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Impactos do coronavírus nas

relações de trabalho
HENRIQUE CORREIA
Procurador do Trabalho

Professor de Direito do Trabalho do Curso Aprovação PGE. Autor e Coordenador de


diversos livros para concursos públicos pela Editora Juspodivm.

1. Pandemia do coronavírus
De acordo com informações do site do Ministério da Saúde, o novo agente do
coronavírus foi descoberto em 31/12/19 após casos registrados na China e é
responsável pela doença chamada de coronavírus (COVID-19). Com a
declaração de pandemia pela Organização Mundial de Saúde (OMS), surgem
diversas questões atinentes às medidas de contenção e tratamento da doença,
que trazem consequências para as relações de trabalho.
Neste artigo, serão abordadas algumas medidas que poderão ser adotadas
pelos empregadores na contenção da doença. É importante destacar que o
presente trabalho não pretende esgotar as discussões sobre o assunto, tendo
como parâmetro informar as partes da relação de emprego e fomentar as
discussões sobre o tema.

2. Trabalho em “homeoffice” e teletrabalho


A primeira dúvida das empresas e dos trabalhadores é a possibilidade de
trabalho em domicílio. De nossa opinião, a empresa pode determinar, desde
que seja tecnicamente viável, o trabalho realizado na modalidade “homeoffice”.
Nesse caso, a alteração do local de trabalho ocorre em razão de força maior
(pandemia) que justifica a adoção da medida. O trabalhador em “homeoffice”
mantém todos os direitos trabalhistas, inclusive no tocante à limitação da
jornada de trabalho, intervalos e períodos de descanso.
Diante da urgência das medidas de contenção, entendo que as modificações
podem ser realizadas imediatamente, bastando a comunicação aos
empregados afetados.
Outro questionamento diz respeito à possibilidade de implementação do
teletrabalho, que corresponde ao regime de contratação regulamentado pela
Reforma Trabalhista nos art. 75-A a 75-E da CLT. No teletrabalho, o
empregado deixa de se submeter às regras atinentes à limitação da jornada de
trabalho, não tendo direito a horas extras, intervalos e demais períodos de
descaso. De acordo com o art. 75-C, § 1º da CLT, a alteração do regime
presencial para teletrabalho exige o acordo bilateral entre empregado e

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empregador. Além disso, a legislação exige o prazo mínimo de 15 dias de


transição. Diante da gravidade da situação, entendo que esse prazo pode ser
desconsiderado para fins de saúde e segurança no trabalho.
Entretanto, como a medida pode trazer prejuízos ao trabalhador pela ausência
de limitação da jornada de trabalho, deve permanecer a exigência para a
realização de acordo individual escrito entre empresa e empregado autorizando
a instituição do teletrabalho.

3. Adoção de quarentena e isolamento pelo Poder Público


Com o avanço da doença e diante de medidas já adotadas por outros países,
surge a dúvida sobre as consequências para as relações de trabalho da
determinação de quarentena ou isolamento pelos gestores de saúde.
No dia 06/02/2020, foi promulgada a Lei nº 13.979/2020, que dispõe sobre as
medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância
internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019.
De acordo com a legislação e desde que autorizado ou determinado pelo
Ministério da Saúde, é possível a adoção de medidas de isolamento e
quarentena pelos gestores de saúde:
Art. 3º da Lei nº 13.979/2019: Para enfrentamento da emergência de saúde
pública de importância internacional decorrente do coronavírus, poderão ser
adotadas, entre outras, as seguintes medidas:
I - isolamento;
II - quarentena;
De acordo com o art. 3º, § 3º dessa lei, a ausência do empregado no trabalho
pela quarentena será considerada falta justificada ao trabalho. Nesse caso, o
empregado receberá a remuneração normalmente, configurando hipótese de
interrupção do contrato de trabalho. Cabe, portanto, ao empregador o
pagamento dos salários.

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Vale destacar que, se ultrapassados 30 dias de licença remunerada, o


empregado perde o direito de férias (art. 133, II, da CLT), iniciando novo
período aquisitivo com o retorno ao trabalho. Além disso, há a necessidade do
pagamento do adicional de 1/3 ao trabalhador.

