etiópia Oriental, Lisboa, 1951; SO- *Santo Ofício considerava três modalidades: A.
VERAL, Visconde de, Memória ácerca dos portugueses na Abis- abjurar em forma – *confissão plena da *heresia
sínia, Porto, 1894; SCHMULEVITZ, S., A Abissínia: pequena
história de um grande país, [Porto], Civilização, 1944; TELES,
ou *apostasia, com juramento de não reincidir
Baltasar, História da Etiópia, Porto, 1936 e Lisboa, 1989 no futuro; confissão típica dos confitentes e
cristãos-novos judaizantes, aqueles que sofriam
ABITUREIRAS as penas mais rigorosas, com cárcere e hábito
Localidade do concelho e distrito de Santarém. perpétuo (como o boticário *António Serrão de
A fundação da matriz está ligada ao desencan- Castro saído no *auto-da-fé de 10 de Maio de
tamento de duas mouras. Conta-se que vive- 1682, in António Baião, Episódios dramáticos da
ram aqui duas irmãs fiandeiras, apodadas de Inquisição, v. 2, p. 19); B. abjurar de leve – re-
Aventureiras (donde o topónimo Abitureiras), núncia dos crimes indiciados com leves provas;
que mantinham óptimas relações com elas. fórmula característica dos suspeitos de crimes
Tendo logrado de algum modo quebrar o en- pouco graves (*bigamia, *blasfémia, *perjúrio,
cantamento às mouras, «com as quais dança- *feitiçaria, porém, nunca o *judaísmo) ou com
vam muitas vezes até de madrugada», estas, em indícios leves (caso de *Fernão de Pina, filho do
paga, tornaram-nas riquíssimas. Com os bens cronista Rui de Pina, idem, v. 1, p. 140), punida
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ABÓBADA DE AÇO
com desterro, açoites, galés e cárcere a arbítrio; quire um valor ritual, conferindo à água um ca-
C. abjurar de vehementi – confissão veemente à rácter sagrado e lustral. Lavar as mãos pode
qual eram condenados os suspeitos de crimes converter-se num sinal de inocência (Salmo
graves contra a fé; a reincidência equivalia a ser XXVI, 6) ou de inibição de responsabilidade
considerado *relapso e condenado à *fogueira jurídica, como no caso de Pilatos (Mateus,
(como aconteceu ao cónego e poeta Baltasar Es- XXVII, 24). Bluteau afirma que na química, «é
taço e ao jurisconsulto *Francisco Vaz de Gou- a exaltação, pureza e perfeição que recebe a ma-
veia, idem, v. 1, p. 99 e 190, respectivamente). téria com repetidas infusões». *Lavatório de
mouro, *vaso de Tavira.
ABLUÇÃO
Purificação com água de qualquer substância ABNA
ou pessoa, antecedendo atitude ou cerimónia Deusa lusitano-romana atestada por uma ara
religiosa. As pias de *água benta existentes à en- (CIL, II, 779 e RPH, 15) encontrada (1901) em
trada dos templos católicos respondem a tal ne- São Martinho do Campo (Santo Tirso) e re-
cessidade, existindo similares em quase todas as colhida na Sociedade Martins Sarmento (Gui-
formas cultuais. A água benta obtém-se ben- marães). Abna é cognato de Abnoba, divindade
zendo a fonte ou canalização por onde corre, das florestas e dos rios e, também, da caça.
no Sábado de *Aleluia. Na Bíblia, a ablução ad-
BIBLIOGRAFIA BLAZQUEZ MARTINEZ, Jose Maria, Reli-
giones Primitivas de Hispania – I. Fuentes Literarias y epigra-
ficas, Madrid, 1962, p. 219; VASCONCELOS, J. Leite de,
Oração para a ablução matinal ouvida Religiões da Lusitania, v. 2, Lisboa, 1905, p. 214-215
a uma cristã-nova de Belmonte
ABÓBADA
Louvado seja o Senhor que me deu água para A sua função de remate superior ou celeste de
me lavar, um *templo faz a abóbada participar do simbo-
Louvado seja o Senhor que me deu pano para lismo cósmico. Repousa sobre quatro sustentá-
me limpar,
culos (colunas, paredes, etc.), i. e., resulta da in-
Louvado seja o Senhor que me deu pernas para
andar,
teracção dos quatro elementos que constituem
Louvado seja o Senhor que me deu braços para a natureza, por intermédio dos quais o céu e a
trabalhar, terra se relacionam. Lograr construir uma abó-
Louvado seja o Senhor que me deu ouvidos para bada de forma duradoura revela, na plena acep-
ouvir, ção do termo, a mestria do iniciado. A lenda de
Louvado seja o Senhor que me deu olhos para *Afonso Domingues é o corolário do afirmado.
ver, A abóbada do cruzeiro do *Mosteiro dos Jeró-
Louvado seja o Senhor que me deu nariz para nimos (Lisboa) é o maior vão do género conhe-
cheirar,
cido na arquitectura europeia. Tipos de abóbada
Louvado seja o Senhor que me deu boca para
mais frequentes na arquitectura portuguesa: Anu-
falar.
O Senhor me dê graça e juízo, lar; Aresta; Barrete de clérigo; Berço; Caracol;
Para O servir e louvar. Concha; Cruzaria de ogivas; Leque; Lunetas;
Meu Deus como é a razão Meio-berço; Vela; Estrelada; Sextapartida.
Quem te fora a fazer o dito
Como uma justa condução. ABÓBADA DE AÇO
Põe-me em estado de graça Expressão maçónica que designa as espadas
Meu Divino Criador. cruzadas por duas alas de mações, sob as quais
Estarei bem inclinado passam os altos dignitários da corporação, em
Ao Vosso santo e divino temor. sinal de honra. O costume estendeu-se às insti-
Amén, Senhor tuições castrenses que o adoptam em ocasiões
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ABÓBORA
ABÓBORA
Do latim, apoperis (cabaça). Mercê do grande
número de pevides (sementes), a abóbora é, à
semelhança da *romã, um símbolo de fertilida-
de. Na região de Aveiro são oferecidas papas de
abóbora às almas dos defuntos, no dia de *Fi-
nados. Afirma *Santo António que pela abóbo-
ra se «entende o poder mundano, cujo fruto,
enquanto está no vigor, é comestível; depois
torna-se lenho seco» (Obras Completas, v. 2, p.
444). Sonhar com a compra de abóboras
significa proveitos e grandes vantagens à porta,
enquanto comê-la em sonhos augura boas no-
tícias e grande satisfação. Contra a *azia pres-
crevem-se pevides de abóbora assadas na larei-
ra, comidas em jejum. Na linguagem das plan-
tas, flores e frutos a aboboreira significa gordu-
ra e gravidez.
ABOBOREIRA, SERRA DA
Serra essencialmente granítica, pertencente a
um sistema montanhoso sito entre os rios Tâ- Pedras bolideiras da serra da Aboboreira.
mega e Douro, nos concelhos de Amarante e
Baião. Considerado um dos mais notáveis san- dentes de terem sido intencionalmente prepa-
tuários da arte megalítica no território portu- radas para oscilar, devem ser consideradas ver-
guês, nomeadamente mercê da cerca de meia dadeiros megálitos, possivelmente de carácter
centena de mamoas referenciadas e às inúmeras funerário, mágico ou simbólico». O Projecto do
ocorrências de insculturas e fossettes em aflora- Campo Arqueológico da Serra da Aboboreira, en-
mentos rochosos (*Outeiro Machado, com cetado em 1978, permitiu desenvolver uma
mais de 350 gravuras) e no penedo *baloiçante campanha de prospecção arqueológica sistemá-
baptizado com o nome de Pedra que bole. De tica, bem como o estudo multidisciplinar de
resto, José de Pinho relataria, na sequência da significativo número dos monumentos arrola-
excursão arqueológica que ali realizou em dos. Na anta 3 de *Chã de Parada (São João de
1924, o surgimento de pedras oscilantes «por Ovil, Baião), também conhecida por Casa dos
toda a parte [contou 17], dentro daquela vasta Moiros, ocorre o enigmático motivo alcunhado
necrópole dolménica», registando o sugestivo de *A Coisa por Shee Twohig. *Abolida, *abu-
nome de algumas delas (Pedra do Sol e Pedra ou lida, *anta, *berço, *bulideira.
Penedo Cabana, i. e., que abana), e concluindo
que «as pedras oscilantes até agora encontradas BIBLIOGRAFIA BAPTISTA, António Martinho, Arte megalíti-
no concelho de Amarante, na proximidade de ca no Planalto de Castro Laboreiro (Melgaço, Portugal e Ouren-
se, Galiza), in Brigantium, v. 10 (1977), p. 191-216; CRUZ,
castros, no meio de necrópoles dolménicas e Domingos J. da, Contribuição para o levantamento cartográfico
junto de insculturas rupestres, com sinais evi- do conjunto megalítico da serra da Aboboreira (concelhos de
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ABOIAR
Amarante e Baião), in Actas do Seminário de Arqueologia do invectivar os animais para o desempenho das
Noroeste Peninsular, v. 1, Guimarães, 1980, p. 23-40; FER-
NANDES, A. L., Carta geológica: nota explicativa da folha n.
respectivas funções nos trabalhos agrícolas. Tra-
113 (Amarante), Lisboa, 1959, p. 7 e 21; GANDRA, Manuel ta-se de um canto sem palavras, assente exclusi-
J., Antas de Portugal com Arte Rupestre: subsídio para um ro- vamente em vogais. Gonçalo de Sampaio admi-
teiro, Mafra, 2007; JORGE, Vitor de Oliveira, O Projecto do
te tratar-se de uma «melodia arcaica – talvez a
Campo Arqueológico da Serra da Aboboreira (Norte de Portu-
gal): resultados de oito anos de trabalho, in Revista da Faculdade de mais remota origem que se conserva em Por-
de Letras do Porto, s. 2, v. 3 (1986), p. 239-256; idem, Desco- tugal [...] vivida até aos nossos dias em associa-
berta de pinturas megalíticas na Serra da Aboboreira, in Reporter ção com a prática extremamente antiga de la-
do Marão, n. 21 (1984); idem, Campo arqueológico da Serra da
Aboboreira: arqueologia do Concelho de Baião (resultados de 10 vrar a terra» (Cancioneiro Minhoto, Porto, 1940,
anos de trabalho), in Arqueologia, n. 17 (Jun. 1988), p. 5-27; p. 27). As *toadas ou *toadilhas de aboiar são
idem, Necrópole pré-histórica da Aboboreira (Distrito do Porto): mais comuns no Minho, porém também se
uma hipótese de diacronia, in Homenagem a J. R. dos Santos Si-
mões, v. 1, Lisboa, 1990, p. 205-213; idem, Questões de inter- acham referenciadas às portas de Lisboa, nas lo-
pretação da Arte megalítica, in Brigantium, v. 10 (1997), p. 47- calidades de Santo Antão do Tojal, Apelação e
-65; PINHO, M. José de, Expansão da cultura megalítica no Bemposta (conc. Loures), bem como no *Bra-
concelho de Amarante: subsídios para a história do povo amaran-
tino, in Trabalhos da Soc. Portuguesa de Antropologia e Etnolo-
sil. Possuem letra e, em certas passagens, são res-
gia, v. 4, n. 1, 1928, p. 75-78, fig. 12-14; idem, Certaines Pier- pondidas em coro, concluindo com um berro
res branlantes ne sont-elles pas de vrais mégalithes?, in Actas do muito prolongado na última sílaba. Na Maia,
VX Congrès International d’Anthropologie et d’Archéologie Pré-
historique – IV Session de l’Institut International d’Anthropolo-
aboiar é levar ao touro de cobrição uma vaca
gie (Portugal, 21-30 de Setembro de 1930), Paris, 1931; com cio, a que se chama andar boieira. *Afaúlar
SOUSA, Orlando, As pinturas rupestres da mamoa 3 de Chã de e *afoular.
Parada – Baião: notícia preliminar, in Arqueologia, n. 17 (Jun.
1988), p. 119-120
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ABRAÃO
feminino de dirimir o pecado original, incre- cinco ou seis credos, e untar com este azeite o
mentando o número de almas cristãs no céu umbigo para a parte de cima, fazendo círculo
(«crescei e multiplicai-vos»). A ciência médica como de meia lua, faz o mesmo efeito de lançar
alinhava com a Igreja na condenação do aborto a criança e as páreas, e advirta-se que quando se
voluntário, fruto de «amores lascivos» e «ilícitos der qualquer destes medicamentos apontados
contratos», sugerindo implicitamente que o seja o tempo que a mulher tenha lançado ou
descaminho fisiológico transformava a mulher botado o sinal ou apertado as dores e não an-
numa paciente moralmente enferma. Entre- tes» (Livro de Receita médica para diversos males
tanto, comadres, parteiras e feiticeiras prolife- [BN: ms. 10826]). É considerado mau pressá-
ravam à margem dos pressupostos dominantes, gio quando uma mulher sonha com um abor-
habilitadas em beberagens «para mover» ou to. Em Portimão, diz-se que se no dia do casa-
«fazer anjinhos» [cf. ANTT: Inq. Évora, proc. mento houver um par de pobres à porta da
de Violante Nunes (1632), fl. 71; Autos contra igreja, se estes não ficarem satisfeitos com as es-
Brites Fernandes, fl. 5]. A vantagem de se em- molas ou se forem escorraçados do local, é qua-
pregar o receituário da ciência médica para sus- se certo que o primeiro filho da união será na-
citar o «móvito» era a de tornar ambíguo o do-morto, a mulher perdê-lo-á (desmanchará
aborto. O regresso da menstruação interrompi- ou abortará), ou nascerão bostas (postas de car-
da, tratada com fórmulas para «opilação da ma- ne e sangue só com os olhos). Segundo uma
dre», por exemplo, acabava por provocar, aci- crença assaz difundida, os abortos parecidos
dentalmente, a expulsão do feto. A magia sim- com algum bicho são fenómeno atribuído a
pátia foi igualmente muito utilizada, nomeada- duas causas principais, a saber: A. O coito de
mente os procedimentos que adoptavam a *pe- que foi gerado ter ocorrido durante a *mens-
dra quadrada (*abutre) e a *pedra de águia ou truação; B. Um animal ter-se macheado (feito
*candar, à qual era creditada a propriedade de cama) na roupa que a mulher usou durante o
expelir a criança e a madre juntas. Algumas ad- período da assistência (menstruação). Em algu-
vertências feitas às mulheres pejadas, no senti- mas regiões do país, o aborto ainda é provoca-
do de conservarem a criança no ventre, eram do voluntariamente pela acção da *sargacinha
fielmente seguidas às avessas ou intencional- do monte e do chá de *fel da terra. Segundo Al-
mente desrespeitadas para produzir o resultado da Soromenho, em Lisboa, na década de 1920,
inverso: como a recomendação de Curvo Se- as pessoas modestas que desejavam abortar di-
medo (Poliantheia Medicinal, 1761), de só usar rigiam-se a um cemitério a colher gálbulas, i. e.,
a *pedra de águia atada nos sovacos ou atada os frutos do *cipreste, com as quais preparavam
nos braços, a qual deixava em aberto a possibi- um chá tido por muito eficaz. *Açafrão, *bap-
lidade de amarrá-la a outra qualquer parte do tizado da meia-noite, *monstro, *teratologia.
corpo para obter o desejado efeito abortivo; ou
a de não beber, antes do momento previsto pa- BIBLIOGRAFIA AGUIAR, Asdrúbal de, Estudos relativos à re-
produção na antiga Roma (Menstruação, Concepção, Gravi-
ra o parto, água em que tivesse estado mergu- dez, Parto, Puerpério, Aleitamento, Recém-nascido, Aborto),
lhada pedra quadrada com azeite, pois a mistu- Lisboa, 1951
ra faria «lançar a criança a qualquer tempo» (cf.
Manuel A. Costa Barreto, Aforismos sobre he- ABRAÃO
morragias uterinas e convulsões puerperais, Lis- Descendente de Sem, filho mais velho de
boa, 1797). Justamente para evitar a ambigui- *Noé. Primitivamente, chamou-se Abram, só
dade, algumas posologias chegavam a explicitar tendo recebido de *Iavé o nome definitivo aos
que havia um momento certo para a utilização 99 anos, quando abandonou Ur. Tido pelo
de determinada mezinha: «Botar um pequeno mais célebre dos patriarcas (Abraão, *Isaac e
de azeite de gergelim na palma da mão e esfre- *Jacob) e reverenciado conjuntamente por he-
gar esta [candar] no dito azeite por espaço de breus, cristãos e muçulmanos, como homem
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ABRAÃO
eleito e pai dos crentes. A sua *aliança com grafia do *Juízo Final), se reporta às almas dos
*Deus exprime-se por dois actos: o sacrifício de Justos, como a de *Lázaro, que serão acolhidas
seu filho Isaac e o dízimo pago a *Melquisede- pelo patriarca num local transitório, espécie de
que, Rei de Salém. No Novo Testamento ocu- *purgatório, onde aguardam o castigo ou a re-
pa um lugar de destaque, pois João Baptista e compensa definitivos: túmulos da *Rainha
Jesus, ambos a ele se reportam quando evocam Santa (Coimbra), de Egas Moniz (Paço de Sou-
a bemaventurança celestial e as promessas a si sa), e num anepígrafo do Museu do Carmo
feitas e aos demais patriarcas por Deus. Segun- (Lisboa), onde, sobre o reverso do *baldaqui-
do a tradição terá sido o primeiro homem a ter no, um *anjo segura, numa toalha eucarística,
o cabelo e a barba brancas. Os episódios mais a *alma dos jacentes (representada por pequena
frequentemente iconografados na arte nacional figura desnuda que é conduzida orante ao seio
são: A. o *Encontro com Melquisedeque (Genesis, de Abraão); modilhão oriundo da igreja de S.
XIV, 18-24), episódio precursor da *Eucaristia Salvador de Paderne [MPioXIIBraga: inv. sec-
(São João Baptista, em Tomar; Sé do Funchal, ção lapidar 97]. No MNAA [inv. n. 1614,
etc.); B. o Sacrifício de Abraão (Genesis, XXII), 1786, 1787, 1788, 1789] existe uma série de
prefigurando o sacrifício cruento na cruz ou o cinco telas do pintor espanhol Pedro Orrente
incruento da Eucaristia e que, de acordo com o (1570-1644), provenientes da col. Burnay, ico-
Regimento aprovado pelo Senado da Câmara nografando episódios da vida de Abraão (Ex-
do Porto, em 1621, figurava na Procissão do pulsão de Agar, Sacrifício de Abraão, Abraão se-
*Corpo de Deus que se realizava naquela cida- para-se de Lot, Abraão manda Eliezer escolher
de e, igualmente, na cúpula fingida da capela mulher para Isaac e Encontro de Eliezer e de Re-
da nave lateral do lado do Evangelho da Sé de beca). Na Procissão dos Passos (*Domingo de
Lamego, pintado por Nasoni; C. o *Seio de Ramos), em Ponte da Barca, Abraão figurava,
Abraão, tema baseado num trecho do Evange- «vestido à turca». É provável que o topónimo
lho de S. Lucas (XVI, 22) que, exprimindo a *Monte Abraão (Queluz Ocidental, Sintra), se
preocupação pela bemaventurança extraterrena justifique em virtude da grande antiguidade do
(por esse motivo geralmente associado à icono- lugar, atestada pela existência de uma anta, me-
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ABRACADABRO
ABRAÃO COFEM puser onze Ave Marias: […]. Dizem que tem
Personagem de A Última Dona de S. Nicolau: virtude para tirar febres e que tem feito muitos
episódio da história do Porto no séc. XV (Lisboa, maravilhosos efeitos. Deu-os um Padre de São
1899), romance histórico de Arnaldo Gama. É Francisco de Lisboa a um amigo ao qual um
aí apresentado como neto do rabi-mor D. Judá hebraico os trasladou em letras latinas, porque
Cofem (contemporâneo de D. João I), *alqui- elas na sua origem são hebraicas» (cf. Ana Ha-
mista, *astrólogo, *mago, etc. (cap. VIII: O Al- therly, A Experiência do Prodígio, Lisboa, 1983,
quimista, p. 117-143 e notas, p. 441-451). p. 244). O franciscano Frei Rafael da Purifica-
ção, da Província de Santo António do Brasil
ABRACADABRA aconselha a zombar da palavra Abracadabra,
Palavra de virtude, disposta triangularmente. surpreendendo-o que «homens muito sábios
Quintus Serenus Sammonicus (séc. II) foi gastassem superfluamente o tempo em desco-
quem, pela primeira vez, a mencionou como brir a origem» dela (Letras Symbolicas e Sibyli-
fórmula de *amuleto. Alguns autores susten- nas, Lisboa, 1747, p. 344-345).
tam que se trata de corruptela do termo gnós-
tico *abraxas (proteja-me), outros que deriva ABRACADABRANCIA
do aramaico ha brachah dabarah (proferi a ben- Prática de coisas abracadábricas.
ção!). Como amuleto, inscrita num pergami-
nho usado ao pescoço, era recomendada na ABRACADABRANTE
profilaxia e cura de todo o género de maleitas, Extraordinário, misterioso, mágico.
designadamente das febres. Citada no processo
de *Diogo Lopes, de Estremoz (1675) [ANTT: ABRACADABRESCO
Inq. Évora, proc. 7415, maço 768]. *Brás Luís O mesmo que *abracadábrico.
de Abreu condena a utilização da palavra abra-
cadabra por «médicos feiticeiros e feiticeiras, ABRACADÁBRICO
curandeiros e curandeiras, com ofensa de O mesmo que *abracadabrante.
Deus, com injúria da Fé e com perdição da
própria alma» (Portugal Médico, p. 617-618). ABRACADABRISTA
Para o vulgo significa expressão confusa, inin- Aquele que pratica a *abracadabrancia.
teligível. Esta palavra de virtude ocorre numa
miscelânea dos séculos XVII/XVIII [BN: cod. ABRACADABRO
589], acompanhada da seguinte legenda: «Es- António da Cruz e Silva aplica este patroními-
tas palavras postas ao pescoço em louvor das co ao mago, personagem do canto VII do His-
onze mil virgens e rezar no próprio dia em que sope (1802).
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ABRAÇO
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ABRAXAS
Termo utilizado na teogonia gnóstica para de-
signar os Aeons ou ciclos de criação e *Deus. A
sua origem remonta a Basílides de Alexandria
(séc. II). As sete letras que formam a palavra
grega somam 365, o número de dias do ano so-
lar, i. e., um ciclo completo da acção divina ou,
ainda, o número total dos espíritos que emana-
ram de Deus. Gravado em pedras preciosas,
usadas como *amuleto contra feitiços e doen-
ças, este espírito gnóstico é possuidor de cabeça
de galo, leão ou homem, pés serpentiformes e Augusto Cesário de Vasconcelos Abreu. Gravura em ma-
cauda com nós. A palavra *abracadabra é su- deira de Pastor, reproduzida na Illustração Portuguesa e
postamente uma derivação de Abraxas. no Diário Ilustrado (1887)
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sitos Provérbios e Epítetos da cabeça; 6. Reino reproduzidos na obra do padre António Lopes.
animal – Lince: hieróglifo da astrologia; refle- Foi sepultada na igreja do Salvador, em Lisboa.
xão simbólica – Médico astrológico; Região ani-
mal – cabeça: descobrem-se algumas Signaturas BIBLIOGRAFIA LOPES, Padre António, Thesouro escondido D.
Brites Catharina de Abreu, seus colloquios amorosos com Deos,
e Fisiognomias da cabeça; 7. Reino animal – breve noticia de suas virtudes, Lisboa, 1689 [BN: R 10253 P]
Lobo: hieróglifo da magia; reflexão simbólica –
Médico mágico; Região animal – cabeça: pon- ABREU, GONÇALO DE
deram-se vários Sacrifícios e Histórias antigas *Cristão de S. João (*Sabeu), enviado de Cide
sobre os cabelos; 8. Reino animal – Asno: hie- Barbarica a Portugal, no ano de 1617, com car-
róglifo da ignorância; reflexão simbólica – Mé- tas para *Filipe II [ANTT: Documentos remeti-
dico ignorante; Região animal – cabeça: desco- dos da Índia, liv. 11].
brem-se vários Prodígios e Epítetos sobre os ca-
belos; 9. Reino animal – Cão: hieróglifo da mo- ABREU, HELENA DE
déstia; reflexão simbólica – Médico modesto; Compareceu perante o tribunal do *Santo Ofí-
Região animal – cabeça: ponderam-se algumas cio de Goa, em Junho de 1592, tendo sido acu-
observações Morais e Místicas sobre os cabelos. sada de recorrer a adivinhas para saber o futuro,
repreendida e condenada à multa de 50 par-
BIBLIOGRAFIA CASTELO BRANCO, Camilo, O Olho de Vi- dáos pelo inquisidor Rui Sobrinho [BN: cod.
dro, Lisboa, 1968; NEVES, Amaro, O «Olho de Vidro» de Ca- 203, fl. 609].
milo Castelo Branco, in Judeus e Cristãos-Novos de Aveiro e a In-
quisição, Aveiro, 1997, p. 185-190; GARCIA, Maria Antonieta,
O drama de Brás Luís de Abreu: o médico, as malhas da Inquisição ABREU, JOSÉ MANUEL DE
e a obra, in Medicina na Beira Interior da Pré-História ao século Soldado, natural do Porto. Saíu no *auto-da-fé
XXI, n. 20 (Nov. 2006), p. 6-22; PINA, Luís de, Temperamentos de Lisboa, de 11 de Outubro de 1778, o mes-
e Compleições: velhas e novas doutrinas populares e científicas, in
Rev. de Enografia, v. 4, t. 2, n. 8 (Abr. 1965), p. 245-257; PINA, mo em que foram penitenciados Anastácio da
Luís de / MENESES, Maria Olívia Rüber de, Expressões Cunha e o sargento-mor e *mação belga Mi-
Etnográficas em Obras Clássicas Médicas Portuguesas, in Revista de guel Kinselach. Interrogado sobre qual o mais
Etnografia, v. 6, n. 12, t. 2 (Abr. 1966), p. 259-294; QUA-
DROS, J. Oudinot Rangel de, Apontamentos Históricos, v. 6 violento, se o fogo do *Inferno, se o do *Purga-
tório, responderia «o do Purgatório»! Instado a
ABREU, BRITES CATARINA DE (1636-1687) justificar a razão da sua opção, diria: «porque o
Casada com Bernardo Sanches Pereira. *Extáti- do Purgatório, além de queimar as almas, tem
ca, cujas virtudes, «assim contemplativas, como a força de aquentar as panelas de tantos mil fra-
activas», foram muito incensadas ainda em vi- des e clérigos, que daí vivem».
da. O confessor revelaria que: «a sua oração era
BIBLIOGRAFIA LIMA, Durval Pires de, Um militar Mação ao
de amorosas meditações, principalmente de Serviço de Portugal no século XVIII, in Arqueologia e História,
Cristo Jesus, nosso bem crucificado, o qual Se- s. 8, v. 2 (1946), p. 15
nhor trouxe muitos tempos mui vivamente na
imaginação representado [...]. Tinha muitas vi- ABREU, LOPO GOMES DE (? – 1634)
sões interiores, as quais eu nunca julguei por Partiu para o Oriente (9 de Abril de 1603) nu-
força da imaginação e menos por ilusões do ini- ma das cinco naus da armada do capitão-mor
migo [...]». Zombava do mundo, anotando em Pedro Furtado de Mendonça, tendo-se fixado
um livro as mortificações que fazia, «com umas em Baçaim e contraído matrimónio com Dona
cifras antes das quais punha o Ss. Nome de Maria Pereira. Evidenciou-se em 1613, por
Jesus, dizendo que assim como na aritmética as ocasião da heróica resistência oferecida pela ci-
cifras não têm por si só valia alguma, assim tam- dade aos exércitos do Melique e dos régulos de
bém as nossas obras são de nenhum valor sem Calle e Sarceta. Para o galardoar pelos seus fei-
Jesus». Os seus papéis (14 Cartas ao Confessor tos a cidade elegeu-o, em 1614, para a capita-
e 114 Colóquios amorosos com Deus) acham-se nia-mor do campo de Baçaim. Em Setembro
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do ano de 1619 compareceu perante a *Inqui- Padre-Nosso]. Para ajustar casamentos: «Assim
sição de Goa, acusado de recorrer a um *feiti- ponho neste lume cabelos de F. a ferver, assim
ceiro para curar a mulher com cerimónias gen- esteja o seu coração a arder e não possa aquietar,
tílicas e sacrifícios de galos ao *diabo, bem co- nem durar, nem sossegar, até a F. vir buscar para
mo de se ter valido de *feitiçaria para provocar com ela casar». *Amarração, *ligatura.
a morte de certa pessoa e para achar um *tesou-
ro [BN: cod. 203, fl. 760]. Abjuraria perante o BIBLIOGRAFIA MELO, Maria Cristina A. S. Corrêa de, Feiti-
ceiras ou feiticeiros? Bruxos e Feiticeiros processados pela Inquisi-
inquisidor João Fernandes de Almeida. ção de Évora, in Inquisição: ensaios sobre mentalidade, heresias e
arte (I Congresso Internacional Inquisição, S. Paulo, 1987), S.
ABREU, PEDRO GONÇALVES DE Paulo, 1992, p. 752-753
*Feiticeiro condenado pelo *Santo Ofício de
Évora, quando contava 22 anos. Além de ter ABRICUS
saído em *auto-da-fé, sofreu abjuração pública, O teónimo A[vo?]Brigus ocorre numa ara (CIL,
*cárcere e *hábito penitencial perpétuo, açoutes II Supl. 5361; RPH, 75-76; DIP, 151) encon-
pelas ruas da cidade, *degredo para fora de Évo- trada na parede de uma casa do lugar de Per-
ra, de três anos para as galés e confisco total de relos (imediações de S. Miguel-o-Anjo, Delães,
bens. O seu processo [ANTT: Inq. Évora, proc. Ruivães, Vila Nova de Famalicão), desde 1885
3865] reproduz grande número de orações, es- no Museu Martins Sarmento (Guimarães). Lei-
conjuros, invocações do demónio para livrar de te de Vasconcelos interpretou-o a partir do ir-
infortúnios, adivinhar, separar ou unir namora- landês brig = forte. Cuevillas relacionou-o com
dos, etc. Invocações: «Eu te chamo prodígio a divindade protectora do castro, enquanto
imortal da terra ou do ar, ou do poderio infer- Blasquez, fundando-se no significado de brig =
nal, que tu venhas a meu mandar para me di- lugar elevado, fortaleza, inclui-lo-ia no grupo
zeres o que te quero perguntar»; «Entro por aras das divindades cujo nome originou um topóni-
veras, ponho os pés em casa varredouras e em mo. Seja como for, o valor físico e a fortaleza,
lages movedouras, sete diabos pelo oriente e se- supostas no teónimo, são atributos específicos
te pelo poente, todos vos encorpai e vos ajuntai, do *guerreiro. Do castro de S. Miguel-o-Anjo é
os da terra e os do ar, todos vinde a meu cha- proveniente um frag. de estátua desta divinda-
mar». Para livrar de infortúnios: «F., tu que pre- de, em granito [MNA: inv. GA-FA07-00063].
sente estás, males e afrontas tens que passar, eu BIBLIOGRAFIA ENCARNAÇÃO, José de, Lápides a divindades
te encomendo a este prodígio imortal que ele te indigenas no Museu de Guimarães, in Rev. de Guimarães, v. 80
queira livrar, pois que acode a meu chamar»; (1970), p. 221; GUIMARÃES, Abade Oliveira, Catálogo do
Museu Arqueológico, in Rev. de Guimarães, v. 18, n. 1-2
«Entramos em ti, casa de temer, onde F. veio a (1901), p. 46-47; VASCONCELOS, J. Leite de, Religiões da
padecer e, assim, F. vimos buscar e tu te hajas de Lusitania, v. 2, Lisboa, 1905, p. 327-329
encorporar e à nossa presença venhas estar, para
neste papel assinar para que a F. seja de aprovei- ABRIGO RUPESTRE
tar»; «Lúcifer maior, Diabo que nos infernos Diaclase, furna, mina, algar, gruta, cova, plata-
reinas e governas, com teu poder infernal man- forma ou paredão vertical, protegidos supe-
da um diabo, o mais cuidadoso de andar ou de riormente por saliência rochosa ou pala
voar, que venha a este lugar para este papel assi- (donde a denominação solhapa ou solapa, isto
nar». Para separar namorados: «Três enforcados e é, sob *lapa), com testemunhos de pintura ou
três degolados e três mortos a ferro, todos nove de inscultura (pela técnica de picotagem e
vos ajuntai e encorporai e vos vesti e calçai e abrasão), mormente dos períodos Neolítico ou
vossos olhos sejam setas, vossos corpos sejam Calcolítico. Em Portugal, acham-se recensea-
bestas, que no coração de F. se vão atravessar dos cerca de cinco dezenas de abrigos com *ar-
para que desista de com quem quer casar» [Ora- te rupestre, cuja maior concentração ocorre no
ção para ser dita na Missa, entre o Credo e o distrito de Bragança.
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ABRIGO RUPESTRE
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ABRIL
BIBLIOGRAFIA BAPTISTA, António Martinho, Pintura rupes- descobrir; Em Abril nem um fio; Em Abril sai
tre pós-glaciar no Norte de Portugal (Abrigos decorados), in Ar-
queologia, n. 17 (1988), ficha; GANDRA, Manuel J., Abrigos
a bicha do covil; Solho de Abril, abre-lhe a mão
Portugueses com Arte Rupestre: subsídio para um roteiro, Mafra, e deixa-o ir; Sono de Abril, deixa o teu filho
2007; JORGE, Vítor Oliveira / JORGE, Susana Oliveira, Fi- dormir; Do grão te sei contar que em Abril não
gurations humaines préhistoriques du Portugal: dolmens ornés,
há-de estar nascido, nem por semear; Entre
abris peints, rochers graves, statues-menhirs, in Revista da Facul-
dade de Letras do Porto, s. 2, v. 8 (1991), p. 341-384; SAN- Abril e Maio, moenda para todo o ano; Em
CHES, Maria de Jesus, Descoberta de novos abrigos com pintu- Abril queijos mil e em Maio três ou quatro; Se
ra esquemática no Norte de Portugal, in Arqueologia, n. 18 (Dez. não chover entre Maio e Abril venderá el-rei o
1988), p. 205; SANTOS JÚNIOR, J. R., Arte Rupestre, in Ac-
tas do Congresso do Mundo Português, v. 1, Lisboa, p. 333-337
carro e o carril; Uma água de Maio e três de
Abril valem por mil; Quem me vir e me ouvir,
ABRIL guarde pão para Maio e lenha para Abril; Mar-
Do latim, aperire (abrir), por «abrir o seio da ço morninho, Abril chuvoso, fazem Maio bem
terra à fecundidade» (António Feliciano de jocoso; Enxame de Maio, a quem to pedir, dá-
Castilho, A Primavera) e ser este o mês da flo- -lho; e o de Abril guarda-o para ti; Porco que
ração. Quarto mês do ano, consagrado a Vé- nasce em Abril, vai ao chambaril; No princípio
nus. Provérbios e anexins: Por todo Abril, mau é ou no fim, soi Abril ser ruim; Abril frio, pão e
1 Dia das Mentiras ou de Calotes (Graciosa, Açores) / Chagas de Santa Catarina de Siena / S. Hugo de
Grenoble
Dia mortal (Caim assassinou Abel), desaconselhado para casar, começar obras novas ou efectuar aquisi-
ções (tb. se diz, em alternativa, da 1ª segunda-feira do mês). Outrora (ainda hoje nas Beiras) caldo de
castanhas era a ementa preconizada neste dia, porquanto se acreditava que quem o comesse de couves,
comeria lagartas todo o ano. Os latinos celebravam as Veneralias, em honra de Vénus.
Anexim: Primeiro de Abril, vai o tolo adonde não deve de ir (Baião).
2 S. Francisco de Paula / Sta. Maria Egipcíaca (padroeira das pecadoras inveteradas)
Derradeira data para a celebração das Cinco Chagas de N. Sr. Jesus Cristo (na 1ª sexta-feira, após o 3º do-
mingo de Quaresma)
3 S. Benedito (padroeiro contra os ossos e espinhas de peixe)/ Sete Dores de Nossa Senhora
Anexim: A três de Abril o cuco há-de vir e se não vier até oito, está preso ou morto
4 Sto. Isidoro de Sevilha / S. Zósimo
Derradeira data para o 4º domingo de Quaresma (entre 1 de Março e 4 de Abril)
5 S. Vicente Ferrer (fabricantes de telha e tijolo, pedreiros de telhados e daqueles que trabalham com
chumbo) / Sto. Amâncio
O domingo do Bom Pastor ou da Misericórdia Domini (2º após a Páscoa) cai entre 5 de Abril e 9 de Maio.
6 S. Prudêncio / S. Marcelino
Dia azíago, salvo se Júpiter estiver bem aspectado.
7 Sto. Epifânio / S. Hegesipo (cavaleiros e cocheiros) / S. João Baptista de la Salle (calendário moderno:
padroeiro dos educadores cristãos, designado por Pio XII, em 1950)
Os gregos celebravam o nascimento de Apolo, condutor dos corcéis celestes.
8 S. Dionísio / Sto. Amadeu / Sto. Alberto de Jerusalém
Anexim: A três de Abril o cuco há-de vir e se não vier até oito, está preso ou morto
9 S. Tomás Tolentino / Sta. Maria Cléops / Sta. Cassilda (contra fluxos de sangue)
Os latinos celebravam as Lemurias, em honra dos Lémures (espíritos dos familiares defuntos que va-
gueiam pelo mundo). Dia quartã.
10 Ezequiel (advogado contra dores de estomâgo) e Daniel, profetas / S. Bráulio
11 S. Leão I, papa / Sto. Estanislau (calendário moderno)
Derradeira data para o 2º domingo antes da Páscoa (entre 8 de Março e 11 de Abril)
12 S. Victor (moleiros, contra os raios) / S. Júlio (padroeiro dos que recolhem lixo)
A festividade em honra de S. José ocorre no 3º domingo após a Páscoa (entre 12 de Abril e 16 de Maio)
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ABRIL
vinho; Abril frio e molhado, enche o celeiro e deixa-o ir; Mau é por todo o Abril ver o céu a
farta o gado; A ti chova todo o ano; a mim cho- descobrir; Em Abril águas mil; Em Abril guar-
va Abril e Maio; Em Abril queima a velha o da o gado e vai aonde tens de ir; Março vento-
carro e o carril e uma camba que deixou, em so, Abril chuvoso, do bom colmeial farão astro-
Maio a queimou; Em Abril vai a velha onde so; Frio de Abril nas pedras vai ferir; Em Abril
tem de ir e a sua casa (ou ao seu covil) vem dor- águas mil, coadas por um mandil e em Maio
mir; Em Abril queima a velha o carro e o car- três ou quatro; Em Abril a ovelha suas madei-
ril, e deixa um tiço para Maio, para comer as xas vai urdir; Abril cheio o covil; Abril chove
cerejas ao borralho; Mas... Abril frio trás pão e para os homens e mais para as bestas; Abril e
vinho; Abril frio e molhado enche o celeiro e Maio chaves do ano; A água que no Verão há-
farta o gado; Solho de Abril abre-lhe a mão e de regar, em Abril há-de ficar; Ou altas ou bai-
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ABRÓTANO
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ABSÍNTIO
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ABSOLUTO
Numisma cunhado por Ibne Qasi, em Mértola, no qual se autoproclamava al-Imam al-Madhi.
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nhar em Silves, infere-se que o sufi continuou a ABU ’IMRAN MUSA IBNE ’IMRANE AL-MARTULI
aspirar à independência da região ocidental do (1125-1194/95)
al-Andalus e à reconstituição do califado de Asceta muçulmano, contemporâneo de Dom
Córdova. Em 545 (1150), tendo o califa almóa- Sancho I. Viveu em Mértola, donde o epíteto
da ordenado aos chefes das taifas que se diri- de al-Martuli. Além de algumas sentenças e
gissem a Salé para lhe prestarem vassalagem versos, a principal fonte para o conhecimento
(passando a ser considerados simples governa- da sua acção e influência é *Ibne Arabi, seu
dores), o sufi não compareceu, tendo sido con-
siderado rebelde e, logo, alvo da perseguição dos Sentenças de Imrane al-Martuli
governadores fiéis a Abd al-Um’min, motivo (citadas por Ibne Saíde)
por que se aliou a *Afonso Henriques, prome- Tudo o que é parecedouro nada significa. Quem
tendo-lhe, em troca do seu auxílio, além de Be- tem a língua ligeira depressa se arrepende. Evitar
ja, diversas praças fronteiriças. Enfim, temendo dar respostas concretas é próprio de homens in-
represálias, os habitantes de Silves assassinaram teligentes. Quem te dá presentes também te au-
Ibne Qasi no mês de Jumada I de 546 (entre 16 torga o seu afecto. Apodera-se do teu coração
quem te proporciona alguma utilidade.
de Agosto e 14 de Setembro de 1151). Deixou
alguns escritos, designadamente o tratado Poema (idem)
filosófico-teológico, intitulado Khal’ al-Na’ layn Escuta, irmão, o meu conselho que o aconselhar
fi’l tasawwuf (Descalço ante o Todo-Poderoso)[ed. é acto de pura religião, não faças ofício de teste-
Muhammad al-Imani, Safi, 1997, a partir do munha, nem de intermediário, nem de depositá-
ms. conservado na Biblioteca da Mesquita de rio. Assim evitarás ter que mentir meter-te em
Constantinopla] e diversa poesia. coisas alheias e cometer perfídias.
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ABUTRE
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ABUZINAR
abutre misturado com excrementos humanos chama-lhe árvore de cetim, acrescentando que
em vinho, bem coado. Santo António vê no a sua madeira significa «os pensamentos do co-
abutre o invejoso, imagem do «prelado da ração, que devem possuir em si três proprieda-
Igreja que, impedido pelos bens temporais, des: serem como espinheiros, pungindo o cora-
não pode voar das coisas terrenas às celestes» ção, recordando-lhe os pecados; não apodrece-
(Obras Completas, v. 2, p. 163-164). rem, isto é, não consentirem na má sugestão; e
quanto mais lhes chegar o fogo da tribulação,
BIBLIOGRAFIA NUNES, J. J., Uma Velha Crença, in Portucale,
tanto maior firmeza no propósito» (Obras Com-
v. 2, n. 12 (Nov.-Dez. 1929), p. 385-388
pletas, v. 2, p. 115). Adoptada pela maçonaria
ABUZINAR como símbolo da mestria e da imortalidade,
Escárneo e algazarra que ocorre durante o *São bem assim como distintivo do túmulo de Hi-
Martinho, em Vilar Seco. Pela calada da noite, ram, cuja descoberta simboliza o renascimento
diversos indivíduos (antecipadamente combi- para a vida autêntica e eterna. As locuções a
nados) dirigem-se para locais afastados do cen- Acácia é minha conhecida ou a Acácia me é co-
tro da localidade, subindo a árvores, de onde, nhecida são utilizadas pelos mestres mações pa-
por meio de cabaços (colondros estripados e se- ra indicar que alcançaram o 3º grau. Na lingua-
cos), se entretêm a referir escandalosamente vi- gem das plantas, flores e frutos a acácia branca
das alheias, mediante perguntas e respostas. Por significa sentimento puro e amor platónico,
vezes, os protagonistas da brincadeira são perse- enquanto a acácia rosa é sinónimo de elegância.
guidos chegando mesmo a ser sovados. *Pulhas.
ACÁCIO, SANTO
ACABADEIRA Invocado, a 8 de Maio, contra as dores de ca-
Em Castelo de Vide, o mesmo que *abafador. beça.
ACÁCIA ACADEMIA
A decoração da cerâmica com «folha de acácia» Termo derivado do grego, Ekademos ou Akade-
foi extremamente comum no território nacio- mos, que se reporta ao nome do personagem
nal durante o Calcolítico. Na *Bíblia a acácia é mítico que revelou aos Dióscuros (Castor e Po-
exclusivamente reservada à construção do Ta- lux), em busca da irmã, Helena, raptada por
bernáculo em virtude de a sua madeira ser con- Teseu, o esconderijo deles, um jardim dos arre-
siderada incorruptível (Êxodo, XXX, 24; dores de Atenas, o qual o mesmo Akademos ha-
XXXVII; XXXVIII). Segundo Isaías (IV, 19), via de legar ao povo e que, murado e consagra-
acácias alinhar-se-ão, constituindo uma estrada do a Atena, se transformaria na Academia pla-
para os retornados do exílio. Santo António tónica. Designação de largo espectro semân-
tico: reunião esporádica, celebrando algum
evento histórico ou relativo à família real; cur-
silho de intenção didáctica; associação literária,
científica ou cultural; sociedade de livre discus-
são. Até à centúria de quinhentos o termo
manteve o significado de leccionação, deambu-
lação didáctica, fraternidade iniciática e disci-
pulado. O humanismo, suposta reabilitação do
academismo clássico, denunciaria tal sentido,
adoptando o conceito para designar qualquer
associação selecta de indivíduos devotados ao
Fragmento cerâmico Calcolítico, estudo, à scientia e à sapientia. Este o espírito
decorado com «folha de acácia». que presidirá ao nascimento das Academias re-
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AÇAFRÃO
ACADEMIA ESOTÉRICA
Agremiação ocultista, constituída com o objec-
tivo de estudar o *ocultismo teórico e prático,
cujos membros mais influentes ingressaram na
Sociedade Teosófica, quando da formação da
Secção portuguesa, em 1921. Segundo Antó-
nio Chaves Cruz (cf. Osiris, n. 556, Out.-Dez.
1971, p. 11), que admitiu ignorar quem eram
os instrutores do grupo, praticava a conversão
de uma forma-pensamento, «construída deli-
beradamente, num elemental artificial forte-
mente dinamizado».
AÇAFATE
1. Sinal em forma de *covinha gravado sobre
pedra. O mesmo que *buraquinha, *escudela,
*fossette, *gamela, *pia, *sertã. *Asteriforme.
2. Cesto de vime entrançado. Durante o do-
Gravura alusiva à Academia Os Estrangeiros no Lima, mingo de *Pascoela, rapazes e raparigas do con-
incluída no v. 1 da obra homónima de Manuel Gomes celho de Santo Tirso costumavam levar molhos
de Lima Bezerra (Coimbra, Real Oficina da Universi-
dade, 1785).
de varas de salgueiro descascado ao açafeiro da
Cruz de Pelo (Famalicão).
nascentistas de Itália. Posteriormente, no de-
curso do séc. XVII, assistir-se-ia à especializa- BIBLIOGRAFIA CARNEIRO, A. Lima / LIMA, Augusto César
Pires de, Notas sobre os açafates, in Douro Litoral, s. 2, v. 3
ção temática de tais associações, concomitante-
(1945), p. 50-51; S.P., Açafates pintados, in Terra Portuguesa,
mente com a sua institucionalização estatutá- v. 1 (1916), p. 109
ria. Em Portugal aponta-se o início do acade-
mismo cerca de 1628, com a criação da Acade- AÇAFLOR
mia dos Singulares, e o seu apogeu no segundo O mesmo que *açafrão.
quartel de setecentos, para declinar já no séc.
XIX, cedendo o lugar aos salões e tertúlias, ca- AÇAFRÃO
fés e clubes, associações secretas e organizações Do árabe, az-za’afran. Crocus sativus, L. Tam-
políticas e cívicas. Porém, já durante o séc. XVI bém *açaflor, *erva-ruiva e açafrão-das-Índias,
terão existido autênticas Academias, tais como planta bulbosa da família das iridáceas, fre-
os círculos de Sá de Miranda (Quinta da Tai- quentemente confundida com a curcuma. Cul-
pa), de Francisco Rodrigues Lobo (Corte na Al- tivado na Ásia como especiaria aromática (a
deia), ou da Infanta D. Maria (Paço de Enxo- mais cara de todas), pigmento e planta medici-
bregas), podendo ainda ser incluída no rol a nal, mercê das suas propriedades anestésicas e
denominada *Cavalaria do Amor. anti-espasmódicas. Contém crocina (pigmento
carotenóide aparentado com os glicósidos), pi-
BIBLIOGRAFIA CASTELO BRANCO, Fernando, O Significa- crocrocina, etc. Os gregos clássicos, além de o
do Cultural das Academias de Lisboa no século XVIII, in Bracara
Augusta, v. 28, n. 65-66 (77-78) (1974), p. 45-68; PALMA-
utilizarem para combater as insónias e tratar as
FERREIRA, João, Academias literárias dos séculos XVII e ressacas, consideravam o açafrão poderoso afro-
XVIII, Lisboa, 1982 disíaco e estimulante sexual (tal como os chine-
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ACALANTO
ses, ca. 2600 a. C.), quando misturado na água quio de Estudos Etnográficos Dr. José Leite de Vasconcelos, v. 3
(Porto, 1960), p. 257-270; SAMPAIO, Gonçalo, Cancioneiro
do banho. Autores muçulmanos medievais, co- Minhoto, Porto, 1944; SOUSA, Maria Clementina Pires de
mo, por exemplo, Ibn al-Awwan, dão-no como Lima Tavares de, Folclore Musical, Porto, 1942; VASCONCE-
eficaz repelente do *escorpião. Actualmente, a LOS, J. Leite de, Canções de berço, segundo a tradição popular
Espanha (região da Mancha, Baleares e Anda- portuguesa, in Revista Lusitana, v. 10 (Lisboa, 1907), p. 1-86
ACALANTO
Canção de embalar, formalmente equivalente à
berceuse francesa e ao lullaby inglês. Género
musical universal, constitui uma das mais rudi-
mentares formas de canto, adoptando com fre-
quência letra onomatopaica e repetitiva, propi-
ciadora do ritmo encantatório que induz o
adormecimento.
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ACHADO
ACÁRIO, SANTO
Invocado, a 27 de Novembro, para a cura dos
temperamentos obstinados e para a defesa
contra os indivíduos padecentes desse mal.
BIBLIOGRAFIA PINHO, Elsa Garrett, Poder e Razão: escultura
ACÇÃO VIRTUOSA monumental no Palácio Nacional da Ajuda, Lisboa, 2002, p.
Título de uma das estátuas alegóricas (1821) de 76 e 78
João José de Aguiar e do seu ajudante João Gre-
gório Viegas patente no Palácio da Ajuda. ACEGE
Eventualmente inspirada na Iconologia de *Ce- Nome do *Preste João na língua abexim (ge’ez),
sare Ripa (Paris, 1643 e Veneza, 1669), repre- com o significado de Imperador.
senta Hércules com sua maça alçada no acto de
aniquilar a serpente Ladon. ACEITE
Designação do *maçon especulativo, em con-
traponto ao operativo ou tradicional.
BIBLIOGRAFIA Cerimonias da Maçonaria Symbolica dos Antigos
Maçons Livres e Acceites de Portugal publicado sob os auspicios
da Suprema Camara, Lisboa, 1881
ACHADO
A muitos objectos, só quando achados fortui-
tamente, são creditadas serventias mágicas,
umas fastas (ferradura, moeda, sapato velho,
etc.), outras nefastas (agulha de coser, etc.).
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ACIDENTE
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ACÓLITO
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ACÓNITO
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AÇORES
AÇORES
Arquipélago situado no Atlântico Norte, a 760
milhas de Lisboa, entre os 36º 55’ e 39º 43’ de
latitude Norte e os 25º e 31º 51’ de longitude
Oeste de Greenwich. Formado por nove ilhas,
distribuídas por três grupos: Santa Maria, São
Miguel (grupo oriental), Terceira, Graciosa,
São Jorge, Pico, Faial (grupo central), Flores e
Corvo (grupo ocidental), além das Formigas,
diminutos ilhéus desabitados. A descoberta Moedas, datadas do ano 350 a. C., achadas na ilha do
«oficial» (pois a cartografia oferecia, desde o sé- Corvo, em 1749.
culo XIV, múltiplas representações de ilhas
provavelmente correspondentes aos Açores) gumas famílias, seguindo-se-lhe a Terceira (ini-
das sete primeiras ocorreu cerca de 1427 quan- cialmente denominada ilha de Jesus), cerca de
do ali aportou o navegador Diogo de Silves, da 1450, pelo flamengo Jácome de Bruges, a Gra-
Casa do *Infante Dom Henrique. Quanto às ciosa, por volta de 1510, por Pedro Correia e
Flores e Corvo só em 1452 haviam de ser «re- Vasco Gil Sodré, Faial e Pico, em 1466 pelo fla-
descobertas» por Diogo de Teive, porquanto se mengo Josse van Huertere, sogro de Martinho
presume (Armando Cortesão, Esparsos, v. 2, da Boémia, São Jorge, Flores e Corvo, só pos-
Coimbra, 1975) que já os fenícios as haviam teriormente (a partir de 1475), em consequên-
visitado (moedas cartaginesas, datadas do ano cia das desinteligências entre Huertere e os fla-
350 a. C., achadas na ilha do Corvo, em mengos que o acompanhavam. A produção e
1749), podendo, eventualmente, ter sido os exportação de cereais (trigo e cevada) e, depois,
achadores de algumas ou até de todas as restan- de plantas tintureiras, estiveram na base do de-
tes. O Infante Dom Henrique, administrador senvolvimento económico do arquipélago du-
da *Ordem de Cristo, foi o primeiro donatário rante a centúria que se seguiu ao povoamento.
do arquipélago, por cuja morte, em 1460, fo- O *Império do Divino é a festa mais popular
ram por si deixadas em testamento, juntamen- dos Açores, donde a expressão frequentemente
te com o mestrado daquela instituição, a seu fi- ouvida: «a cada canto seu Espírito Santo». Por
lho adoptivo, Dom Fernando, irmão de *Afon- regra, a introdução do auto do Império é credi-
so V. Só uma dúzia de anos volvidos sobre a tada aos franciscanos, que desembarcaram com
notícia do achamento das primeiras, foi dado os primeiros povoadores, coadjuvando os frei-
início ao povoamento de Santa Maria e de São res de Tomar, embora sem jurisdição especial
Miguel, por iniciativa de Gonçalo Velho, co- (cf. Bula de Nicolau V, de 18 de Abril de 1450,
mendador da Ordem de Cristo (Carta Régia de e o testamento do Infante Dom Henrique, de
2 de Julho de 1439), que para lá fez deslocar al- 13 de Outubro de 1460). Não sendo, porém,
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ACRÓSTICO
expressa a informação sobre qual a ilha em que Aguilhão e Vila Franca do Campo (São Mi-
primeiro tal terá ocorrido, admitem alguns au- guel) foram palco de episódios sebastianistas
tores que possa ter sido em Angra do Heroísmo (cf. Ernesto Ferreira, Os Sebastianistas, in S.
(Terceira), onde, por volta de 1492, se fazia um Miguel, v. 2, n. 66, Ponta Delgada, 8 Set. 1906
Império chamado dos Nobres, à porta de cuja e A Canada do Aguilhão, in Pedras de Santa
ermida se realizava a distribuição do *bodo (Pa- Maria, Ponta Delgada, 1969, p. 97-98). *Abe-
dre Alberto Pereira Rei; Francisco Drumond, xim, *Atlântida, *ilha do Corvo.
Anais da Ilha Terceira, v. 1, Angra do Heroís-
mo, 1850, p. 59; Alfredo da Silva Sampaio, ACRÓSTICO
etc.), outros opinam que na de Santa Maria, à Do grego, akrostikkos, princípio de verso (de
data em que governou Pedro Soares de Sousa, akros, extremo, e stikkos, verso). Composição
um dos seus primeiros donatários (padre Sena poética, cujas letras ou sílabas iniciais de cada
de Freitas, in Arquivo dos Açores, v. 1, p. 188), verso, formam, quando lidas conjuntamente,
ou ainda que na de São Miguel, depois da sub- um nome, uma sentença ou qualquer frase
versão de Vila Franca do Campo pelo terramo- com sentido determinado. Apesar da sua pro-
to de 1522 (Padre Manuel Luís Maldonado, vável origem hebraica, foi comum em Alexan-
por exemplo, na Fenix Angrence). Indiscutível é dria e nos latinos Énio e Plauto, que atribuíram
a difusão generalizada da devoção a todo o ar- títulos acrósticos às suas peças. Considera-se,
quipélago a partir de 1523. A circunstância de geralmente, que na sua origem o acróstico está
o governo eclesiástico das ilhas dos Açores ter relacionado com a prática mágico-mística da
pertencido, desde os primórdios da coloniza- escrita hebraica, designadamente com o *Nota-
ção e até 1514, à Vigaria-Geral de Tomar e à rikon cabalístico. O Padre João Baptista de
Ordem de Cristo (cf. Bula de Calisto III, Inter Castro afirma que os versos acrósticos, também
Coetara, de 13 de Março de 1455), consabida- conhecidos por cefalonomásticos, foram inven-
mente promotora da devoção do Império nas tados pela Sibila Eritreia, cognominada Acrós-
regiões sob a sua jurisdição, pode bastar para tica. Comentando algumas variantes, destaca
caucionar a sua rápida expansão nos Açores, fi- as denominadas Paromeo ou Tantogramma, que
cando a dever-se as diferenças litúrgicas, regis- consistem em principiar cada verso e cada pa-
tadas de ilha para ilha, ou até na mesma ilha, lavra de cada verso sempre pela mesma letra (cf.
porventura, à diversa origem continental (Es- Soneto 45 de Quevedo). Um dos mais notáveis
tremadura, Beiras, Algarve, etc.) dos respecti- acrósticos da antiguidade, citado por Lactân-
vos colonos. A atenção da hierarquia eclesiásti- cio, Eusébio e Camões (Elegia XII), é o texto
ca seria alertada para alguns alegados excessos formando a palavra ICHTHYS (peixe) = Iesus
dos festeiros do Divino logo no segundo século CHristos THeou Yus Soter (= Jesus Cristo, fi-
da colonização, cominando, desde 1558, proi- lho de Deus, o Salvador). Na Bíblia os versos
bições e a censura dos festejos, numa reiterada acrósticos, geralmente alfabéticos, são frequen-
e quase sempre baldada tentativa de evangelizá- tes (Salmos, IX, X, XXV, CX [Vulgata: CX] e
-los a que ainda hoje se assiste. Torna-se sinto- CXI [Vulgata: CXII]), sendo, contudo, mais
mática de uma muito pouco evangélica intole- conhecidos os casos do Genesis e de Jeremias.
rância a informação adiantada por Francisco Na Idade Média algumas Cantigas de Santa
Drumond (baseado em António Cordeiro e Maria de Afonso X são casos paradigmáticos.
Gaspar Frutuoso), segundo a qual a localidade Ocorre no Cancioneiro Geral de Garcia de Re-
de Santana de Porto Alegre, o primeiro lugar a sende. Nos períodos maneirista e barroco os
ser habitado na Terceira, fora destruído e aban- textos acrósticos são muito frequentes em Por-
donado por nele haver «muitos impérios com tugal, não só em exemplos esparsos, simples e
muitos folguedos profanos» (cf. Anais da Ilha complexos (Camões), como também em obras
Terceira, v. 1). As localidades de *Canada do integrais, como sucede com a de Frei Francisco
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ACTEÃO
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ACTEÃO
Em um vale florido,
Todo cercado de única espessura,
De maneira tecido
Que na sua verdura
Nunca tocou do Sol a força pura;
Emblema XXXIII do Príncipe Perfeito, imitado de
Solorzano, por António de Novais Campos (1790). Na parte mais quieta
U[m]a fonte se mostra recolhida.
sência do ser universal. E se ele a não vir na sua Ali está tão secreta,
essência, na sua luz absoluta, vê-la-á na sua De flores escondida,
genitura que lhe é semelhante, que é a sua ima- Que apenas é das aves conhecida.
gem: porque da Mónada, que é a divindade,
Nem u[m]a só pisada
procede esta Mónada que é a natureza, o uni- Em derredor da fonte deleitosa
verso, o mundo» (cf. De gli eroici furori, in Dia- Se mostra sinalada,
loghi italiani, Florença, 1958, p. 1123-1126). Nem a mão buliçosa
De entre os poetas que abordaram o tema, cita- Tornou jamais a luz da água fermosa.
rei, a título de exemplo, apenas alguns portu-
gueses: Camões, obviamente na esteira de Oví- E como corre e mana
dio, que o trata na Ode 9 (est. 5), na Écloga dos Alegremente, enquanto o Sol ardia,
Faunos (est. 25), bem como em Os Lusíadas A sagrada Diana
(IX, 26); Duarte Dias, na Fábula de Acteão; An- Da caça desistia,
E se banhava na água mansa e fria.
tónio de Novais Campos no emblema XXXIII
do seu Principe Perfeito (imitado de Solorzano). Banhava o lindo rosto,
Inclusivamente, no hermetismo o mito havia Banhava alegre as tetas amorosas,
de adquirir certa importância, designadamente E com natural gosto
na alquimia, para a qual Diana é o nome atri- Nas águas deleitosas
buído ao corpo de luz que os alquimistas ex- Está olhando as partes mais fermosas.
traem do velho envólucro físico, proclamando
bemaventurados os Actéons que logram con- Banhava o branco céu,
templá-lo (gravura de Mérian, in Johannis Da- Banhava aqueles braços estremados;
Banhava sem rece[i]o
niel Mylius, Tractatus secundi seu Basilicae Chy-
Os peitos delicados,
micae, Frankfurt, 1620). Nas artes plásticas o Que não foram de amor nunca tocados.
repertório, além de vastíssimo, é quase intem-
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ACÚBITO
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AÇÚCENA
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AD QUADRATUM
tamente emanados das rochas gravadas e pinta- zido quando se sopra para o interior de uma
das («pedras que falam»), outrora, decerto, en- garrafa vazia, segundo o ângulo e a intensidade
tendidas pelos xamãs como palcos rituais ou adequados, de molde a provocar a compressão
cerimoniais para o contacto com o *além, cons- periódica do ar aí contido. Muitos arqueosítios
tituíriam como que as vozes dos espíritos aí fi- terão sido afinados de forma a gerarem frequên-
gurados, no limiar de dois mundos. Em mui- cias de 4 hertz, que podem ser produzidas por
tos casos, as propriedades do som poderão mes- um ritmo de quatro batidas por segundo, ou de
mo ter determinado a eleição dos locais de con- 2 hertz, de duas batidas por segundo. É eviden-
centração de *arte rupestre e da hierarquização te que tais constatações são aplicáveis a inúme-
dos temas e sintaxe adoptados. É, por conse- ros monumentos portugueses. *Abrigo rupes-
guinte, conveniente preservar intocadas as pai- tre, *anta, *arte megalítica, *arte parietal, *Es-
sagens que integram sítios congéneres, de mol- coural, *Vale do Côa, *Vale do Tejo.
de a não causar um impacto negativo na qua-
lidade das respectivas características acústicas. BIBLIOGRAFIA DAUVOIS, Michel, Son et musique paléolithi-
É um dado consensual o vasto conhecimento ques, in Les Dossiers d’Archéologie, n. 142 (1989); idem, Les té-
matemático, dos ciclos do tempo e do uni- moins sonores paléolithiques, exterieur et souterrain – «Sons ori-
ginels», préhistoire de la musique, in Études et Recherches Ar-
verso, globalmente entendido, detido pelos po- chéologiques de l’Université de Liège, n. 61 (1994); DEV-
vos arcaicos. Quanto à sua enorme competên- EREUX, Paul, Stone Age Soundtracks: the acoustic Archaeology
cia em matéria de acústica e de controlo do po- of Ancient Sites, Vega, 2001; REZNIKOFF, Iégor / DAU-
VOIS, Michel, La dimension sonore des grottes ornées, in Bulle-
tencial sonoro e vibratório, pesquisas em curso, tin de la Société Préhistorique Française, 1988; WATSON,
incidindo sobre as configurações e proporções Aaron / KEATING, David, Architecture and sound: an acous-
dos seus santuários (sejam recintos fechados ou tic analysis of megalithic monuments in prehistoric Britain, in
Antiquity, n. 73 (1999), p. 325-326; idem, The sounds of the
a céu aberto), apontam para a circunstância de spirit world, in Scientific American discovering Archaeology, v.
se estar perante uma autêntica «arquitectura 2, n. 1 (2000), p. 86-91; idem, The sounds of transformation,
sónica». Com efeito, de acordo com os registos in The Archaeology of Shamanism (ed. N. Price), Londres,
realizados no decurso das pesquisas arqueo- Routledge, 2001, p. 178-192
acústicas empreendidas por Steven Waller, Ié-
gor Reznikoff e Michel Dauvois (em grutas AD QUADRATUM
francesas), Paul Devereux, David Keating e Proporção 1:2, utilizada na arquitectura desde
Aaron Watson (em megálitos da Irlanda, Escó- a antiguidade clássica. Vitrúvio expõe a regra
cia Cornualha e Gales), os sítios detentores de da sua adopção na arquitectura sagrada, escla-
arte rupestre são amplificadores sonoros vocais recendo que «a largura de um templo deve
ou instrumentais. Além do design, também os igualar metade do seu comprimento» (De Ar-
materiais pétreos eram cuidadosamente selec- chitectura, V, I, 4). Parece terem sido os benedi-
cionados de forma a potenciarem certas fre- tinos os primeiros promotores da aplicação de
quências (mormente as ultra-sónicas) susceptí- tal módulo construtivo à arquitectura medie-
veis de induzir estados alterados de consciência val, achando-se vestígios dele um pouco por to-
e transe. Outra das constatações já realizadas da a Europa, mesmo após o declínio da in-
sugere que a organização espacial interna de fluência daquele instituto religioso. A planta de
dólmenes e monumentos de falsa cúpula (*tho- uma igreja edificada pelo método do ad qua-
los) é propícia à geração do fenómeno acústico dratum é definida por um rectângulo constituí-
denominado Ressonância de Helmholtz (a mais do por dois quadrados de igual dimensão, su-
baixa frequência de ressonância susceptível de cedendo rigorosamente o mesmo com os alça-
ser obtida), se forem percutidos tambores à en- dos, quer transversais, quer longitudinais. A
trada ou no interior da câmara, sabido que o diagonal de semelhante rectângulo gera um ân-
ritmo da batida terá de ser proporcional à di- gulo de 63º 26’ ou, mais exactamente, de 63º
mensão desta. Um som cavo idêntico é produ- 25.982’, o qual intervém na construção da sec-
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AD QUADRATUM
Demonstração da proporção 1:2 nas igrejas do Convento de Cristo e do Mosteiro de Alcobaça e na Basílica de Mafra.
ção áurea e do pentágono. constituindo a -se um rectângulo 2 (proporção 2:3), cuja di-
igreja do convento de Cristo, em Tomar, e o mensão define o espaço desde a fachada Oeste
Monumento de Mafra dois dos mais signifi- até ao centro (altar) da Charola. As diagonais
cativos compêndios do método. Na igreja ma- de tal rectângulo cruzam-se, justamente, no
nuelina de Tomar, delineada por Diogo de Ar- ponto onde se ergue o coro alto, determinan-
ruda, observa-se a justaposição de dois cubos do, igualmente, a marcação dos tramos das
de 5 (aliás, 4,5) x 5 braças de lado (isto é, 11 abóbadas (também eles subordinados à pro-
x 11 m), correspondendo o baixo coro à jus- porção 2:3).
taposição de dois cubos de 3 x 3 braças de
lado. De facto, o comprimento da nave iguala BIBLIOGRAFIA GANDRA, Manuel J., A Basílica de Mafra:
o diâmetro da Charola, inscrevendo o conjun- compêndio de Salomonismo e pólo da Nova Jerusalém, in Bo-
to num duplo quadrado (proporção 1:2) de letim Cultural ’97, Mafra, 1998, p. 9-78; LEITE, Sílvia, To-
mar ou o Templo de Salomão, in A Arte do Manuelino como
10 x 5 braças (22 x 11 m), o qual é exacta- percurso simbólico, Lisboa, 2005, p. 200; LUND, Frederick
mente imitado pelo alçado. Rebatendo a dia- Macody, Ad Quadratum: a study of the geometrical bases of
gonal do quadrado que define a nave, obtém- classic and medieval religious architecture, Londres, 1921
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ADÁGIO
Frontispícios de duas das mais importantes obras de referência para o estudo da paremiologia portuguesa.
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ADÁGIO
pessoa de cada um». A *literatura de cordel dos melhores autores nacionais e recopilados por ordem alfabé-
tica, Lisboa, Tipografia Rollandiana, 1780 e 1841; TEIVE,
serviu-se, frequentemente, da paremiologia Diogo de, Epódos que contêm sentenças úteis a todos os homens,
como fonte de inspiração. as quaes se accrescentão Regras para a boa educação de hum
Príncipe (trad. Francisco de Andrade a partir da ed. Latina
FONTES ALEIXO DE SANTO ANTÓNIO, Frei, impressa em 1565), Lisboa, 1786; THEOBALDO, Provér-
Philosophia Moral, tirada de alguns Proverbios ou Adagios, am- bios históricos e locuções populares, Rio de Janeiro, 1879;
plificados com authoridades da Sagrada Escriptura e Doutros TRANCOSO, Gonçalo Fernandes, Contos e Histórias de Pro-
que sobre ella escreveram Coimbra, 1640; ALVIA DE CAS- veito e Exemplo, Lisboa, 1589 (1ª e 2ª partes), 1596 ( 3ª par-
TRO, Don Fernando, Aphorismo y Exemplos Políticos y Mili- te); VASCONCELOS, Jorge Ferreira de, Comédia Eufrosina,
tares sacados de la Primera Década de Juan de Barros, Lisboa, Lisboa, 1561
Pedro Craesbeck, 1621; BARBOSA, Agostinho, Diccio-
narium Lusitanico-Latinum, Braga, 1611; BARROS, Alonso BIBLIOGRAFIA ALVES, Manuel Costa, Mudam os Ventos, mu-
de, Provérbios Morales, Lisboa, 1617 (2 edições no mesmo dam os Tempos: o adagiário popular meteorológico, Lisboa,
ano); idem, Porta das línguas, Lisboa, 1623; BASTOS, José 2002 (2ª ed.) [especialmente p. 99-146]; ARIMATEIA, Rui,
Joaquim Rodrigues de, Collecção de Pensamentos, Máximas e Rifoneiro do porco, Évora, 1993; BASTOS, José Joaquim Ro-
Provérbios, Porto, 1865; BERNARDES, Padre Manuel, Nova drigues de, Colecção de Pensamentos, Máximas e Provérbios,
Floresta ou Silva de Vários Apotegmas, Lisboa, 1707; BLU- Porto, 1865; BATALHA, Ladislau, História Geral dos Adágios
TEAU, Rafael, Vocabulário Portuguez e Latino, Coimbra e portugueses, Lisboa, 1924; BOURBON, Francisco Peixoto P.
Lisboa, 1712-1728; CÂMARA, Perestrelo da, Colecção de da S. e, A oliveira e seus produtos no rifoneiro popular, in Bo-
provérbios, adágios, rifões, anexins, sentenças morais e idiotismos letim da Junta Nacional do Azeite (1969); BRAGA, Teófilo,
da língua portuguesa, Rio de Janeiro, 1848; CHAVES, Pedro, Adagiário Português (coligido das fontes escritas), in Revista
Rifoneiro português, Porto, 1928; CORAZZI, David, Philoso- Lusitana, n. 17-18 (1914-1915); CÂMARA, Padre Perestrelo
phia Popular em provérbios, Biblioteca do Povo e das Escolas, da, Colecção de provérbios, adágios, rifões, anexins, sentenças
n. 45, Lisboa, 1882; CORREIA, António Simões, Dicionário morais e idiotismos da língua portuguesa, Rio de Janeiro, 1848;
de Adágios e Princípios Jurídicos, Lisboa, Liv. Férin, 1958 (2 CHAVES, Luís, Rifoneiro Português, Porto, 1928 e 1945 (2ª
vols.); DELICADO, António, Adágios Portugueses reduzidos a ed.); CORTES-RODRIGUES, Armando, Adágiário Popular
lugares comuns, Lisboa, Luís Lopes Roja, 1615 [obra supri- Açoriano, in Insulana (1945-1953) e Angra do Heroísmo,
mida em 1771 pela Real Mesa Censória e reed. em 1923, 1982 (2 vols.); COSTA, Alberto Sousa, Fisionomia, Expressão
com prefácio de Luís Chaves]; ESPANHA, J. Rebelo, Dicio- e Pitoresco de Certos Vocábulos, Locuções e Adágios Populares,
nário de Máximas, Adágios e Provérbios, Famalicão, 1936; Coimbra, 1931; CUNHA, Alfredo da, Ditames e ditérios,
FORTUNATO DE SÃO BOAVENTURA, Frei, Ensaio de Lisboa, 1929-1931, 3 vols.; CUNHA, Xavier da, Philosophia
um índice as palavras, adágios, dictos, sentenças, anexins e phra- Popular em Provérbios, Lisboa, David Corazzi Editor, 1882;
ses, que a língua portuguesa tirou da grega, sem passarem pelo DELGADO, Manuel Joaquim, A etnografia e o folclore do
intermédio da latina (ms.); FRILEL, Adágios, Provérbios, Ri- Baixo Alentejo (aspectos vários; curiosidades linguísticas; comen-
fãos e Anexins da Língua Portuguesa, Lisboa, Tipografia rolan- tário, recolha e notas do autor), Lisboa, 1957-58 [adágios refe-
diana, 1780; LOPEZ DE MENDOZA, Don Iñigo, Provér- ridos aos diferentes meses do ano]; idem, O Valor dos Adagiá-
bios, Lisboa, 1501; MANIQUE, Francisco António da Cu- rios, in Actas do 1º Congresso de Etnografia e Folclore, v. 3, Lis-
nha de Pina, Aphorismos e pensamentos moraes, religiosos, poli- boa, 1963, p. 309-324; LANHOSO, A. Coutinho, Rifoneiro
ticos, philosophicos, Lisboa, 1850; idem, Ensaio phraseologico do Mar, Porto, 1960; GOMES, Manuel João, Nova Recolha
ou colecção de phrases metaphoricas, elegâncias, idiotismos, sen- de Provérbios, Lisboa, Afrodite, 1974; HESPANHA, Jayme
tenças, provérbios e anexins da língua portuguesa, Lisboa, Rebelo, Dicionário de Máximas, Adágios e Provérbios, Famali-
1856; MELO, D. Francisco Manuel de, Feira de anexins, Lis- cão, 1936; LIMA, Fernando de Castro Pires de, Adagiário
boa, 1875; MORAIS, Pedro José Suppico de, Colleçam Mo- Português (contribuição para o seu estudo sistemático), in Actas
ral de Apophthegmas memoráveis, Lisboa, 1733 e Coimbra, do Congresso Internacional de Etnografia, v. 3, Santo Tirso,
1761; NARBONA, Eugénio, El libro de oro de Séneca, Coim- 1965, p. 411-445; LANHOSO, A. Coutinho, Rifoneiro do
bra, 1555; NICOLÁS LIBURNIO, Elegantes sentencias de mar, Porto, 1960; LIMA, J. A. Pires de, O Corpo Humano no
muchos sabios Príncipes, Reys e Philosophos Griegos y Latinos, Adagiário Português, Porto, 1946; LOPES, Castro, Origens de
Lisboa, 1554; idem, Doctrina politica civil, escrita em aphoris- anexins, proloquios, locuções populares, siglas, etc., Lisboa, 1909
mos, Coimbra, 1584; NUÑEZ, Hernán, Refranes o Prover- (2ª ed.); MACHADO, António Pires, Rifoneiro jurídico,
bios en romance, Salamanca, 1555 [a mais remota colecção Lousã, 1969; MACHADO, Fernando Falcão, Corografia
impressa de provérbios portugueses]; PAULO, Amilcar, Os portuguesa no rifoneiro nacional, Lisboa, 1930; MACHADO,
Sefardins e o seu Adagiário, in Revista de Etnografia, v. 16, to- José Pedro, O grande livro dos provérbios, Lisboa, 1996; MAT-
mo 1, n. 31 (Jan. 1972), p. 113-129; PEREIRA, Padre Ben- TOSO, José, O essencial sobre os Provérbios Medievais Portu-
to, Prosodia in Vocabularium bilingue, latinum, et lusitanum, gueses, Lisboa, 1987; MELO, Veríssimo de, Adagiário da Ali-
Lisboa, 1634; idem, Florilégio dos modos de fallar e adágios da mentação, Natal, 1950; MONTEIRO, José, «A fé é que nos
lingoa portuguesa, Lisboa, Paulo Craesbeck, 1655; PERIM, salva e noêja o pau da barca», in Revista Lusitana, v. 21
Damião de Fróis, Colecção dos primeiros adágios portugueses, (1918), p. 337-338 [análise deste adágio]; MOREIRA, An-
ms. [ANTT]; RODRIGUES DE ÉVORA, André, Sentenças tónio, Provérbios Portugueses, Lisboa, 1996; PAÇO, Afonso
para a Ensinança e Doutrina do Príncipe D. Sebastião, (ed. do, A vida militar no rifoneiro português, in A Língua Portu-
Luís de Matos), Lisboa, 1983; ROLLAND, Francisco, Adá- guesa, v. 4, n. 3 a 8 (1935); idem, Sogras e cunhadas no cancio-
gios, provérbios, rifões e anexins da Língua Portuguesa, tirados neiro popular e no adagiário, in Actas do Congresso Internacio-
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ADAMASTOR
Guia
FARO (celeiro da horta de S. Francisco ou das Figuras, à entrada de Faro, do lado direito, de quem entra na
cidade, vindo de Portimão): flanqueando a entrada observam-se duas imagens relevadas, com cerca de três
metros de altura, a da esquerda figurando o Adamastor (guerreiro negro com cinco penachos na cabeça, do-
minando um lagarto ou jacaré com a legenda: «[...] de[?] boa [...] es[?] damastor») a da direita Hércules (com
a legenda «Erculis»); LISBOA [MNCo]: A «horrível cabeça» ao centro do alçado posterior do 1º coche da
embaixada que D. João V enviou à Santa Sé, em 8 de Julho de 1716; SRI LANKA: painel de azulejos.
A. BRAMTOT: pintura na ed. Guillard de Os Lusíadas; BARAHONA POSSOLLO: série filatélica, co-
memorativa dos 500 anos da Descoberta do Caminho Marítimo para a Índia; CARLOS REIS [MusMil:
sala Camões]: tela; CIRILO VOLKMAR MACHADO [PNM: sala das Descobertas]: fresco; COLUM-
BANO [MNAC]: Visão do Adamastor, desenho [inv 1163]; Adamastor, desenho [inv. 1186-(37)]; CON-
DEIXA [MusMil: sala Camões]: tela; ELLYS: duas telas; FRAGONARD: ed. Morgado de Mateus; JOR-
GE COLAÇO [Palace Hotel do Buçaco]: painel de azulejos (Fábrica de Sacavém, 1907); JÚLIO VAZ JÚ-
NIOR [Alto de Santa Catarina: jardim]: escultura (1927); PAULINO DE SOUSA: in Os Lusíadas (Paris,
1865); ROQUE GAMEIRO / M. MACEDO: gravura (ed. Empresa da História de Portugal)
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ADAM-KADMON
dentes etimológicos greco-latinos, sem con- do bem e do mal. A hermeneutica que afirma
tudo precisar quais. Voltaire cita com admi- que Deus formou e deu vida a Adão a partir da
ração esta criação camoneana, no Essai sur la terra, tendo posteriormente retirado Eva de
Poésie Épique. uma sua costela, não corresponde à letra do Ge-
nesis (I, 27), onde se lê: «macho e fêmea os
BIBLIOGRAFIA ABREU, Alberto Antunes de, Do Discurso Lí- criou». Inúmeros comentários inspiraram a his-
rico de Camões: a propósito do Episódio do Adamastor, Esposen-
de, 1982; ARRIAGA, Noël de, O gigante Adamastor: fantasia
tória de Adão e Eva. Para S. Paulo, Adão é o pri-
juvenil em 3 actos, Lisboa, 1960 [BN: L 51573 P]; BENO- meiro homem terrestre, enquanto Cristo o «no-
LIEL, José, Episódio do Gigante Adamastor (Lusíadas, canto V, vo Adão», de natureza celeste (Romanos V e 1
est. 37-70): Estudo crítico, Lisboa, 1898 [BN: Cam 82 (1º) V];
Corínteos XV). Do mesmo modo, se relacionou
CASTRO, Aníbal Pinto de, O episódio do Adamastor: seu lugar
e significado na estrutura de Os Lusíadas, in XLVIII Curso de Fé- a Queda com a descida de Jesus ao Limbo e a
rias da Fac. de Letras da Univ. de Coimbra (Ciclo de Lições co- tentação de Adão à de Jesus no deserto (Mateus
memorativas do IV centenário da publicação de Os Lusíadas), IV, 1-11). S. Gregório lembra (Moralia, 18, 74)
Lisboa, 1972, p. 61-78; FARIA, António Portugal de, O Epi-
sódio do Adamastor nos Lusíadas de Luís de Camões, Livorno, que o termo pelo qual Adão é conhecido em la-
1897; [FRANCISCO DE S. LUÍS, Frei], Apologia de Camões tim significa terra vermelha (*Homem verme-
contra as reflexões criticas do P. J. Agostinho de Macedo sobre o lho). A patrística considera Eva, «mãe de todos
Episodio de Adamastor no Canto V. dos Luziadas, Lisboa, Tipo-
grafia do Correio, 1840 [BN: Cam 539 (14º) P]; LET- os viventes» (Génesis III, 20), símbolo da pró-
ZRING, Monica, The Adamastor Episode and the eighteenth pria Igreja, confundindo-a com Maria. A ideia
century Aesthetic Theory of the Sublime in England, in Actas da teve enorme fortuna, como prova António de
I Reunião Internacional de Camonistas (Lisboa, 15 a 18 de Nov.
de 1972), Lisboa, 1973; MACEDO, José Agostinho de, Refle-
Sousa de Macedo, autor da obra intitulada Eva
xões criticas sobre o Episódio de Adamastor nas Lusíadas, Canto e Ave, ou Maria Triunfante (afirma-se que a ex-
V, oit. 39: em forma de carta, Lisboa, Impressão Régia, 1811; pressão Eva e Ave foi usada pela primeira vez
OLIVEIRA, Joaquim de, A primeira sugestão do mito de Ada-
mastor (Gil Vicente e Luís de Camões: breve estudo comparativo),
por Frei Bernardino de Sena, num sermão pre-
in Revista Ocidente, v. 62 (1962), p. 6-26 [BN: Cam 315 (5º) gado no Campo de Siena, em 1426, porém, em
P]; OSÓRIO, Balthasar, Origens do episodio dos Lusíadas «O data anterior, Paolo di Giovanni Fei (ca. 1340-
Gigante Adamastor», in Bol. da 2ª Classe da Acad. das Sciências
-1411) pintara uma tábua alusiva ao tema, ac-
de Lisboa, v. IV (1911); RAMALHO, Américo da Costa, Sobre
o nome de «Adamastor», in Garcia de Orta (n. especial come- tualmente no Museu Metropolitano de Nova
morativo do IV Centenário da publicação de Os Lusíadas), Iorque). Um trovador, apenas conhecido por
(1972), p. 433-437; idem, Aspectos Clássicos do Adamastor, in Afonso, dedicou a seguinte cantiga ao «departi-
Estudos Camonianos, Coimbra, 1975, p. 43-54; SANTOS,
Custódio Lopes dos, A denominação Adamastor em Os Lusía- mento que há entre Ave e Eva»: «Entre Av’ e Eva
das, in Actas da IV Reunião Internacional de Camonistas, Ponta / gran departiment’ á / Ca Eva nos tolleu / o Pa-
Delgada, 1984, p. 623-642; VIEIRA, Yara Frateschi, Adamas- rays’ e Deus, / Ave nos y meteu; / porend’, ami-
tor: o pesadelo de um Ocidental, in Actas da V Reunião Interna-
cional de Camonistas, S. Paulo, 1987, p. 229-240 gos meus: / Entre Av’ e Eva… / Eva nos foi dei-
tar / do dem’ en sa prijon, / e Ave en sacar; / e
ADAM-KADMON por esta razon: Entre Av’ e Eva… / Eva nos fez
A primeira emanação da natureza divina. O perder / amor de Deus e bem, / e pois Ave aver
homem arquetípico ou celeste. O mesmo que / no-lo fez; e poren: / Entre Av’ e Eva… / Eva
o Logos da Teosofia. Os cabalistas colocam-no nos ensserrou / os çeos sem cha, / e Maria bri-
na segunda séfira. tou / as portas per Ave. / Entre Av’ e Eva…». Já
para os judeus quinhentistas portugueses o seu
ADÃO, SANTO *Anticristo seria da casa de Adão [ANTT: ms.
Padroeiro dos jardineiros, invocado a 19 de 846, n. 8232, fl. 180v e 183v]. Na opinião de
Dezembro. *Santo Abdão. *Pedro Rates de Hanequim (séc. XVIII), se as
diversidades anatómicas entre homens e mulhe-
ADÃO E EVA res haviam sido feitas «à imagem e semelhança»
Casal primordial, induzido por Lúcifer a comer de quem as formara, era de supor que Adão ti-
do fruto proibido da árvore do conhecimento vesse sido «formado da segunda Pessoa [Filho],
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ADÃO E EVA
A Criação de Adão, segundo Francisco de Holanda (De Aetatibus Mundi Imagines, fl. 7v).
que é masculina, e por isso o fez do mesmo gé- bolo do trabalho a que o pecado original con-
nero; e Eva formada pela terceira [Espírito San- denou a humanidade. À enxada e à terra cha-
to] e por isso saíu fêmea, porque esta Pessoa é mam os mindericos (naturais de Minde) a do
feminina e cada qual deu vida à sua imagem» Pai-Adão, enquanto empregam a expressão pol-
(sexto argumento da proposição 1.21). Em ir a do Pai-Adão para dizer cavar. Na romaria de
consequência, Hanequim estabeleceria a divisão Nossa Senhora dos Remédios, em Baúlhe, figu-
sexual do trabalho para anjos e demónios, de ravam Adão e Eva, ele de casaca preta e alvião às
acordo com a qual o contacto com os mortais costas e ela de saia de chita, chaile traçado e cha-
dependia directamente da natureza dos seus ór- péu de palha ataviado com fitas de cor. Em
gãos copuladores, valendo tal raciocínio para a Óbidos, diz-se: «Quando Deus formou Adão /
salvação da alma, uma vez que o redentor dos De um bocadinho de barro, / Nem as terras da-
homens seria Cristo, enquanto o das mulheres vam pão, /Nem o mar era salgado». Segundo
seria a Virgem (proposições 1.14 e 1.27). O uma tradição corrente em algumas regiões do
poeta *Belchior Manuel Curvo Semedo, de- país, deve dar-se o nome de Adão ao sétimo fi-
nunciado ao Santo Ofício, em 19 de Novembro lho e de Eva à sétima filha, para impedir que se
de 1819, era acusado da seguinte blasfémia, en- transformem em lobisomem e bruxa, respecti-
tre outras: «[…] que na criação do mundo que- vamente. O padrinho deve ser o irmão mais ve-
ria Deus ser servido por homens ignorantes pois lho e a madrinha a irmã mais velha (Baião). A
lhe proibia que comesse da árvore da ciência e criação do primeiro homem e da primeira mu-
mais que uma criança como se julga inocente lher é tema versado no teatro popular portu-
não peca pois não sabe o que faz e que logo guês, em Trás-os-Montes (Auto de Adão e Eva) e
Adão e Eva não sabia o que fazia e que admira no Alentejo (Auto da Criação do Mundo). No
que não tivesse medo de uma serpente nem da primeiro caso, encarnado por personagens que
sua babuge pois aceita o pomo da boca dela representam de forma hierática, os motivos prin-
[…]» [ANTT: Inq. Lisboa, proc. 17610]. Fre- cipais são o drama da condenação de Adão e
quentemente, Adão ostenta uma enxada, sím- Eva aos trabalhos do mundo e o crime de Caim,
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ADÃO E EVA
Guia
COIMBRA (Mosteiro de Santa Cruz): no cadeiral do coro acha-se representado Adão, completamente nú
à excepção de um barrete cónico na cabeça, idêntico ao que, segundo Santo Agostinho, tipifica os judeus,
a lei mosaica e a Sinagoga.
Criação de Adão
LISBOA [MNAA: inv. n. 151]: tábua em mau estado, filiada por Vítor Serrão no ciclo oficinal de Gregório
Lopes; SETÚBAL (igreja de S. Julião): tábua (1320 x 700 mm) atribuída à chamada terceira época (1531-
-1540) da actividade de Gregório Lopes como pintor régio, subordinada aos modelos de Antuérpia.
Criação de Eva
LISBOA (ermida dos Remédios, Alfama): tábua do primeiro terço do séc. XVI, atribuída ao ciclo dos Mes-
tres de Ferreirim
Pecado Original
LAMEGO (Sé): o programa iconográfico do retábulo da capela-mor (Vasco Fernandes, 1506-1511) con-
templava uma série de seis tábuas (num total de vinte), representando: Criação de Adão; Adão no Pa-
raíso; Criação de Eva; Adão e Eva; Expulsão do Paraíso; Adão e Eva fora do Paraíso. Numa Anunciação,
atrib. ao mesmo pintor, do retábulo da capela mor da Sé, observa-se na parede do fundo um medalhão
figurando Eva segurando a maçã com a mão esquerda enquanto aponta para uma ave com a direita. Cú-
pulas fingidas do lado da Epístola da Sé pintadas por Nasoni; LISBOA (igreja do Loreto): caixotão do
tecto pintado por Giovanni Ponte (séc. XVII), destruído pelo terramoto de 1755; OLIVENÇA (igreja
da Misericórdia): um dos retábulos azulejares figura Deus a oferecer roupas a Adão e Eva, após o pecado
original; SANTA EULÁLIA DA CUMEEIRA (Santa Marta de Penaguião): cenas da história de Adão
e Eva pintadas por Nasoni: seis caixotões (destruídos) do coro da igreja matriz; SANTA MARIA DE
MEINEDO (Lousada): no modilhão do extremo NE da igreja românica veem-se representados Adão e
Eva, certamente numa tentativa de exortação à virtude; TOMAR (Charola): Adão e Eva ocorrem de-
zasseis vezes, com os corpos entrelaçados e vestidos de túnicas de pele, como foram expulsos do Paraíso,
para habitarem a oriente dele; VILA ALVA (Cuba): conjunto de telas (séc. XVIII) da igreja matriz, ilus-
trando a narrativa do Génesis desde a criação de Adão ao pecado original e à expulsão do paraíso, pre-
sume-se a partir de uma série de estampas.
enquanto no Auto da Criação do Mundo (repre- lenda que afirma que a cruz foi feita com ma-
sentado por bonifrates) o bailado dos anjos, os deira proveniente da árvore do paraíso. Camões
corais do Sol e da Lua e a entrada dos animais refere-se a uma pegada de Adão em Ceilão (Os
criados constituem mero cenário para o desen- Lusíadas, X, 36). *Francisco de Holanda.
rolar da história do Pecado Original e do crime
de Caim. A figuração de Adão e Eva no Paraíso, BIBLIOGRAFIA ABELHO, Azinhal, Teatro Popular Português, v.
dentro da iconografia tradicional da pintura e 1, Braga, 1968, p. 29-61; ANDRADE, Maria do Carmo
Rebelo de, Iconografia narrativa na ourivesaria manuelina: as
iluminura flamengas dos meados de quatrocen- salvas historiadas, Lisboa, 1997 (tese de mestrado História de
tos, é muito comum nos pratos, salvas ou bacias Arte, Universidade Nova de Lisboa [BN: SA 18158-59 V]);
historiadas de esmolas em latão batido, oriun- ANÓNIMO, Os Pratos de Nuremberga da Casa-Museu de
Guerra Junqueiro, Porto, 1965; CORREIA, Pedro Lobo, Vida
dos de Nuremberga e de outras cidades da Eu- de Adão, e orações contra as tempestades, Lisboa, 1682 e
ropa setentrional, oferecidas por Dom Manuel, Coimbra, 1709; FELIX JOSÉ DA SOLEDADE (pseud. de
enquanto governador da *Ordem de Cristo, a José da Cunha Brochado), Auto da Vida de Adão, pae do genero
todas as igrejas do seu padroado. Vasari conta humano, primeiro monarcha do universo, Lisboa, 1727;
MATOS, Armando de, Adão e Eva, in Douro Litoral, s. 3, v. 3
nas suas Vitae que Dom Manuel encomendara (1948), p. 38-40 [descreve duas estatuetas de barro branco
a Leonardo da Vinci um cartão alusivo a Adão policromado]; MAZURE, A., Adam et Éve: le thème d’Adam
e Eva para uma tapeçaria. Na iconografia da et Éve dans l’art, Paris, 1967; OLIVEIRA, Vicente Carlos de,
Adão remido por Jesus Cristo, Lisboa, 1791 [poema];
crucificação, junto à base da cruz, é represen- SERRÃO, Vítor, A «Criação do Homem» de Gregório Lopes, in
tado amiúde o crâneo de Adão, para ilustrar a Oceanos, n. 4 (Jul. 1990), p. 76-81
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ADIVINHA
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ADIVINHAÇÃO
fração pode ser proposta, quer como diversão, dotisas e profetas em Dodona e Delfos e com a
quer com intuito edificante. A primeira colec- Sibila (Fedro, 244b-c). Para o ateniense, mantis
ção impressa remonta ao séc. XVII, sendo de- derivara de mainomai (mania). Foi Cícero (séc I
vida a Francisco Lopes (Passatempo Honesto, a. C.) o primeiro a ensaiar uma classificação
Lisboa, 1603). sistemática das mancias (do grego, manteia), no
De Divinatione (I, 11): distingue as naturais (de
BIBLIOGRAFIA ALEXANDRlNO, António, Adivinhas, in Tra- carácter profético ou alucinatório) das artísticas
dição, v. 2 (1900), p. 14, 31, 46, 111; BRAGA, Teófilo, As
Adivinhas portuguesas, in Era Nova (1880-1881), p. 241-255 (aquelas que utilizam instrumentos catalizado-
e 433-442; CHAVES, Luís, No mundo recreativo das adivi- res). Na actualidade, Gwen Le Scouêzec propôs
nhas, in Mensário das Casas do Povo, a. 12, n. 136 (Out. a ordenação seguinte: A. Profetismo (intuição
1957), p. 6-8; n. 137 (Nov. 1957), p. 12-16; n. 142 (Abr.
1958), p. 8-10; DRUMOND, Machado, Lenga-lengas, in Bo- pura em estado de vigília); B. Vidência alucina-
letim do Instituto Histórico da Ilha Terceira, v. 14 (1956), p. tória (estado alucinatório ou hipnótico, sendo
214-254; GOULART, Osório, Rimas infantis, in Revista Insu- de considerar os estados de transe e de sono); C.
lana, v. 3 (1947), p. 346-347; GUERREIRO, Manuel Viegas,
Adivinhas portuguesas, Lisboa, 1957; JESUS, Edmiro de, Ri-
Adivinhação matemática (*Astrologia, *Geo-
mas infantis da ilha de S. Miguel, in Revista Insulana, v. 12 mancia, *Aritmomancia, etc.); D. Mântica da
(1956), p. 400-405; LEÃO, Armando, Folclore da freguesia da observação (estados e comportamentos de seres
Oliveira (Póvoa de Lanhoso), in Douro Litoral, v. 8 (1943), p.
46-49; LIMA, Augusto Pires de, O Livro das Adivinhas, Porto,
animados ou matérias inanimadas); E. Sistemas
1921 e 1943; MEIRELES, Cecília, Os dedos, in Revista Insu- Abacomânticos (exclusivamente resultantes da
lana, v. 12 (1956), p. 398-400; MOUTINHO, Viale, Adivi- manipulação de tábuas e oráculos). Diversas são
nhas populares portuguesas, Porto, s. d.; OLIVEIRA, Ernesto
as fontes literárias latinas que descrevem as fór-
Veiga de, Designações dos dedos da mão, in Douro Litoral, s. 6,
v. 9 (1955), p. 9-27 [Estudo das parlengas infantis dos dedos mulas proféticas e divinatórias dos diferentes
da mão e comparação com casos de outros países]; PIRES, povos hispânicos da antiguidade. Na Celtibéria
António Tomás, Formulas e Perlengas diversas, in Revista Lusi- são citados casos como os do chefe Olíndico
tana, v. 1 (1887-89), p. 346-351; idem, Folk-lore Alemtejano,
in Revista do Minho, v. 5, n. 2 (1889), p. 1-2; idem, Adivinhas que arregimentou muitos celtíberos, cerca de
Portuguezas recolhidas da tradição oral na Província do Alentejo, 170 a. C., «brandindo uma lança, que dizia en-
Elvas, 1923; idem, Rimas e jogos coligidos no concelho de Elvas, viada do céu, e adoptando a postura de um pro-
Elvas, 1937; RIBEIRO, Luís da Silva, Rimas infantis, in Bole-
tim do Instituto Histórico da Ilha Terceira, v. 2 (1944), p. 263- feta» (Flor. 1,33, 14), mas também de sibilas fe-
-275; SANTOS JÚNlOR, J. R. dos, Lengas-lengas e jogos in- mininas cujos oráculos anunciavam, como se
fantis, in Trabalhos de Antropologia e Etnologia, v. 8, n. 3-4 depreende de uma passagem de Suetónio, «que
(1938), p. 317-361; SILVA, Armando J. da, Etnologia açoria-
na, in Revista Lusitana, v. 1 (1886), p. 87-88 e v. 2 (1914) (2ª
um dia saíria de Hispânia o príncipe e senhor
ed.), p. 23-25; SILVEIRA, Pedro da, Rimas infantis da ilha das supremo» (Galba 9, 2). Por seu turno, Apiano
Flores, in Revista Insulana, v. 5 (1949), p. 141-144; idem, No- (Iber. 85) e Plutarco (Apoph. reg. 16) escrevem
vas rimas infantis da ilha das Flores, in Revista Insulana, v. 6
(1950), p. 205-209; VASCONCELOS, J. Leite de, Numera-
que o exército romano que sitiava Numancia
ção infantil, in Revista Lusitana, v. 1 (1886), p. 75-76; idem, fervilhava de adivinhos e magos à chegada de
Nomes populares dos dedos da mão, in Revista Lusitana, v. 2 Cipião Emiliano, acrescentando que a soldades-
(1890), p. 181; VIEIRA, J. da Silva, Variantes populares: O Pa-
ca, desmoralizada pelas sucessivas derrotas sofri-
dre Nosso pequenino, in Revista Lusitana, v. 1 (1886), p. 71-72;
s./a., Rimas populares, in Revista Lusitana, v. 20 (1912), p. 53 das ante a cidade celtíbera, se entregava a práti-
cas divinatórias. Entre os Lusitanos a adivinha-
ADIVINHAÇÃO ção requeria sacrifícios humanos, coincidindo
Também *adivinhança e *adivinhamento. De- os métodos de obtenção dos vaticínios com os
signação genérica para o conjunto de técnicas dos druídas galos, a aquilatar pelos testemunhos
tendentes à descoberta do futuro ou de factos de Possidónio (4, 4, 5) e Diodoro Sículo (5, 31,
ocultos. Adivinha-se o futuro por meio de orá- 3). Estrabão descreve-os (3.3.6) da forma se-
culos, sonhos e agouros. Platão associa o méto- guinte: Os lusitanos «fazem sacrifícios [...] tiram
do de comunicação directa por meio de um mé- presságios do pulso, das veias e entranhas das ví-
dium com uma loucura (mania) divinamente timas e do modo como tomba o corpo destas ao
inspirada e exemplifica o processo com as sacer- ser ferido pelo sacrificador. Amputam a mão
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ADIVINHAÇÃO
direita aos inimigos vencidos e consagram-na fazer dano ou proveito a alguma pessoa ou fa-
aos deuses [...]». Presume-se que tais práticas ha- zenda» (XXV, 1); Braga (1639): «Por várias vias
jam caído em desuso durante a época imperial. se pretende adivinhar e alcançar o futuro, como
Já a adivinhação entre os galaicos, mencionada é por feitiçarias, nigromancias, prestígios, arte
por Sílio Itálico (3, 344--345), que consistia, mágica, agouros, sortes, encantamentos, invo-
designadamente, na observação do voo das aves cação de espíritos malignos e por outros seme-
(augurium) e no exame das vísceras (fibrae) e lhantes modos abomináveis e reprovados pelo
das chamas sagradas (e do *raio), segundo fór- Direito em modo que, como por coisas suspei-
mulas características da mântica etrusca, sobre- tas para a Fé, foram os culpados nelas castigados
viveu no Noroeste da Península até à era cristã, por Lei Divina. Mandamos com pena de exco-
porquanto além de São Martinho de Dume (De munhão maior, ipso facto incurrenda, que ne-
correctione rusticorum 6 e Cânone LXXI) a ela se nhuma pessoa, assim eclesiástica, como secular,
reportam o cânone 72 do Concílio II de Braga de qualquer estado, grau e condição que seja, e
e o cânone 2 do Concílio XVI de Toledo. A das mais penas adiante declaradas, use de adivi-
igreja Católica considerava a adivinhação (quer nhações, por sorte reprovadas, por encantamen-
a profética, a astrológica ou a demoníaca, tam- tos, por agouros, nem por arte mágica, nem por
bém denominada negromântica, ou *nigro- invocação ou pacto com o demónio, feitiçarias,
mancia), a segunda de cinco espécies de supers- nigromancia ou por outro qualquer modo ilí-
tição (sendo as restantes a *idolatria, a vã obser- cito» (XLIX, 1); Algarve (1674): «E portanto
vância, a *magia e o *malefício), atribuindo-lhe proíbimos sob pena de excomunhão maior que
a categoria de pecado mortal, ou apenas venial, nenhuma pessoa use de encantamentos, adivi-
desde que não existisse pacto explícito, ou ainda nhações, sortes reprovadas ou de outras supers-
em razão da simplicidade do praticante, «ou da tições para causar males ou os remediar, nem
ignorância invencível da gravidade dos pecados, para mandar sobre as tempestades ou elemen-
ou da falta de total certeza de fé em algumas tos» (V, 8). A adivinhação é prática condenada
coisas [...]». Em 1385, o Regimento do Senado de como superstição nos Regimentos do Santo Ofí-
Lisboa interditava o lançamento de «[...] sortes, cio, de 1640 (liv. 3, tit. XIV: nobres degredados
nem obra de adivinhamentos em alguma guisa para Angola, S. Tomé ou Brasil) e de 1774 (liv.
que defeso seja por direito civil ou canónico». 3, tit. XI, cap. II). Segundo uma crença antiga,
Ulteriormente, as Constituições sinodais haviam apenas uma jovem pura (i. e., *virgem) pode
de dedicar bastas referências a tais práticas: praticar com êxito certos rituais divinatórios,
Coimbra (1521): «só a Deus compete saber as como, por exemplo, a *sorte (ou oração) de São
coisas escondidas» (LXXXII); Évora (1534): Simião [ANTT: Inq. Évora, proc. Maria Rosa
«nem lance sortes para adivinhar. Nem varas pa- (1760), fl. 30v]. A expressão «ter um dedo que
ra achar haver. Nem veja em água ou cristal ou adivinha» deve ter--se originado na crença de
em espelho ou em espada ou em outra qualquer que é possível adivinhar com os anéis (*dactilo-
coisa luzente. Nem em espádua de carneiro, mancia) que se usam num dedo, geralmente o
nem faça para adivinhar figuras ou imagens al- mínimo da mão direita (aquele ao qual se atri-
gumas de metal, nem de qualquer outra coisa. bui essa capacidade, embora nem sempre se es-
Nem se trabalhe de adivinhar em cabeça de ho- pecifique qual). Em Alvaiázere diz-se que ter em
mem morto ou de qualquer outra alimária. casa uma cabeça de cobra faz adivinhar. Adágios:
Nem traga consigo dente, nem baraço de enfor- Arrenegai o velho que não adivinha; Velho que
cado, nem qualquer outro membro de homem não adivinha não vale uma sardinha. *Abdul de
morto. Nem faça com as ditas coisas ou cada Nazarino, *artes divinatórias.
uma delas, nem com outra alguma semelhante,
BIBLIOGRAFIA GANDRA, Manuel J., Adivinhação: glossário
posto que aqui não seja nomeada espécie al- português de técnicas divinatórias, Mafra, 2007; MATTOSO,
guma de feitiçaria, ou para adivinhar ou para José, A Necromancia na Idade Média, in Humanitas, v. 0
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ADIVINHADEIRO
(1998), p. 263-283; Mysterios do futuro: Tractado completo da não beijar os filhos. Quando são de sexo dife-
arte de adivinhar, Lisboa, 1884 (2ª ed.) [trad. do francês; BN:
rente, o rapaz é, regra geral, o adivinhão. As
SA 18245 P].
bruxas perseguem-nos para os matar, por-
quanto não pretendem ver-se desmascaradas
ADIVINHADEIRO por eles. No séc. XVII, no termo de Montal-
O mesmo que *adivinho ou *bento e *entrea- vão e em Castelo de Vide, o *diabo terá pe-
berto (nas ilhas). Gil Vicente na Carta a El-Rei dido um menino, filho de um homem de Sor-
sobre o tremor de terra (Obras, p. 257v) alvitra: telha, que se dirigia à romaria de Nossa Se-
«que a nenhum adivinhadeiro nem feiticeiro nhora da Consolação, perto de Sevilha. Em
não dessem a vida». troca prometeu-lhe ensinar a criança a «adivi-
nhar pela mão e saber curar», pelo que o pro-
ADIVINHADOR genitor ganharia bom dinheiro [ANTT: Inq.
O mesmo que *adivinho. O cânone 71 do Évora, proc. de Violante Nunes (1632), fl.
Concílio II de Braga considera-o reminiscência 71]. Adágios: A escudeiro mesquinho, rapaz
pagã, pois afirma: «Se alguém, seguindo o cos- adivinho; O moço de bom juízo, quando
tume dos pagãos, introduzir em sua casa adivi- velho, é adivinho.
nhadores e sortílegos, como para lançarem fora
dela o mal, ou para descobrirem malefícios ou ADIVINHOA
fazer lustrações de pagãos [...]». A propósito de O mesmo que *adivinhadora.
um monarca indiano, escreve Gaspar Correia
(Lendas da Índia, v. 1, p. 54): «El-rei havia sem- ADIVINHONA
pre conselho com seus adivinhadores que lhe O mesmo que *benta. Mulher clarividente.
certificavam que a paz que com os nossos as-
sentasse lhe duraria para sempre». ADJURAÇÃO
1. O mesmo que *conjuração, porém distinta
ADIVINHANÇA do *juramento e do *voto. Apelo solene me-
*Adivinhação. diante o qual alguém roga instantemente a ou-
trém que fale respeitando as três condições exi-
ADIVINHAMENTO gidas para o juramento: verdade, justiça e ne-
*Adivinhação. cessidade. Exemplo de uma adjuração, tê-mo-
la no Novo Testamento, quando o Sumo-sacer-
ADIVINHANTE dote insta com *Jesus para que confesse a sua
O mesmo que *adivinho. verdadeira natureza (Mateus, XXVI, 63; Mar-
cos, V, 7). A adjuração pode ser pública, com-
ADIVINHÃO petindo apenas aos sacerdotes expressamente
O mesmo que *adivinho. *Afonso, *Pedro mandatados para fazê-la, ou particular, consis-
Afonso. tindo então, numa prece dirigida a Deus por
qualquer fiel com o fito de apartar de si o mal
ADIVINHO que o inquieta (não se dirige tal oração nem
Também *adivinhadeiro(a), *adivinhador(a), contra o raio, nem contra os animais, porque
*adivinhante, *adivinhão, *adivinhoa, *ben- não são criaturas intelectuais como o demónio
to(a), *clarividente, *saragoçano, *virtuoso(a). supostamente é).
Alguém que adivinha futuros. Diz-se que 2. Fórmula de *exorcismo ou de *esconjuro
quando nascem dois gémeos, um deles é adivi- (Actos, XIX, 13) por intermédio do qual se or-
nhão se não vestir a camisa do outro ou se a dena, em nome de Deus, a um demónio ou
mãe os não oscular na boca. Acrescenta-se que espírito maligno que diga ou faça o que se exi-
há poucos, porque rara é a mãe que resiste a ge de si.
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ADONAI
ADLACADONAI
Preparação e guarda do *Sábado no judaísmo. nem Levitas em seu assento, para que possam,
Senhor, louvar e exaltar o teu Santo e Divino
ADMOESTAÇÃO Nome. Por cuja causa, Senhor, em ti confiamos,
Exortação aos réus do *Santo Ofício para que como em Pai Clementíssimo, para que apiades o
confessassem as suas próprias culpas e fizessem teu povo Israel aflito, a mim e a tudo que me per-
a delação das alheias. Em regra, os detidos so- tence; e que me livres, Senhor, de toda a má sen-
tença, de mau encontro, de má língua, de
friam três admoestações: após a escrita da gera-
vizinho mau, de espeada, de angústia, de ânsia,
ção (declarações relativas ao parentesco); quan- de miséria e de quebranto; e que me dês, ó Pai
do eram chamados à Mesa pela terceira vez; an- piedoso, anos de fartura, apega-me, Senhor, com
tes do libelo do Promotor de justiça. os teus Santos e Divinos preceitos, assim como
tu, Senhor, livraste a Moisés, teu servo, da má
ADONAI tenção de um Rei ímpio, e a teu povo Israel da
Termo hebraico para Senhor (Deus). Uma vez escravidão do Egipto, a Abraão, teu amado, do
que o judaísmo considera *Iavé uma divindade fogo dos Caldeus, a David, teu ungido, do laço
inefável, a palavra Adonai é empregue em subs- de Saúl, a José, o justo, do testemunho do Egip-
to e a Jonas, teu profeta, do ventre da baleia, as-
tituição do seu verdadeiro nome, impronun-
sim me livre e me escape de tudo o que me for
ciável por príncipio. Os documentos inquisito- mau para a alma e para o corpo, e de tudo aqui-
lo, de que eu me não souber livrar. E a meus fi-
Cântico de Páscoa lhos que os faças, Senhor, uns bons servos teus,
para que sigam os teus Divinos preceitos, e às
Adonai, Adonai, minhas filhas que as tomes, à tua Santa e Divina
Adonai, Senhor meu! conta, que lhes dês, Senhor, uma sorte boa, com
que tenham conhecimento da tua Santa e Divina
Caminhamos e andamos, Lei, para que te possam servir e louvar; que mais
Louvaremos ao Deus d’Israel, vale confiar em Adonai que em princípes, filhos
Que nos livrou do Egipto de homens, que não olham mais que a sua arro-
Daquele rei tão cruel gância e riqueza, sem que tenham conhecimento
Caminhamos e andamos, de que nada do que têm é seu e que em um ins-
Louvaremos ao Senhor, tante são nada, pois lhes falta a consideração das
Cantam os anjos no céu contas que te hão-de dar.
Os serafins ao Senhor Pelas nossas más obras nos achamos em poder des-
Etc. tes ímpios, degradados nas quatro partes do mun-
do, fora da terra dos nossos pais, porque não nos
Oração Forte (Belmonte) lembrávamos dos pobres, das órfãs e das viúvas.
Não se gabe o rico com a sua riqueza, nem o sábio
Grande Deus de Israel, Adonai Sebaot Mal Cola- com a sua sabedoria, nem o valente com a sua
res Quebodo [segundo Samuel Schwarz: «Deus valentia, que nada lhes há-de valer, senão as boas
omnipotente está cheia toda a terra da tua hon- obras que tiverem feito neste mundo.
ra»]; o forte de todas as armas, Senhor do Céu e E para que, Senhor, nem eu, nem nenhum dos
da terra, peço-te, Pai piedoso, pelo teu nome que me pertencem caiam em semelhante opró-
d’Adonai que aceites meu jejum, este meu apou- bio, peço-te, Supremo Senhor, que me encami-
camento de carne e sebo em lugar de sacrifício nhes em a tua Santa e Divina Lei, e que me não
que nós somos obrigados a fazer-te; mas tu, Se- desampares, Pai piedoso, porque dirão as nações:
nhor, bem vês que o não podemos fazer, confor- «onde está agora o Deus que te não acode?». É
me a nossa obrigação, por estarmos neste tão certo que existe em as alturas, donde está vendo
grande cativeiro metidos, abandonados e des- o bem e o mal.
prezados por terras estranhas, fora de Jerusalém, Bendito seja quem em Adonai confiar; eu, Senhor,
Cidade do teu Santuário, sem termos Sacerdotes como confio em o teu Santo e Divino Nome, te
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ADONIRAMITA, RITO
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ADOPÇÃO, RITO DE
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ADOPCIONISMO
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ADOSINDA, SANTA
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ADRIÃO, SANTO
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ADRO
supedâneo apresenta historiado na face Norte o se avista o céu aberto, ou pórtico do templo, por
martírio de Santo Adrião: amarrado a uma ár- onde se acede ao corpus mysticum. A proximi-
vore e desnudo, sendo seteado por um par de dade dele originou que o adro se tivesse trans-
archeiros romanos. Ernesto Soares descreve dois formado em cemitério. Outrora, a solidarieda-
registos que o iconografam, um deles acompa- de entre vivos e mortos, consubstanciava-se em
nhado por Santa Natália. Além de um livro, o diversas celebrações, as mais expressivas das
martelo é outro dos seus atributos. quais eram o *dia de Finados e o culto das *al-
mas do purgatório, para cujo efeito, em muitas
BIBLIOGRAFIA MATTOS, Armando de, O Martírio de Santo
Adrião, in Museu, v. 4 (1945), p. 68-71; SERRÃO, Vítor, O
freguesias tinha lugar uma procissão dominical
Pintor Cristóvão Vaz, in Boletim Cultural da Assembleia que consistia em andar «na igreja sobre as se-
Distrital de Lisboa (1979), p. 29-30 pulturas e se houver defuntos no adro e o tem-
po o permitir sairá também fora». António Ri-
ADRO beiro Chiado escreve a propósito dos suícidas e
Quiçá, a reminiscência do recinto sagrado on- loucos de amor não poderem ser enterrados em
de se erguia a *ara (*altar) do altarium ou ou- chão sagrado: «[...] Olha que é grande pecado /
teiro, delimitado, à semelhança do sacellum ro- morreres desesperado, / pois nem em adro nem
mano, e que recebeu na toponímia minhota o igreja / poderás ser enterrado» (cf. Auto da Na-
nome de crasto ou crastelo (claustrum ou cras- tural Invenção, Brasil, 1968, p. 51). Os trova-
trelum), cristelo e castelo. Lugar a partir do qual dores galaico-portugueses chamavam sagrado a
O adro da Basílica de Mafra é formado por dois corpos tangentes, um quadrangular, outro semicircular, na razão, respec-
tivamente, do mundo físico (espaço com seus quatro horizontes) e do mundo espiritual (tempo, ritmado pelo movimento
circular dos astros). No centro, o Astro Rei (clone e duplicado do Rei Astro, Dom João V) expede os seus raios em todas as
direcções, evocando a imagem de uma roda e desenhando imensa máquina de que o monarca é, concomitantemente, o motor
e o eixo, centro imóvel e módulo regulador. Em torno a si evoluem mais ou menos rapidamente, conforme a proximidade
ou afastamento, os grandes e os pequenos, numa espécie de fototropismo face ao Corpo glorioso do Sol monárquico, o qual,
à semelhança de um relógio, ordenada e cerimonialmente os rege, enquanto membros do seu corpo simbólico.
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ADULTÉRIO
este local que lhes servia de cenário para darem à gratuitidade do perdão preconizado pelo cris-
louvores a Deus, de resto, como preconizava o tianismo. O direito distinguia o adultério sim-
Salmo, CL, 3: «[...] louvai-O com a harpa e a cí- ples (quando apenas um dos intervenientes era
tara, louvai-O com tambores e com danças». casado) do adultério duplo (quando ambos os
Quadra: «Ó adro, terra de igreja, / Onde se en- transgressores da dimensão sacramental do ma-
terram os mortos; / Naquela relvinha verde / se trimónio viviam em pecado mortal). As Cons-
consomem lindos corpos» (cf. Tomás Pires, tituições do bispado do Porto, de 1541, no Título
Cantos Populares Portugueses, v. 1, p. 350). dos barregueiros, proibia aos homens casados ter
mancebas e aos solteiros concubinas. A omis-
ADUFE são do adultério feminino ficou, decerto, a de-
Do árabe, adduff. Pandeiro bi-membranófono ver-se à circunstância de serem reputadas sufi-
(pergaminho) quadrangular, possuindo no in- cientes as severas disposições das leis gerais do
terior um cascavel ou soalhas enfiadas em ara- Reino. A primeira legislação portuguesa aplicá-
mes perpendiculares, o qual é tocado com to- vel ao adultério remonta a D. Dinis. D. João I
dos os dedos, excepto os polegares, que o sus- inclui-lo-ia entre os crimes de maior gravidade.
têm. Instrumento exclusivamente destinado a Apesar de severa, a lei permitia que o marido
uso cerimonial e apenas em mãos femininas, ultrajado se lhe sobrepusesse, concedendo-lhe a
citado em diversas passagens do Antigo Testa- possibilidade de perdoar à esposa adúltera (Or-
mento: Êxodo (XV, 20: «Maria a profetisa, irmã denações Afonsinas, liv. V, t. VII, p. 34). Aos
de Aarão tomou nas suas mãos um adufe e to- maridos infiéis a lei cominava, no mínimo, três
das as mulheres a seguiram com adufes e dan- anos de degredo em Ceuta (a «ida contra o tur-
çando em coro»), Juízes (XI, 34), Isaías (V, 12 co», das cartas de perdão quatrocentistas). Já as
e XXIV, 7-9), Jeremias (XXXI, 4-5), Salmos Ordenações Manuelinas permitiam ao marido,
(LXXXI, 2), 1 Samuel (X, 5 e XVIII, 6-7), etc. «ofendido na sua honra», matar a adúltera e o
Jorge Ferreira de Vasconcelos: «Onde vai mula- seu amante, em caso de flagrante delito, não
ta com adufe, que se derrete toda no canário» sendo este pessoa de qualidade. Nos Açores rea-
(Comédia Ulisipo, acto 4, cena 4). Outrora lizava-se a tosquia da adúltera (cf. Luís da Silva
muito comum em Portugal, nas folias do Espí- Ribeiro, Velhas Leis e Velhos Costumes da poesia
rito Santo, o seu uso persiste em alguns Estados açoriana, in Revista dos Açores, v. 1, 1935, p. 99-
do Brasil, onde é denominado *adufe da folia, 112). Ferro em brasa levado nas mãos ou cal-
sendo tocado pelos foliões, a par da *caixa da cado aos pés, servia para descobrir a inocência
folia, para anunciar a passagem da *folia do Di- ou culpa de alguém acusado de adultério, con-
vino (cf. Gastão de Bettencourt, Flagrantes do soante ficava ileso ou lesado. Para demonstrar a
Folclore do Brasil, Coimbra, 1954, p. 74-75). sua inocência no adultério de que era acusada,
conservou-se durante muitos anos, junto ao se-
ADULTÉRIO pulcro de Dom Garcia Martins, comendador
Infidelidade conjugal condenada pelo sexto de Leça, um ferro de arado que a mulher de um
mandamento (*fornicação). Consoante os dita- ferreiro levou em brasa até áquele mosteiro sem
mes da Lei mosaica a mulher suspeita de adul- a mais leve queimadura (cf. Agiológio Lusitano,
tério devia ser julgada pela prova da «água do 1 de Maio, letra G). Brandão (Monarquia Lusi-
ciúme» (Números, V, 11-31), enquanto a com- tana, terceira parte) alude a caso idêntico suce-
provadamente adúltera seria lapidada (Deutero- dido com Dona Tareja Soares (1254). Em Vila
nómio XXII, 22-23). No Novo Testamento só Velha de Ródão os tremores de terra são castigos
S. João se refere à questão (VIII, 1-11), narran- de amores ilícitos (cf. P. C. Soromenho, Lendá-
do o episódio em que Jesus convida os fariseus rio Rodanense, lenda n. 4). Quando consumado
não pecadores a atirarem a primeira pedra a com uma religiosa professa, o adultério dizia-se
uma mulher acusada do delito, aludindo assim cometido contra Deus. Mulheres adúlteras são
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ADURENTE
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AEROSTATAÇÃO
AEROMANCIA
Arte de predizer o futuro, mediante a
observação dos fenómenos atmosféricos (varia-
ções atmosféricas ou espectros evocados no ar).
AEROSTATAÇÃO
A história da aerostatação principia com as
doutrinas expostas por Bacon, Galiano (1670),
pelo *Padre Bartolomeu de Gusmão (1709), Bilhete de ingresso na plateia do anfiteatro montado
inventor da *Passarola, e pelos irmãos Mont- no Terreiro do Paço, de onde Vicente Lunardi saiu, em
golfier (1783). O balão livre fez a sua primeira 24 de Agosto de 1794, para a sua viagem aérea nos
aparição em Lisboa (jardins do Palácio da Aju- céus de Lisboa.
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AFABILIDADE
boa e Alcochete); Abreu de Oliveira (Tapada da gem aerostática feita em Lisboa no dia 14 de Março de 1819 por
Eugénio Robertson, e dirigida por seu pai Estêvão Gaspar Robert-
Ajuda, 17 de Maio de 1884); António Infante son, membro da Sociedade Galvânica de Paris e da Academia das
(recebeu o baptismo do ar no balão pilotado Sciencias de Hamburgo, offerecida á Academia das Sciencias de
por Henri Beudet que, em 11 de Maio de Lisboa, Lisboa, Impressão Régia, 1819; JALLES, João Maria,
Os Balões em Portugal, Lisboa, 1887; LIMA, Henrique de
1884, sobrevoou Lisboa; realizou ca. 400 ascen-
Campos Ferreira, Os Aeronautas Robertson em Portugal, in Fei-
sões no estrangeiro); Angel Pastor (4 ascensões, ra da Ladra, v. 4 (1932), p. 54-61; [LUNARDI, Vicente], A
entre 1885 e 1889, em Lisboa e Almada); Felix Viagem Aérea do Capitão […] por elle escripta, Lisboa, Simão
Barreau (14 ascensões, em Penafiel, Porto, Bra- Tadeu Ferreira, 1794; MACEDO, J. Agostinho de, Epístola
ao Senhor Stockler sobre a Viagem Aérea do Capitão Lunardi,
ga, Coimbra, Leiria e Lisboa, entre 12 de No- Lisboa, 1794; R., M. L., Discursos populares observados pelo
vembro de 1887 e 26 de Maio de 1888); Émi- poeta pasquino […] a respeito da machina aerostática, Lisboa,
le Julhés (ca. 20 ascensões, em Lisboa e Porto, António Gomes, s. d. [1794?] [24 oitavas rimadas]; RIBEI-
RO, Mário de Sampayo, Pina Manique e a Ascensão de Lunar-
entre 13 de Junho e 4 de Outubro de 1891); di, in Revista Municipal, a. 13, n. 53 (2º trimestre 1952), p.
Jean Llavier (3 ascensões no Palácio de Cristal 17-23; [ROBERTSON, Eugénio], Programa da ascensão ae-
do Porto, entre 25 de Outubro e 8 de Novem- rostática e descida em guarda quedas que ha de fazer mr. Robert-
son na quinta do Ex.mo Visconde da Bahia, Entre-Muros, domin-
bro de 1891); José Budoy (Elvas, 8 de Dezem- go 5 de Dezembro de 1819, in Revista Universal Lisbonenese, v.
bro de 1891); Charles Porlié (ca. 10 ascensões 9, p. 417-418; SEQUEIRA, Gustavo de Matos, Aeronautas e
em Lisboa, 1893); Eugéne Godard (6 ascensões Balões, in Relação de vários casos notáveis e curiosos sucedidos em
tempo na cidade de Lisboa [...], Coimbra, 1925, p. 21-50; UM
em Lisboa, 1894); Juan Contreras (5 ascensões ANÓNIMO SEU AMIGO, Elogio dirigido ao sr. Capitão
no Porto, Nelas, Vizela, Espinho e Almada, en- Vicente Lunardi, em congratulação do feliz sucesso que obteve na
tre 18 de Agosto de 1895 e 8 de Agosto do ano sua aérea digressão, Lisboa, Lisboa, António Gomes, 1794
[poema em versos hendecassílabos pareados]
seguinte); Luís Faure (várias demonstrações nos
Açores, 1900); Cipriano Jardim (1841-1913),
AFABILIDADE
uma das glórias da aeronáutica portuguesa.
Título de uma das estátuas alegóricas (1827) de
João José de Aguiar patente no Palácio Nacio-
BIBLIOGRAFIA ANÓNIMO, Tratado das maquinas aerostáti-
cas, com a escripção da Maquina Aerostática do capitão Lunardi, nal da Ajuda. Representa uma figura feminina
do Terreiro do Paço, e com a história dos mais famosos Aerostáti-
cos, e viagens aéreas que se tem [feito] desde a sua invenção até
agora, Lisboa, Simão Tadeu Ferreira, 1784; ANÓNIMO,
Descripção da viagem aérea do capitão Lunardi, feita a 24 d
Agosto de 1794, Lisboa, Simão Tadeu Ferreira, 1794; ANÓ-
NIMO, Relação da terceira viagem aerostática de mr. Eugénio
Robertson, dirigida por seu pae e executada no Porto no dia 25
de Junho de 1820 em memoria do nome de S. Magestade Fide-
líssima, rei do Reino Unido, Porto, 1820; ANÓNIMO, Balões
aerostáticos, in Panorama (1843 e 1844); BENEDY, José do
Patrocínio, Dois projectos de direcção de aeróstatos, 1895 [BN:
cod. 1419]; BOCAGE, Manuel Maria Barbosa du, Elogio
poético do capitão Lunardi, Lisboa, 1794; CARVALHO, Fran-
cisco Freire de, Memória que tem por objecto revindicar para a
nação portuguesa a gloria da invenção das machinas aerostaticas,
in Memórias da Academia Real das Ciências, s. 2, v. 1, parte 1
(1843); idem, Additamento à dita Memoria, in Actas da Aca-
demia Real das Ciências, v. 1 (1849), p. 193-219; CARVA-
LHO, Rómulo de, História ds Balões: ciência para gente nova,
Coimbra, Atlântida Editora, 1976; CASTILHO, Alexandre
Magno de, Os Aerostatos, in Os Fastos de Ovídio (trad. Antó-
nio Feliciano de Castilho), v. 1, p. 546-565; COSTA, J. Da-
niel R. da, O Balão aos Habitantes da Lua: poema herói-cómico
em um só Canto, Lisboa, 1819; FERREIRA, Joaquim Gui-
lherme Diniz, Aeronáutica Portuguesa (elementos básicos de
História), Lisboa, 1961; FOND (ou DUFOND), J. Roberto
du, A Máquina Aerostática: poema épico dedicado a si mesmo, A Afabilidade, um dos atributos da Realeza, consoante a
Lisboa, 1787; FRANZINI, Marino Miguel, Relação da via- doutrina do monarquismo constitucional português.
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AFITO
togada e coroada com uma grinalda de flores, cristão da criança, geralmente apadrinhada pe-
ostentando uma rosa na mão direita. los mesmos que estiveram na ponte, podendo
os nomes ser alterados se isso for do agrado dos
AFAÚLAR pais e dos padrinhos. Todas as crianças vivas
Conversa que as crianças guardadoras de gado en- graças à madrinha reúnem-se uma vez por ano
tretêm com ele. O mesmo que *afoular. *Aboiar. para agradecer-lhe e presenciar novos baptiza-
dos. *Baptizado da meia noite, *ponte macha.
BIBLIOGRAFIA AZEVEDO, Padre Agostinho de, Afaular ou
Afoular, in Douro Litoral, v. 4 (1941), p. 18-19 BIBLIOGRAFIA CAPELO, Vital, Algumas achegas sobre a ponte
da Misarela, in Barrosânia, n. 7-8 (1991), p. 9-12; SILVA,
Joaquim Lino da, Lenda e prática da ponte da Misarela, in
AFILHADO DA PONTE Barrosânia, n. 6 (1990), p. 23-44
Uma crença tradicional afirma que se o *diabo
apadrinhar no ventre materno uma menina, ela AFINIDADE
será feiticeira, se um rapaz, ele será *bento, *sa- Relação do pensamento de um indivíduo com
ludador ou *menino de virtude, ficando capa- o do seu magnetizador, durante a hipnose (cf.
citado para *ver na água e curar muitas enfer- E. Boirac).
midades. Porém, nem sempre uma futura mãe
precisa de fazer pacto expresso com o diabo pa- AFITO
ra obter a sua protecção. Muitos locais, em re- O mesmo que *aflito. Doença das crianças que
gra próximos de água, rios, ribeiros ou fontes se manifesta sob a forma de dores no ventre,
gozam do privilégio de ter pacto tácito, razão diarreias, vómitos e cólicas. O ventre eleva-se-lhes,
por que quem a eles recorrer assegura que o seu ficando com a aparência de oco. Na Mexilhoei-
filho há-de de nascer com vida. Dois dos exem- ra Grande (Portimão) era prescrito um *un-
plos mais célebres são a fonte santa da Luz, guento preparado mediante a seguinte fórmu-
também denominada fonte de Nossa Senhora la: tomavam-se pomplos (rebentos) de silva e
da Luz (Monchique), e a *ponte da Misarela marmeleiro, folhas de gala-crista (erva) e casca
sobre o Rabagão (Guarda). No primeiro caso, de laranja, fritando-se tudo em azeite doce; de-
a futura mãe terá de banhar-se nessas águas, à pois da fritura extraíam-se as folhas de *gala-
meia noite, de preferência na véspera do *São crista, deitando-se cera-bela (cera de vela que ti-
João, do *Natal ou do *Ano Novo. No segun- vesse alumiado nas *Endoenças). Uma vez ob-
do caso, o feto ainda no ventre materno recebe- tido o unguento aplicava-se durante nove dias,
rá o baptismo sobre a ponte da Misarela, ela untando-se o ventre e as costas de manhã e à
própria obra do diabo, tornando-se afilhado da noite. Para o afito provocado por *mau-olhado
ponte: a futura mãe em adiantado estado de ou pela Lua, usa-se na mesma localidade o en-
gravidez, acompanhada pelo marido e outros salmo: «F[...]! Jesus que é nome de Jesus! / On-
familiares, pernoita debaixo da ponte. A pri- de está Jesus não entra mal nenhum ! / Dês te
meira pessoa a atravessá-la é convidada para pa- fez, Dês te criô! / Perdôi Dês a quem te mal
drinho ou madrinha da criança, não podendo ôlhô! / te benzo deste quebranto / E desse que-
recusar. A água lustral é retirada do Rabagão brantal, / Dessa Lua e desse luar / E desse afito
num púcaro de barro preto da região, atado a e desse afital ! / te benzo desde o alto da cabeça
uma corda. Aspergindo o ventre da grávida, o pelas conjunturas do tê corpo, das tuas palmas
padrinho diz solenemente: «Eu te baptizo, cria- das mãos até às solas dos tês pés: este mal seja
tura de Deus, pelo poder de Deus e da Virgem tirado. / Em louvor de Dês e da Virgem Maria
Maria, se fores rapaz serás Gervaz, se fores rapa- / Padre-Nosso e Ave-Maria!». As fórmulas va-
riga, serás Senhorinha», após o que todos rezam riam consoante a benzedeira: «Eu te benzo afli-
em coro um Padre-Nosso e uma Ave-Maria. to com a santa Segunda feira, com a santa Terça
Depois do nascimento realiza-se o baptismo feira, com a santa Quarta feira, [etc.], com o
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AFLITO
santo Domingo, como a Virgem Maria benzeu mão direita o seu Sagrado Coração e na esquer-
o seu Santo Filho, que ela te queira livrar deste da uma coroa de flores.
mal e este aflito, deste costado e deste ventre, 3. Invocação do Senhor Jesus, inspirada no
que te saia por este umbigo, que neste corpo Salmo XIII. Ernesto Soares descreve diversos re-
não faça perigo; Jesus que é nome de Jesus, on- gistos representando distintas imagens desta
de está o nome de Jesus não entra mal ne- invocação veneradas em santuários nacionais:
nhum». Na Vidigueira chamam afito à enterite ermida da Enfermaria dos Arrábidos junto ao
infantil, a qual se cura, dizem, com benzeduras. Hospital Real de São José; Igreja de São Cris-
pim (Lisboa); Mosteiro do Santíssimo Sacra-
AFLITO mento de Lisboa; Igreja de Nossa Senhora da
*Afito. Eis uma benção para cortar o aflito: Saúde (Lisboa); Igreja da Ordem Terceira de
«Jesus que é o nome de Jesus, eu benzo este São Francisco de Borba; Real Mosteiro do
aflitado, este aluado, este encarniçado e este Santíssimo Sacramento de Alcântara; Cruz
assombrado em nome de Deus Filho e de Quebrada e Igreja de Valadares (Gaia). Roma-
Deus Espírito Santo, as pessoas da Santíssima rias: Vale de Salgueiro (Mirandela), no 3º do-
Trindade, com as areias do mar, em louvor de mingo de Agosto e sábado anterior; Cruz (Vila
Deus e da Virgem Maria, com um padre nosso Nova de Famalicão), no dia da festa litúrgica
e uma ave-maria» [BPÉv: cod. CVII/1-5, fl. se Santiago (25 de Junho); Canelas (Vila Nova
206--206v]. Em caso de persistência do mal de Gaia), à capela do Senhor dos Aflitos e da
de aflito preconizava-se que a criança fosse Senhora das Dores, reedificada em 1883, cujos
conduzida até à porta de uma igreja, de antecedentes se acham relacionados com o ni-
preferência entre as 23 horas e a meia noite, cho do Senhor das Bocas, assim denominado
sendo introduzida numa rosca de massa de em virtude de saírem do pé da cruz três bicas
pão suficientemente larga para permitir a sua de águas santas; Chãs de Tavares (Mangualde),
passagem, enquanto se invocava a Virgem das penedo santificado, estação derradeira de uma
Necessidades: «Virgem mãe de Deus, sois vós *Via-Sacra; Fortios, ao santuário do Senhor Je-
virgem e mãe de Deus, acudi a esta sus dos Aflitos, cujas origens remontam a
necessidade, se acaso fores servida, sejais ma- 1713 (Portalegre). No convento escalabitano
drinha intercessora diante de vosso precioso fi- de São Domingos foi venerada uma imagem
lho» [idem, fl. 204-205v]. Passava-se a criança do Senhor dos Aflitos, à qual, consta (João
cinco vezes pela rosca de pão, repetindo a in- Baptista de Castro, Mappa de Portugal, t. 1,
vocação outras tantas vezes. No fim, a rosca Lisboa, 1762, p. 228), cresciam a barba e as
era partida em cinco pedaços, em honra das unhas dos pés. A revista Lusa (v. 2, 1918-
*cinco chagas de Cristo. *Desensarilhar, *Su- 1919, p. 93), de Viana do Castelo, reproduz,
sana Gonçalves. na sua rubrica Arquivo Etnográfico, um recorte
de jornal referindo o caso de uma anciã que
AFLITOS submergiu uma imagem do Senhor dos Aflitos
1. Invocação mariana. Ernesto Soares descreve em água, para o obrigar a cumprir uma pro-
registo que se reporta à imagem aparecida em messa. Na encosta Sudeste do Monte do Se-
1833 na freguesia de Santa Maria, sobre uma nhor dos Aflitos (Arouca, Aveiro) existe o
árvore de Pecarinos (Murça, Vila Real), a qual *menir fálico de granito, de Alvarenga, distan-
é festejada no último domingo de Agosto. te cerca de 500 metros da mamoa do Senhor
2. Invocação do Menino Jesus que, outrora, era dos Aflitos.
venerado na capela de São Roque, do Arsenal
BIBLIOGRAFIA BERNARDO, Bonifácio, Senhor Jesus dos Afli-
Real da Marinha. Ernesto Soares descreve um
tos: Origens (1713-1845), Portalegre, 2000; COSTA, Fran-
registo datado de 1860 que o iconografa: o cisco Barbosa da, Breve história da capela do Senhor dos Aflitos,
Menino coroado, ricamente vestido, segura na in Boletim da Associação Cultural dos Amigos de Gaia, n. 24
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AFONSO, GONÇALO
AFONSO, DOMINGAS
Sambenito dos afogueados, com fogo revolto Viúva de Manuel Moreira, da localidade de
(gravura setecentista). Carreço (Viana do Castelo), denunciada na vi-
sitação de 1700, em Vinha. Era benzedeira e
AFOGUEADO usava de mezinhas proibidas pela Santa Madre
Réu do Santo Ofício que, após condenação à Igreja, além de malfalante [ADBr: VD, n. 642,
morte, tinha a pena comutada em outra mais fl. 64v-66].
suave em resultado de alguma confissão consi-
derada oportuna. No *sambenito, em substi- AFONSO, GONÇALO
tuição das aspas comuns aos condenados à fo- *Feiticeiro, residente em Nogueira (Bragança).
gueira, ostentava labaredas invertidas, cha- Fora preso uma primeira vez, em 1497 ou
madas *fogo revolto, as quais significavam que 1498, e condenado a ser açoitado publicamen-
escapara a tal suplício. Locuções: sair afogueado; te. Era acusado de dar «ervas colhidas no dia de
sair com fogo revolto. São João aos homens para haverem graça com
seus senhores e às mulheres com seus maridos
AFONSO e bem assim que benzia de [mau] olhado». Eva-
*Adivinhão saído num auto-da-fé da Inquisi- dira-se da cadeia com outros presos, tendo an-
ção de Lisboa, em 1582 (cf. Adolfo Coelho, dado a monte por Castela. Posteriormente, tor-
Costumes e crenças populares). nara-se eremitão. Capturado, em 1506, encon-
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AFONSO, JORGE
trava-se detido no ano seguinte, quando solici- [ANTT: Corpo Cronológico, p. 2, maço 86, doc.
tou a Dom Manuel carta de perdão abrangen- 22], dando parecer sobre o cadeiral iniciado por
do a prática dos «malefícios e fugida da cadeia», Olivier de Gand para o coro de Tomar, após o
pretenção deferida pelo monarca, a 13 de Feve- falecimento deste. São-lhe também creditados:
reiro, na condição de Gonçalo Afonso pagar os retábulos da Madre de Deus (formado por
mil reais para obras de piedade [ANTT: oito tábuas, de que se destacam a Aparição de
Chancelaria de Dom Manuel, liv. 37, fl. 130]. Cristo à Virgem, tábua em cujo eixo se observa-
va o 515 [Il messo di Dio também denominado
BIBLIOGRAFIA AZEVEDO, Pedro de, Benzedores e Feiticeiros
do tempo d’el Rei D. Manuel, in Revista Lusitana, v. 3, n. 3-4
*Quinhentos e quinze], posterior e abusiva-
(1894-1895), p. 344-345 mente transformado por mestre Luciano Freire
em 1515, e um *Pentecostes), e da igreja do
AFONSO, JORGE (ca. 1470-1540) Convento de Jesus de Setúbal (quatorze pai-
Cunhado de Francisco Henriques, tio de Gar- néis, realizados entre 1520-1530), «gémeos na
cia Fernandes e sogro de *Gregório Lopes. encomenda, em diversas soluções formais e ico-
Dom Manuel nomeou-o, a 9 de Agosto de nográficas e até em determinadas vicissitudes
1508, seu pintor, com o encargo de examina- históricas (como, por exemplo, o sentido de
dor e veador de todas as obras de pintura, sub- certos repintes censuradores sofridos, por pai-
metidas a seu exame e avaliação. Auferia com néis de ambos os conjuntos, durante a época fi-
este ofício e o cargo de Arauto Malaca (1515)
dez mil reais por ano (1516), pagos pela Casa
da Mina, cabendo-lhe ainda o ofício de recebe-
dor do azul (lapis lazuli dos lapidários) que se
extraía das minas de Aljustrel (1521). D. João
III confirmá-lo-ia como pintor régio, a 9 de
Dezembro de 1529 [ANTT: Chanc. D. João
III, doações, liv. 39, fl. 76r]. O seu testamento
indicia uma indesmentível posição de vulto nos
círculos cortesãos. Não é de excluir uma forma-
ção flamenga e alemã, evidenciada na obra que
lhe anda atribuída. Pelo seu atelier, sito ao Ros-
sio, em casas aforadas ao mosteiro de São Do-
mingos, passaram quase todos os pintores de
nomeada da geração que lhe sucedeu: quer Gre-
gório Lopes e Cristóvão de Figueiredo, quer
Gaspar Vaz, Pero Vaz e Garcia Fernandes (estes
segundo documento publicado por Viterbo).
Muito embora careça de comprovação docu-
mental (porquanto apenas se encontra atestada
a sua presença em Tomar, no ano de 1513, para
pintar e estofar «grades» da Charola), é admis-
sível a atribuição à sua oficina de, pelo menos,
quatro das tábuas (Cristo e o Centurião, Ressur-
reição do Filho da Viúva de Naim, Entrada em Je-
Cristo e o Centurião, da Charola de Tomar, atribuído a
rusalém e Ressurreição) destinadas aos oitavos da
Jorge Afonso. Segundo Dagoberto Markl, o cão e o símio
charola do Convento de Cristo (1513-1515). serão uma transposição dos versículos XII e XIII do
Pintou o retábulo (desaparecido) da igreja da Evangelho de S. Mateus, alusiva à luta escatológica entre
Conceição dos freires de Cristo, em Lisboa o Bem e o Mal.
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AFONSO, MARIA
lipina)», consoante opinião expendida por Fer- de, de adivinhar (mediante *cartomancia) e cu-
nando António Baptista Pereira (O Museu do rar. Informa Leite de Vasconcelos (Etnografia
Convento de Jesus de Setúbal, Lisboa, 1990, p. Portuguesa) que a sua terapeutica se baseava
80-81). Nestes retábulos é possível identificar nuns pós de santos, aos quais chamava *negroze-
três histórias, começando pela fiada superior: da lo, fornecidos por frades espanhóis de Cela-
Paixão de Cristo; a do Calvário; a da Infância Nova. Com tais pós embrulhados num papel,
de Jesus ou das Alegrias da Virgem. A série que fazia curas do ombro direito para o joelho es-
constituía a predela figurava Santos Francisca- querdo e do ombro esquerdo para o joelho di-
nos. Outras obras que lhe são atribuídas: Cristo reito, dizendo: «Negrozelo [i. e., ó doença!, ó
da Abissínia [col. part.] e São Pedro Mártir mal!]! Vai-te embora deste corpo, deixa-o são e
[MNAA]. Ainda em 1540, ano do falecimento salvo, com pós de santos e negrozelo». Também
do pintor, ele se mantinha activo (como teste- curava dor de dentes, de ossos e de pés, com
munha Garcia Fernandes numa petição a Dom *pedra-de-ara, embrulhada em papel e mo-
João III), intervindo no movimento artístico e vendo-a em cruz.
apontando quem julgava apto para o desempe- 2. Curandeiro da Luz de Tavira (Faro), delata-
nho de determinados cargos oficiais, circuns- do ao *Santo Ofício em 1711. Domingos
tância que abona a posição cimeira que ocupou Gonçalves Pires confessou que a mulher recor-
no panorama da pintura portuguesa da primei- reu a Manuel Afonso em virtude de uma ferida
ra metade do século XVI. infectada num dedo [AEF: livro 106, devassa
da Luz de Tavira, T. n. 11].
BIBLIOGRAFIA COUTO, João, A data num painel da Igreja da
Madre de Deus, in Boletim do Museu Nacional de Arte Antiga,
v. 1, n. 3 (1940); FREITAS, Lima de, 515, Le lieu du miroir: AFONSO, MARIA
art et numérologie, Paris, 1993; idem, 515: o Lugar do Espelho Viúva, residente em Santarém. Acusada pelo
– arte e numerologia, Lisboa, 2003; GUSMÃO, Adriano de,
corregedor da comarca de benzer, sem autori-
O Mestre da Madre de Deus, Lisboa, Artis (n. 17), 1960;
MARKL, Dagoberto / PEREIRA, Fernando António Baptis- zação real, «homens e mulheres e meninos de
ta, A Pintura num período de transição, in História da Arte em quebranto e de outras dores, com palavras». Es-
Portugal, v. 6, Lisboa, 1986; PEREIRA, Fernando António tava presa, em 1513, quando decidiu solicitar a
Baptista, Jorge Afonso, in Grão Vasco e a Pintura Europeia do
Renascimento, Lisboa, 1992, p. 341-346; REIS SANTOS, Dom Manuel carta de perdão, petição que o
Luís, Jorge Afonso, Lisboa, Artis (n. 21), 1966; idem, Pintura monarca despachou favoravelmente (18 de
dos Mestres do Sardoal e de Abrantes, Abrantes, 1971; SAN- Março), condenando-a, não obstante, ao paga-
TOS, Reinaldo dos, O Retábulo joanino da Madre de Deus, in
Belas Artes, n. 16-17 (1961); SERRÃO, Vítor, Confluência e mento de dez cruzados para obras de caridade
confronto de correntes estéticas na pintura do Renascimento Por- e a um degredo de seis meses fora de Santarém.
tuguês, 1510-48, in Grão Vasco e a Pintura Europeia do Renas- De acordo com o diploma régio, procedia do
cimento, Lisboa, 1992, p. 256; VITERBO, Sousa, Notícia de
alguns pintores, Lisboa, 1903, p. 8-25
seguinte modo: «[...] compondo um urinol
cheio de água em a cabeça com a boca para bai-
AFONSO, LEONOR xo para tirar o sol, e assim uma tijela de água
Acusada de *feiticeira e *alcoviteira. Apesar de na cabeça com quatro goteiras de azeite para sa-
posta a tormentos nada confessou, tendo sido ber se era mal de escomungado, e bocejava e
degredada e, ulteriormente, perdoada por abria a boca, dizendo que todo o mal se metia
Afonso V (carta de perdão de 4 de Abril de no corpo e tirava do enfermo, e assim fazia
1440, in Chancelaria Afonso V, livro 20, fl. 62v). muitas abusões [?] semelhantes; [...]» [ANTT:
Livro das Legitimações, fl. 57v].
AFONSO, MANUEL
1. Conhecido por Sábio de Vila Draque (Paços, BIBLIOGRAFIA AZEVEDO, Pedro de, Benzedores e Feiticeiros
Melgaço). Natural de Castro Laboreiro, falou do tempo d’el Rei D. Manuel, in Revista Lusitana, v. 3, n. 3-4
no ventre da mãe, circunstância que lhe confe- (1894-1895), p. 339-340
riu a virtude, manifestada aos seis anos de ida-
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AFONSO, MARTA
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AFONSO V, DOM
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AFONSO V
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AFORTUNADAS
errar». Barbosa Machado atribui-lhe o Tratado Senhor e de nossa santa fé católica, um livro
da melicia conforme o costume de batalhar dos impresso de Vilhegas e é o seu Flos Sanctorum
antigos portugueses e o Discurso em que se mos- das vidas dos patriarcas da lei antiga, escritas
tra que a constelação chamada Cão Celeste consta- em lingua vulgar, porque dos mistérios que
va de trinte e nove estrelas e a Menor de duas, es- trata principalmente acerca da vinda do Mes-
te muito louvado por Zacuto Lusitano (De Me- sias, lendo-os a gente ignorante e em particular
dicorum principum Historia, Londres, 1614). a da nação dos cristãos-novos, entra em gran-
Alguns anos depois (1621), saíram dos prelos des escrúpulos e dúvidas, com que muitas pes-
de Thomas Harper, na mesma cidade, os Five soas dela se pervertem, em grande dano das al-
Treatises of the Philosophers Stone apontando-se mas. E por constar que até o presente se vai
como autor para dois deles um Alphonso, King continuando nos pareceu que além de estar
of Portugal (*Alfonso, Rei de Portugal), quase proibido o dito Flos Sanctorum se deve mandar
garantidamente Dom Afonso V. Domingos Se- recolher» [ANTT: Inq. Lisboa, liv. 151, Or-
queira inspirou-se no poema Afonso Africano dens do Conselho Geral (1617-1645), fl.
(1611) de Vasco Mouzinho de Quevedo e Cas- 186r]. Há, contudo, do ano de 1642, registo
telo Branco para delinear alguns óleos alusivos de uma autorização comunicada à Inquisição
à empresa marroquina de Afonso V. A conquis- de Évora, de acordo com a qual aos cristãos-
ta de Arzila, acção central desse poema em doze velhos era permitida a leitura da segunda parte
cantos, é transfigurada pelo autor em alegoria da mesma obra [ANTT: Inq. Évora, liv. 629,
da conquista que cumpre ao cristão fazer da sua Correspondência do Conselho Geral (1637-
própria alma: a praça magrebina personifica a -1649), fl. 182r].
alma, as suas cinco portas, os cinco sentidos,
uma alta torre, sede das três potências da alma, AFORISMO
possui ao centro uma fortaleza-mesquita que é Designação na qual cabem as diversas formas de
o coração. O Africano confronta-se com o mar, expressão concisa de um pensamento moral,
superando os obstáculos que o mago Eudolo, tanto as sentenças de origem culta (*apotegma
encarnação do Inferno, e atingindo as costas da e aforismo), como as máximas de cunho popu-
Forte Seita, enquanto o príncipe Dom João é lar (*adágio, *anexim, *ditado, *provérbio ou
conduzido para a Ilha dos Deleites. *Alquimia. *rifão). Nomeadamente durante a época clás-
sica (séc. XV e XVI) a literatura portuguesa foi
BIBLIOGRAFIA CASTELO-BRANCO, Vasco Mouzinho de
Quevedo e, Affonso Africano: poema heróico da Presa d’ Arzilla,
rica em «obras conceituosas», todavia, o género
e Tanger, dirigido a Dom Alvaro de Sousa, Lisboa, 1611 e 1786 é intemporal, nunca tendo perdido actualidade.
