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MÁQUINAS E PROCESSOS DE TRANSFORMAÇÃO

DE ENERGIA TÉRMICA

JOSÉ ROBERTO SIMÕES MOREIRA


MARCOS DE MATTOS PIMENTA
Laboratório de Sistemas Energéticos Alternativos (SISEA)
Departamento de Engenharia Mecânica da Escola Politécnica da USP

A sociedade moderna consome grande quantidade de energia útil. Consequentemente, há necessidade de um


fornecimento contínuo de energia para atender a essa crescente demanda. Os engenheiros e pessoas envolvidas no
processo de decisão das políticas energéticas devem considerar alguns fatores antes de decidir por um ou outro
modo de obtenção dessa energia útil, considerando a disponibilidade e abundância das fontes energéticas.
Dentre as fontes de energia podem ser citadas a energia química armazenada em moléculas de carvão, madeira,
óleo, gás natural, biomassa; a energia nuclear, bem como a energia potencial das águas, dos ventos e das ondas,
entre outras, como bem discutído no Capítulo 1. A radiação solar também consiste em outra fonte, tanto para
conversão direta em energia elétrica, como para aquecimento. Evidentemente, a escolha vai se basear na
disponibilidade de tal fonte, nos custos envolvidos em sua exploração e na política ambiental vigente. Aqui são
considerados somente os ciclos térmicos que usam calor como forma de energia primária.

3.1 Ciclo térmico de Carnot


Em virtude da Segunda Lei da Termodinâmica apresentada na Seção 2.6 do Capítulo 2, os ciclos de potência de
produção de trabalho mecânico útil devem ter parte do calor fornecido por um reservatório térmico de alta
temperatura para a execução do ciclo rejeitado para o meio ambiente. Em geral, a rejeição do calor se dá para um
corpo de água como rios, lagos, e o próprio mar, bem como a atmosfera, lembrando que o rejeito de calor para esses
meios, chamados de reservatórios térmicos de baixa temperatura, constitui o que chamamos de poluição térmica dos
mesmos. Evidentemente, as considerações ambientais atuais estão cada vez mais exigentes com relação ao que fazer
com os rejeitos térmicos.
Uma contínua obtenção de energia útil do tipo elétrica, por exemplo, pode ser obtida pela transformação cíclica
de calor em trabalho. Nesse caso, a máquina de transformação de calor em trabalho útil (e energia elétrica) é
chamada de máquina térmica. Muitas máquinas térmicas operam segundo um ciclo termodinâmico e são
dependentes de:
• fonte ou reservatório térmico de fornecimento de calor de alta temperatura, TH;
• absorvedouro ou reservatório térmico de rejeição de calor de baixa temperatura, TL;
• da própria máquina de conversão de calor em trabalho útil ou líquido, Wlíq.

Figura 3.1 Máquina térmica genérica de conversão de energia térmica em trabalho de forma cíclica.

No caso da produção de energia elétrica, há ainda necessidade de um conversor de trabalho mecânico em


energia elétrica, que é o gerador elétrico. Esses elementos estão ilustrados na Figura 3.1.
As máquinas térmicas operam em ciclos e envolvem interações de trabalho e calor, além de ter diferentes graus
de complexidade. As trocas mecânicas dependem do projeto de passagens para o fluido e sua movimentação, e as
forças envolvidas dependerão do escoamento e de suas características. As trocas térmicas dependem do escoamento
e das diferenças de temperatura. O escoamento sempre dependerá do número de Reynolds (velocidade de
escoamento do fluido), da transição para a turbulência e da turbulência, separação, geometria, etc. O escoamento é
função também da forma das passagens e de outras características. Desse ponto em diante, depende diretamente da
máquina e de seu projeto. A comparação entre máquinas exige similitude entre elas e também semelhança de
escoamento.
O transporte de energia entre os reservatórios térmicos e a máquina térmica deve ser feito por meio de um fluido
de trabalho. O fluido mais comum nas centrais termelétricas e centrais nucleares é a água. Presentemente, outros
fluidos de trabalho têm sido empregados em pequenas instalações nos chamados ciclos orgânicos de Rankine (Seção
3.2.6). Em algumas situações especiais, metais líquidos podem ser usados em alguns tipos de usinas nucleares e em
algumas termelétricas. Em outros tipos de usinas nucleares emprega-se o gás hélio.
Como a conversão de energia térmica em trabalho ocorre de forma contínua, geralmente os ciclos de conversão
são também chamados de ciclos de potência (potência refere-se à taxa de conversão de energia na unidade de tempo,
ou seja, joules/s ou watts). O ciclo de potência em que o fluido muda de fase (evaporação e condensação) é
chamado de ciclo a vapor de potência. No caso em que o fluido de trabalho permanece na fase gasosa, o ciclo
recebe o nome de ciclo a gás de potência.
Finalmente, a seleção por um tipo específico de ciclo vai depender de uma série de fatores, entre os quais: as
temperaturas e pressões envolvidas; os reservatórios térmicos e suas respectivas temperaturas disponíveis; as
potências requeridas e os custos de implantação, manutenção e de operação envolvidos. Evidentemente, há
necessidade de uma análise termoeconômica para cada caso em particular, antes que se decida por um ou outro tipo
de ciclo.
A seguir são apresentados alguns ciclos de potência normalmente usados. Porém, em primeiro lugar,
revisaremos o ciclo térmico de Carnot, que é a base teórica para a análise dos ciclos térmicos.
3.1.1 Ciclo de Carnot
Suponha que, por um processo qualquer de combustão (fissão ou fusão nuclear, ou outro meio de aquecimento),
energia térmica seja liberada e fique disponível para ser usada a certa temperatura elevada, TH. Suponha também que
exista um reservatório térmico de baixa temperatura TL para o qual o calor possa ser rejeitado. A pergunta que
naturalmente ocorre é: “Qual é a máxima conversão possível do calor disponível àquela alta temperatura TH em
trabalho útil? Claro, considerando também que a rejeição de calor se dá à temperatura TL.” Colocada essa questão de
forma alternativa, deseja-se saber qual deve ser a máxima eficiência térmica teórica do ciclo. Para responder a essa
pergunta, primeiramente considere outra vez a Figura 3.1 e a definição de eficiência térmica.
Pela Primeira Lei da Termodinâmica (Seção 2.5), sabe-se que o trabalho útil líquido do ciclo (Figura 3.1) é igual
à diferença entre os calores fornecido, QH, e rejeitado, QL, ou, em termos matemáticos,

É útil que as grandezas também sejam definidas em termos de taxa temporal. Para tanto, um “ponto” será usado
sobre a grandeza, de forma que a Equação (3.1) possa ser reescrita, agora em termos de taxa temporal, como:

em que:

líq = potência líquida de eixo, em watts, disponível na máquina térmica para acionamento de, por exemplo, um
gerador elétrico ou o acionamento do eixo de outra máquina;
H = fluxo de calor proveniente do reservatório térmico de alta temperatura em watts;

L = fluxo de calor rejeitado para o reservatório térmico de baixa temperatura em watts.


Define-se rendimento ou eficiência térmica ηT como a razão entre “o efeito desejado e o valor pago para
produzir esse efeito”. No presente caso, trata-se, portanto, da razão entre a potência líquida e o fluxo de calor
fornecido (já com o emprego da Eq. 3.2), ou seja:

Para o ciclo de Carnot, ainda é possível mostrar que a razão entre os fluxos de calor que aparece na Equação
(3.3) é dada pela razão entre as temperaturas absolutas dos reservatórios térmicos, TL e TH, ou seja:

Essa é a eficiência térmica de Carnot, ηC. Essa equação tem consequências muito relevantes. Em primeiro
lugar, informa que a eficiência térmica máxima teórica está associada tão somente com a razão entre as temperaturas
dos reservatórios térmicos. Em segundo lugar, a única possibilidade de ter uma máquina térmica com eficiência de
100 % é que a máquina rejeite o calor para um reservatório que esteja a zero absoluto (TL = 0 K). Tal reservatório
não existe naturalmente no planeta Terra, de forma que somente máquinas com menos de 100 % de eficiência
térmica de conversão de calor em trabalho podem ser construídas (no entanto, no espaço existe a possibilidade
teórica de se obterem máquinas com eficiências térmicas bem maiores, visto que é possível usar o espaço como
reservatório térmico de baixa temperatura cuja temperatura equivalente é da ordem de alguns kelvins). Em geral, os
reservatórios térmicos naturais (rios, lagos, mar e a atmosfera) têm uma temperatura em torno de 260 a 320 K,
variáveis ao longo do ano. Para efeitos ilustrativos, pode-se assumir um valor de 300 K. Dessa forma, a eficiência
térmica de Carnot agora só é limitada pela temperatura do reservatório de temperatura mais elevada (fonte de calor à
temperatura TH), como dado pela Equação (3.4). O gráfico da Figura 3.2 ilustra a eficiência térmica como função da
temperatura TH para TL = 300 K. Evidentemente, se a temperatura da fonte quente fosse infinitamente elevada, a
eficiência também seria máxima.
Exemplificando, suponha que se possa atribuir uma temperatura de 600 °C para dado processo de combustão.
Qual é a máxima eficiência térmica possível para um ciclo térmico que opere entre essa temperatura e o meio
ambiente (300 K)?

Resolução:

Figura 3.2 Eficiência térmica do ciclo de Carnot para TL = 300 K.

O ciclo de Carnot é um ciclo idealizado que assume que não há nenhuma perda de energia útil nos processos de
conversão, ou seja, que são processos reversíveis. Atrito, trocas de calor com diferenças finitas de temperaturas,
expansões não resistidas e expansões não adiabáticas são formas de perdas que dão origem a irreversibilidades no
ciclo, efeitos altamente indesejáveis.
O ciclo térmico de Carnot é formado por quatro processos fundamentais:
1) Troca de calor isotérmica reversível à temperatura elevada TH.
2) Realização de trabalho pela expansão do fluido de trabalho por um processo adiabático e reversível
(isentrópico).
3) Rejeição de calor isotérmico reversível à baixa temperatura TL.
4) Compressão do fluido de trabalho por um processo adiabático e reversível (isentrópico).

Nos processos (2) e (3) surge o conceito de processo adiabático e reversível. Tal processo recebe o nome de
processo isentrópico e se refere ao processo sofrido pelo fluido de trabalho sem que sua entropia seja alterada, como
discutido na Seção 2.6 do Capítulo 2. Isso significa que o máximo trabalho é extraído pela máquina térmica do
fluido de trabalho.
O ciclo de Carnot é uma teorização de um ciclo em que se poderia obter a máxima eficiência térmica, como já
mencionado, e que não está associado a nenhuma máquina, equipamento ou propriedades do fluido de trabalho.
Esse ciclo foi concebido pelo engeneheiro francês Sadi Carnot e publicado em seu famoso livro de 1824
(Reflections on the Motive Power of Fire).
No diagrama temperatura-entropia, o ciclo de Carnot é representado por um retângulo cujas arestas representam
os quatro processos mencionados, como ilustrado na Figura 3.3:

• 1-2 Processo isotérmico reversível de fornecimento de calor, QH, à TH.


• 2-3 Processo de expansão adiabático e reversível (isentrópico).
• 3-4 Processo isotérmico reversível de rejeição de calor, QL, à TL.
• 4-1 Processo de compressão adiabático e reversível (isentrópico).

Figura 3.3 Representação do ciclo de Carnot no diagrama T-s.

Uma vez mais é importante frisar que o ciclo de Carnot é uma referência teórica. Entretanto, percebe-se que é
possível na prática se aproximar desse ciclo, graças ao fato de as substâncias simples, como a água e outras
substâncias puras, manterem temperatura constante durante o processo de mudança de fase sob pressão constante.
Assim, utiliza-se essa propriedade para se tentar reproduzir no mundo real as vantagens do ciclo de Carnot, isto é,
máxima conversão de calor em trabalho, dados dois reservatórios térmicos. Com isso, chega-se finalmente ao ciclo
de Carnot, agora ilustrado no diagrama T-s de uma substância pura como a água e os equipamentos ideais
necessários, tudo isso indicado na Figura 3.4.
Figura 3.4 (a) Representação do ciclo de Carnot no diagrama T-s de uma substância simples como a água. (b) Equipamentos
ideais necessários à realização do ciclo de Carnot: turbina, condensador, bomba e gerador de vapor.

