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Cleyton H.

Gerhardt*

Etnocentrismo e ambivalência nas interpretações


sociológicas das “novas” ruralidades -
entre o instrumental e o analítico

Introdução

Ao menos para sociólogos rurais, parece ser já lugar-comum


dizer que o uso da categoria “rural” e suas derivações (“cam-
po”, “mundo rural”, “populações rurais” ou “ruralidades”) tem
sido uma questão historicamente controversa e que traz em si
um certo desconforto para aqueles que a utilizam. Ademais,
por trás das areias movediças que envolvem a delimitação de
“questões rurais”, encontram-se o próprio surgimento, desen-
volvimento e consolidação da sociologia rural em meio às in-
tensas transformações sociais, econômicas e culturais processa-

Cleyton H. Gerhardt é agrônomo, mestre em desenvolvimento rural


pelo Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural
PGDR/UFRGS e doutorando do Programa de Pós-Graduação em De-
senvolvimento, Agricultura e Sociedade CPDA/UFRRJ. Uma versão
preliminar deste artigo foi apresentada no 29. Encontro Anual da An-
pocs (Caxambu/MG, 2005). Cleytong@terra.com.br
Cleyton H. Gerhard

das nestes últimos 150 anos.1 Com efeito, ao fortalecer-se como


área do conhecimento destinada a analisar fenômenos sociais
específicos associados às peculiaridades “rurais” (as “ruralida-
des”) das sociedades contemporâneas, esta disciplina esteve
sempre ligada a um esforço instrumental que visava interferir,
explícita ou implicitamente, sobre aquilo que seus integrantes
julgavam ser seu objeto de estudo. Entretanto, sabe-se que mui-
tas tentativas de explicar ou mesmo propor “soluções” para
“problemas rurais” resultaram, não poucas vezes, em conse-
qüências perversas para certos grupos sociais. Como lembrava
José de Souza Martins durante X Congresso Internacional de So-
ciologia Rural, a sociologia rural, “a pretexto de se tornar uma
força auxiliar da modernização e da remoção das resistências
sociais à mudança, contribuiu abertamente para a violação de
modos de vida e visões de mundo e de culturas tradicionais em
que a pobreza, ao menos, revestia-se de padrões sociais de dig-
nidade toleráveis” (Martins, 2000: 8).
Embora se concorde que este tipo de postura sociológica, de-
nunciada pelo autor, tenha sido já duramente criticada ao longo
do tempo, ela permanece viva na prática discursiva de muitos
sociólogos rurais. Tendo isto em vista, este artigo pretende re-
fletir sobre o caráter, ao mesmo tempo, ambíguo (operató-
rio/analítico) e etnocentrado presente em abordagens socioló-
gicas destes especialistas em “questões rurais”. Trata-se, por-
tanto, de procurar explicitar alguns elementos subjacentes à-

1 Já em 1968, um dos principais e mais renomados sociólogos rurais

latino-americanos da época reconhecia que “a sociologia rural, ainda


que seja parte de uma ciência, não constitui uma disciplina meramente
acadêmica, mas, ao contrário, nasceu e se desenvolveu sob a pressão
das necessidades e problemas suscitados pelo desenvolvimento da
própria sociedade” (Solari, 1968: 4). Para uma análise crítica sobre as
“contradições” existentes em muitas das proposições deste autor, ver
Martins, 1981.

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queles discursos intelectualizados produzidos com o intuito de


distinguir realidades, populações, sistemas produtivos, lugares,
modos de vida ou, ainda, representações sociais qualificadas
como “rurais”.

O etnocentrismo das “urbanidades”

São comuns, no campo temático que circunscreve a sociologia


rural, trabalhos comparativos, descritivos ou classificatórios
cujas metodologias reivindicam o uso de variáveis ditas objeti-
vas, sendo estas associadas à idéia de dados quantificáveis e
que possam ser submetidos a verificações estatísticas. Contudo,
normalmente estas mesmas “variáveis objetivas” e “dados
quantificáveis” tendem a serem coletados tendo como centro
referencial algo que, supostamente, estaria “fora” de um “ru-
ral”, visto que, implicitamente ou não, os elementos distintivos
selecionados são informados a partir do seu par complementar,
ou seja, um “urbano”.2
Com efeito, definições de um “meio rural” têm sido historica-
mente propostas segundo características mais ou menos salien-
tes (quando não, ausentes ou presentes) em um “meio urbano”,
sendo algumas delas: menor densidade demográfica (aludindo-
se a locais desabitados, isolados ou vazios); menor heteroge-
neidade e diferenciação social; baixa complexidade; fortes laços
de solidariedade baseados em relações diádicas informais, de

2 Optou-se por não adotar, neste texto, o artigo “o” quando se for re-

ferir a estas duas categorias, e, sim, o seu plural (isto é, “os”) ou, como
no caso citado, o artigo indefinido “um”. Isto porque aquele tenderia a
deixar implícito - isto é, tenderia a sugerir ao imaginário do leitor - a
idéia de que seria possível se definir, de uma vez por todas, “O rural”
e “O urbano”. Já os outros dois termos (“os” e “um”) remeteriam, res-
pectivamente, a uma pluralidade de significados sobre o par “rural-
urbano” ou, no mínimo, a uma indefinição relativa acerca dos sentidos
que lhes deveriam ser atribuídos.

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reciprocidade e de interconhecimento; menor mobilidade soci-


al; menor possibilidade de acessar ou produzir inovações tecno-
lógicas; menor capacidade de responder (ou maior resistência)
a estas inovações; maior dependência das características ambi-
entais; prevalência da natureza sobre a cultura; maior autono-
mia perante a sociedade global; necessidade de mediadores so-
ciais encarregados de fazer pontes com o mundo exterior; sem
contar o uso de adjetivos com forte conotação depreciativa
e/ou desqualificadora (remetendo-se, por exemplo, “meio ru-
ral” a um ambiente “atrasado”, onde vivem pessoas “rústicas”,
“arredias” e “conservadoras”).
Um exemplo emblemático desta característica (de se extrair dis-
tinções a partir de um “mundo urbano”) pode ser apresentado
pelas afirmações iniciais extraídas de um livro que tem servido
como referência quase que obrigatória àqueles que pretendem
estudar “o novo rural brasileiro”. Lançado no final da década
de 1990 e já bastante conhecido dentro do âmbito das discipli-
nas de sociologia e economia rural, lê-se neste estudo que
está cada vez mais difícil delimitar o que é rural e o que é
urbano. Mas o tema que aparentemente poderia ser relevan-
te, não o é: a diferença entre o rural e o urbano é cada vez
menos importante. Pode-se dizer que o rural hoje só pode
ser entendido como um continnum do urbano, do ponto de
vista espacial; e do ponto de vista da organização da ativi-
dade econômica, as cidades não podem mais ser identifica-
das apenas com a atividade industrial, nem os campos com a
agricultura e a pecuária. Em poucas palavras, pode-se dizer
que o meio rural brasileiro se urbanizou nas duas últimas
décadas, como resultado do processo de industrialização da
agricultura, de um lado, e, do outro, do transbordamento do
mundo urbano naquele espaço que tradicionalmente era de-
finido como rural (Graziano da Silva, 1999: 1).

Em primeiro lugar, nota-se que o autor visa reeditar a aposta na


idéia, já clássica, de um continnum “rural-urbano”, ou seja, de

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que haveria uma gradação separando dois mundos ontologi-


camente distintos os quais, todavia, existiriam apenas como ti-
pos ideais. Entretanto, não deixa de ser significativo que a ten-
tativa de interpretar as recentes transformações naquilo que o
autor chama de “continnum do urbano” seja feita tomando-se
como parâmetro comparativo antigas e arraigadas concepções
sobre características supostamente definidoras de um “rural”.
Começando pelo fato de que, para falar do “novo rural brasilei-
ro” (visto como um campo que “se urbanizou” através da “in-
dustrialização da agricultura”), precisa-se acionar o “velho ru-
ral brasileiro”, associando-o às atividades primárias (agricultu-
ra e pecuária) mais tradicionais ou, por inferência, às práticas
agrícolas ainda não industrializadas.3
Contudo, além da reapropriação do passado teórico-metodoló-
gico subjacente à história da constituição da sociologia rural
como disciplina, esta pequena passagem explicita bem o peso
de um tipo de visão que, como previne Sarraceno (1996: 2), re-
vela “um vício conceitual na identificação do rural que diferen-
cia o espaço de maneira não neutra”. Constatações como aque-
las do trecho destacado tendem a reproduzir um tipo de olhar
que vê as “ruralidades” como uma anormalidade a ser ultra-
passada por uma suposta “urbanização do meio rural brasilei-
ro” operada pela “industrialização do campo” e pelo “trans-
bordamento do mundo urbano naquele espaço”. Repare-se que,
por mais que se diga que “as cidades não podem mais ser iden-
tificadas apenas com a atividade industrial, nem os campos
com a agricultura e a pecuária”, está implícito, nas afirmações
do autor, um processo, um movimento com um sentido bem
claro e definido. Afinal, são características identificadas como

3 Este artifício, utilizado também por outros analistas, de contrapor o


“velho” com o “novo” como forma de legitimar interpretações socio-
lógicas inovadoras, será abordado no próximo item.