(2ª ed.); PINA, Rui de, Chronica do Senhor Rey Dom Affonso
V, Porto, 1977; PINTO, Augusto Cardoso, Subsídios para o
estudo das Signas Portuguesas II. O Guião da Divisa de Dom
AFORTUNADAS
Afonso V, in Armas e Troféus, v. 1, n. 4-5 (1933); ROSEN- Ilhas pela primeira vez mencionadas por He-
BERGER, Bernard, Le Portugal et l’ Islam maghrebin (XVe- síodo que as localiza no Atlântico, talvez basea-
XVIe siècles), Paris, 1987; VITERBO, Sousa, A cultura intelec-
do em tradições fenícias e outras mais antigas,
tual de Dom Afonso V, in Arquivo Histórico Português, v. 2
(1904), p. 254-268; ZURARA, Gomes Eanes de, Crónica do como, porventura, as dos povos do neolítico
Conde Dom Duarte de Meneses (ed. Larry King), Lisboa, 1978 peninsular. Platão, Heródoto, Teopompo, Po-
sidónio, Diodoro Sículo, Plutarco (situa-as a
AFONSO DE VILLEGAS cinco jornadas a Oeste da Bretanha), entre inú-
Autor de um Flos Sanctorum proibido pelo meros autores gregos, e Séneca, Estrabão e Plí-
*Santo Ofício. Numa carta de 1637, dos in- nio, entre os latinos, hão-de ocupar-se das For-
quisidores de Lisboa ao Conselho Geral, des- tunatorum insulae. Plínio, que delas forneceu a
pachada por este com uma ordem para se pas- primeira descrição detalhada (mencionando as
sar a edital, lê-se: «Tem mostrado a experiência navegações de Hanno, em torno do continente
haver causado grandes ofensas de Deus Nosso africano, cerca de 500 a. C.), afirma que cons-
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AFOULAR
tituíam o local onde as almas dos habitantes da desnuda, em referência ao lugar inferior que
Índia repousavam, nos confins do mundo. ocupava entre os restantes continentes, mercê
Paulo Orósio referir-se-lhes-à na Historiarum da penúria que caracteriza o quotidiano dos
adversus paganos. O islamismo fará delas as seus habitantes. Acompanhada por um leão,
ilhas Khaledat (Eternas), citadas por al-Masudi consoante a Iconologia (Roma, 1603) de *Cesa-
(séc. X), nas quais, segundo Ibn Wardy (séc. re Ripa, ou por um crocodilo, como ocorre em
XIII), se achava uma estátua de bronze apon- estampas flamengas de 1580 e 1595 (Adrien II
tando para ocidente (como aquela que se diz Collaert) ou em M. de Vos (Arco triunfal de
ter existido na ilha do Corvo). No séc. XIV Antuérpia, 1594). Numa gravura publicada no
surgem cartografadas com a legenda «Fortuna- Epitome das Histórias Portuguesas (Bruxelas,
te insulae sex sunt insulae Sct. Brandani» (ma- 1677) de Faria e Sousa, África é figurada por
pa de Hereford), sendo identificadas com as um rei nativo cavalgando um leão. *Preto.
Canárias (tal como Plínio sugerira na História
Natural, VI, 201-205). Ocorrem em mapas de
Angelino Dulcert (1339) e Benincasa (carta 6,
1471) e de Cresques (1375), com a legenda:
«Estas ilhas são chamadas Afortunadas, porque
são abundantes em todos os bens, trigos, frutos
e árvores. Os pagãos supõem que aí se encontra
o Paraíso, devido ao doce calor do Sol e à ferti-
lidade». A circunstância de serem seis invalida
a sua identificação com a Madeira e Porto San-
to, avançada por Adolfo Schulten nas anota-
ções à tradução da Geografia da Ibéria de Estra-
bão. Dona Beatriz, mãe de Dom Diogo, admi-
nistradora da *Ordem de Cristo em nome do
filho, fez diversas doações de ilhas afortunadas.
BIBLIOGRAFIA VIEIRA, Alberto, A Fortuna das Afortunadas,
in Oceanos, n. 46 (Abr.-Jun. 2001), p. 56-80
AFOULAR
Incitamento que os lavradores fazem ao gado,
falando com ele, quando lavram a terra para a
sementeira do milho (Maia). O mesmo que O Orbe Terrestre, do qual a Lusitânia é a Imperatriz, é
*afaúlar. *Aboiar. precedido pelas alegorias dos quatro continentes. Gravura
extraída do Epitome das Historias Portuguesas (Bruxe-
BIBLIOGRAFIA AZEVEDO, Padre Agostinho de, Afaülar ou
las, 1677) de Faria e Sousa.
Afoular, in Douro Litoral, v. 4 (1941), p. 18-19
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ÁGAPE
AGANÃO
Entidade mítica minhota «que penetra nos ca-
nastros sem ninguém dar conta, sem acesso vi-
sível, e que rilha alqueires e alqueires de maça-
rocas» (Aquilino Ribeiro, A Casa Grande de Ro-
marigães, p. 305-306).
Afrodite e Eros, como alegorias da morte, no De Aetati- ÁGAPE
bus Mundi Imagines (fl. 88r) de Francisco de Holanda.
Termo grego para amor altruísta, tradução do
hebraico, ‘aheb, que ocorre no Cântico dos Cân-
BIBLIOGRAFIA GARCIA Y BELLIDO, Antonio, El culto de
Aphrodite de Aphrodisias en la Peninsula Iberica, in Archivo de
ticos (II, 7: como «o amor que desperta»), nos
Prehistoria Levantina (Valência), v. 4 (1953), p. 219-222 Salmos (CII: como «clamor do aflito») e no
Deuteronómio (IV: como «fidelidade diligen-
AFTA te»), correspondendo na Versão dos Setenta e no
Cidus albicans. Pequena úlcera nas mucosas da Novo Testamento à amizade e ao desejo. Passou
boca. O mesmo que *sapos e *sapinhos. São a designar as refeições que os primitivos cristãos
muito dispares as receitas preconizadas para faziam em comum (I Corínteos XI; Actos II, 46).
tratar as aftas: passar a criança atingida por ci- Tertuliano afirma que tais refeições depressa se
ma de uma pia dos porcos (Teófilo Braga, O separaram da celebração eucarística por fre-
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ÁGAPE
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ÁGATA
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ÁGATA, SANTA
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AGNUS-DEI
AGLA
Nome de Deus, invocado por José quando foi
separado dos irmãos. Palavra à qual os cabalis-
tas atribuem o poder de expulsar os espíritos
malignos. É composta pelas letras iniciais das
palavras hebraicas Atha, Gadol, Ieolam e Ado-
nai, com o significado «vós sois poderoso e
eterno, Senhor».
AGNES, SANTA
Agnus-Dei proveniente do Colégio
Também chamada *Inês. Partilha com *Santa
de São Pedro (Coimbra).
Emerenciana o dia 20 de Janeiro, figurando,
em Portugal, apenas em listas de oragos se-
cundários. no meio dos anciãos um cordeiro de pé como
que imolado [...]»; V, 11-12: «[...] o Cordeiro
AGNISTÉRIO que foi imolado é digno de receber o poder, a
Ocorre nas acepções de santuário, local desti- riqueza, a sabedoria, a força, a honra, a glória e
nado à purificação, ou *altar-mor. a bem-aventurança»). O concílio de Constan-
tinopla de 692 censurou a iconografia de Cris-
AGNOSTICISMO to sob a forma de Agnus-Dei, determinando a
Termo proposto por T. H. Huxley, em 1869, sua representação antropomórfica, o que, toda-
para caracterizar o pensamento que nega a pos- via, não parece haver sido bem aceite na penín-
sibilidade de demonstração racional da existên- sula. Com efeito, trata-se do símbolo mais co-
cia de Deus, do mundo sobrenatural e da imor- mum da imaginária românica portuguesa, em
talidade da alma humana. O agnóstico, que nenhuma parte da Europa tão vulgar quanto
não é nem ateu, nem crente, considera que as na região de Entre Douro e Minho, denotando
limitações da razão humana o impedem de solidariedade com exemplos galegos e leoneses,
atingir o conhecimento do Infinito e do Abso- certamente relacionada com a difusão de con-
luto. O concílio Vaticano I (1870) respondeu cepções religiosas afins. Carlos Alberto Ferreira
com a constituição dogmática Dei Filius (14 de de Almeida admite que a iconografia do Agnus-
Abril), a qual define que «o Deus único e ver- Dei, que apresenta inúmeras variantes, «não
dadeiro, nosso Criador e Senhor, pode ser co- parece de tradição hispânica» (cf. Primeiras im-
nhecido com certeza por intermédio das suas pressões […], p. 108), adiantando como justifi-
obras, graças à luz natural da razão humana». cação a «entre nós […] poderosa tradição mo-
çárabe». Com efeito, o Agnus-Dei, sustentando
AGNUS-DEI a cruz com a pata dianteira, direita ou esquer-
1. O Cordeiro de Deus do Apocalipse, imagem da, acha-se figurado em tímpanos, bem como
de Cristo, vítima dos pecados humanos e com- em outras estruturas românicas, com função
parável ao anho pascal do Antigo Testamento, teofânica, evangélica, apocalíptica, messiânica e
em ambos os casos símbolo do Messias sofre- apotropaica (guardião do limiar), testemu-
dor (Isaías XVI, 1; LIII, 7; LXV, 25; I Corínteos nhando a persistência de modalidades de cris-
V, 6; S. João I, 29: «Eis o Cordeiro de Deus que tianismo paleocristão e oriental, de resto, tam-
vai tirar o pecado do Mundo»; Apocalipse V, 6: bém discerníveis nos comentários ao Apocalipse
«Eu vi no meio do trono os quatro animais e, genealogicamente creditados ao Beatus de Lié-
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AGNUS-DEI
G UIA DO A GNUS -D EI
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AGNUS-DEI
bana. Após Trento, o tema evoluiria, assumin- tes admitidos às cerimónias. Na oração da
do uma semântica de cariz claramente evangé- bênção, o Sumo Pontífice implora ao Céu as
lica (Cordeiro Místico), tal como no-lo propo- seguintes graças para os fiéis que os usarem:
riam os pintores seiscentistas Baltazar Gomes «que sintam o coração movido a meditar nos
de Figueira (tecto da capela-mor de Nossa Se- mistérios da Redenção; que o sinal da Cruz,
nhora da Ajuda de Peniche, ca. 1635), Josefa impresso nesses medalhões, afaste os raios,
de Óbidos (Museu Regional de Óbidos) ou ventos e tempestades; que os livre das tenta-
Bento Coelho (dois «tímpanos», figurando a ções do demónio; que proteja as parturientes;
Adoração do Cordeiro Místico pelos Santos Már- que livre da peste, do incêndio, etc., por fim
tires e pelas Santas Virgens, respectivamente, que a protecção divina lhes seja concedida na
ca. 1683, destinados a sobrepujar telas de Fer- prosperidade e na adversidade». Usado ao pes-
não Gomes (Senhor dos Mártires) e Diogo Tei- coço protege contra feitiços. Os juízes de pro-
xeira (Nossa Senhora e as Santas Virgens), enco- cessos de feitiçaria eram aconselhados a usar
mendadas em 1600 para os altares que ladeiam este amuleto pelos autores do Malleus Mallefi-
a capela-mor da igreja de S. Roque [Museu de carum. Jerónimo Cortez assevera que «quem o
S. Roque, inv. 197 e 198]). levar consigo, será livre de temporais, tormen-
tos, de saraiva, coriscos e raios» (Fisiognomia e
BIBLIOGRAFIA ALMEIDA, Carlos Alberto Ferreira de, Arqui- vários segredos da natureza, Coimbra, 1706, p.
tectura Românica de Entre Douro e Minho, Porto, 1978, v. 2, 162), acrescentando que «será também [o
p. 143; idem, Primeiras impressões sobre a Arquitectura Român-
ica Portuguesa, in Rev. da Fac. de Letras – História Univ. Porto,
portador] preservado de peste, de gota coral, e
v. 2 (1971), p. 108, 111-112; MATOS, Armando de, Motivos de morte súbita, como o Sumo Pontífice pede
catecúmenos no românico do Douro Litoral, in Douro Litoral, s. a Deus em uma das orações que recita quando
3, v. 7 (1949), p. 72-74; RICHERT, Gertrud, La ornamenta- os sagra». Os navegadores portugueses a ele
ción de los timpanos de las iglesias romanicas de Portugal, in In-
vestigación y Progresso (Fev. 1931); VASCONCELOS, Flórido recorriam em momentos de aflição, como se
de, Do Agnus Dei aos cordeiros das cascatas do S. João, in O Tri- constata pela passagem seguinte da História
peiro, n. 6 (1989), p. 180-182 Trágico-marítima (Relação do naufragio da nao
Santiago, no ano de 1585, tomo 2, 1736): «[…]
2. Amuleto cristão, talvez originado nos discos Mas quis Nosso Senhor, que amainou logo o
de cera que os Romanos ofereciam durante as vento pela virtude dos Agnus-Dei, e relíquias
Saturnálias. Pequeno medalhão feito da cera que deitaram ao mar». Em 1553, achando-se
dos círios pascais (cujos remanescentes eram carregada e pronta para zarpar para a Índia,
desfeitos no dia da *Ascensão, para serem dis- deflagrou um incêndio a bordo de uma nau
tribuídos aos fiéis em pequenos pedaços), em surta no Tejo, a qual ardeu por completo. D.
que se gravava a figura de um cordeiro. Quei- João III, que observava o sinistro de uma
mava-se em casa, nos campos ou nas vinhas, varanda do Paço da Ribeira, e a quem uma da-
sendo considerado poderoso preservativo con- ma alvitrara que mandasse lançar um Agnus-
tra o demónio, as trovoadas e as tempestades. Dei no fogo para o extinguir, terá respondido:
Em Roma, o arcedíago tomava outra cera (que «Não é razão experimentar tamanha e tão san-
não a de um círio pascal), benzia-a, ungindo-a ta relíquia em tão pequena cousa» (Memória
com bálsamo e santos óleos, fazendo dela pe- dos ditos e Sentenças dos Reis e Príncipes e Senho-
quenas figuras de cordeiros que distribuia pe- res Portugueses e outras pessoas [ANTT] dito n.
los fiéis. Posteriormente passaria a ser benzido 43, p. 30). Em Valpaços o Agnus-Dei usa-se
na capela Sistina pelo Papa no primeiro ano do como amuleto contra as sezões, porém é no
seu pontificado e, depois, de sete em sete anos, domínio da obstetrícia que obtém maior apli-
durante o tempo pascal: o próprio pontífice cação: «Também tem virtude muito grande
distribui os Agnus-Dei solenemente no Sábado para livrar as mulheres, que estão de parto, de
in albis, aos cardeais, bispos e outros assisten- todo o perigo dando-lhes esforço, e ânimo na-
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AGONIA
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AGOSTINHO, SANTO
AGOSTINHA, SANTA
Ernesto Soares descreve um registo que a repre-
senta.
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na presença de Santa Mónica e de outros san- OBRA Varias poezias do Veneravel Padre Frei Agostinho da Cruz,
religioso da Provincia da Arrábida, dedicada ao Excel. e Reve-
tos, num total de 21 figuras. Iconografam-no rend. Senhor D. Frei Manoel do Cenáculo [...], Lisboa, 1771
grande número de registos descritos por Ernesto [BN: L 40459 P]; Obras de [...] conforme a edição impressa de
Soares [n. 5922, p. 442]. A *correia de Santo 1771 e os códices manuscritos das Bib. de Coimbra, Porto e Évora
(ed. Mendes dos Remédios), Coimbra, 1918; Poesias inéditas,
Agostinho, benta, é um amuleto eficaz contra as
Coimbra, 1924 [BN: L 4626 A]; Sonetos e Elegias, Lisboa,
bruxas e algumas doenças, como a *epilepsia. 1994 [Ed. António Gil Rafael: inclui listas de «Sonetos a ex-
cluir» (p. 227-232) e «Elegias a excluir» (p. 233-234)].
OBRA TRADUZIDA Da Cidade de Deus (De Civitate Dei) /
catedrais de Coimbra e Évora e mosteiro de Alcobaça [BN:
cod. alc. XIX / 332 (séc. XIII)]; trad. J. Dias Pereira AGOSTINHO DE SANTA MARIA, FREI (1642-1728)
(Lisboa, 1991-1995, 3 vols.); idem, Confissões / trad.: Lis- No século chamou-se Manuel Gomes Freire.
boa, Régia Oficina Tipográfica, 1783-1784, 2 vols.; J. Oli- Foi o primeiro noviço da Recolecção portugue-
veira Santos e A. Ambrósio de Pina, Porto, 1942 (mais de
uma dúzia de edições); idem, O Livre Arbítrio / trad. sa. Estudou no Colégio de Évora, tendo sido
António Soares Pinheiro (Braga, Fac. Filosofia, 1986 e escolhido logo após haver sido ordenado para
1990, com uma errata); idem, Apocalipse de São João Cronista da Ordem em Portugal e, sucessiva-
comentado por [...]. Vitória Final de Cristo / trad. J. A. Ro-
drigues Amado (Coimbra, 1960). mente, Superior do convento de Évora, Secre-
tário da Província, Definidor e Vigário-Geral
BIBLIOGRAFIA CALADO, Adelino de Almeida Calado, Uma da Congregação. Da sua fecunda obra destaco:
versão quatrocentista de sermões pseudo-augustinianos, in
Arquivo de Bibliografia Portuguesa, a. 2 (1956), p. 81-97 [BN: História da vida admirável e das prodigiosas ac-
PP 17322 V]; COURCELLE, P. e J., Iconographie de Saint ções da Venerável Madre Soror Brigida de Santo
Augustin: les Cycles du XIV siècle, in Études Augustiniennes António, Filha espiritual singularíssima do vene-
(1965); idem, Iconographie de Saint Augustin: les Cycles du XV
siècle, in Études Augustiniennes (1969); DOMINGUES, rável Padre António da Conceição (Lisboa, 1701
Joaquim/GALA, Elísio/GOMES, Pinharanda, Santo [BN: R 5104 V]); Santuário Mariano e Histó-
Agostinho na Cultura Portuguesa: contributo bibliográfico, ria das Imagens Milagrosas de Nossa Senhora
Lisboa, 2000; GANDRA, Manuel J., Obra [de Santo
Agostinho] na Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra, in O
(Lisboa, 1707-1727, 10 vols [BN: Res. 1822-
Monumento de Mafra de A a Z, v. 1, Mafra, 2002, p. 61; 1831 P]); Adeodato contemplativo e universida-
MARTINS, Mário, Os Solilóquios e Meditações do Pseudo- de da oração, dividida em três classes pelas três
Agostinho, em medievo-português, in Brotéria, v. 55 (1952), p.
168-177 e in Estudos de Literatura Medieval, Braga, 1956. p.
vias Purgativa, Iluminativa e Unitiva (Lisboa,
191-200; idem, Santo Agostinho nas Bibliotecas Portuguesas da 1713 [BN: R 23748 P]); O Caminhante Cris-
Idade Média, in Rev. Portuguesa de Filosofia, t. 11, n. 354 tão (Lisboa, 1721 [BN: R 25443 P]); Historia
(1955), p. 166-176; PEREIRA, Isaías da Rosa, No XVI
tripartita compreendida em 3 Tratados (Lisboa,
Centenário do Baptismo de Santo Agostinho: as obras de Santo
Agostinho nas bibliotecas medievais portuguesas, in Anais da 1924 [BN: HG 3317-19 P]); Celeste e devota
Academia Portuguesa de História, s. 2, v. 34 (1993), p. 109-115 Filotea (Lisboa, 1927 [BN: R 17770 P]).
AGOSTO
1 S. Pedro dos Grilhões (S. Pedro ad vincula) / Eleázaro, doutor da Lei / Macabeus / Salomão / Sto.
Afonso Maria de Ligório (calendário moderno) / Mártires de Chelas
Anexim: Primeiro dia de Agosto, primeiro dia de Inverno.
Festa das colheitas dos celtas (Lugnasad). Outrora, eram construídas torres ou subia-se a um lugar eleva-
do. As torres tinham a forma cónica como as colinas e eram colocadas junto de um poço ou nascente
de água. Diz-se, em Guimarães, que haverá moléstia onde o nevoeiro assentar no primeiro de Agosto.
2 N. Sra. dos Anjos /Sto. Estêvão (calendário antigo) / Sto. Afonso Maria de Ligório (calendário antigo)
3 Sta. Lídia (tintureiros) / Invenção de Sto. Estêvão / Nicodemos / S. Pedro Julião Eymard (calendário
moderno)
4 S. Domingos de Gusmão (calendário antigo) (advogado contra constipações e febres)/ S. João Maria
Vianney (calendário moderno)
5 N. Sra. das Neves
6 Transfiguração do Senhor (salsicheiros) / S. Sisto II (calendário antigo) / Stos. Felicíssimo e Agapito
(calendário antigo)
7 S. Caetano (advogado da pobreza) / S. Donato (calendário antigo) / Sto. Alberto Magno (advogado
contra os maus partos, sezões e todo o género de febres)/ Judite, figura do Antigo Testamento /S. Sisto
II (calendário moderno)
8 S. João Maria Vianney (calendário antigo) /Stos. Ciríaco, Largo e Esmaragda (calendário antigo) / S.
Domingos de Gusmão (calendário moderno)
Dia quartã
9 S. Romão / S. Samuel de Edessa
10 S. Lourenço (marítimos, cozinheiros, hospedeiros, contra lumbado, incêndios e a favor da protecção
das vinhas)
Anexins: Dia de S. Lourenço vai à vinha e enche o lenço, se não achares que vindimar, hás-de achar que
peniscar; Pelo S. Lourenço os nabais sem nabos nem no lenço; Agosto, frio no rosto (Na Beira chama-
-se a S. Lourenço o santo dos capotes); Quem cavar no dia de S. Lourenço achará carvões (Alto Minho)
11 S. Tibúrcio (calendário antigo) / Sta. Susana (companheira de Sta. Marta e advogada dos animais) /
Sta. Clara (calendário moderno)
12 Sta. Clara (calendário antigo) (advogada contra a hidropesia, febres malignas e incêndios)/ Beato
Amadeu da Silva
13 Stos. Hipólito e Cassiano (calendário antigo) /Stos. Ponciano e Hipólito (calendário moderno)
Nos Idus de Agosto, os latinos celebravam várias divindades, tais como os Gémeos Castor e Pollux, Ver-
tumnus, Hecate, Flora, Diana, etc.
14 Sto Eusébio (calendário antigo) / S. Marcelo /S. Maximiliano Maria Kolbe (calendário moderno)
Os gregos celebravam as Panathenaia, festa natalícia de Atenas (no dia 28 de Hekatombaion)
15 Assunção de Santa Maria (correeiros e negociantes de pescado)
Anexins: Pela Senhora de Agosto às sete é sol posto; Por Santa Maria de Agosto repasta a vaca um pouco
16 S. Joaquim (calendário antigo) (advogado da paciência) / S. Jacinto (calendário antigo) / Sto Estêvão
(calendário moderno) / S. Roque (advogado contra a peste e feridas venéreas)
17 S. Mamede (padroeiro dos animais e protector contra a falta de leite das mulheres que amamentam)/
Sta. Comba (advogada contra a asma)
Os romanos celebravam as Portunálias, em honra de Portunes, deus latino das portas.
18 Sto. Agapito (calendário antigo) / Beata Beatriz da Silva
19 S. João Eudes
20 S. Bernardo de Claraval (advogado contra as dores de cabeça e febres)/ Samuel, figura do Antigo Tes-
tamento
Anexim: Pelo S. Bernardo seca-se a palha pelo pé
21 Sta. Joana Francisca Frémiot de Chantal (calendário antigo) / S. Pio X, Papa (calendário moderno)
Os romanos celebravam as Consuálias, em honra de Consus, deus do cereal ceifado.
22 Sagrado Coração de Maria (calendário antigo) / Stos. Timóteo, Hipólito e Sinfório (calendário
antigo) / N. Sra. das Graças
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AGOSTO
23 S. Liberato / S. Filipe Benizi (calendário antigo) / Sta. Rosa de Lima (calendário moderno)
Os latinos celebravam as Vulcanálias, em honra de Vulcano, bem como as Neptunálias, em honra de
Neptuno.
24 S. Bartolomeu (fabricantes de lanifícios, curtidores de peles, encadernadores e carniceiros, advogado
contra sustos e medos, visões diabólicas, murmurações e peste)
Os latinos abriam o Mundus Cereris (Mundo de Ceres), acto reiterado a 5 de Outubro e a 8 de Novem-
bro. Ao descerrar o Lapis Manalis (porta do Hades ou Ostium Orci) dava-se oportunidade aos Manes
(espíritos ancestrais) de deambular pelo mundo dos vivos. Durante o período em causa não ocorriam
casamentos, guerra, ou quaisquer outras actividades de índole social.
Anexins: A boa fiandeira de S. Bartolomeu, toma a vela e mais boa, da Madalena; Dia de S. Bartolomeu
anda o diabo à solta; Pelo S. Bartolomeu vai à vinha e enche o lenço
25 S. Luís de França (padroeiro das Academias de Ciências, barbeiros, cabeleireiros, destiladores, cape-
listas, bordadores, fabricantes de botões, sirgueiros e operários de construção, advogado dos cavalos e ju-
mentos e contra a acidificação da cerveja) / S. José de Calazans (calendário moderno)
Os latinos celebravam as Opiconsivias, em honra de Ops Consiva (Colheita abundante), divindade iden-
tificada com Terra (a Terra).
Anexim: S. Luís de França dai fala a esta criança
26 S. Zeferino (calendário antigo) / S. Cesário de Arles (calendário moderno)
27 S. José de Calazans (calendário antigo) / S. Rufo (advogado da boa fama) / Sta Mónica (calendário
moderno)
28 S. Hermes, mártir (calendário antigo) / Sto. Agostinho
Anexim: Chuva fina por Sto. Agostinho é como se chovesse vinho
29 N. Sra. da Consolação / Sta. Sabina (calendário antigo) / Degolação de S. João Baptista / Sta Sabina
(advogada contra o imoderado fluxo de sangue)
Embarque dos círios da Atalaia.
30 Sta. Rosa de Lima (calendário antigo) (advogada da vista) / Stos. Félix e Aduto (calendário antigo) /
S. Fiacrio (advogado contra os cancros e almorreimas)
Romaria do Senhor da Serra de Belas
31 S. Raimundo Nonato (parteiras, a favor das mães e dos recém-nascidos) / N. Sra. da Boa Viagem
em seu louvor). Provérbios e anexins: A quem alegra o rosto; Chuva de Agosto apressa o mos-
não tem pão semeado, de Agosto se faz Maio; to; Corra o ano como for, haja em Agosto e Se-
Agosto, dá o trigo no rosto; Agosto manguais tembro calor; Couves em Agosto, tumba à por-
ao rosto; Agosto seca a fonte; Agosto seca as ta; Em Agosto aguilhoa o preguiçoso e sê cui-
fontes e Setembro os montes (Guarda); Agosto dadoso; Em Agosto apanha macela que livra da
recolhe o pão com gosto; Agosto tem a culpa, botica o uso dela; Em Agosto, candeeiro posto;
Setembro leva a fruta; Agosto toda a fruta tem Em Agosto dá o sol pelo rosto; Em Agosto deve
gosto; Bendito seja Agosto que pariu Setem- o milho ferver no carolo; Em Agosto, espingar-
bro; Quem em Agosto ara, riqueza prepara; da ao rosto; Em Agosto, há bulha o preguiçoso;
Em Agosto sardinha e mosto; Água de Agosto, Em Agosto aguilhoa o preguiçoso; Em Agosto
açafrão, mel e mosto; Lá vem Agosto com os vale mais vinagre que mosto; Em Agosto nem
seus santos ao pescoço; Quem não debulha em vinho nem mosto; Em Agosto secam os mon-
Agosto debulha com mau gosto (ou rosto); tes, em Setembro as fontes e em Outubro seca
Agosto e vindima não vem cada dia, mas sim tudo; Em Agosto toda a fruta tem seu gosto;
cada ano, uns com ganância, outros com dano; Luar de Janeiro não tem parceiro, mas lá vem
Agosto, frio no rosto; Agosto madura, Setem- Agosto que lhe dá de rosto; Maio come trigo,
bro Vindima; Agosto nos farta, Agosto nos ma- Agosto bebe vinho; Os nabos querem ver o
ta; A quem não tem pão semeado de Agosto se luar de Agosto; Não é bom o mosto colhido
faz Maio; Cava e esterca de Agosto, ao lavrador em Agosto; Nem em Agosto caminhar, nem
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AGOURO
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AGOURO
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AGRIMENSURA
prognostico» (Sátiras, p. 110); «[...] Aborreci bexiga e/ou próstata. Para uso externo aplica-se
como peste / Agoiros do tempo antigo: / Tu o suco fresco em infecções dermatológicas, ec-
em agourento deste, / E agourento me fizeste, zemas e erupções. Nos sonhos é, geralmente,
/ Pois tenho agouro contigo» (Epigramas, p. de bom augúrio, só a sua compra pode originar
467). Diz-se que a *Páscoa em Março é de desgostos passageiros. Outrora, no dia da sua
mau agouro (Páscoa em Março, ou fome ou festividade, os devotos lisboetas de *São Gon-
mortaço), tal como chover em domingo de çalo Telmo (*Corpo Santo) cobriam a imagem
Páscoa: quando isso acontece, nesse ano, as do santo, conduzida num andor, com agriões
nozes apodrecem todas (Gaia, Oliveira de frescos, colhidos em Xabregas. Locução: Se que-
Azeméis e Vila Real). Existem antídotos ou res ter bons pulmões, come agriões (Mexilhoei-
modos de evitar agouros: para a varejeira ou o ra Grande).
besouro preto abandonarem a casa volta-se
um banco de pernas para o ar, quem oferece AGRIMENSURA
palitos à mesa não casa, mas batendo com o Construir segundo as prescrições, fazer da cida-
pé no chão o agouro vai-se; duas pessoas que de um diagrama ou um cosmograma, confere-
se lavem na mesma água brigarão, mas para -lhe simbolicamente o valor de cidade santa ou
evitar a briga basta cuspirem na água; derra- consagrada. Quando Varrão quis evidenciar
mar azeite é sinal de desgraça, enquanto en- que as coloniae pertenciam ao mundo romano
tornar vinho significa alegria. *Belmiro Trans- e não ao mundo indígena, disse: «[...] usam o
tagano, *espirro. nome de urbes e foram fundadas como Roma».
A Cidade Eterna constituía-se, assim, como pa-
BIBLIOGRAFIA ANÓNIMO, Continuação dos ridículos radigma da cidade ideal para o mundo latino.
abusos, com que foi criada a Mãe do velho Remolares, pelas
velhas do seu tempo, in Almocreve das Petas, partes XLVII a
A partir do Renascimento esse paradigma assu-
XLXIX (9, 21 e 26 Mar. 1798); MARTINS, Mário, O mir-se-ia como símbolo universal. A coerência
Penitencial de Martim Peres, em medievo português, in formal que se atribuía a Roma não lhe adveio
Lusitania Sacra, v. 2 (1957), p. 57-110; SARAIVA, José directamente da eficiência e linearidade do seu
Hermano (ed.), Ditos Portugueses dignos de Memória, Mem
Martins, 1997 (3ª ed.), n. 452 (p. 166), n. 689 (p. 250), n. aparelho militar e burocrático, antes da mor-
874 (p. 320), n. 1298 (p. 454) fologia da cidade, condicionada pelos ritos de
fundação herdados dos etruscos. Já Tito Lívio
2. Nome do *diabo. registara essa virtude: «Não existe uma praça
nesta cidade que a religião não tenha impreg-
AGRIÃO nado e que não se encontre ocupada por al-
Sisybrium nasturtium e Nasturtium officinalis, guma divindade. Os deuses habitam-na». A
R. Br. Rico em ferro, com ele são preparados fortuna das prescrições legislativas, instrumen-
xaropes contra a asma (quando adicionados ca- tais e técnicas que se achavam sistematizadas
racóis), denominados lambedores, e chás desti- primeiro nos livros etruscos chamados Rituales
nados a debelar a tuberculose. Depurativo, ex- e depois no Corpus Agrimensorum Romanorum,
citante, anti-escorbútico, diurético e antibótico onde os modelos da castramentação latina esta-
sobre os rins e pulmões. Para uso interno uti- vam também consignados, foi, com efeito, ex-
liza-se a planta, de preferência fresca, em sala- traordinária, tendo desempenhado um papel
das, xaropes e infusões, para combater a expec- determinante na sobrevivência e renovação dos
toração, o catarro e a bronquite. Há quem o modelos urbanos. Joseph Piel regista a presença
considere depurativo sanguíneo, com particu- de gromáticos na península Ibérica durante a
lar importância nas enfermidades da pele, de- permanência latina, afirmando serem «pelo
vido à sua riqueza em enxofre. Nas doenças das menos quatro os nomes de lugar hispânicos
vias urinárias deve ser utilizado com modera- que [...] se prendem com a antiga e importan-
ção, pois é propensa a provocar irritações da tíssima profissão dos agrimensores romanos
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AGRIMÓNIA
AGRIMÓNIA
Agrimonia eupatoria, L. Também *amoricos
(Madeira) e *eupatória-dos-gregos. Vulgar em Rosto de A Filosofia Oculta (1533), de Cornélio
grande parte do território europeu, crescendo Agripa [BPNM: 2-51-13-1].
sobretudo nos prados, pastagens e clareiras das
teve ao serviço de Maximiliano I, Guilherme
florestas. O caule e as folhas contêm taninos,
II, de Monferrato, Carlos III, de Sabóia, e Car-
ácido silicício, óleo essencial, etc. É conhecida
los V, como diplomata, militar e cronista, sen-
há muito tempo para tratamento de catarros,
do considerado o mais importante filósofo her-
hemorragias, problemas de pele, tuberculose,
mético do seu tempo. Manteve polémica com
etc. Na Idade Média era muito utilizada nos
os dominicanos de Metz que o acusaram de fei-
campos de batalha dado o seu poder cicatrizan-
ticeiro, motivo por que esteve encarcerado em
te. Para uso interno utiliza-se a decocção (dose
Bruxelas durante um ano. Combina a magia
quotidiana de 1,5 g) para regularização dos
natural de Ficino com a cabalista de Pico.
processos digestivos, cura de diarreias (sobretu-
do das crianças) e de certas doenças de fígado e OBRA De Incertitudine et Vanitate omnium Scientiarum et ar-
rins, designadamente os cálculos renais. Para tium liber, Antuérpia, 1530 Reimpressa diversas vezes (1643,
1653, etc.), apesar da condenação dos teólogos de Paris e Co-
uso externo preconiza-se a decocção em garga- lónia. Trata-se de uma enciclopédia contra todas as ciências e
rejos, parches (inflamações da pele) ou nos ba- artes, incluindo as disciplinas herméticas. A crítica conclui
nhos, como aditivo. Na linguagem das flores, a com o elogio do burro (o ignorante), contraposto à estultícia
e jactância do douto. Apesar de tudo, o autor parece conceder
agrimónia significa gratidão e reconhecimento.
alguma credibilidade à Magia Natural, porquanto adopta para
ela a definição piciana de «philosophiae naturalis absoluta
AGRIPA, CORNÉLIO (1486-1535) consummatio». Tradução francesa: Paradoxe sur l’ incertitude,
Natural de Colónia. Durante as suas deambu- vanité et abus des Sciences, 1582, 1603 e 1617. Consta dos Ín-
dices Expurgatórios desde o de 1547. Repetidamente usada por
lações pela Europa terá escalado Lisboa (1508). *Jorge Ferreira de Vasconcelos na Comédia Eufrosina e pelo
Discípulo de Tritémio, em Spanheim, durante Mestre conimbricense João Fernandes, na Oratio pro rostris
os anos de 1509-1510. Estudou teologia em (Coimbra, 1539 [BPMP: ms. 84, p. 11-14]), que a considera
má obra para os cristãos. Não obstante, sabe-se por intermé-
diversas universidades, ensinando-a em Dôle dio de Álvaro Gomes que muitas pessoas em Lisboa possuíam
(1509), Colónia (1511), Pavia (1512), etc. Es- exemplares dela; De Occulta Philosophia libri tres, s.l. [Melch-
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ÁGUA
linia], s.d. [1533] [BPNM: 2-51-13-1 = Proibido; BN: SA atributos da Fé, a qual não se regista com os
1818 P = 8ª ed. do séc. XVI, sem rosto] Redigida em 1510,
mas impressa apenas em 1531 (Antuérpia). Consta do Memo-
olhos, não se averigua pelos sentidos, nem se
rial espanhol de 1547 (ou anterior) mas não vem incluído no apura com razões. Por outro lado, a água é a
Index da Sorbonne (1544). Não deixará de polarizar as aten- protagonista do primeiro e do derradeiro mila-
ções e a censura [ANTT: Inq. Évora, proc. 8922, fl. 10v (Mar-
cos Rodrigues); Inq. Lisboa, proc. 3780 (*Cristóvão Francis-
gres de Cristo: nas *Bodas de Canaã (João II, 2)
co), 13184 (*Dom Agustin)], tendo suscitado, em 1580, a e, quando crucificado, do flanco lhe brotou
crítica detalhada de *Frei Bartolomeu Ferreira [ANTT: Inq. água em vez de sangue, respectivamente. *Cor-
Lisboa, proc. 3700, fl. 3r-7r]. Expõe a sua visão hermetista do nélio Agrippa dedica à água diversos capítulos
universo em três livros, sendo o 1º dedicado ao Mundo Ele-
mental, manipulado pela Magia Natural; o 2º à Magia Astral, da sua Filosofia Oculta, considerando-a o único
envolvendo a matemática; o 3º à Magia Angélica ou contacto elemento detentor de uma dupla capacidade de
com inteligências divinas, com o objectivo de desvendar os ar- produzir a vida. A concepção tradicional, se-
canos universais. Eugénio Asensio detectou uma «inquietante
intimidade» de Jorge Ferreira de Vasconcelos com este escrito gundo a qual a água tem memória, encontrou
que quase transcreve, a propósito das propriedades do núme- eco na comunidade científica contemporânea,
ro cinco, na Comédia Eufrosina (Prólogo, Madrid, 1951, p. tendo motivado as pesquisas do Dr. Lorensen
LXXV-LXXVII). Citada in Ennoea. De acordo com *Gui-
lherme Bro, réu francês da Inquisição, dois dominicanos (um (EUA), do Dr. Wolfang Ludwig (Alemanha) e
oriundo de Salamanca, outro de Ciudad Rodrigo) chegaram do Prof. Jacques Benveniste, pioneiro da biolo-
a Mesão Frio, cerca de 1550, com a «Filosofia de Cornélio gia digital (França), entretanto corroboradas
Agrippa». Tradução francesa: La Philosophie Occulte, divisée
en trois livres, Haia, 1727, 2 vols. [BPNM: 2-51-4-3 / 4 (=
pelo japonês Masarn Emoto, o qual advoga que
Proibido)]; Opera, quaecumque hactenus vel in lucem prodie- a água se comporta como um gravador líquido
runt, vel inveniri potuerunt omnia, in duos tomos concinne di- susceptível de receber, memorizar e transmitir
gesta, et diligenti studio recognita, Lyon, [ca. 1536], 2 vols.
Edição príncipe das Obras completas do autor. Reedições:
vibrações electro-magnéticas. As investigações
Lyon, 1550 (ampliada com obras não incluídas na 1º edição: de todos os supracitados supõem a existência de
Apologia pro defensione Declamationis de Vanitate Scientiarum; micro-clusters na água, i. e., de moléculas sen-
Querela ob eandem Declamationem ipsi, qui ad Cesaream síveis a campos vibratórios, capazes de armaze-
Maiest.; Tabula abbreviata in artem brevem Ray. Lull; De bea-
tissimae Annae Monogamia; Defensio propositionum praenar- nar e memorizar informação, mesmo após a de-
ratarum contra quedam Domini castrum earundem impugna- puração do líquido, em suma, doutrina idênti-
torem) e 1600; Les Oeuvres magiques de [...] (trad. francesa de ca à exposta pela *homeopatia. Diz-se (Açores,
Pedro de Abano), Liège, 1547 Reedições: Roma (1744),
Liège (1750, 1770, 1788, etc.). Serpa, Vidigueira, etc.) que quando há uma
morte em casa, devem esvaziar-se cântaros, in-
fusas, alguidares e restantes vasilhas, por se te-
ÁGUA
mer que a alma do finado nelas se venha banhar
Um dos quatro elementos primordiais da natu-
(banho da alma). Sonhar com água é prenúncio
reza, feminino e passivo como a terra, em opo-
de lágrimas e aviso de desgraças; com água tur-
sição ao ar e ao fogo, masculinos e activos. Uni-
va de doença próxima; com água quente insu-
versalmente venerada como fonte secreta da vi-
cesso ou acidente; com água fria encontro com
da (onde a água falta ela desaparece), purifica-
ventura próxima; com água parada infelicidade;
ção e regeneração (águas medicinais, do baptis-
com cascata melhoramento de vida com certa
mo e da iniciação). A capacidade de absorver
abundância; com inundação desastre de certa
gases e de ela própria se tornar gás (vapor de
gravidade. É de bom augúrio ver cair objectos à
água), condicionando o clima, reforça mais ain-
água, mas se isso acontecer ao próprio indicará
da a aura mágica da água. Na tradição judaico-
perseguição e ruína. Para fazer uma criança falar
cristã simboliza a origem da criação (Genesis),
depressa dá-se-lhe a beber água de chocalho ou
tendo sido convertida pelo cristianismo no sím-
aquela em que tenha estado de molho bilro de
bolo da vida espiritual, mercê do sacramento
renda. Água coada em camisa trás a amizade de
do *baptismo. A Igreja considera a água figura
quem a beba ou, segundo outra versão, água da
do mistério da Trindade, porque as condições
lavagem da camisa de uma mulher dada a beber
da água (não ter cor, cheiro ou sabor) são os
a um rapaz originará que se apaixone pela dona
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ÁGUA
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ÁGUA BENTA
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ÁGUA DE BORRAGEM
velmente. O Liber Pontificalis, redigido nessa preparação são utilizadas as flores e as folhas de
época, menciona a benção da água misturada Borago officinalis L.: as flores em infusões de
com sal para aspergir as casas. Segundo o com- meia onça, em duas e meia libras de água, e as
pilador dessa obra a iniciativa da introdução da folhas em decocções de uma e meia onça, para
prática ter-se-ia ficado a dever ao Papa Alexan- duas libras de água.
dre I (107-116?), apesar de não constar que ti-
vesse sido conhecida, quer por *Santo Agosti- ÁGUA CORREDIA
nho, quer por Cesário de Arles. As fórmulas ac- Água corrente de rio ou ribeiro. Água corrente
tualmente prescritas para a benção da água da- não pode ser enfeitiçada. Já os despachos
tam do séc. VII, inspirando-se num ritual ro- (feitiços) atirados para água corrente são dificil-
mano-galicano e constando do Sacramentário mente anuláveis. Um feitiço torna-se inope-
gelasiano. O povo crê que, consoante o objecto rante se lançado à água depois de haver sido
da cura desejada, se deve usar água benta de achado. No Cadaval, diz-se antes de beber de
três pias baptismais de três igrejas cujos oragos tal água: «Água corredia, / não faças mal à mi-
sejam, ou todos machos, ou todos fêmeas. Em nha barriga, / Nem de noite nem de dia, / Nem
Moncorvo, antes do nascer do Sol no dia de à hora do meio-dia / Padre Nosso e Ave Ma-
*São João, as águas estão bentas e quem nelas ria». Já em Tolosa, faz-se uma cruz sobre elas
se lavar fica livre de doenças durante o ano. com a mão direita, dizendo: «Nossa Senhora
Distante cerca de uma centena de metros de passou por aqui e não morreu: / Também hei-
uma ermida da invocação de Nossa Senhora da de beber e não hei-de morrer».
Penha de França (Rebordelo, Vinhais, Bragan-
ça), existe uma fraga chamada das Ferraduras, ÁGUA DE CU LAVADO
de cuja base jorra a Fonte da Virgem, cuja água Expressão registada em Vilar Seco de Nelas
se acha sempre benta, podendo ser tomada sem (1939) e Lisboa. Quando uma rapariga quer ser
perigo, mesmo no período agudo de qualquer amada por determinado rapaz faz-lhe um *fei-
doença. Diz-se que, andando Nossa Senhora tiço que consiste em dar-lhe de beber água de cu
pelo mundo, ao chegar à fraga em questão, te- lavado ou *água de lava-rabos. *Carapinhado.
ria sido surpreendida pelos mouros, só esca-
pando aos perseguidores porque fez a sua bur-
ÁGUA DIZIMADA
rinha (*burrinha de Nossa Senhora) trepar pela
Pelo *São João, à meia-noite, é bom dizimar a
rocha acima, abrindo-se esta para ela entrar, lo-
água, o que consiste no seguinte: enche-se
go se tendo fechado. Os mindericos (naturais
uma vasilha pequena numa fonte e vai-se dei-
de Minde) chamam regatinho santo à água ben-
tando para o lado nove vezes e a última, que
ta e regatinho do Jordão à água do baptismo. De
perfaz o dízimo, atira-se para trás das costas
acordo com Bluteau (v. 1, p. 175), os químicos
por sobre a cabeça, evitando molhar-se o ope-
chamam Água Benedicta à água resultante «da
rador. Em algumas regiões, quando se tira
infusão de Quintilio e de Crocus metallorum»,
água nove vezes (potenciação homeopática) o
citada na Poliantheia de Semedo (p. 808).
líquido obtido pela nona vez é considerado
*Água lustral, *água santa, *água de São João,
remédio para maleitas. *Homeopatia.
*alma penada, *feitiço fraco, *orvalhada.
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ÁGUA DE LAVA-RABOS
ÁGUA DE FLOR
Preparada com pétalas secas. Em Bragança,
diz-se que as futuras mães que limparem o ven-
tre com esta água parirão crianças bonitas e sãs.
Na Serra de Aire, o mesmo procedimento faz
as meninas nascerem brancas. Em outras re-
giões (Torres Novas, Almeirim, Vila Nova da
Barquinha, Golegã, etc.) prefere-se a aguarden-
te ou o álcool da botica. Os Ditos e Sentenças de
Reis […] (n. 1293, p. 453) dão conta da tradi-
ção de se lançar água de flor à passagem do
*Santíssimo Sacramento.
Garrafas em que era comercializada a Água de Inglaterra
ÁGUA DE FUNCHO fabricada por André Lopes de Castro.
Segredo das boticas jesuíticas destinado a ex-
pulsar os flatos e a abrandar as cólicas drigues Crespo (boticário, morador no Rossio),
intestinais. Água espirituosa obtida a partir de *João António Pereira e Sousa (boticário da
sementes do funcho (Foeniculum vulgare Mi- Rua da Boavista), etc.
ller), «crasso modo contusas», tártaro cru e
água da chuva. Depois de macerar tudo duran- BIBLIOGRAFIA ANÓNIMO, Documentos que autorisão a ver-
dadeira Agua de Inglaterra da composição, e manipulação de An-
te dois dias, destilava-se em alambique e filtra- tónio José de Sousa Pinto, Lisboa, Imprssão Régia, 1810; CAS-
va-se o líquido resultante. TRO, André Lopes de, Aviso ao Público a Respeito da Ágoa de
Inglaterra da composição do Doutor Jacob de Castro Sarmento,
Lisboa, Simão Tadeu Ferreira, 1799; DIAS, José Pedro Sousa,
ÁGUA DE INGLATERRA A Água de Inglaterra no Portugal das Luzes: contributo para o
Remédio febrífugo preparado pelos indígenas estudo do papel do Segredo na terapêutica do século XVIII, Lis-
peruanos, a partir da maceração de cascas de boa: Faculdade de Farmácia, 1986 [Monografia dactilo-
Quina-Quina, cujas propriedades terapeuticas grafada]; ESAGUY, Augusto M. de, Notícia sobre a Água de In-
glaterra, Lisboa, 1936; idem, Água de Inglaterra, Baltimore,
foram descritas pelo cardeal de Lugo, em 1650. 1936; idem, Água de Inglaterra, in Imprensa Médica (1951?);
Foi a droga mais receitada no seu tempo contra idem, Água de Inglaterra: nótulas, Lisboa, 1936; idem, Nótulas
as sezões. O primeiro português a manipular a relativas às Aguas de Inglaterra, Lisboa, 1931; idem, Uma água
curativa fabricada em Inglaterra e Portugal, in Imprensa Médica,
Água de Inglaterra foi Fernando Mendes (14 a. 23 (Nov. 1959), p.. 407-413; idem, Uma notável descoberta
de Abril de 1681), cuja fórmula não obteve portuguesa, a Água de Inglaterra, in Monit. Farm., n. 7, 163
grande fortuna. Posteriormente, surgiu uma (1937), p. 10-11; FONSECA, L. Falcão, Três séculos de medi-
cação antipalúdica: pó de quina, Água de Inglaterra e quinino, in
outra fabricada pelo *Dr. Jacob de Castro Sar- Revista portuguesa de Farmácia, v. 28, n. 4 (1978), p. 348-372;
mento que mereceu uma geral aceitação. O su- FRIEDENWALD, Harry, Ferdinando Mendes. A comedy of er-
cesso desta suscitou o aparecimento imediato rors, Londres, 1938 [Biografia do primeiro fabricante de Água
de Inglaterra]; GANDRA, Manuel J., Subsídios para a biblio-
de diversas contrafacções, a primeira das quais grafia crítica das fontes e estudos respeitando ao Hermetismo em
foi lançada no mercado por *André Lopes de Portugal. I. Alquimia (tratamento biblioteconómico de Amélia
Castro, sobrinho do Dr. Jacob de Castro Sar- Caetano), Mafra, 1994; LEMOS, Maximiano de, Jacob de
Castro Sarmento, in Ilustração transmontana, n. 3 (1910), p.
mento. Foram falsificadores de nomeada: *José 114-125; PINA, Luís de, Notas para a história médica nacional
Joaquim de Castro (filho de André Lopes de ultramarina. A Água de Inglaterra em Angola, in Jornal do mé-
Castro e cujas pretensões foram discutidas na dico, n. 1 (1940); SALDANHA, Aleu, Dr. Fernando Mendes,
sessão de 14 de Maio de 1821, das Cortes Ge- hispano-trancosense, in Memórias da Academia das Ciências de
Lisboa, Classe de Ciências, t. 14 (1970); VILHENA, Jardim,
rais e Extraordinárias da Nação Portuguesa), Água de Inglaterra, in O Instituto, n. 12 (1932), p. 318.
*António José de Sousa Pinto (boticário lisboe-
ta), *José Francisco Borralho (boticário da Real ÁGUA DE LAVA-RABOS
Botica de Sua Majestade), *José Cardoso Ro- O mesmo que *água de cu lavado.
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ÁGUA LUSTRAL
ÁGUA LUSTRAL
O mesmo que *água benta.
ÁGUA DO MAR
Os povos ribeirinhos creem que abaixo do sítio
onde a maré chega estão livres de tudo o que
temem durante a noite. As coisas ruins não
podem descer àquele local, porque «a água do
mar é sagrada». Além disso crê-se que quem se
molha na água do mar não se constipa. *Água
benta, *sal.
ÁGUA MARINHA
Pedra semi-preciosa. Simboliza a pureza, a ino-
cência e a clareza de visão. Um dos motivos interpretados como representando a água
de purificação, no monumento dolménico de Antelas.
ÁGUA MINERAL
Outrora, eram atribuídos efeitos divinos às alguns dias. Convém recordar que, tradicional-
águas minerais. O seu uso andava, muitas ve- mente, uma *mãe-de-água é interpretada como
zes, a par da invocação de potências sobrenatu- uma entrada para o mundo subterrâneo.
rais ou divindades cujos atributos terapeuticos
se supunham transpostos para tais águas, casos, BIBLIOGRAFIA FERREIRA, Bettencourt, Vestígios do culto da
por exemplo, de *Tongoenabiagus, génio da serpente (ofiolatria) na prehistória lusitânica, in A Águia, v. 5
*Fonte do Ídolo (Braga), ou de *Santa Marta (1924); SANTOS JÚNIOR, J. R. dos, Arte Rupestre, in Con-
gresso do Mundo Português, v. 1, Lisboa, 1940
(Ericeira).
ÁGUA DE RABAÇAS
ÁGUA DE PASTINACA AQUÁTICA
Também *água de pastinaca aquática (Apium
*Água de rabaças.
nudiflorum L.), planta aquática de flores bran-
cas. Segredo das boticas jesuíticas, com pro-
ÁGUA DE PURIFICAÇÃO
priedades antiescorbúticas, peitorais, boa para
Motivo que ocorre na *arte rupestre portugue-
quebrar a pedra nos rins e na bexiga e usada
sa, sob a forma de um conjunto de linhas ser-
contra o mau hálito.
pentiformes quebradas e em ziguezague, do
qual se tem querido extrair uma semântica
ÁGUA RÉGIA
ofiolátrica (Bouza Brey), associando-o, igual-
Nome que se dá ao resultado da mistura dos
mente, à água purificadora, regeneradora e re-
ácidos nítrico e clorídrico (cf. Bluteau).
vivificante (Georg e Vera Leisner e Albuquer-
que e Castro). As fontes de água fria são ainda
ÁGUA SANTA
hoje utilizadas na Califórna (USA) por xamãs
Em Moncorvo, diz-se que, antes do nascer do
para induzir estados alterados de consciência
Sol no dia de *São João, a água é santa (*água
no final de uma busca de visão, a qual implica a
benta) e quem nela se lavar ficará imune a
privação de todo o tipo de alimentos durante
doenças durante o ano. Em outras regiões par-
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ÁGUAS SANTAS
tilha-se da mesma opinião, motivo por que as criança durante sete dias consecutivos; no fim
fontes são visitadas na noite de S. João para do tratamento, deita-se a água fora, para trás
encher vasilhas com a «água da meia-noi- das costas, numa encruzilhada.
te» (Santarém). Em Minde, as raparigas iam à
«Fonte da Serra para ouvir cantar as mouras e AGUARDENTE
encherem os potes de água abençoada». Em Em termos alquímicos, é a chispa comunicada
algumas localidades do Vale de Santarém ha- à matéria inerte pelo Criador, provocando a re-
via, antigamente, o costume de ir «tomar o vitalização dela. Sobre o uso e abuso da aguar-
banho santo» às Caldas da Rainha, na noite dente, pronuncia-se o povo do seguinte modo:
do Precursor. Afirma, ainda, o povo que a «Não me chameis aguardente,/Chamai-me
*água de São João (*orvalhada) «sela os amo- água feita,/Curo-vos as feridas,/Sirvo-vos de re-
res e faz lindas as raparigas». ceita./Mas quem comigo se meter,/Meto-o três
dias na cama / Que não se há-de poder erguer».
ÁGUA DE SANTA ANA
*Santa Ana. AGUARÉS
Chefe de 36 legiões, mencionado no elenco
ÁGUA DE SÃO JOÃO dos principais demónios estabelecido pelo câ-
*Orvalhada. none 7 do Concílio de Braga (560-563). Assu-
me a aparência de um cavaleiro cavalgando um
ÁGUA SECA crocodilo e mantendo um pardal na mão fe-
Designação química para o salitre (cf. Bluteau, chada. Confere o dom das línguas e faz dançar
v. 1, p. 175). os espíritos da terra.
AGUADO ÁGUAS
Em Ponte da Barca usa-se um bolo contra o Invocação mariana, cultuada numa capela em
aguado, cuja receita é reproduzida por João Rio Covo (Barcelos).
Amorim Machado Cruz (cf. O Bolo dos Agua-
dos, in Douro Litoral, v. 8, 1943, p. 63). ÁGUAS SANTAS
*Aguamento. Localidade do concelho da Maia (Porto). O
Padre Figueiredo dá os templários como inqui-
AGUAMENTO linos temporários do convento de Santa Maria
O mesmo que *aguado, *augamento, *ouga- de Águas Santas, o que não é, de todo, verosí-
mento, *ougarice (Gulpilhares) e ouguice (Ca- mil, uma vez que, desde a sua fundação até
nidelo), maleita atribuída ao facto de se ter de- 1321, sempre pertenceu aos cónegos regrantes
sejado comer qualquer coisa que foi recusada. de Santo Agostinho. O Santuário Mariano
Diz-se que uma criança tem aguamento quan- (1716) apresenta duas explicações para o topó-
do apresenta o cabelo arrepiado e está magri- nimo: A. a do martírio de cinco fiéis, de cujo
nha, não tem apetite e não medra. Para o tirar, sangue derivou a santificação das águas; B. a
procede-se em conformidade com as seguintes imagem do orago, Nossa Senhora do Ó, teria
práticas: A. Coze-se um litro de feijão frade em aparecido junto de alguma fonte cujas águas
bastante água; com essa água morna, dá-se ba- passaram a ser tidas por milagrosas. Até 1874,
nho à criança durante três dias consecutivos, uma particularidade distinguia-a das restantes
sem a limpar e enrolando-a numa combinação; igrejas românicas regionais: ser constituída por
no fim do tratamento, deita-se a água fora, pa- duas naves, a central e a lateral do Norte. Nesse
ra trás das costas. B. Pedem-se sete pedaços de ano, o pároco, preocupado com a falta de sime-
toucinho a sete Marias, os quais são derretidos; tria do templo, mandou edificar a actual nave
junta-se-lhes água com a qual se dá banho à do Sul, semelhante à do Norte! A imagem da
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ÁGUEDA, SANTA
Capitel da nave da igreja de Águas Santas. Santa Águeda (pormenor de predela): 2.º quartel do séc.
XVI [MNAA].
padroeira é do séc. XVII (madeira; 1200 mm), res no peito, em geral e igualmente contra as
tendo substituído imagem gótica, desapareci- erupções vulcânicas, os tremores de terra, os
da. O capitel da nave maior, junto da ábside, incêndios e o raio. Padroeira dos sineiros e das
do lado Sul, denominado das sereias por Joa- amas de leite. Tem como atributos, além da
quim de Vasconcelos, a mulher e a serpente por palma comum a todos os mártires, uma ban-
Aarão de Lacerda e «orantes tendo inferior- deja com dois seios arrancados e uma tenaz,
mente filacteras» por Armando de Matos, pode alusivos ao suplício que lhe inflingiram. Er-
simbolizar a alma virtuosa tentando libertar-se nesto Soares descreve alguns registos que a ico-
do pecado. De facto, observam-se nele dois nografam [04705, 04707 a 04717], ostentan-
bustos humanos de braços erguidos (orantes), to os seios sobre uma bandeja.
tendo inferiormente bandas irregulares, sinuo-
sas (serpentes), cercados por elementos fito- ÁGUIA
mórficos de que sobressai uma palma (martí- No mundo helénico, tal como no latino, foi
rio, triunfo, felicidade celeste). identificada com o sol, mensageiro de Zeus ou
*Júpiter que a tomou como insígnia e a colo-
BIBLIOGRAFIA FRONTEIRA, J., A igreja de Águas Santas no cou no céu, onde é uma das constelações, por-
concelho da Maia, in O Tripeiro, s. 5, n. 1-2 (1945); MATOS,
Armando de, Dois capitéis da igreja românica de Águas Santas, que em vésperas de uma batalha, quando ofe-
in Douro Litoral, s. 4, v. 6-7 (1951), p. 93-94; MONTEIRO, recia sacrifícios, teve a visão de uma águia a for-
Manuel, Águas Santas, in Igrejas Medievas do Porto, Porto, necer-lhe os raios com os quais fulminava os
1954; OLIVEIRA, A. de Sousa, Santa Maria de Águas Santas:
igreja de duas naves, in Amigos do Porto, v. 2, n. 4 (1957); PAS- inimigos. Participa, por essa razão, em grande
SOS, Carlos de, A Igreja de Águas Santas, in Civilização, a. 9, número de mitos, sendo considerada a ave dos
n. 89 (Maio 1936), p. 17-20; VITORINO, Pedro, Águas San- deuses e a rainha das aves. Nos Salmos (CII, 7-
tas, in O Archeologo Portuguez, v. 20, n. 1-12 (Jan.-Dez-1915),
p. 292-297; idem, A Igreja de Águas Santas, in Ilustração Mo-
8 e CIII, 2 e 5) alude à renovação espiritual
derna, a. 2, n. 15 (Julho 1927), p. 349-359 simbolizada pela rejuvenescimento primaveril
da sua plumagem. No Deuteronómio (XXXII,
ÁGUEDA, SANTA 9-13), a propósito da saída do hebreus do Egip-
A mesma que *Santa Ágata. Mártir da perse- to e da sua libertação do jugo do faraó, Javé é
guição deciana, natural da Catânia. Ocorre comparado à águia que incita a sua ninhada a
no santoral primitivo português a 5 de Feve- abandonar o ninho. Em Ezequiel (I, 10-11), os
reiro, apenas como orago secundário. Advoga- Quatro Viventes, detentores de quatro rostos
da contra as dadas nos seios femininos e as do- cada um, possuem um de águia que parece
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ÁGUIA
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ÁGUIA BICÉFALA
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AIA
(Portalegre). Em Abril de 1580 foi processado Coimbra, onde foi lente, Juiz do Supremo Tri-
pelo *Santo Ofício por ter proferido proposi- bunal de Justiça, provedor da Santa Casa da
ção heterodoxa num sermão que pregou no seu Misericórdia de Lisboa. Perseguido devido às
convento. Disse, então, que «os danados no in- suas ideias liberais, exilou-se, tendo regressado
ferno, até ao dia do juízo, vêem a Deus e a gló- a Portugal com «os bravos do Mindelo» (1832).
ria dos bem-aventurados». A Inquisição acusa- Foi deputado e par do Reino, filiado no Partido
va-o ainda de outra heresia que consistia no se- Regenerador foi ministro do Reino (1833-34;
guinte: estando o guardião e religiosos no capí- 1841-42 e 1865-66) e da Justiça (1834-36 e
tulo dissera um deles que no coro estariam 1846) e três vezes Presidente do Conselho de
mais quentes por se encontrarem na presença Ministros (1841-42; 1860; 1865-68).
do Santíssimo Sacramento, ao que o réu res-
pondera «quem sabe se ele está ali». Foi conde- AGULHA
nado a retratar-se perante a comunidade e a Se duas agulhas metidas numa bacia com água
fazer abjuração pública dos seus erros [ANTT: se juntarem, em noite de *São João, é prognós-
Inq. Évora, proc. 400-5318]. tico de casamento. Ver agulhas em sonhos prog-
nostica embaraços, inquietações ou dores; com-
prá-las indicia conquista de triunfos. Sonhar
com agulhas enfiadas traz intrigas de mulheres,
enquanto ser picado por elas significa desgraças
em perspectiva. Achar na rua agulha de coser é
galinhaço (*azar), em Ponte da Barca. Passar
uma agulha com um fio de retrós (de qualquer
cor umas vezes, preto outras) pelos olhos de
certas cobras (e víboras) e depois pela roupa de
quem se deseja enfeitiçar, sem que essa pessoa
saiba, faz com que ela fique a gostar de quem
fez o feitiço (Baião). Camilo (Anátema, 7ª ed.,
cap. XII, p. 123-124) refere que enfiar uma
agulha em torçal preto, passá--la pelos olhos de
uma víbora entre o meio-dia e as duas horas e
ao dar da meia-noite ir à porta de uma igreja e
dizer três vezes «Almas! Almas! Três enforcadas,
três afogadas, três mortas a ferro frio […]»,
suscita a aparição do *diabo e acrescenta que
toda a mulher será de quem lhe der na saia, no
lenço da cabeça ou na camisa, um ponto com
essa agulha que se enfiou nos olhos da víbora.
Agulha com que se cose a mortalha deve ir com
Mesa onde Joaquim António de Aguiar, alegadamente, te- o defunto para a sepultura. *Acultomancia.
rá assinado o decreto que o celebrizou (Ilustração Portu-
guesa, Mai. 1909). AGULHA DE ALBARDAR
Utilizada por *Ana do Moinho para coser en-
AGUIAR, JOAQUIM ANTÓNIO DE (1792-1874) torces.
Conhecido pelo Mata-frades, epíteto originado
pela circunstância de ter assinado o decreto de AIA
extinção das ordens religiosas (30 de Maio de As imagens de santos que não têm necessidade
1834). Doutor em Leis pela Universidade de de vestes dizem-se vestidas de graça, as outras
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AIPO
AIPO
Planta de virtude contra as feiticeiras, utilizada
para defumar doentes de feitiçaria. Em
Misarela (Castelo Branco), na véspera de *São
Marcos (24 de Abril), rega-se o aipo com *água
benta para as feiticeiras o não colherem. O chá
de aipo é preconizado contra a inflamação dos
seios. Na linguagem das plantas é sinónimo de
agonia e duelo.
AIRES
Invocação mariana, festejada em Viana do
Alentejo, no quarto sábado e domingo de Se- O adro do santuário de Nossa Senhora de Aires em
tembro. Anda associada a uma hierofania, cu- dia de romaria.
jos principais contornos de sacralidade são rela-
tados por Frei Agostinho de Santa Maria (San- dia próprio de romaria a cada localidade alen-
tuário Mariano, v. 6, p. 286-287): uns bois tejana e grupo profissional (principalmente
abandonavam misteriosamente o curral para pastores, ceifeiros, lavradores, mas também
pastar de noite, sendo encontrados de manhã tendeiros e ciganos). A maior afluência de ro-
no estábulo, sem terem causado qualquer dano meiros começava em finais de Agosto, acentua-
às searas; Nossa Senhora aparece em sonhos ao va-se em Setembro e prolongava-se pelo mês de
lavrador proprietário dos animais revelando-lhe Outubro. Em 1751, por Alvará de Dom José I,
que ela mesma soltava os bois do curral, local a feira que se fazia no local na véspera da roma-
onde desejava que lhe fosse construído um ria de Évora (quarto domingo de Setembro) foi
santuário; iniciada a edificação do templo lon- elevada à categoria de feira franca, circunstân-
ge do curral, a obra feita durante o dia aparecia cia que contribuíria para a fixação da romaria
destruída na manhã seguinte. Tudo indica na mesma data, a qual ainda hoje persiste. A
(moedas, cipos funerários e os remanescentes antiga sala das confrarias, actual Casa dos Mila-
de construções romanas) que a devoção cristã gres, as dependências anexas e as envolventes da
terá sucedido a outra de épocas anteriores (cf. capela-mor contêm uma profusão impressio-
Felix Alves Pereira, Antiguidades de Viana do nante de ex-votos, o mais antigo dos quais re-
Alentejo, in O Arqueólogo Português, v. 5 e 10, p. monta a 1735. *Estrada dos diabos.
271-295). Teve santuário quinhentista edifica-
do na sua Herdade de Paredes pelo lavrador BIBLIOGRAFIA BARATA, António Francisco, Alemtejo Históri-
co, Religioso, Civil e Industrial no Distrito de Évora, 1893, p.
Martim Vaqueiro, em cumprimento de um vo- 65-85; ESPANCA, Túlio, Santuário da Senhora de Aires, in A
to. Na centúria de setecentos, a elevada afluên- Cidade de Évora, a. 34, n. 60, p. 273-284
cia de romeiros determinou a edificação do
templo actual (iniciado em 1743 e sagrado em AIRES, PADRE FRANCISCO (1597-1664)
15 de Março de 1760 pelo Padre Lourenço Jesuíta. Reitor do colégio da Companhia em
Borralho, capelão do convento de Jesus de Via- Faro (1639-1642). Ínsigne teólogo ascético,
na do Alentejo), bem como a atribuição de um tido na conta de santo.
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AIRES, MATIAS
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AJOELHAR
Lisboa, Tipografia Rolandiana, 1786 [BN: SA 22095 P]; Lis- BIBLIOGRAFIA RIBEIRO, Luís da Silva, A lenda de Nossa Se-
boa, Estampa, 1971; Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da nhora da Ajuda em Santa Bárbara, in Bol. do Instituto Histórico
Moeda, 1980 e 2005; S. Paulo, 1942, 1966 e 1993; Rio de da Ilha Terceira, v. 8 (1950)
Janeiro, 1948 e 1962; Nantes, 1996 (De la vanité des ho-
mmes); Carta sobre a Fortuna (desde 1778 editada conjunta-
mente com as Reflexões sobre a Vaidade dos Homens, sendo no
entanto posterior à redacção desssa obra); Paris, 1996 (Lettre
AL-DAJJAL
sur le bonheur) Termo árabe, com o sentido de enganar, iludir,
untar com alcatrão. ‘Al-Masih al-Dajjal significa
BIBLIOGRAFIA BRANDÃO, Fiama Hasse Pais, Matias Aires e literalmente O falso Messias, ou, por outras pa-
a Alquimia, in História, n. 54 (Abr. 1983), p. 69-73; COE-
LHO, J. Prado, À margem das Reflexões de Matias Aires, in lavras, o *Anticristo, por oposição a ‘Al-Masih
Brasilia (Coimbra, 1952); idem, O vocabulário e a frase de ibn Maryam, O Messias filho de Maria, isto é,
Matias Aires, in Boletim de Filologia, n. 15 (1955); idem, O *Jesus Cristo. A derradeira encarnação de kufr
humanismo de Matias Aires: entre o cepticismo e a confiança, in
Rev. Brasileira de Filosofia, v. 15, n. 57 (Jan.-Mar. 1965); ou kafir (aquele que encobre Alá, a verdadeira
ENNES, Ernesto, O Dr. Matias Aires Ramos da Silva de Eça natureza da existência, opondo-se ao mumin, o
e o Palácio dos condes de Alvor às Janelas Verdes (Museu muçulmano que aceita e cumpre os ensinamen-
Nacional de Arte Antiga), in Ethnos, v. 2 (1940); idem, Um
paulista insigne – Dr. Matias Aires Ramos da Silva Eça: tos do Profeta Maomé). O *Alcorão omite qual-
contribuição para o estudo da sua vida e obra, in Anais da quer referência ao al-Dajjal, no entanto, o no-
Academia Portuguesa de História, v. 5 (1941), p. 1-396; me deste ocorre em todas as mais importantes
HADDAD, Jamil Almansur, Matias Aires, filósofo barroco do
Brasil, in Rev. Brasileira de Filosofia, v. 9, n. 4 (1959); RA-
compilações de Hadith, nas secções dedicadas
MOS, Luís A. de Oliveira, Doutrina acerca da história em es- ao *Fim dos Tempos, o período imediatamente
critores portugueses do século XVIII: Matias Aires e a História, anterior à *Hora (*Fim do Mundo), em cujo
in Bracara Augusta, n. 28 (1974); REAL, Miguel, Matias
Aires – Filósofo da Agualva: no tricentenário do nascimento de
contexto há-de manifestar-se. Segundo a gene-
Matias Aires, in Vária Escrita, v. 12 (2005), p. 193-240; ralidade dos comentadores, serão inúmeros os
SIMÕES, Manuel, Matias Aires: subsídios para a história do sinais prenunciadores da Hora, entre os quais
Iluminismo em Portugal, in Rassegna Iberistica, n. 46 (1993), avultam a destruição da Ka’ba por um *abexim
p. 143-150; idem, Percursos do Iluminismo em Portugal:
Matias Aires e o «Problema de Architectura Civil», in Rassegna denominado Dhu’l-Suwayqatayn, a decadência
Iberistica, n. 56 (1996), p. 153-161 moral da humanidade e diversas convulsões
cósmicas. Porém, hão-de ser quatro os sinais
AJOELHAR maiores da iminência da Hora: a manifestação
Postura de quem implora ou agradece graças. do al-Dajjal como indivíduo (porquanto pode
Exprime submissão, respeito, reverência, vene- assumir também as formas de um fenómeno so-
ração, *adoração. Ajoelhar com ambos ou ape- cial e cultural mundial e de uma força invisível);
nas um só joelho (outrora, prática exclusiva de a manifestação do *al-Mahdi que combaterá o
reis e imperadores) tem significado distinto. al-Dajjal; o reaparecimento do profeta Jesus, o
qual ajudará a eliminar o al-Dajjal; o surgimen-
AJUDA to de Yajuj wa Majuj (*Gog e Magog), uma tri-
Invocação mariana, manifestada em distintas bo, por vezes descrita como a décima terceira
hierofanias: numa gruta de Peniche, a uma tribo de Israel, também dita dos Khazars (cujos
pastora de Bucelas, a outra de Arranhó representantes conhecidos são os judeus ashke-
(Arruda dos Vinhos), etc. A Senhora da Ajuda nazim, descendentes de Togarma, neto de Noé
da Ucanha favorece os partos: quando uma e sobrinho de *Magog), que se espalhará pelo
mulher está prestes a dar à luz levam-lhe a mundo causando a sua destruição. O reconhe-
imagem ao leito (cf. J. L. Vasconcelos, Cultos cimento do al-Dajjal é objecto de uma comple-
Phallicos em Portugal, in A Vanguarda, v. 1, n. xa ciência exposta nos Hadith, onde a sua fisio-
26, 1 Nov. 1880). Ernesto Soares descreve re- nomia, bem como os estranhos poderes de que
gistos que as representam, consignando tam- é detentor são minuciosamente descritos: pos-
bém, com o n. 3777, um do Senhor Jesus cru- sui um único olho, semelhante a uma uva; pode
cificado do mesmo título. fazer-se ouvir em todo o mundo em simultâ-
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AL-MAHDI
neo; mostrará o fogo aos homens mas não os morte sem descendência do 11º imã seria resol-
queimará; mostrará a água aos homens que não vida pela assunção de que teve um filho, mas
conseguirão bebê-la; falará sobre o Jardim, tor- que este se encontra ausente, em parte incerta.
nando-o semelhante ao Fogo e do Fogo, fazen- O 12º imã, apesar de oculto, acha-se, com efei-
do-o passar pelo Jardim; tem as letras KFR (kufr to, em condições de assumir as funções essen-
ou kafir) inscritas na testa. ciais do imamato. Foi identificado com *al-
Mahdi, cujo advento é aguardado para antes
AL-IMAM do *Fim do Mundo. Em 539 da Hégira (1144),
O imã encarna a «direcção suprema» da comu- o muridine *Abu ‘Abdallah Muhammad Ibne
nidade muçulmana ou *Islão. A questão do Qasi (?-1151) autoproclamar-se-ia, em Mérto-
imamato tornou-se crucial após a morte do la, Al-Imam al-Mahdi, título que divulgou em
Profeta, em consequência das sucessivas quere- numismas que mandou cunhar nessa localida-
las pelo poder, tendo dado origem a uma au- de e em Beja.
têntica teoria teológica e jurídica, que reflecte
as clivagens doutrinais entre sunitas e shi’itas, AL-MAHDI
havendo ainda a assinalar divergências entre Para o Islão sunita trata-se simplesmente de um
facções de cada uma das confissões. Em traços homem descendente do Povo da Casa (i. e. do
largos, a doutrina sunita visa defender a uni- sangue do Profeta), o qual se revelará no *Fim
dade e a paz no seio do Islão, sob a forma do dos Tempos para reforçar a fé e tornar manifes-
califato histórico, advogando para o efeito: que ta a justiça. Por seu turno, na óptica dos shi’itas,
a investidura de um imã é uma obrigação per- que o reverenciam como o Imã (*al-Imam)
manente da comunidade, em função da lei re- Oculto ou Montazar (O Esperado), destinado a
velada e não de imperativos racionais; que só desvelar o sentido espiritual de todas as revela-
pode existir um imã à vez; que um imã pode ções anteriormente dispensadas à humanidade,
ser investido quer por nomeação do seu prede- anda desaparecido, desde 24 de Julho do ano
cessor, quer por eleição. Ao imã compete, de 874 (260 da Hégira). Crê-se que vive oculto
acordo com o sunismo, ser o garante da fé con- numa montanha da Arábia, sendo descrito
tra a heterodoxia, aplicar a lei e fazer justiça, com a aparência de um jovem montado num
proteger a paz no território do Islão e defendê- cavalo branco e identificado com o *Consola-
lo contra os inimigos externos, receber as es- dor (*Paracleto) anunciado por *São João. O
molas legais, os impostos e o quinto do saque, título parece ter sido aplicado pela primeira vez
distribuir os bens segundo a lei e, enfim, esco- a um enteado de Ali e Fátima, Mohammad Ibn
lher homens honestos e dignos de confiança al-Hanafiya, falecido cerca do ano 700. Corres-
em quem possa delegar a sua autoridade. Já a ponde ao paradigma do *Desejado das tradi-
doutrina imamita dos shi’itas duodecimais, cu- ções arturianas e sebastianistas, conforme João
jas linhas mestras foram formuladas no tempo Franco Barreto justamente recorda, abonando-
do imã Dja’far al-Sadik († 148/765), funda-se -se em João de Barros (Década primeira, liv. 10,
na permanente necessidade que a humanidade cap. 6): «[...] Também os Persas esperam a Ma-
tem de um chefe infalível, guiado por Deus, e hamed Mahadii, que dizem não é ainda morto;
de um mestre incontestado em matéria religio- e esperam por ele dizendo que há-de vir mos-
sa. Nesta acepção a única diferença sensível en- trar-se às gentes para acabar de declarar a ver-
tre um imã e um profeta consiste na circuns- dade de todas as leis, seitas e opiniões e conver-
tância de aquele não transmitir um texto reve- ter assim todo o mundo, em cima de um cava-
lado. Segundo esta doutrina o imã tem o direi- lo. E que há-de começar esta conversa de Ma-
to de exercer a direcção quer política, quer reli- xadalle [i. e., a cidade iraquinana de Nadjaf ],
giosa, constituindo o seu imamato uma missão onde seu avô Ali jaz sepultado. E por esta causa
de direito divino. Assim, a crise originada pela ali [aliás, na mesquita de Kufa, no Iraque] está
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ALÁ
ALÁ
Do árabe, allah. Um dos nomes de Deus. A lis-
ta clássica dos 99 nomes de Alá conhecida por
Nomes Maravilhosos, pode ser utilizada tanto na
*oração, como na devoção.
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ALABARDA
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ALABASTRO
ALABASTRO ALAGOA
Espécie de calcário, translúcido (gápsum), que Invocação mariana festejada em Outeiro de
retira o seu nome da localidade egípcia de Ala- São Miguel (Argomil, Pinhel). A denominação
bastron, onde existia uma jazida da qual era ex- tem origem num pequeno lago sazonal que se
traído. A luminosidade que irradia contribuíu, forma numa depressão vizinha da capela,
desde tempos pré e protohistóricos para a sua suposto castigo de Nossa Senhora, destinado a
adopção como matéria-prima privilegiada de punir a impiedade de um antigo proprietário.
estatuetas e demais objectos para uso sagrado. Diz-se que a imagem, aparecida a uma pastora,
Ocorre no Novo Testamento em conexão com obra prodígios, sobretudo naqueles que pade-
o episódio da mulher pecadora que ungiu a cem de *gota coral e de *gota podagra (João
cabeça de Jesus com óleo que retirava de um Baptista de Castro, Mappa de Portugal, t. 1,
vaso de alabastro enquanto este ceava em casa Lisboa, 1762, p. 238). Em tempo de seca, as
do fariseu, Simão, o leproso (Marcos, XIV, 3; populações limítrofes vão em peregrinação ao
Lucas, VII, 37) Várias dezenas de imagens santuário para implorar chuva a *Santa Ana.
medievais (séc. XIV-XV) de origem inglesa
(oficinas de Nottingham, Londres, Stafford, BIBLIOGRAFIA PEREIRA, Valentim, Senhora da Alagoa: lenda
Derby, York e Norwich) são conhecidas em e tradições, in Revista Altitude, n. 5-6 (1982), p. 37-44
Portugal (MNAA, Museu do Carmo, Sé de
Aveiro, matriz de Cernache, igreja dos Mártires ALAMÃO
de Lisboa, igreja de S. Leonardo da Atouguia da Masculino de *alamoa.
Baleia, Pinheiro de Bemposta, etc.), algumas
representando a Trindade sob a forma de trono ALAMBIQUE
de graça, outras manifestando-a por intermédio Do árabe, al-anbiq, termo utilizado pela pri-
de três figuras antropomórficas. Na tradição meira vez nos Maqasid (157, 23) de Al-Gazali.
retórico-estilística da poesia petrarquista (séc. Aparelho de origem clássica (ambix), destinado
XVI) o alabastro é metáfora do colo da amada. à destilação, que assumiu a sua forma definitiva
no Islão. O sevilhano Ibn al’ Awwam descreve-
BIBLIOGRAFIA DIAS, Pedro, Alabastros medievais ingleses em o detalhadamente ao tratar da destilação da
Portugal: subsídios para o seu estudo e inventariação (região das
Beiras), in Biblos (1979), p. 256-287
ALADEL, PADRE
Sacerdote da Congregação da Missão, autor de
A Medalha Miraculosa: sua origem, história,
difusão e resultados ou Nossa Senhora das Graças
e os actos da sua misericórdia (Porto, Imprensa
Comercial, 1884, trad. Francisco d’Azeredo
Teixeira de Aguilar, conde de Samodães), obra
na qual trata das aparições da *Imaculada
Conceição à Irmã Catarina de Labouré e dos
milagres realizados pela medalha cunhada de
acordo com as instruções daquela religiosa.
*Medalha milagrosa.
ALAGADA
Invocação de uma imagem de Nossa Senhora,
festejada em Vila Velha de Ródão, durante o O alambique na heráldica do panteão dos Cabrais
mês de Agosto. (Belmonte).
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ALAPRAIA
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ALATABA
das em Portugal, in Comunicações dos Serviços Geológicos de Por- mais representativa cantiga de segada (i. e., de
tugal, t. 68, (1966), p. 293 e 294; FIGUEIREDO, Fausto J.
A. de / PAÇO, Afonso do, Placa de cinturão, visigótica, das
ceifa) transmontana.
grutas de Cascais, in Actas y Memorias de la Sociedad Española
de Antropologia, Etnografia y Prehistoria, t. 22, n. 1-4 (1947), ALBANO
p. 14-20; GONÇALVES, Victor S., Sítios, Horizontes e Arte-
Suposto «nobre português». Autor de Phylactè-
factos 3: A Questão das grutas artificiais e os complexos funerários
de Alapraia e S. Pedro do Estoril no processo de calcolitização do res ou préservatifs contre les maladies, les maléfi-
Centro/Sul de Portugal, in Arquivo de Cascais, n. 11 (1992), p. ces et les enchantements. Exorcismes ou conjura-
31-93; idem, Alapraia e S. Pedro do Estoril, duas necrópoles de tions, ensemble de pratiques et croyances populai-
grutas artificiais, in História de Portugal (dir. J. Medina), v. 1,
Lisboa, 1993; JALHAY, Eugénio, A cerâmica Eneolítica de res les plus répandues (Paris, 1880 [?]) Obra em
Alapraia e a cultura do vaso Campaniforme, in Brotéria, v. 23, nove partes: I. Dos filactérios [nóminas] ou
n. 5 (Nov. 1936); JALHAY, E. / PAÇO, A. do, A gruta II da preservativos e dos remédios sobrenaturais; II.
necrópole de Alapraia, in Anais da Academia Portuguesa de
História, n. 4 (1941), p. 103-144; LEISNER, V., Die Mega- De alguns filactérios que se fabricam sem pa-
lithgräber der Iberischen Halbinsel, in Madrider Forschungen I, lavras, dos talismãs; III. Dos encantamentos;
n. 3 (Berlim, 1965), p. 91-100; OLIVEIRA, Francisco Paula IV. De algumas adivinhações relacionadas com
e, Antiquités Pré-Historiques et Romaines des Environs de Cas-
caes, in Comunicações da Comissão dos Trabalhos Geológicos, v.
o casamento, dos filtros de amor; V. Algumas
2, n. 1 (1888/92), p. 86; PAÇO, A. do, As sandalias de Ala- práticas destinadas a desfazer feitiços; VI. Dos
praia, in Corona de Estudios que la Sociedad Española de Antro- exorcismos ou conjurações, das bençãos ou
pologia, Etnografia y Prehistoria dedica a sus mártires, v. 1, Ma-
drid, 1941, p. 213-219; idem, Nota acerca de uma taça de bar-
orações para curar as doenças dos homens e
ro da Gruta II de Alapraia, in Boletín de la Comisión de Monu- dos animais, para os proteger do mal, para
mentos de Orense, v. 14 (1943/44), p. 3-9; idem, Necrópole de afastar tempestades, etc.; VII. Dos presságios e
Alapraia, in Anais da Academia Portuguesa de História, s. 2, v.
das crenças populares; VIII. Carta sobre a filo-
6 (1955), p. 23-140; idem, O culto da lua na necrópole de Ala-
praia, in Anais da Academia Portuguesa de História, s. 2, v. 6 tésia; IX. Notícia sobre as virtudes do Agnus-
(1955), p. 91-96; idem, Arqueologia da Costa do Sol, I – Gru- Dei e da Cruz de S. Bento. *Agnus-Dei, *amu-
tas de Alapraia, in Cascais e Seus Lugares, n. 12, Cascais, 1957, leto, *cruz de S. Bento, *filactério, *ligamento,
p. 39-49; PAÇO, A. do / FIGUEIREDO, F. J. A. de, Novos
aspectos da Necrópole de Alapraia, in Las Ciencias, n.º 11 *ligatura, *nómina.
(1946), p. 140 e 141; PAÇO, A. / JALHAY, E., As Grutas de
Alapraia, in Brotéria, v. 21 (1935), Lisboa, pp. 108 a 129;
SANTOS, Conceição / CABRAL, João, Exposição: Patrimó- ALBANO ULISIPONENSE
nios de Cascais, Cascais, 2003; SAVORY, H. N., Espanha e Autor de dois sonetos, descrevendo um *conju-
Portugal, Lisboa, 1974, p. 126-130, 133; SCHER, B. B., Los ro e práticas de *necromancia (cf. Almanaque
Enterramientos en cuevas artificiais del Bronce I Hispânico, in
Biblioteca Praehistorica Hispanica, v. 6 (1964), p. 33-40; VAS-
CONCELLOS, J. L. de, Religiões da Lusitania, v. 1, Lisboa,
1898, p. 237-239 e 246; ZBYSZEWSKI, G., Resenha Geoló-
gica do Concelho de Cascais, Cascais, 1964, p. 16
[Soneto descrevendo um conjuro]
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ALBERTO CAEIRO
ALBERTO CAEIRO
[Soneto descrevendo práticas de necromancia] Um dos vários rostos que *Fernando Pessoa
(1888-1935) via refletido no espelho enquanto
Em meio estava a Noite, e a vez terceira se barbeava. A 8 de Março de 1914, o poeta de
De um galo negro o canto se escutava, Mensagem, abeirando-se de uma cómoda alta,
Quando para os prestígios preparava e, de pé, numa espécie de êxtase de natureza
Diversas plantas velha feiticeira. mal definida, escreveu a fio trinta e tantos poe-
Três vezes ao calor de uma fogueira
mas de O Guardador de Rebanhos. Conforme
Três víboras, fatídica tostava.
E outras tantas consigo murmurava asseverou, nascera Alberto Caeiro, um dos seus
Mistérios, invocando a Stigie inteira. quatro heterónimos (*heteronimia). A sensa-
Co’a esquerda mão na Terra descrevendo ção imediata que experimentou foi a de ter en-
Três círculos, três vezes lhes cuspia; contrado o seu mestre («existir é haver outra
Eis surge da fogueira Espectro horrendo. coisa qualquer»). A seguir tratou de lhe desco-
«Propício agouro!» A Maga então dizia: brir «instintiva e subconscientemente» os discí-
«Albano que de Amor anda morrendo, pulos. De entre os diversos epítetos, empregues
Com Alcina vai ter doce alegria». por estes para caracterizar a obra de Caeiro, o
poeta pagão, por excelência, e «Lírico espontâ-
das Musas, parte I, Lisboa, 1793, p. 28 e 43, neo» («Há Metafísica bastante em não pensar
respectivamente). em nada»), avultam os de: «Grande Liberta-
dor» (Álvaro de Campos, poema A Partida e
ALBERTO DE JERUSALÉM, SANTO (ca. 1149-1214) nota intitulada Fernando Pessoa escreveu a fio
Cónego regular de Santa Cruz, bispo e patriar- [71A/50]), «Revelador da Realidade» (Prefácio
ca de Jerusalém (1205). Fundador da Ordem de Ricardo Reis aos Poemas de Alberto Caeiro) e
do Carmo e redactor da respectiva Regra, por «chefe» do Sensacionismo (Álvaro de Campos,
esse motivo denominada Albertina (1209). Fes-
tejado a 8 de *Abril. Uma imagem de Santo Al-
berto, ao culto na capela homónima do con-
vento das carmelitas descalças de Lisboa (das
Albertas, actualmente integrado no MNAA),
foi muito venerada, tendo sido reproduzida em
três registos descritos por Ernesto Soares. Luís
de Morales pintou-o no retábulo (fieira in-
ferior, à esquerda) da capela de Nossa Senhora
do Carmo da Sé de Portalegre.
ALBERTO, ANTÓNIO
*Mourisco, taberneiro. Promotor, com *João
de Sá, da confraria dos mouriscos de São João
da Praça (Lisboa). Chegou a admitir aos inqui-
sidores que havia gasto mais de quatro mil réis
nas festas em louvor do orago, ofertando-lhe
uma gorra, charamelas e fogaças, todos os anos Horóscopo de Alberto Caeiro da Silva, nascido em Lisboa
[ANTT: Inq. Lisboa, proc. 10837 e 10864]. a [16] de Abril de 1889.
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ALBERTO CAEIRO
Alberto Caeiro da Silva nasceu em Lisboa a [16] de Abril de 1889, e nessa cidade faleceu, tuberculoso, em
[...] de [...] de 1915. A sua vida, porém decorreu quase toda numa quinta do Ribatejo; só os primeiros dois
anos dela e os últimos meses foram passados na sua cidade natal. Nessa quinta isolada cuja aldeia próxima
considerava por sentimento como sua terra, escreveu Caeiro quase todos os seus poemas primeiros, a que
chamou O Guardador de Rebanhos, os do livro, ou o quer que fosse, incompleto, chamado O Pastor Amo-
roso, e alguns, os primeiros, de que eu mesmo, herdando-os para publicar, com todos os outros, reuni sob
a designação, que Álvaro de Campos me sugeriu bem, de Poemas Inconjuntos. Os últimos destes poemas,
a partir daquele numerado [...], são porém produto do último período da vida do autor, de novo passada
em Lisboa. Julgo de meu dever estabelecer esta breve distinção, pois alguns desses últimos poemas revelam,
pela perturbação da doença, uma novidade um pouco estranha ao carácter geral da obra, assim em natureza
como em direcção.
A vida de Caeiro não pode narrar-se pois que não há nele de que narrar. Seus poemas são o que viveu. Em
tudo mais não houve incidentes, nem há história. O mesmo breve episódio, improfícuo e absurdo, que
deu origem aos [oito] poemas de O Pastor Amoroso não foi um incidente, senão, por assim dizer, um es-
quecimento.
A obra de Caeiro representa a reconstrução integral do paganismo, na sua essência absoluta, tal como nem
os gregos nem os romanos, que viveram nele e por isso o não pensaram, o puderam fazer. A obra, porém,
e o seu paganismo, não foram nem pensados nem até sentidos: foram vividos com o que quer que seja que
é em nós mais profundo que o sentimento ou a razão. Dizer mais fora explicar, o que de nada serve; afirmar
menos fora mentir. Toda obra fala por si, com a voz que lhe é própria, e naquela linguagem em que é pen-
sada; quem não entende, não pode entender, e não há pois que explicar-lhe. É como fazer compreender a
alguém espaçando as palavras no dizer, um idioma que nunca aprendeu.
Ignorante da vida e quase ignorante das letras, quase sem convívio nem cultura, fez Caeiro a sua obra por
um progresso imperceptível e profundo, como aquele que dirige, através das consciências inconscientes dos
homens, o desenvolvimento lógico das civilizações. Foi um progresso de sensações, ou, antes, de maneiras
de as ter, e uma evolução íntima de pensamentos derivados de tais sensações progressivas. Por uma intuição
sobre-humana, como aquelas que fundam religiões para sempre, porém a que não assenta o título de reli-
giosa, por isso que como o sol e a chuva, repugna toda a religião e toda a metafísica, este homem desco-
briu o mundo sem pensar nele, e criou um conceito do universo quenão contém meras interpretações.
Pensei, quando primeiro me foi entregue a empresa de prefaciar estes livros, em fazer um longo estudo crí-
tico e excursivo sobre a obra de Caeiro e a sua natureza e destino fatal. Tentei com abundância escrevê-lo.
Porém não pude fazer estudo algum que me satisfizesse. Não se pode comentar, porque se não pode pensar
o que é directo, como o céu e a terra; pode, tão-somente, ver-se e sentir-se.
Pesa-me que a razão me compila a dizer estas nenhumas palavras ante a obra de meu Mestre, de não poder
escrever, de útil ou de necessário, com a cabeça, mais que disse, com o coração, na Ode [XIV] do Livro I
meu, com a qual choro o homem que foi para mim, como virá a ser para mais que muitos, o revelador da
Realidade, ou, como ele mesmo disse, «O Argonauta das sensações verdadeiras» – o grande Libertador, que
nos restituiu, cantando, ao nada luminoso que somos; que nos arrancou à morte e à vida, deixando-nos
entre as simples coisas, que nada conhecem, em seu decurso, de viver nem de morrer; que nos livrou da
esperança e da desesperança, para que não nos consolemos sem razão nem nos entristeçamos sem causa;
convivas com ele, sem pensar, da realidade objectiva do Universo.
Dou a obra, cuja edição me foi cometida, ao acaso fatal do mundo. Dou-a e digo:
Alegrai-vos, todos vós que chorais na maior das doenças da História!
O Grande Pã renasceu!
Esta obra inteira é dedicada
por desejo do próprio autor
à memória de
Cesário Verde
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ALBIGENSE
Modernas Correntes na Literatura Portuguesa llus de Alchimia. Citado por *Anselmo Caetano
[20/85]). *Álvaro de Campos, *Ricardo Reis, Gusmão de Abreu Castelo Branco (Ennoea).
*Coelho Pacheco. Em Portugal, Santo Alberto Magno teve culto
na capela da Piedade (colateral do lado da Epís-
BIBLIOGRAFIA ACTIVA Escolha de Poemas de […] de «O Guar- tola) do Mosteiro da Batalha, onde ainda se en-
dador de Rebanhos» (1911-1912), in Athena, v. 1 n. 4 (Jan.
1925), p. 145-156; Escolha de Poemas de […] dos «Poemas In-
contrava uma imagem de madeira no ano de
conjuntos» (1913-1915), in Athena, n. 5 (Fev. 1925), p. 197- 1823. É iconografado com o hábito domi-
204; Oitavo poema de «O Guardador de Rebanhos», in Presen- nicano ou já como bispo e doutor, redigindo a
ça, n. 30 (Jan.-Fev. 1931), p. 6-7; O penúltimo Poema, in Pre-
sua obra. Invocado a 7 de *Agosto, como advo-
sença, n. 31-32 (Mar.-Jun. 1931), p. 10
gado contra as sezões, todo o género de febres
OBRA Poemas Completos de Alberto Caeiro (org. Teresa Sobral e os maus partos. Padroeiro, desde 1941, dos
Cunha), Lisboa, 1994; Poesia (ed. Fernando Cabral Martins e estudantes de ciências naturais e nessa qualida-
Richard Zenith), Lisboa, 2001 [O Guardador de Rebanhos; O
Pastor Amoroso; Poemas Inconjuntos; Fragmentos; Poemas de comemorado no dia 15 de *Novembro.
variantes; Poemas de Atribuição Incerta; Prosas]
OBRA Compendium theologicae veritatis compilatum, Veneza,
BIBLIOGRAFIA ÁLVARO DE CAMPOS, Notas para a recorda- 1476 [BN: inc. 1173]; De adhaerendo Deo... Enchiridion,
ção de Meu Mestre Caeiro, in Presença, n. 30 (Jan.-Fev. 1931), Coimbra, 1553 (incluído no Compendium spiritualis doctrinae
p. 11-15 e Lisboa, 1997 (org. Teresa Rita Lopes); ANTÓNIO de Frei Bartolomeu dos Mártires [BN: Res. 1644-45 P]); Pa-
MORA, O Regresso dos Deuses [14C/26], in Pessoa por Conhe- raíso da Alma que trata das virtudes, Lisboa, Lourenço Craes-
cer, v. 2 (org. Teresa Rita Lopes), Lisboa, 1990, p. 445-448; beeck, 1636 (trad. Frei António Varjão [BN: R 12293 P]);
CASTRO, Ivo, Manuscrito de «O Guardador de Rebanhos», de Opera Alberti Magni, Lião, 1651 (inclui o Speculum astrono-
Alberto Caeiro, Lisboa, 1986 [ed. facsimilada do manuscrito miae, t. 5, p. 656s.); Nouvelle découverte des Secrets les plus cu-
de 1911-1912]; PESSOA, Fernando, [artigo inacabado desti- rieux, Troyes, 1728 e 1738; Les Admirables Secrets, Colónia,
nado a A Águia: 14B/20, 36-44]; idem, Páginas Íntimas e de 1722 [BN: SA 13012 P], Lião, 1770, 1791 (outras edições:
Auto-Interpretação (org. Jacinto do Prado Coelho e Georg Ru- Lille, ca. 1850; Avinhão, ca. 1850); O Pequeno e Grande Al-
dolf Lind), Lisboa, 1966; idem, Pessoa por Conhecer, v. 2 (org. berto (citados em processos inquisitoriais [ANTT: Inq. Lis-
Teresa Rita Lopes), Lisboa, 1990, p. 360-374 e 403-428; boa, proc. 15797 (1808)] e António Gouveia [ANTT: Inq.
idem, Fernando Pessoa e o Ideal Neo-Pagão (org. Luís Filipe B. Lisboa, proc. 5158, fl. 33v-34r]; o Grande Alberto data do séc.
Teixeira), Lisboa, 1996; THOMAS CROSSE, Translator’s XIII, tendo sido impresso pela primeira vez em setecentos; já
Preface [14B, 21, 143], in Pessoa por Conhecer, v. 2 (org. Teresa o Pequeno Alberto é trad. do apócrifo Alberti Parvi Lucii libe-
Rita Lopes), Lisboa, 1990, p. 441-444 llus de mirabilibus Naturae arcanis; trad. portuguesa: Ed. 70,
Lisboa, 1977); De secretis mulierum, Amesterdão, 1669 [BN:
SA 9499 P], 1702 [BN: Res 1748 P] (citado no processo de
ALBERTO MAGNO, SANTO (ca. 1207-1280) António de Gouveia); De mineralibus, Augsburg, 1519; Beati
Natural de Lavingen, na Suábia. De origem Alberti Magni operum fragmenta quaedam (letra do séc. XV, a
nobre (Conde de Bollstadt), fez-se dominicano 2 col.; inclui extractos dos De sensu et sensato; De memoria et
reminiscentia; De somno et vigília; De causis proprietatum ele-
durante a permanência em Pádua (1223), ten- mentorum [BPÉv: ms. CXXV / 2-21]); Paraiso da Alma, que
do adquirido rapidamente fama e o título de tracta das virtudes, Lisboa, 1636 (trad. de Frei António Varjão
Doctor Universalis. A partir de 1228, tornou-se [BN: R 12293 P]).
professor nas Universidades de Friburgo, Ratis-
BIBLIOGRAFIA THORNDIKE, L., Further consideration of
bona, Estrasburgo e Colónia. Ensinou Teologia
the Experimenta, Speculum astronomiae and De secretis mulie-
em Paris, entre 1243-1244, e em Colónia, en- rum ascribed to Albertus Magnus, in Speculum, v. 30 (1955),
tre 1248-1254. Eleito provincial da sua Ordem p. 423-427
na Saxónia, foi bispo de Ratisbona (1260-
1262), tendo sido beatificado por Urbano VIII ALBIGENSE
(1622), canonizado por Pio IX e declarado O mesmo que *cátaro. Adepto de uma exegese
Doutor da Igreja, em 1933. Conta-se que terá não católica das Sagradas Escrituras. A origem
ensinado o segredo da *pedra filosofal a São do catarismo é exclusivamente ocidental, sendo
Tomás de Aquino, o qual quebrou uma *cabe- de excluir origens maniqueístas ou bogomilas.
ça mágica construída pelo mestre, porque fa- Os primeiros albigenses terão surgido entre
laria demais. São-lhe atribuídos diversos tra- 1130 e 1140, não no Languedoque (na cidade
tados alquímicos, dos quais se destaca o Libe- de Albi ou, mais provavelmente, na de Tolouse,
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ALBININHO DA PÓVOA
como consta), mas na região de Colónia (Ale- mego) que, segundo consta, terá chorado no
manha). Os albigenses conferiam enorme im- ventre da mãe. Dizia o povo, em 1937, que ti-
portância ao *Paracleto, na esteira dos ensina- nha muitos estudos e que receitava melhor que
mentos do Evangelho de *São João. A sua dissi- os médicos. Curava com rezas, expulsando o
dência da Igreja católica, à data ainda não assu- *diabo dos endemoninhados, ensinando remé-
midamente dualista, rapidamente se difundiu a dios caseiros. Fora preso diversas vezes.
outras paragens da Europa ocidental (Flandres,
Península Ibérica, Languedoque, Norte de ALBION
Itália, etc.). A radicalização, em crescendo, dos Montanha branca (do indoeuropeu, albho). O
princípios que orientavam o albigeismo, en- *além na cosmogonia celta.
quanto fenómeno religioso, havia de suceder
apenas durante o século XIII e, especialmente, ALBOCELUS
a partir dos alvores da centúria seguinte, even- Dativo que ocorre numa epígrafe [ILER 716;
tualmente em consequência da reforma grego- RPH 72] desaparecida, oriunda da igreja de Vi-
riana. Em rigor será conveniente falar de dua- lar de Maçada (Vila Real). Tem sido considera-
lismos no plural, i. e., de modalidades distintas do por diversos investigadores como um voto a
de catarismo, consoante as épocas e os epicen- uma divindade, talvez relacionável com o teó-
tros regionais. Em França, os albigenses seriam nimo Alboco (Valongos) e reportável ao sim-
praticamente dizimados pelas cruzadas contra bolismo da montanha branca (do indoeuro-
eles organizadas no século XIII (1207 e 1229), peu, albho) ou sagrada, imagem do *além. Oce-
na sequência da cataquese de *São Domingos lus (alto, elevado) ocorre em Inglaterra como
de Gusmão e da *Inquisição. No Languedo- epíteto de Marte e na Gália em relação com
que, a extinção histórica dos cátaros (impossi- epítetos de divindades guerreiras.
bilidade de transmissão do consolamentum), re-
BIBLIOGRAFIA BLAZQUEZ MARTINEZ, Jose Maria, Reli-
monta a 1321, ano da morte na fogueira de giones Primitivas de Hispania – I. Fuentes Literarias y epigrafi-
Guilhem Bélibaste, o seu derradeiro perfeito. cas, Madrid, 1962, p. 71-72
Luís de Morales, radicado em Santarém a par-
tir de 1600, pintou uma tela representando S. ALBORNOCAS
Domingos de Gusmão convertendo os Albigenses Nome das verónicas no Algarve, de acordo
destinada à igreja de S. Nicolau daquela cidade. com o conto tradicional homónimo (cf. F. Xa-
Álvaro Gomes refere-se extensamente aos erros vier Ataíde de Oliveira, Contos Tradicionais do
dos albigenses na segunda parte do In Regestum Algarve, v. 1, p. 305).
Sacrosanctae Facultatis Theologiae Parisiensis
Commentarius sive Censurae (1530-ca. 1542) ALBURQUERQUE, AFONSO DE (1462?-1515)
[BN: ms. 4189], editado pelo professor Morei- Fidalgo, educado na corte. Participou na
ra de Sá (Comentário ou Censuras ao Registo da batalha de Toro (1476), ao lado do então prín-
Sacrossanta Faculdade de Teologia de Paris, cipe Dom João, o qual uma vez aclamado rei o
Lisboa, 1966). Em 1797, o padre *António Jo- havia de fazer estribeiro-mor e membro da sua
sé Monteiro foi julgado pelo *Santo Ofício, guarda de ginetes. Prestou serviço no Norte de
acusado de ser simpatizante dos materialistas e África (Arzila e Larache, em 1489 e de novo
deístas e ainda das seitas dos calvinistas, albi- em Arzila no ano de 1495), antes de partir uma
genses, anabaptistas e pelagianos [ANTT: Inq. primeira vez (1503) para o Oriente, onde o seu
Lisboa, proc. 16023]. *Santo António. nome ficou ligado a vários assédios contra Ca-
licute, à construção da fortaleza de Cochim e à
ALBININHO DA PÓVOA feitoria de Coulão. No ano de 1506, seguia no-
Alcunha de um *benzedor de São Martinho de vamente para a Índia, com o título e a função
Pares (a meio caminho entre Resende e La- de capitão-mor da costa da Arábia. No desem-
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ALBUQUERQUE, AFONSO DE
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ALBUQUERQUE, ARTUR DE
seu testamento, trasladado para a igreja do con- do seu tempo, Hercules Bellemene de Revore,
vento agostinho de Nossa Senhora da Graça, em que, ponto por ponto, estava descrita a sua
em Lisboa (19 de Maio de 1566), de onde os perdição «e nada disto bastou para desviar EI-
seus restos mortais haviam de ser transferidos Rei do seu intento»). A lição que se colhe nos
para os Jerónimos (26 de Outubro de 1900). elementos históricos coevos, a maioria baseada,
nos testemunhos de três autores contemporâ-
FONTES Cartas de [...] seguidas dos documentos que as elucidam,
Lisboa, 1884-1935 (7 vols.); Comentários do Grande Afonso de
neos, Frei Bernardo da Cruz (Crónica de Dom
Albuquerque, Lisboa, 1557 (ed. António Baião, 1923, 2 vols.). Sebastião, Lisboa, 1837), *Jerónimo de Men-
donça (Jornada de Africa, Lisboa, 1607) e *Mi-
BIBLIOGRAFIA FERREIRA, A. Aurélio da Costa, Breve estudo
antropológico de um retrato de Albuquerque: o retrato que vem guel Leitão de Andrade (Miscellanea do sitio de
nas Lendas da Índia de Gaspar Correia, in Terra Portuguesa, v. Nossa Senhora da Luz de Pedrogão Grande,
1, n. 4 (Mai. 1916), p. 97-100; PISSURLENCAR, Pandu- apparecimento da sua sancta imagem, fundação
ronga, Colaboradores hindus de Afonso de Albuquerque, in Con-
gresso do Mundo Português, v. 4, tomo 2, Lisboa, 1940, p. 31-
do seu convento e da Se de Lisboa, expugnação
50; PRESTAGE, Edgar, Afonso d’ Albuquerque, Governor of della, perda del rei D. Sebastião, Lisboa, 1629)
India, Watford, 1929; ROCHA, Ilídio, Os azares mortuários declaram a morte do soberano sem hesitações,
do grande Albuquerque: o ódio e o desleixo, in História, a. 10, n.
109 (Jun. 1988), p. 52-59; TOSCANO, Frei Sebastião, Ora-
no entanto, contradizem-se ao descrevê-la. A
ção que fez [...] em Sancta Maria da Graça de Lixboa a dezenove convicção de que não morrera assentou em di-
dias de Mayo, de MDLXVI, na trasladação dos ossos da India a versas circunstâncias principais: nunca alguém
Portugal do muito illustre, e mui excelente Capitão e Governador
disse que vira o monarca ser morto; não ter si-
da India Affonso de Alboquerque, Lisboa, Manuel João, 1566
do encontrada qualquer insígnia sua, conheci-
ALBUQUERQUE, ARTUR DE (1891-1962) do o facto de até as fivelas dos arreios as osten-
Filósofo, em cujo tratado de filosofia, intitula- tarem; as precárias condições em que o reco-
do Vitamundi (Lisboa, 1936 [BN: SA 11503 nhecimento do cadáver dito do soberano se
V]), chama: inteligência «ao órgão anímico que realizou (revelando estratagema de Dom Sebas-
nos permite distinguir o valor real das propor- tião de Resende – que se ofereceu para o reco-
ções, tanto em quantidade como em qualidade lher e identificar – no intuito de persuadir os
[...]»; intuição ao «órgão anímico, destinado a muçulmanos de que havia sido morto, a fim de
reforçar o movimento da Inteligência, quando o não procurarem mais e ele poder salvar-se
a latitude desta não possa atingir a fluidez das mais facilmente), bem como outros pormeno-
correntes elevadas, em geral conduzidas pela res nunca completamente esclarecidos, torna-
poderosa acção do sexto sentido [...]»; cons- ram mais consistente o carisma de que se ro-
ciência «ao órgão anímico que se destina a fil- deava a sua pessoa. Leitão de Andrade, comba-
trar a ideia geradora de acção». tente e prisioneiro, concede ter o Rei sido «vis-
to de muitos fóra da batalha, e já ella acabada,
ALCÁCER QUIBIR e vencida» (diálogo VII, p. 144). É, aliás, o que
Também Oued El Makhazine. Batalha travada, Frei Bernardo da Cruz, capelão-mor da arma-
a 4 de Agosto de 1578, nas proximidades da lo- da, relata como ouvira contar: «El-Rei, tanto
calidade marroquina homónima. Obviamente que se viu livre das mãos daqueles pagãos, deu
não seriam ameaças como as proferidas pelo a andar para detrás, e se foi saindo do campo e
Xerife magrebino (Mulei Ahmed, Mulei Abde da batalha [...]. Luís de Brito voltando os olhos
Almélique e Mulei Maluco) que lograriam de- para o caminho que el-Rei tomara, o viu ir um
mover da empresa africana a *Dom Sebastião, pedaço desviado, já sem haver mouro algum
a quem nem sequer os presságios funestos, que o seguisse, nem aparecerem outros diante,
acerca da sua perdição e ruína do reino, que se que tão prestes o pudessem encontrar, para lhe
criam prognosticados pelo *cometa de 1577, impedir o caminho que levava, que era mui
demoveram (o Papa enviou ao *Desejado um distante do lugar, aonde depois diziam que o
vaticínio composto pelo mais célebre astrólogo acharam morto [...]» (ob. cit., p. 281). Os três
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ALCÁCER QUIBIR
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ALCÁCER QUIBIR
de Sousa da, Quatro documenos inéditos sobre as jornadas de ris, 1816, p. 288-291; ESAGUY, José de, Marrocos, Lisboa,
África de El-Rei D. Sebastião, in Panorama, s. 3, n. 23 (1961); 1933-36, p. 197-233; idem, Um relato inédito sobre um desem-
CÂMARA, Ruy da, Uma visita ao campo d’ Alcácer-Quebir, in barque de el-Rei D. Sebastião em Tânger, Lisboa, 1935; idem,
Viagens em Marrocos, Porto-Braga, 1879, p. 31-42; CARMO- Alcácer Quibir, Tânger, 1939; idem, Portugal em Marrocos, pre-
NA, A. L. Barbosa, O transporte da expedição de D. Sebastião cursor da civilização europeia, in Escola Naval e Escola do Exér-
em 1578, in Escola Naval e Escola do Exército em Alcácer Qui- cito em Alcácer Quibir, 4 de Agosto de 1942 (suplemento ao v.
bir, 4 de Agosto de 1942 (suplemento ao v. 94 da Revista Mili- 94 da Revista Militar, 1942, p. 69-82; idem, O minuto vitorioso
tar, 1942, p. 23-38); CARVALHO, Vasco de, La bataille d’ de Alcácer-Quibir, Lisboa, 1944; idem, 1578 – Alcácer Quibir,
Alcácer-Kibir, in La domination portugaise au Maroc, 1415- in Ver e Crer, n. 56 (Lisboa, Mar. 1950), p. 109-112; ESPI-
1769, Lisboa, 1936, p. 65-73; CASTRIES, Henry de, Les sou- NOLA, Frei Fradique, Memorial da infeliz jornada e lamentá-
rces inédites de l’histoire du Maroc de 1530 à 1845 – Archives et vel perda Del-Rey D. Sebastião nos campos de África, in Segunda
bibliothèques de France, t. 1, 2ª parte, Paris, 1905, p. 240-678; parte do Appendix e duodecima da Escola Decurial, Lisboa Oci-
idem, Les relations de la bataille de El-Ksar El-Kebir – note dental, 1721, p. 210-217 [conclui que «não se há-de fazer a
critique, in Les sources inédites de l’histoire du Maroc de 1530 à guerra por eleição da vontade, senão por força ou necessida-
1845 – Archives et bibliothèques de France, t. 1, 2ª parte, Paris, de»]; FERNANDEZ DE NAVARRETE, A., Coleccion de do-
1905, p. 395-405; idem, Les sources inédites de l’ histoire du cumentos inéditos para la Historia de España, t. 39, Madrid,
Maroc de 1530 à 1845 – Archives et bibliothèques d’ Angleterre, 1861, p. 465-574 e t. 40, Madrid, 1862, p. 5-114 [correspon-
t. 1, Paris-Londres, 1918, p. 136-339; CENTELLAS, Joachin dência de Don Juan de Silva com Filipe II relativa à expedição
de, Les Voyages et conquestes des Roys de Portugales Indes d’ de Dom Sebastião] e 115-229 [correspondência de D. Sebas-
Orient, Ethiopie, Mauritanie d’ Afrique et Europe, Paris, 1578, tião e de D. Cristobal de Moura acerca da expedição africana
fl. 41r-60v; CERECEDA, F., Responsabilidad en la rota de Al- e dos negócios de Portugal no rescaldo da derrota de Alcácer
cazarquivir, in Razon y Fé, n. 518 (Madrid, 1941); CHAGAS, Quibir]; FREIRE (Mário), João Paulo, Alcacer-Kivir!: aponta-
Pinheiro, Alcácer-Kibir, in Dicionário Popular, histórico, geo- mentos históricos sobre a acção da Hespanha antes do dominio
gráfico, mithológico, biographico, artístico, bibliographico e lite- dos Filipes, Lisboa, 1928; GANDRA, Manuel J., Dicionário
rario, v. 1, Lisboa, 1876, p. 382-383; CHAVES, Gaspar de, do Milénio Lusíada: Impérios do Divino, Sebastianismo e Quin-
Sucesos del Rey D. Sebastian en Africa y entrada del Rey D. Fe- to Império, Lisboa, 2003; GRABATO DIAS [pseudónimo de
lipe, Madrid, 1620; CHENIER, Louis, Recherches historiques António Quadros], Quybyrycas, Porto, 1991; HEAULM,
sur les Maures, et l’ histoire de l’ Empire du Maroc, v. 2, Paris, Victor de, Don Sébastien de Portugal ou les Mystéres de la Ba-
1787, p. 435-443; COLECTÂNEA quinhentista Sur l’expedi- taille d’Alcaçar, 1578, Paris, Imp. Maulde et Renou, 1854
tion du roi de Portugal Don Sébastien en Afrique [BLyon: ms. [BN: L 40575 P]; LOUREIRO, Francisco Sales (ed.), Crónica
1376 (1244), fl. 32v-36v]; CONESTAGGIO, Jeronimo de [Anónima] do Xarife Mahamet e d’el-Rei d. Sebastião (1573-
Franchi, Dell’ Unione del Regno di Portogallo alla Corona di 1578), Lisboa, 1987; idem, Jornada del-Rei Dom Sebastião à
Castiglia, Génova, 1585, fl. 1-50; idem, Relation de Bataille de África . Crónica de Dom Henrique, Lisboa, 1978, cap. LXI;
El-Ksar el-Kebir, in Henry de Castries (ed.), Sources Inédites de LUIS DE OXEDA, Comentario que trata de la infeliçe jornada
l’Histoire du Maroc, de 1530 à 1845, in Archives et Bibliothè- que El Rey D. Sebastian hizo en la Berberia el año de 1578,
ques de France, t. 1, parte 1 (1918), p. 506-574 [trad. francesa donde se quenta muy en particular todo lo que alli sucçedio, con
do Dell’Unione…]; CORDEIRO, António Xavier Rodrigues, la muerte del rey y otras cosas dignas de admiraçion y de ser sabi-
Batalha de Alcácer Kibir: perda de D. Sebastião, in Archivo das [BNPa: ms. 8 (1860)]; [MARTINS, Rocha], Alcácer-Qui-
Universal, a. 2, v. 4, n. 11 (Lisboa, 1860), p. 184-186 e Serões bir e a formação da lenda sebastianista, in Arquivo Nacional, a.
de História, v. 2, Lisboa, 1889, p. 184-186; idem, Encontra-se 1, n. 239 (5 Ago. 1936), p. 86-87; MENDONÇA, Jerónimo
o cadáver de el-Rei D. Sebastião, in Archivo Universal, a. 2, v. de, Jornada de África, Lisboa, Pedro Craesbeeck, 1607 e 1785;
4, n. 12 (Lisboa, 1860), p. 193-195 e Serões de História, v. 2, MENESES, D. Duarte de, Relação dita de […], in Henry de
Lisboa, 1889, p. 148-155; DACOSTA, Fernando, As garças Castries (ed.), Sources inédites de l’Histoire du Maroc, de 1530
brancas de Alcácer Quibir, in O Jornal – Ilustrado (Lisboa, 11 à 1845, in Archives et Bibliothèques de France, t. 1, parte 2,
a 17 Jul. 1841), p. 8-13; DICKENSONO, Joanne, Speculum p. 649-653, n. CIX [BNPa: fundo espanhol, ms. 421, fl. 92v-
Tragicum regum, Principum [...], Lugduni Batavorum, 1605, 96]; MÚRIAS, Manuel, A política de África de el-Rei D. Sebas-
p. 153-156; DOMINGUES, Mário, A lição de Alcácer Qui- tião, Lisboa, 1925; [NIETO, Frei Luis], Historia de bello afri-
bir, Porto, 1975; DOM HENRIQUE, Carta d’El-Rey [...] em cano in quo Sebastianus Serenissimus Portugalliae Rex periit ad
que participa à Câmara de Coimbra a morte do Senhor D. Se- diem 4. Aug. Anno 1578, Nuremberga, 1580, 1581 e 1585
bastião, e a perda do exército em África, in O Antiquário Conim- [trad. João Tomás Freigius; tb. in Henry de Castries (ed.),
bricense, n. 8 (Fev. 1842), p. 61-62; DORNELAS, Afonso de, Sources inédites de l’Histoire du Maroc, de 1530 à 1845, in Ar-
Alcácer-Kibir: subsídios históricos, in História e Genealogia, v. 5 chives et Bibliothèques de France, t. 1, parte 2, p. 437-505];
(Lisboa, 1917), p. 47-58; idem, A entrega do corpo de el-Rei D. OLIVEIRA, Frederico Alcide, Alcácer-Quibir: a vertente tácti-
Sebastião que Deus haja, in História e Genealogia, v. 8 (Lisboa, ca, Lisboa, 1988; OLIVEIRA, Vitor Amaral de, Uma fraude
1922), p. 47-49 [publica manuscrito da BA]; idem, De Ceuta editorial: uma falsa «Relação» da Batalha de Alcácer Quibir, in
a Alcácer Kibir em 1923, Lisboa, 1924; idem, el-Rei D. Sebas- Arquivos do Centro Cultural Português, v. 31 (1992) (Homena-
tião em Marrocos, in História e Genealogia, v. 16 (Lisboa, gem a Adrien Roig), p. 141-150; [PEELE, George], The Ba-
1926), p. 108-123; DURAND-LAPIE, Paul, Expédition et ttel of Alcazar, Londres, 1594 [teatro]; PENZOLDT, Ernst,
mort de Dom Sebastien, in Revue d’ Histoire Diplomatique, a. Die Portugalesische Schlacht – Komödie der Unsterblichkeit,
18 (Paris, 1904), p. 138-142; DURDENT, J.-R., Expédition Berlim, 1930 e 1952 [A Batalha Portuguesa – Comédia da
du roi Sébastien en Afrique. Ses funestes résultats, in Beautés de Imortalidade, peça de teatro]; RAMALHEIRA, Ana Maria Pi-
l’Histoire du Portugal ou Abregé de l’ Histoire de ce pays […], Pa- nhão, Alcácer Quibir e D. Sebastião na Alemanha – Representa-
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estando obrigado a dar informação de todas as OBRA Varios effectos de Amor en cinco Novellas exemplares, y
nuevo artificio de escrivir prosas y versos sin una de las cinco letras
ocorrências aos inquisidores para estes proce-
vocales, excluyendo vocal differente en cada novela, Lisboa, 1640
derem conforme as circunstâncias. Conser- [BN: L 24377 P]; 1641 [BN: L 6438 P]; 1671 [BN: L 40453
vava em seu poder um caderno com a planta P]; 1735 [BN: HG 15169 P]; Jardim Anagramatico de Divi-
das celas dos cárceres e a anotação das pessoas nas Flores Lusitanas, Hespanholas e Latinas, Lisboa, Oficina
Craesbeeckiana, 1654 (nclui 683 anagramas em prosa e verso
presas em cada uma, o qual devia manter e 6 hinos cronológicos divididos em seis opúsculos [PNMafra:
sempre actualizado. 2-24-6-15; BN: L 1461 A]); Meditações de Santa Brigida, Lis-
boa, 1664 [BN: R 13964 (1º) P]; Psalterium Quadruplex Ana-
grammaticum, Angelicum, Immaculatum, Marianum Deiparae
ALCALÁ Y HERRERA, ALONSO DE (1599-1682) dicatum sexcenta latina Anagrammata complectens, Lisboa, An-
Natural de Lisboa, filho de fidalgos toledanos. tónio Craesbeeck de Melo, 1664; Corona y Ramilhete de Flores
salutiferas, antídoto del alma, consuelo de Afligidos y desengano
Barbosa Machado assevera que passou grande del mundo, dvotissimas glosas, Poesia Sacra y divinas meditacio-
parte da vida recolhido em casa, «revolvendo nes, Lisboa, Domingos Carneiro, 1677; A Sagrada imagem da
os livros, em que unicamente achava diverti- Virgem do Pilar Maria Santíssima Madre de Deus, Lisboa,
mento». Especialista, bem como pioneiro em 1678 [BN: L 1163 A]; Salve Rainha glossada, Lisboa, 1678
[BN: L 1163 A]; Novo modo, curioso, tratado e artifício de es-
Portugal, na confecção de anagramas poéticos crever assim ao divino como ao humano com uma vogal somente,
(cronológicos e aritméticos) e lipogramas excluindo quatro vogais, Lisboa, Francisco Vilela, 1679, partes
(textos nos quais não é utilizada uma letra I e II (contém 12 décimas, 5 em espanhol e 7 em português
[BN: L 1666 P])
específica) e de outros extravagantes artifícios
em prosa e verso. É-lhe creditada a invenção BIBLIOGRAFIA HATHERLY, Ana, A Experiência do Prodígio,
Lisboa, Imprensa Nacional, 1983; idem, Jogos de Mestria – A
do lipograma vocálico. *Anagrama. propósito do Tratado Poético de Alonso de Alcalá y Herrera, in
Poesia Incurável: aspectos da sensibilidade barroca, Lisboa,
2003, p. 131-145
ALCALAR
Arqueosítio do concelho de Portimão (Faro).
Alcalar 1 foi, desde 1880, explorado em mo-
mentos distintos, por Nunes da Glória, Estácio
da Veiga, Pereira Jardim, Santos Rocha e José
Formosinho. A necrópole, constituída por cer-
ca de duas dezenas de sepulcros, essencialmen-
te agrupados em três núcleos, acha-se implan-
tada em diversos cabeços que cercam um po-
voado Calcolítico (transição entre o Neolítico e
a Idade do Bronze, isto é do 4º para o 3º milé-
nio a. C.), só recentemente identificado, sobre
uma espécie de meseta que se estende por uma
área de aproximadamente dez hectares. Apenas
Alcalar 1, o sepulcro mais antigo, pode ser
considerado uma estrutura de tipo megalítico,
já que os restantes monumentos, em virtude de
possuírem as câmaras cobertas por falsa cúpula,
se aparentam muito mais com os tholoi Calco-
líticos. Três lajes de grés, talvez pertencentes ao
tecto, apresentavam «numa face numerosos
Epítome da Himnodia artimético e cronológico da au- sulcos abertos em diversos sentidos, que bem
toria de Alonso de Alcalá y Herrera (Jardim Anagramá- podem ser símbolos, emblemas, sinais de signi-
tico de Divinas Flores). ficação reservada, ou talvez indícios de uma pa-
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ALCALI
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ALCAMÉ
ALCANTARENHO
O mesmo que *alcantaré, *alcantareno, *al-
cantaril, *alcantarilho, *alcantario, *cantarês,
*cantaril.
ALCANTARENO
O mesmo que *alcantaré, *alcantarenho, *al-
cantaril, *alcantarilho, *alcantario, *cantarês,
*cantaril.
ALCANTARIL
O mesmo que *alcantaré, *alcantarenho, *al-
cantareno, *alcantarilho, *alcantario, *cantarês,
*cantaril.
ALCANTARILHO
O mesmo que *alcantaré, *alcantarenho, *al-
Capela de Santo Amaro, cantareno, *alcantaril, *alcantario, *cantarês,
segundo Albrecht Haupt. *cantaril.
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ALCIATO, ANDRÉ
ALCANTARIO
O mesmo que *alcantaré, *alcantarenho, *al-
cantareno, *alcantaril, *alcantarilho, *cantarês,
*cantaril.
ALCAPARRA
Caçar a alcaparra ou caçar a *alpabarda são ex-
pressões que designam uma prática de engano,
correspondente à caça do *gambozino. Tem
lugar em terras bragançanas, sem época certa,
mas de preferência nas noites frias de Inverno.
Convence-se um simplório a ir esperar a alca-
parra, animal que lhe dizem possuir grande va-
lor culinário, na gateira da parede de um la-
meiro, com um saco aberto, enquanto aqueles
que o convenceram, fingindo que vão bater as
redondezas, recolhem a casa, deixando ali o en-
ganado à espera durante horas, até desistir.
Quando existe um ribeiro por perto é aí que se
faz a espera, sugerindo-se à vítima do logro que Da Fábrica que falece ha Cidade de Lysboa (1571 [BA:
51-III-9]) de Francisco de Holanda: Inigma inspirado
recite a seguinte oração, apropriada para atrair num dos emblemas de Alciato.
a presa: «Biobardo, vem-te ó fardo, q’eu pan-
tasma por ti aguardo». A costumeira tem para- política na Lombardia obrigá-lo-ia, entretanto,
lelo no procedimento que os Faunos usavam a dirigir-se para Avignon (França), em 1518,
nas suas festas, «quae ludibria sive ephialten onde permaneceu até 1522, tendo feito amiza-
immitere credebantur». de com Albutio, Peutinger, Erasmo, etc. Tendo
regressado a Milão, onde viveria entre 1522 e
ALCASTOR, SANTO 1527, realizando estudos e traduções e inician-
Também denominado *Mártir Santo Castor. do a composição dos Emblemata. A convite de
Santo *apócrifo cultuado numa capela seiscen- Francisco I de França leccionaria em Bourges
tista da Herdade de Santo Espírito (distante de (1529-1533), grangeando prestígio e fama. Re-
Arraiolos cerca de 5 kms). Informa o Agiológio gressado a Pavia, partiria, em 1537, para Bolo-
Lusitano (v. 3, p. 627) de Jorge Cardoso que nha, e daí, em 1542, para Ferrara. Em 1546,
uma lasca de mármore da imagem existente na declina o cardinalato, que lhe é oferecido por
capela do Vimieiro, trazida ao pescoço, livra de Paulo III, porém aceita tornar-se protonotário
«sazões e maleitas». apostólico. No mesmo ano retorna a Pavia on-
de se fixará até ao fim da vida. O núcleo da
ALCIATO, ANDRÉ (1492-1550) obra mais divulgada e influente de Alciato co-
Estudou em Milão (1504), sua cidade natal, meçou como uma singela colectânea de 30 epi-
Pavia (1507) e Bolonha (1511), onde obteve o gramas gregos traduzidos e incluídos nos Selec-
grau de doutor em Cânones, no ano de 1514. ta epigrammata graeca (Basileia, 1529). O ma-
Aí conheceu Filippo Fasanini, tradutor de *Ho- terial publicado por Heinrich Steiner, em
rapolo, tendo mantido contacto com os círcu- 1531, ainda sem qualquer ilustração, constaria
los humanistas venezianos e florentinos preo- desses e de outros textos similares, encabeçados
cupados com a cultura hieroglífica. Em 1516, por frases sentenciosas, que Alciato oferecera ao
publicaria, em Estrasburgo, os seus primeiros seu amigo Conrad Peutinger. Para a compo-
trabalhos sobre Jurisprudência. A instabilidade sição do Emblematum Liber Alciato teve à vista
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ALCIATO, ANDRÉ
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ALCIONE
ALCIONE
Fresco da abóbada da Sala Oval do Paço de São
Miguel (Évora), realizado sob a direcção do
pintor Francisco de Campos (entre 1578 e
1580), figura Alcione adormecida, circunstân-
cia em que, por intermédio de Morfeu, conhe-
ceu a perdição do amante, Seico, num naufrá-
gio. Comentador quinhentista das Metamor-
foses de Ovídio, moralizando num sentido cris-
tão esta história, dizia: «As coisa que amamos
demasiado facilmente, no-las tira Deus». Tam-
Busto de Alcides, à esquerda da portaria conventual bém iconografada em estátua, de chumbo, no
do mosteiro dos Jerónimos. Palácio Nacional de Queluz.
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ALCOBAÇA, MOSTEIRO DE
ALCIPRÉ
Corrupção de *alcifré, por sua vez de *Lúcifer
(Duas Igrejas).
ALCMENA
Do grego, a forte. Filha de Electron, o luminoso,
é protagonista de duas tragédias: uma de Só-
focles e outra de Eurípedes. Casou com Anfi-
trião para vingar a morte dos irmãos assassina-
dos pelos filhos de Terelas, rei dos Telebanos.
Quando Anfitrião preparava a vingança, Júpiter
tirando partido da ausência deste, assume a apa-
rência do marido de Alcmena, usurpando tam-
bém a vitória dele sobre Terelas. Progenitora de
Hércules e de Ifides, nascidos da sua união com Mosteiro de Alcobaça: planta medieval (reconstituição),
Júpiter e Anfitrião, respectivamente. *Camões inscrita no traçado modular (medidas em pieds du roi),
(Os Lusíadas, III, 141) dedica-lhe os seguintes de acordo com Cocheril.
versos: «E pois se os peitos fortes enfraquece /
Um inconcesso amor desatinado. / Bem no fi- Egas Rodrigues, a 20 de Outubro do mesmo
lho de Alcmena se parece / Quando em Onfale ano, não obstante os monges já ocupassem as
andava transformado». António José da Silva (o novas instalações desde 6 de Agosto de 1223.
Judeu) dramatizou a trama na peça Anfitrião ou O acto seria presidido pelos bispos de Lisboa,
Júpiter e Alcmena, estreada no Teatro do Bairro D. Aires Vasques (1244-1258), e de Coimbra,
Alto, no mês de Maio de 1736. D. Egas Fafes de Lanhoso (1246-1268). Os
primórdios da fundação e início da edificação
ALCOBAÇA, MOSTEIRO DE permanecem envoltos em lendas de cortornos
Fundação cisterciense, ainda em vida de *São mágicos e geomânticos, cujo mais remoto re-
Bernardo, presumivelmente entre 1148 e gisto conhecido é devido a Frei Hilário das
1152, sem embargo de o primeiro documento Chagas, no ano de 1575 [BN: cod. alc. 92]. In-
que subsiste, reportando-se-lhe expressamente, forma ele que os caboucos do mosteiro de Al-
remontar a 8 de Abril de 1153. Trata-se da doa- cobaça mudaram diversas vezes de local duran-
ção (em comemoração da conquista de Santa- te a noite e que *Dom Afonso Henriques terá
rém) e coutamento dos domínios da abadia, disparado uma flecha, dizendo que construiria
com a obrigação desta povoar o território abran- um mosteiro cisterciense no exacto local da sua
gido pelas treze vilas de cujo senhorio se torna- queda. Acrescenta a lenda que a flecha caíu em
va a cabeça (Alcobaça, Aljubarrota, Cela, Cós, Chiqueda, mas durante a noite os frades leva-
Évora de Alcobaça, Maiorga, Turquel, Alfeize- ram-na para Alcobaça porque não queriam o
rão, Alvorninha, Salir de Matos, Salir do Porto, convento onde ela caíra. Óbvia alusão ao even-
Santa Catarina e Pederneira). Embutida na face to é o arco iconografado no retrato do funda-
interna da parede da nave Norte, à direita do dor proveniente da Hospedaria do Real Mos-
portal que do templo conduz ao claustro, ob- teiro de Alcobaça, actualmente (desde 1874)
serva-se cópia seiscentista de uma inscrição me- na Câmara Municipal da Moita. Na sala dos
dieval desaparecida, comemorativa da funda- Reis, um silhar de nove painéis de azulejos his-
ção da abadia velha, ocorrida a 21 de Setembro toriados setecentistas narra a história lendária
de 1152. A nova abadia de Santa Maria seria da fundação de Santa Maria de Alcobaça, des-
principiada em 10 de Maio de 1178, concluída de o voto de Afonso Henriques até ao lança-
em 1252 e sagrada durante o abaciado de D. mento da primeira pedra. Uma doação de
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ALCOBAÇA, MOSTEIRO DE
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ALCOBÊS
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ALCORÃO
ALCORÃO
Sagrada Escritura do Islão, revelada a Maomé
durante um período de 23 anos (13 em Meca
e 10 em Medina). É constituído por 114 suras,
ou capítulos, iniciadas (à excepção de uma) pe-
la frase «Em nome de Deus, o misericordioso,
o compassivo», as quais compendiam os precei-
tos religiosos e da vida quotidiana dos crentes
muçulmanos. O Livro da Corte Inperial trans-
creve a sura III, 45-48 do Alcorão, consignando,
juntamente com o *Orto do Esposo, as duas
mais antigas alusões em língua portuguesa à
doutrina alcorânica. Tendo tido conhecimento
dos seus estudos arábicos em Évora (1533-
1537), o teólogo salmaticense Francisco Vitó-
ria exortaria Nicolau Clenardo (ca. 1493-
1542) a consagrar a pena à refutação do isla-
mismo, ao que este respondera que primeiro Molde em xisto, encontrado na localidade alente-
era preciso conhecer o Alcorão, depois a Suna, jana de Pias (1981), destinado ao fabrico de amu-
letos muçulmanos, no qual é legível um fragmento
porquanto «combater o que se não conhece su-
da sura CXII, 3-4 do Alcorão (cf. Portugal
ficientemente é estúpido» (Carta de Granada, Islâmico: os últimos sinais do Mediterrâneo).
12 de Julho de 1539). Expõe nessa missiva ao
seu mestre, Látomo, o plano que gizou e que Infante e então arcebispo Dom Henrique,
consiste em dedicar-se à tradução para latim de ciente dos projectos de Clenardo, escrever-lhe-
«toda a suma da superstição islamítica», come- ia para Fez, dizendo-lhe «que muito folgava
çando pelo Alcorão, à qual acrescentaria escó- por [...] estar resolvido a traduzir o Alcorão, e se
lios e críticas dos doutores cristãos, confrontan- carecesse de algum dinheiro para livros, ele se
do este com o texto do Evangelho em latim e encarregaria disso junto de el-Rei seu irmão
em árabe, fazendo imprimir tudo e enviando [Dom João III]» (Carta de Fez, 21 de Agosto
esses livros para África, no intuito de, com base de 1541). O projecto Clenardiano jamais se
neles, organizar uma cruzada pacífica anti- concretizaria, mas traduções latinas do Alcorão
maometana. Concomitantemente, tencionava certamente circularam em Portugal. Por exem-
fundar em Lovaina o ensino do árabe apropria- plo, em casa do padre *Bartolomeu de Gusmão
do para tal missão. Dirigi-lo-ia pessoalmente, (?-1724) foi encontrado, entre os seus papéis, o
porém secundado por um mestre mourisco «Alcorão de Mafoma», anotado em várias par-
que teria a seu cargo o ensino prático. Entre- tes [BN: cod. 862, fl. 330]. Por edital, de 2 de
tanto, visita em duas ocasiões o Norte de África Maio de 1771, subscrito por Frei Francisco Xa-
(1540 e 1541), não «para disputar, mas para vier de Santa Ana, Frei Luís de Monte Carmelo
ocultamente perscrutar os mistérios muçulma- e Frei Joaquim de Santa Ana e Silva, foi autori-
nos, a fim de que depois de conversar sobre o zada a leitura de uma tradução de André Reyer
assunto com teólogos doutos, lá voltasse um (Amesterdão, 1770) «áquelas pessoas que esta
dia, para então tratar com eles de religião». O Real Mesa [Censória] julgar que não têm peri-
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ALCOUCÊS
go de perverter-se com ele». Apenas são conhe- e maridos alcoviteiros são facilmente corrompi-
cidas duas cópias integrais e uma meia dúzia de dos, promovendo o *adultério de filhas, irmãs e
colecções de extractos do Alcorão na língua ára- esposas. Na Confissão de humas bruxas (1559)
be, em bibliotecas e arquivos nacionais [BN; afirma-se que uma *bruxa só pode ser conside-
BPÉv; ACL]. A primeira tradução portuguesa rada como tal depois de passar sucessivamente
integral, directa e anotada foi realizada por José pelos graus de *feiticeira e alcoviteira (*assem-
Pedro Machado (1979) [BN: R 14292 V]. Da bleia). D. Manuel concedeu carta de perdão a
denominada literatura anti-alcorânica salienta- Guiomar Fernandes (residente na ilha de San-
-se o Libro llamado Antialcoran, que quiere dezir tiago, Cabo Verde), ilibando-a da acusação de
contra el Alcoran de Mahoma, repartido en «alcoviteira de negras e feiticeiras» que se com-
veynte y seys Sermones de Bernardo Perez de provara ser falso (cf. Pedro de Azevedo, Costu-
Chinchon (Salamanca, 1595 [BPÉv: séc. XVI, mes do tempo d’el-rei D. Manuel, in Revista Lu-
3193]). Por vezes, os amuletos muçulmanos sitana, v. 4, 1896, p. 5). No século XVIII, a al-
peninsulares incluem passagens corânicas, co- covitice era considerada delito, punível pelos vi-
mo se comprova pelo molde em xisto exumado sitadores com uma pena espiritual, como, por
em Pias (1981), no qual é legível um fragmen- exemplo, os «três rosários para as almas» a que
to da sura CXII, 3-4: «[Ele não engendrou] e foi condenada Maria Felismina (de Bragança),
não foi engendrado. [Ninguém] é igual a Ele!». atendendo ao seu arrependimento (Belarmino
*Bolsa de mandinga, *Corte Imperial. Afonso, Livros de Devassa e Etnotextos, in Traba-
lhos de Antropologia e Etnologia, v. 25, n. 2-4,
BIBLIOGRAFIA MACHADO, José Pedro, Um passo do 1985, p. 355). *Amarração, *feitiço de amoe e
Alcorão e uma curiosidade de Lexicografia Portuguesa, in Re-
vista de Portugal, série A – Língua Portuguesa, v. 1, n. 1
desamor, *forçar vontades, *Leonor Afonso.
(Out. 1942), p. 41-44; idem, Manuscritos do Alcorão em Bi-
bliotecas Portuguesas, in Boletim da Academia Portuguesa de ALCUNHA
Ex-Libris, n. 1 (Set. 1955), p. 23-24; MAMEDE, Sulliman
Valy, O Alcorão e a Cultura Portuguesa, Lisboa, 1969; MAR-
Denominação ou qualificativo, regra geral pi-
TINS, Abílio, A literatura árabe e a Corte Imperial, in Bro- caresco, afrontoso ou depreciativo, que é usado
téria, v. 26 (1938), p. 61-68; idem, Originalidade e ritmo na em vez do nome próprio de alguém ou daquele
Corte Imperial, in Brotéria, v. 26 (1938), p. 368-376; idem,
Toledot Jeshu, in Brotéria, v. 27 (1938), p. 577-585; idem,
que designa um grupo de pessoas, em razão de
Literatura judaica e a Corte Imperial, in Brotéria, v. 31 alguma sua característica física ou moral. Exis-
(1940), p. 15-24; idem, A filosofia de Raimundo Lulo na li- tem alcunhas colectivas, de carácter étnico,
teratura portuguesa medieval, in Brotéria, v. 34 (1942), p.
aplicadas aos naturais de determinadas locali-
474-482; VELOZO, Francisco José, Confirmação alcorânica
duma tradição carmelita, in Rev. de Guimarães, v. 74, n. 3-4 dades, regiões, províncias, nações e povos
(Jul.-Dez. 1964), p. 323-328 (*ápodo). Por exemplo, os ericeirenses são apo-
dados de jagozes (= à rasca; aliás jagodes = min-
ALCOUCÊS derico), os beirões de ratinhos e os minhotos de
Também denominado *alcobês, *alcovês e *al- picamilhos, «porque comem pão de milho»
govês. Vento do Sul (= alcouço). *Austro. (Bluteau, Vocabulário).
ALCOVÊS
BIBLIOGRAFIA COSTA, Alexandre de Carvalho, Gentílicos e
Nome do vento no Caramulo (cf. J. Pedro Ma- apodos tópicos de Portugal continental: recolha e compilações,
chado, Influência arábica no vocabulário portu- Portalegre, 1973 [BN: L 21786 V]; idem, Crato, vila concelhia
guês, v. 1, p. 173). Também denominado *alco- do distrito de Portalegre: gntílicos e apodos aplicados aos habitan-
tes da vila do Crato e ainda aos das suas freguesias rurais Aldeia
bês, *alcocês, *algovês e *austro. da Mata, Flor da Rosa, Gáfete, Monte da pedra e Vale de Peso,
Crato, 1986; MORAIS, J. A. David de, Ditos e apodos colecti-
vos: um estudo de antropologia social no distrito de Évora, Lis-
ALCOVITEIRA
boa, 2006; PIRES, A. Tomás, Apodos geographicos, in Revista
Especialista na arte da aproximação amorosa e Lusitana, v. 8 (1903-1905), p. 275; idem, Apodo geographico,
dos amores ilícitos. Em Gil Vicente, mães, tias in Revista Lusitana, v. 12 (1909), p. 74; SOUTO, António,
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ALECRIM
Angeja: apodos e alcunhas, Angeja, 1991; VASCONCELOS, J. rosos produtos anti-reumatismais, devido ao
Leite de, Uma alcunha étnica, in Lusa, v. 1, p. 161-162; idem,
Ainda o Picamilho, in Lusa, v. 2, p. 1
seu efeito extremamente rubificante sobre a pe-
le, a saber: álcool (Spiritus rosmarini), liniento
ALDEIA DO MATO (Linientum saponato-camphoratum), etc. Erva
*Rocha dos Namorados. profiláctica contra o *mau olhado e a inveja. O
cheiro do alecrim queimado afugenta os raios, a
ALDEIA NOVA planta em ramo tem poder contra os feitiços,
Próximo da capela de São João desta localidade cinco folhinhas servem de arrelica contra as
(Miranda do Douro, Bragança) há um *podo- bruxas. O que vai a benzer no Domingo de Ra-
morfo denominado Pégada de Nossa Senhora. mos adquire virtude contra a trovoada, poden-
O abade de Baçal refere que a lenda relativa à do ser queimado com o intuito de a exorcisar
inscultura sofreu uma mutação, preferindo al- (Almanaque de lembranças, 1885, p. 326). O
guns dos habitantes do lugar atribuí-la a um alecrim colhido na manhã de *São João livra a
castelhano invasor que se viu obrigado a desis- casa do raio. Em algumas regiões do país é uti-
tir do saque da aldeia em consequência de um lizado em benzeduras e defumações (casas, rou-
voto feito pelos moradores às *almas do Purga- pas ou bébés, quando se suspeita que tenham
tório, durante as guerras de 1710. O padre contraído o Mal de Lua), acompanhadas de en-
Cardoso (Diccionario Geographico) assevera que salmos, como o seguinte, recolhido em Valbom
no sítio do termo deste povo, chamado Caste- (Gondomar): «Assim como o alecrim é bento /
lo, existia, no séc. XVIII, uma mula gravada Eu te defumo em louvor do Santíssimo Sacra-
numa fraga. mento (3 vezes) / E assim com as pessoas da SS.
Trindade, / Creio que elas podem / Donde este
BIBLIOGRAFIA ALVES, Francisco Manuel, Memórias Arqueoló-
gico-Históricas do Distrito de Bragança, v. 9, Porto, 1934, p.
mal veio requerido ou empecido / Para lá torne
611; ALVES, Francisco Manuel, Insculturas e Arte Rupestre: (3 vezes). / Assim como Nossa Senhora / Defu-
novos elementos para a sua interpretação, Bragança, 1977, p. mou a camisa de seu Bendito Amado Filho para
33-34; NETO, Joaquim Maria, O Leste do Território Bracaren-
se, Torres Vedras, 1975, p. 249-250
cheirar, / Também eu defumo o teu corpo para
sarar (3 vezes). / Assim como Nossa Senhora
ALDEREDO, SANTO passou pelo alecrim e o abençoou, / Assim eu te
Advogado contra a dor de pedra, gota, tosse defumo para te desligar de todo o mal que no
seca e cólicas. Festejado a 1 de Janeiro. teu corpo entrou (3 vezes)» (A. Pinto de Almei-
da, Notas de Medicina Popular de Valbom, in Ar-
ALECRIM quivos de Medicina Popular, v. 77, 1944). Em
Rosmarinus officinalis, L. Labiada arbustiva, es- defumadouro faz apressar os partos e protege os
pontânea na região mediterrânica, designada- moribundos das entidades malévolas (das feiti-
mente em terrenos calcários secos e pobres. É ceiras, nos Açores, cf. Almanaque dos Açores,
usada desde a antiguidade pelas suas qualidades 1934, p. 92) e *almas do outro mundo. Outro-
aromáticas e medicinais: «Quem pelo alecrim ra, defumarem-se as casas com alecrim, *euca-
passou / E não cheirou, / Se mal estava, / Pior lipto e *pinheiro, na primeira sexta-feira de
ficou» (Vila Nova de Gaia). O seu óleo essencial *Agosto, era costume generalizado, destinado a
possui cineol, cânfora, borneol, alcalóides, sa- precaver as pestes. Na Columbeira (Óbidos)
ponina e ácidos orgânicos. Em doses elevadas reza-se o seguinte ensalmo ao colherem-se os ra-
pode tornar-se tóxico, principalmente no que minhos para os defumadouros: «Primeiro é Pa-
respeita às grávidas. No uso interno, a infusão dre, / Segundo é Filho, / Terceiro é Divino Es-
das folhas é calmante, revitalizante, diurética, pírito Santo». As cinzas do alecrim usado num
colagoga e hipotensora. Melhora os processos defumadouro, depois de espargidas em cruz
digestivos. No uso externo, as folhas ou a essên- com água, são deitadas numa encruzilhada ou
cia de alecrim entram na composição de nume- em água corrente. Em Coura quando alguém se
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ALECTÓRIA
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ALEISTER CROWLEY
ALEGRIA
Invocação mariana, venerada numa capela exis-
tente no sítio do Sarzedo (Estevais, Mogadou-
ro, Bragança). Diz-se que a Senhora da Alegria
foi vista de pé, no meio da corrente do Douro,
um dia de grande cheia. Daí a imagem foi re-
colhida para a ermida que mandou fazer o pa-
dre de Mazouco, Lourenço Sanches, em 1782.
A Senhora da Alegria é também a padroeira de
Alegrete (Portalegre), cujos festejos incluíam,
em tempos idos, as danças dos arcos, das ciga-
nas e a dos barbeiros. Esta era protagonizada
por 18 homens escolhidos de entre «os mais
Alegoria à Aliança entre Portugal, Espanha e a Inglater-
ra contra Napoleão: óleo s/tela inacabado (1808-1813)
alentados mancebos» da vila e constituía um
[MNSR: inv. 6] de Domingos António de Sequeira. «extravagante espectáculo com um certo ar de
gravidade e devoção», sujeitando-se a sérios
quanto ao sentido pela Dialéctica. O signifi- dissabores aqueles dos assistentes incapazes de
cado alegórico, esse é expresso pelas coisas que conter o riso ou mofar das tropelias a que eram
as palavras representam. Para se apreender o sujeitos os nove «fregueses» às mãos dos nove
significado dessas coisas é indispensável estudá- barbeiros, munidos dos necessários apetrechos
las quanto à forma, considerando a sua dimen- do ofício. *Pedra da alegria.
são (Aritmética e Geometria), a sua proporção
(Música), o seu movimento (Astronomia) e ALEISTER CROWLEY
quanto ao conteúdo ou natureza intrínseca, Pseudónimo de Edward Alexander Crowley
que é o objecto da Física. Em suma, o Trivium (1875-1947). Mago, ocultista, mestre de xa-
permite conhecer a estrutura das palavras, o drez, alpinista, poeta, novelista, etc., foi uma
Quadrivium e a Física permitem aceder ao seu das mais polémicas personalidades do seu tem-
sentido alegórico ou místico. Porém, uma fór- po, a quem têm sido creditados, porventura
mula mnemónica havia de ser consagrada co- abusivamente, grandes prodígios e poderes tau-
mo uma autêntica chave destinada a desvendar matúrgicos, assim como ascendente sobre inú-
os quatro sentidos (histórico ou literal; cristoló- meros artistas e músicos, intelectuais e até po-
gico, messiânico ou alegórico; moral ou espiri- líticos. Educado de acordo com os preceitos
tual; escatológico ou anagógico) da Sagrada Es- morais (austeridade de costumes, crença no se-
critura. Foi seu autor Nicolau de Lira (séc. nido literal das Sagradas Escrituras) da seita
XIII-XIV): «Littera gesta docet / Quod credas protestante dos Irmãos de Plymouth (auto-intu-
allegoria / Moralis quod agas / Quo tendas ana- lados a única «ordem verdadeiramente cristã»),
gogia». Um tal método de interpretação persis- contra os quais se rebelaria aos 19 anos, ao
tirá longamente na península ibérica. A sua in- ponto de sua mãe o comparar à *Besta do Apo-
fluência lançaria fundas raízes em Portugal, on- calipse. Aos 23 (1898), após ter lido The Book
de todos os mais significativos tópicos serão of Black Magic de A. E. Waite, ingressou na
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ALEISTER CROWLEY
Hino a Pã
Hermetic Order of the Golden Dawn, onde ra os seus discípulos. Fundador da revista The
adoptaria o nome de Perdurabo (Persistirei até Equinox (1909-1944), órgão oficial da Estrela
ao fim). Mais tarde havia de filiar-se na Ordo Argêntea (A.A.). No decurso das suas diversas
Templi Orientis, fundada por Karl Keller, em ocupações, nomeadamente como agente secre-
1902. No ano de 1905 funda a sua própria or- to do Intelligence Service, adoptou os pseudóni-
ganização, a Astrum Argenteum (A.A.), à qual se mos de Conde Vladimir Svareff, Master The-
consagraria o resto da vida, redigindo rituais (a rion, Príncipe Chioa Kha, Guru Shri Parama-
maioria em verso), instruções e orientações pa- hansa Shivaji, Baphomet, etc. Inspirado por Ra-
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ALEISTER CROWLEY
Capa do Notícias Ilustrado (s. 2, n. 121, 1930) que incluiu a notícia do desaparecimento
simulado de Crowley na Boca do Inferno, redigida por Augusto Ferreira Gomes
Horóscopo de Aleister Crowley por Fernando Pessoa. Em carta remetida à Mandrake Press, a 4 de Dezembro de 1929,
o poeta lança os dados que motivaram a deslocação de Crowley a Portugal: «[…]. Se tiverem, como provavelmente têm,
oportunidade de comunicar com o Sr. Aleister Crowley, talvez possam informá-lo de que o seu horóscopo não está
correcto e que, se ele admite que nasceu às 23h e 16m 39s de 12 de Outubro de 1875, terá Carneiro 11 no seu meio-
céu, com o correspondente ascendente e cúspides. Encontrará então as suas direcções mais exactas do que provavelmente
as encontrou até agora. Isto é mera especulação, claro, e peço desculpa de vos maçar com esta intromissão puramente
fantasista no que é, afinal de contas, apenas uma carta comercial. […].» (cf. Fernando Pessoa, Correspondência,
1923-1935, Lisboa, 1999, n. 88, p. 175-177).
