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H i s t ó r i a na s a l a de a u l a

sobre alguns conceitos considerados fundamentais e sobre os desdobra­


mentos contidos em sua abrangência.

História

O objetivo primeiro do conhecimento histórico é a compreen­


são dos processos e dos sujeitos históricos, o desvendamento das rela­
ções que se estabelecem entre os grupos humanos em diferentes tem­
pos e espaços. Os historiadores estão atentos às diferentes e múltiplas
possibilidades e alternativas apresentadas nas sociedades, tanto nas de
hoje quanto nas do passado, que emergiram da ação consciente ou in­
consciente dos homens; procuram apontar para os desdobramentos
que se impuseram com o desenrolar das ações desses sujeitos.

A aprendizagem de metodologias apropriadas para a construção


do conhecimento histórico, seja no âmbito da pesquisa científica seja
no do saber histórico escolar, torna-se um mecanismo essencial para
que o aluno possa apropriar-se de um olhar consciente para sua pró­
pria sociedade e para si mesmo. Ciente de que o conhecimento é provi­
sório, o aluno terá condições de exercitar nos procedimentos próprios
da História: problematização das questões propostas, delimitação do
objeto, exame do estado da questão, busca de informações, levanta­
mento e tratamento adequado das fontes, percepção dos sujeitos histó­
ricos envolvidos (indivíduos, grupos sociais), estratégias de verificação
e comprovação de hipóteses, organização dos dados coletados, refina­
mento dos conceitos (historicidade), proposta de explicação para os fe­
nômenos estudados, elaboração da exposição, redação de textos. Dada
a complexidade do objeto de conhecimento, é imprescindível que seja
incentivada a prática interdisciplinar.

Faz parte da construção do conhecimento histórico, no âmbito


dos procedimentos que lhe são próprios, a ampliação do conceito de
fontes históricas, que podem ser trabalhadas pelos alunos: documentos
oficiais, textos de época e atuais, mapas, ilustrações, gravuras, imagens

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H olien G onçalves B ezerra

de heróis de histórias em quadrinhos, poemas, letras de música, litera-


mra, manifestos, relatos de viajantes, panfletos, caricaturas, pinturas,
lotos, rádio, televisão etc. O importante é que se alerte para a necessi­
dade de que as fontes recebam um tratamento adequado, de acordo
com sua natureza.

É preciso deixar claro, porém, que não é proposta do ensino bá­


sico a formação de pequenos historiadores. O que importa é que a or­
ganização dos conteúdos e a articulação das estratégias para trabalhar
com eles leve em conta esses procedimentos para a produção do conhe­
cimento histórico. Com isso, evita-se passar para o educando a falsa
sensação de que os conhecimentos históricos existem de forma acaba­
da, e assim são transmitidos.

Processo histórico

Para além da descrição factual e linear, a História busca explicar


i.uito as uniformidades e as regularidades das formações sociais quan-
i (» as rupturas e diferenças que se constituem no embate das ações hu-
manas. Na verdade, o passado humano não é uma agregação de ações
si-paradas, mas um conjunto de comportamentos intimamente interli­
gados, que têm uma razão de ser, ainda que na maioria das vezes im­
perceptível para nossos olhos. O processo histórico constitui-se dessas
pi .ii icas, ordenadas e estruturadas de maneiras racionais. São os proble­
mas colocados constantemente na indeterminação do social que fazem
■ que os homens se definam pelos caminhos possíveis e desenhem
i is acontecimentos que passam a ser registrados. Os registros ou as evi­
dencias da luta dos agentes históricos são o ponto de partida para en-
i' udermos os processos históricos.