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“urbanas” que estariam “transbordando”, isto é, se expandin-


do, se estendendo e, com isso, tendendo a eliminar – ou, no mí-
nimo, atenuar a importância das – características “rurais”; e não
o contrário. Além do mais, mesmo reconhecendo que “as cida-
des não podem mais ser identificadas apenas com a atividade
industrial”, seria muito difícil sustentar que elas estariam sendo
invadidas por atividades agrícolas, ou seja, que elas estariam
passando por um processo de “agriculturização”.
Resgatando críticas feitas por Martins (1986) sobre interpreta-
ções baseadas na idéia de continnum “rural-urbano”, vê-se que
tal proposição surgiu como alternativa (“raptada”, segundo o
autor, “ideologicamente”) a ser contraposta a uma outra idéia,
igualmente antiga, que colocava ênfase na polarização entre
“rural” e “urbano” (Sorokin, Zimmerman e Galpin, 1986). Con-
tudo, como explica Martins (1986: 28), ambas as perspectivas
continuaram a adotar como referência a oposição “rural-
urbano”, ou seja, as duas mantiveram entre si a relação de ne-
cessidade ditada pelas características diferenciais que “retém,
de qualquer maneira, a polarização rural/urbano”. Além disso,
alerta que “a mudança nesses termos é mudança no sentido da
superação da polarização rural-urbano através da urbanização
do rural” (idem: 34); continuando este processo a ser percebido
e interpretado “a partir da expansão da dominação do urbano
sobre o rural, na medida em que o conhecimento científico está
fundado no mundo urbano e na expansão das cidades” (idem:
25). Ora, o efeito prático mais imediato desta operação acaba
sendo a identificação de um “mundo rural” em permanente cri-
se, o que, por sua vez, leva a pensar que este último tenderia,
invariavelmente, a ser engolido por um outro “mundo urbano”.
Obviamente, não se pretende desqualificar ou negar contribui-
ções que pesquisas como o Projeto Rurbano podem proporcionar
no sentido de ampliar a compreensão e o estudo sobre as “rura-
lidades”, visto ser este projeto uma das mais audaciosas tenta-

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tivas de caracterizar um “rural brasileiro” e suas transforma-


ções ao longo dos últimos 25 anos.4 No entanto, não se pode
deixar de chamar a atenção para a armadilha de se fazer um
tipo de sociologia instrumentalizada que acaba reforçando re-
presentações hegemonicamente disseminadas e naturalizadas
no imaginário social, ou, ainda, para o risco de se reproduzir
visões etnocentradas, as quais, muito facilmente, podem des-
cambar para um evolucionismo ou, no mínimo, um determi-
nismo simplificador da realidade social.
Veja-se o caso da frase que sugere que estaria em curso um
“transbordamento do mundo urbano naquele espaço”, ou seja,
em um “rural”. Ora, visto que relações de dominação implicam
jogo de forças (pois o poder total jamais poderá ser exercido em
toda sua plenitude) e mesmo porque um “urbano” só pode ser
identificado concretamente por meio da inferência ao seu par
antagônico – o qual informa aquilo que ele não é –, se se acei-
tasse, sem discussão, que este “transbordamento” estaria ocor-
rendo de fato, seria no mínimo lícito imaginar, em contraparti-
da, a existência de um movimento contrário. Possibilidade esta
que poderia seduzir outro sociólogo rural a tentar buscar variá-
veis, dados e elementos quantificáveis que permitissem identi-
ficar e medir este mesmo movimento (por exemplo, avaliando o
grau de “transbordamento de um rural sobre um urbano”). Po-

4 Denominado originalmente como Caracterização do novo rural brasi-


leiro, este projeto de pesquisa temático, segundo seus organizadores,
“visa reconstruir séries históricas a partir dos microdados das PNADs
para o período de 1981-95, relativos à população ocupada, emprego e
renda (...) e conta com a participação de 25 pesquisadores envolvidos
em 11 diferentes estados do país dedicados, parcial ou totalmente, ao
tema proposto das novas relações entre o rural e o urbano. Por sua
vez, a equipe de pesquisadores vincula-se a 16 instituições de ensino e
pesquisa de todo o país”.
(www.eco.unicamp.br/nea/rurbano/divulg/novorural.html).

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rém, note-se que, em ambos os casos, continua-se a trabalhar


com a relação assimétrica estabelecida pela oposição “rural-
urbano”. Parafraseando Martins (1986), mesmo ao fazer-se uso
da idéia de continnum, o caráter problemático desta dicotomiza-
ção não desaparece totalmente.
De outra parte, são também emblemáticos trabalhos que, na
tentativa de diminuir o caráter reducionista contido na duali-
dade “rural-urbano”, propõem classificações ampliadas as
quais segmentam o espaço físico em um maior número de cate-
gorias.5 Normalmente estes estudos, para identificarem e deli-
mitarem realidades “rurais” e “urbanas”, consideram como cri-
tério diferenciador apenas o fator densidade demográfica (re-
pare-se que, neste caso, associa-se um “rural” a um lugar, a um
espaço físico definido). Tais estudos, porém, mesmo quando
estão tentando justamente relativizar categorizações através da
eleição de outros critérios diferenciadores, criam uma espécie
de gradação adaptativa na qual permanecem subjacentes pa-
râmetros etnocentrados, visto que, como no caso anterior, em
que se aposta no transbordamento de um mundo urbano sobre
um mundo rural, estes esforços reclassificatórios não deixam de
trazer embutida a carga valorativa das “urbanidades”.
Mas o que aconteceria com a ênfase no “grau de isolamento” de
duas localidades espacialmente bem distantes se o fator densi-
dade demográfica fosse relativizado como critério diferencia-
dor? Ora, provavelmente um indivíduo que viva e trabalhe no
bairro de Botafogo, Rio de Janeiro, pensaria que os habitantes
que moram na “zona rural” do município de Pão de Açúcar,

5 Entre outras, por exemplo, através de propostas de separação entre

“rural profundo”, “rural relativamente urbano”, áreas “urbanas-


urbanizadas” e áreas “urbanas-isoladas” ou, ainda, como propunha a
OCDE (1996 apud Veiga, 2002: 60), entre áreas “essencialmente ru-
rais”, “relativamente rurais” e “essencialmente urbanas”.

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Acre, encontram-se bastante distantes das experiências, das in-


formações e das comodidades as quais ele tem condições de
desfrutar. Afinal, pensaria ele: “eles vivem praticamente isola-
dos do mundo!”6 Porém, não seria pertinente considerar a pos-
sibilidade de que, para estes últimos, os cariocas é que estariam
isolados, visto não terem acesso ao seu mundo particular, ou
melhor, à realidade cotidiana de suas relações, vivências, expe-
riências e conhecimentos? Aqui, poder-se-ia argumentar que se
encontra já previamente arraigada no imaginário coletivo a i-
déia de que tudo o que há de importante vem da região Sudes-
te. Além disso, por conta do Rio de Janeiro ter sido, durante
muito tempo, capital do país e de ser, ainda hoje, considerada
uma das principais referências culturais em termos de “brasili-
dade”, provavelmente os acreanos perceberiam, muito mais do
que os cariocas, que lhes faltariam certas coisas as quais estes
últimos teriam possibilidade de acessar.7
Acontece que essa situação não garante que, no cotidiano de
suas práticas diárias, tais representações dominantes não pos-
sam estar sendo constantemente questionadas pelos moradores
de Pão de Açúcar (chamando-se a atenção para certas “coisas
negativas da cidade grande”, como a violência e a impessoali-
dade, por exemplo) ou, até mesmo, utilizadas como forma de

6 Embora se referindo a um outro “lugar isolado”, esta mesma frase


foi dita por um carioca, amigo do autor, à época em que este escrevia
o presente artigo.
7 Sobre esta condição privilegiada, Hermano Vianna (2004: 13-14) –

antropólogo nascido no Nordeste, mas que hoje vive e trabalha no Rio


de Janeiro –, constata que “esta cidade ocupou durante muito tempo
(talvez ainda ocupe...) um lugar absolutamente central no simbolismo
da unidade nacional brasileira (...). Por ter vivido tanto tempo na peri-
feria desse ‘centro nacional’, sei reconhecer a importância simbólica e
a atração referencial irresistível (mesmo que se concretize como repú-
dio) que o Rio exerce naqueles que querem se pensar como brasileiros”.

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estigmatizar negativamente os cariocas (através de adjetivações


como “malandro”, “boa vida”, “folgado” e “sem-vergonha”).8
Além disso, neste caso específico, ainda que a periferia acabe
sendo associada, pelos próprios acreanos, com o município de
Pão de Açúcar e o centro com o Rio de Janeiro, a aceitação tácita
desta representação não decorre de evidências ontológicas e
absolutas, nem mesmo de dados empíricos descomprometidos
retirados de realidades (sociais ou físicas) acabadas e exteriores
à compreensão humana. Afinal, como se costuma dizer nas ci-
ências sociais, em alguma medida este reconhecimento e este
simbolismo precisaram ser socialmente construídos ao longo da
história.
Em síntese, o exemplo citado mostra o quanto parâmetros utili-
zados para classificar realidades sociais e/ou espaciais diferen-
ciadas em termos meramente demográficos são devedores de
valores culturais não necessariamente compartilhados por a-
queles que nelas vivem. Ainda que se possa concordar com
Veiga (2002: 63) quando este afirma que o “Brasil é menos ur-
bano do que se calcula”, pois a “metodologia oficial de cálculo
do ‘grau de urbanização’ no país está obsoleta”, não se pode
negar, também, que tal afirmação deixa de considerar em rela-
ção a quem, a que idéias, a que representações e a que novos
parâmetros, tidos como “mais avançados”, segundo o autor, o
Brasil seria menos “urbano”. Enfim, alguém poderia perguntar:
a quais referências, critérios, pressupostos, instituições, agentes
e interlocutores se estaria aludindo quando se questionam me-
todologias oficiais encarregadas de medir o “grau de urbaniza-

8 Como no caso da referência àqueles que viveriam “isolados do

mundo”, estas rotulações não saíram simplesmente da cabeça do au-


tor, sendo também coletadas de conversas informais mantidas com
pessoas naturais do Acre, São Paulo e Rio Grande do Sul, mas que vi-
vem hoje na cidade do Rio de Janeiro.