Referindo-se à Figura 3.4, calor, QH, é adicionado ao ciclo no processo 1-2 à temperatura constante TH. Como se
sabe, pressão e temperatura permanecem inalterados nesse processo em virtude da vaporização da água. O
equipamento empregado para isso é o gerador de vapor ou caldeira. Pode ser também uma caldeira de
recuperação de um ciclo combinado (Seção 3.6.1).
No processo 2-3 ocorre uma expansão adiabática e reversível (isentrópica), com a realização de trabalho, WT, de
eixo na turbina ideal. A rejeição de calor, QL, ocorre no condensador, trazendo o fluido de trabalho do estado 3
para o estado 4 por meio da condensação do vapor expandido na turbina. Esse processo ocorre sob pressão e
temperatura constantes. Finalmente, uma bomba ideal eleva a pressão da mistura bifásica do estado 4 para o estado
1 de forma adiabática e reversível, fechando o ciclo. Na prática, existem as dificuldades tecnológicas de se obter o
ciclo de Carnot e, por isso, define-se o chamado ciclo de Rankine, objeto da próxima seção.

3.2 Ciclo de Rankine


O ciclo de Rankine contorna algumas dificuldades do ciclo de Carnot para a utilização prática em ciclos de potência.
Há diversas variações do ciclo, mas o estudo tem início pelo ciclo de Rankine simples. Esse ciclo é o ciclo de
potência empregado em muitas centrais termelétricas movidas a combustível fóssil, biomassa e centrais nucleares.
Mais recentemente o ciclo (orgânico) de Rankine também tem sido empregado com o uso de energia solar e de
energia térmica residual.
3.2.1 Ciclo de Rankine simples
O ciclo de Rankine simples ou elementar é uma modificação do ciclo de Carnot no que tange ao processo de
bombeamento isentrópico 4-1 da Figura 3.4 (a). Com efeito, dificuldades tecnológicas impedem que uma bomba
seja construída para fins práticos com a finalidade de bombear uma mistura bifásica de líquido e vapor, como é o
caso do estado 4. Assim, a modificação mais simples a ser introduzida no ciclo do Carnot é a condensação completa
do fluido de trabalho, trazendo o estado 4 para a curva de saturação, como ilustrado na Figura 3.5. Nessa figura, o
estado original 4 da Figura 3.4 é representado agora por 4′, e o fluido sofreu uma completa condensação até 4.
Ainda com referência a essa figura, o estado ao final do bombeamento do líquido é o estado 5. Neste ponto, a
segunda modificação do ciclo é introduzida, ou seja, o processo de adição de calor que, no ciclo de Carnot original,
era isotérmico (processo 1-2), torna-se isobárico (pressão constante). Esse processo ocorre no gerador de vapor,
tendo o líquido de entrada no estado 5 sofrido aquecimento até atingir a temperatura de saturação TH = T1, seguido
de vaporização para deixar o gerador de vapor na condição de vapor saturado seco no estado 2.

Figura 3.5 Ciclo de Rankine simples.

Em virtude da ocorrência de uma redução na temperatura média de adição de calor no ciclo de Rankine (ciclo 1-
2-3-4-5-1) quando comparado com o ciclo de Carnot equivalente (ciclo 1-2-3-4′-1) da Figura 3.5, haverá uma
redução da eficiência térmica do ciclo.
Os equipamentos necessários à realização do ciclo de Rankine simples continuam os mesmos do ciclo de
Carnot. O balanço energético de cada componente é dado a seguir, desprezando-se a energia cinética e potencial:

em que h se refere às entalpias específicas, os índices são os estados indicados no ciclo da Figura 3.5 e os índices
“e”, “s” significam entrada e saída, “B” bomba e “T” turbina. As trocas de calor e de trabalho indicadas nas
expressões anteriores são específicas, ou seja, por unidade de vazão mássica em kJ/kg no SI. Desse modo, a
potência total da turbina T é dada pelo produto × wT, sendo a vazão mássica do fluido de trabalho que percorre
todo o ciclo e wT, o trabalho específico.
Convém ressaltar que na bomba o trabalho específico ainda pode ser estimado de modo simples, já que o líquido
é praticamente incompressível, isto é, o volume específico n é constante, conforme visto na Seção 2.8.1 do Capítulo
2. Com isso, tem-se que na região de líquido um processo isentrópico é dado por
Essa equação é idêntica à Equação (2.44).
Como o trabalho específico é dado pela diferença de entalpias, a Equação (3.8) se transforma em:

Para o cálculo das propriedades da água será empregada a tabela de propriedades da água do apêndice A.

Exemplo 3.1

Um ciclo de Rankine simples opera com água entre as pressões de 10 kPa (0,1 bar) e 15 MPa (150 bar). Determine:

a) a e ciência térmica do ciclo de Carnot equivalente;


b) a e ciência térmica do ciclo – compare e comente;
c) a vazão mássica de água necessária por unidade de potência produzida (kg/kW).

Dados:

PV T hL hV
(bar) (°C) (kJ/kg) (kJ/kg) sL(kJ/kg · K) sv(kJ/kg · K)

0,1 45,81 191,81 2.584,6 0,6492 8,1501

150 342,24 1.610,5 2.610,5 3,6847 5,3097

Resolução:

a) Cálculo da e ciência térmica do ciclo de Carnot equivalente:

TL = 45,81 + 273,15 = 318,96 K


TH = 342,24 + 273,15 = 615,39 K
b) Cálculo do trabalho líquido:

wlíq = wT – wB

wB = v4(P5 – P4) = 0,001 · (15.000 – 10) = 14,99 kJ/kg

h5 = h4 + wB = 191,81 + 14,99 = 206,8 kJ/kg

wT = h2 – h3
De h2 para h3: processo isentrópico

s2 = s3 = (1 – x3)sL + x3 sV
x3 = (s2 – sL)/(sV – sL) = (5,3097 – 0,6492)/(8,1591 – 0,6492) =
0,6213

Então:
h3 = (1 – x3)hL + x3hV = (1 – 0,6213) · 191,81 + 0,6213 · 2584,6 =
1678,4 kJ/kg

Assim,
wT = 2610,5 – 1678,4 = 932,1 kJ/kg
wlíq= wT – wB = 932,1 – 14,99 = 917,1 kJ/kg
qH = h2 – h5 = 2.610,5 – 206,8 = 2.403,7 kJ/kg
η Rankine = 917,1 / 2.403,7 = 0,3815 = 38,15%

Suponha 1 kW:

η Rankine < η Carnot ⇒


TH média Rankine < TH Carnot

3.2.2 Ciclo de Rankine com superaquecimento


No ciclo de Rankine simples da seção anterior, o vapor saturado (x = 100 %) é expandido na turbina isentrópica no
processo 3-4. Durante esse processo, ocorre a condensação parcial do vapor no interior da turbina e, na saída da
máquina, uma mistura de líquido e vapor estará presente. Com isso, outro problema adicional ocorre: a presença de
uma quantidade muito grande de gotículas de líquido que, ao impactar e colapsar, ocasionam a erosão das pás das
turbinas. Como regra geral, deve-se evitar o título do vapor baixo, que precisa ficar sempre acima de 90 %.
Para contornar esse problema, é efetuada uma segunda modificação no ciclo de Rankine simples. Trata-se de
superaquecer o vapor na saída do gerador de vapor antes de expandi-lo na turbina. O equipamento utilizado para
esse fim é o superaquecedor. Esse ciclo está ilustrado na Figura 3.6.
Evidentemente, aquecendo-se o fluido de trabalho a temperaturas mais elevadas, será obtido um rendimento
térmico superior ao ciclo sem superaquecimento (temperatura média de trabalho mais elevada), sem necessidade de
aumentar a pressão de trabalho. Entretanto, existe o problema de a temperatura final poder alcançar valores por
demais elevados, o que implicaria problemas de uso de materiais construtivos e problemas operacionais, além do
custo adicional do equipamento ou estágio de superaquecimento.

Figura 3.6 (a) Ciclo de Rankine com superaquecedor; (b) componentes do ciclo.

Exemplo 3.2

Um ciclo de Rankine com superaquecimento opera com água entre as pressões de 10 kPa (0,1 bar) e 4 MPa (40 bar) e uma temperatura nal de
superaquecimento de 600 °C. Determine:

a) as trocas térmicas em cada equipamento (gerador de vapor, superaquecedor e condensador);


b) a e ciência térmica do ciclo;
c) o consumo de vapor de água necessário por unidade de potência produzida (kg/kW·h).

Resolução:

a) Cálculo das trocas térmicas em cada equipamento:


Antes é preciso determinar h1. A potência especí ca de bombeamento é:

wB = h1 – h6 = v6 (P1 – P6) = 0,001 (4000 – 10) = 3,99 kJ/kg


De onde vem que:

h1 = wB + h6 = 3,99 + 191,81 = 195,8 kJ/kg

Para o gerador de vapor, temos:

qGV = h3 – h1 = 2801,4 – 195,8 = 2605,6 kJ/kg

Para o superaquecedor, temos:

qSA = h4 – h3 = 3674,4 – 2801,4 = 873,0 kJ/kg

O uxo de calor total por unidade de massa recebido é qe = qGV + qSA = 2605,6 + 873 = 3478,6 kJ/kg.
Para o condensador, temos:

qcond = h5 – h6
h5 = (1 – x5) h6 + x5h4
x5 = (s4 – sL) / (sV – sL) = (7,3688 – 0,6492) / (8,1501 – 0,6492) = 0,8958

Portanto,

h5 = (1 – 0,8958) × 191,81 + 0,8958 × 2584,6 = 2335,3 kJ/kg


qcond = 2335,3 – 191,8 = 2143,5 kJ/kg

b) A e ciência térmica:

Alternativamente, pode-se primeiro determinar a potência líquida do ciclo, isto é, wlíq = wT – wB.

wT = h4 – h5 = 3674,4 – 2335,3 = 1338,8 kJ/kg


wlíq = 1338,8 – 3,99 = 1334,8 kJ/kg
ηT = wlíq / qe = 1334,81 / 3478,6 = 0,3838 ou 38,38 %

c) O consumo de vapor de água necessário por unidade de potência produzida:

3.2.3 Ciclo de Rankine com reaquecimento


Nessa configuração, pretende-se aproveitar a vantagem de trabalhar com pressão e temperatura elevadas e ainda
evitar uma quantidade excessiva de líquido nos estágios de baixa pressão da turbina. Esse ciclo está ilustrado no
diagrama T-s da Figura 3.7 (a) e esquematizado na Figura 3.7 (b).
O ciclo funciona assim: vapor superaquecido é expandido no estágio de alta pressão da turbina (ou numa turbina
de alta pressão, se houver duas turbinas). A expansão se dá até um valor intermediário de pressão (estado 5). O
fluido de trabalho sofre um novo processo de reaquecimento no reaquecedor, em processo de pressão constante até a
temperatura T6 igual à temperatura máxima do ciclo (pode ser outro valor, também). O fluido, então, retorna para o
estágio de baixa pressão da turbina (ou para a turbina de baixa pressão) dando continuidade à expansão até a pressão
do condensador (estado 7).
Observando a Figura 3.7 (a), nota-se que o que está se fazendo é “contornar” o ramo de vapor saturado a fim de
minimizar a quantidade de líquido na corrente de vapor que está se expandindo na turbina. Isso se dá porque o ramo
de vapor saturado da água é pouco inclinado, como visto no diagrama T-s.

Figura 3.7 Ciclo de Rankine com reaquecimento.

Exemplo 3.3

Um ciclo de Rankine com reaquecimento opera com água entre as pressões de 10 kPa (0,1 bar) e 15 MPa (150 bar) e uma temperatura nal de
superaquecimento de 550 °C. A turbina consiste em dois estágios, sendo que no estágio de alta pressão o vapor é expandido até 1 MPa (10 bar).
Posteriormente, o vapor é reaquecido até a temperatura de 550 °C. Determine:

a) as trocas térmicas em cada equipamento (gerador de vapor, superaquecedor, reaquecedor e condensador);


b) a e ciência térmica do ciclo;
c) o consumo de vapor de água necessário por unidade de potência produzida (kg/kWh).