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ALEITAR
belais, fundou na Sicília, no ano de 1920, a terior), Crowley recomendou-lhe «Don Fer-
Abadia de Thelema, extinta em Abril de 1923 nando Pessoa a really good poet», acrescentan-
por ordem de Mussolini. Em 1924, no Cairo, do adiante: «It is about the most remarkable li-
manifestou-se-lhe um espírito, denominado terary phenomena in my experience» [= Prova-
Aiwass, que lhe terá ditado The Book of the Law velmente o mais notável fenómeno literário do
(ou Liber Legis), um evangelho universal no meu conhecimento] (cf. J. Gaspar Simões, O
qual é profetizado o advento de uma nova Era Espólio do Poeta, in Heteropsicografia de Fernan-
de que ele próprio seria o arauto (Aeon de Ho- do Pessoa, Porto, 1973, p. 327-328).
rus), motivo por que se vangloriava de poder
ser identificado com a Besta do Apocalipse. Di- OBRA TRADUZIDA Hino a Pan [de] O Mestre Therion (Aleister
Crowley), trad. Fernando Pessoa, in Presença, n. 33 (Jul.-Out.
versos ficcionistas fizeram dele o protagonista 1931), p. 11; O Livro da Lei, Lisboa, 1998
de novelas e romances: Oliver Haddo de So-
merset Maugham (The Magician, trad. port. BIBLIOGRAFIA ALVES, Maria Luísa Fernandes, Um excêntrico
encontro anglo-português: Aleister Crowley e Fernando Pessoa, in
Livros do Brasil); Cefalú de Lawrence Durrell; Revista de Estudos Anglo-Portugueses, n. 6 (1997), p. 83-121
o Mago de John Fowles; Karswell de M. R. [BN: L 72466 V]; idem, O Nó Crowley, in Equinócio de Luísa
James (Casting the Runes); Hugo Astley de Dion Alves (blogspot: 17 Nov. 2005); BARBAS, Helena, O Hino a
Pã – tradução (traição) tradição, in www.fcsh.unl.pt/deps/estudos
Fortune (Winged Bull); Caradoc Cunnigham de alemaes/Pubs/P_Helena_ (29 Jan. 2003); BELÉM, Victor, O
Colin Wilson (Man Without a Shadow); etc. A Mistério da Boca-do-Inferno: o encontro entre o Poeta Fernando
generalidade de tais personalidades literárias Pessoa e o Mago Aleister Crowley, Lisboa, 1995; idem (org.), Fer-
havia de contribuir para a péssima fama de nando Pessoa versus Aleister Crowley: exposição de foto-ficções,
foto-colagens e objectos, Cascais, 1996 e Lisboa, 1996 [BN: BA
Crowley, no que seriam secundadas por James 14475 V]; idem, Considerações sobre o encontro entre o Poeta
Douglas (in Sunday Express, 26 Nov. 1922) e Fernando Pessoa e o Mago Aleister Crowley, in Colóquio Inter-
Dennis Wheatley (The Devil rides out e To the nacional Fernando Pessoa, o Esoterismo e Aleister Crowley, Maio,
2000; BOUCHET, Christian, Aleister Crowley, Lisboa, 2000;
Devil, a daughter). Fernando Pessoa traduziu- GOMES, Augusto Ferreira, O mistério da Boca do Inferno, in
-lhe o Hino a Pã (in Presença, n. 33, Jul.-Out. O Notícias Ilustrado, s. 2, n. 121 (1930), p. 9-10 e 16; LEAL,
1931, p. 11), cantado no funeral do autor em Raúl, Carta de […] a João Gaspar Simões a propósito de Vida e
Obra de Fernando Pessoa e de Aleister Crowley, in Persona, n. 7
Hastings (cf. Richard Cavendish, The Black (Ago. 1982), p. 54-57; PESSOA, Fernando (?), Um caso estra-
arts). Deslocou-se a Portugal, de 2 a 25 de nho: o célebre escritor inglês Aleister Crowley desapareceu de Lis-
Setembro de 1930, para expressamente conhe- boa deixando na «Boca do Inferno» uma carta misteriosa e alu-
cinada, in DN (26 Set. 1930); idem, Um caso estranho: a polícia
cer Fernando Pessoa, após este ter comunicado interessou-se ontem pela misteriosa carta de Aleister Crowley, in
(carta de 4 de Dezembro de 1929) um erro DN (27 Set. 1930); idem, Aleister Crowley foi assassinado?: um
detectado no horóscopo de Crowley publicado novo aspecto do caso da «Boca do Inferno», in Girassol (16 Dez.
1930); idem, Mistério da Boca do Inferno, in Miguel Roza, En-
pela imprensa londrina. Gaspar Simões conta contro Magick […], Lisboa, 2001, p. 399-529; ROZA, Miguel,
que o poeta da Mensagem terá ficado bastante Encontro Magick: Fernando Pessoa – Aleister Crowley, Lisboa,
apreensivo com a visita anunciada, ao ponto de 2001; SENA, Jorge de, Páginas de Doutrina Estética de Fernan-
o mago lhe haver atribuído o súbito nevoeiro do Pessoa, Lisboa, 1946, p. 312s.; idem, Maugham, Mestre The-
rion e Fernando Pessoa, in DN (21 Mar. 1957), idem, Pessoa e
surgido na Mancha quando navegava com des- a Besta, in O Estado de S. Paulo (30 Mar. 1963) e in Comércio
tino a Lisboa. Pessoa e Augusto Ferreira Gomes do Porto (14 Jan. 1964); SIMÕES, João Gaspar, Vida e Obra
foram cúmplices do alegado desaparecimento de Fernando Pessoa, v. 2, Lisboa, 1951, p. 368-369; idem, O As-
trólogo Fernando Pessoa conhece o Mago Aleister Crowley, in O
misterioso de Crowley na *Boca do Inferno. Na Primeiro de Janeiro (17 Mai. 1970); SYMONDS, John, The
biblioteca de Fernando Pessoa constava a obra Great Beast, Londres, 1951, p. 419-423
intitulada: The confessions of Aleister Crowley: the
spirit of solitude an autohagiography subquently ALEITAR
re-antichristened (Londres, 1929, 2 vols.). Nu- Durante o aleitamento, as crianças são suscep-
ma carta endereçada em Janeiro de 1936 a Ge- tíveis de se tornarem vítimas: A. do *mau olha-
rald Hamilton, em vésperas da visita deste a Lis- do das bruxas que as definham (diz-se que são
boa (Pessoa falecera em Novembro do ano an- «chupadas das carochas»), podem roubar o co-
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ALEIXO, SANTO
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ALELUIA
1638, 1659, 1738 [rosto in História da Litera- água do Círio possuía propriedades profiláti-
tura Portuguesa, v. 2, p. 119], 1786 e 1791) e cas, porquanto os favais orvalhados com ela fi-
em Évora (1616). cavam livres do piolho e de outros insectos. No
final da Festa da Aleluia, a música ia até ao lar-
BIBLIOGRAFIA ALLEN Jr., Joseph H. D. (ed.), Two old
portuguese versions of the life of Saint Alexis (cod. alcob. 36 and go fronteiro ao Forte da Ericeira e aí, os solda-
266), in Illinois Studies in Language and Literature, v. 37, n. 1 dos da Guarda Fiscal queimavam um mane-
[BN: L 14191 V]; CORREIA, Ângela, Sobre a funcionalidade quim recheado de pólvora, representando Ju-
da narrativa hagiográfica, in Actas do IV Congresso da Associa-
ção Hispânica de Literatura Medieval (Lisboa, 1991), v. 2, Lis-
das, personificação católica do Inverno que é
boa, 1993, p. 121-124 [BN: CG 15065 V]; MARTINS, Má- sacrificado para que seja possível o renascimen-
rio, A biblioteca de Alcobaça e o seu fundo de livros espirituais: to do *ano novo. Genericamente, o evento era
2. Diálogos de S. Gregório e Vida de Santo Aleixo, in Estudos de
Literatura Medieval, Braga, 1956, p. 262-266; MINERVINI,
assinalado ruidosamente. Em Portalegre, as
Vicenzo, Sul texto latino dela Vita di Sant’ Alessio del codice Al- matracas, as gaitas e as campainhas de todo o
cobacense XXXV, in Studi Mediolatini e Volgari, n. 15-16 género anunciavam, por toda a cidade, a *Res-
(1968), p. 101-119 [ocupa-se da versão do cod. 176]; MOI- surreição do Senhor. Em Castelo de Vide e no
TA, Irisalva, Sobrevivência de cultos de origem remota no inte-
rior do Alentejo, in Actas do Congresso de Etnografia de Santo Alandroal, o rapazio percorria as ruas em cor-
Tirso, v. 3, Lisboa, 1965, p. 382-384; PECORARO, Dinorah reria, fazendo um concerto de guizos, campai-
da Silva Campos (editora), A Vida de Santo Aleixo, S. Paulo, nhas e chocalhos, enquanto das janelas lhes ar-
1951; PEREIRA, Francisco Maria Esteves (editor), Vida de
Santo Aleixo, in Rev. Lusitana, n. 1 (1887-1889), p. 332-339 remessavam amêndoas, castanhas, bolotas, no-
[BN: J 2497 B]; WILLIAMS, E. B., The old portuguese ver- zes e frutos secos. Antigamente, em Castelo de
sions of the life of saint Alexis: a note based on the chronology of Vide, os vendedores rurais, que afluíam ao
old portuguese ortography, in Hispanic Review, n. 9 (1941), p.
214-215 [BN: RE 215 P] mercado de Sábado de Aleluia, e os pastores
com seus rebanhos de cordeiros mantinham-se
ALELUIA fora dos muros da vila, só entrando, gritando e
Do hebraico, hallelu yah (dai graças com júbilo vibrando campainhas e chocalhos, quando os
a Iavé), expressão inicial e final (refrão ou antí- sinos das igrejas davam o primeiro sinal de jú-
fona) de alguns Salmos (CVI, CXI, CXII, bilo, após o longo período de luto que precede-
CXIII, etc.). Também o cristianismo (Apocalip- ra a Páscoa. Noutras regiões, a libertação do je-
se, XIX, 1, 3, 4, 6) emprega o termo em sinal jum e o fim das austeridades e abstinências im-
de júbilo (laudate Deum). O ofício de Sábado postas pela Quaresma costumavam ser assina-
de Aleluia serve de transição do luto para a ale- lados pelo Enterro do Bacalhau, o prato por ex-
gria da Ressurreição. A extinção de todas as lu- celência durante toda a quadra. A única notícia
zes na igreja representa o fim da Lei antiga, que se possui no concelho de Mafra sobre tal
«derrogada pelo sacrifício do Calvário», assim evento remonta a 1901, ano em que a presença
como o Lume Novo («Eu sou a luz do mun- do «popular José Augusto», famoso orador do
do»), então aceso (a partir de pederneira) e Enterro do Bacalhau alfacinha, proporcionou a
benzido, representa a promulgação da Lei No- sua realização (todavia, só no Domingo de Pás-
va, destinando-se a acender o Círio Pascal e to- coa). Em certas localidades, a *Queima do Ju-
das as luzes do templo. Depois da benção do das, vingança contra o autor responsável pelas
Lume Novo, realiza-se a benção do Incenso, penitências e sacrifícios quaresmais, começava
sob a forma de cinco pinhas que figuram os depois do toque da Aleluia. Antes de lhe ser
perfumes que Maria Madalena e as outras mu- aplicada a pena capital, celebrava-se o julga-
lheres prepararam para embalsamar o corpo de mento do réu, em que de forma mais ou menos
Jesus. Antes da missa cantam-se as ladainhas de histriónica se enunciavam os crimes por ele pra-
Todos os Santos, retiram-se os véus que cobrem ticados. Depois, lançava-se fogo a um grande
as cruzes e as imagens, desde o domingo da Pai- boneco de palha, seguro nuns paus e com bom-
xão. Na Ericeira, era costume distribuir-se água. bas em diferentes partes do corpo que reben-
Noutros pontos do país acreditava-se que a tavam quando o lume as atingia. Nos Arcos de
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ALÉM
Valdevez, o final da Quaresma era assinalado destruição na escadaria que lhe dá acesso de to-
pelo enterro do bacalhau e pela morte do galo. das as cruzes e ramos que até então haviam aca-
Realizava-se, então, uma grande procissão noc- rinhado e nessa ocasião sacrificam em honra da
turna, em que participavam três andores, os ressurreição de Cristo (cerimónia tradicional-
quais percorriam as ruas da vila: no primeiro, mente denominada matança dos judeus). Em
todo preto, ia um grande bacalhau, pendurado; Tolosa, era costume enganar os rapazes, man-
a seguir, iam dois, emplumados, de vermelho, dando-os a determinadas casas «buscar as cha-
um com um galo empoleirado, e o outro com ves das aleluias». Nessas casas davam-lhes em-
uma grande posta de carne. De vez em quando, brulhos e caixotes ou sacos velhos, cujo conteú-
numa tribuna, um padre pregava um sermão. do desconheciam (mas que continham pedras),
remetendo-os para outras casas, e dessas ainda
BIBLIOGRAFIA DANIEL, José, Suplicio do bacalhao e degredo
de Judas, em Sabbado de Alleluia, in Roda da Fortuna, v. 2,
para outras e assim por diante.
1816, p. 11s.; GORDO, João António, A Aleluia em Castelo
de Vide, in Portucale, v. 13 (1940), p. 11-15 ALÉM
1. O outro mundo ou «dimensão», admitidos
ALELUIAS por todas as tradições religiosas. Segundo ani-
Cânticos específicos da *Ressurreição. Persiste mistas e xamãs, os seres humanos ou as suas es-
na região de Tomar uma tradição que, aparen- sências espirituais, podem viajar para o além
temente, poderá relacionar-se com uma das sem necessitar de morrer. Foi lento o processo
acusações proferidas contra os cavaleiros do de elaboração pela Igreja de uma doutrina coe-
Templo, segundo a qual renegavam a cruz no rente acerca do além e da possibilidade de agir
acto da recepção na Ordem. Reporto-me às sobre a sorte das almas dos defuntos. Das ora-
Aleluias de Cem Soldos, outrora também reali- ções pelos mortos, pedindo paz e luz para eles,
zadas em Carregueiros, pelo menos. As Aleluias sem pretender intervir no respectivo destino
são cruzes e ramos em cana ornamentada com eterno, o qual se presumia decidido desde o
flores naturais. Na manhã de domingo de Pás- momento do óbito, o cristianismo passou,
coa jovens ostentando-as (as cruzes os rapazes, paulatinamente, a afirmar a possibilidade de
os ramos as raparigas) percorrem as ruas da po- salvação das almas, antes do *Juízo Final, desde
voação proclamando a ressurreição de Cristo que a gravidade das faltas cometidas não fosse
Depois, na capela, reúnem-se para o ofício re- exorbitante e o finado contasse com a solidarie-
ligioso. Concluído este, todos à excepção do dade dos vivos, garantindo as orações e os su-
melhor ramo e da melhor cruz, previamente frágios indispensáveis. O *Purgatório foi ex-
avisados pelo júri, saem do templo iniciando a pressamente concebido pelos teólogos como o
lugar onde as almas arrependidas poderiam ex-
piar os seus pecados, cumprindo as penas a que
haviam sido condenadas no primeiro julga-
mento, após a morte. A sua estadia temporária
aí, seria tanto mais curta quanto mais sufrágios,
orações e sacrifícios propiciatórios fossem ofe-
recidos pelos seus intercessores terrestres, se-
cundando a acção da corte celestial. Embora
geralmente localizado «ao lado» do mundo dos
vivos, o além é também concebido acima do
mundo humano (*empíreo) ou sob a superfície
da terra. O acesso a tais planos é descrito como
ascensão ou descida, respectivamente. A ima-
Aleluias de Cem Soldos (Tomar). gem da *alma detentora de asas (de *ave ou
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ALÉM-DEUS
*borboleta) é uma alusão à ascensão. Nas anti- conduzindo-o processionalmente para a sua Sé
gas tradições religiosas, o mundo inferior era catedral. A travessia do Douro era realizada em
alcançável por um túnel ou abertura, invaria- barcos engalanados, armando-se vistoso altar
velmente identificada com a boca de um na barca de passagem que transportava a ima-
monstro mítico (*abismo, *boca do Inferno). gem. No século XVII o Senhor de Além teve
Alguns mitos clássicos ocidentais relatam a des- altar privativo na Sé, sendo servido por confra-
cida de uma entidade divina (*Demeter) ou ria específica. A posse da imagem originou di-
heróica (*Orfeu) ao submundo com o objecti- versos conflitos protagonizados pela Câmara
vo de resgatar um ente querido ou obter imor- do Porto e pelos cónegos da catedral e referidos
talidade e sabedoria. No mosaismo o mundo por A. de Magalhães Basto nas notas à Origem
inferior é um reino escuro e poeirento, o she’ol, das Procissões do Porto do padre Luís de Sousa
localizado num dos extremos do universo, nos Couto (cf. p. 189-195).
antípodas do céu, organizando-se, segundo o
Apocalipse de Enoque, em três níveis, para dis- ALÉM-DEUS
tinguir o mérito dos seus habitantes. Com o Título do poema (1913?) ao qual *Fernando
tempo, o judaísmo passaria a identificar o she’ol Pessoa atribui especial importância na caracte-
com gehenna, um vale ou fossa subterrânea, sita rização da sua *gnose.
nas proximidades de *Jerusalém, reservada aos
pecadores. A cartografia do além cristão, muito ALENQUER
influenciada pelo judaísmo, é complexa, po- Sede de concelho do distrito de Lisboa. Segun-
rém, dois lugares são incontornáveis: o *Infer- do os espirituais franciscanos, esta era a povoa-
no subterrâneo, concebido à imagem da gehen- ção portuguesa que maiores semelhanças tirava
na, para onde são remetidos os pecadores im- de *Jerusalém, no círculo judaico-cristão-islâ-
penitentes para lá penarem no fogo eterno; o mico modelo paradigmático da Cidade Santa,
*Paraíso, local de contemplação beatífica de a imagem por excelência da revelação divina
Deus, automaticamente acessível apenas a már- (*teofania). Crê-se ter sido o franciscano Frei
tires e santos. A Lenda Dourada relata a descida Manuel da Esperança (História Seráfica da Or-
de Cristo ao Inferno para resgatar os amaldi- dem dos Frades Menores de São Francisco da Pro-
çoados e evidenciar a sua vitória sobre o mal vínica de Portugal, Lisboa, 1656, 1ª parte, cap.
(*Aparição de Cristo). Por seu turno, A Divina 10, p. 67) o primeiro a enfatizar por escrito o
Comédia descreve a viagem de *Dante até ao que já então seria um dado geralmente adqui-
Inferno, sob a orientação do poeta Virgílio. rido: «[...] o nosso convento [fundado, em
*Avalon, *dinheiro de Caronte, *Limbo. 1222, pela infanta Dona Sancha (filha de Dom
Sancho I)] hoje, está posto sobre uma eminên-
BIBLIOGRAFIA MATTOSO, José, O imaginário do Além em Gil
Vicente, in Arquivos do Centro Cultural Calouste Gulbenkian
cia para a parte do Sul, senhoreando o castelo,
(Homenagem a Maria de Lourdes Belchior), Paris-Lisboa, 1998, que lhe responde do Norte, e com estas aparên-
p. 71-92; NASCIMENTO, Aires Augusto, A procura do Além: cias ajudadas da vizinhança do rio, profundida-
espaços de Utopia e caminhos de abertura ao Mundo em textos de
de do vale, correspondência dos montes e ou-
Alcobaça, in Actas do Colóquio Cister – Espaços, Territorios,
Paisagens (16-20 Jun. 1998), v. 1, Lisboa, 2000, p. 175-188 tras coisas notáveis, tiveram alguns motivo para
se persuadirem que Alenquer se assemelhava
2. Invocação de uma capela onde se cultua um muito à Santa Cidade de Jerusalém e que o
Santo crucifixo descoberto, por volta de 1140, Monte Sião no nosso convento estava represen-
no lugar, sobranceiro ao rio Douro, que então tado». Esta foi, no meu entender, uma das ra-
se chamava Alto do Monte de Quebrantões. zões que mais influíu no imaginário dos erudi-
Por ocasião de longas estiagens, invernos pro- tos seiscentistas para que atribuíssem a Alen-
longados, epidemias, guerras, etc., o povo do quer – curiosamente vizinha de Meca – a pri-
Porto costumava ir buscar o Senhor de Além, mazia como pólo da religião nacional do *Pa-
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ALENQUER
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ALENQUER
contra boa gente [sic] que aí estava moradores digno um cabo dela no mosteiro de São Fran-
da dita vila e termo e lhe recomendaram a dita cisco da dita vila e viesse ao longo pelas ruas da
casa, os quais lhe disseram que lho tinham em dita vila e saísse pela Porta do Carvalho e viesse
grande mente, dizendo que pois a Deus prove- o outro cabo dentro [d]a igreja de Santa Maria
ra a dita casa ali para fazer que por tal milagre de Triana ao altar. Onde estivesse acesa assim
[da revelação dos alicerces] como a todos era em São Francisco como em Santa Maria onde
notório e manifesto que eles lhe prometiam ao altar-mor é ordenado estar um homem nu
pelo que pertencia a Deus principalmente e com seus pasmos [i. e., panos] e com sua can-
por eles Senhores tão afincadamente recomen- deia nos braços em maneira de bandeira assim
daram, por ser tanto serviço de Deus, Honra como vem na procissão e por no dito altar don-
da dita vila, que eles a guardariam e proveriam de há-de haver continuadamente todo ano as
em tal forma que por fim do mundo ela fosse missas e todas as horas, a qual candeia acabada
sempre em sua perfeição melhorada e não pio- de apanhar fosse na jornada acesa [...]. Santo
rada e os ditos Rei e Rainha disseram que lho Espírito com todas as cruzes da igreja e mostei-
tinham em serviço e logo os ditos cavaleiros, ro a benzer todo o dito pão e carne, para se dar
escudeiros e homens bons e a maior parte dos ao dia seguinte no dito voto [i. e, bodo] e mar-
moradores da dita vila e termo, que aí eram caram as vésperas do dito Senhor Santo Espíri-
presentes, se ajustaram e ordenaram entre si to como entram outras coisas mui boas para a
uma confraria em louvor e honra do dito Se- dita festa, como lhe melhor parecer as quais são
nhor Santo Espírito, dotando cada um do que postas e escritas no dito compromisso e acorda-
Deus dera, aquilo que se atreveram para se di- ram e ordenaram que quando aí não houvesse
zerem em missas em a dita casa pelo seu dia e imperadores prometidos por sua devoção, que
em todos os dias do ano e em outros alguns então elegessem outros da dita vila e termo, dos
dias pela semana. E se disse um honrado voto mais abastados e pertencentes que os fossem e
pelo seu dia fazendo de tudo um compromisso isto seja feito com conselho dos mais dos ditos
da regra e maneira que se havia de fazer e man- confrades por a dita festa se não desfazer, e
ter para sempre a dita feita, o qual compromis- cumprimento de seu efeito e os outros irmãos
so feito e examinado o fizeram logo a saber os ajudarão e contribuirão cada um aquilo que
[a]os ditos Rei e Rainha de que os ditos senho- honestamente puderem segundo sua faculda-
res foram muito ledos e lhe deram para ele de» (transcrito por Luciano Ribeiro, in Damia-
grande ajuda, para comprarem [...] e outras no a Goes, a. 1, n. 2, 1941, p. 61-64 e n. 3,
coisas muitas para a dita festa necessárias, e que 1942, p. 65-71). Outro erudito seiscentista, o
se começasse logo [1321!] a fazer, ordenando então bispo do Porto, Dom Fernando Correia
que para a dita festa ser mais perfeitamente de Lacerda, regista também a instituição alen-
obrada, que à sexta-feira se corressem touros querence, sem, contudo, lhe conferir qualquer
que se chamasse Sexta-feira das carnes em cada primazia: «Depois de haver edificado em Alen-
um ano, com que se desenfadassem [...] e que quer uma igreja ao Espírito Santo no primeiro
as matassem [...] e que em tal guisa os esfolas- ano em que se fez a solenidade da Coroação do
sem e esportelassem que com aquela noite e Sá- Imperador, e com todo o luzimento, não só
bado [...] fosse aquela carne toda cozida, para chamou a nobreza para tomar parte neste Im-
se pôr em um paiol, a par do outro paiol do pério que ela tão piedosamente acabava de eri-
pão que é ordenado para o dito voto [i. e., bo- gir, mas também convocou pessoas de diversas
do], o qual pão e carne se há-de comer ao Sá- hierarquias. Tanto que o ornato da igreja esteve
bado véspera por clérigos e frades, quando [...] posto em sua perfeição, se disse nela, com assis-
com a procissão da Candeia, que é ordenado o tência dos reis e da corte, uma missa oficiada
vir ao Sábado a Santa Maria de Triana a qual com toda a solenidade, e acabado o sacrossanto
havia de ser grande que estivesse um homem sacrifício, chamando os reis a nobreza mais
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ALEXANDRIA
qualificada e parte da boa gente da vila e seus ma em registo descrito por Ernesto Soares (n.
contornos, que tinha assistido naquele religioso 62 A). Advogado dos infelizes, festejado a 28
acto, lhes encomendou aquela casa, o que eles de Março. Segundo a sua lenda hagiográfica,
tiveram por grande honra; e agradecidos às foi o porta-estandarte da célebre «legião teba-
reais recomendações, porque os reis, quando na», comandada por São Maurício. Recrutada
põem encargos com rogos, faziam mercês com no Alto Egipto e acantonada a Norte dos Alpes
os rogos, lhes responderam que eles prome- (Agaune en Valais), era exclusivamente consti-
tiam, que por serviço de Deus e de Sua Alteza tuída por cristãos que, colectivamente, se recu-
tratariam da conservação daquela casa. Estima- saram a sacrificar aos deuses dos romanos, mo-
ram os reis esta piedosa promessa da nobreza e tivo por que foram presos e executados pelos
do povo em que o povo igualou a generosidade soldados do Imperador Maximiano.
da nobreza. Ajuntaram-se as pessoas a quem os
reis tinham encomendado a igreja e erigiram ALEXANDRE DE MÚRCIA, FREI
uma confraria em louvor do Espírito Santo a Frade barbadinho, confessor e pregador, natu-
que fizeram liberais devoções» (História da Vi- ral de Castela, mas radicado em Lisboa. Con-
da, Morte e Milagres, Canonização e Translada- tava 59 anos, quando saiu no *auto-da-fé da
ção de Santa Isabel Sexta Rainha de Portugal, Inquisição desta cidade, de 24 de Outubro de
1680, p. 191-193). Em suma, de duas coisas 1717, por sequaz de Molinos, Calvino e outros
distintas muitos exegetas têm feito uma insus- heresiarcas, afirmando não serem pecaminosas
tentável: sendo indiscutível que D. Isabel foi a muitas acções torpes que tinha com certas suas
fundadora da Irmandade do Espírito Santo de confessadas, porque Deus lhas tinha revelado
Alenquer, carece já de qualquer fundamento por boas e santas e muito do seu agrado e por
documental coevo plausível (porquanto a ideia dizer que está sacramentado, que o seu corpo é
é posterior à canonização da rainha, em 1625!), o mesmo Santíssimo Sacramento do altar e que
a sua creditação como introdutora da devoção a Virgem foi formada de matéria celeste. Além
do Império em Portugal! De tão concitado por das citadas defendia muitas outras proposições
supostas autoridades na matéria (avalizadas em heréticas, sacrílegas, etc., fingindo com elas
fontes, cuja letra atraiçoaram), passou a condi- visões, revelações e grandes favores do céu (cf.
cionar, hodiernamente, a forma como umas Adolfo Coelho, Costumes e crenças populares).
quantas comunidades, maioritariamente da Teve cárcere e hábito perpétuo sem remissão,
diáspora portuguesa nos Estados Unidos da tendo sido privado para sempre das ordens, de
América do Norte, bem como algumas insula- voz activa e passiva e condenado a reclusão
res açorianas, contaminadas por aquelas, ritua- irremissível nos cárceres do Santo Ofício [BN:
lizam os festejos do Divino. cod. 863, fl. 409v]. *Molinismo, *quietismo.
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ALEXANDRINA DE BALAZAR
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ALFA-ÓMEGA
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ALFABETO
ALFABETO
Qualquer série ou sistema de sinais convencio-
nados para representar letras, fonemas, pala-
vras, mensagens, etc. A tese prevalecente e de
conveniência, segundo a qual foram os canani-
tas e os fenícios os inventores dos primeiros al-
fabetos e que estes surgiram na bacia do Medi-
terrâneo oriental, entre os séculos XVII e XIII
a. C., tem sido reiteradamente desmentida por
evidências mais antigas detectadas no Ociden-
te, justamente na fachada atlântica da Penínsu- Alfabetos maçónicos.
la Ibérica. Não se trata da denominada *escrita
ibérica ou do Sudoeste (que agrupa diversos al-
segundo a concepção da arte Neolítica, são
fabetos paleohispânicos, reportáveis aos séculos
apenas a sigla, isto é, a letra inicial do nome do
IV-I a. C.), mas de exemplos referenciados em
proprietário ou da autoridade administrativa
contextos inequivocamente neolíticos (megalí-
do povo, cujos limites territoriais a marra con-
ticos), invariavelmente escamoteados, como se
fina. Alguns arqueólogos (ver tomo IX, p. 581
comprova, especialmente, pelos realizados em
destas Memórias) já aludiram a esta finalidade
antas da *serra do Alvão (Vila Real) e em Ban-
das insculturas rupestres, mas ficaram muito
cal (Coruña), de onde provém uma inscrição
aquém, supondo-a secundária, quando, na ver-
sobre osso, datável de ca. 4000 a. C., encontra-
dade, é predominante, principalmente na glíp-
da em princípios do séc. XIX (cf. Michel Bou-
tica epígea, constituída por sinais em forma de
vier, L’Art de l’Écriture, Paris, 2003). Sintoma-
cruz, ferradura, xadrez, etc.». Mendes Correia e
ticamente, Estrabão afirmava que os turdeta-
Leonel Ribeiro advogaram peremptoriamente
nos conservavam anais históricos e leis redigi-
a origem ocidental do alfabeto.
das em verso, utilizando uma gramática com
mais de seis mil anos. Ocupando-se das marras BIBLIOGRAFIA ALVES, Francisco Manuel, Memórias His-
transmontanas (marcos divisórios de proprie- tórico-Arqueológicas do Distrito de Bragança, v. 9, Porto,
1934; AZEVEDO, Pedro de, O Estado actual da origem do
dades), o abade de Baçal considerava que nos
alfabeto, in Boletim da Segunda Classe da Academia das Ciên-
alfabetos medievais houve «letras perfeitamente cias de Lisboa (1918); CORREIA, Mendes, Glozel e Alvão: os
idênticas às siglas das insculturas rupestres en- portugueses e a invenção do alfabeto, in Trabalhos da Sociedade
contradas no distrito de Bragança», admitindo Portuguesa de Antropologia e Etnologia, v. 3, n. 2 (1927), p.
137-162; idem, La question de Glozel et l’ origine de l’
que «muitas das figuras interpretadas até aqui alphabet, in Archeion, v. 9, n. 1 (1928), p. 53-62; idem, Si-
por esquemas e estilizações da figura humana, gnes alphabétiformes gravés sur une pièce magdalénienne des
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ALFABETO
Quadro comparativo dos alfabetos de Alvão, Glozel e Ibérico, segundo Teixeira Rego.
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ALFACE
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ALFINETE
etc.). No uso externo, a infusão aplica-se sob a meia-hora) um avistamento *Ovni, porventura
forma de compressas em contusões, vulvovagi- o mais documentado de todos quantos ocor-
nites e equimoses. reram em Portugal durante o século XX (che-
gou a ser fotografado por Manuel Gomes). O
ALFAVACA DE COBRA objecto observado tinha forma esférica, acha-
Parietaria officinalis, L. Também *erva-dos-mu- tada no topo e estava munido de cinco apên-
ros, *erva-fura-paredes ou *parietária. Diuré- dices na vertical, deslocando-se ora lenta, ora
tica, emoliente e refrescante. No uso interno, a rapidamente. Tendo descido à altura de um
infusão trata doenças de fígado, estômago, in- prédio de terceiro andar, acabou por elevar-se e
testinos e aparelho urinário (cistites, cálculos de desaparecer por entre as nuvens. Nenhuma das
bexiga e especialmente uremia). No uso exter- entidades oficiais e organismos científicos que
no, a decocção em banhos ou parches quentes é se ocuparam do caso apresentaram explanações
eficaz no tratamento de hemorróidas, abcessos e convincentes ou propuseram qualquer identi-
inflamações cutâneas ou mucosas; em clisteres ficação positiva.
contra a prisão de ventre. O chá de alfavaca-de-
cobra e linhaça é anti-inflamatório. *Argueiro. ALFEO
Rio, filho de Okeanos e Tétis (não confundir
ALFAZEMA com a mãe de Aquiles). Segundo Ovídio (Me-
Lavandula spica, L.; Lavandula angustifolia, tamorfoses, V, 572-641) e Pausânias (V, 7, 2),
MILL. Os romanos usavam-na para perfumar esta divindade, iconografada na Quinta dos
a água dos banho (donde o nome científico, Azulejos, enamorou-se da ninfa *Aretusa, per-
derivado do latim, lavare), os gregos no comba- seguindo-a depois de assumir aparência huma-
te à tosse. Os caules contêm óleo essencial (o na. Para proteger Aretusa, Diana transformá--
qual possui linalilacetato, linalol, cânfora, gera- la-ia em fonte, em consequência do que Alfeo,
niol e borneol), bem como taninos. As flores, regressando à sua natureza fluvial, a tornou a
depois de secas, servem para perfumar a roupa perseguir, dessa feita subterraneamente, desde
(principalmente o enxoval dos recém-nascidos) Élide até à Sicília, onde ela reapareceu em
e afastar as traças. No uso interno, os caules em Ortígia (Siracusa), misturando as suas águas
infusão produzem um efeito sedativo ligeiro. com as de Alfeo. Cf. *Camões, Écloga VII.
No uso externo, mais frequentemente aplicada
em banhos e compressas. O óleo de alfazema ALFINETE
entra na composição de produtos anti-reuma- Não é aconselhável recolher quer alfinetes,
ticais. Em algumas regiões do país é utilizada quer ganchos de cabelo, quando achados sem
em defumações para afastar odores e influên- se saber a quem pertenceram, porque podem
cias nocivas das casas (repelente de insectos) e ter sido perdidos por alguma *bruxa enquanto
para provocar partos rápidos. Anti-séptico, picava um boneco de trapos, representando al-
muito eficaz contra picadas de insectos, tal co- guém a quem queria fazer mal (*armar o vul-
mo no tratamento da queda do cabelo (4 co- to). O presente de um alfinete significa amor
lheres de alfazema em grão fervida em vinho de um ano. Sonhar com alfinetes prognostica
tinto). Planta de virtude, utilizada em defuma- ofensas do próprio brio. Colocam-se alfinetes
douros, designadamente, às sextas-feiras, em nos caixões dos anjinhos e dos defuntos, em ge-
Lisboa, para contrariar a acção das feiticeiras. ral. Crê-se que alfinete utilizado em mortalha
de defunto, oculto num travesseiro, faz a alma
ALFENA do morto chamar a do vivo. Dois alfinetes
Localidade do concelho de Valongo (Porto), amarrados em cruz com linha preta trazem des-
que testemunhou (no dia 10 de Setembro de graça à residência em que hajam sido escondi-
1990, a partir das 8.30 horas e durante mais de dos. Como contrafeitiço preconiza-se urinar
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ALFITOMANCIA
ALFITOMANCIA
Sorte do pão de cevada, praticada a uma quarta
ou sexta-feira. Esconjura-se o pão, invocando
os demónios: «Eu te esconjuro com Barrabás e
com Caifás, pão [colocando a mão sobre o
pão], pela virtude que Deus em ti pôs que tu
me declares se [isto ou aquilo] há-de ser assim
ou não. Não me mintas que eu o hei-de saber»
[BN: cod. 862, fl. 19v]. Ver critomancia.
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ALHEIRA
ALGEBRISTA ALHEIRA
Também *curandeiro, *endireita, *soldador. Também *tabafeira. Enchido preparado sem
Trata fracturas e ossos deslocados em pessoas e recurso à carne ou à tripa de *porco. Criação
animais. Na região de Guimarães são conheci- dos cristãos-novos transmontanos que, com
dos os casos de *António Gomes, de Teive (ac- tal estratagema, se dissimulavam, iludindo a
tivo em 1644), de um algebrista de Sande (ac- vigilância do *Santo Ofício, para quem o fa-
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ALHO
brico de enchidos constituía actividade típica feitiços. Planta de virtude contra feiticeiras,
de cristão-velho. bruxas, vampiros e espíritos malignos em geral,
especialmente o obtido em dia de S. João. Crê-
ALHO -se que o seu cheiro é profiláctico, motivo por
Allium sativum, L. Provavelmente originário da que é vulgar pôr ao pescoço das crianças um
Ásia Central, encontra-se na China, Egipto e colar de dentes de alho (concomitantemente
bacia mediterrânica desde a mais remota anti- com um saquinho com *azeviche, uma meda-
guidade. Os antigos egípcios utilizavam-no co- lhinha religiosa e, no braço esquerdo, uma
mo remédio contra a tosse e constipações; os moeda que tenha uma cruz), colocá-los debai-
gregos mencionavam as suas virtudes tónicas, xo do travesseiro ou transportá-los no bolso
diuréticas, anti-sépticas, vermífugas, etc.; os (*amuleto). Uma réstia de alho em casa (pen-
árabes consideravam-no antídoto contra a raiva durada numa parede, nunca no tecto), protege
e mordeduras de serpente e escorpião. *Brás a saúde e afasta a má sorte. Quando aparecem
Luís de Abreu chama-lhe «valente medicina». É moras (manchas negras) no corpo, trinca-se em
cultivado como legume e como planta aromá- jejum um pedaço de alho e engole-se o çumbo;
tica e medicinal. É no bolbo que se encontram à noite faz-se o mesmo com cascalho peneirado
as propriedades terapeuticas. Contém óleo es- às avessas (com a peneira invertida) e as moras
sencial e aliína, composto sulfuroso que se de- causadas pelas meigas (bruxas) desaparecem.
compõe em contacto com o ar em alicina e alil- Sonhar com alhos é, de forma geral, sinal de
dissulfitos. Possui igualmente elevado teor em mau augúrio: comê-los indica a necessidade de
iodo. No uso interno, é antisclerosante e hipo- ter cuidados com a saúde, enquanto cheirá-los
tensor, bem como desinfectante intestinal, an- prognostica notícias; a sua plantação ou cultura
tiparasita, antigripal e colagogo. No uso exter- significa propriedade ou a descoberta de segre-
no, alivia as picadas de insectos, podendo, em dos. Dava-se o nome de Rezada do alho a uma
caso de utilização prolongada, provocar ecze- reza de padre-nossos e ave-marias, por Manuel
ma. De uma forma geral, é muito utilizado Domingos e Maria Domingos, que se realizava
quer na medicina caseira, quer pelas mulheres no adro da igreja da freguesia de S. João de Rei
de virtude: misturado com fermento lêvedo, (Póvoa de Lanhoso) na véspera e no dia de Na-
em emplastros, para a cura de abcessos, furún- tal: determinadas casas levavam uma caneca ou
culos, panarícios e tumores diversos; em fricção mais de vinho, broa de pão e cabeças de alho;
directa, sobretudo em jejum, seguido de uma cada participante recebia uma fatia de pão, um
oração, nas mordeduras de certos bichos (di- copo de vinho e uma cabeça de alho. Anexins e
zendo-se que corta o bicho, e de insectos (neste locuções: Em tempo nevado, o alho vale um ca-
caso misturado com azeite quente); em fricções valo; Onde alhos há, vinho haverá; Alho e pi-
para problemas de reumático, depois de algum menta o fastio ausenta; Esperta como um alho;
tempo infundido em álcool, bem como nas Vivo como o alho; Com alho e pão vive o ho-
gengivas em caso de dores de dentes; com azei- mem são; Alho com cascalho (diz-se contra as
te quente para massagens no ventre quando bruxas, em Melgaço).
existem dores; cru e ligeiramente esmagado,
em jejum, para irradicação das lombrigas e reu- BIBLIOGRAFIA RIBEIRO, Luís da Silva, O Alho, in Revista dos
mático; a cabeça ou dente de alho é usado ao Açores (1944), p. 189-198
pescoço das crianças ou em saquinhos presos
na roupa interior como amuleto destinado a ALHO-PORRO
afastar as influências nefastas. Em conjunto São-lhe creditadas virtudes medicinais e mági-
com saramago, mostarda, corno queimado, ga- cas, tal como ao *alho, possuindo o poder de
linhas e gatos pretos, bem como com certas re- afastar os espíritos malignos, os malefícios das
zas, era receitado pelas bruxas para esconjurar bruxas e o *mau-olhado. No Porto, considera-
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ALIMENTO
-se benfazejo bater com o alho-porro em al- Alta, para aliviar a dor, preconiza-se introduzir
guém durante a noite de *São João com o in- a zona picada em água quente.
tuito de atrair a sorte e a felicidade. O alho-
porro é usado no São João de Braga con- ALICRÁRIO
juntamente com o *manjerico. O mesmo que *alicranço.
ALIMENTO
ALIANÇA
O alimento não possui apenas uma faceta
1. Do hebraico, berith. Termo pelo qual a *Bí-
quantitativa, fisiológica, higiénica, social, eco-
blia designa o pacto celebrado entre Deus e o
nómica ou geográfica. Ele detém um sentido
povo hebreu. A teologia cristã refere-se a duas
plurinuclear e cultural, sendo indissociável de
alianças: A. a antiga, selada com o compromis-
um carácter superalimentar: manjares cerimo-
so de *Abraão, que teve como antecedentes o
niais, manducações e banquetes rituais e consa-
acordo entre Iavé e Noé, simbolizado pela ma-
grações alimentares. Sintomaticamente, Ho-
nifestação do *arco-íris (Genesis, IX, 8); B. a
mero distinguiu nos seus poemas as diferentes
nova, concretizada por intermédio de Jesus
raças não pelos seus caracteres somáticos ou pe-
Cristo e cujo símbolo é a *Eucaristia (Mateus;
la língua que usavam para se expressar, mas pe-
II Corinteos; Hebreus, VII, 22-26).
los tipos de alimentos que ingeriam: ictiófagos,
2. *Anel de casamento: é circular para simbo-
lotófagos, sitófagos, etc. A alimentação surge,
lizar a eternidade; de ouro para indicar nobre-
regra geral, associada ao percurso heróico ou
za; usa-se no quarto dedo (anular) da mão es-
iniciático do herói, permitindo, mediante a
querda, como já acontecia entre os romanos,
quebra de um tabú alimentar, resolver uma es-
os quais acreditavam existir nesse dedo uma
tagnação na mesma progressão. O episódio pa-
veia ligada ao coração. Quando um dos con-
radigmático é consignado pelo Genesis (IV, 22),
juges enviuva passa a usar no mesmo dedo a
no qual *Adão e Eva se apartam do mundo di-
aliança do consorte (cf. Etnografia Portuguesa,
vino ao comerem o *fruto proibido. Só o *je-
v. 3, p. 631).
jum (o alimento espiritual que suplanta o me-
BIBLIOGRAFIA MIRANDA, Abílio, Anel de casados, in Douro
ramente nutricional) lhes permitirá voltar a ter
Litoral, v. 5 (1942), p. 65-66 acesso à vida espiritual. Em tempos anteriores
ao cristianismo achava-se institucionalizado o
ALICANTE uso de levar alimentos aos sepulcros, prática
É surdo, do mesmo modo que a *bicha (*víbo- que sobreviveria, pelo menos, até ao séc. VI,
ra) é cega. Ambos são animais muito venenosos porquanto um cânone de São Martinho de
que, se na posse desses sentidos, não deixariam Braga (do II concílio de Tours) passou, dora-
ninguém vivo à face da terra (Mexilhoeira vante, a proibir tal costume que ocorria no dia
Grande). da cadeira de São Pedro (18 de Janeiro). As me-
sas em pedra existentes no exterior de algumas
ALICÓRNIO igrejas, casos de Paço de Sousa e Santa Eulália
O mesmo que *licórnio e *olicórnio. (Mafra) talvez estejam relacionadas com as
ofertas aos mortos inumados no *adro. Embo-
ALICRANÇO ra, actualmente, rara, a prática de se colocar di-
Umas vezes o lacrau, outras, o escorpião. Diz o nheiro e alimentos no caixão ainda perdura em
povo que a picada de alicranço faz «urrar um algumas regiões do norte. A Lei judaica impõe
boi» e «não tem hora nem descanso». Na Beira tabus rigorosos e certas normas de pureza ali-
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ALIMENTO
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ALINHAMENTO
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ALINHAMENTO
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ALÍVIO
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ALMA
devia rezar à Senhora do Alívio para que esta supostos discípulos do apóstolo *Santiago.
proporcionasse à parturiente uma boa hora. A Com tais relíquias apócrifas pretendeu um gru-
romaria do Alívio de Soutelo decorre anual- po de mouriscos, aparentemente animado pelo
mente no segundo e no terceiro domingos de médico, e provável inventor delas, Alonso del
Setembro, continuando a ser muito concorrida. Castillo, preencher um vazio de oito séculos na
sua história religiosa e influir na opinião públi-
BIBLIOGRAFIA BABO, Francisco de, Nossa Senhora do Alívio, ca a favor do islamismo, tão depreciado, sobre-
Porto, 1963; CÉSAR, Mário, Os Poveiros e o Santuário do Alí-
vio, em Soutelo (Vila Verde), Póvoa de Varzim, 1972 tudo após a sublevação das Alpujarras (1568--
1571). Títulos de alguns dos livros: Los grandes
ALJAMIA Mistérios que vio Santiago; Enigmas y Mistérios
Forma de escrita em língua castelhana, valen- que vio la Virgen; De la Esencia veneranda; Sen-
ciana, galega ou portuguesa, embora redigida tencias acerca de la Fe, Catecismo Mayor, Libro de
em caracteres árabes. Género literário clandes- la Certificación del Evangelio, etc. A polémica
tino, híbrido e críptico, porém igualmente sobre a autenticidade dos Livros Plúmbeos só se
doutrinal e proselitista. Transcreve rituais e encerrou em 1682, com a sua condenação por
doutrinas da religião muçulmana em risco de Inocêncio XI. Em 1740, teve lugar, em Gra-
se perderem, mas também textos de magia e nada, outra série de descobertas, dessa feita na
feitiçaria, receitas, prognósticos, etc. Uma das Alcazaba Cadima, tidas por alguns sacerdotes
dimensões mais curiosas da literatura aljamia- como a confirmação das invenções sacromon-
do-mourisca são as alguacias ou aljofores. tanas. É comum nos aljofores andaluzes a es-
perança da independência política e a crença na
BIBLIOGRAFIA LOPES, David, Textos em Aljamia Portuguesa:
vitória universal do Islão, graças ao auxílio de
documentos para a história do domínio Português em Safim, ex-
trahidos dos originaes da Torre do Tombo, Lisboa, 1897 turcos e magrebinos. O teatino D. Francisco de
Almeida invoca os Livros Plúmbeos do Sacro-
ALJOFOR monte para alicerçar a sua tese sobre a vinda do
O mesmo que *alguacia. Profecia mourisca re- apóstolo Santiago à Hispânia (cf. Apparato para
digida em pleno séc. XVI, muito embora pre- a Disciplina e Ritos Ecclesiásticos de Portugal, Lis-
tensamente centenária. Os aljofores mais famo- boa Ocidental, 1735-1737, 4 vols.).
sos, geralmente escritos em *aljamia ou em ára-
be, são os Livros Plúmbeos ou Tábuas de chumbo BIBLIOGRAFIA BARALT, Luce López, El Oraculo de Mahoma
do Sacromonte (Granada): conjunto de 22 lâmi- sobre la Andalucía musulmana de los Últimos Tiempos en un
nas circulares de chumbo, muito delgadas e de manuscrito Aljamiado-morisco de la Biblioteca Nacional de
Paris, in Hispanic Review (Inverno 1984), p. 41-57; CABA-
dimensões próximas das de uma hóstia, redi- NELAS, Darío, El morisco granadino Alonso del Castillo,
gidas em letras «hispano-béticas» e «salomóni- Granada, 1965; CARMELO, Luís, Islão e Mundo Cristão: a
cas», de facto caracteres árabes angulares (para diferença entre os fins anunciados, in Islão e Mundo Cristão,
Lisboa, 2001, p. 7-55; idem, As Profecias do Manuscrito 774
aparentar antiguidade) e em latim tosco, des- da Biblioteca Nacional de Paris, in A Viragem Profética,
cobertas, na Torre Turpiana da abadia do Mon- Mem-Martins, 2005, p. 63-154; GANDRA, Manuel, J.,
te de Valparaíso (doravante denominado Sa- Dicionário do Milénio Lusíada: Impérios do Divino,
Sebastianismo e Quinto Império, v. 1, Lisboa, 2003 (s. v.);
cromonte), extramuros de Granada, no ano de idem, Glossário do Milenarismo Islâmico-Mourisco, in
1595. A revelação deste tesouro fora prognos- Newsletter do Centro Ernesto Soares de Iconografia e Simbólica,
ticada por um pergaminho atribuído a El-Me- n. 23 (26 a 29 Mai. 2005); GODOY ALCÁNTARA, José,
Historia de los falsos cronicones, Madrid, 1868, p. 44-128;
riní, famoso autor granadino de aljofores, cujo GOMEZ DE LIAÑO, Ignacio, Los Juegos del Sacromonte,
achado ocorrera no dia de *São Gabriel (18 de Granada, 2005; HAGERTY, Miguel José, Catálogo del
Março) de 1588. Remontariam alegadamente Archivo Secreto de Cuatro Llaves en La Abadía del Sacromonte:
ao séc. I, tendo sido creditadas a Tesifón Eb- exposición artístico-documental. Estudios sobre su significación
y origen, Granada, 1974, p. 73-82; idem, Los Libros Plúm-
natar e a seu irmão Cecilio Ebnalrabi (São Ce- beos del Sacromonte, Madrid, 1980; KENDRICK, Thomas,
cílio, patrono e evangelizador de Granada), Saint James in Spain, Londres, 1960
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ALLAN KARDEC
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ALMA
ALMA
Consoante as religiões, ou os sistemas filosófi-
cos que a admitem, o conceito de alma assume
diferentes acepções: sombra (ba, egípcio), alen-
to ou princípio vital (ka, egípcio; psique, dos
gregos; pneuma, helenístico; nefesh ou alma
inata do judaísmo clássico; nafs, alcorânico),
consciência (ab, egípcio; neshamah ou centelha
divina do judaísmo clássico), sopro divino
(ruah ou espírito do judaísmo clássico; ruh, al-
corânico), realidade imaterial (akh, egípcio),
etc. Assim, os pitagóricos admitem que a alma,
sob a forma de psique, perambula de existência
em existência (assumindo a forma de qualquer
ser vivo, inclusive animal), numa sucessiva
*metempsicose; os platónicos destacam a natu-
reza espiritual e inteligível da alma, enquanto o
As almas dos eleitos transportadas para o céu por anjos:
aristotelismo sublinha a realidade da alma co- iluminura atrib. a Simão de Bening, do Livro de Horas
mo forma ou princípio do ser vivo. Os epicu- de Holford (Bruges, ca. 1526) [MCG:LA 210].
ristas e, até certo ponto, os estóicos conside-
ram-na constituída por uma matéria mais «fi- edificar nichos ou alminhas nas encruzilhadas,
na» e «subtil» que todas as restantes. *Santo com o intuito de apaziguar essas almas de for-
Agostinho, rejeitando a concepção de alma co- ma que elas não assombrem as casas onde resi-
mo entidade material, atribui-lhe o carácter de diram ou se introduzam no corpo dos familia-
intimidade pessoal. Para Maimónides, em par- res e vizinhos (*possessão). Crê a piedade po-
te influenciado por Averróis, a alma humana pular que há três espécies distintas de almas: A.
não é puramente imaterial, porquanto compos- as dos justos, ou fiéis de Deus, que quando o
ta de matéria e forma. Já São Tomás de Aqui- corpo morre se despegam e vão gozar as bem-
no, esforça-se por estabelecer um elo entre as -aventuranças eternas; B. as almas boas que,
ideias de alma como subjectividade e intimida- por alguns pecados cometidos, aguardam nas
de e como enteléquia. A tradição agostiniana campas o respectivo resgate; levantam-se ao
seria retomada por Descartes, culminando em toque das almas (nove badaladas do sino da
Malebranche, segundo quem a alma apreende igreja, i. e., 21 horas); respeitam as encomenda-
o mundo directamente de Deus («vemos todas ções que por elas forem feitas; abandonam os
as coisas em Deus»). A noção de alma adoptada sepulcros apenas para pedirem missas pelo seu
pela piedade popular não coincide com o con- eterno descanso; C. as almas más que vagueiam
ceito que formou dela o catolicismo institucio- sem rumo, permanecendo errantes, «por ares e
nal, fundando-se na crença da errância da alma nuvens», por toda a eternidade. Às segunda e
(*alma penada) e no receio que resulta da von- terceira categorias pertencem as almas penadas,
tade dos mortos em querer permanecer junto designadamente as que se apossam dos vivos.
dos vivos, continuando a frequentar a comuni- Por seu turno, a igreja católica sustenta a pos-
dade a que pertenceram, donde o costume de sibilidade da alma humana se encontrar num
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ALMA
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ALMA-GÉMEA
ALMA DE MESTRE
Procellaria pelagica, L. Ave que produz pios que
os marítimos creem ser os lamentos das almas
dos mestres ou capitães dos navios perdidos, os
quais andarão naquele fadário enquanto o seu
corpo não der à costa e não lhe for dada
sepultura (cf. Leite de Vasconcelos, Tradições do As Quinas das Armas Portuguesas antes e depois da
povo português, p. 164). «operação de endireitar o escudo» (1482).
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ALMA PÉGÃ
homícida até a espinha deste se partir. No lhões (*fantasma), porém não projectando
Minho há a crença de que a alma de alguém qualquer sombra, sinal de que se trata, com
morto longe de casa ou durante o sono vagueia efeito, do resíduo fluído de um corpo. Muitas
durante a noite, despedindo-se dos vivos e vezes introduz-se nos corpos das pessoas
tocando-lhes suavemente. O *pirilampo é uma (*morto-vivo, *encosto ou *apoquentação), co-
alma pégã, i. e., do outro mundo, em Santiago municando pela boca do *possesso (o qual,
de Piães e São Cristóvão de Nogueira. *Alma além de assumir trejeitos e expressões orais pró-
penada, *fantasma, *fogo-fátuo. prios do defunto, incha desmedidamente) o
que deseja que se faça para deixar de penar. Al-
BIBLIOGRAFIA FAZENDA JÚNIOR, Crenças e Superstições, in gumas almas penadas transformaram-se em ce-
Tradição, v. 2 (1900), p. 172 lebridades locais ou regionais, em virtude das
suas características idiossincráticas. Narram su-
ALMA PÉGÃ cessos clássicos: Suetónio (Vida de Calígula);
*Alma do outro mundo (Santiago de Piães e Júlio Obsequens (Os Prodígios); Plutarco (Vida
São Cristóvão de Nogueira). de Cimone); Plauto (A comédia do fantasma);
Luciano (Os amantes da mentira); porém, o ca-
ALMA PENADA so mais divulgado e paradigmático da antigui-
O mesmo que alma depenada, i. e., uma alma dade foi narrado por Plínio (Epístola VII). Em
à qual, dada a gravidade dos factos de que é certas regiões é aconselhado: A. a atirar milho
acusada, nem Deus, nem o diabo se dignaram miúdo (ou painço a um rio) que as almas pe-
infligir uma pena. Também *abujão, *alma do nadas tentam apanhar, abandonando a perse-
outro mundo, *aparição, *avejão, *fantasma, guição aos vivos, indo degredadas «tantos anos,
*morto-vivo, *visão, etc. Alma de alguém mor- quantos os graeiros» (Leite de Vasconcelos,
to de forma violenta (enforcado, assassinado ou Tradições do Povo Português, p. 301-302); B. a
acidentado), sem restituir o que lhe competia não aproximar fogo de qualquer local onde se
(culpas ou dívidas), cumprir promessa feita, ter encontre um cadáver, porque este poderá se-
algum pecadilho escondido em artigo de morte guir a chama; C. quando passa um enterro, às
à absolvição do confessor (Madeira), ou relati- pessoas que se encontram deitadas, ainda que
vamente a quem não foi convenientemente se- doentes, se levantem, pois, de outro modo, a
guido o ritual fúnebre, por ausência do sacer- alma do morto atrairá as suas. No Minho, na
dote, por exemplo. A alma poderá perseguir noite de consoada, não se levanta a mesa para
quem não praticar o rito de separação que con- que venham as almas dos mortos, pondo-se,
siste em atirar um punhado de terra sobre o inclusivamente, um talher para o morto. Nos
caixão quando este se encontra na sepultura, Açores, são preconizadas esmolas a um número
por exemplo. Impedida de entrar no céu ou no impar de pobres. Na Madeira, para libertar as
Purgatório, a alma penada vagueia neste mun- almas de alguma promessa por cumprir diz-se
do, implorando a algum amigo ou parente que «Se é sinal de morto, venha outro!»; enquanto
faça a devolução da coisa roubada, o cumpri- para para afastá-las se prescreve a aspersão com
mento de alguma promessa, a reparação de um *água-benta, o credo rezado em cruz, a fumi-
crime, etc. Manifesta sempre o comportamen- gação com alecrim ou a benção da casa, fazen-
to e as atitudes que caracterizavam a personali- do o sinal da cruz nas quatro direcções, com
dade a que corresponde. Aparece em lugares «uma faca de aço que sirva para matar porcos».
determinados (preferencialmente em encruzi- K-Sal, aliás António Casal Ribeiro, regista uma
lhadas e junto a locais onde exista ou corra tradição de Paço de Ilhas (Santo Isidoro, Ma-
água), a horas mortas, com a forma corpórea fra), que associa as corujas às almas dos incine-
que tinha em vida, como vulto negro ou espec- rados na necrópole romana que se sabe ter exis-
tro vestido de branco e arrastando pesados gri- tido ali. Locuções: Requerer uma alma (= decla-
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ALMA DA RAÇA
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contexto das nações ocidentais. Numa das suas ginal castelhano de André de Li e editado por
esculturas Barata Feyo personifica A Raça sob a Valentim Fernandes. No último quartel de qui-
aparência de guerreiro alado. nhentos a censura inquisitorial passaria a sujei-
tar os almanaques a apertada vigilância. Ainda
BIBLIOGRAFIA STEINER, Rudolf, Âmes des Peuples: la mission assim, o carácter astrológico dos almanaques
des âmes de quelques peuples dans ses rapports avec la mythologie
germano-nordique, Paris, 1973
acentuar-se-ia, chegando a ser impressos por
oficinas famosas grande número de Prognósticos
ALMADA, JOSÉ LOPES BAPTISTA DE e Lunários. Na centúria seguinte, a difusão das
Natural de Chaves, autor de Prendas da adoles- folhinhas e dos prognósticos era de tal modo
cência ou Adolescência prendada com as Prendas, significativa que diversas personalidades (padre
Artes e Curiosidades mais úteis, deliciosas e esti- Diogo Tinoco da Silva, o livreiro Pedro Vilela e
madas em todo o mundo (Lisboa, 1749 [BN: SA o filho deste) e a Congregação do Oratório
363 A]), obra com referências a técnicas e tru- chegaram a disputar os direitos da sua impres-
ques do *ilusionismo. são. No ano de 1704, o supramencionado sa-
cerdote havia de adquirir tal prerrogativa, a
ALMAJONA qual transitaria para os Oratorianos, em conse-
O mesmo que *amazona. Na freguesia de San- quência do ingresso do padre Tinoco na Con-
tiago da Cruz (Famalicão) crê-se que uma gregação. Em 1734, um almanaque editado
*alma penada pode manifestar-se sob a forma por *Cosme Francês (pseudónimo do benediti-
de almajona ou *armajona, mulheres muito al- no frei Vitorino José da Costa ou Vitorino de
tas e magras. Leite de Vasconcelos chama-lhe Sousa Gertrudes) introduz a sátira dos costu-
*almazona, descrevendo-a como uma mulher mes sociais nos almanaques. Do acervo da bi-
muito alta e gorda que deita o filho para traz blioteca da Academia das Ciências de Lisboa
das costas, assim o alimentando. fazem parte 29 volumes (Almanaques da Acade-
mia) compilando almanaques e lunários edita-
ALMANAQUE dos entre 1782 e a primeira metade do século
Conjunto de tábuas matemáticas por vezes XIX. Doravante, assumiriam características di-
acompanhadas por predições de natureza polí- ferenciadas (tornando-se amiúde temáticos e
tica, atmosférica ou relacionadas com a agricul- institucionais) consoante os destinatários.
tura, registando condições astronómicas e as-
trológicas futuras. Os almanaques têm certa BIBLIOGRAFIA ALBUQUERQUE, Luís de, O Almanaque
afinidade com as efemérides, as quais apresen- português de Madrid, in Revista da Universidade de Coim-
bra, v. 20 (1961); idem, Almanaques, in Dicionário de His-
tam tabelas com as posições dos planetas e tória de Portugal, Lisboa, 1971; BENSAÚDE, Joaquim,
pontos nodais, tábuas de estrelas com as respec- L’Astronomie nautique au Portugal à l’époque des grandes
tivas coordenadas equatoriais, juntamente com découvertes, Berna, 1912; COSTA, A. Fontoura da, A Ma-
rinharia dos Descobrimentos, Lisboa, 1960; DACIANO,
dados astronómicos e tábuas de casas, bem co- Bertino, Retalhos de investigação etnográfica: o Tempo e os
mo indicações sobre a conversão de calendá- Almanaques do povo, in Bol. da Bib. Pública Municipal de
rios, etc. O primeiro almanaque redigido em Matosinhos, n. 1 (Setembro de 1954), p. 5-14; GUER-
REIRO, Manuel Viegas / CORREIA, J. David Pinto, Al-
português, muito embora traduzido do latim, manaques ou a Sabedoria e as Tarefas do Tempo, in Revista
intitula-se Almanaque perdurável para achar os do Icalp, n. 6 (Ago.-Dez. 1986), p. 43-52; QUEIRÓS, Eça
lugares dos planetas nos signos (cerca de 1321). de, Almanaques (introdução ao 1º volume do Almanaque
Enciclopédico), in Notas Contemporâneas, v. 2, Porto, s. d.,
Gomes Eanes de Zurara refere-se aos almana- p. 1629-1645; RADICH, Maria Carlos, Almanaque –
ques na Crónica da Tomada de Ceuta (cap. 58). Tempos e Saberes, Coimbra, s. d.; SOARES, Ernesto, Al-
O primeiro, impresso, datado com segurança manaques, prognósticos, Lunários e Sarrabais do século
XVIII em Lisboa, Lisboa, 1946; TINHORÃO, José Ra-
(Leiria, 1496), foi o Almanach Perpetuum de
mos, Os almanaques de prognósticos em «língua de negro» no
Abraão Zacuto. Seguir-se-lhe-ia, em 1518, o século XVIII, in Os negros em Portugal: uma presença silen-
*Reportório dos Tempos, traduzido de um ori- ciosa, Lisboa, 1988, p. 206-217
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ALMAS DO PURGATÓRIO
ALMAS DO PURGATÓRIO
Estampa romântica alusiva às conquistas amorosas de O *Purgatório foi definido e proclamado como
Almançor. dogma por vários concílios (II de Lião, em
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ALMAS DO PURGARTÓRIO
relativa à inscultura sofreu uma mutação, prefe- BIBLIOGRAFIA BEIRANTE, Maria Ângela G. V. da Rocha, As
«heranças das almas» na diocese de Évora nos inícios do século
rindo alguns dos habitantes do lugar atribuí-la XVI, in Actas do Congresso de História no IV Centenário do
a um castelhano invasor que se viu obrigado a Seminário de Évora, Évora, 1994, p. 105-117; CARVALHO,
desistir do saque da aldeia em consequência de A.L. de, Da minha terra: Almas do outro mundo, in Portucale,
um voto feito pelos moradores às Almas do v. 7 (1934), p. 31-35; CHAVES, Luís, Na Quaresma: os cantos
populares na colaboração litúrgica, in Revista Portugal série A –
Purgatório, durante as guerras de 1710. *Almi- Língua Portuguesa, v. 5 (1937-39), p. 329-337; idem, Nos
nha, *caminho das almas, *cordão de S. Fran- domínios da etnografia e do folclore, in Revista Ocidente, v. 7
cisco, *encomendação das almas, *grito das al- (1939), p. 439-445; 47 (1954), p. 230-236 [Refeições fúne-
bres: obradas, obradórios, padas, tenos, etc.]; CORREIA,
mas, *herança das almas. Torcato Augusto, Edículas de Vilarelho, in Caminiana, n. 5
(1981), p. 173-178; CORTES-RODRIGUES, Armando,
Cantar às Almas, in Revista dos Açores, v. 3 (1942), p. 17-35
[Ref. aos Açores]; DIAS, Jorge / DIAS, Margot, A recomenda
das almas como elemento cultural da área luso-brasileira, in
Douro Litoral, s. 7, v. 3-4 (1956), p. 265-272; GONÇALVES,
Flávio, Os Painéis do Purgatório e as origens das «Alminhas» po-
pulares, in Boletim Cultural da Câmara Municipal de Matosi-
nhos (Jun. 1959), p. 71-107; idem, Reflexos iconográficos de
uma devoção portuense, in O Tripeiro, s. 6, a. 3, n. 7 (Jul.
1963), p. 197-201; LOUBET, Emílio, Às almas, in Douro Li-
toral, s. 2, v. 5 (1946), p. 66-67 [Menção do costume da en-
comendação das almas, em Vila Real]; MACHADO, Casimi-
ro de Morais, Subsídios para a história do Mogadouro – o culto
das Almas – Usos e crença, in Douro Litoral, s. 7, v. 5-6 (1956),
p. 501-522; NUNES, M. Dias, O Canto das Almas, in Tradi-
ção, v. 3 (1901), p. 26-27 [culto das almas, nos concelhos de
Alcoutim, Serpa, etc.]; OLIVEIRA, Maria Gabriela Gomes,
Uma irmandade «volante» do século XVIII: o folheto «Lágrimas
das Almas», in Revista da Faculdade de Letras – Línguas e Lite-
raturas –, s. 2, v. 18 (Porto, 1992), p. 349-354; OLIVEIRA,
Maria Gabriela Gomes, Devoção às almas do Purgatório e di-
namização da vida espiritual dos fiéis, in Eborensia, a. 8, n. 15-
-16 (Évora, 1995), p. 111-130; P.L., Superstições: o banho da
alma, in Tradição, v. 1 (1899), p. 15; PIEDOSOS E FIEIS
CHRISTÃOS, Petição que fazem as Almas do Purgatório aos
Fieis, pedindo-lhes o socorro dos suffragios, [s. l., s. d.]
[BPNMafra: Bib Volante: 2-25-8-22 (26º)]; ROA, Padre
Martim de, Estado das almas do Purgatório, e do modo com que
podem e devem ser ajudadas a sahir de suas penas […], Lisboa,
1701 (trad. Guilherme de Aguiar Azevedo [BN: R 10021 P]);
Painel das Almas da igreja de Santo Antão, em Évora. SIMÕES JÚNIOR, Manuel Rodrigues, A encomendação das
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Almas em Arouca, in Actas do 1º Congresso de etnografia e Fol- pretençiones y de esto rescebian dineros, perni-
clore, v. 3, Lisboa, 1963, p. 267-270; VASCONCELOS, J.
Leite de, Fontes, in Boletim de Etnografia, v. 3 (1924), p. 29-
les y muchas botas de vino y otros regalos [...]»
30 [Ref. a uma fonte da Figueira da Foz e menção de outras, [ArqHistNacionalMadrid: Inq. Toledo, Causa
em Loures, onde as almas do Purgatório são quase considera- contra Juan Ramirez por astrologo judiciario
das divindades tutelares]; VILARES, João, Encomendar as al-
(1604-1622)].
mas, in Mensário das Casas do Povo, v. 4 , n. 44 (1950), p. 20-
-21 [a encomendação das almas na região bragançana].
ALMEIDA, JOÃO FERREIRA A. DE (1628-1691)
ALMAZONA Uns, ora o dizem jesuíta, ora presbítero secular,
O mesmo que *amazona, *almajona ou *arma- outros chamam-lhe *apóstata, acrescentando
jona, em Gondifelos (Famalicão). que partiu para a Holanda onde se fez adepto
de Calvino. Seja como for, a ele se deve a
ALMEIDA, ANA DE primeira tradução portuguesa do Novo
Em Tavira, no ano de 1684, dizia-se que esta Testamento, segundo o texto grego, tal como a
*feiticeira era capaz de fazer aparecer «as coisas do Antigo Testamento, a partir do original
perdidas» [Arquivo Episcopal de Faro: liv. III, hebraico, até aos últimos capítulos de Zequiel,
devassa de Tavira, t. 160]. tarefa posteriormente concluída por Jacob Op
Den Akker, devido à morte de Almeida.
ALMEIDA, ANDRÉ DE
Saíu penitenciado no *auto-da-fé da Inquisição OBRA Differença d’ a Christandade em que claramente se mani-
festa. I. A grande Disconformidade entre a Verdadeira e Antiga
de Coimbra, de 18 de Junho de 1656, por Doctrina de Deus, e a falsa e nova d’ os homes. II. A notoria
presunção de pacto com o demónio e culpas de
feitiçaria (cf. Adolfo Coelho, Crenças e costumes
populares).
ALMEIDA, DAMIÃO DE
*Alforria.
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«Confesso disto ter tido livros em Paris. Aqui não, porque os não trouxe, nem quis estudar mais nisso! […].
Confesso mais ter tomado a mão a muitas pessoas para lha ver e dizer alguma coisa. E disto direi
claramente a Vossas Senhorias. E a Vossas Mercês o que disse me ensinaram. Confesso mais ter dito que
segundo os planetas estavam dispostos no céu quando uma criança nascia assim acontecer às vezes que eles
saíssem formosos ou feios. E com as boas ou más fortunas isto não ia por sua virtude deles próprios porque
eles não são mais que criaturas, senão pela virtude que Deus neles quisera pôr como noutras coisas. […]
mais disse que havia aí anéis que se faziam com certos caracteres de planetas que eram bons para algumas
coisas, mas tais anéis nunca tive. Digo minha culpa que cria isto assim ligeiramente que poderia ser não
que o tivesse por evangelhos porque nunca disso fiz nem vi experiência. Confesso mais que aqui [em Por-
tugal] tendo-me desaparecido um cruzado de sobre uma mesa me veio dizer um francês meu [conhecido]
que aqui estava outro que com um livro e uma chave com certas cerimónias sabia logo quem era o que
furtara qualquer coisa. Mandei-o chamar e fê-lo perante mim. E depois de o ele fazer mo ensinou logo e
o fiz eu mesmo aí perante todos».
(declaração autógrafa entregue na audiência de 13 de Setembro de 1550)
«[…] creu que se podiam por a mão conhecer coisas futuras e acontecimentos que haviam de vir aos ho-
mens e porém que isto que o não juraria aos evangelhos. […] creu que fazendo uma pergunta a um astró-
logo e ele tomando a figura do céu e lugares dos planetas que se podia adivinhar o que viria a resposta da
pergunta e que ele mesmo usou disto e a pergunta foi se viriam umas pessoas a Paris e daí a quanto viriam
e que feita a figura disse que viria e seria daí a três meses e que para acerto sucedeu assim. […] creu que se
faziam sigilos e anéis com certos caracteres e em certas constelações dos planetas que aproveitavam para
certas coisas».
(interrogatório de 18 de Setembro de 1550)
«[…] tinha para si e cria que depois que acontecia uma coisa como era aquele moço fidalgo que morreu na
água o dia dos torneios e cair um corisco e assim a sua prisão dizer que isto que não podia deixar de ser
pois aconteceu, a razão era porque Deus que sabe tudo, sabia que estas coisas haviam de vir e pois o ele sa-
bia a sua ciência não pode enganar e assim não podia deixar de ser. Confesso que cria que havia aí poder
de adivinhar parte das fortunas pelo nascimento. E eu mesmo me aconteceu dizer quando minha cunhada
pariu que sua filha havia de ser muito formosa e muito rica e de boas condições, porque a estrela a que se
chama Júpiter estava então no meio do céu. E me parecia que não era isto pecado, pois o santo padre antes
deste [Paulo III], como todos dizem, tinha astrólogos pelos quais se regia».
(interrogatório de 22 de Setembro de 1550)
«[…] era lembrado que a ele lhe emprestaram um livro em Paris que tratava do sigilo e imagens dos plane-
tas, as quais feitas em certos tempos diziam que prestavam para algumas coisas e ele cuidando que podia
isto ser, não já que o cresse porque não tinha nenhuma experiência, fez tresladar parte do livro mas nunca
disso usou nem experimentou. Nem tão pouco trouxe consigo o que mandou tresladar. Nem o guardou.
Nem o mandou guardar. […] era lembrado que em Paris um homem estudante lhe ensinou uma coisa que
ele dizia que era ciência dos pontos e lhe ensinou a fazer uns pontos dos quais se seguiam umas figuras pe-
las quais figuras assim como elas saiam dizia que se podia julgar e responder se viria bem ou mal de uma
coisa e dava razão para isto (quia omne quod movetur, movetur a prima causa), o qual ele Dom Lopo
aprendeu dele e fez os pontos e que cuidou que isto podia ser mas que achou mentira a experiência que
disso tomou».
(interrogatório de 7 de Outubro de 1550)
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O cromeleque dos Almendres foi concebido e implantado de acordo com determinados eventos celestes e em função da
interacção destes com elementos topológicos específicos (alinhamentos e pontos de mira). Esquema das relações entre
monumentos, festos e orientações lunares e solares (consoante o modelo proposto por Pedro Alvim, 2004).
de simetria do cromeleque, tal como se observa 91 dias até ao solstício e, novamente, 91 dias
na actualidade, confunde-se com o eixo maior até novo equinócio. Fazendo corresponder um
da elipse, medindo 43,60 m, por 32 m, segun- monólito a cada dia, o monumento seria per-
do o eixo menor. A parte superior do recinto, corrido duas vezes entre duas passagens equi-
sobre a linha de cumeada (onde o céu e a terra nociais, perfazendo um total de 182 dias. Nos
se unem), é enfatizada pela circunstância de os anos bissextos ocorreriam dois períodos de 183
monólitos diminuírem de envergadura à medi- dias, circunstância que requeria alguns monóli-
da que o terreno desce para nascente. Trata-se tos adicionais (mais de 120 para os actuais 93).
do maior e mais interessante recinto megalítico Tais fenómenos eram calculados com recurso a:
do género conhecido na Península Ibérica, in- A. alinhamentos de menires usados como mar-
dubitavelmente, estruturado de acordo com cadores, situados tanto no interior como no ex-
eventos celestes e com a paisagem. A sua orien- terior do recinto; B. grandes monólitos isola-
tação segundo direcções equinociais testemu- dos, mais ou menos distanciados, porém visí-
nha a finalidade dos respectivos edificadores de veis (menires de Vale de Cardos 2 e do Monte
determinarem com exactidão o trânsito equi- dos Almendres); C. pontos de referência natu-
nocial do Sol, cujo sistema de cálculo estará, rais situados a grande distância (Serra de Ossa);
porventura, implícito na estruturação do recin- D. monólitos de faces aplanadas, direccionados
to: após o trânsito equinocial do Sol decorrem para um ponto de mira. Nos Almendres, diver-
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Direcções astronómicas do cromeleque dos Almendres, Nos Almendres, diversos menires ostentam insculturas,
segundo Alvim (1997). algumas evidenciando cariz astral ou função astrolátrica.
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sos menires ostentam insculturas, algumas evi- titui o ponto de avistamento do pôr do Sol. Por
denciando um óbvio cariz astral. As superfícies sua vez, se observado a partir do monólito
aplanadas, que lhes servem de suporte, foram- truncado, o menir do foco da elipse marca o
no após a erecção dos monólitos, uma vez que, nascer do Sol dos equinócios. Acresce ainda a
além de parte dos fragmentos cortados subsis- circunstância de a latitude do cromeleque dos
tirem junto de alguns deles, apresentam textura Almendres (38º 56’ N) praticamente coincidir
e pátina diferente das restantes superfícies com uma das duas direcções de observação da
(adopto a numeração dos monólitos usada em Lua mais próximas do valor máximo da elon-
Alvim, 1997, p. 16): Menir n. 1: estela-menir: gação (declinação máxima) daquele astro no
superfície aplanada, com face antropomórfica, seu ciclo de 18.61 anos, quase coincidindo o
associada a motivo lunular, dirigido para outro valor da elongação máxima lunar com a
Sudeste; Menir n. 5: Covinhas, porventura des- latitude do monumento de Stonehenge (51º
tinadas a marcar com precisão o azimute da 18’ N)! Resulta isto da circunstância de, em
passagem equinocial (por extensões de 100 virtude do seu movimento aparente, o nascente
metros); Menir n. 48: representação antropo- e o poente da Lua ocorrerem em direcções que
mórfica esquemática; Menir n. 56: estela-me- variam entre um mínimo e um máximo desvio
nir: superfície aplanada, com face antropomór- relativamente a uma linha Leste-Oeste (elonga-
fica, associada a motivo lunular; Menir n. 57: ção). Estes máximos variam de mês para mês e
treze báculos insculturados; Menir n. 58: situa- de ano para ano, no decurso do ciclo lunar de
do na extremidade Norte do eixo menor do re- 18.61 anos, de tal modo que o valor máximo
cinto, ostenta três discos associados a linhas on- para a elongação (E) depende da latitude do lu-
duladas verticais; Menir n. 64: insculturas figu- gar de observação (L) e da declinação máxima
rando círculos e raquetes; Menir n. 65: estela- da Lua (D), a qual se calcula adicionando a
menir: superfície aplanada, com face antropo- inclinação da sua órbita à inclinação da
mórfica, associada a motivo lunular; Menir n. eclíptica, de acordo com a fórmula: sen D = sen
76: estela-menir: superfície aplanada, com face E x cos L. Ora para cada objecto celeste parti-
antropomórfica, associada a motivo lunular e a cular, ou para cada posição particular de um
báculo; Menir n. 80: grandes círculos, actual- corpo celeste de declinação variável, esta equa-
mente orientados para poente; Menir n. 91: ção tem duas soluções, de tal modo que a elon-
apenas vestígios de insculturas. As posições gação E iguala a latitude L sempre que a decli-
relativas do cromeleque e do menir do Monte nação seja inferior a 30º. Nos casos em que os
dos Almendres, distante do recinto 1360 me- valores da declinação sejam superiores a 30º, a
tros para Nordeste, denotam «claro significado equação em causa é insolúvel. Porém, se nesta
astronómico», consoante a opinião de alguns equação se se atribuir a D o valor de 29º17’,
arqueoastrónomos. Se observado a partir do correspondente à declinação máxima possível
menir do Monte dos Almendres, o cromeleque da Lua cerca de 1500 a. C., as duas soluções
dos Almendres acha--se sobre a linha do hori- coincidirão com as latitudes 38º55’ e 51º44’,
zonte, definindo ambos os monumentos um muito próximas das reais dos Almendres
eixo praticamente coincidente com o poente (38º56’ N) e de Stonehenge (51º18’ N), res-
do Sol no solstício de Inverno (ou nascente do pectivamente. Esta segunda solução coincidirá
Sol no solstício de Verão), definido pelos mo- exactamente com a latitude real de Stonehen-
nólitos 95, 44 e 64. O monólito truncado, ge, se se atribuir a L o valor de 51º18’, isto é, o
com covinhas na face horizontal, situado prati- máximo da declinação correspondente a 2000
camente na extremidade Oeste do eixo maior a. C. Durante as diferentes prospecções realiza-
coincide com o pôr do Sol do equinócio, se ob- das e os trabalhos arqueológicos sistemáticos,
servado desde o monólito situado no foco leste que decorreram em 1986-1990 e 1995-1997,
da elipse média, que, consequentemente, cons- foram detectadas mós dormentes associadas
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ALMINHAS
aos menires 36, 45 e 57 (cf. Tradições da Coimbra, 1971, p. 151-162; SANTOS, M. Farinha dos, Pré-
história de Portugal, Lisboa, 1972, p. 55-65; VICENTE,
Moagem – Exposição, Évora, 1995, cap. IV: Eduardo Prescott / MARTINS, Adolfo da Silveira, Menires de
Reutilização simbólica de Pedras-mós), tendo Portugal, in Ethnos, v. 8 (1979), p. 127, n. 81; ZBYSZEWSKI,
sido identificados, a cerca de 150 m a nascente G. / FERREIRA, O. da Veiga / SOUSA, H. Reynolds de /
NORTH, C. T. / LEITÃO, M., Nouvelles Découvertes de Cro-
do cromeleque, dois povoados atribuídos ao
melechs et de Menhirs au Portugal, in Comunicações dos Serviços
Neolítico Antigo (V milénio a. C.). O menir Geológicos de Portugal, v. 61 (1977), p. 63-73
do Monte dos Almendres (Imóvel de Interesse
Público e ZEP: decreto 735/74 de 21 de ALMINHAS
Dezembro) é um monólito de granito por- Oratório ou nicho (mais raramente, cruzeiro),
firóide, actualmente implantado à cota 350 m erguido ao ar livre, em honra das almas dos
(menos 60 m do que a cota máxima do crome- mortos. As alminhas abrigam um painel ou re-
leque). Encontrava-se tombado quando foi tábulo com a representação do *Purgatório em
identificado, em 1964, por Henrique Leonor cujo fogo purificador se debatem as almas que
Pina, presumindo-se que tenha sido reerguido inspiraram o diminutivo (sempre proferido e
numa posição próxima da primitiva (ca. de 25 grafado no plural), assistidas por entidades ce-
m a Sul, no local onde se acham os silos da lestes protectoras: Virgem (Nossa Senhora das
propriedade). Mede cerca de quatro metros de Dores, do Rosário, do Carmo, etc.) e a inter-
altura, tem cariz fálico, apresentando um *bá- cessão do Arcanjo São Miguel, ambos acolita-
culo insculturado próximo do topo e sobre- dos pelo Padre Eterno, Santíssima Trindade,
posto a linhas serpentiformes. Senhor dos Passos, Santo António e São Sebas-
tião, entre outras. As alminhas são vulgares nas
BIBLIOGRAFIA ALVIM, Pedro / FONSECA, Nuno / HÉBIL, encruzilhadas e bermas de estrada, colocadas
Pedro, Sobre alguns vestígios de paleoastronomia no cromeleque
de Almendres, in A Cidade de Évora, s. 2, n. 2 (1996-1997), p. nos locais de transição entre as zonas habitadas
5-23; [ANÓNIMO], in Comércio do Porto (13 Jan. 1968); (consagradas pela presença humana) e as desa-
CALADO, Manuel, Aspectos do megalitismo alentejano, in O bitadas (perigosas). As pessoas que passam de-
Giraldo (Jul.-Ago. 1990); CALADO, M., Cromelechs alente-
janos e Arte Megalítica, in Brigantium, v. 10 (1997), p. 289-
positam dinheiro na caixa das colectas ou dei-
297; CALADO, Manuel / ROCHA, Leonor, Neolitização do xam pequenas oferendas propiciatórias (velas,
Alentejo interior: os casos de Pavia e Évora, in Actas do I Congrés
del Neolític a la Peninsula Ibérica (Barcelona, 1995); GAN-
DRA, Manuel J., Dos Almendres a Monsaraz, Mafra, 1996, p.
[10-12]; idem, Santuário-Observatório Equinocial, in Alentejo
Terra-Mãe, n. 07 (2º trimestre 2007), p. 90-91; idem, Crome-
leques e alinhamentos megalíticos Portugueses: subsídio para um
roteiro, Mafra, 2007; GONÇALVES, José Pires, Roteiro de al-
guns megálitos da região de Évora, in A Cidade de Évora, n. 58
(1975); GOMES, Mário Varela, Aspects of megalithic religion
according to the portuguese menhirs, in Valcamonic Symposium
III, 1983, p. 385-401; GOMES, Mário Varela, Recuperação
do Cromeleque dos Almendres: Évora, 1986 (Relatório apres-
entado à CMÉvora), Maio, 1987; GOMES, Mário Varela,
Menires e cromeleques no complexo cultural megalítico português:
trabalhos recentes e estudo da questão, in Actas do Seminário O
Megalitismo no Centro de Portugal (Mangualde, Nov. 1992),
Viseu, 1994, p. 334-338; GOMES, Mário Varela, Estátuas-
menires antropomórficas do Alto-Alentejo: descobertas recentes e
problemática, in Brigantium, v. 10 (1997), p. 255-279; GO-
MES, Mário Varela, Cromeleque dos Almendres: um dos primei-
ros grandes monumentos públicos da Humanidade, in Paisagens
Arqueológicas a Oeste de Évora, Évora, 1997, p. 25-34; PINA,
Henrique Leonor, Cromelechs und menhire bei Évora in Portu-
gal, in Madrider Mittelungen, v. 17 (1976), p. 9-20; PINA,
Henrique Leonor, Novos monumentos megalíticos do Distrito de
Évora, in Actas do II Congresso Nacional de Arqueologia, v. 1, Alminhas do Rossio da Venda do Pinheiro (Mafra).
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ALMÍSCAR
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ALMÓADAS
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lógico do Carmo [inv. n. 3792] existe ainda a dominava todas as taifas da Espanha. Os almo-
lápide funerária de Iehudah Ben-Rimoch, da- rávidas seguiam uma doutrina estrictamente
tada de 29 de Tishri de 5575 (13 de Outubro ortodoxa e reconheciam a escola malekita, a
de 1814 da era cristã). O cemitério da Colónia qual se fundava na jurisprudência oral inspira-
Judaica de Faro (Estrada de S. Luís, 8000 Faro) da na predicação de Maomé e seus treze pri-
manteve-se em funcionamento até 1930, con- meiros sucessores. A teologia e o direito perma-
tando-se nele 112 sepulturas rasas com inscri- necem intimamente relacionados, adoptando
ções hebraicas. atitudes severas contra os herejes, os cismáticos
e todos quantos não comungassem dos seus
BIBLIOGRAFIA AMZALAK, Moses Bensabat, O cemitério is- postulados. Foram suplantados pelos Almóa-
raelita da ilha do Fayal, in Revista de Estudos Hebraicos, v. 1
(1928), p. 239-240; BETHENCOURT, Cardozo de, Inscrip-
das, após a revolta contra eles liderada pelo mu-
tions hébraiques du Portugal: notes d’ histoire et d’ épigraphie, in ridine *Abu ‘Abdallah Muhammad ben Qasi,
O Arqueólogo Português, v. 8, n. 2-3 (Fev.-Março 1903), p. 33- iniciada em 1144. Foram os almorávidas os in-
-45; FERREIRA, Tavares, Pedras de Gouveia que falam, per-
trodutores do ribat, espécie de convento cons-
guntam e respondem: precioso achado arqueológico-histórico
(uma lápida em escrita hebraica), in Beira Alta, a. 27, n. 2 truído nas zonas fronteiriças. Nessas fortalezas
(1968), p. 215-220; HALÉVY, Michael, Pedra e livro: arte se- que possuiam uma pequena mesquita, cujo mi-
pulcral Sefardita em Hamburgo: contribuição para um estudo, in narete funcionava concomitantemente como
O Património Judaico Português (1º Colóquio Internacional),
Lisboa, 1996, p. 251-271; IRIA, Alberto, O Infante D. Hen- torre de atalaia, os monges guerreiros dedica-
rique e os judeus de Lagos (Subsídios para a sua história), in vam-se a uma vida ascética, partilhada entre a
Anais da Academia Portuguesa de História, s. 2, v. 23, t. 2 oração e os exercícios militares, sob a direcção
(1976), p. 281-313; KONIJN, Fieke, As sepulturas do ce-
mitério Bet Haim, in Portugueses em Amesterdão (1600-1680), de um caíde. Alguns autores pretenderam filiar
Amesterdão, 19888, p. 90-109; PEREIRA, Esteves, Inscrições a Charola de Tomar nas rabitas (plural de ribat
de Sinagogas, in Revista de Arqueologia, v. 2 (1889), p. 115; e o mesmo que arrábida) muçulmanas.
PEREIRA, F. Alves, Jornadas de um curioso pelas margens do
Lima, in O Arqueólogo Português, v. 28 (1927-1929), p. 1-51
[Em nota refere o modo como os judeus enterravam os seus ALMORTÃO
mortos e aos tipos de sepultura que adoptavam]; RODRI- Invocação de uma imagem de Nossa Senhora,
GUES, Manuel Augusto, A Inscrição Hebraica de Gouveia, in
O Instituto, v. 130 (1968), p. 239-267; SILVA, Possidónio
cultuada num dos mais antigos santuários na-
Narciso da, Epigraphia Nacional, in Bol. da Real Assoc. dos Ar- cionais (Campina da Idanha, Idanha-a-Nova,
chitectos Civis e Archeologos Portuguezes, s. 2, t. 1 (1875), p. 77- Castelo Branco), herdeiro comprovado por
79, n. 5 [Descreve a inscrição hebraica encontrada no conven-
achados arqueológicos (estudados por Dom
to de Monchique]; VITERBO, Sousa, A inscripção da Synago-
ga de Monchique (Additamento às Ocorrências da vida judaica), Fernando de Almeida) de um templo pré-ro-
in Arquivo Histórico Português, v. 2 (1904), p. 418-420 mano dedicado à divindade tópica *Igaedus. A
primeira notícia documental remonta ao ano de
ALMOCOVAR 1229, ocorrendo no foral dado por Dom San-
O mesmo que *almocavar. cho II aos moradores de Idanha-a-Velha. Sanc-
tam Mariam Almorton assinalava então uma das
ALMOCREVES, FESTA DOS extremas do termo da Egitânia. Conta-se que
Em louvor de *Santo António, em Valongo. teve origem no achado por um jovem pastor,
entre os ramos de uma moita de murta (inven-
ALMODENA ção erudita para dar sentido à invocação = Al-
Invocação mariana festejada em São Dinis mortão), de uma imagem de Maria que levou
(Vila Real). para casa, de onde a imagem desapareceu, para
ser reencontrada no mesmo local onde a acha-
ALMORÁVIDAS ra. Após alguns retornos milagrosos os habitan-
Movimento religioso muçulmano iniciado, no tes das redondezas decidiram edificar no sítio da
séc. XI, por Abdallah ibn Yasin, num mosteiro epifânia uma ermida para abrigar a imagem. De
(ribat) sito numa ilha do rio Senegal. Em 1100 acordo com o Santuário Mariano, nos primei-
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[…] começou [Florendos a] caminhar pelo reino de Portugal, passando por muitas coisas de perigo, em que
por vezes o correu assaz, tanto a sua honra, que a fama que dali lhe ficou o fez tão conhecido naquela terra,
que se não falava em al. E assim discorrendo a uma e a outra parte, indo um dia bem descuidado do que
lhe podia acontecer, a horas de véspera, sendo no mês de Abril, se achou ao longo da ribeira do Tejo, que
com suas mansas e graciosas águas rega os principais campos da guerreira Lusitânia até se meter no mar. Co-
mo naquele tempo toda fosse cercada de muitos arvoredos, impedia a vista da água em muitas partes. Pois,
caminhando por ela acima, não andou muito que no meio da água, em um pequeno ilhéu que o rio fazia,
viu um castelo roqueiro tão bem assentado e guerreiro, que era muito para ver e muito mais para temer a
quem nos perigos dele se visse; antes que lá chegasse, quanto um tiro de pedra, viu ao longo da água três
donzelas formosas, que por baixo dos arvoredos andavam folgando, logrando as sombras deles, que naquele
dia eram para isso, por ser de muita calma; andando tão metidas no gosto do seu desenfadamento que o
não sentiram senão a tempo que já estava tão perto, que lhe não puderam fugir. Florendos pôs os olhos em
todas; e na que lhe pareceu de maior merecimento, segundo o acatamento que lhe as outras faziam, viu ta-
manha diferença de formosura, quanta nunca cuidou que de uma mulher a outras mulheres pudesse haver,
tendo para com ele tamanho poder aquelas primeiras mostras, que no próprio instante o seu coração, que
dantes era livre, converteu sua liberdade isenta em cuidados desesperados, que muitas vezes lhe faziam de-
sejar a morte, para menos perigo ou maior remédio da vida. Como esta afeição o pusesse naquele desejo
sem fim, acrescentou-lhe muita mais ver nela, com uma seguridade honesta, graça, despejo e desenvoltura,
tudo conforme a seu parecer, coisas que obrigam os homens se mais perder por elas. E vendo que se re-
colhiam ao castelo, não teve juízo para lhe falar, que o espanto do que vira lho deixara de todo turvado. Po-
rém, depois que se achou só no campo e viu a elas dentro, desembaraçado da torvação primeira, começou
a sentir novos acidentes namorados, em que o seu coração se via, com tamanhos sobressaltos como o amor
tem onde suas obras abrangem; e indo contra a porta do castelo, a achou cerrada de todo e no alto dela, que
era de pedraria, viu um escudo de mármore, encaixado na mesma pedra e posta nela em campo uma ima-
gem de mulher, tirada pelo natural da que vira no campo, tanto ao próprio, que não soube fazer nenhuma
diferença de uma a outra. Tinha no regaço umas letras brancas, que diziam: Miraguarda. E bem lhe pareceu
que aquele seria seu próprio nome, e bem conheceu que o nome dizia verdade, que a senhora dele era muito
para ver, e muito mais para se guardarem dela. Mas a tenção por que as letras ali se puseram não era esta,
senão por que se guardasssem do gigante Almourol, senhor daquele castelo, de quem depois tomou o nome;
que ele as pôs ali para mostrar que a imagem do escudo era para a verem, e ele para se guardarem dele. O
qual, para fazer sua tenção verdadeira, saiu de dentro, ao tempo que Florendos estava lendo as letras e deri-
vando nelas seu mal, armado de folhas de aço verdes não menos formosas que fortes, em um cavalo negro
tão crescido e forte, como era necessário para suster tão grande peso, dizendo contra Florendos:
— Por certo, cavaleiro, essas letras vos mostrariam a vós, se as bem entendeis, quão escusada vos fora esta
detença.
— Se os outros receios em que elas me metem – disse Florendos – não fossem maiores que o medo que me
vossas palavras fazem, eu os passaria com menos dor da que me já ora dão.
E assim de palavras em palavras vieram em tamanha ira um do outro, que houveram uma batalha assaz te-
merosa e de muito perigo, em que o gigante Almourol mostrou bem seu esforço; mas como Florendos lhe
fizesse vantagem, vendo que o via de entre umas ameias a senhora Miraguarda com Lademia e Ardemia,
suas criadas, fez tanto em armas, que o desapoderou de toda sua força, trazendo-o tão mal tratado, que por
nenhuma via podia escapar de suas mãos, se ela não descera abaixo, que lho pediu, dizendo:
— Cavaleiro, peço-vos, se alguma coisa há no mundo que vos obrigue deixar esta batalha, o façais por amor
de mim, e não mateis esse gigante, que é pessoa tal que muito devo e o principal guardador que nesta for-
taleza tenho.
— Senhora – disse Florendos – essas palavras e quem as diz me obrigam tanto, que não sei por quem mais
que por elas fizesse. O gigante pode fazer de si o que quiser, e vós de mim o que mandardes, que em tal
estado me vejo, que não sei se faria outra coisa. Miraguarda lhe agradeceu sua vontade, recolhendo-se para
dentro, e Almourol com ela. Florendos ficou fora, ferido de suas mostras, com maior dor do que lhe então
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davam as feridas do gigante, de que o curou seu escudeiro. E depois de são, esteve ali muito tempo, guar-
dando o escudo de Miraguarda, para mostrar o preço de sua pessoa, combatendo-se com todos os cavalei-
ros que ali vinham, vencendo-os com tamanho louvor seu, que os que eram famosos o buscavam de longe
para experimentar suas pessoas e obras, sem nunca o gigante ter necessidade de sair fora; porque ele lhe fran-
queou sempre o campo de todos os que ali vieram. Se alguma hora lhe vagava tempo o passava por baixo
dos arvoredos em contemplações tristes, contando-se a si mesmo seus males, e outras vezes à imagem que
estava sobre a porta, sossegada para ouvir, muda para lhe responder, na qual achava tão pouco remédio co-
mo se esperava de uma estátua. E conquanto Miraguarda via todas essas coisas, era tão livre de condição,
que sofria seu serviço dele para seu gosto dela e dissimulava o que via, por lhe negar o galardão em tudo.
Nesta continuação esteve Florendos tantos dias, que se começou de descobrir a fortaleza de Dramusinado
em Inglaterra e perdição daqueles príncipes e esforçados cavaleiros; e porque a confiança que a Miraguarda
nascia de suas obras era grande, o mandou lá, crendo que aquela ventura se acabaria por ele e ela ficaria
com a honra de tão crescida vitória, pois por seu mandado entrara nela. Partido Florendos, contente de sua
senhora lhe mandar alguma coisa em que a servisse, chegou a Inglaterra, já quando tudo era acabado por
mão de Palmeirim […]. Pois tornando a Miraguarda, já atrás se mostra cuja filha era, e quão estremada em
parecer e formosura a fizera a natureza; porém, não se disse a razão por que naquele castelo estava, que era
esta. Como entre nós as mulheres têm tanto poder, que tudo vencem, em especial as formosas em extremo,
que estas obrigam os homens a não temerem os perigos para os cometerem, nem sentir os seus receios para
os passar, houve na corte de Espanha, onde o conde, pai de Miraguarda, sempre andava, por ser pessoa de
muito preço e alta valia, tantos competimentos de cavaleiros sobre quem a serviria, que corrompendo-se es-
te desejo nos de maior qualidade havia sempre tantas justas e torneios e invenções, gastos demasiados, que
quase todos ou a maior parte se achavam gastados deles e da desordem com que se faziam, de que a rainha
recebia pena e desgosto, vendo que em tempo que el-rei seu senhor era fora do reino e ela vivia em contínua
tristeza, seus naturais passavam os dias em maiores alegrias do que nunca costumaram. Depois disso, as com-
petências foram em tamanha rotura, que, nascendo dela discórdias grandes, houve bandos, em que morre-
ram alguns senhores principais e cavaleiros famosos, e ia em tanto crescimento, que se assim não atalhara
com sua temperança e discrição, Espanha fora posta em maior destruição do que já foi em outros tempos.
Mas o conde, que em extremo era discreto e sisudo, mandou chamar ao gigante Almourol, pessoa de mais
crédito na corte do que de gigante se esperava, e lhe rogou que a quisesse ter em sua guarda com alguns
cavaleiros que lhe daria, até ser tempo de a casar, pois então havia razões que o estorvavam; e mandou sua
filha com quatro cavaleiros de sua casa e algumas donas e donzelas para a servirem e companharem. Esteve
no castelo de Almourol tanto tempo, que aquelas discórdias foram esquecendo e ela saiu dele pela maneira
que se adiante dirá. Por onde se crê que muitas vezes os grandes males são princípio de maiores bens. […].
terra tentou em vão raptar, tendo ficado muito mático, em 1938), aguçando a curiosidade de
maltratado no duelo com o gigante; Dramu- antiquários, da estirpe de um Garcês Teixeira.
siando, outro gigante, com ciúmes de Almou- Sob a sua orientação decorreram as primeiras
rol, viria combatê-lo, vencendo-o e conservan- intervenções arqueológicas de fundo no castelo
do as princesas sob a sua tutela; Almourol tinha de Almourol, empreendidas em finais do séc.
outro castelo, construído por seu pai, ao qual XIX (1899). No decurso delas haviam de ser
baptizou com o nome de Cardiga, sua mulher, exumadas 7 moedas romanas e inúmeras ou-
aí tendo vivido e criado um filho que também tras portuguesas (desde Sancho I a João IV),
se chamou Almourol; D. Lenda do Pescador e bem assim como vinte e duas placas, destinadas
das três mouras. É compreensível que tais gestas, a ornamentar os peitorais ou gamarras dos ar-
exaltadas pelo movimento romântico, aliadas reios, cuja análise desmente quantos ainda crê-
ao fascínio exercido pelo lugar, dessem motivo em, ao arrepio da tradição quer oral quer escri-
a revivalismos literários (cf. Almourol na litera- ta, não passar de romântica fábula aquele pego
tura) e de índole nacionalista (jantar oferecido do Tejo ter servido de palco a *Cortes de Amor.
pelo Presidente do Conselho ao Corpo Diplo- As peças em apreço, que se crê possam remon-
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tar aos séc. XIV e XV, são circulares, recortadas Capa de A tomada de Almourol (Rio de Janeiro, 1939),
em cobre e esmaltadas a azul e ouro, apresen- de Inácio Raposo.
tando-se os caracteres unciais das legendas,
bem como os desenhos, abertos a buril. Com círculo. A mão direita está na cintura. Aos pés,
base no registo efectuado por Garcês Teixeira, um grande leão deitado. O outro lado do cír-
eis a descrição daquelas que legitimam a inter- culo é ocupado por outra planta de folhas lar-
pretação que proponho: A. Ao centro um cava- gas. Uma fita que se apoia por um extremo no
leiro com armadura completa, excepto o elmo, peito da dama diz: TENER AMOR. Na even-
e com espada ajoelha voltado para a direita, de tualidade de, posto isto, persistir a dúvida, re-
mãos postas. Diante de si uma dama, de pé e meto os meus leitores, incluindo os menos car-
em cabelo, com longo vestido, levanta com as tesianos, para outro eloquente testemunho do
duas mãos um elmo para o colocar na cabeça afirmado, isto é, um passo, protagonizado por
do cavaleiro. À rectaguarda deste vê-se espetada Florendos, «filho de Primaleão», do *Palmeirim
no solo uma lança com bandeirola triangular de Inglaterra (Évora, 1567, t. 1, cap. LIII), ro-
ostentando uma pequena cruz ao centro. Mais mance de cavalaria de Francisco de Morais.
atrás avista-se a cabeça e os quartos dianteiros Outras guarnições de arreios de cavalos encon-
do cavalo, distinguindo-se perfeitamente as ré- tradas no Castelo de Almourol foram ofereci-
deas, o freio, as faceiras e a testeira. Completam das pelo Senhor Fernando Mardel ao Museu da
o desenho uma árvore cuja copa surge sobre a União dos Amigos dos Monumentos da Or-
cabeça do cavaleiro e uma outra mais pequena dem de Cristo [MUAMOC: inv. n. 697]. A
por detrás da dama. Na orla, a legenda: + AMO DGEMN promoveu obras de restauro em
RVOU ME UACO FICA O CORACOM 1939, 1955, 1958-59, 1960, 1964 e 1996.
MEU; B. Tomando quase toda a altura, uma
BIBLIOGRAFIA ALMEIDA, João de, Roteiro dos Monumentos
dama, de frente, com vestido de mangas per-
Militares Portugueses, v. 2, Lisboa, 1946, p. 271-272; ANÓ-
didas, agarrando com a mão esquerda uma flor NIMO, Castello de Almourol, in Archivo Pittoresco, v. 1
cuja haste e folhas ocupam o lado direito do (1858), p. 241-242; ANÓNIMO, Castelos Medievais de Por-
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ALMUCEGA
tugal, in II Congresso do Centro Europeu para o Estudo dos Cas- boa, 1901 [a acção desenrola-se durante as invasões napoleó-
telos (Zurique, 1949), Porto, DGEMN, 1949; BAIÃO, Antó- nicas. A abrir o primeiro acto intervém um coro de cavaleiros
nio, Uma capela de Nossa Senhora no Castelo de Almourol, da Ordem de Cristo. Os franceses são derrotados em parte de-
inaugurada no meado do séc. XV, in AUAMOC, v. 3 (Dez. vido à aparição de um falso cavaleiro templário nas muralhas
1951), p. 15-16 [transcreve na íntegra o doc. ANTT: Con- do castelo de Almourol. A circunstância é narrada por Eugé-
vento de Tomar, livro 52, fl. 23]; BARROCA, Mário Jorge, A nia e Lucinda na cena V: «Na sala de armas se encontrou num
Ordem do Templo e a Arquitectura Militar Portuguesa do século antiquíssimo sarcófago, conjuntamente com a bandeira da
XII, in Portugália, nova série, v. 17-18 (1996-1997), p. 200- Ordem, esta armadura de cavaleiro templário, que teria sem
202; idem, Epigrafia Medieval Portuguesa (862-1422), v. 2, dúvida sido outrora o paládio do castelo [...]. Havia também
Lisboa, 1999, n. 137-138, p. 361-369; CÂNCIO, Francisco, lá muita pólvora, que se julga ter aqui esquecido depois de ar-
Ribatejo – Monografia ilustrada, Lisboa, 1934; COSTA, Alfre- mazenada pelo brigadeiro Borgoyne, por ordem do conde de
do Gonçalves, O Castelo de Almourol e o Turismo, in Livro do Lippe, quando este quis fazer de Abrantes o centro das suas
Congresso (I Congresso sobre Monumentos Militares Portu- operações. Meu pai por precaução lentamente a foi conduzin-
gueses), Lisboa, 1982, p. 14-20; DIAS, João José Alves, Uma do para o subterrâneo. estava húmida, mas ardia com lenti-
grande obra de engenharia em meados do século XVI: a mudança dão; meu pai, quando todos os companheiros de D. Luís ti-
do curso do Rio Tejo, in Nova História, v. 1, Lisboa, 1984, p. nham abandonado o castelo, espalhou-a pelos muros, torres,
66-82; idem, Paio de Pele. A Vila e a Região do século XII ao ameias e janelas, deixando muita na entrada da estrada secre-
XVI, Santarém, 1989; idem, As comendas de Almourol e Car- ta; e tendo-me colocado próximo à saída [...] quando os fran-
diga, das Ordens do Templo e de Cristo, na Idade Média, in As ceses atravessavam o rio, lançou fogo à pólvora, e surgiu con-
Ordens Militares em Portugal (Actas do I Encontro sobre Or- nosco no píncaro dos rochedos, brandindo nós archotes im-
dens Militares, Março de 1989), Palmela, 1991, p. 101-113; provisados, e ele na esquerda a bandeira do Templo e na direi-
FIGUEIREDO, Borges de, Miscellanea Epigraphica: 1. Ins- ta a sua espada, que flamejava sobre o abismo!» (p. 154-155).
cripção de Almourol, in Rev. Archeologica, v. 3 (1889), p. 155- Este drama lírico foi ensaiado, no ano de 1907, pelo drama-
157; FURTADO, Teresa Pinto, O Castelo de Almourol: monu- turgo eborense, Marcolino Silva (cf. Gil do Monte, Dicionário
mento e imaginário, Lisboa: [s.n.], 1996, 3 vols. [Tese mestra- Histórico e Biográfico de Artistas Amadores e Técnicos radicados
do História de Arte, Univ. Lisboa, 1996; BN: BA 15322-24 em Évora: M a Z, Évora, 1976, p. 6)]; LIMA, Sales, A lenda
V]; GANDRA, Manuel J. O Projecto Templário e o Evangelho d’Almourol, in Sonatinas: versos, Porto, Magalhães e Moniz,
Português, Lisboa, 2006; GOUVEIA, Batalha, Os nomes das 1913 [BN: L 13023 P; também in Ilustração Portugueza, s. 2,
terras: Almourol, in Correio do Ribatejo (197?); MONUMEN- n. 375 (28 Abr. 1913), p. 532]; MAGALHÃES, Francisco
TA HENRICINA, v. 1, Lisboa, 1960, n. 7, p. 15-16; OSÓ- Bernardino de Sá, O castello de Almourol: poesia, Lisboa, Im-
RIO, Manuel, O Castello de Almourol, in Revista de Engenha- prensa Nacional, 1863 [poema romântico, em estrofes de ver-
ria Militar, a. 1, n. 6 (Dez. 1896), p. 199-208 e a. 2, n. 1 (Jan. sos octossílabos, fundado sobre a lenda popular do referido
1897), p. 32-42 [inclui planta entre p. 48-49]; PERES, Da- castelo. O castelão, Dom Ramiro é aqui cavaleiro de Afonso
mião, A Gloriosa História dos mais belos Castelos de Portugal, V, com quem esteve em Arzila. A partir desse episódio a lenda
Porto, 1969, p. 167-176; ROSA, Ildefonso, Dactilografia ar- é desenvolvida na forma convencional; BN: L 10888 (14º) P];
tística: Castelo de Almourol, Viana, 1928; SÁ, Ayres de, Frei [MARTINS, Rocha], Castelos Portugueses – O decantado e en-
Gonçalo Velho, Lisboa, 1889-1890; TEIXEIRA, Garcez, O cantador Castelo de Almourol, in Arquivo Nacional, n. 116 (30
Castelo de Almourol, in Serões, s. 2, v. 7 (1908), p. 158-163; Mar. 1934), p. 1022-1023; MELO, Dom Francisco Manuel
idem, O Espólio do castelo de Almourol, in Serões de Tancos, v. 1 de, Cartas Familiares, Roma, Filipe Maria Mancini, 1654 [na
(1929), p. 12-15 e 19-22, in Revista de Arqueologia, n. 2 Carta 62, da Centúria III, deriva Almourol de Al-morol = el
(1936), p. 140-145 e in AUAMOC, v. 3 (Dez. 1951), p. 4-10 moro; BN: Res 373 V]; MORAIS, Francisco de, Palmeirim de
Inglaterra, Évora, 1567; RAPOSO, Inácio, A tomada do Al-
ALMOUROL NA LITERATURA CASTRO, Anibal de Bettencourt mourol, Rio de Janeiro, 1939 [a acção regista o seu climax no
B. Bicudo e, Os Lagos das Sete Cidades e o «Coice» do Gigante Canto sétimo, A marcha gloriosa, o qual termina: «[...] Acorda
Almourol, segundo uma curiosa alegoria do Dr. Gaspar Fructuo- Almorolan!... D’jamil, desperta!... / Assan, desnuda a cimitar-
so: poeiras do passado, in Diário dos Açores (26 e 28 Mar. 1938) ra, e voa / Em defesa do impávido Crescente / Porque já perto
[BN: HG 15616/19 V]; FONSECA, Artur Lambert da, No o Bauséant caminha!...»; BN: L 32914 P]; SILVA, Luís Au-
castelo de Almourol: (continuação de «O palmeirim de Inglater- gusto Rebelo da, O Castello de Almourol. Conto do século XVII,
ra»), Lisboa, Livr. Sampedro, [D.L. 1966] [BN: L 57561 P]; in Contos e Lendas, Lisboa, Livraria Editora de Matos Moreira
FRUTUOSO, Gaspar, Saudades da Terra, Ponta Delgada, e Companhia, 1873 [por ter falecido prematuramente, o seu
1924 [No livro IV (v. 1), cap. XXXVII (p. 240-247): Da fi- autor não chegou a terminar este conto, do qual apenas sub-
gura, que se imagina ter a ilha de S. Miguel, do gigante Almou- sistem três capítulos. Os «sucessos que refere esta verídica his-
rol, que alguns fingiram ser guarda de uma donzela, chamada tória» são situados no ano de 1663, junto de Paio de Pele, no
Miraguarda, n’aquele castelo, assim chamado Almourol do seu cenário misterioso do castelo de Almourol e de uma proprie-
nome, que diziam ser seu; em que se descreve toda a sua costa ma- dade que D. Vasco de Mascarenhas unira às suas próprias por
rítima e a figura d’ela, a modo d’este gigante, deitado ali no mar, meio de dote que sua mulher, D. Madalena, lhe trouxera pelo
com as povoações, cabos e enseadas que ao longo d’ela correm co- matrimónio; BN: L 40916 P]
mo membros e partes de seu corpo]; GANDRA, Manuel J., Os
Templários na Literatura, Lisboa, 2000; idem, Templários e ALMUCEGA
Templarismo na Literatura Portuguesa e traduzida para portu-
guês (século XIV – 2006), Mafra, 2007; GOUVEIA, José Car- A receita do óleo de almucega ou almecega
los de, O Fantasma de Almourol. Drama lyrico em 3 actos, Lis- consta da Farmácia Tubalense (v. 2, p. 608). Os
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ALOCER
ALPARDO
ALOCER
Lusco-fusco, nos Açores.
Também *aloger. Um dos chefes do Inferno e
comandante de 36 legiões de demónios, men- BIBLIOGRAFIA RIBEIRO, Luís, Alpardo, in Boletim do
cionado no cânone 7 do Concílio de Braga Instituto Histórico da Ilha Terceira, v. 8 (1950), p. 274-275
(560-563). Cavalga um equídeo, possuindo ca-
ALPHUN SAIR
beça de leão e olhos ardentes.
Criptónimo do teosofista português, autor das
ALOÉS seguintes obras e artigos: Prefácio a Maçonaria
Aloe soccotrina, Lam. Planta de folhas carnudas Iniciática de João Antunes (Lisboa, 1918 [BN:
e odoríferas do género das liliáceas, preconiza- SC 22939 P]); A Teosofia e a Companhia de Je-
da, sob a forma de xarope, contra todo o géne- sus (in Isis, v. 1, n. 2, 1921, p. 57-61; n. 3-4, p.
ro de achaques e da qual são conhecidas cerca 104-108; n. 5, p. 143-147); O carácter da
de duas centenas de espécies. A espécie deno- Teosofia (idem, v. 1, n. 3-4, p. 65-68); Os Extasis
minada Aloe vera é especialmente eficaz no tra- (idem, v. 1, n. 6-7, p. 174-176); Guerra Jun-
tamento de queimaduras, câncro, diabetes, tu- queiro (idem, v. 1, n. 11-12, p. 321-324); A Fi-
berculose, anemia, reumatismo, artrose, infec- losofia de Lao-Tseu: as suas relações com o
ções respiratórias, do aparelho digestivo, etc. Orientalismo Hermético (Lisboa, 1921 [BN: SA
Os egípcios utilizavam aloés no embalsama- 17292 P]); Os Verdadeiros Apóstolos (in Isis, v. 3,
mento das suas múmias, do mesmo modo pro- n. 10, 1924, p. 265-270).
cedendo Nicodemos relativamente ao corpo de
ALPORCAS
Jesus (João, XIX, 39). Símbolo marial, por-
O mesmo que *escrófulas. Termo eventual-
quanto se julgou que só floria de cem em cem
mente derivado de a + porca, em virtude do
anos. O Aloe vulgaris é frequentemente utiliza-
porco contrair a doença (cf. Sá Nogueira, O
do durante a iniciação maçónica para amargar
metaforismo e os nomes do porco, in Boletim de
as bebidas oferecidas ao candidato.
Filologia, v. 8, n. 4). Diz-se que o pão quente
ALOGER origina as alporcas, tal como sentar-se numa
*Alocer. pia de porcos (cf. Leite de Vasconcelos, Tradi-
ções). O doutor *João Curvo Semedo fornece
ALOMANCIA algumas receitas na sua Polianteia Medicinal,
Adivinhação pelo sal, que se dissolve em água das quais se destaca esta: «raiz de lírio, que par-
ou se faz crepitar no fogo. tida pelo meio, e esfregando com ela os caroços
das alporcas até a raiz aquecer, e pendurando
ALONGAMENTO depois disto a tal raiz ao fumo da chaminé, cu-
Fenómeno frequentemente descrito nas Acta ra as alporcas, ao passo que a raiz se vai mur-
Sanctorum, bem assim como nos processos de chando». O Tesouro de Prudentes de *Gaspar
beatificação e canonização, apesar de não lhe Cardoso de Sequeira ensina a purgar o enfermo
ser atribuído quer significado religioso, quer de alporcas com a purga do mechoacão e rui-
valor apologético. Manifesta-se nos místicos barbo. *Frei João Caveiro.
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ALQUERQUE
ALPRAJARES
Ao diabo é atribuída a construção, numa única
noite, da calçada de Alprajares, junto da mar-
gem direita do Douro (Almendra, Vila Nova
de Foz Côa, Guarda), em cujas proximidades
há também petróglifos representando *pegadas
humanas (*podomorfo), às quais o povo cha-
ma *pegadas do diabo.
ALQUERQUE
Designação espanhola (derivada do árabe, al-
quirkat) para o jogo de estratégia conhecido co-
mo ludus latrunculorum (entre os latinos), *jo-
go do moinho (Portugal), marelle (França),
mill (Inglaterra), etc., cujo objectivo consistia
em colocar 3 pedras em 3 pontos de intercessão
consecutivos (três em linha), formando um
«moinho». Triplo recinto insculturado, qua- Alquerque gravado no castelo de Idanha-a-Nova.
drangular ou circular, característico da arte ru-
pestre pós-glaciar. Aparentado com os reticula-
tais e verticais, num afloramento granítico de
dos (conotados no Livro dos Mortos egípcio,
Barreiros (Âncora); Pedra do Jogo de Cortinhas
com a bem-aventurança no além), quer mean-
(Sejães); Zebral (Ruivães); Quinta de Ferronhe
driformes, quer labirínticos (sempre conducen-
(Vil de Soito, Viseu); Castelo de Cedrim (Sever
tes a um centro), é formado por três quadrados
do Vouga); castelo de Longroiva; Pedra Escrita
inscritos uns nos outros, unidos por linhas que
(Serrazes, São Pedro do Sul); duas representa-
ligam o omphalos (por vezes assinalado por uma
ções na rocha 5 de Chã Rapada (Ponte da Bar-
*covinha) à periferia, perpendicularmente ou
ca). Outras ocorrências: na secção de uma base
na diagonal. É óbvia a condição simbólica
de coluna romana, no claustro da Sé de Viseu;
(imago mundi) e iniciática (mágico-religiosa)
no fuste de um marco miliário da colecção da
do motivo, patenteada na sua divisão tripartida
Assembleia Distrital de Viseu; templo romano
(triplo-recinto), à imagem do cosmos (céu, ter-
de Évora; Carreiras (Portalegre); silhar do arco
ra, inferno) e do próprio homem (corpo, alma,
que separa a capela-mor da nave da capela do
espírito). Não sendo conhecidos exemplos
Espírito Santo de Penha Garcia; capela de São
exactos, existem paralelos (os únicos até à data
Miguel de Monsanto; castelo de Alcácer do Sal;
recenseados) de reticulados em monumentos
castelo de Idanha-a-Nova; castelo de Trancoso
megalíticos: pintados em *Antelas (Oliveira de
(destruído); Alfarela de Jales (Vila Pouca de
Frades), gravados nos chapéus dos dólmenes de
Aguiar), etc.
*Arca (Oliveira de Frades) e de Pendilhe (Vila
Nova de Paiva), num fragmento pétreo, encon- BIBLIOGRAFIA BORGES, Augusto Moutinho, Um jogo de Al-
trado por Augusto Farinha Isidoro na câmara querque no quotidiano da Praça de Almeida e os Jogos do Moin-
da anta do Couto dos Enchares (Crato), e num ho em Castelo Mendo, in Praça Velha, a. 9, s. 1, n. 20 (Nov.
2006), p. 49-54; CAROLINO, Luís Miguel N., A gravação
dos esteios do dólmen de Granja de Toniñuelo das Carreiras – Portalegre – e tradições lúdicas no Alto Alentejo,
(Badajoz). Ocorrências em contextos rupestres, in Ibn Maruán, n. 4 (1994), p. 83-94; CARREIRA, Adelaide
não megalíticos: Pedra Partida de Ardegães (org.), Pedras que Jogam – Catálogo da Exposição, Lisboa,
(Águas Santas, Maia [MuseuInstAntropologia Abril, 2004; CARVALHO, António Rafael / FARIA, João
Carlos, Fragmento de um Tabuleiro de Jogo de «Alquerque de no-
Dr. Mendes Corres da FacCiênciasPorto]); ve» proveniente do Castelo de Alcácer do Sal, in Arqueologia Me-
quadrado preenchido por nove sulcos horizon- dieval, v. 7 (2001), p. 211-215; FÁBREGAS VALCARCE,
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ALQUEVA
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ALQUIMIA
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ALQUIMIA
expõem de nunca ter havido em Portugal cul- na espagírica ou iatroquímica. É o que se de-
tores da Arcana Artis não é menos destituída de preende do capítulo onde se preceituam as atri-
verdade a opinião que lhes dá existência apenas buições do Boticário do convento de Cristo de
a partir do século XVIII. Globalmente, é certo, Tomar. Não resisto à tentação de o reproduzir
cabe à centúria de setecentos a mais importante a partir do códice existente no ANTT, intitula-
cópia de notícias documentadas, não só a res- do Uzos das Ceremonias e Louvaveis costumes da
peito da actividade dos Filósofos do Fogo, co- Ordem de Christo reformados no anno de 1702:
mo da especulação em torno do objecto e natu- «O boticário será um religioso sacerdote de
reza das operações a que se dedicavam. Era fatal muita caridade e curiosidade, e que tenha algu-
que as Academias, tão concorridas no século a ma ciência da botica ou experiência dela, ao
que me reporto, se ocupassem do assunto. Pela qual se dará religiosos, ou seculares que o aju-
pena do poeta Tomás Pinto Brandão ficamos a dem; procurando sempre haver pessoa que sai-
saber que numa sessão Académica em que par- ba bem da botica pelo que importa à saúde dos
ticipara «se tinha discursado sobre a pedra filo- religiosos, crédito e bom serviço da botica, e as-
sofal larga e teimosamente». As Conferências sim deve estar o boticário presente à visita pela
Discretas e Eruditas promovidas pelo 4º Conde manhã, e tarde, para notar bem as mezinhas
da Ericeira, Dom Francisco Xavier de Menezes que se mandem dar a cada um, não se fiando
(1673-1743) também o não deixaram sem nunca na sua memória, pois é coisa de tanta
análise. É Rafael Bluteau, clérigo Teatino, importância a saúde dos enfermos, procurando
quem confere verosimilhança ao caso. Ele pró- sempre estar a botica muito provida dos símpli-
prio afirma ter discursado numa dessas reu- ces, e mais mezinhas necessárias às necessidades
niões acerca «Da probabilidade da Pedra Filo- e enfermidades que sobrevivem aos religiosos,
sofal». Além disso o seu Vocabulário Portuguez fazendo e mandando fazer as águas destiladas,
e Latino (1712-1721), em grande parte acta de- xaropes, pílulas e mais compostos de que se
senvolvida das sessões desse cenáculo – que se usa, pedindo para isso ao Prelado quem o saiba
reunia para o estudo de problemas filosóficos e bem fazer, quando em casa o não houver para
matemáticos, além de questões relacionadas tudo ser perfeito; e pedirá ao Prelado todo o
com a língua portuguesa e a crítica de autores açúcar necessário, que terá por rol para dele dar
– apresenta-o a discretear sobre a Turba dos Fi- conta por inteiro. Não dará para fora mezinha
lósofos como se de um adepto se tratasse. Não alguma sem licença do Prelado, excepto pós co-
deixa de ser igualmente sintomática de uma fa- muns, unguentos, e outras coisas semelhantes,
miliaridade insuspeitada a circunstância de em de pouco porte, mas nunca xaropes, nem pur-
inúmeras obras de medicina se encontrarem ga, sem o Prelado assinar as receitas do médico
alusões detalhadas à química hermética e a constando ser de pobres. Não comprará dro-
operações espagíricas com ela aparentadas. O gas, nem outras mezinhas sem licença do Pre-
código conceptual subjacente a tais trechos lado, nem sem as ver quem disso bem entenda,
pressupõe, é evidente, ou seria escusado, a exis- assim para a bondade delas, como para o preço.
tência de destinatários qualificados, o mesmo De todos os símplices, e compostos da botica
se podendo dizer da doutrina espagírica nelas terá muito cuidado, para que não se corrom-
pormenorizadamente exposta. Com efeito, na pam, e quando houver de fazer algumas coisas
época, a medicina hermética ou paracélsica daquelas, que se costumam fazer de noite dará
com os seus Remédios de Segredo gozava de conta sempre disso ao Prelado para que saiba a
grande prestígio e voga. Alguém já sugeriu, sem ocasião de sua falta e o que passa naquelas ho-
contudo tornar públicas as suas fontes, que os ras, e tempo, e procurará sempre assistir nessa
freires de Cristo foram adeptos da Química oficina». É indesmentível o facto de a Química
Hermética. Nada obsta, se bem que o mais Hermética ter sido cultivada por clérigos e, fre-
plausível é que tenham sido apenas da medici- quentemente, à sombra de ordens religiosas, o
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ALQUIMIA
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ALQUIMIAR
Liberté, Paris, 1954 [cap. VII]; EVOLA, Julius, A Tradição (1210/14-1292) demonstra a maior considera-
Hermética, Lisboa, 1979; GANDRA, Manuel J., Subsídios pa-
ra a bibliografia crítica das fontes e estudos respeitando ao Her-
ção pela alquimia simultaneamente como saber
metismo em Portugal. I. Alquimia (tratamento biblioteconó- teórico (scientia) e saber destinado a uma apli-
mico de Amélia Caetano), Mafra, 1994; idem, Alquimia em cação prática (ars), colocando-a no quinto lu-
Portugal, in Discursos e Práticas Alquímicas, v. 1, Lisboa, 2001,
gar no seio da ciência natural (enquanto à ciên-
p. 173-229; idem, Subsídio para o Catálogo da tratadística al-
química antiga (até 1800), presente no acervo da Biblioteca do cia experimental só é atribuído o oitavo). Con-
Palácio Nacional de Mafra, in A Biblioteca do Palácio Nacional sidera, no De erroribus medicorum (ed. R.
de Mafra, Mafra, 2003, p. 143-178; GARCIA FONT, Juan, Steele) que a alquimia constitui a teoria das
Historia de la Alquimia en España, Madrid, Editora Nacional,
1976; HOLMYARD, E. J., Alchemy, Londres, 1957; HU- causas da composição dos corpos e acrescenta
SSON, Bernard, Transmutations Alchimiques, Paris, 1974; que os médicos teriam toda a vantagem em lhe
PEREIRA, Moutinho, Alquimistas portugueses em busca da pe- seguir os métodos exemplares, como aquele
dra filosofal, in Diário de Notícias. Suplemento (30 Jan. 1988)
[Entrevista com Manuel J. Gandra]; RAMÓN DE LUAN- que adopta com a finalidade de extrair virtu-
CO, D. José, La Alquimia en España: escritos inéditos, noticias des. O Doutor Angélico, Tomás de Aquino, fa-
y apuntamientos que pueden servir para la Historia de los Adep- zia da alquimia afilhada das artes mechanicae
tos Españoles, Madrid, 1889 [Numa colecção alquímica, «a
mais copiosa que conhecemos entre as espanholas», manus-
(Expositio super Librum Boethii de Trinitate,
crita pelo calígrafo Don Francisco Javier de Santiago Paloma- Leyde, 1955, q. 5, art. 1) e considerava-a lícita
res (1728-1796) encontra-se vária matéria a merecer registo, desde que se abstivesse de penetrar no campo
entre outra: a tradução do latim para espanhol da Clavis Sa-
pientiae de Artefius, realizada no Porto por Don Francisco
da magia (da qual a classificação hermética das
Fernandez de Obecurri y Vallejo e concluída em 22 de Junho ciências a aproximava), concluindo na Suma
de 1774; a reprodução integral de uma versão inédita do Livro Teológica poder ser considerado autêntico o ou-
«del Tesoro, atribuido sin razón ni prueba al décimo Alfonso
ro fabricado pelos alquimistas. É, de resto, essa
de Castilla» (p. 250-281). Reedição anastática em 1980];
RUIZ SERRA, Javier, Breve recorrido histórico de la Alquimia a atitude que, de uma forma geral, a Igreja re-
en Espana, in La Alquimia en Espana, Madrid, 1980 [Trata-se produz, desconhecendo-se qualquer medida
do Prólogo que antecede a reprodução anastática do texto pu- eclesiástica, anterior à segunda metade do sec.
blicado em 1889].
XIII, dirigida expressamente contra a Alqui-
mia. Só então começa a ser alvo de ataques vi-
ALQUIMIAR rulentos, sendo acusada de servir à manipula-
Forjar, fingir. O De Ortu Scientiarum ou Liber ção da moeda e declarada falsa pela Bula Spon-
de Scientiis de Al-Farabi contribuíu decisiva- dent quas non exhibent (1317) de João XXII,
mente para que a partir do século XII se atri- que consta ter sido um adepto ferveroso da fi-
buísse à Alquimia um lugar entre as Artes. Ao losofia natural, ao ponto de haver concedido
quadrivium Al-Farabi acrescenta as oito partes avultados créditos ao seu médico privado para
da ciência natural e, não obstante omita qual- este adquirir instrumentos alquímicos, atri-
quer referência à alquimia, cita uma classifica- buindo-se-lhes a ambos uma obra intitulada
ção do Livro das Definições de Geber, onde ela Arte Transmutatoria (Lyon, 1557). Entre nós, o
é apresentada como a mais nobre das ciências Leal Conselheiro de Dom Duarte é o precursor
profanas e aquela da qual todas as outras de- da galeria de opiniões depreciativas até agora
pendem. Por seu lado um escrito divulgadíssi- documentadas acerca da *crisopeia. Aquele
mo de Domingos Gundissalvo, o De Divisione monarca trata-a de burla e aos alquimistas de
Philosophiae, estabelece a distinção entre o ra- burlões e embusteiros no cap. XXXVII, intitu-
mo prático e o teórico de uma ciência, lado Das outras virtudes e ciências a que dão fé
atribuindo à alquimia a oitava das subdivisões per desvairadas maneiras. Fica no ar a suspeição
da scientia naturalis. Daniel de Morley, de que, eventualmente implícito neste comen-
também influenciado por Al-Farabi, inclui a tário, se ache um juízo negativo a respeito do
alquimia na astronomia, que considera a fonte cunhado, Filipe o Bom de Borgonha que se de-
das ciências, no Liber de naturis inferiorum et dicava à arte e teria, segundo Ricardo Estan-
superiorum (ed. K. Sudhoff). Já Rogério Bacon himst [BNMadrid: ms. 2058, fl. 248-257],
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ALQUIMISTA
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ALTA VENDA
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ALTAR
Gravura de Manuel Freire (séc. XVIII), figurando o altar com todos os respectivos pertences, bem como as acções com vista
à sua incensação e bênção.
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ALTAR
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ALTOS CÉUS
tuguês: origem, função, forma e simbolismo, in Actas do I Con- principaes povoações dos Balinos, povos desconhe-
gresso do Barroco (1989), Porto, 1991, p. 17-58; ROQUE,
Maria Isabel Rocha, Altar Cristão: evolução até à Reforma Ca-
cidos de todo o mundo (Lisboa, 1798-1828, 4
tólica, Lisboa, 2004; SANTOS, Joaquim Neves dos, Altar com vols.). No v. 2 (1813) faz referência a truques
covinhas no Castro de Guifões, in Actas do I Colóquio Portuense de prestidigitação (*ilusionismo). O nome do
de Arqueologia (1961), Porto, 1962 (in Studium Generale, v. 9,
autor, Luís Caetano de Campos, não ocorre
n. 1, 1962, p. 111-117); SANTOS JÚNIOR, J. R. dos, Pin-
turas megalíticas no concelho de Carrazeda de Ansiães, in Traba- no frontispício, podendo ser achado (consoan-
lhos de Antropologia e Etnologia (1930); TAVARES, J. A., Ar- te o alvitre de Inocêncio) mediante a reunião
queologia do distrito de Bragança: dólmens do Vilarinho e Zedes, das letras iniciais dos 19 capítulos que formam
in O Arqueólogo Português, v. 1, n. 4 (1895)
o primeiro volume.
ALTAR-MOR
*Agnistério. ALTO DE CAROCEDO
Arqueosítio localizado na margem direita da
Ribeira homónima (concelho de Bragança), de
onde se desfruta uma vasta panorâmica em
todas as direcções. No cume existe uma capela
da invocação de Nossa Senhora da *Assunção,
herdeira do carácter sagrado do local (que
remontará a épocas pré-históricas), atestado
por insculturas rupestres conhecidas pelas
denominações de: A. Berço da Senhora, por ser
nele que a Senhora apareceu a uns pastores
pedindo que lhe fizessem a capela; B. Pegadas
da Senhora, produzidas miraculosamente ao
subir pela fraga acima; C. Cova do Milagre, de
onde são extraídos uns pós brancos excelentes
contra as sezões. Nas proximidades, cresce um
pequeno carrasco, ao qual uma lenda atribui a
mesma virtude creditada ao da Senhora do
Ilustração do romance O Conde de Monte Cristo, regis- Carrasco de Azinhoso, «de infligir tantas
tando o encontro entre Althotas e o protagonista da obra maleitas ou sezões quantas forem as folhas que
de Alexandre Dumas.
lhe colherem». Nas redondezas existem umas
ALTHOTAS cavidades abertas nos rochedos a que chamam
Personagem do romance O Conde de Monte Cris- a caldeirinha. Metido na fonte do muito
to (trad. port., 1876) de Alexandre Dumas, pri- próximo povoado de Faílde observa-se um
sioneiro, à semelhança do protagonista, no Cas- *berrão em granito, mutilado.
telo de If. O seu nome, Al + Thot + as, é um evi-
BIBLIOGRAFIA ALVES, Francisco Manuel, Memórias Histó-
dente criptograma de Thot, deus egípcio consa- rico-Arqueológicas do Distrito de Bragança, v. 9, Porto, 1934, p.
grado como *Hermes Trismegisto. Médico, 144; LOPO, Albino dos Santos Pereira, Alto do Carocedo ou
*mago e *alquimista de origem portuguesa, por- Carrocedo, in O Arqueólogo Português, v. 7, n. 2-3 (Fev.-Mar.
1902), p. 70-74; idem, Apontamentos arqueológicos, Braga,
ventura o próprio *abade de Faria (*José Custó- 1987, p. 23; NETO, Joaquim Maria, O Leste do Território
dio de Faria), apesar de haver sido identificado, Bracarense, Torres Vedras, 1975, p. 196
ora como Kolmer (mestre de magia de Weis-
haupt), ora como o conde de Saint-Germain. ALTOS CÉUS
Invocação mariana de um santuário dos arre-
ALTINA dores de Lousa (Castelo Branco), antiga co-
Suposta viajante, protagonista das Viagens d’ menda da *Ordem de Cristo. São específicas da
Altina nas cidades mais cultas da Europa e das romaria a *Dança das Tesouras, a *Dança das
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ALUADO
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ALVA
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ALVA, JOSÉ DA
trocentos. As aplicações de peças sobrecosidas, [...]» (Da Pintura Antiga, cap. I). José Pedro
quadradas ou rectangulares, de seda ou de esto- Martins Barata estava convicto que tanto os
fos de ouro e prata, comuns até ao século XVI, dois afluentes do rio Sever (a ribeira de Avid, si-
deram, posteriormente, lugar a rendas mais ou tuada em Espanha, e a ribeira Davide, que cor-
menos largas, em toda a volta da barra e das re em território português), bem assim como o
mangas. A alva figura a «vida miraculosa e pu- topónimo Castelo de Vide, derivam da palavra
ríssima conversação de Cristo Senhor Nosso Abit, pela qual era conhecido pelos alquimistas
enquanto andou entre os homens sem a míni- o minério de chumbo sob a forma de carbona-
ma imperfeição ou mácula», significando a pu- to (minas romanas de carbonato de chumbo fi-
reza de coração com que o sacerdote há-de ce- cam situadas entre as nascentes em apreço),
lebrar os ofícios divinos (Mateus, XXXVIII, 3; acrescentando que se trata de nome «de impor-
Apocalipse, VII, 14 e XIX, 8). Ao envergá-la, o tação oriental, trazido pelos Árabes ou pelos
sacerdote pronuncia as palavras: «Dealba me, Templários» (Castelo de Vide – Castell da Vide –
Domine, et munda cor meum; ut in sanguine Castelo d’Avid? topónimo alquímico trazido pelos
Agni dealbatus, gaudiis perfruar sempiternis». árabes ou pelos Templários?, in Revista de Portu-
gal, s. A, Língua Portuguesa, v. 32, 1968, p.
ALVA, JOSÉ DA 258-270). Santo António afirma a respeito da
*Saludador de nomeada, que viveu no séc. alvaiade que se faz «de estanho e de chumbo»,
XVIII. Acusado de curar enfermos com o auxí- ambas designando a humanidade de Cristo: «de
lio do *diabo, confessaria perante o *Santo Ofí- estanho na Natividade» e «de chumbo na Pai-
cio que o próprio Satanás lhe ensinara quais as xão» (Obras Completas, v. 2, p. 214). *Estíbio.
ervas adequadas para debelar determinadas
maleitas [ANTT: Inq. Évora, proc. de José da ALVÃO, SERRA DO
Alva, fl. 110]. Contaria ainda que certa noite, Geomorfologicamente, sui generis, constitui,
a caminho de casa, «em um vale chamado das conjuntamente com a *serra do Marão, uma
feiticeiras, lhe aparecera um vulto com figura barreira montanhosa que separa duas regiões
de carneiro, em cima de um valado, com cuja naturais: o Entre-Douro-e-Minho e o Alto-
vista se assustara, suspendendo os passos e en- Trás-os-Montes. Actualmente classificada sob a
chendo-se de valor lhe perguntara se era alma designação de Parque Natural do Alvão, inte-
do outro mundo, feiticeira ou demónio e lhe gra a Região de Turismo da Serra do Marão. O
requerera da parte de Deus que falasse e disses- planalto da serra do Alvão foi habitado pelo
se o que queria» [idem, fl. 137]. O vulto não menos desde o Neolítico, subsistindo numero-
respondeu, tendo desaparecido no mato. José sos núcleos megalíticos, de que se destacam os
da Alva, já certo de que se tratava do diabo, de: Chã de Arcas (Carrazedo do Alvão), Lixa
mais convicto ficou quando, pouco tempo de- do Alvão, Trandeiras, Frieiro, Penedos Alvos,
pois, ele lhe surgiu de novo, sob a forma de Lagoa e Capeludos. Tais monumentos foram
dois cães pretos, pelo meio dos quais logrou reconhecidos e explorados, em 1894, pelos pa-
passar ileso fazendo o sinal da cruz. dres Rafael Rodrigues e José Brenha, tendo for-
necido, além do espólio típico deste tipo de ar-
ALVAIADE queosítios, outro «de carácter estranho», o qual
Carbonato básico de chumbo. Também *ceru- havia de suscitar um longo e aceso debate, não
sa e *cerusite. Pigmento usado na iluminura. obstante as aparências, ainda não definitiva-
Segundo *Francisco de Holanda foi uma das mente encerrado. Grosso modo, tal espólio é
cores primordiais (juntamente com o ouro e a susceptível de ser organizado em três grandes
prata) com que Deus começou a pintar o grupos: o das pedras com motivos abstractos
«grande retábulo do mundo»: «Assim que disse (algumas com covinhas aparentando séries ou
Deus: faça-se a lux e o alvaiade para esta obra sequências com 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 9 e 10 cúpu-
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ALVÃO, SERRA DO
Pedras com covinhas, aparentando séries ou sequências Teriomorfos (?) e antropomorfos femininos oriundos do
com 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 9 e 10 cúpulas. mesmo dólmen (Padres Rafael Rodrigues e José Brenha).
las; outras globulares, paniformes, etc.), o das em artefactos exumados da estação francesa
grosseiras esculturas figurativas (zoomorfos e (nos quais a letra B não surge representada uma
antropomorfos femininos) e, finalmente, o das única vez!). O Padre Brenha veria animais qua-
pedras gravadas com zoomorfos, cenas de caça ternários em algumas das figurações; Reinach,
e inscrições alfabetiformes (algumas em carac- Teixeira Rego e outros dataram o espólio de Al-
teres formalmente idênticos aos ibéricos). Os vão de um período coevo das antas e, portanto,
insólitos artefactos, uma vez divulgados, ha- do Neolítico; Mendes Correia e Loth atribui-
viam de suscitar uma incredulidade generaliza- ram-no à Idade do Bronze; Jullian à época ro-
da quanto à sua autenticidade e cronologia, mana, descobrindo num fragmento cerâmico,
quer por parte de investigadores nacionais, ostentando traços alfabetiformes, «um belo
quer ainda de estrangeiros de nomeada, desig- abraxas popular da feitiçaria romana». Hodier-
nadamente, de Salomão Reinach, Emile Car- namente, presume-se (pois, em bom rigor, a
tailhac, entre inúmeros outros. O debate sobre chamada comunidade científica não empreen-
achados afins, oriundos de Glozel (França), deu qualquer iniciativa tendente a reavaliar de-
traria, em 1925, uma vez mais para a ribalta os sinibidamente a questão) que alguns (apenas os
de Alvão, que ganharam novos e inesperados gravados com objectos metálicos!) dos contro-
partidários (Reinach, Jullian, Bégouaen, Breuil, versos artefactos do Alvão [MNA e Museu de
Bosch Gimpera, etc.). Com efeito, muito em- Arqueologia e Numismática de Vila Real] pos-
bora a estrutura gráfica do «alfabeto de Alvão» sam ser contemporâneos da II Idade do Ferro,
tenha mais afinidades formais com a *escrita ou um pouco anteriores (ao fim ao cabo, coe-
ibérica (para cujas 22 letras Ricardo Severo en- vos dos achados cerâmicos de Glozel, recente-
controu paralelos) do que com a de Glozel, 14 mente datados por intermédio do C14, entre
dos 32 caracteres de Alvão ocorrem também cerca de 700 a. C. e o séc. I d. C.), em vista das
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ALVÃO, SERRA DO
Inscrições zoomórficas em pedras exumadas do dólmen VIII de Chã de Arcas – Carrazedo do Alvão (Padres Rafael
Rodrigues e José Brenha).
Alguns exemplos da «escrita de Alvão» (Padres Rafael Uma das pedras gravadas de Alvão.
Rodrigues e José Brenha).
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ALVÃO, SERRA DO
[…]. O solo da câmara era ladrilhado e estava coberto por uma pequena camada de areia regularmente es-
palhada, continha pouca terra e esta levada pelas chuvas. A câmara deveria ser a maior de todas deste grupo.
O mobiliário que neste dolmen encontrámos, que é o mais extraordinário possível, mostra que ele em lugar
de ser um monumento funerário, era talvez um templo ou sacrário onde a tribo depositara e guardara tudo
aquilo que respeitava e adorava ou que continha as tradições de seus antepassados. Encontrámos neste dól-
men: amuletos de pequenas pedras em forma de amêndoa, de mitra, de dente, de coração, etc.; amuletos
de pedra furados, em forma de raspadeiras, machados, triângulos, tendo diferentes desenhos de animais e
cenas da vida primitiva; 7 pequenas pedras irregulares, furadas e encontradas juntas em forma de colar, ten-
do os orifícios cheios de uma substância negre e untuosa que poderia ter sido uma tira de couro; 12 pedras
globulares, tendo só de um lado ou de ambos, uma cova ao centro de onde partem raios divergentes e ha-
vendo em algumas um sulco em volta onde facilmente se ataria um fio para suspensão; 10 pedras zoomór-
ficas; 4 bustos de mulher; uma pequena pirâmide triangular tendo dos dois lados uma cova com raios di-
vergentes e dos outros a cara de um animal; 15 pedras, algumas grandes, com desenhos de animais e cenas
venatórias; uma pedra que denominamos «Arca de Noé», tendo nove animais desenhados; uma pequena
pedra com traços (caracteres?); 2 grandes amuletos furados, aguçados em raspadores, com inscrições, tendo
um deles o símbolo do sol; matérias corantes diversas.
afinidades de algumas inscrições alfabetiformes encontrada em Alvão], in Primeiro de Janeiro (6 Fev. 1928);
idem, A Cronologia das mais antigas inscrições do noroeste da Pe-
com a denominada escrita ibérica e com certos nínsula, in Congreso de Barcelona de la Asociación Española pa-
objectos da cultura castreja. Especula-se ainda ra el Progreso de las Ciencias (22 Mai. 1929), Barcelona, 1929,
sobre a possibilidade de os dólmenes que pro- p. 31-56; idem, La Question de Glozel et l’origine de l’Alphabet,
in Archivio di Storia della Scienza, v. 9, n. 1 (1929), p. 53-62;
tagonizaram os achados poderem ter sido pal- idem, Les inscriptions de Parada, Alvão et Lerilla, Actas do XV
co, após o Neo-eneolítico (porém, em época Congrès International d’Anthropologie et d’Archéologie Préhistori-
anterior à romanização), de práticas mágicas e que (Paris, 20-27 Setembro 1931), Paris, 1933, p. 349-357;
de feitiçaria, aliás, à semelhança do que se crê idem, Da Biologia à História, Porto, 1934, p. 190s.; CRUZ,
Domingos Jesus da, A Necrópole Megalítica da Serra do Alvão,
possa ter sucedido em Glozel, Baarburg (Suiça) in Trabalhos de Antropologia e Etnologia, v. 25, n. 2-4 (1985),
e Tell-Sandahanna (Palestina). p. 396-406; JULLIAN, Camille, Alvão, d’après M. Jullian, in
Trab. da Soc. Port. de Antropologia e Etnologia, v. 3, n. 4 e v. 4,
n. 1 (1928), p. 84-85; PARDO DE LAMA, Frederico M., Pie-
BIBLIOGRAFIA ANTUNES, João, O Mistério de Glozel: histó- dra com grabados de carácter prehistorico hallada en Cedeira: pa-
ria sumária e estado actual da questão, in Eleusis, v. 1, n. 8 (Ago. ralelismo com Alvão?, in Congresso do Mundo Português (Lisboa,
1927), p. 225-231; BRENHA, Padre José, Dolmens ou antas 1940), v. 1, Lisboa, 1940, p. 311-326; PINTO, Rui de Serpa,
no concelho de Vila Pouca de Aguiar, in Portugália, t. 1, n. 4 Um problema arqueológico: notas sobre o Alvão, in Porto Acadé-
(1899-1903), p. 691-706; CARDIM, Luís, Em torno das ins- mico, v. 34 (1927), p. 3; REGO, José Teixeira, Os Alfabetos de
crições de Glozel, in A Águia, s. 3, v. 9 (29) (Jul.-Dez. 1926), Alvão e Glozel, in Trab. da Soc. Port. de Antropologia e Etnologia,
p. 44-49; CARDOSO, Mário, Ainda o espólio do Alvão, in v. 3, n. 3 (1927), p. 217-229 e in Estudos e Controvérsias, Lis-
Rev. de Guimarães, v. 39, n. 3-4 (Jul.-Dez. 1929), p. 194-199; boa, 1991, p. 113-121; REINACH, Salomon, Éphémérides de
COELHO, Adolfo, O caso de Glozel – A Escrita já era conhe- Glozel, Paris, 1928; RODRIGUES, Padre Rafael, Dolmens ou
cida na Idade da pedra?, in ABC, a. 8, n. 380 (27 Out. 1927); antas de Villa Pouca de Aguiar, in O Arqueólogo Português, v. 1,
CORREIA, Mendes, Glozel e Alvão: os portugueses e a invenção n. 2 (Fev. 1895), p. 36-37 e n. 12 (Dez. 1895), p. 346-352;
do alfabeto, in Trab. da Soc. Port. de Antropologia e Etnologia, idem, ???, in Vida Moderna, n. 20s. (1895-1896); SEVERO,
v. 3, n. 2 (1927), p. 137-162; idem, O problema de Glozel e os Ricardo, Commentario ao espolio dos dolmens do concelho de
scientistas portugueses, in Revista de Guimarães, v. 37, n. 4 Villa Pouca de Aguiar, in Portugália, t. 1, n. 4 (1899-1903), p.
(Out.-Dez. 1927), p. 177-181; idem, L’authenticité d’Alvão: 707-750; idem, Les dolmens de Villa-Pouca-d’Aguiar (Trás-os-
réponse à M. Dussaud, in Trab. da Soc. Port. de Antropologia e Montes): questions d’authenticité, in Portugália, v. 2, n. 1-4
Etnologia, v. 3, n. 4 (1928), p. 79-84 e v. 4, n. 1 (1928), p. (1905-1908), p. 113-117; VASCONCELOS, J. Leite de, Dol-
79-84; idem, Sur une inscription proto-ibérique d’Alvão, in mens do concelho de Villa-Pouca-de-Aguiar, in O Arqueólogo
Trab. da Soc. Port. de Antropologia e Etnologia, v. 4, n. 1 Português, v. 2, n. 10-11 (Out.-Nov. 1896), p. 231-233; idem,
(1928), p. 299-310; idem, [Longa inscrição sobre argila Religiões da Lusitânia, v. 1, Lisboa, 1897
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ÁLVARES, ANA
ÁLVARES, ANA
Feiticeira de Balugães (Braga), perita em fazer
feitiços (dava cinza às raparigas para deitarem
no vinho dos rapazes que desejavam para mari-
dos), mas, designadamente, desfazê-los, como,
entre outros casos: A. o do marido de uma cer-
ta Ana de Bairos, perdido de desejos por uma
mulata cativa; B. o de um outro que se esque-
cera da mulher em São Tomé, em consequên-
cia do feitiço de uma negra mais bonita que
ela. Denunciada pelo cónego Manuel da Cos-
ta, que a acusa de ter feito pacto com o *demó-
nio, confessaria que o não invocava, mas ele
próprio «lhe aparecera uma noite à sua porta
em figura de gato e lhe dissera que quando
houvesse mister o chamasse porque ele viria lo-
go, e que queria dela que lhe oferecesse um bo-
de ou cabra […]» [ANTT: Inq. Coimbra, proc.