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ção” do país? Somos “obsoletos” em relação a quais outras for-


mas de aferição?
Já outras tentativas de ultrapassar o uso problemático da cate-
goria “rural” centram-se na busca de determinados “indicado-
res” os quais permitiriam criar tipologias e tipificações.9 Muitos
dos autores que investem nestes estudos, por vezes bastante
criativos, mostram-se mais abertos às abordagens multidisci-
plinares, podendo incluir, dependendo dos objetivos e dos es-
pecialistas envolvidos, indicadores variados que vão desde a-
queles estritamente econômicos, produtivos e geográficos até
outros ligados a fatores socioculturais, ambientais, religiosos,
familiares e morais. De fato, este tipo de abordagem, ao ampliar
o leque de elementos a serem analisados (além de enfrentar,
por vezes, a sempre problemática questão da “participação”
dos nativos), ao menos em princípio, tende a resultar em leitu-
ras menos dogmáticas e herméticas sobre realidades “rurais”.
Contudo, isto, por si só, não garante nem uma assepsia inter-
pretativa nem um certificado antietnocêntrico. Da mesma for-
ma, não elimina o risco – sobretudo nos casos em que se pro-
põem recortes muito rígidos – de que se acabe desconsiderando
a capacidade auto-explicativa que o próprio “objeto” a ser ana-

9 Neste caso, são particularmente representativas “abordagens


sistêmicas” originalmente inspiradas, na sua maioria, na Teoria general
de los sistemas (Bertalanffy, 1993). Ao pretender estudar o que chamam
de “fenômenos complexos” em realidades específicas bem definidas,
aqueles que adotam este tipo de aparato metodológico visam analisar,
através de diagnósticos, a situação das “unidades de produção” manti-
das por agentes sociais diferenciados. Utilizando-se, como ferramentas
analíticas, de conceitos como “sistemas agrários”, “sistemas produti-
vos”, “sistemas de cultivo” e “sistemas de criação”, normalmente estes
estudos constroem suas tipologias buscando algum tipo de “participa-
ção” daqueles que vivem nestas unidades. Para uma introdução à
análise sistêmica, ver Santos (1994).

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lisado possui e o caráter não automático das possíveis ações dos


agentes envolvidos durante e após o levantamento dos dados
usados nestas pesquisas. Não poucas vezes, pesquisadores, ao
elegerem critérios generalizantes e distintivos a priori (muitas
vezes maquiados pela alegação de que estariam adotando “a-
bordagens participativas”), terminam eliminando da cena in-
terpretativa aqueles agentes previamente vistos ou que se vêem
a si mesmos como mantendo algum vínculo com um “rural”.
Repare-se que tais tipificações, quando assumem o status de
“científicas” e adquirem, junto às esferas públicas, maior legi-
timidade social, terminam confinando a uma espécie de discur-
so de segunda classe a criatividade que grupos sociais subalter-
nos também possuem de perceber, interpretar, representar e, é
claro, tipificar.10 Aliás, um trabalho cientificamente relevante
poderia ser tentar identificar, após a realização de uma destas
“tipologias participativas”, quais “indicadores” (ou seja, quais
elementos de distinção) estariam sendo usados pelos próprios
nativos que dela “participaram” para classificar e rotular entre-
vistadores e pesquisadores.
Aqui, a alusão a um caso concreto talvez ajude a esclarecer este
aspecto. Considere-se um trabalho intitulado Caracterização do
meio rural do município de Maquiné - RS: subsídios para um desen-
volvimento rural sustentável (Gerhardt et al., 2000).11 Neste estu-
do de caso, foram usados indicadores heterogêneos destinados
à montagem de uma tipologia dos sistemas produtivos do mu-
nicípio de Maquiné, sendo ao final, identificados 11 tipos dife-

10 Para uma análise crítica sobre as possibilidades das “análises sis-


têmicas” nas ciências sociais e sobre o tema da “participação” dos a-
gricultores em pesquisas científicas, ver, respectivamente, Sardan
(1994) e Guivant (1997).
11 O autor do presente artigo fez parte do grupo multidisciplinar que

então se formou, tendo participado da pesquisa desde seu planeja-


mento e execução até sua conclusão e redação final.

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rentes designados, respectivamente, por uma nomenclatura que


ia do Tipo I ao Tipo XI.12 Ora, de saída, poder-se-ia questionar
de onde vieram, como foram pensados e quem propôs os crité-
rios que definiram os indicadores adotados. Como e quem
montou, aplicou e interpretou o questionário ou roteiro de en-
trevistas feitas pelos pesquisadores junto à população local?
Ainda que construídas a partir de indicadores objetivos e crité-
rios rigorosamente selecionados, não poucas vezes descrições
generalizantes como estas ajudam a reificar certos “tipos ide-
ais” os quais passam a ser percebidos como se existissem con-
cretamente. Na pesquisa em questão, por exemplo, sob o pre-
texto de identificar e descrever diferentes “grupos de agriculto-
res” através da caracterização dos seus diferentes “sistemas
produtivos”, alguns dos “tipos” identificados acabaram ganha-
do vida própria, passando a ser usados como categorias classi-
ficatórias por muitos destes agentes. Com efeito, este parece ser
outro resultado prático destas tipologias, a saber, o fato de que
muitas vezes não são somente seus idealizadores que passam a
aceitá-las como “reais” ou “verdadeiras”, mas, também, órgãos
governamentais incumbidos de propor políticas públicas e, até
mesmo, os próprios grupos sociais que foram tipificados. Daí a
vê-los como algo que existe em si mesmo e que independe da-
queles que assim os nomearam, descreveram e interpretaram, é
um passo.

12 Segundo consta no referido trabalho, os indicadores usados foram:

superfície total da propriedade; área total utilizada com atividades


agropecuárias; quantidade de unidades de trabalho humano familiar;
quantidade de unidades de trabalho humano externo; relevo predo-
minante; atividades agrícolas desenvolvidas; equipamentos dis-
poníveis; tipo de comercialização da produção agrícola; rendas extra-
agrícolas; nível de escolaridade e faixa etária do entrevistado; condi-
ções de higiene (com ou sem fossa séptica) (Gerhardt et al., 2000: 10).

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Avançando sobre essa questão, repare-se que, além de atuarem


diretamente na construção de identidades sociais diferenciadas
(o caso da consolidação da categoria “agricultores familiares” é
exemplo típico), representações sociais contidas em trabalhos
de sociólogos rurais sobre “o meio rural”, “os rurais” ou “as
ruralidades” contribuem para o processo de invenção e ressig-
nificação da própria realidade que eles pretendem interpretar.
Sobre este aspecto, Giddens, ao falar da reflexividade das aferi-
ções produzidas por cientistas sociais e que, posteriormente,
passam a ser utilizadas por agências governamentais, chama a
atenção para o fato de que “as estatísticas oficiais não são ape-
nas características analíticas da atividade social, mas entram de
novo constitutivamente no universo social do qual foram tira-
das (...). A acumulação de estatísticas oficiais é em si um esforço
reflexivo, permeado pelas próprias descobertas das ciências so-
ciais que as utilizam” (Giddens, 1991: 48).
Além disso, mesmo que uma eventual tipificação de realidades
“rurais” venha a ser feita com o máximo rigor metodológico ou,
ainda, que utilize abordagens ditas “participativas”, “dialógi-
cas” ou que vise incluir, de alguma forma, os nativos como ato-
res ativos no processo de elaboração de conhecimentos científi-
cos, nada impede que, posteriormente à sua realização, outros
agentes e grupos sociais façam usos diferenciados dos dados e
resultados obtidos. Quer dizer, ao apropriarem-se deste tipo de
aferição, estes últimos estarão retrabalhando, reformatando e
hibridizando seus conteúdos a partir de um conjunto de conhe-
cimentos já adquiridos e de experiências por eles já vivencia-
das. Veja-se o caso da pesquisa (Gerhardt et al., 2000) citada an-
teriormente. Após a publicação da versão final do trabalho, em
meio à frieza das informações, números e análises estatísticas
que resultaram da Tipologia dos sistemas de produção postos em
prática pelos agricultores da microbacia de Maquiné, as poucas reu-
niões públicas realizadas com o objetivo de debater seus resul-