Resolução:

Com base na Figura 3.7:


Para o gerador de vapor, temos:

qGV = h3 – h1
a) Primeiro, determina-se h1 a partir do balanço energético na bomba:

wB = h1 – h8 = v8 (P1 – P8) = 0,001 (15000 – 10) = 14,99 kJ/kg

Logo,

h1 = h8 + wB = 191,81 + 14,99 = 206,8 kJ/kg

Então,

qGV = 2610,5 – 206,8 = 2403,7 kJ/kg

Para o superaquecedor, temos:

qSA = h4 – h3 = 3448,6 – 2610,5 = 838,1 kJ/kg

Para o reaquecedor, temos:

qR = h6 – h5

Nesse ponto é preciso determinar h5. Algumas considerações precisam ser feitas.
Note que a turbina é isentrópica, então s5 = s4. Duas possibilidades existem:
• no diagrama T-s, a expansão cai na região bifásica;
• no diagrama T-s, a expansão cai na região superaquecida.
Em qualquer caso s5 = s4 (turbina isentrópica). Da tabela de vapor superaquecido no Apêndice B (T = 550 °C, P = 15 MPa), s4 = 6,5198 kJ/kg
k.
Nesse ponto se veri ca a entropia do vapor saturado seco. Na tabela do Apêndice A para pressão de saturação de 1 MPa (10 bar) ⇒ sV = 6,5863
kJ/kg k.
Como s4 = s5 < sV (P = 1 MPa), então a primeira consideração é a correta, ou seja, a expansão cai na região bifásica.
Portanto, temos que:

x5 = (s4 – sL) / (sV – sL) = (6,5198 – 2,1387) / (6,5864 – 2,1387) = 0,985


h5 = (1 – x5) h5L + x5h5V = (1 – 0,985) × 762,79 + 0,985 × 2778,1 = 2747,9 kJ/kg

E, nalmente,

qR = h6 – h5 = 3587,2[interpolação] – 2747,9 = 849,3 kJ/kg

b) A e ciência térmica:

wB = 14,99 kJ/kg

wT = wT1 (trabalho especí co do estágio de alta 1) + wT2 (trabalho especí co do estágio de baixa 2)
wT1 = h4 – h5 = 3448,6 – 2747,9 = 700,7 kJ/kg
wT2 = h6 – h7 (h7 precisa ser determinado)

Para uma expansão isentrópica s6 = s7; s6 = 7,8982 kJ/kg k [tabela de vapor superaquecido interpolado do Apêndice B].
Note que s7 < s6 (precisa determinar x7):

x7 = (s6 – sL) / (sV – sL) = (7,8982 – 0,6492) / (8,1501 – 0,6492) = 0,9664


h7 = (1 – 0,9664) × 191,81 + 0,9664 × 2584,6 = 2504,2 kJ/kg

Logo,
wT2 = 3587,2 – 2504,2 = 1083 kJ/kg
wT = 700,7 + 1093 = 1793,7 kJ/kg
ηT = (wT – wB)/qe = (wT – wB) / (qGV + qSA + qR) = (1793,7 – 14,99) / (2403,7 + 838,1 + 849,3) = 0,4347 ou 43,47 %

c) Consumo de vapor de água necessário por unidade de potência produzida:

3.2.4 Ciclo de Rankine regenerativo com aquecedores de mistura


Por meio de técnica de extração de vapor da turbina e mistura com líquido é possível melhorar a eficiência térmica
do ciclo de Rankine.
Para ilustrar essa técnica, considere o caso de uma única extração, como indicado na Figura 3.8. Uma parcela do
vapor de água é extraída no estado 6 indicado na figura (fração m1 de extração). Esse vapor é misturado com a água
condensada proveniente da primeira bomba que está no estado 2. Espera-se que a razão entre a vazão mássica de
vapor extraído e da água condensada seja suficiente para que o estado 3 seja de líquido saturado. Finalmente, dirige-
se para uma segunda bomba que elevará a pressão da mistura até a pressão da linha do gerador de vapor. Na prática,
são usados vários misturadores de líquido com extrações da turbina. Pode-se mostrar que a eficiência térmica se
torna crescente com o aumento do número de extrações e misturas.
Figura 3.8 Ciclo regenerativo de Rankine com um aquecedor de mistura.

3.2.5 Perdas no ciclo de Rankine


As perdas mais comuns de energia útil no ciclo de Rankine são as que se devem a atrito e a trocas de calor com
diferenças finitas de temperatura. Além disso, as máquinas (turbina e bomba) também não são ideais. Para tanto,
devem ser consideradas suas eficiências (veja também 2.8.1 e 2.8.3 do Capítulo 2).

a) Turbina não isentrópica:

Quando a turbina não é isentrópica em função de perdas por atrito ou por troca de calor, o caminho percorrido
durante a expansão do vapor é irreversível (Figura 3.9 (a)). Desse modo, o rendimento isentrópico da turbina entre
as pressões de entrada (1) e saída (2) para a temperatura (T1) define-se como:

b) Bomba não isentrópica:

De forma análoga, o caminho é percorrido durante o bombeamento (Figura 3.9 (b)), e o trabalho isentrópico da
bomba de acordo com as Equações (2.44) e (2.45) é:
Figura 3.9 Perdas no ciclo de Rankine, (a) turbina e (b) bomba.

Outras perdas são efeitos de atrito na tubulação (queda de pressão) e trocas de calor não isotérmicas (caldeiras e
condensadores).

Exemplo 3.4

Uma central térmica a vapor opera segundo o ciclo indicado na gura a seguir. Sabendo-se que a e ciência da turbina é de 86 % e que a e ciência
da bomba é de 80 %, determine o rendimento térmico desse ciclo. Construa o diagrama T-s para o ciclo apresentado. Utilize a tabela de saturação
para água e vapor de água e considere que os processos ocorrem em regime permanente.
Os dados referentes a cada ponto do ciclo são:

Ponto 1: P1 = 10 kPa (0,1 bar), T1 = 42 °C;


Ponto 2: P2 = 5 MPa (50 bar);
Ponto 3: P3 = 4,8 MPa (48 bar), T3 = 40 °C;
Ponto 4: P4 = 4 MPa (40 bar), T4 = 400 °C;
Ponto 5: P5 = 3,8 MPa (38 bar), T5 = 380 °C.
Resolução:

É preciso considerar que todos os processos ocorrem em regime permanente (variações desprezíveis de energias cinética e potencial).
O diagrama T-s do ciclo é:

a) Para a turbina temos:


Estado de entrada: P5, T5, conhecidas; estado determinado.
Estado de saída: P6 conhecida.
Da Primeira Lei da Termodinâmica: wT = h5 – h6
Da Segunda Lei da Termodinâmica: s6S = s5

ηT = wT / (h5 – h6) = (h5 – h6) / (h5 – h6s)

Das tabelas de vapor de água, temos:


h5 = 3169,3 kJ/kg
s5 = 6,7264 kJ/kg·K
s6s = s5 = 6,7264 = (1 – x6s)0,6493 + x6s (8,1502) ⇒ x6s = 0,81
h6s = 191,8 + 0,81(2392,8) = 2129,9 kJ/kg
wT = ηT (h5 – h6s) = 0,86 (3163,3 – 2129,9) = 894,6 kJ/kg

b) Para a bomba, temos:


Estado de entrada: P1, T1, conhecidas; estado determinado.
Estado de saída: P2 conhecida.
Da Primeira Lei da Termodinâmica: |wB| = h2 – h1
Da Segunda Lei da Termodinâmica: s2 = s1

ηB = (h2 – h1) / |wB| = (h2s – h1) / (h2 – h1)

Como s2 = s1,

h2s – h1 = v (P2 – P1)

Assim,

|wB| = (h2s – h1) / ηB = v (P2 – P1) / ηB = 0,001009 (5000 – 10) / 0,8 = 6,3 kJ/kg

Portanto, o trabalho especí co líquido do ciclo é:

wlíq = wT – |wB| = 894,6 – 6,3 = 888,3 kJ/kg

c) Para a caldeira temos:


Estado de entrada: P3 e T3, conhecidas; estado determinado.
Estado de saída: P4 e T4, conhecidas; estado determinado.
Da Primeira Lei da Termodinâmica temos: qH = h4 – h3

qH = h4 – h3 = 3213,6 – 171,5 = 3041,5 kJ/kg


ηT = 888,3 / 3041,5 = 29,2 %

3.2.6 Ciclo orgânico de Rankine


Ciclo orgânico de Rankine é uma tradução direta do termo inglês Organic Rankine Cycle, ou ORC. Esses ciclos são
o próprio ciclo de Rankine, mas que têm como fluido de trabalho outras substâncias de comportamento
termodinâmico peculiar de operação mais adequada para pequenas centrais de geração de energia elétrica. Essas
centrais têm mais interesse na recuperação de energia térmica de algum processo, cogeração ou aplicações com
energia solar, do que em ter uma elevada eficiência térmica global do ciclo propriamente dito. Da mesma forma,
trata-se de ciclos mais fáceis de operar, que dispensam alguns equipamentos de um ciclo tradicional Rankine.
Se observarmos a curva de saturação no diagrama temperatura-entropia para a substância pura água, percebemos
que ela é parecida com um “sino”. É possível verificar que para baixas temperaturas os ramos de líquido e o vapor
saturado se “abrem”, em particular o ramo de vapor saturado à direita. Isso faz com que sejam necessárias várias
modificações no ciclo original de Rankine, como superaquecimento do vapor (Seção 3.2.2), reaquecimento (Seção
3.2.3) e ciclo regenerativo com extração de vapor (Seção 3.2.4). Essa dificuldade gerou interesse pela identificação
de novos fluidos de trabalho que tenham um comportamento menos acentuado do ramo do vapor saturado. Como
objetivo, essa substância permitiria a expansão de um vapor saturado da alta até a baixa pressão, sem adentrar ou
adentrando muito pouco na região de mudança de fase. Com isso, as turbinas e outras máquinas de expansão não
sofreriam o nefasto problema de erosão gerado pelo impacto das gotículas de líquidos em suas partes internas. A
Figura 3.10 mostra de forma comparativa o comportamento no diagrama temperatura-entropia (T-s) do ramo de
vapor saturado para uma substância como a água (Figura 3.10a), e para uma substância que tem o ramo do vapor
saturado inclinado negativamente (Figura 3.10b). Note que a expansão do vapor saturado 6 até o estado 7S se dá na
forma “úmida” para substâncias do tipo daquela da água, isto é, ao final do processo de expansão na turbina, o
estado final está na região de mudança de fase. Isto já não acontece com fluidos que têm o diagrama T-s como o da
Figura 3.10b. A expansão será sempre “seca”. A expansão “seca” permite a seleção de máquinas de expansão
(turbinas) sem o problema da deterioração das pás pelo impacto de gotículas de fluido.
Feng e Kurita (2009) estabeleceram uma série de critérios de seleção do fluido de trabalho. Ainda que o trabalho
deles não seja exaustivo, pode servir como primeiro guia para a seleção do fluido. Os seguintes critérios foram
estabelecidos: pressão de trabalho, vazões, toxicidade, inflamabilidade e viabilidade econômica.
O critério da pressão de trabalho destina-se a garantir que o ciclo opere sempre com uma pressão “positiva”,
evitando a entrada de ar no ciclo. Isso limita a pressão do condensador. Fluidos de elevada entalpia de vaporização
também demandam menores vazões, o que diminui o tamanho de equipamentos, como bombas, por exemplo. Outro
critério é a não toxidade para evitar riscos operacionais e, finalmente, a viabilidade econômica que está relacionada
ao custo de aquisição e manutenção.

Tabela 3.1 Comparativo de fluidos para ORC (Feng e Kurita, 2009)

Meio ambiente
Soma de
Código Fluidos Pressão Vazão Toxicidade In amável Ozônio E.S. “+”

1 RC318 – – + + + – 3

2 R600a – + + – + + 4

3 R114 + – + + – – 3

4 R600 + + + – + + 5

5 R152a – + + +/– + + 4

6 R123 + – – + – + 3

7 R141b + + + + – + 5

+ Favorável               E.S. efeito estufa


– Desfavorável
+/– Neutro
Figura 3.10 Comparação dos diagramas temperatura-entropia (T-s) de substâncias como a água (a) e que têm a inclinação
negativa do ramo de vapor saturado (b).

Os resultados da análise de Feng e Kurita (2009) estão resumidos na Tabela 3.1, e também se baseiam na
publicação do Department of Natural Resources and Agricultural Engineering dos EUA. O trabalho deles mostrou
que as substâncias R141b e R600 têm a maior soma de fatores favoráveis, porém o R141b não é inflamável e parece
ser, no escopo desses critérios, um bom fluido de trabalho. Não obstante o campo ainda está aberto para novas
análises e utilização de outros fluidos.