926, fl. 23]. Foi sentenciada de vehementi sus-
peita e a algum tempo de cárcere a arbítrio dos
inquisidores para sua instrução.
Frontíspicio da Verdadeira Informação das Terras do
ÁLVARES, CATARINA Preste João (Lisboa, 1540) de Francisco Álvares.
Mulher de Gonçalo Pires, residente em Gé-
meos (Braga). Feiticeira afamada, nessa qualida- integrado na embaixada de D. Rodrigo de Li-
de apontada em diversas visitações anteriores à ma, de quem era capelão. Permaneceria na cor-
de 1571, na qual, novamente, seria denunciada te do Imperador David (Libna Dingle) durante
por ter passado trigo numa corte entre o couro seis anos, período que aproveitou para se intei-
e a camisa de uma menina de 8 anos, chamada rar sobre as crenças e costumes dos abexins.
Maria, dizendo muitas palavras supersticiosas Acompanhado pelo embaixador Saga Zaab, re-
que serviam para sarar porcos [Arquivo gressaria a Lisboa, no ano de 1527, dirigindo-se
Distrital de Braga: VD, n. 435, fl. 69-69v]. a Roma, em 1531, no intuito de transmitir as
suas constatações ao Papa Clemente VII, peran-
ÁLVARES, DOMINGOS te o qual pronunciou uma Oração de obediên-
Saído no auto-da-fé, de 24 de Junho de 1744, cia no consistório público de 29 de Janeiro de
e degredado para Castro Marim e, novamente, 1533. A sua Verdadeira Informação das Terras do
no de 20 de Outubro de 1749 [ANTT: Inq. Preste João causou enorme alvoroço na Europa,
Évora, maço 803, 7759; 11219, fl. 29v-30r], tornando-o responsável pela definitiva desmiti-
acusado de buscar tesouros escondidos, como ficação do reino do *Preste João. O teor geral da
*vedor. obra foi primeiro divulgado por um opúsculo
intitulado Legatio David Aethiopiae Regis, edita-
ÁLVARES, PADRE FRANCISCO (1470-1540) do em Bolonha (1533) e também impresso em
Presbítero secular, natural de Coimbra. Partiu Antuérpia (1533 e 1534) e Paris (1533 ou
para a Índia, em 1515, com Duarte de Galvão, 1534). Só em 1540 surgiria, em Lisboa, a pri-
chefe indigitado da primeira embaixada portu- meira edição portuguesa ([BN: Res. 412-413
guesa à Etiópia, a qual não logrou ir além do V], reimpressa em: 1883; 1889 [BN: HG 1076
Mar Vermelho. Visitou a *Abíssinia, em 1520, A]; 1943 [HG 17351 V]; 1953 e 1966 [BN:
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ÁLVARES, MARAGARIDA
HG 24618 V]), a partir da qual foram realiza- da da sentença, desde que ela pagasse 500 reais
das as ulteriores traduções para: espanhol (An- para a Coroa [ANTT: Chancelaria de Dom João
tuérpia, 1557 [BN: Res. 2120 P]; Saragoça, II, liv. 5, fl. 91].
1561; Toledo, 1588 [BN: Res. 2125 P]; Valen-
ça, 1609); italiano (Veneza, 1550, 1554, 1563, BIBLIOGRAFIA MORENO, Humberto Baquero, A Feitiçaria
em Portugal no século XV, in Anais da acdemia Portuguesa de
1588 e 1968-1970); francês (Lyon, 1556; An- História, s. 2, v. 29 (1984), doc. VI, p. 39-40
tuérpia, 1556, 1558 e 1588; Paris, 1674 e 1830
[BN: HG 3501 V]); alemão (Eisleben, 1566, ÁLVARES, MARGARIDA
1567, 1572 e 1573; Francoforte, 1576); inglês Mulher de Luís Gonçalves, carpinteiro, mora-
(Londres, 1831 [BN: HG 29737 V], 1881 e dor em Lisboa. Com receio de vir a ser detida
1961 [BN: RE 497 P]); e até para a língua amá- em consequência de algumas pessoas a acusa-
rica (Lisboa, 1966). Francisco Álvares incluiu rem de ter feito um feitiço contra João Lousada,
nesta trechos ausentes do supracitado opúsculo, suplicaria a Dom Manuel perdão pela sua con-
tais como: as respostas dadas ao arcebispo de duta, alegando que apenas servira de interme-
Braga, D. Diogo de Sousa; anotações às per- diária entre uma cristã nova, de facto a respon-
guntas que o Preste João lhe formulou sobre a sável pelo malefício, e a cara metade do destina-
liturgia e costumes da Igreja Romana, descre- tário deste, *Branca Anes: «[...] que estando um
vendo, por exemplo, a missa de Natal que cele- dia a mulher de João Lousada em sua casa e as-
brou na tenda do Imperador; relatos sobre as sim outras muitas mulheres, por serem suas vi-
terras e igrejas da Etiópia, etc. *Aquaxumo, *ar- zinhas, a dita mulher de João Lousada lhes viera
ca da Aliança, *Lalibela, *Salomão. a fazer queixume como levava má vida com o
dito seu marido por respeito de uma manceba
BIBLIOGRAFIA AUBIN, Jean, L’Embassade de Prêtre-Jean à D.
Manuel, in Mare Luso-Indicum, n. 3 (1976), p. 1-56; idem, Le
que tinha; e que uma cristã nova que aí estava
Prêtre-Jean devant la Censure portugaise, in Bulletin des Études lhe dissera que lhe ensinaria uma devoção com
Portugaises et Brésiliennes, n. 41 (1980), p. 33-57; BARROS, que ela estivesse bem com o dito seu marido e
João de, Décadas da Ásia, III, liv. 4, cap. 3; ALMAGIA, R., Un
rifacimento italiano inedito della Historia d’Etiopia di Francesco
que a[o] cabo de [um] dia a dita cristã nova
Alvares, in Scriti Geografici, Roma, 1961, p. 469-489; AN- mandara a ela suplicante a desse à dita mulher
DRADE, António Alberto Banha de, Francisco Álvares e o de João Lousada, dizendo-lhe que era São Lon-
exito europeu da verdadeira informação sobre a Etiópia, in Actas
ginos e que a metesse ela debaixo da cabeceira
do Colóquio Presença de Portugal no Mundo, Lisboa, 1982, p.
285-339; CARREIRA, José Nunes, A Abíssinia de Francisco ao dito seu marido, dizendo-lhe certas Ave Ma-
Álvares: queda de um mito, in Literatura de Viagem: narrativa, rias à honra de Nossa Senhora que rogasse a
história, mito, Lisboa, 1997, p. 85-98; CASTANHEDA, His- Deus que assim por milagre abrira os olhos de
tória do descobrimento e conquista da Índia pelos Portugueses, liv.
7, cap. 5; CONDE DE FICALHO, Viagens de Pero da Covi- São Longinos, assim os abrisse ao dito seu ma-
lhã, Lisboa, 1898; CORREIA, Gaspar, Lendas da Índia, v. 2, rido que bem vivesse com ela, pelo qual vendo
Lisboa, 1923, p. 486s. e 578s. e v. 3, p. 22s.; GÓIS, Damião ela suplicante que tudo eram palavras de devo-
de, Fides, religio moresque Aethiopum sub Império Preciosi Joa-
nnis, Lovaina, 1540; STASIO, D., Il «Viaggio in Etiopia» di ção, tomara a dita imagem e a dera à dita mu-
D. Francesco Alvarez, in Bollettino della Società Geografica Ita- lher de João Lousada, dizendo-lhe assim tudo
liana (Roma, Nov. 1889), p. 802-836 como a dita cristã nova lhe dissera que lhe dis-
sesse, o que ela mulher de João Lousada fizera
ÁLVARES, ISABEL [...]» [ANTT: Chancelaria de Dom Manuel, liv.
Mulher de Rui Lopes, de Santarém. Presa, por 45, fl. 117v]. A 17 de Maio de 1501, o Ventu-
constar que era feiticeira «e que tinha feitiços roso deferiu-lhe o requerimento, na condição de
no lar para seu marido», fora por esse motivo ela pagar três mil reais para obras de piedade.
condenada a degredo para fora da vila e termo
da sua residência, durante um ano. A seu pedi-
BIBLIOGRAFIA AZEVEDO, Pedro de, Benzedores e Feiticeiros
do, Dom João II passar-lhe-ia carta de perdão do tempo d’el Rei D. Manuel, in Revista Lusitana, v. 3, n. 3-4
(26 de Abril de 1482) da parte ainda incumpri- (1894-1895), p. 341
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ÁLVARES, VIOLANTE
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ÁLVARO DE CAMPOS
Álvaro de Campos nasceu em Tavira, no dia 15 de Outubro de 1890 (às 1,30 da tarde, diz-me o Ferreira
Gomes; e é verdade, pois, feito o horóscopo para essa hora, está certo). este, como sabe, é engenheiro naval
(por Glasgow), mas agora está aqui em Lisboa em inactividade. […]. Álvaro de Campos é alto (1,75 m de
altura, mais 2 cm do que eu), magro e um pouco tendente a curvar-se. Cara rapada todos – o Caeiro louro
sem cor, olhos azuis; Reis de um vago moreno malte; Campos entre branco e moreno, tipo vagamente de
judeu português, cabelo porém liso e normalmente apartado ao lado, monóculo. […]. Álvaro de Campos
teve uma educação vulgar de liceu; depois foi mandado para a Escócia estudar engenharia, primeiro me-
cânica e depois naval. Numas férias fez a viagem ao Oriente de onde resultou o Opiário. Ensinou-lhe latim
um tio beirão que era padre.
Como escrevo em nome destes três?...
Caeiro por pura e inesperada inspiração, sem saber, ou sequer calcular que iria escrever. Ricardo Reis, depois
de uma deliberação abstracta, que subitamente se concretiza numa ode. Campos, quando sinto um súbito
impulso para escrever e não sei o quê. [...]. A prosa, salvo o que o raciocínio dá de «ténue» à minha, é igual
a esta, e o português perfeitamente igual; ao passo que Caeiro escrevia mal o português, Campos razoàvel-
mente mas com lapsos como dizer «eu próprio» em vez de de «eu mesmo», etc., Reis melhor do que eu,
mas com um purismo que considero exagerado.
O difícil para mim é escrever a prosa de Reis – ainda inédita – ou de Campos. A simulação é mais fácil, até
porque é mais espontânea, em verso.
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ALVELA
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AMADIS DE GAULA
AMADIS DE GAULA
Testemunho flagrante da influência e adap-
tação da *Matéria da Bretanha na Península
Ibérica, o romance do Amadis de Gaula, bem
conhecido em Portugal durante os séculos XIV
e XV, narra as aventuras fantásticas e os desvar-
ios amorosos do «Donzel do Mar» (nascido de
uma união clandestina entre Elisena e o rei Pe-
rion), encarnação do ideal de pureza no amor,
da generosidade, da nobreza e da abnegação,
atributos próprios da autêntica cavalaria, sen-
do-nos familiar, hoje, por intermédio da versão
refundida e acrescentada (livro quarto), em fi-
nais de quatrocentos, por Garci Rodriguez de
Montalvo, fidalgo de Medina del Campo. A
origem ibérica da narrativa é geralmente aceite,
não sendo, todavia, consensual a autoria do
Amadis de Gaula. Perfilam-se três argumentos
principais em abono da tese da origem portu-
guesa, todavia, todos eles susceptíveis de ar-
guição: A. a tradição que relaciona Amadis com
Vasco de Lobeira, associação estabelecida, em
primeira mão, por Gomes Eanes de Zurara, na
Crónica de D. Pedro de Meneses (livro I, cap. Frontispício da 1ª impressão do Amadis de Gaula (Sara-
LXIII): «feito a prazer de um homem que se goça, 1508).
chamava Vasco de Lobeira em tempo d’el rei
D. Fernando»; B. o estribilho do Lais de Leono- apenas quatro fragmentos em castelhano, even-
reta («Leonoreta, fin roseta, bella sobre toda tualmente de inícios de quatrocentos; B. a forte
flor, fin roseta, não me meta em tal coita implantação da narrativa na literatura espanho-
voss’amor»), que surge no Cancioneiro Colocci- la. A partir da edição princeps, impressa em Sa-
Brancuti (fl. 64r-64v), entre as produções de ragoça, no ano de 1508, o seu sucesso tornar-
Johan de Lobeira (1279-1325), trovador con- -se-ia enorme na Europa. Seria traduzido e
temporâneo de D. Dinis, foi adaptado por adaptado em França, Itália, Holanda e Alema-
Garci de Montalvo e integrado no romance (li- nha e abreviado até em hebraico. Em 1522,
vro II, cap. LIV). C. a possível relação entre Jo- inspiraria o Dom Duardos de Gil Vicente, o
han de Lobeira e D. Afonso (irmão de D. Di- qual, alguns anos antes havia apresentado uma
nis, 1263-1312), porquanto na versão de adaptação teatral do próprio Amadis de Gaula
Montalvo se lê que a história dos amores de que constitui, segundo a opinião abalizada de
Briolanja por Amadis teria merecido o interesse Eugénio Asensio, um dos momentos mais altos
do «señor infante don Alfonso de Portugal», o da dramaturgia vicentina. A primeira impres-
qual, descontente com o primeiro desfecho in- são integral conhecida dos quatro livros da no-
feliz, o mandara «de outra guisa poer» (livro I, vela saiu dos prelos sevilhanos de Jacobo e Juan
cap. XL). Por seu turno, a tese castelhana assen- Cronberger, em 1526 (fim do mês de Abril):
ta sobre dois argumentos, também eles não Los quatro libros de Amadis de gaula nueua-
completamente plausíveis: A. a tradição ma- mente impressos e hystoriados en Sevilla [BN: Res
nuscrita anterior à refundição de Montalvo, 454 V]. As sequelas do Ciclo dos Amadises pro-
quase integralmente perdida, dela subsistindo duziram ao todo 12 livros. Esta novela de cava-
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AMADIS DE GAULA
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AMADOR, SANTO
Novelas de Cavalaria Portuguesa. I – Amadis de Gaula, in Pano- cipe y Cauallero de la ardiente espada Amadis de
rama (1838) e in Opúsculos, v. 5, Lisboa, 1907, p. 87-99; LA-
PA, M. Rodrigues, A questão do Amadis de Gaula no contexto
Grécia, hijo de Lisuarte de Grécia, Emperador de
peninsular, in Grial, v. 27 (1970), p. 14-28; LEBESGUE, Phi- Constantinopla, y de Trapisonda, y Rey de Rodas.
léas, La Matière de Bretagne et l’Amadis de Gaule, in Bulletin des Que tracta de los sus grandes hechos en Armas, y de
Études Portugaises, v. 4, n. 1 (1937), p. 47-57; LOPES, Graça
los sus altos, y estraños Amores: Y es el noueno libro
Videira, Geografias Imaginárias – espaço e aventura no Amadis
de Gaula, in A Imagem do Mundo na Idade Média (Actas do de Amadis de Gaula (Lisboa, Simão Lopes,
Colóquio Internacional), Lisboa, 1992, p. 207-213; MAR- 1596 [BPBraga]).
TINS, Mário, O elemento religioso no Amadis de Gaula, in Bro-
téria, v. 68, n. 6 (1959), p. 639-650 e in Estudos de Cultura Me-
dieval, v. 3, Lisboa, 1983, p. 341-355; MENENDEZ Y PE- AMADOR, SANTO
LAYO, Marcelino, Origenes de la Novela, v. 1, Madrid, 1905, Natural de Monsanto (antes do séc. X). Advo-
p. CXCIX-CCXLVIII; MICHELS, R. J., Deux traces du Che- gado contra as «más sentenças dos médicos»,
valier de la Charrette observées dans l’Amadis de Gaula, in Bu-
lletin Hispanique, v. 37 (1935), p. 478-480; MOISÉS, Mas- antigamente venerado a 27 de Março (cf. Jorge
saud, Amadis de Gaula, in Dicionário de Literatura (dir. Jacinto Cardoso, Agiológio Lusitano, 1657), sem em-
Prado Coelho), Porto; NASCIMENTO, João Cabral do, O bargo do seu nome não constar dos Acta Sanc-
Nome de Gaula, in Feira da Ladra, v. 1 (1929), p. 201-204;
PASTOR CUEVAS, Maria Cármen, Tipologia del Ermitaño:
torum. À capela de São Pedro de Vir-a-Cor-
ficcionalización y fución en los Libros de Caballerias Hispânicos ça, no sopé de Monsanto (Castelo Branco),
(Zifar, Amadís y Tirante el Blanco), in Literatura Medieval (Ac- fundada, conforme uma vetusta tradição, pelo
tas do IV Congresso da Associação Hispânica de Literatura
Medieval), v. 4, Lisboa, p. 35-39; PAXECO, Fran [Manuel
eremita, que ali viveu e onde, desde há muito,
Francisco Pacheco], O Poema do Amadis de Gaula, in Biblos são veneradas as suas relíquias (profanadas
(1933) e Coimbra, 1934 [BN: L 31908 V]; PIMPÃO, Costa, pelos franceses no séulo XIX), anda associado o
Idade Média, Coimbra, 1959, p. 177-189; PIRES, António
seguinte episódio lendário: um dia, viu Ama-
Tomás, Vasco de Lobeira, Elvas, 1905 e 1917 (2ª ed.); REALI,
E., Leonoreta/fin roseta nel problema dell’Amadis de Gaula, in dor um grupo de demónios levando pelos ares
Annali dell’Instituto Universitário Orientale di Napoli, v. 7 uma criança, raptada em consequência de uma
(1965), p. 237-245; RODRIGUEZ-MOÑINO, António / *praga proferida pela mãe. Tendo implorado a
CARLO, Agustín Millares / LAPESA, Rafael, El Primer Ma-
nuscrito del Amadis de Gaula, in Boletin de la Real Academia Es- Deus a salvação daquele menino inocente, os
pañola, v. 36 (1956), p. 199-216; SARDINHA, António, Sig- demónios depositaram-no incólume sobre uns
nificado do Amadis, in Nação Portuguesa, s. 2, n. 9-10 (1923), rochedos onde nasceria uma fonte. Doravante,
p. 400-409 e 455-468 e in À Sombra dos Pórticos, Lisboa,
1927, p. 191-263; THOMAS, Henry, The Romance of Amadis a criança seria criada pelo ermitão na gruta on-
of Gaul, in Revista de História, n. 17 (Jan.-Mar. 1916), p. 1-33 de vivera solitário, visitada diariamente por
[BN: L 37299 V] e in Spanish and Portuguese Romances of Chi- uma corça de cujo leite o menino se nutria.
valry: the revival of the Romance of Chivalry in the Spanish Pe-
ninsula and its extension and influence abroad, Cambridge,
Ora, esta lenda, evoca um relato intitulado A
1920, cap. 2, p. 41-83; idem, Las novelas de caballerias españo- Vida de Pantalinos e de sua mulher e do seu filho
las y portuguesas, Madrid, 1952; VARNHAGEN, Francisco Santo Amador, constante do Flos Sanctorum de
Adolpho de, Da literatura dos livros de cavalleria: estudo breve e
conscencioso com algumas novidades acerca de originais portugue-
ses e com fac-simile, Viena, 1872; VASCONCELOS, Carolina
Michaelis de, Prefácio a O Romance de Amadis, de Afonso Lo-
pes Vieira (1922), Lisboa, 1935 (3ª ed.); VIEIRA, Afonso Lo-
pes, O conto de Amadis de Portugal para os rapazes portugueses,
s. l., s. n., 1938 [BN: L 49695 V], Lisboa, Bertrand, 1969
[BN: L 26263 P]; XAVIER, A., O Romance: alguns aspectos da
sua evolução na literatura europeia, Lisboa, 1934, p. 81-122;
WILLIAMS, G. S., The Amadis Question, in Revue Hispani-
que, v. 21 (1909), p. 1-167; idem, El desenlace del Amadis pri-
mitivo, in Romance Philology, v. 6 (1953), p. 283-289
AMADIS DE GRÉCIA
Protagonista de uma das sequelas do Amadis de
Gaula, redigida por Feliciano da Silva e intitu-
lada Choronica del muy valiente y esforçado Prín- Capela de S. Pedro de Vir-a-Corça, na actualidade.
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AMAMENTAR
1513 (fl. XLV), decerto decalcado de um ro- Mulheres há cuja presença tem o condão de ti-
mance hagiográfico do século XII, muito di- rar o leite a outras. Para evitar essa situação
fundido em França e na Península Ibérica (cf. convém que se despeçam, dizendo: «Adeus,
José Mattoso). Em suma: no Egipto, Amador, F..., eu não quero o teu leite». Para que o leite
em criança, havia sido consagrado pelos pais ao volte, preconiza-se, em Évora, colocar um cole-
diabo e libertado dele por um eremita que o te ao relento, durante três dias, dando-se-lhe
baptizou e sustentou com leite de corça. Ten- muitas pancadas diariamente, no termo dos
do-se tornado, por seu turno, anacoreta, Ama- quais a mulher sem leite veste o colete orvalha-
dor salvou as almas dos progenitores, mediante do antes do nascer do sol. Crê-se que se duas
muita oração e a celebração de um trintário mulheres que amamentam beberem pelo mes-
missas. Nesta prática, de resto, havia se de ins- mo copo, aquela que beber em segundo lugar
pirar a devoção muito generalizada durante os tira o leite à primeira. Para que o leite volte a
séculos XV e XVI do trintário (33) de missas esta, é necessário que ambas tornem a beber
denominado de Santo Amador (*missa de San- pelo mesmo copo, dizendo a que ficara sem lei-
to Amador). A imagem milagrosa de São Pe- te: «Dá-me o meu leite e fica com o que é teu».
dro, que se cultua na ermida de Vir-a-Corça, Também se diz que se uma mulher que ama-
indesmentível sucedâneo ortodoxo (e sin- menta der pão a uma cadela com cachorrinhos,
crético) dos mistérios pagãos destronados (a ela lhe ficará com o leite, acidente ultrapassado
corça acompanha *Diana, uma das epifanias da se for dado à mulher, sem seu conhecimento,
*Grande-Deusa), era, outrora, muito visitada um bocado de pão mastigado pela mesma ca-
pelos doentes de *quebradura, os quais para se dela. *S. Mamede (17 Agosto) é o protector
verem livres dos seus achaques se «pesavam a contra a falta de leite das mulheres que ama-
trigo». *Barrete vermelho. mentam. Outrora, informa A. Tomás Pires, as
mulheres a quem faltava o leite, tendo necessi-
BIBLIOGRAFIA DAVID, Pierre, Études historiques sur la Galice dade dele para amamentar, pegavam-se «com a
et le Portugal du VIe au XIIe siècle, Coimbra, 1947, p. 240; imagem de São Cristóvão que está na quinta
MARTINS, Mário, Trintários, in Lusitânia Sacra, v. 4, Lisboa,
1959, p 147-154; idem, A lenda do trintário de Santo Amador, deste nome (arredores de Elvas) e prometem-
in Brotéria, v. 72 (1961), p. 280-284; PEREIRA, Félix Alves, -lhe uma quartinha de leite de cabras e cinco
Ruína de ruínas ou destroços egeditanos III. A Ermida de S. Pe- merendinhas» (cf. Investigações Etnográficas, in
dro de Vila Corça, in Arqueólogo Português (1916), p. 5-17;
SALVADO, Maria Adelaide Neto, O Espaço e o Sagrado em S. Revista Lusitana, v. 8, 1903-1905, p. 277).
Pedro de Vir-a-Corça, Idanha-a-Nova, 1992 *Aleitar, *São Mamede.
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AMARO, SANTO
Pedro Nunes e seu substituto ocasional na cá- Que me quero vestir dele, / Já que tanto me
tedra de Coimbra. Após a morte de D. Luís, agradou.» (Barcelos). *Giesta. amarelos «casa-
exilou-se em Valladolide, em cuja Universidade dos» ou «casadinhos».
ensinou.
BIBLIOGRAFIA MAÇÃS, Delmira, A cor amarela na tradição
popular e em alguns autores dos fins do século XIX, princípios do
OBRA Cronologia, seu ratio Temporum, maximè in XX, in Biblos, v. 64 (1988), p. 209-236
Theologorum, atque bonarum literarum studiosorum gratiam
[Obra dedicada a D. António. Denota paralelismos quanto à
estrutura e fontes relativamente ao De AEtatibus Mundi de AMARO, SANTO (?-584)
Francisco de Holanda. Na introdução faz entusiasmada pro- Abade, também chamado Mauro. Invocado
fissão de fé na *Kabbalah cristã, louvando e citando longa- contra a coriza e a favor da cura de membros
mente os seus principais mestres: Pico, Reuchlin e Galatino];
Monostichon. De Primis Hispanorum Regib. Lib. Primus, fracturados ou enfermos. Em algumas regiões é
Coimbra, 1554 [Inclui uma Oratio de Hominis suprema dig- também padroeiro de casamentos: «Santo
nitate, dedicada à Infanta D. Maria]. Amaro, meu santo Amaro, / tu és o meu santo
querido, / venho hoje aqui pedir-te / que me
AMARELA, CATARINA dês um bom marido». Cultuado a 15 de Janei-
Tinha 42 anos quando saíu penitenciada no ro. Atributos: báculo e um livro. Na sua hagio-
*auto-da-fé da Inquisição de Lisboa, de 10 de grafia afirma-se haver sido confiado aos cuida-
Outubro de 1723, por fingir revelações e vi- dos de *São Bento quando apenas contava 12
sões, presunção de pacto e trato com o diabo, anos, tendo sido investido pelo próprio Abade
proferir blasfémias contra Cristo, o Espírito como seu herdeiro espiritual e administrador
Santo e a Santíssima Trindade e fazer desacatos do mosteiro do Monte Cassino. São Gregório
em imagens de santos (cf. Adolfo Coelho, Cos- exaltou-o por se ter distinguido no amor da
tumes e crenças populares). oração e do silêncio, motivo por que, a exem-
plo de são Pedro, foi recompensado com a fa-
AMARELO culdade de caminhar sobre as águas. A Vida de
Em Bernardim Ribeiro, à semelhança dos cân- Santo Amaro em português existia em Alcobaça
ticos populares, a cor amarela significa desespe- [ANTT: Livraria n. 2274 (olim alc. CCLXVI),
ro, desengano (de amor e de viver) e morbidês, fl. 111-123v (séc. XVI)]. Narra-se nela a via-
o antónimo do verde, que é esperança. Diz o gem que Santo Amaro empreendeu por mares
povo que «se não houvesse mau gosto que seria ignotos em demanda do *Paraíso, até alcançar
do amarelo?». Tal antipatia grangeou-lhe um uma ilha onde, com efeito, o encontrou, muito
significado desagradável, acrescida pela cor ma- embora lhe não fosse permitido franquear o
cilenta dos que sofrem e da «palidez da morte». pórtico dourado pelo qual se acedia ao local
O amarelo é a mortalha da alma, como o preto onde *Adão e Eva haviam sido criados. O anjo
é luto do corpo. O *amor-perfeito amarelo é que lhe impediu a entrada ofereceu A Santo
emblema dos «casados» ou «casadinhos», en- Amaro uma escudela com terra do Paraíso. Os
quanto *goivo dessa cor é flor de sepultura, de- mindéricos chamam às pernas, as de Santo
sempenhando no reino das flores a função do Amaro (também as do João de Penhas), pelo fac-
*mocho e da *coruja. No entanto, no Minho, to de ser o advogado contra os aleijões nas per-
o amarelo é também a cor do *ouro, sinal de ri- nas e nos braços. A de Santo Amaro é o presun-
queza (arrecadas, cordões e trancelões das oura- to (perna de porco). No ano de 1698, o visita-
das), semeado no vermelho da afeição, e mara- dor presente na paróquia de Meadela (Vinha,
vilha, quando é «ouro sobre azul». Quadras: Braga), proibia o costume supersticioso, que aí
«Amarelo, amarelo, / Amarelo, linda cor! / ocorria, anualmente, no primeiro sábado de
Quem não gosta do amarelo, / Não gosta do Agosto, e que constava de uma vigília nocturna
seu amor.» (Santa Vitória do Ameixial); «Meni- na capela de santo Amaro, com o intuito de se
na do amarelo, / Diga-me quanto custou; / «tomarem orvalhos», aos quais eram creditadas
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AMARO, SANTO
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AMATO, LUSITANO
AMARRAÇÃO
Feitiço destinado a cativar um homem quando
uma mulher julga que ele a trai ou partilha
com outra. Assim, aquela, após ter praticado o
coito, leva o pano de que se serviu para limpar
o sémen a uma mulher de virtude para ela fazer
a amarração. Esta procede do seguinte modo:
dá muitos nós ao pano, espeta um alfinete em
cada nó e introduz o pano assim preparado
dentro de um frasco, junto com cocas, pedra
de ara e álcool. Depois de umas rezas o frasco é
rolhado e lançado ao mar. A virtude do feitiço Retrato de Amato Lusitano.
só termina no caso de alguém o recolher e
desatar os nós. No antigo Museu Etnológico
co do Papa Júlio III e do Duque de Ferrara e
(actual Museu Nacional de Arqueologia) guar-
professor na Universidade desta cidade, tendo
dava-se um destes frascos, recolhido em 1924
ainda exercido em Dubrovnik (então Repúbli-
no Porto Brandão. *Bolo de telha, *dominar
ca de Ragusa, na actual Croácia). Em 1547 es-
vontades, * Pedro Gonçalves de Abreu.
creveu sobre a descoberta das Válvulas nas veias,
AMARRAR tendo redigido, no período entre 1549 e 1561,
Em Paredes, quando se perde alguma coisa, os sete volumes das Centuriae, obra que lhe
diz-se: «Amarro-te aqui Diabo! Pelo divino grangeou uma extraordinária projecção (59
Amor de Deus e o Santíssimo Sacramento, en- traduções em diferentes línguas). Julga-se haver
quanto isto [refere-se o que se perdeu] não apa- sido um dos primeiros autores a referir-se ao
recer, não te desamarro!». Entretanto, reza-se *homúnculo, reportando-se a um que Julius
uma ave-maria e dá-se um *nó com um lenço, Camillus terá fabricado por processos quími-
uma fita, etc., à volta da perna de uma cadeira cos. Morreu de peste em Salónica. É de sua au-
(repete-se três vezes). Logo que o objecto toria a canção Partindo-se: «Senhora, partem
aparece desata-se o nó. Procede-se do mesmo tão tristes / meus olhos por vós, meu bem, /
modo quando se deseja que algo aconteça: por que nunca tão tristes vistes / outros nenhuns
exemplo, que um aluno seja bem sucedido por ninguém. / Tão tristes, tão saudosos, / tão
num exame, quando se pretende fazer uma doentes da partida, / tão cansados, tão choro-
viagem, etc. sos, / da morte mais desejosos / cem mil vezes
que da vida. / Partem tão tristes os tristes, / tão
AMATO LUSITANO fora d’esperar bem, / que nunca tão tristes vis-
Pseudónimo de João Rodrigues de Castelo tes / outros nenhuns por ninguém». Diogo Pi-
Branco (1511-1568). Estudou Medicina em res dedicar-lhe-ia o seguinte epitáfio: «Aquele
Salamanca. Judeu português exilado. Um dos que tantas vezes retinha a vida fugitiva num
expoentes da medicina quinhentista. Foi médi- corpo doente ou voltava a chamá-la das águas
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AMAVIA
do Letes, / querido, por isso, igualmente dos ra informa que nos *Açores, no século XIX, se
povos e dos grandes reis, aqui jaz; esta foi a ter- usava um filtro amoroso denominado *miolei-
ra que Amato pisou, ao morrer. / Portugal o ra, fabricado com miolos de burro. Ver Jorge
berço, na terra dos Macedónios o sepulcro. Co- Ferreira de Vasconcelos, Comédia Eufrosina
mo se encontra longe do solo pátrio a sepul- (acto II, cena segunda). *Amadio.
tura! / Mas quando o dia supremo e a hora fatal
se aproximam, em toda a parte há um caminho AMAZONA
em declive para a Estige e para os Manes». *Es- Também *almazona, *almajona ou *alamoa. O
colopendra, *espírito diabólico. mito das amazonas existe em todos os conti-
nentes, mas, salvo ligeiras variantes tópicas,
OBRA Index Dioscoridis, Antuérpia, 1536; In Dioscoridis Ana-
zarbei de Medica materia librum quinque enarrationis, Veneza,
corresponde ao arquétipo consagrado: uma so-
1553 [BN: Res 501 P]; Curationium Centuriae Septem [Sete ciedade matriarcal com governo próprio, na
Centúrias de Curas Medicinais (trad. a partir da ed. de Bor- qual os homens ora servem como escravos, ora
déus, 1620), Lisboa, 1980, 4 vols.] apenas são admitidos uma vez ao ano. Seja co-
BIBLIOGRAFIA BENOIT, Francine, Três Canções tristes: para mo for, tais mulheres são consideradas muito
canto e piano (soprano), Lisboa, Valentim de Carvalho [1919] grandes e nutridas. Alimentam os filhos lan-
[inclui 3 partituras, entre as quais a da canção Partindo-se, de
João Rodrigues de Castelo Branco; BN: MP 1199 (38º) A];
çando os seios para trás das costas (Maia, Mi-
CAPPARONI, Pietro, Amato Lusitano e la sua testemonianza nho, Beira Alta). Paulo Orósio dedica dois tre-
della scoperta delle valvole delle vene fatta da giam-battista, in chos da sua História às amazonas: situando o
Congresso do Mundo Português, v. ??, Lisboa, 1940, p. 67-89;
CORREIA, Maximiano, Alguns passos da vida de Amato Lusi-
reino destas junto ao Mar Cáspio (liv. 1, cap. 2)
tano, Lisboa, 1968; CRESPO, Firmino, Amato Lusitano reve- e elencando as referências e explicações sobre a
lado através da sua obra, in Estudos de Castelo Branco (1968); origem delas (liv. 15, cap. I). Os rumores acerca
DIAS, José Lopes, Amato Lusitano Doutor João Rodrigues de
de tribos de mulheres belicosas e varonis no
Castelo Branco: ensaio bio-bibliográfico, Lisboa, 1942; idem, Te-
rapêutica de Amato Lusitano: as sangrias da primeira centúria, in Novo Mundo (*América), deixaram de o ser
Imprensa Médica, a. 9, n. 20 (1943); idem, Terapeutica da sífilis no dia 24 de Junho de 1542, quando o con-
em Amato Lusitano, in Arquivos do Instituto de Farmacologia e quistador espanhol Francisco de Orellana, que
Terapêutica Experimental, v. 8 (1946); idem, Laços familiares de
Amato Lusitano e Filipe Montalto (novas investigações), in Im- fazia o reconhecimento do «rio-mar» (depois,
prensa Médica, a. 25 (Fev. 1961); idem, Comentários ao Index justamente baptizado de Amazonas), foi sur-
Dioscoridis de Amato Lusitano: comunicação ao XXI Congresso preendido por índios comandados por mulhe-
Internacional de História da Medicina em Sena (Itália), Setem-
bro de 1968, Castelo Branco, 1968; idem, João Roiz de Castell res «muito altas e brancas e com cabelos com-
Branco, poeta do «Cancioneiro Geral de Garcia de Resende e João pridos entrançados em volta da cabeça» (Gas-
Rodrigues de Castelo Branco, Amato Lusitano, insigne médico do par de Carvajal, Relación del Nuevo Descubri-
séc. XVI, in Estudos de Castelo Branco, n. 34 (Jul. 1970); FI-
GUIER, Louis, L’Alchimie et les alchimistes: essai historique et
miento del Famoso Rio Grande). Em 1587, Ga-
critique sur la Philosophie Hermétique, 1856, p. 67; JORGE, briel Soares de Sousa informa que os ubirajaras
Ricardo, Amato Lusitano: comentários à sua vida e à sua obra e se batiam sempre, por um lado, com os amoi-
época, Lisboa; LEMOS, Maximiano, Amato Lusitano: a sua vi-
da e a sua obra, Porto, 1907; idem, Amato Lusitano: correcções
piras «e, pelo outro, com umas mulheres, que
e aditamentos, Coimbra, 1922; SALVADO, António (ed.), dizem ter uma só teta, que pelejam com arco e
Medicina na Beira Interior da Pré-Historia ao século XXI – Ca- flecha e se governam e regem sem maridos, co-
dernos de Cultura, Castelo Branco, 1989-2006 [publicação não
mo se diz das amazonas, das quais não pode-
periódica que reúne estudos com interesse para o conhecimen-
to de Amato Lusitano e da sua obra]; SALVADO, Maria Ade- mos alcançar mais informações nem da vida e
laide Neto / MARQUES, António Lourenço (org.), Amato Lu- costumes destas mulheres» (Tratado Descriptivo
sitano nos cadernos de cultura Medicina na Beira Interior, da Pré- do Brasil em 1587). Exploradores posteriores
história ao século XXI, Castelo Branco, 2004; SANTORO, Má-
rio, Amato Lusitano ed Ancona, Coimbra, 1991 (Walter Raleigh, Cristóbal de Acuña, Conda-
mine, etc.) haviam de ser informados da exis-
AMAVIA tência de um reino de mulheres guerreiras e
Sortilégio, filtro amoroso. Beberagem adminis- sem marido, tendo presumido diversas locali-
trada para excitar o amor. Frei Domingos Viei- zações para ele. Contudo, como testemunho
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ÂMBAR
algum credível foi registado, o mito acabaria da Escócia, aos quais era creditada a cura da ce-
por vingar, consagrando definitivamente a ico- gueira. Quanto ao âmbar-cinzento, acha-se no
nografia da alegoria da *América. Cataldo Sí- intestino dos cetáceos, nomeadamente na *ba-
culo chamou Pantisileia (i. e., rainha das ama- leia, assemelhando-se à cera. Com ele se produ-
zonas) à Rainha D. Leonor, num epigrama (cf. ziam perfumes e mezinhas quando, no séc.
Américo da Costa Ramalho e Maria Margarida XVI, os portugueses entraram no Índico, onde
Brandão Gomes da Silva, Cataldo Parísio Sí- existia em grande abundância, circunstância
culo: duas Orações, Coimbra, 1974) e numa determinante para a decisão régia de transfor-
carta, onde a compara à Marquesa de Vila Real mar o seu comércio em monopólio dos capi-
(idem, Epístolas, I, fl. i 3v). No bosque de Vila tães de Sofala e Moçambique. Até finais de qui-
Viçosa existe a Gruta das Amazonas. nhentos a origem do âmbar cinzento foi muito
discutida, apontando Garcia de Orta as princi-
BIBLIOGRAFIA CASCUDO, Luís da Câmara, Geografia dos pais hipóteses: existiria no fundo do oceano,
Mitos Brasileiros, S. Paulo, 2002, p. 374-375; DIAS, Jorge, A consistindo numa espécie de esponja; tratar-se-
lenda das Amazonas como exemplo da perdurabilidade das inter-
pretações fantasiosas acerca de outros povos, in Estudos científicos
-ia de esterco ou esperma de baleia, para uns,
oferecidos em Homenagem ao Prof. Doutor J. Carrington da Cos- de aves, para outros (Duarte Barbosa). Dizia-
ta, Lisboa, 1962, p. 151-157; FONTES, Luís Torres, A Lenda -se, ainda que havia uma ilha misteriosa onde
das Amazonas, in Oceanos, n. 2 (Out. 1989), p. 104-106;
GUIDO, Ângelo, O reino das mulheres sem lei, in Ensaios de
as aves colheriam pedaços, posteriormente in-
Mitologia Amazónica, Porto Alegre, 1937; LANGER, Johnni, geridos pelos cetáceos. No território hoje por-
As Amazonas: história e cultura material no Brasil oitocentista, tuguês o alambre foi muito comum em contex-
in Mneme – Revista Virtual de Humanidades, v. 5, n. 10 (Abr.-
tos do Neolítico/Calcolítico e do Bronze Final,
Jun. 2004]; [LUÍS, Nicolau], O Poder do lindo sexo ou Ama-
zonas: comédia, Lisboa, António Gomes, 1790 [BN: Res 6085 constituindo um dos testemunhos mais evi-
P]; PEREIRA, Maria Helena da Rocha, As Amazonas: destino dentes dos contactos com as regiões norte-
de um Mito singular, in Oceanos, n. 42 (Abr.-Jun. 2000), p. atlânticas (bálticas). Por ser mais belo e fácil de
162-170; PORTELA, Joana Abranches, As Amazonas no
mundo grego, Coimbra, 2002 [tese de mestrado Literaturas trabalhar (um bloco em bruto foi encontrado
Clássicas, Univ. Coimbra; BN: R 22277 V] no castro da Senhora da Guia – Baiões), seria
destinado ao fabrico de pingentes e contas de
ÂMBAR colar. O achado, em 2007, de aproximada-
Designação de duas substâncias diferentes: o mente trinta contas pertencentes a um único
âmbar-amarelo e o âmbar-cinzento. A primei- colar, no arqueosítio do Cabecinho da Capitôa
ra, proveniente de uma conífera do terciário, o (Igreja Nova – Mafra), fez subir para ca. de
Pinus succinifer, é uma resina fóssil dura, deno- meia centena os artefactos em âmbar (tipologi-
minada elektron pelos gregos e por eles dedica- camente heterogéneos) inventariados em Por-
da a *Apolo. Na Vulgata, o hashmal dos he- tugal: mamoa V de Chã de Arcas (Douro); ne-
breus é denominado electrum (Ezequiel, I, 4 e crópole de Eido da Renda (Beiral do Lima –
27; VIII, 2). Também chamado *alambre, as Ponte de Lima); orca de Seixas (Moimenta da
suas propriedades electromagnéticas foram ex- Beira – Viseu); anta do Pinheiro dos Abraços
ploradas desde a pré-história, uma vez que, tal (Bobadela – Oliveira do Hospital); Cabeço da
como o íman atrai o ferro, o âmbar atrai os cor- Amoreira (Salvaterra de Magos – Santarém);
pos neutros, ardendo com chama clara e pro- imediações e gruta do Correio-Mor (Loures);
duzindo um odor perfumado. Tácito informa monumento da Bela Vista (Sintra); necrópole
que este tipo de âmbar era oriundo principal- da Meroeiras (Abuxarda – Cascais); necrópole
mente do Norte da Germânia (região do Bálti- de Talaíde (Cascais); Quinta do Marcelo (Al-
co). Autores muçulmanos medievais davam-no mada); povoado da Coroa do Frade e anta
como eficaz repelente de escorpiões. Leite de Grande do Zambujeiro (Évora); Atalaião e Al-
Vasconcelos refere uns grãos da substância, ex- carapinha (Portalegre); anta dos Pombais (Cas-
postos no Museu da Sociedade Arqueológica telo de Vide – Portalegre); Barranco da Nora
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AMEN
BIBLIOGRAFIA FERNANDES, António / ARAÚJO, António edificada uma ermida, substituída, em meados
de Sousa, Santo Ambrósio. A romagem do Nordeste. História das
suas origens e subsídios para a história de Vale da Porca e Salse-
do séc. XVII pelo templo subsistente, nas pro-
das, 1988 ximidades do qual existe desde data antiga
«uma piscina de saúde» alimentada com a água
ÂMBULA de uma fonte santa. O Santuário Mariano (liv.
O mesmo que *píxide e *cibório. Cálice com 2, tit. XXXIV, p. 349: Nossa Senhora da Amei-
tampa para a conservação e distribuição da joeira) informa que a imagem fora descoberta
*hóstia aos fiéis durante a comunhão. Enquan- junto de «uma pedra em que estavam estampa-
to encerra o *Santíssimo Sacramento deve con- das as plantas [pegadas] da mesma Virgem» e
servar-se coberta com um véu de seda. que terá seguido para Espanha durante o
período filipino. Por seu turno, Dom Rodrigo
AMDUSCIAS da Cunha (História Eclesiástica de Lisboa, cap.
Demónio com a aparência de *unicórnio e 27, p. 2) referindo-se ao *podomorfo, afirma:
também humana. Chefe de 29 legiões. Quan- «E tem constante que visível e corporalmente
do fala as árvores inclinam-se, como que por santificara a Senhora com a sua presença aquele
efeito de um vento violento. Mencionado no lugar e se mostrava uma pedra e nela estam-
cânone 7 do concílio de Braga (560-563). pada a pégada de um dos pés da Mãe de Deus,
maravilha que leva áquele santuário infinita
AMEIPICER gente». A romaria actual não tem nem a di-
Provável ninfa de alguma fonte, atestada por mensão nem o brilho que Frei Agostinho de
uma ara descoberta na Quinta de Orjais (no Santa Maria lhe atribuíu em setecentos, resu-
extremo Sul de Bracara Augusta). Na parte su- mindo-se, praticamente, ao *círio, oriundo da
perior possui um foculus para queimar perfu- povoação de Corovel, que visita o santuário no
mes. A letra da inscrição (AMEIPICRI / SA- último domingo de Agosto, com o objectivo de
CRUM / A[ulus] . CRASSICIVS / PA- cumprir promessas. As Memórias Paroquiais
TERNVS / V[otum] . S[olvit] . L[ibens] . (1758) referem-se a uma confraria do Sobral da
L[aetus]) é típica do século II (cf. Vasconcelos, Abelheira (Mafra) que então ia render culto a
Religiões da Lusitânia, v. 2, p. 333). esta Senhora. Consta que o círio era bienal (i.
e., ocorria de dois em dois anos) e que nele par-
BIBLIOGRAFIA BLAZQUEZ MARTINEZ, Jose Maria, ticipavam duas freguesias: Igreja Nova (Mafra)
Religiones Primitivas de Hispania – I. Fuentes Literarias y
epigraficas, Madrid, 1962, p. 169 e Sobral da Abelheira. Há notícia das festivida-
des na Igreja Nova, em 1896 e 1908, e no So-
AMEIXA bral da Abelheira, no ano de 1904.
Quando alguém sonha com ameixas é certo
perder dinheiro (Alvor, Faro). AMEN
Palavra de virtude cujo valor guemátrico é 99.
AMEIXOEIRA Em hebraico, significa firme, donde a tradu-
Invocação mariana, venerada na Abrigada ção grega, fiel (Apocalipse, III, 14). Ocorre
(Alenquer). A imagem, considerada milagrosa, simples ou dobrada no final das orações (Sal-
terá pertencido a um anacoreta de uma comu- mos: XLI, 13; LXXII, 19; LXXXIX, 52) para
nidade estabelecida nos montes circundantes, confirmar as suas palavras e invocar a respec-
cerca do séc. VIII. Ocultada quando da ocupa- tiva concretização. Adoptada por Jesus para
ção muçulmana, terá sido alegadamente desco- enfatizar a sua mensagem, com o significado
berta no tempo de Afonso II pelo dominico de em verdade (cf. S. João). As promessas de
Frei Soeiro Gomes, quando, certa noite, de Deus são Amen, i. e., são verdadeiras e seguras
passagem pelo local, avistou uma luz a brilhar. (2 Coríntios, I, 20). No Apocalipse é um dos
Em consequência da descoberta havia de ser epítetos de Jesus Cristo.
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AMÊNDOA
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AMENTAR AS ALMAS
AMENTA
Consiste num pater-noster rezado na cadeira
paroquial. Em Cete, Lordelo, Vilela e Sobreira,
Recarei e Rebordosa havia duas espécies de
amentas: as obrigatórias e as voluntárias. As
primeiras eram as que o pároco rezava obriga-
toriamente todos os Domingos, antes da missa
paroquial, durante um ano a contar do faleci-
mento do seu destinatário. As segundas eram
ditas pelo padre, de acordo com a vontade de
cada paroquiano, durante um período de tem-
po indeterminado e até comunicação em con-
trário. Em Gandra, a amenta obrigatória era
tradicionalmente conhecida por responso
anual, a ela correspondendo uma esmola de Toada da Amentação das Almas, recolhida por Rodney
cerca de um alqueire de milho. Gallop em Trás-os-Montes
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pontos da povoação, sempre cantando o Bendi- Vaz de Caminha subjaz idêntico ideário. No
to e entoando toadas tristes e muito arrastadas, século XVII, o messianismo apocalíptico recru-
devendo regressar à porta principal da igreja desceria, agora no seio das comunas judaicas
antes da meia-noite. Consta que os participan- do Velho Mundo graças a uma obra de *Me-
tes na ementa das almas de Guardão «eram nasseh ben Israel, intitulada Esperança de Israel
muito tentados» pelo *Pecado (*diabo) que pre- (1650), a qual anunciava o reencontro, em ple-
gava toda a casta de partidas para se vingar. na selva colombiana, por António de Montesi-
*Antar os mortos, *aumentar as almas. nos, das Tribos perdidas de Israel, tese ulterior-
mente adoptada inclusive por cristãos-velhos e
BIBLIOGRAFIA ALMEIDA, Carlos Alberto Ferreira de, Emen-
tação das Almas, in Revista de Etnografia, v. 5 (1964), p. 67;
ainda hoje muito difundida pela catequese
CORREIA, Alberto, Amentação das almas em Lageosa do Dão, mormon. Inúmeros foram os exploradores que
in Beira Alta, v. 37, n. 1 (1978), p. 121-149; TUDELLA, Pe- empreenderam nas Américas a busca de reinos
dro de Sousa, A ementa das almas, in Beira Alta, v. 25, n. 2 míticos, como o Coronado ou o *Eldorado,
(1966), p. 219-221
não sendo despiciendo o número dos autores
AMENTAR O CÃO DO GADO que localizaram o *Paraíso no Novo Mundo,
Adorar o *diabo (*cão do gado). Feitiço geral- de resto, na esteira dos autóctones: Tula ou Tu-
mente praticado por pastores, também procu- lan (México), Aztlan ou Cidade de Chicometa-
rados para o *desamentar. Alegadamente, o ze (Aztecas), Terra de Olman (Toltecas?),
*malefício atormentava e matava muitas Maya-Pan (Maias), Mansão do Amanhecer
crianças. (Incas), Paiquerê ou Boassucanga (índios do Pa-
raná), Matutu ou Araracanga (tribos do Mato
AMÉRICA Grosso). Por exemplo, *Pedro Rates de Hane-
Gago Coutinho considera o planisfério de quim, natural de Lisboa e residente durante
Cantino (1502), existente em Modena (Itália) vinte anos em Minas, preso pela *Inquisição
o mapa mais antigo da América, enquanto Ar- (1741) como implicado na conspiração que
mando Cortesão vê na *Antilia (i. e., anti-ilha) tinha por objectivo aclamar como rei do *Brasil
de Pizzigano (1424) a mais remota representa- o infante Dom Manuel (irmão de *Dom João
ção cartográfica de terras americanas. A conju- V), sustentava que o paraíso terreal fora naque-
gação de eventos tais como a conquista de Gra- la colónia e que Adão ali se criara, passando a
nada e a descoberta do Novo Mundo geraram pé enxuto para Jerusalém, como se apressava a
no imaginário quatrocentista europeu expecta- concluir a partir de umas pegadas gravadas nu-
tivas acerca do advento da Nova Ordem Mun- ma rocha das cercanias da Baía. Por seu turno,
dial, profetizada no *Apocalipse (cf. Marcel Ba- o oratoriano padre Manuel Álvares, para expli-
taillon, Erasmo y España, p. 51-61; Evangelisme car a existência de homens na América, não lhe
et millenarisme au Nouveau Monde; Courants repugnava o seu trânsito pela *Atlântida de
religieux et humanisme a la fin du XV et au dé- Platão (História da Criação do mundo, conforme
but du XVI siècle, Paris, 1959, p. 25-36). Num as ideias de Moisés e dos Filósofos, ilustrada com
primeiro momento, os mais estrénuos adeptos um novo sistema e com várias notas e dissertações,
de tais expectativas milenaristas, que advoga- Porto, 1762). Num registo comparável, os pri-
vam a iminente reconquista de Jerusalém e a meiros puritanos estabelecidos na América do
conversão final dos infiéis, foram franciscanos Norte estavam convictos de que também essa
joaquimitas e, designadamente, *Cristovão parte do continente podia ser comparada a
Colón, conforme se comprova quer pelo seu uma espécie de Nova Canaã. De acordo com o
Livro de Profecias, quer pela carta (7 de Julho de teólogo John Cotton, emigrado durante o sé-
1503) que remeteu aos Reis Católicos a propó- culo XVII, os americanos autóctones forma-
sito da sua Quarta Viagem (na qual invoca a au- vam uma sociedade «liberta da Besta» e já ins-
toridade do abade Joaquim). À Carta de Pêro crita nas profecias do Antigo Testamento. Na
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AMÉRICA
Nota do Banco de Lisboa [BL 30, 1839]: a vinheta que figura a alegoria da América observa-se no
canto inferior direito.
opinião de John Eliot, o decano dos missioná- plo, no momento em que vai começar esse tem-
rios protestantes junto dos índios, em 1652, o po de paz, de prosperidade e de glória outrora
Reino de Cristo começava «a erguer-se nas par- representado pelo reinado de Salomão [...]. Vá-
tes ocidentais do mundo». É, todavia, a obra rios factos me parecem indicar [...] que o sol se
(1740-1744) de Jonathan Edwards aquela em erguerá a Oeste». Na alegoria dos *quatro con-
que se detecta a primeira expressão evidente de tinentes, a América é, decerto por influência do
um *milenarismo aplicado ao continente Nor- mito das amazonas, geralmente personificada
te-americano: «Provavelmente, este novo mun- por uma índia coroada por toucado de penas,
do foi descoberto nos nossos dias para que o armada de arco e acompanhada por um croco-
novo e mais glorioso Estado da Igreja de Deus dilo (cf. Iconologia de *Cesare Ripa, Baixela
na terra possa iniciar-se aqui, e para que Deus Germain, notas do Banco de Lisboa, etc.). Já
aí faça começar um novo mundo espiritual, numa gravura inserta no Epitome das Historias
criando novos céus e nova terra [...]. Deus já Portuguesas (Bruxelas, 1677) de Faria e Sousa é
concedeu ao outro continente a honra de aí ter figurada por um *índio a cavalo (*África).
feito nascer Cristo, no sentido literal do termo,
e de aí nos ter obtido a Redenção. Ora, como a BIBLIOGRAFIA ALMEIDA, Fortunato de, La découverte de
Providência observa uma espécie de igualdade l’Amérique: Pierre d’Ailly et Christophe Colomb. Les Voyages des
na distribuição das coisas, não é desprovido de Portugais vers l’ouest pendant le XVe siècle, Coimbra, 1913;
ANTÓNIO MARAVALL, José, La utopia politico-religiosa de
razão que se pense que o grande nascimento es- los Franciscanos en Nueva España, in Estudios Americanos, v. 1,
piritual de Cristo e a mais gloriosa aplicação da n. 2 (Jan. 1949), p. 197-227; ARAGÃO, Augusto Carlos
Redenção devem começar aqui [...]. O outro Teixeira de, Breve notícia sobre o descobrimento da América,
1892; ARCELUS ULIBARRENA, Juana Mary, La Esperanza
continente matou Cristo e, ao longo dos tem-
milenaria de Joaquin de Fiore y el Nuevo Mundo: trajetoria de
pos, derramou o sangue dos santos e dos márti- una utopia, in Florensia, n. 1 (1987), p. 47-75; BATAILLON,
res de Jesus. Foi como que inundado pelo san- Marcel, Novo Mundo e Fim do Mundo, in Rev. de História da
gue da Igreja. Assim, provavelmente, Deus re- Univ. S. Paulo, n. 8 (1954), p. 343-351; BRAZ, Henrique,
Sobre a descoberta pré-colombina de terras da América, in Bol.
servou à filha [América] que não derramou tan- Instituto Histórico Ilha Terceira, n. 3 (1945), p. 266-274;
to sangue a honra de construir o glorioso tem- CORDEIRO, Luciano, De la part prise par les Portugais dans
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AMESTERDÃO
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AMIAIS DE BAIXO
Talmud Torah (Santa Congregação para o En- pelir pensamentos e sonhos impuros. Uma das
sino da Lei), cuja sinagoga havia de ser cons- pedras preciosas do peitoral (éfode) do sumo
truída no local previamente pertencente à Beth sacerdote (Êxodo, XXVIII, 19 e XXXIX, 12) e
Israel e inaugurada em 1675, segundo projecto dos alicerces da Nova Jerusalém (Apocalipse,
do arquitecto Elias Bouman. O Cavaleiro de XXI, 20). Segundo *Santo António, «significa
Oliveira diria a seu respeito: «O edifício é no- a vida de Jesus Cristo, violácea na pobreza e na
tabílissimo. Tem mais semelhança de cidadela, humildade, flamejando cintilações de ouro na
que de templo judaico. Por isso achei na descri- pregação e no obrar de milagres, e destilando
ção de certo viajante que quando os judeus o aljofres purpúreos na sua paixão. O justo deve
começaram a fabricar tão alto e com paredes de colocar esta ametista no ninho da sua consciên-
tanta grossura, concebendo o Magistrado es- cia, a fim de que as serpentes, isto é, as sujestões
crúpulo de que talvez formassem alguma forta- dos demónios, se afastem dos filhos das suas
leza lhes mandou que parassem a obra; razão obras» (Obras Completas, v. 2, p. 276). Em Je-
por que cobriram o edifício antes de chegar à rónimo Cortez, tem virtude para impedir os
sua última medida [...]». Vivendo numa gran- efeitos nocivos do vinho bebido sem temperan-
de liberdade, os judeus de Amesterdão prospe- ça. José Monteiro de Carvalho garante que
raram, sujeitos apenas à disciplina imposta pela «chegada à carne clarifica o juízo e faz o sem-
própria comunidade, independente de toda e blante alegre» (cf. Diccionario portuguez das
qualquer legislação autóctone (nem sequer os plantas, animais , pedras, etc. que a Divina Om-
casamentos eram legalizados à face da lei ho- nipotência creou para utilidade dos viventes,
landesa!). Muitos visitantes seiscentistas de 1763, p. 36).
Amesterdão, incluindo judeus askenazim, ex-
pressaram amiúde a sua admiração acerca da AMIAIS DE BAIXO
forma como a comunidade sefardita local se Localidade da freguesia de Abraã (concelho e
achava organizada, sublinhando a sua excep- distrito de Santarém). Realiza-se aqui uma festa
cional vitalidade, bem como a vontade de, em anual em honra de *São Sebastião. Esta festivi-
quaisquer circunstâncias, conservar a sua iden- dade que à semelhança do que é usual em ter-
tidade própria. Nesta cidade o *padre António mos regionais é precedida de um peditório em
Vieira travou conhecimento com *Menasseh géneros, hoje também de dinheiro, destinado a
ben Israel, tendo, alegadamente, redigido as Es- abastecer a Quermesse e os «comes e bebes»,
peranças de Portugal inspirado na Esperança de acarreta sempre a decoração das ruas com ban-
Israel do rabi. deiras e lâmpadas multicolores, a constituição
de um Arraial onde se processam a maioria das
BIBLIOGRAFIA CONDE DE SÃO-PAYO, Subsídios para a his- actividades profanas e ainda, da parte dos mo-
tória dos Judeus portugueses nos Países Baixos, in Arquivo Histó-
rico de Portugal, v. 2 (1937); idem, Novos subsídios para a his-
radores, o caiar e adornar das casas e ruas, que
tória dos Judeus portugueses nos Países Baixos: a certidão heráldi- antigamente incluía sempre o substituir do ma-
ca passada pelo Rei de Armas Jiron a Diogo Teixeira de Sampayo, to, com que eram pavimentadas as ruas. Tradi-
in Arquivo Histórico de Portugal, v. 3 (1938); MENDES, Da-
ção que grosso modo se insere num modelo re-
vid Franco / REMÉDIOS, J. Mendes dos, Os Judeus Portu-
gueses em Amesterdão, Lisboa, 1990; Portugueses em Amester- gional tipo, ressaltam contudo dela algumas
dão: 1600-1680, Lisboa, 1989 [Catálogo da Exposição evoca- particularidades. Destas ressaltam as três Pro-
tiva no Museu Histórico de Amesterdão]; SALOMON, H. P., cissões, nomeadamente as efectuadas no Sába-
Os primeiros portugueses de Amesterdão: documentos do Arquivo
da Torre do Tombo (1595-1606), in Caminiana, n. 8 do e na Segunda-Feira. A Procissão de Sábado,
é constituída por duas filas de pessoas, que em-
AMETISTA punhando archotes saem da casa do Juiz, diri-
Variedade violeta do quartzo, à qual é tradicio- gindo-se à Igreja onde «recolhem o Padre», e
nalmente atribuído o poder de embriagar, bem encaminhando-se depois para o cemitério, on-
como o de proporcionar sonhos proféticos e re- de numa capela aí situada se encontra a ima-
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AMICTO
gem do Arcanjo São Miguel. Então, e após o Amiais de Baixo é uma povoação que socio-
lançamento de um arrasador fogo de artifício profissionaimente foi até tempos recentes
(orgulho da gente amiense), este é solenemente constituída por trabalhadores assalariados que
transportado até à Igreja Matriz, onde irá per- se empregavam em toda a Região como ma-
noitar duas noites com a Senhora da Graça, a deireiros, principalmente no fabrico do car-
padroeira do lugar! Como diz a tradição popu- vão, e que devido a isso passavam muitas vezes
lar; «lá vai o santo dar uma penáchada para o grandes temporadas sem vir a casa. Como diz
ano inteiro» ! Por seu turno a Procissão de Se- um extracto de uma cantiga local: «São ho-
gunda-feira, tem como objectivo a separação e mens dos Amiais / Que vinham a casa pelas
despedida dos Santos, passado que está o perío- Festas / E pouco mais».
do festivo e de confraternização. Assim o corte-
jo parte da Igreja transportando as diversas AMICTO
imagens aí existentes (incluindo São Sebastião Do latim, amicire = cobrir. Peça de vestuário
em Honra do qual são realizados os Festejos) litúrgico, em linho (com uma cruz bordada ao
entre os quais estão a Senhora da Graça e o São centro), cuja origem é incerta. Espécie de len-
Miguel. Chegados à entrada do cemitério, a ço com o qual o sacerdote cobre o pescoço e
Imagem de São Miguel recua lentamente e de os ombros (passando os cadarços por baixo
frente para a Senhora da Graça, que maquilha- dos braços e atando-os sobre o peito) antes de
da a propósito parece chorar de tristeza pela se- envergar a *alva (antes do século XI ou XII,
paração iminente. Um ambiente de consterna- sobre ela). A oração que acompanha a coloca-
ção perpassa assim a cerimónia, enquanto o ção do amicto («Põe, Senhor, na minha cabe-
santo recolhe à capela e as roupas tradicional- ça o elmo da salvação, etc.») sugere que o ofi-
mente escuras dos intervenientes, tornam ain- ciante veste um capacete para se proteger das
da mais sombrias as sombras nocturnas que o ciladas do demo. Simboliza o pano ou sudário
bruxulear dos archotes agitam lugubremente’. com o qual os judeus cobriram o rosto de Je-
Este curioso e insólito episódio, parece resultar sus em casa de Caifaz. O uso do amicto é ain-
de duas razões, cuja importância específica é da comum entre beneditinos e franciscanos
contudo, hoje em dia, de difícil percepção. (sob a forma do capuz) e nos ritos ambrosia-
Uma mais remota, poderá ter a ver com a de- no, lugdunense e maronita.
turpação de antigos ritos (de fertilidade, de que
os Santos Cristãos tenham herdado os atribu- AMIEIRO
tos respectivos, nomeadamente no que concer- Árvore que figura a ressurreição, semântica já
ne ao poder fecundante e procriador. Tal expli- presente na Odisseia de Homero.
caria a atitude popularmente assumida da rela-
ção sexual Santo/Santa, como resquício de um AMNIOMANCIA
qualquer cerimonial cíclico de renovação, per- Sistema divinatório baseado na observação do
sonificação de um acto de fertilização ligado às saco membranoso que envolve a cabeça dos
forças da natureza. Explicaria igualmente uma recém-nascidos.
situação hoje extinta, mas a cuja lembrança o
conhecimento oral ainda remonta, e que nos AMON
diz que «antigamente esta procissão era feita... Também Aamon. Chefe de 40 legiões. Tem
por homens descalços e segurando liames de aparência de lobo com cauda de serpente e
verdura, não havendo nessa altura qualquer ti- vomita chamas como um dragão. Assume
po de imagem». Mas existe contudo outra pos- forma humana, com cabeça de mocho,
sível explicação, que pode inclusive, mais do quando quer. Conhece o passado e o futuro.
que constituir uma outra distinta, ser um com- Referenciado no cânone 7 do concílio de
plemento funcional da mesma. De facto, Braga (560-563).
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AMOR
AMOR
Termo que exprime múltiplas acepções: afei-
ção, compaixão, misericórdia, inclinação,
atracção, apetite, paixão, querer bem, satis-
fação, conquista, desejo, libido, etc. Tal diversi-
dade semântica, já patente no grego e no latim,
testemunha a complexidade do sentimento em
apreço (correspondido ou não), relativo a al-
guém ou a algum objecto. Os gregos usavam
cinco palavras distintas para exprimir outros
tantos aspectos da experiência amorosa: storge
(afecto natural, amizade); philia (amizade ou
amor recíproco); eros (força imanente que mo-
ve as esferas celestes e anima toda a existência;
atracção física e desejo sexual); pragma (prática,
negócio: amor interessado em fazer bem a si
mesmo, que espera algo em troca); agape (ter-
mo utilizado no Novo Testamento para no-
mear o Amor altruísta). No latim: amor, dilec-
tio, charitas, etc. Platão, para quem o amor é o
Algibeira cordiforme que integra o traje feminino de
desejo por algo que não se possui, distingue
festa de Lavradeira, de Viana do Castelo.
três modalidades: A. o amor terreno, do corpo;
B. o amor da alma, celestial (que conduz ao co-
*Santo Antão, *Santo Eliseu, *São Gonçalo de
nhecimento e o gera); C. o amor misto, do
Amarante, *São Roque, *São João Baptista),
amor terreno e do celestial. Genericamente, a
como também escrutinável, mediante o recur-
filosofia grega entendeu o amor como o princí-
so a técnicas oraculares, as *sortes amorosas,
pio que governa a união dos elementos naturais
ainda hoje assaz difundidas (*alcachofra, *alfi-
e a relação entre os seres humanos. Os neopla-
nete, *bochecho, *caroço, *chumbo, *cuco,
tónicos atribuíram-lhe um significado funda-
*malmequer, *ovo, *penedo dos casamentos,
mentalmente metafísico: Plutarco explica o
*papeisinhos, *rocha dos namorados, *trevo de
amor como a aspiração daquilo que carece de
quatro folhas). José Crespo prescreve uma re-
forma (ou só a detém minimamente) às formas
ceita (com apelo a *Santo António) contra as
puras e, em última instância, à forma pura, por
penas ou males de amor (cf. A Serrana, Coim-
excelência, do Bem; Plotino (Eneiadas) explora
bra, 1971). *Amor-perfeito, *anel, *beijo, *ca-
o tema do amor da alma pela inteligência; Por-
belo, *chave, *coração, *cravo, *hera, *lenço,
fírio (Epistola ad Marcelam) considera o amor
*mangerico, *muro do derrete, *pena, *rosa.
um dos quatro princípios de Deus (sendo os
restantes: a fé, a verdade e a esperança). Quan- BIBLIOGRAFIA BASTO, Cláudio, «Sortes» amorosas no «S.
do grafado com a (minúsculo), amor é sinóni- João», in Revista Lusitana, v. 32, n. 1-4 (1934), p. 161-233;
mo de amor profano, enquanto Amor, grafado CARDOSO, Nuno Catarino, O «Amor» nas Quadras Popu-
lares Portuguesas, in Actas do 1º Congresso de Etnografia, Etno-
com A (maiúsculo), remete para o *Amor divi- logia e Folclore, v. 3, Lisboa, 1963, p. 325-332; CHAVES,
no (também denominado Amor platónico). Luís, O Amor Português: o namoro, o casamento, a família (Es-
Consoante a aura popular, o amor educa-se tudo Ethnographico), Lisboa, 1922; DANTAS, Júlio, O Amor
em Portugal no século XVIII, Lisboa, 1915; FARIA, Alfredo,
(namoro), consuma-se (*casamento) e multi- Folklore Português: amores IV, in A Águia, s. 2, v. 16 (Jul.-Dez.
plica-se (família). Por outro lado, o exacto grau 1919), p. 51-59
de amor, presente ou futuro, não só poderá ser
dom de um santo padroeiro (*Santo Amaro, 2. O mesmo que *Cupido e *Eros.
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AMOR DA PÁTRIA
AMOR DA PÁTRIA /1
«Mancebo guerreiro, que tem ao peito uma
das Quinas Portuguesas», consoante a alegoria
integrada na composição encomendada a An-
tónio Manuel da Fonseca para o Painel trans-
parente que mandou fazer o Barão de Quintella
[…] para a iluminação do seu Palácio das La-
ranjeiras, para a noite do dia 22 de Outubro de
1820 (Lisboa, Impressão Régia, 1820). Tam-
bém título de uma das estátuas alegóricas
(1821) de João José de Aguiar e do seu aju-
dante João Gregório Viegas patente no
Palácio da Ajuda.
AMOR DA VIRTUDE
Alegoria integrada na parte superior da compo-
sição encomendada a António Manuel da Fon-
seca para o Painel transparente que mandou fa-
zer o Barão de Quintella […] para a iluminação
do seu Palácio das Laranjeiras, para a noite do
dia 22 de Outubro de 1820 (Lisboa, Impressão
Régia, 1820). Consoante a descrição publica-
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AMOR DIVINO
AMOR DIVINO
Que o temário amoroso e pastoril do Trobar-
clus galaico-português encerra uma mensagem
cifrada não subsiste qualquer dúvida. Nem tão
pouco que, acompanhando o apogeu da ex-
pansão marítima portuguesa, a mesma termi-
nologia translata transmigrou, sendo retoma-
da, até à exaustão, pelo doce estilo novo dos
*Fiéis do Amor. Com efeito, a adesão à maneira
provençal de exprimir o locus amoenus e o pas-
chale gaudium não releva de um mero cliché li-
terário ou, designadamente, de uma falta de
imaginação (leia-se inspiração!) dos poetas, co-
mo alguma crítica pouco atenta se tem com-
prazido em fazer crer, antes revela a vivência de O Amor virtuoso castiga a Fortuna [desenho à pena a
experiências de cunho idêntico, deliberada- tinta bistre; MNAA: inv. 667], de Francisco Vanegas: de
mente expressas com recurso a referenciais co- facto, a flagelação do amor ferinus ou bestial (a Vénus
dificados, cuja constante glosa denota a consa- vulgar de Pico della Mirandola) pelo Amor divino.
gração dos temas em apreço, na esteira de uma
arcaica e muito persistente tradição lírica com ção lasciva, pois «quen tal bem deseja o bem
paralelos em contextos pré-cristãos e orientais dessa dama em muy pouco tem»? Camões che-
(Miguel Asin Palacios, La Escatologia Musul- ga a cifrar tal género de práticas gnósticas no tí-
mana en la Divina Comedia, Madrid-Granada, tulo de um dos seus mais famosos Autos. Filo-
1943). É um dado já adquirido que tanto a lí- demo é, como a própria etimologia denuncia, o
rica medieval dos cancioneiros de Amor e de Amigo da Alma ou Daimone, em oposição a Va-
Amigo, como aquela recolhida no Cancioneiro nadoro, o adorador de coisas refulgentes (como
de Garcia de Resende, quer a de Bernardim Ri- o ouro), mas vãs! Manuel de Faria e Sousa, por
beiro, Sá de Miranda, Camões, Leão Hebreu, seu turno, esclarecerá: «Tres calidades de Amor
Eloy de Sá Sottomayor, Rodrigues Lobo, Sa- tenian los Platonicos. Uno contemplativo, que
muel Usque, Fernão Álvares do Oriente, etc., es superior y divino, exhalandose de la luz y ob-
constituem a expressão externa (exotérica) de jecto corporeo, a las consideraciones de su ori-
um exercício que visa o renascimento para uma gen que está ausente y peregrino. Otro activo
vida nova, pautada pela participação inebriante que viene a ser el humano deleite en la conver-
na inefabilidade do Amor divino. Não adverte sacion y la vista. Y el final, lascivo y torpe, que
D. Dinis que os amantes autênticos não bus- baxa de la vista y de la conversacion al texo del
cam o «mayor galardom», ou seja, a consuma- contacto: y por esso son comparadas estas tres
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AMORAS
fogo acha-se consagrada já nos Actos dos Apósto- Varzim, v. 26, n. 2 (1989), p. 689-697; FESTUGIÈRE, A.-
J., La philosophie de l’amour de Marsile Ficin et son influence sur
los (II, 3-4) onde as línguas de fogo que descem la littérature française au XVIe siècle, Paris, 1980, p. 13-62;
sobre os Apóstolos reunidos no Cenáculo GANDRA, Manuel J., Emblemas e Leitura da Imagem Simbó-
(*Pentecostes) assinalam o início real do apos- lica no Palácio Nacional de Mafra: esquissos para uma exposição
virtual, in Boletim Cultural 2004, Mafra, 2005, p. 9-72; idem,
tolado no mundo. A literatura medieval portu-
O Projecto Templário e o Evangelho Português, Lisboa, 2006,
guesa faria amplo uso do tema: o fogo é símbo- cap. 3; MARTINS, José V. de Pina, Pico della Mirandola e o
lo do Amor divino nos Sermões de Santo Antó- humanismo italiano nas origens do humanismo português, in Es-
nio; por seu turno, o dominicano frei Paio de tudos Italianos em Portugal, v. 23 (Lisboa, 1964), p. 107-146;
idem, Livros quinhentistas sobre o Amor: apostila bibliográfica,
Coimbra afirma que Deus santifica a humani- in Arquivos do Centro Cultural Português, v. 1 (1969), p. 80-
dade «pelo fogo da sua consolação, pelo fogo 123; MULINACCI, Roberto, Do Palimpsesto ao texto: a No-
da sua santa meditação e pelo fogo do amor do vela Pastoril Portuguesa, Lisboa, 1999; OLIVARES, Gregório
de, Cupido prostrado, Amor Profano desvanecido, mostra-se a
próximo. Tudo fogo, porque tudo isto é amor»; Real existência do Amor e sua maravilhosa comunicação a toda a
em Camões, «Amor é fogo que arde sem se natureza creada, Lisboa, 1709
ver»; na perspectiva da Caridade ígnea de Dom
Gaspar de Leão, «[…] não há coisa mais seme- AMOR-PERFEITO
lhante ao Amor que o fogo» (cf. Desengano de Na linguagem das flores, os amores-perfeitos
Perdidos, Goa, 1573, parte terceira, cap. quando brancos dedicam-se a noivado, e eles
XXXIII, p. 286). Em Santa Maria de Cós vê-se próprios são «noivos», tal como os roxos ou es-
a alma abrasada pelo Amor, fórmula muito glo- curos são «viúvos» e os amarelos «casados» ou
sada pela emblemática do Amor divino (cf. «casadinhos». Utilizado na medicina popular.
Amoris Divini Emblemata de Otto Venius e Pia
Desideria de Hermann Hugo). *Alumbrado, BIBLIOGRAFIA GIESE, Wilhelm, Benefe, amor-perfeito, orelha
de rato, in Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira, v. 14
*Santa Teresa de Jesus. A retórica persuasiva da (1956), p. 73-89
Contra-Reforma servir-se-ia frequentemente
da tensão Amor divino – amor profano como AMORA
forma de alusão à virtude e ao vício, respectiva- No Porto e em São Mamede de Infesta crê-se
mente, razão por que o *Menino Jesus, figura- que a, partir de 24 de Agosto, dia de *São Bar-
do como Amor divino (munido de aljava com tolomeu, não se devem comer amoras silvestres
setas), muitas vezes em confronto com o amor porque, como o *diabo anda à solta, urina ne-
carnalis (*Cupido), se viria a tornar um ícone las e ficam muito moles.
muito caro à piedade barroca (cf. o gesso Luta
entre o Amor divino e o amor Profano de Fran- AMORAS
çois Duquesnoy [MCG: inv. 546]. A Francisco Invocação mariana celebrada no seu santuário
Vanegas é devido um desenho, em clara trans- em Oliveira do Arda (Raiva, Castelo de Paiva).
gressão das normas moralizantes prevalecentes Crê-se que a devoção se tenha iniciado cerca da
em Portugal, iconografando uma variante ico- viragem do século XV para o XVI, quando um
nográfica do tema: O Amor virtuoso castiga a lavrador, intrigado ao observar um sobreiro
Fortuna [MNAA: inv. 667], de facto, a flagela- que em vez de glandes produzia amoras, en-
ção do amor ferinus (bestial) pelo Amor divino, controu numa concavidade do seu tronco uma
consoante a lição de *Pico della Mirandola imagem da Virgem. Transferida para a igreja
(*Afrodite). Uma confraria da invocação do mais próxima, a imagem regressou miraculosa-
Amor divino teve sede no mosteiro de Santa mente ao sobreiro onde fora encontrada. En-
Clara do Porto [ANTT]. tendendo isso como uma manifestação da von-
tade da Senhora, decidiram cortar a árvore e le-
BIBLIOGRAFIA AVALLE-ARCE, J. B., La Novela Pastoril Espa-
vá-la para a aldeia, porém todas as tentativas se
ñola, Madrid, 1974; FRANCO, Anísio / CASELLA, Gabriel-
la Maria, Amor Sagrado e amor profano numa pintura contra- revelaram infrutíferas, ninguém conseguindo
reformista do convento de Santa Clara em Évora, in Póvoa de cravar uma lâmina de machado no tronco. Re-
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AMOREIRA
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AMULETO
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AMULETO
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ANA, SANTA
rado (contra bruxas); verónica; meia-lua (con- uma seta atravessando um círculo]; FIGUEIREDO, A. C.
Borges de, Amuleto romano, in Rev. Archeologica e Historica, v.
tra a lua); figa; cornicho; cruz de metal; meda- 1 (1887), p. 7-72; JIMÉNEZ GÓMEZ, Maria de la Cruz,
lhas religiosas; búzio marinho; signo-saimão de Los amuletos en el Eneolítico Portugués: Zambujal, in Origens,
prata. A. Amuletos infantis: meia-lua, figa, sino Estruturas e Relações das Culturas Calcolíticas da Península Ibé-
rica (Actas das I Jornadas Arqueológicas de Torres Vedras, 3-5
saimão, coração, dente de lobo, moedas fura-
Abril 1987), Lisboa, 1994, p. 31-35; JUNQUEIRO, Arron-
das, búzios, chaves, etc.; B. Amuletos de lacta- ches, Crenças, superstições e usos tradicionais de Setúbal, in Tra-
ção: conta de leite, de azeviche, leituário, chave dição, v. 2 (1900), p. 21-22, 54-56, 124-125 e 138-139; MA-
macha e rosário de contas de figueira; C. Amu- CIAS, Santiago / TORRES, Cláudio (ed.), Portugal Islâmico:
os últimos sinais do Mediterrâneo, Lisboa, 1998, p. 266-267, n.
letos contra enfermidades, perigos, etc.: faca e pe- 318-324; MAIA, Celestino, Cabeças de víbora no Gerês, in Ac-
dra de estancar sangue, cravos de ferradura, tas do Colóquio de Estudos Etnográficos Dr. José Leite de Vascon-
anel de fava, pedra de estômago, rosário de celos, v. 2 (1959), p. 101-104 [descreve os processos de prepa-
rar as cabeças de víbora, usadas depois como amuletos];
alandro macho, pedra de ara, cavalo marinho, MENDONÇA, Martinho de, Amuleto da Alma composto dos
etc. *contas de raposa, *copo de elicórnio, *cor- antídotos e epithemas, que os Santos Doutores, e outros pios, e
da de esparto. Amuletos egípcios: *Anão de Ptah, doutos varoens recitarão ao contagio dos vícios, Lisboa, João da
Costa, 1670; P., R. S., Etnografia arqueológica: antigas contas
*Bes, *escaravelho, *escaravelho do coração, empregadas como amuletos, in Trabalhos de Antropologia e Etno-
*falcão, *figa, *Horus criança, *olho de Horus. logia, v. 3 (1932), p. 246-250; PASSOS, Carlos de, Amuletos,
Amuletos muçulmanos: foi frequente a uti- in Revista Civilização, a. 9, n. 90 (Jun. 1936); PIRES, A. Tho-
maz, Amuletos, in Revista Lusitana, v. 3 (1894-95), p. 366-
lização quer de amuletos, quer de talismãs, no -367; e v. 5 (1897-99), p. 230-231 [descrição de vários amu-
al-Andalus, transcrevendo: passagens corâni- letos, extraída da Pharmacopea Tubalense Chimico-Galenica,
cas; frases cabalísticas; expressões formadas a de Manuel Rodrigues Coelho, Lisboa Ocidental, 1735];
idem, Amuletos (Concelho de Elvas), in Portugália, v. 1 (1903),
partir das 7 sawakit (consoantes da 1ª Sura),
p. 618-622; idem, Amuletos Alentejanos, Elvas, 1904; RIBEI-
dos nomes de Deus, dos «sete espíritos», dos RO, Luís da Silva, Amuletos terceirenses, in Revista Açoriana, v.
dias da semana, dos planetas, bem assim como 4 (1948), p. 218-235; RlBEIRO, L., Moedas em imagens, in
das letras místicas (sistema baseado no valor Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira, v. 3 (1956), p.
335 [moedas furadas, como amuletos, ao pescoço dos santos];
numérico dos caracteres árabes). Moldes em THOMAZ, Fernandes, Crenças e superstições populares do
xisto para amuletos, contemplando algumas Concelho da Figueira da Foz, in Arqueólogo Português, v. 7
das referidas fórmulas, foram exumados em (1902), p. 98; THOMAZ, Pedro Fernandes, Amuletos do con-
celho da Figueira, in Portugália, v. 1 (1903), p. 604-605; VAS-
Pias [Museu Municipal de Serpa], Silves CONCELOS, J. Leite de, Cultos fálicos, in A Vanguarda (31
[MNA: inv. 17039bis] e Beja [Museu Regional Out. 1880) [BN: J 987 M]; idem, Amuletos italianos e portu-
Rainha Dona Leonor – Beja]. *Alcorão, *bolsa gueses, in Revista Científica (1882) e Ensaios Ethnographicos, v.
3, p. 211 e ss.; idem, Escavações etnográficas, in Revista Lusita-
de mandinga, *mão de Fátima. na, v. 1 (1886), p. 85-86; idem, Sur les amulettes portugaises,
Lisboa, 1892; idem, A Figa, Porto, 1925; idem, Amuletos, in
BIBLIOGRAFIA ANÓNIMO, Preservativo Espiritual, Remedio Arqueólogo Português, v. 5 (1900), p. 287-289; idem, Amuleto
util, e conveniente para pessoas vexadas; singular, e experimenta- de coral, in Boletim de Etnografia, v. 4 (1929), p. 50-53; idem,
do para se conhecerem feitiços, vexações, e maleficios de qualquer Amuletos populares portugueses, in Rev. da Soc. de Instrução do
sorte feitos a grandes, e pequenos. Contra o Mal da Peste, Rayos, Porto, v. 2, p. 2 e Rev. do Minho, v. 1, p. 69-74 (?); idem, Moe-
Torvões, Tempestades, e Fogo. Colhido da Sagrada Escriptura, das Amuletos, in Elencho das lições de Numismática, v. 1, p. 21s.
doutrinas dos Santos Padres, e dos mais famigerados Autores; e ex-
pendido em varios livros impressos, para a utilidade publica dos
devotos e fieis Catholicos, trazendo-o consigo, Lisboa, 1746; ANA, SANTA
AREDE, João Domingues, Amuleto fálico da época neolítica do
castro de Recarei, in Arquivo do Distrito de Aveiro, v. 1, n. 2
Protectora das mulheres casadas e mães de fa-
(1935), p. 111-114; CARVALHO, Augusto Goltz de, Amu- mília, especialmente das grávidas, propiciado-
letos de Buarcos, in Portugália, v. 1 (1903), p. 347-349 [em ra de partos rápidos e felizes (a água de Santa
Buarcos, os amuletos protectores devem ser achados ou rou- Ana foi usada durante a Idade Média contra a
bados]; CORREIA, Virgílio, Um amuleto Egípcio da necrópole
de Alcácer do Sal, in Terra Portuguesa, n. 41 (Jul. 1925), p. 90- febre e maleitas das parturientes). Padroeira
93; CORTEZ, Russell, Os Corta-Ventos e a superstição dos pe- dos adelos, fanqueiros, rendeiras, donas de ca-
cadores, in Douro Litoral, v. 3 (1941), p. 43-46 [os corta-ven- sa, marceneiros, torneiros, entalhadores, mo-
tos nos dois mastros das traineiras da Afurada e Lordelo (e
Leixões e Vila do Conde): à vante, geralmente um peixe, e ra- ços de estrebaria e fabricantes de vassouras.
ras vezes, um símbolo de amuleto contra o mau olhado; à ré, Também é invocada em casos de pobreza e
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ANA DA CONCEIÇÃO
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ANAGRAMA
noite de seu aposento e, pelas varandas e cerca ANA DE SÃO JOAQUIM, SÓROR
do mosteiro, bradava a grandes vozes, dizendo Serva de Deus falecida, em 1737, no convento
que todos amassem a Nosso Senhor Jesus Cris- das Trinas do Rato (Lisboa) com 26 anos.
to. E perguntando-lhe umas religiosas como
não tinha medo de andar de noite por fora e BIBLIOGRAFIA SEIXAS, Padre Domingos Dias, Memorias da
vida e virtudes da Madre Soror Ana de S. Joaquim, religiosa pro-
em que tempo tomava o sono, respondia que fessa da Ordem da Ss. Trindade, elucidadas com reflexoens mys-
quem amava não dormia nem temia. Estando ticas, Coimbra, 1740
as religiosas muito medrosas naquele tempo da
peste, pediu a Deus que se alguma havia de ANACORETA
morrer daquela casa se fosse servido escolhesse Designação aplicada quer a homens, quer a
a ela e assim sucedeu que faleceu, mas não de mulheres que, abdicando da vida em socieda-
peste, senão de um ímpeto que lhe deu causado de, se dedicavam à vida solitária de oração e pe-
de um grande acto de amor de Deus, de que nitência.
lançou muito sangue pela boca, que sucede a
gente de espírito quando Deus a põe em grau ANAGRAMA
levantado de oração» (Jardim de Portugal, em Do grego, anagramma (ana = mudança e gra-
que se dá notícia de algumas sanctas, e outras mu- mma = escrita). O princípio do anagrama é o
lheres illustres em virtude, as quaes nasceram, ou da comutação ou permutação das letras com-
viveram, ou estão sepultadas neste reino e suas ponentes de uma palavra (ou palavras), ou fra-
conquistas, Coimbra, 1626, n. 195). se, de um dado texto, de molde a formar outras
diferentes da(s) primeira(s), sem necessidade de
BIBLIOGRAFIA VELHO, Domingos, Jesus Princípio do divino
Amor e considerações de Jesus, Lisboa, António Álvares, 1625, respeitar a ordem original das letras, porém,
fl. 45r-45v [BN: R 10447 P] sem que jamais se altere o seu número. O mé-
todo baseia-se nos princípios cabalísticos da
ANA DE JESUS MARIA *Temura, da *Guematria e do *Notarikon. Por
*Beata de Évora. exemplo, a Guematria está implicada na gera-
ção quer do anagrama cronológico (ou crono-
ANA DO MOINHO grama), onde cada letra é usada em transposi-
Bruxa algarvia (ca. 1919), perita na *rogação ção numérica de modo a constituir a data de-
ou *esconjuro do *Mal de Inveja (cf. A Noite, sejada, escrevendo-se em maiúsculas as letras
20 Mar. 1939). Leite de Vasconcelos regista em questão, quer do anagrama aritmético (os
que ela «contava histórias de moiras presas de valores atribuídos às letras do alfabeto não são
encantos e de frades mortos sem confissão por sempre os da ordem normal, i. e., a = 1; b = 2,
terem posto olhos de cobiça nos braços roliços etc., mas os convenientes às necessidades do
das lavadeiras» e que se gabava de que, «para anagrama desejado). São inúmeros os casos co-
bem», tudo o que ela «rogasse na missa das al- nhecidos de escrita e de pensamento anagra-
mas, entre a hóstia e o cálice, era coisa feita em máticos, desde a antiguidade até à época bar-
menos de um ápice», acrescentando que «ai da- roca: Anagrama = Ars magna; Quid est veritas?
quele a quem ela armasse o vulto e picasse com = Est vir qui adest (S. João, XVIII, 38); Ave Ma-
a sovela. Mortes e cegueiras saíam das suas ria gratia plena dominus tecum = Virgo serena
mãos como castanhas do ouriço e tal era o pac- pia munda et immaculata; Joam Bautista de
to que ela havia com o Porco sujo que nem Castro = Custodio Jasam Baretta); Natércia =
mãos sagradas pelo bispo desenleavam quem Catarina (Camões); Bimnarder = Bernardim;
ela tivesse prendido nos gelos do Mar coalhado» Aónia = Joana; Elmano = Manuel (pseud. de
(Etnografia Portuguesa, v. 7, Lisboa, 1980, p. Bocage), etc. Este artifício, sumamente enfati-
420). *Agulha de albardar, *armar o vulto, zado no período barroco, foi codificado por
*mar coalhado, *porco sujo. *Alonso de Alcalá y Herrera, *Luís Nunes Ti-
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ANAGRAMATISMO
ANAGRAMATISMO
Adivinhação por intermédio das letras de um
nome com o qual se compõem anagramas.
ANAINHO
O mesmo que *anão (Minho).
ANAIO
O mesmo que *anão (Minho).
ANALGÉSIA
Insensibilidade à dor em místicos, iogues, mé-
diuns, curandeiros e indivíduos possuídos por
entusiasmo religioso.
ANALGÉSICO
Anagrama poético acróstico, sobre as dezasseis letras que
constituem o nome da rainha Maria Sofia Isabel, de Luís
Substância que acalma a dor. A fitoterapia acon-
Nunes Tinoco (A Pheniz de Portugal Prodigiosa, 1678). selha a utilização de *erva cidreira, *eucalipto,
*milho (sobretudo as barbas) e *salgueiro (a
noco e *Bento Rodrigo Pereira (Compêndio casca).
Rhetorico ou Arte Completa da Rhetorica, Lis-
boa, 1794, p. 256-257) e violentamente ataca- ANALOGIA
do por Vernei, que o considerava prova do mau Proporção entre os termos de duas ou mais
engenho dos «poetas tolos dos séculos XVI e ordens ou sistemas, designadamente entre
XVII» (Verdadeiro Método de Estudar, Lisboa, Deus e as criaturas, cuja relação se revelou o
1950, v. 2, p. 223-225). São formas afins do problema capital da teologia escolástica. O
anagrama: o palindroma (quando a leitura mu- universo é o espelho dos símbolos, porque
da de sentido: Amor = Roma = Mora), os versos Deus, causa suficiente dos entes criados e de
retrógrados ou cancrinos (lêem-se de trás para todo o ser, se reflecte nele, contendo as suas
diante razão porque tiveram fama de diabóli- imperfeições. Assim, o conhecimento do cos-
cos); os versos de Lyon (a inversão é produzida mos introduz o homem no mistério de Deus,
alterando o sentido: Abel Sacrum pingue dabo, facultando-lhe o acesso ao modelo de que o
nec macrum sacrificato = Caim – Sacrificato mundo é a imagem. É o que, justamente, pro-
macrum nec dabo pingue sacrum); o logograma põe como metodologia o postulado «per visi-
(consiste em formar uma palavra com muitas bilia ad invisibilia» de Guillaume de Saint-Thier-
letras, de preferência vogais, e verificar quantas ry. De resto, tal atitude foi muito vulgarizada
palavras podem ser formadas com ela por pelos inúmeros Espelhos e Imagens do Mundo
transposição). *Henrique Vitório de Perpinan. de que o Speculum majus de Vincent de Beau-
vais constitui o exemplo mais notável (com-
BIBLIOGRAFIA HATHERLY, Ana, A Experiência do Prodígio, posto pelos espelhos da natureza, da ciência,
Lisboa, Imprensa Nacional, 1983; idem, Metamorfose Barro- da moral e da história).
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ANASTÁCIO, SANTO
ANÁRGIRO
*São Cosme e *São Damião são denominados
anárgiros, em virtude de se recusarem a receber
dinheiro (prata) como pagamento.
ANASTÁCIA, SANTA
Mártir sob Diocleciano. Queimada viva, amar-
Ermida e imagem de Nossa Senhora de Anamão. rada a um poste. O seu corpo não carbonizado
foi recolhido por uma cristã chamada Apoliná-
ria que o enterrou no jardim de sua casa. Trans-
ANAMÃO feridas para Constantinopla durante o século
Invocação mariana, cultuada, a 8 de Setembro, V, as relíquias de Santa Anastácia seriam, pos-
em ermida privativa, edificada no séc. XVII, si- teriormente, trasladadas para o mosteiro com a
ta a aproximadamente quatro quilómetros de sua invocação, junto do Monte Atos. Diz-se
Castro Laboreiro. À sua romaria acorrem devo- que umas depressões num rochedo, sito no ci-
tos oriundos do concelho de Melgaço e até da mo do Monte da Senhora, na freguesia de São
Galiza, trazendo ovelhas e cabras para lhe ofer- Jorge do Selho (Guimarães), são as pegadas,
tar. Distante, cerca de centena e meia de me- ora da jumenta que transportava Nossa Senho-
tros, acha-se a pequena gruta onde, segundo ra, ora de Santa Anastácia.
consta, foi encontrada a efígie da Virgem (0,50
x 0,22 cm): o Menino apoia-se no seu braço es- ANASTÁCIO, SANTO
querdo, enquanto a mão direita segura um vaso Mártir de origem persa, venerado a 22 de Ja-
com bálsamo. neiro. Depois de enforcado e decapitado, o seu
corpo seria atirado aos cães que o respeitaram.
ANÃO Padroeiro dos ourives e advogado contra os de-
Do latim, nanus. No Minho, sinónimo de mónios e a possessão diabólica. As medalhas ou
*anaio, *anainho e *olhapim. O mesmo que verónicas com a sua efígie são demonífugas.
*duende ou *gnomo. Ente sobrenatural de pe-
quena estatura, mas dotado de força sobrehu-
mana, que guarda tesouros e zomba da paciên-
cia dos homens. A título de exemplo, ver os
contos tradicionais Os Dez anõezinhos da Tia
Verde-Água e O Gigante e o Anão.
BIBLIOGRAFIA ALMEIDA, Salomé de, História de o anão das
sete cores, Porto, 1956 [BN: P 6025 (10º) P]; GANDRA, Ma-
nuel J. (ed.), Anões, Gigantes e Olharapos: contos da Tradição
Portuguesa, Mafra, 2007
ANÃO DE PTAH
Anão braquicéfalo, ligado ao culto do deus Ptah
de Mênfis. Amuleto egípcio, em faiança verde,
produzido em grande número durante o perío- Verónica de Santo Anastácio da igreja dos Clérigos (Porto).
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ANÁTEMA
ANÁTEMA
Vítima presenteada aos deuses infernais, moti-
vo por que se havia de ser amaldiçoada (*mal-
dição). No Antigo Testamento significa algo es-
colhido ou separado em consequência do seu
carácter sagrado (donde o sentido de oferenda,
em Lucas, XXI, 5). Na Versão dos Setenta, tra-
duz a palavra hebraica herem, derivada de um
verbo que significa consagrar, dedicar, mas,
igualmente, exterminar, uma vez que um ob-
jecto dedicado ao Senhor não podia ser recupe-
rado (Números, XVIII, 14; Levítico, XXVII, Empresa tipográfica de Aldus Manuzio.
28-29). No Deuteronómio (VII, 26), um ídolo
é chamado herem, i. e., uma coisa abominável. tos antigos indicava as passagens importantes
No Novo Testamento um anátema implica sem- (quando com os braços voltados para cima), ou
pre uma *execração. Em determinadas circuns- as inconvenientes ou obscuras (quando com os
tâncias um indivíduo pode invocar um anáte- braços voltados para baixo). Um selo do *Gran-
ma sobre si próprio, salvo se estiverem reunidas de Oriente Lusitano (1869) ostenta uma cruz e
certas condições (Actos, XXIII, 12, 14 e 21). O uma âncora cruzadas e enlaçadas com a divisa
termo passaria a ser empregue pelos apóstolos «A união faz a Força». No Minho existe o Rio
para reprovar qualquer indivíduo ou doutrina Âncora (cf. Rocha Paris, Lendas do Minho: O
contrária ao Evangelho, por conseguinte, passí- rio Âncora, in Portugália, 1882, p. 1-2).
vel de *excomunhão (Gálatas, I, 8-9; I Corín-
teos, XVI, 22). ANCORIFORME
Artefacto alongado, associado a diversas armas,
dispostas em panóplia, cujas extremidades ter-
minam em forma de crescente ultrapassado,
um de menor dimensão que o outro (de facto,
configura um bi-ancoriforme). Por vezes os an-
coriformes integrados em tais panóplias per-
dem importância em detrimento de outras ar-
mas (espada, machado, alabarda, lança, arco,
*escudo com chanfradura em V), de ferramen-
tas (goiva, cinzel) ou até de antropomorfos.
Empresa do Cardeal-Rei D. Henrique: o mote Festina Quer o contexto, quer a função dos ancorifor-
lente (apressa-te devagar = devagar se vai ao longe) tam- mes (insígnia de comando?) permanecem enig-
bém foi utilizado pelo impressor Aldus Manuzio. máticos em virtude de se desconhecer qualquer
objecto congénere na cultura material. Porven-
ÂNCORA tura a figuração de um ceptro, eventualmente
Cruz disfarçada, símbolo da esperança cristã de um minguante lunar (*lúnula), suspenso
(muito difundido durante os séculos II a IV d. por correia segmentada que parece envolver as
C.), virtude indispensável ao aperfeiçoamento extremidades distais dos monólitos onde se
humano (prende as almas ao Céu, tal como a acham insculpidos. Corrente nas estelas do
âncora uma embarcação). Por vezes, a âncora «grupo alentejano» (tipo I da Idade do Bronze)
ocorre como símbolo profissional ou como do Sudoeste peninsular, maioritariamente tam-
amuleto: na Figueira da Foz era usada para pro- pas de cistas sepulcrais, atribuídas ao Bronze fi-
teger as crianças do *quebranto. Nos manuscri- nal (entre o séc. XII e os finais do séc. IX a. C.).
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ANCORIFORME
Guia
ABELA (Santiago do Cacém, Setúbal); ALFARROBEIRA (São Bartolomeu de Messines, Faro): menir transfor-
mado em estela durante o Bronze final; ASSENTO (Santa Vitória, Beja); CASTRO VERDE (Castro Verde, Be-
ja); DEFESA (Santiago do Cacém, Setúbal); ERVIDEL I (Aljustrel, Beja); MOURIÇOS (Almodovar, Beja);
PASSADEIRAS I, II, III (Silves, Faro); MOMBEJA I, II (Beja):; PANÓIAS (Ourique, Beja); PEDREIRINHA
(Santa Vitória, Beja); SANTA VITÓRIA (Santa Vitória, Beja); SÃO SALVADOR (Aljustrel, Beja); TAPADA
DA MOITA (Castelo de Vide, Portalegre); TRIGACHES II (Beja).
BIBLIOGRAFIA ALMAGRO BASCH, M, Las Estelas pultura e estelas decoradas do Sudoeste, in História de
decoradas del Suroeste Peninsular, Madrid, 1966; Portugal (dir. João Medina), v. 1, Lisboa, 1993, p.
idem, Nuevas estelas decoradas de la Península Ibérica, 356-360; GOMES, Mário Varela / MONTEIRO, J.
in Miscelania Arqueologica, Madrid, 1974, p. 5-39; Pinho, As Estelas decoradas da Herdade de Pomar (Er-
idem, Sobre la interpretación de las figuras en forma de videl – Beja): estudo comparativo, in Setúbal Arqueoló-
hacha de las estelas decoradas de la Edad del Bronce, in gica, v. 2-3 (1976-1977), p. 281-343; SANTOS, Ma-
Arquivo de Beja, v. 23-24 (1966-1967), p. 241-256; nuel Farinha dos, A Estela decorada de Castro Verde, in
BARCELÓ, J. A., El Bronce del Sudoeste y la cronolo- Actas das II Jornadas Arqueológicas da Associação dos
gia de las estelas alentejanas, in Arqueologia, n 21 Arqueólogos Portugueses (Lisboa, 1972), v. 1, Lisboa,
(1991), p. 15-22; CALADO, Manuel, Tampas de se- 1973, p. 223-225
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ANDAÇO
ANDAÇO ANDAR
Designação popular para a diarreia, o vómito e Quando uma criança demora a andar, é levada,
a conjuntivite catarral (cf. Ramiro de Sá nas três primeiras sextas-feiras do mês, a dar
Coelho, Linguagem Médica popular, in uma volta à própria casa. Pode-se, ainda, atar a
Apolinea, v. 2, 1934, p. 48). *medida de uma imagem de *São José em cada
tornozelo.
ANDADOR DE ALMAS
Indivíduo que alugava a bacia das Irmandades ANDAR DE DESEJOS
das Almas, ficando com o privilégio exclusivo Expressão sinónima de gravidez.
de poder pedir esmola todo o ano com destino
a tais instituições. Trajava opa da cor da irman- ANDAR ÀS VOZES
dade. Protagonista da opereta homónima de Prática destinada a captar sinais sobre a situa-
Francisco Palha. ção dos homens que se acham no mar. Al-
gumas mulheres do bairro da Ribeira, em Via-
na do Castelo, faziam um determinado per-
curso, em grupo, invocando a protecção de
Nossa Senhora da *Consolação, da *Agonia, da
*Boa Viagem, da *Bonança, da *Boa Lembran-
ça e da *Graça, assim como a do *Senhor dos
Passos e do *Espírito Santo, rezando para o
efeito 33 credos, intercalados com alguns poe-
mas populares. Amadeu Costa transcreve e in-
terpreta alguns dos sinais em questão (cf. Coisas
da nossa Ribeira: andar às vozes, in Cadernos
Vianenses, v. 4, 1980, p. 125-138). Alberto Pi-
mentel refere o costume de «andar às vozes»
com um *bochecho na boca.
BIBLIOGRAFIA PIMENTEL, Alberto, Andar às vozes, in
Prato das esmolas para as Almas do Purgatório [Museu da
Tradição, v. 1 (1899), p. 85-87
Guarda].
ANDOR
BIBLIOGRAFIA CARVALHO, A. L. de, Os andadores de almas
foram riscados da paisagem citadina, in O Tripeiro, s. 5, v. 4 Espécie de padiola sobre o qual as imagens dos
(1948), p. 78 santos são transportadas durante as procissões.
ANDADURA ANDORINHA
O modo de andar: de costas ou às arrecuas (é Criada ou galinha de Nossa Senhora mas,
ensinar o caminho ao diabo); ao pé-coxinho igualmente, de Nosso Senhor. Também deno-
(em Chaves diz-se chico-pé); a passo de boi, em minada mensageira de Deus, por anunciar a Pri-
passo de procissão ou a passo de anjo (devagar); mavera. Tendo lavado os pés a Cristo (ou ar-
de pisa-flores (passos miúdos); a cirandar (andar rancado os espinhos cravados na sua cabeça),
de um lado para o outro sem se ver trabalho este ter-lhe-á garantido que não haveria quem
feito); a passarinhar (o mesmo que cirandar); lhe fizesse mal, razão por que é pecado destruir
andar aos SS (andar de bêbedo); ir livrar o pai os ninhos desta ave. Quem mata andorinhas fi-
da forca e ir num pé e vir noutro (depressa); an- ca com as mãos a tremer (cf. Revista Lusitana,
dar de salta-pocinhas (aos saltinhos); a passo de v. 28, p. 255) ou perde a fortuna (idem, v. 12,
cão (muito ligeiro); pé ante pé e com pezinhos de p. 84). É considerada auspiciosa a circunstân-
lã (ao de leve, para não ser ouvido). cia de as andorinhas fazerem ninho numa casa
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e sinal de felicidade para os seus ocupantes, tal dor da Ordem de Cristo, participou na batalha
como sonhar com elas nessa actividade. O voo de *Alcácer Quibir na sequência da qual seria
rasteiro das andorinhas é presságio de chuva. A feito prisioneiro. Logrando evadir-se, tornou-se
propósito da circunstâncias de as andorinhas se partidário do Prior do Crato, razão pela qual
alimentarem em pleno voo, diz Santo António, esteve encarcerado durante muitos anos. A sua
glosando São Paulo (Colossenses, III, 1): «Procu- Miscellanea do Sítio de Nossa Senhora da Luz do
rai [...] as coisas que são do alto, não as que Pedrógão Grande, apparecimento de sua imagem,
existem sobre a terra» (cf. Obras Completas, v. 3, fundação do seu convento, e da Sé de Lisboa, ex-
p. 212). A expressão andorinha gloriosa ocorre pugnação d’ ella, perda de elrei Sebastiam, etc.
na Oração do Peregrino, da qual subsistem di- (Lisboa, Matheus Pinheiro, 1629) integra,
versas versões, designadamente alentejanas. A além de uma descrição de *Alcácer Quibir (diá-
*pedra de andorinha (referida nos lapidários) ou logo VII), um conjunto de diálogos versando
*celidónia (coeli donum = dom do céu) é um matéria histórica, lendas e tradições populares,
fragmento de concha negra, rolada e polida pe- poemas próprios e alheios, atribuíveis a Ca-
lo mar, à qual se atribuem propriedades curati- mões, Estevão Rodrigues de Castro, D. Juan da
vas contra todas as moléstias da visão. Crê-se Silva, Conde de Linhares, Manuel Soares de
que as andorinhas a transportam para o ninho Albergaria, etc., e ainda a Canção do figueiral fi-
para abrirem os olhos aos filhos. Leite de Vas- gueiredo, que afirma ter ouvido a uma criada al-
concelos (Etnografia Portuguesa, v. 5, p. 221) garvia. Considera o império português legíti-
diz ser o mesmo que *pedra de cevar e imã. *Al- mo sucessor do de Roma (p. 419-420), afir-
berto Magno afirma que na cabeça da andori- mando que a ínsula divina descrita por Ca-
nha se acham duas pedrinhas pequenas, uma mões em Os Lusíadas, foi preparada por Vénus
branca e outra vermelha. A pedra branca diz-se a partir de uma pedra «do tamanho de duas
que evitará a sede e que quem a usar ao pescoço léguas de comprido, e meia de largo, e muito
estará a salvo de algum fluxo de sangue, além de profunda», que a deusa tutelar dos portugueses
ter virtude para ajudar os partos das mulheres. arrancara ao leito do rio Zêzere, numa região
A pedra vermelha livra de muitas doenças e sen- denominada Cabril, por não se saber o que ca-
do posta numa vasilha com água durante uma
noite, crê-se que essa água bebida tira o mal da
gota e a febre. Olho de andorinha na cama
provoca insónias (cf. Revista Lusitana, v. 17, p.
196). Lixo de andorinha é utilizado para con-
feccionar feitiços (cf. Revista Lusitana, v. 5, p.
191). Na Madeira, diz-se que «comer o coração
crú das andorinhas dá bom fôlego». No *Livro
das Aves (XLII) a andorinha é sinónimo da alma
penitente e dos arrependidos e respectivos antó-
nimos morais: a inconstância e a soberba.
BIBLIOGRAFIA BANVILLE, Théodore de, As Andorinhas, in Re-
vista Lusitana, v. 21 (1913), p. 33-34 [relata lenda]; BRAN-
DÃO, Abílio de Magalhães, Folk-lore, in NAI, v. 3 (1893), p. 39
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beria no vazio produzido pela remoção de um OBRA Annua do Mogor (Agra, 14.8.1623), in Documentação
Ultramarina Portuguesa, v. 3, Lisboa, 1963, p. 159-179; Novo
«penhasco assim grande». Acrescenta que, pri- descobrimento do Gram Cathayo ou Reinos do Tibet […] no
meiramente chamada Ilha de Vénus, foi depois anno de 1624, Lisboa, Mateus Pinheiro, 1626 (traduzida para
seu nome convertido em Ilha de Santa Helena castelhano, alemão, italiano e francês, em 1627, e latim e po-
laco, em 1628); Segunda carta. Prosigue el descubrimiento del
(p. 420). A p. 423-426 narra prodígios da na-
gran Cathayo ou Reynos del gran Tibet, Segóvia, 1628
tureza ocorridos no ano de 1628 (alguns du-
rante o mês de Agosto). De entre diversas obras BIBLIOGRAFIA CASTELO BRANCO, Fernando, A fama de
dramáticas que compôs, salienta-se uma muito santidade do primeiro missionário do Tibete, in Actas do Con-
gresso Internacional de História dos Descobrimentos, v. 2, Lis-
curiosa intitulada Colóquio ao Divino sobre a boa, 1961, p. 21-33; DIDIER, Hugues, Os Portugueses no Ti-
Restauração do Mundo. bete: os primeiros relatos dos jesuítas (1624-1635), Lisboa, 2000
(trad. do francês); MACLAGAN, E., Os Jesuítas e o Grão Mo-
BIBLIOGRAFIA ANDRADE, Leitão de, Romance do infeliz su- gol, Porto, 1946 (trad.); PEREIRA, Francisco Maria Esteves,
cesso, in Prelo, n. 1 (Out.-Dez. 1983), p. 73-76; BAIÃO, An- O descobrimento do Tibet, Coimbra, 1921; RIBEIRO, Aquili-
tónio, Um fidalgo quinhentista e o seu curioso testamento, in no, Portugueses das sete partidas, Lisboa, 1951, p. 287-334;
Anais da Acad. Port. de História, s. 2, v. 10 (1960); CIRUR- VIANA, A. R. Gonçalves, Early Jesuit Travellers in Central
GIÃO, António, Camões e Miguel Leitão de Andrada, in Coló- Ásia – 1603-1721, Haia, 1924, p. 43-68 e 69-82; WESSELS,
quio / Letras, n. 108 (1989), p. 18-26; SILVA, Vitor Manuel C., António de Andrade, S. J., viajante no Himalaia e no Tibete
Aguiar e, Maneirismo e Barroco na Poesia Lírica Portuguesa, (1624-1630), Lisboa, 1912 (trad. do holandês)
Coimbra, 1971
ANDRADE, CRUZ
ANDRADE, PADRE ANTÓNIO DE (1580-1634) Autor do artigo intitulado Grafologia: estudo do
Entrou no Noviciado dos Jesuítas em Coim- caracter pela escrita (in Serões, v. 3, n. 16, 1906,
bra, a 16 de Dezembro de 1596, tendo partido p. 321-332).
para as missões do Oriente no ano de 1600.
Após uma passagem pela Mongólia, seguiu pa- ANDRADE, GOMES FREIRE DE (1757-1817)
ra a Ásia Central, sendo o primeiro missionário Nasceu em Viena de Áustria, filho de Ambró-
a entrar em Lhasa, capital do Tibete, em 1624. sio Pereira Freire de Andrade e Castro, então
A sua viagem começou em Agra. Chegado a embaixador de Portugal naquela corte, e da
Deli juntou-se a uma caravana de peregrinos condessa Elisabeth de Schaffgotsh, represen-
que se dirigiam ao pagode de Badrinath. Em tante de uma família ilustre da Boémia. Desti-
Maio entrava em Srinagar, iniciando a escalada nado desde a infância à carreira de armas, as-
dos Himalaias. Foi o primeiro europeu a atra- sentou praça no regimento de Peniche, no ano
vessá-los e o descobridor das principais nascen- de 1781, sendo promovido a alferes em 1782.
tes do *Ganges (rio Alaknanda). Em Tsapa- Transitou depois para a marinha com o posto
rang, capital do reino de Guge, o rajá conce- de tenente, tendo regressado ao exército no de
deu-lhe permissão para pregar o cristianismo. sargento-mor. Foi iniciado na *maçonaria an-
Regressado a Agra, em Novembro do mesmo tes de 1785 em Viena e em Lyon (na loja La
ano, redigiria a relação da viagem, dirigida ao Bienfaisance). Maçon prestigiado, participaria
Padre jesuíta André Palmeiro, visitador da Ín- activamente na criação do *Grande Oriente
dia, a qual seria impressa em Lisboa (1626), Lusitano (1803), do qual se tornaria um dos
tendo despertado grande interesse na Europa. principais dignitários, tendo pertencido, em
Novamente em Tsaparang, em Agosto de Portugal, à loja Regeneração, da qual foi Venerá-
1625, o rei e a rainha do Tibete, que haviam vel e, em Grenoble, à loja militar portuguesa
solicitado o regresso do missionário, fizeram-se Cavaleiros da Cruz (entre 1808 e 1813). Alista-
cristãos, tendo sido fundada sob o patrocínio do como voluntário nos exércitos russo e prus-
dos monarcas a nova missão daquele reino. O siano, tendo participado na guerra que opôs a
Padre António de Andrade foi Provincial da Rússia à Turquia (1788-1792), servindo com
*Companhia de Jesus (1630 e 1633) e deputa- distinção que lhe grangeou o posto de coronel,
do da *Inquisição da Índia. uma espada de honra e a condecoração da Or-
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ANDRADE, SUSANA DE
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ANDRAS
ANDRAS
Demónio com corpo de anjo e cabeça de gato.
Cavalga um lobo preto, encontrando-se arma-
do com um sabre ponteagudo. Chefe de 40 le-
giões. Provoca discórdias intencionalmente.
Referido no cânone 7 do concílio de Braga
(560-563).
ANDRÉ, SANTO
Irmão de *São Pedro, apóstolo e padroeiro da
castidade e dos pescadores e negociantes de
pescado, sendo também invocado pelas mulhe-
res que desejam ser mães e contra o ventre caí-
do. A mais remota referência a Santo André co-
nhecida na Península Ibérica acha-se num cipo
de Guadix. A forma portuguesa André ocorre
no ano 937. Santo André (do grego: an, andrós,
homem, i. e., Adão) é cultuado a 30 de No- Martírio de Santo André: tábua quinhentista (ca. 1530)
vembro, situando-se entre João Baptista e a *Je- [UCoimbra].
rusalém Celeste: encarna a passagem da Alian-
ça do Sinai à de Cristo, encerrando, por conse- e trás o porco pelo pé; De Todos os Santos a
guinte, o ciclo da profecia na posteridade de Ja- Santo André um mês é; De Santo André ao
cob. O seu papel inscreve-se entre dois mundos Natal, três semanas; Por Santo André, o sete es-
(este e o vindouro), duas cidades santas (a ter- trelo posto é; Por Santo André, todo o dia noite
restre e a celeste), duas portas (da Fé e do Co- é; Quem apanha azeitona antes de Santo An-
nhecimento Perfeito ou Caridade) dois santos dré, fica-lhe o azeite no pé; Pelo Santo André,
(o Baptista e o Evangelista). Juntamente com vai o sete-estrelo à maré. *A-Ver-o-Mar.
Pedro, Tiago e João, foi um dos que colocaram
a Jesus a questão primordial quanto à ANDRÉ AVELINO, SANTO (1521-1608)
destruição do Templo e ao Fim do Mundo: Ordenado presbítero em 1545, fez-se teatino,
«Quando hão-de suceder estas coisas? E que si- professando votos solenes em 1559. Foi res-
nal haverá de quando todas elas se começarem ponsável pela criação do primeiro estudo teoló-
a cumprir?» (Marcos, XIII, 3-5). Na Jerusalém gico da sua Ordem. Beatificado em 1624 e ca-
Celeste toda a Natureza humana dispersa se nonizado no ano de 1712, é festejado a 10 de
reúne no Adão Primordial, reparador e divino, Novembro. Padroeiro da *boa-morte e das de-
símbolo da Vida Eterna, expresso na cruz aspa- mandas breves, é advogado contra a apoplexia
da (X) que identifica Santo André com o Sol de (morte súbita), de que ele próprio foi vítima
Justiça e a *Cidade Solar que desce do Alto (X quando se aproximava do altar para celebrar a
= 10 = Tétractys = número perfeito por excelên- Eucaristia. Tal circunstância influenciou a sua
cia). Um penedo com pegadas (supostamente iconografia, porquanto costuma ser figurado
as do santo), em Nabais, é chamado de Santo envergando *alva, *casula, com o *manípulo
André (cf. Martins Sarmento, Materiaes para a pendente do braço (igreja dos Clérigos, no Por-
archeologia do concelho de Guimarães, in Revista to). Por vezes, o seu atributo distintivo é um
de Guimarães, v. 1, p. 184-185). Adágios: Em cálice do qual sai o Menino Jesus levando a
dia de Santo André quem não tem porco mata cruz, enquanto noutras surge com o corpo ilu-
a mulher; No dia de Santo André diz o porco minado, em referência ao episódio hagiográfi-
quié-quié; No dia de Santo André vai à esquina co da tempestade que sobreveio quando se di-
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ANDRÓMEDA
ANDRÓGINO
Do grego, andros (homem) + gyney (mulher).
Designação do indivíduo detentor dos traços
somáticos de ambos os sexos. O Talmud retrata
*Adão como andrógino. Na literatura gnóstica
o tema da androginia (conjunção de opostos)
remete para a salvação. Também ocorre em Pla-
tão (Banquete) e nos hermetistas do Renasci-
mento. Distinto do *hermafrodita. Gervásio
Vila-Nova, personagem de A Confissão de Lúcio
(1995, p. 19) de *Mário de Sá-Carneiro (1890-
1916), cujo «corpo de linhas quebradas tinha
estilizações inquietantes de feminilismo histéri-
co e opiado», corresponde (tal como as encar-
nadas pelo visconde de Naudières e por Sérgio
Warginsky, idem, p. 23 e 62-63, respectiva-
mente) ao esterótipo do «andrógino ritual», se-
gundo a definição de Mircea Eliade (cf. Mefis-
tófeles e o Andrógino).
ANDRÓMEDA
Filha de Cassiopeia, rainha da Etiópia, que se
Imagem de Santo André Avelino da igreja
dos Clérigos (Porto), com barba. vangloriava de ser mais bela que as Nereidas.
Para vingar as filhas, o deus do mar, Poseidon
rigia a casa de um enfermo para lhe dar a extre- (*Neptuno), encarregou Cetus (a baleia) de des-
ma unção. Em algumas localidades portugue- truir a Etiópia. No intuito de poupar o seu rei-
sas, Santo André Avelino é advogado da no, Cefeu preferiu sacrificar a filha, Andróme-
*barba, sendo iconografado barbado (cf. Regis- da, encadeada pelas Ninfas a uns cachopos,
tos de Santos do Museu Etnográfico, v. 1, p. 196). junto ao mar, onde ficou exposta, para ser de-
Em Quintela (Mangualde), os rapazes ainda vorada pelo monstro marinho. Perseu passando
imberbes acorrem no dia da sua festa à capela a cavalo em *Pégaso e vendo-a, enamorou-se
onde é venerado, fazendo-lhe promessas para dela. Defrontando o monstro, o herói usou a
que a barba lhes nasça cedo. cabeça de *Medusa para petrificar o monstro
(transformando-o em *coral) e libertar Andró-
ANDREZA, MARIA meda. Por deferência de *Minerva Andrómeda
Processada pelo *Santo Ofício [ANTT: Inq. e seu pai foram elevados ao céu e colocados en-
Lisboa, proc. 1964], confessaria que «vendo-se tre os signos celestes, como escreve Camões (Os
pobre, se fingira feiticeira para ter que comer e Lusíadas, X, 88): «Olha por outras partes a pin-
viver a modo de cigana, enganando a muitas tura / Que as estrelas fulgentes vão fazendo, /
pessoas, que a procuravam para por meio de Olha a carreta, atenta a Cinosura, / Andróme-
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ANEDOTA
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ANEL
Num manuscrito da BUC encontrou Leite de Vasconcelos (Setembro de 1889) a explicação das seguintes letras de virtude
gravadas em anéis, porventura do género daqueles proibidos pelo Inquisidor-Geral, Dom Veríssimo de Lencastre, em 1678:
«As letras de alto a baixo escritas com as cruzes são umas letras que trazem em uns anéis de prata feitas de dentro e de fora;
são muito proveitosas para todos os acidentes, em especial de cólica e pedra e quem as trouxer se achará muito bem e, posto
que as letras em si não tenham virtude, dar-lha-á Deus por quem é, pois nele está toda a virtude e bem, pois são
significadoras de louvores seus, conforme aos versos que delas dependem; usavam delas com dúvida, enquanto se não soube
a significação. Em Santa Cruz de Coimbra se acharam da mesma maneira que vão escritas, já muito antigas e dizem que
se tinha tanta fé nelas que as guardavam dentro no Sacrário e se punham sobre os enfermos».
oferecido em sexta-feira Santa curam a epilep- corte do *farpão realizam-se dizendo determi-
sia (Anacephaleosis, p. 126, § 101). Destinados nadas orações enquanto se vão fazendo cruzes
a livrar da mesma moléstia e das cãibras eram com um anel. Ver um anel em sonhos é pre-
os anéis benzidos pelos reis de Inglaterra. Edital núncio de casamento próximo ou de reconci-
(3 de Junho de 1678) do Inquisidor-Geral, liação; recepção de anéis prognostica amizade
Dom Veríssimo de Lencastre, proibiu o uso no ou ligação feliz; dádiva de anéis indica amiza-
reino de anéis de ouro e prata «e ainda de al- des envolvidas em traições (para evitá-las é pre-
guns pergaminhos em que se vêem gravadas e ciso retribuir a dádiva), enquanto perdê-los sig-
pintadas cruzes e letras, afirmando que têm vir- nifica alegria e bem-estar passageiros. Ver Cur-
tude contra vários acidentes e também contra a vo Semedo, Polyanthea Medicinal (Lisboa,
peste». Em Mangualde, a cura da *erisipela e o 1695, p. 42 e 781). Outrora, praticava-se o jo-
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ANEL DA FAVA
go do anel nas cavalhadas (Estremadura e Alen- anell de prata com hua unha dentro» (Almei-
tejo). Expressões: Mulher aneleira (que usa rim, 21 Março 1580). António José da Silva,
anéis) é feiticeira; homem aneleiro é feiticeiro. referindo-se ao acidente de gota-coral, diz: «A
*Aliança, *anel da má dor, *anel da unha da grã unha de grão besta é boa para isto» (Alecrim e
besta, *anel de aço, *anel de alquique, *anel de Manjerona, Lisboa, 1737, p. 198).
corvina, *anel pontifical.
ANEL DAS ALMAS
BIBLIOGRAFIA ALARCÃO, Jorge / DELGADO, Manuela, *Cravos (verrugas).
Catálogo do Gabinete de Numismática e Antiguidades, Lisboa,
1969; ARAGÃO, Teixeira de, Anneis, Lisboa, 1887; CAR-
DOSO, Mário, Pedras de anéis romanos encontrados em Portu- ANEL DE AÇO
gal, in Rev. de Guimarães, v. 72, n. 1-2 (1962), p. 155-160 Em Trás-os-Montes era usado contra as feiticei-
[MMC, MMS, MNA, Museu Regional de Castelo Branco e
ras. Já em Mangualde, cria-se que livrava da
particulares]; CRAVINHO, Graça, Peças Glípticas de Conim-
briga, in Conimbriga, v. 11 (2001), p. 143-199; FRANÇA, *melancolia e do *cobranto (*quebranto).
Elsa Ávila, Anéis, braceletes e brincos de Conimbriga, in Conim-
briga, v. 7 (1979), p. 133-139; GRAÇA, Maria Antónia / ANEL DE ALQUIQUE
MACHADO, João de Saavedra, Uma colecção de pedras gra-
vadas: elementos para um catálogo geral, Coimbra, 1971
*Amuleto preservativo da dor de cabeça (*en-
[MNA]; LEITE, Ana Magalhães, Jogos, in Douro Litoral, s. 2, xaqueca), cuja denominação António Tomás
v. 2 (1944), p. 45 [descreve jogo do anel em Navais, Póvoa de Pires presume derivar de corrupção de *alqui-
Varzim]; VASCONCELOS, J. Leite, Annel e lettras de virtude,
me, segundo o mesmo «prata ou ouro fundidos
in Revista Lusitana, a. 2, n. 3 (1890-1891), p. 261-264; VI-
TORINO, Pedro, Dois Aneis com inscrições, in Revista de Ar- com outros metais» (cf. carta a J. Leite de Vas-
cheologia, v. 1 (1932), p. 56-59; VITERBO, Santa Rosa, Elu- concelos, 26 Out. 1889). *Anel de corvina,
cidário (Sortelas das Vertudes). *anel de fava, *anel da má dor.
ANEL DA FAVA ANEL DE CASAMENTO
Também denominado *anel da má dor. Trata- *Aliança.
-se de uma fava encastoada num anel. *Amule-
to preconizado contra a dor de *enxaqueca, po- ANEL DE CORVINA
dendo ser usado em qualquer dedo. *Anel de Fabricado a partir do osso da cabeça da corvi-
alquique, *anel de corvina. na, encastoado em prata. Leite de Vasconcelos
ANEL DA MÁ DOR informa que se fabricavam em Elvas e Campo
Também denominado da enxaqueta (i. e., da Maior. *Amuleto contra as dores de *enxaque-
*enxaqueca), é fabricado em arame, ferro, etc. ca e oftálmicas. *Anel de alquique, *anel de fa-
O seu fabrico deve começar na Quarta-feira va, *anel da má dor.
Santa, continuar na Quinta e terminar na Sex- BIBLIOGRAFIA PIRES, Tomás, Amuletos Alentejanos, Elvas,
ta. Livra de dores de cabeça, nos olhos e nas 1904, p. 499
fontes. Na Mexilhoeira Grande (Algarve), diz-
-se que deve ser fabricado em *aço e colocado ANEL-DO-DIABO
sob uma pedra de ara entre Quarta-feira de Castropacha rubi, L. Lagarta da *borboleta que
Trevas e Sábado de Aleluia. *Anel de alquique, se enrola quando lhe tocam.
*anel de corvina, *anel de fava.
ANEL PONTIFICAL
ANEL DA UNHA DA GRÃ BESTA O anel, juntamente com o *báculo e a *mitra,
Anel de prata, possuindo dentro um pedaço de integra o conjunto de insígnias da dignidade
chifre (porventura de *unicórnio) o qual se de- episcopal. Simbolizando a fidelidade e a união
nomina unha da grã besta. Bluteau afirma que nupcial com a Igreja, é a primeira das insígnias
a dita unha é de alce. No inventário das jóias a ser benzida e entregue ao bispo quando do
do Cardeal D. Henrique há referência a «hum cerimonial da sua sagração. Os cardeais rece-
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ANES, CONSTANÇA
ANEMOMANCIA
Adivinhação pela direcção do vento.
ANES, BRANCA
1. Mulher de João de Lousada, morador em
Lisboa. Em 1501, solicitou a Dom Manuel
carta de perdão, por recear vir a ser presa, em
virtude de ter usado de magia contra o cônju-
ge. Alegava ela que «por o dito seu marido lhe
dar má vida e andar com outras mulheres, fize-
Anel pontifical (São Boaventura, igreja de Jesus, Setúbal). ra disso queixume a algumas mulheres e que
uma das ditas mulheres lhe dissera que lhe da-
bem-no do Papa na ocasião da entrega da sua ria uma coisa com que fizesse boa vida com ele
igreja titular. Consoante as prescrições, o uso e que lhe dera uma imagem de cera, dizendo
do anel pontifical é obrigatório, no dedo anular que era São Longinos e lhe dissera que a metes-
da mão direita dos cardeais, bispos, abades e se de sob a cabeceira da cama e ela o fizera as-
protonotários apostólicos, em todas as funções sim e tendo a dita imagem de sob a dita cabe-
litúrgicas (também os cónegos, doutores e mon- ceira, o dito seu marido a achara e a amos-
senhores o usam, excepto na celebração da tra[ra] a algumas pessoas da vizinhança [...]»
*missa), devendo ser de *ouro e possuir uma [ANTT: Chancelaria de Dom Manuel, liv. 45,
pedra preciosa (a *safira é reservada aos car- fl. 122v]. Entendendo que o caso se finara por
deais). O bispo do Porto, D. Fernão Martins ali, Dom Manuel concedeu-lhe a graça que su-
(séc. XII) deixou no testamento à sua igreja o plicava, na condição de ela pagar três mil reais
«anel maior dos selos» (anel de sinete ou de ca- para obras de piedade (12 de Maio de 1501).
mafeu), que tinha engastada uma safira. *Margarida Álvares.
BIBLIOGRAFIA AZEVEDO, Pedro de, Benzedores e Feiticeiros
ANEMIA do tempo d’el Rei D. Manuel, in Revista Lusitana, v. 3, n. 3-4
Combate-se com bolos de milho untados com (1894-1895), p. 340
azeite e também um litro de vinho misturado
com gemas de ovos e açúcar. Na Madeira, é 2. Afamada *feiticeira de Santa Eufêmia de
preconizado um sem número de mezinhas, de Prazins (Braga), denunciada na visitação de
que se enumeram as seguintes: em jejum e an- 1571. Era procurada por homens e mulheres
tes de cada refeição, tomar um cálice de uma da terra e de fora, muitos com cestas para lhe
infusão de bálsamo de canudo (Kleinia repens) ofertar [ADBr: VD, n. 435, fl. 105-105v]
em vinho da Madeira; ao deitar e ao erguer da
cama, comer uma fatia de pão embebida em ANES, CONSTANÇA
mel de abelha e vinho da Madeira, em doses Benzedeira de Conde (Viana do Castelo??), de-
iguais; ingerir grandes porções de *agrião (Nas- nunciada na visitação de 1548, em Monte
turtium officinale), papas de aveia (Avena strigo- Longo. Benzia o *mau-olhado [ADBr: VD, n.
sa), o frangolho (uma papa preparada com trigo 434, fl. 33v].
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ANES, ISABEL
ANES, ISABEL zes o fazia por ourelos, sem levar disso nenhum
Feiticeira, casada, residente à Igreja Velha de prémio, somente lho fazia por amor de Deus e
Viana do Castelo, denunciada na visitação de as palavras com que benzia eram estas, a saber:
1641-1642, em Vinha (arquidiocese de Vinha). «em nome do Padre e do Filho e do Espírito
Considerada sem emenda, porquanto fora Santo um verdadeiro Deus, assim como isto é
citada em diferentes visitações anteriores, não verdade, assim será esta mal de foão [i. e., de
sendo referidos os nomes daqueles a quem fi- fulano]». Dizendo isto três vezes com três Pa-
zera feitiços. Foi admoestada [ADBr, VD, n. dres nossos e três Ave Marias à honra de Deus
610, fl. 10-23v]. e da Virgem Maria [...]» [ANTT: Livro das Le-
gitimações, fl. 250]. O monarca anuíu desde
ANES, MARIA que Pero Anes pagasse (como pagou) dois mil
1. *Benzedora residente no Casal Mourão reais para obras de caridade.
(Mafra). Segundo as Visitações de Santo André
de Mafra, de 16 de Maio de 1509, o cura ficou BIBLIOGRAFIA AZEVEDO, Pedro de, Benzedores e Feiticeiros
do tempo d’el Rei D. Manuel, in Revista Lusitana, v. 3, n. 3-4
obrigado a enviá-la e ao hospitaleiro (igual- (1894-1895), p. 330-331
mente afamado *benzedor) ao visitador, para
este saber «que maneira têm em seu benzer». 2. *Feiticeiro de Santa Maria do Bouro, denun-
2. *Feiticeira, mulher do «Rei da Mourisca», ciado numa visitação realizada em 1581, eufe-
residente na freguesia de Santiago da Sé (Bra- misticamente denominado «o fêmeo de Valance».
ga), denunciada na visitação capitular de 1562,
BIBLIOGRAFIA SOARES, Franquelim Neiva, Medicina popular
a qual, em virtude de fadário alegadamente e feitiçaria nas visitações da Arquidiocese de Braga nos séculos
herdado da sua ama, assumia, de noite, a apa- XVI e XVII, in Revista de Guimarães, n. 103 (1993), p. 79
rência de um *gato ou de um *pato para ir ma-
tar as crianças sem baptismo, apertando-as pe- ANETO
los «grãos», ou pela garganta [Arquivo Distrital Também denominado *endro ou *funcho bas-
Braga: Gaveta das concórdias e visitas, n. 27, fl. tardo. As suas folhas secas e, especialmente, as
10-18v]. Apesar de o visitador ter ordenado a sumidades floridas, constituem um excelente e
sua prisão, frei João de Leiria, representante do aromático têmpero, especialmente recomenda-
arcebispo D. frei Bartolomeu dos Mártires, au- do contra os achaques hepáticos. Possui acção
sente na Terceira Sessão do Concílio de Trento, calmante e protectora do estômago, além de
mandou libertá-la. contribuir para o combate às bactérias intesti-
nais e para a eliminação dos gases.
BIBLIOGRAFIA SOARES, Franquelim Neiva, A freguesia de
Sant’Iago da Sé na visitação capitular de 1562. A mulher que ANEXIM
matava crianças, in Bracara Augusta, v. 40, n. 89-90 (102-103)
Definido por Bluteau como «um axioma
(1986-1987), p. 205-263; idem, Medicina popular e feitiçaria
nas visitações da Arquidiocese de Braga nos séculos XVI e XVII, vulgar, dito picante, como aqueles de que usam
in Revista de Guimarães, n. 103 (1993), p. 78-79 as regateiras e gente popular». Popularmente
confundido com o *adágio.
ANES, PERO
1. Pisoeiro e *benzedor, residente na Maceira ANFISBENA
(Batalha). Em 1513, acusado pelo corregedor Animal mítico. Serpente detentora de cabeça
da comarca de exercer o seu dom, solicitou a em ambas as extremidades, de onde o significa-
Dom Manuel I que lhe mandasse passar carta do do seu nome: «caminha nos dois sentidos».
de perdão, porque: «[...] como haverá ora dez Uma tradição, remontando ao século V, garan-
ou doze anos, que ele, por amor de Nosso Se- te que os olhos da anfisbena brilham como lan-
nhor, benzia algumas pessoas que lho pediam ternas. Plínio reporta-se às propriedades medi-
de quebrantos e ventres caídos e isto por lhe cinais que lhe são creditadas: alívio do reuma-
Nosso Senhor dar graça para isso e algumas ve- tismo e protecção da gravidez.
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ANGELUS ARETINUS
ANGARANHO
Designação bragançana para uma criança que
se apresenta enfermiça, enfezada, sempre
«doentinha», em consequência de *possessão.
O mesmo que *anqueilhado e *caílho (cf. Aba-
de de Baçal, Inéditos, Bragança, 1974, p. 71).
ANGARILHO
*Anqueilhado, *caílho.
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ANGINAS
versos crimes, mas salvo da pena capital pelos pírito, espectro ou alma erradia, atribuindo-se-
seus pares. Autor do De Maleficiis. Repertorium -lhe a tarefa de guardar os bichos nos prados
primi voluminis Maleficior (Lião, 1526, 2 (deus da caça do campo). Na Amazónia, exis-
vols.), cuja edição príncipe remonta a 1472. tem relatos da sua aparição sob a forma de um
Do acervo da BPNM consta o Tractatus de Ma- veado branco, com olhos de fogo, assombran-
leficiis cum additionibus optimi practici D. Au- do os caçadores que violam os seus domínios.
gustini Bonfrancisci Ariminensis ac D. Hierony-
mi Cuchalon Hispani novissimè superaddicis ANHANGUERA
(Colónia, 1599 [2-42-10-11]), achando-se reu- Nome do *diabo.
nidos no mesmo volume, além da obra de Are-
tinus, uma biografia por Thomas Diplobata- ANICA
cius, comentários de Augustino Ariminensis, Nome da mãe do *diabo, na Mexilhoeira
Girolamo Chucalon e Bernardino de Landria- Grande (Algarve).
no e os tratados de Alberti de Gandino, Boni-
facio de Vitellinis, Paolo Grillandus, Baldo de ANIMAL
Periglis e Jacobo de Arena, ocupando-se da es- As aves foram criadas no quinto dia, enquanto
pecificação de certas práticas ocultas interditas os restantes animais se tornaram criaturas no
e dos castigos aplicáveis aos culpados, bem co- sexto dia (Genesis, I, 25): «E Deus fez os
mo da tortura e da definição das penas reserva- animais selvagens de todas as espécies e todos
das pelo *Santo Ofício aos diferentes tipos de os animais domésticos de todas as espécies, e
acusados do crime de *feitiçaria. todos os répteis terrestres de todas as espécies».
O episódio ocorre iconografado no retábulo
ANGINAS (fieira superior) da capela-mor da Sé de Lame-
As amígdalas inflamadas tratam-se com mel, go (1506-1511), da autoria de Vasco Fer-
aplicando um emplastro quente à volta da gar- nandes [Museu de Lamego: inv. 14 / 1-P] e
ganta ou tomando vinho fervido, acompanha- também numa tela (1697) de Bento Coelho
do com açúcar ou mel bem quente. Segundo a [Cascais: col. part.]. Os animais são considera-
quirologia médica são indiciadas por pequenas dos forças poderosas, capazes de influir para o
estrelas na região em que se unem as linhas da bem ou para o mal, e protagonistas privilegia-
cabeça com a da vida. Também se aplicam na dos de fábulas e de operações mágicas (designa-
garganta emplastros de enxúndia de galinha ou damente o sapo). Afirma o povo que o animal
rodelas quentes de limão (Citrus limonia, L.), é portador de memória, prevenção, simpatia,
chupam-se rodelas de limão com açúcar ou três defeitos, virtudes e linguagem compreensível
folhas de oliveira (Olea europaea, L.) ou garga- para os da sua própria espécie e para alguns hu-
reja-se com água salgada; sumo de limão ou manos «entendidos». Alguns animais possuem
chá de negavelhas (diabelhas ou guiabelhas – reputação mágica (*bode, *cão, *galo, *gato,
Plantago Coronopus, L.). *lobo, *sapo, etc.) porque acompanham as
bruxas ao *Sabat ou porque emprestam as suas
ANHAGA aparências a demónios e feiticeiros. Os animais
Nome do *diabo. que difundem virtudes, concentram-nas em
determinadas partes do corpo, frequentemente
ANHANGA adoptadas como amuletos. Diz-se que é conve-
Um dos mitos mais antigos do Brasil colonial. niente ter animais em casa, pois crê-se que al-
Registado pelos Padres Manuel da Nóbrega, gumas doenças ou mesmo a morte vão para
José de Anchieta e Fernão Cardim, que fazem eles, em vez de atingirem as pessoas. Diz-se que
de anhanga um ente malfazejo. Para os índios se um animal comer a umbigueira (cordão um-
brasileiros anhanga é sinónimo de sombra, es- bilical) de uma criança, esta desaparecerá para
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ANIMAL
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ANIMISMO
louça das Caldas, Caldas da Rainha, 1981; COSTA, Carreiro óleo essencial, utilizado como especiaria, cuja
da, Os animais nalgumas superstições populares micaelenses, in
Comissão Reguladora dos Cereais do Arquipélago dos Açores, n. 18
composição é análoga ao do *anis, com o qual
(1953), p. 119-124; n. 21 (1955), p. 165-168; n. 22, p. 165- não deve, no entanto, ser confundido.
170; n. 23 (1956), p. 159-163; JUNQUEIRO, Arronches,
Questionário sobre as crenças relativas aos animais, in Tradição,
ANIVERSÁRIO DE DEFUNTO
v. 2 (1900), p. 175; P., R., Contos populares de animais, in Por-
tugália, v. 2 (1908), p. 660 [três contos populares]; PIÇARRA, Designação da celebração anual, em data fixa,
Ladislau, Questionário sobre as crenças relativas aos animais, in por alma de um defunto, geralmente a do ani-
Tradição, v. 2 (1900), p. 158-159; REGO, José Teixeira, Os versário do óbito (o dia em que o falecido nas-
animais agradecidos nos contos populares e o dilúvio, in Revista de
Estudos Históricos, v. 1 (1924), p. 8-23 [trata da versão russa do ceu para a vida eterna) ou, em alternativa, a da
conto Emiliano Parvo, analisando os elementos que o com- festa de um santo da sua devoção. Após o pri-
põem]; SOUSA, Elísio de, Crendices populares sobre os animais, meiro aniversário do óbito considera-se que o
in Douro Litoral, s. 4, v. 9 (1952), p. 34-36; VASCONCE-
LOS, J. Leite de, Animais com luzes nos galhos, in Revista Lusi- falecido integrou definitivamente o mundo
tana, v, 14 (1911), p. 227-237; idem, Vozes de animais e rela- dos mortos, fazendo, doravante, parte dos
ções fónicas do homem com eles, in Portucale, v. 7 (1934), p. 3-11 *Fiéis defuntos. Outrora, os aniversários dos
defuntos eram registados em livros especiais
ANIMISMO
(necrológios), onde diante de cada efeméride
Advoga a actividade voluntária da natureza, cu-
eram inscritos os nomes das pessoas comemo-
jos seres e fenómenos se creem animados por
radas, os bens vinculados ao seu sufrágio, por
espíritos com vontade própria. Os animistas
quem haviam sido trazidos, o pagamento a
propugnam que todos os objectos são possuí-
que estavam obrigados por testamento do fale-
dos por um espírito que sobrevive à destruição
cido, etc. *Capelania.
do seu hospedeiro, admitindo a metamorfose
de pedras em seres viventes, pedras que se des-
ANJINHO
locam, penhas oraculares (*pedra dos casamen-
Criança falecida antes de completar sete anos.
tos, *rocha dos namorados), pedras curativas,
Segundo a crença popular, um anjinho não é
etc. Certos actos (*sacramentos), palavras
santo, mas é puro, porquanto não teve tempo
(*Amen), ensalmos e gestos (*sinal da cruz) há,
para confrontar e conquistar o mundo terreno.
aparentemente religiosos, mas, de facto, mági-
Ninguém faz luto formal pelos anjinhos. Can-
cos, i. e., tendentes a alcançar um objectivo não
cioneiro: «Ó adro, terra de igreja, / onde se en-
recorrendo a divindades, mas manipulando for-
terram anjinhos, / Ó terra que estás comendo /
ças físicas. Por seu turno, alguns actos mágicos
Corpos tão delicadinhos» (Jaime Cortesão,
têm por base a crença no animismo. Por isso
Cantigas do Povo para as Escolas, Porto, 1914).
religião e magia andam tantas vezes associadas,
Em Ponte de Lima, Leite de Vasconcelos regis-
terminando o rito de encantamento com uma
ta o uso de ossos de anjinhos para confecionar
oração, ou fazendo-se esta preceder daquele.
certos feitiços. Nos caixões dos anjinhos são in-
ANIS troduzidos alfinetes, pela mesma razão que, em
Também denominado *erva-doce. Umbelífera Gulpilhares, se colocam montes de pregos à ca-
anual, originária do Oriente, porém também beceira do defunto adulto para o defender das
cultivada na Europa. Especiaria muito prezada bruxas. Escavações realizadas em adros sintren-
como condimento, porque facilita a digestão, ses verificaram a predominância de enterramen-
alivia e evita perturbações gástricas e intesti- tos de anjinhos no ângulo sudeste das igrejas.
nais, bem como a flatulência. Não confundir
com o anis-estrelado. ANJINHO DE PROMESSA
Figura que abrilhanta certas procissões median-
ANIS ESTRELADO te contrato e prévia arrematação. Ao anjinhos
Fruto de um arbusto da família das Magnoliá- de promessa constituem manifestação de agra-
ceas, também denominado badiana. Possui um decimento por alguma graça recebida, carre-
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ANJO
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ANJO CUSTÓDIO
categoria pelo amor (vermelho) e pela penitên- que «junto de cada homem há sempre um anjo
cia (verde). As pequenas cabeças aladas que, ge- que o ilumina, protege e guarda de todo o
ralmente, os acompanham são os anjos, puros mal», de resto, tal como São João Damasceno
espíritos, que nunca encarnaram. *Serafim, (De Fide Orthodoxa, livro 2, cap. III), ou o Pa-
*Querubim, *Trono, *Dominação, *Virtude, dre jesuíta Manuel Fernandes, em cuja Alma
*Potestade, *Arcanjo, *Principado. Instruída na Doutrina e Vida Cristã (t. 1, Lis-
boa, 1688, p. 164) se mostra peremptório: «É
BIBLIOGRAFIA CASTRO, Joaquim Machado de, Analyse Gra- de fé que cada um tem seu Anjo que o guarda,
fic’Orthodoxa, e Demonstrativa, de que sem escrupulo do menor
erro Theologico, a Escultura, e Pintura podem, ao representar o
posto que não seja de Fé que cada um tem seu
sagrado Mysterio da Encarnação, figurar varios Anjos, Lisboa, Demónio que o assista». São Jerónimo não dei-
1805; GANDRA, Manuel J., Em torno do Anjo Custódio de xaria de sublinhar a grandeza da alma humana,
Portugal e de outras epifanias da Hierarquia Celeste no Monu-
ao ponto de, «desde o nascimento, ser guarda-
mento de Mafra, in Boletim Cultural 2004, Mafra, 2005, p.
203-242; M., E. D., Os Santos Anjos, Lisboa, 1945; OLIVEI- da por um Anjo». Dom António Caetano de
RA, Custódio José de, Jerarchia celestial, Lisboa, 1812; Trata- Sousa (Agiológio Lusitano, comentário ao
do dos anjos e demónios, compreendendo também os nomes de XVIII de Julho, p. 216) assegura que o exercí-
Deus e dos Anjos segundo os cabalistas, extraido dos Padres Gas-
par Schott, Adrianus Lyroeus, etc. (séc XVII) [BN: cod. alc. cio da função de Anjo da Guarda é da compe-
110, fl. 41-57]; REIS, Oliveiros de Jesus, Os Anjos, Porto, tência dos anjos, propriamente ditos («terceira
1982; RICCIARDI, António, Commentaria symbolica in qui- hierarquia do último Coro»), de tal modo que
bus explicantur arcana, Veneza, 1591 (Sobre os Anjos e as lín-
guas [BPNM: 1-54-3-12 / 13]). «em nascendo uma criatura, logo Deus lhe dá
um anjo deste Coro para que a guarde e defen-
2. Lugar da freguesia de Argivai, distante da da e a guie ao fim para que foi criada». Esse o
Póvoa de Varzim ca. de 4 quilómetros, onde, motivo por que a iconografia figura o Anjo da
na tarde de segunda-feira de *Páscoa, as gentes Guarda geralmente acompanhado por uma
poveiras se reúnem num grandioso piquenique criança, símbolo da alma humana, com o bor-
de confraternização, cujo manjar obrigatório dão de peregrino. A festa do anjos da guarda foi
são os gambitos de raia (filetes de raia). Even- aprovada por Paulo V, em 1608, apenas para o
tual reminiscência das festividades pagãs comu- Império Austríaco, tendo sido alargada por
nais em louvor da Primavera, a concentração Clemente X a todo o orbe católico, em 1670.
culmina nos cânticos e danças sem qualquer O anjo da guarda, como conselheiro e hiero-
acompanhamento instrumental. fante do Ser e mais seguro guia para aceder ao
mundus imaginalis, «orientando pelo mistério
BIBLIOGRAFIA SÁ, Victor de, A Tradição do Anjo, in Actas do do pressentimento» (como sublinha Câmara
1º Congresso de Etnografia e Folclore, v. 2, Lisboa, 1963, p.
363-368
Cascudo), era devoção já implantada em Por-
tugal na centúria de quinhentos, como deno-
ANJO CUSTÓDIO tam: a circunstância de Francisco de Holanda
O culto do anjo da guarda radica na crença pri- ter dedicado ao Anjo Custódio um dos seus es-
meva e universal de que todos os seres huma- critos perdidos, intitulado Louvores Eternos
nos são assistidos pessoal e vitaliciamente por (manuscrito datado de 22 de Novembro de
daimones ou génios protectores (equivalentes 1569, citado por Barbosa Machado); ou a rai-
aos jinn corânicos), o mesmo sendo admissível nha D. Catarina, no testamento que ditou, em
dos lugares (*genius loci ou *espírito do lugar), 1574, não se ter esquecido de pedir ao seu An-
bem como das nações (*anjo custódio de Por- jo Custódio que a amparasse na hora da morte
tugal). A Igreja católica perfilhou os anjos da (Provas da História Genealógica da Casa Real
guarda desde cedo, fundada mormente em Portuguesa, t. 3, Lisboa, 1744, p. 24). Por seu
duas passagens, uma do Antigo (Salmos, XCI, turno, Isabel de Figueiredo († 1684), madre no
10-12), outra do Novo Testamento (Mateus, mosteiro de Lorvão, atesta igualmente a vene-
XVIII, 10). Orígenes, por exemplo, advoga ração pelo anjo da guarda entre nós, pois, ten-
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ANJO CUSTÓDIO
Ó Anjo de Deus, que és minha guarda, pela piedade superna a mim e a ti cometido, salva defende e governa.
Amen. Rogo-te, Anjo bento, a cuja providência eu sou encomendado, que sempre sejas presente em a minha aju-
da, ante Deus, Nosso Senhor. [A]presenta os meus rogos às suas muito piedosas orelhas, por que, por sua miseri-
córdia e tuas preces, me dê perdão de meus pecados passados, verdadeiro conhecimento e contrição dos presentes
e aviso para evitar os pecados vindouros, e me dê graça para bem obrar e até a[o] fim perseverar. Afasta de mim,
pela virtude do todo poderoso Deus, toda a tentação de Satanás e, o que eu não mereço por minhas obras, tu al-
cança por teus rogos por mim, ante Nosso Senhor, que em mim não haja lugar, mistura de alguma maldade. E
se algumas vezes me vires errar o bom caminho e seguir os errores dos pecados, tu procura de me [de]volver a meu
Salvador, pelas carreiras de justiça. E quando me vires em alguma tribulação e angústia, faze que me venha aju-
da de Deus, por teus doces socorros. Rogo-te que nunca me desampares, mas sempre me cubras, visites, ajudes e
defendas de toda fadiga e guerra dos demónios, vigiando de dia e de noite em todas as horas e momentos. Onde
quer que andar, guarda-me e acompanha comigo.