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tados com a população local desencadearam conseqüências que


fugiam ao controle dos idealizadores originais.13 Assim, com o
tempo, alguns integrantes da equipe multidisciplinar (compos-
ta por sociólogos, economistas, agrônomos, biólogos, arquitetos
e geógrafos) que havia realizado a pesquisa foram percebendo
que, quando outros agentes potencialmente interessados, por
diferentes caminhos, a acessavam ou simplesmente tomavam
conhecimento da sua existência, gerava-se um ambiente inter-
pretativo controverso.
Neste momento, alguém poderia sugerir que tais dificuldades
poderiam ser superadas ou, no mínimo, minimizadas se se au-
mentasse, por exemplo, o número de indicadores. Já outro lei-
tor, se colocando no extremo oposto do problema, advertiria
que a única saída seria apostar em um relativismo extremo on-
de toda e qualquer representação de um “rural” teria o mesmo
peso (como em certas perspectivas pós-modernas ou descons-
trutivistas). Ocorre que, embora pareçam soluções atraentes,
um inconveniente surge do fato de que este tipo de artifício
tende a reduzir (no primeiro caso) ou, até mesmo, inviabilizar
(no segundo) a possibilidade de pensar e de propor futuras a-
ções concretas. Neste caso, cientistas sociais mais puristas ar-
gumentariam que não haveria maiores problemas, visto que
“pensar e propor ações futuras” não seria papel das ciências
sociais. Porém, é neste momento que não se pode deixar de re-

13 Entre outros objetivos, o trabalho se propunha a: “levantar dados

sobre as condições sociais, econômicas e ambientais das unidades de


produção (...); identificar problemas e demandas dos agricultores (...);
hierarquizar fatores que condicionam a evolução dos sistemas de pro-
dução agrícolas; determinar a lógica de exploração dos recursos [na-
turais] (...); identificar a sustentabilidade dos sistemas produtivos
através de parâmetros/indicadores econômicos, agronômicos, sociais
e ambientais; buscar alternativas social e ambientalmente apropriadas
para o desenvolvimento rural (...)” (Gerhardt et al., 2000: 5).

204 Estud.soc.agric., Rio de Janeiro, vol. 13, no. 2, 2005: 190-229.


Cleyton H. Gerhard

conhecer que metodologias baseadas em tipologias não desig-


nam abordagens peremptoriamente negativas ou indesejáveis.
Isso porque seus construtores, ao contrário daqueles pesquisa-
dores que tendem a se refugiar em um mundo de controvérsias
demasiadamente academicistas, arriscam-se a encarar este de-
safio. Além disso, se poderia alegar que mesmo aqueles textos
mais descompromissados e “analíticos”, quando se tornam pú-
blicos, além de constituírem o que a lingüística chama de “atos
de fala”, ou seja, discursos que produzem ações e efeitos con-
cretos, poderão vir a ser “usados” de diferentes maneiras por
outros agentes e grupos sociais. Soma-se a isto ainda o fato de
que será justamente a partir dos debates sobre a pertinência a-
nalítica de tais pesquisas e dos contrastes e controvérsias gera-
dos por essas descrições que se torna possível inventar outras
sínteses. Em suma, construir tipificações implica, desde o início,
uma busca por ultrapassá-las. Em boa medida, elas poderiam
ser consideradas como parte do “material empírico” disponível
aos próprios cientistas sociais, dado que denunciam e explici-
tam representações e valores sociais que estes mesmos especia-
listas carregam e ajudam a disseminar.14
Quando um sociólogo rural identifica e caracteriza um “rural”,
caso se deseje seguir seu pensamento, precisa-se ao menos acei-
tar, mesmo que provisoriamente, a pertinência de suas proposi-
ções. Contudo, feito isso, ao colocar-se em dúvida, através de
argumentos cientificamente convincentes, os alicerces conceitu-
ais que sustentam estas mesmas proposições, sua análise corre
o risco de desmoronar perante o leitor, visto que remeter um
exame crítico sobre qualquer fundamento significa correr o ris-
co de aniquilá-lo (daí, talvez, a dificuldade daqueles que ado-
tam abordagens baseadas em tipologias em aceitar críticas nes-

14 Vide o caso da própria análise que aqui se fez usando-se, como


fonte secundária, Gerhardt et al., 2000.

205
Etnocentrismo e ambivalência nas interpretações sociológicas...

te sentido). Como sentencia Pascal, “quem quiser examinar o


seu motivo acha-lo-á tão fraco e ligeiro que, se não estiver
acostumado a contemplar os prodígios da imaginação humana,
se surpreenderá pela circunstância de um século ter lhe valido
tanta pompa e reverência” (Pascal apud Bourdieu, 1998: 80). De
fato, quando se constata que até mesmo a validade e a relevân-
cia analítica de um dos principais fundamentos da sociologia
rural, a dicotomia “rural-urbano”, podem ser colocadas em
questão por um sociólogo rural, o que dizer das construções
teórico-metodológicas que dela derivam?15 Ora, como outras
categorias que auxiliam na configuração de uma “segurança
ontológica” (Giddens, 1991) para as pessoas – ou seja, termos que
garantem a estas a identificação de papéis e o reconhecimento de
lugares que elas e os outros deveriam ocupar –, “rural” e “urbano”
tornam-se expressões cotidianas (espécie de senso comum dou-
to) mesmo para cientistas sociais e, particularmente, sociólogos
rurais.

Sobre “novas” e “velhas” “ruralidades”

Dentro da sociologia rural, tem sido recorrente fazer-se referên-


cia aos “novos” elementos que estariam por trás, por um lado,
de transformações operadas no nível das representações sociais
sobre um “rural” e um “urbano” (portanto, modificações em
termos de ressignificação de valores culturais)16 e, por outro, de
alterações mais estruturais relativas a aspectos como atividade

15 Ainda na década de 1960, R. E. Pahl já fazia este tipo de exercício


crítico: “se, de fato, não existem diferenças sociológicas fundamentais
entre urbano e rural, então aqueles a quem chamam a si mesmos de
sociólogos rurais podem bem duvidar das bases de sua identidade
profissional” (Pahl, 1966: 299).
16 Enfatizando, sobretudo, o caso brasileiro, autores como Moreira

(2005), De Paula (2001), Carneiro (2003) e Wanderley (2000) têm tra-


balhado com esta questão.

206 Estud.soc.agric., Rio de Janeiro, vol. 13, no. 2, 2005: 190-229.


Cleyton H. Gerhard

produtiva, nível de emprego e renda, concentração/desconcen-


tração demográfica, migrações, envelhecimento e/ou masculi-
nização de um “rural” etc.17 No entanto, quais as possíveis im-
plicações decorrentes do uso do adjetivo “novo” que, cada vez
mais, vem sendo acoplado à expressão “ruralidades”?
À primeira vista, como o próprio termo indica, esta expressão
sugeriria o surgimento de fatos que antes não existiam ou não
poderiam ser visualizados, o que levaria a se pensar que ocor-
reram, em determinado momento histórico, eventos que permi-
tiram o reconhecimento de algum tipo de ruptura, uma cisão
irreversível e já desvinculada do estado de coisas anterior. Afi-
nal, parece razoável que “novas ruralidades” subentendam
“antigas ruralidades”. Quer dizer, tal como na discussão sobre
“o novo rural brasileiro”, caso se queira indicar novidades em-
píricas concernentes às “novas ruralidades”, precisa-se, se não
descrever e caracterizar um “velho rural” (ou aquilo que parece
estar deixando de ser o que é para virar um “novo rural”), ao
menos aceitá-lo implicitamente como parâmetro comparativo.
Ora, tal como ocorre com a dicotomia “rural-urbano”, o par
“novo-velho” também alude a outro tipo de oposição fundante,
visto que ambas as partes não existiriam uma sem a outra. Ape-
sar de não mais serem privilegiadas, as dimensões espacial (um
“rural” como um lugar), setorial (um “rural” como atividade
produtiva) ou cultural (um “rural” como modo de vida), a dua-
lidade permanece viva por meio de um componente temporal
(um antes, um “rural antigo” contraposto com um depois, com
“um novo rural”).
Uma conseqüência direta deste fenômeno – e que, de certa for-
ma, evidencia concretamente a atual invenção de discursos so-
bre o tema das “ruralidades” – relaciona-se com o aparecimento

17 Sobre análises com estas características, vide vários trabalhos rea-


lizados próprio Projeto Rurbano, aqui já citado.

207
Etnocentrismo e ambivalência nas interpretações sociológicas...

e uso, tanto nos textos produzidos como na fala dos autores


quando estes participam de encontros, congressos e comunica-
ções diversas, de todo um outro tipo de vocabulário e estilo lin-
güístico. Quer dizer, junto com o processo de redirecionamento
interpretativo começam a aparecer, igualmente, “novos” ter-
mos, expressões, analogias, referências, metáforas e, até mesmo,
mudanças substanciais no estilo da escrita. Vistas retrospecti-
vamente, tais modificações provavelmente seriam percebidas,
senão como inexistentes, ao menos como elementos dissonantes
e marginais. Além disso, espaços começam a se abrir para esta
temática dentro e fora do campo de legitimação do saber cientí-
fico. Exemplo: girando em torno do tema das “novas ruralida-
des”, “novas” linhas de pesquisa surgem em cursos de pós-
graduação, “novos” laboratórios de pesquisa são criados dentro
destes cursos, “novos” projetos de investigação são levados às
agências financiadoras, “novos” seminários sobre o tema são
realizados e “novos” grupos temáticos e de discussão em con-
gressos passam a ser propostos.
Por outro lado, leitores mais céticos poderiam indagar se não
seria este fenômeno uma tentativa de reeditar o “velho” em
uma nova roupagem, de transfigurar um “rural” através de
uma espécie de operação plástica efetuada nas interpretações
sobre as relações sociais, econômicas e políticas postas em ques-
tão. Ocorre que visões demasiadamente niilistas como estas tra-
zem embutido um argumento, no mínimo, problemático,
centrado na impossibilidade de se falar de algo definitivamente
“novo” em um “rural”, o que, por sua vez, tende a conduzir ao
outro extremo da questão. Afinal, pensar o “novo” como mera
reedição do “velho” – ou, ainda, que nada muda de fato – pode
dar a entender que haveria uma espécie de circularidade histó-
rica em que todos os processos sociais poderiam ser reduzidos
a uma mesma essência, o que poderia, facilmente, conduzir a
uma busca hercúlea, perigosa e, provavelmente, infrutífera, de

208 Estud.soc.agric., Rio de Janeiro, vol. 13, no. 2, 2005: 190-229.


Cleyton H. Gerhard

explicações que revelassem a “real natureza” de um “rural”.