3.3 Ciclo de Brayton


O ciclo de Brayton é um dos ciclos padrões a ar que representa os principais processos termodinâmicos de uma
turbina a gás. As turbinas a gás são classificadas em turbinas industriais e turbinas aeroderivativas, podendo gerar
potência eletromecânica de alguns quilowatts a centenas de megawatts. Suas principais características estão
indicadas na Tabela 3.2.
A Figura 3.11 mostra, de forma esquemática, os três componentes básicos de uma turbina a gás. No esquema da
parte superior pode-se ver o compressor que comprime o ar de admissão. O ar comprimido é dirigido para a câmara
de combustão, onde ocorre a combustão do combustível com o consequente aumento de temperatura (entalpia). O
ar, agora aquecido, é comprimido e sofre um processo de expansão na seção de turbina de força, gerando trabalho
eletromecânico em seu eixo, que pode ser conectado a um gerador elétrico, como ilustrado na Figura 3.11. O próprio
eixo da turbina também aciona o eixo compressor em muitas configurações. Na figura inferior, vê-se a fotografia de
uma turbina comercial com acionamento a gás natural para geração de energia elétrica.

Tabela 3.2 Características das turbinas a gás

Turbinas industriais Turbinas aeroderivativas

• São as mais empregadas na produção de potência (capacidades de • Têm sua origem na indústria aeronáutica.
0,5 a 250 MW).
• As maiores turbinas aeroderivativas estão na faixa de potência entre
• São grandes e pesadas, já que, em geral, não há restrições quanto a 40 e 50 MW.
tamanho ou peso.
• São menos e cientes, porém de menor custo por quilowatt gerado • Usam componentes mais leves e mais compactos.
que as aeroderivativas.
• São mais e cientes (até 40 %), com taxas de compressão de 30:1.
• Podem atingir temperaturas máximas de até 1260 °C.
• Requerem investimentos mais elevados.
• Taxas de compressão podem atingir até 18:1 em novas unidades.

• Usam uma variedade maior de combustíveis que as aeroderivativas.

Figura 3.11 Componentes básicos de uma turbina a gás para geração de energia elétrica na imagem superior. A imagem de
baixo é a fotografia de uma turbina.

3.3.1 Ciclo de Brayton simples


A Figura 3.12 (a) esquematiza o ciclo real da turbina a gás no qual o ar é admitido da atmosfera e produtos de
combustão são descarregados para a própria atmosfera. Por outro lado, o ciclo-padrão a ar de Brayton tem como
principais simplificações o fato de o fluido de trabalho não mudar: é sempre ar atmosférico com propriedades
termodinâmicas constantes. Veja a Seção 3.4.1 para mais detalhes sobre as hipóteses de ciclos-padrão a ar. O ciclo
de Brayton idealiza o processo de combustão por um processo de adição de calor. Além disso, os processos de
admissão e exaustão são eliminados. Trata-se, portanto, de uma massa fixa de ar que circula pela máquina. Para
finalizar, como se pode verificar na Figura 3.12 (b), o processo de exaustão/admissão é substituído por um processo
de rejeição de calor à pressão atmosférica, ou isobárico.

Balanços energéticos (por unidade de massa)

Figura 3.12 (a) Ciclo de Brayton simples; (b) ciclo-padrão a ar correspondente.

Os diagramas da Figura 3.13 indicam os processos termodinâmicos executados no ciclo de Brayton simples. A
Figura 3.13 (a) representa os processos no diagrama temperatura versus entropia específica (T-s). O diagrama
pressão versus volume específico (P-v) correspondente está representado na Figura 3.13 (b).
Figura 3.13 Representação dos processos ideais do ciclo de Brayton. (a) Diagrama temperatura × entropia específica (T-s); (b)
diagrama pressão × volume específico (P-v).

Com relação aos diagramas da Figura 3.13, note que T3 é a máxima temperatura do ciclo e T1, a menor
temperatura (ambiente, em geral). Assim, empregando-se a definição da eficiência térmica (Eq. 3.3) e com a
substituição das Equações (3.13) e (3.14), vem que:

Lembrando as relações isentrópicas definidas no Capítulo 2 (Eq. 2.39), tem-se:

Dessa forma é possível mostrar que:


Substituindo essa igualdade na Equação (3.18) e, novamente, com emprego das relações isentrópicas entre
pressão e temperatura (Eq. 2.39), tem-se a seguinte expressão final de rendimento térmico do ciclo de Brayton:

sendo que k é a razão entre calores específicos, valendo 1,4 para o ar atmosférico. O gráfico da Figura 3.14 mostra a
dependência do rendimento térmico à taxa de compressão de um ciclo de Brayton. A taxa de compressão é a razão
entre a máxima (P2 = P4) e a mínima pressão do ciclo (P1 = P4).

Figura 3.14 Rendimento térmico em função da taxa de compressão para um Ciclo de Brayton.

Contrariamente ao caso do ciclo de Rankine, a análise simples do rendimento térmico não é suficiente para
determinar as melhores condições operacionais do ciclo de Brayton. Isso em razão de uma parte considerável do
trabalho produzido pelo eixo da turbina ser consumido pelo processo de compressão do ar no compressor. Assim
sendo, é importante verificar as condições em que o sistema acoplado turbina-compressor produz máximo trabalho
líquido.
Retomando as equações dos trabalhos específicos dessas máquinas, tem-se:

O trabalho específico líquido da máquina é a diferença entre as Equações (3.22) e (3.21), ou seja:

Com a igualdade da Equação (3.19) e as relações isentrópicas entre P e T (Eq. 2.39), a equação do trabalho
líquido resulta em:
em que r = P2/P1 (n é taxa ou razão de compressão).
A expressão do trabalho específico real está posta no gráfico da Figura 3.15 para diversas razões de
temperaturas máxima e mínima T3/T1, tendo T1 = 300 K.

Figura 3.15 Trabalho específico líquido em função da taxa de compressão r para diversas razões de máxima e mínima
temperaturas (T3/T1).

Examinando as curvas do trabalho específico líquido para diversas razões de temperatura, nota-se que existe
uma taxa de compressão em que ocorre o máximo trabalho para cada razão de temperaturas. A linha tracejada une
todos esses pontos de máximo trabalho. Da matemática, sabe-se que a condição de maximização do trabalho é
obtida pela derivação da expressão do trabalho como função de r, e igualada a zero para razões de temperaturas
fixas T3/T1. Procedendo assim, obtém-se a seguinte condição de taxa de compressão em que o trabalho é máximo:

Exemplo 3.5

Uma turbina a gás simples foi projetada para operar nas seguintes condições:
temperatura máxima do ciclo:       T3 = 840 °C;
temperatura de admissão do ar:    T1 = 15 °C;
pressão máxima do ciclo:             P3 = 520 kPa;
pressão mínima:                          P1 = 100 kPa.

Determine:
(a) o rendimento ou e ciência térmica do ciclo;
(b) o trabalho especí co do compressor;
(c) o trabalho especí co da turbina;
(d) o trabalho especí co líquido do ciclo;
(e) a vazão de ar necessária para produzir 1 kW;
(f) a temperatura T4 na seção de saída.

Resolução:

O rendimento térmico do ciclo:

ηT = 1 – 1/((P3 / P1)(k-1)/k) = 1 – 1/(520/100)0,286 = 37,6 %

b) O trabalho especí co do compressor:


Da Primeira Lei da Termodinâmica vem: |wcomp| = h2 – h1 =cP (T2 – T1).
Da Segunda Lei da Termodinâmica, vem: s2 = s1.
Portanto,

(k-1)/k
T2 / T1 = (P2 / P1) =
(k-1)/k 0,286
(P2 / P1) = (520/100) = 1,602
T2 = 288,15 × 1,602 = 461,61 K

Assim,

|wcomp| = CP (T2 – T1) = 1,0 (461,61 – 288,15) = 173,47 kJ/kg

c) O trabalho especí co da turbina:


Da Primeira Lei da Termodinâmica vem: wT = h3 – h4 = CP (T3 – T4).
Da Segunda Lei da Termodinâmica vem: s3 = s4.
Então, pode-se escrever que:

T3 / T4 = (P3 / P4)k-1/k ⇒ (P3 / P4)k-1/k = (520/100)0,286 = 1,602


T4 = T3 / 1,602 = 1113,15/1,602 = 694,85 K

Desse modo,

wT = CP (T3 – T4) = 1,0 (1113,15 – 694,85) = 418,2 kJ/kg

d) O trabalho especí co líquido do ciclo:

wlíq = wT – |wcomp| = 418,2 – 173,47 = 244,83 kJ/kg

e) A vazão de ar necessária para produzir 1 kW:

f) A temperatura T4:
Como já calculado, T4 = 694,85 K = 421,7 °C.
3.3.2 Ciclo de Brayton simples com ine ciências
O ciclo de Brayton ideal não pode ser verificado na prática porque há perdas associadas com os processos de
compressão e expansão, sobretudo. Isso afeta grandemente o comportamento geral da máquina, pois considerável
parte do trabalho de eixo gerado pela turbina é consumida para acionar o compressor, podendo chegar de 40 % a 80
% do valor produzido pela turbina. De forma que se as eficiências caírem para valores muito baixos (60 %), nenhum
trabalho líquido será produzido pela turbina.
Usando os conceitos de eficiência isentrópica e dos trabalhos de compressão (Eq. 2.50 e seguintes) e de
expansão (Eq. 2.64 e seguintes) isentrópicos, pode-se calcular os trabalhos reais de compressão e de expansão:

Trabalho real do compressor:

Trabalho real na turbina:

O trabalho líquido real por unidade de massa na turbina, wT, é obtido pela subtração das equações anteriores, isto
é:

De forma análoga ao que foi feito na seção anterior, a taxa de compressão em que ocorre o máximo trabalho real
líquido, considerando rendimentos das máquinas, é obtida por meio da derivação da Equação 3.28 para obtenção do
ponto de máximo. Isso resulta em:

Considerando agora os rendimentos das máquinas, o novo rendimento térmico do ciclo é:

Se as eficiências das máquinas forem unitárias, isto é, ηC = 1 e ηturb = 1, então as Equações (3.25) e (3.20) são
resgatadas.
Exemplo 3.6

Considerando-se que a e ciência das máquinas afeta o desempenho global da turbina, pede-se:
(a) Considere uma máquina com um compressor de e ciência de hC = 80 % e turbina de e ciência de ηturb = 85 %.
(b) Assuma que a máxima temperatura do ciclo é T3 = 1200 K e que a menor temperatura é T1 = 300 K.

Resolução:

(a) A e ciência de um ciclo real é consideravelmente reduzida em função das irreversibilidades de expansão (na turbina) e de compressão (no
compressor), como se pode veri car nos grá cos que seguem.

(b) Por exemplo, se admitirmos uma taxa de compressão r =10, temos que, para o ciclo ideal, ηTid ~ 50 % e ηTreal ~ 22 % (ver grá co).

Exemplo 3.7

Repita o Exemplo 3.5 com as seguintes e ciências:


temperatura máxima do ciclo: T3 = 840 ºC;
temperatura de admissão do ar: T1 = 15 ºC;
pressão máxima do ciclo: P3 = 520 kPa;
pressão mínima: P1 = 100 kPa;
ηturb = 85 % e hC = 80 %.

Dados: k = 1,4 e CP = 1 kJ/kg ºC


Determine:
(a) o rendimento ou e ciência térmica do ciclo;
(b) o trabalho especí co real do compressor;
(c) o trabalho especí co real na turbina;
(d) o trabalho especí co líquido real do ciclo;
(e) a vazão de ar necessária para produzir 1 kW;
(f) a temperatura T4 na seção de saída.