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ANJO CUSTÓDIO
Oração ao Anjo da Guarda, recolhida por Maria Laura Costa, na freguesia de Mafra
Ó anjo da nossa guarda, no Céu foste bem criado e por Deus foste mandado. Peço, ó anjo divino, que em nós te-
nhais cuidado. Ó anjo meu, faz sentinela dentro do meu coração. O pecado seja cativo; de mim não faça prisão,
se eu morrer em toda a noite, me sirva de confissão. Ó anjo da minha guarda, companheiro do Senhor, em vida
me foste dado para meu fiel guardador. Peço-te, anjo divino, por vosso divino poder, do laço maldito me queiras
defender.
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ANJO CUSTÓDIO
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ANJO CUSTÓDIO
Quando eu te falsificar,
E alugar anjos de serrim para em seus braços me embalar,
Derrete o chumbo dessas casas:
Leva-me no tufão das tuas asas!
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-feira e a outra à sexta-feira pela tenção do Católico lo pintado por duas princesas portuguesas, onde se
Rei Dom Manuel da gloriosa memória que insti- acha figurado o anjo custódio, entre outras entida-
tuiu pelos navegantes que passam o Mar em defen- des celestiais;
são destes reinos para o que nos deixou de esmola 27. MAFRA (Lisboa): Na Basílica do Monumento
20.000 reis em cada ano os quais se arrecadam na de Mafra, na capela colateral dedicada a São Pedro
Esmolaria de El-rei em Lisboa […]» [BPÉv: cod. de Alcântara, existe uma escultura, em mármore,
CLXVIII / 2-22]. Tais missas seriam reduzidas a atribuída, ora a Filippo Della Valle, ora a Laurent
apenas 21 no ano de 1738 [BPÉvora: cod. Delvaux (173?), ladeando outra (de Giovanni Bat-
CLXVIII / 1-33, fl. 52]; Igreja da Misericórdia: azu- tista Maini, 1732) que iconografa o arcanjo São
lejo setecentista, entre os altares de São Miguel e Miguel, circunstância que abona a favor da defini-
São João de Deus; Porta de Alconchel: sobre ela, no tiva distinção entre ambas as entidades;
local onde esteve a ermida de Nossa Senhora da 28. MIRANDELA (Bragança): procissão do Anjo
Ajuda, existiu uma pintura, segundo o Santuário Custódio;
Mariano (v. 6, p. 53); 29. MONFORTE (Portalegre): na matriz existiu,
22. FATELA (Fundão, Castelo Branco): a matriz é conforme as Memórias Paroquiais (1758), um altar
da invocação do Anjo Custódio de Portugal; dedicado ao Anjo da Guarda;
23. FÁTIMA (Vila Nova de Ourém, Santarém): No 30. PENAMACOR (Coimbra): a Vereação da Câ-
Santuário existe imagem do Anjo Custódio e na mara desta vila fez lavrar em acta, com data de 18
Loca do Cabeço, outra, da escultora Carvalheira; de Agosto de 1801, uma sua deliberação, segundo
24. FRONTEIRA (Portalegre): na matriz, dedicada a qual determinava que «a procissão do Anjo Cus-
a Nossa Senhora da Atalaia, um altar, do lado do tódio se faça com solenidade que a lei, acompanha-
Evangelho, foi, outrora, dedicado ao Anjo Custó- da de todos os oficiais, bandeiras e mais pessoas do
dio, tendo pertencido à respectiva confraria, com costume, de cada casa uma pessoa, e de que os ofi-
compromisso aprovado por Filipe II [ANTT: ciais que faltarem, sendo a procissão feita em Do-
Chancelaria de Avis, Livro 10, fl. 389], ulteriormen- mingo o[u] dia santo de guarda, paguem 200 reis e
te, em 19 de Abril de 1643, modificado e ratificado faltando de cada casa uma pessoa, 50 réis»;
por D. João IV [ANTT: Chancelaria de Avis, Livro 31. REDONDO (Évora): na matriz, conserva-se
14, fl. 124]. Uma provisão de Filipe III [ANTT: imagem de madeira policromada setecentista;
Chancelaria de Avis, Livro 11, fl. 235v] ordenou ao 32. SÃO PEDRO DA CABEÇA (Torres Vedras):
pároco que deixasse os mordomos da confraria Imagem na igreja local;
«usar da dita capela e por a imagem do Anjo da 33. TOMAR (Santarém): na Charola do convento
Guarda», o que deixa inferir a existência de um di- de Cristo, escultura em madeira estofada e policro-
ferendo entre eles, a propósito da utilização da dita; mada, atribuída ao mestre flamengo Olivier de
25. GUIMARÃES: nesta cidade a procissão do An- Gand (1508-1512), a qual apresenta o escudo real
jo Custódio saía da Colegiada de Nossa Senhora da com bordadura de 13 castelos;
Oliveira, desconhecendo-se com exactidão qual o 34. VEIROS (Évora): o Santo anjo custódio de Por-
seu itinerário (cf. Abade J. G. de Oliveira Guima- tugal tem culto na capela-mor da igreja de Nossa
rães, Festas anuais da Câmara de Guimarães. Notas Senhora dos Remédios, com irmandade, cujo com-
históricas, in Revista de Guimarães, v. 21, n. 1, Jan. promisso foi aprovado por Filipe III, em 14 de No-
1904, p. 27). Em 1605 e 1606, seguiu pela Rua de vembro de 1624 [ANTT: Chancelaria de Avis, Li-
Santa Maria, tendo regressado pela Rua do Gado vro 12, fl. 379v]; a imagem é de madeira, medindo
(posteriormente de D. Luís), conforme deliberação cerca de um metro de altura;
da Câmara (Livro 2º das Vereações, fl. 128). O padre 35. VILA VIÇOSA (Évora): uma pequena escultura
Torquato Peixoto de Azevedo informa que, no seu de madeira do Museu Dom Manuel Mendes da
tempo, a procissão levava, sob o pálio, um dos anjos Conceição Santos, antiga igreja de Sta. Cruz das Re-
tomados aos castelhanos por D. João I, em Aljubar- ligiosas Agostinhas, onde se lhe prestava culto, tem
rota, e oferecidos pelo mesmo monarca à Senhora sido identificada como imagem do anjo custódio de
da Oliveira, e que entrava na igreja de São Miguel Portugal, apesar de nenhuma particularidade a
do Castelo (Memórias ressuscitadas da antiga Gui- distinguir das de S. Miguel, ou mesmo de S. Rafael;
marães, p. 163 e 211); 36. VIMIEIRO (Évora): houve aqui uma capela di-
26. LISBOA: Igreja da Encarnação: imagem moder- ta do Anjo, à qual andou anexa a herdade da Peni-
na e Associação do Anjo Custódio de Portugal; queira [ANTT: Chancelaria de D. João V, Livro
Mosteiro de Santa Maria de Belém e dos Reis Magos: 101, fl. 44v], havendo dúvidas sobre o Anjo em
ao alto da porta travessa; Basílica da Estrela: retábu- apreço é, ou não, o custódio de Portugal.
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ANJOS
Custódio de Portugal?, Covilhã, 1969; REIS, Sebastião Mar- ta Cavalleria de Cristo) nos finais do séc. XVI.
tins dos, O Anjo de Fátima e o Anjo de Portugal: diverso ou
idêntico ao arcanjo S. Miguel?, in Na Órbita de Fátima: Rec- No primeiro plano mostra duas naturezas mor-
tificações e achegas, Lisboa, 1958, p. 119-157; VASCON- tas (vaso de lírios = símbolo mariano, e cesto
CELOS, António Garcia Ribeiro de, in Anuário da com maçãs e cachos de uvas = alusivos ao Me-
Universidade de Coimbra (1907-1908), p. CXXV; VITER-
BO, Sousa, Fastos Religiosos (Festas e Procissões), Porto, 1898
nino, novo *Adão e verdadeiro vinho = sangue
[BN: Res. 2001(1º) V] da Eucaristia). Maria acha-se enquadrada pela
figuração de algumas litânias imaculistas (bo-
ANJO DA GUARDA tões de rosa, palmeira, cancela fechada, fonte
*Anjo custódio. coroada por figura alada com arco e flecha
[porventura um *Cupido, a cujos pés se obser-
ANJO DA MORTE vam duas cabeças de *veado ou cervo = Cântico
Segundo a mística judaica, ente que, sob as or- dos Cânticos?] e duas bicas antropomórficas
dens de Deus ( Êxodo XII, 23 e Isaías, XXXVII, [homens silvestres nus e enlaçados de cujas bo-
36), extrai a alma do corpo no momento da mor- cas corre a água da salvação (*imaculada Con-
te. Na escultura tumular assume a aparência de ceição de Maria?) = mundo pré-adâmico ou
uma sedutora jovem alada com a incumbência Amor Profano e *Amor divino ?]. Um anjo, à
de guiar o defunto na sua viagem para o além. direita do Menino, oferece-lhe uma cesta com
figos (fruto da árvore do conhecimento), en-
ANJOS quanto outros lhe apresentam uma pera (Amor
Invocação mariana, festejada a 2 de Agosto, de Cristo pela humanidade) e um pintassilgo
correspondente à antiga invocação de Nossa (premonição da Paixão).
Senhora do Paraíso. Na Charola de Tomar, no
vão da torre sineira, existiu uma capela com a
BIBLIOGRAFIA CARVALHO, José Alberto Seabra, Gregório
mesma dedicação, da qual é proveniente uma Lopes, Lisboa, 1999, p. 64-66; MARKL, Dagoberto, A pintu-
tábua (óleo sobre carvalho: 1250 x 1650 mm) ra no período manuelino. Os ciclos: das oficinas à iconografia, in
do mesmo título, documentalmente atribuída História da Arte em Portugal (dir. Paulo Pereira), v. 2, Lisboa,
1995, p. 273; PEREIRA, Paulo, A Charola do convento de
ao pintor régio Gregório Lopes (1536-38). Frei Cristo em Tomar: iconologia da arquitectura (séc. XV-XVI), in O
Jerónimo Román descreve-a (Libro de la Yncli- Brilho do Norte, Lisboa, 1997, p. 157
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ANO
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ANO VELHO
mais outro tanto». Em Rio de Onor, levam-se fartura e oferecendo-se presentes (na convicção
cordões (confeccionados com passas, amên- de desse modo se propiciarão a fertilidade e a
doas, figos secos, maçãs, rebuçados, bolachas, riqueza). Por vezes, oferecia-se mel (hoje bom-
etc.) a casa dos familiares e amigos, sendo colo- bons e chocolates) como estreia (do latim, stre-
cados apenas ao pescoço dos «Manuéis» («ir na = 1º de Janeiro), «para que o ano prossiga
prender os Manuéis»), que retribuem oferecen- com doçura o caminho iniciado», conforme
do petiscos e bebidas. *Ano novo. sugestão de Ovídio (Fastos, I, 187-188). Para
atrair a felicidade todo o ano, ao dar a meia-
BIBLIOGRAFIA DIAS, Lopes, Distrito Etnográfico: o ano bom,
in Acção Regional, v. 1, n. 42 (1925); PIRES, António Tomás,
-noite de 31 de Dezembro, comem-se 12 bagos
A noite de Natal, o Ano Bom e os Santos Reis, Elvas, 1904 de uva (ou passas), um bago a cada badalada e
pedem-se três coisas em que se tenha empenho
ANO LITÚRGICO (outrora, concluía-se este rito rezando um *pa-
Período de doze meses, organizados em tempos dre-nosso). Cantam-se as *Janeiras pelas por-
litúrgicos que celebram, como memorial, os tas, recebendo os cantadores frutos secos, vi-
mistérios de Cristo, bem assim como a memó- nho e outros presentes (Soropita, Eloy de Sá
ria dos santos. A. Ciclo do Natal: I. Tempo do Sotto Mayor, Chiado, Jerónimo Baía, Filinto
Advento (desde o 1º domingo do *Advento até Elísio, etc.) a que chamam *janeirinhas (corres-
24 de Dezembro); II. Tempo do *Natal (desde pondentes às estreias romanas, ou strenae calen-
24 de Dezembro até 13 de Janeiro); III. Tempo daria). Joaquim de Santa Rosa Viterbo afirma
depois da *Epifania (de 14 de Janeiro até ao ter assistido em pleno séc. XVIII, à cerimónia
domingo de *Septuagésima); B. Ciclo da Pás- da nomeação do *Bispo dos Fátuos (ou doidos)
coa: I. Tempo de Septuagésima (da Septuagési- também denominado *Bispo dos Inocentes,
ma às *Cinzas); II. Tempo da Quaresma (de assunção das funções episcopais por um meni-
quarta-feira de Cinzas ao domingo da *Paixão); no, representação teatral proibida em conse-
III. Tríduo Pascal ou Tempo da Paixão (de do- quência dos desmandos que originava. No
mingo da Paixão até ao sábado Santo); IV. Nordeste transmontano, realiza-se a *Festa dos
Tempo Pascal (de domingo de *Páscoa ao sába- Rapazes. Outrora, em Carviçais (Moncorvo),
do imediato ao *Pentecostes); C. Ciclo do Pen- quando se comia um prato, pela primeira vez
tecostes: I. Pentecostes (festa do Espírito Santo); no ano, era costume dizer: «Ano, bom Ano,
II. Tempo depois do Pentecostes (até ao Ad- Deus me deixe chegar a outro ano». Anexins:
vento ou final do ano litúrgico). Primeiro dia de Janeiro, primeiro dia de Verão;
No 1º de Janeiro subo ao outeiro a ver o ne-
ANO NOVO voeiro; Quem no ano novo não estreia todo o
Dia primeiro de Janeiro. A Igreja celebra a *cir- ano pia. *Rosh ha-Shanah.
cuncisão de Jesus, festividade integrada no de-
BIBLIOGRAFIA M., C., As festas do Ano Bom, in Ilustração Mo-
nominado ciclo dos *doze dias (que medeiam derna, v. 3, n. 28 (1928), p. 237-241
entre o *Natal e *Reis). Diz o povo que «o que
se faz no primeiro dia do ano faz-se todo o ANO VELHO
ano», certamente inspirado em Ovídio (Fastos, Expulsar o ano velho com algazarra e ruído é
I, 163-168: «Dediquei o começo do ano a ocu- costume muito difundido. Eventual reminis-
pações, para que o ano inteiro não ficasse sem cência da tradição que consistia em bater com
elas desde o começo». A entrada no Ano Novo um pau (ou mangual) no chão de cultivo (na
festeja-se ruidosamente (para enxotar ou expul- noite de *ano bom e nas seguintes), com a in-
sar o Inverno), alegremente (porque se crê que tenção de afugentar os espíritos malignos pre-
conforme os actos praticados neste dia, assim judiciais à renovação do solo e à germinação
decorrerá favorável ou desfavorável o ano, pois das sementes. Na Beira Baixa (Castelo Branco),
«quem mal começa, mal acaba»), ostentando à meia-noite de 31 de Dezembro, bandos de
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ANÓNIMA, SANTA
ANÓNIMA, SANTA
*Santa Anonimata.
ANONIMATA, SANTA
O mesmo que *Santa Anónima. Irmã de *San- Anta da Barrosa (Vila Praia de Âncora, Caminha)
ta Comba e de *São Jordão (bispo de Évora),
venerada a 1 de Maio. À semelhança de sua ir- (mama do altar), *mamoa, *mamoínha, *ma-
mã, Santa Anonimata foi martirizada sob Da- munha, *orca, *pala, *paradanta (pedra de an-
ciano (cf. Agiológio Lusitano, 1 de Maio). Em ta), etc. Estrutura megalítica com as funções de
Tourega (Évora), no local onde se diz ter caído templo, sepulcro (nem todas) e centro ceri-
a sua cabeça degolada, nasceu uma *fonte san- monial, constituída por: A. Câmara mais ou
ta, de águas miraculosas (cf. Memórias paro- menos circular ou trapezoidal, invariavelmente
quiais [ANTT: Dicionário Geográfico, v. 37, delimitada por sete esteios verticais (em cunha)
Memória 87, fl. 955-958]). Onde caíu a de e um horizontal de fecho, chamado chapéu; B.
Santa Comba foi edificada a ermida homóni- Corredor, quando existe é, sempre, mais baixo
ma, outrora muito frequentada por romeiros, do que a câmara; por vezes incipiente, outras,
como comprovavam os inúmeros ex-votos que como no caso da anta 2 do Olival da Pega (Re-
cobriam as paredes. guengos de Monsaraz), quase atinge os 16 m;
coberto por tampas monolíticas e pelo tumu-
ANOREXIA lus, por vezes possui um pequeno átrio e uma
Inapetência absoluta pela alimentação sólida pequena área de passagem para a câmara, am-
ou líquida. Preconiza-se chupar rodelas de li- bos providos de porta; C. Tumulus ou mamoa,
mão ou beber chá de cabeças de macela (ca- cobrindo-a; geralmente circular ou oval, cons-
momila romana – Anthemis nobilis, L.), em je- truída com terra e anéis de pedra, variando as
jum. Fenómeno totalmente distinto da *inédia dimensões desde alguns metros a cerca de 40;
praticada por alguns místicos. D. Algumas vezes, existe um marco monolítico
ou *menir, associado a uma anta, como se veri-
ANQUEILHADO ficou nos monumentos de Afonso Vicente (Al-
O mesmo que *angarilho e *caílho, em Bra- coutim, Faro), Alcalar 1, 4 e 7 (Portimão, Fa-
gança. ro), Amieiro 8 (Idanha-a-Nova, Castelo Bran-
co), Granja de São Pedro (Idanha-a-Velha,
ANREADE Castelo Branco), Luzim (Lomar, Penafiel), Or-
*Santa de Anreade. *Corpo incorrupto. ca do Outeiro do Rato (Carregal do Sal), Sara-
gonheiros (Nisa, Portalegre), Vale de Rodrigo
ANTA (Tourega, Évora), Vidigueiras 1 (Reguengos de
Também *antanhol, *antão, *antela, *antinha, Monsaraz, Évora) e Anta Grande do Zambu-
*antuã, *arca, *arcaínha, *mama, *mamaltar jeiro (Tourega, Évora). Desconhece-se a verosi-
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ANTA
Guia
Antas cristianizadas de Portugal
Beja: SERPA: capela de Nossa Senhora de Guadalupe; SINES: anta de São Torpes (destruída no séc. XVIII).
Castelo Branco: VILA VELHA DE RÓDÃO: Senhora da Alagada; Santo Amaro.
Évora: AGUIAR (Viana do Alentejo): capela do cemitério; AZARUJA: capela de São Bento do Mato; ES-
TREMOZ: capela de Nossa Senhora da Conceição; PAVIA (Mora): dedicada a São Dinis ou Dionísio (1ª
ref. remonta a Manuel Severim de Faria, em 1625), é actualmente constituída por sete esteios de grandes
dimensões (medindo o maior 4100 mm) e pelo capelo (3000 x 2600 mm), tendo possuído corredor, orien-
tado ESSE, do qual não subsistem quaisquer vestígios. Classificada como Monumento Nacional; CON-
VENTO DE SÃO PAULO DA SERRA DE OSSA (Redondo): diversas antas no interior da cerca con-
ventual, como a célebre anta da Candeeira (Aldeia da Serra); SÃO BRISSOS (Montemor-o-Novo): capela
de Nossa Senhora do Livramento ou da Guia (seiscentista), integrada na Herdade da Anta ou de Valdearca,
sede do morgado instituído (antes de 1536) por Garcia de Resende na pessoa do seu filho primogénito,
Francisco de Resende; SÃO GERALDO (Montemor-o-Novo).
Portalegre: MOURATÃO (Castelo de Vide); NISA: capela de São Gens; POMBAL (Castelo de Vide).
Santarém: ALCOBERTAS (Rio Maior): encostada à igreja para o interior da qual se abre o corredor (do la-
do do Evangelho), servindo de capela, cujo orago é Maria Madalena.
Setúbal: TORRÃO (Alcácer do Sal): denominada Lapa de São Fausto, porque, segundo a hagiografia popu-
lar, o santo ali apareceu «a um moiral». A sua imagem reiteradamente transferida para uma ermida que lhe
ergueram, regressaria invariavelmente ao interior da anta, motivo por que os fiéis do Torrão, perante a sua
renitência em abandonar o local da epifânia, decidiram venerá-la num nicho de alvenaria edificado sobre
o chapéu do monumento, onde era costume colocá-la, a 18 de Outubro, dia do martírio do orago. Correia
de Campos considera que, antes de ter sido cristianizada (na Idade Média), a anta serviu como oratório
muçulmano (morábito). Foi vandalizada nos inícios da década de 1990.
Viseu: ARCA (Oliveira de Frades); PENELA DA BEIRA (Penedono): a câmara do monumento é o altar da
capela de Nossa Senhora do Monte, outrora destino de uma muito concorrida romaria que ocorria a 20 de
Agosto; consta que «a pedra grande que cobre o altar foi para ali trazida às costas de uma burrinha guiada
por Nossa Senhora», sendo ainda apontadas, a alguma distância da capela, as pegadas do piedoso animal.
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ANTÃO, SANTO
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ANTANHOL
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ANTELAS
Esteio n. 4: o antropomorfo suspenso no ar figurará o voo Esteio n. 5 (cabeceira): a pintura atinge aqui a sua maior
do xamã, em «busca de visão» ou no desempenho da sua densidade, atestando a importância do ortóstato corres-
função de psicopompa da comunidade. pondente à cabeceira das antas.
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ANTEPASSADO
observáveis porventura a representação simbó- lhos arqueológicos realizados no Dolmen pintado de Antelas (Pi-
nheiro de Lafões, Oliveira de Frades, Viseu), Coimbra, 1995
lica dos indivíduos sepultados (figurados por (inédito); GIRÃO, A. de Amorim, Antiguidades pré-históricas
dois ídolos antropomórficos semelhantes aos de Lafões, Coimbra, 1921, p. 35; idem, Arte Rupestre em Portu-
das placas de xisto: o da esquerda, talvez femi- gal (Beira Alta), in Biblos, v. 1, n. 3 (1925); JORGE, Vítor Oli-
veira, Em torno da Arte megalítica: revisitando uma visão de
nino, e o da direita masculino, com a cabeça
1981, in Portugália, nova série, v. 17-18 (1996-1997), p. 59-
destacada e genitalia exposta), os quais, envol- -61; idem, A propósito da Arte megalítica do NW peninsular, in
tos por linhas ziguezagueantes, estariam repre- Arkeos, n. 3 (1º Curso Intensivo de Arte Pré-História Europeia
sentados no acto de serem purificados pela – 1998), Tomar, 1999, p. 119; L. R., Os dólmenes pintados da
região de Viseu, in DN (26 Agosto 1993); MOITA, Irisalva,
água (*água de purificação). António Augusto Características predominantes do grupo dolménico da Beira Bai-
Tavares vê neste pictograma a representação de xa, in Ethnos, v. 5 (1966), p. 222-223; PEDRO, Ivone / VAZ,
um barco sobre a água. Aos signos labirintifor- João L. Inês / ADOLFO, Jorge, Roteiro Arqueológico da Região
de Turismo Dão Lafões, Viseu, 1994, p. 151; RODRIGUES,
mes (esteios n. 1, 9 e 8) atribuíu-se uma função Maria da Conceição Monteiro, O Imaginário na Ordem Cós-
apotropaica (impedir o regresso dos inumados mica: paradigma das Pinturas do Dólmen de Antelas, in Actas do
do *além). A presença dos motivos solares e lu- I Colóquio Arqueológico de Viseu, Viseu, 1989, p. 71-82; idem,
Arqueologia: a análise do simbólico, v. 2, Lisboa, 1991, p. 89-95;
nares (esteio n. 6) alude a óbvias preocupações SHEE, Elizabeth, Painted Megalithic Art in Western Iberia, in
astrolátricas. A representação de um suposto Actas do III Congresso Nacional de Arqueologia (1973), Porto,
pente alegadamente egípcio (sobre o ídolo da 1974, p. 105-123; SILVA, Fernando Augusto Pereira da, A Ar-
te megalítica da bacia do Médio e Baixo Vouga, in Brigantium, v.
esquerda) faz alguns autores alargar a influência 10 (1997), p. 123-148; TAVARES, António Augusto, Expres-
oriental à restante decoração. Vítor Oliveira sões do Megalitismo nas Beiras, in Boletim da Assembleia Distrital
Jorge, sublinhando o paralelismo entre o mo- de Viseu (1979); idem, Convergência de Povos e Culturas no No-
roeste Peninsular, no Bronze Final (através da arte rupestre do Va-
tivo pintado no ortóstato da cabeceira de Ante-
le do Vouga), in Bracara Augusta, v. 40 (1986-87), p. 11-13;
las e o petróglifo da Mota Grande (Alto da Por- TWOHIG, Elizabeth Shee, The Megalithic Art of Western Eu-
tela do Pau), recusa tal interpretação, admitin- rope, Oxford, 1981, p. 150-151, fig. 37-38; VAZ, João L. Inês
do que «placa e pente formam […] uma unida- / RAPOSO, Luís (coord.), Por Terras de Viriato: arqueologia da
Região de Viseu, Viseu, 2000, p. 47-48
de, sendo este um apêndice superior de um
motivo subrectangular bordejado a negro e ANTEPASSADO
preenchido interiormente a vermelho». A data- O culto dos heróis teve grande afinidade com
ção C14 revelou que a edificação do monu- o dos antepassados. Os mascarados e caretos
mento terá ocorrido entre 3990 e 3700 a. C., transmontanos (e não só) representavam,
enquanto as pinturas (nas quais foi detectada originalmente, os espíritos domésticos ou
significativa quantidade de ferro [Fe] e de man- espíritos dos antepassados.
ganésio [Mg]) remontarão ao período compre-
endido entre 3625 e 3140 a. C., podendo, ANTICRISTO
eventualmente, ter sido retocadas, reavivadas e *Al-dajjal, *Apocalipse, *besta, *Casas Pintadas,
acrescidas de mais motivos, em momentos pos- *igreja de Terena, *seiscentos e sessenta e seis.
teriores. *Voo do xamã.
ANTIDIO, SANTO
BIBLIOGRAFIA CASTRO, Luís de Albuquerque, L’Art mégali-
thique au Portugal, in Atti del VI Congresso Internazionale delle
*São Tude.
Scienze Prehistoriche e Protostoriche – Sezioni V-VIII, 1966, p.
370, est. CLXIV; CASTRO, Luís de Albuquerque e / FER- ANTIMÓNIO
REIRA, O. da Veiga / VIANA, Abel, O dólmen pintado de Metal derivado da estibinite, conhecido a
Antelas (Oliveira de Frades), in Com. Serv. Geológicos de Portu-
gal, t. 38, n. 2 (1957), p. 325-348; CASTRO, Luís de Albu-
partir do séc. XVII. Adquiriu importância
querque e / FERREIRA, O. da Veiga, Protecção e Conservação entre os alquimistas devido à sua intervenção
do dólmen pintado de Antelas, in Actas do I Congresso Nacional no processo de purificação do ouro. O
de Arqueologia, v. 1, 1959, p. 243-249; CRUZ, Domingos J.,
*alquimista francês Basile Valentin escreveu
Dólmen de Antelas (Pinheiro de Lafões, Oliveira de Frades, Vi-
seu): um sepulcro-templo do Neolítico final, in Estudos Pré-histó- um tratado intitulado O Carro triunfal do
ricos, n. 3, Viseu, 1995, p. 263-264; idem, Relatório dos traba- Antimónio.
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ANTÓNIA, MARIA
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ANTONINA, SANTA
vezes a levou a certos lugares, onde a ré entrava genuíno o parecer de António Távores de Távo-
sem ser vista, nem sentida das pessoas que nela ra, cónego da Sé de Bragança, também avaliza-
estavam e aí fazia, com grande dano da sua al- do por Rafael Bluteau e Barbosa Machado, po-
ma, os males que o demónio lhe ordenava». Ig- rém, verosimilmente adversado por Silva Leal
nora-se se chegou a cumprir a pena de degredo (cf. Memórias para a História Eclesiástica do Bis-
decretada para Angola pelo período de 5 anos. pado da Guarda, parte I, tit. 3, cap. 3), entre
inúmeros outros, nacionais e estrangeiros. Ca-
BIBLIOGRAFIA MENDONÇA, José Lourenço Domingues de, recendo de fundamento a naturalidade senense
Notícia dos Autos Celebrados pela Inquisição de Lisboa, Évora,
Coimbra e Goa, in História de Portugal, v. 9, cap. 4, p. 526s.;
de Santo Antonina, a arca ou urna de madeira
NEVES, Amaro, A bruxa de Válega, in Judeus e Cristãos-Novos encontrada na lagoa da Paixão, na serra da Es-
de Aveiro e a Inquisição, s. l., 1997, p. 183-184 trela, por iniciativa do Infante Dom Luís, ja-
mais poderá ter servido de depósito virginal da
2. Processada pelo *Santo Ofício de Évora, no ilustre santa, como o filho de Dom Manuel I
séc. XVII. Durante a sessão do Primeiro Exame, piamente acreditou. Quadra: «Antonina pe-
em Mesa, foi inquirida sobre que «meças» ofe- quenina / De olhos grandes / Mataram-na idó-
recera ao *diabo e se «julgava e tinha para si que latras / Feros gigantes».
o demónio tinha mais poder que Deus ou que
dele se devia esperar o que Deus não quisesse BIBLIOGRAFIA ALVA, Rui d’, Lenda e História de Santa Anto-
nina de Seia, in Ilustração, a. 3, n. 67 (1 Out. 1928), p. 25
fazer» [ANTT: Inq. Évora, fl. 56]. Argumen- [publica fotografia da imagem de Santa Antonina existente na
tou que «nunca teve para si que o demónio era igreja da antiga colegiada de Santa Maria de Seia]; CABRAL,
mais nem tão poderoso como Deus, nem que José da Serra [pseud. de Manuel Pinto da Costa Rebelo], Epi-
tome, ou breve compendio da portentosa vida e illustre martyrio
dele se devia esperar o que Deus não quisesse
da sempre admiravel martyr de Christo, Sancta Antonia de Cêa,
conceder» [idem]. Na sequência dos interroga- Coimbra, 1751; CASAL, Manuel da Mota Veiga, Lendas e
tórios acabaria por assumir a crença que a havia Tradições: Santa Antonina, in Revista Altitude, a. 2, n. 7 (Jul.
conduzido aos cárceres secretos da Inquisição: 1942), p. 215-220
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ra, a sua festa anual era acompanhada de feira Sermão aos Peixes: pormenor de um fólio do Livro de
na Praça da Figueira (Lisboa). Padroeiro dos Horas, dito de D. Manuel (1517).
merceeiros e animais. Protector das mercearias
e das farmácias. Casamenteiro das moças e ad- tor da Pré-Escolástica fransciscana» expressará
vogado das coisas perdidas. Apóstolo, teólogo, nos seus Sermões, tanto as directrizes do saber
escritor, pregador, taumaturgo, santo (canoni- universitário, como as posições da mística espe-
zado por Gregório IX, a 30 de Maio de 1232) culativa coevas. A Santo António, além de im-
e doutor da Igreja (proclamado em 16 de Janei- putada a capacidade de «encontrar coisas perdi-
ro de 1946, por Pio XII no breve Exulta Luisi- das» (*achado), para cujo efeito se dizem os res-
tania felix). Frequentou até aos 15 anos os es- ponsos adequados (engano no decurso de um
tudos de Artes Liberais na escola catedralícia *responso é ruim *agouro para a coisa ou pes-
anexa à Sé em Lisboa. Cerca dos 20 anos jun- soa responsada), são creditados diversos mila-
tou-se aos *Cónegos Regrantes, no mosteiro de gres, com abundante expressão iconográfica, a
São Vicente de Fora, em Lisboa. Dois anos de- saber: Milagre Eucarístico (Bourges); Salvação
pois, transferir-se-ia para o *mosteiro de Santa do pai da forca; Sermão aos Peixes (Adriático);
Cruz de Coimbra, onde aprofundou a sua for- Milagre da bilha; Cura de um leproso; Ressuscita-
mação, usufruindo da excepcional livraria mo- ção de um morto; Colocação de um pé cortado.
nástica. Pelos anos de 1218 ou 1219, foi orde- Em Vilarelho (Caminha) existem duas *almi-
nado sacerdote, pelos Cónegos Regrantes, jun- nhas (1804 e 1881) dedicadas a Santo Antó-
to dos quais permaneceria até à sua adesão ao nio, ali considerado protector contra as molés-
ideário dos frades menores, entre Abril e Agos- tias do gado suíno e vacum. De resto, Santo
to de 1220. No Outono desse ano dirige-se pa- António surge com uma certa frequência a aco-
ra Marrocos em missão apostólica. Daí passa à litar Cristo, a Virgem do Rosário e *São Miguel
Sicília (1221) e, depois, à Itália e Sul da França nas alminhas. Em Lisboa, na noite do tauma-
(onde é conhecida a sua actividade de missio- turgo, as moças ou mulheres casadouras deitam
nação dos cátaros ou albigenses, em Tolosa e na uma clara de ovo (*ooscopia), ou chumbo der-
região de Albi). Em breve, havia de ser convo- retido (*molibdomancia), num copo de água e,
cado por *São Francisco com a finalidade de conforme os feitios que assumirem, assim será
ensinar Teologia aos frades da Ordem. No es- a profissão do futuro noivo (Alda Soromenho).
sencial, Santo António, «o mais importante au- Na Madeira, quando uma rapariga quer saber
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Se milagres desejais
Recorrei a Santo António
Vereis fugir o demónio
E as tentações infernais
Pela sua intercessão
Foge a peste, o erro, a morte,
O fraco torna-se forte
E torna o enfermo são
Recupera-se o perdido
Rompe-se a dura prisão
E no auge do furacão
Cede o mar embravecido
Todos os males humanos
Se moderam se retiram
Digam-no aquele que o viram
E digam-no os Paduanos
Glória, etc.
V – Rogai por nós, Bem-Aventurado Santo António
R – Para que sejamos dignos das promessas
Oremos: Ó Deus, nós vos suplicamos, alegre
A vossa Igreja a solenidade votiva de Santo António
Vosso confessor e Doutor, para que fortalecida,
Sempre com os espirituais auxílios
Mereça gozar os prazeres eternos,
Por nosso Senhor Jesus Cristo Amen.
Santo António esclarecido, cheio de luz divinal, entre os Santos escolhido, de Lisboa natural. Santa Ana pa-
riu Maria, Maria a Jesus Cristo, assim como é verdade isto, Santo António, pedi, rogai e alcançai de Nosso
Senhor Jesus Cristo para que oiça [pede-se o se quer]. Isto vos peço, meu rico Santo António Bendito, pelo
hábito que vestiste, pelo cordão que cingiste, pelos 13 dias do vosso mês e pelas cinco chagas de Nosso Se-
nhor Jesus Cristo que me expliqueis isto. Eu vos peço, meu rico Santo António, pela alma de vosso Pai e
de vossa Santa Mãe e pela da vossa tia e madrinha Maria Dias. Tudo que vós lhe pedíeis ela vos fazia. P. N.
e A. V. [torna-se a pedir o que se quer].
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OBRA CAEIRO, Francisco da Gama (introd. e selecção) / domingo de Agosto, até 1972 no mês de Junho]; BASTO,
REMA, H. Pinto (trad. e notas), Santo António de Lisboa, Teixeira, Notas etnográficas, in Anuário para o Estudo das Tra-
Lisboa, 1990; REMA, H. Pinto (introd. e notas), Santo Antó- dições Populares Portuguesas, v. 1 (1883), p. 24-32; idem, Santo
nio de Lisboa, Doutor Evangélico: sermões dominicais e festivos António, in Revista Municipal de Barcelos, v. 1 (1886), p. 25-
(bilingue), Porto, 1987 (2 vols.) -30 [quadras brejeiras alusivas ao taumaturgo e oração para
propiciar casamento]; CAEIRO, Francisco da Gama, A orde-
EXPOSIÇÕES E ICONOGRAFIA ABREU, Alberto Nunes de
nação sacerdotal de Santo António, in Itinerarium, n. 46
(dir.), Santo António 800 anos: exposição teológico-pastoral (ca-
(1965), p. 444-460; idem, Introdução ao Estudo da Obra An-
tálogo), Viana do Castelo, 1995 [descreve 200 objectos oriun-
toniana, Lisboa, 1967; idem, A Espiritualidade Antoniana,
dos do distrito de Viana do Castelo]; AAVV, Bibliotheca Na-
Lisboa, 1969; CARVALHO, A. Pacheco de, Procissão de Elvas
cional de Lisboa: Exposição Antoniana, Lisboa, 1895; CHA-
a Santo António, in Feira da Ladra, v. 3 (1931), p. 142-152;
VES, Luís, Para a Iconografia de Santo António de Lisboa, in
CHAVES, Luís, Os Santos Populares – Santo António e S. Pedro
Feira da Ladra, v. 4 (1932), p. 217-224; EXPOSIÇÃO Bi-
nas tradições populares, in Brotéria, v. 17 (1938), p. 171-182;
bliográfica Antoniana, Estoril, 1960; FARDILHA, Joel, Ico-
idem, Santo António nas tradições dos portugueses, in Mensário
nografia de Santo António – catálogo da exposição, S. Pedro da
das Casas do Povo, v. 7, n. 84 (1953), p. 5; FELGUEIRAS,
Palhaça [Oliveira do Bairro], 1995; FERRÃO, Julieta, Exposi-
Guilherme, Santo António através da etnografia, in Estremadu-
ção Iconográfica e Bibliográfica de Santo António de Lisboa (na
ra – Boletim da Junta de Província, n. 2 (1943), p 141-147;
Sé Patriarcal de Lisboa, 13 a 23 Jun. 1947), Lisboa, 1947; FI-
FONTE, Barroso da, Rezas e crendices e medicina popular em
GUEIREDO, José de, Retratos (?) e imagens de Santo António,
terras do Barroso, in Trabalhos de Antropologia e Etnologia, v.
in Notícias Ilustrado (14 Jun. 1931); GORJÃO, Sérgio, Santo
25, n. 1 (1985), p. 95-119 [responsos]; FORTUNATO DE
António em Óbidos: Introdução a um estudo de iconografia,
SÃO BOAVENTURA, Vida e Milagres de Santo António de
Óbidos, Câmara Municipal, 1996; LIMA, Henrique Campos
Lisboa, obra de um autor Anonymo […] posta em linguagem e
Ferreira de, Catálogo da Exposição Biblio-Iconográfica Antonia-
enriquecida de notas críticas por frei […], Coimbra, 1830;
na (Assoc. dos Arqueólogos Portugueses, 1931), in Arqueolo-
GUERRA, Maurício, Auto de Santo António, in Cenáculo, n.
gia e História, v. 10 (1932), p. 59-94; PEREIRA, Fernando
72 (1980), p. 7-74 [auto representado na Portela de Susã];
António Baptista, Flores para Santo António: uma homenagem
idem, O Auto de Santo António – II. História e comentário, in
setubalense, Setúbal (13 Junho-9 Julho 1995); SANTOS, Júlio
Arquivo do Alto Minho, v. 27, tomo único (1982), p. 115-175;
Eduardo dos, Santo António na literatura e na arte portuguesa,
LANHAS, Fernando / BRANDÃO, Domingos de Pinho, In-
Lisboa, 1935; idem, Catálogo da Exposição Iconográfica e Bi-
ventário de Objectos e Lugares com interesse arqueológico, in Re-
bliográfica de Santo António (Junta de Turismo da Costa do
vista de Etnografia, n. 8 (196?), p. 316-317, n. 24 e p. 318, n.
Sol), Estoril, 1963; SANTOS, Luís Reis, Santo António na
25; M., C., Próprio do tempo: Santo António de Lisboa, in Ilus-
Pintura Portuguesa do séc. XVI, Lisboa, 1945; idem, Painel An-
tração Moderna, v. 4, n. 34 (1929), p. 377-381 [orações e res-
toniano de Gregório Lopes na Misericórdia de Tomar, in Belas
ponsos]; MARTINS, Mário, O Livro dos Milagres de Santo
Artes, s. 2, n. 15 (1960); idem, Exposição Antoniana: iconográ-
António em Medievo-Português, in Brotéria, v. 71 (1960), p.
fica e bibliográfica (Museu Machado de Castro, 3-20 Dez.
299-307 e Estudos de Cultura Medieval, v. 1, Braga, 1969, p.
1965), Coimbra, 1965
217-227; idem, O Sermonário de Frei Paio de Coimbra no cod.
BIBLIOGRAFIA A., A. J. C., Verdadeira Relaçam do admirável alc. 5/CXXX, in Didaskalia, n. 3 (1973), p. 337-361; MAR-
prodígio que obrou na Villa de Merthola, o Glorioso Sto. Antó- TINS, Valdemar, Santo António e o exército, in A Mosca (28
nio, na igreja dos religiosos Franciscanos da Província dos Algar- Mar. 1970); MATOSO, José, Orientações da cultura portu-
ves, sita na dita Villa: escripta por fiel e verdadeira informação, guesa no princípio do século XIII, in Estudos Medievais, v. 1,
que o Religioso fidedigno da mesma Ordem escreveo a outro, ao Porto, 1981, p. 25-38; MATTOS, Armando de, Santo Antó-
Convento de Xabregas desta Cidade, Lisboa, 1753; AAVV, San- nio de Lisboa na tradição popular (subsídio etnográfico), Porto,
to António: o Santo do Menino Jesus, Lisboa, 1996; idem, Iti- 1937; MAURÍCIO, Domingos, O município de Lisboa e o
nerarium, n. 27 (1981); idem, Colóquio Antoniano, Lisboa, culto de Santo António no século XV, in Brotéria, v. 18 (1934),
1982; AFONSO, Belarmino, Santo António de Lisboa na poe- p. 387-396; MOURINHO, Padre António, Santo António:
sia e na religião transmontana, in Congresso Internacional – guia, filósofo e moralista do povo Português, in Mensário das Ca-
Pensamento e testemunho – 8º centenário do nascimento de sas do Povo, v. 7, n. 84 (1953), p. 3-4; PACHECO, Maria
Santo António, v. 2, Braga, 1996, p. 803-821; ANÓNIMO, Cândida Monteiro, Santo António de Lisboa: a águia e a treva,
Vida de Santo António de Lisboa [BN: cod. alc. 38, fl. 24-32v]; Lisboa, 1986; PEREIRA, Marcelino Dias, A Romaria de San-
idem, Nova Relaçam do Grande e Notável Milagre Que fez o to António em Palmeira, in Boletim Cultural de Esposende, n. 3
Gloriozissimo Santo António Por meyo de hua Bemdita Imagem (1983), p. 29-34; n. 4 (1983), p. 33-38; n. 6 (1984), p. 58-
chamada Vulgarmente do Pé da Forca, livrando a hum Barco de 63; ROSA, José António Pinheiro e, Algarve de Santo António:
Pescadores de irem Cativos a Terra de Mouros. Succedeu o Refe- comemoração do 8º centenário do seu nascimento, Faro, Dele-
rido em o dia 25 de Janeiro deste Presente Anno 1755, o dito gação Regional da Cultura do Algarve, 1995; SILVA, Carlos
Barco era de Porto Brandão, Lisboa [folheto de cordel; ACL: Henrique do Carmo, O simbolismo da «nuvem» e a doutrina
Papéis Vários, 21/12]; idem, Canção popular a Santo António, mística Antoniana: o tempo diferencial do «assombramento», in
in Revista Municipal de Esposende, v. 12 (1897) [cantiga pe- Colóquio Antoniano, Lisboa, Junho 1982, p. 155-194; VAL-
dindo casamento e prometendo chamar António ao primeiro DEZ, Nuno, Santo António militar de Lagos, in Diário Popular
filho]; BARROS, Matias de, Comédias de Santo António de (13 Jun. 1963); VASCONCELOS, J. Leite de, Santo António
Portela Susã, in Cadernos Vianenses, t. 1 (1978), p. 158-180 na tradição popular portuguesa (programa), in Revista Lusitana,
[transcreve auto representado na sobredita localidade no 2º v. 33, n. 1-4 (1935), p. 305-307
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ANTROPOFAGIA
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ANTROPOMANCIA
ANTROPOMANCIA
Adivinhação pelo exame das vísceras de seres
humanos esventrados. Praticada pelos *Lu-
sitanos.
ANTROPOMORFO
António Martinho Baptista sublinha a «presen-
Pormenor dos antropomorfos pintados num abrigo rupes-
ça antropomorfizante» comum a todos os mo-
tre sob o castelo templário de Penas Róias (Mogadouro).
numentos megalíticos decorados, designada-
mente, no ortóstato da cabeceira das antas, ou
nos imediatamente contíguos. Na *arte mega-
lítica a inscultura antropomórfica não é tão fre-
quente quanto a pintura. Ao invés, a gravura é
predominante em abrigos, penedos e aflora-
mentos ao ar livre. No concernente às estátuas-
-menir e às estelas antropomorfas, torna-se evi-
dente o motivo da nomenclatura adoptada pa-
ra as nomear. Tipologicamente, os antropo-
morfos podem assumir as seguintes modalida-
Antropomorfos de Tripe (Chaves) e da Serra do Socorro
des principais: A. Convencional: regra geral de
(Mafra).
pequena dimensão, repetida e enquadrada por
outros motivos, achando-se preferencialmente presentada a vermelho; interpreto-a como re-
representada no lado esquerdo da câmara (Pa- presentação do *voo do xamã, razão porque a
drão e Antelas); B. *Pele esticada de animal (*es- incluo aqui; C. Antropomorfos em fi simples: Ca-
queuomorfo de pele de Shee Twohig): sempre re- chão da Rapa, Penas Róias, Pala Pinta, Serra de
Passos, Tripe e Gião 1; D. Antropomorfos em fi
com toucado: Penas Róias, Serra de Passos, Tri-
pe; E. Arboriformes e Ramiformes (traço rectilí-
neo vertical ou horizontal, cruzado transversal-
mente por número indeterminado de traços
rectos): Lapa dos Coelhos, dólmen da *Cota,
abrigos da *Pala Pinta, Esperança, *Serra de
Passos (Mirandela), etc.; F. Casal (o homem,
muitas vezes ictifálico, associado a um antropo-
morfo feminino) decerto relacionado com ritos
sexuais e a procriação: Pedra dos Mouros (Be-
las); G. Antropomorfos femininos; H. Antropo-
Par de antropomorfos de Fratel (Vale do Tejo). morfos ictifálicos.
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ANTROPOMORFO
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ANTROPOMORFO
Guia
Antropomorfos em gruta
Antropomorfos femininos
BOUÇA DO COLADO (serra Amarela, Lindoso, Ponte da Barca); CHÃ DA RAPADA (Ponte da Barca):
antropomorfo com representação de dedos, na rocha 6A; PEDRA LETREIRA (Amieiros, Álvares, Góis,
Coimbra); etc.
Antropomorfos em antas
ANTELAS (Oliveira de Frades); ARQUINHA DA MOURA (Tondela): pele esticada de animal, em posi-
ção de destaque na ortóstato da cabeceira, e um ictifálico no segundo esteio do lado esquerdo da câmara;
CARVALHAL DO FIAL (Tondela); CHÃ DE PARADA 1 (serra da Aboboreira): face oculada no esteio
à direita do ortóstato da cabeceira; FOJINHO (Queiriga, Vila Nova de Paiva, Viseu); FORLES (Queiriga,
Vila Nova de Paiva, Viseu); JUNCAIS (Vila Nova de Paiva): pele esticada de animal, no ortóstato da cabe-
ceira; LUBAGUEIRA 4 (Viseu): pele esticada de animal; PADRÃO (Vandoma, Paredes); PEDRA DOS
MOUROS (Belas, Lisboa): casal; TANQUE (Sátão): único caso conhecido de duplicação da pele esticada
de animal; VILARINHO DA CASTANHEIRA (Carrazeda de Ansiães): pele esticada de animal na parte
superior do ortóstato da cabeceira; ZEDES (Carrazeda de Ansiães); etc.
Antropomorfos em menires
Antropomorfos em estelas
ALAGADOURO – Rocha 60 (Vale do Tejo): inscultura figurando um par de veados observados por um
antropomorfo; ALMOINHA (Brotas, Mora): trinta e cinco figurações esquemáticas (cruciformes); BO-
TELHINHA (Alijó, Vila Real); CACHÃO DO ALGARVE – Rocha 65 (Vale do Tejo): pele esticada de
animal, enquadrada por dois círculos concêntricos; CHÃ DA RAPADA (Ponte da Barca): diversos antro-
pomorfos esquemáticos, ictifálicos, um orante (braços erguidos) e outro em fi, nas rochas 5 e 6A; CON-
TRA-EMBALSE 31 (Algodres): uma dezena de antropomorfos esquemáticos pintados a vermelho; FRA-
TEL (Vila Velha Ródão): antropomorfo com cabeça e pescoço de ave; GANDARA DA SEIXA (Viseu);
GIÃO 1 (Arcos de Valdevez); PENEDO DAS FERRADURAS (Oliveira de Frades); PENEDO GORDO
(Idanha-a-Velha); PENEDO DE VALE DE FIGUEIRA (Idanha-a-Velha); RIBEIRA DE PISCOS (Côa):
inscultura ictifálica; SÃO MIGUEL DO OUTEIRO (Tondela); etc.
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ANTUNES, JOÃO
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ANTUNES, MARIA
ANTUNES, MARIA
1. Cristã-nova, casada com Pedro Simões e
moradora em Cabreira (Cadafoz, Góis). Peni-
tenciada, por *feiticeira, no *auto-da-fé da In-
quisição de Lisboa, de 11 de Outubro de 1639,
com pena de três anos para o couto de Castro
Marim (cf. Adolfo Coelho, Costumes e crenças Anunciação a Maria: gravura do Espelho de perfeição em
populares). língua portuguiesa (Coimbra, 1533), trad. por Frei Bras
de Barros
2. Saíu no *auto-da-fé de Coimbra, de 14 de
Julho de 1699, por culpas de feitiçaria.
3. *Beata, degredada para o Brasil, no auto-de- da Virgem, o *arcanjo diz-lhe que o *Espírito
-fé de 15 de Dezembro de 1658 [ANTT: Inq. Santo, materializado numa *pomba para a qual
Lisboa, ms. livraria n. 959]. aponta, descerá sobre ela. Maria responde-lhe
submissa (humiliatio): Ecce Ancilla Domini. A
ANUÇAR iconografia da Anunciação a Maria (comemo-
O mesmo que *enguiçar. Passar uma perna por rada no dia 25 de Março, alegadamente o mes-
cima de alguém faz que fique anuçado e não mo da *criação do Mundo) figura a *Virgem:
cresça. Ao que passa por cima chama-se A. orando; B. lendo, provavelmente, o texto
*salvador. premonitório do profeta Isaías (VII, 14): «Por
isso, o mesmo Senhor por sua conta e risco vos
ANUNCIAÇÃO A MARIA dará um sinal. Olhai: eis que a Virgem conce-
Episódio narrado no evangelho de *São Lucas beu e dará à luz um filho, a que chamará Ema-
(I, 26-38), cuja expressão iconográfica mais fre- nuel»; C. costurando (ou fiando) o véu para o
quente teve por fonte as Meditações da Vida de Templo (cf. Evangelho – *apócrifo – de San-
Cristo do pseudo-Boaventura: *São Gabriel visi- tiago). Regra geral, a cena, repleta de adereços
ta Maria, ajoelhando diante dela. Traz na mão simbólicos, decorre num aposento áulico, com
um *lírio branco, alusão à pureza da Virgem, explícitos referenciais à arquitectura clássica e
dirigindo-se-lhe com a saudação Ave Gracia ple- sumptuosamente mobilado (domus aurea ou
na Dominus tecum e informando-a que havia *tabernáculo), por vezes, numa antecâmara da
sido escolhida para conceber e dar à luz o *Mes- câmara do leito. Em primeiro plano, destaca-se
sias. Respondendo à inquietude (conturbatio) o vaso do lírio, metáfora da Virgem enquanto
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receptáculo imaculado em que encarnou o ra, A «Anunciação» de Agostinho Massucci e as obras com ela
relacionadas, in Boletim do Museu Nacional de Arte Antiga, v.
*Salvador, evocando, também, a tradição (sus- 2, n. 2 (1951), p. 22-32; GONÇALVES, Flávio, Representa-
tentada, entre inúmeros outros, por *São Ber- ções antropomórficas da alma na arte portuguesa dos séculos XII
nardo), de que a Anunciação ocorreu durante a a XVI, in Brotéria, v. 46, n. 4 (1948), p . 442-458; GOTT-
LIEB, Carla, Disguised symbolism in the Gulbenkian «Annun-
Primavera. Na igreja de Carrazeda de Monte-
ciation», in Colóquio-Artes, s. 2, a. 19, n. 32 (Abr. 1977), p.
negro (Valpaços) observa-se uma Anunciação 24-33; LIMA, Fernando de Castro Pires de, «No Ventre da
românica, cuja inspiração tem sido creditada à Virgem Mãe» (nótula etnográfica), in Brasília, v. 2 (1943);
oficina de Santiago de Compostela (cf. Ferreira MARTINS, Mário, «No seio da Virgem-Mãe», in Brotéria, v.
123, n. 6 (Dez. 1986), p. 519-524; MATTOS, Armando de,
de Almeida, 1986, p. 160); também românicas Glória in Excelsis Deo, in Lusíada, v. 1, n. 3 (1953); PINTO,
as estátuas-coluna dos pórticos das igrejas de Américo Cortez / MOSER, Fernando de Mello, Da Literatu-
Bravães e de Rubiães. Na Anunciação, atribuída ra Patrística à Linguagem Popular: «emprenhar pelos ouvidos» e
«como o sol pela vidraça», in Arquivos do Centro Cultural Por-
a Vasco Fernandes, do retábulo da capela-mor tuguês, v. 13 (1978), p. 725-740; QUEIROZ, Francisco de,
da Sé de Lamego, observa-se num medalhão na De Gratia Plena: divagações sobre um tema plástico, in Revista
parede do fundo, *Eva segurando uma *maçã Estudos (1950); SERRÃO, Vítor, Baixo-relevo tardo-renascen-
tista da igreja de Rio de Mouro, in Sintria, v. 1-2 (1982-1983),
com a mão esquerda, simbolizando desse modo p. 561-618 [estuda uma escultura quinhentista, iconografan-
a mulher pecadora, redimida pela Ave (*Para- do a Anunciação a Maria, embebida na parede esquerda da ca-
cleto), para a qual aponta com a mão direita. pela-mor]; SOBRAL, Luís de Moura, A Anunciação na pintu-
ra portuguesa da Contra-Reforma: doutrina, tradição e agudeza,
Anunciações figurando o Verbo feito carne: sob in A Pintura Maneirista em Portugal: arte no tempo de Camões,
a forma da alma nua e nimbada do *Menino Je- Lisboa, 1995, p. 106-113; VASCONCELOS, Carolina Mi-
sus, engatinhando para o seio de Maria no inte- chaëlis de / VASCONCELOS, J. Leite de / BASTO, Cláudio,
No seio da Virgem-Mãe: considerações sobre a história de uma
rior de uma *vesica piscis que lhe toca nos lábios
quadra popular, Viana do Castelo, 1922
(lápide sepulcral de bronze de Frei Estêvão Vas-
ques Pimentel († 1336), em Leça do Balio); o ANUNCIAÇÃO A ZACARIAS
Padre Eterno cercado por dois anjos emite para Lucas (I, 11-20) descreve a anunciação a Zaca-
a cabeça de Maria um feixe de raios luminosos rias, sumo-sacerdote do Templo de Jerusalém e
onde se observa a figura nua do Menino, gordu- pai de *São João Baptista, segundo uma arqui-
cho de braços lançados para diante (sarcófago, tectura idêntica à de outras anunciações: *Agar
da 1ª metade séc. XVI, de D. Afonso Sanches, (Genesis, XVI, 7-12); Moisés (Êxodo, III, 1-12);
no Mosteiro de Sta Clara, de Vila do Conde). pais de Sansão (Josué, XIII, 3-22); Pastores
Quadra alusiva à *Imaculada Conceição de *Ma- (Lucas, II, 9-12). Perturbado, em consequên-
ria (muito popular em Portugal e no Brasil): cia da manifestação inesperada do anjo do Se-
«No ventre da Virgem Mãe / Encarnou divina nhor, escuta, atemorizado, a mensagem que
graça: / Entrou e saiu por ela / Como o sol pe- ele lhe transmite e duvida dela: «Como saberei
la vidraça». *Açúcena, *encarnação, *Eva, *Ó, isto? Pois eu já sou velho e minha mulher avan-
*Paracleto, *virgindade de Maria. çada em idade». Em resultado da sua descren-
ça, *São Gabriel marca-o com um sinal: ficará
BIBLIOGRAFIA ALMEIDA, C. A. Ferreira de, A Anunciação na mudo, «até ao dia que estas coisas aconteçam».
Arte Medieval em Portugal: estudo iconográfico, Porto, 1983;
AZEVEDO, Narciso de, Origem Medieval duma quadra po-
A Igreja celebra a Anunciação a Zacarias a 18
pular, in Prometeu (1947), p. 50-62; CASIMIRO, Luís Alber- de Novembro.
to Esteves dos Santos, A Pintura da Anunciação do Museu de
Lamego: contributos para o estudo do painel Anunciação de Vasco ANUNCIAÇÃO AOS PASTORES /1
Fernandes, do acervo do Museu de Lamego, in Museu, s. 4, n. 8 De acordo com a tradição apócrifa, o Anún-
(1999), p. 9-57; idem, Aspectos desconhecidos das pinturas por-
tuguesas do Renascimento, in Revista da Faculdade de Letras do cio aos pastores é concomitante com a *Nati-
Porto, s. 1, v. 4 (2005), p. 193-213; CORREIA, Alberto, O vidade, motivo por que, amiúde, surge icono-
Mistério Figurado: análise de uma «Anunciação» do Museu de grafado no fundo das composições dedicadas
Grão Vasco, in Beira Alta, v. 53, n. 1-2 (1994), p. 109-120;
CORREIA, Virgílio, Uma Anunciação, in Arte e Arqueologia, ao nascimento de *Jesus no *Presépio de Be-
a. 1, n. 2 (1930), p. 105-106; FIALHO, Madalena da Câma- lém. No Livro de Horas dito de D. Duarte, por
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ANÚNCIO BOM
ANÚNCIO BOM
Título de uma das estátuas alegóricas (1821)
de João José de Aguiar, patente no *Palácio da
Ajuda. Representa uma figura apolínea,
acompanhada por um ganso, ostentando uma
estrela na mão direita erguida. A alegoria inti-
tulada Bom Augúrio da Iconologia (Pádua,
1611) de *Cesare Ripa serviu de fonte de ins-
piração ao escultor. Bom Augúrio de Cesare Ripa.
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APARECIDA
ÂNUS
Na *assembleia das bruxas (*sabat), todas bei-
jam o ânus do *diabo, conforme uma crença
popular mais ou menos generalizada. Quando
as bruxas se levantam durante a noite e não
querem que os maridos dêem por isso, dizem
em Canas: «Eu te benzo por dentro e por fora,
/ Com as fraldas do meu cu, / Para que do pri-
meiro sono não acordes tu!». Também os tem-
plários foram acusados de tal gesto nas ceri-
mónias de recepção dos novos cavaleiros. Locu-
ções: Nada tem a ver o cú com as calças; Quem
tem cú tem medo; Voltar o traseiro contra o
nevoeiro (cf. Tradições Populares Portuguesas, p.
48); Beija-me o cú (insulto).
Nossa Senhora da Aparecida de Guaratinguetá: ró-
tulo de Vinho do Porto da marca J. T. Pinto Vascon-
BIBLIOGRAFIA GIL, Carlos, O «Ânus» da Sé Catedral, in Praça
Velha, s. 1, a. 5, n. 12 (2002), p. 61-62 celos, Lda.
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APARIÇÃO
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Guia
BATALHA (mosteiro de Santa Maria da Vitória):
vitral da capela-mor, ca. 1514; BRAGA (Bom
Jesus do Monte): capela do Terreiro dos Evange-
listas (término da *Via Sacra), sobre cuja porta se
observa a inscrição: Apparuit primo Mariae Mag-
dalenae. Mar. C. 16, 9 (Apareceu primeiro a Ma- Aparição de Cristo à Virgem, de Gregório Lopes [Museu
ria Madalena); COIMBRA [MNMC]: em se- de Setúbal]
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Guia
ANGRA DO HEROÍSMO [Museu]: tábua (séc. XVI); AROUCA (mosteiro): tábua quatrocentista,
no museu anexo; BATALHA (mosteiro de Santa Maria da Vitória): vitral da capela-mor, ca. 1514;
BEJA (Sé): azulejo da capela do cruzeiro, do lado da Epístola (séc. XVIII); CABO ESPICHEL (igreja
do santuário): tela do lado do Evangelho; COIMBRA [MNMC: inv. 2515]: tábua central (1230 x
1010 mm) de um tríptico (1531) atrib. a Garcia Fernandes, pintado para Santa Clara-a-Velha;
COIMBRA (capela da Universidade): tábua integrada no retábulo do altar-mor (1612-1613), de Si-
mão Rodrigues; CONSTÂNCIA (col. Engº Manuel Faria): tábua de Fernão Gomes; ÉVORA (igreja
de Santo Antão): óleo s/tela quinhentista; FUNCHAL [Museu, prov. do convento de Santa Clara]:
pintura (séc. XVI) a têmpera (2040 x 1165 mm) na parede esquerda da capela da Ressurreição do
claustro superior; IGREJINHA (Arraiolos): tábua de ca. 1600 (155 x1120 mm), na matriz; LISBOA
[MNAA, prov. Madre de Deus]: tábua (2030 x 2030 mm) atrib. a Jorge Afonso, ostentando o célebre
515, posteriormente (no restauro de 1940) transformado em 1515 por Luciano Freire; LISBOA
[MNAA: inv. 2; prov. conv. Espinheiro, Évora]: tábua (1510 x 1200 mm) da oficina do Espinheiro
(Frei Carlos), datada de 1529 num escudete transportado por um anjo; LISBOA [MNAA]: tábua
(1400 x 1490 mm) de proveniência desconhecida; LISBOA (Ermida dos Remédios, Alfama): tábua
(1340 x 860 mm) atrib. a Garcia Fernandes; LISBOA (igreja de S. Roque, capela da Doutrina): óleo
s/tela (1688-1690) de Bento Coelho da Silveira; LISBOA (baixo-coro da igreja de Santo Agostinho-
a-Marvila): óleo s/tela (ca. 1690) de Bento Coelho da Silveira; SETÚBAL [Museu, prov. conv. de Je-
sus ou Misericórdia de Setúbal]: tábua (1300 x 1090 mm) pertencente a retábulo atrib. à 3ª fase de
Gregório Lopes (ca. 1540), na qual Cristo surge envolto por um manto azul recamado de estrelas e
não, como habitualmente, pelo vermelho da Ressurreição; SOBRAL DE MONTE AGRAÇO (igreja
de São Quintino): tábua (1405 x 880 mm) atribuída ao Mestre de S. Quintino (2º terço do séc. XVI)
e à oficina de Gregório Lopes por Luís Reis Santos; SOURE (igreja de Santiago): alto-relevo do retá-
bulo de João de Ruão, na capela do Sacramento; VARATOJO (conv. Santo António): tábua perten-
cente ao retábulo da capela-mor, actualmente na parede da direita desta; VILA VIÇOSA (igreja da
Lapa, prov. do conv. das Chagas ?): tábua (1675 x 1055 mm) atrib. a Garcia Fernandes (1536); Col.
REIS SANTOS (?): fragmento de tábua (séc. XVI).
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APOCALIPSE
tura maneirista de Coimbra: ensaio iconográfico, Coimbra, Odrinhas (Mário Cardozo, Novas inscrições ro-
1988; FREITAS, Lima de, Le 515 de Dante retrouvé au manas do Museu Arqueológico de Odrinhas, Sin-
Portugal, in Les Templiers, le Saint-Esprit et l’Âge d’Or, To-
mar, 1985, p. 65-80; idem, Os Painéis (talvez) de Nuno
tra, 1958, p. 7, n. 16).
Gonsalves, o Duplo Paracleto e o 515, in Via Latina, n. 3
(Mai. 1991), p. 45-50 e 51; idem, Le Lieu du Miroir: art APERTADOR
et numérologie, Paris, 1993; GANDRA, Manuel J., Joa- Espécie de cinto de riscado de ourelo que se usa
quim de Fiore, Joaquimismo e Esperança Sebástica, Lisboa,
1999; MÂLE, Emile, L’Art Religieux de la fin du XVIe siè- sobre a camisa (Bragança), onde se prendem os
cle, Paris, 1951, p. 358; MARKL, Dagoberto, Uma Apari- *dixes (conjunto de amuletos infantis) dos
ção de Cristo à Virgem por Fernão Gomes, in Novas Obras de meninos.
Arte quinhentista do tempo de Camões em Constância,
Constância, 1986, p. 27-32; Os Primitivos Portugueses
(1450-1550), Catálogo-guia da exposição, Lisboa, 1940; APOCALIPSE
RÉAU, Louis, Iconographie de l’Art Chrétien II. Iconogra- A literatura apocalíptica hebraica conta com
phie de la Bible (Nouveau Testament), Paris, 1957, p. 554;
SANTOS, Luís Reis, Pintura dos Mestres do Sardoal e de mais de uma dúzia de exemplos, apesar de só o
Abrantes, Abrantes, 1971; idem, ver Alfama; VARELA, Livro de Daniel ter chegado a ser considerado
Susana / FLOR, Pedro, As tábuas maneiristas do Convento canónico pela igreja. O único texto do género
de Santo António do Varatojo, in Torres Cultural, n. 8
(1998), p. 26-35.
aceite no Novo Testamento foi o Apocalipse ou
Livro da Revelação, atribuído sob reserva ao
APARIÇÃO MARIANA/1 evangelista João durante o seu exílio em Pat-
*Epifania. mos, no tempo de Domiciano (81-96 d. C.).
Aí são relatados de forma enigmática os acon-
APARÍCIO tecimentos concernentes ao fim do mundo e
Denominação popular da festa em honra dos ao advento do outro (*Jerusalém Celeste), sob
*Reis Magos (*Epifania). um novo céu ou ordem cósmica diversa. O seu
carácter visionário e misterioso favoreceu o flo-
APELES rescimento de uma tradição iconográfica mul-
Lendário retratista de Alexandre Magno. Em tifacetada, cuja origem é possível rastrear já na
1545, Garcia Resende apodava *Francisco de arte paleocristã. A liturgia moçárabe prescrevia
Holanda de Apeles português, porventura por o a leitura do Apocalipse no período entre a *Pás-
artista, então jovem pintor de retratos régios, coa e o *Pentecostes (Concílio de Toledo de
pretender emular aquele seu suposto ídolo. No 633, cânone XVII). Certamente essa a razão do
século XVIII o epíteto seria aplicado ao pintor grande número de comentários e glosas, de que
de Santarém, Luís Gonçalves de Senna (1713- a famosa série dos Beatus, na qual se integra o
1790) (cf. Joaquim Duarte Benedicto, Elogio não menos famoso Apocalipse de Lorvão, mere-
do Grande Apelles Portuguez, Luiz Gonçalves de ce um realce muito especial. A iconografia do
Senna, Lisboa, 1791). também chamado Livro místico dos Anjos irá re-
flectir na Península Ibérica, como, de resto, fo-
APENDICITE ra dela, as opções dos exegetas face à ordem
Indiciada, segundo a *quirologia médica, por prescrita nos textos sagrados, não obstante a
uma cruz sobre o monte do dedo médio, por Bula Supernae majestatis de Leão X, a qual
riscos na falangeta do mesmo ou meia-lua so- proibia os pregadores de anunciarem o advento
bre a linha hepática ou unha intestinal. do Anticristo ou do *Juízo Final. Um dos te-
mas mais difundidos foi o da Maiestas Domini,
APER o Cristo em majestade ou *Pantocrator domi-
Sinónimo de *javali. Cognomen invulgar que nando os Juízos Finais, acompanhado ou não
ocorre em inscrições dedicadas: a *Endovélico (fresco da sala de audiência do tribunal de
(CIL, II 5206) do Curral das Cabras (São Mi- Monsaraz; túmulo de Dom Rodrigo Sanches,
guel da Mota); de Sagunto (CIL II, 6033); de no Mosteiro de Grijó, etc.) pelo *tetramorfo.
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APÓCRIFO
APÓCRIFO
Do grego, apocrypha, i. e., secreto, escondido. O
termo serve para nomear textos religiosos ju-
daicos não canónicos, constantes da Bíblia gre-
ga (Septuaginta ou Versão dos Setenta). Os Câ-
nones de S. Martinho de Braga proibiam a lei-
tura de livros apócrifos (Canon LXVII, corres-
pondente ao Canon LIX de Laodiceia), incluin-
do os adoptados pelos priscilianistas, tais como
as Actas de Santo André, S. João e S. Tomé (cf.
António Caetano do Amaral, Colecção de Câ-
nones ordenada por S. Martinho Bracarense, Lis-
boa, 1803, p. 318-327). A Reforma protestan-
te (séc. XVI) negou aos apócrifos qualquer es-
tatuto canónico, porém, o Concílio de Trento
(1546) classificaria alguns como deuterocanó-
nicos. O Antigo Testamento católico inclui 24
livros da Bíblia hebraica, sete deuterocanónicos
da Versão dos Setenta (Tobias; Judite; Sabedoria
de Salomão; Sirach; Baruch, com a Carta de Je-
remias; I e II Macabeus; III e IV Esdras) e os
aditamentos a Ester e a Daniel. Os 44 apócrifos
Apocalipse de Lorvão dos católicos são os pseudo-epigráficos dos
protestantes. O Evangelho de Nicodemos existia
As *Casas Pintadas (Évora) e a igreja da *Boa no escritório do *mosteiro de Alcobaça [BN:
Nova (Terena) concentram, em Portugal, os cod. alc. 419, fl. 175-187 = letra do séc. XV].
mais significativos programas iconográficos ba- O 3º Tratado de *Prisciliano faz-se eco dele. É
seados no texto do Apocalipse. *Agnus-Dei. conhecida a influência que apócrifos e deutero-
canónicos exerceram na literatura e, nomeada-
BIBLIOGRAFIA EXEGÉTICA NICOLAU DIAZ, Tratado del Juy-
zio Final, en el qual se hallaran muchas cosas muy provechosas, y mente, nas artes. De entre tal género de escri-
curiosas, Salamanca, 1588, Madrid, 1595, Valladolid, 1599 e tos, os Apocalipses foram os mais glosados, em
Veneza (trad. por Júlio César Valentino) [ACL: E 694 / 21]; virtude da unidade e sublimidade doutrinais.
VIEGAS, Brás, Commentarii Exegetici in Apocalypsim, Évora,
1601 [BPNM: 2-5-6-17]; LUIS DE ALCAZAR, Vestigatio O investigador galego Rafael Silva apontou os
arcani sensu in Apocalypsi, Lyon, 1618 [BPNM: 2-3-5-21]; temas apocalípticos que se encontram icono-
SILVEIRA, João da, Commentaria in Apocalypsim B. Joannis grafados no pórtico da catedral de Santiago de
Apostoli, Antuérpia, 1666-1671, 2 vols. [BArrábida: nº 1056-
-1057 (p. 283)]; ÁLVARO DE SANTA MARIA ROXAS,
Compostela, atribuído a Mestre Mateo (cf. El
Commentarii in Apocalypsin, et in Cap. IV Zachariae et VII Portico da Gloria, Santiago de Compostela,
Danielis, Hispali, 1732 [BArrábida, nº 944 (p. 253)]; LIMA, 1978, cap. II, p. 68-94), o subscritor fez idên-
Archer de, Parmi les ombres de l’apocalipse et le silence des fo-
rêts e des mers: poêmes, Bruxelas, H. Lamertin, 1911 [BN:
tica demonstração no que concerne à igreja
L 28467 P] ; CONCEIÇÃO JUNIOR, M., Epopeia esqueci- manuelina do *convento de Cristo (cf. O Pro-
da: estudo sobre o apocalipse de João o inspirado de Patmos, Por- jecto Templário e o Evangelho Português). *Ado-
to, Livr. Progredior, 1963 [BN: R 33819 P]; JORGE, Pedro ração dos Magos, *Ana, Santa, *Aparição de
(pseud.), Variações sobre temas do Apocalipse, Alcobaça, P. Jor-
ge, 1975 [BN: L 23587 V]; LOBO, Fonseca, O julgamento Cristo à Virgem, *Apresentação da Virgem no
dos quatro cavaleiros do Apocalipse [S.l., s.n.], 1975 [BN: L Templo, *Esdras, *Gnosticismo.
69667 P]; CAPULETO, Flávio, Apocalipse: profecias, [S.l.,
s.n.], 1984 [BN: SA 61404 V]; LUÍS, Agustina Bessa, Apo- BIBLIOGRAFIA DORESSE, Jean, Les Livres secrets des Gnosti-
calipse de Albrecht Durer, Lisboa, Guimarães Editores, 1986 ques d’Égypte, Paris, 1958; GANDRA, Manuel J. (ed.), O Li-
[BN: L. 37565 V] vro de Henoch, Lisboa, 1976 ; GANDRA, Manuel J., Apo-
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APOLO
calipse de Esdras: eco nas Letras e na Arte Portuguesas, Mafra, APOLINÁRIO, SANTO
1994 [inclui a trad. portuguesa realizada por Frei Francisco de
Jesus Maria Sarmento (Lisboa, 1787), anotada]; MARTINS,
Também *Santo Polinário e *Santo Plinairo.
Mário, O Evangelho de Nicodemos e as cartas de Abgar e de Pi- Bispo de Hierópolis (Frígia), mártir de Ravena.
latos nos Autos dos Apóstolos, in Itinerarium, v. 1, n. 6 (1955); Advogado contra as hérnias. Diz-se que ao pas-
idem, Os «Actos de Bartolomeu» em medievo-português, in Estu-
sar o Douro encheu no rio uma bilha para o ca-
dos de Cultura Medieval, v. 2, Lisboa, 1980, p. 229-234; PIÑE-
RO, António / MONTSERRAT TORRENTS, José / GAR- minho. Em Urros (Torre de Moncorvo, Bra-
CIA BAZAN, Francisco (ed.), Biblioteca de Nag Hammadi, gança), onde é venerado no último domingo
Lisboa, 2006, 3 vols.; PIÑERO, António / TORALLAS- de Agosto, no sítio onde despejou a água, bro-
TOVAR, Sofia (ed.), Evangelho de Judas, Lisboa, 2006; VER-
MES, Geza (ed.), Manuscritos do Mar Morto, Lisboa, 2006 tou uma fonte santa. Aqui, na sua ermida (ou
de *Santa Apolinária, segundo Santos Júnior,
APODO Notas de Medicina Popular Transmontana, Por-
*Alcunha. to, 1929, p. 35), se acha o seu túmulo, o qual
tem um orifício onde todos os atingidos por
*sezões metem a mão para retirarem um pu-
APOLINÁRIA, SANTA
nhado de terra que bebem diluída em água. Pa-
No dia da sua festa (5 de Janeiro), do seu tú-
ra apaziguá-las, as crianças bravas são passadas
mulo (ou de *Santo Apolinário), em Urros
pelo mesmo buraco, prometendo-se ao santo
(Moncorvo, Bragança), tira-se terra por um
um *galo branco.
orifício, a qual diluída em água constitui uma
mezinha, alegadamente muito eficaz contra as
APOLION
*sezões (cf. Santos Júnior, Notas de Medicina
Nome do *diabo, conforme o Apocalipse (IX,
Popular Transmontana, Porto, 1929, p. 35).
11): «[...] anjo do Abismo, chamado em
hebreu Abadon e em grego Apolion, que
segundo o latim quer dizer Exterminador». A
sua identificação com Napoleão ficou a dever-
se à quase homofonia entre ambos os nomes.
APOLO
Filho de Júpiter e Latona e irmão gémeo de
*Ártemis-Diana. Deus dos oráculos e das pro-
fecias, patrono da poesia e da música. Célebre
pelos seus inúmeros amores, como o que nu-
triu, segundo Ovídio (Metamorfoses), pela nin-
fa *Dafne, a qual preferiu ser transformada em
loureiro a entregar-se-lhe. São seus atributos a
lira, a trípode (da pitonisa de Delfos), o arco de
prata, a aljava e as setas, bem como o corvo.
Culto atestado em Portugal por uma estátua
encontrada em Alcoutim, por aras provenien-
tes de Lisboa, Mombeja (Beja), Balsa e Conim-
briga (nestas duas surge com o epíteto de Au-
gusto, porventura conotável com o culto impe-
Túmulo de Santo Apolinário na capela-mor da sua er- rial) e por uma epígrafe de Idanha-a-Velha
mida, em Urros, assente sobre quatro cabeças de leão:
[CIL, II, 494a]. A sua efígie ocorre numa gema
lateralmente, a arca é decorada com cenas da hagiografia
do tumulado. Possui estátua jacente. Diz-se que o caixão oriunda de Conimbriga. Na musaística roma-
rectangular em xisto, sobre o qual se acha colocado, foi a na: Mosaico de Apolo (Póvoa de Cós, Pedrógão,
sepultura primitiva. Alcobaça), descoberto casualmente em Abril de
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APOLOGÉTICA ANTIJUDAICA
APOLOGÉTICA ANTIJUDAICA
A apologética cristã nacional produziu algumas
obras contra o judaísmo, as quais, apesar de tu-
do, nunca atingiram nem a originalidade nem
a agressividade das suas congéneres europeias.
Merecem destaque: Tratado teológico em que se
prova a verdade da religião de Jesus Cristo, a fal-
sidade da Lei dos Judeus e a vinda do Messias (se-
gundo Révah, trata-se do Catecismo contra os
Judeus, redigido durante o reinado de D. Di-
nis); Speculum disputationis contra hebraeos,
também intitulado Speculum hebraeorum, de
Frei João de Alcobaça (2 ms. datados de 1333
[BN: cod. alc. CCXXXIX /236] e 1345 [BN:
cod. alc. CCXL / 270]); *Livro da Corte Impe-
rial; Ajuda da Fé contra os Judeus [BN: cod.
No Arco da Rua Augusta, a efígie do Génio-Apolo escon-
de outra de Júpiter, de menor dimensão, praticamente in- 6967] do doutor Mestre Manuel António (mé-
visível a olho nú para um observador que se encontre na dico converso da corte de D. João II e seu afi-
Praça do Comércio! lhado de baptismo); Tratado que fez Mestre Hie-
ronimo, Medico do Papa Benedicto 13, cõtra os
1902, quando da plantação de uma vinha judeus em que se prova que o Messias da ley ser
[MNA: inv. 999.141.1]; Mosaico das Musas vindo. Carta do primeiro Arcebispo de Goa ao
(Torre de Palma, Monforte), no VI painel sur- povo de Israel seguidor ainda da ley de Moisés, e
ge acompanhado por Dafne. Iconografia: palá- do Talmud, por engano e malicia dos seus Rabis
cio Centeno (Lisboa): Apolo e Dafne; palácio (Goa, 1565 [BN: cod. 11022]); Diálogo Evan-
de Belém; palácio Nacional de Queluz; palácio gélico sobre os artigos da fé contra o Talmud dos
Fronteira: Apolo com as 9 Musas; palácio dos Judeus de João de Barros; Espelho de Cristãos no-
condes de Mesquitela: estátua no jardim; quin- vos, de Francisco Machado (dedicado ao car-
ta da Trindade (Seixal): Apolo oferece lira a deal D. Henrique); Inquisiçam e segredos da Fé,
Mercúrio e recebe deste o caduceu (pintura). contra a obstinada perfídia dos Judeus e contra
No Arco da Rua Augusta (Lisboa), surge à es- Gentios Hereges, de Diogo de Sá; Consolaçam
querda da Fama (direita do observador). Ca- Christaã, e Luz para o Povo Hebreo sobre os Psal-
mões reporta-se a Apolo em Os Lusíadas (III, 1 mos do Real Propheta David, que prophetizou dos
e 97 e IX, 62). Dois poemas burlescos interes- mysterios altissimos, que avia de obrar o sancto
sam ao caso: Fabula de Apollo e Daphne (cf. Fé- Rey Messias na redepção do genero humano: cõ
nix Renascida, t. IV, p. 79-88) de Jerónimo hum discurso muy devoto sobre o Psalmo Beati
Baía e Fabula de Daphne convertida em louro Immaculati (Lisboa, 1616) e Diálogo entre Dis-
[BPÉv: Man 457, fl. 156r], em trinta oitavas, cípulo e Mestre Catechizante, onde se resolvem to-
da autoria de Manuel Azevedo Morato. das as duvidas que os Judeos obstinados costumão
fazer contra a verdade da Fé Catholica (Lisboa,
BIBLIOGRAFIA AAVV, Mosaicos Romanos das colecções do Museu 1621 [BPNM: 2-12-3-3]), ambas de João Bap-
Nacional de Arqueologia, Lisboa, 2005, p. 20-21; ALMEIDA,
tista d’Este, judeu converso, baptizado por
D. Fernando, de, Egitânia: História e Arqueologia, Lisboa,
1956, p. 142; CARDOSO, Mário, Pedras de Anéis Romanos Dom Teodósio, arcebispo de Évora; Carta, que
encontradas em Portugal, in Revista de Guimarães, v. 72, n. 1- hum rabbino chamado Samuel, escreveo a outro
2 (1962), p. 155-160; CRAVINHO, Graça, Peças Glípticas de rabbino chamado Isaac, consultando-o sobre o ter
Conimbriga, in Conimbriga, v. 11 (2001), p. 173-175, n. 14;
FRANÇA, Elsa Ávila, Anéis, braceletes e brincos de Conim- alcançado pellas prophecias do testamento velho,
briga, in Conimbriga, v. 7 (1979), p. 133-139 que o Messias tinha vindo: a Ley Iudaica era aca-
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APOLÓNIA, SANTA
bada e os Iudeos estavaõ em odio, e desemparados BIBLIOGRAFIA ALVES, Francisco Manuel, Judeus e Padres:
Mário Saa e o seu livro, in Diónysos, s. 4, n. 1-2 (Abril 1928),
de Deos: destruese por esta carta totalmente a Ley p. 30-33; AZEVEDO, João Lúcio de, História dos Cristãos-No-
Iudaica, e confirmase a Fé Catholica (Lisboa, vos Portugueses, Lisboa, 1921; BENARÚS, Adolfo, O Antisemi-
1673), de Francisco Fernandes Prata (trad. do tismo, Lisboa, 1937; GOMES, Pinharanda, A Filosofia Hebrai-
co-Portuguesa, Porto, 1981; MARTINS, Mário, Literatura ju-
latim); Papel que prova serem os de Nação a cau- daica e a Corte Imperial, in Brotéria, v. 31, n. 1 (1940), p. 15-
sa dos males que padece Portugal (séc. XVII 24; idem, A polémica religiosa nalguns códices de Alcobaça, in
[BN: cod. 1506]); Memorial que se deu em Cas- Brotéria, v. 42, n. 3 (Mar. 1946), p. 241-250; idem, Fr. João,
Monge de Alcobaça e Controversista, in Brotéria, v. 42 (1946), p.
tella pelo qual se mostra o muito dano que a gente
412-421; MEDINA, João, António Sardinha, anti-semita, in A
da nação tem feito naquelle Reyno e a grande Cidade, nova série, n. 2 (Jul.-Dez. 1988), p. 45-122; NO-
afronta que resulta a este de a termos entre nós VINSKY, Anita, Reflexões sobre o anti-semitismo (Portugal – sé-
[BN: cod. 1326]; Sentinela contra judeus, posta culos XVI-XX), in Congresso Internacional Portugal no século
XVIII – de D. João V à Revolução Francesa, Lisboa, 1991, p.
em a torre da igreja de Deus (Lisboa, 1674; 451-461; RÉVAH, I. S. (ed.), Diálogo Evangélico sobre os Arti-
Coimbra, 1710 e Lisboa, 1748), de Frei Fran- gos da Fé contra o Ralmud dos Judeus, – manuscrito inédito de
cisco Torregonsilho (trad. do castelhano de Pe- João de Barros o autor das «Décadas», Lisboa, 1950; RODRI-
GUES, Maria Idalina Resina, Literatura e Anti-Semitismo: sécu-
dro Lobo Correia); Doutrina Catholica e Triun- los XVI e XVII, in Brotéria (Jul. e Ago.-Set. 1979), p. 41-56 e
fo da Religião Catholica contra a pertinácia do 137-153; TALMADGE, Frank (ed.), The Mirror of the New
Judaísmo, de Fernão Ximenes Aragão (teve 3 Christians (Espelho dos Cristãos-novos), Toronto, 1977; TAVA-
RES, Maria José Ferro, O Crescimento económico e o antijudaís-
edições); Triumpho da Fé contra a perfidia Ju- mo em Portugal, in Estudos Orientais, v. 6 (1997), p. 199-220.
daica, de Maria José de Jesus; Exortação dogmá-
tica contra a perfídia do Judaísmo, do Padre APOLÓNIA, SANTA
Francisco Pedroso (auto-da-fé de 1713); Dis- Padroeira dos dentistas e odontólogos, advoga-
curso Catholico no qual hum Christão Velho ze- da contra males de dentes. Festejada a 9 de Fe-
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APOPLEXIA
APOPLEXIA APOSTASIAR
Na Mexilhoeira Grande (Portimão, Faro) dá-se Abandonar e renegar (*arrenegar) a fé anterior-
leite de mãe e filha que amamentam, áqueles mente professada. No Antigo Testamento o
que sofrem de ataques apopléticos. *Santo An- episódio paradigmático é o do Bezerro de Ouro.
dré Avelino. Durante a Idade-Média a apostasia era conde-
nada com a pena de morte, visto constituir um
APOQUENTAÇÃO pecado gravíssimo. Apesar de a Luís Dias de
Termo vulgarmente utilizado para aludir quer Setúbal, que muitos cristãos-novos «tinham
ao *encosto de uma *alma penada, quer à *pos- por ser o Messias prometido na lei», haver sido
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APÓSTOLO
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APOTEGMA
Afonso X, o Sábio, e constituída por 5 livros: a Pseudo-Marcelo, in Brotéria, v. 74, n. 5 (1962), p. 519-529 e
in Estudos de Cultura Medieval, v. 2, Braga, 1972, p. 217-228;
Vida de Jesus Cristo e de Santa Maria, a dos idem, Os Actos de São Bartolomeu em medievo-português, in
Apóstolos, a dos Mártires, a dos Confessores e Brotéria, v. 75, n. 2-3 (1962), p. 177-181 e in Estudos de Cul-
a das Virgens. A compilação de Bernardo de tura Medieval, v. 2, Braga, 1972, p. 229-234; idem, A trasla-
dação de S. Tiago nos Actos dos Apóstolos, in Brotéria, v. 76, n.
Brihuega (ca. 1272-1284), realizada a partir de
1 (1963), p. 59-65 e in Estudos de Cultura Medieval, v. 2, Bra-
fontes muito heterogéneas (Beda, Rabano ga, 1972, p. 235-243; idem, As vieiras dos peregrinos de
Mauro, apócrifos, compilações de milagres, Compostela, in Brotéria, v. 76, n. 2 (1963), p. 164-174 e in
etc.), conserva-se ms. [BN: cod. alc. 280, olim Estudos de Cultura Medieval, v. 2, Braga, 1972, p. 245-260;
idem, O pseudo-Mellitus, em medievo-português, in Brotéria, v.
CCLXXXII (ca. 1442-1443); ed. Frei Fortuna- 77, n. 4 (Out. 1963), p. 307-317 e in Estudos de Cultura Me-
to de São Boaventura (Actos dos Apóstolos), in dieval, v. 2, Braga, 1972, p. 261-274; idem, A aparição do Ar-
Colecção de Inéditos Portugueses dos Séculos XIV canjo S. Miguel, contada por Bernardo de Brihuega, in Estudos
de Cultura Medieval, v. 2, Braga, 1972, p. 275-285;
E XV, Coimbra, 1829, p. 17-128 = BN: HG POERRK, G. de, e outro, Introduction a la morphologie com-
8705 V] e impressa (Os Autos dos Apóstolos, Lis- parée des langues romanes basée sur des traductions anciennes des
boa, Valentim Fernandes, 1505 [BPÉv: Res. Actes des Apôtres, ch. XX à XXIV, tome 1. Ancien portugais et
ancien castillan, Bruges / Gand, 1961
234]) (cf. Vidas e Paixões dos Apóstolos – ed. crí-
tica e estudo de Isabel Vilares Cepeda –, Lis- APOTEGMA
boa, 1982-89, 2 vols). Na origem da sua insti- Ditado sentencioso de pessoa célebre.
tuição os padres jesuítas eram denominados Popularmente, o mesmo que *adágio.
apóstolos, conforme se comprova por um trecho
de uma das respostas escritas de Diogo de Tei- APOTEOSE
ve, com data de 21 de Outubro de 1550, in- Do grego, apothéosis, de Deus. Designa o acto
cluída no processo que a *Inquisição lhe mo- oficial de deificação de um ser humano, em vi-
veu (cf. Francisco Leitão Ferreira, Notícias Cro- da ou após a morte, em virtude de algum feito
nológicas da Universidade de Coimbra, 2ª parte, heróico por ele praticado. Todos os imperado-
v. 3, t. 1, Coimbra, 1944, p. 525), bem como res romanos que sucederam a Augusto (63 a.
pela persistência em Coimbra do topónimo C. – 14 d. C.), até à adopção do cristianismo
Couraça dos Apóstolos, que dava acesso à alta da como religião do Império, foram consagrados e
cidade onde os padres da Companhia pos- deificados após a morte. Para o efeito, era cons-
suíam o seu colégio. truída uma pira quadrangular em madeira, re-
vestida com tecidos preciosos e ornamentos em
BIBLIOGRAFIA CEPEDA, Isabel Vilares, Um fragmento inédito ouro. O imperador sucedâneo acendia o fogo
das Vidas e Paixões dos Apóstolos, in Bol. Filologia, n. 24
(1975), p. 295-304; MARTINS, Mário, Vidas e paixões dos
sagrado na pira onde repousava o corpo do de-
Apóstolos, in Brotéria, v. 49 (1949), p. 521-528 e in Estudos de funto, coberto com perfumes e frutas. Uma
Literatura Medieval, v. 1, Braga, 1956, p. 111-117; idem, Ber- *águia, que segundo a crença, transportaria a
nardo de Brihuega, compilador dos Actos dos Apóstolos, in Bol. de
Filologia, v. 21, n. 1 e 2 (l962-1963), p. 69-86 e in Estudos de
sua alma para o *céu (*psicopompa), era então
Cultura Medieval, v. 2, Braga, 1972, p. 151-170; idem, O libertada. *Culto do Imperador, *Viriato.
Evangelho de Nicodemos e as cartas de Abgar e de Pilatos nos Au-
tos Apóstolos, in Itinerarium, a. 1, n. 26 (1955), p. 846-853 APOTROPAICO
[BN: J 2557 B]; idem, Os Autos dos Apóstolos e o Livro de S.
Tiago, in Estudos de Literatura Medieval, v. 1, Braga, 1956, p.
Tudo quanto paraliza de terror e obriga, literal-
118-129; idem, Os Actos dos Apóstolos e os Autos dos Apóstolos, mente, a voltar as costas e a fugir. No apotro-
in Brotéria, v. 73, n. 2-3 (1961), p. 134-144 e in Estudos de paico confluem dois aspectos complementares
Cultura Medieval, v. 2, Braga, 1972, p. 171-183; idem, O Li- do mesmo processo: aterrorizar e proteger. Por
vro do Caminho do Pseudo-Clemente, in Brotéria, v. 73, n. 5
(1961), p. 273-287 e in Estudos de Cultura Medieval, v. 2, Bra- isso é susceptível de, concomitantemente, afas-
ga, 1972, p. 191-206; idem, Em torno do Pseudo-Abdias, in tar demónios e desfazer feitiços ou de proteger
Brotéria, v. 73, n. 5 (1961), p. 428-435 e in Estudos de Cultura contra eles. Do castelo de Silves são oriundas
Medieval, v. 2, Braga, 1972, p. 207-215; idem, Quo Vadis?, in
Brotéria, v. 72, n. 1 (l961), p. 51-55 e in Estudos de Cultura duas placas apotropaicas [MMASilves], talha-
Medieval, v. 2, Braga, 1972, p. 185-190; idem, O romance do das em arenito vermelho (grés de Silves), des-
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APRÍNGIO PACENSE
AQUAXUMO
Axum, em ge’ez. *Abissínia, *Arca da Aliança.
*Lalibela, *Padre Francisco Álvares.
AQUECER A MESA
Expressão adoptada pelos espíritas para descre-
ver a preparação da mesa de pé-de-galo para a
visita dos espíritos.
AQUIEL
Nome do *diabo.
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AR
Reza do ar
Benzedura do ar
Pegando num pau e numa faca, diz-se junto da pessoa que vai ser benzida:
Jasus e Jasus!
Qu’ éi Santo nome de Jasus
Onde tá o Santo nome de Jasus
Nã’ antra mali, nei prigo ninhum!
Adond’ o Santo nome de Jasus tocou
Tod’ o mali si acabou!
Diz-m’ ó ar, em que dia viestes,
e no corpo desta criatur’ entrastes ?
Foi por frio, ou por quenteou por um’ àrcensão ?
Ar, por dond’ entrastes
há-des sair.
Assim como S. Longuinho
Dê’ ‘ma lancetada
No pêto de Nó’ Senhô’ Jasu-Cristo,
E nã’ acedantou, nã’ arejou ar l’ antrou,
Assim saltes tu, ari,
E Nossa Senhora t’ há-de pesári
E jogar pr’ àquelas bandas
das águas do Mári
Prá donde nã’ oiças
Galo nei galinha cantári
Nèi Monino-macho pro pai bràdári.
Depois, cortando com a faca no pau, diz-se:
É’ te corto, ar, na cabeça
No bescóço, nas costas, nos braços,
Nas pernas nos péji, em todos os membros do corpo
Em lavor de Dês e da Virja Maria,
Padre Nosso, Avêm-Maria (Messejana)
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AR
Nos dias seguintes à benção do paciente, dizem-se, diariamente, cinco Pai Nossos e cinco Ave Marias, após
o que se faz o oferecimento:
«Ofereço estes cinco Padre Nossos, estas cinco Ave Marias e estas santas benzeduras, que aqui tenho rezado.
Ofereço à Virgem Nossa Senhora e ao Santíssimo Sacramento, p’ra que seja servido a tirar daqui este mau
ar, este ar frio, este ar quente, etc., p’ra que daqui seja tirado e não seja amentado, às ondas do mar seja dei-
tado, para onde não reverdeça, nem floresça. Ponho as minhas mãos p’ra saúde, e Deus ponha as suas p’ra
verdade, p’ra sempre Amen».
Benzedura do ar
Se é ar da manhã, se é do meio-dia,
Pela graça de Deus e da Virgem Maria!
Se é ar da noite e da meia-noite,
Pela graça de Deus e da Virgem Maria!
Deixa este corpo são e salvo
Pela graça de Deus e da Virgem Maria!
Que agora em jejum te curo
Toda’las moléstias, bocados [ruins] e males estranhos!
Fulano, se tens ar, eu to vou talhar; ar da noite, ar do dia, ar do pino do meio dia, ar do pino da meia noite,
ar da manhã, ar da Trindade, ar das estrelas, ar das portas, ar das travessas e janelas; ar das encruzilhadas,
ar da feitiçaria, de bruxaria, ar de encanhos e engaranhos, ar de esterpaço, de mal de inveja, ar corrupto
moribundo, ar atrevido, ar remido e de espírito requerido; ar de morto, ar de vivo excomungado, ar de
morto excomungado, e de todos os males e ares e males que te empeceram e pelas unhas dos pés foram,
para o mar sem fundo sejam degradados [repete-se seis vezes).
Deus te fez
Deus te criou
Deus te tire o mal
Que contigo entrou
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AR
Ar de bibo
Ar de morto
Ar de feitiçaria
Ar de excomungado
Sai deste corpo
Em nome de Deus
E da Birgem Maria
Um Pai-Nosso qu’Ave-Maria.
Em louvor das pessoas da Santíssima Trindade, que é Padre, Filho e Espírito Santo.
Na mesma ocasião cortam-se nove folhas de couve galega (três de cada vez) e lançam-se ao borralho. Se o
mal de ar se manifesta numa criança, o receituário varia: vai-se pedir uma malga de grão de centeio a uma
pessoa «pouco dadivosa», leva-se a moer ao moinho e passa-se a criança em cruz, ora de costas, ora de peito,
por cima da mó, enquanto moi, devendo o moleiro tomar parte na operação. Nesta circunstância, o formu-
lário recitativo reduz-se à sua expressão mais simples: «Em louvor do Santo Nome de Jesus», repetindo-se
tantas vezes quantas as necessárias enquanto durar a operação da moedura. Concluída esta, embrulha-se a
farinha na roupa da criança, a qual é atirada à água (corrente, de preferência). O regresso a casa deve realizar-
-se por caminho diferente, sem olhar para trás, nem falar, senão após ter entrado em casa, batendo a porta
com força, para o ar não poder entrar.
Toma-se sal virgem (que nunca tenha servido), e com ele na mão, fazem cruzes sobre o rosto do paciente,
dizendo:
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AR
São e salvo
Como na hora
Em que foi nado.
Deita-se o sal em cruz para trás das costas do doente e para os lados. Toma-se mais sal miúdo e coloca-se
com cuspo na testa, queixo e fontes, dizendo, simultaneamente:
Nada tirei,
Mezinha farei
Pela graça de Deus e da Virgem Maria.
Com um rosário lançado sobre o ombro direito e com uma faca que tenha aço vão-se fazendo cruzes sobre
o peito do paciente, dizendo:
Eu te talho
Ar de dia,
Ar de janela,
Ar de viela,
Ar de morto,
Ar de vivo,
Ar dexcamungado,
Ar corrupto,
Ar da noite,
Ar da Trindade,
Ar do lar,
Ar do ar,
Ou que no ar viesse,
Ou requerido ou empecido,
Ou porque alguém o botasse
Ou que contigo entrasse,
Ar das encruzilhadas,
Ar dos adros,
Ar das campas,
Ar das praças,
Ar ds fontes,
Ar dos rios,
Ar das minas,
E todo o ar que em ti esteja
Metido ou requerido,
Ou que alguém te botasse
Ou que contigo entrasse.
Eu te talho
Eu te quero talhar,
E com esta faca
Te quero cortar.
Eu te mando contar
As estrelas do céu,
E as areias do mar.
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Este ar deve ser talhado até ao peito e depois talha-se das unhas dos pés até aos ombros, dizendo:
Conclui-se com um defumadouro, dado pela manhã, em lugar escuro, com: 3 pedras de sal; 3 pingas de
azeite da candeia; 3 pedaços de fermento; 3 pedaços de excremento de boi; 1 caninho de arruda; 1 caninho
de erva de Nossa Senhora; 3 cabeças de alho; ouro, incenso e mirra; 1 caninho de rameiro.
Tomam-se três balas de chumbeira e derretem-se numa colher de ferro ou qualquer outro recipiente metá-
lico. Pega-se num guardanapo de linho de Flandres e põe-se sobre a cabeça da criatura que tem o ar e, co-
locando a colher cheia de chumbo derretido sobre a cabeça do paciente, diz-se:
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AR
Posto isto, pega-se numa malga com meio-quartilho de água e nove pedras de sal e põe-se sobre a cabeça
do doente, vertendo para ela o chumbo derretido; se ao entrar em contacto com a água, o chumbo estoirar,
o paciente tem ar. Observa-se o chumbo e vê-se a figura que forma: um caixão, cobra, caveira, etc. Em se-
guida, deitam-se água e chumbo numa panela vazia. Repete-se toda a operação duas vezes e, finalmente,
esconde-se a panela num sítio oculto.
Esconjuro do ar
Em Nome de Deus Padre, em nome de Deus Filho, em nome do Espírito Santo, ar vivo, ar morto, ar de
estupor, ar de perlesia [= paralisia], ar arrenegado, ar excomungado, eu te arrenego, em nome da Santís-
sima Trindade, que saias do corpo desta Criatura ou animal e vás parar no mar sagrado, para que viva
são e aliviado.
Benzedura do ar
Jesus, que é santo nome de Jesus, onde está o nome de Jesus não entra mal nenhum. Ar maldito quem te
trouxe aqui? Trouxe-te o mau dia, a má noite, o mau vento, o mau tempo, a má hora? Pois eu quero que
te vás embora: Em boa hora, no bom tempo, no bom vento, na boa noite e no bom dia. P’ra isso te benzo:
ar do ar, ar do fogo, ar do mar, ar de portas, ar frio, ar quente, ar da cama, ar da rua, ar na cabeça, ar nos
pulmões, ar nos nervos, ar nos miolos, ar nos ouvidos e toda a qualidade de ar mau. Eu te benzo e escon-
juro do corpo desta criatura que seja esconjurado para o outro lado do mar sejas deitado, no deserto te
há[s]-des achar, onde viventes não tornes a incomodar, nem ouças aves cantar, nem José por Maria bradar,
nem o filhinho pela mãe chamar. Vai, vai, não tornes a voltar, em louvor de Deus e do sacramento do altar.
Jesus, Deus meu seja comigo e nos livre de todo o p’rigo: Um Padre-Nosso e uma Ave-Maria [...].
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xa, *feiticeira, *espíritos malignos, *encruzilha- fermento cru e palhas alhas (folhas de alhos).
da, *cemitério ou *sepultura, *mina, *noite, Da sentença inquisitorial de *Ana Martins ex-
luar, passagem sobre um ribeiro; *cinza de bar- trai-se que entendendo ela que todos os acha-
rela abandonada, *peneira (à noite), alguns ani- ques têm ar, de que procedem, tratava primei-
mais, preferencialmente os rasteiros (*ar de bi- ro do remédio com que o atalhava, benzendo
cho), certos fenómenos atmosféricos, etc. Aos o enfermo e dizendo as palavras: «se um to
ares nocivos chamavam os latinos sideratio (si- deu, três to tirem, que é Padre, Filho e Espíri-
deratus = tolhido do ar, paralisado). Ar é sinó- to Santo, três pessoas e um só Deus verdadei-
nimo de *paralisia em português, consoante a ro» [BN: Sentença de Ana Martins, fl. 20].
lição de *Duarte Madeira Arrais: «Dar um ar, Outra *benzedora, *Mariana da Coluna, de-
ter um acidente de paralisia; chama o vulgo es- gredava o mal, em nome de Deus, da Virgem
te acidente, ar, porque nos corpos humanos Maria, da Santíssima Trindade, para a «ilha do
causa como que os mesmos efeitos que nas enxofre» ou para o «mar coalhado», locais que
plantas, que a malignidade dos ares faz secar». presumiam a impossibilidade do seu regresso
Por vezes, em benzeduras, a enfermidade é de- [ANTT: Inq. Lisboa, proc. Mariana da Colu-
signada por *Barrabás e Caifás, nomes popula- na, fl. 5v]. Algumas fórmulas terapeuticas
res do *diabo. A *figa é *amuleto contra o mau ainda hoje prescritas passam pela utilização de
ar, tal como as invocações de determinados pachos de água quente ou de água quente
santos, especialmente *São Longuinho, São com sal e *escalda-pés de água com sal. Tam-
Marques (*São Marcos), *São Paulo, *São João bém podem ser utilizadas ventosas com as
Baptista e *São Mateus. Uma criança pode apa- quais se corta o ar, operação realizada do se-
nhar ar (ser arejada) de diversos modos: se a guinte modo: dentro de um alguidar de barro
mãe grávida vir um defunto; de uma vassoura com água quente coloca-se uma púcara nova
verde com que se varre a casa; ao esvoaçar de de barro, de boca para baixo. Por cima da pú-
uma galinha choca; de um excomungado; do cara põe-se o pé ou a mão. Em seguida, ben-
luar (só a madrinha o pode talhar). Após apa- ze-se a água e o pé ou a mão (3 vezes): Eu te
nhar ar a criança fica magra, amarela e com a benzo Em Nome do Pai, do Filho e do Espírito
pele arrepiada. Em Vilar Seco (Nelas) sugerem- Santo. Na década de 1940, o Dr. Fernando
-se duas fórmulas para cortar o ar: A. Dá-se a Cunha, médico na região de Loures, referia
beber à criança nove dias seguidos um punha- um outro tratamento: «Quando o tio Gaspar
do de terra, da sepultura do defunto que pro- se convenceu que não passava o mal que ata-
vocou o mal, diluída em água, depois de fervi- cou a senhora Margarida, mandou um estafe-
da (Vilar Seco, Nelas); B. Leva-se a criança a ta à Malveira, com uma camisa da doente pa-
um local onde exista relva verde, estendendo-se ra consultar a bruxa [da Arruda]. Esta diag-
sobre ela com os braços abertos, marcando-se o nosticou bem – um ar – e aconselhou que se
seu contorno no chão. Corta-se a relva e colo- abrisse um frango preto e o colocassem bem
ca-se em água de um poço, dizendo: «Assim espalmado, sobre o peito da doente onde fica-
como reverdeia a cana verde na mão de Nosso ria oito dias». Em Ponte da Barca, diz-se que
Senhor, assim reverdie o mal desta criança na noite de Natal se pode andar na escuridão
nesta relva deste chão. Em louvor da Sagrada sem receio de apanhar ares ruins, medos e
Morte e Paixão». Repete-se o processo nove ve- coisas más, porque essa noite é santa a todos
zes, rezando-se de cada uma nove padre-nossos, os títulos. Na Madeira, diz-se que os porcos
nove ave-marias, nove glórias, nove salve-rai- podem ser vítimas do mal do ar, razão por que
nhas, nove credos. Se se preferir fazer uma vez se colocam junto dos chiqueiros garrafas de
só, terá de ser na primeira sexta-feira do mês, vidro espetadas em paus e ramos de *alecrim
antes de nascer o sol ou depois de ele se pôr. (Rosmarinus officinalis). Locuções: Dar ar ou
Diz-se que para talhar o ar é de bom emprego dar um ar a alguém = moléstia súbita; Livra-
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AR DE BICHO
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ARA
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ARA COELI
ximo, recolhendo ela algumas pitadas do pó mes, reticulados, ramiformes, halteres, etc.).
que metia num saquinho que passava a trazer No mesmo maciço são conhecidos mais dois
no seio para ter um parto feliz, após o qual o penedos insculturados, um a nascente (even-
saquinho era devolvido a São Simão (cf. J. L. tual idoliforme), outro a poente (cópula e pe-
Vasconcelos, Cultos Pallicos em Portugal, in A queno reticulado).
Vanguarda, v. 1, n. 27, 7 Nov. 1880).
BIBLIOGRAFIA SILVA, Celso Tavares da, Gravuras Rupestres
BIBLIOGRAFIA CASTRO, Luís de Albuquerque e, Monumento inéditas da Beira-Alta, in Actas das III Jornadas Arqueológicas
megalítico da Capela dos Mouros (Arcas, Talhadas), in Actas e da Associação dos Arqueólogos Portugueses (1977), v. 1, Lisboa,
Memórias do I Congresso Nacional de Arqueologia, v. 1, Lisboa, 1978, p. 169; TAVARES, António Augusto, Convergência de
1959, p. 235-241; MIRANDA, Abílio, Ara zoomórfica, in Povos e Culturas no Noroeste Peninsular do Bronze final (através
Douro Litoral, s. 2, v. 2 (1944), p. 25-26; SANTOS, Joaquim da arte rupestre do Vale do Vouga), in Bracara Augusta, v. 40
Neves dos, Altar com covinhas no Castro de Guifões, in Studium (1986-1987), p. 1-24
Generale, v. 9, n. 1 (1962), p. 111-117
ARADO
ARA COELI
Numa das dez rochas insculturadas pelo méto-
Invocação mariana, que o povo pronuncia
do de picotagem, com figurações de bucrânios,
*Arceles.
do santuário exterior do *Escoural, ocorre um
arado. O que mais surpreende quando se ob-
ARADA, SERRA DA
serva esta autêntica raridade, é a ausência na
Na serra homónima (São Pedro do Sul) foram
*arte rupestre nacional de outros testemunhos
assinalados dois rochedos insculturados. No
indubitáveis da actividade agrícola (bem repre-
primeiro, situado a cerca de 400 m acima do
sentada na zona alpina, por exemplo), aponta-
castro da *Cárcoda e a 10 m ao lado do atalho,
da pela arqueologia como a preocupação domi-
à direita de quem sobe, observam-se diversas
nante no período em apreço.
covinhas e uma figura, interpretada como um
ídolo, constituída por arcos de círculo envol-
vendo três covinhas. O outro rochedo acha-se ARAGÃO, ANTÓNIO PEREIRA FERREA
distante cerca de 600 m do cabeço cimeiro do (1800?-1857)
castro da Cárcoda, mesmo ao lado da estrada Doutor em Matemática pela Universidade
que conduz à localidade de Arada. Ocupa o de Paris, professor de Humanidades e escri-
centro de um afloramento (5,8 x 3,75 m), vão do Tribunal da Relação de Lisboa. Autor
constituído por «penedias caoticamente dis- de extensa produção literária, de que se des-
postas», orientando-se para Oeste. Na sua su- taca o drama original A Rainha Santa Isabel
perfície oval contam-se 68 covinhas e 57 gravu- e D. Diniz (Lisboa, 1854) e, designadamen-
ras (cruciformes, círculos raiados, serpentifor- te, o Diccionario Mnemothecnico, e um breve
resumo das regras mais importantes da arte de
ajudar a memória (Lisboa, 1850) e a Arte La-
tina Mnemothecnica para aprender a declinar
e conjugar rapidamente, e a traduzir com faci-
lidade (Lisboa, 1852), obras nas quais, se-
gundo Inocêncio, alargou os limites da mne-
motécnica (*arte da memória), «introduzin-
do e desenvolvendo fórmulas de sua compo-
sição e combinações fecundas e vantajosas».
ARAGEM
Decalque de um do rochedos insculturados da serra da Coisa ruim. Manifesta-se às *horas abertas.
Arada. *Ar, *mal de ar.
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ARÂNCIA
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ARATIBRUS
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ARCA DA ALIANÇA
ARBARIAICUS
Epíteto do deus *Banda que ocorre numa epí-
grafe procedente de Capinha (Castelo Branco).
ARCA
Designação popular para *anta (Lafões, Lebu-
ção, Oliveira de Frades, Ponte de Lima), resul- Entrada da Arca da Aliança em Jericó: tela da Colegiada
tante da associação da forma fechada do dól- de Nossa Senhora da Oliveira (Guimarães).
men com uma caixa ou arca. Também *ar-
cainha (Besteiros), *arcal (Braga, Carrazeda de há 25 séculos (desde a conquista de *Jerusalém
Anciães, Guimarães, Mirandela, Oliveira de por Nabucodonosor, em 586 a. C.) escondida
Azeméis, Oliveira de Frades, Ponte de Lima, numa câmara sob o Monte do Templo (inves-
Sinfães, Vila Pouca de Aguiar, etc.) *arcanha tigações realizadas entre 1908 e 1911 não a de-
(Mirandela), *arcela (Sinfães), *arcelas (Braga), tectaram). Porém, segundo investigações recen-
*arcelo, *arcelos (Ponte de Lima), *arquinha tes, em parte suscitadas pela exegese do Kebra
(Carrazeda de Anciães), etc. *Orca. Nagast (uma espécie de Antigo Testamento
etíope), poderá ter sido transferida (ou uma ré-
ARCA DA ALIANÇA plica dela) para a *Etiópia, por Menelique I
Também Arca da Casa de Abinadab (I Samuel, (filho de *Salomão e da rainha de Saba, Make-
VII, 1). No Êxodo (XXV, 10) Iavé explica a da), aí se conservando ainda hoje sob custódia
*Moisés a forma de proceder com vista à sua da igreja monofisita local. As catedrais monolí-
construção. Segundo o Deuteronómio tratava-se ticas coptas de *Aquaxumo e de *Lalibela, visi-
de um cofre de madeira de *acácia, exterior- tadas e descritas por *Frei Francisco Álvares,
mente forrado de *ouro, destinado a guardar: o são geralmente apontadas como as detentoras
*maná, a vara de *Aarão e as Tábuas da Lei re- cíclicas da relíquia. *Abissínia, *Preste João. Por
cebidas no monte Sinai. A derradeira menção à extensão, o armário onde, na sinagoga, se guar-
Arca da Aliança ocorre em II Crónicas (XXXV, da a Torah, e o *sacrário da igreja Católica. Esta
3). De acordo com os judeus ortodoxos, estará interpreta-a, ora como símbolo de Cristo, ora
Guia
CASTANHEIRA DO RIBATEJO (convento de Nossa Senhora de Sub-serra): painel azulejar setecentista,
actualmente na Quinta de São João do Marco; CASTELO VIEGAS (Coimbra): painel de azulejos (séc.
XVIII) na capela-mor da igreja de Nossa Senhora da Conceição, do lado do Evangelho (legendas: arca foe-
deris propitiorium Dei e Nunquam defuit eis); GUIMARÃES [MAS: inv. P 21 e 25]: dois óleos s/tela, pro-
venientes da Colegiada local, figurando Aarão incensando a Arca da Aliança e Entrada da Arca da Aliança
em Jericó; LISBOA [Tesouro da Sé de Lisboa]: a custódia da Sé de Lisboa, dita de D. José, acha-se alicer-
çada numa base quadrangular em que assentam os quatro Evangelistas dispostos em torno da Arca da
Aliança; LOURIÇAL (convento): painel de azulejos setecentistas, no coro de cima; PENICHE (igreja de
São Pedro): pintura s/madeira, no tecto da nave; SALVATERRA DE MAGOS (igreja paroquial): painel
azulejar (séc. XVIII), na capela-mor.
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ARCA CINERÁRIA
ARCA CINERÁRIA
Bloco lítico escavado em forma de pia, coberto
com tampa, por vezes de grande espessura. O
rito normal de enterramento na Lusitânia, pe-
lo menos até meados ou final do século III d.
C., foi a *incineração. A prática da *inumação
parece ter-se generalizado apenas a partir do
século IV d. C. Não obstante, algumas ne-
crópoles apresentam ainda incinerações com
A salvação dos eleitos – Arca de Noé: iluminura de uma
alfaias dessa época (Lomba, Amarante e Fraga, Bíblia castelhana (ca. 1440) que pertenceu a Dom Afonso
Marco de Canaveses). V [BA: ms. 52-XIII-1 / olim 54-XIV-34 / 51-XII.I-40,
cap. II, fl. 6v].
ARCA DE NOÉ
Caixa (hebraico, teváth) flutuante, por inter- lado da arca é sem dúvida a ferida do lado
médio da qual, de acordo com a *Bíblia, foi aberta pela lança». Iconografia: Na capela-mor
possível salvaguardar da extinção provocada da igreja de Nossa Senhora da Conceição, da
pelo *dilúvio (tb. referido por outras fontes an- localidade de Castelo Viegas (Coimbra) existe,
tigas) um casal de cada espécie animal, bem co- do lado do Evangelho, um painel de azulejos
mo a família de Noé. Alegadamente, o patriar- setecentistas figurando a Construção da Arca de
ca recebeu de Deus (Genesis, VI, 14-16) instru- Noé (legenda: ut salvetur semen).
ções detalhadas sobre a dimensão, o formato,
assim como acerca dos materiais a utilizar para ARCABUZADO
garantir a sobrevivência das criaturas seleccio- *José Custódio, *Santo soldado.
nadas. Cinco meses volvidos sobre o dilúvio, a
embarcação havia de pousar nos montes de ARCÁDIA
Ararate e, dez dias depois, as suas portas seriam Região da península do Peloponeso (Grécia),
abertas para devolver à natureza as espécies que nomeada a partir do semideus Arcas, filho de
haviam sido recolhidas nela (idem, VII, 11; Zeus e da ninfa Calisto. Na literatura e nas ar-
VII, 4 e 14). Na exegese agostiniana (Da Cida- tes visuais é metáfora do lugar fecundo (locus
de de Deus, liv. XV, cap. XXVI), a arca de Noé uberrimus) e idílico (locus amoenus), assimilável
«significa a Igreja que se salva pelo madeiro em à Idade de Ouro e ao *Paraíso, apenas habitado
que Cristo esteve suspenso; e a porta aberta no por pastores, em comunhão com a natureza,
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ARCÁDIA
onde reinam a paz, a simplicidade (*utopia). 1626). *Campos Elíseos. Por iniciativa dos poe-
Na literatura, o tópico do universo bucólico tas Cruz e Silva, Esteves Negrão e Teotónio
pastoril foi glosado por Virgílio (Bucólicas), Gomes de Carvalho, aos quais se havia de reu-
Jacobo Sannazaro (Arcadia, Toledo, 1549 nir Correia Garção, foi fundada em 1757, na
[BÉv: Res 757]), Gaspar Gil Polo (La Diana cidade de Lisboa, uma *academia denomina-
Enamorada, 1564), Miguel de Cervantes (La da Arcádia Lusitana (tb. conhecida por Arcá-
Galatea, 1585), Lope de Vega (Arcadia, dia Olissiponense), cujo objectivo consistia em
1598), etc. Entre os autores nacionais, desta- subverter o espírito barroco, substituindo-o
cam-se: Jorge de Montemor (Los Siete Libros por uma estética neoclássica. Teve existência
de la Diana, ca. 1559), Rodrigues Lobo (Pri- efémera, entrando em declínio em 1759 e ex-
mavera, 1601; Pastor Peregrino, 1608; O De- tinguindo-se em 1774. Renasceria dois anos
senganado, 1614), Sá de Miranda (Éclogas), volvidos, sob a designação de Nova Arcádia,
*Fernão Álvares do Oriente (Lusitânia Trans- contando com Curvo Semedo, Bocage, José
formada, 1607), Manuel Quintano de Vas- Agostinho de Macedo, etc., entre os seus aca-
concelos (A Paciência Constante, 1622), Elói démicos. Seria extinta no ano de 1794, legan-
de Sá Soto Maior (Ribeiras do Mondego, do o Almanaque das Musas como testemunho
1623), João Nunes Freire (Os Campos Elíseos, da actividade desenvolvida.
A Mata dos Sete Monte, adjacente ao convento de Cristo (Tomar), é descrita por
Fernão Álvares do Oriente com o característico da Arcádia
[…]. Naquela parte da grande Lusitânia, que a natureza fez no sítio aos olhos mais oculta, e na frescura dos
arvoredos, que a encobrem, mais aprazível, perto donde o rio Nabão, mais conhecido pela antiguidade de
seu nome, que pela grandeza de sua corrente, e o claro Zêzere misturando as águas, juntamente com os
seus nomes as vão entregar ao Tejo, que por douradas areias (desconto certo de todos os bens do mundo)
as leva de mistura com as suas daí a pouco espaço ao mar salgado, numa abrigada ao pé de um alto monte,
que de contínuo lava com a sua corrente um ribeiro, vive uma companhia de pastores que juntos debaixo
do governo de Severo seu maioral, naqueles campos apascentam seus rebanhos. Aqui a par duma fonte cla-
ra se levanta um freixo antigo, que, estendendo os ramos sobre as águas, parece que ou estão contemplando
no cristal líquido sua formosura, namorando-se, ou que, agradecido ao benefício, que das mesmas águas
recebe, por natural impulso lho paga com a sombra, que de contínuo lhe fazem os ramos, que estende so-
bre a fonte cristalina. É naquela parte o clima tão temperado, que as ditosas flores, que ali nascem, se lo-
gram de uma perpétua primavera, de maneira que nem o frio inverno, nem o calmo estio lhe fazem com
as suas alterações alguma injúria, que por particular dispensação do céu, alcançou aquele bosque deleitoso,
privilégio de não ser tributário às mudanças do tempo, que tudo senhoreia.
Costumavam neste lugar muitas vezes os pastores despender alguns pedaços do dia, que furtavam aos seus
contínuos exercícios, em honestos passatempos para os quais a frescura do prado, e o apartamento dele lhe
ofereciam seguríssima ocasião. E como os mais dos pastores, que naquele pacífico remanso passavam a vi-
da, estavam desenganados da vaidade dela (mercê da longa experiência), o em que se entretinham, e delei-
tavam, era em contar casos diversos com que amor e fortuna, tiranos regedores do mundo, afligem nele
quem os segue, para mais certo desengano de suas sem-razões, e mais firme segurança daquela vida, que
lhe emprestava quietação tão descansada.
[...]. Bem junto à ribeira do antigo Nabão, a par de um lugar fresco, a que os seus moradores por justa oca-
sião chamaram os Sete Montes, porquanto sete montes o rodeiam todo, está uma floresta tão oculta aos
olhos dos pastores, que parece que não só à vista, mas também aos pensamentos se nega entrada nela. Ha-
bitavam juntas neste sítio muitas Ninfas que, consagradas ao exercício de Diana, se negavam à comum
ocupação da gente, fazendo de si ao Céu, sacríficio perpétuo e consigo oferecendo à vista cá na terra um
retrato natural do mesmo Céu. […].
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ARCÁDIO DE ANDRADE
ARCÁDIO DE ANDRADE
Pseudónimo (?) do autor da Relação dos esqua-
droens da gente armada e outros sinais que no
Ceo se virão no distrito de Barcellos no dia da in-
felice batalha de Alcacere da qual tirou hum pu-
blico instrumento.
ARCAINHA
*Anta.
ARCAL
*Anta.
ARCANHA
*Anta.
ARCALAUS
Bruxo do *Amadis de Gaula.
Santos Arcanjos Rafael Uriel Gabriel Micael Sealtiel
ARCÂNGELA DO SACRAMENTO
Iehudiel Barachiel: registo (143 x 108 mm) da Loja de
Discípula do *padre António de Fonseca, sa- José Fonseca do Arsenal, cuja maior curiosidade reside na
cerdote expulso da sua congregação acusado do circunstância de adoptar a perspectiva da gnose cristã
crime de *molinismo (*quietismo), pelo qual acerca dos sete arcanjos.
saíria penitenciado no auto-da-fé da Inquisição
de Coimbra, de 14 de Julho de 1699. Arcânge- I aos Tessalonicenses e de São Judas, na qual só
la do Sacramento havia de ser sentenciada em *São Miguel é citado como pertencendo a esta
1701, por fingir milagres para «ser tida e repu- Ordem de entidades angélicas. Dos sete arcan-
tada por santa» [BÉv: cod. CVI / 1-41, n. 12]. jos que «estão diante da face de Deus» (Apoca-
lipse, VIII, 2), os três principais (e únicos admi-
BIBLIOGRAFIA MARTINS, Mário, O anti-quietismo em Portu- tidos pelo concílio de Latrão, de 756, por se
gal, in Brotéria, v. 37, n. 6 (1943), p. 519-531; REMÉDIOS,
Mendes dos, Um processo sensacional na inquisição de Coimbra acharem citados na Bíblia), são São Miguel [=
ao fechar do século XVII, Coimbra, 1925 «grande príncipe» (Daniel, XII, 1)], *São Ga-
briel [= «Anjo intérprete» (Lucas, I)] e *São Ra-
ARCANJO fael [anjo curador (Tobias, XII)]. Os nomes dos
Do latim, archangelus, acima de anjo. Anjos da restantes não são consensuais, ocorrendo as va-
esfera de Mercúrio, os quais partilham com os riações mais sensíveis nos apócrifos e nos deu-
*Principados a condução do destino dos povos terocanónicos. Miguel, Gabriel, Rafael e Uriel
e nações, competindo-lhes, de acordo com o são citados nos Papyri Graecae Magicae como
Pseudo-Dionísio, a comunicação dos decretos arcontes (grandes anjos), com a função de
divinos, bem como «as obras mais heróicas e proteger e tutelar as nações. Os monarcas
graves», eventualmente, a razão por que enver- nacionais desde Dom Miguel a Dom Manuel
gam armadura. No Novo Testamento o termo II e, à sua semelhança, o Imperador do Brasil,
arcanjo apenas ocorre duas vezes, nas Epístolas bem como diversos Infantes, tomaram no bap-
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ARCANJO
Os sete arcanjos da tradição gnóstica em telas setecentistas do convento dos Cardais (Lisboa).
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ARCELA
ARCO DA ALIANÇA
*Arco-íris.
BIBLIOGRAFIA VASCONCELOS, José Leite de, Tradições
Populares de Portugal, § 137s.
ARCO-ÍRIS
O archote invertido, luminária para o além, num jazigo Fenómeno atmosférico. Também *arco da ve-
do cemitério dos Prazeres (Lisboa). lha e *arco da aliança, expressão originada na
circunstância de Deus ter dito na Lei Velha que
ARCHOTE poria no céu este sinal para expressar a sua
Na mitologia clássica era atributo das três Eu- aliança com a humanidade (Genesis, IX, 11-
ménides ou Fúrias, filhas do Inferno, que aí fla- -18). De todas as explanações ensaiadas desde a
gelavam aqueles que tinham mal vivido. Fonte antiguidade sobre o arco-íris (*Aristóteles, Sé-
de luz destinada a iluminar a caminhada da vi- neca, Vitellio, Qutb-al-din, Teodorico de Saxó-
da, simboliza, quando invertido, a morte e o nia, Maurolycus, Antonio de Dominis, etc.), a
outro mundo. de Descartes (1637) foi a primeira a aproxi-
mar-se da doutrina contemporânea. Crê o po-
ARCO vo que no local onde as extremidades do arco-
O cognome de origem céltica Arco, vulgar na -íris tocam o solo se acham enterradas panelas
região calaico-lusitana, é raro no aro olisipo- com ouro. Em algumas regiões (Beira Alta, Mi-
nense, onde apenas se conhecem dois exem- nho, etc) diz-se que mergulha nos rios para be-
plos: um oriundo das proximidades da igreja ber a água que depois cai sob a forma de chuva.
de São Domingos da Fanga da Fé (Encarnação, A circunstância de o arco-íris ser prenúncio de
Mafra) e outro proveniente da capela de São chuva originou fórmulas, por vezes esconjura-
João Baptista de Torres Vedras (CIL, II, 321). tórias, como as seguintes: «Arco-da-velha / Fi-
Em Siguenza, Arco constitui o radical de um tinha amarela / Menina bonita / Não cases com
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ARCO TRIUNFAL
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ARCO DA VELHA
FERREIRA, Francisco Leitão, Idea poetica, epithalamica, pa- sião do casamento de D. José, em 1763]; DIAS, João Pereira,
negyrica, que servio no arco triunfal que a nação italiana man- La Scénographie Baroque au Portugal, in XVI Congrès Interna-
dou levantar na occasião em que D. João V e D. Marianna tional d’ Histoire de l’Art, v. 2, Lisboa-Porto, 1949, p. 329-
d’Austria foram á cathedral de Lisboa em 22 de Dezembro de 332; FERNANDES, Maria Manuel Campos Milheiro, A Fes-
1708, Lisboa, 1709; GUERREIRO, Afonso, Das Festas que se ta barroca e a Arte Efémera, in Cadernos do Noroeste, série His-
fizeram na cidade de Lisboa, na entrada del rey D. Philippe pri- tória, v. 3, n. 20 (1-2), (2003); FERREIRA-ALVES, Joaquim
meiro de Portugal, Lisboa, Francisco Correa, 1581; LA- Jaime B., Continuidade e ruptura do ideal barroca das entradas
VANHA, Juan Baptista, Viage de la Catholica Real Magestad Régias do século XIX: alguns exemplos, in Cadernos do Noroeste,
del Rei D. Filipe III N. S. al reino de Portugal, Madrid, 1622 v. 20 (1-2), s. História, v. 3, n. 20 (1-2) (2003), p. 43-66;
[BPNM: 1-35-8-1]; LEON, Manuel de, Triumpho Lusitano, LOURENÇO; Maria Paula Marçal, A Entrada da Rainha D.
aplauzos festivos, sumptuosidades Regias nos Augustos Desposorios Catarina de Áustria por terras do Alentejo em 1525: Triunfo,
de D. Pedro II com Maria Sophia Isabel de Baviera, Monarchas Festa e Poder, in A Cidade de Évora, s. 2, n. 6 (2002-2006), p.
de Portugal. Relatão-se as grandezas, narrão-se as Entradas refe- 161-177; LUCENA, Armando de, Arcos Triunfais de roma-
remse as Festividades que se celebrarão na Cidade e Corte de Lis- rias, in Bol. Junta de Província de Estremadura, n. 12 (1946),
boa desde 11 Agosto-25 Outubro, Bruxelas, 1688; LOBO, Ro- p. 235-237; MONTEZ, Paulino, As belas-artes nas festas pú-
drigues, La Jornada que la Magestad Catholica del rey Don Phe- blicas em Portugal, Lisboa, 1931; PENA SUEIRO, Nieves, Las
lippe III de las Hespanhas hizo a su Reyno de Portugal, y el Relaciones de sucesos en la Colección de Misceláneas de la Biblio-
Triumpho, y pompa con que le recibió la insigne Ciudad de Lis- teca Geral de Coimbra, in XII Xornadas Anabad-Galicia (24-26
boa el año de 1619, Lisboa, Pedro Craesbeeck, 1623; RO- de Abril de 1997), p. 885-893; PENA SUEIRO, Nieves, Las
BRILVO, Jacinto Pacheco, Arco triumphal, ideia allegorica so- Relaciones de sucesos manuscritas en la Biblioteca Geral de Coim-
bre a fabula de Hyppomanes e Atalanta, cuja ficção ha de servir bra, in IV Congreso Internacional de la A.I.S.O. (Alcalá de He-
para o arco que os ourives do ouro celebram em applauso dos des- nares, 22 a 27 de Julho de 1996); PIZARRO GÓMEZ, F. J.,
posorios das Augustas Magestades de Portugal, Lisboa, 1708; Emblemas y jeroglíficos en la entrada triunfal de Felipe III en
SCHIOPETTA, Domingos, Descripção do Arco Triunfal que Lisboa (1619), in Norba Arte (Cáceres), v. 5 (1984), p. 163-
os moradores circumvizinhos do Rocio desta Capital fizerão cons- 176 e v. 6 (1985), p. 65-83; VELOSO, Carlos, Festa barroca
truir junto à rua denominada do Amparo, debaixo da direcção e arquitectura efémera em Portugal, in Boletim Cultural da Câ-
do celebre Pintor e Architecto Domingos Schiopetta, para receber mara Municipal de Tomar, n. 21 (Out. 1997), p. 41-70; XA-
com a dignidade que se torna compatível com as suas proporções VIER, Ângela Barreto / CARDIM, Pedro / ÁLVAREZ, Fer-
a Illustre Junta Provisoria do Supremo Governo do Reino, Lis- nando Bouza, Festas que se fizeram pelo casamento do Rei D.
boa, 1820 [tb. in Mnemosine Constitucional, n. 7 (2 Out. Afonso VI, Lisboa, 1996
1820)]; SIMÕES, J. M. dos Santos, A «Entrada» de D. Filipe
II em Tomar, 1619, Tomar, 1943; VÉLAZQUEZ, Isidro, La ARCO DA VELHA
entrada que en el reino de Portugal hizo la SCRM de Don Phi-
lipe invictissimo rey de las Españas segundo deste nombre, prime- *Arco-íris. A associação da velha ao arco-
ro de Portugal, assí con su real presencia como con el exército de íris, supõe-se originado pela corcova ou cor-
su felice campo, Lisboa, 1583 cunda comum, quer ao arco, quer à velha.
BIBLIOGRAFIA AAVV, A Festa (VIII Congresso Internacional Ditos originados pelo avistamento de um
da Sociedade Portuguesa de Estudos do século XVIII – Lis- arco da velha: «Arco da velha, / Tir te d’aí: /
boa, 18 a 22 de Novembro de 1992), Lisboa, 1992 (2 vols.);
AAVV, Rituais e Cerimónias (coord. Joaquim Ramos de Car-
Meninas bonitas / Não são para ti» (Leça da
valho), Coimbra, 1993; AAVV, Arte Efémera em Portugal Palmeira, Castelo de Paiva, etc.); «Arco da
(coord. João Castel-Branco Pereira), Lisboa, 2000; AAVV, velha / Vai para Castela, / Faze uma casa, /
História das Festas (coord. Carlos Guardado da Silva), in Tur-
res Veteras, v. 8 (2006); ALMEIDA, M. Lopes de (Leitura e re-
Mete-te nela; / Tu c’um machado, / E eu
visão), Memorial de Pero Roiz Soares, Coimbra, 1953; ALVES, c’uma serra / Ganharemos pão /P’ra comer
Ana Maria, As Entradas Régias Portuguesas: uma visão de con- dentro d’ela» (São Martinho de Guifões);
junto, Lisboa, 198?; ALVES, Joaquim Jaime Ferreira , A Festa
«Arco da Nova, / Arco da Velha, Não bebas
Barroca no Porto ao serviço da Família Real na segunda metade
do século XVIII, Porto, 1988; ARES MONTES, José, Los poet- aí, / Que urinou a velha» (Basto); «Arco da
as portugueses, cronistas de la Jornada de Felipe III a Portugal, in velha, / Põe-te na quelha, /Fita vermelha, /
Filologia Romanica, n. 7 (1990), p. 11-36; BARBOSA, I. de Menina bonita / Não é para a velha» (Fama-
Vilhena, O arco triumphal romano da praça de Évora, in Archi-
vo Pittoresco, v. 6 (1863), p. 286-287; BIRKMEYER, Karl licão). Locuções: Fazer coisas do arco da
M., The Arch motif in Netherlandish Painting of the fifteenth velha = fazer coisas extraordinárias, próprias
Century, in The Art Bulletin, v. 43, n. 1 (Mai. 1961), p. 1-20 do diabo; Arco da velha por água espera; O
e n. 2, p. 95-112; BORGES, Nelson Correia, A Arte nas Festas
do Casamento de D. Pedro II: Lisboa, 1687, Aveiro, 197?; arco da velha à tarde não vem cá em balde [i.
BRAZÃO, Eduardo, A Recepção de uma Rainha: festas lisboetas e., anuncia tempestade].
no século XVII, in Bol. Cultural e Estatístico da Câmara Muni-
cipal de Lisboa, v. 1, n. 2 (1937); C. M., Arcos triunfais, in Fei- BIBLIOGRAFIA VASCONCELOS, José Leite de, Tradições da
ra da Ladra, v. 2 (1930), p. 141-142 [arcos erguidos por oca- Atmosfera em Portugal, in Era Nova (1880-81), p. 220-221
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ARESTAL, SERRA DO
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ARETUSA
oceano e as colinas e campos marginais do Arqueologia Prehistorica do Distrito de Aveiro – Arte Rupestre: as
insculturas do Arestal e o problema das combinações circulares e
Vouga; dominam nele a *espiral (dextrorsum e espiralóides do Noroeste Peninsular, in Arquivo do Distrito de
sinistrorsum), os círculos concêntricos e as co- Aveiro, v. 4, n. 13 (1938), p. 5-19
vinhas, havendo ainda a registar outros petró-
glifos em conexão, porém de difícil interpre- ARETUSA
tação. B. Outeiro dos Riscos (freg. Cepelos, Va- Ninfa acompanhante de *Artemisa-Diana. Ao
le de Cambra): sito na Espirra Ovelha, por ser perseguida por *Alfeo, *Diana transformá-
baixo do lugar de Gatão, a cerca de 600 m de -la-ia em fonte, em consequência do que o fi-
altitude; é formado por três painéis separados lho do Oceano e de Tétis, regressando à sua na-
por fracturas naturais do bloco cuja inclina- tureza fluvial, a tornou a perseguir, subterra-
ção é acentuada; ao centro apresenta três gru- neamente, desde Elide até à Sicília, onde ela
pos de círculos concêntricos, associados a al- reapareceu em Ortígia (Siracusa), misturando,
gumas covinhas, encontrando-se ausentes enfim, as suas águas com as de Alfeo. Cf. Ca-
quer a espiral, quer os sulcos unindo os sinais. mões, Écloga VII. Glosando a fábula mitológi-
É possível que tenha existido outra estação ca que se lhe reporta, a Fénix Renascida inclui o
com arte rupestre na Serra do Arestal, de onde poema burlesco Fabula de Alpheo e Arethusa (t.
seria proveniente uma pedra com uma espiral IV, p. 274-302) de Pinheiro Arnaut.
insculturada, arrancada à serra por pedreiros e ICONOGRAFIA painel azulejar na quinta dos Azulejos.
hoje no Museu Municipal de Arqueologia e
Etnografia de Aveiro. ARGA, SERRA DE
De constituição maioritariamente granítica, do-
BIBLIOGRAFIA SOUTO, Alberto, Art rupestre galaico-portu- mina Caminha e o rio Lima. O Dr. João de
gais: les sculptures de l’ Arestal, in Actas do XV Congrès Interna- Barros (Geographia dentre Douro e Minho) cris-
tional d’ Anthropologie et d’ Archéologie Préhistorique (Porto-
Coimbra, 1930), Paris, 1931, p. 410-413; SOUTO, Alberto, ma os serranos de Arga de «gente belicosa e mui
A Arte Rupestre em Portugal (entre Douro e Vouga): as inscultu- má de amansar e são quase como galegos e da
ras da serra de Cambra e de Sever e a expansão das combinações mesma linguagem e traje». Diz-se que o guar-
circulares e espiralóides no norroeste peninsular, in Trabalhos da
Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnologia, v. 5, n. 4 dião da serra é o *Santo do Chocalho, nome por
(Porto, 1932), p. 288s., est. XIII, fig. 21; SOUTO, Alberto, que é conhecido *São Paulo Eremita, protector
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ARGA, SERRA DE
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ARGADILHO
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ARION
ARGUEIRO
*Treçolho. O mesmo que *arujo e *arujeiro.
Tira-se com pedra *argueira, ou *argueireira,
oriunda do mar. Em Alijó, dizem: «Corre, cor-
re, cavalheiro, / Pela porta do ferreiro, / Que lá
vem Santa Luzia / Pra me tirar este arujeiro».
Em Idanha-a-Velha, deitam-se, entre a con-
juntiva e o globo ocular, três ou cinco semen-
tes de erva dos olhos (*alfavaca de cobra) e es-
fregam-se as pálpebras. Já na localidade de To-
losa, metem a pálpebra inferior debaixo da su-
perior, ou vice versa, dizendo: «Algueirinho, Tímpano do pórtico axial da igreja de São Pedro de Rates:
algueirinho, / Vai para o teu palheirinho, / ladeando Cristo em Glória (no interior da vesica piscis),
dois Evangelistas espezinham Judas e Arius.
Que lá está uma faca de latão, / Que corta o
teu coração». *Santa Luzia.
no terceiro concílio de Toledo, com a conver-
ARIANISMO são de Recaredo, sob os auspícios de *São
Heresia proclamada em 318, no Egipto, por Leandro, começou a declinar. O *Credo, defi-
Arius († 331), discípulo de Luciano de Antio- nindo a natureza trina de *Deus, consubstan-
quia, o qual havia e ser anatemizado no ano de ciou a reacção católica ao arianismo.
320, terminando desterrado por decisão do
Concílio de Niceia (325). Nega a coeternidade, ARIMASPES
a consubstancialidade e a divindade do Verbo, Povo mítico que segundo certas descrições pos-
conforme ela é reivindicada por Mateus (XI, suía um único olho e montava sempre a cavalo
27) e João (X, 36). O Filho apenas é considera- (cf. Zurara, Crónica da Guiné).
do Deus por adopção, não por natureza. Asse-
ARIOLO
verava Arius que, se o Filho se acha subordina-
Do latim, hariolus (adivinho). Santo Isidoro
do ao Pai, não pode ser absolutamente Deus e
(Etimologias, liv. VIII, cap. 9) define os ariolos
não sendo igual ao Pai, não é da mesma essên-
como aqueles que pronunciam preces nefandas
cia dele. Assim sendo, existiam dois Deuses
ante as aras dos ídolos e oferecem sacrifícios pa-
iguais em tudo. Por outro lado, sendo a subs-
ra suscitar a resposta dos demónios.
tância divina absolutamente simples, indivisí-
vel e imutável, Deus não pode criar, i. e., pro- ARIOLOMANCIA
duzir e tirar algo da sua própria substância, o Adivinhação por meio de ídolos.
que tornaria criação e geração sinónimos. Em
suma, não sendo eterno, o Filho só pode ser ARION
uma criatura (um ser que nasceu no tempo e Poeta e músico lendário, natural da ilha de Les-
teve começo), participando das imperfeições bos, a quem é creditada a invenção do ditiram-
delas, inclusivamente no plano moral. Apesar bo. No regresso de um concurso poético, de
de tudo, o arianismo não contestava a missão que foi vencedor, na Sicília, os marinheiros
messiânica de Jesus, por cuja pessoa professava com quem navegava conspiraram com o fito de
singular veneração. Após terem conquistado o o roubar. Oferecerem-lhe, em alternativa, dois
Império romano, os germanos converteram-se cenários: ser assassinado e ter um funeral con-
ao arianismo por influência de Ulfilas. *Pota- digno em terra, ou lançar-se ao mar. Nenhuma
mius de Lisboa, bispo entre 355-356, foi adep- das hipóteses lhe agradando, para ganhar tem-
to desta heresia. As invasões bárbaras da penín- po, pediu para cantar uma última canção, o
sula fortaleceram a crença, a qual só em 589, que lhe seria concedido. Pegando na lira, en-
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ARISTODEMO
ARMAÇÃO DE CARNEIRO
Os cornos do *carneiro podem ocorrer como
*amuleto.
ARMADOR DE IGREJA
Encarregado de decorar uma igreja para a festa
do *padroeiro, ou outra. Sinónimo de *zanga-
ralheiro (Anatómico Jocoso, v. 1, p. 160).
ARMAJONA
*Almajona e *amazona.
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Guia
Abrigos rupestres e grutas
ABRIGO DA FAIA 3; ESCOURAL (Montemor-o-Novo): arco ocorre na parede da chaminé 1; FRAGA
D’AIA (Paredes da Beira, São João da Pesqueira): antropomorfo armado de arco, em cena de caça aos cer-
vídeos.
Antas
JUNCAIS (Queiriga, Sátão, Viseu): três homens armados, acompanhados por cães dão caça a um grupo de
veados (esteio da cabeceira); LOBAGUEIRA 4 (Couto de Cima, Viseu): antropomorfo armado com arco
e flecha.
Penedos ao ar livre
BELVER (Carrazeda de Ansiães); FONTE DA PEDRA (Picão, Castro Daire): punhal, atribuível ao Cal-
colítico e falcata; FRAGA DOS FUSOS (Sortes, Bragança); FRAGA DO PUIO (Picote, Miranda do
Douro): arqueiro semi-esquemático em posição de tiro, com sol na sua rectaguarda; MOLELINHOS
(Molelos, Tondela): punhais, lanças, facas curvas, alabardas e foices; MONTE DA LAJE (Valença): a di-
mensão excessiva de um dos punhais figurados (1,15 x 0,35 m), associado a um eventual ídolo (ou par di-
vino?), pode reportar-se ao conceito de força que emana da divindade, conferindo poder e glória ao guer-
reiro (herói) que lhe consagra os feitos bélicos; PEDRA LETREIRA (Amieiros, Góis): 2 alabardas de silex
(triângulos maiores) e pontas de seta (triângulos menores), um arco e seta e 2 hipotéticos escutiformes; PE-
DRA RISCADA; POÇO DA MOURA (Assares, Vila Flor, Bragança): Pedra Escrita; RIDEVIDES (Vi-
lariça, Bragança): Pedra Escrita 1 e 2; TAPADA DO CORDEIRO (Alfândega da Fé, Bragança): Pedra Es-
crita; VALE DA CASA (Vila Nova de Foz Côa): as armas identificáveis concentram-se quase exclusivamen-
te nas Rochas 6 e 10, sendo atribuíveis à Idade do Ferro: falcatas (duas das quais embainhadas, na R 6),
dardos ou armas de arremeso, lanças, arcos e setas, uma espada ou machete de lâmina comprida e alguns
escudos (um redondo e outros rectangulares); VALE DE JUNCAL (Mirandela): um arco isolado; VER-
MELHOSA (Vila Nova de Foz Côa): conjunto de oito rochas gravadas com cervídeos (típicas do Paleolí-
tico) e de guerreiros a cavalo empunhando armas (Idade do Ferro).
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ARMAS NACIONAIS
ARMAS NACIONAIS
Um mistério denso rodeia a adopção e a evolu-
ção das armas de Portugal. Sublinha Pero de
Andrade Caminha que «se se quisesse mostrar
que não aconteceu [a Visão de Ourique] assim
seria tirar às armas deste reino um tão principal
e pio fundamento». Se *Dom Afonso Henri-
ques foi, efectivamente, aclamado de pé sobre
o seu escudo-pavês antes da *batalha de Ouri-
que (conforme sustenta José Mattoso) e o escu-
do heráldico dos reis de Portugal pretendia
evocá-lo, é possível especular que poderia ter
surgido, em determinada ocasião, a ideia de as-
sociar o brasão real à comemoração do feito
militar. D. João II promoveu a reforma do bra-
são real em 1485, aparentemente suscitada nas
Pormenor das insculturas de Molelinhos (Molelos, Cortes de 1482 por alguns Procuradores dos
Tondela). Povos, os quais teriam proposto diversas modi-
ficações ao escudo das armas de Portugal, a sa-
BIBLIOGRAFIA ALMAGRO, Martin, Las estelas decoradas del
Suroeste Peninsular, Madrid, 1966; idem, Sobre la inter-
ber: A. Retirar do escudo a cruz verde da Or-
pretación de las figuras en forma de hacha de las estelas decoradas dem de Avis; B. Endireitar os escudetes laterais,
de la Edad del Bronce, in Arquivo de Beja, v. 23-24 (1966- pois «jaziam derribados, com as pontas através
1967), p. 241-256; BAPTISTA, António Martinho, Arte Ru- para a cruz, o que era contra regra direita de ar-
pestre do Norte de Portugal: uma perspectiva, in Portugália, nova
série, v. 4-5 (1983-1984), p. 78-80; BUENO-RAMÍREZ, P., mas e parecia significar alguma grande quebra,
Les plaques décorées alentejaines: un approche à son étude et ana- ou [der]rota recebida contra si em batalha cam-
lyse, in L’Anthropologie, v. 96, n. 2-3 (1992), p. 573-604; pal, o que não era». A chamada operação de en-
COSTAS GOBERNA, Fernando Javier / HIDALGO EU-
ÑARRO, José Manuel / NÓVOA ÁLVAREZ, Pablo / PEÑA direitar o escudo (i. e., os escudetes das ilhar-
SANTOS, Antonio de la, Las representationes de armas en el gas) terá subvertido irremediavelmente o signi-
grupo galaico de arte rupestre, in Los motivos de fauna y armas ficado das peças que compunham as armas
en los grabados prehistoricos del continente europeo, Vigo, 1997,
p. 85-112; COSTAS GOBERNA, Fernando Javier / HI- nacionais, as quais na sua configuração original
DALGO CUÑARRO, José Manuel / NOVOA ÁLVAREZ, representavam a *Alma do Mundo, segundo
Pablo / PEÑA SANTOS, António de la, Los motivos de fauna Plotino: os três escudetes superiores voltados
y armas en los grabados prehistóricos del continente europeo, Vi-
go, 1997; FERNÁNDEZ PINTOS, Julio, La Cronologia del
para a Inteligência (ou seja, para o interior) e o
Arte Rupestre Gallego: aproximacion a su problematica, in Actas do meio e o inferior, voltados para a matéria (i.
do I Colóquio Arqueológico de Viseu, 1989, p. 289-298; GO- e., para o exterior). Ao proceder assim, D. João
MES, Mário Varela / MONTEIRO, J. Pinho, As Estelas deco-
radas da Herdade de Pomar (Ervidel – Beja): estudo comparati-
II terá entregue ao Corpo do Mundo, de acordo
vo, in Setúbal Arqueológica, v. 2-3 (1976-1977), p. 281-343; com o mesmo neoplatónico e a crer na tese ex-
SANCHES, Maria Jesus, Laje de Vale de Juncal – Mirandela, posta por Ismael Joaquim Spínola, a direcção
in Actas do Seminário Megalitismo no Centro de Portugal (Man- do destino nacional, transformando-o, dora-
gualde, Novembro, 1992), 1994; SANCHES, Maria Jesus /
PINTO, Dulcineia Bernardo, O Arqueiro da Fraga do Puio, vante, numa questão de pura mercearia. *Ban-
Relatório dos Trabalhos Arqueológicos realizados em Picote-Mi- deira Republicana, *besantes, *quinas.
randa do Douro em 2001 [IPA: policopiado]; idem, O arqueiro
da Fraga do Puio (Picote-Miranda do Douro): estudo de uma es- BIBLIOGRAFIA ANÓNIMO, Manifesto politico do fundamento
tação com arte rupestre no Parque Natural do Douro Internacio- e origem das Armas dos Reynos de Portugal, fl. 178v-187v [BN:
nal, in Revista da Faculdade de Letras do Porto, s. 1, v. 1 (2002), cod. 655]; BARATA, A. António Francisco, Divisa usada nos
p. 51-72; SILVA, Eduardo Jorge Lopes da / CUNHA, Ana escudos do Conde D. Henrique de Borgonha e de seu filho D.