Não é preciso dizer que, a partir deste ponto de vista, toda sorte
de determinismos e arbitrariedades teórico-conceituais poderi-
am estar sendo reeditados.
Se se considerar pertinente à afirmação de De Santis (2004) de
que “para cada palavra que fica, muitas outras desaparecem”,
poder-se-ia dizer, da mesma forma, que para cada aspecto (ca-
ráter) tido como delimitador entre um “rural” e um “urbano”,
muitos outros foram/são esquecidos ou, o que é mais provável,
nem sequer puderam ser imaginados, pensados e vistos como
elementos diferenciadores. Além disso, para cada elemento
que, eventualmente, algum cientista social pudesse apontar
como constituindo uma diferença essencial (ontológica) entre
“rural” e “urbano”, seria possível, da mesma forma, para um
outro pesquisador, relativizar tal diferença apresentando mui-
tas outras particularidades e similitudes compartilhadas pelas
realidades sociais que ambas as categorias tentam representar.
Ora, quando se pretende, por exemplo, qualificar o que seria
“novo” nos processos que envolvem as ditas “ruralidades” con-
temporâneas, não continuaria sendo necessário apresentar tal
discussão, bem como os argumentos correspondentes, com base
em algum tipo de “fundamento” conceitual, em alguma medi-
da já pré-elaborado (como no caso da idéia de continnum , por
exemplo)? Além disso, mesmo quando a delimitação das “no-
vidades” ou, ainda, das “novas” distinções entre “rural” e “ur-
bano” venha ancorada em bases empíricas precisas (aludindo a
um espaço físico definido, a um setor da economia ou a um
grupo social específico), ainda assim não ficaria a questão de
quem, quando e como foram escolhidos e construídos estas
mesmas “bases” empíricas e, logicamente, os fundamentos teó-
ricos subjacentes?
Em síntese, o argumento defendido aqui se centra basicamente
no fato de que qualquer que seja a situação ou processo anali-

209
Etnocentrismo e ambivalência nas interpretações sociológicas...

sado, diagnosticar mudanças significativas ou o surgimento de


elementos de descontinuidade inexistentes ou ainda não reco-
nhecidos não elimina a possibilidade de se identificar determi-
nadas permanências marcantes. E isso, sem associar estas últimas
a uma espécie de resquício do passado, a algo que, conforme
um pensamento neopositivista recorrente, só não desapareceu
por capricho da história ou devido à teimosia de certos grupos
retardatários. Independentemente do que seja visto como “no-
vo” ou “velho”, a delimitação de diferentes “ruralidades”, ao se
incorporar como prática cotidiana na forma como os agentes
pensam e atuam no mundo social, traz, como percebeu Moreira
(2005: 17) para o caso da constituição de identidades sociais nas
sociedades contemporâneas, “tudo aquilo que foi, criou e se
tornou, bem como tudo aquilo que incorporou da sociedade,
consciente ou inconscientemente”.
Da mesma forma, também para os sociólogos rurais, as diferen-
tes interpretações que venham a ser propostas carregam consi-
go tanto as possibilidades de reconstrução de um passado (sem-
pre idealizado e presentificado) como a necessidade, inerente a
condição humana, de invenção de um futuro. Constatação esta
que, de certa forma, leva a uma aproximação com a idéia de
mimesis tal como sugerida por De Paula em sua análise sobre o
country brasileiro, visto que transformações envolvendo as “ru-
ralidades” poderiam ser interpretadas como fenômenos que, ao
mesmo tempo, “contêm elementos transformadores e mesmo
deformadores em relação àquilo que [se] toma como ponto de
partida” (De Paula, 2001: 36). Neste sentido, talvez fosse mais
prudente se falar não em um “novo rural” ou em “novas rura-
lidades”, mas, sim, em “outras ruralidades” e “outros rurais”.
De outra parte, tentar legitimar a idéia de “novas ruralidades”
implica, necessariamente, uma disputa permanente (mais ou
menos comprometida e consciente) por dizer e fazer um “novo
rural”. Quer dizer, neste debate encontra-se em jogo, além da

210 Estud.soc.agric., Rio de Janeiro, vol. 13, no. 2, 2005: 190-229.


Cleyton H. Gerhard

tentativa de compreender questões e processos sociais tidos


como “rurais”, a própria ressignificação destes últimos. E isto
significa que, no caso da tentativa de identificação de “novas
ruralidades”, não se trata apenas de identificar, observar, co-
municar, explicar ou compreender supostas “novidades”, já
que também está em questão o fato de que agentes sociais espe-
cíficos (sociólogos rurais) estarão envolvidos, através da inter-
ferência e da participação em diferentes esferas de legitimação
(portanto, não somente restritas ao campo científico), em uma
luta por fazer reconhecer discursos de autoridade.
Embora proposições possam estar contribuindo para que alter-
nativas epistemológicas menos dogmáticas sejam geradas, este
empreendimento não deixa de ser, igualmente, um esforço cole-
tivo (embora controverso) de construção de outras categorias
designativas, conceitos, metodologias e referenciais teóricos.
Porém este mesmo esforço, como prática sociológica legítima,
pode perfeitamente ser direcionado no sentido de tentar rein-
ventar o próprio aparato conceitual já disponível, prexistente e
tradicionalmente utilizado pelos cientistas sociais. Neste último
caso, trata-se, antes de simplesmente refutar ou abdicar de cer-
tos termos em favor de outros (como quando se pretende, por
exemplo, rotular agricultores como “pluriativos”, “familiares”,
“part-time” e assim por diante), de apostar na possibilidade de,
criativamente, dar-lhes outros significados e usos analíticos.
Quando Wanderley (2000: 90) lança “a hipótese de que o recor-
te rural-urbano, em suas novas e modernas formas, permanece
como um recorte pertinente para analisar as diferenças espaci-
ais e sociais das sociedades modernas, apontando não para o
fim do mundo rural, mas para a emergência de uma nova rura-
lidade”, ao mesmo tempo em que se está aqui diante de uma
postura analítica que pretende dar conta de entender, ao menos
em parte, as transformações por que estaria passando este
mesmo “mundo rural”, vê-se, também, como tese (afinal, a au-

211
Etnocentrismo e ambivalência nas interpretações sociológicas...

tora, prudentemente, a assume como hipótese) a pretensão legí-


tima de delimitar a “emergência de uma nova ruralidade” com
base na pertinência do “recorte rural-urbano”. Quer dizer, re-
conhecer que a dualidade “rural-urbano” tem seus limites heu-
rísticos e um caráter inerentemente problemático do ponto de
vista epistemológico não significa que seja necessário, sim-
plesmente, jogá-la fora. Ademais, ao proceder desta maneira,
inevitavelmente, outras abordagens igualmente problemáticas e
controversas viriam a ser criadas.

Sociologia rural e concorrência discursiva sobre “ruralidades”

Parte da aceitação, nas ciências sociais, de que as categorias


“rural” e “urbano” podem ser analiticamente pertinentes tem
relação direta com concepções teóricas (normalmente identifi-
cadas com algum tipo de construtivismo) que vêem ambas como
noções abertas, relacionais e interdependentes, isto é, que se
definem uma em relação à outra de acordo com processos his-
tóricos, com os contextos macro e micro envolvidos e com as
possibilidades mentais de aquisição de conhecimentos disponí-
veis àqueles que pretendem observar tais relações. O que causa
confusão, no entanto, é que, em determinados momentos, de-
vido à necessidade intrínseca de classificar a realidade percep-
tível, representações sobre um “rural” passam a serem tratadas
como se estivessem inscritas desde sempre na realidade social.
O que costuma ocorrer, nestes casos, refere-se a um fenômeno
peculiar aos processos comunicativos em geral: o fato de “que
por trás dos substantivos que empregamos consideramos au-
tomaticamente que haja substâncias, coisas bem visíveis e tan-
gíveis” (Elias, 1981 apud Corcuff, 2001: 36). E, tal como no caso
de outras dualidades, este mecanismo faz com que se proceda
como se “rural” e “urbano” fossem duas entidades ontologica-
mente diferentes ou, como brinca Corcuff, “como se se tratasse