Resolução:

a) De acordo com o diagrama T-s para um ciclo de Brayton real, pode-se escrever:

wT = ηTCPT3 [1 – 1 / (P3/P1)(k-1)/k]
(k-1)/k
|wcomp| = (CPT1) [(P3 / P1) – 1]/ ηC
wlíq = wT + |wcomp|

Sabe-se que:

ηT = wlíq / qH

mas

qH = q2-3 = CP (T3 – T2) = 1,0 (1113,15 – 461,61) = 651,54 kJ/kg

Assim, pode-se escrever:

ηT = wlíq / qH = [(T3 – T4) – (T2 – T1)] / (T3 – T2)

Substituindo-se os termos de trabalho especí co na turbina e no compressor e desenvolvendo-se a equação de rendimento térmico, tem-se
que:

Substituindo-se os valores de temperaturas, pressões e de rendimentos na equação anterior, temos:

ηT = 22,8 %
b) O trabalho especí co real do compressor:
|wcomp| = (CPT1) [(P3 / P1)(k-1)/k – 1]/ ηC
|wcomp| = (1,0 × 288,15) [(5,2)0,286 – 1] / 0,8 = 216,7 kJ/kg
c) O trabalho especí co real da turbina:
(k-1)/k
wT = ηTCPT3 [1 – 1 / (P3/P1) ]
0,286
wT = 0,85 × 1,0 × 1113,15 [1 – 1/(5,2) ] = 355,4 kJ/kg
d) O trabalho especí co líquido real do ciclo:
wlíq = wT – |wcomp| = 355,4 – 216,7 = 138,7 kJ/kg
e) A vazão de ar necessária para produzir 1 kW:

f) Obtenção da temperatura T4:

Como wturb = CP(T3 – T4) ⇒ T4 = T3 –

Então,

Resumo dos dois exemplos:

  ηtérmico wc wturb wT T4

Exemplo 3.5 37,6 % 173,4 418,2 244,8 14,7 421,7

Exemplo 3.7 22,8 % 216,7 355,4 138,7 25,6 484,6

3.3.3 Ciclo de Brayton com regenerador ou recuperador de calor


Uma das primeiras coisas que ressaltam na análise do ciclo de Brayton simples é que os gases de exaustão saem
com uma temperatura relativamente elevada, chegando a mais de 600 ºC em muitas máquinas. Por outro lado, fluxo
de calor tem de ser fornecido ao ciclo, geralmente pela combustão de um combustível. Desse modo se concebeu o
ciclo de Brayton com regeneração ou recuperação da energia térmica dos gases de exaustão que, de outra forma,
seria liberada na atmosfera. Conforme indicado na Figura 3.16, a técnica consiste em aquecer o ar que foi
comprimido no compressor da máquina (estado 2) com os gases de exaustão da turbina (estado 4) por meio de um
trocador de calor de contracorrente, indicado na figura como regenerador. O ar comprimido, agora preaquecido,
adentra no estado A na câmara de combustão e, graças à energia térmica regenerada, menos combustível será
necessário para atingir o estado operacional 3 na entrada da turbina.
O regenerador ideal é um trocador de calor de contracorrente. Como se pode observar pelo gráfico da Figura
3.17, é possível ganhar uma parcela de energia térmica com a troca de calor ocorrida no regenerador. A parcela de
energia térmica regenerada, ou recuperada, é representada idealmente pela área sob a curva 2-A. Em vez do ar entrar
na câmara de combustão à temperatura T2, entra mais aquecido à temperatura TA.
Figura 3.16 Ciclo de Brayton com regeneração ou recuperação.

Figura 3.17 Diagrama temperatura versus entropia para um ciclo de Brayton regenerativo.

3.4 Motores de combustão interna (MCI) a pistão de movimento


alternativo
Os motores de combustão interna (MCI) têm grande aplicação nos transportes terrestre, ferroviário e marítimo. Os
MCI também encontram aplicação na geração elétrica com usos que vão de pequenos geradores elétricos até
termelétricas de média capacidade.
Uma vasta gama de combustíveis pode ser empregada, inclusive etanol, gasolina, diesel, biodiesel, óleos
combustíveis leves, biogás, hidrogênio, gás natural e gás liquefeito de petróleo.
Os MCI podem receber uma classificação bastante geral segundo suas excepcionais características de
funcionamento, quais sejam:
• Motor dois tempos: um ciclo motor definido pela produção de trabalho mecânico se completa a cada volta do
eixo do motor, compreendendo as etapas de admissão, compressão, combustão e exaustão. Essa característica
permite que o próprio pistão atue também como válvula, abrindo e fechando as janelas (aberturas) localizadas na
parede da câmara de combustão. Essa opção simplifica a máquina e é muito utilizada em motores de pequeno
porte. Há, porém, motores marítimos e de locomotivas de grande porte que também são de dois tempos. Os MCI
de dois tempos apresentam também maior potência por unidade de volume em relação aos MCI de quatro
tempos descritos a seguir. Isso significa que para desenvolver uma mesma potência de eixo, uma máquina menor
e, portanto, mais leve é necessária. No entanto, seus índices de poluição são maiores.
• Motor quatro tempos: um ciclo motor (produção de trabalho mecânico) se completa a cada duas voltas do eixo
do motor. Nesse caso, para um pistão, ocorre admissão e compressão numa volta do eixo e combustão na volta
consecutiva. Essa alternância requer necessariamente o emprego de válvulas sincronizadas com o movimento do
pistão, de forma a se ter metade da velocidade de rotação da mesma, permitindo que o ciclo de abertura de
válvulas dure os quatro tempos. Por esse motivo, o motor de quatro tempos opera com rotação duas vezes maior
que o motor de dois tempos, como regra geral.

Esses motores podem trabalhar em vários ciclos térmicos, sendo os mais difundidos os ciclos de Otto e de
Diesel, objetos de análise nas seções seguintes.

3.4.1 Principais fenômenos que ocorrem em um MCI e ciclo-padrão a ar


No MCI, o ar atmosférico é misturado com o combustível. A mistura sofre uma reação de combustão, liberando
calor e originando os produtos de combustão. A composição química da mistura de ar e combustível é, por isso,
alterada durante a operação do motor. A operação de um MCI não é a de um ciclo termodinâmico completo, uma
vez que ocorre uma modificação na composição do fluido, bem como admissão e exaustão do mesmo no motor.
Pelas definições dos conceitos termodinâmicos, um motor de combustão interna não é estritamente uma
máquina térmica, principalmente pelos seguintes motivos:

• O fluido de trabalho não completa um ciclo termodinâmico, como já mencionado.


• Não há troca de calor com os reservatórios térmicos de alta e baixa temperatura. O que há são os processos de
admissão de ar juntamente com combustível, sua combustão e a descarga dos produtos de combustão para a
atmosfera.

Devido à complexidade dos fenômenos que ocorrem em um MCI, foram concebidos os chamados ciclos-padrão
a ar. Nesse caso, os vários processos termodinâmicos que ocorrem na prática são modelos aproximados de
comportamento termodinâmico mais simples. Com relação aos ciclos-padrão a ar, é preciso fazer as considerações a
seguir:

• O fluido de trabalho é sempre o ar atmosférico, o qual é considerado um gás ideal, ou seja, ignora-se a
transformação química que ocorre durante o processo de combustão do ar com o combustível.
• A combustão é substituída por um processo de transferência de calor, ou melhor, um reservatório de alta
temperatura transfere calor QH para o ar.
• O ciclo é completado pela transferência de calor ao meio ambiente, isto é, o processo de exaustão dos produtos
de combustão é substituído pela transferência de calor QL para o reservatório de baixa temperatura.
• Todos os processos são internamente reversíveis.
• O ar apresenta calores específicos constantes.

3.4.2 Ciclo mecânico do motor de 4 tempos, ignição por centelha e processos


termodinâmicos
O trabalho mecânico é produzido em um tempo motor apenas. Nos outros três tempos ele deve executar as funções
necessárias à realização do ciclo. O movimento alternativo do pistão é transformado em movimento de rotação por
meio de um mecanismo do tipo biela-manivela. O caráter pulsante do torque no eixo torna necessário o emprego de
um volante de inércia para suavizar esses pulsos.
Parâmetros geométricos do cilindro

Figura 3.18 Parâmetros geométricos do cilindro.

Como podemos observar na Figura 3.18, o pistão se movimenta de forma alternativa entre o PMS e o PMI. O
PMS, ponto morto superior, é a máxima posição que a cabeça do pistão alcança. O PMI, ponto morto inferior, é o
ponto mais baixo que a cabeça do pistão alcança.
Quando o pistão está no PMS, V0 indica o volume da câmara de combustão. Quando o pistão está no PMI, tem-
se o volume total da câmara, VT.
O volume deslocado por um pistão, VD, é chamado de “cilindrada unitária”, definida por:

Em seu percurso entre o PMS e o PMI, o curso do pistão é S. Finalmente, d é o diâmetro do cilindro.

Definições de desempenho e testes

• Cilindrada, (VD)

É definida como o volume total deslocado pelos pistões quando percorre o curso por uma única vez, como visto no
esquema do pistão. É a forma da Equação (3.31), dada por:

em que:

N = número de cilindros/pistões;
d = diâmetro do cilindro;
s = curso.
• Taxa ou razão de compressão, (rV)

Essa taxa corresponde à razão entre o volume total do cilindro e o volume da câmara de combustão, conforme
esquema da Figura 3.15, isto é:

É claro que:

em que Vp é o volume deslocado por um único pistão.

As quatro fases do motor de combustão interna

O MCI de 4 tempos possui quatro fases de operação, quais sejam:

• admissão: o pistão, deslocando-se no sentido descendente, aspira a mistura ar-combustível, através da válvula de
admissão;
• compressão: atingindo o PMI, fecha-se a válvula de admissão e inicia-se a compressão da mistura ar-
combustível;
• combustão e expansão: pouco antes do pistão atingir o PMS, ocorre o início da combustão provocada pela
centelha da vela. A combustão ocorre praticamente sob volume constante no caso do ciclo de Otto e sob pressão
constante no ciclo de Diesel;
• exaustão: atingindo novamente o PMI, dá-se a abertura da válvula de exaustão, o que permite o início da
descarga dos produtos da combustão. Em seguida, em movimento ascendente, o pistão expulsa os produtos da
combustão.

3.5 Ciclo de Otto


O ciclo de Otto é concebido como um ciclo de potência ideal que se aproxima do motor de combustão interna de
quatro tempos de ignição por centelha (vela) movido a gasolina, etanol, gás natural e gás liquefeito de petróleo.
A Figura 3.19 mostra os diagramas P-V e T-S para o ciclo de Otto.
A seguir, são descritos os quatro processos do ciclo de Otto indicados nos diagramas da Figura 3.19.

a) Trabalho específico de compressão:

Processo 1-2, compressão reversível e adiabática (isentrópica); modela e substitui a compressão da mistura ar +
combustível:
Figura 3.19 Diagramas P-V e T-S para o ciclo de Otto.

b) Calor, por unidade de massa, adicionado (combustão):

Processo 2-3, adição de calor QH a volume constante; substitui e modela a combustão da mistura de ar com
combustível:

c) Trabalho específico de expansão:

O processo 3-4, expansão reversível e adiabática (isentrópica), substitui e modela o processo de expansão dos
produtos de combustão com realização de trabalho:

d) Calor, por unidade de massa, rejeitado (escape):

O processo 4-1, rejeição de calor QL sob volume constante, substitui e modela a exaustão dos produtos de
combustão para a atmosfera e nova admissão da mistura de ar com combustível.
O rendimento térmico do ciclo de Otto, ηT, é definido como a razão entre o trabalho líquido (WL = W3-4 – W1-2) e
o calor fornecido (QH):

Pode-se mostrar que WL = QH – QL, portanto:

Os processos 1-2 e 3-4 são isentrópicos, então é possível demonstrar, com a aplicação da Equação (2.39) que:

e, portanto, tem-se que:

Substituindo o resultado anterior na Equação (3.40), obtém-se que a expressão final do rendimento térmico do
ciclo de Otto é:

sendo k igual à razão entre calores específicos, ou seja, k = Cp/Cv, que para o ar atmosférico, tem-se que k = 1,4.
rv = taxa de compressão (Eq. 3.33).
Observando a expressão da Equação 3.43, pode-se concluir que o rendimento do ciclo-padrão de Otto é função
apenas de:

• taxa ou razão de compressão, rv. Isso é notável, uma vez que o rendimento térmico do ciclo depende de um
parâmetro geométrico de construção do conjunto cilindro-pistão que pode ser alterado de acordo com o interesse
do projetista;
• coeficiente isentrópico do ar, k.

Além disso, a análise da expressão do rendimento térmico mostra que seu valor aumenta continuamente com a
taxa ou razão de compressão, como indicado na Figura 3.20. A pergunta natural que se segue é: Por que não se
trabalhar com a maior taxa de compressão possível, já que, com isso, o rendimento térmico aumenta?
Para o ciclo real, o limite de operação da taxa de compressão está associado com a tecnologia e a natureza do
combustível. É a chamada tendência de detonação do combustível (efeito de bater pino). Por isso, as taxas de
compressão dos motores de ciclo de Otto limitam-se a certos valores que dependem das características físico-
químicas dos combustíveis. A “resistência” ao fenômeno de detonação do combustível é medida pelo seu índice de
octanagem. Exemplo de alguns valores de taxa de compressão para alguns combustíveis:

Motores a gasolina: rv ~ 9:1 a 10:1


Motores a etanol: rv ~ 12:1 a 14:1
Motores a gás natural: rv ~ 15:1 a 17:1
Uma última e pertinente análise diz respeito ao aumento relativo da taxa de compressão a partir de sua expressão
(Eq. 3.43), cujo gráfico é mostrado na Figura 3.20.

• Se rv aumentar de 2 para 4, a eficiência resultante aumenta relativamente de 76 %, isto é, a eficiência passa de


24,2 % para 42,6 %;
• Se rv aumentar de 4 para 8, a eficiência resultante aumenta relativamente de 32,6 %;
• Se rv aumentar de 8 para 16, a eficiência resultante aumenta relativamente de 18,6 %.

