Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Porto Alegre
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
2013
Organização e Realização
Comissão Executiva
Edição
Natacha Boschi
Fotos
Cláudio Etges
Design Gráfico
A&C Design Gráfico/Clóvis Borba
Produção do evento
RRPP Produções e Eventos/ Jane Carvalho
Dados Internacionais de Catalogação da Publicação
Apoiadores
Produção
Financiamento
Realização
]
Sumário
Apresentação ..................................................................................................................... 9
GUERRA, Rodrigo Benza. Una mirada al Perú: teatro documental contemporáneo . 243
OLIVEIRA, Natássia Duarte Garcia Leite de. Vestígios em lixo: teatro dialético e o
sentido da Teoria e da Práxis na cena contemporânea. ............................................... 401
OLIVEIRA, Urânia Auxiliadora Santos Maia de. O teatro épico e as peças didáticas de
Bertolt Brecht: uma abordagem das mazelas sociais e a busca de uma significação
política pelo teatro. ........................................................................................................412
SAMPAIO, Maria Everalda Almeida. A Nau do Asfalto sob os olhos de Brecht ......... 457
SILVA, Anita Cione Tavares Ferreira da. Jogos na peça didática: influências para a
poética do oprimido e discussão acerca de justiça ambiental...................................... 497
Mirna Spritzer
Comissão Executiva do
14º Simpósio da International Brecht Society
1 BRECHT, Bertolt. Estudos sobre Teatro. Rio de janeiro: Nova Fronteira, 1978.
“TEATRO-JORNAL” DE AUGUSTO BOAL E A DESCOBERTA DO TEATRO DO
OPRIMIDO
ANDRADE, Clara de 1
RESUMO
ABSTRACT
This presentation reflects on the Newspaper Theatre, developed by Boal in the last
years of Teatro de Arena, as a way of surviving the censorship. With the
Newspaper Theatre, Boal begins the process of creating the techniques which
subsequently gave rise to the Theatre of the Oppressed. The approach then is in
the development of these theatrical forms, especially the forum theater, in order to
establish possible relations with the concept of the emancipated spectator and the
aesthetic regime of art proposed by the philosopher Jacques Rancière.
1
ANDRADE, Clara de. Atriz, cantora e pesquisadora em teatro. Doutoranda em Artes Cênicas na
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) e mestre em Artes Cênicas pela
mesma Universidade. Autora da dissertação: “O exílio de Augusto Boal: reflexões sobre um teatro
sem fronteiras” (2011), em vias de publicação. Sua pesquisa atual se debruça sobre o teatro
político do teatrólogo brasileiro Augusto Boal. clara.and@gmail.com.
Introdução
2
BOAL, Augusto. In: GARCIA, Silvana. Odisséia do Teatro Brasileiro. SP: SENAC, 2002, p. 248.
3
Nesta mesma crise, Oduvaldo Vianna Filho se afasta enquanto integrante do grupo e decide criar
os Centros Populares de Cultura (CPC), na tentativa de estar mais perto do inalcançável povo.
Em sua busca incessante por um teatro popular e libertador que pudesse
sobreviver dentro de regimes ditatoriais, Boal se vê diante da necessidade de criar
novas formas de atuação artística. É quando inicia a pesquisa das técnicas que
vieram a desembocar no Teatro do Oprimido, buscando novas formas de transferir
para a plateia os meios de produção da arte, ao invés de pensá-la somente como
um produto acabado. Ao invés de dizer através da arte o que o público deve fazer,
Boal procura com que as pessoas façam a sua própria arte.
Teatro-jornal: a transição
4
BOAL, Augusto. Hamlet e o Filho do Padeiro: Memórias Imaginadas. Rio de Janeiro: Record,
2000, p. 270.
5
MAGALDI, Sábato. Um Palco Brasileiro: O Arena de São Paulo. São Paulo: Brasiliense, 1984, p.
92.
Naquele momento, dos mais repressivos da ditadura militar no Brasil, em
pleno governo Médici, a montagem de cenas produzidas literalmente “do dia para
a noite”, foi uma forma de escapar da ação da censura que, desde a promulgação
do AI-5, em 1968, atuava de maneira cada vez mais forte sobre peças e grupos
teatrais. A I Feira Paulista de Opinião, por exemplo, no mesmo ano de 1968, havia
tido 65% de seu texto censurado, o que quase impediu a realização da mesma.
Segundo o pesquisador Eduardo Campos Lima6 os jovens atores
pesquisaram por conta própria notícias de jornais e, experimentalmente,
construíram um primeiro embrião para o espetáculo. Ao voltar de uma turnê com
Zumbi e assistir ao trabalho, Boal ficou muito entusiasmado: contribui
dramaturgicamente no roteiro e seleção das notícias; cenicamente, dando
acabamento final ao espetáculo e traz a ideia de inserir as técnicas teatrais dentro
do próprio roteiro teatral.
O Teatro-Jornal - Primeira edição, ao mesmo tempo em que apresentava os
espetáculos para o público, com as nove técnicas de transformação de uma
notícia em cena teatral, fazia sessões para ensinar estas mesmas técnicas para
grupos interessados em aplicá-las: organizações de estudantes, professores,
sindicalistas e ações de organização comunitária, na época, o chamado “trabalho
de bairro”. 7 A aplicação das técnicas era utilizada primordialmente para o trabalho
político, cada vez mais clandestino. A maioria dos integrantes do grupo, inclusive,
também fazia parte de alguma organização política.
Eram realizadas de três a cinco sessões por dia. Aos poucos, o grupo
passou a ir até os locais para realizar as apresentações, de forma que as técnicas
pudessem se expandir cada vez mais: universidades, periferia, cidades do interior
de São Paulo, como São Carlos, Ribeirão Preto e no ABC Paulista.
6
LIMA, Eduardo Luís Campos, 2012. Procedimentos formais do jornal vivo Injunction Granted,
(1936), do Federal Theatre Project, e de Teatro Jornal: Primeira Edição (1970), do Teatro de Arena
de São Paulo. Dissertação de Mestrado. USP. São Paulo: 2012, 313 f.
7
CAMPOS, Claudia de Arruda. Zumbi, Tiradentes. São Paulo: Perspectiva, 1988, p. 135.
O intuito era formar novos grupos que depois pudessem ter autonomia. No
entanto, de acordo com Dulce Muniz e Celso Frateschi,8 muitos grupos realizavam
apenas a primeira apresentação de seu próprio Teatro-Jornal e depois acabavam
não seguindo com as apresentações, mas engajando-se na reorganização dos
seus diretórios acadêmicos ou sindicatos recém-diluídos pelo regime.
Desde a sistematização das metas e estrutura do sistema coringa, Boal via
a necessidade de criar novas convenções para o teatro que permitissem aos
espectadores conhecer o jogo de cada espetáculo. Para Boal, assim como o
futebol, o teatro deveria ter regras pré-conhecidas para que todos pudessem
“jogar” um pouco de teatro, fazendo dele, de fato, uma arte popular. Ao revelar ao
público os recursos do teatro, Boal nos remete a uma proposta de formação de
plateia, não em seu âmbito puramente artístico e contemplativo, mas sim a uma
formação política e teatral de uma plateia ativa e diretamente participativa.
O texto de Teatro-Jornal - Primeira edição começa justamente com a
explicação do Coringa sobre essa relação entre o teatro e o futebol para introduzir
a apresentação das técnicas, com o estímulo de que o público, por si mesmo, crie
depois outras técnicas em seu próprio ambiente.
As nove técnicas de Teatro-Jornal eram apresentadas em cena e também
descritas no próprio roteiro dramatúrgico do espetáculo.9 Elas se compunham
desde a leitura simples da notícia ao público à leitura com dramatização e ritmos
diferentes, um noticiário cruzado ou simultâneo de duas ou mais notícias, jingles
publicitários e a técnica chamada de “figuração concreta da notícia”. 10
8
LIMA, Eduardo Luís Campos. Procedimentos formais do jornal vivo Injunction Granted, (1936), do
Federal Theatre Project, e de Teatro Jornal: Primeira Edição (1970), do Teatro de Arena de São
Paulo. Dissertação de Mestrado. USP. São Paulo: 2012, pp. 117-119.
9
O texto original do Teatro-Jornal Primeira-Edição encontra-se completo junto ao parecer da
censura e disponível nos anexos da dissertação de Eduardo Campos Lima (USP) e no blog do
Instituto Augusto Boal.
10
BOAL, Augusto. Teatro-Jornal – Primeira Edição. Apud: LIMA, Eduardo Luís Campos.
Procedimentos formais do jornal vivo Injunction Granted, (1936), do Federal Theatre Project, e de
Teatro Jornal: Primeira Edição (1970), do Teatro de Arena de São Paulo. Dissertação de Mestrado.
USP. São Paulo: 2012, pp. 300, 301.
Muitas ações que eram realizadas em cena não estão descritas no texto. A
primeira notícia, por exemplo, é sobre uma jovem que rouba a peruca de uma
mulher na rua e acaba sendo levada presa para o Presídio Tiradentes. Esta
notícia que, a princípio, soa apenas como um fato estranho, servia de pretexto
para que o grupo representasse em cena a tortura praticada naquele presídio.
Este último procedimento teatral é apresentado no texto de modo que
parece sintetizar o próprio objetivo do Teatro-Jornal: “A informação já não informa.
11
(...) A morte é abstrata. Por isso é preciso tornar concretas certas palavras.” Em
seguida a esta explicação, o elenco apresentava a notícia da morte de um
operário que teve seu corpo completamente queimado ao ser obrigado a trabalhar
em um forno sob temperaturas altíssimas. A tragédia deste operário era
representada pela queima real de uma boneca em cena, com o intuito de “tornar
concretas certas palavras”.12
Deste modo, o Teatro-Jornal fazia uso, em sua proposta de encenação, de
recursos advindos diretamente da chamada arte crítica e das diferentes formas de
teatro político que vinham sendo realizadas até então. Primeiro, ao partir das
próprias notícias de jornais para a construção de sua dramaturgia, como uma
costura em cena de recortes da realidade, encontramos claramente o uso da
forma artística da colagem.
Segundo o filósofo Jacques Rancière, em seu livro “O espectador
emancipado”, a colagem é particularmente representativa da tradição crítica da
arte e se fundamenta pelo choque causado pela superposição de elementos
heterogêneos e até mesmo conflituosos. Para o autor, o marxismo a adotou para
tornar perceptível a violência da dominação de classe que estaria oculta sob o
“cotidiano ordinário”.13
Da mesma forma que outras manifestações teatrais - como o Teatro
Documentário de Peter Weiss - o Teatro-Jornal procurava, pelo uso da colagem,
11
Idem, p. 300.
12
Idem.
13
RANCIÈRE, Jacques. O espectador emancipado. Tradução Ivone C. Benedetti. São Paulo:
Editora WMF Martins Fontes, 2012, p. 29.
desvendar a realidade, mostrar ao público algo que ele ainda não enxergou, fazer
14
a “crítica da camuflagem e da falsificação da realidade” pelos meios de
comunicação de massa. Uma necessidade agravada pelo contexto em que se
inseria de repressão à liberdade de imprensa. Seu caráter de protesto, de arte
imediata e de ação política realizada na prática, por sua vez, apresenta forte
semelhança com o teatro de agitação e propaganda – o agit-prop.
Foi justamente sobre a colagem e o princípio do choque causado pela
superposição de elementos que se fundamentou o efeito de estranhamento
desenvolvido por Bertolt Brecht.15 Os procedimentos teatrais apresentados pelo
Teatro-Jornal se valiam também de outros recursos advindos do efeito de
estranhamento brechtiano, como o uso da metáfora, a quebra épica da narrativa e
a interpretação coletiva. De acordo com Rancière, o “choque estético das
sensorialidades diferentes” proposto por Brecht deveria produzir dois efeitos: a
estranheza deveria se dissolver na consciência intelectual do sistema de
dominação e esta deveria se transformar em mobilização política.
Por pertencer historicamente a um período de transição - últimos anos de
atuação do grupo, quando Boal começa a experimentar novas concepções teatrais
- o Teatro-Jornal manteve algumas características das formas de teatro político
que vinham sendo realizadas, mas também se diferenciou delas, apontando para
uma nova direção. Ao compartilhar com o público suas técnicas teatrais deixando-
o livre para construir a dramaturgia que melhor lhe conviesse, a experiência do
Arena com o Teatro-Jornal trouxe um dado novo de autonomia do espectador em
relação a essa conscientização, advinda, supostamente, sempre do intelectual.
Como relacionar então o Teatro-Jornal com a reflexão atual sobre as
diferentes formas de teatro político contemporâneo?
O paradoxo do “espect-ator”
14
WEISS, Notas sobre o Teatro Documentário.(Notizbücher 1960-1971).Ed: Suhrkamp, 1982, p.11
15
RANCIÈRE, Jacques. O espectador emancipado. Tradução Ivone C. Benedetti. São Paulo:
Editora WMF Martins Fontes, 2012, p. 29.
Esta estratégia de partilhar com o público os meios de se fazer teatro veio a
ser ampliada por Augusto Boal no desenvolvimento do Teatro do Oprimido. O
Teatro-Jornal foi a primeira experiência nesse sentido, incluída no arsenal
somente posteriormente. Poucos anos depois da vivência do Arena com o Teatro-
Jornal, Boal foi preso pela ditadura militar e partiu para o exílio involuntário na
Argentina. Foi durante o seu exílio na América Latina, cercado pelo autoritarismo,
que o teatrólogo se viu na necessidade de criar seu método de teatro popular.
Primeiro, na própria Argentina experimentou o teatro invisível com um pequeno
grupo de atores portenhos.16 Em seguida, no Peru, ao participar de um programa
de alfabetização popular ao lado de Paulo Freire, Boal diz ter “descoberto” o
teatro-fórum, técnica teatral que se espalhou pelo mundo, em que o espectador
entra em cena e torna-se também ator ou, em suas próprias palavras, espect-ator.
Esta denominação de Augusto Boal pressupõe claramente a participação
direta do espectador em cena. No Teatro do Oprimido, mais especificamente na
técnica de teatro-fórum, o espectador, diante de um determinado conflito
apresentado no palco, escolhe o momento da cena no qual quer intervir, substitui
o ator que interpreta o oprimido e realiza uma ação dramática que, a seu ver,
possa solucionar o problema encenado.
Este foi o caminho encontrado por Boal na tentativa de diminuir o hiato
existente entre a conscientização intelectual e a ação concreta do espectador, um
vácuo que o efeito de distanciamento de Brecht parecia não ter conseguido
resolver.
De acordo com a “Poética do Oprimido”, 17 ao realizar uma ação em cena, o
espectador se tornaria mais propenso a realizar ações de desconstrução da
opressão, podemos chamar de des-opressão, em sua própria vida. Deste modo, a
ação do espectador não se restringiria ao “evento teatral”, pois está voltada
16
ANDRADE, Clara de. O exílio de Augusto Boal: reflexões sobre um teatro sem fronteiras. Rio de
Janeiro: Dissertação de mestrado. Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas, Centro de
Letras e Artes, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), 2011.
17
BOAL, Augusto. Teatro do Oprimido e Outras Poéticas Políticas. 2° ed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1977.
principalmente para a ação concreta que ele venha a realizar em seu próprio meio,
ao deixar o espaço cênico. Em sua crítica ao efeito brechtiano Rancière nos diz
que: “não há evidência de que o conhecimento de uma situação provoque o
desejo de mudá-la”.18 Para Boal, no caso do Teatro do Oprimido, o fato do
espectador não apenas ter tomado consciência da situação, mas também ter
vivenciado e transformado ela em cena, provocaria sim no espect-ator, o desejo
de transformá-la e ainda lhe traria as ferramentas práticas para fazê-lo. O
espectador então é convidado a ensaiar em cena a transformação que quer
realizar na vida. Nas palavras de Boal: “A ação dramática esclarece a ação real. O
espetáculo é uma preparação para a ação.” 19
Jacques Rancière sintetiza as inúmeras críticas teatrais ao longo da história
sobre uma fórmula essencial que ele dá o nome de “paradoxo do espectador”.
Parece que é justo deste paradoxo que estamos tratando. O filósofo o define de
maneira simples: “não há teatro sem espectador”.20 Diante desta premissa,
segundo Rancière, a crítica teatral passou a buscar “um teatro sem espectadores”
no qual aqueles que assistem pudessem se tornar participantes ativos em vez de
serem apenas “voyeurs passivos”.21 Esta reforma do teatro pela ativação do
espectador teria encontrado duas fórmulas. Aquela proposta por Brecht, que
retoma o teatro como assembléia, no dizer de Rancière, ao trazer à tona a
consciência de classe do povo e a discussão sobre suas demandas. E aquela
representada, para o filósofo, pelo pensamento de Antonin Artaud, que afirma o
teatro como ritual, cerimônia da comunidade que se reapodera de suas próprias
energias.22
18
RANCIÈRE, Jacques. O espectador emancipado. Tradução Ivone C. Benedetti. São Paulo:
Editora WMF Martins Fontes, 2012, p. 29.
19
BOAL, Augusto. Teatro do Oprimido e Outras Poéticas Políticas. 2° ed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1977, p. 169.
20
RANCIÈRE, Jacques. O espectador emancipado. Tradução Ivone C. Benedetti. São Paulo:
Editora WMF Martins Fontes, 2012, p. 8.
21
Idem, p. 9.
22
Idem, p. 11.
No entanto, para Rancière, oposições como olhar/saber,
atividade/passividade definem uma divisão do sensível que distribui capacidades e
incapacidades vinculadas a priori a essas posições. Em suas palavras, essas
oposições seriam como “alegorias da desigualdade”, pelo fato das estruturas “do
dizer, do ver e do fazer” pertencerem à estrutura mesma da “dominação e da
sujeição”. 23
Nessa relação didática que se daria entre o artista que ensina aos seus
espectadores os “meios de deixarem de ser espectadores para tornarem-se
24
agentes de uma prática coletiva” , Rancière aponta como evidente a identidade,
ou passagem, da “causa ao efeito”, da intenção do artista-intelectual ao resultado
provocado no espectador. Para Rancière foi sob essa ideia que se apoiou com
freqüência a “política da arte”.25 Esta espécie de identificação entre causa e efeito
negaria um terceiro elemento que seria a própria performance enquanto algo
autônomo que se manteria entre o artista e o espectador, afastando qualquer
transmissão fiel, qualquer identidade entre causa e efeito. Segundo Rancière, a
negação deste algo autônomo que se mantém como mediação, afirmaria a ideia
de uma essência comunitária do teatro, como se ele fosse um lugar comunitário
por si mesmo, o que para ele deve ser revisto.26
No início deste trabalho, observamos ser exatamente desta forma que se
dava a atuação do Teatro de Arena no início dos anos 60. A princípio, esta crítica
de Jacques Rancière ao artista que ensina e conclama os espectadores para
tornarem-se agentes ativos no encontro teatral poderia parecer se estender
também ao Teatro do Oprimido, posto que ele coloca concretamente o espectador
em cena. Porém, se analisarmos esta relação mais de perto, veremos que há
diferenças, mas também semelhanças, entre a ideia de emancipação do
espectador proposta por Rancière e a prática do teatro de Augusto Boal.
23
RANCIÈRE, Jacques. O espectador emancipado. Tradução Ivone C. Benedetti. São Paulo:
Editora WMF Martins Fontes, 2012, p. 17.
24
Idem, p. 13.
25
Idem, p. 65.
26
Idem, pp. 19, 20.
Para Rancière, o poder comum aos espectadores não vem do fato de
pertencerem todos a uma mesma coletividade, mas sim pelo poder em comum
que cada um tem de traduzir à sua maneira o que percebe, de relacionar o que vê,
o que sente e o que ouve como uma “aventura intelectual singular”, posto que
cada um de nós já faz a sua própria tradução do mundo na “floresta dos sentidos”
– visão por sinal muito parecida com a de “leitura do mundo” de Paulo Freire. Nas
palavras de Rancière:
29
RANCIÈRE, Jacques. O espectador emancipado. Tradução Ivone C. Benedetti. São Paulo:
Editora WMF Martins Fontes, 2012, p. 58.
30
Idem, p. 23.
31
Idem, p. 65.
novas possibilidades de subjetividades, estéticas e políticas, e infinitos caminhos
do possível.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDRADE, Clara de. O exílio de Augusto Boal: reflexões sobre um teatro sem
fronteiras. Rio de Janeiro: Dissertação de mestrado. Programa de Pós-Graduação
em Artes Cênicas, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro: 2011.
______. Depoimento. In: GARCIA, Silvana. (org.) “Os Ulisses retomam Ítaca –
Depoimentos – Augusto Boal”. In: Odisséia do Teatro Brasileiro. São Paulo:
SENAC, 2002, p. 237-268.
ARRUDA, Rejane K. 1
RESUMO
1
Rejane K. Arruda é graduada, mestre e doutoranda em Artes Cênicas pela Universidade de São
Paulo e bolsista da FAPESP. Tem desenvolvido pesquisa em artes com ênfase na Teoria e Prática
Teatral, Formação do Artista e interfases com o cinema e a psicanálise. É também encenadora e
atriz. E-mail: rejane.arruda@usp.br
Palavras-chaves: espectador – Brecht - ato
ABSTRACT
This article is a reflection on the "divided" position of the spectator. It works with
the hypothesis that it would be possible to perceive, in the pos-brechtian theatre, a
call to an act. The lacanian concept of act as "what has no return". The act would
imply a breakdown; the radical change of the subject's position in the web of social
relationship. From this hypothesis, it is possible to think the notion of fragmentation
of space in contemporary theatre - and sucessive relationship changes between
spectator and scene - as forms of this call to an act. Further than the objective
spacial relation, it would be in question the spectator's "division". Not only as far as
the paradigm is no more the unicity of imaginary relationship (based in the sense of
diegesis). The proposition is that the structure of the spectator-scenery is a
constant change of position, as well as a subject's displacement by the play's web.
This displacement would imply a “left over” that does not write itself in the
relationship subject-object and, therefore, will be transformed in act. The act will
come from the spectator's need to resignify his own position in the web of social
relations as the entanglement in the scenic ritual has placed him aside. The
spectator is touched as participant of a knowledge produced about his activity. The
requested rationality, far from enlarging the distance of afection, would imply in a
twofold statute, because is by facing vertigo and horror that the new significant
emerges. It is as a result from this act, that something new will emerge, that the
theatre is political. And that the spectator is the creator not only of a knowledge or
of a thougth but of an act: breakdown of a world.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
SUMMARY
In May, 2013, The Epic Players of Chicago (www.epicplayers.com) was invited to
present an “epic style” film adaptation of Bertolt Brecht’s “Jewish Wife” during the
14th International Brecht Symposium in Brazil. The film, entitled Judith, was created
based on the following key features of Brechtian Theater: the use of natural setting
and lighting, deliberate episodic breaks in the plot, and actors taking on multiple
roles while merely demonstrating the characters they represent on a surface level.
Moreover, the addition of multimedia tools such as slides, movie clips, and
animation were utilized to challenge the audience and remind them that they are
simply watching a manufactured sense of reality. To further create a disrupted
quality to the film, interludes and breaks in scenes encourage the audience to
reflect critically on what will take place next.
Key Words: Science & Art, Brechtian Theater, Epic Style film
Introduction
What does science and Brechtian Theater have in common?
Science can be defined as a systematic study of anything that can be examined,
tested, and verified. Science as a whole shapes the way we understand the
universe, our planet, ourselves, and other living things.
Brechtian (epic) Theater can be defined as a type of methodical critical thinking
that can empower its audience with the knowledge that every individual can effect
change on the world in which he/she lives. Bertolt Brecht (1898-1956) is perhaps
the most influential German dramatist and poet of the twentieth century, who aimed
1
Biography of the Author: Farrokh Asadi is currently a self-retired science professor from City
Colleges of Chicago and he is the founder of the Epic Players of Chicago (www.epicplayers.com).
Farrokh’s passion in directing epic style theatre began more than three decades ago, and he has
staged numerous plays both in Iran and the USA. Most recently, he produced and directed Bertolt
Brecht’s Fear and Misery of the Third Reich that was staged at Northeastern Illinois University
Recital Hall, Chicago IL, 2012.
to transform the stage to a social scientific laboratory, where the genealogy of
events and actions could be treated down to their socioeconomic origins.
Bertolt Brecht's genius was most evident in his simplicity, accessibility, and
humanistic language; however, his work is misguidedly viewed as challenging and
unattainable. More specifically, Brechtian theatre employs various theatrical
elements such as the scientific tools that help form connections with the audience,
in order to interpret social issues that are being analyzed on stage. This allows
the audience to raise questions such as “WHY is this happening,” rather than
merely “WHAT is happening?” In many ways, then, science and theater have one
common intention: to investigate and make sense of life while making it justifiable
to live.
In contrast to Jewish Wife, each episode in this epic film adaptation has its
own message, and starts with a textual and/or musical interlude. My
intention was to prevent the audience from feeling any sympathy with the
events and encouraging them to observe critically.
Multimedia effects were used to destroy the realistic unity of the plot in the
film adaptation. For instance, by employing slides, movie clips, animations,
music and/or textual interludes, I aim to encourage the audience to relate
actions in an episode to current social events.
In addition to altering the title of the original play, I have also added a few
characters in the film that do not physically appear in the play. These may
have been characters that were referred to by Judith and Fritz in Brecht’s
original version of Jewish Wife, which I have decided to expand on in order
to produce more depth and interaction between the main characters.
Figure 1: Judith by Caravaggio (c. 1598; oil on canvas; Galleria Nazionale dell’Arte
Antica, Rome.) Source: http://www.ibiblio.org/vm/paint/auth/caravaggio/judith.jpg
Table 1: Comparing and Contrasting Elements from Jewish Wife and Judith
CITATIONS
PARKER, Tom. Quote "A style of theatre so epic, that it is known as Epic
Theatre".1993.
BRECHT, Bertolt. “A short organum for the theater” Brecht on Theatre: The
Development of an Aesthetic. Ed. and trans. John Willett. British edition. London:
Methuen.1949
.
VERDADE E ÉTICA NO TEATRO INVISÍVEL
BALESTRERI, Silvia1
RESUMO
O teatro invisível, tal como concebido e praticado por Augusto Boal, foi
considerado por ele uma das primeiras modalidades do que mais tarde denominou
“teatro do oprimido”. Sua prática, inicialmente justificada por permitir a abordagem
de determinados temas em situação de ditadura, com o intuito de burlar a censura,
é hoje contestada por alguns, que consideram um desrespeito aos “espect-atores”
a não-revelação de que se trata de cena previamente preparada. Boal teve que
responder a essas críticas com frequência. Uma das respostas que elaborou em
um de seus livros faz uma diferença entre verdade sincrônica e verdade
diacrônica. Esta comunicação pretende analisar a questão da verdade e da ética
nas práticas do teatro invisível hoje, considerando suas ações do ponto de vista
micropolítico, tal como estabelecido por Gilles Deleuze e Félix Guattari. Será
também problematizado o status de “espect-ator” para este tipo de participante
involuntário. Serão utilizadas, como exemplo, algumas experiências de teatro
invisível relatadas por Augusto Boal em seus livros e outras vividas pela autora
com diferentes grupos.
ABSTRACT
Invisible theatre, as conceived and practiced by Augusto Boal, was considered by
himself as one of the earlier forms of what he later denominated “Theatre of the
1
Professora do Departamento de Arte Dramática e do Programa de Pós-Graduação em Artes
Cênicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Trabalhou com Augusto Boal na primeira
formação do Centro de Teatro do Oprimido do Rio de Janeiro (CTO-Rio). Atualmente coordena o
projeto de pesquisa Teatro e Produção de Subjetividade: Exercícios Micropolíticos. Criou e ministra
duas disciplinas de Teatro do Oprimido no Dep. de Arte Dramática da UFRGS.
Oppressed”. Its practice was initially justified because it allowed tackling certain
themes in the context of a dictatorship, with the aim of circumventing censorship.
However its current critics question the invisible theatre’s practice, arguing that it is
disrespectful to spectators not to disclose to them the fact that what they are
witnessing is a previously prepared scene. Boal frequently had to answer to that
critique. One of the answers that he developed in one of his books differentiated
synchronic truth from diachronic truth. This article aims to analyse the issue of truth
and ethics in the practices of invisible theatre today, considering its actions from a
micro-political point of view, as established by Gilles Deleuze and Felix Guattari.
The status of “spect-ator” for this type of involuntary participant will also be
discussed. The examples used are Boal’s invisible theatre practices reported in his
books and some invisible theatre experiences undertaken by the author herself
among different groups.
2
Ambas as cenas estão narradas mais detalhadamente em BALESTRERI, Silvia. Boal, performer?
Anais do XXI CONFAEB. São Luís, MA: Ed. UFMA, 2011. Disponível em
http://www.faeb.com.br/livro/Mesas%20rendondas/transformacao%20no%20teatro%20do%20opri
mido.pdf
geral, limita-se a relações conscientes de poder e não visa rearranjos perceptivos -
visuais, táteis, auditivos. Como trabalhar um “ver tudo que se olha” ou “escutar
tudo que se ouve” ampliados3? Do ponto de vista das artes cênicas, exige
capacidade de improviso e domínio de cena dos atores e, se os espectadores não
têm consciência de que se trata de cena preparada, os atores entre si funcionam
como espectadores uns dos outros, pois a atenção deve ser redobrada, para jogar
e incluir ou contar no jogo com a participação de qualquer um que presencie a
cena. Os atores aquecedores ou “atores-curingas” não apenas inicialmente
assistem, como provocam que outras pessoas assistam à(s) cena(s)
apresentadas.
Sobre os outros dois termos do título de minha comunicação – ética e
verdade – não apenas não há um consenso, como há o amplo conjunto de
debates em torno deles ao longo da história da filosofia. A prática do TI,
eventualmente justificada por Boal por permitir a abordagem de determinados
temas em situação de ditadura – no caso, argentina -, com o intuito de burlar a
censura, é hoje contestada por alguns, que consideram um desrespeito aos
“espect-atores” a não-revelação de que se trata de cena previamente preparada.
Boal teve que responder a essas críticas com frequência, e se vê mesmo em seus
livros que houve debates entre praticantes sobre a questão moral do envolvimento
de espectadores que não têm consciência de sê-lo dentro dos grupos que o
praticavam.
Referindo-se a uma cena de TI em Bári, no sul da Itália, em que um rapaz
mostra publicamente estar solitário, desempregado e cogita a possibilidade de se
suicidar, diz Boal: “O grupo ficou emocionado e alguém levantou a questão:
moralmente, será correto o que fizemos? Porque a verdade é que tal fato não
tinha acontecido com esse ator: nosso amigo brasileiro estava bem empregado,
bem casado, bem acompanhado – era o contrário do personagem que havia
interpretado. Portanto não era verdade.” E continua: “Não era verdade? Repito a
pergunta: por que não era verdade? (...) A que verdade nos referimos?” 4 Aqui Boal
3
Nomes de duas das categorias de exercícios e jogos do Teatro do Oprimido, assim batizadas
pelo próprio Boal, que remetem ao próprio objetivo das atividades nelas incluídas.
4
BOAL, Augusto. Stop: c’est magique! Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980. p. 123
faz uma diferença entre verdade sincrônica (está acontecendo aqui e agora) e
verdade diacrônica (aconteceu e acontece em outros momentos e lugares). E
completa: “Embora não fosse verdade, era verdade!” E, mais adiante, esclarece:
“Não era verdade que o ator fosse o personagem, mas era verdade que ambos
existiam. E os problemas de ambos eram verdadeiros.”5
Burstow, em cuidadoso artigo6, no qual põe em questão alguns “dogmas”
do teatro invisível e chama a atenção para riscos e benefícios dessa prática, faz
ressalvas e sugestões sobre diferentes temas e modos de abordá-los ao se
praticar essa modalidade do teatro do oprimido. A autora fala do lugar de uma
educadora de adultos e analisa práticas em que há manipulação dos sentimentos
dos que presenciam a cena sem saber ter sido esta previamente ensaiada –
situações como uma ameaça de suicídio são descartadas por ela como uma
opção razoável de roteiro. Sugere abordagens que não ponham em risco física e
moralmente os espectadores. Sobre a verdade diacrônica mencionada por Boal,
pondera ser este um argumento fraco, pois “em um nível importante, verdades
diacrônicas não são verdadeiras”, o fato de um imigrante ter se matado meses
antes não torna verdadeiro o fato de que “o homem diante de seus olhos era
suicida e que, se não fizessem nada, em poucas horas, ele poderia estar morto” 7.
Junto às restrições que levanta, inclusive quanto à postura de muitos curingas - os
animadores de teatro do oprimido – que funcionam como se os fins justificassem
os meios, Burstow reitera ser o TI uma potente técnica de ação social e de
formação e informação. Suas restrições não são moralistas, pois não descarta a
força desse tipo de prática e reconhece algumas de suas vantagens na formação
de adultos – que é seu campo de atuação. O que chamamos mais acima de teatro
parcialmente invisível se aproxima à referência da autora a um “espaço ‘opaco’
entre invisibilidade e visibilidade” que, segundo ela, os praticantes de TI deveriam
5
BOAL, Augusto. Stop: c’est magique! Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980. p. 123
6
BURSTOW, Bonnie. Invisible theatre, ethics, and the adult educator, International Journal of
Lifelong Education., 27, n. 3, p. 275-288, 2008.
7
Id., p. 280. Tradução nossa.
“ao menos considerar ocupar”8. Suas ideias merecem ser analisadas em texto
dedicado especificamente a debatê-las, o que pretendemos fazer em um momento
subsequente. Por ora, limitamo-nos a sugerir que suas colocações podem não ser
uma contraposição ao que falaremos a seguir.
Nietszche associa a vontade de verdade com a moral cristã: “O que quer
quem procura a verdade? Qual é seu tipo, sua vontade de poder?” 9. Quer-se a
verdade não em nome do que o mundo é, mas do que o mundo não é. Quem não
quer enganar faz da vida um erro e do mundo uma aparência, quer que a vida
corrija a aparência e sirva de passagem para o outro mundo. Boal, por sua vez,
diz que “a ficção é apenas uma das múltiplas formas que a realidade assume”10. E
que a “(...) a palavra ficção (...) significa nosso desejo de dizer a verdade,
mentindo!”11
O conceito filosófico de Realidade pode ajudar nesta problematização do TI.
Eis a primeira definição de Nicola Abbagnano em seu dicionário: “1. Em seu
significado próprio e específico, esse termo indica o modo de ser das coisas
existentes fora da mente humana ou independentemente dela.”12 Isso nos leva a
pensar que, quando estamos no plano da linguagem (e da comunicação), tudo é
representação, então não caberia o juízo moral de oposição ao TI, porque estaria
“enganando” as pessoas. Quem engana quem em uma cena pública?
Helga Finter, em texto sobre teatralidade, que discute “espetáculo do real
ou realidade do espetáculo”, refere-se a uma comparação de Gertrud Stein entre
uma cena de rua (“real”) e uma cena de teatro, comparação essa que, a meu ver,
corrobora a prática do TI dentro das propostas do TO:
8
Id. p. 286. Tradução nossa. A autora tomou emprestada a noção de espaço ‘opaco’ de
BURLESON, J. Augusto Boal’s theatre of the oppressed in the public speaking and interpersonal
communication classrooms. Doctoral dissertation, Louisiana State University, USA, 2003.
9
DELEUZE, Gilles. Nietzsche e a filosofia. Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1976. p. 108
10
BOAL, Augusto. Stop: c’est magique! Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980. p. 23-24
11
BOAL, Augusto. Hamlet e o filho do padeiro: memórias imaginadas. Rio de Janeiro: Record,
2000. p. 294
12
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 831
prefere a primeira cena justamente pelo tipo de participação exigida,
porque tal cena permitiria uma realização da emoção provocada –
completion of excitement. Por outro lado, a cena de teatro representada só
causaria um alívio – relief. A primeira cena aboliria, além disso, a diferença
de temporalidade entre o visto e o vivido, entre a cena e o público. A
imediatez da cena real avança contra a mediatização teatral. A cena de
rua, ao colocar em jogo uma demonstração de um acesso de violência,
permite uma participação liberada do dever de atribuição de papéis e de
funções sociais e também uma memória cultural para os atos e os
13
atores.”
13
FINTER, Helga. “A teatralidade e o teatro - espetáculo do real ou realidade do espetáculo? Notas
sobre a teatralidade e o teatro recente na Alemanha.” Teatro Al Sur, nº 25, out. 2003. s.p. Grifo
nosso.
14
Id. Ibid.
linhas de fuga, que desfazem esses territórios propiciando ou forçando a
composição de novos territórios.
A ética não se trata, aí, do rigor de um conjunto de regras nem de um
sistema de verdades tomadas como valor em si: ambos são de ordem moral. Ético
“é o rigor com que escutamos as diferenças que se fazem em nós e afirmamos o
devir a partir dessas diferenças”15.
Importa, no TI, jogar com os repertórios sociais (relativizá-los), desgrudar
subjetividades que goram e grudam; submetê-las a determinados encontros; não
importa o ego de cada um, mas fazer fendas, abrir poros nos contornos que
atrapalham a vida (afetar e ser afetado), botar o inconsciente para funcionar,
produzir outros mundos (ou catalisar as mudanças), incentivar um outrar-se. Por
exemplo: a homofobia é uma negação da alteridade, que às vezes se expressa
em um desejo de matar o outro psíquica e fisicamente. Creio que a intervenção no
Trensurb ajuda a enfraquecer esse repertório (o homofóbico-em-nós), ou ao
menos contribui para esse enfraquecimento. Cada vez que sei de uma violência
contra homossexuais, penso no TI como alternativa viva e enraizada no cotidiano,
tentando diluir o que pode haver de condescendência a essas agressões e afirmar
forças que conduzem ao encontro com o outro. Não uma aproximação de egos,
mas um encontro de forças ativadas.
Há estética se houver criação de mundos; não se trata aqui da “fruição”,
mas de uma provocação de deserções identitárias que permita uma abertura ao
outro, possibilitando reinvenções de si e do mundo. Essa micropolítica pode
também inspirar pesquisas e experimentações na fronteira entre teatros
“totalmente” ou parcialmente invisíveis, de forma a propiciar, talvez, um efeito
estético nos espect-atores. Nas práticas que temos constituído recentemente,
esse é um possível próximo passo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
15
ROLNIK, Suely. Pensamento, corpo e devir: uma perspectiva ético/estético/política no trabalho
acadêmico. Cadernos de Subjetividade, São Paulo, v.1, n. 2, p. 241-251, set./fev., 1993. p.245
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes,
2000.
BOAL, Augusto. “Invisible theater: Liège, Belgium, 1978”. The Drama Review,
Cambridge, MA, v.34, n.3, p.50-65, fall 1990.
BOAL, Augusto. Jogos para atores e não-atores. 14.ed. rev. ampl. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.
BOAL, Augusto. Stop: c’est magique! Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980.
BURSTOW, Bonnie. Invisible theatre, ethics, and the adult educator, International
Journal of Lifelong Education., 27, n. 3, p. 275-288, 2008.
SMITH, Anne Louise. Forum theater and the role of joker: social activist, educator,
therapist, director; the changing perspectives of canadian jokers. Dissertação
(Master of Arts)- Department of Drama, University of Alberta, Canadá, Fall, 1996.