Maria C. Leite da, As gravuras rupestres do Monte da Laje (Va- Afonso Henriques: alterações por que tem passado o escudo, in
lença), in Arqueologia, n. 13 (Jun. 1986), p. 143-158 e in Boletim da Real Associação dos Architectos Civis e Archeo-
Livro de Homenagem a Jean Roche, Porto, 1989, p. 490-505 logos Portuguezes, t. 4 (18??), p. 56; CÂNDIDO, Alfredo, A
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ARQUEOASTRONOMIA
origem e o Simbolismo do Escudo Portuguez, in Feira da Ladra, tado, validando todos os seus sistemas de cren-
v. 8, n. 1 (1937), p. 24-29; CONDE DE TOVAR, As Memó-
rias de Álvaro Lopes, secretário del Rei D. João II – A Reforma
ças e correspondentes instituições culturais.
do Brasão Real por D. João II, Lisboa, 1932; GANDRA, Ma- Deve a sua fundação a Sir Norman Lockyer
nuel J., A Cristofania de Ourique: mito e profecia, Lisboa, (The Dawn of Astronomy, 1894) ao qual se as-
2002; MATOS, José de Assunção, As gloriosas bandeiras de
sociaria F. C. Penrose. Modernamente, contri-
Portugal: evolução histórica da Bandeira Nacional, Porto,
1961; MATTOS, Armando de, Evolução histórica das Armas buíram decisivamente para a institucionaliza-
Nacionais Portuguesas, Porto, 1939; MELO, Olímpio, de, A ção da arqueoastronomia os artigos de Gerald
Bandeira Nacional, sua evolução desde a fundação da Hawkins, publicados na Revista Nature em
Monarquia até à actualidade, Lisboa, 1924; ROIG, Adrien,
Mensagem: heráldica e poesia, in Fernando Pessoa: Mensagem – 1963 e 1964 (ulteriormente editados no livro
Poemas Esotéricos, Madrid, 1983, p. 280-312; SPÍNOLA, Stonehenge decoded, 1965), e do astrónomo
Ismael Joaquim, Da necessidade de restituir às Armas de Fred Hoyle (On Stonehenge, 1977). Como mo-
Portugal os seus verdadeiros símbolos, in Revista de Guimarães,
v. 70 (1960); VASCONCELOS, António de, O Escudo dus operandi a arqueoastronomia adopta, entre
Português: Lenda e História, in Lusitânia, n. 2 (Mar. 1924), p. outros, os seguintes procedimentos: estuda as
171-185 e n. 3 (Jun. 1924), p. 321-337 práticas astronómicas arcaicas (na origem dos
calendários), bem como a astronomia cerimo-
ARMOMANCIA nial e o significado atribuído ao céu como pai-
Adivinhação pelas espáduas de animais sagem ritualizada (fonte de hierofanias, teofa-
imolados. nias e mitologias); relaciona a topografia de sí-
AROEIRA tios (arqueotopografia) e de estruturas edifica-
Pistacea lentiscus. Utilizada em defumadouros, das e respectivas orientações (azimutes) e con-
para exorcizar as coisas ruins, para praticar es- figurações (geomancia) com as posições dos
conjuros e, designadamente, para *tirar a Lua corpos celestes no momento da sua edificação
às crianças. A Senhora da *Atalaia (Aldeia Ga- (*precessão dos equinócios) ou com eventos as-
lega do Ribatejo, actual Montijo) apareceu so- trais cíclicos que, a partir deles, possam ser ob-
bre uma aroeira, de cujas folhas era produzido servados ou previstos; investiga a eventual asso-
uma espécie de bálsamo, ou «resina cheirosa, ciação de acidentes geomorfológicos a fenóme-
que era remédio admirável para as sezões» nos celestes; constata e interpreta a frequente
(João Baptista de Castro, Mappa de Portugal, t. interacção directa da luz solar com petróglifos
1, Lisboa, 1762, p. 239). ou com pictogramas, designadamente em es-
truturas astronomicamente significativas, co-
AROUCA mo é o caso daquelas cuja orientação marca o
Vento assim denominado em Lousada: «De nascimento do sol em certos dias-chave, como
Arouca, vento muito, chuva pouca». os solstícios, os equinócios, os *dias quartãs,
*Arouquês, *ouroquês. etc. Cerca de 3000 a. C. o sol atingia durante
o Verão uma declinação positiva até + 24º, en-
AROUQUÊS quanto durante o Inverno chegava até um má-
Nome que se dá em Lousada ao vento que ximo negativo de – 24º. De modo que sómen-
sopra de Arouca. Também *arouca, *ouroquês te os dólmenes que se dirigem para a metade
oriental do horizonte, com declinações entre os
ARQUEOASTRONOMIA – 24º e os + 24º, se acham exactamente orien-
A arqueoastronomia é uma transdisciplina que tados para o nascer do sol em dois dias do ano:
tem por objecto o estudo do papel desempe- os dos solstícios. A orientação das antas portu-
nhado pelos fenómenos astronómicos, como guesas privilegia o nascer do sol do solstício de
parte inalienável da cosmovisão das sociedades Inverno, para o qual apontam as entradas dos
humanas de todos os quadrantes e épocas, des- corredores (Alentejo), mas o alinhamento equi-
de a pré-história à actualidade e como elas os nocial. Do mesmo modo, a orientação predo-
conectaram intimamente com o espaço habi- minante dos cromeleques de planta oval (*Al-
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ARQUEOASTRONOMIA
A partir da constatação das orientações «anómalas» dos templos de Apolo, do exame da mais antiga numismática e do
estudo da mitologia do mundo helénico, Jean Richer logrou reconstituir as três gigantescas rodas zodiacais, centradas em
Delfos, Delos e Sardes, que organizavam toda a Hélade. Utilizando a mesma metodologia, obteve resultados similares
no que concerne ao mundo latino e à Península Ibérica.
Sólidos platónicos (foto de Graham Challifour): estes cinco poliedros regulares (cubo, tetraedro, octaedro, icosaedro e
dodecaedro) não existem na natureza, tratando-se, portanto, de uma realidade metafísica. No National Museum of An-
tiquities of Scotland (Edimburgo) guardam-se 387 artefactos congéneres, datados do Neolítico, i. e., de ca. dois milénios
antes de Platão, o seu alegado inventor.
mendres, Vale Maria do Meio, *São Cristóvão giado topógrafo britânico Alexander Thom, de
I, etc.) deixa entender que foram alinhados pa- parceria com o arqueólogo Euan Mackie. Ad-
ra o nascer do sol nos equinócios. Alguns dos vogam estes cientistas que a arquitectura proto-
cromeleques e alinhamentos edificados desti- histórica é a cabal expressão dos conhecimen-
navam-se, aparentemente, a detectar a pequena tos astronómicos dos respectivos construtores,
irregularidade de 9’ verificada na órbita da Lua não apenas pela sua configuração emblemática,
devido à atracção exercida pelo Sol, fenómeno mas, também, pelas correlações astronómicas e
que só tornou a ser conhecido com Tycho Bra- numerológicas detectáveis, quer em monu-
he (1546-1601). Quem o assegura é o presti- mentos isolados, quer em sistemas deles, fre-
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ARQUIMIA
quentemente dispersos por áreas enormes e, of Iberian Tombs: Central Alentejo Region of Portugal, in Ar-
chaeoastronomy, v. 23 (1998), p. 77-82; KRUPP, Edwin C., As
muitas vezes, distantes entre si várias dezenas Antigas Astronomias, Lisboa, 198?; OLDHAM, Robert, Antas
de quilómetros. Dos dados apurados pelos as- of thr Portuguese Alentejo: structural orientation to Stars? (Stone
troarqueólogos é legítimo extrair três conclu- and Stars Project), [www. geocities.com / stoneandstars / An-
tas.html]; PENNICK, Nigel, Geomancy, Londres, 1979; RI-
sões principais : A. Os construtores do neolíti-
CHER, Jean, Géographie Sacrée du Monde Grec: croyances as-
co estavam cientes da esfericidade da Terra, trales des anciens grecs, Paris, 1967 e 1983; idem, Géographie
bem como das causas dos eclipses; B. Os mo- Sacrée du Monde Romain, Paris, 1985; SILVA, Marciano da,
numentos megalíticos foram meticulosamente Conjecturas sobre astronomia megalítica (Comunicação apre-
sentada ao I Simpósio Transformação e Mudança, Cascais,
projectados, sendo o seu posicionamento e 1993); idem, The Spring Moon, in Archaeoastronomy (2004);
orientação determinados por cálculos astronó- SILVA, C. M. / CALADO, Manuel, New astronomically sig-
micos; C. As suas dimensões foram calculadas nificant directions of the Central Alentejo Megalithic Monu-
ments, in Journal of Iberian Archaeology, n. 5 (2003), p. 67-88;
em função de um padrão geométrico unificado THOM, Alexander, Megalithic sites in Britain, Oxford, 1967;
de molde a exprimirem números integrais com idem, Megalithic lunar observatories, Oxford, 1971; THOM,
evidente significado simbólico e mágico (jarda Alexander / THOM, A. S., Megalithic remains in Britain and
Brittany, Oxford, 1978; WATKINS, Alfred, The old Straight
megalítica = 82,9 cm). De quanto ficou dito se Track: its mounds, beacons, moats, sites and mark stones, Lon-
torna obrigatório inferir a existência de uma es- dres, 1974; WOOD, John Edwin, Sun, Moon and Standing
cola neolítica de filosofia matemática. Mais tar- Stones, Oxford, 1980.
de enquadrada pelo druidismo celta, terá servi-
do de modelo à comunidade de Samos, a dar- ARQUEU
-se crédito à tradição veiculada por Jâmblico e Espírito universal.
Clemente de Alexandria (Stromates, I, cap.
XV), segundo a qual Pitágoras, seu fundador, ARQUIMIA
jornadeara até ao extremo ocidente com o fim O carácter aleatório da actividade dos homens
de se ilustrar. Tal assunção só vem corroborar a do fole ou assopradores e dos químicos, uns co-
opinião expendida por *Aristóteles de a Filoso- mo os outros incapazes de explicar os seus fre-
fia ter passado dos *celtas aos gregos, posição quentes fracassos ou sucessos, foi recuperado no
igualmente perfilhada por doxógrafos como século XIX pelos Hiperquímicos, cujos teóricos
Diógenes Laércio, Diodoro de Sicília, Polyhis- mais ilustres, Berthelot, Paul Chevalier e Jo-
tor, Suídas, Lucano ou Amiano Marcelino que livet-Castellot, se empenharam na demonstra-
chega a comparar as confrarias pitagóricas aos ção de que os processos alquímicos não pas-
colégios druídicos. Do presumível local da sua savam de meras operações químicas destituídas
mais remota manifestação, a ocidental praia de toda e qualquer metafísica e veladas por uma
hispânica, esse tão apetecido saber terá irradia- linguagem criptográfica. Não sendo, no en-
do para o Norte da Europa, muitos séculos an- tanto, legítima a reivindicação para um quími-
tes da chegada de fenícios e helenos, correspon- co, por mais genial que ele seja, da capacidade
dendo os vectores da sua difusão aos sentidos de realizar a Grande Obra a partir dos seus co-
predominantes da expansão da civilização me- nhecimentos científicos, também não é de en-
galítica. *Anta, *astrolatria. jeitar que o puro empirismo, lado a lado com
técnicas artesanais secretas todavia distintas da
BIBLIOGRAFIA ANTONIO BELMONTE, Juan, As Leis do alquimia, tenha concorrido para descobertas e
Céu: astronomia e civilizações antigas, Lisboa, 2003; BAU- transmutações bem sucedidas como aquelas ce-
DOUIN, Marcel, La Préhistoire par les Étoiles: un chronomètre
lebradas por grande número de medalhas, moe-
préhistorique, Paris, 1926; CRITCHLOW, Keith, Time stands
still: new light on Megalithic Science, Londres, 1979; DU- das e placas comemorativas, ou pelos inúmeros
MAYROU, Guy-René, Géographie sidérale, Paris, 1975; relatos probantes de testemunhas acima de
HAWKINS, Gerald S., Stonehenge decoded, Londres, 1966; qualquer suspeita como, por exemplo, Spinoza
HOSKINS, Michael, A possible solstice marker in Northern
Portugal, in Journal for the History of Astronomy, v. 21 (1997), ou S. Vicente de Paulo. Se, porém, a realização
p. 79-82; HOSKINS, M. / CALADO, Manuel, Orientations no decurso da Crisopeia de um certo número
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ARQUIMISTA
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ARQUITECTO
Elenco sucinto das referências documentadas, entre os séculos XII e os inícios do XV, a arquitectos activos em
Portugal, ressalvando a possibilidade de o termo pedreiro poder ter sido aplicado indistintamente tanto a sim-
ples operários que se dedicavam ao trabalho em pedreiras, quanto a pedreiros mais especializados, incluindo
mestres de obra
1117
Numa inscrição, gravada em silhar, comemorativa da obra da igreja paroquial de S. Martinho de Manhente
(Barcelos, Braga), lê-se a seguinte epígrafe revelando o nome do seu arquitecto: «MAGISTER / GUNDI-
SALVUS FECIT / IN ERA : M : C : 2 / V : XOSLECTO»;
1144
Em diploma oriundo do mosteiro de Grijó, Soeiro Petrarius, indubitavelmente um mestre pedreiro, com-
promete-se a não abandonar as obras do cenóbio, tendo direito à alimentação e a um morabitino por mês
(Le Cartulaire Baio-Ferrado du Monastère de Grijó (XIe-XIIIe Siècles, ed. Robert Durand, Paris-Lisboa,
1971, p. 78);
1162-1176
O Livro Preto (ed. A. de Vasconcelos, 1930, v. 1, p. 56), referente à acção do bispo D. Miguel de Salomão,
a quem é devida a edificação da Sé Velha de Coimbra, patenteia a forma como os mestres Bernardo e Ro-
berto se pagavam bem (aquele, aquele além da comida e da roupa, recebeu 124 morabitinos, durante os
dez anos que chefiou as obras), além de comerem à mesa do bispo.
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ARQUITECTO
1178
Num testamento feito em Guimarães, cita-se a dádiva de um pedreiro, durante um mês, para ajudar na edi-
ficação da ponte do Souto, sobre o Ave (Documentos de D. Sancho I (1174-1211), ed. Rui Pinto de Azevedo
et allii, Coimbra, 1979, p. 119);
1186
Os pedreiros que trabalham na obra da Sé de Coimbra testemunham diploma deste ano: «[…] et omnes
petrarii Sedis Sce Marie testis […]» (Livro Preto, doc. 8);
1209 (29 de Maio)
Em documento da Colegiada de Guimarães, Dom Sancho garante a sua protecção aos pedreiros da ponte
de Penamacor (Documentos de D. Sancho I (1174-1211), ed. Rui Pinto de Azevedo et allii, Coimbra,
1979, p. 152).
1258
Jacobus Petrarius e Garcia Petrarius são citados nas Inquirições realizadas neste ano (p. 458 e 736), em Lor-
delo (Porto) e em São Miguel do Castelo (Guimarães), respectivamente;
1279
Inscrição funerária de Mestre Domingos Anes, arquitecto da Sé de Silves, recenseada cerca de 1940, durante
os trabalhos de restauro do templo, cujo paradeiro actual se desconhece: «Era : Mª : CCCª : XVIIª : AQ
/ UI : IAZ : DOMINGOS / IOH[A]N[ni]S : MEESTRE : / QUE : FUNDOU : ES / TA : OBRA:»;
Séc. XIII (segunda metade)
Inscrição gravada em silhar da igreja de São Pedro de Rates (Póvoa de Varzim), revelando a identidade do
arquitecto do templo: «[…] / MAGI[ster] / PELAGIus [fe] / CIT HOC O[p] / US»;
1295-1305
Inscrição registando o nome do mestre arquitecto do Mosteiro de Odivelas: «ANTAM MarTINZ», gravada
em capitel da respectiva igreja;
1320
Inscrição gravada em imposta do Paço da Audiência de Dom Dinis, em Estremoz, da qual consta o nome
do arquitecto da obra: «ANTON ME ED[ificou]». Outra, insculpida em capitel de colunelo do salão no-
bre da Torre de Menagem do castelo de Estremoz, relativo ao mesmo mestre: «ANTON»;
1341
Na Chancelaria de D. Afonso IV (ed. A. H. de Oliveira Marques, v. 3, Lisboa, 1992, doc. 337) é mencionado
«Martim Dominguez pedreiro que faz mós»;
1363
Na Chancelaria de D. Pedro I (ed. A. H. de Oliveira Marques, Lisboa, 1984, doc. 859) são referidos os «pe-
dreiros que lavram na dita ponte [de Olivença]»;
1376
Numa inscrição gravada em lápide oriunda do castelo de Torres Novas (actualmente no Museu Municipal
da localidade), lê-se: «[…] DESTA : OB / RA : FOI : M[estr]e : ST[evão] : DO[mingu]IZ : P / EDREIRO
: Q[ue] : ESTO : FE / Z : E : LAVROU :»;
1378
Inscrição gravada em lápide, oriunda da igreja do Mosteiro de S. Domingos de Évora (actualmente no
Museu Regional de Évora), comemorativa da edificação de uma capela na dita igreja, pelo mestre Fran-
cisco Domingues: «: ESTA : CAPELA : MANDOU : FAZER : / : FERNAN : GONCALVIZ : DARCA
: / : SCUDEIRO : E COMECOUA : HE : / : ACABOUA : FRANCISCO : DominguIZ : / : MEES-
TRE : DOBRAS : DE : PEDR / ARIA : HE : FOI : ACABADA : ERA : / : DE : MIL : HE : CCCC :
E : XVI : ANOS»;
1382
Inscrição comemorativa das obras no claustro do mosteiro de Alpendurada, ordenadas pelo abade Dom
Afonso Martins e edificadas sob o traço de mestre João Garcia de Toledo: «[…] E FOI FEITA : PER : /
MAAO : DE : IOH[a]N GARC / IA : DE TOLEDO : MEST / RE : E : VEEDOR : DAS OB /RAS :
DELREY : DON FE / RNANDO : PATER NOS / TER / AVE MariA»;
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ARQUITECTO
1387 (6 de Maio)
Inscrição comemorativa do início das obras da igreja de Nossa Senhora da Oliveira (Guimarães), ordenadas
por Dom João I, de que foi mestre João Garcia de Toledo: «[…] DOM IOHAN […] MANDOU FAZER
E[sta] : / OB[r]A : DA QUAL FOY MEESTRE POR SEU MANDADO : IOHAN GARC[ia] : MES-
TRE : EN PEDR[aria : e :] FO / Y : ACABADA : [?] DIAS : DO MES : DE : [?] : ERA DE : MIL : e
: CCCCe[?] : ANOS:»;
1389-1397
Inscrição gravada em colunelo da capela lateral Norte da igreja do convento do Carmo (Lisboa), provável
assinatura do arquitecto do templo: «GOMEZ»;
Séc. XIV
Inscrição comemorativa da construção de casa particular de Bragança (Rua da Trindade, n. 42, antiga Rua
da Costa Grande), gravada em aduelas: (A) – «ERA / DE M / …XIII / …»; (B) – «GARCIA M[estre]»;
*Séc. XIV
Inscrição gravada em silhar na face exterior da parede Sul da nave da igreja da Misericórdia de Melgaço
(Viana do Castelo), provavelmente assinalando o nome do arquitecto da obra: «… LAVOR : MA… / DO-
MINGO D[ia]S» (isto é: «Foi deste lavor Mestre Domingo Dias»);
*Séc. XIV (meados)
Inscrição comemorativa da construção da Alfândega medieval do Porto (Casa do Infante), gravada em silhar
do cunhal Noroeste do edifício, registando o nome do seu arquitecto, mestre João Anes Melacho: «DE
SUA : OBRA / FOI : MEESTRE / IHOAm : EANES : M / ELACHO :»;
1403 (31 de Janeiro)
Inscrição comemorativa da conclusão (?) das obras da Torre do Relógio de Serpa: «E[ra] : DE : MIL :
CCCC : / XR : E HUm ANNOS XXXI / DIAS : DE IANEIRO : / AT D (?) VEDOR DESTA / OBRA
ROI MARVOM (?) / ESTEVAM : MESTRE»;
1404
Inscrição comemorativa da construção da igreja matriz da Sertã, gravada em lápide, revelando o nome do
arquitecto responsável João Anes Pereiro ou Pereira: «E[ra] : D[e] : MIL : CCCC : XL : II : / FOI : FEITA
: ESTA : I / G[r]EIA : A [h]ONRA : / DE SAM : PEDR[o] / E FEZEA : IOH / AN EANES : P[e]R /
EIRO : DE OUREm».
arquitecto, agente da criação do mundo. O pri- BIBLIOGRAFIA SILVA, Joaquim Possidónio Narciso da, O que
foi e é a architectura, e o que aprendem os architectos fora de Por-
meiro e único arquitecto lusitano de que há co-
tugal, Lisboa, Imprensa Silviana, 1833
nhecimento foi Caius Sevius Lupus, uma vez
que a identidade de Gaius Iulius Lacer, a quem
é creditada a ponte de Alcântara e o templo 2. Invocação mariana venerada no Longo da
anexo, permanece incerta. Quanto a Caius Lu- Vila (Mafra). Ainda se não chegou a consenso
pus, presume-se que tenha sido o construtor do quanto à origem desta devoção, também inti-
farol da Corunha, obra romana do séc. I d. C., tulada do *Socorro. Uma tradição popular
junto do qual consagrou uma inscrição a Marte atribui a construção da capela a um dos arqui-
[CIL II 2559 e 5639] onde se daclara architec- tectos do *convento de Mafra. Outra versão
tus aeminiensis (arquitecto de Aeminium = afirma que, em tempos remotos, um homem
Coimbra). Na nomenclatura da *maçonaria o do mar em perigo, em consequência de uma
termo reporta-se a Deus (*Grande Arquitecto tempestade, terá prometido a Nossa Senhora
do Universo), sendo, igualmente, sinónimo de do Socorro que, caso se salvasse, mandaria
*Hiram. *Gliptografia, *marca de canteiro, construir uma capelinha em sua honra de cujo
*marca corporativa, *marca lapidar, *pedreiro, campanário não se enxergasse chaminé a fume-
*sigla corporativa. gar (O Concelho de Mafra, 31 Jul. 1972). Uma
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ARQUITECTURA
variante, decerto mais recente, informa que o do Arquitecto]. A imagem da Senhora, em ma-
devoto teria prometido edificar dois templos, deira policromada, de cunho popular, que al-
um no ponto mais alto e outro no ponto mais guns pretendem representação da Senhora do
baixo do concelho, isto é, na Serra do Socorro *Ó, outrora na igreja da Carvoeira, não ostenta
(Enxara do Bispo) e no Arquitecto, respectiva- nenhuma das características iconográficas que
mente. Ora, como a actual configuração admi- permitam legitimar tal suposição. Primitiva-
nistrativa do Concelho de Mafra, abarcando o mente era festejada a 8 de Setembro. Paulo
extinto município da Enxara dos Cavaleiros, Freire escreve a propósito: «Neste sítio se fazem
data apenas de 1855, a lenda não pode ser an- magustos e piqueniques e há ali uma festa com
terior, perdendo verosimilhança. Ao certo, sa- arraial e fogo em Setembro, muita concorrên-
be-se que, no ano de 1759, existia «[...] uma fa- cia, namoricos, danças e descantes, e lá para o
zenda a que chamam o Arquitecto [já consig- fim da tarde grossa pancadaria entre grupos ri-
nada nas Memórias Paroquiais do ano anterior], vais» (Os Parochos de Mafra, Lisboa, 1925, p.
situada no termo de Mafra que compreende 22, nota 1). Em data que não foi possível de-
umas casas nobres, Ermida e cerca tudo místi- terminar, os festejos passaram a ter lugar no do-
co; e assim mais um serrado com seu pedaço de mingo e segunda-feira de *Pentecostes (50 dias
mata, a que chamam serrado novo, Casas a que após a *Páscoa e 10 após a *Ascensão). Em
chamam as que foram da Confraria, um pa- 1986 o templo foi sujeito a obras, que lhe reti-
lheiro e serrado do jogo [...]» [AHMM: Autos raram grande parte da sua traça original, e a ce-
de Contas da capela que instituiu o Coronel..., lebração passou a ter lugar no domingo de Pen-
1857, fl. 23r]. O proprietário era o Coronel tecostes e no sábado anterior, constando de
Manuel Nunes Silvestre, natural de Mafra e fa- missa, procissão solene em redor da igreja (no
lecido em Évora (1758), o qual, no seu testa- sentido inverso ao dos ponteiros do relógio),
mento, determinou a instituição de um víncu- concerto por uma banda, ranchos, foguetes e
lo na sua Quinta do Arquitecto, com a obriga- merendas. A comissão organizadora é consti-
ção de uma missa anual, de esmola de 240 réis, tuída, regra geral, por mordomos provenientes
em dia da Natividade de Nossa Senhora (8 Se- das povoações de Boco e Valverde e das aldeias
tembro). Seu sobrinho, o Doutor António Nu- de Gonçalvinhos e Casas Novas.
nes Silvestre, foi o primeiro administrador do
vínculo. Sucedeu-lhe outro sobrinho, Domin- ARQUITECTURA
gos Xavier Teles (Socorro) [AHMM: Autos cí- Do grego, arché + tékton, construção segundo o
veis de justificação, 1763], e um filho deste, Ma- princípio (arquétipo). Mostrou Dumèzil que a
nuel Nunes Silvestre (Socorro) [AHMM: Au- Soberania, a Força e a Fecundidade foram as for-
tuação de uma petição, 1822] que morreu sem ças configurantes da mundividência dos indo-
descendência. Um primo deste requereu, tendo europeus. De tais hipóstases manou todo o
visto satisfeita a sua pretensão em 1834, tornar- corpo de instituições desses povos, compe-
-se administrador do vínculo [AHMM: Autos tindo, no entanto, o entrosamento entre eles à
cíveis de justificação]. No ano de 1897, António arquitectura, tradicionalmente entendida co-
Miranda dos Cabeços assumiu a obrigação (A mo a arte de guiar ou conduzir as forças criati-
Folha de Mafra, 6 Jun. 1897), a qual findou em vas da natureza. O seu exercício constituía, en-
1921 com o termo do legado pio. O isola- tão, prerrogativa da Soberania, ou casta sacer-
mento da ermida propiciou alguns furtos do- dotal (posteriormente, dos collegia fabrorum =
cumentados no AHMM, como por exemplo, *corporações de ofícios), cabendo ao sacerdote-
aquele que teve lugar a 18 de Maio de 1887, arquitecto (*magister fabricae, i. e., o *mestre
praticado por dois estrangeiros [Autos crimes de da obra) fazer jus à sua vocação de demiurgo
corpo de delito acerca do arrombamento na porta (aquele que encarna o princípio organizador,
da Ermida de Nossa Senhora do Socorro no sítio não criador, do cosmos). Para os mestres cons-
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ARQUITECTURA
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ARQUITECTURA
tiva etimológica, *maçonaria (do francês, ma- Ruas das Cidades, Villas e Logares d’ este Reyno [...], ca. 1762-
1765 ([BPMP] ms.); EÇA, Matias Aires Ramos da Silva de,
çon = pedreiro) e arquitectura, são praticamen- Problema de Architectura Civil, a saber: Porque os edificios anti-
te sinónimos e, de facto, o objectivo simbólico gos teem mais duração, e resistem mais ao tremor de terra que os
da Ordem Maçónica é a construção do Tem- modernos?, Lisboa, Miguel Rodrigues, 1772 (2 vols.); MA-
CHADO, Cirilo Volkmar, Conversações sobre a Pintura, Es-
plo, ou simplesmente, a construção. *Arqui-
culptura e Architectura, escriptas e dedicadas aos professores e
tecto, *geomancia, *geometria, *icnografia, amadores das Bellas-Artes, Lisboa, 1794 a 1798 (seis números);
*manuelino, *medida, *número, *pedra funda- António José MOREIRA (?-1794?), Regras de Desenho para a
mental, *primeira pedra, *proporção, *quadra- Delineação das plantas, perfis e perspectivas pertencentes á Archi-
tectura militar e civil, para uso da Real Academia da Fortifica-
tura do círculo. ção, Artilheria e Desenho, Lisboa, 1793 [BN: BA 168 P; BA:
39-II-89]; NEGREIROS, José Manuel de Carvalho (1751-
FONTES PORTUGUESAS DA TEORIA DA ARQUITECTURA CIVIL 1815), Do Engenheiro Civil português respondendo aos quesitos
(ATÉ 1800) ARMAS, Duarte de, Livro de Fortalezas, 1509 (ed. que lhe propõem relativos á sua profissão [...] (ms.); idem, Pro-
João de Almeida, 1943); BARROS, João de, Esfera da Enstru- jecto do qual se pode extrahir um Regulamento para os Enge-
tura das Cousas (ms. perdido); HOLANDA, Francisco de, Da nheiros Civiz, 1798
Fábrica que Falece à Cidade de Lisboa, 1571 [BA: 51-III-9];
RODRIGUES, António (ca. 1520-1590), Tratado de Arqui- BIBLIOGRAFIA AAVV, A Introdução da Arte da Renascença na
tectura, 1576 e 1579 (dois ms.; [BN: cod. 3675 e BPMP: ms Península Ibérica, Actas do Simpósio Internacional Comemo-
95]); ARAÚJO, Pero de, Tratado de Architectura politica e mi- rativo do IV Centenário da Morte de João de Ruão, Coimbra,
litar (legado pelo autor a Rui de Melo Cardoso; tratava-se de 1981; AGUILAR, Francisco Maria Guedes Teixeira de, Alguns
um manuscrito ilustrado com desenhos à pena de modelos de apontamentos para o estudo da Vida e da Obra de Manuel de
arquitectura e problemas de geometria, perspectiva e traçados Azevedo Fortes (Dissertação de licenciatura em Ciências Histó-
de fortalezas; composto por seis livros: A. Discurso contra ocio- ricas e Filosóficas), Lisboa, 1951; ALARCÃO, Jorge / ÉTIEN-
sos, para dar ânimo aos que quiserem ser arquitectos e passar a vi- NE, Robert / GOLVIN, Jean-Claude / SCHREYECK, J. /
da beatamente; B. Prologo em louvor da arquitectura e da neces- MONTURET, R., Vitruve a Conimbriga, in Conimbriga, n.
sidade da arte de edificar; C. Como procede a geometria em seus 17 (1978), p. 5-14; ALBUQUERQUE, Luís de, Luís Serrão
princípios, dos princípios, nome, definição e divisão da geometria; Pimentel, in Dicionário de História de Portugal, v. 5, Lisboa,
D. Do modo de proceder nestes quatro livros de arquitectura po- 1970; ALMEIDA, D. Fernando de, Arte Visigótica em Portu-
litica e militar; E. Das medidas famosas e seus princípios, redução gal, in O Arqueólogo Português, nova série, IV (Lisboa, 1962),
de pés castelhanos a palmos e palmos em pés, por regra de três; F. p. 5-278; ASSUNÇÃO, Lino d’, Diccionário dos termos d’Ar-
Problemas de geometria, resolvidos segundo os princípios de Eu- chitectura, suas definições e noções históricas. Com um índice re-
clides, das cinco ordens de colunas, da perspectiva, da matemáti- missivo dos termos correspondentes em francez, Lisboa, s. d.;
ca, da fortificação, dos templos; BOCARRO, António (1594- BERGER, Francisco José Gentil, Lisboa e os Arquitectos de D.
1642?), O livro das plantas de todas as fortalezas, cidades e po- João V: Manuel da Costa Negreiros no estudo sistemático do bar-
voações do Estado da Índia Oriental (ed. Isabel Cid, Lisboa, roco joanino na região de Lisboa, Lisboa, 1994; BONIFÁCIO,
1992 [BN: BA 12344 V]); COUTO, Mateus do, Tratado de Horácio Manuel Pereira, Alguns documentos inéditos sobre o ar-
Architectura (ms. inc., apenas os liv. I a IV); ANDRÉ DA quitecto Manuel da Costa Negreiros, in Claro-Escuro, v. 1
CONCEIÇÃO, Frei, Tratado da Algebra, da Architectura, da (1988); CAETANO, Joaquim Oliveira / SOROMENHO,
Perspectiva, da Hidrostática (ms. ilustado com estampas à pe- Miguel (org.), A Ciência do Desenho: a ilustração na Colecção
na); TINOCO, João Nunes, Taboadas Geraes […], 1660; de Códices da Biblioteca Nacional, Lisboa, 2001; CAMPOS,
FORTES, Manuel de Azevedo (1660-1749), Tratado do modo Correia de, Arqueologia Árabe em Portugal, Lisboa, 1965;
mais facil e o mais exacto de fazer as cartas geograficas, assim da CHICÓ, Mário T., A «cidade ideal» do Renascimento e as cida-
terra como do mar, e tirar as plantas das praças, cidades e edificios des portuguesa da Índia, in Garcia de Horta, n. 18, p. 321-327;
com instrumentos e sem instrumentos, Lisboa Ocidental, Pas- CHICÓ, Mário Tavares, A Arquitectura Gótica em Portugal,
coal da Silva, 1722 (baseado principalmente nos escritos de Lisboa, 1954; COUTINHO, José de Moura, As Artes pré-ro-
Deschales e Ozanam); idem, O Engenheiro Portuguez dividido mânicas em Portugal – S. Frutuoso Montélios, Braga, 1978;
em dous Tratados, Lisboa, 1728-1729 (2 vols.) ([BA: 38-V-3 / CUNHA, Arlindo Ribeiro da, Restos de igrejas visigóticas, in
4]; inclui 33 ilust. desdobráveis); PEREIRA, Paulino José, Theologica, II,1 (Braga, 1954), p. 87-110; DESWARTE, Syl-
Tratado de Architectura, ca. 1732 (ms.); VASCONCELOS, vie, Francisco de Hollanda et les écoles Vitruviennes en Italie, in
Padre Inácio da Piedade (1676-1752), Artefactos symmetriacos A Introdução da Arte da Renascença na Península Ibérica,
e geometricos, advertidos e descobertos pela industriosa perfeição Coimbra, 1981, p. 227-280; DIAS, Pedro, Notas para o estudo
das artes esculturaria, architectonica, e da pintura, com certos do emprego das Ordens clássicas nos claustros quinhentistas de
fundamentos e regras infalliveis para a symetria dos corpos hu- Coimbra, in Arte Portuguesa: notas de investigação, Coimbra,
manos, Escultura, e Pintura dos Deoses fabulosos, e noticia de 1988, p. 153-183; idem, A Arquitectura Gótica em Portugal,
suas propriedades, para as cinco ordens de Architectura, e suas fi- Lisboa, 1994; FERREIRA, Carlos Antero, A Reforma setecen-
guras Geometricas, e para alguns novos, e curiosissimos artefactos tista da Universidade e o Ensino da Arquitectura em Portugal no
de grandes utilidades [...] repartidos em quatro livros, Lisboa século XVIII, Lisboa, 1991; GOMES, Luís Miguel Martins,
Ocidental, José António da Silva, 1733 ([BN: BA 549-51 V; Geometria no Traçado de Praças, Teoria versus Prática, no tempo
BPNM: 1-20-10-5]; inclui 22 ilustrações a talhe-doce); SEI- de Pombal, in A Praça na Cidade Portuguesa, Lisboa, 2001, p.
XAS, José Figueiredo, Tratado de arruação para Emenda das 199-223; GRAF, Gerhard N., Portugal Roman, Paris, 1987, 2
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ARRÁBIDA, SERRA DA
ARRABI
O mesmo que *rabi, líder religioso das co-
munidades judaicas. Nas estruturas adminis-
trativas do Reino cabía-lhe o papel de juiz
para as causas entre judeus ou entre judeus e
cristãos, quando os réus pertenciam à sua co- Rosto do folheto Relação abreviada, em que se mostra a
munidade. antiguidade da Senhora da Arrábida (Lisboa, 1791).
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ARRELIQUE
OBRA Apologia em que se defende huas sangrias de pos dadas em amanhecer; Arrebois de manhã, trazem água à
hua inflammação de olhos complicada com gonorrhea purulenta
de seis dias, Lisboa, António Arevaz [aliás, Alvarez], 1938
noite, arrebois à noite, sol de manhã. O poeta
[aliás, 1638] [BN: SA 9481 P]; Methodo de conhecer e curar o e actor Vasco de Lima Couto (1923-1980)
Morbo Gallico: Primeira parte: Propoem-se difinitivamente a publicou um livro justamente intitulado Ar-
essencia, species, causas, sinaes, prognosticos, e cura do morbo
rebol (1943).
gallico, e de todos seus affectos. E largamente se trata do azougue,
salsaparrilha, guayação, pao santo, raiz da China e de todos os
mais remedios desta enfermidade. Segunda parte: Disputaõ-se ARRELICA
largamente por questõens e argumentos em forma todas as
duvidas, que se podem mover sobre a essencia, especies, causas,
1. Corruptela de relíquia. Este termo, bem co-
sinaes e pronosticos da cura do morbo gallico, e as que pode haver mo *arrelique, ocorrem até em orações, contra
sobre o azougue [...], Lisboa, Lourenço de Anveres, 1642 ([BN: a trovoada, por exemplo, na Mexilhoeira Gran-
SA 9503 P]; Lisboa, António Rodrigues de Abreu, 1674 [BN:
de: «Toma estas arrelicas / Do mártir São Se-
Res 4295 P (à custa de Francisco de Sousa); SA 8533 V (à
custa de Manuel Manescal)]; Lisboa, António Craesbeeck de bastião / […]».
Melo, 1683 [BN: 2725 A]; Novae Philosophiae et Medicinae de
Qualitatibus occultis a nemine unquam exculta pars prima 2. Também *arrelique, *cambolhada e *dixe.
Philosophicis, et Medicis pernecessaria Theologis vero aprime
Conjunto de diversos dos seguintes amuletos:
utilis. Accedit inaudita Philosophia de Arbore Vitae Paradisi
qualitatibus; de viribus Musicae, de Tarantula, ac qualitatibus cinco bagos de *trigo, pedra de *ara, cinco ba-
electricis et magneticis, Lisboa, Manuel Gomes de Carvalho, guinhos de incenso de igreja, cinco folhinha de
1650 (discorre sobre o alimento oculto da vida – occultus vitae *alecrim, *aipo ou *tomilho, conta de *azevi-
cibus – e o problema da imortalidade física; aponta algumas
qualidades ocultas – sensis nostris occulta – dos medicamentos che, *dinheiro de cruz, *sal virgem, pontas de
e de determinados alimentos; a 2ª parte desta obra, que Van- vassoura de *giesta, *arruda). A bolsinha de te-
der-Linden alega composta e pronta para a impressão, não cido vermelho onde são introduzidos é coloca-
chegou a ser estampada [BN: SA 9500 P]); Arbor vitae, or a
Physical account of the Tree of Life in the Garden of Eden. [...]. da debaixo da toalha de *altar, para ser benzida
A piece useful for divines as well as physicians (trad. Richard sem o padre saber, sendo usada por crianças e
Browne), Londres, Tho. Flesher at the Angel and Crown in adultos (nos punhos, na braçadeira, à cinta, no
St. Pauls Church-Yard, 1683 (trad. inglesa da Novae Philoso-
phiae et Medicinae de Qualitatibus occultis; [BN: Res 5681 P]);
colete, ao pescoço) como profiláctico contra
Tratado dos Óleos de Enxofre, Vitríolo, Philosophorum, Alecrim, bruxedos (*mal contrafeito). Por vezes, presta-
Salva, e da água ardente por mandado del Rei nosso Senhor D. -se a confusão com a *nómina, certamente
João o quarto Dedicado ao mesmo Senhor. Composto pelo Doutor
[...], médico de sua Câmara, 1648 [BGUC] (ed. Yvette Kace
mercê da circunstância de, nas bolsinhas,
Centeno, Lisboa, Edições Salamandra, 1993 [BN: SA 81843 juntamente com os amuletos, andarem re-
V]); Cap. da mudança que fazem os climas nos corpos dos cava- líquias (ossos de santos, etc.). No Minho, as
llos e dos signos que nelles dominam ou nas suas p[ar]tes, 16[??]
viúvas trazem arrelicas no corpete ou no inte-
(ms.; [BN: ms. 256, n. 70]; Hipiátrica notícia, 16[??] (ms. in-
completo: apenas o tratado 1º, os dos primeiros e o início do rior da roupa para se protegerem das almas dos
terceiro capítulos do tratado 2º, de um total de seis tratados cônjuges defuntos que poderiam desejar levá-
sobre anatomia do cavalo [BN: cod. 12974] -las consigo para o outro mundo.
BIBLIOGRAFIA HENRIQUES, Francisco da Fonseca (1665-
1731), Madeyra Illustrado. Methodo de conhecer e curar o morbo ARRELIQUE
[...], Lisboa, António Pedrozo Galrão, 1715 (apenas a 1ª parte O mesmo que *arrelica. Em São Jorge (Aço-
do Methodo de conhecer e curar o morbo gallico de Madeira
Arrais; a substância da doutrina original, é substancialmente res), consiste num «pedaço de fita com legen-
transtornada no tocante à administração e uso do mercúrio). da de seda que se prega nas lapelas e no peito
dos vestidos por ocasião das festas religiosas».
ARREBATAMENTO Na Terceira é sinónimo de «relíquia devota».
*Maria Dias. Nome que dão no Cadaval a um conjunto de
amuletos (*verónica, *meia-lua, *moeda fura-
ARREBOL da, *figa, *signo saimão, *cornicho, conta ver-
Cor de fogo, característica da aurora, ou do melha, conta de *azeviche, etc.), enfiados
ocaso, quando o sol se reflecte nas nuvens. Lo- num fio, excelente profiláctico contra as bru-
cuções: Arrebois ao anoitecer, água ou vento ao xas e a *erisipela.
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ARRELÍQUIA
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ARROZ
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ARRUDA
buída origem divina. Extrapolada para o Oci- das(os). Muito usada na composição de amule-
dente tal semântica, consubstancia o acto de tos contra o *mau olhado e a inveja: um galhi-
lançar arroz sobre os recém-casados ou de o nho nos bolsos dos homens e no cós das saias
manducar sob a forma de arroz doce. Em so- (ou no seio) das mulheres. Em chá é preconiza-
nhos tem o mesmo significado. Os mindéricos da para impedir os sortilégios do *diabo e sob
chamam-lhe veneso, porquanto antes de se co- a forma de *defumadouro contra as bruxas. Se-
nhecer o Carolino e o de Bruma, quase todo o gundo Frei João Pacheco «o seu fumo preserva
arroz chegava à Europa via Veneza. Os jantares do quebranto e o cura; e por isso com ele se de-
dos foliões beirões do *Espírito Santo tinham vem perfumar os berços das crianças e casas.
pratos obrigados: sopas, arroz, ensopado, prato Pendurados nas portas os ramos defendem da
desconhecido (conduzido para a mesa tapado) peste e feitiços» (I, p. 287). Frei Manuel de
e arroz doce. À chegada do arroz e do arroz do- Azevedo, na Correcção de Abusos (II, p. 40) du-
ce os foliões entoavam de pé algumas quadras vida que possua qualquer valor profiláctico. As
recolhidas por Jaime Lopes Dias, Etnografia da figas da Guiné eram preferencialmente fabrica-
Beira, v. 1, p. 77-78). Nos Açores também é co- das com esta planta. Cancioneiro: «Deste-me
mum o arroz doce ser servido com decoração arruda a beber, / Fizeste de mim Diabo ! / Oxa-
geométrica de canela. Locuções: Arroz com cou- lá que o fosse, / Que te trazia atentado. / Dizem
ve, comer de beata; Cresce com’ò arroz (Elvas). que a arruda amarga, / Quem vo-la deu a beber
? / Os segredos do meu peito, / Quem vo-los
ARRUDA deu a saber?» (Baião). Locuções: Velha como ar-
Ruta graveolens, L. Planta citada por Jesus ruda; Conhecida como arruda.
(Lucas, XII, 42). Originária do Sul da Europa,
antigamente, era cultivada nos hortos como ARS GENERALIS
aromatizante e planta medicinal. Contém um *Arte da memória, *Raimundo Lúlio.
óleo essencial venenoso (Oleum rutae), rutina,
antissépticos vegetais, princípios amargos e ta-
ninos. Em doses elevadas, pode, no entanto,
ser perigosa, principalmente durante a gravi-
dez, já que é emenagoga e abortiva. Uso inter-
no: é a rutina que tem interesse medicinal, pois
baixa a tensão, fortalece os capilares e diminui
a sua permeabilidade. Os alcalóides são espas-
molíticos, calmantes e reguladores da activida-
de cardíaca, reduzem as dores de cabeça, esti-
mulam a digestão e a secreção biliar e eliminam
os parasitas intestinais. Uso externo: lavagens O moribundo atormentado pelas cinco tentações, num
oculares, cataplasmas sobre feridas e úlceras, retábulo azulejar do convento do Varatojo (Torres Vedras),
gargarejos ou banhos. Região de Mafra: na me- inspirado na Ars moriendi.
dicina caseira, as suas bagas em forma de meia-
lua eram utilizadas para defumar as primeiras ARS MORIENDI
roupas vestidas aos recém-nascidos, bem como Literalmente: arte de morrer. Título de duas
para defumar os próprios bébés quando apa- obras muito populares, redigidas em 1415 e
nhavam o *Mal de Lua; arruda era prescrita pe- 1450, consignando conselhos e procedimentos
las curandeiras sob a forma de emplastros, para a cumprir pelos cristãos para assegurar uma
eliminar influências malignas, geralmente pro- *boa morte. O argumento dessas obras, cuja
vocadas por *mal de inveja da parte de namo- primeira edição saiu impressa em 1480, centra-
radas(os) ou vizinhas(os) mal intenciona- se no diálogo entre demónios e anjos, em torno
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ARTE DA MEMÓRIA
ARTE MÁGICA
As Constituições sinodais do Bispado do Porto,
1687 (liv. V, tit. III, const. I) ordenam e man-
dam «que toda a pessoa que fizer alguma coisa
de que se conclua proceder de arte mágica, co-
A retórica clássica concebe o orador como construtor de um
mo é formar aparências fantásticas, transmuta-
espaço mental próprio, no qual armazena, por ordem e
ções de corpos, vozes, as quais se ouçam, sem se consoante uma determinada disposição, uma série de
ver quem fala e outras coisas que excedem a efi- figuras que contêm as palavras, os conceitos, bem como a
cácia das coisas naturais, incorrerá em pena de estrutura do discurso.
excomunhão maior, ipso facto, a nós reservada, e
sendo peão, em que caiba pena vil, será posto à reconhecê-los. Solicitado a colaborar no pro-
porta da Sé em penitência pública com uma ca- cesso de identificação, Simónides reconstituiu
rocha na cabeça e vela na mão, em um Domin- o cenário até ao momento do acidente, assina-
go ou dia Santo de guarda no tempo da Missa lando o lugar preciso ocupado à mesa por cada
conventual e será degredado para o lugar que convidado e demonstrando a excelência do seu
nos parecer, e caindo Segunda vez, fará a mes- método, que advogava ser mais fácil recordar
ma penitência pública e será degredado para ga- objectos, situações e eventos quando é possível
lés pelo tempo que parecer, conforme a qualida- reportá-los a lugares conhecidos. O método
de da culpa e mais circunstâncias que concorre- proposto por Simónides grangeou legião de
rem [...]» (cf. ed. Coimbra, 1735, p. 449-450). adeptos e continuadores, alguns dos quais lhe
Na Biblioteca da Ajuda guarda-se um manus- introduziram alterações e aperfeiçoamentos. O
crito intitulado Arte mágica [49-III-20 (51)]. sofista Hipias parece encabeçar a lista, que re-
gista o nome de Metrodoro da Ásia, amigo de
ARTE DA MEMÓRIA Epicuro, como introdutor de 360 lugares ins-
Arte apadrinhada por Mnemosis, mãe das nove pirados nos 12 signos do zodíaco, em substitui-
Musas, também conhecida por Memória de fer- ção das imagens dos edifícios e compartimen-
ro, Arte da Memória e Memória artificial (por tos de Simónides. Em Roma, onde a retórica
oposição à memória congénita ou natural, cujo (constituída por cinco partes: inventio, disposi-
adestramento visava). Terá sido Simónides de tio, elocutio, memoria e pronuntiatio) gozou de
Ceos (556-468 a. C.) o primeiro a formulá-la enorme prestígio, Cícero (De oratore [BPNM:
sob a forma de um sistema de tópicos. Todavia, R-19-2-2]), o anónimo autor da principal fon-
tal sistema só se tornaria relevante graças a um te tradicional da mnemotecnia, intitulada Ad
trágico acidente ocorrido durante um banque- C. Herennium [BPNM: 2-20-7-8 e 2-20-7-
te para o qual fora convidado por Escopas, rei 10], e Quintiliano (Institutio oratoria [BPNM:
da Tessália. Simónides participava na festa 1-13-7-6; 2-20-8-1 e 2, etc.]) deram-lhe enor-
quando um mensageiro chegou com um reca- me impulso, sendo ulteriormente considerados
do para si, o que o fez sair da sala para o rece- os decanos da Arte da Memória. Na prática, a
ber. Pouco depois o tecto desta caía sobre o an- técnica mnemónica que propuseram associa
fitrião e os convivas, ficando os cadáveres de tal dois métodos, o dos lugares e o das imagens ou
modo desfigurados que se tornou impossível pinturas (Constat igitur artificiosa memoria ex
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ARTE DA MEMÓRIA
«[...] deveis figurar na vossa mente a imagem de um edifício de três corpos divididos cada um deles em
aposentos, e cada compartimento há-de estar designado por uma letra, uma palavra ou o nome de um ani-
mal que sirva de ponto de referência para pensar no respectivo compartimento. Em cada compartimento
imaginemos cinquenta lugares numerados, distribuídos como segue: Nove números ocuparão cada uma
das quatro paredes e o pavimento, ou seja um total de 45. O número 50 colocar-se-á no centro do tecto.
Na parede fronteira à porta de entrada estarão os números de 1 a 9; na parede direita, os de 11 a 19; na
da esquerda, de 21 a 29; na outra, de 31 a 39; e no pavimento de 41 a 49. Os números 10, 20, 30 e 40
colocar-se-ão no tecto, precisamente em cima das respectivas paredes dos números dez, vinte, trinta e qua-
renta. Se for preciso aumenta-se o número de compartimentos mobilando-os imaginativamente a tal ponto
que, como têm feito alguns dos meus discípulos, podeis figurar mentalmente bairros inteiros de edifícios
imaginários com os seus diversos aposentos. Uma vez que tenhais construído este arquivo mnemotécnico
podereis utilizá-lo para visionar milhares de objectos, vocábulos ou ideias que queirais recordar, para o que
bastará imaginá-los situados em um dos números do aposento, como o lugar que ocupa um comensal a
uma mesa ou um colegial no dormitório. Quando chegardes a estar senhores deste sistema sereis capazes
de recordar milhares de nomes de coisas sem relação entre si, pois esta incongruência é suprida pela asso-
ciação do objecto com o lugar que ocupa no compartimento imaginário».
locis et imaginibus). O primeiro consiste em (De Memoria Libellus), Lodovico Dolci (Dialo-
instituir uma topologia concreta, destinada a go di Memoria), Cosme Ronello (Thesaurus Ar-
armazenar argumentos, sentenças, hieróglifos, tificiosae Memoriae), etc. Seria simplesmente
emblemas, etc., ao passo que o segundo propõe fastidioso prosseguir na enumeração dos pro-
a eleição de um elenco de imagens (res picta) a pagandistas da Arte da Memória até à actuali-
cada uma das quais possa ser associada uma dade, ainda que apenas reportando-me aos
ideia ou palavra. Até ao séc. XIII, salvo uma mais notáveis. Reservo, portanto, o destaque
breve referência de Martianus Capella (410- para os portugueses, de entre os quais saliento,
-439), no De nuptis Philologiae et Mercurii, na- meramente a título exemplificativo, os nomes
da consta sobre a utilização de regras mnemó- de: um tal *Adrião, Mestre da «Arte de Rey-
nicas. Nessa centúria, Rogério Bacon (1214- monde», Frei Isidoro de Ourém, Álvaro Fran-
-1294) redige a Arte memorativa e Raimundo cisco de Vera, Frei Francisco de Santo Agosti-
Lúlio (1235-1346) a sua Ars Generalis [BPNM: nho Macedo, Padre Cristóvão Bruno, Frei Ma-
2-19-4-5 e 6]. Cerca dos finais de quatrocen- nuel do Cenáculo Vilas Boas, António Pereira
tos, Pedro de Ravena causa sensação em Itália Ferrea Aragão, J. F. e A. M. de Castilho, Antó-
com as suas proezas mnemónicas tidas por ni- nio Feliciano de Castilho e Martins Oliveira.
gromânticas por alguns. A Phoenix Artis Memo- Antes da voragem que atingiu as livrarias das
riae (Veneza, 1491) deste mnemotécnico teve Ordens religiosas portuguesas, no rescaldo da
diversas edições num período de poucos anos, sua extinção, em Portugal (1834), a generalida-
merecendo ainda destaque a Oratoriae artis epi- de, senão mesmo a totalidade delas achava-se
tome (Veneza, 1482) de J. Publicius, a Epitoma organizada segundo um modelo mnemotécni-
in Utramque Ciceronis Rhetoricam cum Arte co, conforme se deduz dos catálogos manuscri-
Memorativa Nova (1492) de Conrado Celtes tos que lograram salvar-se. A BPNM, em virtu-
ou o Congestorium Artificiose Memorie (1520) de de ser uma biblioteca, concomitantemente,
de Juan Romberch, não esquecendo, todavia, real e conventual, manteve-se incólume, tor-
Pedro Ciruelo (De Arte Memorandi), Frei Bar- nando-se o testemunho exclusivo de tal sistema
tolomeo de S. Concórdio (Trattato della Memo- no âmbito nacional.
ria artificiale), Guillermo Grataroli Bergomatis Partindo do pressuposto indiscutível que o or-
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ARTE NOTÓRIA
ganizador da BPNMafra, Frei João de Santa de Coimbra (Catálogo de D. José da Ave Maria, n. 95); ARA-
GÃO, António Pereira Ferrea, Diccionario Mnemothecnico, e
Ana, dominava as regras da Arte da Memória, hum breve resumo das regras mais importantes da arte de ajudar
mesmo assim não creio ser possível saber-se a memória, Lisboa, 1850; idem, Arte Latina Mnemothecnica
com rigor se o sistema de Simónides lhe era fa- para aprender a declinar e conjugar rapidamente, e a traduzir
com facilidade, Lisboa, 1852; BRUNO, Cristóvão, Arte da
miliar, nem tão pouco quais os mnemotécnicos
Memória [BGUC: ms. 44; BPÉv: ms. CXVI / 1-17]; CASTI-
que terá elegido. As fontes disponíveis na LHO, António Feliciano de, Tratado de Mnemónica ou Me-
BPNM constituem uma substancial colecção thodo facilimo para decorar muito em pouco tempo, Lisboa,
dos melhores autores sobre a matéria em apre- 1851 e 1909-1910 (3 vols.); CASTILHO, M. de, Recueil de
Souvenirs du Cours de Mnémotechnie, Saint-Malo, 1831; CAS-
ço, mas não está, igualmente posta de parte a TILHO, J. F. de, Traité de Mnémotechnie ou Exposition des
possibilidade de ter sido compulsada bibliogra- principes de cet Art et de ses principales applications, Paris, 1832;
fia inexistente no acervo mafrense ou, quiçá, CASTILHO, A. M. de / J. F. de CASTILHO, Dictionnaire
Mnémonique, Lyon, 1834 (5ª ed.) ; ISIDORO DE OU-
havido colaboração de mnemotécnicos religio- RÉM, Frei, Ars demonstrativa et inventiva Raymundi Lulii (cf.
sos ou leigos activos em Portugal na época. Barbosa Machado, Bib. Lusitana, v. 2, p. 843-844); [MON-
Ocorre-me como possível inspirador do biblio- GE BERNARDO ANÓNIMO], Compendium Artis demons-
trativae ([BN: cod. alc. 203], de meados do séc. XV); OLI-
tecário arrábido o nome do bispo de Évora, VEIRA, Martins, Magia Teatral, Porto, 1948 (2 vols.); VERA,
Frei Manuel do Cenáculo Vilas Boas, cuja acti- Álvaro Ferreira de, Memória Artificial, ou modo para adquirir
vidade como organizador das bibliotecas do memória por arte (in Orthographia ou modo para escrever certo
na lingua portugueza. Com um tratado de memoria artificial,
Convento de Jesus e dos Paulistas, segundo câ- outro da muita similhança que tem a língua portuguesa com a
nones idênticos, lhe não era decerto estranha, latina, Lisboa, 1631, fl. 57-76)
tal como as suas preocupações relativamente ao
BIBLIOGRAFIA CAEIRO, Francisco José da Gama, Revives-
sistema da ciência (como diria Fichte) concebi- cências setecentistas do Lulismo em Portugal, in Actas do I Con-
do por *Raimundo Lúlio (1232-1316). Que a gresso Nacional de Filosofia, Braga, 1955, p. 607-612; idem,
Arte luliana tinha cultores também em Mafra é Frei Manuel do Cenáculo: aspectos da sua actuação filosófica,
Lisboa, 1959; GANDRA, Manuel J. A Biblioteca do Palácio
um dado adquirido, rastreável nas Conclusões Nacional de Mafra, Mafra, 2003; MARTINS, Abílio, A filo-
de Filosofia dos Reais Estudos de Mafra. Resta sofia de Raimundo Lulo na literatura medieval portuguesa, in
extrair as ilações adequadas dessa circunstância. Brotéria, v. 34, n. 5 (Maio 1942), p. 473-482; RIBEIRO,
Padre Ilídio de Sousa, Fr. Francisco de Santo Agostinho de
Antes, porém, é conveniente sublinhar que a
Macedo: um filósofo escotista português e um paladino da Res-
Arte luliana é algo mais que um mero artifício tauração, Coimbra, 1952
dialéctico, ultrapassando em muito qualquer
estrita metodologia do pensamento. Trata-se, ARTE NOTÓRIA
na verdade, de um conjunto de estruturas sisté- São Tomás de Aquino apesar de não considerar
micas e escalonadas dirigido para o conheci- a arte notória ilícita em si mesma, integra-a no
mento, encurtando o percurso e facilitando o grupo das práticas supersticiosas (Suma Teoló-
exercício intelectual. Suposta uma recta inten- gica, II-IIae, quest. 96), as quais, segundo o
ção, a Arte luliana exige aprendizagem e treino Doutor Angélico, podem revestir quatro formas
simultâneos, com o intuito de atribuir a cada distintas: A. as que visam a aquisição da ciência
conceito o lugar e a figura que lhe convêm. Pa- universal, por intermédio de arte notória (ciên-
ra alcançar esse desiderato o praticante dispõe cia infusa obtida mediante a visualização de fi-
de uma tábua de 84 combinações ternárias, ca- guras ou pronúncia de palavras misteriosas); B.
da uma delas cabeça de 20 câmaras, num total as que têm por finalidade a conservação da saú-
de 1680 câmaras (84 x 20), curiosamente, ape- de e protecção do corpo (magia, talismãs, amu-
nas mais quatro que o número total de casas letos, medicinas não baseadas em causas natu-
(536 + 1140 = 1676) da *Biblioteca do Palácio rais, etc.); C. aquelas cujo objecto é a previsão
Nacional de Mafra! da boa ou má sorte (adivinhação, augúrios,
etc.); D. as que fazem uso de objectos contendo
FONTES PORTUGUESAS DA ARTE DA MEMÓRIA: ANÓNIMO,
Compendium Artis demonstrativae [BPPorto: ms. 1150 (cota palavras sagradas, nomes de anjos, etc. (nómi-
14-4-2)], cod. do séc. XV, oriundo da livraria de Santa Cruz nas, anéis, etc.). Nas Constituições do Arcebispa-
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ARTE RUPESTRE
do de Braga, 1639 (XLIX, 1) é estipulado o se- picotagem) e utilizando como suporte a super-
guinte: «E sob a mesma pena de excomunhão, fície de rochas ao ar livre, paredes de grutas e
proibimos que pessoa alguma, de qualquer qua- abrigos, mas igualmente monumentos megalí-
lidade ou estado que seja, use de arte notória, ticos (antas e menires). As primeiras referências
querendo por observâncias vãs e supersticiosas conhecidas a rochas decoradas em Portugal
cerimónias, ainda que seja por meio de orações, remontam ao séc. XVIII, sendo devidas ao
jejuns e outras obras pias e santas feitas a Deus Padre José António Carvalho da Costa, o qual
nosso Senhor, com certas palavras ou sinais es- assinala a existência de um arqueosítio junto ao
quisitos e não usados, alcançar ao certo e com Douro na sua Corografia Portuguesa (1712, p.
ciência particular, o conhecimento das coisas 436). No ano de 1721, o Padre João Pinto de
que estão por vir ou saber de algum defunto, se Morais e António de Sousa Pinto descreveriam
está no Céu, se no Inferno, ou falar com ele – a o mesmo local, conhecido pela designação de
que chamam tirar--lhe a alma –, ou para se li- Letras [BN: ms.]. Anos volvidos, Jerónimo
vrarem de algum infortúnio, ou para não Contador de Argote publica nas suas Memórias
poderem ser feridos em briga alguma, ou para para a História Eclesiástica de Braga Primaz das
alcançarem saúde os que estão enfermos [...]». Hespanhas (1734, p. 151), nova notícia, agora
nomeando o local como *Cachão da Rapa e
ARTE RUPESTRE reproduzindo em estampa aberta por Debrie os
Petróglifo, pictograma, geóglifo. Portugal é o motivos ali patentes. Além deste, refere ainda
país europeu com maior densidade relativa de um monumento megalítico decorado de Espo-
testemunhos de arte rupestre pré e proto-histó- sende, descoberto em 1684, cujos esteios se
rica, abrangendo todas as épocas, desde o Pa- achavam «[…] debuxados com vários caracte-
leolítico Superior aos inícios da romanização, res e figuras […]». O primeiro inventário glo-
ocorrendo quer sob a forma de pintura, quer bal da arte rupestre em Portugal (registando
de gravura, com distintas técnicas (abrasão e 109 sítios) foi publicado por J. R. dos Santos
Abrasão
Técnica destinada a obter insculturas filiformes, por meio de fricção persistente ou da incisão de qualquer
instrumento rijo terminado em gume ou ponta. Só possível em rochas brandas e de superfícies lisas, nomea-
damente xistos grauváquicos. Relativamente pouco representadas em estações rupestres peninsulares, as gra-
vações deste ciclo são radicalmente distintas das obtidas por outros processos, tendo gerado fórmulas ico-
nográficas próprias. Às insculturas (traços lineares contínuos) assim originadas chamou J. R. dos Santos Jú-
nior litotrípticas (do grego, lithos, pedra + tripsis, fricção), atribuindo-lhes uma cronologia Neolítica (Pedra
Letreira e Pedra Escrita de Ridevides) e Neo-eneolítica (Molelinhos). Já António Martinho Baptista prefere
a designação de filiformes, datando tais gravuras do Bronze médio e, no que concerne às do Vale da Casa
(Côa), no seu entender tardias, do início da II Idade do Ferro, em virtude da grande quantidade de armas
gravadas, quer em modelos líticos (Pedra Letreira), quer em armas do Bronze Final (Molelinhos), quer em
modelos típicos da Idade do Ferro (Vale da Casa). No âmbito nacional, os litótribos ou filiformes mais no-
táveis recenseados são: a Pedra Letreira (Amieiros, Góis, Coimbra), as Pedras Escritas de *Ridevides 1 e 2
(Eucisia, Alfandega da Fé, Bragança), a Pedra Escrita da *Tapada do Cordeiro (Alfandega da Fé, Bragança),
a Pedra Escrita do *Poço da Moura (Assares, Vila Flor, Bragança), a Pena Escrita ou Fraga dos Fusos (*Sortes,
Bragança), Vale da Casa (Vila Nova de Foz Côa), a Pedra da Carvalheira, também denominada *Molelinhos
(Molelos, Tondela) e a estação de Fechadura (Figueiredo, Sertã, Castelo Branco). E. Anati integrou esta es-
tação no «ciclo galaico-português», classificando-a como a rocha «mais tardia e mais a Sul atribuível ao gru-
po dos ídolos e dos punhais» (Idade do Bronze média e tardia).
Picotagem
Técnica de gravação de insculturas, frequentemente associada (Côa) à abrasão.
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ARTE RUPESTRE
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ARTE RUPESTRE
Insculturas do núcleo rupestre da Faia (Vale do Côa) Monólito insculturado de Monte Eiró (Marco de
Canaveses)
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ARTE RUPESTRE
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ARTUR
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ARUJO
Teófilo Braga (A Pátria Portuguesa, 1894, p. vítimas, analisando o comportamento dos ani-
150) e António Sardinha. Sílvio Romero dis- mais (sobretudo cornúpetos) antes do sacrifí-
corda frontalmente, pois radica o «a doença do cio, a sua agonia e as suas entranhas, a chama
sebastianismo» numa matriz semita. *Avalon. em que ardiam (bom augúrio se clara, silencio-
sa e piramidal), bem como a água, o incenso, o
BIBLIOGRAFIA A propósito do Rei Artur de Inglaterra e do Rei D.
Sebastião de Portugal, in Recreação Periódica (ed. Aquilino
vinho e a farinha utilizados nas cerimónias.
Ribeiro), Lisboa, p. 33-38
ARVELA
ARUJO O mesmo que *alvéola e *arvéloa. Também de-
Pequena lasca de madeira, bichinho ou qual- nominada *lavandeira. Se voarem em linha rec-
quer *argueiro que entra para os olhos (Póvoa ta é prenúncio de boa sorte. Na ilha Terceira
de Varzim). O mesmo que *trampo. (Açores) constitui-se como sinal de próxima
desgraça quando entra ou tenta entrar numa
ARUJEIRO casa. Diz-se ainda que, quando voa em cruz, se
*Argueiro. estiver um cadáver em casa isso é mau agouro
para a *alma do defunto (cf. Revista Lusitana, v.
ARUS 30, p. 285). A superstição foi aproveitada por
Teónimo que ocorre numa epígrafe (CIL II Vitorino Nemésio no conto Mau Agoiro do Pa-
5247; RL II, p. 314-315) encontrada na ponte ço de Milhafre.
sobre o rio Paiva (Castro Daire, Viseu), actual-
mente no Museu do Carmo: «Votu[m] Aro / ARVÉOLA
l[ibens] a[nimo] s[olvit]» (Voto cumprido de *Alvéola e *arvela.
bom grado a Aro [...]). Na mesma ara observa-
-se um *javali gravado em alto relevo, associado ÁRVORE
a um guerreiro de pé, com lança. Uma vez que A árvore é indício da presença de *água e, logo,
o javali, além de símbolo sacerdotal, é um dos de vida (Genesis, I, 11-12), sintetizando as for-
animais do deus *Lug, a presente circunstância ças telúricas ou vegetativas que se elevam do so-
pode indicar a subordinação da classe guerreira lo (*árvore de Maio, *árvore da Vida, *eixo do
à sacerdotal. Há quem considere Arus um an- mundo). A sua sombra serve de refúgio e de re-
tropónimo (cf. Maria Manuel Alves Dias, in frigério (na *Bíblia, a expressão «árvore frondo-
comunicação que apresentou ao Colóquio In- sa» é sinónimo de local interdito pela lei mosai-
ternacional sobre as Religiões da Península Ibé- ca; cf. Deuteronómio, XII, 2). Os seus frutos ali-
rica, Salamanca-Cáceres, 1986). João L. Inês mentam e podem intoxicar, ou fazer o homem
Vaz diz o topónimo Castro Daire (Castrum dei crer que é Deus (*árvore do Paraíso, *banana,
Ari) originado neste teónimo. *maçã). As árvores de folha caduca são símbolo
BIBLIOGRAFIA BLAZQUEZ MARTINEZ, Jose Maria, de morte e de ressurreição (*videira), enquanto
Religiones Primitivas de Hispania – I. Fuentes Literarias y que as de folha perene (*cipreste) remetem para
epigraficas, Madrid, 1962, p. 115; FIGUEIREDO, A. C. a vida eterna. A explosão primaveril da folha-
Borges de, Ara descoberta em Castro Daire, in Rev. Archeologica
e Historica, v. 1 (1887), p. 52-57; UNTERMANN, J., Los gem é descrita como o reflexo da actividade
teonimos de la region lusitano-galega, in Actas del III Colóquio discreta mas fecunda de Deus (*figueira). Já a
sobre las lenguas y culturas paleohispanicas, p. 345; VAZ, João esterilidade das árvores, tal como a dos ani-
L. Inês, A pervivência da teonímia indígena na toponimia
actual da região de Viseu, in Actas do I Colóquio Arqueológico de
mais, é explicada por maldições. Árvores são,
Viseu, p. 326-327 amiúde, hospedeiras de entidades sobrenatu-
rais, supedâneos de hierofanias marianas ou re-
ARÚSPICE sidência, abrigo e esconderijo de imagens de
Adivinho. Sacerdote romano cuja função cons- santos. Certas árvores são receptáculos de ma-
istia em interpretar o aspecto das vísceras das leitas que os seres humanos transferem para
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ÁRVORE DE JESSÉ
ÁRVORE DA CABALA
Frontal de altar: Epifania de Nossa Senhora da *Cabala, *Cabala cristã.
Oliveira, em Sobral da Abelheira (Mafra).
ÁRVORE DE JESSÉ
elas, na expectativa de se tornarem beneficiá- O tema, inspirado em Isaías, II, 1 («E brotará
rios das suas propriedades terapêuticas (*Santo uma vara da raiz de Judá e da sua raiz abrirá
Aleixo). Nas árvores sagradas ninguém toca, se- uma flor»), e omnipresente na literatura medie-
não em dia designado e com consentimento, val (Introdução aos Milagres de Nuestra Señora
pois, de contrário, o sacrílego profanador será de Gonzalo de Berceo; Cantigas 20 e 31 de
atacado de *sezões. O culto das árvores (*den- Afonso X; Livro de José de Arimateia; Horas de
drolatria, *fitolatria) teve enorme difusão na Nossa Senhora segundo o Costume Romaão, Pa-
Hispânia pré-histórica e proto-histórica e, de- ris, 1500, fl. 11v; Breviário de D. Leonor, fl.
signadamente sob o baixo Império. O *carva- 382v, etc.) foi abandonado pela arte ocidental
lho pertencia a *Júpiter, a *oliveira a *Minerva, nos finais do séc. XVI e então quase extinto.
a *murta a *Vénus, a *vinha a *Baco, etc. Árvo- Porém, na Península Ibérica, o dogma da *Ima-
re fendida pelo raio era sagrada para os roma- culada terá alimentado a popularidade desta
nos. Muitas árvores e bosques sagrados foram composição dedicada à figuração da genealogia
abatidos na sequência de éditos de Imperadores de Cristo por intermédio de *Maria. Aliás, com
cristãos dirigidos contra o seu culto. Martinho a Contra-Reforma, sob a égide dos dominica-
de Dume estigmatizou todos quantos acendes- nos, alcançou em Portugal uma expressão que
sem velas junto a árvores (De correct. rust. 16), antes nunca lograra. A maioria dos artistas
tendo, os rituais relacionados com árvores adoptará a genealogia de Cristo, segundo *São
merecido também referências condenatórias nos Mateus. Robert Smith advoga que a fachada
cânones dos concílios: o cânone 73 do Con- poente da igreja manuelina de Tomar ostenta
cílio III de Braga (572) condenou aqueles que uma árvore deste tipo, achando-se Jessé repre-
cobriam as casas com louro ou árvores; os câ- sentado pelo homem suspenso das raízes da
nones 11 do Concílio XII de Toledo (681) e II *árvore seca (cf. The Art of Portugal, 1500-
do Concílio XVI de Toledo (693) os adorado- 1800, Londres, 1968, p. 51). Tema recorrente
res de árvores, superstição que se sabe ter per- na arte efémera, assim como no bordado e na
sistido na Galiza e nas Astúrias até à actuali- escultura (em marfim) indo-portuguesa. Sob o
dade. Das árvores festivas, as personificações ponto de vista iconográfico, as Árvores de Jessé
mais comuns ainda hoje são o *Maio carrapato seiscentistas e setecentistas obedecem a certas
e o *São João verde. As árvores de fruto têm ge- convenções: A. O corpo de Jessé surge deitado,
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ÁRVORE DE JESSÉ
Guia
ALDEIA VELHA (Aviz): na capela de Nossa Senhora da Arrabaça; AVEIRO (Nossa Senhora da Penha de
França); AZAMBUJA (matriz): tábua atrib. Simão Rodrigues; BEJA (igreja de Santa Maria): proveniente
da confraria do Rosário (1676); BERINGEL (Santo Estêvão); BERINGEL (Beja): matriz; BORBA (ma-
triz): subsiste apenas a imagem de Jessé, na capela de Nossa Senhora do Rosário; BRAGA (igreja do colégio
de São Paulo): retábulo de Nossa Senhora da Conceição; BRAGA [Museu Pio XII]: imagem de Jessé de
um retábulo (séc. XVII) que existiu na ermida de Nossa Senhora de Azurei, junto a Guimarães; CA-
BEÇÃO (Mora): retábulo dos finais de quinhentos ou inícios do século seguinte na igreja da Misericórdia;
CAMINHA (matriz): no absidíolo do lado do Evangelho, 1704-1705; CARVALHOSA (matriz de Paços
de Ferreira); ELVAS (igreja de S. Domingos): retábulo de talha e imaginária, na capela de NossaSenhora
do Rosário; ESTREMOZ (convento de São Francisco): retábulo de talha; ESTREMOZ (convento de S.
João da Penitência): num dos coros (perdida); ÉVORA (igreja demolida do convento de S. Domingos):
dois retábulos, de 1625 e 1683, respectivamente, aquele vendido para uma quinta do Escoural (ambas per-
didas); ÉVORA (convento de Santa Clara): no claustro (perdida); ÉVORA (?): tela; FACHA (Ponte de Li-
ma): na capela da quinta do Sobreiro (ou de Nossa Senhora do Rosário) existiu pintura mural (perdida);
FERREIRA (Paços de Ferreira): na matriz, árvore de Jessé monumental (perdida, depois de apeada pela
Direcçaõ Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais); FUNCHAL (convento de Santa Clara): pintura
quinhentista sobre as portas de um oratório do claustro superior; GUIMARÃES (convento de São Fran-
cisco): retábulo de talha; GUIMARÃES (igreja de Nossa Senhora da Oliveira): figura reclinada de Jessé na
janela da fachada; LAGOA (Várzea da Cova, Fafe): na capela de Nossa Senhora das Neves (perdida); LA-
MEGO (capela do Desterro): o sacrário setecentista ostenta a Árvore de Jessé pintada; LAMEGO ([Mu-
seu]: pilastra do retábulo de talha de S. João Evangelista, procedente da igreja do antigo convento das Cha-
gas; LAMEGO (capela-mor da Sé): retábulo quinhentista da capela-mor, com 15 imagens de madeira
(perdida); LAVANDEIRA (Bragança): igreja matriz; LEIRIA (capela de Nossa Senhora da Pena, castelo):
painel de pintura pertencente ao retábulo da ábside (perdido, em 1620, em consequência de incêndio);
LISBOA [MNAA]: iluminura do Livro de Horas de D. Manuel (aliás de Dom João III); LISBOA (mosteiro
de São Domingos): capela de Nossa Senhora do Rosário, instituída por Dom Pedro de Castilho, 1614
(destruída pelo terramoto de 1755); MAÇÃO: retábulo azulejar da matriz, 1644 (sobre o arco da capela
colateral da Epístola); MADRID [BNMd]: fl. 74 do De Aetatibus Mundi Imagines de Francisco de Holan-
da; MATOSINHOS (igreja do Bom Jesus); MOUCOS (Vila Real): painel da ousia da capela de Nossa
Senhora de Guadalupe; OLIVEIRA DO CONDE (Carregal do Sal): capela do solar dos Soares de Alber-
garia; OLIVENÇA (igreja de Santa Maria do Castelo); PAÇOS DE BRANDÃO (Feira): no manto da es-
cultura em pedra de ançã de Nossa Senhora da Conceição, na matriz; PAINZELA (Cabeceiras de Basto):
matriz; PEREIRA (Montemor-o-Velho): matriz; PORTALEGRE (Casa José Régio): dez pequenas escul-
turas dos Reis de Judá de uma Árvore de Jessé, seiscentista, da igreja da Misericórdia de Monforte; PORTO
(convento de São Francisco): retábulo de talha, patrocinado pela confraria de Nossa Senhora da Conceição;
PORTO [MSR]: painel proveniente do Colégio de Ermesinde; PORTO (igreja de S. Domingos): a des-
truição da igreja acarretou a destruição do retábulo, 1630; RIO DE MOINHOS (Borba): tábua na igreja
matriz de Santiago; SANTA CRUZ DA GRACIOSA (Açores): tábua da matriz; SÃO PEDRO DE
FRANCE (Viseu): na capela da quinta do Covelo, pintada no peito da imagem de Nossa Senhora do Ó;
TAMENGOS (Anadia): matriz, séc. XVIII; VIANA DO CASTELO (igreja do convento de São Domin-
gos): retábulo de talha, desmontado em 1761; VISTA ALEGRE (Ílhavo): tecto da nave da capela de Nosse
Senhora da Penha (séc. XVII).
quase sempre dormindo, num sonho premoni- de França, na Vista Alegre, se encontra em de-
tório, com o cotovelo de um dos braços finca- cúbito ventral, as raízes saindo das costas; já no
do no solo e a cabeça encostada na mão desse retábulo da igreja do antigo colégio de S. Paulo
braço (na igreja do Machico pousa as duas de Braga, acha-se reclinado, apoiado na árvore
mãos nos primeiros ramos da árvore, enquanto e num rochedo; B. Geralmente, os Reis de Judá
no tecto da capela de Nossa Senhora da Penha são doze (para se equipararem aos Profetas), ora
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ÁRVORE DE MARTÍRIO
ÁRVORE DE MAIO
Designação do mastro erguido por ocasião das
*maias (1 de Maio). Pinho Leal testemunha
presencial dessas festividades em Tavira, Castro
Marim, Vila Real de Santo António e outras
povoações do Algarve, reporta-se-lhes nos se-
guintes termos: «[…]. Escolhia-se uma rapariga
de dez a doze anos, das mais bonitas do sítio.
Enfeitava-se com um vestido branco, jóias, fitas
e flores e se colocava em um trono florido, cons-
truído em uma sala ao rés da rua. Era a maia.
Em frente da casa onde ela estava, havia um
mastro, coberto de murta e flores, em roda do
Árvore de Jessé num códice iluminado da igreja de Santo qual se dançava todo o dia, ao som de qualquer
Estevão (Lisboa). instrumento [...] e era um dia de divertimento
e alegria.» (cf. Portugal Antigo e Moderno). Em
de pé, ora sentados, nos ramos ou nas flores Arcozelo das Maias (Oliveira do Hospital, Vi-
que brotam da composição; C. Por vezes, os ra- seu), a encenação era similar. Por vezes o mastro
mos formam, na parte superior, uma espécie de era pintado com um desenho espiralado a ver-
elipse ou de óvulo, dentro dos quais se encon- melho e branco, cores sempre relacionadas com
tra a imagem da Virgem, como que encerrada os ritos arcaicos na origem de tais festividades.
num resplandor (Olivença, S. Francisco de Es- A *dança da Roca, ainda esporadicamente co-
tremoz, S. Francisco de Guimarães, Carvalhos, reografada em Santo Isidoro (Mafra) na década
Ferreira, Braga, etc.). de 1990, constituia uma variante dessa fórmula:
presas no topo do mastro, em torno do qual
BIBLIOGRAFIA AZEVEDO, António de, Santa Maria de Gui-
marães, Guimarães, 1956, p. 7, 8 e 11; BRANDÃO, Domin- evoluíam os dançadores, doze fitas brancas e
gos de Pinho, Para a História da Arte – algumas obras de inte- vermelhas, intercaladas, eram cruzadas e des-
resse I. Calvário do século XV, Árvore de Jessé do século XVI, in cruzadas, concluindo a coreografia com todas
Museu, s. 2, n. 2 (Mai. 1961), p. 76-85; CORREIA, Francisco
Carvalho, Um símbolo eucarístico invulgar, in Mundo da Arte, elas entrançadas no mastro. Outras vezes era,
n. 12 (1982), p. 32-36; GONÇALVES, Flávio, Para a com- simplesmente, erigida no centro da povoação
preensão de um retábulo do século XVII, in Suplemento de uma árvore cortada durante a noite nos bosques
Cultura e Arte de O Comércio do Porto (24 Jan. 1961); idem,
As Árvores de Jessé dos retábulos de talha, in Suplemento Cultura onde os jovens de ambos os sexos iam pernoitar.
e Arte de O Comércio do Porto (23 Dez. 1969); idem, O retá-
bulo da Árvore de Jessé da Igreja de S. Francisco do Porto, in Su- ÁRVORE DE MARTÍRIO
plemento Cultura e Arte de O Comércio do Porto (12 Fev., 12
Maio e 28 Julho 1970); idem, A capela de talha da árvore de Figuração de grupos de santos mártires. O úni-
Jessé da Igreja de S. Francisco do Porto, in O Tripeiro, n. 4 co exemplo nacional ocorre na capela de Santa
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ÁRVORE DE NATAL
Quitéria do colégio de São Paulo de Braga, on- (Genesis, II-III), mas cujos frutos Adão e Eva
de a mártir ocupa o centro de uma árvore, estavam proibidos de comer (Genesis, III, 3-5).
achando-se cercada pelas oito efígies das Santas Tradicionalmente confundida com a *árvore
suas irmãs. Deitado, junto ao tronco da árvore, de Maio, considerada a melhor da floresta. Os
observa-se a imagem de *Santo Ovídio, 3º ar- moços cortam-na sem para tal obterem autori-
cebispo de Bragaque as baptizou e doutrinou. zação, uma vez que a formosura da árvore lhes
legitima o acto. Num contexto eclesial à *árvo-
BIBLIOGRAFIA CARDOSO, Padre Luís de, Dicionário Geográ-
fico, v. 2, Lisboa, 1751, p. 260; GONÇALVES, Flávio, Em
re de Maio (festejada no dia 1 de Maio), sucede
torno da iconografia das nove irmãs gémeas, in Boletim da Câ- a *árvore de Vera Cruz (festejada no dia 3 de
mara Municipal do Porto, v. 25, n. 3-4 (1962), p. 476-480 Maio), imagem da redenção do pecado origi-
nal. A *palma encarada como emblema do
ÁRVORE DE NATAL martírio, ou antes, da recompensa concedida
Jorge Dias sustenta que é originária da Alema- aos mártires (imortalidade e ressurreição), é um
nha, onde terá aparecido por volta de 1500. símbolo estilizado da árvore do Paraíso. Entre
Leite de Vasconcelos di-la introduzida em Por- judeus é um motivo messiânico usado na Festa
tugal no último quartel do séc. XIX (Etnografia dos Tabernáculos para simbolizar «o reino ter-
Portuguesa, v. 8, p. 522). Gustavo Barroso pre- restre do Messias que antecede a vida eterna».
fere apresentá-la como sobrevivência pagã da De resto é esse o significado das palmas com as
*árvore de Maio. Seja como for, já no quatro- quais Jesus foi recebido quando da sua entrada
centista Regimento dos Sacristãos-Mores da Or- em Jerusalém. A *procissão dos Terceiros de Al-
dem de Cister de Alcobaça [BN: cod. alc. CLI / ter do Chão (extinta) era aberta por duas figu-
64, fl. 330] se alude ao que poderá considerar- ras alegóricas denominadas Anjo do Sol e Árvore
-se a mais antiga referência à árvore de Natal do Paraíso, ambas personificadas por rapazes
em Portugal: «Nota de como has de poer o ra- adolescentes: aquele vestido com túnica de seda
mo de natal, scilicet: Em vespera de natal, bus- branca, usando turbante na cabeça com grande
carás huu grande Ramo de loureiro verde, e co- penacho de penas brancas, levando na mão di-
lherás muitas laranjas vermelhas e poer lhas has reita uma alta vara, na ponta da qual se via um
metidas pelos ramos que dele procedem especi- sol; este, vestido de verde, com um grande ra-
ficadamente segundo já viste. E em cada hua mo de loureiro nas mãos, do qual pendiam pe-
laranja, poeras hua candea. E pendurarás o dic- ros de Portalegre.
to Ramo per hua corda na polee que ha de star
acerca da lampada do altar moor». Em Vilari- ÁRVORE SECA
nho da Castanheira (Carrazeda de Ansiães, Motivo recorrente na arquitectura do período
Bragança) havia o costume de enfeitar com fru- *manuelino. A mais remota iconografia conhe-
tos, peças de caça, fumeiro, etc., a árvore de cida da árvore seca ocorre num selo cilíndrico
Natal que era feita no interior da igreja e depois babilónico (2000 a. C.). Durante a Idade Mé-
arrematada em leilão. dia distintos viajantes reclamaram o privilégio
BIBLIOGRAFIA BARROS, J. C. Freitas, A Árvore de Natal (suas de ter estado na presença da misteriosa raridade
origens históricas), in Mensário das Casas do Povo, v. 8 (1953), dendrológica. O problema consiste em deter-
p. 7; DIAS, A. Jorge, A Árvore de Natal, in Dois Distritos da minar qual a sua exacta localização, uma vez
Beira Litoral, v. 1 n. 36 (1953)
que os relatos divergem nesse ponto. Oderic de
ÁRVORE DE VERA CRUZ Pordenone (1286-1331) aponta o Monte de
*Vera cruz. Mamre, nas cercanias de Hebron, afirmando
que a Árvore, que secara quando Cristo foi cru-
ÁRVORE DO PARAÍSO cificado, permanecia ali desde a criação do
Representada pela árvore da ciência do bem e Mundo. A descrição de Mandeville (Viagens, li-
do mal, a melhor do vergel criado por Deus vro 1, cap. XIX), baseada na de Oderic, acaba-
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ÁRVORE SECA
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ÁRVORE SECA
Árvore seca da fachada poente da igreja manuelina de Tomar, sob a janela, dita da Casa do Capítulo.
gravura alusiva a Portugal, que ocorre no Liber vestidas á la francesa [...] y en las manos unas
Chronicarum (Nuremberga, 1493) de Hart- achas pintadas de cera ardiendo y en cabo del
mann Schedell, na qual uma árvore seca é exi- huerto venia echo un asentamiento principal
bida em primeiro plano, como se ela fosse o con almoadas de brocado [...] y llegando el
distintivo próprio do Reino que reconhecera huerto delante de la Señora Reyna de la mane-
que «todo o poder vem do Céu» e não do bispo ra que venia parescia muy real imbencion y sa-
de Roma! Mas até os momos representados na liendo fuera las Damas Doña Angela en nom-
presença de D. Manuel e da corte aludiam de- bre de todas dió un escripto á Señora Reyna
sinibidamente ao tema, conforme o teor da que desia en esta manera: «Estando en Etiopia
carta enviada aos Reis Católicos pelo embai- en nuestro huerto damore Sagrado guardado
xador Ochoa de Ysasaga: «[...] En cabo de la sa- por el Dragon usando de aquel poder que por
la estaba fecho un retraiymento grande con pa- los Dioses nos fué otorgado de dar remedio á
ños de donde salió un huerto de encantamien- todos los verdaderos amadores vino á nos pidir
to que venia dentro un arbol membrillo grande un principe tan enamorado que el so he com-
muy biene cho con muchas ramas espesas lle- paracion de si mesmo porque la grandeza de
nas de candelas ardiendo y encima del arbol un sua pena es mayor que nosa sabeduria y porque
dragon muy espantable con tres cabezas feroces en tua alteza que he merecedor de seus amores
y seis manos grandes y con la cola tenia rebuja- está o remedio deles é no en nós o tracemus
do todo el cuerpo del arbol y todo el huerto es- aqui á te pidir que o quieras remediar porque á
taba cubierto al derredor con paramentos de tua soygecion estima mays estar que á todos
lienzo delgado y venian dentro seis damas Do- seus Señrios é todos os cavalleros de sua
ña Leonor de Millan y Doña Maria de Carde- compañia en poder de tuas damas é uoso sean
nas é Doña Angela é Doña Leonor Enrriques é soygetos é sendo coza tan nova aquela que á to-
Doña Guiomar Freire é Doña Maria de Silva das podian dar remedio o viren pidir a ty por
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ÁRVORE SECA
Maria, a Nova Eva (ou Ave) redentora, qual copa frondosa de uma espécie arbórea
desse modo reverdecida, vem resgatar dos grilhões originados por Adão e Eva (quos
Evae culpa damnant) os antepassados de Cristo, Patriarcas e outras personagens do
Antigo Testamento, acorrentados ao tronco robusto, desprovido de ramos, ou copa,
da Árvore do Conhecimento ou da Ciência do Bem e do Mal, colocada pelo Criador
no centro do Paraíso Terrestre. À esquerda (direita do observador) divisam-se: Eva,
Abraão, Josué, Isaac, Jacob e José, entre outros; à direita (esquerda do observador) são
identificáveis: Adão, Abel, Isaías, David, Salomão e João Baptista, entre outros.
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ÁRVORE SECA
ver una princesa de tanta escelencia ouvemos viçosa quando ele viesse, referindo-se ao Mes-
por probeyto a perda deste poder á te pidimus sias» (cf. Manuel Ramos de Oliveira, Os Cris-
que nos lo queras otorgar por que o traballo tãos Novos dos Distritos da Guarda e Castelo Bran-
deste camiño se torne en muyto seu é noso des- co, in Beira Alta, a. 9, v. 3, 1950, p. 214). Do
canso e teu servicio». Segundo a lenda, corro- segundo foi protagonista o Infante Dom Duar-
borada por passagens dos Livros de Marco Pólo te, irmão do duque de Bragança e futuro Dom
e João de Mandeville e das Viagens do Infante João IV. Cita-o uma crónica conventual com-
Dom Pedro, compostas por Gomez Santiste- posta por Frei Bernardo da Costa. Após consi-
ban (1515), essa verdadeira árvore solar, Solque derar que a igreja manuelina de Tomar toda ela
(vasta, alta, duradoura) ou da Vida, ocupara o está lavrada com particular ideia, o cronista re-
centro do Paraíso Terreal. Quando da expulsão mata: «[...] No infimo desta fabrica [janela da
de Adão e Eva do Eden, Set, terceiro filho dos Casa do Capítulo] está uma estátua [...]. A es-
progenitores primordiais, teria logrado apode- tátua querem dizer que é representação da Real
rar-se de um rebento da árvore que transplan- Casa de Bragança. Sucedeu quando veio tomar
tara para o vale de Hebron, na Palestina, onde o hábito [...] o Infante Dom Duarte ao passar
frutificara, tendo murchado no próprio dia em pelo sítio desta Janela e demorando-se a vê-la
que Jesus foi crucificado (cf. Voragine, Lenda um dos freires que o cortejavam lhe disse como
Dourada, cap. LXVIII), dando início a um pe- intrometido e com pouca reflexão o pensamen-
ríodo de decadência da humanidade, só supe- to que dissemos da ideia que se faz daquela fá-
rado mediante determinadas condições, no- brica. Se é assim, senhor, muito seco está aque-
meadamente: A. Quando um príncipe ociden- le tronco para as esperanças pelo que representa
tal cantasse missa sob os seus ramos secos; B. ao que logo respondeu o Senhor D. Duarte:
Uma vez, efectivamente, estabelecido o contac- Não está tão seco que não possa reverdecer e
to com o Preste João. A concretização de qual- brotar com mais força» (cf. Historia da Militar
quer um destes pressupostos devolveria à árvo- Ordem de Nosso Senhor Christo […], ca. 1773).
re o tão desejado viço, bem como a respectiva Sendo precisamente a Força com os seus quatro
copa, e asseguraria a consequente reconquista atributos – Magnificência, Confiança, Paciência
do estado paradisíaco perdido: o homem caído e Perseverança – uma das acepções do termo la-
revestir-se-ia então das Vestes de Luz do Homem tino para carvalho, espécie vegetal sob cuja co-
Novo (S. Paulo, Epístola aos Efésios, IV, 24) e pa Abraão, agasalhou hóspedes e peregrinos e
ocorreria o advento do Milénio que o Duque levantou o seu Tabernáculo, a *Arca da Aliança
(Dux) ou Senhor Universal se encarregaria de havia de ser abrigada e com cuja madeira as
manter até à consumação dos Tempos, isto de naus dos novos apóstolos do Cordeiro foram
acordo com a concepção que fazia da Árvore da arquitectadas, torna-se cristalino o motivo da
Vida um prémio para os justos (IV Esdras, II, sua eleição para substante do jardim simbólico
12; Apocalipse, II, 7; Henoch, XXV, 4). Em abo- ali plantado. No qual abundam o *coral (Cora-
no da assunção anterior vêm dois episódios que llium rubrum ou Isis nobilis), árvore seca mari-
reclamam me detenha. O primeiro lê-se numa nha consabidamente detentora de proprieda-
devassa inquisitorial cujo teor é como segue: des profilácticas e mágicas, e a *alcachofra, in-
«No dia 10 de Fevereiro de 1543, compareceu florescência do cardo (Cardum Coeli ou Cardus
António Rico, alcaide na vila de Valhelhas, e benedictus, o cardo santo), a qual é sujeita ao
disse que, estando a conversar com Artur Ro- fogo pelo São João para, no caso de reverdecer,
drigues, mercador, cristão novo de Belmonte, assinalar o cumprimento do anelo de exaltação
lhe dissera que a terra de Jerusalém era muito íntima. Ao tentar repôr no seu campo específi-
estéril e somente produzia pão, e isto por causa co os elementos do vocabulário decorativo ma-
do pecado dos Judeus que crucificaram Jesus e nuelino, alvo da interpretação romântica de
o denunciado respondeu que ela tornaria a ser Emile Berteaux, P. A. Evin caíria na tentação
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ÁRVORE TRISTE
redutora da mera enumeração naturalista sem BIBLIOGRAFIA GANDRA, Manuel J., O Projecto Templário e
o Evangelho Português, Lisboa, 2006; LEITE, Sílvia, A Arte
considerar sequer a possibilidade da existência Manuelina como percurso simbólico, Lisboa, 2005; PEBBLES,
de um significado alegórico (Faut-il voir un sym- Rose Jeffries, The Dry Tree: symbol of Death, in Vassar Me-
bolisme maritime dans la décoration manuéline?, diaeval Studies by members of the Faculty of Vassar College,
Londres-Oxford, 1923, p. 59-79; PEREIRA, Paulo, A Obra
in Actas do XVI Congresso Internacional de His-
Silvestre e a Esfera do Rei: iconologia da Arquitectura Manueli-
tória de Arte, v. 2, Lisboa, 1949, p. 193-196). A na na Grande Estremadura, Coimbra, 1990; idem, De Aurea
título de exemplo, refiro a circunstância de a Aetate: o Coro do Convento de Cristo em Tomar e a simbólica
expressão portuguesa Árvore de Santa Cruz de- manuelina, Lisboa, 2003
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ÁRVORE DA VIDA
ÁRVORE DA VIDA
Protótipo de todas as plantas milagrosas que
ressuscitam os mortos, curam doenças, resti-
tuem a juventude, etc. A árvore da vida é refe-
rida conjuntamente com a árvore da ciência do
bem e do mal, no Genesis (II, 9-10), como dis-
tintas de todas as restantes do *paraíso. Tendo
comido do seu fruto, *Adão e Eva tornaram-se
participantes do conhecimento até então reser-
vado ao criador. Porém as fontes ascético-místi-
cas que utilizam esta imagem polissémica re-
portam-se habitualmente ao texto do Apoca-
lipse, onde surge não apenas referida, mas des-
crita: situa-se no centro do paraíso, junto do rio
de águas vivas, é frondosa e coberta dos frutos Árvore da Vida: pormenor do pelourinho de Vila Nova
que produz doze vezes ao ano. Em alguns mís- de Foz Côa.
ticos, como, por exemplo, Taulero, a árvore da
vida aparece como representação da cruz, sen- seguintes [divide os frutos pelas três vias, quatro
do descrita como «lenho frutífero, bento e ex- para cada via]. Noutro passo (idem, v. 2, p.
celente» (cf. Devotos exercicios e Meditações da 554), considera o número doze uma represen-
vida e paixão de nosso Senhor Iesu Christo [...], tação da perfeição humana plenamente realiza-
Coimbra, 1571, fl. 143). O padre Manuel Ber- da nas suas faculdades corporais (os cinco sen-
nardes utiliza a imagem da árvore da vida no tidos), psíquicas (as três potências da alma: me-
Tratado breve da oração mental e na meditação mória, entendimento e vontade) e celestes (os
X (7º ponto) do exercício sobre o paraíso (in quatro dotes do corpo glorioso). Em outros
Exercícios Espirituais, v. 1, p. 2): «Nós neste lu- hermeneutas, os doze frutos figuram: ora a vida
gar [...] somente compararemos a oração à ár- espiritual, escalonada nas suas três etapas (mor-
vore da vida, que S. João viu no paraíso celes- tificação, contemplação e iluminação), ora a
tial e da qual diz, que produzia doze géneros de plenitude do ciclo temporal (os doze meses do
frutos. Porque verdadeiramente a Oração Men- ano), dos povos da terra (doze tribos de Israel),
tal é uma árvore plantada pela mão de Deus no da perfeição da cidade de Deus (doze portas),
Paraíso da Igreja para sustento da vida es- etc. A influência exercida pela arte e religião
piritual: sua raiz é aquela grande excelência de orientais no actual território nacional na icono-
ser um colóquio da alma com o mesmo Deus, grafia da árvore da vida é detectável desde a pro-
e daqui procedem seus copiosíssimos, e dul- to-história até às colchas de Castelo Branco. No
císsimos frutos, que podemos reduzir aos doze portal Norte da igreja da Orada, defrontando a
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ASCENSÃO DE CRISTO
árvore da Vida acham-se uma hárpia e um leão. gens históricas (Visão de Túndalo). Dante apre-
Os cabalistas representam-na pela *árvore da sentaria no Paraíso, terceira parte da Divina
Cabala, constituída por 10 Sefirotes e 22 vias. Comédia, a sua alegada viagem pelas esferas ce-
lestiais, combinando elementos oriundos do
BIBLIOGRAFIA MALKIEL-JIRMOUNSKY, Myron, A árvore
da Vida e a árvore da Sabedoria, in Rev. Ocidente, v. 76 (1969),
pensamento helenístico-hermético-neoplatóni-
p. 43-47 co com a tradição judaico-cristã-islâmica, con-
forme evidenciou Miguel Asin Palácios (La Es-
ASA catologia Musulmana en la Divina Comedia).
As asas que tornam as aves senhoras do elemen-
to aéreo constituem ideograma da glória, da ASCENSÃO DE CRISTO
beleza, da sublimidade, da exaltação, da con- A derradeira aparição de Jesus aos seus discípu-
templação (São Gregório Magno) e da aspira- los ficou assinalada por uma refeição em co-
ção às alturas espirituais ou filosóficas. Os áu- mum. Uma vez esta concluída, o Mestre con-
gures do mundo antigo tentavam ler presságios duziu-os para os lados de Betânia, ao Monte
no voo das aves. As asas constituem emblema das Oliveiras, de onde subiu ao Céu à vista de-
da *alma, dos espíritos angélicos (São Tomás de les. O evento, ocorrido na sequência da Ressur-
Aquino é denominado Doutor Angélico e ico- reição e descrito por São Lucas (XXIV, 51) e
nografado com asas), da corte celestial, bem co- nos Actos dos Apóstolos (I, 1-11), foi consagrado
mo das virtudes (designadamente da Esperan- no concílio de Niceia, numa quinta-feira dora-
ça, Caridade, Verdade, Pobreza evangélica e Pe- vante denominada de Ascensão e, popularmen-
nitência). Porém, as asas são igualmente emble- te, *dia da espiga. Um tal acontecimento deter-
máticas da *morte, de *Satã, bem como de al- mina o encerramento do ciclo de quarenta
gumas entidades infernais e malditas (como o dias, ou quarentena, iniciado na Páscoa, feste-
*vampiro, o *basilisco, o *dragão e, por vezes, jando-se (entre 30 de Abril e 3 de Junho) no
da *sereia). *Ordem de S. Miguel da Ala. dia imediato ao último dos três dias das Rogas
ou Rogações (também designadas Ladainhas
ASCENSÃO Menores), as súplicas, preces públicas e bençãos
Lendas de jornadas heróicas e humanas até um instituídas no século V por um prelado menor,
céu onde habitam os deuses são relatos fre- o Bispo de Viena, em França, Claudiano Ma-
quentes, tal como a referência a técnicas extáti- merto (São Mamerto), para que Deus afastasse
cas permitindo tal ascensão a xamãs, bruxos e os flagelos e calamidades que infestavam o Del-
místicos. Porém, também os gnósticos acredi- finado. Apesar de instituídas no ano de 469, al-
tavam que a alma poderia atravessar sete esferas guns autores consideram-nas uma das mais re-
e alcançar o pleroma, i. e., a plenitude ou es- motas festividades agrárias da Europa, prova-
sência divina. Outro conceito caro ao gnosti- velmente de origem pré-romana. Seja como
cismo foi o de antimimon pneuma (espírito fal- for, na antiguidade os sacerdotes de Ceres orga-
so), ulteriormente adoptado pela tradição her- nizavam na mesma época do ano procissões pe-
mética, o qual postulava a existência de um es- los campos para pedir fertilidade e colheitas
pírito intermediário entre o corpo e a alma que abundantes. Quinta-feira de Ascensão é dia fas-
a dirigia na sua descida ou subida pelas esferas to, durante o qual há proibição ritual do traba-
planetárias, acompanhando-a em todas as reen- lho, designadamente durante a Hora (da Res-
carnações e desencarnações. Na tradição judai- surreição), donde o hábito muito participado
co-cristã a jornada celestial da alma acha-se res- da realização de merendas em plena natureza.
tringida quase exclusivamente à literatura apo- Ervas colhidas em quinta-feira de Ascensão, ao
calíptica. Já na literatura cristã mediévica diver- meio-dia, têm virtude contra sezões e feitiça-
sas são as obras que relatam a ascensão de san- rias. O raminho, colhido neste dia nos trigais
tos (Purgatório de São Patrício) ou de persona- ainda não sazonados (composto por três mal-
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ASCENSÃO DE CRISTO
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ASMA
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ASMODEU
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ASSEMBLEIA
LVBEN[s] / M[arcus] . CAECILIVS / CAE- consoante promessa feita à Senhora para se ob-
NO SOLVIT. A. Vieira da Silva interroga-se se ter a graça da chuva, ainda acorrem a ela mui-
o dito epíteto não poderá relacionar-se com al- tos pastores com os seus animais enfeitados.
gum dos rios Asseca de Portugal (cf. Epigrafia de Estes são conduzidos em sucessivas circumam-
Olisipo, Lisboa, 1944, n. 144-E, p. 269). bulações à capela, recebendo a benção após a
missa. No caminho antigo para a Senhora de
BIBLIOGRAFIA BLAZQUEZ MARTINEZ, Jose Maria, Reli-
giones Primitivas de Hispania – I. Fuentes Literarias y epigrafi-
Assedace fica a Fraga da Costureira, onde se diz
cas, Madrid, 1962, p. 171 que uma mulher castigada por trabalhar ao do-
mingo expia o seu pecado.
ASSARES
No vale de Vilariça (Vila Flor, Bragança), no sí- ASSEMBLEIA
tio chamado Cova da Moura, há, conforme Termo usado em Portugal para designar o *sa-
carta remetida por Santos Júnior ao abade de bat, uma das denominações das reuniões noc-
Baçal, a Pedra Escrita do Poço da Moura, «uma turnas de bruxas, um «lugar de desenfadamen-
rocha com alguns sinais do mesmo tipo e fac- to», na opinião de Pedro Anes, exposta, em
tura da Pedra Escrita de Ridevides», porém, in- 1555, na Inquisição de Évora. Também *ajun-
cluindo dois sinais que não ocorrem na referida tamento, *conventículo. O que se passava no
estação, «que são certamente, ou pelo menos se decurso de tais assembleias consistia, salvo pe-
podem considerar, como símbolos solares». quenas variantes, no seguinte: cerimónias de
Um desses signos de semântica claramente as- adoração do *diabo que se achava sentado num
tral, é uma estrela de dez raios. *Astrolatria. trono (rezando-lhe orações da Igreja, benzen-
do-se, ajoelhando-se diante dele e beijando-lhe
BIBLIOGRAFIA ALVES, Francisco Manuel, Memórias Arqueoló-
gico-Históricas do Distrito de Bragança, v. 9, Porto, 1934, p.
613; idem, Insculturas e Arte Rupestre: novos elementos para a
sua interpretação, Bragança, 1977, p. 35; NETO, Joaquim
Maria, O Leste do Território Bracarense, Torres Vedras, 1975, p.
305; SANTOS JÚNIOR, J. R. dos, Arte Rupestre, in Congres-
so do Mundo Português, v. 1, Lisboa, 1940, p. 361, n. 79
ASSEDACE
Invocação mariana, festejada nos arredores de
Folgosinho (Gouveia), nos dias da Anunciação
(25 de Março) e da Natividade (8 de Setem-
bro), ambos momentos cruciais do ciclo gana-
deiro anual, porquanto correspondem ao nas-
cimento de cordeiros e cabritos e à descida dos
rebanhos dos pastos da serra para as terras bai-
xas, respectivamente. A lenda de fundação do
santuário refere o reiterado e sistemático desa-
parecimento dos materiais destinados à sua edi-
ficação, no lugar do mirante (onde actualmen-
te existe um cruzeiro à vista do Mondego e de
Assedace), até que os povos da região, assolada
por prolongada estiagem, decidiram erguê-la
num local infestado de feras, as quais, como
por magia, desapareceram. Embora em menor Manuscrito consignando a Confissão de umas bruxas
número que antigamente, quando cada família que queimaram na cidade de Lisboa, no ano de
enviava o respectivo representante à romaria, 1559 [BN: cod. 681].
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ASSEMBLEIA
Pelo Juízo Secular em uma devassa que mandou tirar a Rainha Dona Catarina
Depois que no ano de 1559 o Licenciado Gomes Soares, Desembargador e Ouvidor do duque de Aveiro,
na mesma via de Aveiro, trouxe a esta Corte e Cidade de Lisboa certas bruxas presas, com seus processos,
das quais foram queimadas cinco no Rossio da mesma cidade, a muito Católica Rainha Dona Catarina,
vendo e ouvindo o grande dano e perda do povo cristão, que o Demónio nosso inimigo, por si e por meio
dos bruxos e bruxas, feiticeiros e feiticeiras fazia nesta terra, como faz em todas as outras, determinou de
mandar tirar uma devassa geral sobre estes casos.
A qual devassa por seu mandado e provisão se cometeu ao Licenciado Gomes Soares que comigo escrivão
a tirasse nesta cidade de Lisboa e seu Termo, a qual devassa começámos aos 4 dias do mês de Abril do dito
ano de 1559, em poucos dias, foram presas vinte e sete mulheres, em que também entrou um homem [...].
[...] Dentre algumas coisas, que estes presos confessaram, confessou uma bruxa velha e antiga no ofício, o
seguinte:
[...]. Os dias em que se ajuntam e ficam sinalados, são quartas e sextas-feiras, em as quais dando o relógio
dez horas da noite, ou antes, as ditas bruxas se untam com certos unguentos que elas fazem das confecções
diabólicas que adiante se dirá, que o demónio lhes faz crer, que sem ele não podem voar, nem ir a seus
ajuntamentos. para o fim de tanto mal quanto deles recresce, e untadas, o demónio as leva pelas janelas ou
chaminés ou buraco por onde uma mulher possa caber corporalmente e em um breve espaço e momento,
levando-as pelos ares, as põem em certos campos, aos quais elas não sabem o nome e chegam a esta para-
gem às dez horas da noite.
Esta mulher só disse em sua confissão que lhe parece pela distância que andam e o furioso ímpeto e movi-
mento com que as levam, que podiam ser duzentas e mais léguas desta Cidade de Lisboa e pode muito
bem ser que não passem de Vale de Cavalinhos. Porém de irem corporalmente, disse esta mulher e outras
que não havia nenhuma dúvida e o afirmou e ratificou esta e outras, tão constantemente, por espaço de
muitos dias que duraram suas confissões, dizendo o tivessem por sem dúvida o irem elas corporalmente.
Porque ela estando acordada e em todo o seu juízo e entendimento, e às vezes, despida e outras vestida se
untava com seus unguentos, em as partes ocultas de seu corpo e se punha sobre a janela por onde havia de
sair, e dali era arrebatada e levava repentinamente e em muito breve espaço pelos ares, ou por onde quer
que a levavam aos campos onde se achavam.
Estando nos ditos campos, disse que achava lá outra muita gente de muitas partes; a saber: portugueses, de
todo este Reino, mouros, judeus, franceses e de outras muitas nações e diversas línguas e muitas mulheres
e homens portugueses e alguns muito fidalgos com algumas filhas moças e formosas. E algumas levavam
coisas de comer e, tanto que lá chegavam, os demónios, em pouco espaço de tempo, dormiam com elas
muitas vezes carnalmente, quantas vezes elas queriam e pelo lugar que elas queriam ou traseira ou pela
dianteira, e por sua confiança diz que o gosto que eles dão e causam às mulheres é muito grande, sem com-
paração com os homens.
E que têm suas naturas muito compridas e que eles também dormem com moças virgens, as quais suas
mães, por serem bruxas e outras também bruxas, lhes alcovitam e provocam a que pequem e durmam com
eles e com os mais da sua diabólica seita.
E confessou que nos campos onde se ajuntam os Demónios dão aos mesmos homens bruxos mulheres mui-
to formosas com que durmam, as quais, segundo lhe parece, eram os mesmos demónios que tomavam fi-
gura de mulheres; e lhes dão grande deleitação e toda a sua glória e seus passatempos são luxúria; porque
eles, ainda que prometam muito, lhes não dão outra nenhuma coisa e tudo é mentira, de maneira que todo
o seu contentamento consiste em luxúria e mais luxúria, em que eles e elas se não acabam nunca de fartar.
Disse mais que, depois de folgarem nos campos e ajuntamentos com eles, lhes põem uma muito comprida
mesa de umas tábuas negras, estas em cima da terra, sem toalhas e sem mais outra coisa; e lhes trazem em
uns pratos de pau-preto e deles nas mãos muita soma de carne de bode, muito cozida e a lançam pelas
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ASSOBIO
mesas para que elas com eles comam. E os que não querem comer, andam em seus passatempos carnais e
seus torpes ajuntamentos pelo campo folgando.
[...] E na cabeceira da mesa estava assentado o seu Maioral em sua cadeira de espalda negra, com um roupão
como capuz frisado e, às vezes, o tinha tosado muito negro e uma barba muito comprida; e como Rei o
adoravam e obedeciam todos os outros e o serviam de joelhos e na mesa serviam muitos daqueles malignos
espíritos.
E disse mais em sua confissão que alguns deles andavam nus e outros vestidos de preto, uns com adagas na
cinta e com luvas pretas calçadas e punhos galantes. E estando nestes desenfadamentos e folgares, cantava,
no campo, um galo preto que estrugia as orelhas, que devia ser algum demónio, que sempre cantava à
meia-noite a modo de galo. E logo, num momento, que desfaz a festa e o folgar e todos os demónios de-
saparecem e os que lá têm suas amigas e mancebas as tornam num momento a trazer de modo que as le-
varão a suas casas.
[...]. E confessou mais uma, e muitas vezes, que tendo o Demónio parte com ela por muitas vezes, o apal-
pava e achava corpo e carne, segundo apalpava com as mãos e que se lhe figurava ser carne pelosa com
muita soma de cabelos, como de bode, mas o pêlo mais brando e macio.
[...]. Estando o presente o Licenciado Gomes Soares e o Doutor assim nomeado Manuel de Almeida que
comigo escrivão cerramos estes Autos donde tirei esta breve Relação, não trato dos testemunhos das mais
bruxas acima, porque todas elas vão por este teor: que nisto se parecem com os judeus, de todo simboliza-
rem nos ditos com outros de ordinário.
Um Sabat burlesco?
Esta história foi-me contada por uma mulher nova que não falava dialecto, razão porque a escrevo em
português. Reza assim: Uma vez duas mulheres ajustaram um alfaiate para vir trabalhar para casa delas.
Elas eram bruxas e, logo que o alfaiate se foi deitar, levantaram umas pedras do lar, tiraram umas untu-
ras, despiram-se e untaram-se. Depois foram até à janela e disseram: Por baixo do carrascal, por cima do
silveiral vamos ter ao areal.» Mas o alfaiate estava a espreitar e, ao ver aquilo, quis também saber para on-
de elas iam. Foi ao sítio, onde elas tinham os unguentos, untou-se também, e saiu pela janela fora como
um zangão [lobisomem]. Mas, ao repetir o que elas disseram, enganou-se e disse: por cima de carrascais,
por baixo de silveiral, vai-se ter ao areal. De forma que, ao passar por baixo dos silveirais ficou todo ar-
ranhado. Ao chegar lá, as bruxas juntaram-se à volta do zangão e tinham que lhe dar um beijo no c[ú].
Mas uma viu quem ele era e ao ir beijá-lo, deu-lhe uma espetadela com uma agulha. «Ui, disse ele, esta
tinha a barba muito dura!
o *ânus); danças e orgias promíscuas entre hu- BIBLIOGRAFIA SANTOS, Domingos Martins de Oliveira,
Campanhã: as bruxas, in O Tripeiro, s. 5, a. 4, n. 12 (Abr.
manos e demónios; banquetes em que se comia 1949), p. 273-274
opiparamente e bebia em abundância; relató-
rios apresentados pelas bruxas ao diabo nos ASSIS DE FARO
quais lhe davam conta dos malefícios que ha- Curandeiro lisboeta a quem foram creditadas
viam perpetrado. Um local chamado Escrita, algumas curas extraordinárias, no início do sé-
no termo de Agrochão (Vinhais, Bragança), é, culo XX (cf. Sousa Bastos, Lisboa Velha, Lisboa,
segundo a lenda (registada pelo abade de Ba- 1947, p. 196).
çal), um centro de reunião de feiticeiras, onde
praticam o sabat. *Mécia Afonso e *Margarida ASSOBIO
Lourenço frequentavam um outro, em Vale de A interdição de assobiar deriva da crença de
Cavalinhos (arredores de Lisboa). Em Campa- que o assobio atrai os espíritos maléficos e, con-
nhã (Porto) constava que as bruxas se reuniam, sequentemente, a infelicidade. Em sonhos vati-
à noite, no Outeiro da Bela e no Monte Aven- cina exitos, porém, quando quem sonha asso-
tino. *Maria Antónia. bia está a prever intriga familiar. Em Vila Nova
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ASSOMBRAÇÃO
de Gaia crê-se que não é bom assobiar de noite, por todos os seus / Deus me livre / Do vizinho,
porque se chama pelo *diabo (em alternativa, ao pé da porta / Que bem nos fala e mal nos
as cobras). Diz-se também que se uma rapariga quer / Pai Nosso, Ave Maria».
solteira assobiar, não casará virgem. Julho tem
o nome de mês dos assobios. Entre os marítimos ASSOMBRAMENTO
do Tejo crê-se que os ventos começam a soprar Coisa ruim. Actua durante as *horas abertas.
ou aumentam de intensidade (refrescam)
quando se lhes assobia. Consta que três asso- ASSOMBRAR
bios longos atraem o vento. Na Madeira, diz-se Uma alma pode ficar ressentida e assombrar os
que quando o vento Norte sopra rijo se deve vivos se, durante o *velório, o cadáver for dei-
bater no vento, «porque são os assobios das fei- xado só. Convém, por isso, que parentes e ami-
ticeiras que andam no ar para danificar a terra». gos se revezem, nunca o abandonando.
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ASSUNÇÃO
ASSUADA
Sátira agressiva, ocasional, tendo por alvo actos
específicos. Distingue-se das *pulhas pela cir-
cunstância de estas, regra geral, ocorrerem inte-
gradas em festividades cíclicas, terem por ob-
jecto as características e o comportamento de
determinadas pessoas e o chiste assumir um ca-
rácter humorístico. O mesmo que *casamento
carnavalesco, *corridela do Entrudo, *cortiça-
da, *chocalhada (Miranda do Douro), *latada
(Águas Santas, Maia), *ronda (Póvoa de La- Assunção da Virgem: painel da igreja de Lordosa (Viseu).
nhoso), *testamento, *troça ou *vindicta popu-
lar. Frequentemente, tem por destinatários os tal, introduzida em Roma pelo Papa Sérgio I
viúvos que contraem segundas núpcias. O (687-701). Também conhecida por festa da
*corno e o *chocalho são instrumentos ruido- Dormição, Trânsito e Natividade (Dormitio,
sos fundamentais neste género de manifesta- Pausatio, Natalis). No século VI, celebrava-se
ções. *Surra da azeitona é o nome da assuada em Janeiro, no entanto, nesta mesma centúria
feita áqueles que passam junto do olival onde foi transferida para 15 de Agosto, pelo Impera-
se acha o pessoal que anda na safra. Em algu- dor Maurício (582-602). O tema difundiu-se
mas regiões do país, o não cumprimento dos nos séculos XIV, XV e seguintes. Trata-se de
preceitos quaresmais pode ser sancionado com uma das primeiras invocações de Maria cele-
assuadas. D. Sancha, casada com D. Gonçalo bradas com festa litúrgica, a partir do século
de Sousa, surpreendida pelo cônjuge quando IX. Comemora a morte de Nossa Senhora e a
partilhava o leito com *Dom Afonso Henri- sua entrada em corpo e alma no Céu. O dog-
ques, foi alvo de uma assuada. ma da Assunção de Nossa Senhora foi procla-
BIBLIOGRAFIA BASTO, Cláudio, Silva Etnográfica, in Revista
mado em 1 de Novembro de 1950, por Pio
Lusitana, v. 25 (1923-1925), p. 148-179; FELGUEIRAS, XII. Em Portugal, a invocação de Nossa Se-
Guilherme, Da nossa gente – dos seus costumes – das suas tradi- nhora da Assunção ou da Glória está estreita-
ções (Respigos Etnográficos), in Mensário das Casas do Povo, v. 3,
mente associada às lutas travadas com Castela,
n. 34 (1949), p. 3-5; n. 35 (1949), p. 12-14; OLIVEIRA, Er-
nesto Veiga de, Formas fundamentais da vindicta popular em no período de 1383-85. Foi por sua intercessão
Portugal, in O Comércio do Porto (10 Mar. e 22 Dez. 1959; 8 que, conforme a tradição, Portugal se conser-
Mar. e 24 Abr. 1960); PICOITO, Pedro, O cavaleiro, a Mu- vou independente (a Batalha de Aljubarrota foi
lher e o rei: uma Assuada do século XII, in O Corpo e o Gesto na
civilização Medieval, Lisboa, 2005, p. 247-263 ganha na vigília desta festa, em 14 de Agosto de
1385), motivo por que lhe foram consagradas
ASSUNÇÃO todas as catedrais do Reino. Em Arcozelo é fes-
Invocação mariana, padroeira dos correeiros e tejada com a *dança das donzelas, a *dança dos
negociantes de pescado. Festa de origem orien- marujos, a dança dos espingardeiros e a *dança
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ASTAROTH
dos pretos. *Alto de Carocedo (também deno- de que era a destinatária, porquanto Astarte era
minado Alto de Carrocedo). A iconografia da tida como a encarnação, por excelência, da fe-
Assunção, apresenta a Virgem, ascendendo ao cundidade. Qaddesh (= a Santa) era um dos
Céu (diz-se que o corpo subiu 40 dias após a seus títulos e, concomitantemente, o título ho-
alma), regra geral, de mãos postas e resplandor, norífico por que eram conhecidas as prostitutas
de pé, suspensa sobre um crescente lunar, ima- sagradas (mulheres santas) que serviam nos
culada e livre da corrupção da morte. Em redor seus templos. Luciano refere-se à obrigação re-
dela, anjos entoam cânticos celestiais e tocam ligiosa imposta a todas as mulheres, qualquer
instrumentos. No plano inferior, os apóstolos que fosse a sua condição, de se entregarem uma
em redor do seu túmulo vazio. Dois dos mais vez na vida, no templo de Astarte, ao primeiro
notáveis painéis da Assunção conhecidos em que aparecesse, obrigação ulteriormente substi-
Portugal: igreja de Sardoura (Mestre de Ferrei- tuída pela oferta ao templo das respectivas
rim) e o pintado por Frei Carlos [MNAA]. tranças. Na ausência de imagens que a figuras-
sem (mulher coroada por estrela ou crescente
BIBLIOGRAFIA ALVES, Francisco Manuel, Memórias Históri- lunar), uma simples pedra ou pilone (cone) po-
co-Arqueológicas do Distrito de Bragança, v. 9, Porto, 1934, p.
144; LACERDA, Aarão de, Notícia acerca de um quadro pri- dia servir-lhe de habitáculo. O seu culto expan-
mitivo na Igreja de Sardoura, in Prisma, n. 2 (Nov. 1936); LI- diu-se pelo Mediterrâneo, alcançando o oci-
MA, J. da Costa, Iconografia Assuncionista, in Brotéria, v. 51, dente peninsular. Na Ericeira, Santa Marta te-
n. 6 (1950), p. 540-558; LOPO, Albino dos Santos Pereira,
Apontamentos Arqueológicos, in O Arqueólogo Português, v. 7 rá, eventualmente substituído uma devoção
(1902), p. 72; idem, Apontamentos arqueológicos, Braga, 1987, anterior, cujo sincretismo remete para Astarte-
p. 23; MARTINS, Mário, A Assunção de Nossa Senhora, nas Artemisa, conhecida por Eileithyia (a grávida)
Cantigas de Santa Maria e na Poesia Medieval, in Estudos de
Cultura Medieval, v. 3, Lisboa, 1983, p. 65-74; NETO, Joa-
em Creta e por Venus Ericina no monte Erix
quim Maria, O Leste do Território Bracarense, Torres Vedras, (Sicília), cuja titular os romanos apelidavam de
1975, p. 196; SANTOS, Luís Reis, Duas Tábuas dum retábulo Venus pudica, a qual tinha por companhia e
do século XVI em Viseu e Oberlenningen, in Estudos de Pintura
Antiga, Lisboa, 1943, p. 89-100
atributo um *ouriço-cacheiro (cf. Manuel J.
Gandra, Subsídios para a Carta Arqueológica do
ASTAROTH Concelho de Mafra, in Boletim Cultural ’94,
Demónio tesoureiro do *Inferno. Cavalga um Mafra, 1995, p. 265).
dragão, segurando uma víbora na mão es-
querda. Quando invocado à Quarta-feira, aju- ASTRAGALOMANCIA
da a obter a protecção dos grandes. É identifi- Adivinhação por intermédio de pequenos ossos
cado pelo odor fétido que emana. (ou dados) assinalados com as letras do alfabe-
to. As respostas são obtidas mediante a combi-
ASTARTE nação das letras.
Também denominada Asterate, Baalat (femini-
no de *Baal), Asera (cananeus); Ishtar (Estrela ASTRAL
da Manhã, entre os assírios) ou Inanna (acá- Plano ou mundo subtil, alcançável através da
dios); *Afrodite ou Hera (gregos); Juno (lati- projecção astral, também denominada *viagem
nos). A mais importante das divindades fení- astral (*voo do xamã).
cias, conhecida na tradição bíblica como a deu-
sa dos Sidónios (I Reis, XII, 2). Filha de Baal, ASTRALÉDIA
irmã gémea de Camos, esposa de Tamuz (Eze- Lugar utópico onde a humanidade há-de viver
quiel, VIII, 14). Um dos seus mais importantes após a vinda do Espírito, o qual tornará possí-
santuários situava-se em Sidom, sendo venera- vel o domínio do universo astral pelo ser hu-
da durante o equinócio da Primavera, com li- mano. As doutrinas espírita e rosa-cruz encon-
bações e ritos orgiásticos. A *prostituição sagra- tram-se na origem desta concepção de *Raúl
da constituía uma faceta importante do culto Leal (Henoch).
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ASTROLATRIA
ASTRÓLATRA
Adorador dos astros.
ASTROLATRIA
A mais remota notícia escrita conhecida revela-
dora da existência de cultos astrais na Península
Ibérica é a constante do poema Ora Maritima
de Avieno, que se reporta a uma Ilha da Lua (a
actual Pénon, um pouco a oriente de Málaga)
e ao Monte da Lua (*serra de Sintra). Tão su-
cinta informação, veiculada pelo mais célebre
roteiro da antiguidade, é susceptível de ser cor-
roborada pelas abundantes representações as-
trais (esteliformes, asteriformes, *Lua, *Sol,
*cometa, etc.) consignadas pela arte rupestre e
pelos incontáveis artefactos exumados, a obser- Orante da Fonte da Vila, em Turquel (Alcobaça).
vação das inscrições lapidares e da numismática
(moedas de Salacia, Mirtilis e Cilpes) romanas, Maritima; antas da Peneda; insculturas antigas,
as actas conciliares (I Concílio de Braga, in O Arqueólogo Português, v. 6, n. 8-12, Ago.-
LXXII), as constituições dos bispados (cf. Cons- Dez. 1901, p. 183). O mesmo arqueólogo cita
tituições do bispado Porto, 1687, liv. 5, tit. 3, um ciprianista local, o qual lhe contara «ter que-
const. 3) e as tradições e ritos populares. Com brado na sua propriedade uma laje, onde, além
efeito, são tantas e de tal qualidade as evidên- do sol e da lua, estavam também pintadas as es-
cias ao dispor, que se torna indubitável a persis- trelas. O sol e a lua eram gravuras circulares de
tência de cultos astrais desde épocas extrema- diferente diâmetro; as estrelas eram, segundo
mente recuadas no actual território nacional. parece, covinhas (fossettes), a que ele dava certa-
Um dos mais notáveis exemplos (antes de ter mente aquele nome, por vê-las na companhia
sido vandalicamente destruído) foi o sítio da dos dois astros» (cf. Dispersos, Coimbra, 1933,
Pedra Alçada (Magoito, Sintra) onde se achava p. 314 e Leite de Vasconcelos, Religiões da Lusi-
figurado um *orante em adoração ao sol, en- tânia, v. 1, p. 376). De facto, agrupamentos de
quanto este caminhava para o *ocaso no hori- sinais asteriformes poderão ter constituído mi-
zonte ocidental. Quando se ocupou das antas nuciosa cartografia do céu, cuja influência,
em Religiões da Lusitânia, Leite de Vasconcelos consabidamente, foi decisiva sobre a vida e o
notou que «as suas entradas estavam, muitis- destino, por todas as comunidades arcaicas.
simas vezes, voltadas para o nascente», con- Amorim Girão também interpreta como sím-
cluindo dessa circunstância que ela depunha «a bolos astrais os motivos quadrangulares reticu-
favor de tal ou qual veneração pelo sol» (v. 1, p. lados. *Arqueoastronomia, *heliolatria, *hora
324-325 e 391). Os conjuntos de covinhas po- aberta, *hora fechada, *lúnula, *meio-dia.
derão figurar constelações, como parece ser o
caso no castro de *Guifões (Leça, Matosinhos) BIBLIOGRAFIA BELO, Aurélio Ricardo, Símbolos astrais das lá-
ou em Azevedo (Vila Praia de Âncora, Cami- pides Luso-Romanas, in Bol. da Junta de Província da Estrema-
dura, s. 2, n. 44-46 (1957), p. 143-168 e n. 47-49 (1958), p.
nha). Nesta localidade detectou Martins Sar-
39-75; FONTES, Joaquim, Figuras rupestres astrais no santuá-
mento «uma laje com gravuras curiosas», algu- rio pré-histórico do Gião (Arcos de Valdevez), in Homenagem a
mas novas para ele, como sublinha, acrescen- Martins Sarmento, Guimarães, 1933, p. 120-121; GARCIA,
tando: «Aqui em vez de círculos concêntricos, Eduíno Borges, A fonte de vila há 6000 anos: santuário do Deus
do Sol na região de Alcobaça?, in Boletim da Asociação para a
aparecem quadrados, mas gravados pelo mes- Defesa e Valorização do Património Cultural da Região de Alco-
mo processo dos círculos» (cf. O estudo da Ora baça, n. 2 (Jan.-Jun. 1979), p. 13-14; GOMES, Mário Varela,
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ASTROLATRIA
1– Alcobaça; 2– Arrife (Serra d’Aire); 3– Vila Nova de S. Pedro (Cartaxo); 4– Furadouro da Rocha Forte
(Cadaval); 5– Pai Mogo (Lourinhã); 6– Alenquer; 7– Quinta do Caracol / Aldeia Gavinha (Alenquer); 8–
Arruda dos Vinhos; 9– Portucheira / Matacães; 10– Louriceira; 11– Cova da Moura / Ventosa; 12– Ca-
beço da Arruda 2 (Torres Vedras); 13– Casal da Estrada / Fanga da Fé; 14– Sobral da Abelheira; 15– Eri-
ceira [Forte de N. Sra. da Piedade popularmente conhecido por Forte da Lua]; 16– Tituaria / Milharado;
17– Casais do Lexim; 18– Covas / Igreja Nova (Mafra) [Cromeleque assinalado por Estácio da Veiga]; 19–
Serra de Sintra; 20– Monserrate (Sintra) [Lucerna com crescente (Veiga Ferreira / Couto Tavares, in Rev
Guimarães, 64, 1953)]; 21– Barreira e Funchal 1 e 2 / Odrinhas [Cromeleques e alinhamentos]; 22– Folha
das Barradas [Ídolo cilindrico com crescente]; 23– Negrais; 24– Almoçageme; 25– Magoito ; 26– Praia da
Maçãs; 27– Colares; 28– Cabo da Roca; 29– Pedra dos Mouros / Belas (Sintra); 30– Montemor (Ca-
neças); 31– Baútas; 32– Carenque (Amadora) [Lúnulas das grutas artificiais de Vila Chã]; 33– Trigache 2
e 3 (Loures); 34– Alapraia 2 (Cascais); 35– Lisboa; 36– Palmela 4 [A. I. Marques da Costa, Estações Pre-
historicas dos Arredores de Setúbal, in O Archeologo Portuguez, v. 12, n. 5-8 (Mai.-Ago. 1907), p. 206-217 e
n. 9-12 (Set.-Dez. 1907), p. 320-338]
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ASTROLOGIA
ASTROLOGIA
Desde sempre foram legião os seus adeptos. Os
neoplatónicos, herdeiros do pitagorismo, reti-
raram aos astros a sua qualidade de causa efi-
ciente (poietikon) do destino que a astrologia
exposta pelos estóicos lhes reconhecia. Plotino,
retomando uma ideia de Philon, atribuí-lhes
tão-só o papel de signos (semeia semantikon),
motivo por que as almas são livres, não obede- Frontispício do Guia Náutico de Évora (ca. 1516).
cendo a qualquer necessidade mecânica, mas
somente a uma predestinação (heimarméné) a Summa Astronomica in duos divisa tomos: pri-
que elas próprias por sua vontade criaram para mus de Astronomia, secundus de Astrologia) lhe
si. Não se encontram ainda seguramente averi- eram muito afeiçoados, a Afonso V se atribui
guadas as crenças astrais da antiguidade hispâ- um tratado, hoje perdido, sobre a Constelação
nica. Diversas concitaram o anátema de suces- do Cão Maior, alegadamente regente da nação
sivos Concílios, não sendo dispiciendas as ex- lusíada por intermédio da estrela Sirius. Fran-
postas pelos priscilianistas (Canones Apostolo- cisco de Holanda coloca-a entre as ciências que
rum et Consiliorum Saeculorum IV, V, VI, VII convêm ao pintor (Da Pintura Antiga, I, 8).
cum praefatione, Berolini, 1839, p. 29-36), Por outro lado, as sucessivas edições do Reper-
nem mero exercício de retórica o cânone 72 de tório dos Tempos e do Tesouro de Prudentes, bem
S. Martinho de Dume: «Não seja lícito a cris- como o sem número (manuscrito ou impresso)
tãos conservar práticas do gentilismo e regular- de efemérides, tábuas, prognósticos, lunários,
-se ou governar-se pelos elementos ou pelo cur- almanaques, sarrabais, juízos sobre eclipses e
so da *Lua ou estrelas, ou fútil significação dos tratados acerca de cometas, constituem um
signos nas horas domésticas». No final da Idade acervo não negligenciável para aquilatar da ex-
Média a Astrologia grangeara uma aceitação traordinária receptividade de tal, nas palavras
quase generalizada. Reis, príncipes, e áulicos de Pedro Nunes, «crendice vã» (De Crepusculis,
mantinham astrólogos nas suas cortes, eles pró- in Obras, v. 2, Lisboa, 1943, p. 149). Os co-
prios aderindo frequentemente à arte. Portugal mentários negativos e as censuras podem, do
não foi excepção, porquanto se o Infante D. mesmo modo, constituir um valioso auxiliar
Henrique, D. Manuel I (Damião de Góis, Cró- nessa tarefa. A 9ª Regra do Índice expurgatório
nica de D. Manuel, IV, cap. 84) e o príncipe D. de 1564 é disso o atestado: «E os Bispos te-
Teodósio (discípulo do Jesuíta Padre João Pas- nham muita conta que ninguém tenha, nem
cásio Ciermans ou Cosmander, é-lhe atribuída leia livro ou catálogo ou Tratado de Astrologia
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ASTROLOGIA
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ASTROLOGIA
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ASTRÓLOGO
ria Económica e Social, 8 (Jul.-Dez. 1981), p. 43-76; CARVA- portantes e melhor conhecidas divindades in-
LHO, Joaquim de, O Livro ‘Contra o Juízo dos Astrólogos’ de
Fr. António de Beja e as suas fontes italianas, in Estudos sobre a
dígenas, provavelmente celtizada, da Lusitânia,
Cultura Portuguesa do séc. XVI, Coimbra, 1947, I, p. 185-212; entre o Tejo e o Guadiana (a outra foi *Endo-
O Livro ‘Contra os Juízos dos Astrólogos’ de Fr. António de Beja, vélico de quem Ataégina terá sido o paredro),
in Boletim da Universidade de Coimbra, v. 16 (1944), p. 181-
290 (ed. Joaquim de Carvalho, a partir do único exemplar co-
região que constituiu um vasto e ancestral san-
nhecido, da Biblioteca do Harvard College); GANDRA, Ma- tuário votado ao culto da fertilidade (*megali-
nuel J., A Filosofia Hermética em Portugal e no Acervo da Bi- tismo). Deusa da morte e da regeneração, rela-
blioteca do Palácio Nacional de Mafra, in Boletim Cultural ‘93,
cionada com o mundo subterrâneo e infernal,
Mafra, 1994, p. 11-74 (especialmente p. 45-51); MARTINS,
J. Pina, Fr. António de Beja e a Astrologia Judiciária, in Tempo cujos poderes terapêuticos e fecundantes eram
Presente, n. 17-18 (Set.-Out. 1960), p. 30-71; idem, Fr. Antó- manifestados por intermédio de determinadas
nio de Beja contra a Astrologia judiciária, in As Grandes Polémi- fontes salutíferas ou mananciais aquáticos de
cas Portuguesas, Lisboa, 1962, p. 86-129; SAMPAIO, Duarte,
Astronomia Pittoresca, Lisboa, 1900; SOARES, Ernesto, Al- origem profunda. É conhecido um número
manaques, prognósticos, lunários, sarrabais do século XVIII em significativo de aras votivas onde surge com
Lisboa, Lisboa, 1946; VENTURA, Augusta Gersão, Estudos funções idênticas às da Perséfone grega ou da
Vicentinos. I. Astronomia-Astrologia, Coimbra, 1937.
*Proserpina latina, de resto muito venerada nas
regiões de onde são oriundos os monumentos
ASTRÓLOGO
dedicados a Ataégina (Alentejo e Sudoeste de
Em hebraico, ashshaph, encantador que pratica
Espanha), em alguns dos quais, por um fenó-
a adivinhação de futuros contingentes por in-
meno de sincretismo, a deusa é identificada
termédio das estrelas (Daniel, I, 20; II, 2, 10,
com Proserpina (cf. A. Garcia y Bellido, Escul-
27, etc.). Prática mântica proibida pelo Deute-
turas Romanas de España y Portugal, fig. 126,
ronómio (IV, 19; XVIII, 10) e por Isaías,
142, 155-157, 172-173), o que, definitiva-
(XLVII, 13).
mente, faz dela uma divindade infernal e fune-
rária, circunstância sublinhada pela ocorrência
ASTROSIA
de um *cipreste, num dos cipos funerários que
Adivinha ou qualquer jogo de sorte ou fortuna
em que se crê possam influir os astros.
ASTROSO
Alguém nascido sob o influxo de uma má estre-
la, consoante a definição de Santo Isidoro: «As-
trosus ab astro dictus, quasi malo sidere natus»
(Etymologiae, X, 13). Por extensão semântica:
com má sina, malfadado, infeliz, sujeito à in-
fluência da Lua, de mau agoiro, amaldiçoado.
ATADURA
*Nó.
ATABURRAR
Verbo com o qual é costume assustar as crian-
ças em Bragança (cf. Gonçalves Viana, in Revis-
ta Lusitana, v. 1, p. 204).
ATAÉGINA
Também Adaecina, Adaegina, Adecina, Adegi-
na, Atacina, Ataecina, Attegina, etc. (variantes
documentadas do teónimo). Uma das mais im- Ara dedicada a Ataégina, oriunda de Quintos (Beja).
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ATALAIA
invocam o seu nome. Outro argumento (não BIBLIOGRAFIA ABASCAL PALAZON, Juan Manuel, Ataeci-
na, in Religiões da Lusitânia – Loquuntur saxa, Lisboa, 2002,
consensual) em prol do referido sincretismo p. 53-60; BLAZQUEZ MARTINEZ, Jose Maria, Religiones
tem sido aduzido por alguns autores que rela- Primitivas de Hispania – I. Fuentes Literarias y epigraficas, Ma-
cionam o teónimo Ataégina com o irlandês drid, 1962, p. 145-147; GARCIA, José Manuel, Um Ex-voto
Lusitano-Romano, in Almadan, n. 4 (Maio-Nov. 1984), p. 7;
adaig, noite, reportando-se a uma *tabella defi- SOARES, A. Monge, Igreja de S. Jorge, in Informação Arqueo-
xionis de Mérida [Museu Nacional de Arte Ro- lógica, n. 7 (1986), p. p. 19-20
mana: n. 580], na qual lhe é impetrado (a Atae-
cina Turobrigense Proserpina) que amaldiçoe ATALAIA
um ladrão. Sem embargo de o seu santuário Invocação mariana. Uma das suas imagens
principal ficar situado na cidade bética de Tu- mais festejadas (em Agosto) terá aparecido nu-
róbriga (donde os epítetos: Dea Domina Turi- ma *aroeira, junto de uma fonte situada perto
brigensis, e Dea sancta Turibricensis, este consig- da antiga Aldeia Galega do Ribatejo, actual vila
nado na epígrafe de Quintos – Beja), muitas do Montijo. A imagem fugiu diversas vezes da
das mais de três dezenas e meia de aras e epígra- ermida que os fiéis para ela edificaram, sendo
fes exumadas foram-no das cercanias de nas- sempre encontrada na *fonte onde se havia ma-
centes mineromedicinais. A *ablução purifica- nifestado, primitivamente. Ulteriormente, seria
dora realizada pelos seus fieis seria, eventual- erguido outro santuário, no local da primitiva
mente acompanhada pela oferenda de ex-votos epifânia, ao qual passaram a afluir círios oriun-
em bronze figurando cabras, vítimas expiató- dos de Lisboa, Olhos de Água, Carregueira,
rias das maleitas do ofertante (*bode expiató- Anunciada, Quinta do Anjo, Sesimbra, Moita,
rio). Duas das epígrafes conhecidas acham-se Azóia, Setúbal, Azeitão, Samora Correia, Caci-
gravadas sobre placas de bronze, associadas a lhas, Barreiro, Seixal, Alcochete e Aldeia Gale-
uma pequena *cabra do mesmo metal, razão ga. Os romeiros oriundos da capital (freguesias
por que Leite de Vasconcelos crê que outros ex- de Chelas, São Sebastião da Pedreira, São Fran-
votos de cabras [Museus de Évora e Cáceres] cisco de Paula, Francesinhas, Beato, São Lou-
recolhidos na região onde Ataégina era venera- renço, Santa Isabel, Ajuda, Santa Engrácia, etc.)
da, possam reportar-se ao seu culto (cf. Religiões embarcavam para a margem Sul, num sábado,
da Lusitânia, v. 2, p. 169-172 e 283-285, fig. em vapores ou faluas rebocadas, regressando na
34-35 e Opúsculos, v. 5, p. 143-144). À mesma segunda-feira seguinte. Na madrugada da gran-
conclusão chegaram J. Camarate França e O. diosa procissão que dava a volta ao terreiro da
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ATALANTA
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ATLÂNTIDA
vel impedir um indivíduo de ter qualquer tipo imagens. Todavia, a resposta mais plausível re-
de relação carnal com uma mulher, excepto side na circunstância de os gregos considerarem
com a mandante ou requerente. As técnicas atheos todos aqueles que, não partilhando as
operativas são muito variadas, contemplando mesmas crenças religiosas, prestavam culto a
fórmulas como a da *adoração da estrela for- deuses distintos dos seus. *Diogo Afonso.
mosa ou da *devoção das almas. Uma fórmula
de magia amatória considerada muito eficaz, BIBLIOGRAFIA VASCONCELOS, J. Leite de, Do atheismo dos
callaicos, in Revista Lusitana, v. 2 (1890-92), p. 346-347
supunha o emprego de uma peça de uso pró-
prio do indivíduo a maleficiar, de preferência
roupa, mas igualmente uma fotografia, um pa- ATENA
pel escrito, uma madeixa de cabelo ou um bo- Também conhecida por Palas Atena. Corres-
neco: «Eu te ato com Barrabás, com Satanás e ponde a *Minerva, uma das divindades mais
Caifás e Maria Padilha, que hoje é o seu dia, antigas do panteão latino e um dos elementos
para que F. não possa ter cópula carnal com da tríade capitolina. Feroz, implacável e deste-
mulher alguma, nem possa parar sem com F. mida na guerra. Figurada com capacete, lança,
vir estar» [ANTT: Inq. Coimbra, proc. de Ma- couraça (égide) e escudo (broquel no qual fixa-
ria Ferreira, fl. 48v]. À medida que proferia o ra a cabeça de Medusa, oferecida por Perseu). A
conjuro, a operadora dava alguns nós na roupa coruja, ave que simbolizava a sabedoria, é o seu
ou nos cabelos. O malefício persistia enquanto atributo mais difundido. Culto atestado em
os nós não fossem desatados. *Amarração, *de- Portugal, numa ara de Valado (Alcobaça). Uma
voção da porta-portal, *dominar vontades, *li- gema, oriunda de Conimbriga, reproduz a efí-
gamento, *ligar. gie de Atena Nikephoros, originada na de Atena
Parthenos de Fídias.
ATAR AS CARDAS BIBLIOGRAFIA CARDOSO, Mário, Pedras de Anéis Romanos
Expressão sinónima de morrer. encontradas em Portugal, in Revista de Guimarães, v. 72, n. 1-
2 (1962), p. 155-160; CRAVINHO, Graça, Peças Glípticas de
Conimbriga, in Conimbriga, v. 11 (2001), p. 163-166, n. 10;
ATAVISMO FRANÇA, Elsa Ávila, Anéis, braceletes e brincos de Conim-
Manifestação em seres humanos de briga, in Conimbriga, v. 7 (1979), p. 133-139
características e comportamentos associados a
formas pré-humanas de existência, tais como a ATIS
*licantropia, o *vampirismo, etc. *Cibele.
ATEÍSMO ATLÂNTIDA
Crença do ateu (do grego, a+theos = sem deus), Há tradições de dilúvios e referências a eles em
i.e., descrença em qualquer deus, deuses ou en- todas as civilizações. A geologia e a geofísica
tidades divinas. Durante muitas décadas cau- contemporâneas não se opõem a que essas tra-
sou estupefacção o teor de um trecho da Geo- dições correspondam a factos efectivamente
grafia (III, 4, 16) de Estrabão, no qual o autor ocorridos, conferindo alguma verosimilhança,
grego afirmava: «Dizem alguns que os Calaicos quer à narrativa platónica, quer ao episódio bí-
são ateus». Face à constatação de que os Calai- blico. A camada de maxne, loess ou lehm, espé-
cos, efectivamente, veneravam considerável nú- cie de lama, geralmente vermelha, que se en-
mero de divindades, alguns autores modernos contra em todos os continentes cobrindo vestí-
aventaram hipóteses no sentido de deslindar o gios do Paleolítico final (em Portugal, na Lapa
que poderia ter motivado tão despropositada do Fumo – Cabo Espichel – Sesimbra e na
afirmação do geógrafo. Leite de Vasconcelos, Gruta da Figueira Brava, sita a uns 400 m para
por exemplo, entende que significa que esse Sudoeste do Forte de Santa Maria, no Portinho
povo não tinha deuses, na acepção de ídolos ou da Arrábida) e a que os geólogos chamam «gla-
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ATLÂNTIDA
ciária», constitui o indício mais flagrante da este arquipélago do Sudoeste de Gales com o
magnitude do cataclismo, uma vez que as gla- cabo do Fim do Mundo). A catástrofe que des-
ciações jamais afectaram globalmente o plane- truiu a Atlântida foi, eventualmente causada
ta! Em conformidade, a realidade da Atlântida pelo impacto de um cometa ou de um Objecto
só esporadicamente continua a ser questiona- Apolo (espécie de asteróide, cujo periélio é con-
da, não obstante persista o debate quanto às tido pela órbita da Terra) em pleno Atlântico
suas exactas cronologia e extensão, fundado, ou, mais provavelmente, nas Antilhas (próxi-
muitas vezes, em inauditas conjecturas e apon- mo de Porto Rico). Fenómenos congéneres,
tando-lhe as mais recônditas localizações. O muito mais frequentes do que se julgava até há
Atlantis nesos, i. e., a ilha da Atlântida de Pla- cerca de meio século, quando passaram a mere-
tão, mais poderosa que a Líbia (do grego, Amâ, cer a atenção dos geólogos, são susceptíveis de
i. e., África) e a Ásia juntas (consoante o con- provocar efeitos cataclísmicos à escala planetá-
ceito que delas se fazia no século IV. a. C.) e lo- ria se produzidos por corpos de envergadura
calizado adiante ou além do Fretum Gadita- superior a 20 quilómetros. Nessas circunstân-
num (as Colunas de Hércules ou Estreito de cias, além da inevitável e morfologicamente va-
Gibraltar), constituía o poderoso império de riável cratera, dar-se-ão explosões atmosféricas
MU, que terá abrangido todo o litoral atlânti- (com repercussões perniciosas sobre o clima e a
co, desde a latitude da Mauritânia (Maurousia biosfera terrestre), originando-se, no caso de a
dos gregos) até à da Irlanda-Escócia, limite se- queda ocorrer no mar, vagas-maré e tsunamis
tentrional do último máximo glaciário (16.000 de intensidade proporcional à magnitude, ve-
a. C.), cujos gelos chegaram a atingir, em deter- locidade e trajectória do impacto (este género
minadas paragens, cerca de dois quilómetros de ocorrências terá causado a extinção em mas-
de espessura. Com efeito, Platão que compara- sa dos dinossáurios, bem como de inúmeras
ra a Atlântida à Ásia e à Líbia juntas (i. e., um outras espécies). O cenário decorrente do even-
território aquém das Colunas de Hércules), to, que se estima ter tido lugar ca. 10.000 a. C.,
omite qualquer referência ao litoral atlântico ter-se-á caracterizado pelo aquecimento global
europeu e norte-africano (actual Marrocos), do planeta, o qual provocou uma deglaciação
eventualmente porque Atlantis compreenderia abrupta, em virtude da qual se assistiu à instan-
tais regiões, sitas além dessa autêntica e miste- tânea devolução aos oceanos das águas retidas
riosa fronteira finistérrica do mundo antigo. O no gelo formado durante a glaciação Wurm. A
nível do oceano, então inferior ao actual mais súbita e inesperada vaga-maré, resultante do
de uma centena de metros (entre -140 e -160 impacto, terá atingido o litoral europeu com
metros), expunha quase por completo as plata- um frangente ou crista de dimensão estimada
formas continentais. Por seu turno, o litoral em 500 metros de altura, formando uma colos-
atlântico europeu estendia-se para ocidente, sal massa de água de incalculável capacidade
em certos casos, algumas centenas de quilóme- devastadora. Em consequência da inundação
tros, tornando continentais até as actuais Ilhas diluviana que originou a lenda do afundamen-
Britânicas: era possível ir do golfo do Morbi- to, o conjunto de povos que habitava a Atlân-
han até Inglaterra a pé enxuto; Brest distava tida terá sido afectado por sucessivos desastres
quatrocentos quilómetros da costa e Londres orogénicos, acompanhados por transgressões
setecentos! E também nesta região subsistem marinhas, erupções vulcânicas e alterações cli-
relatos lendários acerca de drásticas súbidas da máticas (junto à plataforma continental portu-
maré e de cidades engolidas pelas águas, como guesa, o nível do mar atingiu a cota actual entre
Ker-Is ou Ys, (segundo a lenda bretã, situada 3000 e 1000 a. C., aproximadamente). As co-
entre a Armórica e o monte de Saint Michel, munidades mesolíticas, surgidas de tais convul-
na Cornualha), e Lyonesse (que se diz ter existi- sões como uma aurora brusca, poderão ser jus-
do entre a Cornualha e as ilhas Scillies, unindo tamente consideradas a sua solução de conti-
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nuidade. É consensual, de resto, a assunção de ilha de Sumatra se deslocou vinte metros para
que na raiz do Mesolítico, época de transição Sudoeste da sua anterior localização! Além dis-
entre o Paleolítico e o Neolítico, está um fenó- so, provocaria, ainda, a inesperada e insólita re-
meno geoclimático (o qual inaugurou uma no- velação de considerável número de estruturas
va era geológica, denominada Holocénico) e de pertencentes à lendária cidade de Mahabalipu-
que os grupos humanos que sofreram tal tribu- ram, outrora (séc. V a VIII), importante me-
lação se viram confrontados de forma dura- trópole portuária, situada no litoral de Tamil
doura (durante mais de dois milénios) com rá- Nadu (distante de Madrás cerca de 35 quiló-
pidas e profundas e alterações biofísicas que metros), a qual havia sido «engolida» por outro
afectaram o equilíbrio bioclimático, gerando o tsunami verificado 1.200 anos antes! Platão re-
declínio dos recursos alimentares, bem como trata o estado deplorável das humanidades víti-
inúmeros outros efeitos, cuja verdadeira ampli- mas de tais calamidades globais, sublinhando o
tude ainda não logrou uma cabal interpretação. efeito regressivo desses eventos na civilização.