Deve-se ressaltar, igualmente, que o conceito de processo histó-


iii it supõe que sua enunciação resulta de uma construção cognitiva dos
■amliosos. No entanto, embora os processos não existiram exatamen-
ii i oino estão sendo descritos, eles têm uma sedimentação na realidade

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H istória na sala de aula

social. Pode-se dizer que o status ontológico do passado garante a com-


preensibilidade do processo. A dimensão de elaboração, de construção
cognitiva, nos leva a entender a possibilidade das diversas interpreta­
ções do passado histórico, dependentes de posicionamentos teóricos e
metodológicos diferenciados.

Assim, a História, concebida como processo, busca aprimorar o


exercício da problemalizaçao da vida social, como ponto dc partida pa­
ra a investigação produtiva e criativa, buscando identificar as relações
sociais de grupos locais, regionais, nacionais e de outros povos; perce­
ber as diferenças e semelhanças, os conflitos/contradições e as solida-
riedades, igualdades e desigualdades existentes nas sociedades; compa­
rar problemáticas atuais e de outros momentos, posicionar-se de forma
crítica no seu presente e buscar as relações possíveis com o passado.

Nesse quadro conceituai de processo, se dimensiona a com­


preensão do conceito de “fato histórico”, de “acontecimento”, que têm
sua im portância como ponto referencial das relações sociais, no coti­
diano da História; no entanto, o sentido pleno dos acontecimentos,
em sua dimensão micro, se resolve quando remetido aos processos que
lhes emprestam as possibilidades explicativas. Enfim, o fato histórico
toma sentido se considerado como constitutivo dos processos históri­
cos, e nessa escala deve ser considerado.

Tempo (temporalidades históricas)

A dimensão da temporalidade é considerada uma das catego­


rias centrais do conhecimento histórico. Não se trata de insistir nas
definições dos diversos significados de tempo, mas de levar o aluno a
perceber as diversas temporalidades no decorrer da História e ter cla­
ro sua im portância nas formas de organização social e seus conflitos.
Sendo um produto cultural forjado pelas necessidades concretas das
sociedades, historicamente situadas, o tempo representa um conjunto
complexo de vivências humanas. Daí a necessidade de relativizar as di­

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H o lien G o n ç a l v e s B e z e r r a

ferentes concepções de tempo e as periodizações propostas; de situar


os acontecimentos históricos nos seus respectivos tempos. O conceito
de tempo supõe também que se estabeleçam relações entre continui­
dade e ruptura, permanências e mudanças/transformações, sucessão e
simultaneidade, o antes-agora-depois. Leva-nos a estar atentos e fazer
ver a importância de se considerarem os diversificados ritmos do tem­
po histórico quando o situamos na duração dos fenômenos sociais e
naturais. E justamente a compreensão dos fenômenos sociais na dura­
ção temporal que permite o exercício explicativo das periodizações,
que são frutos de concepções de mundo, de metodologias e até mes­
mo de ideologias diferenciadas.

As considerações sobre a riqueza e com plexidade do conceito


de tempo são imprescindíveis para que sejam evitados os anacronis-
mos, não tão raros nas explicações históricas. O anacronismo consis­
te em atribuir a determinadas sociedades do passado nossos próprios
sentimentos ou razões, e assim interpretar suas ações; ou aplicar cri­
térios e conceitos que foram elaborados para um a determ inada épo­
ca, em circunstâncias específicas, para outras épocas com caracterís-
(icas diferentes.

Sujeito histórico
é

Perceber a complexidade das relações sociais presentes no coti­


diano e na organização social mais ampla im plica indagar qual o lugar
que o indivíduo ocupa na tram a da H istória e como são construídas
as identidades pessoais e as sociais, em dimensão temporal. O sujeito
histórico, que se configura na inter-relação complexa, duradoura e
c ontraditória entre as identidades sociais e as pessoais, é o verdadeiro
construtor da História. Assim, é necessário acentuar que a trama da
I Iistória não é o resultado apenas da ação de figuras de destaque, con­
sagradas pelos interesses explicativos de grupos, mas sim a construção
consciente/inconsciente, paulatina e imperceptível de todos os agentes
sociais, individuais ou coletivos.

