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RESUMO
O trabalho aborda a função da
UM SUJEITO À
imagem do semelhante para os
falantes e sua relação com o cor-
PROCURA DA
po. Partindo do ensino de Jacques
Lacan sobre o estádio do espe-
IMAGEM – O CASO
lho e as psicoses, discute-se a su-
plência do imaginário ao simbó-
MLLE. B.
lico e as conseqüências do malogro
da imagem em compensar a fa-
lha simbólica. Os impasses sub-
jetivos resultantes do fracasso das
identificações em se aglutinarem
num eu são discutidos em torno
Cristina Frederico
do caso Mlle B., paciente entre- Angélica Bastos
vistada por Lacan em uma apre-
sentação de doentes. Com base
no caso, a noção de doença da
mentalidade é cotejada com as
psicoses.
Descritores: imagem; suplên-
cia; psicose; corpo; doença da Introdução
mentalidade.
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Viveu um tempo com ele: “era mes- você gosta muito?”. Mlle B. respon-
mo uma coisinha sem importância” de: “É da sua irmãzinha que eu gos-
(p. 15). Vivia com ele em hotéis, sem tava muito, em seguida, eu a preferi,
dinheiro, até serem expulsos pela pro- parecia que nós éramos parecidas, mas
prietária. Algum tempo depois, o pai ela certamente não se parecia comi-
de seu filho é preso por “desvio de go, o que eu procurava na minha idéia,
fundos de caixa”. Justamente ao abor- é ser parecida com alguém, é a condi-
dar sua relação com o pai de seu fi- ção de vida, é por isso que eu tomo a
lho, Lacan surpreende Mlle. B. com a vida deles” (Lacan, 1993, p. 20).
sua gentileza: chama-a de “minha ga- Diz gostar de viver “suspensa
rotinha” quando ela esperava ser cha- como uma roupa, se eu fosse anôni-
mada de “safada ou de puta” (p.15). ma, eu poderia escolher a roupa na
A partir daí, Mlle. B. fala de cartas de qual estou pensando, eu vestiria as
amor escritas para um rapaz e revela, pessoas ao meu modo, eu sou um
por conta disso, ter “imitado” uma pouco um teatro de marionetes”
prostituta. (Lacan, 1993, p. 22). Em outra oca-
Em diversos pontos da entrevis- sião, descreve o suposto roubo de seu
ta, Mlle. B. descreve os personagens xale por uma mulher e diz: “ela toma-
que imita ou com os quais tenta se va minha identidade” (Lacan, 1993,
identificar, sem, no entanto, deter-se p.28). Com o roubo do xale, esse ob-
em nenhuma identificação estável. Diz jeto que lhe pertence, leva-se também
ter se identificado a uma pessoa que a sua “identidade”. Aqui objeto e ima-
não se parecia com ela: “várias pesso- gem parecem não estar distintos, di-
as que não se parecem comigo. Ao ferenciados, pois com o roubo do
menos uma que eu conheço” (Lacan, xale/objeto vai-se embora também a
1993, p.13). Destacamos uma amiga “identidade” /imagem.
de infância que, talvez, tenha servido
de esboço de um eu ideal: conta ter
conhecido Marie-Aline F. aos seis ou A vestimenta
sete anos: “nós éramos um grupo de
meninas... Eu a desenhava toda bela,
por sua vez ela me desenhava toda Segundo Lacan (1993), Mlle. B.