O GESTO CITÁVEL E A FORMAÇÃO DE CONSCIÊNCIA NO TEATRO
POLÍTICO
RESUMO
ABSTRACT
This paper studies the Walter Benjamin’s interpretation of the Epic Theatre of
Brecht in two versions of the essay “What is epic theater?” (1931, 1939),
highlighting the formation of revolutionary consciousness by requiring the critical
reconfiguration of traditional theater in order to clarify the public. The need for
social revolution emerges in the text epic "A Man's a Man", the central object of
1
Camila Harger Barbosa é graduanda no curso de Licenciatura e Bacharelado em Teatro na
1
UDESC; orientada por Fátima Costa de Lima e Geraldo Pereira Barbosa. Militante organizada da
Juventude Comunista Avançando, que dentre suas principais atividades atua no do movimento
estudantil; e participa como bolsista do grupo de pesquisa Imagens Políticas, ministrado pela profª
Drª Fátima Lima (Udesc). Atualmente se dedica ao estudo dos escritos estéticos de Walter
Benjamin sobre Bertolt Brecht e a formação de consciência política através da Arte.
harger.camila@gmail.com
aesthetic reflection of Benjamin that highlight the critical potential of certain
procedures theatrical innovators, mainly the education anti-illusionistic's character
and awareness through procedures such as the "quotable gesture" that interrupts
the action. Benjamin shows how articulate the fundamental categories of Brecht's
Epic Theatre, including "the public in a state of relaxation" in front of the actor
whose function is to transform the stage into "podium".
INTRODUÇÃO
O ator precisa ser muito bem preparado para desempenhar o papel decisivo
na efetivação do fundamento pedagógico essencial do Teatro Épico: “o que
mostra deve ser mostrado” e o próprio ator, em certos momentos determinados,
deve “saltar com arte fora de seu papel”, deve “fazer o papel de quem reflete
(sobre seu papel)” (Ibid.). Para Benjamin este é um eixo em torno do qual se
organiza a função pedagógica do Teatro Épico. Ao impedir a identificação entre
exposição e exposto, além de se romper com o ilusionismo da prática teatral, o
jogo do corpo com a técnica permite apresentar a ideia básica de que o destino do
personagem não se encontra traçado em sua personalidade, mas se decide no
confronto com as contradições objetivas das situações em que toma parte.
Assim Benjamin valoriza a dimensão realista e imanente do Teatro Épico.
Utiliza o exemplo de Galy Gay, o homem que não sabe dizer não em confronto
com os dramaturgos que “atacam de fora as condições em que vivemos”:
Brecht as deixa criticarem-se mutuamente, de modo altamente mediado e
dialético, contrapondo logicamente uns aos outros os seus diversos
elementos. Se o estivador, Galy Gay, em Mann ist Mann, oferece o
grande espetáculo das contradições da nossa ordem social. Talvez não
seja excessivo definir o sábio, no sentido de Brecht, como o indivíduo que
nos proporciona o espetáculo mais completo dessa dialética. De qualquer
modo, Galy Gay é um sábio. Ele se apresenta como um estivador que
“não bebe, fuma pouco e quase não tem paixões”. (...) No entanto é
apresentado como um homem “que não sebe dizer não”. Isso também é
sábio. Pois com isso ele deixa as contradições da vida onde em ultima
análise elas têm que ser resolvidas: no próprio homem. Só quem “está de
acordo” tem oportunidade de mudar o mundo. (BENJAMIN, 1985, p.85)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
RESUMO
ABSTRACT
From two theoretical-practical experiments carried out during the year of 2012, it is
proposed to reflect about the relationship between the spectator and the spectacle
from the point of view of the reception and processing of Bertolt Brecht's catharsis.
In this way, I will describe here the two experiences and concepts that underlie
these practices.
1
Cristiane Santos Barreto é doutoranda, bolsista CAPES, linha de pesquisa: Processos
educacionais em Artes Cênicas, Orientador: Prof. Dr. Luiz Claúdio Cajaíba Soares, Programa de
Pós-Graduação em Artes Cênicas, Universidade Federal da Bahia, PPGAC-UFBA. Ênfase
profissional: Encenadora, dramaturga e pedagogia do teatro. E-mail: crisbarreto13@yahoo.com.br
O primeiro experimento teórico-prático foi deflagrado, primeiramente, por
meio do projeto de pesquisa, em andamento. Trouxe alguns aspectos que fossem
o ponto de partida para o processo criativo. Para tanto, fiz uma “brainstorming”
com ideias-força predominantes no estudo: Recepção, Espetáculo, Espectador,
Cena Contemporânea, Formação e Pluralidade.
Tinha acabado de ler o texto Desconstruir Duchamp – arte na hora da
revisão, de Affonso Romano Sant´anna2 e me deparei com algumas reflexões
provocativas desse autor acerca da arte contemporânea, arte conceitual, mercado
artístico e a necessidade para ele de uma pedagogia do olhar diante de
determinadas obras de arte. Com isso, não foi difícil para mim articular com a arte
teatral diante da atual pluralidade encontrada em muitos discursos cênicos que
circulam na cidade de Salvador, capital da Bahia, e, a dificuldade ainda de alguns
especialistas, leigos e até artistas em criticarem, comentarem ou classificarem tais
espetáculos.
Diante disso, trago algumas considerações importantes para a
compreensão de como esse texto/imagem foi por mim utilizado como
estímulo/provocador para o ponto de partida desse percurso aqui relatado.
Sant´anna (2003) destaca logo no início que seu livro não é contra a arte
contemporânea, certos autores e obras. O autor propõe uma revisão, segundo ele,
inadiável de valores da modernidade e da pós-modernidade. Afirma que as
rupturas sucessivas criaram o círculo vicioso, e sem saída, das rupturas dentro
das próprias rupturas, configurando, a exemplo da pintura, a síndrome do “branco
no branco”, chegou-se então, até a folha em branco, concerto silencioso, à
escultura que derrete, ao teatro sem atores, dentre outros. O que o autor propõe é
uma indagação, uma reflexão já que, para ele, o século XX acabou.
Além desses aspectos, o autor traça dois paradoxos da chamada arte
contemporânea: a obsessiva e excludente política do “desver” qualquer tipo de
obra que não seja extravagância espetaculosa. Dessa forma, o autor sinaliza a
urgência em se desenvolver uma “pedagogia do olhar” para “desautomatizar” a
2
- SANT´ANNA, Affonso Romano. Desconstruir Duchamp: Arte na hora da revisão. Rio de
Janeiro: Vieira e Lent, 2003.
falsa modernidade. Usa um jargão usado por Woody Allen que certa vez declarou
que devemos desconstruir a desconstrução. Portanto, para Sant´anna (2003) uma
pedagogia do olhar deve ensinar não apenas a ver e a rever, mas exercitar
astuciosamente o que ele chama de terceiro olhar.
Para Sant´anna (2003) não se pode entender a “arte conceitual” sem
passar pela livraria e pela bolsa de valores. Pela livraria, porque essa arte se quer
“conceitual”, e, portanto, é um ramo da literatura com pretensões filosóficas. Pela
bolsa de valores porque, mais do que nunca, a sua chave de explicação passa
antes pelo mercado que pela estética.
Obviamente que nem todas as reflexões feitas por Sant´anna (2003) são
concordadas ou acatadas por mim. O que me chamou atenção em seu texto foi à
coragem de tocar em questões bastante delicadas de maneira crítica e
demonstrar, assim, o seu ponto de vista em relação aos temas ali tratados e, com
isso, se tornar um elemento desencadeador de reflexões, de outras críticas
direcionadas a ele próprio ou ainda, trazer a tona diversas polêmicas em torno dos
questionamentos abordados.
Em relação à maneira que Sant Anna (2003) se coloca diante do que é
contemporâneo quando cita Drummond “E como ficou chato ser moderno, agora
serei eterno”, busquei outras reflexões para ampliar a compreensão a partir
desses dois autores respectivamente, Giorgio Agamben3 afirma que (2009, p. 59)
“a contemporaneidade, portanto, é uma singular relação com o seu próprio tempo,
que adere a este e, ao mesmo tempo, dele toma distâncias, mas precisamente,
essa é a relação com o tempo que a este adere através de uma dissociação e de
um anacronismo” e, para François Frimat4 (2009, p.3) “o contemporâneo não é
simplesmente aquilo que me é presente, mas aquilo que se qualifica como valor
para ser no momento atual um portador de devir, de alternativas possíveis para
aquilo que me desola e aflige”.
3
- AGAMBEN, Giorgio. O que é o contemporâneo? In: AGAMBEN, Giorgio. O que é o
contemporâneo? E outros ensaios. Chapecó: ARGOS, 2009, p. 55-73.
4
- FRIMAT, François. Qu`est-ce la danse contemporaine? Politiques de l´hybride. Trad. Betti
Grabler. Paris: PUF, 2010, p. 3-25.
Além dessas considerações, trago também alguns aspectos norteadores
em relação à estética da recepção presente nesse processo criativo.
Primeiramente, lanço mão do conceito de atmosfera no que se refere à estética de
acordo Gernot Böhme5 (2005). O autor afirma que se trata da maneira como
alguém pode ser transportado pela percepção da presença ou a realidade da
atmosfera e exemplifica (2005, p.8) “Um vale não é descrito como sereno, porque
de algum modo, uma pessoa serena assim o idealizou, mas porque ele
transportou esta pessoa a uma atmosfera serena”. Dessa forma, a tentativa foi de
trazer para a poética da cena, uma atmosfera, por meio da percepção sensorial de
todos os participantes e dos temas relacionados à minha pesquisa de doutorado,
já elencados anteriormente.
E em segundo lugar, mas não por isso menos importante, trago outro
aspecto norteador desse processo criativo, o horizonte de expectativas, no sentido
de buscar a contextualização dos temas e trazê-los de alguma forma para meu
próprio universo e a dos participantes convidados para que juntos pudéssemos
acionar nossas enciclopédias individuais. Hans Robert Jauss6 (1994) defende que
uma obra artística não se apresenta nunca como algo novo para o público. Para
tanto, cada pessoa acionará seu horizonte de expectativas, suas referências
familiares, sociais, culturais, dentre outras. Para Jauss (1994, p. 66-67) cada leitor/
espectador “cria, logo desde o início, expectativas a respeito do ‘meio e do fim’ da
obra que, com o decorrer da leitura, podem ser conservadas ou alteradas,
reorientadas ou ainda ironicamente desrespeitadas, segundo determinadas regras
de jogo relativamente ao gênero ou ao tipo do texto”.
Postos esses aspectos relevantes, inicio a descrição das etapas do
processo criativo a partir do texto/imagem. Quando li, no caso, um dos capítulos
do livro de Sant´anna (2003), intitulado Diálogo Imaginário: Estória daqueles que
estão condenados à esperança, logo me veio a vontade de modificá-lo, de mexer
na sua estrutura e encená-lo. Trata-se de um capítulo curto no qual Sant´anna
5
- BÖHME, Gernot. Ensaios para uma nova estética. Trad. Luis Claudio Cajaíba Soares.
Frankfurt: Suhrkcamp, 1995.
6
- JAUSS, Hans Robert. A história da literatura como provocação à teoria literária. São Paulo:
Ativa, 1994.
(2003) quase escreveu como uma obra dramática, já com vestígios de diálogos e
personagens, com aproximações estilísticas ou características semelhantes ao
Teatro do absurdo. Rapidamente, fiz uma adaptação de um gênero para o outro,
que de acordo com Patrice Pavis7 (1999), nesse tipo de processo dramatúrgico
todo tipo de manobra é possível, desde a mudança da estrutura, da fábula,
entrada ou saída de personagens, até cortes ou inserção de outros textos e não
há exigência de uma maior ou menor fidelidade com a obra original. Diante disso,
trouxe para a adaptação todos às ideias-força que desde o ponto de partida me
estimularam e as que surgiram no percurso criativo.
Ao concluir a adaptação do texto/imagem, percebi que realmente poderia
encená-lo. No começo dos ensaios, não fiz uma leitura do texto, preferi fazer
depois que os alunos/atores convidados8 estivessem mais familiarizados, a partir
de suas percepções, mas expliquei as temáticas, os personagens, enfim, a
contextualização. Fizemos alguns exercícios de voz, corpo e de improvisação para
integração, sensibilizá-los, os envolverem no processo e também para definir
quem faria os três personagens: Artista contemporâneo, Mestre moderno e
Mercado artístico.
Já nas últimas semanas ou última etapa dos ensaios, convidei outros
participantes para fazerem o personagem do espectador/público que já estava
previsto na adaptação do texto. Esse personagem foi composto por sete alunos,
uma espécie de coro, do mesmo curso, citado anteriormente, e que
representariam algumas reações propositais, intervenções na cena, como risadas,
vaias, questionamentos, bater os pés no chão ou jogar bolinhas amassadas de
jornal em sinal de protesto. De certa forma, foi criado um diálogo, talvez
imaginário, entre os personagens do Artista contemporâneo, Mercado artístico,
Mestre moderno e o personagem do espectador/público.
O segundo experimento teórico-prático foi desenvolvido a partir da relação
histórica do espectador com o espetáculo. Compreende-se que, em diversos
7
- PAVIS, Patrice. Dicionário do teatro. São Paulo: Perspectiva, 1999.
8
- Alunos do Colégio Estadual Deputado Manoel Novaes, curso técnico da Educação Profissional
– Arte dramática (formação do ator) da rede estadual de ensino – Salvador – BA, no qual sou
coordenadora e leciono as disciplinas Jogos improvisacionais e História do teatro mundial.
períodos, gêneros e estéticas, o teatro traçou caminhos marcados por
aproximações variadas entre atores e público. Houve, por exemplo, momentos em
que os primeiros direcionavam o discurso à plateia por meio de prólogos, epílogos
e comentários, como em realizações teatrais de fins da Idade Média, do Barroco,
da Commedia dell'arte e de determinadas montagens do Período Elizabetano. Em
outros, concebiam a audiência como um grupo que espiava uma realidade
paralela e independente no palco, como foi o caso do drama burguês no século
XIX.
Para Jacó Guinsburg9 (2001, p.30) foi a partir das pesquisas de Meyerhold,
relacionadas à estética simbolista, que começaram a serem realizados
experimentos no teatro russo de oposição à tendência de distinguir e isolar os
universos da cena e da plateia, característicos das experiências realizadas por
Stanislavski, por exemplo. Meyerhold propunha a retomada da significação social
do teatro e a coparticipação entre atores e públicos com vistas a uma criação
conjunta do acontecimento cênico.
Destaco outro importante momento, a partir da segunda metade do século
XX com Bertolt Brecht, o retorno ao teatro épico e o efeito do distanciamento
proposto para os espectadores com o objetivo destes não entrarem emotivamente
na fábula, mas questioná-la e até transformá-la. Sobre isso, Cleise Mendes10
afirma que, em Brecht, a catarse aristotélica passa por uma espécie de
ressignificação:
9
- GUINSBURG, Jacó. Stanislavski, Meierhold & Cia. São Paulo: Perspectiva, 2001.
10
- MENDES, Cleise Furtado. A gargalhada de Ulisses: A catarse na comédia. São Paulo:
Perspectiva, 2008.
No Brasil, as ideias de Brecht reverberaram na proposta de Augusto Boal11
referentes ao Espect-ator com a participação de todos (espectadores e atores) por
meio das técnicas do Teatro do Oprimido (TO): Teatro-Fórum, o Teatro-Imagem, a
Dramaturgia simultânea, o Teatro invisível, dentre outras. O objetivo é de fazer
com que os participantes discutam, reflitam e questionem acerca dos temas
propostos, geralmente relacionados a questões políticas ou sociais enfrentadas
por determinado grupo, porém, sem o objetivo da formação de espectadores para
a arte teatral, mas como possibilidade de transformar os indivíduos. Sobre isso,
Flavio Desgranges12 analisa o TO de Boal e aponta algumas críticas comumente
feitas:
Uma questão precisa ser fundamental nesta forma teatral: a que público
se dirige o evento? A prática do Teatro do Oprimido solicita (...) que a cena
encontre ressonância na sala, ou seja, a questão levada ao palco deve ter
uma repercussão efetiva nos participantes, e para isso precisa constituir-
se em algo que diga respeito aquela comunidade, que surja dos próprios
integrantes, um tema que engaje os espect-atores, que percebam que a
sua vida está de fato em jogo (DESGRANGES, p. 73, 2006).
11
- BOAL, Augusto. Teatro do Oprimido e outras poéticas políticas, Civilização Brasileira, 1988.
12
- DESGRANGES, Flávio. Pedagogia do teatro: Provocação e dialogismo. São Paulo: Hucitec,
2006
13
- MATIAS, Lígia Borges. O quarto criador da cena narrativa. São Paulo: Anais do VI Congresso
de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas – ABRACE, 2010.
do teatro e a investigação da possibilidade do público ser considerado também um
agente criador, assim como, os outros elementos criadores. Dessa forma, resolvi
fazer algumas modificações necessárias. Ao contrário de associar o espectador
como o quarto criador, resolvi associá-lo ao quinto elemento criador por identificar
e reconhecer os participantes da construção do espetáculo: o ator, o dramaturgo,
o diretor e a equipe técnica (iluminador, cenógrafo, figurinista, maquiador,
sonoplasta, dentre outros).
Diante disso, o público se faz presente nesse tipo de experimento, por
meio das suas escolhas, sugestões e intervenções na construção da criação
cênica a partir de temas, história/enredo/situações, personagens, ações e em todo
o desenvolvimento da cena. Segundo Matias (2010), para a realização dessa
construção colaborativa dos elementos, esse tipo de espetáculo, necessita de
grande proximidade entre público e atores, e pressupõe o engajamento de todos
os presentes na manifestação. Nele é muito importante a instauração de um
processo de cumplicidade entre os participantes, no qual os atores que “criam e
conhecem as regras do jogo”, paulatinamente consigam revelá-las aos demais,
convidando-os e estimulando-os a participar. Para que isso ocorra, é fundamental
o desenvolvimento de recursos técnicos e habilidades perceptivas e
improvisacionais, que deem aos atores determinada segurança durante a relação
que, muitas vezes, é marcada por pequena distância física e contato olho-no-olho.
No primeiro experimento O quinto criador: o público foram realizadas quatro
apresentações (segundas e terças –20h – outubro/2012) no projeto “O que cabe
nesse palco”, no espaço Cabaré dos Novos do Teatro Vila Velha, na cidade de
Salvador, Bahia. O objetivo principal foi o de destacar o público como o quinto
criador da cena, ou seja, além de atores, dramaturgos, diretores e técnicos, a
plateia criou, a cada apresentação, uma cena com demais criadores ao vivo.
O público presente, nesse primeiro experimento, foi composto de
estudantes do ensino médio, universitários, profissionais de diversas áreas e
público de maneira geral a partir de 14 anos em diante. O espaço do Cabaré dos
Novos traz em sua arquitetura (mesas distribuídas com serviço de bar-café),
permitiu assim, maior possibilidade interativa e de descontração.
Foi formado um núcleo de produção criativa, por mim coordenado,
constituído por oito atores fixos, oito dramaturgos, oito diretores, um cenógrafo,
um figurinista, um sonoplasta Dj, um iluminador, um fotógrafo, um operador de
câmera de vídeo e um designer gráfico, os quais, demonstraram interesse em
investigar a formação do espectador criativo.
O diferencial é que cada cena foi criada ao vivo em cada apresentação. Um
dramaturgo convidado esteve disponível para ouvir as ideias propostas pelo
público e ao mesmo tempo se inspirar para produzir, posteriormente, uma cena ou
peça teatral curta. Nesse primeiro experimento foram criados, portanto, quatro
peças curtas. O tempo de duração do espetáculo foi em média de uma hora e
trinta minutos entre a chegada do público, as orientações acerca dos elementos
criadores do jogo ali presentes: atores, diretores, dramaturgos e técnicos, e,
principalmente, o estímulo para que a os espectadores se sentissem acolhidos e
se tornassem um elemento também criador da cena.
Outras ações e experiências estão sendo planejadas. O intuito é
desenvolver novos experimentos com alunos da Escola de Teatro (Universidade
Federal da Bahia), alunos de colégios públicos (Ensino Médio) e, possivelmente,
nova temporada com artistas e técnicos no Teatro Vila Velha. Além disso, O quinto
criador: o público foi contemplado com o prêmio Idéias Inovadoras (FAPESB -
Fundação de Amparo à Pesquisa FAPESB/2012).
Finalizo, então, a reflexão acerca do efeito da catarse ressifignificada e
transformadora proposta por Bertold Brecht e suas possíveis consequências para
os modos de criação e recepção na atualidade presentes nos dois experimentos
téorico-práticos aqui relatados.
REVEREND BILLY – O PROFETA ANTICONSUMO
RESUMO
1
Vanessa Benites Bordin é atriz e pedagoga, formada em artes cênicas pela Universidade
de Santa Maria, atualmente finalizando o mestrado em artes cênicas na Universidade de São
Paulo, onde investiga o jogo do bufão como ferramenta para o artivista. Desenvolve seus trabalhos
em São Paulo e no Rio Grande do Sul, ministrando oficinas de teatro para atores e não atores e
apresentações artísticas.
ABSTRACT
This is a reflection about the artistic and political activism practice the American
performer Reverend Billy. Henceforth, to designate it, we will use the term “artivist”
since his artistic practice is closely linked to its activism practice, where life and art
intermingle. This research, which falls within the field of political performance,
seeks to analyze the efficacy of performing some actions “artivists” of Reverend
Billy and his community of performers The Church of Stop Shopping. These
actions, carried out in public spaces and theatres, comprises mainly the period in
which he worked within the movement Occupy Wall Street and against the Spectra
Pipeline in New Jersey. The interest in this work comes from practical experience
as an actress with the buffoon - centered on the character of complaint with humor
– comparing the buffoon’s gestures with critical “artivists” performances, in this
case, Reverend Billy who uses the grotesque, humor and buffoonery to denounce
the injustices against man in capitalism consumerism society. Thus, as Brecht,
who found in clown Karl Valentin basic premises for the actor of his Epic Theatre,
examines the play with humor parody and blasphemy that addresses their criticism
always in favor of freedom of expression, revealing new possibilities of political
questioning in collective works.
2
BILLY, Reverend in: Beautiful Trouble. A toolbox for revolution. Assembled by Andrew Boyd and
Dave Oswald Mitchell. New York and London: OR Books, 2012: 426. Traduzidolivremente da obra:
“Mickey Mouse is the Antichrist!”No minidicionário Luft da editora ática, 2003: 68 – “anticristo s.m.
1. (Rel.) Segundo o Apocalipse, inimigo de Cristo que virá prenunciando o fim do mundo. 2. (p.
ext.) Qualquer perseguidor dos cristões.”
3
Para cabelos.
4
Pastores que se apresentam na televisão para pregar os preceitos de sua religião.
5
HINDLEY, Jane. Breaking the Consumerist Trance: The Reverend Billy and Church of Stop
Shopping, Capitalism Nature Socialism. London: Routledge, 2011: 4, 118 – 126: 119. URL:
<http://dx.doi.org/10.1080/10455752.2010.523138>Acessoem 04/05/2012.: “(...) his showmanship
is reminiscente of Billy Graham, Jimmy Swaggart, Johnny Cash or even Elvis.”
Aproveitando-se de suas características pessoais, ele rebaixa a figura do
reverendo, profanando-o ao confundi-lo com o astro do rock, posto que o homem
religioso (mesmo que saibamos que isso possa ser uma falácia) prega a
humildade, a vida longe de vícios e de exageros, em contraponto a ideia da estrela
do rock, que em muitos casos está envolvida em um universo de luxo, exageros
de consumo e vícios dos mais variados (o que constata-se por algumas histórias
de grandes astros exibidas pela mídia).
A figura de Billy se funde por dois opostos, que, com efeito, tem um ponto
em comum, porque do mesmo modo que o homem religioso é um “enviado de
Deus”, ele se apropria dos meios de comunicação para a realização de shows,
elevando-o ao nível de um astro no meio evangélico. E os ídolos representam
astros tão inatingíveis que são vistos como deuses por seus fãs, o que os eleva,
podemos dizer6, ao plano do sagrado. Assim, essa sobreposição, ou essa fusão
na construção da imagem de Reverend Billy, contém uma crítica social à ideia que
se tem do religioso e do astro, aparentemente divergentes.
A primeira vista não se sabe se ele é um personagem ou não, sua figura
causa desconfiança, confunde e nos faz indagar: o que esse “tipo” (no sentido
pejorativo do termo) pretende no meio de artivistas?! Os fatos revelam que isto
acontece frequentemente. Jane Hindley fala sobre o estranhamento que causou
nela própria, o fato de Reverend Billy agir com um “fervor religioso” tão intenso,
mesmo sendo paródia.7 Savitri D.8, confirma que isso é comum durante as
manifestações sociais das quais Reverend Billy participa, principalmente em
países estrangeiros, onde seu trabalho ainda não é conhecido. Algumas pessoas
acreditam que realmente ele possa ser um Televangelista de “direita”9.
6
Principalmente pela reação de alguns fãs, que gritam, tentam agarrar o astro, desmaiam e até
enfartam.
7
HINDLEY, 2011: 120.
8
Diretora da comunidade/igreja The Churchof Stop Shopping e companheira de vida e arte de Bill
Tallen. Transcrição de parte da entrevista realizada pela autora deste artigo durante pesquisa de
campo realizada ao lado de Reverend Billy e a The Churchof Stop Shopping em setembro de 2012.
A entrevista foi feita na casa do casal no bairro do Brooklin, Nova York, EUA.
9
Palavra usada por Savitri. Os termos direita e esquerda na política podem estar ultrapassados,
mas ainda são utilizados por muitos artivistas. Fica nítido nesse trabalho que os artivistas
pesquisados são considerados ou se consideram de esquerda, por quem ainda utiliza tais termos.
“A esquerda seria o grupo dentro da política que prega a defesa de uma ordem social baseada em
Porém, à medida que vamos apreciando seu discurso percebemos sua
verdadeira intenção: a denúncia. Essa figura contraditória, mesmo que cause
dúvida a primeira vista, no momento em que começamos a observá-la e a ouvi-la,
vai se transformando e mostrando seu verdadeiro objetivo, produzindo discursos
que se contrapõe àquela imagem, resignificando-a, pois o discurso dos
reverendos típicos não tem o mesmo conteúdo do de nosso Reverend atípico,
somente seu disfarce e sua paródia remetem a eles. Consequentemente, a reação
das pessoas muda e o cômico as suspende e surpreende por um instante.
Reverend Billy mistura a imagem fabricada do Televangelista com a do
astro do rock e ainda ao texano, aos galãs viris como Marlon Brando, ao mesmo
tempo que representa o homem grosseiro, rude, pelas botas. E tanto pode
emprestar seu charme e carisma ao reverendo como ao astro, sua graça está
justamente nisto, é a piada de si mesmo para rir do outro. O que evidencia-se
ainda mais por sua postura imponente, gestos hiperbólicos e vigorosos que
transformam-no num gigante, o que é fundamental para esse artivista que busca
seguidores nas ruas.
O trabalho vocal também é relevante em sua prática, visto que a rua é um
lugar de passagem de muita gente, com intervenções sonoras diversas. Apesar de
Reverend Billy conseguir fazer com que sua voz ecoe neste espaço infinito, já que
tem técnicas para isso (por sua experiência anterior como ator profissional), ele
percebeu em suas primeiras ações, que para adquirir mais força precisava de
gente que o acompanhasse, pois sendo um profeta “enviado de Deus”, não
poderia estar sozinho, necessitava pertencer a uma “igreja com fiéis” para que sua
crítica não fosse tomada como algo ridículo e insignificante.
Foi então que decidiu fundar sua própria igreja, The ChurchOf Stop
Shopping11, uma comunidade de performers unida em prol do ideal anticonsumo,
atuando como um coro ao lado de Reverend Billy na propagação de suas
profecias. O coro fortalece e ajuda a levar o foco de atenção a Reverend Billy com
canções paródicas, muitas vezes vestidos com roupas que remetem ao tipo de
batina utilizada pelos cantores de corais de igreja, mas, detalhe, são verdes 12 de
cetim brilhante, o que colabora com a imagem do religioso pop.
O discurso é Reverend Billy quem improvisa e o coro intervém com
palavras que fortalecem, ou repetem com ele as de maior impacto. Utiliza o
linguajar blasfematório, que se dá como uma espécie de brincadeira com as
palavras, pois na medida em que tem um discurso do qual acredita realmente,
esse discurso está formatado de maneira que imita o religioso, usando palavras
como amém, aleluia, aglutinando com outras que lhe conferem um cunho político
e cômico, por exemplo: terraluia (terra+aleluia), revoluia(revolução+aleluia),
amorluia (amor+aleluia). Estas palavras são repetidas pelo coro, encorajando o
público a repeti-las também. O chefe do coro da Igreja Pare de Comprar é
Reverend Billy. Ao lado do coro sua crítica se torna relevante, incômoda e cômica,
já que existem fiéis que também seguem seus preceitos e estão com ele nas ruas.
Sem o coro ele estaria desprotegido, porém agora, tem quem o apoie e pode
exorcizar, profetizar, criticar e denunciar quem for preciso. O coro multiplica seu
pensamento.
A base do canto coral da Igreja de Billy são as canções gospels que foram
incorporadas das igrejas norte americanas. Essas canções evangélicas são parte
de uma tradição popular feita para louvar a ideologia cristã, mas que também
10
TALLEN, Bill. What should I do if Reverend Billy is in my story? New York: The New Press, 2003:
56.: “I was shouting “Stop shopping and save your souls”, but there was no Church of stop
shopping. (...) I was not a parto f a revolution that resisted consumerism. I was shouting at the
monsters that were leaning over me, but my comeback was a joke, not a manifesto. And I had no
audience, just thousands of people with frowns, in profile. Oh, I hatethatone-earedstare.”.
11
Livre tradução: A Igreja Pare de Comprar.
12
Para a igreja de Reverend Billy tem um significado ligado ao fato de lutarem pela preservação da
natureza.
foram incorporadas pela cultura de massa midiática, então acabam possuindo um
caráter dúbio que faz com que seja difícil discernir os limites do popular e da
cultura de massa na atualidade. Deste modo, Reverend Billy se aproveita dessas
canções para enriquecer seu artivismo, tornando-as paródicas porque utiliza a
mesma melodia, ritmo e arranjo dos corais gospels, com letras que denunciam o
consumo desenfreado e o abuso das grandes empresas que lucram em cima de
produtos de baixa qualidade e altos preços, ao mesmo tempo em que escravizam
seus empregados com baixos salários e altas cargas horárias.
O grupo cria um jogo lúdico ao versar assuntos sérios em arranjos leves
com danças divertidas. Em muitas de suas ações, o profeta vai até as lojas
exorcizar os caixas de dinheiro, os cartões de créditos dos clientes, propondo que
eles quebrem, queimem, arrumem uma maneira de livrarem-se de seus cartões.
Coloca-se na frente dos estabelecimentos fazendo preces e benzimentos, sempre
acompanhado pelo coro de sua igreja. Seus principais alvos são as lojas de
brinquedos da Disney e a de café Starbucks, que nos EUA dominam o mercado
de ambos os produtos. Os gerentes, donos e administradores das lojas ficam
possessos, alguns clientes constrangidos e outros se divertem com sua proposta
subversiva.
No livro de Bill Tallen/Reverend Billy, “Whatshould I do if Reverend Billy is
in mystore?”13, podemos encontrar muitas histórias deste artivista bem humorado,
inclusive a introdução do livro, “Divertindo-se com o desconhecido”14, já nos
chama atenção. A proposta de divertir-se com o desconhecido, remete a mistério
e nos deixa curiosos em saber com que tipo de mistério este “bufão profeta”
pretende divertir-se. Parece que o mistério é algo sobrenatural, uma força maior
que domina e deve ser exorcizada. Bill Tallen descreve a exorcização dessa “força
maior” que ocorreu em um culto de sua igreja: “nosso estranho culto na Igreja Stop
Shopping (pare de comprar) (…)”15. Durante esse culto foi colocado no altar da
Igreja a “força maior” que estava impedindo um homem de viver em paz, uma
13
TALLEN, Bill. What should I do if Reverend Billy is in my store?New York: The New Press, 2003.
Livre tradução: “O que eu devo fazer se Reverend Billy estiver em minha loja?”
14
Tradução: “Fun With the Unknow.”
15
TALLEN, 2003: xi.: “our strange worship at the Church of Stop Shopping (…)”.
reluzente “Sunbeam toaster”16 envolvida em um pano de veludo vermelho. Esse
homem, chamado Jonah, estava completamente hipnotizado por essa torradeira, e
foi até a Igreja para ser exorcizado, na tentativa de lhe tirar seu desejo compulsivo
pelo objeto.
Bill Tallen descreve a torradeira aos olhos de Jonah como uma Mercedes17
com diversos controles e ainda a voz de uma mulher dizendo: “Sua torrada está
18
pronta”. O texto é marcado por descrições que nos fazem imaginar o quão
atrativa é a torradeira. Ele conta como foi a exorcização, colocando a mão sobre a
testa de Jonah, que estava tremendo, se refere a ele como uma “pobre alma”.
Reverend Billy e o coro da Igreja oravam com fé por aquele consumidor covarde
que parecia puxado pelo diabo, gritando e chorando: “Oh...torrada e manteiga...é
mais do que o cheiro...Oh, meu Deus! Geleia de groselha com manteiga, oh,
oh!”19. Por fim o homem se entrega e larga a torradeira, a força da pregação do
coro, a força dos Deuses e Deusas vencem o desejo de consumo. “O objeto
parecia enganado, traído. Finalmente a Sunbeam torradeira deluxe era somente a
porra de um lixo.” 20
A exorcização de Jonah, possibilita imaginar como Reverend Billy improvisa
suas ações com o público, evidenciando o caráter cômico e crítico de seu
trabalho. Brinca com o sagrado e o profano ao colocar no altar de sua Igreja uma
torradeira como se fosse uma santa aos olhos de Jonah, mas que, no entanto aos
olhos de sua Igreja é um demônio. A ação denuncia a valorização exagerada que
se dá a um objeto, mostra o desejo das pessoas em consumir, não importa o que.
Para Reverend Billy, não comprar seria um ato de coragem diante de tanta
propaganda, principalmente das grandes marcas que usam todos os recursos
disponíveis para difundir seus produtos. É a cultura de massa que se alastra
transformando objetos em Deuses, no entanto, o que os difere dos Deuses, que
16
Sunbeam toaster é uma marca de torradeira.
17
Mercedez Benz – A marca famosa de carros luxuosos.
18
TALLEN, 2003: xi.: “Your toast is done ”.
19
TALLEN, 2003: xi.: “Oh... toast and butter...it’s more than a smell.. Oh, my God! Black current Jam
on the butter, oh, oh!”
20
TALLEN, 2003: xii: “The object looked cheated, cuckolded. Finally the Sunbeam deluxe toaster
was just fucking junk.”
são intocáveis, é que os objetos podem ser possuídos através da compra, desse
“simples” ato.
Reverend Billy quer evidenciar o quanto é ridículo e equivocado esse
pensamento, porque muitas vezes as pessoas são induzidas a consumir e possuir
objetos que elas não necessitam realmente. Assim, ao invés de utilizar um
discurso político moralizante, prefere utilizar suas ferramentas artísticas, seu
humor para fazer a denúncia, levando a contradição do ato de comprar ao
extremo, ressaltando com a lente de aumento do humor aquilo que é absurdo na
situação do consumo desnecessário e desenfreado, e de como as grandes
marcas conseguem manipular isso endeusando seus produtos, tornando-os, aos
olhos dos consumidores, indispensáveis para suas vidas.
Podemos ver que seu desejo de alfinetar é muito claro, sua crítica é
direcionada às grandes redes de consumo, que dominam as vendas no planeta
com lojas espalhadas em diversos pontos do globo terrestre. Falar em sistema
capitalista e luta anticonsumo pode remeter a algo muito generalizante, mas como
ele tem alvos específicos, sua denúncia se torna mais eficaz. A Starbucks é um
dos alvos prediletos de Reverend Billy.
A corporação Wall Disney é outra que sofre com suas pregações. Foi com a
Disney sua primeira experiência como Reverend Billy, ainda sozinho, antes de ter
fundado a Igreja, na maior loja da rede localizada no maior conjunto comercial de
Nova York (EUA), a Times Square.
21
TALLEN, 2003: 4.: “Starbucks is worse than most because it is entirely unaware of the contrast
between its corporate drabness and the glamorous history of café life that it employs as an
enticement to costumers. No, Starbucks is not funny. But in the way that Puritans stalk the sexually
active, it is haunted by funny.”
Estes foram os dias depois que eu comecei o “personagem” do Reverend
Billy, mas não sabia se o papel se tornaria mais do que uma arte irônica
sem forças. Olhando para trás, acho este período, em 1998, como uma
etapa de transição perigosa para o início da Igreja (The Churchof Stop
Shopping). Eu estava gritando “pare de comprar!” na porta da loja da
Disney, gritando: “Aqueles brinquedinhos barulhentos (tchotcheks) da
Disney causam perda de memória em crianças indefesas!” diante dos
pais inexperientes e assustados da América. Eu estava despertando os
22
demônios.
Bill Tallen utiliza aspas quando fala em “personagem”, pois não se trata de
um personagem, é a própria vida do ator que se mistura à sua arte.
Durante a pesquisa de campo já citada, presenciamos duas ações do
grupo, a primeira em Nova Jersey (EUA) na Grace Church,23 em um evento
beneficente contra a construção do gasoduto da empresa de energia “Spectra
Energy”. Reverend Billy e The Churchof Stop Shopping fecharam o evento muito
aplaudidos e pelo que se pode constatar eram os mais esperados, o público adora
a figura de Reverend Billy e seu coro. As pregações e canções falavam sobre os
possíveis estragos que a construção do gasoduto pode trazer a população
levando gás radônio para 30.000 casas de Nova Jersey, o que pode ocasionar
câncer de pulmão. Evidentemente todo esse discurso dentro do arranjo gospel
cômico de que falamos. A figura de Reverend Billy se destacava e realmente era
muito engraçado, sem ser ridículo nem caricato, pois ele agia como um roqueiro,
meio desajeitado, mas não por estar fingindo-se de desajeitado, mas por ser sua
real maneira de dançar dentro do disfarce de Televangelista pop. A ação
emocionou as pessoas que sabiam que o assunto era sério, mas riam, cantavam e
dançavam com aquele louco profeta divertido, que acredita poder transformar o
mundo pregando o amor à vida.
No dia seguinte, pode-se ver a segunda ação artivista do grupo, desta vez,
na rua, em comemoração a um ano do movimento de protesto Occupy Wall Street,
que aconteceu em Wall Street, centro financeiro Nova York onde se localiza a
22
TALLEN, 2003: 55. “These were the days after I'd started the "character" of Reverend Billy but
didn't know if the role would become more than a strenuous art irony. looking back, I think of this
period, in 98, as a dangerous transitional step in the early church. I was shouting "Stop shopping!"
at the door of the Disney Store, screaming "Those Disney tchotchkes cause memory loss in
defenseless kids!" at startled parents fresh from America. I wasexcitingthedemons.”
23
No dia 16 de setembro de 2012.
bolsa de valores americana. O Occupy Wall Street teve a intenção de iniciar uma
luta contra a desigualdade econômica e a indevida influência das grandes
empresas sobre o setor financeiro e o governo dos EUA. O jargão: “We are the
99%”24, ficou conhecido mundialmente, esses 99% da população deveriam juntar-
se contra a corrupção do 1% que detém o poder.
Reverend Billy está envolvido no movimento desde o início, realizando
ações em diferentes locais da cidade. Essa ação foi especial, já que ocorreu no
mesmo local onde começou a ocupação, em frente ao Museu Americano do Índio,
na entrada da Wall Street. Ao lado de diversos ativistas e artistas, Reverend Billy e
seu coro cantaram parabéns ao movimento, cercado por uma multidão e pela
imprensa. Por ter presenciado suas ações é que se pode constatar tudo o que
falamos, inclusive sobre seu potencial corporal e vocal na rua, que se torna ainda
maior ao lado do coro e de fato consegue mover a multidão ao seu redor e fazer
com que ouçam o que tem a dizer e cantem juntos. Nessa ação Reverend Billy e o
coro incluíam na canção de parabéns o jargão “We are the 99%, We are the 99%”
e as pessoas repetiam igualmente em coro, a frase era absorvida rapidamente,
talvez por seu ritmo forte e pulsante, não tinha como não cantar junto.