Figura 3.20 Dependência da eficiência térmica com a taxa de compressão para um ciclo de Otto.

3.5.1 Aspectos principais em que o ciclo a ar de Otto se afasta do motor real


a) os calores específicos dos gases reais não são constantes e aumentam com a temperatura;
b) o processo de combustão, que pode ser incompleto, substitui a troca de calor a alta temperatura QH;
c) no motor real, a mistura de ar com combustível é transformada em produtos de combustão (CO2 e vapor de água
— o gás nitrogênio não reage, em tese). Portanto, ocorre uma mudança no fluido de trabalho;
d) o caso real envolve fluxos mássicos de admissão e exaustão na câmara de combustão — no ciclo a ar de Otto há
sempre a mesma quantia de ar no cilindro;
e) ocorrem perdas de carga nas válvulas de admissão e exaustão;
f) a troca de calor entre os gases e as paredes do cilindro são consideráveis;
g) ocorrem irreversibilidades associadas às diferenças de pressão e temperatura presentes no cilindro e aos
processos de compressão e expansão dos gases.

3.6 Ciclo de Diesel


O ciclo de Diesel é o ciclo de potência ideal que representa os motores de quatro tempos de ignição espontânea. São
movidos a diesel, biodiesel e, mediante adaptações, podem também ser acionados por misturas de gás (ou biogás) e
diesel (ou biodiesel).
A Figura 3.21 mostra os diagramas P-v e T-s para o ciclo de Diesel.
A seguir são descritos os quatro processos do ciclo de Diesel indicados nos diagramas da Figura 3.21.

a) Trabalho específico de compressão:

b) Calor, por unidade de massa, adicionado (combustão):


Figura 3.21 Diagrama P-v e T-s para o ciclo de Diesel.

c) Trabalho específico de expansão:


Pela Primeira Lei da Termodinâmica, tem-se:

d) Calor, por unidade de massa, rejeitado (escape):

• processo 1-2, compressão isentrópica; o ar é comprimido de forma adiabática e reversível;


• processo 2-3, adição de calor a pressão constante, o combustível é injetado em alta pressão (P2 = P3) e, em
função da combustão espontânea, dá-se início à liberação de calor;
• processo 3-4, expansão isentrópica dos produtos de combustão, gerando trabalho mecânico;
• processo 4-1, rejeição de calor a volume constante; substitui a descarga dos produtos de combustão para a
atmosfera e nova admissão da mistura ar.

O rendimento térmico do ciclo de Diesel, ηT, é definido como a razão entre o trabalho líquido do ciclo e o calor
fornecido (QH):
Pela Primeira Lei, tem-se que WL = QH – QL, e, substituindo-se as Equações (3.46) e (3.47),

Pelo processo isentrópico 1-2 e pelo processo isobárico 2-3, tem-se, da Equação (2.39)

em que rC é a razão de corte de combustível ou razão de carga:

e rV é a taxa ou razão de compressão (veja a Eq. 3.33).

Desse modo, após algumas manipulações, obtém-se a expressão final da eficiência térmica do ciclo de Diesel;

Exemplo 3.8

Um ciclo-padrão a ar de Diesel apresenta taxa de compressão rV = 20 e o calor por unidade de massa transferido ao uido de trabalho, por ciclo, é
de 1800 kJ/kg. Sabendo-se que no início do processo de compressão a pressão é P1 = 0,1 MPa (1 bar) e a temperatura T1 = 15 °C, determine:

a) a pressão e a temperatura em cada ponto do ciclo;


b) o rendimento térmico do ciclo;
b) a pressão média efetiva.

Resolução:

A Segunda Lei da Termodinâmica para o processo de compressão 1-2 diz que: s2 = s1. Dessa forma, temos:

k-1 k
T2 / T1 = (V1 / V2) e P2 / P1 = (V1 / V2)

A Primeira Lei da Termodinâmica para o processo de transferência de calor 2-3 é:

qH = q2-3 = CP (T3 – T2)

E a Segunda Lei para o processo de expansão 3-4 é:


s4 = s3

Portanto,

T3/T4 = (V4/V3)k-1

ηT = wlíq / qH
PME = wlíq / (v1 – v2)

Por conseguinte:
V1 = (0,287 × 288,2)/100 = 0,827 m3/kg
V2 = V1/20 = 0,827/20 = 0,04135 m3/kg
T2/T1 = (V1/V2)k-1 = 200,4 = 3,3145 ⇒ T2 = 955,2 K
P2/P1 = (V1/V2)k = 201,4 = 66,29 ⇒ P2 = 6,629 MPa
qH = q2-3 = CP (T3 – T2) = 1800 kJ/kg
T3 – T2 = 1800/1,004 = 1793 ⇒ T3 = 2748 K
3
V3 / V2 = T3 / T2 = 2748/955, 2 = 2,8769 ⇒ V3 = 0,11896 m /kg
k-1 0,4
T3 / T4 = (V4 / V3) = (0,827/0,11896) = 2,1719 ⇒ T4 = 1265 K
qL = q4-1 = CV (T1 – T4) = 0,717 (288,2 – 1265) = –700,4 kJ/kg
Wlíq = 1800 – 700,4 = 1099,6 kJ/kg
ηT = wlíq / qH = 1099,6/1800 = 61,1 %
PME = wlíq / (V1 – V2) = 1099,6 / (0,827 – 0,04135) = 1400 kPa

Ciclo de Otto × ciclo de Diesel

Analisando-se a equação da eficiência térmica do ciclo de Diesel (Eq. 3.54) observa-se que a expressão difere da do
ciclo de Otto (Eq. 3.43) pelo termo entre colchetes, que é uma função de rc, isto é, f(rc). Por outro lado, f(rc) é função
sempre maior que 1, pois rc é maior que 1. Isso está indicado na Equação (3.55). Sucede que, para determinada taxa
de compressão rV, o ciclo de Otto é mais eficiente que o ciclo de Diesel, conforme indicado na Figura 3.22 (maior
área líquida do ciclo).
Entretanto, na prática, sabe-se que o ciclo de Diesel é mais resistente ao fenômeno da detonação, e que os
motores baseados nesse ciclo trabalham com taxas de compressão mais elevadas, entre 18:1 e 20:1. Por outro lado,
no ciclo de Otto a gasolina e o álcool (flex) variam entre 10:1-14:1. Com isso, na prática, a eficiência térmica do
ciclo de Diesel pode acabar sendo maior que a do ciclo de Otto em função da sua taxa de compressão ser maior.
Figura 3.22 Comparação entre os diagramas P-V de um ciclo de Otto e de um ciclo de Diesel.

3.6.1 Ciclo combinado Brayton-Rankine


Os gases de exaustão de uma turbina têm temperatura relativamente elevada e, em geral, são lançados na atmosfera.
Por isso, é bastante atrativa a utilização da energia térmica contida nesses gases para alguma outra finalidade. Há
uma série de possibilidades para o aproveitamento dessa energia térmica. Entre elas:

• a produção de frio pela utilização de uma máquina de absorção de calor (Seção 3.9);
• a produção de vapor de água ou aquecimento de algum outro fluido térmico;
• a produção de vapor para acionamento de uma turbina a vapor.

Os casos 1 e 2 aqui citados são geralmente objetos dos sistemas de cogeração, amplamente discutidos no
Capítulo 12. O caso 3 é o que nos interessa e se trata de um ciclo combinado em que os rejeitos térmicos de uma
turbina a gás são empregados para gerar vapor em uma caldeira de recuperação para acionamento de uma turbina a
vapor. A Figura 3.23 mostra o esquema de um ciclo combinado simples formado por uma turbina a gás e uma
turbina a vapor.
Com referência à Figura 3.23, pode-se definir a eficiência térmica do ciclo combinado como:

Por outro lado, substituindo-se a expressão da eficiência da turbina a vapor, ou seja, W·TV = ηTVQcomb, vem que:
Assumindo-se que a energia térmica dos gases de exaustão da chaminé da caldeira de recuperação seja muito
pequena, o fluxo de calor do ciclo combinado é:

Assim, fazendo-se a substituição na expressão anterior, tem-se:

Finalmente, usando a definição de rendimento do ciclo de Brayton, isto é:

obtém-se a expressão final da eficiência térmica do ciclo combinado, ou seja:

O rendimento do ciclo combinado atinge valores mais elevados quando comparados com os casos em que as
máquinas operam isoladamente.
Por exemplo, considere um ciclo de Brayton com rendimento de 40 %, e um ciclo de Rankine com rendimento
de 25 %. O rendimento do ciclo combinado desse arranjo será de 55 %, como dado pela Equação (3.61).

3.6.2 Ciclo combinado – con gurações


Há várias formas de se combinarem turbinas a gás e a vapor para produção de energia elétrica. A Figura 3.24 ilustra
o caso de um sistema de dois eixos e dois geradores elétricos separados, cada um solidário com uma das turbinas.
No sistema ilustrado na Figura 3.24, os gases de exaustão são dirigidos para a caldeira de recuperação (HRSG).
A caldeira pode gerar vapor em um ou mais níveis de pressão (na ilustração há dois níveis — alta pressão, HP e
baixa pressão, LP). O vapor alimenta a turbina que produz eletricidade em seu próprio gerador elétrico. Nesse
arranjo, as turbinas estão desacopladas, o que permite que a turbina a vapor seja desligada independentemente da
turbina a gás.
Figura 3.23 Ciclo combinado Brayton-Rankine.
Figura 3.24 Esquema de ciclo combinado com caldeira de recuperação de vapor (HRSG).

Outra configuração possível se dá em máquina de eixo simples. Isto é, as duas turbinas trabalham em um só
eixo. Essa configuração reduz o custo de investimento, já que apenas um gerador é necessário. Contudo, a operação
das turbinas é sempre concomitante, exceto se a turbina a vapor estiver acoplada por meio de um sistema de
embreagem.

3.6.3 Ciclo combinado – Caldeira de recuperação


A caldeira de recuperação ou HRSG (do inglês, heat recovery steam generator) é o equipamento que produz vapor
de água pressurizado para acionar o ciclo de Rankine mediante transferência de calor dos produtos de combustão do
ciclo de Brayton na configuração de ciclo combinado. A caldeira de recuperação é do tipo convectiva, ou melhor, a
troca de calor dos gases quentes para a água é por convecção de calor. Já nas caldeiras comuns, a radiação térmica
desempenha um papel bem significativo. Vapor pode ser gerado em um ou mais níveis de pressão para alimentar a
turbina a vapor, ou mesmo ser consumido em algum outro ponto do processo. Em situações em que a demanda de
vapor é maior do que o que pode ser produzido pela simples recuperação da energia térmica dos gases de
combustão, uma queima adicional de combustível pode ser realizada. Deve-se cuidar para que a temperatura dos
gases de exaustão não caia demasiadamente, pois poderá ter início o processo de condensação do vapor de água dos
gases e, como resultado, ter início o processo de corrosão da tubulação, dependendo da composição química do
combustível (sobretudo, enxofre). Também é preciso deixar os gases com temperatura suficiente para não prejudicar
a sua tiragem. Assim, sugere-se uma temperatura de tiragem acima de cerca de 150 oC.
Um conceito importante no projeto e seleção das caldeiras de recuperação é a mínima diferença de temperatura
alcançada entre os gases e o vapor de água, ou ponto de pinça (pinch point). Os gases de exaustão da turbina a gás
entram na caldeira de recuperação na temperatura (5) e a deixam em (6), como ilustrado na Figura 3.25. A água
entra no economizador na condição (d) e o deixa em (x), na condição de líquido saturado. Exatamente nessa
condição ocorre o ponto de pinça, que é a diferença entre a temperatura dos gases de exaustão naquela seção e a
temperatura de saturação da água. Os mínimos valores recomendados são ΔT = 15 °C a 30 °C.
Figura 3.25 Ponto de pinça para uma caldeira de recuperação com economizador superaquecido.

Ainda em referência à Figura 3.25, entre os pontos (x) e (y), a água sofre o processo de vaporização, sendo que
em (y) ela se transforma em vapor saturado. A partir do ponto (y) o vapor se torna superaquecido e vai deixar a
caldeira em (a). A temperatura de pinça é afetada pela pressão de vaporização da água.