Para se fazer uma pálida ideia da dimensão bru- As imagens que usa são-nos familiares, quase
tal do fenómeno, convém recordar que o tsuna- televisivas: «Quando, […] os deuses submer-
mi que se seguiu ao terramoto ocorrido no dia gem a terra com as águas, para purificá-la, os
26 de Dezembro de 2004 no Sudeste asiático, habitantes das montanhas, boieiros e pastores,
atrasou o movimento de rotação da terra em escapam da morte, mas os que vivem nas cida-
cerca de três microsegundos, tendo provocado des são arrastados pelos rios para o mar. […] as
uma tal oscilação das placas tectónicas que a torrentes de água do céu, de novo caem sobre
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– Ambos os diálogos, Timeu e Crítias, baseiam o seu argumento num relato transmitido a Sólon, um dos
Sete Sábios da Grécia, por sacerdotes egípcios que se exprimiam no idioma do seu país, para o qual havia
sido traduzida a nomenclatura atlante. Para torná-la compreensível aos seus compatriotas, Sólon viu-se
compelido a retrovertê-la para grego (Crítias, 113-113b).
A destruição da Atlântida terá impressionado deveras os egípcios de uma forma geral, mas, muito par-
ticularmente, Psenophis de Heliopolis e Sonchis de Saís que transmitiram, cerca de 590 a. C., o relato a
Sólon, o qual o anotou traduzindo os nomes da língua egípcia para a grega. Exemplo paradigmático disso
é a circunstância de o deus helénico Atlas, que emprestou o nome à ilha da Atlântida, ser o correlato da di-
vindade egípcia Shu, descendente de Nun, à semelhança de Poseidon, deus do Oceano. Assim, não surpre-
ende que as Colunas ou Estelas de Shu dos egípcios, tenham sido transformadas pelos helenos nas Colunas
de Atlas, ulteriormente de Hércules. Platão refere que Atlantis significava, na língua indígena ou autóctone
(epichoriôn), ilha-península daquele que «transporta, carrega ou sustém algo sobre si».
– Platão dá o nome de Atlântida a uma ilha (Atlantis nêsos) situada num pélago (Atlantikou pelagous) (Ti-
meu, 24d).
Platão jamais chamou continente à Atlântida, antes a designou por nêsos, termo adoptado pelos helenos
quer para nomear uma ilha, quer como sinónimo de península (como em Peloponeso). Isto porque, ao
tempo, o empório atlante abrangeria todo o litoral atlântico da Europa, até à latitude da Irlanda-Escócia,
sendo descrito e representado como uma vasta península ou promontório, culminando na Ibéria, a Sul.
Por outro lado, pélago, significa em Platão pântano, águas pouco profundas, onde coexistem ilhas (um ar-
quipélago), separadas por canais ou braços de mar. Platão, jamais usou a palavra Okeanos no Timeu e no
Crítias. De facto foram os seus tradutores que traduziram os termos gregos para mar, pelagos e pontos, por
oceano, condicionando a localização da ilha em pleno Atlântico.
– A ilha da Atlântida, situava-se diante da embocadura das Colunas de Hércules. Dela podia então passar-
-se para as outras ilhas que constituíam o arquipélago, sito num autêntico mar, e a partir delas alcançar
uma terra firme, que o circundava, a qual, adverte Platão, «com toda a propriedade» se podia chamar um
continente (Timeu, 24d-25).
Para ser rigoroso na localização do arquipélago que defrontava as Colunas de Hércules, Platão usa a voz gre-
ga pro (tou stomatos), a qual significa, precisamente diante de (da embocadura). De resto, Platão descreve o
Estreito de Gibraltar justamente com o aspecto que terá tido há 11.000 anos. O texto platónico deixa mui-
to claro que antes do afundamento o Estreito era navegável e podia ser atravessado. A passagem muito mais
estreita e mais longa que a actual desembocava a Oeste num mar interior (de aproximadamente 80 km de
comprimento por 20 km de largura máxima) que precedia o Oceano Atlântico. A terra firme que cir-
cundava esse autêntico Mediterrâneo em miniatura, frequentemente (mas abusivamente) interpretado co-
mo o continente americano, corresponderia às plataformas continentais africana e europeia então emersas,
em virtude do nível das águas ser inferior, e formaria, à data, uma espécie de ponte ou istmo natural, unin-
do a Ibéria à África. Uma vez ultrapassada essa ilha-península, espécie de dique natural, seria possível sin-
grar em pleno Oceano Atlântico, para Sul (África) e para Norte (Europa). Pesquisas geológicas e subaquá-
ticas recentes autenticam a paisagem descrita, porquanto há 11.000 anos havia, de facto, terras emersas na
zona imediatamente diante das Colunas de Hércules.
– Desejando proteger Clito, Poseidon isolou, fortificou e embelezou o centro da ilha da Atlântida, tendo
edificado em torno da sua Acrópole, para defesa desta, cinco fossos concêntricos (três de terra e dois de
água. alternados), de molde que fossem intransponíveis para os humanos que ainda não sabiam navegar
nem dispunham de embarcações para esse fim (Crítias, 113d-113e).
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Na ilha principal de Atlantis encontrava-se sedeada a capital Poseidonis, em cujo centro existia uma Acró-
pole. Sita no meio de uma ampla planície, medindo 3.000 estádios de longitude por 2.000 de latitude,
essa ilha achava-se protegida dos ventos setentrionais por um arco de montanhas. Na Acrópole, rodeada
por 5 anéis ou fossos concêntricos, edificou Poseidon um templo que lhe era dedicado, bem como a sua
mulher Clito.
– Poseidon e Clito geraram cinco pares de gémeos masculinos, que educaram e pelos quais distribuíram as
dez regiões ou comarcas em que dividiram o Império atlante. Ao primogénito, Atlas, coube a ilha da Atlân-
tida e a suserania sobre os restantes nove irmãos, doravante seus vassalos, apesar da autoridade que deti-
nham sobre o território vasto que haviam herdado e respectivos habitantes. O gémeo de Atlas, nascido de-
pois dele, obteve em partilha o promontório junto às Colunas de Hércules, cerca da região chamada hoje
Gadírica, nome este que lhe adveio do helénico Eumelo, que se traduzia no vernáculo dos autóctones por
Gadiro. Aos da segunda geração, chamou, a um, Anfero, e ao outro Evaimon. Aos da terceira geração, deu
o nome de Menesias ao primeiro, e de Autóctone, ao segundo. Aos da quarta chamou Elasipo e Mestor, res-
pectivamente. Os da quinta, foram baptizados Azaes e Diaprepe (Crítias, 113e-114c).
A ilha-península da Atlântida (a Atlântida inteira = nhsos pasan), dividida em dez comarcas ou regiões
(mhros) para serem herdadas e governadas pelos dez filhos de Poseidon e Clito poderão ter sido transfor-
madas nas Dez Cassitérides dos povos do Mediterrâneo, após a vitória destes sobre os atlantes. Do nome de
Atlas já conhecemos o significado. Eis os dos seus irmãos: Eumelo (Gadiro) = que tem muitas e magníficas
ovelhas; Anfero = disputado (aquele que ocupa ambas as partes ou lados, dos Pilares de Hércules?); Evaimon
= feliz ou afortunado; Menesias = reminiscência; Autóctone = indígena; Elasipo = cavaleiro, escudeiro que
anima os corcéis; Mestor = que serve de limite, marco; Azaes = o seco, o árido, fuligem, negrura, de corpo
queimado, sujidade; Diaprepe = distinto, notável, ilustre.
– O texto platónico duas vezes assegura que a ilha da Atlântida era muito mais poderosa do que a Líbia e
a Ásia reunidas (Timeu, 24e; Crítias, 108e). Os reis atlantes exerciam o seu domínio não apenas sobre
Atlantis, mas igualmente sobre numerosas outras ilhas e ainda sobre algumas regiões da Europa. Na bacia
do Mediterrâneo dominavam da Líbia até ao Egipto e da Península Ibérica até à Itália (Timeu, 25-25b).
A ilha da Atlântida ocupava o epicentro do Império Atlante. Os atlantes possuíam língua e escrita próprias;
edificavam canais, pontes, aquedutos, termas, templos e casas; conheciam a abóbada e a cúpula; erguiam
muralhas circulares em torno das suas cidades e hipódromos; construíam navios e portos; além de Posei-
don, cultuavam o touro, o cavalo e o golfinho. Os soldados hoplitas atlantes usavam escudos circulares, el-
mos, lanças, couraças, arcos e carros de combate, constituindo uma poderosa força de elite. Os atlantes,
foram creditados pelos sacerdotes egípcios como detentores de uma brilhante civilização, capaz de compe-
tir com outras talassocracias pela supremacia do Mediterrâneo.
A curiosidade maior deste trecho do Crítias reside na referência ao elefante, o único animal, dos muitos de
todas as espécies que existiam no pélago, que é expressamente nomeado, neste contexto. Ora, sabe-se que
desde o Miocénico até ao Plistocénico, i. e., até ao cataclismo que destruiu Atlantis, os proboscídeos esti-
veram abundantemente representados no litoral ocidental da Península Ibérica. São, aliás, muito fre-
quentes os vestígios deles, quer em contexto geológico, quer arqueológico, nas penínsulas de Setúbal e de
Lisboa, com relevância para a bacia do Tejo: Carregado, Esteiro da Princesa, Quinta da Farinheira e 12 ou-
tras estações da Várzea de Loures (Santo Antão do Tojal, Loures), Gruta da Figueira Brava (Arrábida),
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Foz do Enxarrique (Vila Velha de Ródão), etc.. O problema que se coloca aos paleontólogos consiste em
apurar as circunstâncias que condicionaram o seu abrupto desaparecimento (leia-se extinção) na região,
exactamente durante a brevíssima transição (apenas algumas décadas) do Dryas recente para o Holocénico,
i. e., contemporaneamente ao cataclismo que vitimou a Atlântida.
– Segundo o relato de Crítias, nove mil anos antes do seu tempo, a ganância dos reis atlantes degenerados
desencadeou uma guerra que opôs uma confederação formada pelos povos que habitavam além das Colu-
nas de Hércules, chefiada pelos reis da ilha da Atlântida, a outra, liderada por Atenas, que integrava aqueles
que viviam aquém delas. Valeu o heroísmo dos atenienses, a quem, alegadamente, coube aniquilar essa po-
tência «que vinha de um outro mundo situado no arquipélago Atlântico» (Timeu, 24e; Crítias, 108e; 120e-
121). No espaço de um dia e uma noite todos os combatentes (atlantes e atenienses) foram submergidos
de uma só vez, juntamente com a ilha que desapareceu, afundando-se no mar (Timeu, 25c).
Nove milénios antes de Platão, os reis atlantes não conseguiram refrear os seus ímpetos expansionistas, e
aliados a diversos povos do Mediterrâneo ocidental, eventualmente seus súbditos, marcharam contra as na-
ções do Mediterrâneo oriental (Mare Nostrum), designadamente a egípcia e a helénica, com o objectivo de
as subjugar. A tais povos, oriundos do extremo ocidente, que penetraram no Egipto pelo Nilo, atribuiram
os egípcios a denominação de Watchantyu ou Uchantyu, i. e., Povos do Mar. Defrontaram-nos numa série
de grandes batalhas que se acham narradas nos hieróglifos do templo de Djamet (Medinet Habu), mandado
erigir por Ramsés III. Quanto a Atenas, fundada por Cecrops, avô de Erechtheus (segundo as fontes clássicas,
nascido de Hephaistos e Gaia), o qual fundou Saís, no Egipto, 1000 anos depois, os seus alvores míticos
confundem-se com a época do conflito que opôs os atenienses aos eleusinos, justamente os mesmos Povos
do Mar que a que os egípcios se reportam. Os atenienses terão devolvido, progressivamente, a liberdade
aos povos que haviam sido subjugados pelos atlantes, obrigando estes a recuar até Poseidonis, seu derra-
deiro bastião. Foi aí que os guerreiros de Atenas foram surpreendidos pelo tsunami que destruiu a ilha da
Atlântida, tendo perecido todos (edu kata tês gês, literalmente, foram enterrados ou sepultados debaixo da
terra). Depreende-se outro tanto de passagens da Topographia Christiana, de Titus Flavius Clemente (séc.
III) e dos Stromatum, de Cosmas Indicopleustes (séc. VI). É este um dos pontos de maior discordância dos
hermeneutas modernos com o filósofo ateniense, porquanto consideram totalmente anacrónica a cronologia
por ele proposta, uma vez que, as suas próprias cronologias ditam a impossibilidade de tal conflito, bem co-
mo a concretização de um feito da envergadura do cometido por Atenas no final do Paleolítico. Em contra-
partida, ajustam esse evento ao Bronze Final, fazendo coincidir com ele as origens míticas de Atenas, entre
1.582 e 1.387 a. C., que o mesmo será dizer, cerca de 1.033 a 838 anos antes do tempo de Sólon. Um dos
mais estrénuos defensores dessa opinião é Georgeos Diaz-Montexano, para quem a época de Cecrops (1581
a. C.) remontaria apenas a cerca de 900 anos antes do tempo dos interlocutores dos diálogos platónicos, ja-
mais a 9.000, como assevera Platão! Efectivamente, só violentando a coerência narrativa do Timeu e do Crí-
tias, seria possível situar o conflito em cerca de 1.460 a. C., de facto, em pleno apogeu de diversas outras ci-
vilizações mediterrânicas, porém completamente à revelia de Platão, e contrariamente à ordem dos eventos.
– O colapso da ilha da Atlântida é atribuído a repetidos sismos de grande intensidade (seismôn exaisiôn) que
originaram inundações extraordinárias e, concomitantemente, provocaram o seu afundamento no espaço
de um dia e de uma noite. Em consequência dos «fundos lodosos que a ilha criou ao submergir-se», o pé-
lago tornou-se impraticável para a navegação, situação que se mantinha na época da redacção dos diálogos
Timeu e Crítias, 9.000 anos volvidos sobre a ocorrência do cataclismo, período durante o qual diversos ou-
tros «terríveis dilúvios» ocorreram na mesma região (Timeu, 25c-d; Crítias, 108e-109; 111-111b).
A capital do empório atlante seria destruída em consequência de diversos sismos de grande magnitude que
acabaram por desencadear um cataclismo (kataklusmôn genomenôn), expressão que os helenos usavam
quando pretendiam reportar-se a qualquer tipo de dilúvio ou inundação de dimensões invulgares (muito
provavelmente um tsunami). O cataclismo inesperado submergiu apenas a ilha da Atlântida, não a totali-
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dade de Atlantis, circunstância que teria levado Platão a escrever hê te nêsos Atlantis, em vez de usar a frase
hê te Atlantis nêsos, justamente aquela que ocorre no seu texto. Os fenómenos imediatamente decorrentes
da submersão e os subsequentes eventos telúricos, associados a tsunamis, recorrentes no período de 9.000
anos, tornaram intransponível toda a área do pélago, mantendo-o interdito à navegação ainda no tempo
de Sólon. De facto, o cataclismo alterara radicalmente a paleo-paisagem, ora constituída por marismas e
terras semi-inundadas. As plataformas continentais africana e europeia, que antes formavam, uma espécie
de ponte ou istmo natural, unindo a Ibéria à África e protegendo o mar interior que continha o pélago,
também haviam sido sujeitas à erosão induzida por sucessivos sismos e tsunamis, tendo-se rompido e ficado
submersas. Díaz-Montexano sustenta que a ilha da Atlântida se afundou cerca de 3.200 ou 3.300 anos an-
tes do tempo presente (Bronze Final) e não no final do Paleolítico, como escreve Platão. Empenhado como
está, em formatar o texto platónico à medida da sua tese, remete para o final da Idade do Bronze o cata-
clismo, alegando que Solón terá entendido mal o número de anos decorrido desde o afundamento da ilha
da Atlântida: 900 e não 9.000. Desse modo, torna concomitantes o afundamento da Atlântida e o dilúvio
de Deucalião, o qual, segundo os seus cálculos teria ocorrido entre 1.574 e 1.480 a. C. (cerca de um mi-
lénio antes de Sólon). Além disso, o dilúvio de Deucalião não tendo sido uma banal inundação, porquanto
cobriu colinas, atingindo os cumes das montanhas, não é comparável em magnitude ao cataclismo que
destruiu a Atlântida. Porém, mesmo concedendo que Sólon tivesse sido vítima de um erro de interpretação
do sentido da narrativa dos sacerdotes egípcios, Diáz-Montexano é contraditado pelo próprio texto plató-
nico que diz, expressamente: «os terramotos e o dilúvio [que afundaram a ilha da Atlântida], que foi o ter-
ceiro antes da catástrofe do tempo de Deucalião, aconteceram ao mesmo tempo» (Crítias, 112)! Como se
não bastasse, as evidências geológicas, reveladas pelo geólogo francês Jacques Collina-Girard, invalidam ir-
remediavelmente, não apenas essa, mas todas a teses passadas, presentes ou futuras que façam remontar a
destruição da Atlântida ao final da Idade do Bronze. Durante o máximo glaciário (17.000 a. C.) o nível
oceânico que se achava à cota -135 ou -140 metros, deixava completamente emersa a ilha renomeada de
Spartel por Collina-Girard. A transgressão acelerada ocorrida em 9.400 a. C. submergiu-a definitivamente,
bem como a outra das duas maiores ilhas e testemunhas residuais do arquipélago (a uma cota de -56 me-
tros), cujas demais ilhotas (entre -80 e -130 metros) já haviam sido tragadas pelo mar. Em abono da tese de
Collina-Girard vem o geólogo e geofísico Marc-Andre Gutscher da Universidade da Bretanha Ocidental
(Plouzane, França), cujas pesquisas revelaram a existência de um depósito sedimentar na ilha Spartel, atri-
buível a um terramoto e consequente tsunami, contemporâneos do cataclismo ao qual Platão assaca a des-
truição da Atlântida. Porém, até os dados carreados pela biologia marinha concordam com os constatados
pela geologia e pela geofísica. Efectivamente, o recuo ou avanço dos recifes e bancos coralíferos acompanha
as descidas ou subidas oceânicas, constituindo por esse motivo um excelente indicador dos níveis marinhos.
Constituídos por carbonatos, os organismos em apreço são analisáveis pelo método do Carbono 14 (C14)
e confirmam exactamente as mesmas etapas na subida das águas que submergiram o paleo-Estreito de Gi-
braltar. Por seu turno, amostras recolhidas no estuário do Guadiana permitiram, em 2002, corroborar lo-
calmente o mesmo fenómeno.
Estudos recentes, concluíram que a região desde o Estreito de Gibraltar e do Golfo de Cádis, até ao Cabo
de S. Vicente integra um dos focos mais activos de geração de terramotos submarinos e tsunamis, de que
o mais recente e destruidor exemplo foi o de 1755, em virtude de constituir um dos pontos de máxima
pressão entre a união das placas tectónicas africana e europeia, de resto coincidente com uma grande falha
transformante (Gibraltar-Madeira-Açores). Os estudos de Marc-Andre Gutscher sobre os sedimentos de
turibite detectados na mesma área evidenciam a ocorrência de, pelo menos, oito terramotos na região, des-
de o afundamento de Atlantis. Também neste particular, para desespero e vergonha de muitos dos seus soi-
-disant hermeneutas, Platão não pode ser acusado de efabulador! Aliás, o rigor da informação que deixa
transparecer possuir no Timeu e no Crítias quanto à história da humanidade e da própria Terra durante os
nove milénios que separavam o seu mundo do do cataclismo atlante, não deixa de surpreender-nos, face
às incomensuráveis lacunas do nosso conhecimento relativamente ao mesmo período, já ironicamente ex-
planadas pelo filósofo. Não resisto a recordar o trecho do Timeu onde o faz: «[…] Faetonte, filho do Sol
que, atrelando um dia o carro de seu pai, mas não sabendo mantê-lo no caminho paternal, queimou tudo
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quanto havia sobre a terra, e ele próprio morreu atingido pelo raio, como se diz na lenda. Esta tem, é certo,
a aparência de uma fábula, mas a verdade que encerra é a de que os corpos que circulam no céu, em volta
da terra, desviam-se da sua trajectória, e com grandes intervalos de tempo, há uma destruição de tudo que
está à superfície da terra, pelo excesso de fogo. Então todos os habitantes dos montes, dos sítios elevados e
secos, morrem em maior número do que os habitantes da beira-mar. Nós temos o Nilo, nosso salvador fiel,
que em tais casos nos protege, livrando-nos dessa calamidade, em consequência das suas cheias. […]» (22c-
22d). Ora, o mito de Faetonte, interpretado por antropólogos e mitólogos, por confusão com a de Prome-
teu, como uma fábula alusiva a um acto civilizacional, a dádiva do fogo à humanidade, assume um registo
particularmente distinto no texto platónico, bem como na generalidade dos autores clássicos. O discípulo
de Sócrates invoca intencionalmente o filho de Hélios e da ninfa Clímene, para descrever a típica colisão
de um corpo celeste com a Terra e o evento cataclísmico decorrente de tal impacto. Não sendo peremptória
essa relação, não será, no entanto, lícito especular que Platão poderia estar a reportar-se a mais um dos dis-
tintos factores condicionantes do afundamento da Atlântida? Admito que sim, dada a amplitude do desas-
tre. Socorro-me, nesta instância, das conclusões de Alexander Tollmann, professor do Instituto de Geologia
da Universidade de Viena, o qual, tendo comparado numerosos mitos de grandes dilúvios que ocorrem
em todas as civilizações, verificou, na totalidade dos casos, e especialmente no associado à destruição da
Atlântida (9.600 a. C.), que as evidências geológicas o faziam coincidir com o impacto de um cometa.
Duas das suas descobertas são cruciais na avaliação do episódio e referem-se: A. Ao padrão de dispersão das
tectites, fragmentos de rocha fundida projectada em consequência dos impactos. As concentrações que re-
gistou, em diferentes regiões do globo, todas contemporâneas do evento descrito por Platão, sugerem que
a Terra foi atingida por sete fragmentos de grandes dimensões, bem como por inúmeros de menor dimen-
são; B. O aumento súbito de Carbono 14 em árvores fossilizadas, remontando à mesma época, fenómeno
só justificável pela destruição da camada de ozono por um cometa. Desta constatação se infere a fraca fia-
bilidade das datações por C14, tão acarinhadas pelos arqueólogos, em geral, e pelos arqueólogos nacionais,
em particular. Efectivamente, por si só, a velocidade da transgressão marinha em curso, cerca de 9.600 a.
C., de aproximadamente 2,50 metros por século, estava longe de ser dramática, não correspondendo ao
cenário cataclísmico descrito por Platão, mesmo se acrescida dos efeitos do tsunami decorrente dos sismos
intensos registados. O tsunami do Sudeste Asiático, em 2004, atesta o afirmado. Collina-Girard aponta a
possível cedência de diques e das muralhas circulares de Poseidonis, como responsável pela dimensão do
desastre, recordando o caso recente de Nova Orléans (EUA).
vós, e não deixam sobreviver de vós, senão os contexto que os denominados *concheiros ga-
homens rudes e ignorantes, de modo que vos nham enorme relevância testemunhal, por-
encontrais de novo, no ponto de partida, e co- quanto ao invés da tese que faz escola há mais
mo as crianças, nada sabendo do que se passou de uma centúria (desde aproximadamente
nos tempos antigos. Porque essas genealogias, 1863, quando foram detectados os de MUge!),
que ainda agora recitavas, dos teus compatri- tais estruturas não são meras concentrações
otas, Sólon, não diferem muito dos contos de caóticas de conchas («restos de cozinha, lança-
amas de leite. Em primeiro lugar não vos lem- dos a esmo durante largos períodos de tem-
brais senão de um único dilúvio universal, po»!!), antes lugares de tumulação ritual e de
quando antes houve muitos […]» (Timeu, culto aos defuntos de uma humanidade cuja
22d-23b). Uma vez minimamente estabilizado persistente relação com a água e respectivos re-
o nível médio dos mares, o clima, bem como os cursos parece não merecer contestação, até pela
demais factores indispensáveis à sobrevivência ocorrência da denominada cerâmica cardial
humana, imediatamente o hiato sedimentar se- (decorada com a concha do Cardium edule),
ria interrompido, assistindo-se à adopção por ainda em contextos de transição do Mesolítico
parte das populações do ocidente peninsular de para o Neolítico Antigo português. Na Gruta
padrões de organização comunitária que deno- do Caldeirão (Tomar), por exemplo, foram en-
tam um notável grau de sofisticação. É nesse contrados pendentes fabricados a partir de con-
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O Banco Spartel
A Noroeste do Cabo Spartel, o Banco Majuan ou Banco Spartel das cartas batimétricas espanholas, The Ridge, das cartas
inglesas, orientado NE-SW, foi, outrora, uma ilha (14 km de comprimento por 5 de largura), cujo cume se acha,
actualmente, à profundidade de -56 metros. Essa ilha fazia parte de um arquipélago, constituído por um total de 7 ilhotas,
3 das quais, se localizavam a Norte da ilha maior, entre ela e a Península Ibérica. A passagem do Mediterrâneo para o
Atlântico, muito mais estreita do que a actual, prolongava-se para Oeste, em virtude da emersão das plataformas
continentais europeia e africana. A ilha do Cabo Spartel defrontava esta goleta que abria para uma enseada protegida das
vagas oceânicas pelas 3 restantes ilhotas que formavam o arquipélago, com uma extensão aproximada de 80 km na direcção
Leste-Oeste e de 20 de largura máxima na direcção Norte-Sul.
chas de Glycymeris glycymeris e de Hinia pfeifferi, perspectiva, as conchas (e não apenas as que fi-
seguramente provenientes do litoral, o que, se caram por abrir) ritualmente depostas sobre os
confirma uma grande mobilidade das popula- despojos fúnebres encontrados em concheiros
ções e a existência de contactos inter-regionais seriam, realmente, uma forma de mantimento,
e a longa distância para obtenção de matérias- porém, destinado ao além e não a esta vida.
-primas e artefactos, também serve à demons- Creio mesmo tacitamente demonstrada a cren-
tração da possibilidade de algumas dessas des- ça dos homens e das mulheres dos concheiros
locações sazonais serem orientadas para os ca- na imortalidade individual, se não como expli-
bos ocidentais. A concretização de visitas desse car os cadáveres em posição fetal, os dispostos
tipo daria ensejo à obtenção de objectos consa- em semicírculo (sem sobreposições) como no
grados por parte dos viajantes, no caso vertente concheiro de Vale de Romeiras, os circundados
fauna malacológica, como a vieira (Pecten ma- por fogo ligeiro, ou os polvilhados com ocre
ximus Lineu), ainda hoje obrigatoriamente re- vermelho, um substituto do *sangue, substân-
colhida pelos peregrinos de Santiago de Com- cia que os espíritos buscam avidamente? Aliás,
postela. Tais deslocações persistiam em pleno o integrismo funcionalista da generalidade das
Calcolítico, uma vez que têm sido exumadas de teses arqueológicas a respeito do Mesolítico,
estações arqueológicas da Estremadura portu- consagrado, por exemplo, na caracterização dos
guesa, atribuídas a esse período, diversas con- micrólitos geométricos, sua utensilagem mais
chas perfuradas e afeiçoadas de espécies (Patella característica (fabricada, designadamente, em
safiana, Conus pulcher, etc.) oriundas do lon- quartzo leitoso, esbranquiçado, hialino, ou
gínquo Sul de Marrocos e das Canárias. Nessa mesmo em quartzite), como probatória da in-
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Porta de Alcabideche, orientada para o coelho da Pedra Branca, em plena Serra de Sintra
ditos de renome, como Manuel Faria e Sousa rio anual em honra de Nossa Senhora da Pedra
(Europa Portuguesa, cap. I, IX). Lendas pie- da Mua. A invocação Pedra da Mua é justifica-
dosas, suplantando os marcos efémeros da his- da por a mula ou muar ter deixado impressas,
tória, são, como sempre foram, as custódias do afirma-se, as suas pegadas nas rochas sedimen-
mito. Em suma, se conta que uma embarcação tares da encosta a pique. Todavia, o que nesta
terá sido surpreendida por terrível borrasca à se observa são numerosas pistas de dinossáu-
vista do Cabo. Desesperados, os tripulantes rios, só justificáveis no seu estado actual se au-
lembram-se de implorar o socorro da Mãe Di- torizadas pela radical alteração da tectónica do
vina, mas o sacerdote que segue a bordo desco- lugar. Quem quer que tenha delineado o regis-
bre que a imagem à qual desejavam endereçar to de azulejos, remontando ao século XVIII e
as suas súplicas desaparecera sem deixar rasto. integrado na face Sul da ermida que assinala o
Subitamente, perante a estupefacção de todos, sítio da aparição, tencionava não deixar dúvi-
faz-se bonança e avistam no alto da falésia uma das quanto ao conhecimento dessa realidade e
luz irradiante a qual, desembarcados e atingida de que tal invocação se destinava a perpetuar a
a fonte dela, reconhecem provir da própria memória de Mu. É com sibilina ironia que se
imagem sumida, que galgara o precipício no dirige àqueles cujos olhos não enxergam por
dorso de uma mula. Entretanto, uma velha da não olharem para o que estão vendo, socorren-
Caparica e um velho saloio de Alcabideche, do-se do Evangelho de S. João no passo (IX,
deslumbrados também, e sem conhecimento 32) que afirma: «[...] desde que há mundo
recíproco, convergem para ali, encontrando-se nunca se ouviu que alguém abrisse os olhos a
no local que se havia de tornar o destino do Cí- um cego de nascença». Todavia, outros indícios
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Retábulos azulejares da igreja do Monte de Caparica, reportando-se ao Dilúvio. Outrora, este templo achava-se no
itinerário do círio de Nossa Senhora do Cabo, ou da Pedra da Mua.
se mostram nas localidades de origem do casal REGATOS ...». De uma análise, mesmo que
de anciãos. Com efeito, na matriz do Monte da superficial, ressaltará imediatamente a circuns-
Caparica – ou da Capa Rica que, guardando, tância de a divisão silábica da palavra Moinho
como quer a lenda, um tesouro, encobre igual- conferir notoriedade à sílaba MO. Contudo,
mente o segredo que lhe dá acesso – são obser- até o próprio nome do poeta evocado denota a
váveis dois retábulos azulejares os quais, signifi- sobrevivência da tradição atlante, ou não se
cativamente, têm por tema o dilúvio universal. chamasse ele Filho, Herdeiro ou Descendente
Por seu turno, Alcabideche não fornece menos do Rei de MU, conforme o literal significado
matéria para reflexão. Um monumento erigido de Ibne Mucane. Entretanto, se se atender à
contíguo à Quinta dos Cinco Ventos, sob a su- orientação do monumento, em definitivo se
pervisão do consagrado historiador de arte Ma- poderá concluir que não é plausível invocar o
jor Santos Simões para, alegadamente, come- acaso como pretexto para justificar tão anóma-
morar a realização em 3 de Outubro de 1965, lo consórcio de «coincidências». Com efeito,
do 1º Congresso Internacional de Molinologia e, prolongando o eixo deste inequívoco portal na
concomitantemente, celebrar o poeta muçul- direcção da Serra de Sintra, a vista do observa-
mano Ibne Mucane Alisbuni, reenvia para o dor será precisamente conduzida a uma das
cerne do enigma. Numa estela votiva lê-se um inúmeras colinas basálticas (Pedra Branca) que
trecho do Poema de Alcabideche (Portugal na Es- a constituem. Ver-se-á então confrontado com
panha Árabe, IV, p. 335-336), composto no sé- um colossal coelho megalítico (o qual há quem
culo XI pelo homenageado: «... SE ÉS teime em classificar de mero fenómeno geo-
HO/MEM DECIDIDO / PRECISAS DE morfológico), relíquia astrolátrica perdurando
UM MO/INHO QUE TRABALHE / COM desde há milénios numa região desde sempre
AS NUVENS SEM DEPENDERES DOS / associada a cultos siderais. A uma investigadora
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britânica, Vera Jane Gilbert, afigurou-se existi- 1932; BERLITZ, Charles, The Mystery of Atlantis, Nova Ior-
que, Leisure Books, 1979; BRAGHINE, A., L’Énigme de
rem analogias transatlânticas numa tal represen- l’Atlantide, Paris, 1952; CASTRO, Domingos Leite de, A
tação zoolátrica das constelações, bem como Atlântida, in Revista de Guimarães, v. 28, n. 1-2 (Jan.-Abr.
nas formas proto-linguísticas usadas para as no- 1912), p. 5-16; idem, A Atlântida e as Dez Cassiterites, in Re-
vista de Guimarães, v. 29, n. 3 (Jul. 1912), p. 97-115 [«A
mear (The importance of the South-American to-
Atlântida era apenas o litoral atlântico da Europa desde o
ponomy and faunal nomenclature as evidence of Atlas até à Irlanda; O reino de Atlas, um dos dez reinos da
the world-wide diffusion of a common ancestral Atlântida, foi o primeiro, o mais importante do grupo, e o
tongue, in Atti del Internazionale degli America- que lhe deu o nome; Os outros eram: Cádis, Cartara (Car-
taya?), o Sacrum (compreendendo S. Vicente e Santa Maria),
nisti, Roma-Génova, 1972; A Transatlantic ori- os Saefes e Cempses ao sul da Arrábida, Oliusippo, Brigância,
gin for the Zodiac?, in XLII International Con- Grã-Bretanha e Irlanda; A Grande Ilha da Atlântida não era
gress of Americanists, Paris, 1976). Assim, a con- nada mais que a Grã-Bretanha, isto é, um dos dez povos que
ocupavam esse litoral; As Dez Ilhas Cassitérides eram muito
firmar-se a hipótese, cada dia que passa mais provavelmente o mesmo que os Dez Reinos da Atlântida,
consistente, da comunidade cultural entre os consideradas como o conjunto do mercado do estanho»];
habitantes de ambas as margens do Atlântico, CAYCE, Edgar, On Atlantis, Nova Iorque, Warner Books,
1968 [Os documentos que respeitam à Península Ibérica e a
das duas uma, ou mantiveram contactos num Portugal estão datados de 19 de Fevereiro de 1936 (cota:
passado difícil de precisar ou, com maior vero- 1123-1) e de 26 de Novembro de 1937 (cota: 1486-1), res-
similhança, são raças saídas de uma mesma hu- pectivamente: «A Entidade encontrava-se entre os atlantes
que chegaram ao Egipto e viajaram para o que é agora uma re-
manidade expulsa em sentidos opostos do pa- gião de Portugal, ou dos Pirinéus, onde os atlantes se tinham
raíso por inesperado cataclismo. Tal é, pelo me- já estabelecido e construído templos […]»; «[…] em terra
nos, o que os mitos dos ameríndios deixam en- atlante quando os professores e os chefes da Lei do Um anun-
ciaram a destruição próxima da Atlântida e Poseidia [sic]; a
trever (A. Lopes Mendes, O Oriente e a Améri-
Entidade viajou […] primeiro para os Pirinéus e Portugal e
ca: apontamentos sobre os usos e costumes dos po- depois para o Egipto […]»]; CORDEIRO, António, História
vos da India Portugueza comparados com os do Insulana das Ilhas a Portugal sujeitas no Oceano Ocidental, Lis-
Brazil, Lisboa, 1892, p. 19.). De resto, no con- boa Ocidental, António Pedroso Galrão, 1717; CORREA, A.
Mendes [Na década de trinta realizou conferência sobre o te-
tinente Sul-Americano também ocorre toponi- ma em apreço, na Sala dos Capelos da Universidade do Porto,
mia MU: Mu, Muaná e Muaco são rios brasilei- considerada notável por Virgílio Correia (1943)], Um estudo
ros. Os círios que ainda hoje se realizam no aro paleogeográfico, in Revista da Faculdade de Letras do Porto, v. 1-
2 (1920), p. 87-101; idem, Os Povos Primitivos da Lusitânia
de Mafra, abrangendo desde a região da Nazaré (Geografia, Arqueologia, Antropologia), Porto, Casa Editora de
até ao Cabo Espichel, tudo leva a crer consti- A. Figueirinhas, 1924; idem, As Novas Ideias sobre a Atlântida,
tuam uma homenagem ritualizada aos antepas- in A Terra, n. 12 (Jan. 1934), p. 1-14 e n. 13 (Mar. 1934), p.
1-12; idem, A Atlântida e as origens de Lisboa, in Da Biologia
sados vitimados pelo cataclismo que provocou o à História, Porto, 1934, p. 93-157 [Reproduz conferência
afundamento de tão celebrado continente. promovida pela Associação dos Arqueólogos Portugueses, su-
bordinada ao título O mito da Atlântida e as origens de Lisboa
BIBLIOGRAFIA (apenas sobre as conexões portuguesas): (7 de Fevereiro de 1934)]; idem, Anthropologie et Préhistoire
ALMEIDA, João de [Numa conferência realizada em Paris, du Portugal, in Bulletin des Études Portugaises, fasc. 1 (1941)
no ano de 1931, afirmou que «o homem de Muge não é outro [Conferência no Centre Universitaire Méditerranéen de Nice
senão o homem da Atlântida»], O Espírito da Raça portuguesa (12 de Maio de 1941)]; CORREIA, Virgílio, Uma Conferên-
na sua expansão além-mar, Lisboa, 1933 [Inclui dois mapas hi- cia sobre a Atlântida, in Diário de Coimbra (17 Mai. 1943)
potéticos: um relativo ao Plioceno-final, outro ao Chelense do [Reporta conferência realizada pelo professor Correns da Uni-
Quaternário]; idem, O Fundo Atlante da Raça Portuguesa e a versidade de Goettingue (Hanover), na Faculdade de Ciências
sua evolução histórica, Lisboa, 1950; idem, Apenso a O Fundo da Universidade de Coimbra, intitulada O solo submarino do
Atlante da Raça Portuguesa e a sua evolução histórica, Lisboa, Oceano Atlântico e os problemas da Atlântida, na qual concluiu
1951; ANTUNES, José, Atlântida: do mito à exploração cien- «que o solo do Oceano Atlântico sofreu alterações nos últimos
tífica, in Futuro, a. 2, n. 19 (Ago. 1988), p. 9-17; BARRA- 20.000 anos, o que está de acordo com a lenda da Atlântida»];
DAS, Lereno, As primitivas navegações oceânicas segundo a len- COSTA, Dalila Pereira da, Atlântida, in Portugal Renascido,
da da Atlântida, in Monumenta – Boletim da Comissão dos Mo- Lisboa, Fundação Lusíada, 2001, p. 76-78; COSTA, J. Car-
numentos Nacionais de Moçambique, a. 7, n. 7 (1971), p. 3-41 rington Simões da, A Geologia de Portugal, a Teoria de Wegener
[«Adaptação de um extracto em preparação [de] A Atlântida e a Atlântida, in A Terra, n. 9 (Mai. 1933), p. 1-16 [A teoria
no estuário do Tejo»: considera a Tarsis dos semitas distinta de de Wegener legitimaria, supostamente, a identificação da
Tartessus, identificando-a com Lisboa e apontando a possibi- Atlântida com o continente americano]; CRUZ, Frederico,
lidade de os seus habitantes terem viajado até à América]; Atlântida: mito ou realidade, in Boletim do Instituto de Angola,
BARROSO, Gustavo, Aquém da Atlântida, Rio de Janeiro, n. 36-37 (Luanda, Jan.-Jun. 1970), p. 27-46; FERREIRA,
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Fernanda Durão, A Terceira Atlântida, on-line [A ilha Terceira duzido, em tradução portuguesa, in Ecos Portugueses da Atlân-
dos Açores foi a Atlântida]; FIGANIÈRE, Visconde de, Estu- tida, p. 157-166]; LEMOS, Olinda de Lima Araújo da Silva,
dos Esotéricos : Submundo, Mundo e Supramundo, Porto, Li- Na rota da Atlântida: em busca do passado dos filhos do sol e do
vraria Internacional de Ernesto Chardron, 1889 [Cf. O capí- fogo, o legado dos Atlantas, subsídios para a primi-história dos
tulo X, n. 91: Os Atlanteanos (p. 418-424) e nota K, n. 3: So- Açores, s. l., 1995 [BN: HG 42566 V]; LIMA, J.-M. Pereira
bre o livro de Mr. I Donnelly, Atlantis: the Antedeluvian World de, Iberos e Bascos, Paris-Lisboa, Liv. Aillaud, 1902 [Interessa
(p. 690-691)]; FREIRE, José Manuel, A Atlântida e a Verdade o cap. IV: A Atlântida, e a civilização, tradições e affinidades
(Re)Velada, Lisboa, Zéfiro, 2007 [Tese decalcada das doutri- ethnicas dos Atlantas, p. 49-75, praticamente no termo do qual
nas ocultistas do Teosofismo]; FREIRE (Mário), João Paulo, A afirma: «Admitida a existência da Atlântida, e a sua civilização
Atlântida existiu, in Torre do Tombo... crónicas dispersas, Lisboa, antiquíssima, não é lícito duvidar, que Atlantas e Iberos fo-
1937, p. 63-67 [Havia publicado artigo homónimo in Repor- ram, pelo menos, coevos e que se entroncam na genealogia
ter X, n. 48 (4 Jul. 1931), p. 11-12]; FRUTUOSO, Gaspar, dos povos da raça Turaniana, donde beberam a sua vida his-
Livro Primeiro das Saudades da Terra, Ponta Delgada, 1966 tórica pré-ariana, embora a família Ibérica não chegasse ao de-
[Interessam os cap. 27-31, p. 239-293]; G. ATIENZA, Juan, senvolvimento de civilização, que o grande núcleo Atlanta
Los Superviventes de la Atlántida, Barcelona, Martinez Roca, atingiu. Não findaremos estas considerações sobre a existência
1978 [Trad. port.: Lisboa, Litexa, 1978]; GANDRA, Manuel dos Atlantas e suas afinidades étnicas e tradicionais sem por-
J., Imagens e Funções Arcaicas do Eterno Feminino no Aro de mos em relevo a etimologia da palavra Ibero, segundo os bas-
Mafra, in O Eterno Feminino no Aro de Mafra, Mafra, Câmara quistas modernos; assim Ibero vem de Ib-er, que em basco sig-
Municipal de Mafra, 1994, p. 7-28; idem, Os Círios ou aspec- nifica = rio queimante, rio ardente = perfeita alusão ao Gulf-
tos do culto da Grande Deusa na Estremadura, in Jornadas sobre Stream, rio ou corrente ardente, que ladeava a Atlântida».]; LI-
Cultura Saloia (2 e 3 Dezembro de 1994), Loures, 1996, p. VRAGA, Jorge Angel / SCHWARZ, Fernand, Atlântida: mito
85-119; idem, Cabo Espichel: ecos portugueses da Atlântida, ou realidade? (trad. Eduardo Amarante / José Maria Caselas),
Mafra, Centro Ernesto Soares de Iconografia e Simbólica, Lisboa, Nova Acrópole, 1993 [BN: HG 40856 V], 1996
2001; idem (coord.), Ecos Portugueses da Atlântida (coord. [BN: HG 42943 V]; MARQUES, Carlos Alberto, A Atlânti-
Manuel J. Gandra), Cadernos da Tradição, n. 3-4 (Equinócio- da e outros textos (compil., estudo preliminar e notas de J. Pi-
Solstício 2004), Lisboa, Hugin [Além da tradução portuguesa nharanda Gomes), Lisboa, Casa do Concelho do Sabugal,
dos diálogos Timeu (parcial) e Crítias (integral), de Platão, in- 1996, p. 23-37 [Transcreve a conferência: A Atlântida (reali-
clui contributos de: António Cordeiro, Gaspar Frutuoso, Do- zada na Associação de Estudantes de Letras de Coimbra, em
mingos Leite de Castro, J.-M. Pereira de Lima, Raposo de 16 de Março de 1927 e repetida no Colégio Luís de Camões,
Oliveira, Mendes Correa, Paul le Cour, Philéas le Besgue, A. em 18 de Março do mesmo ano)] [BN: HG 42863 V]; MAR-
R. Silva Júnior, José Lopes da Silva, Mário Saa, António Sar- TINS, José Nobre, A Atlântida, Lisboa, 1927 [Tese de licen-
dinha, Augusto de Vasconcelos Azevedo e Silva e Manuel J. ciatura em Ciências Geográficas apresentada à Faculdade de
Gandra]; idem, Atlantis: esboço de roteiro sobre as conexões por- Letras da Universidade de Lisboa] [ULLE: TL-G5]; [MAR-
tuguesas, in Cadernos da Tradição, n. 3-4 (Equinócio-Solstício TINS, Rocha], A Atlântida e a descoberta dos Açores, in Arqui-
2004), p. 305-404; idem, O Círio de Nossa Senhora do Cabo vo Nacional, a. 1, n. 9 (11 Mar. 1932), p. 4-5; MEDEIROS,
Espichel: aspectos mítico-simbólicos, Sintra, Comissão de Festas José, O Mito da Atlântida, in Os Caminhos Ocultos do Ociden-
do Círio do Cabo da freguesia de São Martinho, 2005; idem, te, Lisboa, Pergaminho 2006, p. 13-32 [Da catadupa de in-
Aspectos mítico-simbólicos do Círio do Cabo, in Boletim Cultural coerências, contradições e omissões releva o relato de José Ba-
2005, Mafra, 2006, p. 225-296; LAMAS, Maria, Arquipélago tista Duarte (1925-2000), cognominado «Zé Inglês», poeta
da Madeira: maravilha atlântica, Funchal, Eco do Funchal, popular e «cantoneiro da limpeza da Câmara Municipal de
1956, p. 13 [«Falam as lendas duma Ilha Atlântida que Platão Sintra», residente em S. João das Lampas, o qual, alegadamen-
situava aquém das Colunas de Hércules e dizia ser maior que te, teria transmitido ao autor, em 1973, as «suas memórias an-
a Líbia e a Ásia juntas. Um dia foi essa Terra portentosa sacu- tigas, da sua vivência em Igni, a cidade da Buéria, dos confli-
dida por tremenda convulsão e nela se abriram bocas de fogo tos entre as províncias de Leuna e Oríon e das destruições pro-
que atiravam para o céu labaredas ameaçadoras e formavam vocadas pelos sucessivos cataclismos que foram destruindo a
caudais ardentes, que tudo consumiam por onde passavam, grande ilha situada a meio do oceano Atlântico…». A p. 29-
crescendo sempre, até à costa, como se quisessem abrasar as 30, escreve, na primeira pessoa: «Quando era jovem e no Ve-
próprias águas. As montanhas ruíram: o mar referveu iras des- rão ia para a Ericeira, adorava imaginar que na Malhadinha,
truidoras e, com fragor infernal, engoliu a ilha imensa e bela uma praia minúscula entre a praia do Sul e a Foz do Lizandro,
como nenhuma outra. Toda a noite o mar e a terra travaram se encontravam os restos de um porto atlante. E a meio, pro-
titânica batalha, soltando rugidos que enchiam os ares de pas- vocado por uma fractura térmica dum grande estrato de are-
mo e terror. Quando, na manhã seguinte, o Sol subiu de novo nito vermelho, ficava o trono do atlante [foto na p. 29], vira-
no horizonte, a Atlântida fora submergida. Do lendário Con- do para ocidente, como a estátua da ilha do Corvo».]; MEN-
tinente restavam apenas os píncaros mais altos das suas mon- DANHA, Vítor, Soviéticos à procura da Atlântida nos Açores, in
tanhas – ilhas dispersas em grupos no Oceano vencedor. Um Correio da Manhã (5 Out. 1987); idem, História Misteriosa de
desses grupos seria o arquipélago da Madeira […]».]; LE BES- Portugal, Lisboa, 1995 [Interessam os capítulos: Um arquitec-
GUE, Philéas, Atlantes, ligures et lusitaniens, in Atlantis, n. 60 to atlante (p. 279-289) e A Atlântida nos Açores (p. 305-312)];
(Jul.-Ago. 1935), p. 193-195 [Artigo reproduzido, em tradu- MERTZ, Henriette, Atlantis: Dwelling Place of the Gods, Chi-
ção portuguesa, in Ecos Portugueses da Atlântida, p. 167-169]; cago, 1976 [Ensaia a identificação da Ilha das Sete Cidades ou
LE COUR, Paul (dir.), Portugal, Açores, Atlantide, Atlantis, Antilia da Carta de André Bianco (1426) com a Atlântida];
n. 60 (Jul.-Ago. 1935); LE COUR, Paul, Açores et Atlantide, NICOLAU, Manuel, A Atlântida na antecâmara da História,
in Atlantis, n. 60 (Jul.-Ago. 1935), p. 185-192 [Artigo repro- Lisboa, Nov. 2003 [Edição mimeografada de um texto ainda
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provisório]; PEREIRA, Paulo, As Atlântidas, in Enigma – Lu- Diodoro não têm nada a ver com os habitantes da famosa
gares Mágicos de Portugal: Cabos do Mundo e Finisterras, v. 5, Atlântida, de que nos falam Platão, Teopompo e outros, e que
Lisboa, Círculo de Leitores, 2005, p. 174-211; PINTO, Ma- um cataclismo teria devorado; eram os povos estabelecidos pe-
nuel Maia, Platão, o Timeu, a Atlântida, a Pirâmide, A inven- las costas do Atlântico, desde o Mar do Norte ao Atlas, e que
ção do Grau, a Esfinge, a Astrologia, a Criação do Universo e do para o nosso historiador tinham uma existência tão real e ver-
Homem, Porto, 1952 [Publica uma versão portuguesa do Ti- dadeira, como qualquer outro povo seu contemporâneo».];
meu, prefaciada e com notas explicativas]; QUADROS, An- SILVA, Augusto de Vasconcelos Azevedo e, De um Choque de
tónio, Portugal, Razão e Mistério, v. 1, Lisboa, 1988, p. 87- Planetas aos Discos Voadores, Luanda, 1967 [Merece realce o
155 [Interessa a Parte III: A Atlântida desocultada]; RIBEIRO, capítulo XII: Afundamento da Atlântida, inclinação do Eixo da
José Cardim, Romanização e Romanidade na zona W do Mu- Terra, origem de propagação da Onda Maré, p. 227-244. Atri-
nicípio Olisiponense, in Jornal de Sintra (27 Out. 1989-16 bui a destruição da Atlântida à colisão com a Terra de um sa-
Mar. 1990) [Transcrição incompleta de uma conferência rea- télite desse planeta ou de Vénus]; SILVA JÚNIOR, A. R., A
lizada na igreja de Santo André, em Mafra, no ano de 1989. Atlântida: subsídio para a sua reconstituição histórica, geográfica,
Adopta a equação schulteana Tartessos = Atlântida e, com ba- etnológica e política, in A Arquitectura Portuguesa (Lisboa, Jan.
se nela, considera a península de Lisboa uma colónia daquele 1930 – Mai. 1933) [O mais original estudo produzido pelo
empório andaluz]; RIVERO SAN JOSE, Jorge M., La Atlan- engenho nacional sobre a matéria, designadamente mercê da
tida o el enigma histórico de España, Barcelona, Ediciones de iconografia que, na sua qualidade de arquitecto visionário,
Camara, 1989 [Propõe uma tradução revista do Timeu e do projectou para ele; constitui o texto de uma série de cinco
Critias (expurgada dos numerosos erros que inquinam a reso- conferências realizadas na Sociedade Teosófica Portuguesa pe-
lução do problema), sobre a qual funda a sua tese de que a lo seu autor, então Secretário Geral da instituição, no ano de
Atlântida de Platão não era uma ilha (nêsos), antes uma penín- 1928; o v. 7 (p. 122-127) de Isis – Revista da Sociedade Teosó-
sula (nêsos de pantas), exactamente a península Ibérica, não fica Portuguesa publicou um Extracto dele. A perspectiva teo-
tendo sido, por conseguinte, engolida pelas águas do Atlânti- sofista do autor fica cabalmente expressa na seguinte passa-
co]; SAA, Mário, Erridânia: geografia antiquíssima, Lisboa, gem: «Este continente ocupava, antes da primeira catástrofe
1936 [Situa a Atlântida na Sicília: «Todas estas hipóteses de produzida há cerca de 800.000 anos, uma grande parte do
localização da Atlântida, incluindo a de Platão, que a havia su- que é hoje o Oceano Atlântico, desde a Inglaterra até à Amé-
posto no Golfo de Gádir, são falhas do pensamento da Con- rica do Norte e do Sul. Nele se continha, além da parte que
tinentalidade, e, por tal, não se podem manter. A posição no desapareceu e é presentemente mar, as seguintes regiões do
Grande-Mar até então conhecido, o Mar Mediterrâneo, mapa actual da Terra: ao Norte, a parte das ilhas Britânicas
aquém do Continente envolvente, é a única que serve por ser constituída pela Irlanda, Escócia e uma parcela da Inglaterra
a única que condiz com o relato do sacerdote egípcio. Depois, propriamente dita e, alcançava até às proximidades da Islân-
considerando, ainda, o problema de Aea, o problema da dia. Ao Sul compreendia parte da América incluindo o Brasil,
Atlântida fica definitivamente resolvido na posição sicilia- Bolívia, Equador, Perú, Venezuela e a América Central até
na».]; SANTA ROSA, Frei Bernardino de, Theatro do Mundo meio do México que constituía uma grande ilha adjacente. Ao
Visivel, Coimbra, 1743 [Prova a existência da Atlântida contra poente incluía parte dos Estados Unidos da América, Canadá
o espanhol Feijóo, a p. 370]; SARDINHA, António, O Valor até às costas do Labrador, compreendendo a Terra Nova; ao
da Raça: introdução a uma campanha nacional, Lisboa, 1915 Nascente as costas da Atlântida eram no recinto do Oceano,
[Interessa o capítulo O Espírito da Atlântida: identifica o ho- aproximando-se muito da África perto da Libéria e avançando
mem de Muge com o homo atlanticus, o qual distingue do ho- deste lado até à Inglaterra. O arquipélago dos Açores fazia
mem de Cro-Magnon. Em outro passo escreveria: «Não se re- parte do continente Atlante e bem assim as ilhas Bermudas, as
ferirá à Atlântida legendária a Ilha de Ouro do nosso ciclo ma- Antilhas e a ilha de Fernando de Noronha. A superfície deste
rítimo? Lá é que ficava a nobre cidade de Antilia. De lá viria continente, nessa época remotíssima, era muito aproximada-
o Encoberto na manhã sagrada das profecias. Não é inútil re- mente igual às superfícies reunidas da América do Norte e do
parar que se o Encoberto é a figura da Esperança, factor dinâ- Sul. A catástrofe de há 800.000 anos modificou consideravel-
mico da alma colectiva do Ocidente, a «ilha-empoada» é sem- mente a configuração deste continente reduzindo-lhe um
pre um dos traços fundamentais da criação messiânica. Não pouco a sua superfície e dividindo-o em duas partes. No cata-
estará aqui mais um sinal identificador do nascimento do Ho- clismo de há 200.000 anos ficaram, por assim dizer, fixadas a
mo Atlanticus, apelando para o Desejado na hora da fraqueza e América do Norte e parte da do Sul, ao passo que o que era
vendo o remédio acenar-lhe dum ponto enigmático que flu- propriamente o continente Atlante passou a ser dividido em
tua à flor das ondas e se some com os cerraceiros? É a lem- duas partes: Ruta e Daitia. Após o terceiro cataclismo sucedi-
brança poética do primitivo berço perdido. Já Artur dormia do há 800.000 anos a Atlântida ficou reduzida à ilha de Po-
em Avalon, a ilha florida dos bardos. Numa ilha que é a um seidonis, redução considerável da parte Ruta, ao passo que a
tempo purgatório e paraíso, El-rei D. Sebastião aguarda que parte Daitia quase desapareceu reduzindo-se a uma ilha afas-
se cumpram o ano e o dia das promessas de Deus. Sabe-se o tada de Poseidonis e situada ao largo em frente da Libéria, na
valor dos mitos, como a filosofia hoje os interpreta, vendo ne- costa africana. Finalmente no ano 9.564 antes de Cristo, um
les materializações da vontade duma raça».]; SARMENTO, quarto cataclismo fez sumir tudo que restava da Atlântida, no
Francisco Martins, Os Atlantes de Diodoro Sículo, in Revista fundo do Oceano Atlântico, ficando apenas como baliza, co-
das Sciencias Naturaes e Sociaes, v. 1, n. 1 (Porto, 1889), p. 61- mo memória, o arquipélago dos Açores, terras que há
74 [Reeditado in Dispersos: colectânea de artigos publicados, 1.000.000 de anos parece que já existiam, que jamais se sub-
desde 1876 a 1899, sobre Arqueologia, Etnologia, Mitologia, mergiram, sendo pois duma respeitável e veneranda antigui-
Epigrafia e Arte pré-histórica, Coimbra, 1933, p. 328-335. Lê- dade. Mas outras partes da primitiva Atlântida existem ainda
-se logo no primeiro parágrafo deste ensaio: «Os Atlantes de hoje, mas que já dela se haviam separado há 800.000 anos, são
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ATLÂNTIDA
elas: parte da América do Norte, Central e do Sul, compreen- tá metendo medo a duvidar de um homem tão sério, para se
dendo quase todo o Brasil, Bolívia, Perú, Equador e Colôm- poder cuidar dele que escreveu patranhas. Alguns contudo re-
bia. Na Europa temos ainda, como restos da Atlântida, a Ir- jeitam esta doutrina da ilha Atlântica como fabulosa, outros
landa, Escócia e uma pequena parte da Inglaterra, propria- por incerta ou por impossível».]; VAZ, Fernando Henriques,
mente dita. A península Hispânica existia já há 800.000 anos Atlantas nossos Avós, Lisboa, 1944 [?]; VELOZO, Francisco
evidentemente sem a configuração que tem hoje mas englo- José, Oestrymnis (Atlântida – Campo Elíseo), in Bracara Augus-
bada numa extensa superfície que compreendia parte do Me- ta, v. 4, n. 4 (25) (Ago. 1953); v. 5, n. 1-3 (26-28) (Out.
diterrâneo, África do Norte, Ilhas de Cabo Verde, Marrocos, 1953-Junho 1954); 4-5 (29-30) (Jul. – Dez. 1954); v. 6, n. 6
etc., região então banhada ao Sul pelo mar que cobria o deser- (31) (Jan. 1955 – Dez. 1956) [Artigo editado em separata pe-
to do Sara».]; SOUSA, Pereira de, Ideia geral dos efeitos do me- las Publicações da Associação Luso-Britânica do Minho, Bra-
gassismo de 1755 em Portugal, Lisboa, 1914 [Considera que ga, 1956]; idem, A Atlântida, mito ou realidade? I. Um ponto
«uma parte da Atlântida existirá na depressão do Golfo de Cá- de partida: o Egipto Antigo, in Bracara Augusta, v. 40, n. 89/90
dis, que se chama «afundimento em oval lusitano-hispano- (102/103) (1986-87), p. 25-87; VIEIRA, Padre Conceição,
marroquino», postulando que o terramoto de 1755 terá cons- Atlântida, in O Spiritismo, Ilha encoberta e Sebastianismo, Lis-
tituído «talvez o último arranco da Atlântida submersa»]; boa, 1884, p. 123-165
THÉVENIN, René, Les Pays Legendaires, s. l., 1961 [«Pode
ser que Tarsis, tão procurada, se poderá encontrar em qual- A ATLÂNTIDA NA LITERATURA PORTUGUESA (OU RELATIVA ÀS
quer sítio das costas de Portugal. Porque não será Lisboa, por- CONEXÕES PORTUGUESAS) AGUIAR, Fernando de, Cousas da
to admiravelmente situado […]?»]; TRAVASSOS, Lubélia, O Madeira: lendas de outrora e de sempre, in Gil Vicente, v. 14,
mistério da Atlântida e da Lemúria, Lisboa, 2000 [Chanfana n. 9-10 (1938), p. 140-147; BORGES, Paulo Alexandre Es-
New Age sem qualquer fundamento, quer histórico, quer tra- teves, Atlântida, in Nova Renascença, v. 4, n. 1 (Porto, Jul.-
dicional]; VARELA, Maria Helena, A Civilização da Atlântida Set. 1984), p. 270 [Poema: «Mãe, / Não te tem / Quem nos
e as influências célticas, in «Sofia» e «Profecia» na Filosofia da olhos do coração / Te não traga. / A ti doeu / O pressentimen-
história de Sampaio Bruno, Porto, 1990, p. 47-52; VASCON- to que somos / No útero oculto / Da sétima vaga. / Saudade
CELOS, Faria de, Por Terras Dalém Mar (Viagens na América), tua, do Eterno / Primogénita se nos traga. / Ditirambo o Lon-
Lisboa, 1922, p. 101-119 [Interessa o capítulo VIII: Sobre as ge / Interior distância / Se nos abra.»]; BRANCO, Alfredo de
Ruínas de Tiahuanaco; a Atlântida, os Atlantas e os Árias; as hi- Freitas, Algumas lendas e alguns monumentos do Arquipéla-
póteses sobre a origem das ruínas; remontando cento e vinte sécu- go da Madeira, in Arqueologia e História, v. 3 (1924), p. 155
los]; VASCONCELOS, Padre Simão de, Chronica da Compa- [A Cidade Encantada (Poseidónia), submergida nos mares da
nhia de Jesu do Estado do Brasil e do que obraram seus filhos n’es- Madeira, volve «à flor da água», segundo a lenda, nas noites
ta parte do Novo Mundo [...], Lisboa, A. J. Fernandes Lopes, de São João]; CARDOSO, Pedro, Hespéridas, [Praia], 1930
1865 (2ª ed.) [Fundado na autoridade de Platão, de Marsilio [Nos Fragmentos de um poema perdido em triste e miserando
Ficino e de Abraão Ortélio, entre outros, admite a realidade naufrágio admite a ascendência atlante dos cabo-verdianos];
da Atlântida, sem cuja existência, garante, teria sido impos- DIDIAL, G. T. (pseudo-heterónimo de João Manuel Varela),
sível realizar o povoamento da América antes e depois do di- Contos da Macaronésia, Mindelo, 1992-1999 (2 vols.) [An-
lúvio: «Diz Platão e diziam aqueles gravíssimos filósofos que cora a ficção em apreço num processo de enraizamento mitó-
houve em tempos antiquíssimos uma ilha prodigiosa chama- filo do arquipélago de Cabo Verde, estatuindo como axial a
da de Atlante que, começando defronte da boca do mar Me- equação Macaronésia- = Atlântida]; JACOBS, Edgar P., Aven-
diterrâneo e das colunas chamadas de Hércules, ia correndo turas de Blake e Mortimer: o Enigma da Atlântida, Lisboa, Li-
por esse mar imenso com extensão tão agigantada que era vraria Bertrand, 1980 [Banda desenhada, primeiro publicada
maior que toda a África e Ásia. Porém que depois, andados os no Tintin Magazine (Mar. 1955 a 1956): L’Enigme de
séculos, toda esta terra foi subvertida e inundada com as águas l’Atlantide, e só depois em livro (1957)]; MOUTINHO, José
do oceano, por ocasião de um grande terramoto e aluvião de Viale / ABREU, Maurício, Lendas dos Açores, Lisboa, 2007
águas de um dia e noite; e que ficou sendo mar navegável, a [Lagoa, Ilha de S. Miguel: A Lagoa das 7 Cidades (p. 16-17);
quem chamamos hoje mar Atlântico, aparecendo nele so- Madalena, Ilha do Pico: A Ilha Encantada (p. 20-21); Nordes-
mente algumas ilhas (as da Madeira, dos Açores, de Cabo Ver- te, Ilha de S. Miguel: A Princesa da Atlântida (p. 22)]; OLI-
de e as demais) por modo de ossos de defunto corpo que fora. VEIRA, Raposo de, Lendas Açorianas: Sete Cidades, in Se-
Segundo a opinião destes filósofos, esta ilha de tão agigantada rões, v. 3, n. 15 (1906), p. 240-242; RIBEIRO, Ribeiro, His-
extensão era naquele tempo contínua com a que hoje chama- tória de Menina e Moça, Ferrara, 1554 [«Dentro neste nosso
mos América e todo um corpo somente, a que chamavam ilha mar Oceano, que aqui logo perto entra este rio, contam que
de Atlante. […]. Se hei-de dizer o que sinto nesta opinião tão havia naquele tempo uma ilha tão abundante e tamanha em
discutida da ilha de Atlante, confesso que faz alguma força a terras, rica em cavalos, que dali todo o mundo quase senho-
meu entendimento não só o segui-la Platão, homem de tanta reava: Falavam dela maravilhas grandes».]; RODRIGUES,
autoridade, chamado naqueles tempos por antonomásia o Di- Ana Margarida Salgueiro, Mitos revisitados… origens insula-
vino, luz de toda a filosofia e de todos seus segredos e tão sério res na literatura Cabo-verdiana, in Islenha, n. 39 (Jul.-Dez.
em todo seu dizer, mas também o modo com que fala, quan- 2006), p. 123-132 [Ocupa-se da mitificação das origens insu-
do a segue, descrevendo-a com todas suas particularidades, da lares, pela actualização dos mitos clássicos das Hespérides e da
grandeza da terra, fertilidade dos sítios, seus bosques, seus Atlântida, na literatura Cabo-verdiana, com especial referên-
rios, suas fontes, suas gentes, seus costumes, suas façanhas, cia a José Lopes da Silva, Pedro Cardoso e G. T. Didial]; SIL-
suas cidades, seus sumptuosos edifícios: e finalmente os reis VA, José Lopes da, Hesperitanas (Poesias), Lisboa, 1929 e
que nela senhoreavam, em parte dela El-rei Atlante e na outra 1933 [No poema Minha Terra! (p. 21-30) advoga a ascendên-
parte outro seu irmão chamado Guadiro. Tudo isto parece es- cia atlante das ilhas de Cabo Verde e dos seus habitantes];
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ATMOSFERA
VERDAGUER, Jacinto (1845-1902), A Atlântida: poema *travesso alto (vento de Oeste), *travesso baixo
catalão vertido em verso português por José M. Gomes Ribei-
ro, Lisboa, Livraria Férin, 1909 [O tradutor, professor nos
(vento do Noroeste), *vento da Nazaré.
Colégios do Barro e de Campolide, antepôs ao poema um
prólogo, do qual se destacam as seguintes passagens: «A Atlân- ATRIDOR
tida é um poema peninsular. Depois dos Lusíadas, nenhum O mesmo que *demoninho.
outro se publicou na Ibéria, que tamanho brado desse pelo
mundo. […]. Jacintho Verdaguer nasceu em Folgarolas, perto
de Vich, na Catalunha, a 17 de Abril de 1845. Seguiu a car-
ÁTROPOS
reira eclesiástica e aos vinte anos, sendo ainda estudante, al- Uma das três Parcas, divindades que tutelam o
cançava o primeiro prémio de poesia nos Jogos florais de Bar- destino da humanidade. As outras duas são
celona. […]. A Atlântida foi o seu primeiro passo de gigante
Cloto e Laquesis. Aquela segura uma roca, esta
na carreira das letras; O Canigó, a Pátria, o Sonho de S. João,
os Idyllios e cânticos místicos e muitos outros poemas de subido fia o fio da vida, enquanto Átropos o corta com
mérito foram como arcos triunfais levantados na via do seu uma tesoura. A ausência de Átropos (tesoura)
Capitólio. […]. Estudando a fundo A Atlântida, vê-se que
não envolve um assunto caprichosamente escolhido, mas di-
rectamente ligado com o facto mais estrondoso da história
moderna, o descobrimento da América. Vejamos. Dois na-
vios, um genovês, veneziano o outro, encontram-se junto às
costas de Portugal; travam entre si rude peleja; ao troar de seus
canhões vem unir-se a dupla tempestade do céu e do mar, que
a ambos sepulta no abismo. Eram duas grandes potências ma-
rítimas que naufragavam; nos mares que elas sulcavam domi-
nadoras, campearão num futuro próximo as naus da Ibéria.
Do terrível naufrágio salvou-se apenas um jovem que a maré
arrojou à praia, abraçado a uma prancha descosida. Ansião ve-
nerando, que longe do mundo habitava naqueles ermos,
acolhe-o em seus braços, conforta-o, restitui à vida o corpo
quase gelado. Um dia o jovem silencioso e triste contemplava,
de um alto promontório, a vastidão dos mares. Aproxima-se
dele o velho, convida-o para a sombra de um carvalho sobran-
ceiro às ondas e conta-lhe a história do rumoroso Atlântico.
Sob a narração maravilhoso do anacoreta, a Atlântida emerge
do sepulcro das grandes águas e, com todo o seu cortejo de
glórias e devassidões, desfila perante os olhos extasiados do
marinheiro, até ao dia trágico da assolação. Sumiu-se e para
sempre! Entretanto surge, como herdeira de suas glórias e tra-
dições heróicas, a Hespéria […]».]; VISCONDE DO POR-
TO DA LUZ, A Lenda da Cidade Encantada, in Folclore Ma-
deirense, Funchal, 1955, p. 24-25
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AUGE
numa gravura de Vieira Lusitano representan- da e não a pode comer auga, ficando amarela
do *Dom Sebastião, é circunstância indiciado- e queixosa, de boca aberta. Cura-se dando-lhe
ra da presumível adesão ao sebastianismo por a comer um bolo de milho sem sal. Há, no
parte do artista. *Beladona. entanto, crianças que já nascem augadas (de
boca aberta), em virtude de as mães terem de-
ATUM sejo de comer alguma coisa e não poderem fa-
Na costa de Portugal são vulgares três espécies zê-lo. Em S. João de Rei (Póvoa de Lanhoso),
deste teleósteo da família dos Scombridae: Or- quando alguém não engorda e fica com o ca-
cynus thynnus, L. (atum), Orcynus alalonga, L. belo em pé, diz-se que está ougado, preconi-
(albacora) e Orcynus albacora, Lowe (atum al- zando-se como remédio comer um bolo atrás
bacora). Figurado em numismas cunhados pe- de uma porta e deitar o que sobrar a um *cão
las oficinas de Gades, Abdera, Sexsi, Asido e preto. Outra maneira de curar criança ougada
Ketovion, bem como na numária pré-romana e é irem sete Marias cada uma a sua casa a pedir
lusitano-romana de Balsa (Tavira), Myrtilis uma «pouquechinha de cozinha», misturarem
(Mértola), Ossonoba (Faro), Salacia (Eviom, i. tudo e darem uma parte à criança e o que so-
e., Alcácer do Sal) e Sirpens (Serpa). beja a um cão. Ou tirar o leite de sete ou nove
mulheres, misturá-lo e dá-lo a beber. Em Ega
BIBLIOGRAFIA BRITO, Guerreiro de, Pesca do Atum, in Boletim
da Pesca, n. 2 (1943); FERREIRA, S. da Veiga / FERREIRA,
(Condeixa-a-Nova), fazem, para o mesmo
Octávio da Veiga, Numária Lusitana, in Boletim Cultural da efeito, um pão de sete bocadinhos de massa
Junta Distrital de Lisboa, s. 3, n. 75-78 (1971-1972), p. 47-79; de pão a cozer por outras tantas pessoas, co-
MARQUES, Maria Graciana, Representações de animais nas
moedas com inscrições pré-latinas, cunhadas na Península Ibérica,
zem-no no forno e dão-no a comer, levando a
e seu significado, in Rev. Numismática, n. 47 (Nov.-Dez. 1987) parte que sobra a uma encruzilhada, onde é
atirada para trás das costas. Pessoa ou animal
ATURRUS que a coma fica com o mal. No Peral (Alca-
Teónimo que ocorre num cipo de pedra calcá- nena), trata-se uma criança ougada do se-
ria ligeiramente rosada, descoberto em Campos, guinte modo: deita-se a criança de bruços no
no ano de 1908. Blazquez assegura que a divin- colo e esfrega-se com cada um de cinco ou
dade invocada na inscrição funerária é aquática, nove bocadinhos de toucinho, da nuca ao sa-
entrando tanto na composição de nomes de rios cro, dizendo-se de cada vez: «Em louvor de
como de cidades: ATVRR[o sac/r]VM BISIIO São Romão / Melhorai, meu menino, / E
/ [A]VITO, AN[norum] XXII / [IV]NIA . seco seja o cão». Indo à janela, de seguida, e
I[ulii] F[ilia] TVSCA / FRATRI / [Pub?]LICIAE vendo passar um cão diz-se o mesmo, dando
M[arci] F[iliae] TVSCAE / MATRI. ao cão, os bocados de toucinho, um de cada
vez. Os animais apanham augamento
BIBLIOGRAFIA BLAZQUEZ MARTINEZ, Jose Maria, Reli- quando, estando habituados a passar num
giones Primitivas de Hispania – I. Fuentes Literarias y epigra- determinado local e a parar, os não deixam
ficas, Madrid, 1962, p. 170; LAMBRINO, Scarlat, Vila Viço-
sa, in O Arqueólogo Português, v. 1 (1951), p. 43s. proceder assim. Para os curar da tristeza e
fastio provocados pelo caso, tomam-se nove
AUGAMENTO folhas de couve, roubadas a cada dono sua, e
Doença característica das crianças, embora os dão-se a comer ao animal atingido pela
adultos possam também contraí-la. Atribui-se maleita (Vilar Seco, Nelas, 1939).
o augamento ao facto de o desejo de comer al-
gum alimento não ter sido satisfeito. Menino AUGE
desmamado pode estranhar e ficar ougado. Aurora, i. e., deusa da manhã. Divindade gre-
Em Gulpilhares chamam-lhe *ougarice e ga, venerada em Tegea, por vezes identificada
*ouguice e, em Canidelo, *ougamento. Em com Atena. Os romanos representavam-na
Vilar Seco (Nelas), uma criança que vê comi- dentro de um carro triunfal, puxado por ca-
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ÁUGURE
valos brancos, precedendo o *Sol, com uma reprovar as acções humanas. Um augúrio é um
estrela na fronte e nimbada com raios de luz, método divinatório que pressupõe a comunica-
envolvida num manto dourado e sustentando ção com a divindade para conhecer o seu desíg-
um archote numa das mãos, enquanto a ou- neo. A noite de S. João é propícia à obtenção
tra espalha rosas, alusão ao orvalho matinal. de augúrios, interpretando-se mais ou menos
Como o seu nome indica (Aurora) trata-se de convencionalmente o resultado de certas ope-
uma deusa do calor e da fecundidade, razão rações, a mais conhecida das quais consiste em
por que também é confundida com Ilitia. Na submeter a *alcachofra ao fogo antes de colocá-
Lusitânia foi cultuada no Castro de Fontes la ao relento na tentativa de lhe suscitar o aus-
(Santa Marta de Penaguião), de onde procede picioso reverdecimento. *Bochecho, *casamen-
uma ara (séc. II?) com a inscrição: AVGE to, *chumbo, *erva-pinheira, *oráculo amoro-
/CILEA E/MINI ME[rito] / VOT[um] . so, *ovo, *sonho.
L[ibens] . PO[suit].
BIBLIOGRAFIA JUNQUEIRO, Arronches, Augúrios, in A Tra-
BIBLIOGRAFIA BLAZQUEZ MARTINEZ, Jose Maria, Reli- dição, a. 3, v. 3, n. 2 (Fev. 1901), p. 24-25
giones Primitivas de Hispania – I. Fuentes Literarias y epigrafi-
cas, Madrid, 1962, p. 105-106; CORTEZ, F. Russell, A ara AUGUSTO, SANTO
greco-romana do Castro de Fontes: novos subsídios para o estudo
dos cultos orientais na Região do Douro, in Anais do Instituto do
Em Vilar de Amaro (Figueira de Castelo Ro-
Vinho do Porto, n. 9 (1948), p. 45-95; JALHAY, E., Ara ro- drigo) atribui-se-lhe, e a *Santo Eugénio, pode-
mana inédita de Fontes (Santa Marta de Penaguião), in Bro- res milagrosos contra a *raiva e o *bolor do pão
téria, v. 49, n. 5 (1949), p. 473-478
cozido.
ÁUGURE BIBLIOGRAFIA GOMES, Milcíades Marques, Perpetuar a me-
Teólogo (não sacerdote) romano que aconse- mória do III centenário (1678-1978). História e tradição das
lhava os magistrados, tomando os auspícios e santas relíquias dos mártires e santos Augusto e Eugénio da fre-
guesia de Vilar de Amaro, diocese da Guarda, Lisboa, 1979
interpretando os presságios fornecidos por si-
nais celestes, voo de aves, apetite dos galiná-
ceos sagrados ou qualquer incidente fortuito AUMENTADOR
ocorrido durante o processo de obtenção dos O mesmo que *amentador.
auspícios. Os áugures formavam um colégio,
presume-se remontando a Numa, composto AUMENTAR AS ALMAS
por nove membros (quatro patrícios e cinco O mesmo que *amentar as almas.
plebeus recrutados por cooptação, durante a
República) ou dezasseis (nomeados, a partir AURA
de César), encarregado de preservar e trans- Campo de substância subtil que envolve o cor-
mitir as regras tradicionais relativas à obser- po dos seres vivos, do qual emana. Diz-se que
vação e à interpretação dos sinais naturais um *clarividente pode distinguir num ser hu-
constitutivos dos auspícios. Tinham uma va- mano cinco auras interpenetradas, cuja dimen-
ra curva, o lituus, por emblema, com o qual são, cor e intensidade indicam o respectivo es-
delimitavam no céu ou no solo um espaço sa- tado de saúde física, emocional e mental. No
grado (templum). Cícero afirmou que dois cristianismo surge como a *auréola, *nimbo ou
áugures não podiam olhar um para o outro *resplandor que rodeia os corpos e, nomeada-
sem rir (De Divinatione, II, 24). mente, as cabeças de santos e místicos. *Para-
celso foi dos primeiros a escrever sobre este en-
AUGÚRIO velope de energia, também denominado «linga
Segundo uma crença muito comum nas comu- sharira» (corpo subtil da *ioga), «magnetismo
nidades tradicionais, o devir é determinado pe- animal» (Franz Anton Mesmer), «força ódica»
la vontade dos deuses que podem aprovar ou (barão Karl von Reichenbach), etc.
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AURA
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ÁUREA, SANTA
ÁUREA, SANTA
Companheira de martírio de *Santa Úrsula. A
sua *cabeça foi venerada no convento de São
Francisco de Santarém.
AURÉOLA
*Aura, *nimbo, *resplendor. Auroque da Canada do Inferno (Côa).
AURORA
A aurora foi criada por Deus no primeiro dia
do Genesis, renovando-se a cada episódio da
Criação. A *Francisco de Holanda é atribuído
um livro (perdido) intitulado Da Aurora. Na
sua pintura representa-a sempre no momento
em que o sol desponta no horizonte. Na quinta
da Prelada (Porto) existe uma fonte denomina-
da da Aurora. Martins Sarmento registou uma
oração à aurora recolhida em Santa Leocádia de
Briteiros (Carta de 17 de Out. De 1918), dita
de madrugada, na ocasião do seu despontar:
«Graças a Deus para sempre, / Que já vi a luz
do dia. / Quando esta graça pedia, / Ainda o
Sol não nascia. / Que o Senhor seja meu Pai, /
Auroque do Côa. Nossa Senhora minha Mãe, / Os doze Apósto-
los meus Irmãos. / Os doze Apóstolos permi-
AUROQUE tam / Que eu nunca seja presa, / nem matada,
Bos primigenius. Espécie de bovídeo representa- / nem roubada, / nem mordida de cousa dana-
do (mais de meia centena de ocorrências) nos da; / Que seja alegre da minha vida, / Assim co-
complexos do *Côa (núcleos da *Canada do mo foi o Verbo em carne / No ventre da Vir-
Inferno, da *Penascosa, de *Rego da Vide e da gem Maria. / Padre-Nosso, Ave-Maria». Locu-
*Ribeira de Piscos) e do Sabor: Ribeira da Sar- ção metereológica: Aurora ruiva, ou vento ou
dinha, Fraga Escrevida e Sampaio (Milhão). chuva. *Auge.
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AUTO
AURORA BOREAL
É sangue espalhado no céu, razão por que prog-
nostica conflitos e guerras terríveis. Em Cinfães,
o povo chora e reza quando avista uma (cf. J.
Leite de Vasconcelos, Tradições da atmosfera em
Portugal, in Era Nova, 1880-81, p. 221).
AUSPÍCIO
Do latim, observação (spicere) das aves, apesar
da circunstância de as aves apenas constituírem
um (baseado ora no canto, ora no voo) dos cin-
co tipos de auspícios, sendo os restantes quatro:
A. Sinais celestes, tais como a trovoada ou os
relâmpagos (os mais importantes); B. Sinais
obtidos a partir do modo como as galinhas sa-
gradas comiam (adoptados no concernente às Entrada das relíquias de Santa Auta ao mosteiro da
expedições militares); C. Sinais obtidos a partir Madre de Deus: tábua de mestre desconhecido.
do comportamento de quadrúpedes e répteis
(nunca tomados relativamente ao Estado); D. Colónia. O imperador Maximiliano ofereceu à
Sinais obtidos a partir de outros eventos distin- rainha Dona Leonor, irmã de Dom Manuel I,
tos dos referidos. O auspício consubstancia um as relíquias de Santa Auta, as quais seriam aco-
presságio, cuja finalidade consistia em determi- lhidas no mosteiro da Madre de Deus. O deno-
nar a vontade dos deuses relativamente a qual- minado retábulo de Santa Auta evoca os mo-
quer acção projectada. Em Roma, os auspícios mentos cruciais do martírio (Martírio das onze
eram tomados pelos magistrados, assistidos pe- mil virgens / Santa Úrsula e o Príncipe Conan),
los áugures, sendo obrigatórios em determina- bem como a trasladação das relíquias e sua en-
dos actos públicos (convocação de comícios, trada processional no mosteiro lisboeta, assisti-
entrada em funções de magistrados, partida de da pela guardiã do presente imperial (Partida de
exércitos, etc.). Para evitar conflitos, a alguns Colónia das relíquias de Santa Auta / Chegada
magistrados (ditadores, censores, consules, pre- das relíquias de Santa Auta à igreja da Madre de
tores) estavam reservados os auspícios maiores, Deus). Em Colónia, Santa Auta é iconografada
enquanto a outros (edis, tribunos, questores) só com uma seta na garganta, já em Lisboa segura-
auspícios menores, os quais não podiam ser to- a na mão, juntamente com a palma do martírio.
mados fora do poemerium. A um presságio des- BIBLIOGRAFIA AAVV, Retábulo de Santa Auta: estudo de inves-
favorável chamava-se obnuntiatio. tigação, Lisboa, 1972
AUSTER AUTO
Vento que sopra do meio-dia (Sul), também Forma teatral de enredo popular (incluindo
denominado *Noto. canto e bailado), de tema religioso ou profano.
Nas Beiras, as festividades em louvor do Divi-
AUSTRO no *Espírito Santo eram denominadas Auto do
Vento do Sul ou Sudoeste. O mesmo que *ven- Império. A representação do Auto da Descober-
daval. *Alcovês. ta da Moura ocorria no Domingo de Pentecos-
tes na localidade beirã de Vale Formoso (cf. Jai-
AUTA, SANTA me Lopes Dias, Etnografia da Beira, v. 9, 1963,
Companheira de *Santa Úrsula e das *onze mil p. 149). Os padres jesuítas usaram o auto reli-
virgens, martirizadas pelos hunos, às portas de gioso como poderoso elemento de catequese,
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AUTO-DA-FÉ
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AUTÓMATO
1699, 1716, 1723, 1726, 1727, 1729, 1737, do indivíduo. Desenho, pintura ou escrita es-
1739, 1751, 1753, 1755, 1759 e 1781), Évora pontâneos, foram técnicas cultivadas pelo Sur-
(1717, 1725, 1736, 1747,1755, 1756, 1757 e realismo como um meio privilegiado de expri-
1781) e Lisboa (1647, 1703, 1704, 1707, mir a criatividade não consciente.
1709, 1714, 1716, 1717, 1720, 1723, 1728,
1729, 1732, 1733, 1737, 1739, 1741, 1745, AUTÓMATO
1746, 1747, 1749, 1750, 1752,, 1754, 1761 e Máquina contendo mecanismos que lhe confe-
1778) com o elenco dos penitenciados e res- rem movimentos próprios, imitando os dos se-
pectivas penas. *Abjurar, *confitente, *convicto, res animados. O Padre jesuíta, Gabriel de Ma-
*diminuto, *impenitente, *negativo, *pertinaz, galhães (1610-1677), foi um dos precursores da
*profitente, *relapso, *revogante, *simulado. moderna robótica, tendo construído autómatos
na China. Há também notícia de um cavalo au-
BIBLIOGRAFIA ARAÚJO, Maria Benedita Almeida, Alguns as- tómato ofertado ao princípe D. Teodósio por A.
pectos dos Autos-da-Fé: subsídios pra o estudo do comportamento
e da mentalidade nos séculos XVII e XVIII, in Actas do I Con- Macedo (cf. Gazeta de Lisboa, 1642). Num fo-
gresso Internacional do Barroco, v. 1, Porto, 1991, p. 143-150; lheto de cordel oitocentista alude-se a homens
BAIÃO, António, Episódios Dramáticos da Inquisição Portu- artificiais e a um autómato feminino expressa-
guesa, Lisboa, 1936-1953, 3 vols. (2ª ed. melhorada e acres-
centada com documentos inéditos e informações novas); BE-
THENCOURT, Cardozo de, L’auto-da-fé de Lisbonne, 15 Dé-
cembre 1647, in Révue des Études Juives, n. 98 (Out.-Dez. Os homens artificiais e a mulher
1904), p. 262-269; BRAGA, Isabel Drummond, «Para mecânica de Dom Sebastião
Triumpho da Fé e mayor gloria de Deos»: o cadafalso do auto da
fé de Lisboa de 1698 segundo o projecto do arquitecto Luís Nunes […]. Na casa de campo do Senhor Rei D. Sebas-
Tinoco, in Artis, n. 4 (2005); idem, Representação, Poder e Es-
pectáculo: o Auto da Fé, in História das Festas, in Turres Veteras,
tião há uma oficina subterrânea, onde trabalham
v. 3, Torres Vedras, 2006, p. 177-185; CASSUTO, Alfonso, continuamente 30 homens artificiais, uns de
Bibliografia dos Sermoes dos Autos-da-fé impressos: descrição bi- bronze, outros de mármore, etc. Estes artífices
bliográfica da colecção do autor, Coimbra, 1955 (separata do são construídos de tal maneira, que dando-se-lhe
Arquivo da Bibliografia Portuguesa, a. 1); GANDRA, Manuel corda, por meio de molas trabalham com perfei-
J., Parenética dos Autos da fé na Biblioteca Volante de Frei Ma-
tias da Conceição, in Boletim Cultural da Câmara Municipal de
ção em toda a qualidade de obra. Fazem excelen-
Mafra ’98, Mafra, 1999, p. 847-851; GLASER, Edward, In- tes tapetes à Mourisca, consertam relógios, tiram
vitation to Intolerance: a study of the Portuguese sermons prea- retratos, em uma palavra, tudo o que a arte, e a
ched at Autos de fé, in Hebrew Union Collection Annual, v. 27 indústria dos homens animados tem imaginado
(1956), p. 327-385; HORCH, Erika, Sermões Impressos dos de mais raro, se executa com perfeição neste sub-
Autos da Fé, Rio de Janeiro, 1969; PEREIRA, Isaías da Rosa,
terrâneo. O Autor de todo este mecanismo acaba
auto-da-fé de Coimbra de 14 de Junho de 1699, in Clio (1995),
p. 99-116; REMÉDIOS, Joaquim Mendes dos, Sermões em de aumentar a colecção com uma soberba está-
Autos-da-fé, in Biblos, n. 3 (Jan. 1927), p. 6-17; VERO, Car- tua. É uma formosa mulher feita de toda a quali-
los, The Inquisition and Judaism: a sermon adressed to jewish dade de metais em liga proporcionada. É destina-
martyrs on the ocasion of an auto-da-fé at Lisbon, 1705, by the da a servir de intérprete aos embaixadores, e a res-
Archbishop of Cranganor, Philadelphia, 1860 ponder com eloquência sobre qualquer assunto,
ou matéria. Fala já as línguas Orientais; porém es-
AUTO-SUGESTÃO tá ainda muito atrasada em Grego, e Filosofia. El-
Consiste na capacidade de um indivíduo se -Rei acha-se tão apaixonado dela, que o Autor es-
hipnotizar a si próprio. tá actualmente imaginando uma nova mola para
lhe dar sensibilidade. Logo que esta circunstância
AUTOMATISMO se verifique, ficam removidos os obstáculos, que
Comportamento em que a autoconsciência é retardam a Época do nosso Triunfo: o Autor terá
limitada. Durante a escrita automática quem em recompensa o governo da Ilha; e nós sulcando
escreve não sabe conscientemente o que escre- os mares, vitoriosos subiremos o saudoso Tejo.
ve. Quando tal ocorre dá-se a separação tempo- Há vários outros objectos assaz curiosos, de que
rária entre a parte da personalidade empenhada agora não trato, reservando-os para quando rece-
ber a resposta desta.
no processo de escrever e a consciência normal
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AUTOSCOPIA
mente construídos para D. Sebastião, na *Ilha e *Socorro. A sua festa ocorre a 24 de Maio,
Encoberta. Os autómatos do cavalheiro Pinetti tendo sido instituída no princípio do séc. XIX
tornaram-se famosos em Portugal, em finais do por Pio VII, em reconhecimento pelo auxílio
séc. XVIII, na corte de Dona Maria I. Diversos recebido durante o cativeiro imposto por Na-
panfletos descrevem as exibições mecânicas do fa- poleão. No Porto teve uma confraria, fundada
moso prestidigitador italiano que exibiu a sua em 1865, sendo cultuada em diversos altares.
colecção de autómatos na Rua dos Algibebes e
BIBLIOGRAFIA FERREIRA, J. A. Pinto, O culto de Nossa Se-
no Teatro do Salitre. Beckford reporta um bai- nhora Auxiliadora no Porto (breve notícia), in Boletim Cultural
lado a que terá assistido no Teatro da Trindade da Câmara Municipal do Porto, v. 26, n. 1-2 (1963), p. 313-324
(Lisboa), em 11 de Outubro de 1787, protago-
nizado por diversos supostos autómatos (cf. AVALON
Diário de William Beckford em Espanha e Portu- Ilha para a qual se diz que foi transportado Ar-
gal, Lisboa, 1988, p. 144). *Ilusionismo. tur quando moribundo para ser curado. Al-
guns autores asseveram que não se trata de um
FONTES ANÓNIMO, Reflexões sobre as habilidades do cava- local geográfico, mas, simplesmente, de um eu-
lheiro Pinetti, sobre os cavallinhos e sobre os automatos que escre-
vem e desenhão (Lisboa, Simão Tadeu Ferreira, 1791); ANÓ-
femismo para designar o *além. Outros afir-
NIMO, Ultimas habilidades, despedida e grande automato do mam que tem um equivalente geográfico, re-
cavalheiro Pinetti (Lisboa, Simão Tadeu Ferreira, 1791); portando-se a Glastonbury. Também identifi-
CREMPS, de, O pelotiqueiro desmascarado, tratado em que se
cada com a ilha de Bardsey (outrora denomina-
dá huma clara e completa exposição de todas as surprendentes [sic]
habilidades executadas, tanto neste reino, como no continente, da Ynys Afallach), sita próximo da península
pelos mais dextros e eminentes professores de ligeireza de mãos, e de Lleyn e descrita como a mais romântica ilha
que comprehende as Peças da Varinha de Condão, dos automatos da Grã-Bretanha. Após a batalha de Camlan,
que jogão o Chadrez, Figuras que fallão, Serpentes artificiaes, Pas-
saros mechanicos, Automatos que tocão flauta; Figuras moventes, Artur terá sido tratado no mosteiro aí existente,
Mezas magicas, Motos perpetuos, etc. Segunda edicção com am- do qual era abade o seu primo, Santo Cadfan.
plas adicções e alterações, por T. Denton, proprietario das exhibi- Referida no Nobiliário do Conde D. Pedro, em
ções mechanicas, ultimamente exhibidas em Londres, Edenburh,
Neucastle, York, etc. Impressa em Londres no anno de 1788, e tra- Zurara (Crónica da Guiné), sob a forma da ilha
duzida do Inglez em Portuguez, para fazer patente ao Público a de *São Brandão e em Camões, sob a da *Ilha
illusão e enganos dos Impostores (Lisboa, António Rodrigues dos Amores. No poema Regresso do Nevoeiro (in
Galhardo, 178?); J., F. de P., Carta de Hum Guarda-Roupa d’El
Rei S. Sebastião a hum amigo seu nesta corte, em que depois de
Viagens do Meu Reino, Lisboa, 1968, p. 136-
humas breves reflexões sobre o folheto intitulado Os Sebastianistas, 137) Tomás de Figueiredo identifica Avalon
lhe dá huma notícia circumstanciada da Ilha Encuberta, e da com a *Ilha Encoberta: «Vou retornar à Ilha de
existencia daquelle Soberano. Tudo em estilo jocoserio, unico pro-
prio de semelhante assumpto, Lisboa, Impressão Régia, 1810
Avalão, / à do Mistério, à da certeza perene,
/onde me aguarda uma alma irmã / para brin-
BIBLIOGRAFIA DEVAUX, P., Autómatos, Automatismo e Auto- carmos irmãmente ao Sonho, / o jogo a que só
matização, Lisboa, 1964; LIMA, Henrique de Campos Ferrei- jogam almas virgens. / Perguntando ao silên-
ra, Um prestidigitador italiano em Portugal no século XVIII, in
Feira da Ladra, v. 1 (1929), p. 11-17 cio, a nevoeiros, / a cada instante o meu Irmão
Antigo / espera que lhe surja um galeão / comi-
AUTOSCOPIA go à proa, e de armadura, e de elmo, / afincado
Capacidade de um ser humano ver o que se à cruz da minha espada. / Vai ralhar-me, pois
passa no interior do seu próprio corpo. Deno- vai. Dizer-me: – «Louco, / para que te partiste
mina-se heteroscopia quando no corpo de ou- antes da Hora? ... / Eu bem te disse ... Eu bem
trém. *Madame Pedegache era creditada com te disse ... Tu / só querias batalhar ... Aí tens o
essa faculdade. ganho ... / De novo a traição te esfaqueou ...».
AUXILIADORA AVARENTA
Invocação mariana, também expressa sob as Aldeia da freguesia de Carrazedo de Montene-
designações de *Agonia, *Amparo, *Remédios gro (Valpaços), onde existe um arqueosítio
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AVE
AVE
As aves são portadoras do verbo divino (Ecle-
siástico, X, 20), todavia, também as há mudas Aves afrontadas desfrutando da bebida da imortalidade
(sobretudo as de rapina). As primaveris ou pro- numa taça.
féticas (*cuco, *andorinha, *pomba e *cotovia)
encarnam a energia vital, anunciam a Primave- corpos dos pecadores (Arnoso, Braga, Pombei-
ra, o casamento e a morte, são morada das al- ro, Rates, Rio Mau, Vilar e Frades, etc.), tem o
mas dos antepassados defuntos e guardiãs da Apocalipse (XIX, 17-18 e 21) por paradigma:
família, do clã e da cidade; as aquáticas (*pato, «Vi então um Anjo de pé sobre o Sol e a clamar
*ganso, *cisne, *grou, *cegonha) são garantes em voz alta a todas as aves que voam pelo meio
da felicidade, riqueza, alimento e epifanias da dos céus: vinde, reuni-vos para a grande ceia de
*Grande-deusa na sua função de distribuidora. Deus, para comerdes carnes de reis, carnes de
Sonhar com aves prognostica penas e desgos- generais e carnes de poderosos; carnes de cava-
tos. Na arte românica, as aves alimentam-se do los e cavaleiros; carnes de homens livres e escra-
pão espiritual e do sangue. Muitos povos con- vos, pequenos e grandes. [...] E todas as aves
cebem a alma como uma ave que se liberta no fartaram-se das suas carnes». Aves afontadas,
momento da morte (cf. Religiões da Lusitânia, debicando bagos ou cachos de *uva são alusão
v. 1, p. 223, nota 1). Em Portugal regista-se a a *Dionísio e à crença na imortalidade celeste
crença de que a *alma se transforma em *pom- (os defuntos encontram nova luz no *além).
ba (cf. Teófilo, O Povo português, v. 2, p. 89) ou Aves afrontadas, dessedentando-se numa taça,
em *borboleta, motivo por, em Pitões das Jú- urna, cantharus ou cratera central (motivo do-
nias, não se lhe faz mal, pois é uma *alminha cumentado na Hispânia nos séc. V e VI, possi-
(cf. Revista Lusitana, v. 19, p. 95 e Aquilino Ri- velmente de origem bizantina), consubstan-
beiro, Terras do Demo). Na gruta do *Escoural ciam a ideia latina de fidelidade (exposta em
(Montemor-o-Novo) ocorre uma pintura figu- Horácio, Ep. 1, 10, 5: «vetuli notique colum-
rando um antropomorfo com cabeça e pescoço bi»). O cantharus simboliza a vida eterna, cujo
de ave. Idêntica figuração crê-se representada, elixir (dons de Deus e bens celestiais) contém
em picotado fino (dimensão máxima: 11 cm), (Arnoso, Beja, Braga, Cedofeita, Estói [MNA],
no complexo rupestre de *Fratel [CV J (s/nº)]. Fonte Arcada, Ganfei, rates, Vilar de Frades,
A presença de aves carnívoras, dilacerando os etc.). A substituição da taça pela cruz adequa-se
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AVE-BRUXA
à circunstância funerária: cf. Epitáfios de Mér- como agourentas]; SANTOS JÚNIOR, Joaquim R. dos, A
matança do Porco-bispo, in Feira da Ladra, v. 9 (1940), p. 101-
tola, do Rossio do Carmo (Estácio da Veiga, 113; TILANDER, Gunnar, Acerca del Libro de Falcoaria de
Memória das antiguidades de Mértola, Lisboa, Pero Menino, in Revista de Filologia Española, t. 23 (1936), p.
1880, p. 114-115), de Aianes (3 Julho 539) e 255-274 [além dos ms. em língua portuguesa, trata de uma
trad. castelhana existente na Biblioteca de Palacio, Madrid,
de Leopardus (27 Dezembro 525). Aves /
ms. 1370 e de outra existente também no ms. Sloane 821 do
pombas, pousadas na árvore do Mundo, figu- BritishMuseum, fl. 73-131. Publica o texto do ms. 1370 da
ram as almas dos defuntos. Anexim: Ave muda Biblioteca de Palacio (fragmentário) = BN: RE 394 V];
não faz agouro. *Horto do Esposo, *Livro das VASCONCELOS, Carolina Michaelis de, Mestre Giraldo e os
seus Tratados de Alveitaria e Cetraria: I. Estudo literário, II.
Aves e *Ornitomancia. Estudo etimológico, in Revista Lusitana, v. 13 (1910), p. 149-
432 [BN:J 2497 B]; VELOSO, José Mariano da Conceição,
FONTES ANÓNIMO, Livro de Cetraria [BN: PBA 518, fl. 1- Aviário Brasilico, ou Galleria Ornithologica das Aves indigenas
30v (séc. XVII-XVIIII)]; ANÓNIMO, Livros de falcoaria (ed. do Brasil, disposto, e descripto segundo o systema de Carlos Linne,
crítica por Manuel Rodrigues Lapa), in Bol. de Filologia, t. 1 copiado do natural, e dos melhores authores, precedido de diversas
(1932-1933), p. 199-234 [BN: CG 4145 V]; ANÓNIMO, dissertações análogas ao seu melhor conhecimento, acompanhado
Tratado de Cetraria do Rei Dancus [BLLondres: Sloane 821, fl. de outras estranhas ao mesmo continente […], Lisboa, Oficina
29-32v (séc. XVl); Uma tradução Portuguesa desconhecida do da Casa literária do Arco do Cego, 1800
Tratado de cetraria do Rei Dancus (ed. Gunnar Tilander), in
Bol. de Filologia, t. 6 (1940), p. 440-457 [BN: CG 4145 V];
ANÓNIMO, Livro que fez Enrique emperador d’Alemanha: AVE-BRUXA
Tratado do muito nobre rei d’Ancos (ed. Gunnar Tilander), in Criatura híbrida, constituída por corpo de ave
Neuephilologische Mitteilungen (Helsinquia), v. 66 (1965), p. dominado por cabeça feminina. Presente na ar-
607-618]; FERREIRA, Diogo Fernandes, Arte da Caça de
Altaneria, Lisboa, 1616 e 1899 (2 vols.); GIRALDO, Mestre,
te românica nacional, porventura herdada da
Tratado das enfermidades das aves de caça (ed. segundo um ma- antiguidade grega, onde ocorre como tema de
nuscripto do século XV por Gabriel Pereira), Lisboa, 1909 uma das aventuras de Ulisses, cantada numa
[BN: B 4815 V]; MENINO, Pero, Livro de Falcoaria [BN:
cod. 2294, fl. 45v-59v (séc. XVI); BLLondres: Sloane 821, fl.
rapsódia de Homero. Também descrita como
73-131 (séc. XVII); BN; BA: 518, fl. 30v-68r (séc. XVII- uma sereia alada, a locusta da visão apocalíptica
XVIIII); ed. com introd., notas e glossário por Rodrigues La- (Apocalipse, IX, 3-11). Ver Ensaio Mágico ou
pa, Lisboa, 1931 = BN: SA 11950 V]; TINOCO, Luís Nu- duas palavras sobre a feitiçaria em que se mostra
nes, Retratos de varias aves tirados do natural. Seguem-se outros
retratos assim de passaros, como de animais quadrupedes, e de al- a falsidade da Arte Mágica provada pela Sagrada
guns fabulosos, e menos naturaes, 1666 [ms. il. à pena, outrora Escritura, Tradição SS. PP. e AA. Profanados por
propriedade da Livraria das Necessidades; BA: 49-II-71] (cf. M. J. D. G. P. D. M. para instrução de seus Fre-
Jorge Faro, Um calígrafo do século XVII, in Panorama, s. 3, n.
7, Set. 1957, il. com aves fantásticas: unicórnio alado, grifo guezes, Braga, [1842], p. 25.
uraeus = serpente alada)
AVE DO DIABO
BIBLIOGRAFIA BAPTISTA, António Martinho / GOMES, M.
Na Madeira, apontam-se como tais o *tenti-
V. / LEMOS, Francisco de Sande / MARQUES, T. /
MARTINS, M. / MONTEIRO, J. P. / RAPOSO, L. F. / lhão e a *toutinegra, porque «têm metade de
SERRÃO, Vitor / SILVA, A. C. / ANGELES QUEROL, M. galatrixa».
de los / SERRÃO, Eduardo da Cunha, O Complexo de Arte
Rupestre do Tejo: processos de levantamento, in Actas do III
Congresso Nacional de Arqueologia (Porto, 1973), v. 1, Porto,
AVE MARIAS
1974, p. 317; FELGUEIRAS, Guilherme, Etnografia agro- Em 1456 (três anos após a queda de Constanti-
pecuária, in Notícias Agrícola, v. 6, n. 283 (28 Jul. 1938) nopla), em virtude do avistamento de um gran-
[fórmulas para afugentar aves daninhas]; idem, A avicultura e
a Tradição, in Notícias Agrícola, v. 6, n. 292 (29 Set. 1938);
de cometa, o papa Calisto III ordenou que se
idem, Etnografia agro-pecuária, in Notícias Agrícola, v. 7, n. tocassem os sinos de todas as igrejas ao meio-
316 (16 Mar. 1939) [As aves e as supertições dos dia, originando-se daí o toque das Ave Marias.
camponeses]; FRADEJAS RUEDA, José Manuel, Una Oração rezada em Paços de Ferreira (ca. 1880-
versión catalana del Livro de falcoaria de Pero Menino?, in Actas
do IV Congresso da Associação Hispânica de Literatura Medieval 1881), no dia 25 de Março, contra as bruxas:
(Lisboa, 1991), v. 3, Lisboa, 1993, p. 187-190 [BN: CG «Pelo campo de Gerafás passarei, / O inimigo d’
15065 V]; MARTINS, Mário, Experiência e conhecimento no alma encontrarei, / E eu lhe direi: / Noite, ar-
Livro de Falcoaria, in Estudos de Cultura Medieval, v. 3, Lisboa,
1983, p. 75-84; NUNES, J. J., Aves de agouro, in Lusa, v. 2 reda Satanás, / Que tu nesta alma não tens par-
(1918-19), p. 58-59 [considerações sobre algumas aves tidas te, nem terás, / Que eu em dia de Nossa Senho-
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AVENCA
ra de Março / Cem ave-marias rezei, / E cem vejante que, ora arremessa pedregulhos como
vezes me persignei, / E cem vezes o chão beijei uma funda, ora passa gemendo sobre os telha-
/ E cem vezes disse: / Ó Senhor da Bela Cruz, / dos, fazendo estremecer as casas. Dom Francis-
Salvai a minha alma, / Salvai, Jesus». O povo co Manuel de Melo escreve em O Fidalgo Apren-
acredita que os Medos aparecem ao meio-dia, diz: «Eis vem a negra abujão!» (Terceira Jorna-
meia-noite, ou depois do toque das Ave-Marias. da, v. 69) e «abujão, eu te esconjuro / que tu
me digas quem és» (idem, v. 131-132). O Ave-
AVE DO PARAÍSO jão (Lisboa, 1929) é o título de um episódio
Paradisaea apoda. Ave que aninha no *Paraíso. dramático de Raúl Brandão e Avejão Lírico
Não possui nem asas, nem patas, flutuando (1939) o de uma tela de António Pedro.
num desafio à gravidade (cf. Panorama, 29 Abr.
1843). Acha-se representada num azulejo da BIBLIOGRAFIA BASTOS, Glória ; VASCONCELOS, Ana Isa-
bel, O Avejao e o Gebo e a Sombra de Raul Brandao, Porto:
Universidade de Évora (sala 121). Sob ela dan- Porto Editora, 1995 [BN L. 51618 V]; BRANDAO, Raúl,
ça um génio (Amor) ostentando uma filactera O avejão: episódio dramático, Lisboa, 1929 [BN L. 23169
onde se lê: Semper Abstracta. Muito comum em (16º) P]; idem, O Avejão, Porto, 1991 [BN L. 83862 P];
COVAS, Pedro, Os Avejões, in Tradição, v. 2 (1900), p. 24-27
emblemas jesuíticos: nutre-se de ar e de luz e
e 57-58
não poisa sobre a Terra. Título de um romance
de Carlos Selvagem (Paris-Lisboa, 1930?). Na AVELEIRA
imaginária indo-portuguesa, a ave do paraíso Em Nelas, dizia-se (1939) que rezando uma
ocorre nas esculturas do Menino Jesus Bom oração com uma vara de aveleira debaixo do
Pastor, junto à fonte, dessedentando-se. joelho, se adivinhava o que se desejava saber.
Nas suas Flores moralizadas, Soror Maria do
AVEIA Céu associa a avelã à leviandade: «Leviandade
A propósito de uma passagem de Ezequiel (IV, avelãs, / Não direi delas podres delas sãs, / Sua
9: «E tu, filho do homem, toma trigo, cevada, árvore ligeira como o vento, / Toda vem ao pri-
favas, lentilhas, milho e aveia e meterás tudo is- meiro movimento, / Muitas não têm miolo co-
to num vaso e farás para ti pães»), ocorre a mo a cana, / Que nunca tem miolo a que é le-
*Santo António o seguinte comentário: «No viana. / Tem gosto, e não tem peso, / Que este
trigo que morre quando se deita à terra, desig- é da loucura o contrapeso, / Do sizo faça a da-
na-se a mortificação própria; na cevada, que ma a sua palma, / Ou ficará por avelã com al-
possui uma pragana que se agarra, o rigor da ma, / Do bom cheiro de fama esclarecida, / Pa-
disciplina; nas favas, alimento de abstinentes, a ra que assim pareça flor com vida».
virtude da abstinência; nas lentilhas, pequeni-
nas e de pouco valor, a consideração da nossa AVENCA
fraqueza; no milho, que precisa de frequentes Adiantium capilus-veneris, L. Também Capilá-
cuidados, o exercício da vida activa; na aveia, ria. Planta de virtude, utilizada em defuma-
que se ergue para o alto, a contemplação da douros de doentes de feitiçaria. Encontra-se em
glória celeste» (Obras Completas, v. 1, p. 94). quase todo o território português, em locais
Em Messejana (Aljustrel) ripam-se espigas ver- húmidos, especialmente junto dos poços, fon-
des da aveia, atirando-se os grãos às costas de tes, entradas de grutas, etc. Utilizam-se as fo-
alguém solteiro: quantos grãos se fixarem no lhas (frondes) frescas. Propriedades terapêuticas:
fato, tantos amores a pessoa há-de ter. contém tanino, mucilagem, açúcar, ácido gáli-
co, capilarina, etc.; propriedades béquicas, diu-
AVEJÃO réticas, emenegogas e emolientes. Muito útil
Também *abejão, *abujão e *abentesma. Fan- no combate a catarros brônquicos e pulmona-
tasma, visão, aparição, medo, alma do outro res. Na Antiguidade era muito utilizada em lo-
mundo. Manifesta-se sob a forma de figura al- ções para fazer crescer o cabelo, daí a denomi-
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AVENTAL DE COSTAS
AVENTAL DE COSTAS
Xaile preto de lã grosseira com o qual as viúvas
mais idosas têm o hábito de cobrir a cabeça.
AVENTESMA
O mesmo que *abentesma. No conto A Serena
de Alamares, difundido no Baixo e no Alto
Alentejo, o mau relacionamento entre mães e
filhas, dá ensejo a uma de enviar a filha ao moi-
nho, onde aparece uma «aventesma que mata-
va quem lá ía» (cf. A. Tomás Pires, Tradições Po-
pulares Alentejanas, in Revista Lusitana, a. 1, n.
1, 1887, p. 61).
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AVESTRUZ
AVESSAS
sas (?). O pão não se deve pousar voltado por-
A confusão entre os termos latinos aversus e ad-
que não foi ganho assim (cf. A. C. Pires de Li-
versus justificará o conjunto de crenças relacio-
ma, in Revista Lusitana, v. 17). Varrer a casa às
nadas com objectos e comportamentos opostos
avessas foi pretexto para denúncias na Inquisi-
à norma. Crê-se que caminhar às arrecuas é
ção, por suposto judaísmo (cf. Maria Antonie-
atrasar a vida (Lisboa), ensinar o caminho ou
ta Garcia, Denúncias em Nome da Fé, Guarda,
acompanhar o *diabo (Mondim), ou dirigir-se
2000, p. 71). Não se voltar para trás: ver mito
para o *Inferno (Óbidos). Em Minde (Seixal),
de *Orfeu e episódio bíblico de Sodoma e Go-
diz-se que quando alguém anda às arrecuas, es-
morra. O Mundo às avessas é o tema de diversos
tá Nossa Senhora a chorar e o diabo a rir-se.
painéis azulejares do salão de baile do palácio
Quando alguém se esquece subitamente de al-
dos condes de Anadia (Mangualde), inspirados
go que quer dizer ou fazer, preconiza-se que
em gravuras francesas de Oudry (1730) e
volte atrás pelo mesmo caminho, para se lem-
pintados por uma oficina coimbrã, em 1770.
brar (Lisboa). Pôr um banco ou cadeira de per-
nas para o ar ou vassoura com a rama para ci- AVESSO
ma, atrás de uma porta, faz sair uma visita ino- Para arrenegar bruxas é aconselhável virar a ca-
portuna (Lisboa). O mesmo efeito é obtido co- misa e o fato do avesso. Quando alguém se di-
locando o cabo de uma vassoura com a rama rige ao *espojadouro onde ficou a roupa de um
para cima, dentro de um banco. Em Melgaço, *lobisomem e a volta do avesso, quebra-lhe o
considera-se destinado ao diabo o *Pai-Nosso *fado (Pesqueiro). Na Terceira (Açores), diz-se
dito às avessas: «[…] Céu no como, terra na as- que para benzer o quebranto deve o benzedor
sim, vontade vossa a feita seja, nome vosso o se- ter a roupa vestida do avesso. Embora, roupa
ja, ficado santo, Céu no estais que, Nosso Pa- vestida do avesso seja quase invariavelmente de
dre» (não é conveniente dizer todas as pala- mau *agouro, em Lisboa, constitui prognóstico
vras). O mesmo se diz da Ave Maria, rezada às de presente.
avessas: «Jesus amen morte nossa na hora e ago-
ra pecadores nós por rogai Deus de mãe Maria AVESTRUZ
Santa Jesus ventre vosso do fruto o é bendito Significa o hipócrita, o qual, segundo Santo
mulheres as entre vós sois bendita convosco é António, tal como o avestruz que tem penas
Senhor o graça de cheia Maria Ave». Igualmen- mas não pode voar devido à grandeza do seu
te, da Salve-Rainha. Pelo contrário, em Trás-os- corpo, «se carrega com o amor dos bens ter-
-Montes, tem-se como excelente remédio para renos e, sob a pena de religião falsa, pretende
afugentar bruxas. Para curar as *dadas (Arcos mostrar-se falcão no voo contemplativo»
de Valdevez) as mulheres devem lavar-se às aves- (Obras Completas, v. 1, p. 60). Depositar ovos
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AVIGOIRO
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AZEITE
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AZEITEIRO
Jesus!». Em outras regiões, caminha-se de cos- xandre de Azeredo, O Azeite: o fabrico em Mesquinhata
(Baião), in Douro Litoral, s. 2, v. 7 (1947), p. 27; PIRES, A.
tas para a chaminé ou para uma janela, deitan- Thomaz, Investigações ethnographicas, in Revista Lusitana, v.
do-se para trás das costas, sem olhar, uma mão 16 (1913), p. 112-146 [além de outros assuntos, trata da es-
cheia de sal. Para desmanchar um *feitiço to- colha de pesooas castas para a apanha da azeitona]; REGO,
Teixeira, Pedras e Estátuas animadas, in A Águia, s. 4, n. 4-5
ma-se um quartilho de azeite, benzido por um
(Jul.-Out. 1928), p. 115-123; VEIGA, Álvaro, De como se ob-
padre que não seja amante de mulheres e o in- tém o azeite, in Douro Litoral, s. 3, v. 3 (1948), p. 64-67; S/a.,
divíduo com feitiço vomita-o imediatamente Festa rural (colheita da azeitona), in Revista Lusitana, v. 31
(Melgaço, 1918). Para se saber se alguma pes- (1933), p. 312-313 [descreve a festa final da adiafa em Rioda-
des: o ramo oferecido ao patrão, o baile, o jantar, etc.]
soa tem quebranto, deitam-se três pingos de
azeite em água: se o azeite se espalhar tem, se fi- AZEITEIRO
car junto não tem. Na freguesia de São Marti- Nome do diabo.
nho de Silvares (Fafe) existe o Penedo do Azei-
te, do qual, segundo uma lenda, brotava azeite AZEITONA
que era recolhido por mulheres com o suposto Sonhar com azeitonas caídas no chão significa
objectivo de intensificar a fertilidade. No local maus resultados, enquanto vê-las na oliveira va-
onde se diz que a pedra destilava observa-se ticina amizades profundas. Caroços de azeitona
uma cavidade com a configuração dos genitais enfiados num cordel e usados ao pescoço saram
femininos. Diz-se que o fenómeno nunca mais dores de dentes (Portel). Em Escalhão (Figueira
se repetiu depois de duas das mulheres que ali de Castelo Rodrigo), os jovens que têm mais do
se dirigiam se terem desentendido. O penedo que um namorado(a) e querem saber com qual
foi dinamitado há alguns anos, tendo ficado hão-de casar, pegam num caroço de azeitona,
partido em dois. Em artigos publicados em apertam-no entre os dedos, fazendo-o saltar: a
1928, Teixeira Rego advogou, baseando-se nos direcção que tomar indicará o sítio ou rua onde
«fastos hoje conhecidos de ectoplasmia», que a reside o futuro esposo ou esposa. O azeite é uti-
unção com óleos (azeite, etc.), *sangue (*ocre lizado na alimentação, mas também em rezas
vermelho), *leite, *visco, etc., de pedras, está- (pingos de azeite deitados em água permitem
tuas e humanos, visava o aprisionamento da di- diagnosticar o mau olhado, o luado ou o mal
vindade nesses corpos, doravante consagrados praguejado), benzeduras (talhar o *cobrão ou
(Genesis, XXXV, 14-15) *buxo virado), pagamento de promessas, na
preparação de unguentos, emplastros e poma-
BIBLIOGRAFIA AZEVEDO, Pedro A. de, O fogo eterno nos la- das ou como tónico, em combinação com vi-
gares de azeite, in Revista Lusitana, v. 14 (1911), p. 298-299; nho, vinagre, essências, etc. Vomitivo adoptado
CARVALHO, Alfredo Ferreira de, O Azeite: como funciona
uma azenha de azeite em Biodães da Beira (Pesqueira), in Douro no caso de intoxicações ou envenenamentos.
Litoral, s. 2, v. 7 (19??), p. 28; LEÃO, Armando, Folclore da Derramar azeite é mau *agouro e causa de en-
freguesia da Oliveira (Póvoa de Lanhoso), in Douro Litoral, v. 4 guiço. Em Vila Nova de Gaia, quando isso
(1941), p. 63-67 [termos usados nos lagares de azeite; dese-
nho com nomes das peças; alcunhas]; LIMA, Augusto César
ocorre, fazem-se cruzes com sal, dizendo: «Boto
Pires de, Estudos Etnográficos, Filológicos e Históricos, 6, Porto, sal em cruz, / Santo Nome de Jesus!». Para des-
1951 [além do carvalho, estuda a oliveira, seu carácter sagrado manchar um feitiço toma-se um quartilho de
e importância e do azeite na liturgia cristã; referências históri-
cas às oliveiras em Portugal; cultura e apanha da azeitona, adá-
azeite, benzido por um padre que não seja
gios e quadras populares, «penhoras» e festa das adiafas; fabri- amante de mulheres e o indivíduo com feitiço
co do azeite, desenho de um ligar de vara com nomenclatura vomita-o imediatamente (Melgaço, 1918). Para
das principais peças; processos tradicionais de curtir a azeito-
se saber se alguma pessoa tem quebranto, dei-
na; a oliveira na literatura erudita e na arte; vocabulário, ditos,
adágios e adivinhas, cantigas populares, religiosas e tópicas, tam-se três pingos de azeite em água: se o azeite
alusivas à oliveira; medicina popular e virtudes atribuídas ao se espalhar tem, se ficar junto não tem. Na fre-
azeite; ensalmos e superstições várias; contos e lendas em que guesia de S. Martinho de Silvares (Fafe) existe o
se fazem referências à oliveira; costumes tradicionais referentes
ao azeite e aos ramos de oliveira e relacionados com mortó- Penedo do Azeite, do qual, segundo uma lenda,
rios, casamentos, esconjuros de trovoadas, etc.]; PINTO, Ale- brotava azeite que era recolhido por mulheres
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AZEVEDO
com o suposto objectivo de intensificar a ferti- vestigações ethnographicas, in Revista Lusitana, v. 16 (1913), p.
112-146 [além de outros assuntos, trata da escolha de pesooas
lidade. No local onde se diz que a pedra desti- castas para a apanha da azeitona]; VEIGA, Álvaro, De como se
lava observa-se uma cavidade com a configura- obtém o azeite, in Douro Litoral, s. 3, v. 3 (1948), p. 64-67;
ção dos genitais femininos. Diz-se que o fenó- S/a., Festa rural (colheita da azeitona), in Revista Lusitana, v.
31 (1933), p. 312-313 [descreve a festa final da adiafa em
meno nunca mais se repetiu depois de duas das
Riodades: o ramo oferecido ao patrão, o baile, o jantar, etc.]
mulheres que ali se dirigiam se terem desenten-
dido. O penedo foi dinamitado há alguns anos, AZÊMOLA
tendo ficado partido em dois. *Círio dos Cara- Tendo morrido uma azêmola que transportava
melos (*Atalaia), *surra da azeitona (*assuada). a cama do Condestável, D. Nuno, disse o povo
Quadra: «Atirei c’uma azeitona / À menina da que no local onde o animal morreu, um espíri-
varanda: / A azeitona caiu dentro, / A menina to maligno tomou um homem e falou dele
já cá anda!» (*Oráculo amoroso). muitas coisas (cf. Fernão Lopes, Crónica de D.
João I, cap. I).
BIBLIOGRAFIA AZEVEDO, Pedro A. de, O fogo eterno nos la-
gares de azeite, in Revista Lusitana, v. 14 (1911), p. 298-299; AZEVEDO
BARREIROS, Álvaro Augusto, A apanha da azeitona em Er- Nesta localidade (Vila Praia de Âncora, Cami-
vedosa do Douro, in Douro Litoral, v. 9 (1944), p. 56 [descri-
ção da apanha pelo processo de varejo]; CARVALHO, Alfre-
nha) detectou Martins Sarmento «uma laje
do Ferreira de, O Azeite: como funciona uma azenha de azeite com gravuras curiosas», algumas novas para ele,
em Biodães da Beira (Pesqueira), in Douro Litoral, s. 2, v. 7, p. como sublinha, acrescentando: «Aqui em vez
28; CASTELO-BRANCO, Fernando, Aspectos e canções da
apanha da azeitona em Borba, in Revista Ocidente, v. 55
de círculos concêntricos, aparecem quadrados,
(1958), p. 1-16; idem, Aspectos e Canções da apanha da Azei- mas gravados pelo mesmo processo dos círcu-
tona em Borba, in Actas do 1º Congresso de Etnografia e Folclore, los» (cf. O estudo da Ora Maritima; antas da Pe-
v. 2, Lisboa, 1963, p. 423-426; CHAVES, Luís, Festas agríco-
neda; insculturas antigas, in O Arqueólogo Portu-
las (Alentejo): O rancho da azeitona, in Lusa, v. 4 (1921-22), p.
127-134; idem, Páginas folclóricas, in Revista Lusitana, v. 26 guês, v. 6, n. 8-12, Ago.-Dez. 1901, p. 183). O
(1927), p- 5-67 [descrição da apanha da azeitona e da festa fi- mesmo arqueólogo cita um ciprianista local, o
nal, a adiafa, etc.); idem, Páginas folclóricas, Porto, 1942 [co- qual lhe contara «ter quebrado na sua proprie-
lheita da azeitona, descrição e práticas específicas: eleição do
Alferes, juíza e Mordoma do rancho; festa da adiafa; o arrebo- dade uma laje, onde, além do sol e da lua, esta-
lar, homem e mulher pelo chão; etc.; virtudes e simbólica da vam também pintadas as estrelas. O sol e a lua
oliveira; quadras populares alusivas, etc.] ; DIAS, Jaime Lopes, eram gravuras circulares de diferente diâmetro;
Distrito Etnográfico: Costumes do Campo. A apanha da azeito-
na, in Acção Regional, v. 3, n. 118 (1928); FELGUEIRAS, as estrelas eram, segundo parece, covinhas (fos-
Guilherme, Etnografia agro-pecuária, in Notícias Agrícola, v. 7, settes), a que ele dava certamente aquele nome,
n. 306 (1939); S/a., Apanha da azeitona, in Notícias Agrícola, por vê-las na companhia dos dois astros» (cf.
v. 3, n. 139 (1935); LEÃO, Armando, Folclore da freguesia da
Oliveira (Póvoa de Lanhoso), in Douro Litoral, v. 4 (1941), p.
Dispersos, Coimbra, 1933, p. 314). Ainda Mar-
63-67 [termos usados nos lagares de azeite; desenho com no- tins Sarmento refere a existência aqui de outros
mes das peças; alcunhas]; LIMA, Augusto César Pires de, Es- petróglifos, a saber: 1. numa laje à beira da es-
tudos Etnográficos, Filológicos e Históricos, 6, Porto, 1951 [além
do carvalho, estuda a oliveira, seu carácter sagrado e impor-
trada entre Vila e Azevedo, logo acima da igreja
tância e do azeite na liturgia cristã; referências históricas às oli- de São Pedro, de covinhas, sinais e letras: «As
veiras em Portugal; cultura e apanha da azeitona, adágios e covinhas pareceram-me antigas. O círculo terá
quadras populares, «penhoras» e festa das adiafas; fabrico do
três polegadas e é um pouco frustre e duvidoso.
azeite, desenho de um ligar de vara com nomenclatura das
principais peças; processos tradicionais de curtir a azeitona; a O P, pelo menos o segundo, é muito distinto e
oliveira na literatura erudita e na arte; vocabulário, ditos, adá- deve ser relativamente moderno» (Antiqua:
gios e adivinhas, cantigas populares, religiosas e tópicas, alusi- apontamentos de Arqueologia, Guimarães, 1999,
vas à oliveira; medicina popular e virtudes atribuídas ao azeite;
ensalmos e superstições várias; contos e lendas em que se fa- p. 96, n. 146); 2. o Penedo das Fontinhas que
zem referências à oliveira; costumes tradicionais referentes ao tinha «umas letras» que o rapazio destruíu com
azeite e aos ramos de oliveira e relacionados com mortórios, cinzel e martelo (idem, p. 157); 3. as «cadeias
casamentos, esconjuros de trovoadas, etc.]; PINTO, Alexan-
dre de Azeredo, O Azeite: o fabrico em Mesquinhata (Baião), in pintadas» (aliás gravadas), num penedo das re-
Douro Litoral, s. 2, v. 7 (1947), p. 27; PIRES, A. Thomaz, In- dondezas (idem). *Asteriforme.
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AZEVEDO, PADRE JOSÉ DE SOUSA tinha coisa alguma suspeita, e era com efeito
Clérigo do hábito de São Pedro e *exorcista. uma oração de cego que refere a Paixão e Se-
Saíu penitenciado no *auto-da-fé da Inquisi- pultura de Cristo Senhor Nosso por modo e es-
ção de Lisboa, de 21 de Junho de 1731, por se tílo rústico e impróprio. A qual oração ela con-
valer de coisas e palavras supersticiosas para os fitente dizia sobre o enfermo doente tolhido,
exorcismos e fazer vir o *diabo à sua presença ou leso dos olhos, por ter neles argueiros, lan-
em figura de um *cágado, tendo pacto com o çando benções em cruz a certos espaços sobre o
mesmo (cf. Adolfo Coelho, Costumes e crenças doente, dizendo no fim da oração: Pelo poder de
populares). Deus e da Virgem Maria, e dos Apóstolos S. Pedro
e S. Paulo, e S. Miguel Arcanjo, e de todos os San-
AZEVEDO, LUÍSA DE tos, este mal talho e benzo pelo poder de Deus, ar
Chamada a Mestra de Vila Boa. Denunciada à de mortos excomungados, ar de vivos excomunga-
*Inquisição de Coimbra pelo Padre António dos, do meio dia, da meia-noite, de todas as horas
Mendes, reitor de Vila Boa de Quires, em más, estes males fiquem pacificados, assim como o
1653. Residia em Vilarelho, achando-se, na Nosso Senhor pacificou seus inimigos que na Cruz
opinião do sacerdote, «infamada de feiticeira, e o crucificaram. E em isto lançava outras ben-
que adivinha, e cura por arte do demónio, à ções e dizia cinco vezes Louvado seja o Santissi-
qual acode muita gente de diversas partes deste mo Sacramento. E com o sobredito uns doentes
Reino nas quartas-feiras, e sextas da semana, saravam, outros não, como Deus era servido.
que são os dias assinalados, em que mais usa de Porém os que tinham argueiros sempre sara-
suas cerimónias, e diz que quem não tem saúde vam, e saía do olho o argueiro, ou ali ou depois.
a pode procurar por via do diabo […]». Por E algumas vezes os tirava com uma tenazinha,
despacho de 22 de Julho de 1653, os inquisi- ou palhinha». No decurso de outras sessões,
dores mandaram que se procedesse à inquirição confessaria que «mandava fazer cozimentos
de testemunhas, o que teve lugar em 10 de Se- com água dizimada, lançando fora nove púca-
tembro seguinte, na localidade de Vila Boa de ros dela, e o décimo nas ervas que se haviam de
Quires. Várias acusaram-na de feitiçarias, de- cozer». Que dava aos crentes grãos de giesta pa-
signadamente de mandar passar ao domingo ra preservar do ar e não de fetão, como algumas
por cima de espada nua, curar argueiros com testemunhas tinham «inventado isto da sua ca-
palavras, levantar a espinhela, etc. Na sequên- beça». Acrescentou que mandava as pessoas
cia das inquirições, Luísa de Azevedo seria pre- passarem sobre espada nua (no processo é cita-
sa por ordem do Santo Ofício, dando entrada do o caso de certa moça, que estava enfeitiçada,
nos cárceres e Coimbra, em 8 de Janeiro de à qual fez dar três voltas em redor de uma espa-
1655. Comparecendo perante os inquisidores da nua), mas não em dias determinados e que
disse ser cristã-velha, de 60 anos, viúva do pe- também não curava só em dias certos. Acabou
dreiro Gonçalo Vieira. Logo durante a primei- por sair penitenciada no *auto-da-fé realizado
ra sessão dos interrogatórios começou a confes- em Coimbra, no Terreiro de S. Miguel, junto à
sar as suas culpas, consoante se lê no seu pro- Inquisição, em 18 de Abril de 1655, condena-
cesso [ANTT: Inq. Coimbra, proc. 2026]: da a abjurar de leve suspeita e a dois anos de de-
«[…]. Começou a curar enfermos, que se dizia gredo para Castro Marim. Solta a 27 do mesmo
serem doentes de ar, com uma oração que co- mês, o degredo ser-lhe-ia comutado para Torre
meça: Em nome do Padre, do Filho e do Espírito de Moncorvo, em 14 de Junho. Regressando a
Santo, Jesus, Maria, José, que andastes na terra do Vila Boa de Quites, vendeu tudo que aí possuia
Egipto fugindo aos inimigos com Nosso Senhor Je- e foi para destino ignorado, com uma filha.
sus Cristo, em vossos santíssimos braços, a qual Mas, volvidos 4 ou 5 anos, regressou, conti-
oração se não escreveu por extenso por ser ex- nuando publicamente as suas práticas de feitiça-
cessivamente comprida, e parece que não con- ria (novamente denunciadas ao Santo Ofício
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AZEVICHE
pelo reitor António Mendes, por carta de 6 de AZEVEDO, FREI MANUEL DE (?-1672)
Outubro de 1662). Não consta, porém, que a Desempenhou altas funções na Armada, tendo
Inquisição voltasse a importuná-la. professado o hábito carmelita, em 1649. Autor
de Correcção de abusos introduzidos contra o ver-
Depoimento do Padre António Mendes
dadeiro methodo da medicina: em tres Tratados.
O primeiro: Do grande proveito, que a todos faz o
«No princípio de Dezembro de 1652 achei nesta exercicio; & de quanto proveitosas são as purgas no
minha casa a Luísa de Azevedo curando minha principio das enfermidades. O segundo: De como
mãe dos olhos que como tinha a vista perdida, e
convem as sangrias dos pês, primeiro que as dos
lhe disseram que a dita Luísa de Azevedo curava
braços, nas enfermidades que cometem cabeça, &
de tudo, mandou a vir a esse efeito, e à minha
vista lhe mandou cozer certas ervas em água di- coração. O terceiro: Do conhecimento, & curação
zimada, lançando nove púcaros no chão, e reco- da febre maligna, com os remedios mais particu-
lhendo o décimo, e com ela lavasse os olhos, e a lares & experimentados para melhor se curar (Lis-
benzeu, fazendo umas cruzes nos peitos, e nas boa, Diogo Soares de Bulhoens, 1668 [BN: SA
costas, e cabeça, com uma faca, dizendo uma 9063 P]), obra na qual se refere à fascinação (I,
grande lenda [sic], em que falava em diversos p. 9s.) e aos contactos que manteve com saluda-
Santos e Patriarcas […]. Untava os olhos com dores portugueses e castelhanos (II, p. 34-37),
unto, e depois mandava lançar a untura em rio incluindo um Tratado da fascinação, olhado ou
que nunca estancasse. Já a mãe Marta Pires se de-
quebranto (reedições: 1680, 1690 e 1705).
dicava a feitiçarias. Ao Licenciado Manuel Cer-
queira, abade de S. Romão de Paredes, que sofria
do estômago, recomendaram-lhe que fosse con- AZEVICHE
sultar Luísa de Azevedo, e ela disse-lhe «que se Espécie de lenhite, negra e brilhante. Jóia do
ele quisesse, ela mostraria em um alguidar de luto. Objectos de azeviche (contas, figas, etc.)
água a pessoa que lhe tinha feito os feitiços». O protegem contra o *mau olhado, o mau *ar, o
abade sarou de todo, tirando do pé um escara- *quebranto, a *fascinação, as *luadas e os feiti-
pim que usava, e estava embruxado pela mulher, ços em geral (cf. Fonseca Henriques, p. 125;
cujo rosto aparecera na água do alguidar. Pala- Frei Manuel de Azevedo, Tratado da Fascina-
vras de bem querer: «Fulana, com dois te vejo,
ção). Contas e amuletos de azeviche foram de-
com cinco te prendo, pelo poder de Deus, e de
tectados nas estações arqueológicas de Pai Mo-
S. Paulo, tu queiras o que eu quiser, e caibas on-
de eu couber». Estas palavras, ditas às avessas, go, lapa do Suão, Cabeço da Ministra, Cascais,
serviam pata mal querer». grutas de Alcobaça, gruta do Correio-mor
(Loures), lapas do Fumo e do Bugio (Cabo Es-
Depoimento de Maria Correia pichel). O azeviche é referido por Plínio que
[Luísa de Azevedo, para lhe curar certo achaque] lhe atribuía poderes medicinais e profilácticos, e
«mandou cozer uns mentrastos, e cozidos eles lhe conferia a propriedade de afugentar demó-
pusesse as folhas no rosto, e lhe dera um papel. nios e desfazer quebrantos. Santo Agostinho
que não sabia se estava branco, se escrito, para assevera que a fumigação desta pedra afugenta
que o deitasse no Rio de S. Martinho, sem olhar demónios, fascinações, ideias melancólicas e
para trás. Para uma doença do pai dela testemu- malefícios (Da Cidade de Deus, cap. IX). Uma
nha, recomendou-lhe que fosse muito depressa
conta de azeviche é preconizada como profilác-
ao meio do lugar onde ele vivia e em voz alta dis-
sesse que a pessoa que tinha seu pai preso que lho
tico contra o mau ar e as *bichas (*sanguessu-
soltasse, que mais rendia vivo que morto, senão ga). Ao pôr-se a conta numa criança, dizia o sá-
que havia de buscar seu remédio». bio de Melgaço: «Azebiche! Te ponho nesta
criança, que corte’las bichas e o mau ar». Tam-
BIBLIOGRAFIA FREITAS, Eugénio de Andreia da Cunha, Bru- bém Camilo Castelo Branco se reporta ao uso
xos, Bruxas e Bruxarias no Tribunal da Inquisição, in Actas do
Congresso Internacional de Etnografia promovido pela Câmara de contas de azeviche como profiláctico: «E co-
Municipal de Santo Tirso, v. 3, Lisboa, 1965, p. 189-192 meçou a desenrolar o nastro gorduroso de uma
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AZEVINHO
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AZIAGO
para actuarem, tal como todos os dias 13 de 604], citam-se 3 dias mortais (26 de Janeiro; 1
anos bissextos ou quando coincidentes com a de Agosto e 1 de Setembro), desaconselhados
sexta-feira. Na Lista de alguns dias aziagos que para casar, começar obras novas ou efectuar
tem o anno, cujo papel se achou entre os do Viso aquisições, aos quais acrescem 33 dias azíagos,
Rey P[edro] da Silva, o Molle, quando morreu; e a saber: Janeiro: 1, 2, 3, 4, 5, 9, 30; Fevereiro:
se a[s]segura ser tirado de demonstrações claras de 10, 16, 19; Março: 16, 17, 18, 19; Abril: 1 (ou
Astrologia, Filosophia, e ajuda das experiências primeira 2ª feira do mês = mortal = Caim ma-
exercitadas; e não há q[ue] lhe por duvida, con- tou Abel), 6, 15; Maio: 7, 18, 19; Junho: 1, 6;
forme a regra n[atural], salvo se D[eu]s N[osso] Julho: 2, 10, 20; Agosto: 1 ou primeira 2ª feira
S[enho]r quizer ordenar o contrario» [BUC: ms. do mês (mortal = Deus abrasou Sodoma e Go-
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AZINHAGA DA BRUXA
morra), 2, 19; Setembro: 1 (mortal somente em eclesiástica tentou, em vão, transferir para
alguns autores, em vez da primeira 2ª feira de uma ermida sita a cerca de um quilómetro de
Novembro), 16, 19; Outubro: 6; Novembro: pri- distância. Consta de uma azinheira a que o
meira 2ª feira do mês (mortal = nascimento de povo chama Azinheira de Santo Aleixo, a qual
Judas Iscariote), 15, 17; Dezembro: 6, 7, 9. Lo- é creditada com a capacidade de curar molés-
cuções: À terça não cases a filha nem urdas a teia; tias, designadamente por via da camada de
Agosto é mês aziago, é um mês de desgosto. *cortiça que possui junto da raiz. Assim, quan-
do alguém fica doente, corta cinco pedacinhos
BIBLIOGRAFIA FIGUEIREDO, Borges de / SOUSA, Alexan- dessa cortiça que são introduzidos num saqui-
dre, in Rev. Archeologia e História, v. 1, p. 50-65; MATTOSO, nho para trazer ao pescoço, até que a maleita
Luís Montês, Memória [numerológica], in Ano Noticioso e
Histórico (17 Set. 1770); SILVA, Armando J., Etnologia aço- desapareça. Uma vez obtida a cura, os cinco
riana, in Revista M, v. 1 (1886), p. 89 pedaços de cortiça são entregues como oferen-
da à árvore. Nas imediações acha-se um pene-
do granítico com covinhas, conhecido pela
Gruta de Santo Aleixo, em cuja concavidade se
diz que apareceu o santo, atribuindo-se as co-
vinhas visíveis ao longo do penedo às patinhas
da cabrinha que, de noite, o amamentava.
Mesmo após a edificação da ermida de Santo
Aleixo, o povo circunvizinho permaneceu fiel
à tradição, teimando em levar processional-
mente a imagem do mártir até à gruta, de on-
de só regressava ao cair da noite, motivo por
que os párocos decidiram impedir tais festejos,
o que originou a extinção do culto na dita er-
mida. Leite de Vasconcelos regista ter ouvido,
em Agosto 1893, os habitantes das redondezas
Desenho alusivo à Azinhaga da bruxa, publicado por da capela da Senhora dos Prazeres (Avis) afir-
Barbosa de Lima no Archivo Pittoresco (1863). marem que se livravam de sezões usando ao
pescoço, enfiada numa linha, uma bolota da
AZINHAGA DA BRUXA azinheira que pertence à dita Senhora.
Artéria da freguesia do Beato. Principiava na
Estrada de Marvila e terminava na Azinhaga do AZÓIA
Planeta, ligando as quintas da Bruxa e do Do árabe, zâwia. Designa o lugar de reunião
Planeta. espiritual e caritativa dos muçulmanos, consti-
tuído por oratório (ribat), hospedaria e madra-
AZINHEIRA sa (escola). Por vezes, coexiste com o sepulcro
Espécie de carvalho, cenário de numerosas de um homem santo. O topónimo é muito co-
epifânias marianas, tais como em São Marti- mum, especialmente nos percursos de acesso
nho de Antas (Vila Real) e, nomeadamente, aos promontórios ocidentais a sul do rio Vou-
da de Fátima. Uma das 27 árvores representa- ga, destinos de peregrinação consagrados desde
das na heráldica familiar portuguesa. A Su- tempos imemorais, onde a sedimentação de
doeste do Redondo (Évora), junto à berma da formas cultuais deixou marcas indeléveis. *Ca-
estrada que actualmente conduz desta locali- bo Espichel, *cabo da Roca.
dade a Reguengos de Monsaraz, acha-se um
santuário dedicado a *Santo Aleixo, porven- AZONGO
tura relíquia proto-histórica que a hierarquia Nome do *diabo.
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AZUL
AZOUGUE
Mercúrio alquímico ou mercúrio hermético.
Frio e húmido e, por consequência, aquoso. É
a água permanente, o espírito vitalizador do
corpo, aquilo que os filósofos herméticos me-
dievais chamavam Ens Veneni. É consensual
que a arte alquímica depende da efectiva com-
preensão da natureza deste Mercúrio, o qual se
encontra directamente relacionado com a
quintessência. O azougue é profiláctico contra
as bruxas (Barroso), a *erisipela (Curvo Seme-
do, Polyanthea, p. 402, n. 23; Nelas; Portel,
etc.), o *bócio (Atalaia da Vida, p. 87), etc., fa-
zendo-se preto e reduzindo-se a pó quando al-
guém quer mal ao seu possuídor (por essa ra-
zão, outrora, as mulheres de Lisboa traziam
azougue num frasquinho dentro da mala de
mão). Em Alcoutim, não se aconselha ter espe-
lhos na parede quando está a trovejar, porque
têm azougue. O engenheiro militar Manuel da
Maia denunciou, em 8 de Julho de 1755, um
alemão das relações do Padre Cardone por
transmutar azougue em prata, reputando-o de
iluminado [ANTT: Inq. Lisboa, caderno 114 Rosto da edição do Manual de Confessores (Coimbra,
dos promotores, fl. 210]. 1560) de Martinho de Azpilcueta Navarro.
BIBLIOGRAFIA ESCHWEGE, Guilherme, Sítios em que se en- R 13053 P; Res. 1800 P]; Manual de confessores e penitentes,
contra azougue em Portugal, in Revista Universal Lisbonense que clara e brevemente contem a universal decisam de quasi todas
(1843), p. 166s.; HENRIQUES, Francisco da Fonseca (1665- as duvidas q em as confissões soem occorer dos peccados,
1731), Medicina Lusitana: Soccorro Delphico aos clamores da na- absoluições, restituyções, censuras, e irregularidades, Coimbra,
tureza humana para total profligação de seus males. Dividido em 1549 [outras edições de Salamanca (1557), Coimbra (1560),
tres partes [...], Amesterdão: por Miguel Dias, 1710 [Inclui: Antuérpia (1568 e 1581), Lião (1637), Veneza (1681)];
Tratado unico e administração do Azougue, nos casos em que é Capitulo vinte y ocho de las adiciones del Manual de cõfessores del
prohibido. Reimpressões em 1731 e 1750 (Porto), correctas e doctor [...], Évora, 1581.
aumentadas pelo autor. Incluem a Dissertação dos humores na-
turaes do corpo humano. Trata da fascinação (livro II, cap. I, p. AZUL
123-127) e das pedras de peçonha (cap. VII, p. 309)]; idem,
Tratado unico e administração do Azougue, nos casos em que é Cor espiritual e de Deus (cf. Êxodo e Ezequiel,
prohibido, Lisboa, Valentim da Costa Deslandes, 1708 [Saíu que descrevem o trono de Deus talhado numa
incluído nas edições de 1710 e 1731 de Medicina Lusitana]. *safira) e da sua morada celeste (azul do céu).
Simboliza realeza, nobreza (sangue azul), ven-
AZPILCUETA NAVARRO, MARTINHO DE tura (ouro sobre azul) e o princípio feminino
(1494-1586) ou aquático (azul marinho). Segundo os códi-
Cónego de Santo Agostinho, doutor em Teo- gos heráldicos o azul denota zelo, claridade e
logia, lente de Cânones na Universidade de lealdade. Entre as flores, o *miosótis (azul),
Coimbra. Autor de alguns dos mais divulga- também denominado «não me esqueças», é
dos manuais de *confissão que circularam em emblemático dos namorados, os quais vêem
Portugal. nele persistência e saudade. Anéis com uma
OBRA Enchiridion sive Manuale confessariorum et poenitentium *opala engastada são *amuleto de apaixonados
complectens pene resolutiones, Veneza, 1608 [BN: R 13051 P; e ambiciosos. Bluteau (s. v. Pedras preciosas)
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AZUL
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BACO
BAAL
B thencourt, O Imaginário da Magia, Lisboa,
Deus semítico da fertilidade, eventual epíteto 1987, p. 85-86, 211). À escrava *Marcelina
de Adad, tb. conhecido por Enki (Senhor da Maria foi ensinado «que quando tivesse cópula
Terra). O teónimo é sinónimo de Senhor, ma- com algum homem que molhasse o dedo no
rido, dono (Dom). O nome hebraico desta di- seu vaso natural, e que fizesse duas cruzes sobre
vindade é cognata do Bel, acádio. Baalath cor- os olhos para a tal pessoa sempre lhe assistir e a
responde ao feminino de Baal, cujo plural é não deixar» [ANTT: Inq. Évora, proc. 4728, fl.
Baalin. Baal (referido em muitos livros do An- 76v (de 1734)]. Do mesmo modo, *Joana Rosa
tigo Testamento) está na origem de Beliel, di- seria aconselhada a que para o «efeito de uma
vindade citada até no Novo Testamento. Há pessoa querer bem a outra [...] se chegasse a ter
referências na *Bíblia às seguintes divindades cópula com a dita pessoa, alimpasse logo as
cananeias: Baal-Gad, Baal-Hamon, Baal- suas partes pudendas com a fralda da camisa e
Hanan, Baal-Hatsor, Baal-Hermon, Baal-Peor, depois cortasse aquele bocado de pano e o me-
Baal-Pératsim, Baal-Salisa, Baal-Thamar, Baal- tesse debaixo do pé esquerdo entre a meia e a
Tsephon e Baal-Zebub (*Belzebu). Venerado carne, porque nunca mais a tal pessoa, a quem
sob a forma de uma pedra cónica (*bétilo). se fizesse o referido havia de perder o amor,
Deu o nome a muitas localidades, tais como nem separar-se da sua comunicação». *Ligadu-
*Belas, Belmonte, etc. (cf. Moisés Espírito ra, *menstruação, *sangue.
Santo, Origens Orientais da Religião Popular
Portuguesa – Ensaio sobre a Toponímia Antiga, BABAU
Lisboa, 1988). *Astarte. O *papão, em Alcácer do Sal. Para se causar
medo às crianças diz-se: «Cala-te por causa do
BABA Babau»; «Olha que vem ali o Babau»; «Anda cá,
Utilizada na magia erótica. Inês Catela Rodri- Babau»; «Babau, vai-te embora, deixa dormir o
gues confessou aos inquisidores que havia apren- menino um soninho descansado»; «Ó Babau,
dido com uma cristã-nova uma prática que vai-te embora / De cima desse telhado, / Deixa
consistia em recolher a baba de um moribun- dormir o menino / Um soninho descansado».
do, dando-a a beber, misturada em água ou em
vinho, ao destinatário do *feitiço. A baba devia BACANTE
ser conjurada no momento da recolha com as Sacerdotisa) consagrada a *Baco e aos seus Mis-
seguintes palavras: «como tu esqueces este térios. O mesmo que ménade e tíade. Bacantes
mundo assim tu esqueças teu pai e tua mãe pa- incorporam o Triunfo báquico do mosaico das
ra me quereres bem» [ANTT: Inq. Évora, proc. Musas (Torre de Palma).
7738, fl. 1v].
BACO
BABADO Divindade equivalente ao grego Dionísio. Fi-
*Sémen ou líquido seminal. A sua utilização na lho de Júpiter e de uma mulher mortal, Séme-
magia erótica era preconizada para *obrigar a le. Deus do *vinho, encarna o poder embriaga-
vontade de alguma pessoa (cf. Francisco Be- dor deste, bem como suas influências benéficas.
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BACO, SÃO
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BÁCULO
BAÇO VIRADO
Às crianças a quem se vira o baço (embaçadas)
em consequência de quedas, coloca-se sobre o
estômago, o estômago ainda quente de um ca-
brito ou borrego acabado de matar. Em 1746,
*Francisco Gonçalves Salgado, paneleiro de São
Martinho dos Montes (Viseu), foi condenado
pelo Santo Ofício por fazer curas várias, entre as
quais a do baço. Na Rapa (Celorico da Beira), o
baço é denominado passarinha, já no Jarmelo
(Guarda) chamam-lhe moleija ou moleijinha.
BÁCORO
As coisas más podem aparecer sob a forma de
uma galinha com bácoros, junto a poços (cf.
Positivismo, v. 4, p. 287).
BÁCULO
1. Considerado uma das originalidades do
*megalitismo português, não obstante tb. es-
teja representado no da Bretanha. Artefacto Báculos em xisto procedentes de arqueosítios do ter-
votivo talhado em xisto, com a forma de gan- ritório português.