Bill Tallen25 disse que utilizou a figura do Televangelista para se aproximar do
povo americano, muito religioso, uma forma de ganhar a simpatia da maioria. E
quando questionado sobre a paródia, o que ele diz é que não é uma paródia, ele e
sua Igreja são reais, no sentido de que o que ele prega é o que realmente
acredita, se as pessoas riem é porque não é o convencional de uma igreja, seria
um novo conceito de igreja. Bill Tallen - Reverend Billy segue com suas profecias
que denunciam e divertem, buscando trazer cada vez mais “fiéis” para sua igreja
revolucionária.
24
“Nós somos os 99%”.
25
Em entrevista realizada durante a pesquisa de campo realizada em setembro de 2012.
O IDIOTA E O COMPARTILHAMENTO DA CRIAÇÃO COMO POTÊNCIA
POLÍTICO-POÉTICA
BITENCOURT, Tuini dos Santos1
RESUMO
A presente comunicação quer discutir os processos de construção do espetáculo
O Idiota da Mundana Companhia de Teatro, dirigido por Cibele Forjaz e baseado
no romance de Dostoiévski. A peça, de 7 horas de duração, circulou diversas
cidades do Brasil sendo apresentada em “capítulos” divididos em três dias, ou
num único dia com dois pequenos intervalos. O público acompanha os atores num
percurso de múltiplos espaços e inesperadas apropriações. A intenção desse
trabalho é analisar de que modo as condições de criação muito peculiares
influenciaram na qualidade da relação entre atores e espectadores ao longo de
todo o espetáculo. A peça se construiu a partir uma conjunção de processos
abertos. O público compartilhava com os atores esse momento de gênese, de
criação, de desconhecido. E o espetáculo porta essa relação de inclusão, de
participação nesse percurso criativo. A hipótese é de que esse processo de
criação transformado em experiência estética conferiu uma espécie de potência
política muito peculiar, gerando uma forma específica de inclusão. Através da
explicitação das ferramentas da teatralidade, se constrói uma política dos afetos,
da poesia do momento da criação.
Palavras-chave: processos de criação, experiência estética, exercícios cênicos,
política.
ABSTRACT
1
Tuini Bitencourt é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da
UNIRIO. É Mestre em Artes Cênicas também pela UNIRIO (2011) tendo desenvolvido a pesquisa
O Príncipe Constante de Ryszard Cieslak e Jerzy Grotowski: Transgressão e Processos de
Construção como possibilidades do político na arte. Foi atriz da Companhia Studio Stanislavski;
dirigida por Celina Sodré, de 2007 a 2012. Possui graduação em Comunicação Social pela
Universidade Federal Fluminense (2005) e Formação profissionalizante de atriz na Casa das Artes
de Laranjeiras (2005). É professora de interpretação e de História do Teatro e Literatura Dramática.
This communication wants to discuss the process of construction of the spectacle
The Idiot acted by the Mundana Theatre Company, directed by Cybele Forjaz and
based on the novel by Dostoiévski. With 7 hours duration, the play circulated
several cities in Brazil and was presented in "chapters" divided into 3 days or in a
single day with two short breaks. The audience follows the actors in a course of
multiple spaces and unexpected appropriations. The intention of this paper is to
analyze how the peculiar rearing conditions influences the quality of the
relationship between actors and spectators throughout the play. The piece
construction was based open processes, watched by the public. The public shared
with actors that moment of genesis, creation, and unknown. And the play port this
relationship of inclusion, of participation in this creative journey. The hypothesis is
that this creative process transformed into aesthetic experience generated a kind
of a peculiar political power, with its specific mode of inclusion. Through the
explicitation of thetheatricalitytools, it is possible to achieve a policy of affections
and poetry of the creation moment.
2
HARDT, Michael e NEGRI, Antonio. Multidão: Guerra e Democracia na era do Império. Rio de
Janeiro: Record, 2004: p. 12-13.
Idiota: uma novela teatral, da Mundana Companhia de Teatro, dirigido por Cibele
Forjaz e baseado no romance de Dostoiévski. Um processo que deu carne às
“palavras”, encontrou chaves, derrubou portas e abriu alguns buracos na parede.
As múltiplas vozes, ou “DNAs”: uma polifonia genética
3
A Mundana Companhia foi criada em 2009 pelos atores Aury Porto e Luah Guimarãez e já
encenou os espetáculos: A Queda (2007), Das Cinzas (2009), O Idiota – uma novela
teatral (2010), Tchekhov – uma experiência cênica (2010) e Pais e Filhos (2012). Atualmente está
em cartaz com a peça O Duelo, baseada no texto de Anton Tchékhov.
o principal elemento estrutural das obras de Dostoiévski. Assim, Bakhtin atribuiu à
obra do romancista russo o território desterritorializante do “romance polifônico”.
4
Cibele Forjaz em entrevista concedida a mim em 08/08/2013.
autonomia os DNAs dos teatros nos quais foram formados e cuja
5
linguagem ajudaram a organizar.
As etapas do processo
5
ROMANO, Lúcia. “Os atores e os DNAs dos teatros” In: Caderno Livre. Cia. Livre: Experimentos e
processos 2000-2011. São Paulo, 2012: p.214.
6
Boris Schnaidermané ensaísta, professor e um dos mais reconhecidos tradutores do russo para o
português. Foi o responsável pela criação do curso de língua e literatura russa da Universidade de
São Paulo (USP). Bruno Gomide é professor da Universidade de São Paulo (USP), na área de
Literatura e Cultura Russa, e é coordenador do Programa de pós-graduação em literatura e cultura
russa. Elena Vássina é pesquisadora e professora russa com doutorado em História e Teoria de
Arte (1984) e Pós-doutorado (1996) em Teoria e Semiótica de Cultura e Literatura pelo Instituto
Estatal de Pesquisa da Arte (Rússia). Atualmente é professora das Letras Russas na Universidade
de São Paulo (USP).
polifônico programa do espetáculo, concebido como a edição de um jornal -
propunha “contar o romance através dos picos de tensão”.
ENVELOPE 1 | 25.11.2008
ROTEIRO GERAL
7
Vadim Niktim, no programa do espetáculo.
8
Esse projeto foi realizado através da junção dos projetos de fomento das duas companhias, a
Companhia Livre - dirigida por Cibele Forjaz - cuja intenção era desenvolver estudos sobre o mito
de amor e morte, e a Mundana Companhia liderada pelos atores Luah Guimarãez e Aury Porto,
que tinha o objetivo de mergulhar concretamente no universo cênico e dramatúrgico de
Dostoiévski.
só uma travessia pelo espaço como também pelos estados da matéria. (...) O trem
Rússia-Moscou-Rússia é em grande parte feito de luz. O alvorecer do degelo,
também. A natureza suíça, sem comentários. Apenas uma encomenda importante:
a luz da letargia, para ser quebrada pelo canto do jumento. Afinal, a luz sempre é,
9
por excelência, um zurro, ou seja, uma revelação.
9
Texto extraído do ENVELOPE 1.
10
Cibele Forjaz, no programa do espetáculo.
engajamento. Esta foi uma etapa fundamental para o estabelecimento de alguns
dos elementos e características que norteariam a encenação. Segundo Luah
Guimarãez:
O resultado dramatúrgico dessa empreitada foi concluído por Aury Porto, que
finalizou o material textual utilizado na montagem da peça.
O espetáculo e o espaço
Gostaria de propor agora um olhar “entrelaçado” entre as poéticas espaciais
do espetáculo analisado e o texto de Nelson Brissac Peixoto, Passagens da
imagem: pintura, fotografia, cinema, arquitetura.
13
PEIXOTO, Nelson Brissac. “Passagens da imagem: pintura, fotografia, cinema, arquitetura”. In
PARENTE, André (org.) Imagem-máquina: A era das tecnologias do virtual. Rio de Janeiro: Ed. 34,
1993: p.238).
No trecho destacado, essa “lógica do e”, remete aos elementos que
estruturam a participação dos espectadores que caminham pelo espaço sem
ponto fixo, buscando a próxima cena. O público segue os atores numa itinerância
que dura 7 horas e dá corpo a essa “justaposição ilimitada de conjuntos”.
Os cenários e objetos de cena compõem uma profusão visual sempre
renovada. Cada cena instaura um novo espaço temporal, pictórico e psíquico. E
ao mesmo tempo temos a consciência de que aquele espaço é apenas uma parte
do caminho que vai continuar sendo percorrido.
Esses caminhos, que instauram “entre-lugares” incorporados pelo
espetáculo, são justamente os momentos em que os atores estabelecem uma
interação mais próxima com o público, construindo uma relação sem distinções,
hierarquias. Não há nada além de muitas humanidades no mesmo percurso.
É curioso encontrar durante o intervalo entre uma cena e outra atores
bebendo água ou fumando um cigarro. Eles estão vivos, espalhados não pelo
espaço da cena, mas pelo espaço daquele acontecimento partilhado.
Assim o compartilhamento do percurso por atores e espectadores acaba por
contribuir para o estabelecimento de uma relação de qualidade muito particular. É
como se todos estivéssemos buscando alguma coisa. E para encontrá-la é
necessário percorrer o caminho. Mas o primeiro encontro é entre todos nós,
espectadores e atores que juntos – principalmente nessas grandes romarias entre-
cenas – compõem um “ser de porosidade e pregnância”14. Um entrelaçado no qual
espaço e tempo tomam parte, dando forma a um continuum de percurso e
duração.
Os elementos cenográficos são utilizados justamente como dispositivos que
se relacionam entre si produzindo múltiplas camadas e desdobramentos. Esse
lugar das passagens acaba por se instaurar não apenas durante o percurso entre
uma cena e outra, mas no interior de cada etapa do espetáculo. É freqüente o uso
de grandes passarelas em que os atores se deslocam como se buscassem
sempre o caminho, a abertura para o próximo percurso, para a fissura que vai
desencadear a continuação da caminhada.
14
Idem.
O próprio texto de Dostoiévski está estruturado em “espaços narrativos” que
se desenvolvem dentro dessa lógica de saturação e desdobramento. É como se a
ação caminhasse em direção ao seu próprio esgotamento, e em algum momento é
preciso que ela “escoe” tomando novas direções, transformando atores e público
novamente em caminhantes com destino incerto. A experiência estética se
constrói aqui através de um movimento contínuo e imprevisível, em que a
atmosfera das passagens se constitui numa cenografia que não busca criar o
simulacro de um ambiente inexistente, mas que faz do próprio local dispositivo e
discurso.
O político-poético
15
Suely Rolin é psicanalista, crítica de arte e cultura, curadora, Professora Titular da PUC-SP e
docente convidada do Programa de Estudios Independientes do Museu de Arte Contemporáneo de
Barcelona.
reduzindo a arte a mera fonte de mais-valia, esvaziando-a por completo
16
de sua função.
É interessante perceber a multiplicidade de questões geradas pela citação
acima, que inicialmente enxerga o artista contemporâneo como um “negociador”
que se move no interior da dinâmica das relações capitalistas de poder,
estabelecendo-se ao mesmo tempo como parte dessa dinâmica e como uma
alternativa a ela mesma. Mas, no mesmo parágrafo, Rolnik ressalta o “vetor
perverso do capitalismo” que se apropria economicamente da arte e a esvazia
completamente de sua função. Essa expressão remonta, de certa forma um
raciocínio maniqueísta que quer se afirmar a partir da negação e da aniquilação do
outro, vendo a arte política e de resistência como um microcosmo da luta entre a
ideologia de esquerda e a de direita. Mas ainda assim, a construção do
pensamento nesse texto se aproxima de uma busca por reconhecer a obra de arte
em sua positividade, uma vez que “as manifestações da potência criadora tendem
a não mais ser interpretadas como anormalidade, transgressão de uma referência
absolutizada, mas sim como anomalia; tomadas em sua positividade, tais
manifestações deixam de ser malditas” (ROLNIK, 2000).
16
ROLNIK, Suely. Despachos no Museu, sabe-se lá o que vai acontecer. Conferência apresentada
em The Deleuzian Age, Californian College of Arts and Crafts São Francisco, 2000. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102- 392001000300002&script=sci_arttext.
constroem o mundo. É um processo estético que cria o novo, ou seja,
17
desloca os dados do problema. (RANCIÉRE, Entrevista).
Para o autor, a experiência estética é essencialmente política por ser uma
constante “reformulação do universo dos possíveis”. Desse modo, como podemos
pensar nesse modo de conceber os processos artísticos como um conjunto
ininterrupto de reformulações, em que os modos de fazer vão se configurando
como o próprio fazer?
REFERÊNCIAS BIBLIGRÁFICAS
BAKHTIN, Mikhail. Problemas da Poética de Dostoiévski. Tradução de Paulo
Bezerra. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008
DOSTOIÉVSKI, Fiódor. O Idiota. Tradução: Paulo Bezerra. São Paulo: Ed.34,
2002.
FERNANDES, Sílvia. Teatralidades Contemporâneas. São Paulo: Perspectiva,
2010.
FISHER, Stela. Processo colaborativo e experiências de companhias teatrais
brasileiras. São Paulo: Hucitec, 2008.
FORJAZ, Cibele. A novela Teatral “O Idiota”. Texto presente no programa da peça
diagramado em formato de jornal, em 2010.
HARDT, Michael e NEGRI, Antonio. 2004 – Multidão: Guerra e Democracia na era
do Império. Rio de Janeiro: Record.
PEIXOTO, Nelson Brissac. “Passagens da imagem: pintura, fotografia, cinema,
arquitetura”. In PARENTE, André (org.) Imagem-máquina: A era das tecnologias
do virtual. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1993. P. 237-252.
17
Entrevista com Jacques Rancière disponível em
http://revistacult.uol.com.br/home/2010/03/entrevista-jacques-ranciere/
RANCIÈRE, Jacques. O Espectador emancipado. São Paulo: Martins Fontes,
2012.
Programa da peça O Idiota: uma novela teatral
ROLNIK, Suely. Despachos no Museu, sabe-se lá o que vai acontecer.
Conferência apresentada em The Deleuzian Age, Californian College of Arts and
Crafts São Francisco, 2000. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102- 392001000300002&script=sci_arttext.
ROMANO, Lúcia. “Os atores e os DNAs dos teatros” In: Caderno Livre. Cia. Livre:
Experimentos e processos 2000-2011. São Paulo, 2012: p.214.
Entrevistas
Entrevista com Cibele Forjaz, concedida a mim em 08/08/2013
Entrevista com Lúcia Romano, concedida a mim em 09/08/2013
Entrevista com Jacques Rancière disponível em
http://revistacult.uol.com.br/home/2010/03/entrevista-jacques-ranciere/
INVENTÁRIO DE MEMÓRIAS: DISCURSO POLÍTICO E A INSTÂNCIA
METATEATRAL DE MILAGRE BRASILEIRO
RESUMO
ABSTRACT
1
Bacharel em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade Estadual da Paraíba.
Mestranda do Programa de Pós-graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul. E-mail: nay_brito13@hotmail.com.
socio-political issues anchoring its bases in the concepts and the mode of
Brechtian epic theater, worked by Marciano along the ten years that he was part of
the Companhia do Latão (SP), of which he is co-founder. Thus, the group is part of
the tradition of political theatre that sets in all Latin America, from the dictatorships
that commanded those countries along the 20th century. The spectacle
MilagreBrasileiro (“Brazilian Miracle”) (2009) focuses on the Military Dictatorship in
Brazil, claiming dozens of political prisoners who remain unaccounted for today.
We propose to analyze and interpret the MilagreBrasileiro’s epic aspects,as from
its dramaturgical structure and way of acting by the actors and its political-
ideological and “metateatral” speech. We take, as theoretical basis, Brecht's (1967)
own writings about epic-dialectictheater and the GerdBornheim’s (1992) reading on
this technique/method and its author.
2
Cf.: Entrevista de Márcio Marciano a Ana Lúcia Nunes, para o Jornal A Nova Democracia:
http://teatroalfenim.blogspot.com.br/2013/04/entrevista-ao-jornal-nova-democracia.html
participam ativamente com a proposição de materiais (cênicos, literários, etc.), a
discussão e a improvisação tanto atoral quanto dos músicos (que não integram
oficialmente o grupo, mas que eventualmente estão presentes em seus
processos), sempre em torno do universo do objeto/assunto que se quer tratar.
Em geral, tomam como base temática algum fato histórico/político-social
brasileiro e, a partir dele, buscam apresentar dialeticamente em cena as relações
e as contradições sociais imbricadas neste fato, lançando mão de procedimentos
épicos para a construção da narrativa do espetáculo.
O que nos propomos a comentar é a segunda montagem do grupo, de
2009. Milagre Brasileiro tem como tema, como o nome faz referência, a ditadura
militar no Brasil, enfocando especificamente os desaparecidos políticos, que são
os sujeitos/personagens (ou assim os consideramos aqui) anônimos desta
peça.Nela, não há – e é bom que deixemos isto claro –, por exemplo, a imagem
de “um militante político específico que narra a história de sua luta contra o
regime”; há, ao invés disso, a referência constante aos desaparecidos políticos, e
a tentativa do espetáculo de dar corpo a essas figuras anônimas e ausentes.
Em tratando destas figuras, já podemos fazer uma primeira observação,
que é sobre a pertinência que a utilização de assuntos históricose sua discussão
teria para os espectadores e cidadãos de hoje. Na verdade, este é um dos pontos-
chave da produção teórica e teatral/dramatúrgica de Brecht: o tratamento de
assuntos históricos/sócio-políticos como forma de compreender, a partir da
avaliação de estruturas sociais e de poder e de modos de representação
ideológica do passado, as relações que se instauram no presente, as quais são
colocadas em comparação/tensão com as de outrora (GRUBISICH, 2010)3.
Além disso, falar destes desaparecidos é falar de uma situação latente
ainda em centenas de famílias brasileiras que permanecem ignorando o destino
3
GRUBISICH, Teresa Maria. O teatro dialético e a dialética no teatro: o método Brecht. Anais do 1°
Colóquio Internacional de Estudos Linguísticos e Literários. Universidade Estadual de Maringá. Maringá: jun.
2010.
de seus familiares e amigos, exilados, torturados, mortos, inexplicados. É, pois,
um tema que, sim, interessa aos debates que se possam promover na atualidade4.
Mas debrucemo-nos um pouco sobre algumas cenas do espetáculo. Logo
na entrada para o teatro/espaço em que se dá a apresentação, o público entra em
contato com esses “espectros”à medida em que vão caminhando ao largo dos
atores que, dispostos em fila, mantém um cartaz com a sua própria fotografia
cobrindo o rosto (um cartaz em que lê-se: “Terrorista – Para o seu bem-estar e o
de seus familiares, denuncie”) e, em coro, pronunciam os nomes dos
desaparecidos políticos, conseguidos durante a pesquisa que realizaram para a
montagem do espetáculo5.
Os “espectros”, os “espíritos” desses desaparecidos seguem durante toda a
peça, manifestando-se pontualmente através do coro de atores, que dá voz a
essas figuras.Como estão colocadas no texto-roteiro do espetáculo,esses sujeitos
parecem anunciar, de um tempo passado, que em algum momento futuro sua voz
será entoada por outrém, que falará por eles. Assim acontece numa das primeiras
falas do coro, que diz:
4
Para saber mais sobre a pertinência e a atualidade dos pressupostos do teatro dialético
brechtiano no contexto histórico e sócio-político de hoje, ver: JAMESON, Frederic. O método
Brecht. Trad. Maria Sílvia Betti. Petrópolis: Vozes, 1999.
5
Na entrevista referenciada na nota anterior, Marciano diz que os nomes dos desaparecidos
políticos foram retirados no livro Brasil: Nunca Mais.
6
[...] (MILAGRA BRASILEIRO, 2010, p. 2-3)
6
Coletivo Teatro Alfenim. Milagre Brasileiro. Manuscrito inédito da segunda versão do roteiro do
espetáculo. Arquivo do grupo. 23 p. Nov. 2010.
7
BORNHEIM, Gerd. Brecht: A estética do teatro. Rio de Janeiro: Ed. Graal, 1992.
8
HINCK, Walter. The dramaturgy of late Brecht.1959.
São relatos fortes e ao mesmo tempo poéticos, e, apesar de dados em
primeira pessoa, pelo tipo de interpretação utilizada pelos atores, numa
pronunciação quase fria das palavras, das frases, mais: sendo uma pronunciação
apenas, sem qualquer intenção de uma representação mimética ou psicologizada
do que está sendo dito no texto – quer dizer, numa interpretação à maneira
brechtiana, impede a identificação e a comoção do público com a “personagem”,
quenem existe.
Essa era uma das principais preocupações de Brecht, que está associada à
crítica queele faz à hegemonia das emoções no teatro dramático – ao qual o épico
opõe-se, em alguma medida, como está colocado no já famoso quadro
comparatista que o teórico elabora distinguindo o drama aristotélico do não-
aristotélico9. Para ele, o texto – e cremos que, por extensão, também a
interpretação dada pelos atores–“não deve ser nem sentimental nem moralizante,
deve mostrar a moral e a sentimentalidade” (1967, p. 61)10. O que ele condena é a
espécie de hipnose que toma conta do espectador em sua relação com o
espetáculo quando assiste a peças que, ligadas à tradição aristotélica-hegeliana
de representação, “o envolve numa ação; consome sua atividade; proporciona-lhe
emoções, vivências”(Bornheim, 1992) e o faz esquecer seu próprio mundo.
Ao contrário disso, o que Brecht propunha era a apropriação da arte como
forma de reconectar-se ao mundo – àquele que se passa no palco e que é
também a nossa realidade– com o espírito crítico desperto. O teórico propõe uma
substituição das emoções que na tragédia grega eram responsáveis por levar o
espectador a um processo de catarse por outras que possibilitem a esse mesmo
espectador um distanciamento crítico diante do que lhe é revelado, desvelado: o
terror pelo espanto e a piedade pelo estranhamento. Assim, convoca-se o
espectador a uma tomada de atitude, de decisão diante do fato mostrado em cena
– que é ainda imitação da realidade, mas em outro nível. Espera-se que nele
despertem não terror e piedade, mas desejo de saber e solicitude, e o recurso
para se atingir tais objetivos seria o distanciamento em lugar da empatia
aristotélica (Bornheim, 1992).
9
Cf.: BRECHT, Bertold. Teatro Dialético: ensaios. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967.
10
Ibdem.
De volta ao Milagre... Háoutra figura que o atravessa e que representa a
parcela da população que reclama seus mortos/desaparecidos. É a Antígona, que,
já revisada em um texto de Brecht11, é recortada da tragédia grega e trazida à
cena de forma exaltada com a função de desmistificar, de desvalar o assunto em
geral tratado “à surdina”, o que reproduz o clima de terror que se instaura em
épocas de regimes como a Ditadura. Trazer essa personagem, mítica, para
“desmistificar” um assunto já é, em si, um paradoxo, de que tanto se vale o teatro
dialético.
Na peça grega, o mito conta a estória da mulher que luta contra o rei
Creonte para enterrar seu irmão Polinices, morto na tentativa de destruir Tebas
por vingança ao exílio e morte do pai, Édipo. O rei havia ordenado que deixassem
o corpo apodrecer exposto e servisse de comida aos abutres. Antígona, contudo,
não se conforma, e tenta a todo custo enterrar o irmão. É, por isso, castigada e
acaba por suicidar-se, dando continuidade a uma série de desgraças e mortes que
acometia sua família desde Édipo, seu pai.
A estória é reproduzida numa das cenas do Milagre Brasileiro. Há, no
espetáculo, o núcleo de uma “família de caveiras” (os atores usam máscaras de
caveira em algumas cenas), segundo Marciano, tomada de empréstimo daquela
pervertida da obra de Nelson Rodrigues, Álbum de família, para representar as
muitas famílias pequeno-burguesas que, por medo ou livre colaboração, apoiaram
o golpe militar. Na cena em questão, o Pai de Família presenteia as filhas gêmeas,
em seu aniversário, com um teatrinho de bonecos. As meninas vão, então,
apresentar no seu teatrinho a tragédia da Antígona (o que fazem sem a utilização
de falas, apenas com “balbucios”), fazendo, com ácida ironia, uma paródia do
tema central do espetáculo, que são os desaparecidos políticos. Vejamos:
11
BRECHT, Bertolt. A Antígona de Sófocles. In: _______. Teatro completo. Tradução Angelika E. Köhnke e
Christine Roehrig. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993. v. 10, p. 191-251.
Música. O Pai de Família vai buscar a Esposa e a Sogra. As crianças se
divertem com os bonecos articulados. A Esposa e a Sogra sentam-se
num banco em frente do teatrinho para assistirem à apresentação.
Aqui nós vemos, pelas falas, uma atriz que estaria ligada à tradição
dramática-aristotélica de teatro – ela “mantém a personagem”, dirigindo a palavra
aos “cidadãos de Tebas” – e um ator filiado a um novo modo de representação,
em que assume sua condição de atuante (radicalizando no texto ao dizer que nem
ator é, que é apenas ele mesmo) frente ao público12. Quando, na verdade, os
“cidadãos de Tebas”, nesse contexto, são os próprios cidadãos presentes no
teatro naquele momento. E o questionamento que esta Antígona faz é a respeito
dos nossos insepultos, os nossos desaparecidos.
Assim, é através de inúmeros fragmentos de materiais (textuais, musicais,
imagéticos, etc.), recursos e técnicas específicas de atuação e encenação que o
Coletivo Teatro Alfenim13 constrói sua cena épica-dialética.
O que queríamos ressaltar do espetáculo em discussãoeram exatamente os
dois aspectos que mais demoradamente comentamos neste espaço: o seu caráter
político, manifesto já na escolha da temática abordada, mas também na forma
como organiza sua estrutura narrativa, extremamente fragmentária (lembremos,
12
Novamente, conferir quadro comparativo entre o drama aristotélico e o drama épico encontrado
em BRECHT (1967).
13
Em tempo: para mais informações sobre o grupo, acessar o site
http://www.coletivoalfenim.com.br/.
como já nos ensinou H.-T. Lehmann14, que a forma é, ela mesma, a política no
teatro); e a metateatralidade expressa especialmente na figura da Antígona, que
causa, per si, um estranhamento no público, através da presença da atriz,além de
nitidamente mais velha em relação aos demais, caracterizada a propósito de se
fazer um contraponto com esse “teatro contemporâneo” praticado.
Por fim, também quisemos dar nossa contribuição no sentido da divulgação
– e consequente problematização, na medida em que colocamos nosso trabalho
nas rodas de discussões – desta cena épica que vem se consolidando na Paraíba
a partir da iniciativa de Marciano e do Alfenim. Seus espetáculos tem alcançado
novos palcos, com a apresentação do repertório (composto por mais três peças)
em outros estados do Nordeste e do Brasil. Buscamos, igualmente, uma
ampliação dos debates em torno de seu trabalho.
14
Cf.: LEHMANN, Hans-Thies. Teatro Pós-Dramático e Teatro Político. Revista Sala Preta. São Paulo, USP
– ECA, 2003, p. 9-19.
TERCEIROS INQUÉRITOS – EM BUSCA DA FORMA
RESUMO
1
Beatriz A.V.Cabral (Biange Cabral) é professora de drama na Universidade do Estado de Santa
Catarina. Entre 1996 e 2003 coordenou projetos de pesquisa e extensão que associaram UFSC e
UDESC - alunos de teatro e professores. Entre estes projetos um link com a universidade de
Exeter (1997-2001) com apoio da CAPES e do Conselho Britânico. Ela faz parte do Grupo de
Teatro e Pedagogia da ABRACE a foi membro de seu diretório na gestão 2002-2004. Suas
pesquisas anteriores investigaram 'impacto em drama', 'análise da recepção', e atualmente, 'o jogo
da interpretação: subjetividades em cena e criação em grupo'. É bolsista de produtividade e
pesquisa do CNPq.
em drama. Resolvemos na ocasião unir as duas turmas e associar ambas as
referências no transcorrer do processo de montagem do Terceiro Inquérito –
Concílio dialogaria com as equipes de trabalho sobre suas propostas para
apropriação deste fragmento via mobilização da forma e do lugar; eu identificaria
suas perspectivas de enquadramento e questionaria seus níveis de
aprofundamento pela perspectiva do drama.
2
As referências ao uso dos níveis de significação e perspectivas de enquadramento estão
publicadas em transcrição de palestra realizada por Heathcote em 1989, em conferência da NATD
(NationalAssociation for theTeachingof Drama), “The Fight for Drama – The Fight for Education”,
editado e introduzido por Ken Byron. Na publicação não há referência a Burke ou Goffman, estas
referências obtive diretamente de Heathcote, em seminários e conversas informais. O contato com
a obra de ambos ocorreu durante minha pesquisa de doutorado.
3
Keying – dando/oferecendo a chave, de Key=chave. Interessante notar que a palavra Keynote
refere-se à primeira palestra em cada manhã de uma conferência de pesquisa, nos países de
língua inglesa, neste sentido focaliza e direciona o olhar para o tema a ser explorado nas
apresentações daquele dia. De forma semelhante, o termo Keyhole(que poderia ser traduzido
como ‘buraco da fechadura’) foi proposto em 2001, em Bergen, Noruega, no IV Congresso de
Drama/Teatro na Educação, para apresentações teóricas através da prática, ou seja, fisicalizadas
de alguma forma.
agente, autoridade, relator, repórter, pesquisador, crítico, artista (in Byron, 1990).
Segundo a autora, os enquadramentos provêm aos participantes diferentes e
específicos interesses, responsabilidades, atitudes e comportamentos em relação
ao evento em foco.
Em “Sete Vezes Sr. Schmitt” a releitura que Heathcote fez das motivações
políticas para tentar influenciar as ações e opiniões dos outros, apresentada por
Burke, e as perspectivas de distanciamento, criadas a partir da noção de
enquadramento, apresentada por Goffman, foram a forma que encontrei para
dialogar com a proposta de encenação de Vicente Concílio a partir do jogo com o
terceiro fragmento de A peça didática de Baden Baden sobre o acordo. Este
diálogo está documentado apenas em minhas anotações, uma vez terem ocorrido
em ação, no decorrer das experimentações. Enquanto Concílio dialogava com um
dos grupos sobre suas intenções do ‘por em cena’, eu questionava indivíduo(s) de
outro grupo sobre sua proposta de enquadramento e as possíveis motivações dos
dois palhaços. Após cada encontro anotei aquilo que considerei mais significativo.
Assim, aqui apresento meu olhar sobre o potencial de associar essas duas
estratégias criadas por Heathcote para ampliar a percepção do aluno sobre suas
ações e motivações, em cena.
O espaço onde ocorreu a experiência, amplo o suficiente para que os sete grupos
investigassem a forma de nele inserir sua releitura do fragmento, foi também um
desafio em relação ao exercício de memória – comentários para mim, ou entre
eles, indicaram que o espaço tal como escolhido e formatado pelo seu grupo lhes
trazia (individualmente) lembranças e despertava flashes de memórias.
O jogo com o texto e o jogo com ‘o outro’ colocou o ‘modelo’ do terceiro fragmento
e a criação das identidades do Sr. Schmitt e dos dois palhaços em um movimento
contínuo de experimentações. Este fragmento apresenta dois palhaços, que pouco
a pouco vão desmembrando o Sr. Schmitt, inicialmente uma figura poderosa que
tem o controle sobre os dois palhaços, mas que se vê obrigado a lhes pedir ajuda
devido a fortes dores em partes distintas do corpo. Os palhaços sugerem eliminar
a parte dolorosa, e seu gradual desmembramento o torna cada vez mais
dependente dos palhaços, e culmina com sua decapitação.
Concílio deu início ao processo de construção das cenas em grupos lançando
quatro desafios (2011:160):
1) como representar o desmembramento do Sr. Schmitt?
2) Que sentidos este desmembramento pode adquirir, dependendo das
atitudes e intenções representadas pelos palhaços?
3) Qual o gestusque se pretende associar a essa cena?
4) Como desvelar as relações de poder presentes neste trecho e como
traduzi-las cenicamente?
Eu procurei dialogar com o segundo e o quarto desafios4.
Quanto ao segundo desafio, questionei um ou mais componentes dos grupos
sobre a identificação do(s) subtexto(s) da interação entre o Dr. Schmitt e os dois
palhaços, a partir dos níveis de significação da ação propostos por Heathcote–no
caso, me interessou particularmente identificar o possível modelo de ação e a
visão de mundo (filosofia de vida) que o justificasse.A identificação destes níveis
em relação à ação de ‘desmembrar o Sr. Schmitt de acordo com seu desejo’
poderia contribuir para melhor responder aos desafios propostos por Concílio?
Quanto ao quarto desafio nosso diálogo teve como foco as perspectivas de
enquadramento (frames)que permitiriam identificar a função social de cada papel
no decorrer da interação. Os enquadramentos se encaixam no processo de
construção da cena e sua identificação naturaliza e justifica as diferentes posturas
que em geral emergem em trabalhos de caráter processual e não encontram
registro como componentes da criação cênica. Por exemplo, o papel de ‘guia’
como aquele que observa e sugere opções; ou de autoridade, equivalente ao de
diretor, como aquele que toma decisões; o de artista como o performer ou o
4
Os diálogos foram esparsos, não formalizados na forma de entrevista, para não interferir no ritmo da
montagem, cujo tempo era curto. Assim, sempre que possível, ao encontrar um aluno ou uma dupla
disponíveis, levantei questões sobre os enquadramentos e as possibilidades de aprofundamento.
personagem no momento da apresentação, seja esta para público externo ou
apenas para avaliação.
5
Drama, como denominação de uma forma de fazer teatral no campo da pedagogia, é uma arte
performática (no sentido de performação) que inclui um concomitante fazer e apresentar – o
indivíduo, um pequeno grupo, ou o grande grupo recebe um estímulo ou um desafio – e responde
individualmente, em pequenos grupos ou em grande grupo. Com ou sem plateia externa.
transposição de um dado ou de uma percepção do real para a cena facilitou e
intensificou o uso da ironia, quer no tratamento do texto ou do aparato cênico.
Lehmann (2007),ao se referir aos efeitos do teatro do real sobre o público,
defende que é o fator de ambiguidade presente neste tipo de representação que
confere uma dimensão crítica aos teatros do real, por meio da incerteza sobre se o
que está em jogo é realidade ou ficção. “É dessa ambiguidade que emergem o
efeito teatral e o efeito sobre a consciência” (p. 165).
É dessa ambiguidade também, que identifiquei a ironia ao tratar com questões
possíveis de serem remetidas ou imaginadas na dimensão do real, com autonomia
de uso e adaptações – foi possível agigantar o Sr. Smith através do uso de
sombra sobre tela; automatizá-lo e desmembrá-lo; pendurá-lo no espaço, como
marionete; cegá-lo e roubá-lo; ser enganado por políticos corruptos - em todas as
versões a ironia revelou sua condição de estar sendo manipulado pelos dois
palhaços, por vezes em tom que atingiu o sarcástico.
Mobilidade e Mudança
O conceito de mobilidade tem sido visto como um conceito político embasado por
visões de mundo e/ou compromissos ideológicos. Em um sentido amplo,
mobilidade se associa à civilização, progresso e liberdade – neste sentido, tem
sido considerado como mudança. Mas, também tem sido associado adesvio,
percebido como ameaça à coesão social. Em ambas as perspectivas há uma
negociação constante entre pertencimento e desapropriação, estabilidade e
flexibilidade, local e internacional, raízes e rizomas.
Como metáfora, se relaciona com a dinâmica da intervenção social, onde as
crenças tradicionais são abaladas e valores são reconfigurados. E mobilidade
também aponta para a possibilidade de mudança pessoal, onde a vivência do
fazer teatral sinaliza identidades em movimento, processos de vir a ser, de tornar-
se – identidades em reconstrução.
Três dimensões de mobilidade, neste experimento, direta ou indiretamente estão
associadas à escolha do fragmento, ao espaço e número de alunos envolvidos, e
aos questionamentos introduzidos pelos professores.
Como aproximação ao questionamento “o homem ajuda o homem”,
Concílio pediu que cada aluno trouxesse imagens que mostrassem quer a
ajuda, quer sua negação. As imagens foram colocadas ao centro da sala (e
do círculo de alunos) e cada um, por vez escolheu aquela que para ele
fosse mais significativa para refletir sobre esta questão. Assim, a primeira
dimensão da mobilidade foi oferecer modelos sociais cuja leitura, pelos
participantes, os permitisse se aproximar e se deslocar da percepção e do
julgamento da questão posta.
Como alternativas ao uso do espaço e às propostas dos demais grupos – a
visibilidade de todos os grupos entre si, no processo de criação cênica,
instaurou a busca de originalidade e o desafio de encontrar soluções
cênicas em contínuo processo de aperfeiçoamento.
A mobilidade também pode ser observada como resultado dos
questionamentos quanto à forma e viabilidades de execução (por Concílio);
e dos questionamentos quanto ao sentido decorrente dos enquadramentos
das situações e significados emergentes (Cabral).
6
Cursei as disciplinas Teatro Aplicado à Educação I e II, (USP), ministradas por Ingrid Koudela e fiz parte do
Grupo de Pesquisa que investigou a metodologia de Viola Spolin, entre 1977 e 1979, quando retornei a
Florianópolis, onde comecei a trabalhar na UDESC e associar Brecht e Spolin em minha prática de ensino.
contextualização como ponto de partida e abertura para discussões de cunho ético
e político. A forma de intervenção do professor sendo a principal distinção –
enquanto Brecht traz um modelo de ação a ser transformado pela ação do ator,
Heathcote inicia com uma situação que vai sendo transformada através de
enquadramentos distintos que são introduzidos para mudar a perspectiva da
situação em processo e desafiar as opiniões e ações dos alunos.
À época eu estava investigando os conceitos de habitus, capital cultural e
violência simbólica, centrais na obra de Pierre Bourdieu, que se tornam tão
evidentes para quem se transfere para uma cultura distinta durante quatro anos 7.
Bourdieu acentua, em diferentes escritos que o habitus surge da reiteração e
associação de discursos e práticas, mas que não é destino, quer a mudança de
lugar (cidade, país), de amigos ou de profissão, quer o acesso contínuo a leituras
e práticas que configuram outro contexto social e teórico, podem promover
mudanças.
A prática teatral contínua tem sido vista, cada vez mais, como associada a
possibilidades de mudança. A leitura que fiz dos pontos comuns às práticas de
Brecht e Heathcote, se mantém, e foiaqui visualizada na forma com que os
estudantes realizaram seu “Terceiro Inquérito”.
Observar o processo de identificação de sete ações possíveis sobre o mesmo
modelo me permitiu perceber a associação historia-expressão física, e como um
processo desta natureza aponta claramente para o lugar e o espaço da cultura
como pedagogia. Experiência estética e reflexão ocorrem ao mesmo tempo – a
busca da forma implica moldar as ideias que emergem durante o processo,
caracterizando o que tem sido convencionado como conhecimento-em-ação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
7
Artigo sobre o assunto foi escrito durante minha estadia para doutorado, em Londres, e publicado em 1996
(vide bibliografia)
BRECHT, B. “A peça didática de Baden Baden sobre o acordo.Tradução de
Fernando Peixoto. In: Teatro complete de Bertolt Brecht, v.3. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1988.
BURKE, K. A Grammar of Motives.University of California Press, 1969.
CABRAL,B. “Signs of a Post-modern, yet Dialectic, Practice”, in Research in
Drama Education, Vol.1, No 2, Journals Oxford Ltd, 1996, pp 215-220.
_______. “O Professor Dramaturg e o Drama na Pós-Modernidade”, in
OuvirOUver (Ed. Narciso Telles). Uberlândia: EDUFU, 2007, pp 47-56.
CONCÍLIO, V. “Sete Vezes Sr. Schmitt: O modelo de ação e o jogo da encenação
com A peça didática de Bertolt Brecht”. Revista URDIMENTO No 17. Florianópolis:
UDESC/CEART, 2011.
