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Jörn Rüsen: didática e consciência histórica

Os textos “Didática da História: passado, presente e perspectivas a partir do


caso alemão” (2010) e “O desenvolvimento da competência narrativa na
aprendizagem histórica: uma hipótese ontogenética relativa à consciência moral”
(2010) discorrem acerca de temáticas relacionadas ao ensino e aprendizagem de
história sob a perspectiva de Jörn Rüsen. O primeiro texto apresenta aspectos que
buscam analisar a trajetória da didática da história na Alemanha, suas
problemáticas, mudanças e influências na educação histórica em diferentes
contextos, além de analisar como os historiadores se portam perante ao saber
histórico escolar e a importância da consciência histórica na formação do
pensamento histórico. O segundo texto aprofunda as questões sobre a consciência
histórica e seu papel no processo de aprendizagem em história, explicitando “o que
é” consciência histórica, sua relação com os valores morais, bem como suas
possíveis tipologias, funções, competências narrativas e desenvolvimento.
Nessa perspectiva, é importante ressaltar que o autor desses textos, Jörn
Rüsen, é um notável historiador da cultura e estudioso de ensino, teoria e
metodologia da história alemão, cujas reflexões acerca do ensino e aprendizagem
de história são bastante pertinentes. Rüsen, além de possuir uma ampla lista de
obras publicadas e uma sólida carreira como professor universitário, ainda fazia
parte de dois grupos responsáveis por integrar intelectuais de diversas áreas na
produção de conhecimento das ciências humanas, onde coordenava e participava
de estudos interdisciplinares: o Centro de Pesquisas Interdisciplinares (ZIF) e o
Instituto de Altos Estudos em Ciências Humanas (KWI). As principais contribuições
desse autor dizem respeito à educação histórica: “Ciência, método, razão, tradição,
consciência histórica, narrativa e identidade foram questões revisitadas pelo autor,
que, em sua obra, articulam-se de modo estrutural a dar conta de uma compreensão
da realidade que parece ser bastante promissora à área da Didática da História”
(BAROM, CERRI, 2012, p. 1.005). Dessa forma, Rüsen defende que só ensinamos
e/ou aprendemos história devido à consciência histórica, que é, em suma, uma
condição cognitiva, biológica, cultural e universal utilizada por todos os seres
humanos para interpretar as mudanças dos processos históricos. Atualmente, o
trabalho de Rüsen é internacionalmente reconhecido, principalmente na Alemanha e
países de língua inglesa. No Brasil, o autor recebe cada vez mais atenção dos
profissionais em história, seja por sua contribuição no ensino ou teoria da história.
Assim, pode-se considerar Rüsen como um dos principais nomes quando se
fala em teoria da educação histórica no contexto atual. Para ele, a didática da
história ou ciência do aprendizado histórico demonstra, ao historiador, “as conexões
internas entre história, vida prática e aprendizado” (RÜSEN, 2010, p. 40). No texto
“Didática da História: passado, presente e futuro a partir do caso alemão”, o autor
evidencia que o objetivo da didática da história é investigar o aprendizado histórico,
definido como uma das dimensões de manifestação da consciência histórica, um
dos processos mais importantes na socialização e individualização humana.
Nesse sentido, a didática da história é relevante porque auxilia na resolução
dos problemas de ensino e aprendizado na sala de aula, bem como na vida prática e
cotidiana, já que considera os processos, estruturas, conteúdos e funções da
consciência histórica, o que torna possível a aprendizagem efetiva do conhecimento
histórico. Ainda, se faz fundamental porque, segundo Rüsen (2010, p. 40), “o ensino
de história afeta o aprendizado de história e este configura a habilidade de se
orientar na vida e de formar uma identidade histórica coerente e estável”. A didática,
desse modo, se faz importante para a História porque auxilia na construção da
identidade e facilita a transmissão do conhecimento histórico, desenvolvendo
habilidades e designando possíveis soluções aos problemas contemporâneos, além
de estimular alunos a produzirem conhecimento histórico em sala de aula, promover
a compreensão de como é elaborado “o passado” e a consciência histórica,
reforçando a função social e cultural da História;
De acordo com Rüsen em “O desenvolvimento da competência narrativa na
aprendizagem na aprendizagem histórica: uma hipótese ontogenética relativa à
consciência moral” (2010, p. 37), a consciência histórica pode ser considerada como
um “conjunto coerente de operações mentais que definem a peculiaridade do
pensamento histórico e a função que ele exerce na cultura humana”. É, também, um
fator básico da identidade humana, designado como uma condição cognitiva,
biológica, cultural e universal utilizada pelos seres humanos para interpretar
mudanças, ligada diretamente ao raciocínio moral de cada sociedade com uma
função prática. É a consciência histórica de cada indivíduo que define se sua ação é
moral ou imoral (certa ou errada), uma vez que funciona como um modo específico
de orientação em situações reais da vida presente, ou seja, ajuda na compreensão
do passado para a melhor compreensão do presente. Segundo Rüsen, a
consciência histórica pode ser conceituada como uma operação do intelecto humano
para aprender algo, já que trata o passado como experiência, revelando as