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BÁCULO
Guia
Artefactos
ANTA 3 DE VALE DE RODRIGO (Évora); ANTA DE LOBA 2 (N. Senhora de Machede, Évora); DÓL-
MEN DE FALSA CÚPULA DE VALE DE RODRIGO (Évora); ANTA 1 DO CEBOLINHO (Évora):
fragmentos de dois exemplares; ANTA GRANDE DO OLIVAL DA PEGA (Reguengos de Monsaraz):
fragmentos de cinco exemplares; ANTA 1 DO PASSO (Reguengos de Monsaraz): fragmentos de cinco
exemplares; ANTA 3 DA HERDADE DE SANTA MARGARIDA (Reguengos de Monsaraz): báculo ou
placa de xisto?; THOLOS DA COMENDA (Reguengos de Monsaraz): fragmentos de dois exemplares;
DÓLMEN DO MONTE ABRAÃO (Queluz, Sintra); ANTA DA ESTRIA (Queluz, Sintra): dois exem-
plares; LAPA DA GALINHA (Alcanena, Santarém): 3 exemplares; GRUTA DA CASA DA MOURA
(Óbidos); Gruta da Cova da Moura (Torres Vedras): pequeno báculo recortado em esquírola de osso polida;
GRUTA DO CORREIO-MOR (Loures); ANTA DA LOBEIRA DE BAIXO (Montemor-o-Novo); AN-
TA 4 DA HERDADE DAS ANTAS (Montemor-o-Novo): com a particularidade de possuir a extremidade
proximal encurvada [MNA: 989.29.1]; ANTA 1 DOS GALÕES (Montemor-o-Novo); ANTA 3 DA
HERDADE DAS ANTAS (Coruche, Santarém): [MNA: inv. 204.181.1]; ANTA DE MARTINS AFON-
SO (Salvaterra); ANTA DA HERDADE DAS CABEÇAS (Arraiolos); ANTA 1 DOS COURELEIROS
(Castelo de Vide): placas de xisto, eventualmente talhadas sobre fragmento de báculo; ANTA 1 DA HER-
DADE DA MOITA (Mora): vaso em cerâmica, decorado com dois báculos relevados [MNA: inv. 45194]
Arte rupestre
DÓLMEN DA PEDRA DOS MOUROS (Belas): antropomorfo e báculo invertido; MENIR DOS AL-
MENDRES (Évora): sobreposto a linhas onduladas; MENIR EM CONEXÃO COM O SEPULCRO
DE VALE DE RODRIGO (Évora); AFLORAMENTO DO PORRO (Évora): eventual báculo, identifi-
cado por Manuel Calado; ESTELA-MENIR DO MONTE DA RIBEIRA (Reguengos de Monsaraz);
MENIR DA BULHOA (Reguengos de Monsaraz): envolvido por linhas onduladas que partem do disco
solar, no topo do monólito; MENIR 1 DOS PERDIGÕES (Reguengos de Monsaraz); ESTELA-MENIR
DA HERDADE DO BARROCAL (Reguengos de Monsaraz); MENIR DOS PONTAIS (actualmente
no Museu de Arqueologia de Silves): duas pequenas figurações; Menir de Vidigueiras (Reguengos de Mon-
saraz): inicialmente interpretado como ferradura; MENIR DA VELARINHA (Silves: diversos); MENIR
DE SANTA MARGARIDA (Corval, Reguengos de Monsaraz): insculpido na face Sul; CROMELEQUE
DOS ALMENDRES: treze figurações no menir 57, uma no menir 76; CROMELEQUE DA PORTELA
DOS MOGOS (Graça de Divor): em dois menires; CROMELEQUE DO XAREZ (Reguengos de Mon-
saraz): num menir; CROMELEQUE DE VALE MARIA DO MEIO (Évora): em três menires; ROCHAS
130 E 158 DE SÃO SIMÃO E 11 DE FRATEL (Vale do Tejo); ABRIGO PINHO MONTEIRO (Ar-
ronches, Portalegre): antropomorfo com báculo; ANTA DA ARCÃ (Abreiro, Mirandela, Bragança); AN-
TA DE ZEDES ou Casa da Moura (Carrazeda de Ansiães, Bragança): Santos Júnior viu um antropomorfo
ictifálico pintado, no 3º ortóstato, e Shee Twohig um báculo, no 2º
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BAIXA POMBALINA
Baixo-relevo da base do pedestal da estátua de D. José, concebido por Machado de Castro e gravado por José Lúcio da Costa
(coxinho), em 1795
À esquerda do arquitecto que apresenta a planta da cidade, vê-se uma figura feminina segurando duas chaves (dourada e
prateada) e o leme de um navio, símbolos de Janus, patrono dos collegia fabrorum latinos, e, por consequência, igualmente
da Casa dos Vinte e Quatro.
nham ido todos prestar vassalagem ao sobera- motor, fl. 408r – 474r.], pretendeu investigar,
no. De facto, a estátua equestre irradia a partir lança ainda alguma luz sobre o caso. De facto,
do foco de uma circunferência que igualmente alguns dos depoimentos são extremamente elu-
constitui o foco de um triângulo equilátero cidativos sobre as actividades e o cenário dos
nela inscrito e cujos vértices coincidem com os conclaves. Será muito difícil negar o evidente
eixos da Rua Augusta e das portas laterais dos paralelismo entre a loja descrita por Miguel
torreões do Ministério da Guerra e da Alfânde- O’Kelly, e o modelo da Baixa proposto por
ga. Ganha deste modo maior consistência e sig- Carlos Mardel ao Ministro de Dom José. Na
nificado a observação de Helmut Wohl, segun- ausência de outros dados, será de todo perti-
do o qual «as contribuições de Mardel residem nente interrogar-mo-nos em que medida a om-
na qualidade dos seus desenhos e nas suas ino- nipresente *Casa dos Vinte e Quatro e bem as-
vações relativamente a um certo número de sim a Casa Real dos Pedreiros Livres da Lusitâ-
problemas arquitectónicos», ou aquela outra nia, ambas consabidamente herdeiras dos
onde sublinha que «era extremamente sensível *mesteirais (*collegia fabrorum) e da sua ética
à beleza das formas simples e não decoradas» corporativa, poderão ter influenciado as opções
(cf. Carlos Mardel and his Lisbon Architecture, de Pombal, na definição da toponímia dos ar-
in Apollo, n. 134, Abr. 1973, p. 357). A cir- ruamentos da Baixa (cf. decreto de 5 de No-
cunstância de Carlos Mardel constar como vembro de 1760) e no patrocínio dado à eleva-
participante nos conclaves da Loja maçónica ção do monumento equestre («Collegi Nego-
denominada *Casa Real dos Pedreiros Livres da tiarum curans»). Seja como for, uma coisa pa-
Lusitânia, cujas actividades um inquérito da rece indubitável: o baixo-relevo colocado na fa-
Inquisição, intitulado Sumario das Testemunhas ce do pedestal «que olha a cidade» serve de au-
que se tirarão a respeito dos Pedreiros Livres têntico epítome à obra pombalina. Machado
[ANTT: caderno 108 (300 da Ordem) do Pro- de Castro declara ter-se inspirado (à excepção
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BAIXA POMBALINA
Depoimentos prestados no Santo Ofício por maçons da Casa Real dos Pedreiros Livres da Lusitânia
[...] o que nela [loja] se contém é tratar-se de várias matérias umas pertencentes ao governo económico, ou-
tras ao público, observando as ocasiões das suas conveniências e também a de querer cada um exceder-se
em qualquer ciências destas. Tem também a da Arquitectura em que se empregam com vários discursos e
exames e, para em tudo serem peritos discorrem nos Pedreiros Livres Mecânicos [maçonaria operativa] e
nos Pedreiros Livres Nobres e Cavalheiros [maçonaria especulativa], e destes Pedreiros Livres Mecânicos há
dois ou três em cada casa para servirem aos outros [...] outras vezes se empregam em Músicas e Instrumen-
tos [...]. Disse mais que sem estarem peritos e cientes naquelas artes de governar e de arquitectura e de tudo
o mais que se lhe propõem na dita sociedade, nenhum da dita sociedade pode pretender grau algum da-
queles superiores, nem ter conhecimento da sua hierarquia [...]. Disse mais que todos os da dita sociedade
[...] se conhecem pelo aperto das mãos e nos movimentos que fazem com a direita, levando-a ao pescoço
os da primeira classe e por outro modo os aprendizes, os da segunda ao peito [...] aqueles que estão próxi-
mos a serem Mestres e os da terceira levam a mão à cintura [...] (fl. 419v-420r).
Diogo Thomas O’Kelly, criado do Senhor Infante Dom António e seu mestre de dança, a 16 Outubro de
1738:
[...] comiam e bebiam conquanto que não fosse em demasia porque esta era proibida, conversavam fazendo
discursos matemáticos ou sobre outra qualquer arte ou ciência, como Medicina, Arquitectura ou outra
qualquer, cantavam, tocavam instrumentos conforme cada um sabia, era proibido falar em matéria de re-
ligião, porque como entravam igualmente Católicos Romanos e herejes, evitavam toda a disputa que pu-
desse perturbar a boa sociedade. Também era proibido o murmurar, jurar e se obrigavam com juramento
quando entravam sobre a Bíblia de guardar segredo inviolável de tudo o que se pensava na dita sociedade
[...] (fl. 461r).
[...] E nas ocasiões em que entrava algum de novo, estando demais na dita casa três tochas acesas, em figura
triangular, em que simbolizavam o Sol, a Lua e o Grão-Mestre, também havia na mesma casa a figura do
Sol, feita de papelão dourado e a da Lua, de papelão prateado e uma proporção matemática [delta = 47ª
proposição de Euclides], feita de papelão cortado [...] e também havia na mesma casa nas ditas ocasiões as
quatro letras iniciais dos quatro ventos principais: Norte, Sul, Leste, Oeste.
Carlos Mardel é citado nos depoimentos de Frei Carlos O’ Kelley (fl. 409v), Dionísio Hogan (fl. 424v),
Diogo O’ Kelley (fl. 465v) e Miguel O’ Kelley (fl. 467).
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BAIXA POMBALINA
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BAIXA POMBALINA
Mafra Norte
que além disso tem feito aparecer outra vez em
Portugal o século feliz dos Senhores Reis D.
Manuel e D. João III, para os exceder com os
progressos das suas paternais, magnânimas e
infatigáveis providências» (cf. Observações secre-
tíssimas do Marquês de Pombal, Sebastião José de
Carvalho e Mello na ocasião da inauguração da
Estátua Equestre no dia 6 de Junho de 1775, e
entregues por ele mesmo, oito dias depois ao Se-
nhor Rei D. José I, in Cartas e outras obras selec-
tas do marquês de Pombal, ministro e secretário d’
Estado d’ el-Rei D. Jozé I com o epítome da vida
deste ministro e ornado do seu retrato, Lisboa,
1822, p. 15-16). Nem, tão pouco, serão causa-
doras de estranheza as destinadas por António
Pereira de Figueiredo ao Conde de Oeiras:
«Onde estão, ó soberba Roma, os teus Augus-
tos? Onde estão os teus sete Montes, as tuas
Praças, os teus Palácios, o teu Senado, as tuas
Cúrias, os teus Arsenais, os teus Arcos, as tuas
Fontes, os teus Aquedutos, as tuas Vias Milita-
O cardo maximus da Baixa (Rua Augusta) desvia-se do res, as tuas Calçadas? A Nova Lisboa confiada-
Norte verdadeiro 17º para Noroeste, coincidindo com a mente protesta, que em nenhuma destas partes
antiga porta da cerca fernandina de Lisboa, tutelada por te quer ceder [...]. Todas estas qualidades osten-
Santo Antão (venerado a 17 de Janeiro, em pleno signo do ta a Nova Lisboa juntas e unidas em um só Se-
Capricórnio). Por sua vez, o eixo do Passeio Público (o bastião» (cf. O Dia das Três inaugurações: Breve
mesmo da actual Av. da Liberdade) dista daquele os
mesmos 17º (logo 34º, i. e., 17 x 2, do Norte verdadeiro).
discurso sobre a Régia função do dia 6 de Junho
O seu prolongamento para Norte, quiçá uma das de 1775 [...], Lisboa, 1775).
«estradas em linha recta» balizadas por Manuel da Maia, BIBLIOGRAFIA AAVV, Monumentos, n. 1 (Set. 1994) e n. 21
encontra o palácio cenóbio de Mafra. (Set. 2004); BRANCO, Alice Tomaz / VIEGAS, Inês Morais
/ ANTUNES, Margarida Eiras, Rocio-Rossio: Terreiro da Cida-
nus (as duas chaves e o leme da barca, seu dis- de, Lisboa, 1990 [BN: BA 1858 A]; BYRNE, Gonçalo Sousa,
Recostruire nella Città la Lisbona di Pombal, in Lotus Interna-
tintivo), ao passo que esta evoca o Criador e os cional, n. 51 (Milão, 1987); CAESSA, Ana, Cartulário Pom-
que dão pelo nome de pedreiros livres. Em face balino, Lisboa, 1999; DIAS, Silva, Os Primórdios da Maçona-
do exposto, não serão, por consequência, dispi- ria em Portugal, v. 2, t. 2, Lisboa, 1980, p. 439-526; EXPO-
SIÇÃO ICONOGRÁFICA E BIBLIOGRÁFICA comemorati-
ciendas as palavras seguintes do Marquês de va da Reconstrução da Cidade depois do Terramoto de 1755
Pombal dirigidas ao seu monarca: «A grande (Nov.-Dez. 1955), Lisboa, 1955; FRANÇA, José Augusto,
cortina que no felicíssimo dia 6 do corrente Lisboa Pombalina e o Iluminismo, Lisboa, 1965; idem, Les Six
Plans de la Lisbonne Pombaline, in Colóquio-Artes, a. 14, s. 2,
mês de Junho de 1775, descobriu a Régia Está- n. 8 (1972), p. 30-34; idem, A Reconstrução de Lisboa e a Ar-
tua de El-Rei meu Senhor, veio a manifestar quitectura Pombalina, Lisboa, 1978; GAMA, Henrique Dinis,
nos dias sucessivos ao claro conhecimento de Baixa Pombalina: a luz obscura do Iluminismo, Lisboa, 2005;
GANDRA, Manuel J., A Praça do Real Arco demonstrada, in
todos aqueles que, não passando da superfície Monumentos, n. 1 (Set. 1994), p. 35-40; idem, Da Face Oculta
dos objectos que lhes presentam à vista, passam do Rosto da Europa: prolegómenos a uma História Mítica de Por-
a investigar e compreender a substância das tugal, Lisboa, 1997; idem, A Baixa Pombalina ou a Praça do
coisas, que Sua Majestade não só tem inteira- Real Arco demonstrada, Mafra, 2002; GONÇALVES, José
Braga, O Maçon de Viena, Lisboa, 2005 [romance histórico];
mente dessipado as trevas e reparado as ruínas idem, O Príncipe Rosa-Cruz, Lisboa, 2005, [romance histó-
em que achou sepultados os seus Reinos, mas rico]; MACEDO, Luís Pastor de, A Baixa Pombalina: confe-
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BALANÇA
rência, Lisboa, 1938; MURTEIRA, Maria Helena da Cunha, vizinhanças denominam o rochedo por «pene-
Lisboa da Restauração às Luzes: uma análise da evolução urba-
na, Lisboa, UNL, 1994 (dissertação de mestrado); ROSSA,
do do cobrão», constituindo o conjunto um
Walter, Além da Baixa: indício de planeamento urbano na Lis- flagrante vestígio de *ofiolatria.
boa setecentista, Lisboa, 1998; SANTOS, Vítor Manuel Vieira
dos, O sistema construtivo pombalino em Lisboa em edifícios ur- BIBLIOGRAFIA SANTOS JÚNIOR, Joaquim Rodrigues dos,
banos agrupados de habitação colectiva – estudo de um legado As serpentes gravadas do castro do Baldoeiro (Moncorvo – Trás-
humanista da segunda metade do séc. XVIII, Lisboa, 1994 (tex- -os-Montes), in 15eme Congrès International d’Anthropologie et
to policopiado); SUEIRO, Barbosa, Um inquérito da Inquisi- d’Archéologie Préhistorique (Coimbra – Porto, 21-30 Set.
ção de Lisboa no século XVIII, Lisboa, 1930; VATCHER, Sid- 1930), Paris, 1931, p. 413-418
ney, A Lodge of Irishmen at Lisbon, 1738: an early record of In-
quisition Proceedings, in Ars Quatuor Coronatorum, v. 84 BALDOMERO, SÃO
(1971), p. 75-109
Padroeiro assumido pelos ferreiros e serralhei-
BALANÇA ros do Porto, em 16 de Maio de 1715, por tro-
Leite de Vasconcelos regista a sua utilização co- ca com *São Dunstam (*São Dustano). Vene-
mo *amuleto. rado a 27 de Fevereiro. Uma imagem do novo
padroeiro (de bigode e barba, vestindo túnica e
BALBORINHO capa e apresentando numa das mãos um mar-
Alma penada de camponês que tenha cometi- telo e uma tenaz) acha-se junto à de Nossa Se-
do qualquer delito agrário. O mesmo que *bar- nhora da Silva, na capela da Rua dos Caldeirei-
borinho (Guimarães). Em Briteiros (Guima- ros (Porto).
rães), o balborinho é um torvelinho resultante BIBLIOGRAFIA SOUSA, M. Nascimento, A curiosa história da
do choque de duas correntes opostas de ar. Tb. deposição de um santo. S. Dunstam primeiro padroeiro dos
*belborinho. ferreiros e serralheiros do Porto e substituído por S. Baldomero, in
Douro Litoral, s. 6, n. 3-4 (1954), p. 31-32
BALDAQUINO
Dossel ou sobrecéu de pedra, estuque ou ma- BALEIA
deira, colocado sobre estátuas. Trata-se de sinal *A Coisa.
de distinção, porquanto indica que os indiví-
BALOIÇANTE
duos colocados sob a sua protecção alcançaram
Designação aplicada a certos penedos ou mo-
a glória celeste.
nólitos em equilíbrio instável, que oscilam me-
BALDOEIRO diante qualquer ligeiro impulso que se lhes dê
No castro homónimo (Moncorvo, Bragança) em determinado ponto. Equivalente do loghan,
existem seis petróglifos representando outras anglo-saxónico. Também denominada *aboli-
tantas serpentes. O naturalismo de uma das da, *berço, *bulideira, *embanador, *falperra,
insculturas é tal que os habitantes das circum- *pedra da paciência, *penedo que fala, *penedo
da mó, *perramedo, *sino dos mouros, etc. Fi-
lipe Simões opina que as pedras baloiçantes
«talvez fossem cipos dum cemitério pré-históri-
co», enquanto José de Pinho, descartando a
possibilidade de corresponderem a um qual-
quer capricho da natureza, as considera autên-
ticos monumentos megalíticos, «possivelmente
de carácter funerário, mágico ou simbólico»,
intencionalmente preparadas para oscilar. Al-
guns destes monumentos megalíticos têm reve-
lado insculturas. Há memória de se ter
Decalque de uma das insculturas ofiolátricas do Bal- recorrido a elas como prova judiciária (*ordália
doeiro. e *oráculo). O mesmo que *abulida, *baloiçan-
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BÁLSAMO NA MÃO
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BALTASAR, SÃO
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BANHO SANTO
do Sul [MNA desde 1904]); a Bandua, que Ber- ram coisas que guardam religião» (Menina e
nardo de Stempel admite tratar-se da corres- Moça, p. 144). Diz-se que, para terem efeito
pondente feminina do teónimo Bandus (inscri- vantajoso, os banhos de mar devem ser toma-
ção [CIL II, 2498] encontrada na ermida de Nos- dos de modo que, em cada época, coincidam
sa Senhora de Hebra, Cova da Lua, Bragança). com um número impar. Na Figueira da Foz
um banho de mar na véspera de *São João à
BIBLIOGRAFIA BLAZQUEZ MARTINEZ, Jose Maria, Relig- tarde, outro à meia-noite e outro na manhã de
iones Primitivas de Hispania – I. Fuentes Literarias y epigraficas,
Madrid, 1962, p. 51- 55; CORTEZ, F. Russell, Divinités des
24 de Junho, equivalem a uma época balnear
Pyrenées et du Portugal, in Actas do Congresso Internacional de completa. Outrora, os crentes benziam-se antes
Ciências Pré e Proto-históricas, p. 974; STEMPEL, P. de Ber- de mergulhar (Algarve).
nardo, Los Formulario teonímicos Bandus com su correspondien-
te femenino Bandua y unas isoglosas célticas, in Conimbriga, v.
42 (2003), p. 197-212; VASCONCELOS, José Leite, Opús- BANHO DA MEIA-NOITE
culos, v. 5, p. 229-231 e 237; idem, Religiões da Lusitânia, v. 2, Ocorre no âmbito da famosa romaria de *São
p. 316-317, 321 e 337s. Bartolomeu do Mar (Esposende), para com-
bater a epilepsia ou para «tirar o medo às crian-
BANHO ças». *Banho das nove ondas.
Na Póvoa de Varzim, com a primeira água com
que se lava o recém-nascido deve a mãe lavar a BANHO DAS NOVE ONDAS
cara, para que lhe desapareça o pano do rosto. O mesmo que *banho da meia-noite. Realiza-
Esta água do banho é despejada sob a masseira se na famosa romaria de *São Bartolomeu do
da casa para não provocar mau ar, não sem an- Mar (Esposende), contra a epilepsia ou para
tes se dar a beber um pouco à criança. Locu- «tirar o medo às crianças».
ções relativas ao primeiro banho do recém nas-
cido: Auguinha de cu lavado / Para a menina ir BANHO SANTO
ao recado; Auguinha do teu cu, / Que te não faz Banhos rituais têm lugar em determinados
mal nenhum; Quem quiser que o seu menino dias, em vários pontos do mundo. Também de-
cresça, / Lave dos pés p’ra cabeça; As boas águas te nominado *banho da meia-noite e *banho das
lavem, / E as boas fadas te fadem; Auguinha, a nove ondas. Talvez o banho santo mais famoso
correr / E o meu menino a crescer!; Auguinha, a de Portugal seja aquele que ocorre pelo *São
lavar, / E o meu menino a medrar!; Cada lava- Bartolomeu (24 de Agosto). Em São Bartolo-
dura, / Cada formosura (cf. O Poveiro, p. 93). meu do Mar (Esposende), localidade que se diz
fundada pelo *diabo: os romeiros levam os fi-
BANHO DE CHEIRO lhos menores de sete anos que são mergulhados
O padre Anchieta alude, em 1585, aos «lavató- no mar pelo sargueiro ou sargueira e depois
rios de algumas ervas» usados por velhas indí- bentos com o sinal da cruz. O sentimento mais
genas brasílicas para rejuvenescer. O banho de generalizado é o de que este banho, que vale
cheiro, meramente mágico, sem intuitos higié- por sete banhos vulgares, além de espantar o
nicos e tomado de pé, pode ser considerado medo das crianças (que mergulhem sete vezes e
uma reminiscência dessa prática destinada a urinem na água), afugenta a gota e cura os epi-
propiciar a boa sorte e a preservar contra as for- lépticos, também chamados endemoinhados.
ças adversas. Deixa-se enxugar o corpo depois É costume antigo que as crianças neste dia ofe-
de friccioná-lo com as folhas, cascas e raízes fer- reçam a São Bartolomeu, um pinto (ou um
vidas em água. frango) preto, o qual, antigamente, era manti-
do numa capoeira improvisada que era armada
BANHO DE MAR junto da pia baptismal da capela, até ao leilão
Assevera Bernardim Ribeiro que os banhos de (realizado após a procissão), cujo produto rever-
mar são muito úteis, porquanto nas águas «mo- tia para o santo. Outros banhos santos: Figueira
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BANHO DO DIABO
BANHO DO DIABO
Denominação antiga, segundo Bluteau, para a
melancolia hipocondríaca (opprobium medico-
rum).
BANQUETE
Romaria de São Bartolomeu do Mar (Esposende). A dádiva alimentar é um fenómeno de signi-
ficativa importância no estabelecimento de
da Foz (23 e 24 de Junho); praia da Costa No- relações duradouras entre indivíduos e entre
va, na barra de Aveiro (véspera de São João), estes e a divindade. Tradicionalmente, o nasci-
muito concorrido por homens e mulheres de mento é um dos momentos em que a dádiva
Ovar e da Murtosa; Nelas (São Bartolomeu); alimentar se circunscreve, tal como no *casa-
Leça da Palmeira (São Bartolomeu); Foz do mento, a um número limitado e preciso de
Douro; Matosinhos (São Bartolomeu); Senho- convivas. A cerimónia do *baptismo é igual-
rim (Mangualde), no rio, cuja água cura todos mente assinalada por um banquete, porém,
os males no dia de São Bartolomeu; Seixo de menos exuberante que o da boda, reservado
Ansiães (Carrazeda de Ansiães), no rio Douro, aos pais da criança, aos padrinhos e amigos.
no dia de São Bartolomeu, levando de lá caba- No dia do *funeral, e no da *missa do 7º dia
ças de água que cura doenças; São Bartolomeu ocorrem outras dádivas alimentares, consen-
de Cavês, no rio Tâmega são lavadas as crianças tâneas com a ocasião (*banquete fúnebre).
afectadas por alguma moléstia, fazendo parte *Alimento, *manjar cerimonial, *pão. De
do acto o lançar pelo rio abaixo a camisa do en- *treze pessoas à mesa, diz-se que um é judeu
fermo; etc. Canções alusivas ao banho santo na (Caldas da Rainha); acredita-se que morre a
Figueira da Foz: «Na noite de S. João, / fui to- mais velha (em Lisboa, também a mais nova)
mar banho ao mar; / apeguei-me c’o santinho num curto período de tempo. Comendo três
/ para o mar não me levar»; «Adeus, terra da Fi- pessoas do mesmo pão, queijo ou pêra, ou ou-
gueira, / adeus, ó lindas romeiras, / adeus, rico tro alimento singular, morre a mais velha (em
banho-santo, / adeus, ranchos e fogueiras». Lisboa, também a mais nova). Quando cai
qualquer coisa da mão de quem está a comer,
BIBLIOGRAFIA CALLIER-BOISVERT, Colette, Survivances diz-se que alguém lhe quer falar e não pode
d’un bain sacré au Portugal – S. Bartolomeu do Mar, in Bulletin (S. Brás de Alportel): se o objecto for femini-
des Études Portugaises de l’Institut Français au Portugal, nova sé- no será mulher, se masculino, homem. Ou-
rie, t. 30, 1969, p. 347-367; DIAS, Carlos Malheiro, O Banho
santo – véspera de S. João na barra de Aveiro, in Atlântida, n. trora, em Parada (Bragança), na festa de *San-
10 (1917), p. 306-310; DIAS, Jorge, Banhos Santos, in Actas to Estêvão (Dezembro), fazia-se um banquete
do Colóquio de Estudos Etnográficos Dr. José Leite de Vasconcelos, de sardinha e vinho no meio da povoação ao
v. 3, Porto, 1960, p. 195-200; FELGUEIRAS, Guilherme,
Aspectos populares da antiga romaria de S. Bartolomeu em Leça, qual concorriam praticamente todos os habi-
Matosinhos e praias nortenhas – o banho santo, diabruras e cren- tantes. Antes, o pároco da freguesia abençoava
dices encaradas na terapêutica supersticiosa, in O Tripeiro, n. 9 a mesa, presidindo a esta e participando no
(1964), p. 267-270; LANDOLT, Candido, Folk-Lore – A
água do mar nas superstições e crenças populares, in A Póvoa de banquete público, que evocava as refeições co-
Varzim, v. 3, n. 7 (1914); LOUREIRO, J. Pinto, O Concelho munitárias da antiguidade.
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BAPHOMET
BANQUETE FÚNEBRE
Outrora, após a inumação, o termo das exé-
quias era frequentemente precedido por uma
refeição tomada em comum pelos familiares e
amigos do defunto que o haviam acompanha-
do até à sua última morada. Já o banquete em
memória dos defuntos era celebrado junto ou
sobre a sua própria campa, no aniversário do
óbito, prática que a igreja censurava, como
acontece nas Constituições do Bispado do Porto:
«[...]. E cada um dos párocos, sob pena de lhes
dar em culpa, não consintam em suas fregue-
sias abusos e superstições nos acompanhamen-
tos, enterros, ofícios, exéquias e trintários, nem
se coma sobre as sepulturas, nem façam rezas
com ajuntamento da freguesia à porta da igreja
em que se costuma dar de comer» (livro 4º, tí-
tulo 2º, constituição 9ª, p. 471). Sobre as liba-
ções nos túmulos, cf. Virgílio (Eneida, V). No O Ídolo andrógino dos gnósticos, segundo Eliphas Levi: o
dia do *funeral, em algumas regiões era servida bode Mendes, barbado, com chifres, seios, asas e patas un-
guladas, senta-se de pernas cruzadas, apontando com um
às pessoas de fora uma refeição de «pão, vinho braço para uma lua minguante no alto (Solve) e com o ou-
e bacalhau frito», oferecendo-se na missa do 7º tro para baixo na direcção de uma lua crescente (Coagula),
dia «meio trigo e um dedal de aguardente» a to- gesto talvez alusivo ao axioma da Tábua de Esmeralda («o
dos quantos participassem no acto de sufrágio. que está em cima é como o que está em baixo»).
O *carolo era então manducado para «aliviar o
morto de penas e o vivo de doenças». confessou ter praticado a renúncia de Cristo a
pedido de Amaury de la Roche, comendador
BAPHOMET da Normandia, acrescentava que este lhe teria
Uma das acusações expressas na ordem de pri- afirmado «[...] não crer naquele, cuja imagem
são de todos os templários, emitida pelo rei de estava pintada, porque era um falso profeta,
França em 13 de Outubro de 1307, referia-se à não era Deus». Acusações igualmente inventa-
adoração de um « ídolo que tem a forma de riadas no libelo davam os Freires da Pobre Mi-
uma cabeça de homem com grande barba». lícia de Nosso Senhor Jesus Cristo como prati-
Mas além da acusação de idolatria outras lhes cantes de beijos obscenos no acto de recepção
foram igualmente imputadas. Segundo os in- na Ordem e portadores de cintos mágicos que
quisidores os templários eram apóstatas, por- cingiam na mesma ocasião, os quais haviam es-
quanto renegavam Cristo cuspindo na cruz. tado em contacto com a referida imagem. Ime-
Geoffroy de Gonneville, preceptor de Aquitâ- diatamente após o cumprimento da determi-
nia e Poitou indeciso quanto à origem do rito nação de Filipe, o Belo, o inquisidor Guillaume
avançou explicações aceites no seio da Ordem: de Paris ordenou aos seus agentes que condu-
segundo alguns confrades fora instituído pelo zissem os interrogatórios de molde a esclarecer
Mestre Gérard de Ridefort (1184 a 1/10/1189), o caso. O zelo evidenciado pelos inquisidores
segundo outros por Thomas Bérard (1256 a produziu os resultados previstos. Com efeito,
1272) ou por um enigmático Roncelin de Fos, diversos cavaleiros submetidos a tortura acaba-
enquanto outros ainda entendiam que memo- riam por confessar a prática dos aludidos ritos
rava *São Pedro, o qual negara Cristo três ve- perversos, tal como a existência de um ídolo
zes. Por seu turno, Geoffroy de Charnay, que que alegadamente haviam visto ou adorado em
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BAPHOMET
Raynier de Larchant (20/10/1307) – Viu a cabeça doze vezes em Capítulos, nomeadamente em Paris. A cabe-
ça tinha barba e era adorada, beijada e chamada Salvador. Supõe que esteja na posse do Grão-Mestre ou do
Presidente do Capítulo.
Guillaume d’Arblay (26/10/1307) – Viu a cabeça durante dois Capítulos presididos por Hugues de Pairaud,
visitador de França. Crê que seja de madeira prateada ou dourada. Revelou que a cabeça possuia duas faces e
aspecto terrível, bem como barba de prata ou uma espécie dela. Foi-lhe dito que se tratava da relíquia de uma
das Onze Mil Virgens o que, antes de ter sido preso, acreditava corresponder à verdade.
Jean du Tour (26/10/1307) – Viu uma cabeça pintada sobre um pedaço de madeira. Adorou-a durante um Ca-
pítulo.
Raoul de Gizy (7/11/1307) – Observou-a no decurso de sete Capítulos presididos por Hugues de Pairaud e ou-
tros dignitários. A sua aparência terrível, que a tornava semelhante a um demónio (maufé), sempre o perturbou.
Hugues de Pairaud (9/11/1307) – Viu a cabeça e pegou nela durante um Capítulo em Montpellier. Entregou-
a ao irmão Pierre Alemandin, preceptor de Montpellier. Possuia quatro pés, dois à frente e dois atrás.
Geoffroy de Gonneville (15/11/1307) – Nunca a vira nem sequer ouvira falar da cabeça antes do Papa se lhe
referir, uma vez, em Poitiers, quando ali esteve em companhia de Jacques de Molay.
Jean Taillefer (14/4/1308) – No dia da sua recepção viu-a mas de longe, apenas percebendo que possuia ros-
to humano. Era vermelha, do tamanho de uma cabeça normal. Durante a imposição do hábito foi-lhe entre-
gue um cordão de fio branco, tendo-lhe sido dito que havia cingido aquela imagem. Desfez-se dele.
Jean l’Anglais (15/4/1308) – No dia em que foi recebido na Ordem entregaram-lhe um cordão de fio branco
para usar noite e dia sobre o hábito. O capelão disse-lhe que o cordão cingira uma cabeça que não sabe em
que consiste. Apenas ouviu falar dela depois de ter sido preso.
Barthélemy Boucher (19/4/1308) – Assemelhava-se a uma cabeça de templário, com casco e longa barba bran-
ca. Não reparou se era de metal, madeira ou carne humana. Viu-a uma única vez.
Huguet de Bure (24/4/1308) – Viu a cabeça durante a cerimónia da sua própria recepção. De prata ou cobre,
parecia humana e possuia longa barba quase branca. O cordão que lhe foi dado era de fio branco e fino pos-
suindo a dimensão necessária para que um homem se pudesse cingir com ele.
Gérard du Passage (28/4/1308) – Afirma ser falso que os cordões estivessem em contacto com a cabeça de um
ídolo antes de serem entregues aos irmãos. Todos se cingiam com um cordão sobre o hábito. Era oferecido,
podendo também ser adquirido quando se desejasse. Quando os templários caíam prisioneiros dos sarracenos
só possuiam, dizia-se em Acre, aquele cordão para oferecerem pelo seu resgate.
Baudouin de Saint-Just (7/5/1308) – Não crê que o cordão fosse colocado ao pescoço de um ídolo antes de ser
entregue aos cavaleiros. Cada um tomava-o quando entendia e cingia-o honestamente como cinto de castidade.
Jacques de Troyes (9/5/1308) – Antes de ter sido recebido na Ordem ouviu dizer que sempre que se reunia
um Capítulo em Paris aparecia, ao toque da meia-noite, uma cabeça que os presentes adoravam. Depois da
sua recepção nunca mais ouviu falar dela.
Raoul de Gisy (15/1/1311) – No final de um Capítulo geral reunido em Paris sob a presidência de Géraud de
Villiers foi trazido à presença dos irmãos um ídolo em forma de cabeça. Aterrorizado, abandonou o local sem
ter podido observar nem detalhes nem o material de que era feita. Durante outro Capítulo, igualmente rea-
lizado em Paris e presidido por Géraud ou Hugues de Pairaud, foi de novo apresentada a mesma cabeça ten-
do procedido do mesmo modo, razão por que não é capaz de se recordar de pormenores.
Hugues de Faure (12/5/1311) – Em Chipre ouviu Jean Tanid, cavaleiro e bailio real da cidade de Limasso,
contar que um cavaleiro nobre de Sidon se enamorara de uma jovem muito formosa (do condado de Tripo-
li), porém a donzela morrera antes de ter logrado conquistá-la. Após o funeral o nobre profanou a sepultura,
tendo saciado o seu desejo sobre o corpo da defunta a quem degolou. Terá ouvido então uma voz sobrenatural
dizer-lhe que guardasse cuidadosamente a cabeça porque tudo o que ela olhasse seria destruído e reduzido a
pó, o que, com efeito, constatou, utilizando-a contra inimigos seus. Tendo, entretanto, embarcado para Cons-
tantinopla, que ia ser assediada, a sua velha ama decidiu investigar o que ele guardava, tão cuidadosamente,
guardava no escrinio. Desencadeou-se, então, uma tempestade medonha que provocou o naufrágio do navio,
escapando apenas uns quantos marinheiros que narraram o sucesso. Constava, inclusivamente, que nunca
mais existira peixe no local onde ocorrera o naufrágio. Jamais ouviu dizer que esta cabeça ou aquela a que os
comissários se referiam tenham pertencido aos templários.
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BAPHOMET
Esfinge Egípcia – Símbolo do mistério, conforme expõe Karl Gottlob Anton no seu Versuch einer Geschichte
der Tempelherren-Ordens (Leipzig, 1781);
Relicário – Opinião de Friedrich Munter (Aufnahme der Tempelherren nach dem alten ritual, in Deutches Ma-
gazin, v. 3, Altona, 1792, p. 543-576) igualmente adoptada por J. H. Probst Biraben (Les Mystères des Tem-
pliers, Paris, 1973) que a abona com relicários espanhóis de Soria (San Saturio), Segovia (San Frutos, em Se-
pulveda) e Navarra (S. Gregório Ostiense, em Sorlada e S. Guillermo, em Annotegui, Obaños);
Troféu – Opção de Herder exposta num escrito intitulado Historische Zweifel gegen das Buch-versuch uber die
Beschuldigungen welche dem Tempelherren-Orden gemacht worden (Estugarda);
Hieróglifo gnóstico – Conclusão a que chegou Joseph de Hammer Purgstall após ter descoberto no Gabinete
das Antiguidades do Museu Imperial de Viena de Áustria objectos com inscrições e diversas figuras relevadas
(Mysterium Baphometis revelatum, seu fratres militiae Templi, qua gnostici et quidem Ophiani apostasiae, idolodu-
liae et impuritatis convicti per ipsa eorum monumenta, in Fundgruben des Orients, v. 6, Viena, 1818, p. 3-120 e
Mémoires sur deux Coffrets Gnostiques du Moyen Âge, du cabinet de M. le Duc de Blacas, Paris, 1832). Seguiram
esta tese, que gerou enorme controvérsia, Guerrier de Dumast no poema em três cantos La Maçonnerie (Paris,
1820) e Jules Loiseleur (La Doctrine Secrète des Templiers, Paris, 1872), entre outros;
Divindade Pagã – Como propõem, apesar de não unanimemente, Carl Gotthold Lenz (Die Gottin von Paphos
auf alten Bildwerken und Baphomet, 1808) e Henri Gaidoz (Le Dieu assis les jambes écartées retrouvé en Auver-
gne, Paris, 1885);
Cristo sob novo aspecto – F. Naef supõe que os templários não eram idólatras mas herejes, porquanto servi-
dores de uma mentalidade nova baseada no Evangelho de S. João (Recherches sur les opinions religieuses des Tem-
pliers et sur les traces qu’elles ont laissées dans la littérature et l’histoire, Nîmes, 1890);
Talismã – Utilizado em práticas de bruxaria atribuídas aos templários por Paul Christian (pseudónimo de Paul
Pitois, autor de La Magie des Templiers, in Quinzaine, v. 4, 1895, p. 467-478). Segundo Maurice Magre asse-
gurou a vitória aos cavaleiros do Templo até lhes ter sido roubado pelos mongóis em Liegnitz, na Boémia, on-
de estes levaram de vencida as tropas de Henrique da Silésia (Jean de Fodoas);
Ícone do Diabo – Monumento bizarro anterior aos templários e às sociedades secretas medievais, criado por
homens que haviam celebrado pacto com o príncipe das trevas, de acordo com Ernest Babelon (Baphomet, in
Grande Encyclopédie, v. 5, p. 307-308);
Ídolo Andrógino – Segundo Berillon (Le Baphomet, l’Idole Androgyne des Templiers, in Aesculape, Jan.-Fev. 1913);
Símbolo do ecumenismo do Templo – Hipótese exposta por Victor-Emile Michelet (Le Secret de la Chevale-
rie) e retomada por René Guénon e Julius Evola;
Imagem sintética da Tradição – Fulcanelli recorda que os poderes do Baphomet são idênticos aos detidos pe-
lo Graal;
Síntese de símbolos alquímicos – Louis Charpentier considera que a adoração de cabeças não passava de uma
meditação colectiva dirigida para os ditos símbolos e seu significado (Les Mystères Templiers, Paris, 1967).
diversas ocasiões e lugares, bem como das ata- lo detentor das relíquias e caixas apreendidas
duras ou cintos mágicos colocados ao pescoço do aos templários de Paris, convocado pelos co-
ídolo, os quais recebiam com o compromisso missários para apresentar todas as imagens de
de sempre, noite e dia, usarem. Nunca, porém, metal ou madeira que tivessem resultado do
a natureza do ídolo em questão e o significado confisco, declarou não ter encontrado senão
dos procedimentos enumerados foram satisfa- uma grande cabeça feminina de prata dourada.
toriamente dilucidados, sem dúvida, em virtu- Uma vez mostrada a Guillaume d’Arblay este
de do desacordo entre as confissões obtidas e, negou tratar-se da cabeça humana a que alu-
nomeadamente, da circunstância agravante de dira no seu depoimento, acrescentando «não
jamais ter sido encontrada qualquer das ima- ter a certeza de a haver visto no Templo de Pa-
gens descritas. Guillaume Pidoye, administra- ris». Em pleno século XVIII, quando a questão
dor-guardião dos bens do Templo e a esse títu- foi retomada pela pena de eruditos, o alemão
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BAPTISMO
Friedrich Nicolai encetou, sem se dar conta, BIBLIOGRAFIA ANÓNIMO, Os Baphometos ou os Mysterios dos
Templarios, in O Panorama, v. 3, n. 106 (11 Mai. 1839), p.
uma polémica discussão, que não se acha ainda 150; GANDRA, Manuel J., Os Templários na Literatura, Lis-
encerrada, ao baptizar o ídolo de Baphomet. Fê- boa, 2002; idem, O Projecto Templário e o Evangelho Português,
lo numa obra extremamente hostil aos templá- Lisboa, 2006; idem, Templários e Templarismo na Literatura
Portuguesa e traduzida para português (século XIV-2006), Ma-
rios, inspirado na deposição do provençal Gau-
fra, 2007; LIZERAND, Georges, Le Dossier de l’Affaire des
cerand de Montpezat, o único confrade que, Templiers, Paris, 1964; MICHELET, Jules, Procès des Tem-
durante todo o processo de que a Ordem foi al- pliers, Paris, 1841, 2 vols.; NICOLAI, Friedrich, Versuch uber
vo, se referiu a uma imagem «com a forma de die Beschuldigungen, welche dem Tempelherrenorden gemacht
worden, und uber dessen Geheimniss: nebst einem Anh. uber En-
um bafomete». Este testemunho induziu o in- tstehen der Freymaurer gesellschaft, Berlim, 1782, 2 vols. (Exis-
vestigador a suspeitar da vigência de uma dou- te tradução francesa intitulada: Essai sur les accusations inten-
trina secreta no seio da Ordem do Templo. Tra- tées aux Templiers et sur le secret de cet Ordre avec une disserta-
tion sur l’origine de la Franc-Maçonnerie, Amsterdão, 1783);
zida do oriente, seria indissociável do Islão, co- PARASCHI, André Jean, Segredos dos Templários: Bafomé,
nhecidos os laços de companheirismo manti- uma lenda «fabricada» depois da dissolução do Templo, por pes-
dos por alguns mestres do Templo com chefes soas que jamais foram Templários, Ericeira, 1995
muçulmanos e sabido que as mesquitas eram
designadas na Provença por bafomairias, termo BAPTISMO
que figura, por exemplo, no sirventês Ira et Do- Para os não cristãos a profissão de fé cristã equi-
lor, composto em lingua d’Oc, cerca de 1265, valia ao nascimento (generatio), tornando-se
por um cavaleiro templário anónimo. A partir por essa via, num mecanismo de inclusão. A
de então a curiosidade e as paixões de muitas submersão na água (efectiva ou figurada) cons-
dezenas de investigadores e estudiosos não titui o primeiro dos sacramentos cristãos, cujo
mais deixaram de incidir sobre esse enigmático objectivo é a purificação do pecado original. O
ídolo e a suposta doutrina secreta dos tem- baptismo (regeneratio) é o equivalente a um se-
plários. Na muito obviamente desactualizada gundo nascimento. Mulher grávida não pode
Bibliographie de l’Ordre des Templiers, dada à ser madrinha de baptismo, pois, de contrário, a
estampa em Paris no ano de 1928 por M. Des- criança morrerá. Depois de baptizadas as crian-
subré, estimavam-se em cerca de duzentos e ças ficam livres de maus olhados (Madeira). O
cinquenta os títulos a favor ou contra a idola- baptistério é o local destinado ao baptismo dos
tria e sobre o mistério do Baphomet e esse nú- cristãos (*pia baptismal). Locução: Baptizar de
mero tem vindo sempre a aumentar. Ainda pé = receber o baptismo quando adulto (*con-
hoje se atribui a classificação de Bafometos a verso, *cristão-novo).
peças iconográficas invulgares, mas só dificil- BIBLIOGRAFIA CHAVES, Luís, As horas mais altas da vida da
mente identificáveis com as dos testemunhos. família: casamento, baptizado, falecimento, in Mensário das Ca-
sas do Povo, v. 2, n. 23 (1948), p. 12-14; NEVES, António
Uma suposta imagem bafomética tem, no en-
Amaro das, Vir à luz – práticas e crenças associadas ao nascimen-
tanto, vindo a concitar um consenso quase ge- to, in Revista de Guimarães, n. 104 (1994), p. 51-81
neralizado. Refiro-me ao Santo Sudário que na
actualidade e desde 1578 se acha na Catedral BAPTISMO DE JESUS
de Turim, em Itália, o qual alguns autores pre- Actualmente festeja-se no domingo seguinte ao
sumem constituir a dupla cabeça com quatro da *Epifania (6 de Janeiro). Trata-se de um epi-
pés que Hugues de Pairaud, visitador das casas sódio referido por todos os evangelistas: Jesus,
da mílicia em França, declarou ter adorado em proveniente da Galileia, chega às margens do
Montpellier. Os diversos alegados *bafometos Jordão e convida *São João Baptista a baptizá-
descobertos nos últimos anos em Portugal, não -lo. Concluída a função, o Espírito Santo ma-
têm a menor verosimilhança, aliás, à seme- nifestou-se sob a forma de uma pomba en-
lhança de todos os restantes, elencados após a quanto uma voz procedente do céu anunciou:
efabulação de Friedrich Nicolai. *Almourol, «Este é o meu Filho muito amado e predilec-
*Cortes de Amor, *laço de Amor. to». Os Padres da Igreja viram neste evento,
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BARACHIEL
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BARAÇO DE ENFORCADO
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BÁRBARA, SANTA
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BÁRBARA, SANTA
seminada utilizar a «campainha de Santa Bárba- -Montes foi incrementada, durante setecentos,
ra» para esconjurar trovoadas (cf. Leite de Vas- por dois milagres que lhe foram creditados pe-
concelos, Na Beira Alta, in O Arqueólogo Portu- los padres da Companhia de Jesus, em cuja
guês, v. 22, 1917, p. 333-334). Em algumas re- igreja seria instituída a primeira confraria de
giões do Norte, reza-se a seguinte oração: «San- que foi titular na diocese. Os mineiros de São
ta Bárbara; Santos Fortes! / Santa Bárbara Ben- Domingos (Mértola) festejavam Santa Bárbara
dita, / Que no céu está escrita / Com um rami- levando-a em procissão e dando tiros de pólvo-
nho de água benta, / Nos livre desta tormenta!». ra seca, enquanto os de Aljustrel preferiam os ti-
Na região de Sernancelhe anda associada a *São ros de dinamite, de resto, em ambos os casos
Jerónimo, tal como Santa Bárbara, «advogado simbólicos dos trovões. No concelho de Mérto-
das trovoadas» (cf. Alberto Correia, Etnografia la canta-se a seguinte cantiga em louvor de San-
da Beira Alta: nótulas referentes ao concelho de ta Bárbara: «Ó Senhora Santa-Bárbara, / Tenha
Sernancelhe, in Beira Alta, v. 31, n. 3, 1972, p. dó dos barraneiros: / Trabalham debaixo do
360). A devoção a Santa Bárbara em Trás-os- chão /À luz dos seus candeeiros».
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BARBEIRO-CIRURGIÃO
BARBEIRO-CIRURGIÃO
O mesmo que *sangrador. Outrora, os barbei-
ros acumulavam, mais ou menos oficialmente,
a função própria com a de médico. Em muitos
casos, as câmaras municipais davam carta de cu-
randeiro ou curão aos barbeiros, havendo livros
destinados à sua preparação profissional, como
os de Manuel Leitão, cirurgião do hospital de
Todos os Santos (Lisboa), Leonardo de Prista
(pseud. de Bernardo Pereira), Costa Santos,
Ferreira Roque, L. J. Cândido, etc. Numa das
suas poesias, Costa e Silva alude às habilidades
Bentinho do folheto Escudo Impenetrável aos Trovões,
múltiplas dos barbeiros de aldeia: «O cirurgião
Raios, Peste e Ar Corrupto, administrado por Santa da Aldeia / É também Mestre Barbeiro, / Sabia
Bárbara. a vida de todos, / E era grande noveleiro. / San-
grava, tirava dentes, / Tinha carta de Curão».
BIBLIOGRAFIA ANÓNIMO, Varias Oraçoens Approvadas pela Frei Manuel de Azevedo já escarnecia deles no
Igreja de que devem usar todos os Catholicos, e devotos de S. Bar-
bara na occasiam de Tromenta [sic] e trovoadas, Lisboa Ociden- séc. XVII (Correcção de abusos [...], 1680). Des-
tal, 1729 [BPNM: BVol. 2-71-3-16]; MARTINS, Fausto, de os inícios de oitocentos, arrogar-se tal cate-
Presença dos jesuítas em Bragança e introdução do culto e devoção goria podia acarretar pena de prisão de seis me-
A Santa Bárbara no século XVIII – Páginas da história da dio-
cese de Bragança-Miranda – Congresso histórico (1545-1995),
ses a dois anos, sem multa, ou a coima de 20
Bragança, 1996, p. 773-782 mil réis, a primeira vez, o dobro, a segunda vez,
progredindo a pena de acordo com o disposto
BARBASCO no alvará de 22 de Janeiro de 1810. Todavia, em
Planta leguminosa, originária da América do Trás-os-Montes, segundo José Leite de Vascon-
Sul (Perú e Surinam). Em Portugal, foi utiliza- celos, chamar o barbeiro equivalia a chamar o
da na *magia erótica. As folhas do barbasco de- médico, ainda no início do séc. XX. De resto,
viam ser metidas nos seios da interessada para foi um barbeiro natural de Abrantes, Manuel
secarem e, depois, moídas e dadas a comer ou Constâncio Alves (1726-1817), quem logrou
a beber ao destinatário do *feitiço. Aos inquisi- criar, pela primeira vez, uma escola anatómica
dores, Leonor Neta confessou que o colhera portuguesa, no Hospital de Todos os Santos de
«sem ser assombrado», i. e., antes da aurora, Lisboa. *Bicha de sangrar, *sanguessuga.
numa sexta-feira (ou no dia de *São João), en-
quanto dizia: «tu és barbasco e eu Leonor Neta BIBLIOGRAFIA ANÓNIMO, Nova Arte da Sangria na qual se
que te cato asssim como tu embarbascaste o achão descriptos todos os preceitos que se devem observar na exe-
cução desta operação, Lisboa, Impressão Régia, 1830 [BN: SA
mar e as areias assim faças de Gonçalo Anes as- 30359 P]; ANÓNIMO, Reparos filanthropicos de hum fiel por-
no e de mim pega para que eu lhe suba pela ca- tuguez sobre o abuso da sangria e bichas offerecidas ao público pa-
beça e lhe desça pelo rabo» [ANTT: Inq. Évora, ra sua instrucção e governo, Lisboa, Impressão Régia, 1832;
ANÓNIMO, Novo Manual do Sangrador ou meio fácil de San-
proc. 6460, fl. 18r]. Num outro processo in- grar com perfeição, Lisboa, 1870; BARRADAS, Joaquim, A
quisitorial, invoca-se o facto de o barbarco Arte de Sangrar de cirurgiões e barbeiros, Lisboa, 1999; BER-
sempre ter sido namorado [ANTT: Inq. Évora, MOTAN, António Bernardo Monteiro, O barbeiro na litera-
tura portuguesa e na vida social, Porto, 1927; CÂNDIDO, Jo-
proc. 5264, fl. 42v].
sé Luís, Tractado de Sangria, Coimbra, 1863 [BN: SA 10806
P]; FONSECA, Manuel José, Exame ou arte dos sangradores,
BARBEIRO que em forma de diálogo ensina aos mestres o que devem pergun-
Vento seco, cortante e frio que sopra de Norte. tar e aos discipulos o que se compreende na arte de sangrar […],
Lisboa, António Marques da Silva, [BN: SA 32744 P]; LEI-
Também *barbeirinho, *chiasco, *ciasco, *ciei- TÃO, Manuel, Prática de barbeiros em quatro tratados, em os
ro, *Norte alto, *nordistão, *rapa-barbas. quais se trata de como se há-de sangrar, e as cousas necessárias pa-
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BARBORINHO
ra a sangria, etc., Lisboa, 1604; LEMOS; Maximiano de, Ar- quem é / assim como clérigos e frades que estão
quivos da História da Medicina, nova série, v. 13, p. 78-79;
LEONARDO PRISTA (pseud. de Bernardo Pereira), Pratica
no altar e põem o vinho sagrado, assim esta
de barbeyros phlebotomanos ou sangradores […], Lisboa, 1719; criatura de Deus, pelo poder de Deus, há-de
MOURA, Bernardo da Silva, Dissertação illustrada, ou sangria sarar», as quais últimas palavras dizia só quan-
das salvetellas defendida, Lisboa Ocidental, 1739 [BN: SA
do a benção era de manhã, e dizia pelo ensino
9902 P]; PINHO, António C., A arte de sangrar: pretexto para
o elogio de um «barbeiro-cirurgião», in História, a. 10, n. 109 do dito clérigo que eram bons os suadouros,
(Jun. 1988), p. 64-67; ROQUE, Ferreira, Tratado de Phlebo- ainda para todo o malefício. Disse mais que
tomia, prática racional e directório de principiantes, Évora, àqueles que não queriam os suadouros, que ti-
1722 [BN: SA 9475 P]
nham malefício, levava de casa embrulhos de
BARBORINHO penas de galinha, linhas e paninhos, e em casa
*Balborinho, *belborinho. dos doentes fingia que buscava os feitiços e
mostrava os ditos embrulhos que levava de ca-
BARBOSA, AGOSTINHA sa, e por este modo capacitava os enfermos que
Natural de Novelas. Mulher de João Ferraz, tinham malefícios e os movia a que usassem de
músico, e filha de João Ribeiro, lavrador, e de suadouros [...]. [...] os lavatórios que confessou
sua mulher, Maria Barbosa. Residia no lugar de [...] não são de ervas, mas sim de açúcar mas-
Ferreiros, em Bustelo (Penafiel), quando foi cavado, deitado na água, e assentando-se nela,
presa, em 25 de Agosto de 1739, por ordem da o qual lhe ensinou para ela confidente e sua fi-
Inquisição de Coimbra, acusada do crime de lha, um cirurgião Domingos Mendes, de Arri-
bruxaria, contando 48 anos de idade. Confes- fana, já falecido, dizendo ser bom para as al-
saria que «[...] padecendo ela confidente várias morroidas [...]. Disse mais que usava de uns la-
queixas e ânsias do coração e tremuras, a leva- vatórios de arruda, salva, poejos e funcho, e de-
ram a casa de Maria Nunes [...] à qual veio o clara agora que era só para suadouros [...] e que
padre João de Albuquerque, que foi cura em a água depois do suadouro mandava lançassem
Bustelo, chamado da mesma, e lhe deu uns pós em terra seca porque tinham medo de passar
que disse serem leite de Nossa Senhora, os por ela, e dava uma bebida de aguardente, vi-
quais lhe tinha dado um seu tio abade de Ave- nho maduro e um quartilho de aguardente,
leda, e lhe ensinou usasse de suadouros de poe- partes iguais, para beberem morna os que ti-
jos, salva e arruda cozidas em sete canadas de nham dor de estômago, a qual ensinou o dito
água e, deitada esta em uma gamela, se assen- cirurgião [...]». Com estas mezinhas asseverou
tasse nela com os pés para de lá das cabeceiras Agostinha Barbosa ter realizado inúmeras cu-
e, bem coberta, tomasse o suadouro do dito co- ras, designadamente: um homem que estava
zimento, e havia de estar um quarto de hora a doente havia ano e meio curou-se com os sua-
fazê-lo por três dias interpolados, por causa da douros; melhoraram sensivelmente Catarina,
grande fraqueza que causam, e com os ditos mulher de Manuel de Barros, de Arrifana, [...],
suadouros melhorou, sem embargo que havia, que estava algemada, e um homem de São Ma-
dois anos que padecia as ânsias e tremuras, e mede, que endoidecera e fugira durante a missa
com a notícia que logo correu da sua melhora, nova de um seu irmão frade; curou-se outra
concorreram várias pessoas, e ela ensinava a cu- mulher que estava presa com cordas; uma mu-
ra e modo dela, que uns passavam aos outros, e lher de Santiago, que havia muitos dias não fa-
a maior parte da gente que os usava, melhora- lava, não comia, nem bebia, sarou com os sua-
vam. E das curas que ela fez é tão grande o nú- douros «posto que estava como um corpo mor-
mero que o não sabe dizer, e as pessoas a quem to»; melhorou também um abade de Recesi-
assistia, benzia com o cruzeiro das contas, co- nhos, «que se queixava de esfalecido e dor de
mo também a água, dizendo as palavras se- peito»; igualmente um frade de Bustelo, frei
guintes: «Esta criatura de Deus, Deus a criou, Santa Rosa, melhorou dos queixumes de que
Deus a desencanha de quem a encanhar, por padecia; curou um rapaz que se entendia estar
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BARBOSA, FRANCISCO
com um malefício «por se desfazer um casa- nescesse dos suadouros se lançasse em um rio,
mento que estava ajustado com ele»; sarou um e que a pessoa que fizesse esta diligência, que
homem de quem se suspeitava terem-lhe a so- não olhasse para trás [...] e para desligar a certas
gra e um filho feito malefício, por causa de pessoas lhes aconselhava que fossem a um moi-
umas partilhas; sarou ainda outro homem que nho, e depois de fazerem certas cerimónias,
tinha «umas grandes picaduras no corpo». dessem três voltas às avessas ao redor do, mes-
Confessou ainda que, «por quatro vezes cada mo. E que consultando-a certa pessoa para que
uma, ia com uma pessoa doente passarem uma lhe dissesse quem teria certa moeda que lhe fal-
ponte de joelhos, até à parte onde estava a Cruz tava, ela, ré, mostrando que adivinhava, res-
das Almas; e rezavam uma coroa a Nossa Se- pondera que principiasse a justiça por casa».
nhora em memória das maiores penas que a Se- Outra vez, «abriu uma gaveta e saindo para ou-
nhora padeceu ao pé da Cruz, e por duas delas tra casa, voltou dizendo que a pessoa enferma
voltavam daquelas para trás, até à parte donde tinha feitiços que estavam presos em rio ou sa-
tinham principiado». Em seguida dava-lhes os po preso, e que fizessem um cozimento de cin-
suadouros, que antes tinham recusado, e todas co castas de ervas em sete canadas de água, para
melhoravam. «Disse mais que por três vezes ca- dar três suadouros à dita pessoa enferma, e de
da uma com uma doente foi a uma encruzilha- cada um tirasse um pouco de água, lha le-
da a horas de Ave Marias, por lhe dizerem as ti- vassem em um vidro para a ir lancar no rio
nham aconselhado [...], e indo se sentavam, ela [...]». E que «costumava tirar uns ferros da dita
dizia estas palavras: «Deus te fez, Deus te criou, gaveta por lançar sortes e saber a qualidade das
pelo poder de Deus te desencanhe quem te en- queixas [...]». Agostinha Barbosa seria conde-
canhou», as quais dizia cinco vezes, porém pri- nada a abjurar de leve no auto da fé que se rea-
meiro se benziam» (estas doentes não melhora- lizou no Terreiro de São Miguel, em Coimbra,
ram e não quiseram tomar os suadouros). «[...]. a 8 de Novembro de 1739, e a três anos de de-
Três mulheres casadas se queixavam estarem gredo para Miranda [ANTT: Inq. Coimbra,
seus maridos ligados para o véu do matrimó- proc. n. 7360]. *Gregório Barbosa.
nio, lhes deu o conselho fossem cada uma de
BIBLIOGRAFIA FREITAS, Eugénio de Andreia da Cunha, Bruxos,
per si a um moinho que moesse às avessas e se Bruxas e Bruxarias no Tribunal da Inquisição, in Actas do Congresso
assentassem ali e que não moesse e lançasse a Internacional de Etnografia, v. 3, Santo Tirso, 1965, p. 193-196
água para fora, e rezassem uma coroa dando
três voltas ao redor do moinho [...]». «Disse BARBOSA, ANTÓNIA DOS SANTOS
mais que Maria Nunes, do Paço, mulher viúva Curandeira herbalista, pertencente a família
que mora à ponte de Cepeda [...], deu de con- com tradições nesse domínio, porquanto, além
selho aplicasse suadouros a um seu filho cléri- de atribuir a suas filhas o mesmo conhecimen-
go, que desconfiava estava maleficado pela to, afirmava possuir «alguns documentos de sua
manceba, e que lhe trouxessem uma pinga de bisavó Maria Barbosa para curar várias enfermi-
água de cada suadouro, o que fez, e quando se dades de dores de peito, de cabeça e de todo o
retirava então a lançava fora ela confidente, e o corpo, com várias ervas e cozinhados delas». Ti-
clérigo sarou [...]». Foi acusada pelo promotor nha 87 anos quando o Santo Ofício a prendeu
da Inquisição de «[...] pouco temor de Deus e (1791). Mostrando-se renitente em confessar as
da justiça», de curar de feitiços e várias enfermi- culpas que lhe atribuiam, foi condenada a ins-
dades, com palavras, rezas e outras cerimónias trução religiosa na casa de correcção de Lisboa
vãs e supersticiosas, «usando de água benta de [ANTT: Inq. Lisboa, proc. 6229].
três igrejas que tivessem sacrário, aplicando
suadouros de certas ervas e levando os enfer- BARBOSA, FRANCISCO
mos a pontes e encruzilhadas, aonde dizia cer- Saíu penitenciado, acusado de feitiçaria, no
tas palavras, e mandava que a água que rema- *auto da fé da Inquisição de Lisboa, de 29 de
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BARBOSA, FRANCISCO
Para saber se outra certa pessoa que assistia fora do reino viria para sua casa brevemente, lançava sortes com
certas cerimónias e, levantando as mãos para o céu, dizia: «que [...] certa pessoa haveria cartas», inculcando
que sabia o que continham algumas sem as ler.
Também se gabava que sabia fazer encantos e desfazer feitiços, obrigando a vir à sua presença a pessoa que
os tinha feito, ainda que estivesse dormindo, sem usar para este fim do favor do demónio, mas sim de suas
artes que aprendera com certas pessoas.
Para cortar feitiços usava de tomar as ditas medidas, bençãos e palavras e dava parte das medidas para se
queimarem, e a outra parte entregava à pessoa enferma para as trazer ao pescoço, e lhe mandava tomar ba-
nhos de maceira, compostos de três castas de ervas diferentes, e que tudo se lançasse em uma panela e de-
pois em um rio corrente sem olhar para trás.
Mandando abrir um colchão, em que dormia uma das pessoas enfermas, de dentro dele tirou umas linhas
cortadas, acbelos, pedaços de fiado cru de lemiste e um boneco sem braços, com alguns alfinetes cravados
por várias partes do corpo, em que a pessoa enferma experimentava grandes dores, e o réu queimou o dito
boneco e na cinza, que dele ficou, lançou água benta de certa igreja, e juntamente água da que tinha ser-
vido nos lavatórios. E esta cinza com um cântaro de água mandou o réu lançar no mar e que a cinza fosse
lançada por três vezes, dizendo ao mesmo tempo «Assim como tu andas, assim ande fulano», nomeando a
pessoa enferma.
Para o mesmo efeito [talhar feitiços] mandou o réu vir um novelo de linhas brancas e com elas tomou várias
medidas à pessoa enferma, uma do pescoço até ao peito, outra da cintura para baixo, ambas sobre a carne,
e do mesmo modo outra do sangradouro do braço até à ponta do dedo grande da mão esquerda, outra do
quadril da mesma parte até ao tornozelo do pé, e isto repetiu por três ou quatro vezes, e das ditas medidas
levou uma, outra cortou em bocados, os quais lançou em uma bacia de água e, sem diligência alguma dele
réu, andavam à roda da bacia e se ajuntavam no fundo da mesma em forma de cruz ou signo-saimão, o
que o réu dizia «era bom sinal». E as outras medidas deu à pessoa enferma para que, umas as metesse em
uma bolsa com um dente, que também lhe deu sem dizer de quem era, recomendando-lhe que trouxesse
sempre consigo a dita bolsa, e a outra medida a metesse debaixo da cabeceira da cama; e com este remédio
experimentou melhoras a pessoa enferma, ainda que, quando dormia sonhava coisas horríveis. E ele réu,
quando visitava a pessoa enferma, sempre lhe perguntava se tinha alguns sonhos e, dizendo-lhe a pessoa o
que sentia, o réu dizia «que isto lhe procedia dos humores que andavam abalados».
Para degradar sombras, depois de várias cruzes e lançar água benta por toda a casa, dizia as palavras seguin-
tes: «eu te requeiro da parte de São Pedro e de São Paulo e de todos os santos que me acompanhes para
qualquer parte que eu for».
Prometia também descobrir tesouros e muitas léguas de minas, para o que se servia de um livro, que tinha,
e convidou muitas pessoas de ambos os sexos, assegurando-lhes «que dentro de um mineral achariam doze
mouros muito bem adereçados com seus espadins nas mãos e outras tantas mouras muito bem adereçadas
com muitas peças de ouro e diamantes, e que tudo se havia de repartir entre ele, réu, e as ditas pessoas»
que o acompanhavam, e que, despojados os ditos mouros e mouras, caíriam logo por terra e se reduziriam
a cinza e entrariam novamente a repartir entre si copiosíssimos tesouros, que ali se achavam.
Confessou que, de certo tempo a esta parte, sendo procurado para descobrir onde havia tesouros e minas,
ajustou com certas pessoas de um e outro sexo o entrarem nessa empresa e, para melhor introduzir o seu
engano, mandava aos homens, que haviam de ir em sua companhia que por certo número de vezes beijas-
sem as espadas e as pusessem nuas no chão, e às mulheres, media por várias partes de seu corpo, recomen-
dando-lhes muito que levassem as tais medidas consigo, porque nas partes nas partes em que estavam as
minas, lhes havia de repetir e tomar-lhe medidas com com as mesmas. E perguntando-lhe uma das ditas
pessoas «se haviam de levar sacos para conduzirem os tesouros», o réu lhe respondeu: «que no sítio das mi-
nas havia grande provimento deles». E, fazendo todos a jornada, tanto que chegaram perto do sítio em que
dizia estarem os tesouros, se retirou ele réu sem dizer coisa alguma aos companheiros. E costumava também
«cortar o ar», usando de medidas, cruzes, signos-saimões e palavras em nome da Santíssima Trindade; e a
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BARBOSA GREGÓRIO
vários enfermos aplicava latórios de certas ervas, recomendando-lhes muito que depois se lavassem em um
rio corrente com a mão direita e voltassem sobre a esquerda.
Para cortar sombras se valia de cinza peneirada, que lançava pelo ar dizendo: «eu te degrado, sombra, pela
graça de Deus e de São Pedro e de São Paulo».
Sendo perguntado pelo estado de certas pessoas, que assistiam em terras remotas, respondia que não só es-
tavam vivas mas ricas, para o que industriosamente se valia de umas sortes de papel para confirmar os seus
enganos.
Para curar os feitiços, disse a certa pessoa «que era necessário por espaço de nove dias meter os pés em água
quente, estando ele presente»; e com efeito para o dito lavatório preparou ele um alguidar com água
quente, na qual lançou cinco mãos cheias de cinza do forno, cada uma em forma de cruz, e logo mandou
à dita pessoa que metesse os pés no dito alguidar, o que ela fez, e ele réu lhe formou três cruzes em cada
perna, uma nas coxas e duas do joelho para baixo, e depois molhando a mão na água corria com ela as per-
nas da dita pessoa pela parte de fora; e o mesmo lhe fez nos braços, e esta primeira água mandou o réu dei-
tar em um pote, e que à noite fossem lançar a água e o pote em uma encruzilhada, e quem fosse lançá-lo
não olhasse para trás, e depois de o lançar voltasse sobre a parte esquerda e deste modo continuou por nove
dias sucessivos, em um dos quais mandou lançar a água em certo lugar e a pessoa que a lançasse havia de
dizer ao mesmo tempo: «eu te degrado em louvor de São Pedro e São Paulo».
A outras pessoas dizia ele réu «que os feitiços que tinham haviam de passar para outras» e que se cravasse
uma faca no chão logo apareceria a pessoa que lhos tinha feito e não poderia apartar-se daquele lugar sem
que ele réu desencravasse a dita faca.
Às mesmas pessoas que curava dizia: «que as medidas que tomava também serviam para tocar com elas as
pessoas com quem quisessem casar e o conseguiriam, porque deste modo tinha feito muitos casamentos»;
e a algumas pessoas enfermas dizia os dias e as noites que haviam de passar bem e mal, e assim sucedia. E
a certa pessoa, que lhe deu conta de uma moléstia que padecia, entregou um lenço para que o mandasse
lavar por certa pessoa e logo se acharia bem, e assim o experimentou.
A outras pessoas fazia acções torpíssimas, dizendo que eram boas para que não entrassem os feitiços e man-
dava às mesmas pessoas que, quando ele dissesse «torto», lhe respondessem «males fora, sombras e feitiços»,
e ele réu dizia: «para que não entrem males e feitiços, nem sejas vexada por feiticeiros e feiticeiras», com
outros factos e acções semelhantes.
Curava de feitiços com lavatórios de cozimento de erva molarinha, com ervas de São João, sem observar
dias nem horas, debaixo do sangradouro do braço direito para baixo, por ele ou por outra qualquer pessoa.
Maio de 1609 (cf. Adolfo Coelho, Costumes e petiu três vezes ou quatro, e das ditas medidas,
crenças populares), tendo sido relaxado em uma cortou em bocados, os quais lançou em
carne. O próprio se jactava de feiticeiro, pro- uma bacia de água, e, sem diligência alguma
metendo que faria aparecer no mesmo instante dele réu, andavam à roda da bacia de água e se
indivíduos que viviam em terras distantes e pa- ajuntavam ano fundo da mesma em forma de
ra esse efeito «tomava medidas ao corpo de cer- cruz ou signo-saimão, o que o réu dizia era
tas pessoas com uma linha, que depois manda- bom sinal».
va queimar». Gabava-se também de saber fazer
e desfazer feitiços, descobrir tesouros e minas BARBOSA, GREGÓRIO
de água (para o que se servia de um livro), lo- Carpinteiro, natural de Novelas, filho de João
grar curas, «degradar sombras» (i. e., encostos), Ribeiro, lavrador, e de Maria Barbosa, casado
etc. De acordo com a sentença da Inquisição com Josefa da Silva. Irmão de *Agostinha Bar-
(cf. O Instituto, v. 10, 1862, p. 130): «mandou bosa. Residia em Várzea do Douro, quando,
o réu vir [para a cura de feitiços a uma mulher] em 9 de Abril de 1718, com 22 anos, foi de-
um novelo de linhas brancas, e com elas tomou nunciado pelo pároco de Medas ao vigário-ge-
várias medidas à pessoa enferma, [...] e isto re- ral do Porto, Bernardo de Azevedo e Carvalho,
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BARCA
em virtude de fazer «algumas curas, usando de humana, segura quando a Igreja se acha ao leme,
superstições, para o que metera umas ervas jun- perigosa, em caso contrário. As barcas de *Gil
to a pedra de ara da sua igreja para ao depois de Vicente participam do mesmo simbolismo.
se dizer missa em cima dela as aplicar por remé-
dio». Já a 7 do mesmo mês fora citado pelo co-
missário do Santo Ofício André de Mendonça
Barbosa, por denúncia que recebera, datada de
dia 2, do padre Bento Pires de Lima, abade de
Aguiar de Sousa, que o acusara de andar «cu-
rando e diz é Salvador». Preso primeiro no Al-
jube do Porto, foi depois remetido à Inquisição
de Coimbra, em cujos cárceres deu entrada a Embarcações fenícias, em cerâmicas exumadas de Al-
30 de Maio de 1718. Logo no dia imediato maraz (Almada) e da Rua dos Correeiros (Lisboa).
confessaria as suas culpas, dizendo, nas Medas,
«aplicar a alguns enfermos uns lavatórios e sua- BARCO
douros de ervas cozidas, [...] a saber benefe, De Almaraz (Almada) e da Rua dos Correeiros
marcela e tanchagem sem mais outros ingre- (Lisboa) foram exumadas cerâmicas com figu-
dientes, pelas ter visto aplicar a um barbeiro rações de embarcações fenícias. Os barcos de-
[...]». Disse que a um doente aconselhara que vem ter olhos «p’ra ver p’ra donde vão», segun-
«mandasse meter debaixo da pedra de ara da do uns, «para afastar invejas e maus olhados»,
igreja as ervas chamadas benefe e e que dizen- segundo outros. Em alguns regiões do litoral
do-se missa em cima delas as pusesse no estô- português, a primeira viagem de um barco exi-
mago para melhora do achaque». Por sentença ge um sacrifício ritual: uma gaivota é colocada
de 10 de Junho do mesmo ano de 1718 foi viva, com as asas espalmadas presas nas cordas
condenado a sair no auto da fé que se realizou ou no mastro; ninguém lhe pode tocar, encarre-
a 18 e a cinco anos de degredo para Castro Ma- gando-se o vento de levar os restos dela, afastan-
rim, que logo lhe foram perdoados. Novamen- do os azares. Para lograr boa pesca, é convenien-
te acusado, a 8 de Dezembro de 1718, desta te que, quer o barco, quer os seus aparelhos, te-
feita pelo abade André Pinto, de que continuar nham sido benzidos e comparecido na procis-
a praticar medicina supersticiosa e de se intitu- são ao santo protector dos navegantes, qualquer
lar oficial do Santo Ofício para praticar sonhos, que ele seja. *Construção naval, *embarcação.
etc., seria outra vez preso, em 29 de Janeiro de
1719, e, por sentença de 10 de Fevereiro de BAREIRO
1720, condenado a sair em auto público de fé, O mesmo que *barreiro ou *vareiro.
açoutado pelas ruas cifra sanguinis effusionem, e
degredado sete anos para Angola. Todavia, a 8 BARLAÃO E JOSAFÁ
de Julho de 1720, a pena ser-lhe-ia comutada e A história de Barlaão e Josafá consigna a versão
ele devolvido à liberdade [ANTT: Inq. Coim- cristã da lenda de Buda (*budismo), composta
bra, proc. n. 7299]. no séc. VII, em língua grega, por um monge do
convento de S. Sabas (próximo de Jerusalém),
BIBLIOGRAFIA FREITAS, Eugénio de Andreia da Cunha, Bru-
xos e Bruxarias no Tribunal da Inquisição, in Actas do Congresso depois traduzida para latim (Liber gestorum Bar-
Internacional de Etnografia, v. 3, Santo Tirso, 1965, p. 192-193 laam et Josaphat). A partir do séc. XIII, a tradu-
ção circularia creditada a São João Damasceno,
BARCA tendo a popularidade que grangeou ditado a
Geralmente associada a ritos de passagem ou sua tradução para vernáculo (castelhano, pro-
funerários (*Caronte). No cristianismo a barca vençal, francês, italiano, romeno, etc.). No
é reportada à navegação como metáfora da vida *mosteiro de Alcobaça existiram dois códices
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BARREIRA
BARNABÉ, SÃO
Venerado a 11 de Junho. Fontes antigas refe-
rem-se a São Barnabé (etimologicamente = filho
da consolação) como *apóstolo, embora se saiba
que não integrou o grupo dos doze, assim deno-
minados. Conhecido como o homem das intui-
ções felizes, terá sido, provavelmente, um dos
inúmeros discípulos enviados por Jesus. É-lhe
creditado o Evangelho *apócrifo, homónimo,
no qual Jesus é descrito, não como filho de
Deus, mas como um profeta, circunstância, coin-
cidente com a doutrina exposta no *Alcorão,
que havia de determinar a enorme estima que Barreira (Odrinhas): aspecto de um eventual cromeleque,
grangeou entre os mouriscos peninsulares. Lo- antes da sua destruição, em virtude da integração de mui-
cução: no dia de S. Barnabé seca a palha pelo pé. tos dos monólitos no molhe do porto da Ericeira.
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BARREIRO
provável cromeleque, tendo o caso sido julgado não ser que uma reminiscência do culto misté-
em tribunal e o dito condenado a repôr os pe- rico. Segundo outras versões, o *medo em apre-
nedos no seu local primitivo, o que, inexplica- ço usa barrete vermelho e calças amarelas e se-
velmente, nunca chegou a acontecer. *Funchal. gura uma moca de ferro na mão. Ver o conto
O Rei Minas das calças amarelas.
BIBLIOGRAFIA CINTRA, Augusto, O Escândalo dos 3 Menires
de Sintra, in Correio de Domingo (15 Jun. 1986); MARTINS, BIBLIOGRAFIA PROENÇA, António Ramos, Memórias de um
Adolfo Silveira / MORGADINHO, Sara Manuel, O comple- médico, Castelo Branco, 1980, p. 131; SALVADO, Maria
xo megalítico da Barreira e do Funchal – Sintra, in Actas do I Adelaide Neto, A Lenda do Barreto Vermelho, in O Espaço e o
Colóquio Arqueológico de Viseu, Viseu, 1989, p. 111-114; VI- Sagrado em S. Pedro de Vir-a-Corça (concelho de Idanha-a-No-
CENTE, Eduardo Prescott, Os menires da Barreira e do Fun- va), Fundão, 1993, p. 31-33
chal, in Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, s. 84, n.
10-12 (1966), p. 519; VICENTE, Eduardo Prescott / MAR-
TINS, Adolfo da Silveira, Menires de Portugal, in Ethnos, v. 8 BARRETO, CATARINA
(1979), p. 113-114, n. 19 e 20; ZBYSZEWSKI, G. / FER- Com 48 anos, saíu penitenciada no *auto da fé
REIRA, O. da Veiga / SOUSA, H. Reynolds de / NORTH, da Inquisição de Lisboa, de 10 de Maio de
C. T. / LEITÃO, M., Nouvelles Découvertes de Cromelechs et de
Menhirs au Portugal, in Comunicações dos Serviços Geológicos de 1682, por feitiçaria (cf. Adolfo Coelho, Costu-
Portugal, v. 61 (1977), p. 63-73 mes e crenças populares).
BARREIRO BARRO
O mesmo que *bareiro ou *vareiro, vento de A crença de que comer barro faz bem é muito
Oeste ou da Barra (de Viana, do Cávado, de antiga, persistindo na actualidade. O poeta
Aveiro). Também *mareiro, *marinheiro, por seiscentista Jerónimo Baía dirigiu alguns versos
vir do lado do mar, quase sempre chuvoso no a uma senhora que comia barro: «[...] quando
Inverno e refrescante no Verão. a terra comeis, / Mais eterna vos fazeis, / pois,
se a terra os corpos come / E se a comeis vós
BARRETO VERMELHO com fome, / Quem vos coma não tereis» (cf.
O mesmo que *bicho-mágico ou *diabo. Junto Fénix Renascida, v. 4, p. 55). Referem-se à prá-
a Monsanto (S. Pedro de Vir-a-Corça, Idanha- tica o padre Manuel Bernardes (Pam partido
-a-Nova), no caminho que conduz dessa po- em pequeninos, II, p. 54 e 109), Curvo Semedo
voação ao lugar do Carroqueiro, existe um sítio (Polyanthea, § 33, p. 540 e Atalaya da Vida, p.
denominado do Barrete vermelho, enorme to- 183, coluna 1ª), o Almanaque de Lembranças
ca, aberta num penedo granítico, onde consta para 1864 (p. 112), etc.
que vive o Barreto vermelho. Diz-se que este
BIBLIOGRAFIA SILVA, António Messias, O barro na tradição
estranho ser, que constitui um dos medos que
oral, in Pampilhosa: uma Terra um Povo, n. 10 (1991), p.
mais terror infunde na região, pode assumir a 139-143
aparência de «um cavalo a galope, carneiro pre-
to, cão de olhos brilhantes, ou de um homem BARROS, ISABEL DE
diabólico com rabo e carapuço vermelho». Penitenciada no *auto da fé da Inquisição de
Aparece das onze para a meia-noite, deitando Lisboa, de 17 de Outubro de 1660, por feiti-
chispas de lume pelos olhos. Leonor Buescu in- ceira e presunção de pacto com o diabo (cf.
terpreta-o como uma personificação do diabo Adolfo Coelho, Costumes e crenças populares).
(cf. Monsanto: etnografia e linguagem, Lisboa,
1961, p. 30). A associação da tradição do Bar- BARROS, LEONOR DE
reto vermelho ao topónimo Chão do Touro, De seu nome próprio Dona Francisca de Bar-
sugeriu a Maria Adelaide Neto Salvado a hipó- ros. «Obrigada do pejo de ter parentes honra-
tese de, em São Pedro de Vir-a-Corça (*Santo dos [...] se deliberou a mudar o nome [...] só a
Amador), ter existido um santuário dedicado a fim de não chegar» ao conhecimento deles que
*Mitra e de aquela entidade sobrenatural mais vivia» de sua agência» como «mulher Dama»,
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BARTOLOMEU, SÃO
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BARTOLOMEU, SÃO
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BASÍLICA
BARZABÚ
Também *barzabúm e *São Brezabúm. Epíteto
por que é designado o *diabo. Corrupção de
*Belzebu. Usa-se como imprecação para evitar
proferir as palavras diabo ou demónio. Locu-
ções: Valha-te o Barzabum ! ou Oh, com seiscen-
tos barzabuns ! (Barroso).
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BASÍLICA
A fim de se cumprir a cerimónia aprazada para o dia 17 de Novembro de 1717 com o maior esplen-
dor, quer litúrgico quer mundano, mandou João V armar a Basílica em madeira pintada, de acordo
com o plano então aprovado. De tecto serviram velas de navio forradas interiormente com panos de
brim, cobertos de tafetás encarnados e amarelos. Razes pendiam das paredes. As portas e janelas foram
guarnecidas com cortinas de damasco, de franjas e galões dourados. Mais tafetás vermelhos decoravam
a fachada. Na capela-mor erguiam-se dois sitiais de preciosa tela branca. O do Evangelho, sobre seis
degraus e com dossel, destinava-se ao rei; o da Epístola, sobre três e sem dossel, era para o Patriarca
Dom Tomás de Almeida. O deste era ladeado por credências cobertas de sumptuosos paramentos, des-
tinados à Missa de Pontifical, e de opulentas peças de prata. Noutra credência estavam a pedra que de-
via ser benzida, de jaspe (como preconiza o texto do Apocalipse para o fundamento da Nova Jerusalém),
marcada com cruzes, medindo 55 cm de comprimento, e a portadora da inscrição comemorativa, além
de uma urna de mármore, na qual ficariam encerrados: um cofre de prata dourada com os pergaminhos
do voto régio e do benzimento da primeira pedra e da cruz erecta na igreja, dois frascos com os santos
óleos, duas caixas de prata dourada com o Agnus Dei de Inocêncio XI e o de Clemente XI e doze me-
dalhas (quatro de ouro, quatro de prata e quatro de bronze). Das primeiras, uma tinha os retratos do
rei e da minha, gravados a buril, no anverso e no reverso a planta do templo; outra, no anverso Santo
António e o rei ajoelhado ante ele e no reverso a perspectiva de todo o edifício; outra, o retrato de Cle-
mente XI e o seu brasão; a última, o do Patriarca Dom Tomás e o seu escudo. Em todas havia legendas.
Tanto as de prata como as de bronze eram iguais. Para o monarca havia mais, junto à coluna do cru-
zeiro, uma tribuna em forma de leito, com balaústres de ébano e cortinas de brocado vermelho. Juncos
e espadanas recobriam o chão, no qual serviam panos de alcatifas verdes. Às 8.30 horas da manhã do
dia solene chegou o rei ao terreiro do templo, seguido pela corte, todos a cavalo, cuja pompa dos jae-
zes se equiparava à das galas dos cavaleiros. Acompanhavam-no: lateralmente a real guarda alemã e
atrás a cavalaria com seus clarins. Logo se organizou a procissão para entrar na igreja. À frente marcha-
va a comunidade dos 64 frades arrábidos; depois, sucessivamente, o clero local, os músicos, capelães de
sobrepelizes, acólitos patriarcais, subdiáconos, capelães de capa magna com capelos de arminho e plu-
viais, beneficiados, cónegos de pluviais de tela branca e mitras bordadas com pedras preciosas (cada um
precedido pelos seus criados nobres e seguido por caudatários de sobrepelizes sobre os hábitos patriar-
cais), o Patriarca vestido com peças riquíssimas e coberto com mitra de pedras, os protonotários pa-
triarcais com roquetes e capas magnas, o rei, a corte, o juiz e o corregedor, os vereadores e, por fim, o
povo, à volta de três mil pessoas.
Feita a benção, cujo cerimonial o rei acompanhou com o ritual nas mãos, dirigiu-se a procissão para o
local em que a pedra devia ser colocada, junto do altar mor, da qual foi portador o Patriarca. Aí depos-
tas, essa e a da inscrição, e também a dita urna de mármore, na cova lançou o geral de São Bernardo,
esmoler mor, doze moedas de cada espécie de dinheiro corrente no reino: doze de ouro, de 4800 réis,
doze meias moedas, doze quartinhos e assim do real e meio de cobre. Este acto concluído, regressaram
todos à igreja, na mesma forma processional, para assistirem às restantes funções e à missa, da qual disse
D. Gabriel Chimbali, mestre-de-cerimónias da Patriarcal, que nunca vira, nem sequer em Roma, tanta
magnificência em paramentos e cópia de sacerdotes, nem pomposo rito, nas missas pontificais; só em
lugar de cardeais eram cónegos os celebrantes. Acabada, finalmente, a função, quis o rei dar uma prova
pública do seu amor à obra empreendida e da sua portentosa devoção. Num cesto dourado estava uma
pedra de palmo e meio. Pegou nela Dom João V e, carregando com ela, foi depositá-la piedosamente
junto da que fora benzida. Os fidalgos de sua corte, estimulados por esse acto de pia humildade, agar-
raram em outras pedras iguais, assentes em cestos prateados. e acompanharam o soberano, levando a
sua à cabeça o nobre visconde de Ponte de Lima.
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BASÍLICA
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BASÍLICA
A. Horóscopo do lançamento da Pedra Fundamental da Basílica (17 de Novembro de 1717, pelas 8.30 horas); B. Horós-
copo da Sagração da Basílica (22 de Outubro de 1730, pelas 7.00 horas) . Frei Cláudio da Conceição alega que o Magnâ-
nimo havia planeado lançar a primeira pedra no dia 19 de Outubro de 1717, consagrado a São Pedro de Alcântara, mas
«como se não pode vencer o abrirem-se os alicerces, e formar-se o sobredito templo, transferiu esta função para o dia 17 de
Novembro, dedicado a Santa Salomé […] (Gabinete Histórico, v. 8, p. 90). Considero pouco plausível o argumento por
diversos motivos. Um dos mais fortes resulta da comparação dos horóscopos para os dias 19 de Outubro e 17 de Novembro:
neste é possível detectar condições astrais favorecedoras do projecto político de Dom João V, ausentes daquele. Além disso, ou-
tras fontes sublinham que o dia 17 de Novembro de 1717 fora escolhido em virtude da tripla ocorrência do valor 17, inti-
mamente relacionado com o eschaton português. Acresce ainda que Salomé é o reflexo imaginal feminino de Salomão.
22 de Fevereiro do ano seguinte. As cores dos lia: o total de 17 lâmpadas (3 + 7 + 7), que
mármores utilizados em Mafra não são alheias iguala o número dos pára-raios instalados sob a
a essa preocupação, mas igualmente à necessi- supervisão de Dom Joaquim de Assunção Ve-
dade de fazer corresponder a imagem da Basí- lho, corresponde ao mesmo valor 17, funda-
lica de Mafra ao texto do Apocalipse, que des- mento biorrítmico do eschaton nacional e ma-
creve a Jerusalém Celeste recamada de pedras nifestação da teofânia de Schaddai (O Inefável
preciosas. Ao entrar pela porta axial, a vista do – Pólo Celeste da Criação – Deus), de acordo
observador é automaticamente conduzida para com a contagem das gerações desde Abraão até
o centro espiritual do templo, a capela-mor, Cristo, apresentada pelo evangelista Mateus. A
cuja importância é realçada pelas pilastras gi- soma de 3 + 7 + 7 é equivalente a 3 + 14 ou
gantes que ladeiam as capelas laterais e guiam o ainda a 3,14, i. e., ? (Pi), número irracional,
olhar, processionalmente, até ao Santo dos San- por intermédio do qual se passa do esquadro
tos mafrense. Na Basílica de Mafra, à semelhan- (Terra) ao compasso (Céu), i. e., do Pólo Ter-
ça do Gesú de Roma, o efeito de unificação óp- reno (Metraton = 314 = O Príncipe do Mundo
tica é conseguido sem recorrer a nenhum dos = Dom João V) para o Pólo Celeste da Criação
artifícios cenográficos propostos por Palladio. (Schaddai –314). Nem de propósito, Frei João
A *capela-mor e a capela do Santíssimo Sacra- de Santa Ana informa que nas Matinas solenes,
mento apresentam cada uma delas Sete Luzes à noite, em dias de primeira ordem, se punha
diante do Trono, circunstância que não tem pa- em cada uma das pilastras do corpo da Igreja e
ralelo na capela da Sagrada Família (que apenas do Cruzeiro uma «cornucópia com três velas e
conta três), sem qualquer motivo aparente, dirá por conseguinte são 17 cornucópias de cada la-
o observador desprevenido. Existe, no entanto, do e 102 [51 + 51 = 17 x 6] velas em todo o
uma razão ponderosa para tal aparente anoma- corpo da Igreja». Nas mesmas ocasiões cada al-
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No dia 18 de Outubro de 1730, chegaram a Mafra os cardeais da Cunha e da Mota, os bispos de Leiria,
Portalegre, Pará e Nanquim, em coches de aparato, seguidos de larga criadagem e de muitas azémolas car-
regadas e cobertas com reposteiros bordados. A 19 chegaram o rei, o príncipe do Brasil, Dom José, e o in-
fante Dom António, em coches sumptuosos, acompanhados pelos criados da casa real. A 20, entrou na vi-
la o Patriarca num coche riquíssimo, ao qual seguiam o de estado e mais quatro com os seus criados. No
dia 21, de manhã, o deão da Sé Patriarcal, revestido de capa de asperges e com mitra encarnada, ante o rei
e a família real, realizou a benzedura dos paramentos e das peças litúrgicas, assim como dos painéis dos al-
tares laterais. A seguir, benzeu o convento com todas as suas dependências –noviciado, refeitórios, dormi-
tórios, celas, etc. À tarde na capela do Hospício, fizeram os arrábidos, com a presença do rei e da corte, as
vésperas da dedicação da Basílica, às quais se seguiu uma procissão até à mesma; ao seu desfile assistiu o rei
e a família real da varanda De Benedictione. À noite, numa sala do palácio régio armada em capela, sigilou
o patriarca as relíquias dos apóstolos e vangelistas que no dia seguinte devia colocar no altar-mor. Depois,
cantaram-se as matinas dos apóstolos, com a presença do rei e da família real, que a seguir foram ouvir as
do Hospício, cantadas desde a meia-noite até às três horas da madrugada. Este diligentíssimo e fervoroso
zelo devoto do monarca deu provas de admirável resistência durante os oito dias seguintes. No dia 22, o
primeiro da sagração, as funções religiosas começaram às 7 horas da manhã e só às 3 da madrugada tiveram
fecho. No terreiro, cortado por uma rua toldada com panos de brim para passar a procissão, postou-se em
forma, às 5 horas da manhã, a tropa, composta de cavalaria e infantaria. Às 6 horas ingressaram os frades
no seu convento, onde já estava o rei com os príncipes, os quais assistiram à missa rezada na sala De Bene-
dictione, depois da qual João V deu beija-mão à corte por ser esse dia o seu natalício. Pelas 7 horas chegaram
a rainha, a princesa, os infantes Dom Pedro e Dom Francisco. Daí a meia hora surgiu a procissão, debaixo
de cujo pálio ia o Patriarca com magnífico pluvial branco e mitra recamada de pedras preciosas, seguido
pelo rei, pelas altezas e pelos fidalgos da corte, cobertos de galas custosas, à compita. Primeiro, o Patriarca
deu beija-mão; depois, cantadas uma Antífona e a Ladainha de Todos os Santos, benzeu o sal e a água. En-
quanto fez a aspersão em si próprio, nas pessoas reais, nos eclesiásticos e no povo, cantou-se a antífona As-
perges Me. A disposição do vestíbulo, cujo pavimento estava alcatifado, era esta: à esquerda, sobre quatro
degraus, o trono patriarcal com cadeira e dossel de tela branca e o do rei e das altezas com cadeiras e dossel
de veludo carmesim guarnecido de ouro. Defronte, encostados aos arcos, bancos de espaldares, cobertos
de razes, para os cónegos e bancos rasos, cobertos também de razes, para os beneficiados. Ao fundo, do la-
do meridional, a tribuna da rainha, da princesa do Brasil e das suas damas. À direita uma credência com
varias peças: caldeirinha, hissope, aspersórios, jarros e pratos, de prata dourada, e sal moído; sobre um es-
cabelo um grande vaso de prata, em concha, com água. Junto dos degraus da porta e sobre uma credência
ficava o cerimonial e defronte, o faldistório. Findo o sobredito acto, ordenou-se novamente a procissão, le-
vando cada beneficiado um castiçal com vela acesa. Durante o rodeio da Basílica aspergiu o Patriarca as
suas paredes com água benta. Chegado à porta nela bateu o mesmo três vezes com o báculo dizendo: Atto-
lite portas principes vestras... ao que o diácono do interior respondeu: Quis est iste Rex gloriae? Retorquiu o
Patriarca: Dominus fortis et potens in praelio. Por mais duas vezes andou a procissão à volta da igreja e bateu
à sua porta o patriarca. À terceira, porém, respondeu ele e todo o clero: Dominus virtutum ipse est Rex Glo-
riae, dizendo depois em triplicado Aperite. Então se abriu a porta. Antes do ingresso fez o Patriarca unia
cruz com o báculo acompanhada da frase: Ecce crucis signum, fugiant fantasmata cuncta. Pela nave estavam
distribuídos, a distâncias iguais e formando cruz, montículos de cinza, sobre os quais o Patriarca gravou os
alfabetos grego e latino, com as letras recortadas em papelão, com o báculo. Na capela-mor estavam dois
tronos, à esquerda, um para o rei e a rainha, o outro para o Patriarca. Fronteiras, do lado da Epístola, fica-
vam duas grandes credências – uma com incenso em grão e moído, e sal, em pratos de prata dourada, as-
persórios, uma garrafa de prata com vinho branco, duas bandejas com cal e pó de pedra, outra vazia para
nela se fazer a argamassa, pratos de prata com o avental para o patriarca, toalhas para limpar o altar e três
velas pequenas, uma taça de prata para a água benta, algodão para limpar os óleos das sagrações; a outra
com os castiçais do altar, turíbulos e navetas, caldeirinhas e hissopes de prata, tudo disposto segundo as
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BASÍLICA
rúbricas do pontifical romano. Chegado ao altar-mor o Patriarca benzeu a água, a cinza, o vinho e o sal,
desceu depois até à porta da basílica e nela com o báculo riscou duas cruzes. Voltando ao altar-mor por
sete vezes o rodeou enquanto cantava o Salmo Miserere e o aspergia de água benta. Passou depois a rodear
três vezes a basílica, como fizera no exterior, aspergindo-lhe as paredes com a dita água. Aspergiu também
o pavimento, em cruz, desde o altar-mor até à porta. Cantada a antífona Vidit Jacob, de novo aspergiu o
chão e o ar, lançando a água na direcção das quatro partes do mundo. A seguir, pôs o avental e fez o
cimento. [...]. Em todos estes oito dias os serviços começavam às 8 horas da manhã e acabavam às 3 da
madrugada, com permanente assistência do rei, da família real e da corte, que comiam nas tribunas da
igreja, largas como quartos. Com tão extenuante e contínuo sacrifício sua majestade garantiu à sua alma a
bemaventurança eterna. Eram 7.30 horas, retirou-se para descansar, mas o rei continuou firme no seu
posto. Àquela hora entraram no coro os frades para cantar Sexta e Noa, depois do que passaram ao
Refeitório (não era sem tempo) seguidos pelas pessoas reais e pela corte. Aí a iluminação era feita por trinta
candeeiros de latão de quatro lumes cada um. Antes de se sentarem. cantaram a benção da mesa. Quando
sentados, entoou o leitor o primeiro ponto de leitura oportuna, depois do qual o provincial deu o sinal
para se servir. Então se viu um espectáculo tanto mais admirável e assombroso de piedosa humildade quão
menos esperado. O rei, o príncipe Dom José e o infante Dom António, depostos chapéus e espadins,
começaram a servir os frades, conduzindo os pratos em tábuas redondas apropriadas. À ordem régia, para
rápido despacho do serviço, imitaram-nos os camaristas de João V: os marqueses de Cascais e do Alegrete,
os condes de Assumar, de Aveiras, de São Miguel e de Povolide. Isto causou grande perturbação nos espíri-
tos dos frades, pois ao abatimento da soberania em tão grande acto de humildade se juntava o da mor-
tificação no distribuir tantos pratos, porque eram 320 os convivas. Acabado o repasto, voltou a
comunidade ao coro, cujos cadeirais tinham sido colocados durante esse intervalo, apesar de tal trabalho,
a que deu seguro despacho o engenho do italiano Tadeu Luís, mestre da carpintaria, ser considerado quase
impossível. Neles também se sentaram as pessoas reais. E aí, em descanso, estiveram todos desde as 9 às 11
horas, que este foi o tempo gasto por Frei Fernando da Soledade, ilustre cronista franciscano da Província
de Portugal, com o seu erudito e substancioso sermão, alumiado por trezentas e vinte velas. Seguiram-se
ao mesmo as Vésperas da dedicação da Basílica e, depois, as Completas. À função, porém, ainda faltava o
coroamento, que lhe foi dado pelas Matinas de São João Capistrano, cantadas pela comunidade desde a
meia hora às três da madrugada. Só então o rei e os seus familiares regressaram ao palácio para dormir. Se
com tão resistente e aferrada devoção não ganhou o céu foi por ser excessivo o peso dos seus pecados. To-
das estas cerimónias as acompanhou atentamente o rei por um pontifical romano, verificando, como en-
tendido na matéria, que não lhe faltava um gesto, uma palavra. Posto isto, formou-se novamente a
procissão para ir buscar à capela do palácio as relíquias lá depositadas. Assentes estas pelo Patriarca em
andor próprio, outra volta à igreja executou o préstito. Depois, todos a postos nos seus lugares, pronunciou
o Patriarca uma elegante e piedosa prática acerca das excelências dos templos sagrados, lembrando ao rei,
como fundador deste, a obrigação de o dotar a preceito para sua conservação e para subsistência dos seus
ministros, os bons frades arrábidos, e lembrando a estes o dever de rogar a Deus pela saúde e pelo feliz
aumento de sua Majestade. Pelo visto, a diplomacia eclesiástica era deveras engenhosa. Tal prática foi a
meio interrompida pelo primeiro diácono com a leitura adequada de dois decretos do concílio tridentino,
os quais proibiam, sob graves penas, defraudar os bens eclesiásticos e ordenavam o pagamento dos dízimos
à Igreja. De sobejo se patenteia quão hábeis e bons estratégicos eram os humildes fradinhos. Respeitosa,
submissamente, o rei de pé ouviu toda a pia exortação. Fez-se, depois, o benzimento do altar-mor, acto de
grande complexidade de cerimónias: antífonas, salmos, unções de óleos santos, aspersões de água benta,
incensações. etc. Sagrou, também, o patriarca, as cruzes do altar mor, do cruzeiro e da nave, e no meio do
altar meteu uma caixa de prata dourada com as relíquias dos apóstolos. Eram cinco horas da tarde quando
acabou esta parte da sagração. Mas ninguém arredava de cansado. Começou, então, a Missa de Pontifical,
que foi cantada com extraordinária imponência, quer pelo precioso dos paramentos quer pela qualidade
de sacerdotes e qualidade dos cantores. Estes eram os da Patriarcal, vindos de Roma por escolha. O
acompanhamento musical era feito pelos seis órgãos. No exterior, os sinos das torres repicavam
estrondosamente. No seu final, o Patriarca subiu à varanda De Benedictione e daí lançou ao povo, que
enchia o terreiro, a benção.
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BASILISCO
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BASILIZA, SANTA
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BASTO
trora festejados, na Carvoeira, pelo denomina- ra vez em 1612, agravada por outra ocorrida
do Círio da Água-Pé, oriundo de Ribeira de em 1892) com o objectivo de imortalizar um
Pedrulhos, Varatojo, Torres Vedras, Mafra, vetusto símbolo local: o lendário guerreiro que,
Azóia, Colares, Almargem do Bispo, etc.: «Vi- detendo-se no pontilhão próximo da antiga
nham todos a cavalo em burros e muares, o alameda, afirmara: «Até aqui basto eu!», signi-
gaiteiro na frente, seguindo-se o homem da ficando dessa forma que não carecia de auxílio
bandeira, e logo os festeiros e as festeiras, em para se defender de quem o atacasse. As pito-
número de 30 a 40 pessoas. As festeiras tra- rescas alterações a que foi submetida dotaram-
ziam, em geral, uns muito antigos e estapafúr- na de barretina, pés calçados com botas, meias
dios chapéus, ornamentados com fitas e flores e ligas, gola, galões, etc., além da inscrição, em
de papel. Eram quase sempre os mesmos estes caracteres incisos, no torax: PONTE / DE S
chapéus, e parece que faziam parte do material MIGUEL / DE REFOYOS / DE BASTO /
do círio. Este chegava aqui num sábado, dava 1612. *Favaios, *Homem da maça, *Lamego.
três voltas ao santuário, festejava São Julião e
BIBLIOGRAFIA CHAVES, Luís, O Basto: estátua de guerreiro lu-
Santa Basiliza no domingo, e regressava na 2ª sitano em Refoyos de Basto, Braga, 1934; P. , R., O Basto, in Por-
feira pela mesma ordem da ida». Às festivida- tugália, t. 1, n. 1-4 (1899-1903), p. 832-833; PEIXOTO,
des associava-se, geralmente, muito povo da Rocha, O Basto, in Portugália, v. 1 (1903), p. 832-833; SAR-
MENTO, Martins, in Revista de Guimarães, n. especial co-
Carvoeira, Pobral, Baleia, etc. Actualmente, só
memorativo (1900), p. 246
o Círio da localidade de Ribeira de Pedrulhos
(Torres Vedras), o mais antigo, permanece fiel BATALHA, MOSTEIRO DA
à tradição. O santoral festeja S. Julião a 16 de *Mosteiro de Santa Maria da Vitória.
Março, porém, localmente, a tradição manda
cultuá-lo em Janeiro (entre os dias 8 e 10). BATATA
Quando as batatas grelam em casa de alguém é
BASTO sinal de que lhe nascem os bens. Duas batatas
*Génio tutelar, epónimo, de Cabeceiras de pequenas, trazidas no bolso, são boas contra o
Basto, apropriação de uma estátua de um reumatismo (Lisboa). Rodelas de batatas apli-
*guerreiro lusitano, desde 1892, exposta na cadas localmente são preconizadas contra quei-
praça principal da localidade. A escultura foi maduras e dores de dentes. Pode ocorrer como
sujeita a uma transfiguração grotesca (a primei- *amuleto.
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BEATA DE CELAS
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BEATA DE ÉVORA
que obra por intercessão de seus santos, tendo de Évora: duas palavras ao leitor, in A Nação (5 Nov. 1882);
SILVA, D. Bruno da (pseud. de António Francisco Barata), A
pouca veneração ao sacramento da Confissão e Beata de Évora, 1890 (romance histórico)
santíssimo sacramento da Comunhão, deixan-
do de tomar lavatório contra o costume univer- BEATA DE ÓBIDOS
sal da igreja com grande malícia e pouco temor *Francisca Antónia.
de Deus, perjurando-se muitas vezes e revogan-
do sua confissão como pessoa obstinada em sua BEATA DE SANTA ISABEL
culpa […]» [ANTT: Inq. de Coimbra, proc. n. *Mariana Inácia de Jesus.
321]. A sua sentença foi publicada na Sé, tendo
sido condenada a dez anos e degredo para o BEBER O MORTO
Brasil e a receber 50 açoites «citra sanguinis Libação que consiste em beber um copo de
effusionem» pelas ruas da cidade, não partici- aguardente ou um cálice de vinho do Porto, em
pando em auto da fé, como pretendia D. Afon- honra de um defunto.
so de Castelo Branco, o qual a clssificou de
«mais diabólica e artificiosa que a Prioresa que BIBLIOGRAFIA BRANCO, Cecília Schmidt, Da origem de um
symbolo na Festa de São Martinho, in Revista Lusitana, a. 1, n.
foi da Anunciada». 4 (1887-1889), p. 295
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BELAS
BELA E O MONSTRO
Tema da mitologia universal. Na literatura por- ????????????????????????????????????????????????????????????????????
tuguesa, regista-se, a título de exemplo, em: ???????????????????
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BELBORINHO
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BELMIRO TRANSTAGANO
espaço limitado de terreno, que chega a Alberto, O conceito de Diabo na Biblia e em Gil Vicente, in
Ocidente, LXIX (1965), p. 231-247.
levantar e levar medas inteiras de palha pelo ar.
Por vezes, associado a este fenómeno, regra
BELIDA
geral atribuído ao *diabo, ocorrem estalidos e
Cicatriz da córnea. O mesmo que *nubécula
até estrondos. Em Carregal do Sal, para afastar
(belida leve) e *farpão (belida tensa). Para ta-
um belborinho, gritam-lhe: «Penico! Caqueiro
lhar belidas, enquanto traça cruzes com a mão
velho! Vai para o Inferno! Santo Nome de
direita, a benzedeira diz: «A milagrosa Santa
Jesus!» (cf. Pedro Tudella, in Beira Alta, v. 25,
Luzia ia pelo mundo, três livrinhos tinha, por
n. 3, 1966, p. 431). *Balborinho.
um rezava, por outro lia, outro belidas desfazia.
Valha--nos aqui Santa Luzia. Em honra de
BELCHIOR
Deus e da Virgem Maria». Em Tolosa, com o
*Saludador processado pelo *Santo Ofício. Afir-
mesmo objectivo, usa-se a seguinte reza,
mava que a distância a que um *benzedor po-
fazendo cruzes sobre o olho doente: «Jesu-Cris-
dia indicar os seres humanos e os animais atin-
to nascêi / E Virgem concebê / E na testemu-
gidos pelo mal da raiva era proporcional à vir-
nha [?] desta verdade / Belida e farpã secarás, /
tude do indivíduo em questão: aquele que pos-
este olho deixarás em paz! / E um padre-nosso
suía a graça de Deus em maior proporção via
e ave-maria / Em louvor de Santa Luzia». De-
melhor e mais longe [ANTT: Inq. Évora, proc.
pois de a ter repetido nove vezes, prossegue a
de Belchior, fl. 14v].
*talhadeira com um padre-nosso e uma ave-
maria, dizendo a concluir: «ofereço este padre-
BELEZA, MARIA MANUEL
nosso e esta ave-maria a Santa Luzia, que nos
Natural e residente em Azurara, casada com o
dê melhoras nos nossos olhos». O tratamento
marceneiro Jerónimo João. Abjurou de vee-
dura nove dias a fio, a qualquer hora, podendo
mente por culpas de feitiçaria, em 14 de Ou-
ser realizado duas vezes ao dia. Na região de
tubro de 1687, tendo sido condenada a cinco
Guimarães preconiza-se mastigar uma folha de
anos de degredo no Brasil. Havia de ser presa
loureiro e bafejar o olho que tiver a belida. Em
segunda vez por relapsia das mesmas culpas e
Freixo-de-Espada-à-Cinta invoca-se *Santa Iria
por não ter cumprido o degredo a que fora im-
para desfazer as belidas e os carnigões: «Santa
posto. Saiu no auto da fé de Coimbra, de 14
Iria tinha três filhas / Uma dobava, / Outra te-
de Junho de 1699.
cia. / Outra belidas e carnigões desfazia. / Em
louvor de Santa Iria, um padre nosso / e uma
BELIAL
ave-Maria» (reza-se três vezes, ou nove dias se-
Antónimo de *Cristo, segundo São Paulo (2
guidos, até se obter a cura).
Corínteos, VI, 15). Belial ocupa o posto de
Meirinho da corte de *Lúcifer na hierarquia BIBLIOGRAFIA ARAÚJO, Maria Benedita, Superstições Popula-
dos diabos de *Gil Vicente, sendo Lúcifer o res Portuguesas: contribuição para o seu estudo, Lisboa, 1997, p.
Maioral do *Inferno e *Satanás Fidalgo do seu 106; MASSA, Sandra Maria Teixeira, Oração das Belidas, in
Brigantia, v. 17, n. 1-2 (Jan.-Jul. 1997), p. 108
Conselho (Breve Sumário da História de Deus).
O Tratado de Belial procurador de Lúcifer contra BELMIRO TRANSTAGANO
Moisés procurador de Jesus Cristo é citado no Nome arcádico de Belchior Manuel Curvo
processo instaurado (1618) pela *Inquisição de Semedo (1766-1838). Autor de um Madrigal
São Salvador da Baía a *Fernão Mendes, natu- (cf. Almanak das Muzas, parte I, Lisboa,
ral do Porto. 1793, p. 49), onde alude ao grasnar do corvo
BIBLIOGRAFIA Livro das confissões, e reconciliações que se fizerão
como *agouro.
na Visitação do Santo Ofício do Salvador da Baía de Todos os
Santos do Estado do Brasil (11 de Setembro de 1618), in Anais Quando mais terno a Lilia idolatrava,
do Museu Paulista, XVII (1963), p. 356-359; PIMENTA, N’um dia em que o meu gado apascentava,
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BELTAINE
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BÊNÇÃO
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BÊNÇÃO DA BARRA
BENÇÃO DA BARBA
Tomada de hábito monástico, com a concomi-
tante deposição da barba e do cabelo, em sinal
de presente e oblação a Deus (acompanhado
???????????????????????????????????????????????????????????????????? pela leitura ou entoação do denominado Salmo
?????????????? [das barbas] de Aarão: «Ecce quam bonum, et
quam jucundum habitare fratres in unum: si-
«Nem benzam com espada que matou homem cut unguentum in capite, quod descendit in
ou que passasse o Douro e Minho tres vezes» barbam, barbam Aaron […]»).
(Évora, 1534, XXV,1); «Outrossim defende-
mos que nenhuma pessoa benza de enfermida- BENÇÃO DA MALDITA
des a outra qualquer pessoa, nem benza gado, Benção oriunda de Espanha. Muito popular
cães, bichos, nem outra qualquer coisa, nem entre as benzedeiras portuguesas graças à sua
amentem, nem encomendem com superstições alegada eficácia. Em 1637, com muitas detur-
o gado perdido, sem primeiro nos manifestar a pações, foi ensinada a uma mulher parda por
nós ou a nosso Provisor, o modo e as palavras outra da mesma origem: «Jendo-se nuestro se-
de que usam e livro por que as dizem, para que ñor Jesu Christo por un camino encontró con
sendo tudo examinado e visto se há nisso algu- una mujer y le dixo: mujer quien eres que de
ma superstição, lhe seja dada ou negada licença colorado vistes y de colorado calças hasta el ca-
para o fazer» (Porto, 1585, XXI, I); Outrossim vallo en que vas cavallera es colorado: señor oy
defendemos que pessoa alguma não benza cães [i. e., yo] soy la rosa malditta que chupo la san-
ou bichos ou outra qualquer coisa nem use dis- gre, quebranto los huessos y magullo la carne.
so sem primeiramente haver para isso nossa au- Si eres la rosa maldita escomulgada, yo te des-
toridade. E o que fizer o contrário pomos em terro a la mar honda, onde gallo no cantó, ni
ele sentença de maior excomunhão e o have- hombre passó. Señor mio no me desterres a la
mos por condenado em mil reais para a nossa mar honda adonde ni gallo cantó, ni hombre
chancelaria e meirinho» (Lisboa, 1588, XXV); passó sino santiguando, y mentando tu nom-
Mandamos que ninguém neste nosso Bispado bre poniendo los cinquo dedos, y la palma de
benza gente, gado ou outros animais» (Algarve, la mano llana este mal de aqui no sea passado,
1673, V, 8). Bençãos de Jesus nos Evangelhos: y sea desecho como la sal en la agua» [ANTT:
Mateus, VIII, 1-4; Marcos, I, 40-45; Lucas, V, Inq. Lisboa, proc. de Maria Ortega, mulher
12-14. Locuções: Deixa-me benzer com a mão parda, fl. 51-51v].
canha [esquerda] para o diabo não dizer que é
manha (Lisboa); Até me benzi com a mão ca- BENÇÃO DAS SEARAS E CAMPOS
nha, para a direita não ter manha (Penafiel). Consagração simultaneamente ritual e propi-
ciatória da saúde e da fertilidade. Tem origem
BIBLIOGRAFIA ANÓNIMO, Collecção de bençãos ecclesiasticas provável na festa pagã dos Robigalia (ao deus
[...] extrahidas dos pontificais, e rituais romanos antigos, e mo-
dernos e dos authores liturgicos [...], Porto, Antonio Alvarez Ri- Robigo) que ocorria a 25 de Abril. Robigo
beiro, 1797; BRAGANÇA, Joaquim de Oliveira, A benção do preservava os trigais da ferrugem. Em algumas
peregrino nos códices portugueses, in Didaskalia, n. 4 (1974), p. regiões quando alguém inicia um trabalho no
223-228 [BN: R 13600 V]; DIAS, Geraldo J. Amadeu Coe-
lho, Origem medieval do compasso-visita Pascal: a benção das campo benze-se. Em Gáfete as espadanas ben-
casas, in Lusitânia Sacra, s. 2, n. 4 (1992), p. 83-97; HUM zidas na capela de S. Marcos (25 Abril) são co-
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BÊNÇÃO DO GADO
BENÇÃO DO GADO
Segundo alguns autores a benção do gado filia-
-se nos ritos pascais mediévicos (inspirados em
1 Corínteos), segundo outros (caso de Fernando
Castelo-Branco) tratar-se-ia da sobrevivência
do culto de Diana. Muito comum em Portu-
gal, em comunidades de economia pastoril, in-
variavelmente associada à *circum-ambulação
(número impar de voltas ao adro) dos santuá-
rios ou capelas, no dia da festa do respectivo
orago (sempre entidade protectora do gado): ????????????????????????????????????????????????????????????????????
São Mamede de Janas (Sintra), a 15 de Agosto; ??????????????
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(Coimbra), em domingo de Pascoela; São Jorge Luso-Espanhol da Associação Portuguesa para o Progresso das
Ciências, Porto, 1962, p. 257-266; COELHO; Possidónio La-
de Marinha das Ondas (Figueira da Foz), no ranjo, Terras de Odiana: subsídios para a sua História documen-
domingo gordo; Santo Amaro (arredores de tada, v. 1, Coimbra, 1924, p. 322-333; DIAS, Jaime Lopes,
Leiria); São Marcos de Oleiros (Castelo Bran- Etnografia da Beira, v. 3, Lisboa, 1955 (2ª ed.), p. 221 e v. 7,
1948, p. 132; FERREIRA, Fernando Bandeira, Nótula acerca
co); Santo Antão de Teixoso (Castelo Branco),
da Ermida de S. Mamede de Janas, in Revista de Guimarães,
na capela de Nossa Senhora do Carmo; Senho- (1962), p. 5 e 23-28; PEREIRA, Gabriel, Notícias de Carnide,
ra de Pergulho (Castelo Branco), na festa de São in Pelos Subúrbios e Vizinhanças de Lisboa, Lisboa, 1910, p.
Marcos, no dia 25 de Abril; Santa Susana (Cal- 116-117; RIBEIRO, Margarida, Bençãos de gado: subsídios
para o estudo do Catolicismo Popular, in Ethnos, v. 6 (1970)
das da Rainha), em Agosto; São Silvestre de Co- [BN: SC 32720 V]; idem, Benção de gados, in Revista de
vão da Carvalha (Porto de Mós), 31 de Dezem- Etnografia, v. 15, t. 2, n. 30 (Out. 1971), p. 333-341 [BN:
bro; Santo Antão de Moledo (Lourinhã), a 17 SC 34344 V]; ROCHA, Alípio da, Monografia de Valhelhas,
Coimbra, 1962, p. 241; RODRIGUES, A. Vasco, A festa da
de Janeiro, sendo as promessas pagas pela pro- Senhora do Amparo em Felgar, in Mensário das Casas do Povo,
tecção dispensada ao gado, com chouriços, tou- n. 161 (Nov. 1959), p. 18; SARDINHA, António, O Boi de
cinhos e ex-votos com o feitio dos animais, pos- São Marcos, in De Vita et Moribus, Lisboa, 1931, p. 61-62
teriormente leiloados; Nossa Senhora do Caste-
lo de Coruche (Santarém), a 15 de Agosto, le- BENÇÃO DO MAR E EMBARCAÇÕES
vando o gado os chifres guarnecidos de flores e Em algumas comunidades marítimas (Matosi-
chocalhos; São Silvestre do Canal (Santarém), a nhos, Póvoa do Varzim, etc.), quando o mar es-
31 de Dezembro; Santa Brígida (Lumiar, Lis- tá bravo, as famílias dos homens que andam na
boa), a 2 de Fevereiro (extinta), à direita da en- faina lançam azeite (ou uma garrafa cheia dele)
trada da igreja dois homens recebiam esmola à água para abrandarem a tempestade. Em cer-
em trigo ou em dinheiro e vendiam registos, tas localidades, como na Póvoa do Varzim e em
milagres de cera, bois, peitos e muito pavio de Vila do Conde, quando a procissão passa junto
cera amarelo às braçadas para ser enrolado nos ao mar, os andores são voltados para ele de mo-
chifres dos bois, onde é deixado até se estragar do que os santos (Senhora da Lapa e Senhora
(crê-se que livra o gado de moléstias, olhados e da Guia, respectivamente) o abençoem ou as
desastres); São Marcos (Santo António das embarcações dos pescadores (Senhor dos Nave-
Areias, Marvão), a 25 de Abril, sendo costume gantes, em Paço de Arcos). Noutros pontos da
fazer entrar na igreja um boi oferecido por um costa, a benção do mar (Nossa Senhora da
lavrador, o qual é bento pelo padre que se en- *Boa Viagem, na Ericeira) é feita pela autorida-
contra à porta; São Marcos (Póvoa e Meadas, de eclesiástica local, depois de missa com ser-
Castelo de Vide), a 25 de Abril, idêntica à de mão alusivo. Em Lisboa, quando o mar está
Santo António das Areias; Boizinho de São bravo preconiza-se dar um *nó a uma corda
Marcos (Alter do Chão), a 25 de Abril, sendo que se atira à água e segue a reboque do barco.
um novilho obrigado a entrar na igreja por qua-
tro Empresadores (irmãos de São Marcos, pre-
viamente confessados), à voz «Entra Marcos,
em louvor do Senhor São Marcos!»; São Luís da
Aldeia da Conceição (Faro), no primeiro do-
mingo de Setembro, circumambulando as pes-
soas que fizeram promessas bolos com o forma-
to de animais; etc. Vide A Caça, v. 5, p. 50.
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BENTO, SÃO
BIBLIOGRAFIA COELHO, António Matias, Festa de Nossa Se- (sopra em cruz sobre as pessoas e os animais, i.
nhora da Boa Viagem em Constancia: a benção dos barcos e o
abraço dos homens, Constância, Câmara Municipal, 1991
e., realizando movimentos cruciformes com a
[BN: SC 65390 V] cabeça). Em Alijó, os bentos e as bentas diag-
nosticavam cheirando um pedaço de roupa do
BÊNÇÃO DO PÃO doente que tivesse estado em contacto com a
São inúmeras as fórmulas adoptadas para ben- zona do corpo afectada pelo mal (cf. José Leite
zer o pão. Regista-se um responso recitado em de Vasconcelos, Etnografia Portuguesa, v. 3, p. 50).
Folgosinho, enquanto se faz uma cruz (ou três)
sobre o pão já pronto para ser enfornado: «Se- BENTO, SÃO (480-543)
nhor S. Bento / Te acrescente. / Senhor São Festejado a 11 de Fevereiro. São Bento iniciou
João / Faça bom pão, / Nossa Senhora / Te dei- a sua vida espiritual como eremita numa cova
te a sua divina bênção». *Festa dos merendeiros. nas imediações de Subíaco. Anos mais tarde
tornou-se abade de um mosteiro que seguia a
BENDITO regra da Igreja oriental, a qual considerou de-
A propósito da ponte romana de Vila Formosa masiado suave. No ano de 528 fundou a abadia
(Alter do Chão), Félix Alves Pereira alude a do Monte Cassino (Nápoles), que viria a tor-
uma cigana que, para afugentar uma *trovoa- nar-se a casa mãe dos beneditinos. Atributos:
da, entoava um cântico, espécie de bendito (cf. mitra, báculo, livro; cálice com a serpente indi-
O Arqueólogo Português, v. 17, 1912, p. 214). ciadora do veneno que lhe administraram [Er-
nesto Soares: 0341 a 0368, 0371, 05629,
BENTINHO 05647 e 05649]. Advogado contra inflama-
O mesmo que *escapulário. É formado por ções, erisipelas, febres e doenças dos rins, invo-
duas tiras de pano ligadas por uma fita, tendo cado para cortar o *cobro. Protector contra as
numa delas a imagem de um santo. São benzi- centopeias e as formigas (cf. Leite de Vasconce-
dos por pároco aprovado para o efeito e com los, Tradições do povo português). Quando se
benção especial do bispo. Na Regra da Ordem pretende matar um bicho peçonhento diz-se:
de Cristo (1605 ou 1606 ?) estipula-se «que os «São Bento te prenda». Outrora, à porta da
bentinhos se tragam de dia sob o jubão e de igreja de São Bento (actual Assembleia da Re-
noite no corpo». pública), juntavam-se muitos foreiros do con-
vento, na segunda oitava do Espírito Santo, pe-
BENTO dindo pão em enorme algazarra (Cf. Supersti-
O mesmo que *adivinhadeiro(a) e *adivinho ções descobertas, Verdades declaradas e desenganos
(Beira Baixa). Distinto do *benzedor. Homem a toda a gente, Lisboa, 1833, fl. 113). Em
ou mulher (*benta) de virtude, cujo nascimen- Baião, é invocado contra o *mal do vento que
to é predestinado, porquanto falou ou chorou dá nas galinhas, as quais agachando-se para
(soltou vagidos) enquanto no ventre materno. pôr, «põem vento» (i. e., não põem nada). No
A mãe não pode contar a ninguém que o ouviu terreiro pelo qual se acede ao santuário de São
chorar, pois se o fizer, o menino bento perderá Bento da Várzea, perto de Barcelos, acha-se um
a virtude. Também poderá perdê-la se for a tri- nicho, no qual três personagens em tamanho
bunal como parte ou testemunha (Penamacor). natural, figuram a tentação de São Bento: o
Diz-se que os bentos têm uma cruz no céu da diabo mostra uma mulher ao santo em oração.
boca (Abade J. Tavares, Concelho de Moncorvo, Conta-se que um artesão de Barcelos, pertur-
1904), sendo, outrora, temidos e muito respei- bado com o ruído produzido por uma motoci-
tados. Tem o dom de adivinhar, ensinar remé- cleta junto da sua oficina, prometeu ao diabo
dios, fazer defumadouros e *ver em água. Pode cem escudos e um maço de cigarros se ele o li-
reconhecer o seu dom ou virtude em outros. vrasse do incómodo. Logo que a promessa foi
Opera curas, fazendo rezas, bençãos e mesuras feita, o motociclista sofreu um acidente. As
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BENTO DA ASSUNÇÃO
MANUSCRITOS DA REGRA BN: alc. 14 (olim CCCXXIX [séc. BENTO DA PORTA ABERTA, SÃO
XIV]); alc. 44 (olim CCCXXVIII [meados séc. XV]); alc. 73 As oferendas de sal (conjuntamente com os
(olim CCCXXVI [meados séc. XV]); alc. 223 (olim cravos e os ovos, propiciatórios da fertilidade)
CCCXXXI, fl. 1-48 [séc. XVI]: cópia do alc. 73); alc. 231
(olim CCC, fl. 138-170 [séc. XV]); BPMP: 18 Azevedo, fl. são as específicas da romaria de São Bento da
3v-49r [séc. XV (1477): trad. frei João Álvares] Porta Aberta (15 de Agosto), cujo santuário fi-
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BENZEDOR
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BENZEDURA
BERLENGUEIRO
Vento das Berlengas.
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BERRÃO
CHADO, José Pedro, Contemplaçom que fez o santo Sam Ber- raduque com muitas revelações, visões e incom-
nardo segundo as seis oras canonicas do dia, in Boletim de Filo-
logia, tomo 6 (1940), p. 97-157 [BN: CG 4145 V]; Medit-
paráveis favores de Deus.
ações [BN: alc. 211 (olim CCXLIV), fl. 73-90v (séc. XV)] ed.
BIBLIOGRAFIA AZEVEDO, Lúcio de, A Evolução do Sebastia-
MARTINS, Mário, A Biblioteca de Alcobaça e o seu fundo de
nismo, Lisboa, 1947, p. 169-176
livros espirituais: 3º - O Tratado das Meditações e pensamentos
do pseudo-Bernardo, in Estudos de Literatura Medieval, v. 1,
Braga, 1956, p. 266-272 BERRÃO
BIBLIOGRAFIA AAVV, Arte sacra nos antigos coutos de Alcobaça, Escultura zoomórfica figurando javalis ou ja-
Lisboa, 1995, p. 169-199; BARBARICA, frei Francisco, Espe- vardos. Também *verrasco. Do latim verres,
lho Monástico e Catholico, que em discursos moraes, e predicais porco (Leite de Vasconcelos, in Revista Lusita-
sobre os dictames, que para a vida religiosa, e perfeita escreveu o
Mellifluo Dr. S. Bernardo no seu tratado do modo de bem viver,
na, v. 2, p. 116). Nome ainda hoje atribuído
Lisboa, 1751; BORGES, Nelson Correia, O programa icono- pelos transmontanos ao *porco não castrado,
gráfico do coro do Mosteiro de Lorvão, in Actas do Colóquio designadamente a um que é comunitário e ser-
Arte e Arquitectura nas Abadias Cistercienses nos séculos XVI,
XVII e XVIII (23-27 Nov. 1994), Lisboa, 2000, p. 253-290;
ve para a fecundação. Não existe nenhum ou-
COCHERIL, D. Maur, Saint Bernard et le Portugal: a propos tro animal tão representado na imaginária pro-
d’une lettre apocryphe, in Revue d’Histoire Ecclésiastique (1959), to-histórica peninsular. Mais de uma centena
p. 426-477; idem, Études sur le Monachisme [...], p. 269-272;
de esculturas zoomórficas, em granito, foram
idem, Routier des abbayes cisterciennes du Portugal, Paris, 1978,
p. 324-325; GUILLAUME DE SAINT-THIERRY, Vida de encontradas no nordeste do território nacional
São Bernardo (séc. XV) [BN: cod. alc. CCXCI / 200]; MAR- (Trás-os-Montes e Beira Alta), bem como nas
TINS, Mário, A Biblioteca de Alcobaça e o seu fundo de livros regiões espanholas contíguas (Províncias de
espirituais: 5. Vida de S. Bernardo e Espelho de Monges, in Es-
tudos de Literatura Medieval, Braga, 1956, p. 275-278; Ávila, Salamanca, Cáceres, Toledo, Zamora,
MONTEIRO, Manuel, Prodígios de S. Bernardo em azulejos, Segóvia e Burgos), mas também no Minho e
in Portugália, v. 2, n. 2 (1906), p. 272-274; PAIS, Alexandre até em Sagres (Algarve). Em suma, principal-
Nobre / PEREIRA, João Castel-Branco, Iconografia de São
Bernardo na azulejaria portuguesa do século XVIII, in Actas do mente distribuídas pelo território outrora ocu-
Colóquio Arte e Arquitectura nas Abadias Cistercienses nos sécu- pado por Vettones (Astures – Lusitanos e Car-
los XVI, XVII e XVIII (23-27 Nov. 1994), Lisboa, 2000, p. petanos) e em menor grau pelos Vacceos e Tur-
225-232; SHARPE, Lawrence A., The Old portuguese Vida de
Sam Bernardo: edited from Alcobaça manuscript CCXCI-200
[...], Chapel Hill, University of North Carolina, 1971 [BN:
RE 5676 V]; SOBRAL, Luís de Moura, Os ciclos de São Bento
e São Bernardo na capela-mor de Santa Maria de Bouro: sentido
e narratividade, in Actas do Colóquio Arte e Arquitectura nas
Abadias Cistercienses nos séculos XVI, XVII e XVIII (23-27 Nov.
1994), Lisboa, 2000, p. 233-246
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BERRÃO
Guia
AÇOREIRA (Moncorvo): berroinha; ALGOSINHO (Mogadouro); ALMOFALA (Figueira de Castelo
Rodrigo): dois berrões; BRAGANÇA: porca da vila tb. denominada porca do pelourinho; CABANAS DE
BAIXO (Cabeça Boa, Moncorvo): sete berrões; CABEÇO DE NOSSA SENHORA DA ASSUNÇÃO
(Vilas Boas, Vila Flor); CASTELO MENDO (Almeida, Guarda): dois berrões; COELHOSO (Bragança):
adro da igreja; COURACEIRA (Freixo-de-Espada-à-Cinta): sete fragmentos, dois berrões mutilados e dois
focinhos; DUAS IGREJAS (Miranda do Douro): eventual berrão; FAÍLDE (Bragança); FORNOS (Frei-
xo-de-Espada-à-Cinta): porco de granito denominado a «mulher de pedra»; LINHARES (Carrazeda de
Ansiães): porco da Fonte, em mármore (desaparecido); MAIROS (Chaves): dois berrões; MAZOUCO
(Freixo-de-Espada-à-Cinta); MONTE DO CASTELAR (Picote, Miranda do Douro): fragmento;
MONTE DE SANTA LUZIA (Freixo-de-Espada-à-Cinta): quinze berrões; MURÇA (Vila Real): berrão
monumentalizado; PADERNE (Melgaço); PARADA DE INFANÇÕES (Bragança): adro da igreja: PA-
REDES DA BEIRA (S. João da Pesqueira); PICÃO DA RAPOSA (Freixo-de-Espada-à-Cinta): dois frag-
mentos; PICOTE (Miranda do Douro): berrão achado no interior de uma câmara do tipo tholos, em
1952; QUINTA DA RIBEIRA (Tralhariz, Carrazeda de Ansiães); SABROSO (Guimarães): cabeça e fo-
cinho; TORRE DE D. CHAMA (Mirandela): berrão junto ao pelourinho; VILA DE SINOS (Moga-
douro): grande berrão e berrãozinho
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BESANTES
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BESENCLA
BESENCLA
Divindade indígena atestada por uma inscrição
encontrada em Canas de Senhorim (Nelas).
João L. Inês Vaz vê no «radical do nome desta
divindade a origem do nome da cidade
principal da região, Viseu».
BIBLIOGRAFIA VAZ, João L. Inês, A pervivência da teonímia
indígena na toponimia actual da região de Viseu, in Actas do I
Colóquio Arqueológico de Viseu, p. 328
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BESTA
O número 666, valor guemátrico do termo apousia (= ausência do Espírito Santo) e antónimo de cobertura
para a cabeça (= mitra, em Ezequiel, XXI, 25-27) e vinda de Cristo (cujo valor guemátrico, em ambos os
casos, é 2015), ocorre na Bíblia em três circunstâncias distintas, aludindo:
1. Ao número de talentos que Salomão recebia anualmente da Rainha de Sabá (1 Reis, X, 14): «E era o peso
do ouro que se trazia a Salomão a cada ano seiscentos e sessenta e seis talentos [...]»;
2. Ao número dos filhos de Adonicam repatriados do cativeiro babilónico (Esdras, II, 13): «Filhos de
Adonicam: seiscentos e sessenta e seis»;
3. Ao número da Besta que «subiu da terra» (Apocalipse, XIII, 11-18): «E vi subir da terra outra Besta, e ti-
nha dois chifres semelhantes aos de um cordeiro, e falava como o dragão. E exercia todo o poder da pri-
meira Besta na sua presença e fez que a terra e os que nela habitam adorem a primeira Besta, cuja chaga
mortal fora curada. E fez grandes prodígios de maneira que até fogo do céu fez descer à terra, à vista dos
homens. E engana os que habitam na terra com prodígios que lhe foi permitido que fizesse em presença
da Besta, dizendo aos que habitam na terra que fizessem uma imagem à Besta que recebera a ferida da es-
pada e vivia. Foi-lhe concedido que desse espírito à imagem da Besta, para que também a imagem da Besta
falasse e fizesse que fossem mortos todos os que não adorassem a imagem da Besta. E fez que a todos, pe-
quenos e grandes, ricos e pobres, livres e servos, lhes seja posto um sinal na sua mão direita ou nas suas tes-
tas para que ninguém possa comprar ou vender, senão aquele que tiver o sinal, ou o nome da Besta, ou o
número do seu nome. Aqui há sabedoria. Aquele que tem entendimento calcule o número da Besta, por-
que é o número de um homem, e o seu número é: seiscentos e sessenta e seis.»
Por seu turno a expressão O Sinal da Besta, Charagma [Khar’-ag-mah (derivado do verbo charasso =
gravar)] (antítese do Crisma ou Baptismo da Face, marca do Espírito Santo e da sua presença), selo, sinal,
distinto de stigma [estigma, incisão], do verbo stizo = estigmatizar, incidir (Gálatas, VI, 17), ocorre sete
vezes no Apocalipse:
XIII, 16-17: «E fez que a todos, pequenos e grandes, ricos e pobres, livres e servos, lhes seja posto um sinal
na sua mão direita ou nas suas testas para que ninguém possa comprar ou vender, senão aquele que tiver
o sinal, ou o nome da Besta, ou o número do seu nome».
XIV, 9: «E seguiu-os o terceiro anjo, dizendo com grande voz: «Se alguém adorar a besta e a sua imagem, e
receber o seu sinal na sua testa ou na sua mão, [...]».
XV, 2: «E vi um como mar de vidro misturado com fogo e também os que saíram vitoriosos da Besta e da
sua imagem e do seu sinal e do número do seu nome, que estavam junto ao mar de vidro, e tinham as har-
pas de Deus».
XX, 4: «E vi tronos e assentaram-se sobre eles e foi-lhes dado o poder de julgar; e vi as almas daqueles que
foram degolados em virtude do testemunho de Jesus e da palavra de Deus e que não adoraram a Besta,
nem a sua imagem e não receberam o sinal nas suas testas nem nas suas mãos; e viveram e reinaram com
Cristo durante mil anos».
XVI, 2: «E foi o primeiro e derramou a sua taça sobre a terra e fez-se uma chaga má e maligna nos homens
que tinham o sinal da besta e que adoravam a sua imagem».
XIX, 20: «E a besta foi presa e com ela o falso profeta que diante dela fizera os prodígios, com que enganou
os que receberam o sinal da besta e adoram a sua imagem. Estes dois foram lançados vivos no ardente lago
de fogo e de enxofre».
XIV, 11: «E o fumo do seu tormento sobe para todo o sempre; e não têm repouso, nem de dia nem de noite,
os que adoram a Besta e a sua imagem e aquele que receber o sinal do seu nome».
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BESTA
Em três casos distintos há menção na Bíblia de uma marca aposta em alguém, sempre literal e visível:
Ezequiel, IX, 4 e 6: «Deus disse-lhe: ‘Vai pela cidade, atravessa Jerusalém e faz uma marca na fronte dos ho-
mens que gemem e se lamentam por causa das abominações que nela praticam. [...]. Velhos, jovens, vir-
gens, meninos e mulheres, matai-os a todos e exterminai toda a gente; mas não toqueis naqueles que foram
marcados na fronte’. [...]».
Apocalipse, IX, 1-4: «E o quinto anjo tocou a sua trombeta e vi uma estrela que do céu caíu na terra e foi-
-lhe dada a chave do poço do abismo. E abriu o poço do abismo e subiu fumo do poço, como o fumo de
uma grande fornalha e com o fumo do poço escureceu-se o sol e o ar. E do forno vieram gafanhotos sobre
a terra; e foi-lhe dado poder, como o poder que têm os escorpiões da terra. E foi-lhes dito que não fizessem
dano à erva da terra, nem a verdura alguma, nem a árvore alguma, mas somente aos homens que não têm
nas suas testas o sinal de Deus».
Apocalipse, XIII, 16-17: «E fez que a todos, pequenos e grandes, ricos e pobres, livres e servos, lhes seja posto
um sinal na sua mão direita ou nas suas testas para que ninguém possa comprar ou vender, senão aquele
que tiver o sinal, ou o nome da Besta, ou o número do seu nome».
não conhece a aparência mas se diz que possuía ras de Durer, datadas de 1495 a 1500) (Apoca-
dois cornos e rugia como um dragão, encon- lipsus cum figuris, Nuremberga, 1511). Referi-
trando-se ao serviço da outra. No Apocalipse de da na lírica trovadoresca e no Cancioneiro de
Lorvão a besta tem corpo de leopardo, patas de Garcia de Resende. O facto de o texto bíblico
urso e fauces de leão (com sete cabeças e ape- referir que o número da Besta «é o número de
nas sete chifres de carneiro) e patas de ave de um homem» [o homem foi criado no sexto
rapina (fl. 158r-161r). A arte mediévica (fruto dia], originou a atribuição dele a personalida-
do terror perante a invasão mongol) e a franco- des muito diversas, preferencialmente chefes
alemã do renascimento foram obcecadas pela militares e estadistas. Contudo, nem a institui-
Besta (o que também se comprova pelas gravu- ção pontifícia seria poupada, porquanto o no-
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BESTIÁRIO
me da Besta não é aplicável apenas a uma pes- natura, símbolo e alegoria, identifica nos ani-
soa específica, podendo constituir também um mais (e nas mirabilia) e respectivos comporta-
título. António Vieira, rejeita a hermeneutica mentos exemplos (exempla) úteis para a classi-
católica, a qual interpreta a Besta como o *An- ficação ética dos tipos humanos. O primeiro
ticristo, preferindo identificá-la com Maometis bestiário digno desse título denomina-se Phy-
= Islão (cf. Defesa perante o Tribunal do Santo siologus. Redigido em grego (séc. IV), provavel-
Ofício, v. 2, p. 14-15, 256 e 261). No século mente em Alexandria, tornar-se-ia a fonte pri-
XIX, foi Napoleão o candidato mais popular, mordial dos bestiários medievais que fazem a
na centúria seguinte seria Hitler o designado. sua aparição durante o século XII. Além das
*Aleister Crowley, por exemplo, auto-intitu- suas traduções latinas não são conhecidos os es-
lou-se A Besta (Master Therion). Vide o conto tádios intermédios entre os manuscritos sobre-
O Dragão das sete cabeças (in Actas do Congresso viventes do Physiologus (séc. X e XI) e os bestiá-
de Etnografia de Santo Tirso, v. 6, Lisboa, 1965, rios medievais, os quais integram imensas fon-
p. 221-225). Iconografia: capela mor da *igreja tes adicionais, tais como Aristóteles (Historia
de Terena; *Casas Pintadas (Évora); igreja de S. Animalium), Plínio (Historia Natural), Solino
João da Pena (Lisboa); propaganda anti-napo- (Liber Memorabilium), Santo Ambrósio (He-
leónica; etc. *Bicha das sete cabeças, 666 xaemeron), Rábano Mauro (De Universo), Isi-
(*Seiscentos e sessenta e seis). doro de Sevilha (Etimologiae), Hugo de Foliet
(Aviarium ou *Livro das Aves), Bernardo Silves-
BESTA LADRADOR tre (Megacosmos), Bartolomeu Anglicus (De
Na Demanda do Graal portuguesa há uma de- Proprietatibus Rerum), etc. *Criptozoologia,
manda paralela da besta ladrador por parte de *emblemática, *fabulário, *herbário, *hierógli-
alguns cavaleiros, designadamente Ivã, o Bas- fo, *lapidário, *Livro das Aves, *teratologia.
tardo, e mais tarde, Palamedes. Ocorre ao lon-
go de 83 capítulos e institui-se como uma bus- BIBLIOGRAFIA ALEXANDRINO, António, Animais fugindo à
morte, in Tradição, v. 2 (1900), p. 107-109 [contos da tradi-
ca de aniquilação das instâncias infernais incar- ção oral de Brinches]; ANÓNIMO, A lenda cómica e fantás-
nadas na monstruosidade da besta. Trata-se de tica do Diabo, in Ilustração Portuguesa, n. 50 (4 Fev. 1907);
um animal monstruoso, gerado e protegido pe- APARÍCIO, João Paulo / PELÚCIA, Paula, O animal e a Li-
lo próprio *diabo e descrito como um «homem teratura de Viagens: bestiários, in Condicionantes culturais da
Literatura de Viagens, Lisboa, Edições Cosmos, 1999, p. 217-
mais negro que o pez, e seus olhos vermelhos -233; AZEVEDO, Pedro de, Uma versão Portuguesa da Histó-
como as brasas», possuindo também uma «voz ria Natural das Aves do século XIV, in Revista Lusitana, v. 25
muito espantosa, tanto que era maravilha». Ao (1925), p. 128-147; BASTOS, José Gabriel Pereira, A Mulher,
o Leite e a Cobra: ensaio de antropologia pós-racionalista, Lis-
ressurgir do lago faz ouvir os gritos e latidos pe- boa, Edições Rolim, 1988; BLANC DE PORTUGAL, José,
los quais ficou designada: besta ladrador[a]. A Propósito de Música e Caça, in Panorama, s. 4, n. 20 (Dez.
1966), p. 50-54; CAEIRO, Francisco da Gama, Natureza e
BIBLIOGRAFIA CHAMBEL, Pedro Alexandre de Sacadura, A símbolo em Santo António de Lisboa, in Revista da Faculdade de
simbologia dos animais n’A demanda do Santo Graal, Lisboa, Letras de Lisboa, v. 8 (1965); CASTRO, José Acácio, Serpens
1997 (tese mestrado Univ. Nova Lisboa) [BN: HG 43848 V] Aeneus: para um estudo da simbólica natureza em Santo António
de Lisboa, Porto, 1989 [tese de mestrado em Filosofia Medie-
val apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Por-
BESTIÁRIO to) [BN L. 42777 V]; CIRURGIÃO, António, O animal co-
Bestiários são colectâneas de descrições breves mo símbolo, metáfora e símile no «D. Jaime» de Tomás Ribeiro,
de toda a sorte de animais, reais (natura) ou in Arq. Centro Cultural Português, v. 15 (Paris, 1980), p.
235-245 [BN: L 28685 V]; CHAMBEL, Pedro Alexandre de
fantásticos (mirabilia), algumas vezes ilustradas Sacadura, A simbologia dos animais n’A demanda do Santo
e acompanhadas por uma glosa moralizante. Graal, Lisboa, 1997 (tese mestrado Univ. Nova Lisboa) [BN:
Apesar de lidarem com o mundo natural, os HG 43848 V]; COELHO, Joaquim Francisco, Pessoa - via-
bestiários jamais intentaram constituir-se como gem ao bestiário de Alvaro de Campos, in Jornal de Letras, v. 5,
n. 185 (21-27 Jan. 1986), p. 8-9; COMISSÃO ORGANI-
textos científicos, não devendo ser tidos por tal. ZADORA DO MUSEU DE CERÂMICA DAS CALDAS
De facto, a hermenêutica medieval, justapondo DA RAINHA, O animal na louça das Caldas, Caldas da Rai-
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BÉTILO
nha, 1981; CORREA, A. A. Mendes, La Zoogéographie des MAÇÃS, Delmira, Os Animais na Linguagem portuguesa, Lis-
Lusiades, in Actas do XII Congrès International de Zoologie (Lis- boa, Centro de Estudos Filológicos, 1951; idem, Os Animais
boa, 1935), Lisboa, 1937; CORREIA, Virgílio Hipólito, No- na fraseologia Portuguesa e Brasileira, in Rev. Portuguesa de Fi-
tas sobre torêutica orientalizante em Portugal, in O Arqueólogo lologia, v. 15, t. 1 e 2 (Coimbra, 1969), p. 165-176; MARKL,
Português, s. 4, n. 8-10 (1990-1992), p. 247-258; COSTA, Dagoberto, O julgamento das Almas do Museu de Arte Antiga,
Carreiro da, Os animais nalgumas superstições populares micae- in Prelo, n. 1 (Out.-Dez. 1983), p. 85-104; idem, Introdução
lenses, in Comissão Reguladora dos Cereais do Arquipélago dos ao estudo do Inferno do Museu Nacional de Arte Antiga, in Bo-
Açores, n. 18 (1953), p. 119-124; n. 21 (1955), p. 165-168; letim Cultural da Póvoa de Varzim, v. 26, n. 2 (1989), p. 541-
n. 22, p. 165-170; n. 23 (1956), p. 159-163; CRESPO, Fir- -561; idem, O Tríptico das Tentações de Santo Antão de Jeróni-
mino / FRADE, Fernando, Anotações e Comentários sobre o Li- mo Bosch: um ensaio de interpretação iconológica, in Ocidente,
vro das Aves, in Geographica, v. 3, n. 9 (1967), p. 20-39; nova série, v. 84 (Mai. 1973), p. 329-356; MARQUES, Ma-
CRUZ, António, O Livro das Aves: um códice ignorado idêntico ria Graciana, Representações de animais nas moedas com inscri-
ao de Lorvão, in Revista de Ciências Históricas, v. 1 (1986), p. ções pré-latinas, cunhadas na Península Ibérica, e seu significado,
161-174 + fac-símile; FARO, Jorge, Um calígrafo do século in Numismática, n. 47 (Nov.-Dez. 1987); MARTINEZ PE-
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co-latina, Lisboa, 1983, 2 vols. (tese doutoramento Univ. Lis- xo-relevo historiado, in Panorama, s. 4, n. 20 (Dez. 1966), p.
boa); idem, Livro das Aves, in Dicionário da Literatura Medie- 29-40; SOUSA, Elísio de, Crendices populares sobre animais, in
val Galega e Portuguesa, Lisboa, Caminho, 1993, p. 404-405; Douro Litoral, s. 4, v. 9 (Porto, 1952), p. 34-36; TRINDA-
GUINCHO, Maria dos Anjos Brandão Maurício, Aspecto da DE, Manuel, Breves Notas sobre os Bestiários Medievais, in Bol.
recepção de Ovídio na época medieval, Lisboa, 1991 (tese mes- Cultural da Junta Distrital de Lisboa, s. 2, n. 59-60 (1963), p.
trado Univ. Nova Lisboa) [BN: L 46831 V]; HATHERLY, 167-177; VASCONCELOS, J. Leite de, Animais com luzes
Ana, Satanás (não português) de Revisita, in Diário Lisboa nos galhos, in Revista Lusitana, v, 14 (1911), p. 227-237; idem,
(Supl. Literário n. 80, 18 Set. 1969); JALHAY, Eugénio, Un Vozes de animais e relações fónicas do homem com eles, in Portu-
umbral de puerta zoomorfico de la Citania de Sanfins, in Cróni- cale, v. 7 (1934), p. 3-11; VILHENA, Maria da Conceição,
ca del IV Congreso Arqueológico del Sudeste Español (Elche, Bestiário nemesiano, in Arquipélago (Línguas e Literaturas), v.
1948), Cartagena, 1949, p. 300-302; JUNQUEIRO, Arron- 10 (Ponta Delgada, 1988), p. 233-247
ches, Questionário sobre as crenças relativas aos animais, in Tra-
dição, v. 2 (1900), p. 175; LOPES, Esmeralda, O bestiário na
poesia de Alexandre O’Neill, Lisboa, 1997 (tese mestrado Lite- BÉTILO
ratura Portuguesa, Univ. de Lisboa); LOPES, Isabel Maria dos Também aerólito. Os bétilos de calcário, ci-
Anjos, A simbologia da natureza e do animal na prosa de Wolf- líndricos, rombóides, hiperbolóides, tronco-
gang Borchert, Lisboa, 1996 (tese de mestrado Univ. Nova Lis-
boa) [BN: L 55109 V]; LOPEZ MONTEAGUDO, G., Es- cónicos, fálicos, etc., são figurações da Gran-
culturas zoomorfas celtas de la Península Ibérica, Madrid, 1989; de-deusa calcolítica. *Astarte, *Baal, *ídolo-
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BEZOAR
BEXIGA BEZERRINHA
Contra a retenção da urina, é receitada, na Ma- O *Santo Ofício registou diversas denúncias
deira, uma infusão de uma colher das de sopa de testemunhas que referiram ter visto, em
de linhaça (Linum uzitatissimum) que deve fer- distintas circunstâncias uma «bezerrinha de
ver em meio litro de água e ser bebida depois prata» ou «uma toura muito formosa», algu-
de fria. Outras receitas: chá de folhas de espi- mas vezes associada pelos informadores a prá-
nheiro (Lycium europeum); infusão de hiperi- ticas judaizantes dos seus possuidores. Seria
cão (Hipericum perforatum ou Hipericum hu- esta bezerrinha, que se tornou indício de ju-
mifusum); infusão das folhas e das flores da ar- daísmo, uma forma metonímica de referir a
temisia (Chrysanthemum parthenium) ou do Tora, i. e., a Lei mosaica?
pedúnculo da cereja (Prunus avium), das folhas
e raízes de morangueiro (Fragaria vesca), das fo- BEZERRO
lhas de pessegueiro inglês (Lippia citriodora) e Pelo *São Marcos, um bezerro é levado pelos
da sempre-noiva (Polygonum tuberosum); tam- mordomos à igreja de Alter do Chão, vindo o
bém comer agrião (Nasturtium officinale), raí- pároco recebê-lo à porta com o hissope, dizen-
zes de aipo (Apium graveolens), alho (Allium do: «Entra Marcos! Entra Marcos!» (cf. Leite de
sativum) ou pipinelas (Sechium edule) cozidas. Vasconcelos, Tradições do povo português, p.
178). Nos Açores ainda se celebra pelo Pente-
BEXIGAS costes a festa do bezerro (cf. Revista Lusitana, v.
Na Madeira, é a designação para a varíola. Tra- 23, p. 86 e Vitorino Nemésio, Mau Tempo no
tam-se esfregando o corpo do doente com su- Canal, p. 214): coberto de fitas, com uma rosa
mo de limão (citrus limonium). Em Alenquer, de papel entre os chocalhos, é levado em corte-
chama-se madre das bexigas ao sinal maior, e jo, acompanhado por música e foguetório, até
tem-se *São Roque por advogado delas. Qua- à porta do *imperador, onde é obrigado a ajoe-
dra (Mexilhoeira Grande, Portimão): «Tu cui- lhar. Depois será abatido para as suas carnes se-
das que eu por ti morro, / Por ti estrago os rem consumidas durante o bodo.
meus sapatos: / Tu tens cara de faneca, / Toda
ratada dos ratos». BEZOAR
O mesmo que *bezar ou *bezoar.
BEXIGAS DE CARNEIRO
*Gafeira ou *morrinha.
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