GOFFMAN, E. Frame Analysis: Na Essay on the Organization of Experience.
Harmondsworth: Penguin, 1974.
HEATHCOTE, D. TheFight for Drama – The Fight for Education.Ed. Ken Byron.
Newcastle upon Tyne: Occasional Publication by NATD, 1990.
LEHMANN, H-T. Teatro pós-dramático.São Paulo: Cosac-Naify, 2007.
O´NEILL, Cecily. Drama Worlds – a framework for process drama. London:
Heinemann, 2005.
_______. “Ways of seeing: audience function in drama and theatre”, in 2D, No.
8,1989.
SETTON, Maria da Graça J. (2002). “Família escola e mídia: umcampo com novas
Configurações”. Educação e Pesquisa. Revistada Faculdade de Educação da
USP, v. 28, no 1, jan.-jun. 2002, p. 107-116.
STEINWEG, R. Das Lehrstuck.Stuttgart: Metzler, 1972.
TAYLOR, P. e WARNER, C. Structure and Spontaneity: the process drama of
Cecily O’Neill. Stoke on Trent: Trentham Books, 2006.
WRIGHT, E. Post-modern Brecht.Londres: Routledge, 1984.
MEYERHOLD: MATRIZES DE UMA INTERPRETAÇÃO DISTANCIADA1
CARREIRA, André 2
1
Este texto é um desdobramento do artigo “Meyerhold e a ideia de uma interpretação distanciada”
publicado no livro Meyerhold: Experimentalismo e Vanguarda: CARREIRA, André e NASPOLINI,
Marisa. E-Papers, Rio de Janeiro, 2007.
2
UDESC
Sua atitude como ator e como diretor, representou em seu tempo uma ação
rupturista que provocou, além de polêmicas e tensões no campo teatral e político,
a abertura de novos conceitos sobre o lugar do teatro na cultura. Já no início dos
anos 20, Meyerhold não tinha pudor em apoiar seu trabalho criativo na experiência
dos atores, recortando e adaptando o texto, ao buscar a potência do jogo com os
espectadores. Como afirma Beatrice Picon Vallin:
3
PICON VALLIN, Beatrice. A Arte do Teatro entre tradição e Vanguarda – Meyerhold e a cena
contemporânea. Rio de Janeiro. Folhetim: 2006. p.10.
não prospectassem os processos de composição das personagens, mas sim, que
havia uma aposta clara na experimentação da cena como eixo do processo de
criação.
Essa característica pode ser relacionada com a elaboração dos aspectos
políticos de sua estética. Apesar da importância do seu projeto renovador, devido
às condições políticas relacionadas com sua morte violenta, e à ação de uma
política policial de proibição da difusão de sua obra pelo estado repressivo
stalinista, e a cumplicidade dos aparelhos políticos e culturais relacionados com o
stalinismo mundial, Meyerhold ficou marginalizado. Considerado traidor ele foi
apagado da história do teatro russo. Editores e intelectuais espalhados pelo
mundo foram cúmplices do assassinato físico e político realizado nos porões da
KGB, desconsiderando a importância desse diretor na renovação da cena política
do século XX. Sua noção do ator tribuno, e seu princípio de uma cena na qual o
ator se compromete politicamente no processo de criação e apresentação do
espetáculo foram ignorados na hora de se afirmar as matrizes da cena
revolucionária, e de se definir o que é o teatro político.
Suas propostas estéticas apoiadas na experimentação real no palco se
opunham a estilos que privilegiavam apenas aspectos formais sem a
correspondente relação com a experimentação dos atores. Sustentando seu teatro
no jogo do ator e uma lógica segundo a qual atuar é estabelecer diálogos com o
material dramatúrgico, com o espaço, com a recepção e com seu contexto,
Meyerhold politizou o trabalho do ator ao considerá-lo um cidadão em condição de
representação.
Apesar de ser acusado nos anos 30 de “formalista” pelos defensores do
“realismo socialista”, Meyerhold, empreendeu uma experimentação formal que
criou tensões que politizaram seu teatro. Isso é particularmente claro no que diz
respeito à idea de um ator tribuno. Ele pensava permanentemente a relação entre
arte e sociedade, pois, os acontecimentos sociais eram referências fundamentais
para seus processos de criação. Ainda assim, esse teatro não estava dedicado a
uma descrição do conjunto da realidade, mas sim, uma confrontação com essa
realidade, pois para ele:
A arte não está em situação de traduzir a plenitude da realidade, isto é,
os fenômenos e sua sucessão no tempo. A arte decompõe a realidade
reproduzindo-a ou em formas espaciais ou formas temporais, e por isso
4
se limita aos fenômenos ou à sua alternância .
4
MEYERHOLD, Vsevolod. Textos Teóricos. Madrid. ADEE. 1992. p. 156.
A arte do ator é tal que possui uma tarefa bem mais significativa que do
que apenas levar ao espectador a concepção do diretor. O ator será
capaz de contaminar o espectador se recriar em si tanto o autor como o
5
diretor, expressando-se em cena .
55
MEYERHOLD, Vsevolod. Do Teatro. São Paulo. Iluminuras: 2012. p. 73
6
Ibidem, p. 77.
7
Ibidem, p. 58.
8
Ibidem, p. 89.
formam parte do jogo teatral. Esta nova concepção teatral antecipa aquilo
9
que Brecht, trinta anos depois chamaria de Verfrendung.
9
RUIZ OSANTE, Borja. El Arte del Actor en el Siglo XX Bilbao. Artezblai: 2008. p. 112
10
ABENSOUR, Gerard. Vsevolod Meyerhold ou A Invenção da Encenação. São Paulo. Editora
Perspectiva. 2011. p. 632.
Konstantin Rudnitsky cita o crítico Ehrenbourg, que afirmou: “a revolução
não é para ele simplesmente uma corrente de ideias ou uma construção
conceitual, a revolução está em sua natureza”.11
A ideia de um teatro militante, não era no caso do diretor russo, uma
plataforma para a realização de um projeto político futuro a ser construído, mas
sim, uma ação direta dentro de um contexto revolucionário. Não se tratava então
de um teatro de resistência e preparação ideológica. Meyerhold e seus
conterrâneos lidaram diretamente com a tarefa de construir uma cena na
revolução. Ele tinha certeza do lugar político do teatro, e dizia que:
13
Ibidem, p. 231.
14
O termo “tecnologia” significa para Meyerhold a realização da encenação com alto nível técnico.
15
Ibidem, p. 176.
Falando do teatro da convenção Meyerhold aponta para um novo conceito
de espectador. A confiança demonstrada na capacidade de elaboração do público
politiza o trabalho de direção e dos atores, pois reconhece que “o espectador
conhece esse mundo especial da arte e saberá por si próprio completar os
elementos que faltam [em cena], saberá completar a ideia”16. Meyerhold, fazendo
da cena da convenção uma linguagem de síntese diz que neste teatro “o
espectador não se esquece nem por um instante que tem ante si um ator que
representa, nem o ator que tem ante ele uma sala e aos seus pés um palco, e ao
seu lado os bastidores”.17 Temos aqui um primeiro indício de sua percepção de
uma atuação distanciada que “luta contra o método da ilusão, que não tem
necessidade da ilusão como sonho apolíneo”.18 Esse movimento em direção da
convenção não fez Meyerhold abandonar a compreensão do papel do lúdico no
teatro como instrumento de estímulo para a reflexão dos espectadores. Ele
afirmava já no período revolucionário que:
16
Ibidem 192.
17
Ibidem176.
18
Ibidem 177.
19
Ibidem, p. 179.
apresenta diálogos tomados de uma dramaturgia limitada às
20
conversações, já não será teatro, mas si uma sala de conferências.
20
Ibidem, p. 179.
21
Ibidem, p.189.
22
Ibidem, p. 88.
Diante do personagem, o ator não deve “jamais se perder, porém
modular a distância que o separa dele. O “texto” do ator não coincide
com o do personagem que ele avalia, do qual ele se faz advogado ou
procurador, e a respeito do qual exprime suas próprias intenções
criadoras. O “pré-jogo”, fase muda antes de dar o texto, tem, como
primeira função, despertar o artista no ator. (...) Depois de ter afastado o
ator do seu personagem, Meyerhold o coloca no coração de três
espaços-tempos encaixados uns nos outros: a história do teatro; o
23
presente de sua época; a obra que ele interpreta.
23
PICON VALLIN, Beatrice. Op. Citada, 2006. p.34.
24
MEYERHOLD, Vsevolod. Op. Citada, 1992. p. 89.
25
Ibidem, p. 89.
distorções no processo de abordagem dos papeis e na compreensão do material
dramatúrgico. Como pedagogo preocupado com a formação das novas gerações,
e comprometido com o projeto revolucionário, ele percebia que era necessário se
ocupar da educação política dos atores: “se a concepção do mundo do ator é
antiquada, se o ator não está politicamente orientado, se produzirá uma
discordância entre a interpretação e a tarefa que lhe foi encomendada” 26. Ainda
que não tenha elaborado um material específico para tal formação, essa questão
foi abordada por Meyerhold em diferentes seminários que para novos diretores.
Como diretor do Departamento Teatral da URSS, propôs um programa de
“educação cultural de grupos de trabalhadores e amadores ou semi profissionais
com os quais levaria a cabo os chamados espetáculos de massas” 27. Antes
mesmo da Revolução o trabalho de Meyerhold era caracterizado como uma
“coletivização dos atores”, o que produziu sua ruptura, em 1907, com a companhia
de Vera Kommissarzhevskaia, quem não tolerava as práticas que ela considerava
ignoravam os talentos individuais.
Um dos maiores obstáculos enfrentado pelo diretor para reafirmar a ideia
de um ator tribuno estava na cultura do estrelismo dos atores fortemente
incrustada na vida teatral russa. Muitas foram suas falas criticando o estrelismo
dos solos, e o fato de que os atores atuavam buscando que o público gostasse
deles, e de seus personagens em detrimento do espetáculo. O foco principal de
suas críticas foi durante muitos anos o modelo do TAM, o qual ele associava
diretamente com a busca do “brilho do solo”.
Para alcançar um ator capaz de controlar a cena e se relacionar
diretamente com o espectador era necessário um ator plenamente consciente do
seu duplo lugar na cena. Isto é, um ator inscrito no jogo com a personagem e com
o sujeito cidadão que é o espectador. A noção do rigoroso trabalho físico e a
precisão técnica, que Meyerhold gostava de associar com os procedimentos da
música, podem ser considerados os instrumentos privilegiados para uma
interpretação intensa e polivalente, mas, que preservaria a consciência de um ator
que não recria o texto, mas, que cria seu próprio texto, a partir dos elementos que
26
Ibidem, p. 186.
27
RUIZ OSANTE, Op. Citada, 2008. p. 114
são particulares do ator, isto é, através do corpo e do jogo no espaço. Como diz
Picon Vallin:
28
PICON VALLIN, Beatrice. Op. Citada, 2006. p.30.
29
ZIZEK, Slavoj. “Brecht: a grandeza interna do stalinismo”. In Urdimento, Florianópolis, - Vol 1,
n.09, Dez, 2007. 67.
fosse o foco do espetáculo, e não o texto dramático, como era o habitual em seu
tempo, Meyerhold expandiu o conceito do teatro, e inaugurou uma vertente da
cena que combina política com e experimentação de linguagem. Por isso, seu
trabalho é uma referência para os artistas interessados em explorar os limites do
corpo do ator, e que ao mesmo tempo não temem assumir o lugar político do
teatro.
BRECHT EM PASTICHE
RESUMO
1
Ana Maria de Bulhões-Carvalho é pós-doutora em Letras Puc-Rj (2008-2009), Doutora em
Literatura comparada (UFRJ,1997), docente do PPPGAC e do Departamento de Teoria do Teatro,
do Centro de Letras e Artes da UNIRIO. Coordena a disciplina de Literatura na formação do leitor,
na Licenciatura a distancia em Pedagogia (Consórcio CEDERJ/UNIRIO). Pesquisa propostas
estéticas do teatro moderno e contemporâneo, osbretudo em sua relação com os gêneros
biográficos.
realizando não só um diálogo mais efetivo com a herança de Brecht, mas também
oferecendo uma saída eficaz para driblar o cerco da censura.
ABSTRACT
Bem. Por um acaso da vida acadêmica, há pouco tempo precisei voltar à leitura
de A ópera do malandro, escrita por Chico Buarque de Hollanda, em 1978, no Rio
de Janeiro3. Chamaram-me então atenção os dados factuais de que isso ocorrera
50 anos após a escrita d’ A Ópera de três vinténs, de Bertolt Brecht, na Alemanha
de 1928,4 por sua vez, reescritura de A ópera dos mendigos, de John Gay, escrita
em Londres em 1728. Ao perceber que a alusão era intencional, imaginei observar
as alterações produzidas por esses remakes, considerando seus tempo-espaços
específicos, suas propostas e uma proporcionalidade que se pode estabelecer
entre cada uma dessas duas cópias, a de Brecht e a de Chico.
O texto de Blanchot é extenso. Aquilo que eu resumi em duas linhas ele diz em
muitas páginas. De forma bela e arguta ele descreve essa experiência
desconcertante do paradoxal efeito de circulação da leitura. Em que a tese de
Blanchot pode mover um exame do circuito das Operas em seu devir?
2
BLANCHOT, Maurice. A parte do fogo. Trad. Ana Maria Scherer. Rio de Janeiro: Rocco, 2011.
3
BUARQUE DE HOLLANDA, Chico. A Ópera do malandro. 2a ed. São Paulo : Livraria Cutura
editora, 1979.
4
BRECHT, Bertolt. Trad. Geir Campos. In: Bertolt Brecht: Teatro completo. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1990.
A cópia como efeito da circularidade da leitura
5
Jonathan Swift (Dublin, 30.11.1667 — Dublin, 19.10. 1745) escritor satírico irlandês, morou
muitos anos na Inglaterra onde se formou em Teologia e privou do convívio com políticos.
Escreveu um único romance As viagens de Gulliver.
6
Alexander Pope (21.05. 1688, Londres — 30. 05. 1744, Twickenham, hoje parte de Londres) um
dos maiores poetas britânicos do século XVIII, autor de poemas filosóficos ou didáticos, como
Essay on Criticism (Ensaio sobre a crítica), e Essay on Man (Ensaio sobre o Homem) (1733-34),
compôs uma sátira, Dunciad, e também The Rape of the Lock (O rapto da Madeixa) em que
ridiculariza a corte da Inglaterra.
trazem uma dimensão de registro a sério mas passam a figurar num espetáculo
musical burlesco, uma Ballad opera, depois da intromissão de números musicais
entre os diálogos, por decisão tomada pelo diretor do teatro, na semana da
estreia, em atendimento ao amigo compositor Johan Cristoph Pepusch. A sátira
resultante - além de sucesso de público, pela habilidade e graça com que ameniza
a agudeza da crítica social por meio da apropriação de baladas populares ao lado
dos números originais, criados por Pepusch -, conseguiu manter-se em cartaz por
algum tempo, e sem intervenção da censura.
A cópia brechtiana
É desse conjunto: argumento, ambiente e personagens, que Brecht se apropria.
Dele faz uma cópia, mas uma cópia adaptada ao seu modo. A cópia em si, como
expediente do fazer literário, decididamente não o incomoda, antes, o instiga:
“Copiar é uma arte em si que o mestre deve dominar. Ele deve manejar isso
sabiamente, pela simples razão de que sem isso ele não produzirá nada que seja
digno de ser copiado, por sua vez...” (EUROPE, 1957).7 Essa cópia que realiza,
apresenta-se como novo original, separado por intervalo de duzentos anos do
texto matriz, do qual ainda será uma extensão metonímica por conservar
personagens, situação social, referência geográfica, alterando a temporalidade: a
Londres de Gay é deslizada para o final do século XVIII. Interessava ao autor
explorar todos os expedientes que o permitissem atingir o alvo sem ser pego pela
censura – usando estratégias que dez anos depois revela em documento de 1938
(Cinco maneiras de dizer a verdade).
Ultrapassar o modelo para adequá-lo ao propósito é sim a preocupação e tarefa
de Brecht. Para quem vai escrever? Para uma Alemanha que, derrotada,
aprendera são só a aceitar, mas também a admirar os ex-inimigos, Inglaterra e
Estados Unidos. A burguesia endinheirada alemã desejava agora o american way
of life do cinema americano e os modelos veiculados pelo teatro inglês. Devolver-
lhes o ridículo de suas atitudes num teatro frontalmente expositivo só iria afugentar
a crítica e o público que sustentavam a máquina de entretenimento. O golpe
7
EUROPE. Brecht. Ano 35, n. 133-134. Paris: Jan-Fev, 1957.
estaria em driblar o ataque direto, deslocando o quadro para outro tempo-espaço
de identificação menos óbvia, oferecendo na cena a sociedade invertida dos
miseráveis de Gay, com suas estratégias de burla e de exploração humana, em
sistemas espúrios de organização social. Num só gesto atacar dois alvos, a
sociedade inglesa, que queria ridicularizar, e a nova mentalidade burguesa alemã,
que queria ironizar. Furtando-se à aproximação realista, como ocorrera com o
texto de Gay, a obra de Brecht é engenhosa, divertida e aguda, sobretudo pelo
manejo da linguagem.
São esses usos da linguagem, em que conjuga texto dialogado e cantado, que
trazem uma nova marca. É interessante ler o depoimentos da jornalista Lotte
Eisner, amiga da família Brecht, quando observa o dramaturgo e poeta em
processo de criação, sobretudo das baladas da Opera. (O comentário de Eisner
sai publicado em 1957, na revista Europe, de homengam a Brecht após a sua
morte, na edição de jan-fev). Eisner destaca o uso particular da língua alemã feito
por Brecht, de forma maliciosa, jogando com a duplicidade de sentidos, e o modo
como esculpia as palavras, buscando angulações afiadas, para torná-las
cortantes. Do mesmo modo, preocupa-se com a exacerbação desse poder de
corte possível por um uso especial da música. Diz a jornalista, depois de observá-
lo: “Quando ia de vez em quando à sua casa – ele então morava na
Handenbergstrasse – o surpreendia no seu trabalho com Weill para a Opera dos
três vinténs, assoviando ou tocando algumas notas ao piano, de uma maneira
cortante, marcada e irregular, escandindo perfeitamente o ritmo, que Kurt Weill
tinha apenas que transpor”(EUROPE, 1957).
Essa forma de cópia adequa-se ao pensamento de Blanchot, em L’Entretien infini,
(A conversa infinita), quando sugere, sobre a questão da originalidade em
literatura: “Primeiro, ninguém pensa que as obras e os cantos poderiam ser
criados do nada. [...] O que importa não é dizer, mas redizer e, nesse redito, dizer
a cada vez, ainda, uma primeira vez.” Pensamento que completa em O espaço
literário: “A obra diz essa palavra, começo, e o que pretende dar à história é a
iniciativa, a possibilidade de um ponto de partida”.8
8
BLANCHOT, Maurice. L’Entretien Infini. Paris: Gallimard, 1969.
O pastiche de Chico Buarque
O espelho deformado de uma sociedade marginal foi a grande sacada, apesar das
cutucadas na inteligência da censura: antes de abrir a cortina, um produtor da
trupe que levaria o espetáculo, vestido de smoking, dirige-se ao público e diz que
vai representar “uma nova vereda para a nossa companhia teatral”, porque
acredita que “é tempo de abrirmos os olhos para a realidade que nos cerca” e que
acabaram encontrando peça de autor que “goza de palpável prestígio nas
chamadas rodas de malandragem carioca” (p.19). A forma de driblar a ditadura
que já censurara o autor Chico Buarque em 1972, quando impediu a estreia e a
temporada de Calabar ou o elogio da traição, com um veto geral até à própria
imprensa de noticiar o fato. Salvou-se a publicação do texto, que logo esgotou.
Estava feita a aposta. Entre em cena o malandro, figura bem delineada por
Antonio Cândido no seu texto “A dialética da malandragem”, exemplar análise
metacrítica da novela de Manuel Antônio de Almeida Memórias de um sargento de
milícias. Dos traços que vai tramando Cândido para ver o personagem de
Leonardo Pataca filho, para caracterizá-lo malandro, alguns cabem perfeitamente
nessa guinada que o anti-herói de Chico dá no de Brecht: Max é um malandro que
não tem trabalho regular, porque tudo lhe surge como coisa devida; não passa
aperto, porque de tudo as mulheres dão provisão, recebe tratamento especial das
putas, da amante e casa-se com a filha do arqui-inimigo rico, patrão de suas
‘amigas’; e ainda é amigo do chefe de polícia.
Da análise de Cândido podemos reter alguns traços que separam ainda Max do
seu modelo Macheat: o carioca é um astucioso que quer driblar as enrascadas; o
inglês é pragmático, cranea suas jogadas como um homem de negócios, sem se
importar em trair ou ser desleal. Se ambos os anti-heróis não têm ética, a sem
cerimônia de Max é mais simpática e irreverente; enquanto Macheat mostra mais
as garras, é mais bandido. Apesar de ambos privarem da mesma malemolência
amorosa dos pícaros. A referência a esse malandro oficial também está na
“Homenagem ao malandro”, com que se abre o 2º Prólogo: “Agora já não é
normal/ o que se dá de malandro/ regular, profissional/ malandro com aparato/ de
malandro oficial/ malandro candidato/ a malandro federal/ malandro com retrato/
na coluna social/ com gravata e capital/ que nunca se dá mal”. Quase um retrato
satírico do Macheat.
Conclusão
Apenas duas ressalvas finais:
A primeira, para dizer que essa abordagem é incipiente, primeira aproximação
com esse campo da criação, abordagem ainda incompleta e reticente, porque
representa uma etapa de reconhecimento, circunscrição da questão e que ainda
não se fundamenta num levantamento exaustivo e merecido das comprovações
textuais. Um cotejo completo precisaria trabalhar as sonoridades e, por que não,
os resultados obtidos pelas montagens.
BLANCHOT, Maurice. A parte do fogo. Trad. Ana Maria Scherer. Rio de Janeiro:
Rocco, 2011.
BRECHT, Bertolt. Trad. Geir Campos. In: Bertolt Brecht: Teatro completo. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1990.
POR UM ESPECTADOR/JOGADOR EMANCIPADO? DIÁLOGOS ENTRE O
TEATRO E O VIDEOGAME EM TORNO DE UMA DRAMATURGIA ÉPICA
CAYRES, Victor1
RESUMO
1
Ator, diretor, dramaturgo, doutorando do Programa de Pós Graduação em Artes Cênicas da
Universidade Federal da Bahia, Bolsista Capes.
Contato: victorcayres@gmail.com
ABSTRACT
INTRODUÇÃO
2
Jogosde interpretação de personagenscom uma participação massiva de jogadores.
identifica uma corrente de pensamento mais recente, e crítica em relação aos
seus predecessores, que define o jogo a partir da experiência lúdica. Para
Bonenfant (2010), os principais teóricos relacionados a esta nova perspectiva
sobre o jogo são o filósofo Alemão Eugene Fink e o filósofo francês Jean-Jacques
Henriot além dos pesquisadores de videogames Katie Salen, Eric Zimmerman e
Thomas Malaby. Para essa corrente, o jogo não é uma estrutura orientada por
características pré-determinadas. A relação do jogador com uma estrutura é que
determinaria o jogo.
3
Cette nouvelle approche stipule que les critères définissant le jeu sont dépendants des conditions
de l'expérience ludique. Ce serait plutôt le rapport particulier du joueur avec une structure qui
donnerait le sens de jeu à ces éléments et non pas des critères généraux énoncés a priori.
As teorias mais contemporâneas do jogo, se aproximam portanto, da
concepção do filósofo francês Jacques Rancière do espectador emancipado. A
teoria de Rancière defende a importância de se reconhecer que o espectador
“observa, seleciona compara, interpreta” (RANCIÈRE, 2012, p.17), não é
meramente sujeitado pelo espetáculo que lhe é proposto. Da mesma forma, o
jogador não é sujeitado pela estrutura do jogo, ele a domina, a interpreta, faz dela
o que lhe convém, está emancipado em relação aos propósitos do projeto inscritos
na estrutura do jogo. E é importante notar que o jogador é sujeito emancipado
tanto quando aceita o convite de se submeter as regras do jogo quanto quando as
subverte.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAUDRILLARD, Jean. Simulacros e simulação. Tradução Maria João da Costa
Pereira. Lisboa: Relógio d'água, 1991.
BRECHT, Bertolt. Estudos sobre Teatro. Tradução Fiama Pais Brandão. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1978
FRASCA, Gonzalo. Play the Message: Play, Game and Videogame Rhetoric.
Ph.D. Disseration. IT University of Copenhagen. Denmark, 2007. Disponível em:
<http://www.ludology.org/> (acessado em ago. 2012)
LEBOWITZ, Josiah; KLUG, Chris, 2011. Interative Storytelling for video games: a
player-centered approach for creating memorable characters and stories.
International Edition: Focal Press.
MARX, Christy. Writing for Animation, Comics, and Games. Burlingtown: Focal
Press, 2007.
RESUMO
Nesta comunicação, o ato de olhar a dança é concebido como uma prática – entre
outras – que permite inscrever a coreografia no corpo do espectador. Parte-se da
Fenomenologia da Percepção, de Maurice Merleau-Ponty (1971), para se pensar
a interdependência entre os sentidos. Assim, quando se assiste a uma obra ou
evento de dança, tem-se, num primeiro momento, uma experiência visual, pois o
movimento dançado apela diretamente à visão. No entanto, ela é, também, uma
experiência auditiva e, principalmente, proprioceptiva, pois os movimentos e
sonoridades de uma coreografia colocam em jogo a experiência de movimento do
espectador. Seu olhar retoma, assim, os movimentos e sonoridades da
coreografia e os reunifica numa intenção motora, num movimento esboçado em
seu próprio corpo, numa possibilidade de inscrição da obra no corpo de quem a
mira. Pode-se dizer que a relação que se estabelece entre o espectador e o
evento coreográfico é uma relação de contigüidade, em que as gestualidades e
sonoridades da dança se reúnem às sensações auditivas e cinestésicas de quem
as presencia. Assim, há uma comunhão de sentidos que engloba, num só ato, a
obra e o espectador. Como diria Merleau-Ponty, é uma relação que se realiza na
carne do mundo, o que não impede o entendimento de que tal relação é também
histórica e cultural, pois o espectador retoma, mesmo sem querer, uma tradição
perceptiva e está em confronto com um presente. A fim de ilustrar essa
proposição, será narrada uma experiência como espectador do solo O Cavalo, de
Michele Moura.
1
Doutora em Estudos e Práticas Artísticas pela Université du Québec à Montreal (Canadá) e
Mestre em Ciências do Movimento Humano pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS). Professora da UFRGS desde 1995, atua no Programa de Pós-Graduação em Artes
Cênicas/Mestrado e no Curso de Graduação em Dança. Integra o Coletivo de Artistas da Sala 209/
Projeto Usina das Artes.
Palavras-chave: dança contemporânea – apreciação da dança – percepção
ABSTRACT
INTRODUÇÃO
Nesse texto, o ato de olhar a dança é concebido como uma prática – entre
outras – que permite inscrever a coreografia no corpo do espectador. A fim de
ilustrar essa proposição, será narrada uma experiência como espectadora do solo
O Cavalo, de Michelle Moura. Criada em 2009, quando Michelle Moura fazia parte
do Coletivo Couve-Flor Minicomunidade Artística Mundial, a obra é tem por
premissa, segundo a artista, “a ambiguidade de quem move quem, o cavalo que
move o cavaleiro,o cavalo que é movido pelo cavaleiro”2.
Proponho, primeiro, pensar o ato de olhar a dança também como um
processo de criação que se realiza em cada espectador, e para isso proponho
retomar o conceito de fruição. Fruir, do latim fruere, significa estar em posse de,
possuir. Ou então, tirar de alguma coisa o máximo proveito, perceber os frutos e
os rendimentos de determinada situação. Fruir também significa gozar, desfrutar.
Os três casos, subentendem uma experiência, uma ação vivida e podem ser
aplicados à dança: a fruição de uma coreografia pode ser uma experiência que me
faz possuir, incorporar essa dança, principalmente a partir do momento em que
projeto nela vivências pessoais. Através da fruição, posso aproveitar o máximo da
coreografia, posso, enfim, gozar, desfrutar daquela obra ou evento. Um primeiro
passo para inscrever o a obra no corpo do espectador.
Um segundo passo consiste em pensar na interdependência entre os
sentidos. Quando assisto ao Cavalo, tenho, num primeiro momento, uma
experiência visual do movimento da Michelle Moura, pois o movimento dançado
apela diretamente à minha visão, dirige-se, em primeiro lugar, ao meu olhar. No
entanto, a experiência auditiva, no Cavalo, é também muito forte. E contamina,
inexoravelmente, minha experiência como espectadora. Os movimentos e as
sonoridades do Cavalo colocam em jogo a experiência do meu próprio movimento,
a minha própria experiência. A informação visual e auditiva gera uma experiência
cinestésica, uma experiência de movimento imediata. Os movimentos e as
sonoridades do Cavalo se deixam reconhecer por um tipo de comportamento da
espectadora - alterações na minha postura, mudanças de atitude, movimentos que
se insinuam no meu corpo. Assim, o olhar da espectadora, o meu olhar, retoma
2
FID Conexão Internacional: Cavalo. Funarte: Portal das Artes, 2011. Disponível em
http://www.funarte.gov.br/evento/fid-conexao-internacional-cavalo/. Acesso em 10 de setembro de
2012.
os movimentos do Cavalo – e de certo modo, os seus sons – e os reunifica numa
intenção motora, num movimento esboçado em meu próprio corpo: os movimentos
do Cavalo ressoam no meu corpo e a produção de sentido nesse evento visual e
auditivo não deixará de proporcionar uma sensação do movimento no meu corpo
do espectadora/leitora. O que eu vejo produz, muitas vezes, o que eu sinto, pois
“os sentidos se traduzem um ao outro sem terem necessidade de um intérprete,
se compreendem um ao outro sem terem de passar pela idéia”3. As experiências
visual, auditiva, cinestésica, olfativas, gustativas, proprioceptivas são pregnantes
uma da outra.
Posso dizer, assim, que a relação que se estabelece entre o Cavalo e eu é
uma relação de contigüidade, em que os movimentos e as sonoridades do Cavalo
se reúnem às minhas sensações de movimento enquanto o assisto. Que há uma
comunhão de sentidos que engloba num só ato o Cavalo e eu. Como diria
Merleau-Ponty4, essa é uma relação que se realiza na carne do mundo. Por isso,
ouso dizer que o Cavalo se inscreve em mim, se infiltra, penetra, se difunde no
meu corpo e alimenta incessantemente a leitura da obra.
Esta imersão do Cavalo em mim e de mim no Cavalo não impede de
entender que tal relação é também histórica e cultural: “Aquele que percebe não
está despojado diante de si mesmo como deve estar uma consciência, ele tem
uma densidade histórica, ele retoma uma tradição perceptiva e está em confronto
com um presente”5. Eu, espectadora, retomo uma tradição de ver dança, de
reconhecer gestos e movimentos de uma coreografia, pois a rede complexa de
heranças, de aprendizagens e de reflexos que determina a particularidade do
movimento de cada indivíduo define igualmente o modo de perceber o movimento
dos outros. Contudo, o Cavalo está aí para também surpreender e esgarçar esta
relação.
3
MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da Percepção. Rio de Janeiro: Freitas Bastos,
1971, p. 241.
4
MERLEAU-PONTY, Maurice. O visível e o invisível. São Paulo: Perspectiva, 1992.
5
MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da Percepção. op. cit., p. 244.
Inscrevendo corpo dançante em corpo performativo e vice-versa
Eu trabalho – e vivo – há muito tempo a ideia do corpo dançante, que é
concebido – e vivido – como corpo treinado, heterogêneo, autônomo, íntimo,
energético, engajado, vulnerável e amante. Um corpo, entre outras coisas, que
faz a expriência da dança a partir da intensificação da presença corporal. E que
exprime também as relações de continuidade entre a dança e vida, revelando que
os bailarinos integram à sua prática artística as experiências mais ordinárias e
mais íntimas, convergindo-as ao projeto coreográfico do qual fazem parte.
Agora deslizo para o corpo performático, que não deixa de ser um corpo
dançante. Nesse sentido, comentando o papel das imagens corporais no teatro
pós-dramático, Lehman ressalta:
Não por acaso, é na dança que as novas imagens corporais podem ser
consideradas de modo mais claro. A dança é radicalmente caracterizada
por aquilo que se aplica ao teatro pós-dramático (e eu diria à cena
contemporânea ) em geral: ela não formula sentido, mas articula energia,
6
não representa uma ilustração, mas uma ação. Tudo nela é gesto .
6
LEHMAN, Hans-Thies. Teatro pós-dramático. São Paulo: Cosacnaify, s.d., p. 339.
7
ROUX, Céline. (2007). Danse(s) performative (s). Enjeux et développements dans le champ
choréographique français. (1993-2003). Paris : L’Harmattan.
para as práticas existentes, entre elas, a prática da dança. Ela sugere o uso do
termo atitude performativa para caracterizar uma tomada de posição do artista,
seu engajamento na ação e a inter-relação entre projeto artístico e projeto de vida.
A partir disso, sugere quatro enunciados que aproximam campo coreográfico e
atitude performativa: entre presentificação e representação; a necessidade de
conceitualização e experimentação; risco e permissividade; o espectador ou a
recepção em questão. Nessa comunicação, não sigo exatamente essa
proposição de análise, mas vou acentuo três aspectos no Cavalo que favorecem a
inscrição da coreografia no corpo do espectador. São eles: o corpo como
presentificação/manifestação, a sonoridade e a voz como presença e a
problematização de certos parâmetros da tradição coreográfica ocidental.
O primeiro aspecto se refere ao corpo como presentificação ou como
manifestação, em oposição à noção de representação. Michelle Moura não
representa o Cavalo, ela o torna presente. E então, encontra um dos princípios da
performance, da atitude performativa, do corpo performativo: realizar a ação.
Fazer. Mostrar o Fazer. Ser
O corpo como manifestação, como presentificação, se opõe à ideia de
representação enquanto imitação ou simulacro. Um dos princípios do corpo como
manifestação é integração, incorporação, personificação da energia da ação.
Assim, a busca da justa energia para realizar as ações, aliada às transformações
vividas pelo corpo durante a realização das ações, permite a Michelle Moura
incorporar a matéria coreográfica e de presentificar o Cavalo. Michelle, quando
presentifica o Cavalo, integra, incorpora, personifica a energia das ações do
Cavalo. Ela não imita ou simula um Cavalo. Ela é/está Cavalo. Ela é/está
cavaleiro, pois há, no trabalho, essa ambiguidade, essa passagem de um
estado/condição a outro. Ela incorpora a matéria coreográfica, (que eu chamo de
matéria equina e humana), ela integra algumas possibilidades de corporeidades
equina e humana, segundo sua experiência e sua concepção de Cavalo e de
Cavaleiro e não segundo um modelo, uma convenção do que seria a matéria,
energia, corporeidade de Cavalo/Cavaleiro.
Michele Fèbvre destaca que o corpo dançante não trabalha com dados
literários ou psicológicos exteriores a seu texto motor. O que o alimenta para criar
sua partitura, são as ações, que ele integra, assimila, torna suas, pouco a pouco, e
que o afetam, permitindo-lhe progressivamente encontrar o sentido dessas ações,
de organizá-las interiormente, intimamente, para enfim reconhecê-las como um
caminho já percorrido. Nesse sentido, é importante ressaltar um detalhe que pode
fazer toda a diferença. O corpo da Michelle Moura, como Cavalo, está lá não para
reproduzir os estereótipos técnicos e de representação de uma certa dança, de
um certo modelo coreográfico, mas para corporificar/presentificar o cavalo, como
já foi dito. Assim, sua atitude, que pode ser considerada performativa, ultrapassa a
encenação para atingir a vivificação, buscando “ativar o espaço de si e ativar o
espaço de cada um”8. Por isso, o Cavalo opera na intensificação de certas
experiências corporais, na elaboração de uma corporeidade densa, intensa,
dilatada. E que adensa, intensifica e dilata o meu corpo de espectadora.
Trago um outro dado para pensar o corpo performático, a partir do Cavalo,
que é a sonoridade – e a voz da Michelle/Cavalo – como presença. Trabalhada
em colaboração com o músico Rodrigo Lemos, a voz participa da elaboração
desse corpo energético, vital, denso, que é o corpo de Michelle/Cavalo e permite
ao espectador experimentar a sensação de estar embebido nessa densidade
sonora.
Em colaboração com o músico Rodrigo Lemos, é a partir da ampliação da
respiração, da gestão dos ruídos e sons provenientes do ato de respirar,
intensificados pelo esforço para realizar os movimentos que o corpo vai-se
organizando. É como se o corpo do Cavalo se deixasse transbordar por suas
funções orgânicas ou por suas pulsões. Os sons parecem emergir das suas
profundezas. Em seguida, há uma transformação, sutil, e as vocalizações vão se
configurando quase como melodia. Muitas vezes a voz sustenta ou pontua o
movimento, compartilha de seu trajeto espacial e energético por meio de suas
variações de altura e timbre. A palavra surge nesse jogo, mas o ritmo e a melodia
é que são protagonistas. A palavra é explorada como materialidade sonora,
8
ROUX, Céline. (2007). Danse(s) performative (s). Enjeux et développements dans le champ
choréographique français. (1993-2003). op. cit., p. 85.
expressiva e simbólica, escapando à função de transmissão de conteúdo, mas
agindo como simulacro de uma permuta comunicacional. Os sentidos são muitas
vezes percebidos mais pela modulação e singularidade fonética do que pelo uso
de códigos sintáxicos e semânticos.
O terceiro ponto que quero explorar está ligado à problematização de
certos parâmetros da tradição coreográfica ocidental. O que, precisamente, o
Cavalo problematiza? O retorno ao palco, à cena italiana, e, em consequência,
uma certa relação com o público. Exploro, também, sua referência ao
expressionismo.
O Cavalo investe no espaço, reinveste esse espaço da cena italiana, não
mais como espaço de representação, de totalidade, de síntese, de reprodução de
modelos coreográficos. Michelle Moura reinveste essa cena para fazer dela o
lugar do Cavalo, seu habitat. O espaço se torna íntimo. O Cavalo secreta seu
espaço, oferecendo-o em contigüidade ao espaço do espectador/leitor. É preciso
salientar que são os sons, as vozes, os ruídos que emanam, moldam e envolvem
o corpo da Michelle/Cavalo que preenchem o espaço, envolvem nossos corpos e
tornam esse espaço viscoso.
Assim, o Cavalo não projeto espaço, permanece numa kinesfera medial e
não aumenta a distância entre ele e o espectador: “Surge um espaço de intensa
dinâmica centrípeta em que a cena se torna um momento de convivência de
energias9”. Dessa forma, sem sair do palco, ou talvez, retornando ao palco, o
Cavalo não me distancia enquanto espectador. Como escrevi no início do texto,
desejei inscrever o Cavalo em mim. Desejei incorporá-lo, para conhecê-lo, para
apreendê-lo, para dele extrair alguns sentidos. Mas, ao mesmo tempo, ele se
deixa apreender, ele se oferece ao deleite dos nossos sentidos.
Por fim, trago a referência ao expressionismo. Ela está explícita no texto
que anuncia a obra: “Cavalo é sombrio, expressionista, noise e hipnótico”10. No
entanto, vou explorar essa relação com o expressionismo a partir da minha
autonomia como espectadora. Uma das coisas que mais me tocou, no Cavalo, foi
a contenção do gesto, o fluxo controlado, a reversibilidade do movimento, aliado
9
LEHMAN, Hans-Thies. Teatro pós-dramático. op.cit., p. 166
10
FID Conexão Internacional: Cavalo. Funarte: Portal das Artes, 2011, op. cit.
ao trabalho do tronco e à mobilidade sofisticada da coluna vertebral. Ele ativou
algumas das minhas referências corporais, dialogando com uma tradição inscrita
no meu corpo, que me é cara e que tem retornado, com insistência, na minha
maneira de dança: as torções, contrações, retenções, expansões, escavações do
tronco, tão características da dança moderna e, em particular, da técnica de
Martha Graham.