4. Proteção do meio ambiente de trabalho e afastamento do trabalhador


com COVID-19
É dever das empresas manter o meio ambiente de trabalho sadio. Dessa
forma, os empregadores devem orientar os empregados em boas práticas de
higiene e saúde diante do coronavírus para evitar a disseminação da doença.
Nesse sentido, devem ser transmitidas aos empregados ordens, conforme
orientações da OMS, para lavar as mãos com água e sabão ou passar álcool
gel, evitando o contato com as mucosas, cobrir boca e nariz ao espirrar ou
tossir, dentre outras.
Caso o empregado descumpra as determinações, seria possível a aplicação de
sanções e, a depender da gravidade, podendo transmitir a doença aos demais
empregados, incidir hipótese de justa causa.
Como devem proceder as empresas se o empregado estiver com suspeita de
coronavírus ou com a doença desenvolvida sem que haja determinação de
quarentena?
Nesse caso, o empregado será afastado de suas atividades nas mesmas
hipóteses de afastamento por licenças de saúde. O empregado apresenta o
atestado médico à empresa e deve ser afastado do trabalho. Os primeiros
quinze dias de afastamento devem ser pagos pela empresa e, a partir do 16º
dia, o valor é pago pelo INSS como auxílio-doença.

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5. Concessão de férias aos empregados


Como medida para evitar a contaminação, as empresas podem conceder férias
individuais ou coletivas aos trabalhadores.
As férias coletivas podem ser determinadas a todos os empregados ou a
trabalhadores de determinados estabelecimentos ou setores da empresa nos
termos do art. 139 da CLT. Nesse caso, o § 2º do art. 139 exige a comunicação
prévia de 15 dias ao Ministério da Economia e ao sindicato da categoria
profissional. Entendo que, diante da configuração de força maior, o prazo
poderá ser dispensado como medida de higiene, saúde e segurança do
trabalho.
Além disso, é possível, ainda, a concessão de férias individuais aos
empregados que tenham completada período aquisitivo. Nesse caso, a
legislação exige a comunicação prévia ao empregado com antecedência de,
pelo menos, 30 dias. Entendo que, em razão de força maior para conter a
pandemia, a comunicação prévia pode ser dispensada. É importante destacar
que as férias são concedidas a critério da empresa sempre de acordo com
seus interesses.
Por fim, ainda que ausente previsão de adiantamento de férias na legislação,
entendo que há possibilidade de concessão de férias proporcionais em razão
das medidas de prevenção à transmissão do coronavírus.

6. Opções para as empresas adotarem se o empregado não tiver tempo


suficiente para o gozo de férias
A depender da situação, entendo que a empresa poderá adotar duas medidas:
- Compensação de jornada e banco de horas: Por acordo individual com os
trabalhadores ou mediante negociação coletiva, as empresas podem firmar
compensação de jornada e banco de horas nos termos do art. 59 da CLT para
que os trabalhadores possam compensar eventuais horas extras realizadas
com descansos durante a pandemia. Nessa hipótese, o trabalhador
descansará as horas extras já realizadas.

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- Recuperação de horas: É válido mencionar ainda a possibilidade de adoção


de recuperação de horas prevista no art. 61 da CLT em razão de força maior.
Ocorrerá a prestação de serviços além do horário normal, para recuperação de
horas, em razão da paralisação da empresa resultante de causas acidentais ou
de força maior. Nesse caso específico, a prestação de horas extras será de, no
máximo, 2 horas diárias, durante os dias indispensáveis à recuperação do
tempo perdido. Durante esse período, é devido valor da hora normal acrescido
de adicional de 50%, não se confundindo com compensação de jornada. Esse
período não poderá ser superior a 45 dias por ano. Não há necessidade de
prévio acordo ou convenção coletiva. De acordo com o art. 61, § 3º, da CLT, há
necessidade de prévia autorização do Ministério da Economia.

7. A opção dos sindicatos


Tendo em vista o poder conferido os sindicatos para estabelecer condições de
trabalho aos empregados representados (art. 611-A da CLT), entendo que a
negociação entre as empresas e os sindicatos dos empregados é fundamental
para negociações atinentes à compensação de jornada, banco de horas,
remuneração dos trabalhadores durante os períodos de quarentena e medidas
de proteção aos trabalhadores.