3.7 Ciclo de refrigeração por compressão a vapor


Os ciclos de refrigeração de compressão a vapor constituem os ciclos básicos de funcionamento dos sistemas de
refrigeração e de ar condicionado. Em teoria, se o sentido de operação do ciclo térmico de Carnot (Seção 3.1) operar
de forma inversa, ou seja, rejeitando calor para uma fonte de alta temperatura e absorvendo calor de uma fonte de
baixa temperatura, obtém-se o efeito desejado de retirada de calor da fonte de baixa temperatura — efeito de
refrigeração.
O ciclo de Carnot de refrigeração é ilustrado no diagrama temperatura-entropia específica da Figura 3.26 (a).
Note-se que, nesse caso, a mistura de vapor e líquido (1) sofre um processo de compressão isentrópica até que o
estado de vapor saturado (2) seja atingido. Em seguida, o vapor sofre um processo de condensação completa até que
o estado de líquido saturado (3) seja alcançado. A expansão do estado (3) de alta pressão para o estado (2) de baixa
pressão se dá por meio de uma turbina isentrópica no caso ideal. Porém, essa máquina seria de difícil construção e
operação. Em função disso, esse processo é normalmente substituído por um processo de estrangulamento
adiabático, em geral obtido por meio de uma válvula ou orifício que reduz a pressão do fluido. Do ponto de vista
termodinâmico, esse processo de estrangulamento adiabático indica que a entalpia específica se mantém constante,
isto é, h3 = h4, fato esse ilustrado no diagrama temperatura-entropia da Figura 3.26 (b). Nesse caso, a expansão
isentálpica é um dos pontos que fazem com que o ciclo seja diferente do ciclo de Carnot de refrigeração (Figura
3.27 (a)).

3.7.1 Ciclo-padrão de compressão mecânica a vapor


Para se estabelecer o ciclo ideal ou padrão de compressão mecânica a vapor, outro detalhe operacional precisa ser
resolvido. Tendo em vista o diagrama da Figura 3.26 (a), nota-se que o processo de compressão 1-2 tem início com
uma mistura de líquido e vapor, que, do ponto de vista tecnológico, constitui uma barreira, uma vez que se deve
evitar a entrada de líquidos nos compressores como regra geral. Desse modo, o ciclo ideal ou padrão de compressão
mecânica a vapor baseia-se no ciclo no qual o estado termodinâmico (1) se torna vapor saturado seco, como
ilustrado na Figura 3.27 (a).
Nesse caso, também o estado 2 será vapor superaquecido, já que a compressão isentrópica 1-2 levará o vapor a
esse estado. Além disso, a condensação 2-3 será agora a pressão constante. É importante frisar que, em se tratando
de análises de ciclos de refrigeração, é preferível utilizar o diagrama pressão-entalpia específica, como o da Figura
3.27 (a). Assim, o ciclo ideal ou padrão de compressão mecânica a vapor consiste nos seguintes quatro processos
principais, descritos a seguir e indicados no diagrama da Figura 3.27 (a):

• 1-2: compressão isentrópica (adiabática reversível s1 = s2), sendo que o estado 1 é vapor saturado seco, e o
estado 2 vapor superaquecido (processo de compressão realizado pelo compressor);
• 2-3: resfriamento e condensação a pressão constante (realizado pelo condensador), até que o estado 3 seja
líquido saturado a alta pressão (P2 = P3) — rejeição de calor;
• 3-4: expansão isentálpica (h3 = h4) por meio de válvula de expansão ou outro dispositivo de estrangulamento;
• 4-1: evaporação a pressão constante (P4 = P1); retirada de calor do meio. Nesse caso, a temperatura também é
constante e é denominada temperatura de evaporação. A evaporação do fluido é que retira o calor do meio que
se pretende resfriar (efeito de refrigeração).

Figura 3.26 Diagramas temperatura-entropia. (a) Ciclo de Carnot de refrigeração; (b) ciclo de refrigeração com expansão
isentálpica.
Figura 3.27 Ciclo-padrão de compressão mecânica a vapor. (a) Diagrama pressão-entalpia específica; (b) componentes básicos.

A Figura 3.27 (b) mostra os componentes básicos do ciclo-padrão esquematizado na mesma figura.

Definições importantes
Trabalho específico, w: trabalho líquido (isto é, potência de compressão por unidade fluxo de massa de
refrigerante) necessário para acionar o ciclo de refrigeração. Do diagrama P-h da Figura 3.27 (a), tem-se:

Potência de compressão, : potência total necessária para acionar o compressor do ciclo de refrigeração. Sendo a
vazão mássica de refrigerante [kg/s], tem-se:

Carga de refrigeração ou capacidade frigorífica: fluxo de calor total retirado do ambiente refrigerado. Também é
chamado de efeito de refrigeração. Pode ser específica q (por unidade de massa) ou total, . Do diagrama P-h da
Figura 3.27 (a), advém:

Coeficiente de desempenho – COP (do inglês, coefficient of performance): um parâmetro que indica uma espécie
de rendimento de um ciclo frigorífico qualquer. O COP é definido como a razão do efeito desejado (carga ou
capacidade de refrigeração) pela quantia gasta para se obter aquele efeito (potência de acionamento do compressor
do ciclo). Do diagrama P-h da Figura 3.27 (a), advém:
Exemplo 3.9

O refrigerante R134a é utilizado em um ciclo de compressão a vapor, tendo a temperatura de evaporação de 0 °C e de condensação de 26 °C. A vazão
mássica do refrigerante é de 0,08 kg/s.
Determine:
a) a potência do compressor em kW;
b) a carga de refrigeração, ou capacidade frigorí ca em kW e em TR (toneladas de refrigeração);
c) o COP.

Dados:
h1 = 247,23 kJ/kg;
h2 = 264,7 kJ/kg;
h3 = h4 = 85,75 kJ/kg (dados extraídos de uma tabela de propriedades termodinâmicas do refrigerante R134a).

Resolução:

Notas:
(*) 1 TR = 3,517 kW;
(**) O valor do COP obtido é bastante elevado, pois se trata de um exemplo ilustrativo, com efeito didático. Valores mais comuns para sistemas de
média capacidade giram em torno de 3 a 4, para ciclos de compressão a vapor de pequeno porte.

Geralmente o COP é maior que a unidade, o que significa que se obtém um efeito ou carga de refrigeração
superior ao “preço energético” que se paga por ele, que é o trabalho de compressão.
O COP ainda deve ser analisado com critério. Alguns projetistas, e mesmo fabricantes, costumam incluir na
potência de compressão a potência de acionamento de outros equipamentos e também de outros sistemas auxiliares.

Exemplo 3.10

O cálculo da capacidade de um sistema de ar condicionado resultou em 10 TR. Ao projetista foram apresentadas duas tecnologias que usam dois
tipos diferentes de refrigerantes. Em ambos os casos, a temperatura de evaporação é de 5 °C:

a) Um ciclo operando com isobutano.


b) Um ciclo operando com R134a.

Considere que o líquido retorne do condensador com temperatura de 35 °C. Pede-se calcular os efeitos refrigerantes ou cargas de refrigeração e
as vazões mássicas de cada alternativa.

Resolução:

a) Isobutano:
b) R134a:

Refrigerante Entalpia, h1 (kJ/kg) Entalpia h3 (kJ/kg)

R134a 250,1 98,8

Isobutano (R600a) 678,6 401,3

Nota: o efeito de refrigeração do isobutano é maior que o do R134a, signi cando que, para uma mesma capacidade de refrigeração, uma vazão
mássica menor de refrigerante de isobutano é necessária, reduzindo o tamanho geral do compressor e demais equipamentos.

Ciclo real de compressão mecânica a vapor


Condições operacionais e perdas associadas ao escoamento do refrigerante impedem a realização prática de um
ciclo de compressão a vapor, conforme é possível verificar na Figura 3.28. As principais diferenças são:
• perdas por atrito associadas ao escoamento do fluido — perdas de carga tanto no condensador como no
evaporador. Note no gráfico da Figura 3.28 que durante os processos de evaporação e de condensação há uma
diminuição das pressões correspondentes;
• o líquido que sai do condensador (estado 3) e entra no evaporador está ligeiramente sub-resfriado. Isso é feito
para garantir que apenas líquido entre no dispositivo de expansão (veja válvula de expansão a seguir em
componentes do ciclo);
• o vapor que sai do evaporador (estado 1) e entra no compressor não deve carregar líquido ou gotículas de líquido
consigo, visto que pode danificar alguns tipos de compressores. Por isso, provoca-se um superaquecimento do
vapor a fim de garantir que apenas a fase vapor seja aspirada pelo compressor;
• o vapor do refrigerante sofre um processo não ideal de compressão no compressor (não é compressão
isentrópica).
Figura 3.28 Diagrama P-h para o ciclo real e o ciclo-padrão.

3.7.2 Bombas de calor


Embora no exterior já sejam empregadas com bastante frequência, no País o uso das bombas de calor avança em
aplicações que vão do aquecimento de piscinas e ambientes ao aquecimento de água e líquidos, de forma geral. Em
princípio, o ciclo operacional é exatamente idêntico ao ciclo de refrigeração discutido na seção anterior. A diferença
encontra-se no fato de que, no caso de bombas de calor, objetiva-se empregar a energia térmica (calor) de
condensação para finalidades de aquecimento. Nesses equipamentos, o evaporador está voltado para o ambiente
externo e o condensador está voltado para o processo de aquecimento do ambiente ou de água. O exemplo a seguir
mostra as vantagens do aquecimento via bomba de calor em contraste com o aquecimento direto por meio de
eletricidade.

Exemplo 3.11

Uma bomba de calor é utilizada para atender às necessidades de aquecimento de uma casa, mantendo-a a 20 °C. Nos dias em que a temperatura
externa cai para 2 °C, estima-se uma perda de calor da casa a uma taxa de 50.000 kJ/h. Se a bomba de calor, nessas condições, tiver um COP de 2,5,
determine (a) a potência elétrica consumida pela bomba de calor; (b) a potência elétrica consumida, caso o aquecimento se dê por meio de
resistências elétricas.
Resolução:

a) Note-se que, nesse caso, o COPBC é de nido como a razão entre a potência de aquecimento e a potência de acionamento do compressor, ou
seja:

b) O aquecimento elétrico direto seria a própria taxa de calor perdido pelo ambiente, ou melhor, 50.000 kJ/h = 11,1 kW.

Nota: este exemplo mostra a vantagem de se usar uma bomba de calor (consumo de 5,5 kW) em vez do aquecimento direto (consumo de 11,1
kW).

3.7.3 Recuperação de calor


Como estudado, os ciclos de compressão mecânica a vapor devem rejeitar o calor gerado no processo de
condensação para o meio ambiente. Uma possibilidade de aproveitamento dessa energia térmica é o emprego de um
sistema de aquecimento de água acoplado ao condensador. Para isso, há várias configurações disponíveis, sendo que
Zuzarte e Simões-Moreira (2014) conceberam e testaram um sistema de recuperação em que a serpentina de
condensação passa por um pequeno reservatório acoplado a uma geladeira comercial que é mantido
permanentemente cheio de água, sendo que a água quente é consumida pela parte superior e reposta por água fria
pela parte inferior do reservatório. O fluido refrigerante circula por uma serpentina imersa no reservatório, transfere
calor para a água e, posteriormente, dirige-se ao condensador a ar original da geladeira. Dessa forma, se não houver
consumo da água quente, a água do reservatório continuará aquecida e o fluido refrigerante sofrerá o processo de
condensação em seu condensador original instalado em série com o reservatório. O protótipo testado mostrou uma
economia acima de 10 % de energia elétrica, já que a água, em geral, está com temperatura inferior à do ar
atmosférico, o que resulta em uma temperatura de condensação inferior, implicando um melhor COP. Além disso, a
água aquecida também é produzida sem custo operacional. Considerando-se que, no Brasil, a água é geralmente
aquecida por meio de energia elétrica, essa parcela de energia de aquecimento de energia térmica recuperada
também desloca o uso da energia elétrica para essa finalidade.
O sistema pode ser empregado tanto para geladeiras residenciais, como comerciais, bem como em sistemas de ar
condicionado. Na Figura 3.29 pode ser vista a fotografia do protótipo de reservatório de água de cerca de 20 litros
que foi construído e testado no laboratório SISEA da Universidade de São Paulo (USP). O projeto foi fruto do
pedido de patente BR 10 2014 027845-1.
Finalmente, fabricantes poderiam comercializar geladeiras e aparelhos de ar condicionado baseados neste
sistema de recuperação do calor de condensação. Nesse sentido, um sistema de recuperação poderia ser um
acessório do equipamento, aumentando sua versatilidade na produção do efeito de refrigeração e calor
simultaneamente. Se a tecnologia fosse adotada em larga escala, não só o consumidor final teria ganhos diretos na
diminuição da sua conta de energia, como também o sistema elétrico do país poderia ser aliviado.