Contudo, é preciso atentar para o fato de que não estou afirmando que o
Cavalo tem influência da técnica de Graham, nem que o corpo eqüino/humano da
Michelle/Cavalo foram inspirados em Graham ou em qualquer outra técnica de
dança moderna. Estou afirmando que esse corpo criado pela Michelle/Cavalo fez
reverberar em mim uma memória cinestésica que me é cara, que eu prezo e
reverencio para além das formas, padrões e modelos que a técnica de Graham já
gerou. Eu a prezo, dentre outros motivos, porque ela me reenvia a esse corpo
condensador de energia, a esse corpo vibrátil, nervoso e vital, que se manifesta
apesar e através dessa minha memória cinestésica. Essa memória possibilita que
eu me reconheça no Cavalo/Michelle.
Outro ponto para pensar a relação do Cavalo com o expressionismo é a
ausência de neutralidade: o corpo não assume nunca a posição anatômica neutra,
mais ou menos relaxada, postura de base tão frequente na dança contemporânea;
os gestos não são cotidianos, nem objetivos, nem funcionais. Ressaltando essa
ausência de neutralidade, o rosto de Michelle/Cavalo. Um rosto que condensa as
características do Cavalo. Assim como o fluxo do movimento é contido – fluxo
controlado, como diriam os labanianos - o rosto é tenso, denso. A boca aberta,
aberta por tanto tempo, torna esse gesto facial uma atitude, no sentido de que falei
antes – um modo de se portar, uma tomada de posição frente ao mundo, ao outro.
A boca se abre, mas o resto do rosto parece permanecer mais ou menos sereno.
E daquela boca, aberta por tanto tempo, escorre saliva... o Cavalo baba.
Para tentar concluir, quero também utilizar um argumento que Josette
Féral11 usou para buscar uma distinção entre a performatividade e a teatralidade.
11
FÉRAL, Josette. Performance e performatividade: o que são os estudos performáticos? In
MOSTAÇO, Edélcio et al (orgs.). Sobre Performatividade. Florianópolis: Letras Contemporâneas,
2009, p. 49-86.
Faço tal uso num outro sentido, para aproximar o corpo dançante – um corpo que
tece a promiscuidade entre a dança e a vida – do corpo performático. A autora
sugere que um dos pontos que poderia diferenciar a performatividade da
teatralidade seja o reportar-se a si e à identidade, algo muito presente na
performatividade. Como escreve Féral,
O processo performativo age diretamente no coração e no corpo da
identidade do performer [bailarino], questionando, destruindo,
reconstruindo seu eu, sua subjetividade sem a passagem obrigatória por
uma personagem. A performance toca o sujeito que vai pra cena, que se
produz, que executa. Se o ator performa [e se o bailarino dança] ele
realmente age com seu corpo e sua voz em cena. Seu corpo
efetivamente age. Existe realmente uma perda, dispêndio, gasto
energético, parte de si. Como parte do real e não da ficção, nunca nem
verdadeiro nem falso, sempre fluido, instável, em perpétuo recomeço,
repetição infinita e ainda assim jamais idêntica, o ato performativo esta no
12
coração do funcionamento humano .
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FID Conexão Internacional: Cavalo. Funarte: Portal das Artes, 2011. Disponível
em http://www.funarte.gov.br/evento/fid-conexao-internacional-cavalo/. Acesso em
10 de setembro de 2012.
12
FÉRAL, Josette. Performance e performatividade: o que são os estudos performáticos? op.cit., p.
83.
ROUX, Céline. Danse(s) performative (s). Enjeux et développements dans le
champ choréographique français. (1993-2003). Paris : L’Harmattan, 2007.
TEATRO INVISÍVEL E CLANDESTINIDADE
DELGADO, Guilherme1
RESUMO
ABSTRACT
The following text discuss the notions of judgement and spectator in some
practices of Augusto Boal, specially the Teatro-Fórum and the Teatro Invisível.
These positions are confronted with some questions brought by the philosopher
Jacques Rancière.
Key-words: Judgement; Augusto Boal; Spectator
INTRODUÇÃO
2 VEGA, Lope de. El Mejor Alcalde, El Rey. Buenos Aires: Editorial Kapelusz, 1966. P. 53.
3 CAMPOS, Cláudia Arruda. Zumbi, Tiradentes. São Paulo: Perspectiva, 1988. P. 57.
4 Aparentemente, este material nunca foi publicado.
de articulações cênicas, é a forma como Boal vai lidar com a dimensão da
estética. (Com exceção do Teatro Invisível, a ser comentado mais a frente).
Mas antes de destrinchar a maneira pela qual o artista desenvolveu esta
questão, note-se como a própria possibilidade do juízo sempre esteve no centro
da estética. Sempre fez parte de uma aposta democrática a ideia de que,
independente de sua condição social, ou de suas singularidades, cada um tem o
potencial de decidir acerca da arte e da beleza. Visto pela perspectiva de Brecht, a
própria noção de distanciamento poderia ser compreendida como uma forma de
melhor permitir ao espectador ocupar a posição de juiz perante a ficção a que
assiste. Neste caso, o juízo seria deslocado de uma percepção sobre a beleza,
para uma atenção específica aos modos de organização da cena e da sociedade.
Desta forma, no trabalho do encenador alemão, o juízo permanece como uma das
forças motrizes da articulação entre arte e política.
No caso de Boal, que explicitamente se considera um herdeiro das práticas
e teorias brechtianas, é possível dizer que sua proposta, ao longo das atividades
do oprimido, tem sido a de deslocar o juízo do campo estritamente ficcional
diretamente para o da ação política, e não apenas desejar que esta conexão se
faça para cada espectador individualmente.
Considere-se o Teatro-Fórum – o mais famoso dos dispositivos cênicos
propostos pelo Teatro do Oprimido. Encena-se uma determinada situação de
conflito social, onde explicitamente alguém é oprimido por outras pessoas ou por
determinadas circunstâncias. Por exemplo, um policial discute com um camelô
sobre a apreensão de suas mercadorias, o camelô argumenta que faz aquilo para
sobreviver, o policial argumenta que segue ordens. Mas não se propõe nenhum
tipo de desfecho para a cena: há apenas um encaminhamento até o clímax de seu
conflito. Neste momento, qualquer pessoa do público que deseje pode tomar o
lugar de um dos atores e tentar dar um desfecho que resolva o problema exposto.
Aos atores que permanecem em cena, cabe contracenar com o “intruso”, reagindo
às soluções que ele propõe. Esta situação se repete várias vezes, até que o grupo
inteiro, isto é, atores e público, cheguem a um consenso sobre qual seria a melhor
forma de conduzir a situação para que ninguém se sinta oprimido, ou que então
concluam que não dispõem, até o momento, de nenhuma saída satisfatória (O
Teatro do Oprimido não promete soluções, ele apenas tenta procurá-las, nem
sempre com sucesso).
Assim se demonstra, de forma sintética, o que pretende Boal na sua
conjugação cênica de juízo e ação, que é particularmente feliz por escapar de
algumas armadilhas em que muitas artes de pretensão política têm recaído. (Nisto
não se deve incluir o próprio Brecht, mas vários artistas que, de diversas
maneiras, também se apropriaram do legado brechtiano). Primeiramente, o Teatro
do Oprimido soube escapar do risco de estetizar a pobreza ou, o que talvez seja
até pior, ensinar supostos valores de uma arte erudita para comunidades com
baixa instrução formal. Felizmente, não há nenhuma tentativa de impor padrões
estéticos sobre “os oprimidos”, nem de representá-los através de formas
importadas de outros ambientes sociais.
Além disso, é impossível não perceber a força de um dispositivo artístico
que pretende causar transformações sociais, sem a preocupação ou a disposição
de fazer desta atividade um produto, um bem cultural passível de ser exposto em
museus ou comercializado. Afinal, não faltam exemplos de projetos de arte
relacional, bem ou mal intencionados, que terminam apenas gerando material
artístico para ser exposto em outros espaços, ou que servem de plataforma para
auto-promoção. Como percebe o filósofo Jacques Rancière:
“Ali tudo leva a crer que o Sistema [ela está se referindo à encenação, e
ao sistema Coringa], que se oferece como alternativa para um teatro
popular, nasça de um pensamento que desconfia do povo, já que lhe
6
proporciona um meio de discussão, mas trata de monopolizar o debate.”
6 CAMPOS, Cláudia Arruda. Zumbi, Tiradentes. São Paulo: Perspectiva, 1988. P. 132.
enquanto iguais no mundo da desigualdade. Esta tensão permanece
irresolúvel. A meu ver, isso que dizer que ela é operatória e que é mais
interessante estudarmos a sua dinâmica que cingi-la ao discurso que
7
remete as condições de emancipação para as manhas da dominação.”
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
RESUMO
Este texto analisa, através de duas experiências de teatro de intervenção, em
Salvador e no Rio de Janeiro, o poder político de um teatro que se declara
abertamente como teatro, apesar de usar, às vezes, o método da invisibilidade
iniciado por Boal nos anos 70. O teatro de intervenção em trem e ônibus hoje é
uma herança do Teatro do Invisível. Por ter se transformado, será ele tão político
quanto o seu precursor? Qual é a margem de atuação do espectador nessas
novas formas? Qual é a liberdade de discurso das companhias na democracia
brasileira onde se depende dos patrocinadores ou da boa vontade do passageiro?
Palavras chaves : Teatro Invisível, Teatro de Intervenção, Teatro Político,
Espectador
ABSTRACT
This paper analyzes, through two experiments theatre intervention in Salvador and
Rio de Janeiro, the political power of a theatre that is openly declared to the
spectators as theatre, despite using from time to time, the method of invisibility
started by Boal in the seventies. The theater intervention in train and bus today is a
legacy of the Invisible Theatre. Will it be so political as its precursor beside the
changes? What is the range of action of the spectator in these new forms? What is
the freedom of speech of the companies in Brazilian democracy knowing that it
depends on sponsors or goodwill of the passenger?
Key words: Invisible Theatre, Intervention Theatre, Political Theatre, Spectator
1
Christine Douxami é pesquisadora em antropologia das artes no CEAF (EHESS-IRD), professora em artes
teatrais na Université de Franche-Comté (UFC) e está atualmente no Labhoi (UFF)-Niteroi com uma bolsa de
pos-doutorado. Fez o seu doutorado sobre o teatro negro no Brasil. Dirigiu o livro Théâtres Politiques, en
Mouvement (PUFC, 2011). Organizou o colóquio « théâtres politiques » em 2007 na UFC, Besançon, e
« Théâtres politiques en Afrique du Nord au Sud !» em 2012 na EHESS, Paris. Ver: http://www.canal-
http://www.canal-u.tv/video/ehess/1_theatres_politiques_en_afrique_du_nord_au_sud_video.12706
Teatro do Oprimido, em todas suas formas, busca sempre a transformação
da sociedade no sentido de libertação dos oprimidos. E acção em si mesmo, e é
preparação para ações futuras. “Não basta interpretar a realidade: é necessário
transformá-la!”-disse Marx com admirável simplicidade. Essas transformações
podem ser buscadas também em ações ensaiadas, realizadas teatralmente, como
teatro que é, mas de forma não revelada, ao publico ocasional de transeuntes, não
conscientes da sua condição de espectadores. Provoca-se a interpenetração da
ficção na realidade e a da realidade na ficção : todos os presentes podem intervir a
qualquer momento na busca de soluções para os problemas tratados. O
espectáculo invisível pode ser apresentado em qualquer lugar onde sua trama
poderia realmente ocorrer ou teria já ocorrido (na rua ou na praça, no
supermercado ou na feira, na fila do ônibus ou do cinema...). Atores e
espectadores encontram-se no mesmo nível de dialogo e de poder, não existe
antagonismo entre a sala e a cena, existe superposição. Esse é o teatro Invisível.
2
Augusto BOAL (1975) .
2
BOAL, Augusto, Teatro do Oprimido e outras poéticas, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2008, pp.19-
20.
3
SANTOS, Barbara, in http://ctorio.org.br/novosite/arvore-do-to/teatro-invisivel/ consultado no dia
18/09/2013.
personagem feminina estava em perigo. Podemos nos perguntar se o fato de
saber que a violência não foi real mas encenada não pode ter uns aspectos
contra-produtivos politicamente, ou seja : o espectador “relaxa” sabendo que o que
ele viu “só” foi teatro? Depois ele esquece e não age, pois ele sabe que não
aconteceu “de verdade”? Ou pelo contrario viu a reação ou a não-reação dele
nesta situação e promete agir diferente caso ele esteja nesta mesma situação um
dia?
Este texto vai tentar analisar, através de duas experiencias de teatro de
intervenção, em Salvador e no Rio de Janeiro, o poder político de um teatro que
se declara abertamente como teatro, apesar de usar, às vezes, o método da
invisibilidade iniciado por Boal nos anos 70. O teatro de intervenção em trem e
ônibus hoje é uma herança do Teatro do Invisível. Por ter se transformado, será
ele tão político quanto o seu precursor? Qual é a margem de atuação do
espectador nessas novas formas?
1/ O lugar do espectador
A Companhia Teatral Nós atuando para chamar o ônibus onde fará intervenção. Foto Ph.
Degaille
A Companhia Teatral Nós e o espanto da espectadora quando se fala dos 10 maridos. Foto Ph.
Degaille
A Cia Marginal convida o espectador a entrar no espaço intimista das tendas e crítica a
democracia brasileira. Foto Ph. Degaille
A Cia Marginal colocou em cada binóculo uma foto chocante relacionada a historia do pais
e do lugar do índio e do negro. Foto Ph. Degaille
Num segundo momento, vem uma outra critica não velada e bem aberta,
dentro do vagão do trem, uma atriz, negra, pergunta qual é a cor dela. Ela quer
passar além da resposta que a coloca como “morena”, na linguagem politicamente
correta brasileira. E assim em diante a companhia fala da abolição como o dia da
apresentação que vimos era o dia 13 de Maio, denunciam a cirurgia plástica que
acaba sendo usada para parecer mais “branco”...sempre com muitas risadas...
A Companhia Teatral Nós, hoje, procura mais um conteúdo abertamente
político declamando a poesia de autores clássicos como Castro Alves e O Navio
Negreiro, como Mário de Andrade, Cecília Mereilles, se identificando mais com a
poesia do que com o riso para abrir a mente do publico em relação as questões de
discriminação. Mas não deixaram o riso pois continuam ainda na postura de
palhaços com figurinos engraçados, mímicas corporais, sabendo que o riso pode
levar a refletir também de forma profunda sobre a sociedade mesmo que nossa
risada seja, às vezes, amarela... Ou será uma especificidade legada pela cultura
afro o fato de conseguir rir de coisas que poderiam ser vistas, em outros lugares,
como dramáticas6? Se os alto-falantes do trem no espectáculo IN_Transito
proíbem “a entrada de animais”, vamos andar vestidos com pelúcias de ursos
polares para subverter a ordem?
6
Uma antropóloga norte-americana, Donna Goldstein estudou o Brasil e ficou se perguntando sobre o poder
do riso e da gargalhada nas populações afro-brasileiras para minimizar a tragédias. O que seria da gargalhada
para falar das coisas trágicas no teatro? GOLDSTEIN, Donna, Laughter Out of Place: Race, Class, Violence,
and Sexuality in a Rio Shantytown, San Francisco, California Series in Public Anthropology, 2003.
A destruição de casas do bairro Manguinhos vista da Plataforma do trem como parte do
“espectáculo”? O espectador escuta um som dado pela Cia Marginal. Como transformar-se em ator
na vida real? Foto Ph. Degaille
BRECHT E O TEATRO NÔ: A PEÇA TANIKÔ
EGGENSPERGER, Klaus1
NAMEKATA, Márcia Hitomi2
RESUMO
A peça didática de Brecht Der Jasager / Der Neinsager (“Aquele Que Diz Sim /
Aquele Que Diz Não”) apresenta-se como uma adaptação de uma peça do teatro
nô tradicional, Tanikô (“O Ritual do Lançamento no Vale”), datada do século
XIV.Neste trabalho, pretendemos apresentar a peça Tanikô, que traduzimos para o
Português – trata-se da primeira tradução da peça para este idioma –,
comparando-a com a ópera escolar Der Jasagerestabelecendo, assim, uma
relação entre o teatro nô e o teatro épico. Buscamos esclarecer as motivações que
levaram Brecht a escolher essa obra do teatro nô, bem como às diferenças entre
as duas peças, visto que em Tanikô há um contexto religioso transcendental que
não existe em Der Jasager / Der Neinsager, que se direciona para um
questionamento de caráter social.
Palavras-chave: teatro nô; regras sociais; peça didática
ABSTRACT
Brecht’s didactic play Der Jasager / Der Neinsager (“He Said Yes / He Said No”) is
an adaptation of a 14th century traditional noh play, Tanikô (“The Valley Rite”).
In this work we intend to present the play Tanikô, which was translated by us into
Portuguese – it is the first translation of this play into this idiom –, comparing it to
the didactic opera Der Jasager. We make a relation between the noh theatre and
the epic theatre and we try to clarify Brecht’s reasons for choosing this noh play, as
well as the differences between the two plays, because in Tanikô we can observe a
transcendental religious context that doesn’t exist in Der Jasager / Der Neinsager.
1
Professsor doutor da área de Língua e Literatura Alemã do Departamento de Línguas Estrangeiras Modernas
da Universidade Federal do Paraná (UFPR)
2
Professora doutora da área de Línga e Literatura Japonesa do Departamento de Línguas Estrangeiras
Modernas da Universidade Federal do Paraná (UFPR)
Key-words: nôtheatre; social rules; sacrifice; school play
INTRODUÇÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRECHT, Bertolt. Estudos Sobre Teatro. 2.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
2005.
_________. Teatro Completo, vol. 3. 3.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2004.
KEENE, Donald (org.). Twenty Plays of the Nô Theatre. New York: Columbia
University Press, 1970.
SZONDI, Peter (Hg.). Bertolt Brecht: Der Jasager und der Neinsager. Vorlagen,
Fassungen, Materialien. Frankfurt a. M.: Suhrkamp, 1966.
RESUMO
ABSTRACT
The theory and the game with the learning play of Bertolt Brecht became a
fruitful field of study in Brazil thanks mainly to research conducted by Professor
Ingrid Koudela. The application of this practice in communities is expanding such
studies in various locations around the country forming a true "Brazilian
way" approach "corpus" of this snip of the Brechtian piece, in which the aesthetic
education of the subject and the political education of the citizen are inextricably
linked in a single pedagogical process.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARENDT, Hannah. Entre o Passado e o Futuro. Trad. Barbosa, Mauro W. Ed.
Perspectiva, São Paulo, 2011.
BRECHT, Bertolt. “A Exceção e a Regra”, inTeatro Completo Vol. 4. Trad.
CAMPOS, Geir. Ed. Paz e Terra, São Paulo, 1990.
BRECHT, Bertolt. “A Peça Didática de Baden-Baden sobre o Acordo”, inTeatro
Completo Vol.3. Trad. PEIXOTO, Fernando. Ed. Paz e Terra, São Paulo,
2004.
BRECHT, Bertolt. “Os Horácios e os Curiácios”, inTeatro Completo Vol. 5. Trad.
SILVA, Mario da, Fernando. Ed. Paz e Terra, São Paulo, 1991.
GUÉNOUN, Denis. O Teatro é necessário? Trad. SAADI, Fátima. Ed.Perspectiva,
São Paulo, 2004.
KOUDELA, Ingrid D. Brecht: Um jogo de aprendizagem. Ed. Perspectiva, São
Paulo, 2010.
MÜLLER, Heiner. Teatro de Heiner Müller. Trad. PEIXOTO, Fernando, Ed.
Hucitec, São Paulo, 1988.
Parâmetros Curriculares Nacionais – Ensino Médio (PCN). Parte II.
http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/14_24.pdf ,2000.
PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. Ed. Perspectiva, São Paulo, 2003.
SPOLIN, Viola. Improvisação para o teatro. Trad. AMOS, Eduardo, e KOUDELA,
Ingrid D. Ed. Perspectiva, São Paulo, 1979.
PEQUENA ANNE, O FILME: EQUILÍBRIO E TENSÃO
GUBERFAIN, Jane Celeste1
SILVA, Gláucia Santos da Gama2
GUBERFAIN, Paulo3
RESUMO
1
Professora Doutora da Escola de Teatro da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro,
UNIRIO. Possui experiência na área de Atuação para o Teatro com ênfase em metodologias para
o trabalho vocal do ator. Publicações: Voz em Cena v. 1 e 2; A voz e a poesia no espaço cênico.
Diretora do filme Pequena Anne. Memórias do Campo, junto com Gedivan de Albuquerque.
2
Professora Doutora da Escola de Teatro da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.
CLA-UNIRIO. Formação em Artes e Filosofia; artista-plástica; autora de textos para teatro e
cinema. Autora, produtora e diretora de arte de Pequena Anne. Memórias do Campo; Solo Trágico
(teatro.2011); As Noivas (2010); Retrato de Casamento (2010) e A Conversa (2013).
3
Odontólogo, Professor, Diretor do Memorial Judaico de Vassouras, responsável pela pesquisa
dramatúrgica e de orientação aos atores do filme “Pequena Anne. Memórias do Campo”, coautor
do projeto “Teatro e Holocausto”.
público ao "estranhamento” dos fatos, através de um olhar crítico e ativo. Esse
olhar foi possível através de quebras interpretativas, visuais e musicais,
conjugadas pelos atores e técnicos de filmagem. O filme vem sendo apresentado
em Seminários e Espaços Culturais, com debates posteriores e, quando possível,
com a aplicação das técnicas do Teatro-imagem de Augusto Boal nos “espect-
atores”.
ABSTRACT
Our scenic proposal refers to the preparation of actors for the movie "Little
Anne. Memories of The Camps", inspired by the story of Anne Frank, directed by
Jane Celeste Guberfain and Gedivan Albuquerque. Screenwriter Gláucia y Flores
Reyes, who is also the author of the text originally written for the theater, kept its
theatrical language intentionally. By not showing herself as a filmmaker, she felt
quite free to leave a mark of her theatrical scene, specially while emphasizing the
speech of actors (students and theater professionals). First, detailed research was
done into the Holocaust and the socio-political conditions that led to World War II,
considering the course of the events for the Frank Family, confined with their
friends in an attic for two years. The process of construction of characters followed
the methodological premises established by Bertolt Brecht: the quest to register
impressions, doubts and contradictions felt by characters; the plunge of actors into
the process of identification with characters; thirdly, a reflection and a discussion
about the actions of characters and the circumstances they experienced. During
rehearsals, a "social gesture" was sought, which could reflect the sensitive and
emotional processes felt by the characters and marked by a balance of the tension
between experience and demonstration, thus instigating the public to feel some
"strangeness" of the facts with a critical and active view. This view was possible
due to the interpretative, visual and musical interventions made by the actors and
the filming crew. The film has been shown in seminars and cultural centers
followed by debates and, whenever possible, by the application of the theater-
image techniques on the "spectator-actors", as created by Augusto Boal.
INTRODUÇÃO
Do Processo de Criação:
Pequena Anne, o filme4, começa com uma série de pinturas digitais do
mesmo nome, inspirada em Anne Frank e dedicada a todas as vítimas do
Holocausto, mais especialmente, a todas as crianças que morreram nos Campos
de Extermínio e foram vítimas, de algum modo, da guerra e do genocídio. O
Holocausto pertence ao mundo e é o exemplo mais recente, historicamente, da
capacidade de o ser humano ser tão cruel a ponto de atrocidades inimagináveis
4
O filme está catalogado nos arquivos do MUSEU YAD VASHEN, em Jerusalém, Israel. Este
Projeto faz parte da atividade de Extensão da Escola de Teatro da UNIRIO – Universidade Federal
do Estado do Rio de Janeiro, denominada: Presenças Marcantes na Cultura Brasileira: Judeus e
Afrodescendentes. Apoio do Memorial Judaico de Vassouras. (Vassouras. RJ. Brasil)
com outros seres humanos, numa escala gigantesca. Certamente não será
preciso lembrar de épocas posteriores em que o horror dominou um país, um
povo. Por isso, vale lembrar atentados como o de Beslan, as guerras do Vietnam,
da Sérvia, do Líbano, Palestina, Israel e nos países africanos, nos quais tantos
morreram e morrem todos os dias em nome de justificativas sempre injustificáveis
para artistas pacifistas convictos. Mas, infelizmente, quando a causa do ódio se
volta, inclusive, para uma raça, suas convicções religiosas, sua história e origem,
o problema atinge outra dimensão, bem mais complexa e até sutil. Sendo assim,
Anne Frank, tanto no filme quanto na série de pinturas, simboliza toda e qualquer
criança, que tenha sido vitimizada de algum modo a ponto de perder a alegria, a
inocência e, pior, a capacidade maravilhosa de ser apenas criança.
A hipótese que motivou a autora a iniciar a série de pinturas e o texto
dramatúrgico, é que Anne teria enlouquecido de dor diante do que seus olhos, até
então ingênuos, puderam atestar nos Campos de Concentração por onde passou.
A personagem chora em presença de centenas de cadáveres que a cercam e de
uma constante impotência na luta contra o inexplicável horror. Por isso mesmo
teria perdido a noção de realidade ao ser tragada completamente pela ‘massa’
informe de um ódio aniquilador. Ela não teve chance alguma de escapar daqueles
lugares porque, afinal, este foi o modo mais terrível de aprender que os homens,
na maioria, não toleram a “diferença” de ser e que sua ganância não tem limites. O
Poder cega e produz a monstruosidade. Anne se foi com todas as outras crianças,
mas aí está, outra vez, a dizer: Basta!
Construção do Drama e das Personagens:
A opressão é um processo universal, logo, remetemo-nos à belíssima obra
“Teatro do Oprimido”, de Augusto Boal, que, por meio de sua arte, consegue
colocar em pauta temas ‘adormecidos’ que necessitam ser suscitados, não
através da mera exposição, mas de uma problematização capaz de abrir janelas
para soluções humanizadoras. Nisso consiste a transformação do ator de objeto a
agente da transformação social. Trabalhar essa realidade com os atores exigiu um
mergulho no cotidiano das pessoas que viveram o Holocausto. A imersão no texto
dramatúrgico, através da representação, provocou nos atores a necessidade de
ampliar a pesquisa histórica. Em verdade, nem mesmo a autora tinha
conhecimento profundo sobre o tema. Leiam-se suas palavras nesta entrevista
dada à Profª Sofia Levy5
“Depois de pintar, escrever, e roteirizar é que eu fui entrar nas
minúcias, nos dados históricos, mais profundamente, lendo, por
exemplo, o livro Holocausto, de Martin Gilbert, que Paulo Guberfain
usou na preparação dos atores e eu não conhecia; outros que você
6
me deu... Claro que já tinha visto o filme A Lista de Schindler – e
fiquei mexida demais... Mas, só depois de escrever é que fui ler mais
profundamente sobre as fórmulas, os meios, as maneiras de tortura
de como dizimar o outro. O trabalho do artista tem muito de intuição.”
Há que notar o fato de que, segundo Brecht, a razão não anula nem impede
a emoção e é necessária para que se alcance o ponto culminante da encenação
sem resvalar para o sentimentalismo banal e uma “catarse” tal como a entendia
Aristóteles. A Razão e a emoção conjugadas, no trabalho de construção do drama
e da personagem, ativam a consciência do ator em relação ao próprio trabalho,
7
diga-se, ao seu corpo e juízo. Como observa a autora nesta passagem
5
LEVY, Sofia Débora & REYES, Gláucia Flores. “Criar e Ser. Vivências com Anne Frank e o
judaísmo. Sofia Débora Levy entrevista Gláucia Flores y Reyes”. Trabalho apresentado no VI
Encontro Brasileiro de Estudos Judaicos – “Judaísmo: fronteiras culturais em movimento”. UERJ,
Rio de Janeiro, 2012. No prelo.
6
LEVY, Sofia D. (Org.). Sobre Viver - oito relatos antes, durante e depois do Holocausto por
homens e mulheres acolhidos no Brasil. Rio de Janeiro: Relume Dumará/Ediouro, 2006; WARTH,
Abraham & LEVY, Sofia D. Atrás das minhas pegadas - memórias de um sobrevivente do
Holocausto. Rio de Janeiro: Garamond, 2006.
7
LEVY, Sofia Débora & REYES, Gláucia Flores. “Criar e Ser. Vivências com Anne Frank e o
judaísmo. Sofia Débora Levy entrevista Gláucia Flores y Reyes”. Trabalho apresentado no VI
Encontro Brasileiro de Estudos Judaicos – “Judaísmo: fronteiras culturais em movimento”. UERJ,
Rio de Janeiro, 2012. No prelo.
Leituras de textos com relatos dessas circunstâncias produziram o impacto
necessário para a construção dramatúrgica. Documentos e um formidável acervo
de imagens permitiram que a pesquisa dramatúrgica fosse feita de forma eficaz e
contundente. Por paradoxal que possa ser – além da documentação produzida
pelos sobreviventes, que conseguiram resistir ao genocídio, e pelos não-
sobreviventes, como Anne, também os algozes produziram material exuberante.
Aquilo que hoje se constitui como vergonha inominável para a humanidade, à
época se tornou uma prova irrefutável da eficiência de uma máquina genocida que
precisava exibir-se doentiamente para honrar aos que a mantinham.
Para bem compreender, Brecht assegura que as emoções, sim, a despeito
dessa racionalidade ‘necessária’, como dito anteriormente, continuam sendo
estimuladas e tanto o ator quanto o espectador são provocados, ao vivenciar o
drama através de “saltos” e impactos intensos por meio das ações que se
seguem durante o drama. Assim como nos conta a autora, a respeito do primeiro
ensaio
“Lembro do primeiro dia de ensaio. Foi um dia fortíssimo. A gente
começou trabalhando duro. Era uma cena de fome - a
Fonoaudióloga e Diretora do elenco Jane Celeste Guberfain fez um
trabalho maravilhoso com eles, de experimentação do que é ter
fome. O ator faz esse ‘laboratório’. Ele tem que trabalhar, sentir tudo
isso. Ele tem que sofrer essa dor. A experiência, então, era sentir
fome. E o ator usa dos seus recursos, da sua própria memória. Isso
é um típico trabalho de ator. É uma técnica, inclusive: ‘que memória
eu vou puxar para eu poder passar este sentimento de que estou
com fome e não como há dias?’ Uma das atrizes, a Renata,
começou a chorar. Ela tem uma filha belíssima, de uns 5 anos. E ela
[me] disse: “Para eu puxar a emoção, eu imaginei a minha filha
faminta e eu sem poder fazer nada”. Com isso, ela [atriz] teve um
8
impacto. Ela viveu aquilo intensamente.” (grifo nosso)
8
Ibid.
do Holocausto. Na verdade, eu mesma fui pesquisar mais sobre o
9
Holocausto depois de escrever.” (grifo nosso)
9
Ibid.
10
Material cedido pelo Museu Yad Vashem (Jerusalém, Israel).
11
Conceito de Augusto Boal
palavras e estas se transformem em representações concretas.
Usando movimentos intermitentes ou em câmera lenta, os “espect-
atores” tentarão pensar como o personagem e não como eles
próprios.
Cabe ressaltar que, diferentemente da proposta original de Boal, os temas
brotam do rico material selecionado a partir de um critério em que prevalece o
impacto dramático de uma imagem capaz de suscitar uma manifestação
concreta também impactante. Leia-se a este respeito
12
LEVY, Sofia Débora & REYES, Gláucia Flores. “Criar e Ser. Vivências com Anne Frank e o
judaísmo. Sofia Débora Levy entrevista Gláucia Flores y Reyes”. Trabalho apresentado no
VI Encontro Brasileiro de Estudos Judaicos – “Judaísmo: fronteiras culturais em movimento”.
UERJ, Rio de Janeiro, 2012. No prelo.
13
N.B.: Na primeira fase do contato com o tema, os atores realmente “mergulharam” nas situações,
porque ficaram muito impactados e mobilizados com as situações dramáticas. Ao final dos
exercícios fazíamos uma reflexão com um espírito crítico sobre os fatos do Holocausto. Em fases
posteriores os atores já conseguiam “viver seus personagens”, sem perder em nenhum momento
a consciência do que estavam fazendo. Podemos ilustrar esse fato quando os atores expressam o
sentimento da cena com o corpo, mas narram os acontecimentos com a voz.
Utilizamos o texto “O Espião”, de Bertold Brecht (1898-1956).
Inicialmente o espetáculo é representado de forma convencional,
cujas cenas devem conter o conflito e a opressão que se deseja
resolver e combater.
Pergunta-se, em seguida, se os “espect-atores” estão de acordo com
as soluções propostas. Informa-se ao público que o espetáculo será
refeito, caso assim seja decidido. Aí se estabelece o jogo-luta, em
que os atores tentarão refazer o espetáculo como antes e no esforço
dos espectadores para modificá-lo, apresentando sempre novas
soluções e alternativas. É preciso criar certa tensão nos “espect-
atores”. Se ninguém mudar o mundo, ele ficará como está, e se
ninguém mudar a peça, ela também ficará como é.
Aos espectadores é informado que é preciso tomar o lugar do
protagonista quando ele estiver cometendo um erro. O “espect-ator”
deve se aproximar da cena e gritar: “Pára!”. Os atores deverão
imediatamente congelar a cena e o “espect-ator” deve dizer de onde
quer que a cena seja recomeçada, sendo ele o protagonista.
O ator substituído não ficará totalmente fora do jogo, devendo
permanecer como um tipo ego auxiliar, para desencorajar o “espect-
ator” e corrigi-lo caso ele se engane em algo essencial.
A partir do momento em que o “espect-ator” toma o lugar do
protagonista e propõe uma nova solução, todos os outros atores se
transformam em agentes de opressão. Se o “espect-ator” renuncia
ou esgota as ações que tinha planejado, sai do jogo; o ator
protagonista retomará o seu papel.
O diálogo é implementado, sem barreira alguma entre palco e
platéia. Leva-se o participante a vivenciar situações análogas às da
peça “O Espião”, para que se compreenda, na prática, o drama que
aquele momento representou, identificando cada personagem com o
opressor e/ ou oprimido. Esses personagens entram em conflito ao
defender seus desejos e interesses. O “curinga” (o facilitador do
Teatro do Oprimido) entra em cena para estimular o público a
encontrar novas solucões e substituir algum ator para colocar em
prática sua proposta de mudança.
Ao final os atores são convidados a apresentar verbalmente sua
opinião sobre a atividade, sobretudo quanto a possíveis modificações
em sua forma de pensar.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Anne Frank tornou-se um símbolo das minorias oprimidas, num mundo
repleto de violência e cerceamento das liberdades individuais, mas também
síntese do otimismo e da vontade de viver, um ícone do humanismo e da defesa
dos princípios democráticos. Seu diário foi interpretado como mensagem de
coragem e esperança. Seus pensamentos tornaram-se palavras proverbiais, num
pano de fundo político, econômico e social que gerou a monstruosidade genocida.
Reviver Anne Frank é missão redentora para quem a pratica. Entendemos que
revelar quem foi esta adolescente e todo o seu drama, constrói uma lição do
quanto a tolerância e a compreensão são indispensáveis às práticas de
convivência e respeito mútuo. É um dever para com as próximas gerações.
Portanto, todo o nosso trabalho foi específico e impactante, a ponto de fazer com
que os atores, através da experiência adquirida durante as gravações de
“Pequena Anne” e o aprofundamento no tema, tivessem a inestimável
oportunidade de refletir e avaliar mais agudamente a questão ao confrontar esse
novo aprendizado com sua anterior – e superficial - referência sobre o Holocausto.
Observamos também que o filme tem se mostrado um excelente recurso
pedagógico na abordagem do assunto, já que vem provocando, nos espectadores
em geral, uma mudança em sua visão sobre o tema. O minucioso trabalho de
investigação realizado para construir nossa obra permitiu que os atores pudessem
se envolver visceralmente no contexto trágico das vítimas do Holocausto. Pra não
dizer do mais organizado processo de escamoteação dos mínimos direitos de
cidadania. Eis aí a distância entre interpretar até as entranhas e meramente
representar. Nesse sentido o trabalho de conscientização do grupo de atores foi
imprescindível e determinante para o bom resultado de nosso trabalho.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOAL, Augusto. Teatro do oprimido e outras poéticas políticas. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1988.
_______. Jogos para atores e não atores. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2002.
BORNHEIM, Gerd. Brecht: a estética do teatro. São Paulo: Edições Graal, 1992.
BRECHT, Bertolt. Estudos sobre teatro. Trad. Fiama Pais Brandão. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1978.
FRANK, Anne. Eine Dokumentation ihres Lebens und ihrer Zeit. Ravensburger
Buchverlag. Deutschland. 2002.
BARTOLETTI, Susan Campbell – Juventude Hitlerista. A história dos meninos e
meninas nazistas e a dos que resistiram. Relume Dumará. RJ. 2006.
FRANK, Anne. Tagebuch. Fischer Taschenbuch Verlag. Frankfurt am Main. 2011
GILBERT, M. História dos Judeus na Europa na Segunda Guerra Mundial. Trad.
Samuel Feldberg, Nancy Rozenchan; notas de Sonia Bidutte. São Paulo: Editora
Hucitec, 2010.
LEVY, Sofia D. (Org.). Sobre Viver - oito relatos antes, durante e depois do
Holocausto por homens e mulheres acolhidos no Brasil. Rio de Janeiro: Relume
Dumará/Ediouro, 2006;
PROSE, Francine – Anne Frank. A história do diário que comoveu o mundo.
Zahar . RJ. 2010.
WARTH, Abraham & LEVY, Sofia D. Atrás das minhas pegadas - memórias de um
sobrevivente do Holocausto. Rio de Janeiro: Garamond, 2006.
UNA MIRADA AL PERÚ: TEATRO DOCUMENTAL CONTEMPORÁNEO
RESUMEN
Este artículo busca presentar cuatro obras teatrales que utilizan elementos
documentales, que fueron creadas en la ciudad de Lima entre 2009 y 2012, y que
presentan un diálogo directo con el entorno social y político del Perú. Las obras
son: PROYECTO EMPLEADAS (2009), obra creada a partir de entrevistas sobre
las trabajadoras del hogar dirigida por Rodrigo Benza; P.A.T.R.IA (2011) obra que
presenta performances individuales sobre el Perú y su situación política, dirigida
por Paloma Carpio; CRIADERO (2011) que parte de las experiencias de las tres
actrices sobre la maternidad, haciendo un paralelo con la situación del país,
dirigida por Mariana de Althaus; y Proyecto 1980/2000 (2012) sobre la vida de
cinco jóvenes que crecieron durante la época de la violencia política y cruzan sus
historias de vida durante esas dos décadas, dirigida por Sebastián Rubio y Claudia
Tangoa. Estas cuatro obras fueron creadas colectivamente; sus directores eran
niños o adolescentes durante la década de los 80s, en la cual el país vivía un
conflicto armado interno y una fuerte crisis económica. En ellas se combinan
distintos lenguajes artísticos, y se utilizan el documento y el testimonio de los
propios actores y actrices para expresar distintos aspectos de la sociedad
peruana.