8. A infecção por coronavírus durante a prestação dos serviços configura


acidente de trabalho?
A infecção por profissionais da saúde configura acidente de trabalho
equiparado na condição de doenças ocupacionais nos termos do art. 20 da Lei
nº 8.213/1991. No entanto, em outras áreas, se a eventual infecção não
decorrer diretamente da atividade desenvolvida, entendo que não há
configuração de acidente de trabalho por equiparação.

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9. A situação dos empregados domésticos


Os empregados domésticos não têm a opção de realizar o trabalho à distância
(“homeoffice”) e estão sujeitos à contaminação por coronavírus no caso de a
família a qual presta os serviços ter se contaminado. Surgem, portanto, dúvidas
sobre quais medidas podem ser adotadas para a proteção desses
trabalhadores.
Para aqueles que completaram o período aquisitivo, é possível a concessão de
férias individuais, sendo permitida a dispensa da comunicação prévia de 30
dias diante da urgência em adotar medidas de combate à pandemia. Além
disso, os empregados domésticos que contam com banco de horas, poderão
utilizar esse banco de horas em acordo com seu empregador para descansar
no período mais intenso da pandemia.
Entendo que, durante esse período, devem ser evitar as dispensas desses
trabalhadores, pois é indispensável a solidariedade no enfrentamento da crise.

10. Redução de jornada e salário por instrumento coletivo e por acordo


individual
De acordo com o art. 7º da Constituição Federal, a redução da jornada de
trabalho e dos salários depende de prévia negociação coletiva com o sindicato.
Além disso, o art. 611-A, § 3º da CLT estabelece que, se houver previsão em
acordo ou convenção coletiva de redução de salário, deve ser assegurada
estabilidade no empregado até o fim da vigência desse instrumento coletivo.
Diante da pandemia de coronavírus, o governo anunciou que encaminhará
Medida Provisória que prevê a possibilidade de as empresas cortarem os
salários e a jornada pela metade durante a pandemia1. Para a adoção dessas
medidas de “lay off”, será exigido o acordo individual com o trabalhador. De
toda forma, deverá ser assegurado o salário mínimo hora do empregado.

1
Fonte: https://economia.uol.com.br/noticias/reuters/2020/03/18/governo-quer-permitir-reducao-de-
salario-e-jornada-de-trabalho-em-ate-50-por-virus.htm

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Entendo que essa medida provisória terá sua constitucionalidade questionada


por violar expressa previsão constitucional que veda a redução de jornada e
salário de forma individual pelos empregados. No entanto, diante da situação
peculiar que enfrentamos, é necessário aguardar o posicionamento dos
tribunais sobre o tema.
Além disso, serão previstas regras que facilitam o trabalho remoto, a
antecipação de férias e de feriados e a decretação de férias coletivas.
Por fim, foi anunciado também que o governo federal destinará R$ 15 bilhões
em benefícios de até R$ 200,00 por mês para os trabalhadores informais e
autônomos por 3 meses. Para a adoção da medida, o governo espera a
decretação do estado de calamidade pública, que autorizará o não
cumprimento do teto de gastos públicos.

11. Razoabilidade e bom-senso no enfrentando da pandemia


A adoção de medidas de higiene pela população também deve ser aplicada no
âmbito das relações de trabalho, com determinação para lavar as mãos com
água e sabão ou use álcool em gel, cobrir o nariz e boca ao espirrar ou tossir,
evitar aglomerações e o trabalho se estiver doente, manter os ambientes bem
ventilados e não compartilhar objetos pessoais.
O ideal seria que o Estado interviesse para resguardar os empregados da
iniciativa privada contra os efeitos da pandemia. No dia 16/03/2020, o Governo
Federal anunciou a antecipação do abono salarial e da segunda parcela do 13º
salário do INSS, além da ampliação de beneficiários do Bolsa Família. Medidas
que auxiliam na preservação dos empregos também podem ser adotadas pelo
Estado para mitigar os impactos do Coronavírus.
Por fim, as empresas, empregados e os profissionais do direito devem se
pautar pela razoabilidade nas ações adotadas diante do enfrentamento do
coronavírus de modo a proporcionar a melhor solução e que tragam menos
impactos à saúde da população.

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