mudanças temporais que acontecem o tempo todo. Ainda, a consciência histórica
transforma os valores morais em totalidades temporais: tradições, conceitos de
desenvolvimento ou outras formas de compreender o tempo. A consciência histórica
possui forma linguística narrativa. Três elementos constituem juntos uma narração
histórica: forma, conteúdo e função.
Rüsen designa quatro tipos de consciência histórica baseando-se em quatro
princípios distintos para a orientação temporal: 1) a afirmação das orientações
dadas, 2) a regularidade dos modelos culturais e dos modelos de vida , 3) a negação
e 4) a transformação dos modelos de orientação temática. Para tanto, utiliza-se de
seis elementos e fatores de consciência histórica para designar os tipos de
consciência histórica: experiência do tempo, formas de significação histórica,
orientação da vida exterior, orientação da vida interior, relação com os valores
morais e a relação com o raciocínio moral.
Nesse sentido, as quatro tipologias de consciência histórica designadas por
Rüsen são o tipo tradicional, o tipo exemplar, o tipo crítico e o tipo genético. O tipo
tradicional diz respeito à consciência histórica que funciona para manter as tradições
de determinadas sociedades vivas, já que faz recordar as origens e repetir as
obrigações, mostra a obrigatoriedade moral de seguir os sistemas de valores
vigentes, tornando significativo o passado e tornando o presente e o futuro como
uma continuidade dos modelos tradicionais além do tempo, além de definir a
identidade histórica com os elementos predeterminados pela tradição. Já o tipo de
consciência histórica exemplar se refere a experiência do passado nos casos que
representam e personificam regras atemporais de conduta humana e mudanças, na
qual a história é vista como uma lição para o presente, que implica regras
comprovadas historicamente nas situações atuais: “o passado como exemplo”, tal
qual na historia magistra vitae. O tipo crítico apresenta uma forma distinta de
experiência histórica, na qual se apresenta pelas “contranarrações”, ou seja, se
busca uma ruptura na continuidade das tradições do passado, como se a história
funcionasse como ferramenta com a qual se rompe essa continuidade com as
orientações temporais predeterminadas, de maneira a não sermos reféns de
tradições prescritas, ou seja, essa tipologia constrói-se com a força da negação de
valores, regras, morais e tradições já vigentes, ao confrontar essas questões com a
evidência histórica de suas origens ou consequência imorais. Por último, o tipo
genético se baseia no argumento de que os tempos mudam, aceitando a história,
mas localizando-a em uma estrutura de interpretação dentro da qual o tipo de
relação com os acontecimentos do passado mudou: “a mudança é a essência e o
que dá à história seu sentido” (RÜSEN, 2010, p. 18), ou seja, a consciência histórica
se constrói em um processo de desenvolvimento dinâmico, a mudança é o caminho
no qual estão abertas as opções para que a atividade humana crie um novo mundo.
Ainda, essa tipologia indica que a memória histórica representa o passado como
acontecimentos mutáveis, que se transformam em condições modernas positivas,
determinando o desenvolvimento das ações humanas. A permanência, nessa
concepção, torna-se dinâmica e enxerga a vida social em toda a sua complexidade
de sua temporalidade absoluta. Depende essencialmente da mudança temporal
como necessária ou decisiva para estabelecer a validade dos valores morais. Rüsen
(2010, p. 20) afirma que “esta tipologia se entende como uma ferramenta
metodológica e investigativa para a investigação comparativa” que nos ajuda a
caracterizar as peculiaridades culturais e características morais em diferentes
épocas e cenários.
Diante do exposto, é notável que Jörn Rüsen desenvolve ideias
indispensáveis a respeito do ensino e aprendizagem da História, uma vez que suas
conceituações e considerações sobre didática e consciência histórica contribuem
essencialmente para os historiadores e professores de história desenvolverem
percepções acerca das habilidades e ponderações que devem fazer ao ensinar
história em sala de aula, uma vez que cada indivíduo constitui sua própria identidade
histórica a partir da consciência histórica que desenvolve ao longo de sua vida e
convivência em uma sociedade dotada de visões próprias a respeito do passado,
bem como de formas singulares de considerarem os aspectos e valores morais que
determinam as ações dos indivíduos.

Referências:
BARROM, Wilian Carlos Cipriani; CERRI, Luis Fernando. A Teoria da História de
Jörn Rüsen entre a Modernidade e a Pós-modernidade: uma contribuição à
didática da história. Rev. Educação e Realidade: Porto Alegre, v. 37, n. 3, p.
991-1008, set./dez. 2012. Disponível em:
<https://www.scielo.br/j/edreal/a/gBHCVsLVmCJs3m9kNbwLnrG/?format=pdf&lang=
pt>.

RUSEN, Jorn. O desenvolvimento da competência narrativa na aprendizagem na


aprendizagem histórica: uma hipótese ontogenética relativa à consciência moral. In:
SCHMIDT, Maria Auxiliadora. BARCA, Isabel. Jorn Rusen e o Ensino de História.
Curitiba: Editora UFPR, 2010.
RUSEN, Jorn. Didática da História: passado, presente e futuro a partir do caso
alemão. In: SCHMIDT, Maria Auxiliadora. BARCA, Isabel. Jorn Rusen e o Ensino
de História. Curitiba: Editora UFPR, 2010.

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