1
Rodrigo Benza Guerra é director, profesor e investigador peruano. Es magíster en teatro por la
Universidade do Estado de Santa Catarina. Su trabajo artístico busca generar un diálogo social a
través de la práctica teatral. Entre sus experiencias más importantes, además de la creación de
Proyecto Empleadas, se encuentran tres proyectos de teatro intercultural realizados en la
Amazonía peruana con jóvenes mestizos e indígenas.
www.rodrigobenza.blogspot.com
This paper aims to present four theatre performances that use documentary
elements, that were created in Lima between 2009 and 2012, and that present a
direct dialog with Peruvian social and political context.. These performances are:
proyectoEMPLEADAS (2009) based on interviews about maids, directed by
Rodrigo Benza; P.A.T.R.IA (2011) which presents individual performances about
Peru and its political situation; Criadero (2011), created based on the three
actresses’ experiences as mothers, returning to be children, making a parallel with
the country’s situation, directed by Mariana de Althaus; and Proyecto 1980/2000
(2012) about five young people’s lives who grew up during political violence’s
period, crossing their life’s stories along those two decades, directed by Sebastián
Rubio and Claudia Tangoa. These four performances were collectively created and
their directors were children or teenagers during the 80s, when the country was
going thru an internal armed conflict and a severe economic crisis. The
performances also combine different artistic languages, and use documents and
testimonies from the actors and actresses to express different aspects of Peruvian
society.
El teatro es un arte que dialoga directamente con su entorno social. Tal vez
el extremo de esta característica se encuentre en el teatro documental que, en
líneas generales, es aquel teatro que es creado a partir de documentos o fuentes
reales tales como “testimonios recogidos en entrevistas directas, transcripciones
de juicios, informes policiales…”2. Para Patrice Pavis este teatro utiliza
“documentos y fuentes auténticas, seleccionadas y ‘montadas’ en función de la
tesis sociopolítica del dramaturgo”3. Busca, por lo tanto, colocar en el espacio
tradicionalmente ficcional de la escena textos e imágenes del mundo real,
2
FERNÁNDEZ MORALES, M. ¿Hacia dónde va el teatro documental? Dos ejemplos y su valor en
el contexto Norteamericano. Entemu. N°14, 2002. p. 3. En línea: http://www.uned.es/ca-
gijon/web/actividad/publica/entemu02/a2.pdf Acceso en: 20 de jul de 2012.
3
PAVIS, Patrice. Diccionário de teatro; tradução para a língua portuguesa sob a direção de J.
Guinsburg e Maria Lúcia Pereira. 3 ed. – São Paulo: Perspectiva, 2008. p. 387.
“verdadero”, cotidiano, procurando desarrollar un tema que pueda tener un
repercusión en la sociedad. Este tipo de teatro, por lo tanto, no solo parte de la
realidad, sino que busca llevar esa realidad a la escena generando nuevas
lecturas de la misma.
4
Todas las obras continúan presentándose en pequeñas temporadas y festivales.
Presenta, principalmente, una serie de performances individuales en las que se
combinan testimonios de los actores/performers con escenas que presentan
distintos aspectos de la realidad política del Perú. Paloma Carpio, directora de la
obra, explica que esta se desarrolla
Presenta el testimonio de tres madres – que son las actrices – sobre su propia
crianza y sobre cómo ellas crían a sus hijos. Estas historias parten de la
maternidad y son constantemente contextualizadas en la coyuntura sociopolítica
del país, abordando temas sociales como terrorismo, migración, abandono infantil
y violencia.
“Cinco jóvenes que crecieron durante el período del conflicto armado interno en el
Perú se reúnen alrededor de una mesa para compartir hechos de su vida. Cinco
hijos de personas directamente involucradas en diversos eventos políticos
ocurridos en esta época cruzan sus biografías mediante fotos, recuerdos y videos
para acercarse a la realidad que les tocó afrontar desde diferentes aristas. ¿Hasta
qué punto se es “hijo de”? ¿De qué manera una experiencia personal se convierte
en la historia del país? ¿Cuántas versiones existen sobre un mismo hecho?”6.
5
CARPIO, Paloma. Entrevista realizada por Rodrigo Benza en Lima en enero de 2013.
6
Texto tomado de la descripción de la página de Facebook del Proyecto:
https://www.facebook.com/Proyecto19802000/info. Acceso en 25 de jul de 2013.
colectiva, PROYECTO 1980/2000 como un proyecto escénico interdisciplinario y
CRIADERO como teatro testimonial. No es mi intención forzar el encuadre de
estas obras en la definición de teatro documental, sin embargo resulta claro que
tienen una serie de puntos en común tanto entre ellas como con el teatro
documental cuyas características principales brindan herramientas interesantes
para realizar este análisis.
Un punto en común en estas cuatro obras es que fueron creadas y dirigidas por
personas que vivieron su infancia y adolescencia en los años 80s y 90s, décadas
muy agitadas en primer lugar por un conflicto armado interno y, en segundo, por
una serie de eventos como el autogolpe de estado que realizó Alberto Fujimori el 5
de abril de 1992, y por casos de corrupción y de crímenes de lesa humanidad,
entre otros. En el 2000, salieron a la luz los crímenes de Fujimori y su asesor de
inteligencia, Vladimiro Montesinos. Hoy ambos están presos.
Testimonios
Estructura no dramática
Según Pavis, una de las características del teatro documental es que, “en lugar de
la fábula o la ficción, se encuentra la instalación de materiales ordenados de
7
Apud SILVA, Heloisa da. Narrativas pessoais: possibilidades de confrontos com o real na cena.
Dissertação de mestrado. UDESC, 2012. p. 49.
acuerdo con su valor contrastivo o explicativo”8. Siguiendo esa línea, ninguna de
las cuatro obras analizadas presenta una estructura dramática ni busca contar una
historia. Existe una necesidad de valorizar voces diferentes para lo cual, narrar
una sola historia, o un “cuentito”, no era ni necesario ni suficiente. El hilo
conductor de las obras es temático (trabajadora del hogar; el Perú, sus
gobernantes y el proceso electoral; la maternidad; la historia reciente del país y el
papel de los jóvenes en la coyuntura actual) y podría decirse que las obras están
constituidas básicamente por monólogos, a pesar de que existen escenas
dialogadas o coreografiadas.
Fotos y Videos
Según Gerda Poshmann, a inicios del siglo XX se da una reinvención del teatro
cuyo cambio principal estaría en la inclusión del público10. Se da entonces una
“reorganización entre el escenario y la platea (la comunicación teatral externa)” 11.
En ese sentido, en el teatro contemporáneo, mientras el diálogo sobre el escenario
pierde importancia, comienza a enfatizarse el diálogo entre el escenario y la
platea12. Los actores y actrices de las obras analizadas se dirigen casi todo el
tiempo directamente hacia el público estableciendo una complicidad y una
inclusión del público en la acción, haciéndolo al mismo tiempo que voyerista de los
testimonios presentados, protagonista de estas historias personales y sociales.
De lo personal a lo social
10
POSCHMANN, G. O texto teatral e o teatro fundamentado no texto. Traducción al portugués:
Stephan Baumgärtel. Professor Adjunto PPGT/UDESC. Título original: de Der nicht mehr
dramatische Theatertext. Aktuelle Bühnenstücke und ihre dramaturgische Analyse. Tübingen:
Niemeyer, 1997. O texto forma o capítulo 2.1 do livro. p. 7. (Traducción mía).
11
FISCHER LICHTE apud POSCHMANN, op. cit. p. 7
12
LEHMANN, H. From Logos to Landscape: Text in Contemporary Dramaturgy. Performance
Research 2(1), p.55-60, Routledge. 1997. p. 58.
Sentía la necesidad de ligar algunas de las anécdotas que ellas contaban
con eventos políticos o sociales del país y con datos de la realidad para
que no quedara solo en anécdotas personales, sino que el público fuera
capaz de enmarcar esa anécdota, esa vivencia en un ámbito más amplio
13
y que lo involucrara .
El público
Las cuatro obras fueron exitosas tanto a nivel de público como de la crítica
informal15, y en las cuatro obras hubo la asistencia de público que habitualmente
no asiste al teatro. Según Mariana de Althaus, directora y escritora de CRIADERO,
esto podría deberse a que el testimonio habla directamente a las personas y saca
de la obra de teatro el carácter “culturoso” o “intelectual” que a veces se le quiere
atribuir16. Sobre este tema, para el investigador brasilero Marcelo Soler, la
percepción del público de una obra de teatro documental es diferente a la que se
da con obras de ficción. El hecho de que el público sepa que lo que está
asistiendo son hechos y testimonios reales, influencia directamente en la
percepción de la obra17.
13
ALTHAUS, Mariana. Entrevista concedida a Rodrigo Benza en Lima en enero de 2013.
14
SARRAZAC, J. Reparto de voces. Las puertas del drama. N°40, 2011. p. 25. En línea:
http://www.aat.es/pdfs/drama40.pdf Acceso en: 30 de jul de 2012.
15
En Perú no existe una crítica teatral seria.
16
ALTHAUS, Mariana de. op. cit.
17
SOLER, Marcelo. Teatro documentário: a pedagogia da não ficção. Hucitec: São Paulo,
2010.
p. 50
Los temas de las cuatro obras afectaban directamente al público a distintos
niveles, y el público se “enganchaba” con el hecho de saber que lo que estaba
viendo era “verdad” o “real”. Esto genera tanto distancia como identificación. El
hecho de que las historias se presenten en el contexto teatral hace que el
espectador pueda relativizarlas y generar nuevas interpretaciones. Como dice
Paloma Carpio, directora de P.A.T.R.I.A, “mirar la realidad en un contexto
supuestamente ficticio o en una realidad alterna como es el teatro, te obliga a
mirarla con otro juicio”18. Al mismo tiempo, el público se identifica con estos
discursos de personas reales porque saben que su propia historia también podría
estar en ese escenario.
Cada una de las obras tiene también particularidades que vale la pena destacar.
18
CARPIO, Paloma. Op. cit.
transforma en un texto que es interpretado, generalmente, por los
19
mismos performers que recogieron el material en primera instancia .
19
ROBINSON, R. apud PAGET, Derek. ‘Verbatim Theatre’: Oral History and Documentary
Techniques. New Theatre Quarterly, Vol. 3. 1987. p. 317. En línea:
http://dx.doi.org/10.1017/S0266464X00002463 Acceso en: 30 de jul de 2012.
testimonios de las actrices y otros testimonios de mujeres reales que aparecen en
video proyectado mientras entra el público y en una especie de intermedio de la
obra. Los hombres logramos entender mejor a nuestras madres y esposas, y
también explorar nuestra propia maternidad.
20
Los Vladivideos son vídeos en los que se ve a Vladimiro Montesinos sobornando congresistas,
dueños de medios de comunicación, etc.
21
El grupo Colina fue creado en la época de Fujimori y Montesinos. Se le atribuyen, entre otros, las
matanzas de Barrios Altos y La Cantuta, en los que se asesinaron a civiles en una fiesta, y a
estudiantes y un profesor, respectivamente.
perversos y crear un clima de reality, queríamos que se conozcan por
quiénes eran. Entonces, cuando ya se dijeron ‘yo soy el hijo de tal, yo soy
22
el hijo de tal’, ya eran casi amigos .
22
RUBIO, Sebastián; TANGOA, Claudia. Entrevista realizada por Rodrigo Benza en Lima en enero
de 2013.
23
Ibid.
24
BRAVO-ELIZONDO, Pedro. op. cit. p. 208.
mejor de los casos, intentemos superarlos. Es un teatro creado de forma colectiva
por artistas que crecieron en la guerra y el conflicto y que están hartos de él. Es un
teatro profundamente político que no busca educar o concientizar, sino que busca
dialogar y encontrar alternativas de convivencia. Busca evidenciar las
contradicciones de la sociedad para que a partir de la presentación de la realidad
en la escena, puedan comenzar a construirse relaciones más justas y verdaderas.
REFERENCIAS
SARRAZAC, J. Reparto de voces. Las puertas del drama. N°40, 2011. En línea:
http://www.aat.es/pdfs/drama40.pdf Acceso en: 30 de jul de 2012.
“BRECHTIANAS”, O CÓMO GENERAR UNA PERFORMANCE
TRANSDISCIPLINARIA EN EL ÁMBITO DE UNA COMUNIDAD
UNIVERSITARIA.
GUILLOT, Liliana1
GALLO, Cristina2
REDONDO, Gabriela3
ABSTRACT
1
Universidad Nacional de Villa María – lilianaguillot@hotmail.com
2
Magister en Interpretación de la Música Latinoamericana de los siglos XX y XXI por la
Universidad Nacional de Cuyo. Es docente en la Licenciatura en Composición Musical con
Orientación en Música Popular de la Universidad Nacional de Villa María desde 1997, allí se
desempeña como Profesor Asociado en las cátedras de Práctica Coral y Dirección Coral y es
directora del coro institucional. Co-dirige el Programa de Creación Artística Contemporánea de la
UNVM. Es investigadora en el área de interpretación y performance. Universidad Nacional de Villa
María – cgcristinagallo@gmail.com
3
Universidad Nacional de Villa María – garedondo@hotmail.com
Messer”, adoptando para cada estrofa diferentes ritmos populares
latinoamericanos, como el bolero, la milonga y la cumbia; y recreando el texto con
poemas originales de Bertolt Brecht.
A través de este ejercicio, los estamentos artísticos de la UNVM estamos
intentando conseguir un suceso de construcción quizá poco explorado dada su
multiplicidad y diversidad, que participe de privilegios intergenéricos,
quebrantando las barreras perimetrales específicas de cada área de producción
significante, con el interés puesto en explorar diversas posibilidades de recreación.
Palabras clave: transdisciplinariedad – co-dirección - Brecht
INTRODUCCIÓN
Cuando, a finales del 2012, pensamos el abstract de nuestra ponencia para el “14º
Simpósio da Sociedade Internacional Brechtiana”, hacía pocas semanas que
habíamos presentado la perfomance “brechtianas” en el marco del Acto de
Apertura del Segundo Simposio Internacional "Enseñanza para la Comprensión en
la Educación Superior”, organizado por nuestra Universidad Nacional de Villa
María, Argentina. Tal como se menciona en el resumen, el eje temático que
desarrollaba dicha performance había sido el tema del hambre y la situación de los
desposeídos, para lo cuál tomábamos como punto de partida la melodía original
“Die moritat von Mackie Messer” de Weill, adoptando para cada estrofa diferentes
ritmos populares latinoamericanos, como el bolero, la milonga y la cumbia; y
recreando los textos con poemas originales de Bertolt Brecht.
A comienzos del 2013, puestas ya en la tarea de avanzar un paso más hacia los
objetivos de nuestro trabajo de investigación, denominado “Reformulación
transdisciplinaria del efecto de distanciamiento en la ópera de tres centavos de
Bertolt Brecht y Kurt Weill”, donde nos propusimos analizar cómo abordar, desde
la transdisciplina, la complejidad de la “Ópera de Tres Centavos”, trabajando en la
búsqueda de principios comunes a las cuatro disciplinas (teatro, danza, música y
cine), y sus múltiples posibles combinaciones; con base en una actitud de
apertura, entendimiento y respeto, revisando los ‘efectos’ producidos por cada una
de ellas; en aras de generar una creación cuyo relato y lenguaje resulte en una
síntesis superadora de los discursos individuales, decidimos no sólo ‘trabajar’ la
obra de Brecht y Weill desde nuestra realidad contemporánea, si no también re-
escribir las canciones de la perfomance utilizando dos elementos que
identificamos como propios: los ritmos musicales argentinos, y una poesía de
características sociales crítica, que realiza permanentes alusiones a la jerga propia
de los universitarios; porque en nuestro proyecto de investigación, actualmente en
curso, estamos firmemente convencidas de las palabras de Eisner “A diferencia de
tantos otros tipos de actividades humanas, la experiencia que constituye el Arte no
empieza cuando ha acabado la indagación; no es algo que se encuentra al final de
un trayecto, es parte del propio trayecto”4.
4
EISNER, Elliot. 1998. Educar la visión artística, Barcelona, España. Editorial Paidós, 1998. p255
mediocridad, siguen una serie de ritmos que, si bien hoy consumen variados
grupos sociales, culturales y económicos, en principio, están asociados a la
pobreza, a los espacios donde reinan el hacinamiento y la delincuencia. Hablamos
por ejemplo del cuarteto y de la cumbia santafesina, ritmos que en sus primeras
etapas históricas fueron identitarios de las provincias de Córdoba y Santa Fe
respectivamente, pero que a unas décadas de permanencia se difundieron por
todo el territorio nacional. Según las categorías que propone Waisman, el
“Cuarteto de las amenazas” incluido en la perfomance que estamos trabajando al
día de hoy, es un clásico que presentamos interpretado en una formación
tradicionalista, sosteniendo la contundente labor del cantante solista por sobre una
base de piano eléctrico, bajo eléctrico y batería. Así, “en términos político-sociales,
podría identificarse con una ideología de democracia restringida e individualismo
pequeño-burgués”5. Esto en total concordancia con el liderazgo que en la villa
ejerce la cantante/líder sobre los músicos que la “acompañan” musicalmente en
esta obra, donde el personaje principal muestra su poder amenazando a todo
aquel que no se someta a su propuesta de miseria, dominación y desgracia. El
elemento claramente innovador para ese formato de grupo musical en el cuarteto
es que la voz solista es femenina, rol históricamente dado a los hombres con
escasas excepciones, y los coros en el estribillo, que cantan al unísono con la voz
líder, son una voz femenina y otra masculina. Con respecto a la participación de
las mujeres en grupos de cuarteto, como instrumentistas o como cantantes,
Gustavo Blázquez realiza un pormenorizado análisis de las razones.
En el “mundo de los cuartetos”, el repudio de la mujer artista que “ni en
joda” podría participar en una orquesta es algo más que una expresión de
machismo. De acuerdo con nuestra hipótesis, este “ni en broma” es la
forma que adquiere ese repudio de lo femenino y entonces, otra de las
formas a través de las cuales se (re) construye en el baile la matriz
6
heterosexual.
5
WAISMAN, Leonardo. 1993. “Tradición e innovación en el cuarteto cordobés”. En Actas de las VIII
Jornadas Nacionales de Musicología. Buenos Aires, 1993. p 127.
6
BLÁZQUEZ, Gustavo. 2009. “Músicos mujeres y algo para tomar. Los mundo de los cuartetos en
Córdoba”. Córdoba. Recovecos, 2009. p 169
No sucede lo mismo con la bailanta de Buenos Aires, también diseminada por
otras ciudades, que tuvo a mujeres como principales artistas: la bomba tucumana,
la Tetamanty, Gladys, y ahora Karina principalmente.
En nuestra performance se presentan dos finales a nivel argumental; en el
primero, el consumismo extremo, la dominación mafiosa, y la presión grupal,
consiguen torcer, finalmente, la voluntad del hombre con el que Macarena se ha
encaprichado. En el segundo final en cambio, respetando el criterio original de la
“Opera de Tres Centavos” de Brecht, triunfa la acción cooperativa de todos los
habitantes de la villa, que se unen para salir adelante, salvar su trabajo, y ser
finalmente “felices y comer perdices”. Para este segundo final hemos optado por la
música beat que en los ’70 se popularizó desde el programa televisivo
denominado “El club del clan” con referentes como Palito Ortega. Melodías muy
simples, cantadas con una amplia sonrisa en la boca, y textos que hablaban de la
felicidad y el amor como si fueran cosas extremadamente fáciles de conseguir y
sostener.
Es allí donde figuras como Palito Ortega, sirven como herramienta para
distraer al pueblo, para vender una realidad ficticia en donde la tragedia
no existe, donde todo el mundo es feliz cantando y bailando por los
7
bosques de Palermo.
7
VÁSQUEZ TRIANA, Carolina. El uso de la figura pública para la creación de ideologías sociales
revolucionarias o de entretenimiento y conformidad. En Creación y Producción en Diseño y
Comunicación Nº24. Ensayos sobre la Imagen. Edición V Trabajos de estudiantes de la Facultad
de Diseño y Comunicación. Año VI, Vol. 24. Argentina, 2009. p. 102
además está, principalmente, dirigido al público universitario, tanto de nuestra
casa, como de otras universidades argentinas, con quienes, indudablemente,
compartimos dicho lenguaje, y que esperamos sepan tomar con alegría y buen
humor la decisión adoptada en la construcción de los textos.
El día después
El trabajo transdisciplinario de creación artística que estamos realizando desde
hace casi dos años, en nuestra Universidad, experiencia inédita para nuestra Casa
de estudios, ha permitido no sólo fomentar el crecimiento personal y pedagógico, a
través de la integración de espacios académicos que, hasta ahora, se movían de
manera independiente e inconexa, si no también inaugurar un espacio de
investigación y producción artística integrada, que ya ha dado sus primeros frutos
en la creación del PROCAC (Programa de Creación Artística Contemporánea),
destinado a alumnos, egresados y docentes. Programa que se enriquece, día a
día, con la incorporación de nuevos miembros, docentes y alumnos, que solicitan
integrarse a la experiencia convencidos de que la metodología de trabajo
implementada está contribuyendo a potenciar las relaciones entre la investigación,
la docencia y la creación, a través del estímulo y la formación de sus miembros
para el ejercicio de una ciudadanía solidaria y responsable, propiciando la libertad
de pensamiento, la participación, la innovación y el espíritu crítico.
BIBLIOGRAFÍAS
BLÁZQUEZ, Gustavo. 2009. “Músicos mujeres y algo para tomar. Los mundo de
los cuartetos en Córdoba”. Córdoba. Recovecos.
EISNER, Elliot. 1998. “Educar la visión artística”, Barcelona, España. Editorial
Paidós.
FRIGERIO, Graciela. 1994. “De Aquí y de allá. Textos sobre la institución
educativa y su dirección”. Buenos Aires. Kapelusz.
NACHMANOVICHT, Stephen. 2004. “Free play. La improvisación en la vida y en el
arte”. Barcelona, España. Editorial Paidós.
VÁSQUEZ TRIANA, Carolina. 2009. “El uso de la figura pública para la creación
de ideologías sociales revolucionarias o de entretenimiento y conformidad”. En:
Creación y Producción en Diseño y Comunicación,[Trabajos de estudiantes y
egresados] Facultad de Diseño y Comunicación. Universidad de Palermo, Buenos
Aires, pp 101-104.
WAISMAN, Leonardo. 1993. “Tradición e innovación en el cuarteto cordobés”. En
Actas de las VIII Jornadas Nacionales de Musicología. Buenos Aires.
ESCAPING BRECHT? PERFORMING MAHAGONNY: LA FURA DELS BAUS,
TEATRO REAL, MADRID (2010)
GUSE, Anette1
ABSTRACT
Brecht and Weill’s Rise and Fall of the City of Mahagonny has enjoyed increased
popularity in recent years and has inspired innovative directorial approaches to its
staging. Successful productions such as La Fura dels Baus’ at the Teatro Real
(2010), Andreas Homoki’s at the Komische Oper (2006), Benedikt von Peters’ at
the Theater Bremen (2012), and Calixto Bieito’s at the Vlaamse Opera (2011) all
relate the themes of this opera to our present time in creative ways. This paper
examines the links between audience research, director’s theatre, post-dramatic
theatre, actual stagings, and the performing text to demonstrate how these recent
productions are significantly shaped by the director’s stylistic and philosophical
preferences: La Fura dels Baus stresses physicality and dramatic energy, whereas
Homoki emphasizes understatement and minimalism. Von Peters’ concept
highlights the theatrical experience and Bieito’s approach is motivated by the
desire to unsettle the audience. While Brecht’s epic theatre aesthetics become a
decreasing concern for most of these directors, Brecht’s critique of society and the
desire to render the topicality of the opera is a common denominator in all of these
productions. A broader understanding of how Brecht’s notions of theatre transpire
today is necessary to understand recent developments in this opera’s twenty-first-
century stagings.
1
Anette Guse (Ph.D., Queen’s University, Kingston, Canada) is Associate Professor of German at
the University of New Brunswick in Fredericton, Canada. She researches music and dance theatre,
German cinema, and language pedagogy, and has published on the Baroque Hamburg Opera,
Pina Bausch, Fatih Akin, and the medium of film in teaching German. Her current research deals
with stagings of Brech and Weill’s opera Mahagonny.
Verfremdungseffekte--audience research--theatrical event--acting in opera--La
Fura del Baus--Measha Brueggergosmann-Pablo Heras Casado--Andreas
Homoki--Komische Oper--Benedikt von Peters--Theater Bremen--Calixto Bieito--
Vlaamse Opera
Regarding the most frequently produced musical works by Brecht and Weill,
Rise and Fall of the City of Mahagonny has always been a close second to the
Threepenny Opera. Performance calendars of the last few years, however,
suggest that the opera currently enjoys particular appeal amongst opera directors,
a trend that invites critical consideration.2 Since its first post-war production in
Darmstadt, Germany (1957), the opera has seen an approximate 230 national and
3
international productions; significantly, the 1960s and the 1990s saw more
productions than other decades.4 The increased popularity of Mahagonny can be
related to the volatile political and cultural climates of these eras. Aufstieg und Fall
der Stadt Mahagonny is an opera favourite during times of impeding and actual
political change.
At the 11th International Brecht Symposium, Mahagonny was the conference
theme and the question of how theatre and music function in society was one of
the core issues explored. According to Heinz Uwe Haus,5 one of the important
realizations of the IBS on Mahagonny was the notion of “the historicity of theatrical
narration.” Broadly understood, the concept describes how theatre-works,
including their production and performance, are rooted in and correlate to their
historical, cultural, and socio-political contexts. Differing contexts will
2
See for example the performance calendar of the KURT WEILL FOUNDATION,
http://kwf.org/current-news/performance-calendar
3
Information obtained through performance calendar search function on UNIVERSAL EDITION
website, http://www.universaledition.com/performances-and-calendar and per e-mail
th nd th
correspondence with the Universal Edition from 18 , 22 and 28 November 2012.
4
By decade the number of new productions national and international are as follows:1960-1970:
62; 1970-1980: 41; 1980-1990: 33; 1990-2000: 49; 2000-2010 :34; 2010-presently: 16.
5 HAUS, Heinz Uwe. Review of Marc Silberman and Florian Vassen, guest eds. Mahagonny.com
(the Brecht Yearbook, 29). Madison: University of Wisconsin Press, 2004. German Studies Review
29.2 (2006):459.
consequentially produce different stagings.6 In addition to the context of a
production, the production and reception history of a theatrical work needs to be
taken into account. Stephen Hinton argues that production and reception history
“are essential to establishing an authoritative performing text. . . . The context
contributes to the text, even becomes part of it. Documents of reception history, in
particular reviews, convey the complexion and impact of the event. To that extent
they are indispensable facets of the work.”7 Similarly, Balme notes that recent
theatre studies “points a way forward that integrates, rather than separates out,
production and reception.”8 The recent methodological shift in audience research
toward the “broader frame” of the “theatrical event”9 also suggests that questions of
perception and reception be taken into consideration.
In regards to contemporary stagings of Mahagonny, the influence of post-
dramatic theatre and the resulting importance of the director’s authority have not
yet been adequately explored, especially in comparison to the role of Brecht’s epic
theatre aesthetics.10 The paradigm shift in post-dramatic theatre towards the
spectator, performance, and production is indeed a significant influence on many
contemporary stagings.11 In particular, the 2010 staging of Mahagonny by La Fura
dels Baus, when contrasted with other recent stagings (Andreas Homoki’s in 2006,
Benedikt von Peters’ in 2012, and Calixto Bieito’s in 2011) demonstrates how
differing aesthetic choices regarding setting and costuming, as well as the actors’
physical presences and movements on stage, provide differing strategies for
relating the themes of this work to our present time.
6See for example also KNOWLES, Ric. Reading the Material Theatre. Cambridge: Cambridge
University Press, 2004.
7
HINTON, Stephen. Weill’s Musical Theater. Stages of Reform. Berkeley: University of California
Press: , 2012. xiv-xv.
8
BALME, Christopher. P. The Cambridge Introduction to Theatre Studies. Cambridge: Cambridge
University Press, 2008. 45.
9
See SAUTER, Willmar. The Theatrical Event: Dynamics of Performance and Perception. Iowas
City: University of Iowa Press, 2000 and TULLOCH, John. Shakespeare and Chekhov in Production
and Reception: Theatrical Events and Their Audiences. Iowa City: University of Iowa Press, 2005.
10
See for example LODEMANN, Caroline A. Regie Als Autorschaft: Eine Diskurskritische Studie Zu
Schlingensiefs "Parsifal". Göttingen: V&R unipress, 2010.
11
See LEHMANN, Hans-Thies. Postdramatisches Theater. Frankfurt am Main: Verlag der Autoren,
1999.
Arguably, most opera directors aspire to communicate Mahagonny’s
topicality to theatre audiences in the manner described by Willet:
The unpleasant truth is that this work’s message, unlike that of the Threepenny Opera, remains as
valid as ever in a society like our own. . . . The important thing, then, in staging this work is to forget
all about the Berlin Cabarets on the one hand and the marching storm troopers on the other, and
treat it as simply and directly as its original conception. For Mahagonny is localised neither in
Weimar Germany nor in a pseudo-America but in any society which lives in great cities and
becomes obsessed with pleasure and the problem of how to pay for it. . . . And so the message
12
must come direct to us, not altered through a ‘period’ haze.
12 WILLETT, John. Introduction. Bertolt Brecht. The Rise and Fall of the City of Mahagonny: And,
the Seven Deadly Sins of the Petty Bourgeoisie. Eds. John Willet and Ralph Manheim. New York:
Arcade Pub, 1996.(xx)
13
BRECHT, Bertolt. Anmerkungen zur Oper “Aufstieg und Fall der Stadt Mahagonny”. (Notes to the
Opera „Rise and Fall of the City of Mahagonny“) Schriften zum Theater.vol 2. 1918-1933.
Ed.Werner Hecht.F rankfurt: Suhrkamp, 1963
14
MORLEY, Michael. Review. Joy H. Calico. Brecht at the Opera; and Steve Giles (Transl. And
Editor) Bertolt Brecht, Rise and Fall of the City of Mahagonny. Kurt Weill Newsletter 26.2 (2008):13-
14.
15
CALICO, Joy H. Brecht at the Opera. Berkely: University of California Press, 2008.
epic theatre audience contract further informs recent theories of performance and
audience perception.16 For example, Erika Fischer-Lichte and Jens Roselt argue
that the audience be understood “as participants, or teammates, whose
participation — meaning their physical presence, perception, reception, and
reaction to the performance — brings forth the performance.”17
Recent theatre studies scholarship turns toward audience research — an
area which requires a methodology typically employed by sociologists and
psychologists. Sauter criticizes the traditional neglect of the audience in the
consideration of generating meaning by critics, as well as the biased emphasis on
intellectual decodings of meaning: “[I]n the theatre the ‘message’ is not something
which is neatly packed and distributed to an anonymous consumer; instead, the
meaning of a performance is created by the performers and the spectators
together, in a joint act of understanding.”18 Sauter goes on to argue that “spectators
do not perceive ‘signs’ which they describe and interpret for a scholar; they
perceive ‘meaning’ – and they have fun! Semiotics had no way of accounting for
the pleasure and the enjoyment which spectators experience in the theatre.” 19
Looking at reception beyond the professional reviewer, albeit methodologically
difficult, is an intriguing approach that could give some indication of what directors
may be attempting to achieve in recent operatic productions: “Trying to find out on
what grounds a performance is appreciated or not, we tested all judgments of the
various details of a performance against the overall judgment a person had
expressed. This showed that the evaluation of the performance as such always
correlates with the appreciation of the acting, even if other aspects of the show (the
drama, the directing, the set, the costumes, etc.) were estimated higher or lower.”20
The importance of good acting is recognized also for the opera stage and demands
on singers in terms of acting and physical engagement have increased in recent
16
See for example, BENNETT, Susan. Theatre Audience: A Theory of Production and Reception.
London, New York: Routledge, 1990.
17
FISCHER-LICHTE, Erika, Clemens RISI and Jens ROSELT. Aufführung der Kunst – Kunst der
Aufführung. Berlin: Theater der Zeit, 2004. 144.
18
SAUTER, Willmar. The Theatrical Event: Dynamics of Performance and Perception. Iowa City:
University of Iowa Press, 2000. 2.
19
Ibid, page 3
20
Ibid, page 3
years. In this context, the physicality incorporated into La Fura dels Baus’ staging
of Mahagonny at the Teatro Madrid is a recent innovation in opera performance.
When artistic director Gerard Mortier commissioned directors Alex Ollé and Carlus
Padrissa to stage Mahagonny, he chose a non-traditional production team known
for its use of acrobats and high-tech video aesthetics. Founded in 1979, the
company started as a form of street-theatre inspired by Catalonian performance
traditions and developed into an independent avant-garde theatre movement, one
with theoretical ties to early twentieth-century European avant-garde movements
such as Bauhaus, Artaud, Dadaism, futurism, and surrealism. Theatrical impact
and sensory experiences are at the core of La Fura del Baus’ self-conception:
It’s not a social phenomenon, it’s not a group, it’s not a political collective, it’s not a circle of allied
friends, it’s not an association established for a cause. . . . It produces theatre through the constant
interference between intuition and investigation. It’s experienced live. Each action represents a
practical exercise, an aggressive performance against the passivity of the spectator, an intervention
21
of impact designed to alter the relationship between him/her and the spectacle.
During the last 15 years, La Fura dels Baus started to specialize in opera
stagings — ranging from Mozart to Wagner — because they saw opera as the
ultimate genre for its theatrical philosophy:
La Fura is characterized by its explorations of a complete total theatre
experience. In opera the company has found a perfect territory to continue
developing its creativity. Although traditionally the musical aspect of an
opera has taken precedence over the theatrical aspects, in recent decades, and
because of innovations such as La Fura’s, the genre is experiencing a
considerable renewal. La Fura opted for the use of audio-visual elements,
produced generative stage settings and re-examined the role of singers, actors and
chorus.22
While today La Fura may be viewed as a “crossover between the alternative
theatre scene and the mainstream,” the company’s relation to environmental
21
La Fura dels Baus, “El manifest canalla” (1983-84), quoted in FELDMANN, Sharon G. “Scenes
from the Contemporary Barcelona Stage: La Fura dels Baus’ Aspiration to the Authentic.” Theatre
Journal 5.4 (1998): 447.
22
Self-commentary on website, accessed on 24/05/2012, self comment no longer on website, see
also SAUMELL, Mercé (translated by Simpn Breden, Maria M. Delgado, and Lourdes Orozco). “La
Fura dels Baus: Scenes for the twenty-first century.” Contemporary Theatre Review. 17.3 (2010):
335-345.
theatre,23 its “fascination with the rapport between the human being and his or her
post-industrial surroundings,” and its “thirst for authenticity, for the real, for
immediacy”24 are still visible in its staging of Mahagonny.
La Fura’s innovative production style is apparent from the first scene
onwards. Deviating from Brecht’s scenario, La Fura’s staging does not begin with
the breakdown of the car and Leokadja Begbick, Trinity Moses, and Fatty “the
Bookkeeper” in the desert; instead, the opening setting is a huge garbage dump —
the site where Mahagonny will be founded — and the sounds of a garbage truck
accompany the sight of Trinity Moses and Fatty climbing out of garbage bags while
Begbick climbs out of a discarded refrigerator. The setting remains throughout the
opera as sinister backdrop for the rise of Mahagonny as a paradise city. Some
witty and original staging ideas capture the spirit that money can buy anything in
this world: girls (and boys!) wrapped in cellophane are ready for consumption;
props, such as a mobile vending cart represent the hotel to the rich man; a rolled
out artificial lawn and Jenny’s fur coat function as symbols of consumerism’s fake
and elusive happiness.
23
See SCHECHNER, Richard. Environmental Theater. New York: Applause Theatre and Cinema
Books. 1973, 1994.
24
FELDMANN, Sharon G. “Scenes from the Contemporary Barcelona Stage: La Fura dels Baus’
Aspiration to the Authentic.”Theatre Journal 5.4 (1998): 449-455.
costumes as well. Dressed in dirty-looking skin suits, the lower-serving class of
Mahagonny appears as an undifferentiated mass.
La Fura’s staging not only updates the setting, but chooses a graphic, if not
cartoon-like, visual choreographic style in key scenes with the chorus. Such
scenes playfully oscillate between exaggeration and understatement, thus paying
tribute to the satirical character of the libretto. The eating scene, for example,
shows the lumber jacks and citizens of Mahagonny being fed like animals by a
trough with popcorn. With comparable humour, the love scene portrays the sexual
act as a boring group exercise, carried out to the catchy tango rhythm of the
“Mandalay Song[1]”. The boxing match begins in a surprising twist as a chess
game and the trial scene is set as a circus, bringing its farcical nature to the fore.
The final scene, in contrast, matches the musical culmination with the visual
spectacle of Jimmy being burned at the stake. Meanwhile, the city of Mahagonny is
in flames as the mass demonstration with placards carries on.25 Similarly departing
25
See MILNES, Rodney. Video Recording Review: Rise and Fall of the City of Mahagonny. Teatro
Real, Madrid, 2010. Kurt Weill Newsletter 29.2 (2011): 16.
HERRSCHER,Roberto. Review of Aufstieg und Fall der Stadt Mahagonny. Teatro Real Madrid,
Premiere: 30 September 2010, Kurt Weill Newsletter 28.2 (2010): 18-20.
INGENDAAY, Paul. Rezension. Aufstieg und Fall der Stadt Mahagonny, Teatro Real Madrid.
“Schuldig ist nur, wer nicht zahlen kann.” Frankfurter Allgemeine Zeitung 3.10 (2010).
from traditional performance practice, La Fura foregoes announcements of the
scenario and exclusively uses projections, notably in Spanish, whereas the libretto
is the English translation by Feingold.26
Unlike conventional Brechtian theatre aesthetics, the acting does not aim for
ironic detachment in this production either. Rather, and perhaps inevitably so, La
Fura pronounces the emotional language of text and music through the body
language and facial expressions of the actor-singers. Thus, Measha
Brueggergosman’s portrayal of Jenny’s sadness in the parting scene with Jimmy
appears very real, even authentic. For Roberto Herrscher, the success of La Fura’s
staging stemmed from the fact that text and score found perfect visual matches,27
but to critic Paul Ingendaay, it is the enthralling portrayal of human tragedy and
failed dreams as in the parting scene above that presents the strongest part of the
http://www.faz.net/aktuell/feuilleton/buehne-und-konzert/jubel-in-madrid-schuldig-ist-nur-wer-nicht-
zahlen-kann-11055194.html
26
FEINGOLD, Michael. Transl.for the Yale Repertory Theatre, 1974. See Kurt Weill, Bertolt Brecht.
Rise and Fall of the City of Mahagonny. Chicago: Lyric Opera, 1974.
27
HERRSCHER, Roberto, ibid. Page 20
staging.28 La Fura neither attempted a Brechtian nor a director’s theatre style, and
considering the company’s typical use of digital media and oversized structures on
stage, the production was rather low-tech. This staging clearly scored points based
on its physicality and the congruency between musical, textual and visual
language, and finally, as critics consistently noted, the high quality of the musical
delivery thanks to conductor Pablo Heras Casado. Bearing in mind, that “there is
no ‘ideal’ production of Mahagonny just as there is no ‘definitive’ edition”,29
however, to some minds La Fura’s effective and powerful staging lacks challenge
or friction for the audience. Juchem’s observation that critics tend to attack a
production’s political or aesthetic emphasis, and tend to complain “that productions
are either too didactic or too entertaining,” shows the two poles of the spectrum
regarding audience response.30
In contrast to La Fura dels Baus staging of Mahagonny, director Andreas
Homoki’s 2006 staging at the Komische Oper Berlin is considerably more
concerned with rendering Brechtian aesthetics. Homoki clearly applies the notion
of separation of elements. The scenario descriptions are projected in real time,
typed computer script. Similarly, the staging highlights that the actors are acting —
they pantomime driving the truck that breaks down and they refer to the projected
scenario as if to remember their lines. The setting is bare: the stage design uses
chairs and ladders and a huge cardboard cube on which citizens of Mahagonny
paint key words from the stage directions.
28
INGENDAAY, Paul, ibid. page
29
DREW, David. Kurt Weill. A Handbook. Berkeley: University of California Press, 1987. 185.