212 Estud.soc.agric., Rio de Janeiro, vol. 13, no. 2, 2005: 190-229.


Cleyton H. Gerhard

de uma mesa e uma cadeira”.18 De fato, talvez esta seja uma das
razões que levaram um autor como Pahl a escrever, ainda du-
rante a década de 1960, que “em um contexto sociológico os
termos rural e urbano estão mais marcados por suas habilida-
des de confundir do que pelo seu poder de explicar” (Pahl,
1966: 299).
Por outro lado, esta mesma tendência não deixa de funcionar
como um constante desafio sociológico, visto que implica uma
necessidade permanente de se tentar ultrapassar tais naturali-
zações. Assim, dependendo de como se estará dando a objeti-
vação de significados construídos sobre as “ruralidades” por
dentro das ciências sociais, instala–se uma espécie de concor-
rência hermenêutica; ou seja, as eventuais traduções que cien-
tistas sociais fazem sobre um “rural” estarão sendo forjadas de
acordo com ambigüidades acionadas por interpretações concor-
rentes, mas que se complementam. Como resultado, esta tauto-
logia explicativa (mesmo que extremamente controversa) ajuda
a produzir uma espécie de senso comum douto sobre as “rura-
lidades”. Idéias genéricas, difusas e fragmentadas que a catego-
ria “rural” assume fora do campo de produção das ciências so-
ciais, ao serem apropriadas de forma sistemática e intencional-
mente refletida por cientistas sociais, passam a adquirir signifi-
cados bem definidos e, pelo menos provisoriamente, analitica-
mente pertinentes. Além disso, como um “rural” passa a ser
encarado como uma totalidade mais ou menos identificável,
torna-se possível especular acerca dos elementos que compori-
am e/ou organizariam esta mesma totalidade.
Embora possa ser algo controvertido, nesta disputa hermenêu-
tica o uso da categoria “rural” subentende uma constante repe-

18 Situação esta que se repete no caso de outras oposições semelhan-


tes ao par “rural-urbano”, tais como: “campo x cidade”, “agricultura x
indústria” e “local x global”.

213
Etnocentrismo e ambivalência nas interpretações sociológicas...

tição designativa, valorativa, classificatória ou, em alguns ca-


sos, operacionalizável de argumentos, de autores, de correntes
teóricas, de métodos e metodologias de análise. Como já de-
monstrado por Latour (2000), em um texto científico, a opção
por um e não por outro “método”, a referência a tal autor e não
a outro, a citação deste e não daquele estudo de caso, a alusão a
esta e não àquela abordagem teórica, mais do que somente si-
tuar (e, de certa forma, distinguir) seu autor em relação aos seus
pares, funciona como estratégia de legitimação do próprio texto
e, evidentemente, dos argumentos nele contidos. Todavia, co-
mo tais argumentos, no caso das ciências humanas, “não de-
pendem de um resultado explicativo imediato para serem con-
siderados científicos” e, mais do que isso, na medida em que “é
possível acumular conhecimentos sobre o mundo a partir de
pontos de vista diferentes e em competição” (Alexander, 1987: 6),
a permanente reinvenção da categoria “rural” pelos cientistas
sociais se dá por meio de uma permanente disputa pelo seu uso
legítimo.
Neste sentido, para a sociologia rural, o próprio estado de per-
manente controvérsia epistêmica sobre a pertinência dos poten-
ciais usos analíticos e explicativos da categoria “rural” contribui
para produzir o que se chamou aqui de senso comum douto.
Através das controvérsias mantidas por sociólogos rurais cri-
am-se questões sociologicamente relevantes (por exemplo,
“pluriatividade”, “masculinização-feminilização do meio ru-
ral”, “envelhecimento no campo”, “reforma agrária”, “multi-
funcionalidade”, “neo-rurais”, “êxodo rural” etc.) ao mesmo
tempo que outras o deixam de ser (por exemplo, o fim das in-
termináveis discussões sobre o caráter capitalista ou feudal das
“relações sociais e de produção no campo”). A partir do esforço
destes especialistas em propor, debater e delimitar problemas
por eles vistos como concernentes às “ruralidades”, institui-se
uma concorrência por elevar um rol de temáticas à condição de

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Cleyton H. Gerhard

problemas que apresentem um caráter sociológico pertinente e


que, por conseguinte, deveriam vir a ser motivo de investigação
sistemática.
Ocorre que este debate realiza-se através do confronto de ar-
gumentos diferenciados e do uso de proposições submetidas às
mais diversas controvérsias interpretativas. O que faz com que
o campo de produção de conhecimentos, por exemplo, sobre os
“atuais processos de transformação do mundo rural” (bem co-
mo sobre a delimitação, caráter e amplitude destas transforma-
ções) ou sobre “o surgimento de novas ruralidades” e de um
“novo rural” subentenda a interlocução permanente entre pes-
quisadores que, neste processo, adquiriram uma certa autori-
dade socialmente reconhecida para falar sobre estes mesmos
temas. Como salienta Martins (1986: 12), “(...) o rural é parte de
uma forma de construção social da realidade, ainda que no âm-
bito do chamado conhecimento sociológico”. Claro que uma tal
legitimação deverá se realizar (isto é, terá efeito prático), sobre-
tudo, dentro dos limites que circunscrevem o campo de reco-
nhecimento construído em torno das disciplinas que se ocupam
com estes temas, bem como segundo os espaços legítimos dis-
poníveis (por exemplo: congressos, encontros, publicações, nú-
cleos institucionais montados dentro ou entre universidades e
nos programas de pós-graduação, delimitação de linhas de
pesquisa que passam a poder reivindicar financiamentos públi-
cos para suas investigações e investigadores, entre outros) - o
que não quer dizer, por outro lado, que os conhecimentos pro-
duzidos não terão efeito para além destes espaços, muito pelo
contrário.

Ambivalência sociológica de um “rural”: a sociologia rural


entre o normativo e o analítico

Sociólogos rurais, quando coletam informações ditas objetivas,


recortam objetos empíricos ou identificam relações, processos e
215
Etnocentrismo e ambivalência nas interpretações sociológicas...

fatos concretos que supostamente estariam vinculados a um


“rural” ou às “ruralidades”, não estarão construindo suas aná-
lises sem que algum tipo de mediação venha a ser feita. Assim,
ainda que informações, objetos, relações, processos e fatos qua-
lificados como “rurais” ou “urbanos” não configurem meras
fantasias ou abstrações mentais imaginadas por esses últimos;
em alguma medida, distinções precisam ser inventadas – ou
melhor, socialmente construídas – segundo representações so-
ciais as quais, em diferentes épocas e lugares, cristalizam-se na
forma de percepções e práticas sociais.
No campo das ciências sociais, esta materialização se dá, sobre-
tudo, por intermédio do uso corrente de conceitos e categorias
de análise adotadas em pesquisas, trabalhos e diálogos acadê-
micos, além, é claro, de se efetivar através das inúmeras con-
trovérsias interpretativas sustentadas pelos cientistas sociais. Já
por outro lado, tais conceitos, categorias e controvérsias explici-
tam realidades presentificadas, ao mesmo tempo: em realidades
empiricamente observáveis; em eventos cognitivamente perce-
bíveis; nos modos de pensamento objetivados através dos dis-
cursos e das narrativas de interlocutores diversos; e, igualmen-
te, nos próprios embates de idéias, isto é, no campo da ação po-
lítica de agentes socialmente diferenciados.
No caso das “ruralidades”, Carneiro, baseando-se em Mormont
(1989), salienta que “as propriedades do rural são possibilida-
des simbólicas, mas também possibilidades práticas. Elas orien-
tam práticas sociais sobre determinado espaço de acordo com
os significados simbólicos que lhes são atribuídos (...)” (Carnei-
ro, 2005: 9). Portanto, a contínua ressignificação da categoria
“rural” não se encontra restrita à esfera das idéias, mas se efeti-
va em ações que se tornam cotidianas e passíveis de apropria-
ção pelos agentes e grupos sociais em geral, mas, igualmente,
por aqueles especialistas vindos do campo científico. Baseando-
se nesta constatação, lança-se aqui a tese de que, no caso das

216 Estud.soc.agric., Rio de Janeiro, vol. 13, no. 2, 2005: 190-229.


Cleyton H. Gerhard

“ruralidades”, a produção de conhecimentos científicos implica


um duplo movimento intimamente ligado ao fazer cotidiano
dos sociólogos rurais: por um lado, há a necessidade de se ado-
tar uma perspectiva teórica formal cujas ferramentas analíticas
decorrentes permitam interpretar transformações e processos
sociais específicos relacionados, de alguma forma, com um “ru-
ral”; por outro lado, a construção do aparato heurístico a ser
utilizado requer um esforço empírico que permita se “aproxi-
mar”, o máximo possível, dos elementos que estariam condi-
cionando estas mesmas transformações e processos.
Deste modo, e caso se aceite a procedência deste duplo movi-
mento, mesmo reconhecendo que a identificação de “novas ru-
ralidades” esteja vinculada a um movimento global de ressigni-
ficação das distinções tradicionais entre um “rural” e um “ur-
bano” (Moreira, 2005), os debates e as pesquisas geradas no
âmbito desta disciplina não deixariam de apresentar um caráter
ambivalente. Dito de uma forma direta, especialistas desta área
do conhecimento estariam tendo que lidar, ao mesmo tempo,
com aspectos analíticos e operatórios (Mormont, 1989 e Rémy,
1989). Sobre este aspecto, Carneiro reforça a idéia de que as ca-
tegorias “rural” e “urbano”
são termos que servem tanto aos pesquisadores e à academi-
a, como definidores de objeto de estudo e especialidades
disciplinares, quanto às agências elaboradoras de estatísti-
cas, que recortam a realidade a partir de uma apreensão de
dados sustentada no princípio da dualidade, como também
serve ao senso comum. Dessa ampla possibilidade de em-
prego resulta a confusão de significados e de estatuto de ca-
tegorias que ora designam um tipo de espaço, tal como apa-
recem no discurso do senso comum, ora qualificam as rela-
ções sociais no interior desses espaços (Carneiro, 2005: 9).