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H is t ó r ia na s a l a de a u l a

Conceber a História como o resultado de sujeitos históricos


im plica não atribuir o desenrolar do processo como sendo ação da
vontade de instituições, como o estado, os países, a escola etc., ou re­
sultante do jogo de categorias de análise (ou conceitos), como siste­
mas, capitalism o, socialismo etc. Perceber que a trama histórica não
se localiza nas ações individuais, mas no embate das relações sociais,
no tempo.

Cultura

A ampliação do conceito de cultura, fruto da aproximação en­


tre História e Antropologia, enriquece o âmbito das análises, cami­
nhando de forma positiva para a abertura do campo científico da His­
tória Cultural. As representações sociais dão unidade a todas as
manifestações da vida, quer individual, quer social. Cultura não é ape­
nas o conjunto de manifestações artísticas. Envolve as formas de orga­
nização do trabalho, da casa, da família, do cotidiano das pessoas, dos
ritos, das religiões, das festas etc. Assim, o estudo das identidades so­
ciais, no âmbito das representações culturais, adquire significado e im ­
portância para a caracterização de grupos sociais e de povos.

Historicidade dos conceitos

Os conceitos históricos somente podem ser entendidos na sua


historicidade. Isso quer dizer que os conceitos criados para explicar
certas realidades históricas têm seu significado voltado para essas rea­
lidades, não sendo possível empregá-los indistintam ente para toda e
qualquer situação semelhante. Dessa forma, os conceitos, quando to­
mados em sua acepção mais ampla, não podem ser utilizados como
modelos, mas apenas como indicadores de expectativas analíticas.
Ajudam-nos e facilitam o trabalho a ser realizado no processo de co­
nhecimento, na indagação das fontes e na compreensão de realidades
históricas específicas.

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H o lien G o n ç a lv es B ezerra

Registre-se que é possível distinguir os conceitos, na escala de sua


compreensão, entre aqueles que são mais abrangentes e os que se refe­
rem a realidades mais especificamente determinadas. Quando o concei­
to tem uma compreensão geral, que se aplica a realidades histórico-so-
ciais semelhantes, pode receber a denominação de “categoria”. Por
exemplo, a categoria trabalho, homem, continente, revolução etc.
Nesse sentido, os conceitos ou categorias são abertos, são vetores à es­
pera de concretizações com base na elaboração de conhecimentos espe­
cíficos, de acordo com os procedimentos próprios da disciplina Histó­
ria. No momento em que se atribui a essas categorias as determinações
históricas e suas especificidades, como trabalho assalariado, trabalho
servil, trabalho escravo, por exemplo, já estamos lidando com conceitos
que, por sua vez, poderão receber ainda mais especificações, como tra­
balho servil na Germânia, na Francônia, e assim por diante; a revolução
socialista, a revolução industrial etc. Não há uma “democracia” consi­
derada em sua essência, mas democracias: na Grécia, no século XIX, a
democracia liberal, a socialista, a atual brasileira e tc ... Seriam, então, os
conceitos propriamente ditos, considerados como representações de um
objeto ou fenômeno histórico, por meio de suas características.

Para efeito dessa análise, estamos empregando a denominação


“conceito” na acepção mais ampla e abrangente.
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Cidadania

O conjunto de preocupações que informam o conhecimento


histórico e suas relações com o ensino vivenciado na escola levam ao
aprimoramento de atitudes e valores imprescindíveis para o exercício
pleno da cidadania, como exercício do conhecimento autônomo e crí­
tico; valorização de si mesmo como sujeito responsável da História;
respeito às diferenças culturais, étnicas, religiosas, políticas, evitando
qualquer tipo de discriminação; busca de soluções possíveis para os
problemas detectados em sua comunidade, de forma individual e cole­
tiva; atuação firme e consciente contra qualquer tipo de injustiça e

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