30
JUCHEM, Elmar. Note from the Editor. Kurt Weill Newsletter 25.1 (2005): 3.
Aufstieg und Fall der Stadt Mahagonny, Komische Oper, Berlin - Foto: Monika Rittershaus
Dreieinigkeits-Moses, Jens Larsen - Leokadja Begbick, Christiane Oertel - Fatty, Christoph
Späth Chorsolisten
Also, a square metal frame with colourful fabric laminate depicts palm trees
to evoke the exotic (Las Vegas?) transformation of Mahagonny’s rise to wealth.
The stage construction then spectacularly collapses in the second half of the opera
to visualize the breakdown of its society, further represented by the failure of the
relationships between Jimmy and Jenny and Jimmy and his friends. This staging
chooses to portray the love scene in an understated, non-sexual manner and
makes an interesting statement about the mesmerizing power of money replacing
sex. Amidst the satin cladded party crowd, dollar bills drift down from the ceiling
and Jimmy throws himself into the piles of money, touching and grabbing them
erotically.
Aufstieg und Fall der Stadt Mahagonny, Komische Oper, Berlin
Dreieinigkeits-Moses, Jens Larsen - Leokadja Begbick, Christiane Oertel - Fatty, Christoph
Späth - Jim Mahoney, Kor-Jan Dusseljee - Chorsolisten
Foto: Monika Rittershaus
Homoki’s staging further deviates from the libretto in that it does not show
Jimmy being executed. Instead, the audience experiences Jimmy’s death
symbolically. His friends and lover abandon him as he lies desolately on the bare
stage covered with dollar bills. In lieu of the demonstration with the slogans on
placards, we see the citizens gathered in groups, only moving ever-so-slightly as
they deliver the final chorus.
Aufstieg und Fall der Stadt Mahagonny,- Jim Mahoney, Kor-Jan Dusseljee - Komische
Oper, Berlin Foto: Monika Rittershaus
Overall, Homoki’s staging is somewhat static in terms of movement. For
critic Böggemann, Homoki’s “Brechtian” staging failed to entertain the audience in
contrast to the production’s musical performance and the effectiveness of the stage
set.31 Nevertheless, while offering a more detached and minimalist portrayal of
Mahagonny than La Fura dels Baus’ production, Homoki’s staging still achieves an
unostentatious reference to present day society by holding a mirror to the
spectators’ faces.
La Fura dels Baus and Homoki are not alone in their incorporation of post-
dramatic theatre strategies in recent stagings of Mahagonny. Two more recent
European productions of the opera deserve brief mention here for their use of
audience involvement. Benedikt von Peters’ staging at the Bremen theatre in
October 2012 abandons the idea of a stage altogether. Von Peters places the
action within the audience space to the effect that viewers physically become part
of the performance. Furthermore, the action takes place in multiple locations within
the audience, making the performance mobile. The performance is filmed and
transmitted on large screens in every room, so that spectators can view the singers
and the action regardless of whether they chose to move around, stay seated, or
stand. This form of mediatisation introduces a meta-level resulting in a distancing
effect, which counteracts and balances the identification with the action. Critics
praised this intelligent and daring production as a splendid technical and logistic
accomplishment. The singers even at times interacted with audience members,
such as when they offered blankets for protection against the approaching
hurricane.32 Von Peter’s Mahagonny clearly incorporates post-dramatic theatre
concepts in its staging.
31
BÖGGEMANN, Markus. Performance Review. Aufstieg und Fall der Stadt Mahagonny. Komische
Oper Berlin. Premiere 24. September 2006. Kurt Weill Newsletter 24.2. (2006), 16.
32
See BRANDENBURG, Detlev. Review of Kurt Weill/Bertolt Brecht: Aufstieg und Fall der Stdt
Mahagonny Theater Bremen, 07.10.2012 Die Deutsche Bühne. http://www.die-deutsche-
buehne.de/Kurzkritiken/Musiktheater/Kurt+Weill+Bertolt+Brecht/Aufstieg+und+Fall+der+Stadt+Mah
agonny/Bremen+Wir+sind; SCHALZ-LAURENZE, Ute. Rezension. Aufstieg und Fall der Stadt
Mahagonny.Theater Bremen, 08.10.2012 “Wir sind die Menschen von Mahagonny: Eine
aufsehenerregende Weill-Inszenierung von Benedikt von Peter am Theater Bremen.“ Neue
Musikzeitung http://www.nmz.de/online/wir-sind-die-menschen-von-mahagonny-eine-
aufsehenerregende-weill-inszenierung-von-benedikt-vo;STEINBACH, Ludwig. Review. Aufstieg und
Bilder :Jörg Landsberg
Fall der Stadt Mahagonny. Theater Bremen Premiere am 7/10. 2012. Erlösung der Menscheit durch
Destruktion oder Mitverantwortung des Publikums. http://www.deropernfreund.de/bremen.html
Copyright Vlaamse Opera / Annemie Augustijns
His staging depicts consumerism and its empty values, as well as social and
gender power structures through the metaphor of obsessive sex and sexual abuse
carried out by some male characters. In this staging, the demonstration in the final
scene moves from the stage to the balconies, where singers and chorus members
join the audience. Interestingly, the setting as well as the theatrically flamboyant
costuming was inspired by lucha libre, a form of Mexican wrestling that also
incorporates extravagant theatre.33
33
VLAAMSE OPERA. Press file.http://vlaamseopera.be/download/nl/70854184/file/
Copyright Vlaamse Opera / Annemie Augustijns
34
OPERA CAKE. Blogspot. Review of Aufstieg und Fall der Stadt Mahagonny, Flanders Opera in
Antwerp (Vlaamse Opera October 9th 2011. Mahagonny in Antwerp: Whata show! http://opera-
cake.blogspot.ca/2011/10/mahagonny-in-antwerp-whata-show.html
35
MCCANN, John. Review of Aufstieg und Fall der Stadt Mahagonny. Vlaamse Opera, Ghent and
Antwerp Premier: 21 September 201, Kurt Weill Newsletter 29.2 (2011):19.
understandings of the relationship between libretto, visualization on stage, and
music delivery.
The examples above demonstrate an ever-increasing artistic liberty being
taken in directorial approaches to Mahagonny. As a result of the broadening view
of what constitutes a performing text,36 the growing interest in audience research
and the theatrical event, as well as director’s theatre and the influence of post-
dramatic theatre, current research is shifting away from the text [i.e. the libretto and
the score] to its staging, and more precisely, to analyzing the strategies of a
director in correlating music, text, and stage direction into a coherent whole. The
director as co-author of the work puts his/her stamp on the staging according to a
particular strength or stylistic preference. La Fura dels Baus focuses on physicality
and dramatic energy, while Andreas Homoki emphasizes understatement and
intellectual playfulness. For Benedikt von Peters’ staging, the holistic theatrical
experience appears to have been the central factor. Calixto Barito’s staging, in
comparison, aims to provoke, disturb, and plead. No doubt, Brecht’s critique of
society and the topicality of the opera is a common denominator in these
productions, even while Brecht’s epic theatre aesthetics become a decreasing
concern. In our cultural climate of global crisis, widespread political apathy, and
economic instability, Mahagonny still promises to appear in new versions and
variations as opera directors continue to feel the need to reinterpret, reinvent and,
to some degree, even rewrite Mahagonny. Their stagings, in turn, become part of
the opera’s reception history, and become indispensable facets of the work
themselves.37
BIBLIOGRAPHY
36
HINTON, Stephen. ibid, pages xiv-xv.
37
HINTON, Stephen, ibid. pages xiv-xv.
BENNET, Susan. A Theory of Production and Reception. London: Routledge,
1990.
BRANDENBURG, Detlev. Review of Kurt Weill/Bertolt Brecht: Aufstieg und Fall der
Stdt Mahagonny Theater Bremen, 07.10.2012 Die Deutsche Bühne.
http://www.die-deutsche-
buehne.de/Kurzkritiken/Musiktheater/Kurt+Weill+Bertolt+Brecht/Aufstieg+und+Fall
+der+Stadt+Mahagonny/Bremen+Wir+sind
BRECHT, Bertolt. Anmerkungen zur Oper “Aufstieg und Fall der Stadt
Mahagonny”. (Notes to the Opera „Rise and Fall of the City of Mahagonny“)
Schriften zum Theater.vol 2. 1918-1933. Ed.Werner Hecht.F rankfurt:
Suhrkamp, 1963
BERTOLT Brecht. Kurt Weill, Michael Feingold (Transl.) Rise and Fall of the City
of Mahagonny. Chicago: Lyric Opera, 1974.
HAUS, Heinz Uwe. Review of Marc Silberman and Florian Vassen, guest eds.
Mahagonny.com (the Brecht Yearbook, 29). Madison: University of Wisconsin
Press, 2004. German Studies Review29.2 (2006): 458-459.
HERRSCHER, Roberto. Review of Aufstieg und Fall der Stadt Mahagonny. Teatro
Real Madrid, Premiere: 30. September 2010, Kurt Weill Newsletter 28.2 (2010):
18-20.
INGENDAAY, Paul. Rezension. Aufstieg und Fall der Stadt Mahagonny, Teatro
Real Madrid. “Schuldig ist nur, wer nicht zahlen kann.” Frankfurter Allgemeine
Zeitung 3.10. (2010): http://www.faz.net/aktuell/feuilleton/buehne-und-
konzert/jubel-in-madrid-schuldig-ist-nur-wer-nicht-zahlen-kann-11055194.html
JUCHEM, Elmar. Note from the Editor. Kurt Weill Newsletter 25.1 (2005): 3.
MILNES, Rodney. Video Recording Review: Rise and Fall of the City of
Mahagonny. Teatro Real, Madrid 2010. Kurt Weill Newsletter 29.2 (2011): 16.
MORLEY, Michael. Review. Joy H. Calico. Brecht at the Opera; and Steve Giles
(Transl. And Editor) Bertolt Brecht, Rise and Fall of the City of Mahagonny. Kurt
Weill Newsletter 26.2 (2008): 13-14.
Opera Cake. Blogspot. Review of Aufstieg und Fall der Stadt Mahagonny, Flanders
Opera in Antwerp (Vlaamse Opera) October 9th 2011. Mahagonny in Antwerp:
Whata show! http://opera-cake.blogspot.ca/2011/10/mahagonny-in-antwerp-whata-
show.html
STEINBACH, Ludwig. Review. Aufstieg und Fall der Stadt Mahagonny. Theater
Bremen Premiere am 7/10. 2012. Erlösung der Menscheit durch Destruktion oder
Mitverantwortung des Publikums. http://www.deropernfreund.de/bremen.html
WILLETT, John. Introduction. Bertolt Brecht. The Rise and Fall of the City of
Mahagonny: And, the Seven Deadly Sins of the Petty Bourgeoisie. Eds. John
Willet and Ralph Manheim. New York: Arcade Pub, 1996.
TEATRO, DOCUMENTO E FICÇÃO
KINAS, Fernando1
RESUMO
ABSTRACT:
traditional markers of western theater, especially the fiction, and this theatrical
1
Diretor e pesquisador teatral. Doutor em teatro pela Universidade Sorbonne Nouvelle (Paris 3) e
Universidade de São Paulo (USP). Fundou e dirige desde 1996 a Kiwi Companhia de Teatro,
atualmente sediada em São Paulo.
Na 11ª edição do prêmio “Europe pour les nouvelles réalités théâtrales”2,
Rodrigo Garcia apresentou Accidens, matar para comer. Nesta curta proposição (o
termo é do diretor), criada originalmente em 2005, o ator Juan Lorient mata, assa
representação e ao real:
Dupont demonstra que não apenas no circo, mas também no teatro romano, havia
uma opção clara pelo jogo e pela performance.4 Ora, a performance no sentido
2
O Festival aconteceu em Wroclau, Polônia, de 31 de março a 5 de abril de 2009.
3
DUPLAT, Guy. “Rodrigo Garcia et le scandale du homard”, Bruxelas: Jornal La Libre Belgique.
Disponível em: http://www.lalibre.be/culture/scenes/article/493985/rodrigo-garcia-et-le-scandale-du-
homard.html. Acessado em: 14 abril 2009.
4
Cf. DUPONT, Florence. L’orateur sans visage, essai sur l’acteur romain et son masque. Paris:
PUF, 2000.
realidade, ou, recuperando a definição de ficção teatral proposta por Jean-Marie
valor positivo intrínseco em toda e qualquer ruptura com o cânone teatral. Trata-se
Paravidino afirma que em Genova 01 “não existe ação teatral e não existem
personagens”. Ele não tem dúvida sobre o que se passa em sua peça: “Somos
5
Cf. Schaeffeer, Jean-Marie. Pourquoi la fiction ? Paris: Seuil, 1999.
6
PARAVIDINO, Fausto. “G8 '01 Fausto Paravidino: 'Genova tragica'”, Jornal Corriere della Sera,
26 de fevereiro de 2007, p. 9.
Se os novos seres que povoam as cenas não têm mais a espessura de antes,
lhes serviam de esteio, é legítimo supor que uma certa lógica mimética é
anos cinquenta do século passado), pela impersonalização (tal como descrita por
Sarrazac no começo deste século7), para vislumbrar, quem sabe, uma nova
Gómez Mata, convocou para a cena sua própria mãe (as semelhanças com
Accidens, matar para comer param por aí). A companhia dirigida por ele, Alakran,
dependem do acaso e a utilização dos nomes reais dos atores e atrizes, produz
9
Cf. METZ, Christian. 1965, “À propos de l’impression de réalité au Cinéma”, in Essais sur la
signification au cinéma, vol. I, Paris: Klinksieck e XAVIER, Ismail. Iracema: o cinema-verdade vai
ao teatro. In: Devires - Cinema e Humanidades, v.2. n. 1, 2004, p. 70-85.
10
LÓPEZ, Esperanza. Ibidem.
11
GÓMEZ MATA, Oskar. Ibidem.
Ambas as análises indicam a hipótese de um progressivo abandono da
ficção com evidente intenção política. Um outro caso, exemplar, reforça esta
hipótese.
estão na base do projeto teatral Rwanda 94, dirigido por Jacques Delcuvellerie
com o coletivo belga Groupov.12 Rwanda 94 marcou sob vários aspectos a cena
possível analisar aqui a totalidade do impacto deste projeto artístico e político que
uma longa temporada que circulou por vários países. Mas podemos destacar
simbólica em direção aos mortos, para uso dos vivos”, impunha imediatamente
12
Cf. o sítio da companhia na internet http://www.groupov.be/index.php/spectacles/show/id/9,
acessado em 27 jan. 2010 e Rwanda 94. Le théâtre face au génocide / Groupov, récit d'une
création, in Alternatives Théâtrales n°67/68, abril 2001.
13
DELCUVELLERIE, Jacques. “De la conception à la réalisation”, in Rwanda 94. Paris: Théâtrales,
2002, p. 166.
políticos e diplomatas. Para Delcuvellerie “o conjunto interpreta frequentemene na
representação”.14
menos explícito, sobre o próprio teatro, seus poderes e seus limites, e sobre as
relações entre história e ficção. Catherine Naugrette aborda o mesmo tema a partir
14
Ibidem, p. 167.
15
Após o prelúdio musical, Yolande Mukagasana diz: “Eu não sou atriz, eu sou simplesmente uma
sobrevivente do genocídio de Ruanda”. Ibidem, p. 15. Yolande não é, de fato, atriz e é, de fato,
uma sobrevivente do genocídio em Ruanda. Estas primeiras linhas do texto, no entanto, foram
escritas pelo diretor Jacques Delcuvellerie. Na sequência, o depoimento é livre, seguindo apenas
um roteiro genérico.
frase de Adorno sobre a impossibilidade de escrever poemas depois de
século 20 conduz a uma crise tanto da legitimidade artística quanto dos poderes
Segundo Georges Banu, um projeto que coloca questões tão essenciais: “Como
adequado identificar o que ele tem de inédito, sobretudo no que diz respeito à
dispositivo. Este conceito indica o novo lugar e as novas funções que a ficção
20
DELCUVELLERIE, Jacques. Op. cit., p. 171.
21
PIEMME, Jean-Marie. “Construction de 'Rwanda 94'”, in Écritures dramatiques contemporaines
(1980-2000). L'avenir d'une crise, Études théâtrales, nº 24-25, op. cit., pp. 71-72.
Aimé Césaire, continuam, de diferentes maneiras, a pôr e repor estas questões,
texto não dramático, que gera instabilidade da figura cênica pela falta de
das reflexões a respeito do teatro documentário tal como proposto por Peter Weiss
Nos anos 1960 Peter Weiss se filia, segundo suas próprias palavras, à
segundo a lista elaborada por Weiss pode incluir atas, relatórios, estatísticas,
foi mais longe do que qualquer tentativa anterior feita neste campo. No entanto,
22
Idem, disponível em http://www.groupov.be/index.php/spectacles/show/id/5, acessado em: 19 jan
2010.
embora esforçando-se em recusar toda forma de invenção, esta característica
Mesmo quando tenta se liberar do quadro que faz dele um meio artístico,
mesmo quando abandona as categorias estéticas, mesmo quando quer
ser algo imperfeito, tomada de posição e ação militar, mesmo quando dá
a impressão de nascer no instante mesmo e agir sem premeditação, o
teatro documentário é no final das contas um produto artístico e deve sê-
23
lo, se quiser justificar sua existência.
que este tipo de teatro “se recusa a toda invenção”.24 Para ele, o teatro
encenação (é um ator ou uma atriz que fala?, qual a entonação escolhida?, qual a
qual o teatro ou espaço cênico escolhido? qual o preço dos ingressos? etc.),
se pode afirmar que este tipo de teatro esteja livre de “invenção”. Weiss, inclusive,
23
WEISS, Peter. “Notes sur le théâtre documentaire”, in Discour sur la genèse et le déroulement de
la très longue guerre de libération du Vietnam illustrant la nécessité de la lutte armée des opprimés
contre leurs oppresseurs. Paris: Seuil, 1968, p. 10.
24
Ibidem.
25
“O teatro documentário toma partido”, reconhece Peter Weiss em outro trecho, ibidem, p. 12.
ritmos, rupturas e gradações, recurso à caricatura, utilização de máscaras e
songs).
elemento ficcional”.26 Ainda que um puro teatro de relatório, pela própria natureza
que constitui a base documental da peça, aproxima-se muito mais que Hochhuth
Peter Weiss o mais bem-sucedido e cujos resultados não parecem ter sido
inteiramente desenvolvidos.
26
ROSENFELD, Anatol. “O teatro documentário”, in Prismas do teatro. São Paulo: Perspectiva,
2008, p. 122 (itálicos nossos).
27
Cf. DORT, Bernard. Op. cit., p. 28.
28
Ibidem, pp. 123 e 126.
tradicional”, que coloca “seus próprios métodos em questão” e que é capaz de
continuar válido como estímulo àquela parcela do teatro contemporâneo que está
funcionamento da sociedade.
29
WEISS, Peter. Op. cit., p. 14.
30
Cf. DORT, Bernard. Op. cit., p. 29.
„PRODUKTION MUSS NATÜRLICH IM WEITESTEN SINNE GENOMMEN
WERDEN“ (BERTOLT BRECHT)
KOCH, Gerd1
SUMMARY
Im Folgenden werde ich als Theaterpädagoge (drama teacher) nicht den
Zuschauer, der gerade an einer Theateraufführung teilnimmt, also je einzeln und in
actu, in der situativen, erlebnishaften Produktivität während einer stattfindenden
Aufführung / performance / eines Ereignisses behandeln, sondern ich frage: Wie
kann das menschliche, produktive Potential einer Zuschau(er)kraft – oder wie
Bertolt Brecht sagt: seine produktive Zuschau(er)kunst – entwickelt, gestärkt,
verbessert werden?
Key words: Produktion, Produktivität, Zuschauen, Theaterpädagogik
ABSTRACT
I‘m speaking as a drama teacher, and my paper gives an overview on Brecht’s
broad minded understanding of production, producing and spectating. My theme is
not the actual spectator in a performance. But my question is: How can human’s
productive potentiality generally be enlarged and enriched? How will people be
empowered in the field of theatre / drama and for everyday life?
Key words: Producing, production, productivity, spectating, theatre / drama
pedagogy
Theater und Pädagogik / zuschauen und produzieren
Wie Theater, so ist auch Pädagogik eine praxeologische Disziplin. Es geschieht
ein Lernen aus der Logik des Tätigseins: Tätigkeit ist das relationale Prinzip, ist die
Dynamik, die zwischen Individuum und Welt vermittelt. Im Felde des Theatralen
1
KOCH, Gerd, Dr., professor for cultural social work (theatre) at Alice-Salomon-Hochschule
(University of Applied Sciences) Berlin (Germany). Since spring 2010 head of the Master Studies
Department “Biographical and Creative Writing”. Co-editor of “Zeitschrift für Theaterpädagogik”
(Theatre Pedagogy News Journal). Head of the German Society for Theatre Pedagogy. Together
with Marianne Streisand co-editor of the first German Dictionary for Theatre Pedagogy.
liegt zusätzlich, ergänzend eine ästhetisch-aisthetische Weise der Aneignung von
Welt, ein wahrnehmendes, blickendes, zuschauend-beteiligtes Lernen vor: „einen
großen Unterschied zwischen den Tätigen und Betrachtenden … macht der
Denkende nicht.“ (GBA, Bd. 21, S. 398)
Die Verbindung von „produzieren“ und „zuschauen“ entwickelt eine begriffliche
Komposition, die in zwei Richtungen weist: zu „Praxis“ als weltzugewandter
gesellschaftlicher Tätigkeit und, weil im Felde des Theaters angesiedelt, und zu
„Poiesis“ und „Poetik“ als eines primär künstlerischen Werk-, Wirkungs- und
kooperativen Befähigungszusammenhangs, der die individuellen Schranken
abstreift“, so dass „etwas Neues entsteht.“ 2
In Brechts Dialogen des „Messingkauf“ heißt es 1940/1 als Antwort des
Zuschauers auf die Frage des Schauspielers, ob „der Zuschauer ein
Gesellschaftshistoriker“ sei, ganz schlicht und deutlich: „Ja“ (GBA 22.2, S. 672);
denn „(d)er Historiker interessiert sich für den Wechsel der Dinge“ (GBA 22.2, S.
670) – sozial- und mentalitätsgeschichtliches Interesse wird hier skizziert und es
wird ein Fenster in Richtung produktiver Beteiligung an sozialem Wandel geöffnet.
Andrzej Wirth benannte 2012 in einem Interview eine Forderung Brechts so: “Vom
Schauspieler (also nicht nur vom Zuschauer, Anm. gk) verlangte er, dass er seine
Umgebung, die Außenwelt zu beobachten vermochte, eine aktive Haltung aufwies
und eine kritische Einstellung zur Geschichte hatte.“ 3
Das Muster eines sozialen Akteurs, der ästhetisch versiert sein soll, der solche
Kompetenzen auch performieren können soll (also: auf- und ausführen kann), wird
durch Brecht gezeichnet; und es mag im Hintergrund Brechts Ausruf von 1927
durchscheinen: „Der Soziologe ist unser Mann!“ (GBA Bd. 21, S. 204; dort auch
Ausführungen zum Publikum). So lautete sein statement, als er über „das Drama
vom Standpunkt der Soziologie aus“ diskutierte (GBA Bd. 2, S. 202), und zwar von
einer systematischen, nicht nur beschreibenden Soziologie, sondern von einer, die
2
HARDT, Michael. Vierhändig schreiben, in: Die Tageszeitung (taz), 1. 8. 2013, S. 15.
3
WIRTH, Andrzej. Meine Worte erreichen junge Leute … im Gespräch mit Grazyna Barbara
Szewczyk, in: Slask, Nr. 8, 2012, S. 10, aus dem Polnischen übersetzt von Malgorzata Rutkowska-
Grajek.
sich dialektisch-historisch vergewissert und sich nicht als wertfrei (miss-)versteht
und die auch erkenntnis-kritisches Interesse bekundet und
Handlungsorientierungen entwickelt.
Und nicht zu vergessen ist, dass die Soziologie eine Disziplin war, die sich gerade
erst entwickelte und noch nicht etabliert war – darin ganz ähnlich dem neuen
Brecht’schen Theater!
4 Nicht unähnlich Karl Marx’ in seiner „Abschweifung (über produktive Arbeit)“ (MEW Bd. 26, S. 363
f.): „Ein Philosoph produziert Ideen, ein Poet Gedichte, ein Pastor Predigten, ein Professor
Kompendien usw. Ein Verbrecher produziert Verbrechen …Der Verbrecher produziert ferner die
ganze Polizei und Kriminaljustiz, Schergen, Richter, Henker, Geschworene usw.; und alle diese
verschiednen Gewerbszweige, die ebenso viele Kategorien der gesellschaftlichen Teilung der
Arbeit bilden, entwickeln verschiedne Fähigkeiten des menschlichen Geistes, schaffen neue
Bedürfnisse und neue Weisen ihrer Befriedigung … Bis ins Detail können die Einwirkungen des
Verbrechers auf die Entwicklung der Produktivkraft nachgewiesen werden …Und verläßt man die
Sphäre des Privatverbrechens: Ohne nationale Verbrechen, wäre je der Weltmarkt entstanden? Ja,
auch nur Nationen? Und ist der Baum der Sünde nicht zugleich der Baum der Erkenntnis seit
Adams Zeiten her?“
Frederic Jameson stellt die These auf, „daß bei Brecht ‚Produktivität‘ die tiefere
Bedeutung für Fortschritt ist und daß dies mit Aktivität an und für sich zu tun hat.
Diese Verbindung von Produktion und Produktivität mit dem Handeln … ist mit
5
Marx‘ Vorstellung der ‚lebendigen Arbeit‘ vereinbar“ - „diese Vorstellung von
Produktivität (‘für etwas gut sein‘) (durchzieht) Brechts ganzes Werk“.6
Und: Brecht leitet sein Produktionsverständnis auch ab über den sozial-nahen
Begriff der „Liebe“, was gezeigt werden kann an Geschichten aus seinem „Me-ti“,
dem „Buch der Wendungen“.
In der Geschichte „Kin-jeh (das ist: Brecht, Anm. gk) über die Liebe“ wird die Liebe
als „eine Produktion“, ja als „große Produktion“ bezeichnet. Zwei
Charakterisierungen nimmt Brecht vor. Die Liebe, heißt es, „verändert den
Liebenden und den Geliebten, ob in guter oder in schlechter Weise. Schon von
außen erscheinen Liebende wie Produzierende, und zwar solche einer hohen
Ordnung. Sie zeigen die Passion und Unhinderbarkeit, sie sind weich ohne
schwach zu sein, sie sind immer auf der Suche nach freundlichen Handlungen, die
sie begehen können (in der Vollendung nicht nur zum Geliebten selber). Sie bauen
die Liebe und verleihen ihr etwas Historisches, als rechneten sie mit der
Geschichtsschreibung. Für sie ist der Unterschied zwischen keinem und nur einem
Fehler ungeheuer“. (GBA Bd. 18, S. 175 f.) Die zweite Bestimmung dieses
produktiven Verhältnisses lautet an gleicher Stelle: „Es ist das Wesen der Liebe
wie anderer großer Produktion, daß die Liebenden vieles ernst nehmen, was
andere leichthin behandeln, die kleinsten Berührungen, die unmerklichsten
Zwischentöne. Den Besten gelingt es, ihre Liebe in völligen Einklang mit anderen
Produktionen zu bringen; dann wird ihre Freundlichkeit zu einer allgemeinen, die
erfinderische Art zu einer vielen nützlichen, und sie unterstützen alles Produktive“.
(GBA Bd. 18, S. 176)
5
JAMESON, Frederic. Lust und Schrecken der unaufhörlichen Verwandlung aller Dinge. Brecht und die
Zukunft. Berlin, Hamburg: Argument 1998, S. 166.
6
Ebd., S. 164
Die andere Geschichte, die Auskunft gibt über Brechts Verständnis von entfalteter,
freundlicher, nicht entfremdeter und entfremdender Produktion, ergänzt die obigen
Ausführungen um dem Begriff der „Großen Ordnung“ (gleich der neuen
Gesellschaft): „Jü sagte zu Me-ti: Die Anhänger der Großen Ordnung wollen die
Liebe abschaffen. Me-ti sagte: Ich habe nichts davon gehört. Ich weiß nur, daß die
Feinde der Großen Ordnung sie schon beinahe abgeschafft haben. Wo es sie
noch gibt, stürzt die Große Unordnung die Liebenden in die furchtbarsten
Schwierigkeiten, sie ruiniert sie.“ (GBA Bd. 18, S. 105)
Einen speziellen Akzent setzt eine „Keuner“-Geschichte, die Produktion und Erfolg
sowie Sinnlichkeit und Schönheit und erkenntnis-stiftende Verärgerung
zusammenbringt: „Herr K. sah eine Schauspielerin vorbeigehen und sagte: ‚Sie ist
schön.‘ Sein Begleiter sagte: ‚Sie hat neulich Erfolg gehabt, weil sie schön ist.‘ Herr
K. ärgerte sich und sagte: ‚Sie ist schön, weil sie Erfolg gehabt hat.‘“ (GBA Bd. 18,
S. 24)
In solchem Kontext beschreibt Brecht „Eine Produktion Lai-tus (das ist dänische
Schauspielerin und politische Aktivistin Ruth Berlau, Anm. gk). Der Dichter Kin-je
sagte: Es ist schwer zu sagen, was Lai-tu produzierte. Vielleicht sind es die 22
Zeilen, die ich in mein Stück über die Landschaft einfügte, die ohne sie nie
geschrieben worden wären. Natürlich haben wir nie über Landschaft gesprochen.
Was sie lustig nennt, hat auch mich beeinflußt. Es ist nicht das, was andere lustig
nennen. Natürlich habe ich wohl auch die Art, wie sie sich bewegt, beim Bau
meiner Gedichte verwendet. Sie macht ja eine Menge anderer Dinge, aber selbst
wenn sie nur produziert hätte, was mich produzieren machte und produzieren ließ,
würde sie (also: die Produktion der Lai-Tu, Anm. gk) sich doch gut gelohnt haben
(Kin-je litt nicht an Bescheidenheit).“ (GBA Bd. 18, S. 192)
Marx und Engels schreiben etwa: „Die Produktion der Ideen, Vorstellungen, des
Bewußtseins ist zunächst unmittelbar verflochten in die materielle Tätigkeit und
den materiellen Verkehr der Menschen, Sprache des wirklichen Lebens. Das
Vorstellen, Denken, der geistige Verkehr der Menschen erscheinen hier noch als
direkter Ausfluß ihres materiellen Verhaltens. Von der geistigen Produktion, wie
sie in der Sprache der Politik, der Gesetze, der Moral, der Religion, Metaphysik
usw. eines Volkes sich darstellt, gilt dasselbe. Die Menschen sind die
Produzenten ihrer Vorstellungen, Ideen, pp. aber die wirklichen, wirkenden
Menschen, wie sie bedingt sind durch eine bestimmte Entwicklung ihrer
Produktivkräfte und des denselben entsprechenden Verkehrs bis zu seinen
weitesten Formationen hinauf“. 7
An anderer Stelle – aus Anlass der Rezension eines Ökonomie-Lehrbuchs –
nennt Marx diesen produktiven Austausch – ganz vitalistisch – einen
„Lebensgewinnungsprozeß“. 8
In den sog. Pariser Manuskripten von Karl Marx heißt es im Kontext der
Wechselseitigkeit von Bedürfnis, Gebrauch und Genuss korrespondierend mit
diesen Brecht‘schen Gedanken: „In deinem Genuß oder deinem Gebrauch meines
Produkts hätte ich unmittelbar den Genuß, sowohl des Bewußtseins, in meiner
Arbeit ein menschliches Bedürfnis befriedigt, also das menschliche Wesen
vergegenständlicht und daher dem Bedürfnis eines andren menschlichen Wesens
7
MARX, Karl, ENGELS, Friedrich. Die deutsche Ideologie, in: MEW Bd. 3, S. 26; vgl. BRECHT,
Bertolt. Arbeitsjournal, Bd. 1. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1973, S. 247. Siehe auch Fußnote 6.
8
MEW Bd.19, S. 362.
seinen entsprechenden Gegenstand verschafft zu haben … Unsere Produktionen
wären ebenso viele Spiegel, woraus unser Wesen sich entgegenleuchtete“. 9
*In seiner „Keuner“-Geschichte „Mühsal der Besten“ heißt es auf die Frage:
"Woran arbeiten Sie?": "Ich habe viel Mühe, ich bereite meinen nächsten Irrtum
vor." (GBA Bd. 18, S. 451) – eine produktive Haltung; auch zu lesen im Kontext der
„Keuner“-Geschichte zu „Überzeugende Fragen“: „Ich habe bemerkt‘, sagte Herr
K., ‚daß wir viele abschrecken von unserer Lehre dadurch, daß wir auf alles eine
Antwort wissen. Könnten wir nicht im Interesse der Propaganda eine Liste der
Fragen aufstellen, die uns ganz ungelöst erscheinen?‘“ (GBA Bd.18, S. 451)
*Kritik - auch eine kritischen Haltung genannt - ist für Brecht nicht eine
Verhaltensweise, die unproduktiv oder gar destruktiv ist, sondern Kritik ist
eingreifendes Denken – auch das eine Form der Produktivität. (GW Bd. 16, S.
567, S. 673).
*Es war „Brechts Absicht, Denken zu produzieren, nicht Fertiges“10. Anders gesagt:
„Der Begriff des richtigen Wegs ist weniger gut als der des richtigen Gehens“. (GW
Bd.16, 567)
9
MARX, Karl. Auszüge aus James Mills Buch ‘Elémens d’économie politique’, in: Marx- Engels-
Werke. Berlin: Dietz, 1990, Bd. 40, S. 462f.
10
RADDATZ, Fritz J. Ent-weiblichte Eschatologie, in: Bertolt Brecht II, Sonderband von Text und
Kritik, 1973, S. 156; vgl. GBA Bd. 18, S. 62.
handhabbar zu machen, daß sie umfunktioniert werden können. Sie in eine
Technik zu verwandeln …“. (GBA Bd. 22.1, S. 487) Es gibt nach Brecht auch ein
„Zerstören, welches Lernen ist“. (GBA Bd. 18, S. 66 f.)
*Ein Gemeinwesen kann nur zu einem humanen werden, wenn in ihm keine
‚Apparatschiks‘ und Kontrolleure (GW 20, 49 f.) regieren. Denn unter ihnen, sagt
Brecht fast anarchistisch, würde auch ein „ARBEITERstaat“ zu einem
11
MÜLLER, Jost. Vom Standpunkt der Vielen. Brecht, die Kommune und die Multitude
< http://www.eurozine.com/articles/2006-03-28-muller-de.html > Zugriff am 29. 7.
2013, S. 8.
„ArbeiterSTAAT“12 degenerieren, denn seine Staatsführer „sind eben Feinde der
Produktion. Die Produktion ist ihnen nicht geheuer. Man kann ihr nicht trauen. Sie
ist das Unvorhersehbare. Man weiß nie, was bei ihr herauskommt.“ 13 In Bezug auf
seine Arbeitsschwierigkeiten mit dem „Baal“-Stoff meinte Brecht, er habe den Stoff
wohl in sozialistischer Weise deshalb nicht bearbeiten können, weil er den
Sozialismus immer noch als Große Ordnung statt als Große Produktion (miss-
)verstanden habe. (GBA Bd. 26,S. 468); denn: „Erst wenn die Produktivität
entfesselt ist, kann Lernen in Vergnügen und Vergnügen in Lernen verwandelt
werden“. (GW Bd. 16, 701) Und der Philosoph Ernst Bloch akzentuiert so: „Freiheit
ist … immer die Möglichkeit des Anderskommens, des Andersmachenkönnens“14.
Brecht notiert, dass ein Künstler in seiner Produktion „die Handlung so und anders“
führe (GBA Bd. 23, S. 144) und es gilt das „Nicht – Sondern.“ (GBA Bd. 22.2, S.
643)
12
Brecht an Korsch, Santa Monica, Anfang November 1941. In: Alternative, Nr.
105, S. 253. Siehe auch GBA Bd. 18, S. 115, S. 185 f.
13
BENJAMIN, Walter, Brecht zitierend, in: Versuche über Brecht. Frankfurt am Main: Suhrkamp,
1966, S. 132. Hervorhebung, gk
14
BLOCH, Ernst. Experimentum Mundi. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1975, S. 139.
In seinem „Lied des Stückeschreibers“ kennzeichnet sich Brecht selber als einen
‚produktiven Zuschauer‘ – hier im Gewande eines neugieren, wahrnehmend-
beachtenden, staunenden, weltzugewandten und neugierigen und zeigen
wollenden Studierenden: „Um zeigen zu können, was ich sehe … Prüfend … mir
einprägend ... Alles aber übergab ich dem Staunen / Selbst das Vertrauteste“.
(GBA Bd. 14 1993, 299 f.)
Folgende Wahrnehmungs- und Tätigkeits-Begriffe aus diesem Lied lassen sich als
nähere semantische Bestimmungen dem Zuschauen hinzufügen (in der
Reihenfolge ihres Auftretens): zeigen, sehen, lesen, nachschreiben, prüfen,
einprägen, zustatten kommen, studieren, entfalten, darstellen, übergeben,
staunen. An anderer Stelle empfiehlt Brecht „mehräugiges lesen“15 – eine
Anregung für ein mehräugiges Zuschauen!
Auch an Brechts Konstruktionsweisen seiner Stücke kann man neues Sehen üben.
Aber, so monierte Brecht 1927/8: „Der ästhetische Standpunkt wird der neuen
Produktion, auch wo er lobende Äußerungen ergibt, nicht gerecht … Auch wo die
Kritik richtig leitete, konnte sie aus dem ästhetischen Vokabularium nur wenige
überzeugende Belege für ihre positive Einstellung erbringen und das Publikum nur
ganz ungenügend informieren. Vor allem aber ließ sie das Theater, das sie zur
15
Vgl. WÖHRLE, Dieter. Bertolt Brechts medienästhetische Versuche. Köln: Prometh, 1988, 190 ff.
Aufführung dieser Stücke ermutigte, ganz ohne Gebrauchsanweisung. So dienten
die neuen Stücke letzten Endes immer nur dem alten Theater (Herv. gk), dessen
Untergang, auf den sie doch angewiesen sind, sie hinausschoben.“ (GBA Bd. 21,
S. 204) Die neue „Generation“ der Theatermacher habe „die Verpflichtung und die
Möglichkeit, das Theater einem anderen (Herv. im Original) Publikum zu erobern.“
(GBA Bd. 21, S. 204)
Für sein neues Theater gab es, wie Brecht in den 1920er Jahren notierte (GBA Bd.
21, S. 204), noch kein „Vokabularium“, keine „Gebrauchsanweisung“, also keine
Begrifflichkeit. Nach Brecht sollen Begrifflichkeiten Handlungsqualität haben; denn
Begriffe sind „Griffe …, an denen sich die Dinge drehen lassen“, sie sind Teile
seiner „Philosophie der Fingerzeige“. (GBA Bd. 22.1, S 513)
16
Auch sog. Modellbücher und die Publikation “Theaterarbeit” begleiten die Transfer-Produktivität.
Brechts Theaterpraxis ist auch gekennzeichnet durch das Entwickeln von „Praxeographie“ – also
einer Aufschreibe-Praxis und Schreibbegleitung theatraler Produktivität.
17
BERLINER ENSEMBLE, Helene Weigel (Hg.): Theaterarbeit. Dresden: Dresdner, 1952, S. 305.
18
Brecht nach einer Erinnerung von Wekwerth, in: WEKWERTH, Manfred. Notate, Frankfurt am
Main: Suhrkamp,1967, S. 33.
In seinem „Messingkauf“ wünscht sich Brecht den teatro-philen Verhaltens-Typus
19
eines „produktiven Zuschauers“ bzw. als zuschauend Produzierenden. (GBA Bd.