A autora ressalta que cientistas sociais preocupados com “ques-


tões rurais” tenderiam a utilizar suas categorias ora como ins-
trumento de análise e de interpretação de problemas de pesqui-

217
Etnocentrismo e ambivalência nas interpretações sociológicas...

sa, ora como forma de operacionalizar e instrumentalizar con-


ceitos, apresentar e propor sugestões normativas, contribuir
com a elaboração de políticas públicas ou mesmo propor ações
concretas explícitas. No caso específico da sociologia rural,
mesmo que sinais valorativos possam vir a estar sendo inverti-
dos (com o atrasado virando moderno e os rústicos tornando-se
sábios) ou, ainda, que se desloque o foco analítico (para a agri-
cultura, desenvolvimento rural, neo-rurais, multifuncionalida-
des e pluriatividades), o que seria visto atualmente como “no-
vas ruralidades” não deixaria de estar sendo influenciado por
este duplo caráter analítico-operatório.
De fato, esta característica mantém forte relação com um fenô-
meno ao qual Giddens chamou de “dupla hermenêutica das
ciências sociais”:
o desenvolvimento do conhecimento sociológico é parasítico
dos conceitos dos leigos agentes; por outro lado, noções cu-
nhadas nas metalinguagens das ciências sociais retornam ro-
tineiramente ao universo das ações onde foram inicialmente
formuladas para descrevê-lo ou explicá-lo (...). O conheci-
mento sociológico espirala dentro e fora do universo da vida
social, reconstruindo tanto este universo como a si mesmo
como uma parte integral deste processo (Giddens, 1991: 24).

Ora, percebe-se que, também no caso das categorias “rural” e


“urbano”, esta peculiaridade “parasítica” do conhecimento so-
ciológico acha-se presente. Como elas não são de uso exclusivo
dos pesquisadores, por mais que se busque a eliminação de vie-
ses provenientes da pluralidade hermenêutica que povoa o u-
niverso do senso comum – como chama atenção Carneiro –,
tanto construções teóricas mais elaboradas como diferentes ca-
minhos metodológicos escolhidos continuarão sendo, em parte,
devedores da “criatividade” deste mesmo senso comum e vice-
versa. Em síntese, quer uma categoria provenha, originalmente,
do próprio objeto de estudo dos sociólogos rurais, quer ela seja
inventada por estes últimos para dar conta deste mesmo objeto

218 Estud.soc.agric., Rio de Janeiro, vol. 13, no. 2, 2005: 190-229.


Cleyton H. Gerhard

de estudo, ambos (cientistas sociais e não-cientistas sociais ou


peritos e leigos em temas e questões “rurais”) acham-se intimamente
atravessados uns pelos outros.
Como já é de praxe se dizer nas ciências humanas, os seus “objetos”
“são, ao mesmo tempo, 'sujeitos' que têm representações de sua vida
em sociedade. [Ademais,] os próprios pesquisadores fazem parte de
seu objeto de estudo” (Corcuff, 2001: 34). No caso dos sociólogos
rurais e suas pesquisas, estarão se confundindo, se encontrando e se
desencontrando, a todo instante, “objetos” e “sujeitos”. Como alerta
Giddens (1991: 49-51),
o discurso da sociologia e os conceitos, teorias e descobertas
das outras ciências sociais continuamente ‘circulam dentro e
fora’ daquilo de que tratam. Assim fazendo, eles reestruturam
reflexivamente seu objeto, ele próprio tendo aprendido a pensar
sociologicamente. (...) não é uma questão de não existir um mundo
social estável a ser conhecido, mas de que o conhecimento deste
mundo contribui para o seu caráter instável ou mutável (...). O
conhecimento reivindicado por observadores peritos (em parte e de
maneiras variadas) reúne-se a seu objeto, deste modo alterando-o.
O argumento básico, neste caso, é que, ao menos em princípio – e
apesar das óbvias diferenças em termos de possibilidade de acesso e
de compreensão –, não haveria uma separação total e precisamente
definida entre a literatura, as práticas sociais e os discursos
disponíveis aos sociólogos rurais e aqueles lidos e filtrados pelos
demais interessados em discutir problemas e questões “rurais”.
Estas duas dimensões da realidade social não configurariam dois
universos compreensivos completamente cindidos, visto que seus
integrantes se entrecruzariam a todo instante.
Se assim for, este duplo movimento analítico/operatório aponta
para outra característica das ciências sociais e que acaba interferindo
na qualidade do trabalho intelectual desenvolvido por sociólogos
rurais: o fato de que seus esforços em analisar e compreender
um universo social específico acabam fornecendo ou ajudando a

219
Etnocentrismo e ambivalência nas interpretações sociológicas...

popularizar categorias classificatórias institucionais. Ora, caso se


considere o movimento entre o analítico e o operatório como algo
inerente ao trabalho dos sociólogos rurais, ao menos em certa
medida o relativo “sucesso” de algumas expressões que designam
“atores rurais” derivaria, justamente, da atuação destes profissionais
e, evidentemente, da sua extensa produção acadêmica. Afinal,
não é difícil encontrar, na história da sociologia rural, exemplos
deste feedback e desta apropriação criativa operada por grupos e
organizações sociais interessadas em “questões rurais”, bem como
por instituições e órgãos governamentais encarregados de tratar e
resolver tais questões.
Este parece ser o caso do uso corrente de termos como “latifundiário”,
“grileiro”, “camponês”, “produtor de subsistência”, “pequeno
produtor mercantil”, “trabalhador rural” e, mais recentemente,
“agricultor familiar”. Como se sabe, algumas destas formas de
nomear “atores rurais” acabaram ganhando dimensão nacional e, em
diferentes épocas e ao menos durante um certo período, passaram
a ser reconhecidas tanto como categorias sociológicas pertinentes,
como expressões que faziam (e, na maioria dos casos, ainda fazem)
sentido para integrantes de movimentos sociais, sindicatos, órgãos
governamentais e outras instâncias representativas que mantêm
alguma vinculação com um “rural”. Seja como categorias inventadas
por cientistas sociais, seja como categorias raptadas dos próprios
“informantes nativos”, algumas das designações citadas ganharam,
com o tempo, vida própria fora dos espaços de legitimação das
ciências sociais para, curiosamente, estarem permanentemente
retornando e sendo retrabalhadas, rediscutidas ou descartadas pelos
próprios cientistas sociais.19

19
E esta situação fica ainda mais evidente quando se pensa na série de
idas e vindas que marcaram historicamente a popularização da categoria
“trabalhador rural”. De fato, caso se quisesse recontar o processo de
consolidação do seu uso, logo se perceberia a dificuldade de se separar,

220 Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, vol. 13, no. 2, 2005: 190-229.
Cleyton H. Gerhard

De outra parte, a fluidez polissêmica das “ruralidades” e a cotidiana


reinvenção e ressignificação de um “rural” fazem com que seu uso
nas ciências sociais seja decodificado de acordo com possibilidades
compreensivas e apropriações diferenciadas em termos de força
designativa e de poder monopolizador de idéias. Por exemplo,
quando um sociólogo rural integra algum programa governamental
que visa propor e executar, explicitamente, políticas públicas para
um “rural”, suas asserções tenderão a ter um efeito de difusão social
maior do que eventuais afirmações feitas por aquele pesquisador
que permanece atuando – em termos profissionais – apenas
dentro de ambientes estritamente acadêmicos. Especialmente
no primeiro caso, há uma sobreposição de interfaces entre redes
sociais construídas por sociólogos rurais que se debruçam ou que
recortam, como problema de pesquisa, um universo empírico ligado
às “ruralidades” e as instâncias mais operacionais vinculadas,
por exemplo, à implementação de políticas públicas e aos órgãos
governamentais e não governamentais. Além disso, há situações
em que a trajetória destes pesquisadores se confunde ou tende a
aproximá-los de movimentos, organizações e grupos sociais que
se identificam com um “rural”. Porém, repare-se que, embora
mantenham níveis de influência diferenciados, em ambos os casos
tanto um como outro estão metidos em processos que envolvem
algum tipo de interferência (visível ou não) na produção de
significados sobre um “rural” e as “ruralidades”, bem como na

precisamente, onde começaria ou terminaria o papel e a atuação dos próprios


trabalhadores rurais, de suas organizações, de instituições governamentais,
de outros mediadores sociais (como parte da igreja católica), mas, também,
de muitos cientistas sociais e, particularmente, de sociólogos rurais. Neste
caso, a categoria “trabalhador rural” encontra-se já amalgamada – ora
confundindo-se ora distanciando-se – no fazer cotidiano de cada um destes
agentes sociais.

221
Etnocentrismo e ambivalência nas interpretações sociológicas...

forma como estes significados se objetivam através de práticas


sociais concretas.