feiosa... Eu sofria um pouco. São lem- não tem a menor idéia do corpo que
branças de amor, eu penso, as primei- possui para colocar sob as vestes, pois
ras decepções de amor” (Lacan, 1993, “não há ninguém para habitar a vesti-
p.13). menta. Ela é este pano. Ela ilustra o
Mais tarde volta a falar em Marie- que eu chamo de semblante... Seria
Aline F. Lacan pergunta se não era a reconfortante que isto fosse uma
ela que Mlle. B. havia se referido an- doença mental típica. Seria antes me-
teriormente, e pergunta: “É dela que lhor que alguém pudesse habitar a
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verdadeira doente, mas também não tir de algumas indicações. Reitera, com
é uma falsa doente, exatamente como isto, a importância da referência ao
ela mesma se refere. Outro para se pensar a categoria do
Vimos que Mlle. B. não se fixa eu. Das doenças da mentalidade fa-
em ninguém e também em nenhuma riam parte aqueles para os quais a di-
doença. Com a teoria do narcisismo, mensão do Outro está em déficit. O
Freud (1914/1980) afirma que a pa- Outro na doença da mentalidade e na
ranóia e a esquizofrenia sofrem retra- esquizofrenia está em déficit em rela-
ção da libido objetal, diferenciando- ção ao Outro constituído na paranóia,
as no ponto de fixação. Na paranóia um Outro sem falta que o paranóico
há uma perda do interesse libidinal, sintetiza em sua tentativa de cura. Mas,
seguida de uma regressão ao narcisis- à diferença do esquizofrênico, o do-
mo. Já na esquizofrenia, a retirada da ente da mentalidade não sofre do re-
libido do mundo externo é mais radi- torno de gozo no corpo, tão presente
cal e situa-se no auto-erotismo. Pode- nos primeiros. E, por isso, trata-se de
mos, então, dizer que a libido de Mlle. sujeitos que se “sustentam na eman-
B. não se fixa em nenhum ponto? Que cipação imaginária, na reversibilidade
não há nenhum caminho traçado para a-a’, desvario por não se estar subme-
a sua libido? tido à escansão simbólica” (p. 148),
Mesmo que ela não consiga se seres de “puro semblante”, referidos
fixar em um ponto, ou que ela não a um “imaginário desvairado sem eu”
encontre nenhum traçado para a libi- (p. 147).
do, podemos observar em sua entre- Já a personalidade forte, segun-
vista que é pela relação dual, especu- do Miller, é encontrada do lado da
lar, que Mlle. B. minimamente se guia. paranóia2. Ao esclarecer as doenças do
Esse é o eixo que a fisga de alguma Outro, refere-se aos que conseguem
maneira, é por aí que ela tenta cons- minimamente designar-se diante do
truir suas relações, como a tentativa Outro, mesmo que seja em um lugar
de se parecer com a sua amiga de in- de dejeto diante de um Outro absolu-
fância, questão vital para ela. Vale re- to, não afetado pela falta. A ligação
tomar a sua fala em relação à amiga: ao Outro, neste último caso, é marcada
“Eu havia me identificado a uma pes- pela certeza, como é o caso dos para-
soa que não se parece comigo” (p. 12). nóicos. Podemos inferir daí a estreita
É por esta via imaginária que ela ten- dependência do estatuto do Outro
ta sustentar a imagem de seu corpo, para que as identificações se precipi-
pura vestimenta. tem no “eu”.
Ao comentar as observações de Vimos com Mlle. B. a impossibi-
Lacan sobre o caso Mlle. B., Miller lidade de se produzir ao menos um
(1996) distingue as doenças da men- enganchamento ao semelhante, solu-
talidade das doenças do Outro a par- ção pela via do imaginário, na tentati-
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Conclusão
ABSTRACT
This paper focus on the function of the analogous image to the speakers and its relationship
with the body. From the teaching of Jacques Lacan’s essay about the mirror stage and the
psychosis, the imaginary supplying to the symbolic and the consequences of the image failure in
compensating the symbolic fault are discussed. The subjective impasses resulting from the fact
that identifications fail to agglutinate into a self are discussed around the case of Mlle B., a
patient who was interviewed by Lacan during a case presentation. Based on this case, the notion
of mentality disease is confronted with the psychosis.
Index terms: image; surrogates; body; psychosis; mentality disease.
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