3.8 Ciclos de absorção de calor


Os sistemas de refrigeração por absorção de calor baseiam-se no comportamento do equilíbrio químico de dois
fluidos distintos que não são reativos entre si e que têm propriedades termodinâmicas particularmente adequadas
para as temperaturas e pressões de trabalho dos ciclos de refrigeração. Os pares água-brometo de lítio e água-
amônia são, atualmente, os que têm largo emprego comercial e que satisfazem muitos critérios termodinâmicos e de
operação. Entretanto, eles também possuem alguns inconvenientes. O par água-brometo de lítio pode apresentar
formação de fase sólida da água (gelo), o que inviabiliza seu emprego em refrigeração e o restringe aos sistemas de
ar condicionado apenas. Além disso, o brometo de lítio pode se cristalizar em valores moderados de concentração e,
normalmente, os sistemas baseados nessa tecnologia são mais volumosos, uma vez que a água é um fluido
refrigerante com elevado volume específico da fase vapor para baixas pressões. Por outro lado, o par água-amônia
pode operar em sistemas de refrigeração, em temperaturas subzero. A Tabela 3.3 indica uma comparação dos dois
sistemas de absorção juntamente com o sistema convencional de compressão a vapor.

Figura 3.29 Fotografia do reservatório de recuperação de calor.

Os registros históricos indicam que a primeira patente de um sistema de refrigeração por absorção comercial foi
obtida em 1860 por Ferdinand Carré, nos Estados Unidos. Tratava-se de um ciclo de amônia-água e tinha como
finalidade o uso na área de refrigeração. Mais recentemente, a partir de 1960, esse uso tem sido mais generalizado,
inclusive com uso para ar condicionado residencial.
Considere a Figura 3.30 para compreender a diferença operacional de um ciclo de compressão mecânica a vapor
e um ciclo de absorção. No ciclo de compressão mecânica a vapor, um compressor é responsável pela elevação da
pressão do vapor de baixa pressão para alta pressão, como indicado pelo retângulo tracejado na Figura 3.30 (a).
Trata-se de um componente único, em geral acionado por um motor elétrico. Com relação ao ciclo de absorção, a
elevação da pressão da linha de vapor de baixa pressão é obtida pelos processos térmicos de absorção do vapor Qabs
(com liberação do calor) por um líquido e pelo bombeamento da mistura ao nível da alta pressão pela bomba de
solução. A mistura de líquido refrigerante passa a receber calor de uma fonte, Qger, e, consequentemente, o fluido
refrigerante mais volátil se evapora e segue o processo normal do ciclo para o condensador. A solução fraca, que
contém a parte não evaporada do refrigerante, passa por uma válvula redutora de pressão e o ciclo se fecha. Esses
processos estão indicados na Figura 3.30 (b). Note que três componentes são comuns entre os ciclos de absorção e
os ciclos de compressão a vapor que são o condensador, a válvula de expansão e o evaporador. O “retângulo”
tracejado da figura superior indica que a função do compressor é substituída pelos componentes dentro do
“retângulo” tracejado da figura inferior.
A Figura 3.31 mostra os principais elementos que compõem o equipamento de refrigeração do ciclo de absorção
da mistura amônia-água. O gerador é responsável pela separação da amônia que entra no gerador misturada com
água no estado líquido no ponto 3 por meio do fornecimento de calor. O vapor de amônia produzido, ponto 7,
dirige-se ao condensador. A solução fraca, isto é, com baixa concentração de amônia, ponto 4, retorna para o
absorvedor. O calor fornecido ao gerador provém da combustão de um gás ou da recuperação de calor de uma
fonte térmica qualquer, como no caso de cogeração ou de energia solar.

Tabela 3.3 Comparação de sistemas de refrigeração

Ciclo de absorção de água- Ciclo de absorção de água-


Grandeza/Características Ciclo de compressão a vapor amônia brometo de lítio

Energia elétrica Funciona apenas com energia Utiliza tipicamente 7 % a 10 % da Utiliza tipicamente cerca de 5 %
elétrica. energia elétrica de que o da energia elétrica que o
compressor necessita para compressor utiliza.
trabalhar.

Refrigerante utilizado Varia com a aplicação. Amônia, com água como Água, com brometo de lítio como
absorvente. Um refrigerante absorvente.
natural de baixo custo.
Carga de absorvente (a disposição
é cara).

Limitação de temperatura Depende do refrigerante. 0 °C e abaixo. Apenas acima de 7 °C.

Energia térmica requerida Nenhuma. Vapor de baixa pressão, água Vapor de baixa pressão (unidades
quente ou rejeitos térmicos de simples estágio) e vapor de
como fontes de calor. alta pressão (unidades de
estágio duplo).

Quantidade de energia térmica Nenhuma. Varia em aproximadamente 9 Aproximadamente 8 kg/TR


(como vapor) kg/TR (operando a 0 °C) até 11 (estágio simples).
kg; TR (operando a –25 °C).
Aproximadamente 5 kg/TR (duplo
estágio).

Observações Requer a utilização de standby Baixa manutenção, trocadores de Vulnerável a utuações na


para serviços críticos. calor industriais comuns como temperatura da água de
por norma TEMA. refrigeração. O vácuo interno
Vulnerável a utuações de
di culta a identi cação de
temperatura na água de Bomba em standby de segurança.
vazamentos.
refrigeração. O uso de partes
Temperaturas mais altas do vapor
móveis e o desgaste O refrigerante precisa ser trocado
podem acabar com a utuação
representam baixa vida útil de se exposto ao ar durante a
da temperatura da água de
operação. manutenção.
refrigeração.
Construído com materiais
Operação facilmente entendida e
exóticos. Reparos no local e
acompanhada pelos
manutenção são difíceis.
operadores do compressor da
amônia.
O forte cheiro característico da
amônia age como alarme
natural em caso de vazamento.

O condensador faz com que o vapor de amônia (7) se condense sob alta pressão, perdendo calor para o meio
ambiente. Do condensador sai, portanto, amônia em estado líquido em alta pressão, ponto 8. Do ponto 8 a amônia
líquida sofre um processo de expansão (queda de pressão) para obter o ponto 9 de uma mistura bifásica de amônia
líquida e seu vapor. O restante do líquido é evaporado no evaporador, saindo vapor saturado no estado 10. No
absorvedor, o vapor de amônia é absorvido pela solução fraca 6 em baixa pressão. A solução fraca é a que veio do
gerador (ponto 4), trocou calor com a solução forte no trocador de calor e saiu, ainda em alta pressão, no estado 5.
Na VE-2 a solução fraca sofre uma queda de pressão para obter o estado 6.
No absorvedor ocorre a mistura e a absorção da amônia pela solução fraca água/amônia, mediante retirada de
calor. Finalmente, a solução forte 1, rica em amônia, é bombeada, alcançando o estado 2, preaquecida no trocador
de calor, e entra no gerador no estado 3, fechando o ciclo.
O princípio de funcionamento do ciclo de absorção é, por assim dizer, tão fascinante que o próprio Einstein se
interessou pelo mesmo. A Figura 3.32 mostra o esquema de um ciclo idealizado por Szilard que, por último, acabou
também sendo patenteado juntamente com Einstein em 1930, nos Estados Unidos. O problema da época era o
excessivo vazamento que os ciclos de compressão mecânica a vapor tinham, e por isso Szilard e Einstein
propuseram um ciclo sem partes móveis.
Figura 3.30 (a) Ciclo de compressão mecânica a vapor componentes; (b) ciclo de absorção de calor. Os componentes dentro do
“retângulo” tracejado desempenham o papel do compressor.
Figura 3.31 Ciclo de refrigeração por absorção de amônia-água típico.
Figura 3.32 Fac-símile do refrigerador por absorção de Szilard e Einstein (US Patent, 1930).

3.9 Células a combustível


Algumas formas de energia alternativa derivam de processos analisados em outros capítulos deste livro. Fica claro
que a conversão contínua de energia térmica em energia mecânica trará sempre a limitação de Carnot. Isso fortalece
a análise de processos sem a utilização da conversão térmica. Um bom exemplo nesse caso são as células a
combustível.
Células a combustível são dispositivos eletroquímicos que convertem a energia química de um combustível
(normalmente gás hidrogênio) em eletricidade (Figuras 3.33 e 3.34). As células são classificadas segundo o
eletrólito utilizado, sendo as principais tecnologias descritas a seguir:
• Célula de eletrólito polimérico ou com membrana de troca protônica (PEMFC): opera em temperaturas baixas
(em torno de 80 °C) e por isso utiliza catalisadores de platina. É adequada à utilização estacionária de pequena
potência e à aplicação veicular; célula alcalina (AFC): o eletrólito é uma solução de KOH e conduz íons OH-.
Foi bastante utilizada no programa espacial norte-americano, mas a sensibilidade a CO2 não recomenda sua
utilização em sistemas terrestres. A célula alcalina opera em temperaturas próximas de 100 °C.
• Célula de ácido fosfórico (PAFC): o ácido fosfórico é um condutor protônico a temperaturas entre 150 e 200 °C.
O catalisador de platina é menos sensível à contaminação por CO nessa faixa de temperatura e, por isso, a célula
PAFC apresenta comprovada durabilidade, sendo bastante adequada à geração estacionária de energia.
• Célula de carbonato fundido (MCFC): o eletrólito conduz íons CO32- em temperaturas em torno de 700 °C, o que
a torna adequada à cogeração e à geração estacionária. A célula MCFC pode, em princípio, ser alimentada
diretamente com hidrocarbonetos convertidos a hidrogênio pelo processo de reforma interna.

Figura 3.33 Esquema de uma célula a combustível PEM (Skoda, 2014).

Figura 3.34 Empilhamento típico de células unitárias (Skoda, 2014).

• Célula de óxido sólido (SOFC): funciona em temperaturas entre 800 e 1000 °C, podendo ser alimentada com
hidrogênio e monóxido de carbono. A alta temperatura de operação dificulta a construção e encarece a
tecnologia, razão pela qual se buscam cerâmicas condutoras iônicas a temperaturas mais moderadas.
• Células de metanol direto e de etanol direto (DMFC e DEFC): são semelhantes às PEMFC, porém com
catalisadores capazes de oxidar as moléculas dos álcoois. As células DMFC estão em fase de teste, mas as
células DEFC, embora interessantes, necessitam de soluções tecnológicas porque o etanol não é tóxico e é
renovável. Essas células deverão ser muito utilizadas no mercado de equipamentos portáteis. Skoda (2014)
apresenta um esquema da célula (PEMFC).

As células a combustível encontram crescente participação em microgeração de energia elétrica, na geração


distribuída, na aplicação em cogeração, bem como em sistemas isolados. Os automóveis também têm sido testados
com o emprego dessa tecnologia. Um dos gargalos da expansão do seu uso está justamente na disponibilização do
seu combustível, isto é, do gás hidrogênio. O Capítulo 14 deste livro se dedica a análise e na apresentação dos vários
processos de produção desse importante insumo energético.

Bibliogra a
FENG, L. W.; KURITA, R. Ciclo Rankine de Baixa Temperatura Assistido por Coletor Solar de Alta Eficiência para Geração de
Energia Elétrica. Trabalho de conclusão de curso de Engenharia Mecânica, da Escola Politécnica da USP, 2009.
MORAN, M. J.; SHAPIRO H. N. Princípios de Termodinâmica para Engenharia. 4. ed. Rio de Janeiro: LTC Editora, 2002.
SIMÕES-MOREIRA, J. R. Fundamentals of Thermodynamics Applied to Thermal Power Plants. In: SOUZA, G. F. M. (ed.).
Thermal Power Plant Performance Analysis, Springer-Verlag, 2015.
______. Notas de aula do Curso de Especialização Energias Renováveis, Geração Distribuída e Eficiência Energética. São Paulo:
PECE, Escola Politécnica da USP, 2015.
SKODA, Sandro. Hidrodinâmica do Escoamento nos Canais Catódicos de uma Célula a Combustível de Membrana Polimérica
Condutora de Prótons. Tese de doutorado do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN) da USP, 2014.
VAN WYLEN, G. J.; BORGNAKKE, C.; SONNTAG, R. E. Fundamentos da Termodinâmica. 6. ed. São Paulo: Editora Edgard
Blücher, 2003.
ZUZARTE, L. A. C.; SIMÕES-MOREIRA, J. R. Heat Recovery from the Condenser of Small-Scale Refrigerators for Heating
Water. Anais do 15o ENCIT – Brazilian Congress of Thermal Science and Engineering, Belém (PA), 10-13 nov., 2014.

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