Mesmo que a introdução de noções sociológicas sobre um “rural”


ou a reivindicação de conhecimentos sobre “ruralidades” não sejam
processos que possam vir a ser imediatamente canalizados, nem
por aqueles que os propõem, nem por grupos sociais diversos ou
agências governamentais, como adverte novamente Giddens (1991:
24), “ainda assim, o impacto prático das teorias sociológicas e da
ciência social é enorme, e os conceitos e descobertas sociológicas
estão constitutivamente envolvidos no que a modernidade é”.
Conseqüentemente, o esforço contínuo dos sociólogos rurais
em delimitar e interpretar um “rural”, “os rurais”, “atividades
rurais” ou “novas ruralidades” como objeto de estudo encontra-
se intimamente vinculado ao processo de ressignificação destes
últimos em contextos mais amplos que o do fazer científico. Em
outras palavras, além dos espaços de legitimação de conhecimentos
construídos por dentro do campo científico, uma parte considerável
daqueles agentes que teriam a pretensão de interpretar “fenômenos
rurais” poderá estar buscando, eventualmente, se inserir em outras
esferas de reconhecimento social para seus saberes. No entanto,
ao apresentarem uma leitura sobre “questões rurais”, em alguma
medida estes agentes estarão interferindo na transformação destas
mesmas questões as quais se esforçaram tanto em explicar e entender.
Ou será que alguém imagina que as realidades e os fenômenos
estudados por sociólogos rurais teriam seguido os mesmos caminhos
sem sua existência nas sociedades contemporâneas?

“Ruralidades” no fazer dos cientistas sociais, cientistas


sociais no fazer “ruralidades”

Como se sabe, diferentes combinações entre “rural” e “urbano”


já foram tentadas, podendo ser facilmente encontradas na vasta

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Cleyton H. Gerhard

bibliografia hoje disponível sobre esta temática. Neste caso, as


significações que porventura estejam sendo dadas encontram-se
cerradamente entrelaçadas segundo contextos históricos específicos,
mas, também, segundo possibilidades interpretativas (por exemplo,
em termos de uso e construção de teorias, conceitos e metodologias)
disponíveis aos cientistas sociais. Ocorre que, como o termo “rural”,
para além do seu caráter substantivo, funciona igualmente como
forma de adjetivação, ou seja, como uma palavra que modifica o
substantivo que a precede (o meio, a atividade, a população, o modo
de vida etc.) indicando alguma qualidade, caráter ou estado (as
“ruralidades”), parece evidente que, também entre sociólogos rurais,
a eventual atribuição de sentidos não ocorrerá em um espaço neutro
e vazio de interesses, aspirações, anseios, enfim, subjetividades.

Este aspecto fica visível quando se pensa na influência que,


eventualmente, diferentes trajetórias sociais percorridas por
sociólogos rurais podem ter nos processos de escolha de seus “objetos
de pesquisa”. Mesmo arriscando apresentar aqui um exemplo um
tanto problemático (pois poderia ser entendido como uma forma de
“determinismo social”), poder-se-ia indagar, a título de provocação,
até que ponto um sociólogo rural, filho de retirantes nordestinos e
que viveu boa parte da sua vida em um ambiente de favela tenderia a
ter um olhar acadêmico semelhante ao de outro sociólogo cujos pais
puderam lhe proporcionar condições econômicas mais favoráveis e
cujas experiências estiveram sempre vinculadas à vivência no asfalto?
Mesmo que se possa argumentar que, no que tange às suas atuações
como sociólogos (ou, mais precisamente, às suas possibilidades
hermenêuticas-heurísticas), a importância destas diferenças em
termos de vivências pessoais seria atenuada pelo ambiente agnóstico,
estóico e asséptico da academia, até que ponto seria possível, para
ambos, simplesmente eliminá-las do seu imaginário?

223
Etnocentrismo e ambivalência nas interpretações sociológicas...

Como se tentou demonstrar até aqui, as categorias “rural” e “urbano”


não se encontram isentas de juízos de valor, de algum tipo de a
priori, de uma certa dose de arbitrariedade conferida pela posição
social ocupada por aquele que dela faz uso, pelo discurso que a
precede e que se acha, por sua vez, nela incorporado e, igualmente,
pelas possibilidades cognitivo-interpretativas dos interlocutores
envolvidos. Neste sentido, supostos vieses teórico-metodológicos
de trabalhos que fazem uso da categoria “rural” precisariam ser
interpretados também segundo contextos históricos, condições
socioculturais, possibilidades econômicas e lugares políticos próprios
de seus produtores. Afinal, todo cientista social tem um passado,
aspirações, interesses, sentimentos, preconceitos, fraquezas e tantas
outras especificidades bem humanas que o texto acadêmico acaba
encobrindo. Se, como afirma Wanderley (2000: 90), “o reconhecimento
e a delimitação do espaço rural variam de país para país, em função
das formas efetivas de ocupação territorial, da evolução histórica e
das concepções predominantes em cada um deles”, esta delimitação
precisou ser feita por um agente concreto. Quer dizer, Wanderley
não é somente o termo usado para designar um autor renomado
no campo das “ruralidades”, visto que representa alguém, uma
pessoa, ou seja, subentende a participação de um agente social como
qualquer outro na produção destas “ruralidades”.

Se pensarmos nestes termos, a maneira como se deu e se dará


no futuro este mesmo reconhecimento e delimitação de que fala
a autora não exclui a contribuição de um número expressivo
de cientistas sociais. Afinal, as interpretações daqueles que, no
campo das ciências sociais, terminaram por se tornar especialistas
em “ruralidades”, ao mesmo tempo que contribuem para que
representações e práticas sociais se efetivem concretamente,
constituem-se, igualmente, em resultado destas mesmas
representações. Se se pode afirmar que suas produções científicas

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Cleyton H. Gerhard

incidem, de algum modo, sobre as realidades empíricas por eles


observadas, a dinâmica inconstante e mutável destas últimas
também interfere alterando tanto seus interesses “acadêmicos”,
suas preferências temáticas, quanto suas capacidades cognitivas.
O que significa dizer que, se transformações concretas puderam
ser percebidas por estes cientistas sociais, o seu fazer cotidiano
também fará parte destas mudanças e, obviamente, constitui-se em
um potencial “objeto” a ser pesquisado. Neste duplo movimento,
transformações sociais “rurais” também atuam sobre o conjunto
de seus processos mentais os quais, em última instância, são o
que lhes permite fazer um reconhecimento, uma classificação,
uma teorização ou um recorte de objetos de estudo ou problemas
de pesquisa que mereceriam ser investigados, e não de outros.

Como no caso do uso de outras expressões semelhantes (embora


etimologicamente diferentes) adotadas nas ciências sociais – tais
como “mercado”, “indústria”, “raça/etnia”, “família”, “parentesco”,
“sustentabilidade”, “local”, “região”, “globalização” e muitos
outros –, “rural” e “urbano” também podem ser entendidos como
conceitos que “foram formulados no sentido de analisar mudanças
envolvidas na emergência das instituições modernas. Mas eles não
podiam permanecer, e realmente não permaneceram, separados
das atividades e eventos aos quais se relacionavam” (Giddens, 1991:
47). Em suma, ambas as categorias tornaram-se parte integrante do
cotidiano e da vida tanto das pessoas em geral como dos sociólogos
rurais. Um economista, ao pretender falar sobre o “mercado” –
tentando, por exemplo, explicar seu funcionamento –, precisará,
para tanto, utilizar o próprio termo “mercado”, o que implica
darlhe algum significado implícito ou explícito; da mesma forma,
um antropólogo, ao desejar entender as “relações de parentesco”
em uma comunidade ou grupo social, necessitará, ao menos, refletir
sobre o significado que os nativos estariam dando a estas mesmas

225
Etnocentrismo e ambivalência nas interpretações sociológicas...

“relações de parentesco”, ou melhor, sobre o que eles entendem por


“parentesco”, o que implica, por sua vez, algum tipo de tradução. Ora,
também um sociólogo rural, quando pretende tratar temas “rurais”,
precisará aceitar o fato de que esta é uma categoria de uso comum –
tanto para leigos, economistas, antropólogos e historiadores, como
para sociólogos – cujos sentidos, queria ele ou não, ajudaram a
colonizar suas construções analíticas, bem como argumentos que,
porventura, venham a estar embasando suas reflexões.

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Resumo. Nas ciências sociais, a categoria rural tende a ser utili-
zada ora como instrumento de análise, ora como forma de ope-
racionalizar conceitos, propor ações ou apresentar sugestões
normativas. Com base nesta característica, parte-se da hipótese
de que pesquisas produzidas neste campo temático não pode-
rão deixar de seguir este caráter ambivalente. Mesmo que sinais
valorativos sejam invertidos (o atrasado virando moderno) ou,
ainda, que se desloque o foco (para a agricultura, desenvolvi-
mento rural, multifuncionalidade, neo-rurais etc.), o que seria
visto como novas ruralidades não deixaria de ser influenciado
por esta dupla hermenêutica analítico-operacional. Este traba-
lho problematiza algumas implicações desta situação.
Palavras-chave: ruralidades; rural-urbano; análise crítica.
Abstract. (Ethnocentrism and Ambivalence in Sociological Interpre-
tations of New Ruralities – between the Instrumental and the Ana-
lytical). In the social sciences, rural is a category which tends to
be used interchangeably as an instrument of analysis and as a
way to operationalize concepts, propose forms of actions or to
present normative suggestions. Based on in this characteristic,
we start from the hypothesis that research produced in this
thematic field cannot but follow this ambivalent feature. Even
when value signs are inverted (the backward becoming mod-
ern) or when there is a change of focus (for agriculture, rural
development, multifunctionality, neo-rural), what would be
seen as new ruralities are not immune to the influences of this
dual new analytical-operational hermeneutic. This article
draws out some of the implications of this situation.
Key words: ruralities; rural-urban; critical analysis.

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