22.2, S. 661 - 667)
Brecht sieht auch und gerade bei den Missvergnügten dem Theater gegenüber ein
produktives Widerspruchsverhalten, das ihn hoffen lässt; denn: „das
Hoffnungsvollste, was es an den heutigen Theatern gibt, sind Leute, die das
Theater vorn (als Zuschauer / Zuschauerinnen, Anm. gk) und hinten (als
Schauspieler / Schauspielerinnen, Anm. gk) nach der Vorstellung verlassen: sie
sind mißvergnügt“ – ein Satz, den Brecht 1926 im Berliner Börsen-Courier
publizieren konnte (GBA Bd. 21, S. 122). Fünf Jahre später (1931/2) wählt er als
Motto zu „Der Dreigroschenprozeß. Ein soziologisches Experiment“: „Die
Widersprüche sind die Hoffnungen!“ (GBA Bd. 21, S. 448) – in unserem Kontext
vielleicht so lesbar: Die produktiv Missvergnügten sind Hoffnungsträger …?!
Produzierende Zuschauerschaft ist praktische, experimentelle, eingreifende Kritik
und keine bloße interesselose Kontemplation!
Siglen
19
Ich folge für mein Verständnis von ‚Teatro-Philie‘ Rancière zur „Cinephilie“: „Die Cinephilie
verband den Kult der Kunst mit der Demokratie der Vergnügungen und der Emotionen, indem sie
die Kriterien ablehnte, durch die das Kino in die Hochkultur Eingang fand … sie stellte damit die
herrschenden Kategorien des Kunstdenkens ins Frage“ (RANCIÈRE, Jacques. Spielräume des
Kinos. Wien: Passagen, 2013, S. 12 f.).
GBA = BRECHT, Bertolt. Werke (Große kommentierte Berliner und Frankfurter
Ausgabe). Berlin, Weimar, Frankfurt am Main: Aufbau und Suhrkamp, 1989 ff.
The Author
KOCH, Gerd, Dr., Diplom-Pädagoge, Professor für Theorie und Praxis der
Sozialen Kulturarbeit (Theater) an der Alice-Salomon-Hochschule Berlin; dort bis
Frühjahr 2010 auch wissenschaftlicher Leiter des Master-Studiengangs
„Biografisches und Kreatives Schreiben“. Mit-Herausgeber der „Zeitschrift für
Theaterpädagogik“. 1. Vorsitzender der Gesellschaft für Theaterpädagogik e. V.
Zusammen mit Marianne Streisand Herausgeber des ersten deutschsprachigen
„Wörterbuchs der Theaterpädagogik“.
Participação, “performance comunitária” e performance política
QUANDO O HOMO SACER SE REPRESENTA
A estranha Ala de Mendigos da escola de samba Beija-Flor, Rio de Janeiro,
1989
RESUMO
1
Fátima Costa de Lima é professora-pesquisadora do Departamento de Artes Cênicas e do
Programa de Pós-Graduação em Teatro da Universidade do Estado de Santa Catarina. Temas de
pesquisa: espaço cênico, imagem, alegoria e teatro político. Pesquisa atual: Brecht em Benjamin:
teatro político e teoria crítica. Cenógrafa, figurinista e atriz.
políticas épico ao didático (Bertolt Brecht); e do dramático ao pós-dramático
(Lehmann).
ABSTRACT
O ano de 1989 foi “o” ano dos carnavais do Rio de Janeiro. Segundo
Zuenir Ventura, 1968 é o ano que ainda não terminou. Quem sabe 1989
seja o ano em que o carnaval ainda não acabou? Dezoito escolas
desfilaram na Marquês de Sapucaí. Mas foi a 17ª a pisar na avenida que
deixou boquiabertos a todos que assistiam o espetáculo. A Beija Flor
apresentou o enredo “Ratos e urubus, larguem minha fantasia”, criação
do genial Joãosinho Trinta. O artista fez um trabalho para calar a boca de
quem achava que a Beija-Flor só levava luxo para a avenida, trazendo o
lixo e a pobreza, num inacreditável carnaval de mendigos. O Cristo
mendigo que a escola iria mostrar foi proibido pela Igreja. A alegoria
desfilou coberta por uma lona preta, e com os dizeres: “Mesmo proibido,
4
olhai por nós!”.
8
Além de composições e figuras especiais – casais de mestre-sala e porta-bandeira, comissão de
frente e alegorias, por exemplo – uma escola de samba é formada por alas: conjuntos de foliões
que variam em número, mas podem ser contabilizados em dezenas e até poucas centenas. As
alas compõem a maior parte do contingente humano de uma escola de samba. Elas podem ser
específicas – Bateria e Ala das Baianas -, mas a maioria é formada por foliões comuns,
distinguindo-se umas da outras por temas específicos a partir do qual recebem nome e fantasia
próprios.
9
Nome atual do grupo principal do concurso das escolas de samba cariocas. Nele, hoje desfilam
12 agremiações.
10
O nome oficial do sambódromo é Passarela do Samba Darcy Ribeiro. Quando Secretario da
Cultura do Estado do Rio de Janeiro no governo de Leonel Brizola (1922-2004), Darcy Ribeiro
pela Ala das Baianas e por dois carros alegóricos: um deles carregava o Cristo
Mendigo, e o outro trazia Joãosinho Trinta como destaque11 principal. Esse desfile
aclamou o Cristo Mendigo como a imagem por excelência do carnaval brasileiro.
O artigo especula sobre as performances da Ala de Mendigos – a primeira
com atores e a segunda com mendigos; bem como sobre sua ausência no último
desfile. A reflexão parte da oposição alegoria-símbolo apresentada por Walter
Benjamin12 no livro sobre o teatro barroco e se desdobra na reflexão de Hans-
Thies Lehmann sobre representação e representabilidade13. A figura do mendigo é
observada sob a noção de homo sacer, de Giorgio Agamben14, e segue Slavoj
Zizek15 na “transfiguração”16 da figura do proletário: de operário do século XIX a
favelado do século XXI. Por fim, a Ala de Mendigos perfaz o “trânsito” 17 do
dramático ao pós-dramático em correspondência a suas performances nos vários
desfiles.
O objetivo do artigo é refletir dialeticamente sobre a representação do
mendigo da Ala de Mendigos, mostrando suas performances em correlação com
suas distintas condições de, em primeiro lugar, atores que representam mendigos;
e, em segundo lugar, de não-espectadores (dada sua condição sócio-econômica,
não possuem poder aquisitivo que lhes permita freqüentar o sambódromo)
chamados a representar-se num espetáculo carnavalesco.
(1922-1997) idealizou a edificação que foi planejada e assinada pelo arquiteto Oscar Niemeyer
(1907-2012).
11
O destaque é uma figura especial inventada pelo próprio Joãosinho Trinta em carnavais
anteriores que desfila sobre carro alegórico.
12
BENJAMIN, Origem do drama trágico alemão, op. cit.
13
LEHMANN, Hans-Thies. Teatro pós-dramático. Tradução de Pedro Süsskind. São Paulo: Cosac
& Naify, 2007.
14
AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer. O poder soberano e a vida nua 1. Tradução de Henrique
Búrigo. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2002.
15
ZIZEK, Slavoj. A visão em paralaxe. Tradução de Maria Beatriz Medina. São Paulo: Boitempo,
2008.
16
BENJAMIN, Walter. Experiência e pobreza, p. 114-119. In: Magia e técnica, arte e política (Obras
escolhidas, vol.1). Tradução de Sergio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1994.
17
PERNIOLA, Mario. Enigmas. Egípcio, barroco e neobarroco na sociedade e na arte. Tradução
de Carolina Pizzolo Torquato. Chapecó: Argos, 2009.
“Jesus Cristo... não tendo fornecido seu código político,
deixou sua obra incompleta.”
18
Honoré de Balzac
18
Apud BENJAMIN, Walter. Passagens. Tradução de Irene Aron e Cleonice Paes Barreto Mourão.
Belo Horizonte/São Paulo: Editora UFMG/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2007, p. 767.
19
Consultar também TODOROV, Tzvetán. Teorias do símbolo. Tradução de Enid Abreu
Dobránszky. Campinas: Papirus, 1996.
Ela só pode ser construída através do pensamento que Benjamin qualifica como
“dialético”, o que conduz à discussão de Hans-Thies Lehmann sobre
representação e representabilidade20.
Lehmann discorre sobre os diferentes efeitos de exposição dos
espectadores teatrais à imagem audiovisual e à presença do ator. A projeção
fílmica no teatro produz uma imagem que se encontra fora da realidade
compartilhada entre plateia e performers. Por isso, a representação audiovisual
torna possível o alívio causado pela sensação de libertação do real cotidiano. O
teor de representabilidade do teatro, contudo, fracassa: diante da presença do
corpo real do ator, a plateia sofre um desapontamento, quase um
21
constrangimento, um pudor .
Há no corpo uma virtualidade estabelecida pela infinitude do desejo do qual
o corpo não é propriamente objeto, mas seu significante. O corpo produz, com sua
presença, uma espécie de portal de Kafka cuja imagem é, por um alado,
representável enquanto linguagem; mas, por outro lado, essa é uma porta que não
pode ser transposta. Não se pode passar pela porta de Kafkada mesma forma que
não se pode apreender a totalidade daquilo que promete o corpo do ator. Não há
representação esgotável para o corpo: a presença do ator faz com que o teatro,
antes de ser representação, seja comportamento e situação: reunir-se, participar,
desempenhar papéis e assistir.
Se, com Lehmann, a assembleia teatral22 não se dispõe à descarga, com
Elias Canetti23 pode-se conceber que o alívio proporcionado pela descarga
acontece na situação da massa reunida. No carnaval das escolas de samba, a
massa de foliões corresponde a essa situação: na pista24 ou na plateia25 do
20
LEHMANN, Teatro pós-dramático, op. cit., p. 397-403.
21
LEHMANN, Hans-Thies. O teatro mundial do pudor: trinta abordagens sobre a privação da
representação, p. 33-54. In: Escritura política no texto teatral. Ensaios sobre Sófocles,
Shakespeare, Kleist, Büchner, Jahnn, Bataille, Brecht, Benjamin, Müller, Schleef. Tradução de
Werner S. Rotschild e Priscila Nascimento. São Paulo: Perspectiva, 2009.
22
GUÉNOUN, Denis. A exibição das palavras. Uma idéia (política) do teatro. Tradução de Fátima
Saadi. Rio de Janeiro: Teatro do Pequeno Gesto, 2003.
23
CANETTI, Elias. Massa e poder. Tradução de Rodolfo Krestan. São Paulo, Brasília:
Melhoramentos / Editora da UnB, 1983.
24
Cada escola de samba carioca coloca na avenida de 3.500 a 4.000 componentes. Na Beija-Flor
de 1989, eram cerca de 4.500 foliões a desfilar.
sambódromo, apertados todos uns com os outros, espectadores e foliões podem
observar outros corpos (produzindo o pudor perante sua presença) e, ao mesmo
tempo, experimentar o alívio da descarga (através da imersão de nosso próprio
corpo na massa carnavalesca).
No carnaval, nos olhamos: o olhar que identifica o outro demarca a
distância entre ambos. Com isso, permite a própria identificação como sendo o
outro do outro. Porém, como integrantes da mesma massa, todos se encostam
uns nos corpos dos outros. Dialética carnavalesca: folião e espectador, pudor e
descarga que transitam entre uns e outros.
28
AGAMBEN, Giorgio. Remnants of Auschwitz. The witness and the Archive (Homo Sacer III).
Translated by Daniel Heller-Roazen. New York: Zone Books, 2002, p. 70. Em inglês: “’walking
corpses’ par excellence. Confronted with his disfigured face, his “Oriental” agony, the survivors
hesitate to attribute to him even the mere dignity of the living.”
29
ZIZEK, op. cit., p. 354-357.
30
Ibidem, p. 356.
31
Ibidem.
das “relações entre dialética, mito e imagem”32 da sociedade atual. O mendigo é a
negação dessa sociedade e, paradoxalmente, também sua produção. É seu resto,
o lixo que dela sobra e que Joãosinho Trinta soube reciclar em seu desfile: o
mendigo como o lixo do luxo.
Resto indesejado, mas impossível de isolar dos outros modos de produção
do social, no segundo desfile da Beija-Flor o mendigo representou o não-
espectador cujo papel é representar-se. Seu corpo tornou-se o pivô de uma
operação dialética infindável entre o não-ser e o mostrar-se. Todavia, o não-ser
não pode representar o que, afinal, ele não é.
Resta agir.
32
BENJAMIN, Walter. Passagens. Tradução de Irene Aron e Cleonice Paes Barreto Mourão. Belo
Horizonte/São Paulo: Editora UFMG/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2007, p. 503.
33
Ibidem, p. 528.
34
PERNIOLA , op. cit., p. 28.
ao Cristo Mendigo, se considerada apenas sua forma externa e visível, a mesma
alegoria integrou os três desfiles. No entanto, cada uma de suas performances foi
diferente.
No primeiro desfile, o Cristo Mendigo foi “modulado” em relação ao projeto
original a fim de fazer “flutuar a norma” social que levou à sua proibição. Para
tanto, a réplica do Cristo Redentor com trapos brancos pendurados (projeto
original) foi coberta de preto e recebeu a faixa branca. Quanto à Ala de Mendigos,
apenas no segundo desfile ela dobrou-se, flexionou-se, curvou-se.
No primeiro desfile, a ala manteve o projeto de Joãosinho Trinta: um
conjunto de atores interpretando mendigos. Mas, no segundo desfile, fazendo eco
à alegoria ela literalmente duplicou seu nome dobrando-se enquanto linguagem e
representação do mendigo pelo próprio mendigo. Esse curto-circuito entre o nome
da ala e sua representação parece ter provocado a interrupção do continuum
carnavalesco: uma estranha comoção tomou a ala que, a partir da metade do
desfile, foi destruindo a cobertura de sacos plásticos pretos da alegoria que, por
fim, terminou o desfile somente com a cabeça do Cristo tapada e uma corda como
que a enforcá-lo. Ao mesmo tempo, o corpo da alegoria foi como que enterrado
pela metade na avenida, numa verdadeira catástrofe carnavalesca.
O tempo de interferência no continuum da história é denominado por Walter
Benjamin como Jetztzeit (“tempo de agora”)35, o instante que rompe a linha
histórica de modo súbito e violento. Quando isso acontece, o presente se modifica
levando consigo passado e o futuro. O tempo desse acontecimento é o tempo
revolucionário. Seu processo é dialético: nele, segundo Benjamin, cada etapa
apresenta sua própria tendência, seus objetos e métodos. A obra, que parece a
mesma, se revela outra à luz desse processo: “Apenas exteriormente uma obra de
arte tem uma e somente uma forma”36.
Três momentos estéticos podem corresponder às três performances (ou
sua ausência) da Ala de Mendigos e do Cristo Mendigo.
Momento dramático: no último desfile, na Grande Rio, o Cristo Mendigo
sem a Ala de Mendigos mimetizou seu desfile original. A presença da alegoria
35
BENJAMIN, Sobre o conceito de história. In: Magia e técnica, arte e política, op. cit.
36
BENJAMIN, Passagens, op. cit., p. 515 e 517,
lembrava seu passado. Os novos dizeres em sua faixa - “Mesmo proibido, não
deixei de brilhar!” – reforçavam um novo trânsito: a alegoria tornou-se símbolo (do
carnaval carioca).
Momento dialético: no primeiro desfile, entre o épico - contrariar a decisão
da Igreja e colocar um Cristo na avenida - e o didático - a experiência do desfile
compartilhada pela massa carnavalesca -, a alegoria representou o
irrepresentável. A Ala de Mendigos estava integrada nessa massa.
Momento pós-dramático: o Cristo Mendigo se repetiu, representando-se.
Mas a representabilidade da Ala de Mendigos foi problematizada (ao serem a ela
integrados os mendigos reais); e o efeito causado por sua performance atualizada
pelo poder destrutivo da massa carnavalesca produziu outro fato artístico da
relação dialética entre o mendigo representado e o mendigo real. Com isso,
instaurou um espaço de indeterminação entre vida e representação.
Considerações finais
37
BENJAMIN, Origem do drama trágico alemão, op. cit., p. 251.
potencial crítico da Ala de Mendigos: no seu último desfile, os espectadores não
podiam distinguir mendigo de folião.
No fim, restou apenas o luto pela perda do objeto.
A INFLUÊNCIA DO TEATRO DE BRECHT NA FORMAÇÃO DO TEATRO DO
OPRIMIDO
LOPES, Geraldo Britto1
RESUMO
Artigo busca fazer uma ponte entre o trabalho de Brecht e Boal. Partindo das
influências marxistas que os dois sofrerem e sua forma de análise e prática.
Brecht sempre buscou se renovar e não ficar preso a formas paralisantes e que o
acomodassem. Levanto à hipótese de o Teatro do Oprimido ser uma resposta as
questões da atualidade a partir dessa lógica de método brechtiano.
SUMMARY
Article seeks to make a bridge between the work of Brecht and Boal. Starting from
the Marxist influence that both suffering and his way of analysis and practice.
Brecht always sought to renew itself and not be stuck with crippling forms and that
settled down. Raise the hypothesis of the Theatre of the Oppressed is a answer to
the current issues from that logic Brechtian method.
1
Geo Britto/Geraldo Britto Lopes é Membro do Centro de Teatro do Oprimido-CTO, desde 1990.
Coordenou diversos projetos do CTO nas prisões, favelas, saúde mental, pontos de cultura entre
outros. Ministrou oficinas na Palestina, Moçambique, Egito, Argentina, Uruguay, Colômbia, Bolívia,
Guatemala, México, Índia, Portugal, Espanha, Alemanha, Inglaterra, Canadá e Estados Unidos.
Mestrando UFF- Estudos Contemporâneo das artes.
2
letradas, mas também as analfabetas. (BOAL, 2009)
tiveram de sair de seus países em virtude das perseguições, seja pela ditadura e
derrota da esquerda no Brasil, no caso de Boal, seja pelo nazismo e pela derrota
seus trabalhos por outros países. De certa forma, os dois tiveram uma “esperança”
dois certo “descanso” em suas armas, mas sem perderem a capacidade crítica.
2
BOAL, Augusto. Estética do Oprimido. Rio de Janeiro: Garamond Funarte, 2009.
ambos. Brecht escreve sobre a importância da democratização dos meios de
empreendeu. Suas fábulas e situações não realistas faziam com que se retirasse
Boal dizia:
Então é a coisa, mas como uma opinião sobre a coisa, não é a coisa
como ela é, uma reprodução, mas uma recriação, uma transcrição, uma
metáfora. Teatro é metáfora. Temos que desenvolver metáforas para
3
melhor entender o mundo e como agir sobre ele. (Boal, 2009)
vez mais aos setores privilegiados e alienados. Essa crise provocou nele a
Ao buscar o ator e o não ator – “todos podem fazer teatro até mesmo os
atores” –, Boal radicaliza essa busca de Brecht. Boal dizia que não fazia Teatro,
do grego theatron:
3
BOAL, Augusto. Estética do Oprimido. Rio de Janeiro: Garamond Funarte, 2009
4
vida: praxis-tron. Fazemos práxis-tron, não thea-tron. (BOAL, 2009, p.
164)
A seguir, são cotejados alguns textos de Marx com Boal, pois todos
sabemos que Brecht era marxista e dizia: “não se pode escrever peças
inteligentes hoje em dia sem conhecer as teorias de Marx”. Acredito que, mesmo
adesão.
4
BOAL, Augusto. Estética do Oprimido. Rio de Janeiro: Garamond/Funarte, 2009.
5
BOAL, Augusto. Estética do Oprimido. Rio de Janeiro: Garamond/Funarte, 2009.
6
MARX-ENGELS, 1971 Sobre Literatura e arte: Editora Estampa
7
BOAL, Augusto. Estética do Oprimido. Rio de Janeiro: Garamond/Funarte, 2009.
8
MARX-ENGELS, 1971 Sobre Literatura e arte: Editora Estampa
Marx, Brecht e Boal entendem que o ser humano se afirma não somente
Brecht era marxista: por isto para ele uma peça de teatro não deve
terminar em repouso, em equilíbrio. Deve, pelo contrário, mostrar por que
caminhos se desequilibra a sociedade e para onde caminha, e como
9
apressar sua transição. (BOAL, 1991 –., p. 107)
9
Boal, Augusto. Teatro do Oprimido. 1991. Ed Civilização Brasileira
10
11
BOAL, Augusto. Técnicas Latino-Americanas de Teatro Popular. São Paulo: Hucitec,1980.
Um ponto fundamental é o debate tão atual da democratização dos meios
Boal e Brecht acreditam que não basta somente um “teatro rotineiro”, mas
Effect), tem sido frequentemente mal interpretado e até mesmo ignorado. Ele visa
justamente a uma nova forma de produção e, muitas vezes, é visto somente como
uma proposta estética, no sentido menor, esvaziando assim seu sentido político.
12
BENJAMIN, Walter. O autor como produtor. In: ____. Magia e técnica, arte e política. São Paulo:
Brasiliense, 1985.
13
Idem.
14
Ibidem.
15
Boal, Augusto. Teatro do Oprimido. 1991. Ed Civilização Brasileira
apropria, em primeiro lugar e de maneira total, dos meios de produção artística e
cultural e nos aliena desse capital, criando como uma mais-valia artístico-cultural,
processo histórico e que não haveria uma hierarquia entre elas. E radicaliza ao
dizer:
por que não poderia me apropriar de todos os outros e ensaiar uma revolução
levando essa prática e essa ação para outros setores, para a vida como um todo?
16
BOAL, Augusto. Estética do Oprimido. Rio de Janeiro: Garamond/Funarte, 2009.
Brecht tinha o desafio de buscar a politização da arte, tendo esta uma
finalidade pedagógica, mas ao mesmo tempo torná-la atrativa. Será que o Teatro
Mas como seria esta obra de arte? O realismo daria conta? Como construir
mobilizados por uma subjetividade isolada; é preciso criar uma nova estrutura, um
novo gênero. Nele a forma tem uma conexão dialética fundamental com a questão
do conteúdo, não concorda com um renovar por renovar, sem uma significação.
17
que é universal, tendo a conexão com a história social.
Brecht responde aos críticos de seu teatro, e acredito que Boal poderia
teoria.
18
BOAL, Augusto. Estética do Oprimido. Rio de Janeiro: Garamond/Funarte, 2009.
19
20
21
SCHWARZ, Roberto. Sequências Brasileiras. São Paulo: Cia. das Letras, 1990.
Acredito então que, talvez, esse método brechtiano seja ainda, ou não, uma
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1985.
Hucitec,1980.
SCHWARZ, Roberto. Sequências Brasileiras. São Paulo: Cia. das Letras, 1990.
337
RESUMO
Este artigo tem como objetivo analisar alguns aspectos do projeto artístico-
pedagógico Material Tebas Eldorados/ 11 de Setembro da II Trupe de Choque.
Neste projeto foram realizadas cenas a partir de: materiais dispostos nos locais,
proposta de temas a partir de textos tebanos, improvisações e interações entre
ator/espaço/espectador ou participante, havendo a transferência de controle da
cena ao público agente-compositor. Durante todo o processo de criação, que teve
duração de um ano, todos os participantes – desde o público até os pacientes do
Hospital Psiquiátrico Pinel, local onde fica a sede do grupo – houve a abertura do
processo de criação etapa por etapa, através de vivências e apresentações, não
de uma peça teatral, mas de seus detritos. Desta forma os participantes colocam-
se como sujeitos da criação ou público agente-compositor, abarcando inúmeras
vozes em processo contínuo. O processo de criação está em trânsito constante e
os participantes atuam para si mesmos, obtendo seu próprio aprendizado diante
da própria atuação e da atuação dos outros, gerando uma atividade crítica aos
comportamentos e aos discursos hegemônicos, aproximando-se dos fundamentos
das peças didáticas de Bertolt Brecht. A participação dos atuantes fundamenta o
processo de construção em que são abordados os estilhaços de uma cultura, o
pós 11 de setembro. Para iluminar a discussão sobre este processo cênico,
utilizarei fundamentos dos teóricos: Hans-Thies Lehmann, Bertolt Brecht, Flávio
Desgranges, Margarida Gandara Rauen, Nicolas Bourriaud, entre outros.
1
Mestre em Teorias Literárias - pesquisa em Dramaturgias do espaço. Especialista em Literatura
Dramática e Teatro. Graduada em Licenciatura em Artes Cênicas. Atualmente é professora
colaboradora da Faculdade de Artes do Paraná (UNESPAR-FAP). Diretora do Grupo Aurora
Teatral e professora de teatro juvenil e infantil pela Fundação Cultural de Curitiba, desde 2007.
338
ABSTRACT
This article proposes to analyze some aspects of the pedagogical-artistic project
Material Tebas Eldorados/ 11 de Setembro, by II Trupe de Choque. The scenes
composed were elaborated by the participants who had several clues at their
disposal: material objects placed within the area where the project was set, themes
selected from Theban plays, improvisations and interactions among the triad
actor/space/spectator and transfer of control to the public as compositional agent.
During the process of creation, which lasted a whole year, all the participants,
including the patients of the Psychiatry Hospital Pinel, where the headquarters of
the group are localized, there has been a step by step open interchange, through
experience and presentation, not of a play, but of its remains. Thus, the
participants become subjects or compositional agents of the activities, being part of
the multiple voices in continuous movement. The creative process is in constant
transit and the participants act independently, learning from their own performance
and the performance of others. The activities criticize stereotyped behavior and
hegemonic discourses, using strategies that can be related to Bertolt Brecht’s
objectives as concerns his learning plays. The participation of the actants
constitutes the foundation of the process of construction in which the remains of
our post September 11th culture are addressed. This scenic manifestation will be
investigated in the light of the theoretical perspectives of Hans-Thies Lehmann,
Bertolt Brecht, Flávio Desgranges, Margarida Gandara Rauen, Nicolas Bourriaud,
among others.
contemporâneo.
Brecht. Tendo como base o teatro dialético, a criação coletiva inclui a colaboração
2
A proposta da II Trupe de Choque foi publicada em duas edições de manifesto em forma de
jornal, denominado negativo. Todas as citações desse documento serão assinaladas pela letra N1,
referente ao primeiro ou N2, que se refere ao segundo, seguida pelo número das páginas.
340
proposição participativa feita aos integrantes do evento, ou seja, “um processo que
social e reflexão sobre as atitudes realizadas diante dos fatos abordados, ensinam
aprendizado, pois, diante da própria atuação, da atuação dos outros e – por meio
destas – a crítica aos comportamentos e discursos, a peça didática visa gerar uma
jogadores.
Müller (1997), o trabalho com o fragmento tem várias funções, entre elas a de
Brecht, primariamente política, já que age contra padrões produzidos pela mídia,
121).
Pesquisa acaba por romper as limitações entre teoria e prática, fazendo jus ao
a partir das formas que se tem, do sujeito que se é, dos órgãos que se
tem (...), extrair partículas, entre as quais instauramos relações de
movimento e repouso, velocidade e lentidão, as mais próximas do que já
estamos devindos e pelas quais a gente devém. Nesse sentido, diz-se
que o devir é o processo do desejo. (DELEUZE, GUATTARI, p. 334)
342
teatral, mas de seus detritos, “restos de tudo aquilo que o processo de criação foi
nova experiência artística com o público, para que assuma o papel de um catador
de sucata e de lixo e recolha por entre os cacos, os restos, os detritos, algo que
Peripatéticos foi escolhido como base para esse projeto a miragem de Eldorado,
transformação que pode gerar também fracassos e horror, pois são capazes de
setembro.
imagem central desse projeto, que torna capaz de articular seus inúmeros
e Os sete contra Tebas que, segundo o grupo, a partir da identificação por meio
de improvisações das ações centrais de cada uma dessas peças, pode haver o
subjetividades.
mercadoria. O texto busca dar algumas bases para trabalhar o vazio de Antígona
local, como, por exemplo, diversos figurinos pendurados nos galhos das árvores
e outros eletrônicos deixados à vontade para que todos possam mexer, mudar e
criar no espaço e tempo da vivência. Tudo pode ser utilizado para criar, inclusive
cenas - pode ser tanto uma cena teatral, quanto uma instalação, pois há total
Antígona? Esse jogo acontece como um jogo de “poder”, em que cada pessoa da
junto com a cena criada a partir do texto proposto até chegar ao local de criação
novamente, mas, desta vez, buscando relacionar cada criação individual com a
criação coletiva para recriá-la novamente pelo todo. A partir dessas vivencias,
cada participante mostra as cenas criadas, num cortejo em que todos observam
em conjunto
muitos dos trios ou duplas, não chegam a utilizar o texto lido no início da vivência,
gestos corporais. Algumas duplas lêem trechos do texto, outras apenas repetem
fragmentado e aberto. O local e os objetos que ali estão fazem parte do material
de criação de cenas tanto quanto os cacos e detritos que podem ser visto nestas
escombros.
vozes dos que ficaram abafados pela história é realizada devido ao seu formato de
assim como o vazio irrompido no pós 11 de setembro, pois, a partir daí, surge a
contradição, que é dada a ver através dos fragmentos que podem ser os cacos do
das vozes dos participantes, ao criarem juntos, de diversas formas, como atores,
teatro é um jogo, a partir de uma análise do estudo de Callois sobre o jogo e suas
tipologias, Rauen comenta que ludus implica jogo com regras e paidia jogo sem
regras, porém a palavra “jogo” tende a ser mais relacionada com o ludus, incluindo
é um dos fatores que interfere na relação do público com a obra, quanto mais o
espectador puder transitar livremente maior grau de liberdade lhe é dada e quanto
Existem grupos de teatro que têm como objetivo a participação do público, porém
muitas vezes, um espaço que não tenha a forma de controle com a separação
houver instruções sobre o que fazer e onde estar no espaço, o jogador – que
também resiste à participação por motivo de vergonha, medo de ser exposto. Por
outro lado,
poder da criação. Por ironia, essa liberdade, pela qual o participante pode exercer
culturalmente.
assujeitados, são permeados pelo controle exercido por um poder em que tudo
Material Tebas assim como da sua própria história pessoal e social, experiência
nem um ensaio aberto, dentro dos formatos que já existem, e sim um processo a
ser descoberto no calor da relação entre público e atores, dialogando com o tema
tratado sobre relações de poder e relações sociais, que podem ser percebidas
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOURRIAUD, N. Estética relacional. Trad. Denise Bottmann. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
DELEUZE, G & GUATTARI, F. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. Trad. Aurélio Guerra Neto e
Célia Pinto Costa. São Paulo: Editora 34, 1995.
II TRUPE DE CHOQUE. NEGATIVO. Ano 1. São Paulo, Ed. II Trupe de Choque, 2010.
351
______. NEGATIVO: Material Ciborgue. Ano 1, numero 2. São Paulo, Ed. II Trupe de Choque,
Novembro/ 2011.
352
MOTA, Marcus1
RESUMO
1
Marcus Mota é professor de Teoria e História do Teatro na Universidade de Brasília. Na
mesma instituição dirige o Laboratório de Dramaturgia desde 1997, a partir do qual foram
criados e encenados diversos espetáculos que integram pesquisa, teatro e música, como
Caliban(2006); No Muro. Opera Hip-Hop(2010); e David (2012). Publicou, entre outros títulos,
A dramaturgia Musical de Ésquilo (Editora UnB, 2008) e Nos Passos de Homero
(Annablume., 2013).
353
ABSTRACT
Preliminares
David ficava claro: mas todo esse empenho dele, ou de seu narrador, em se
distinguir de Saul, fazia com que David se tornasse cada vez mais um novo
Saul.
Essa hipótese era provocativa. Afinal, David é objeto de culto tanto do
judaísmo como do cristianismo. Entre o texto e o processo bimilenar de
interpretação e mitificação, haveria a possibilidade para leituras que não
reproduzissem pressupostos fechados, que não se restringissem a
parafrasear o já dito?
Foi nesse momento que me encontrei com a obra de Israel Finkenstein
e, dele, com a de Eric Hobsbawm.
Novos pressupostos
3
Há tradução da obra publicada pela Companhia das Letras em 2007com o título de A arte
da narrativa bíblica.
4
Publicado pela A Giraffa Editora em 2003.
356
5
A pesquisa de G. Nagy, a partir da hipótese Parry-Lord, procura pensar a composição oral
dos poemas homéricos e a produção de uma edição crítica que leve em contas as variantes.
358
O espetáculo David
7
Fundo de Arte e Cultura do GDF.
360
Para mim foi impactante: eu achava que tinha algo pronto. Tive não só
de rever a obra, para me possibilitar a me rever, a enfrentar este estado
confortável da 'autoria'.
A partir da provocação de Hugo Rodas, iniciou-se um processo
deveras trabalhoso de criação e aprendizagem: novas demandas de cena,
tanto musicais quanto verbais, preconizam uma escuta atenta, uma
negociação aberta diante de todos.
Com as mudanças no conceito do espetáculo, tivemos mudança
outras como as de sua sonoridade. Na primeira versão do roteiro, as
fronteiras entre palavra falada e palavra cantada era guarnecidas uma
abordagem da canção solista, e com alguns recitativos, a partir de estilemas
de canção musical erudita do século XIX. Mas agora, com a fusão entre
vários tempos, com orientação de se trabalhar com referências múltiplas em
cena, as sonoridades deveriam ser modificadas. A dinâmica de referências
necessitava alguém com experiência em eventos com mais fluidez. Daí a
importância de Marcello Dalla. Com experiência sólida em música e
tecnologia, música e cinema, música vocal e instrumental, Marcello Dalla com
seus arranjos e orquestração trouxe para o espetáculo essa música em
movimento, tanto se vincula à canção dos intérpretes como também à cena,
ao que está acontecendo. Ainda, o material musical encontrou um apoio firme
nas tradições nacionais, ou melhor, na música feita no Brasil hoje8.
Ainda, os ensaios, que começaram em agosto de 2012, coincidiram
com o julgamento do mensalão. Além da experiência de redimensionar os
textos e as canções a partir dos ensaios, tivemos ainda o confronto entre a
narrativa de base da peça e os acontecimentos da Capital Federal: Na peça,
um grupo de bandidos é apresentado em sua escalada de poder; na
realidade, um grupo de criminosos era julgado por seu projeto de poder.
David e Lula.
No contato inicial dos atores com o material inicial dramatúrgico houve
um misto de estranhamento e atração: encenar obras que parte de material
narrativo bíblico acarreta algumas tensões recepcionais. Os atores foram o
primeiro grupo receptivo do espetáculo. Uma complicação ainda mais neste
8
Para a ficha técnica completa de David, v. http://ladiunb.com.br/index.html.
361
Abertura
Instrumental Formação do Bando.
Encontro com o rei
Baile Funk
Vídeo
Canção mulher
Entrada do FINAL. Rei condena
Tecoa
sacerdote David. Monólogo e
Lamentos e horror canção de coro.
Luta e morte
pelas mortes inúteis
por Joabe para comover o rei, para que o rei David aceite de volta seu filho
Absalão, o qual havia promovido uma revolta civil no reino. A cena é meio
que encaixada na narrativa como uma parábola, uma história dentro da
história. Como os demais personagens do espetáculo de agora, ela é
anônima. NO texto bíblico ela é chamada de "mulher sábia de Tecoa", mas
de fato é uma mulher esperta, que interpreta uma dor que não é sua para
persuadir. Ela busca instilar no rei David um a lembrança de sua paternidade.
Na inversão de referentes proposta pelo espetáculo, a mulher de Tecoa deixa
de ser uma falsa atriz, uma simulação, para apresentar o outro lado da
guerra, a guerra das mulheres, os efeitos da guerra, das mortes nos elos
menos favorecidos da comunidade, como o faz o coro de mulheres em Sete
contra Tebas.
368
MUNK, Leonardo1
RESUMO
1
Leonardo Munk é professor e pesquisador vinculado ao Departamento de Teoria de Teatro e
a Escola de Letras da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Dedica-se
ao estudo das relações entre teatro e artes visuais, com ênfase nos tópicos mito, memória e
violência.
369
ABSTRACT
The reasons that kept Bertolt Brecht away from the cinema are well known, and
this despite his large interest in this new artistic expression. The famous case of
the transposition of The Threepenny Opera to the screen was just the best
example of this turbulent relationship. In this case, it may be said that the
adaptation made by G. W. Pabst from the original text had little to do with
Brecht's ideas for the film language. Faithful to the theatrical conception, the
adaptation of Pabst works still today as an important document of Brecht’s
staging.
Taking inspiration from Brecht’s work, Helena Ignez, actress of important
Brazilian films from the 60s, such as The Priest and the Girl and The Red Light
Bandit, directed a film version of Baal in contemporary Brazil.Betting on the
dissolution of conventional narrative boundaries, Ignez did justice to the spirit of
the young controversial Brecht.Released in 2008, almost ninety years after
Brecht’s writing, The Song of Baal was shown at festivals but had little
receptivity at movie theaters.
Contaminating Baal with aspects of the Brazilian character Macunaima, a
strategy that stresses the relevance of this Brecht’s character to our context,
Ignez unveils not only an irresistible similarity between these two bad character
heroes – what exposes unsuspected affinities between Brecht and Mario de
Andrade and the German and Brazilian Modernisms – but also reaffirms the
critical resistance of the text in question, as well as its duration beyond the living
presence in theater.
A REPÚBLICA DO CINEMA
A respeito dessa outra forma de narrar, Ilma Esperança Curti nos dá uma boa
síntese. Cito-a:
3
CURTI,Ilma E. de A. S. “Cinema de interrogação e distanciamento”.In: BADER, Wolfgang
(org.) Brecht no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. p. 121.
4
BRECHT, Bertolt. Estudos sobre teatro. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005. p. 32.
374
5
BENJAMIN, Walter. Op. cit., p. 83.
6
LOBO, Luiz F. “Fragmentos, cortes, montagem”. In: Cinemais, n.12, jul/ago 1998, p. 70.
7
BÄR, Gerald. “Amanhã o filmezinho está pronto”: O Jovem Brecht e o Cinema. 2009.p. 16-17.
375
BRECHT E A ANTROPOFAGIA
8
RAMOS, Jorge Leitão. Sergei Eisenstein. Lisboa: Livros Horizonte, 1981. p. 22-23.
376
9
LIMA, Reynuncio N. A devoração de Brecht: uma busca de identidade brasileira. In: BADER,
Wolfgang. Op. Cit. p. 91.
10
XAVIER, Ismail. O cinema brasileiro moderno. São Paulo: Paz e Terra, 2001. p. 66.
377
VIGÊNCIA DE BAAL
11
MACIEL, Luiz Carlos. “Dialética da violência”. In: ROCHA, Glauber. Deus e o Diabo na terra
do sol. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,1965. p. 214.
378
12
BRECHT, Bertolt. Teatro completo em 12 volumes. 2.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.
p. 17.
13
GUIMARÃES, Pedro Maciel. “O caipira e o travesti. O programa gestual de um ator-autor:
Matheus Nachtergaele”. In: Significação - Revista de Cultura Audiovisual, n. 37, jan/jun 2012. p.
121.
379
RESUMO
1
Maria Amélia Gimmler Netto é artista cênica, professora e pesquisadora. Mestre em Artes
Cênicas pelo PPGAC/UFRGS e Licenciada em Educação Artística - Habilitação em Artes
Cênicas pelo CEART/UDESC. Professora Assistente do Curso de Teatro - Licenciatura do
CEARTE/UFPel.
381
ABSTRACT
o que se aprende numa peça didática, ele [Brecht] responde que os aprendizes
são aqueles que estão jogando e participando. Não o público.” (LEHMANN
apud DESGRANGES, 2006). A ideia das peças didáticas apresentou, na época
em que foram propostas por Brecht, um novo caminho para o teatro, por elas
estarem centradas na participação ativa do espectador. Ou seja, por elas
promoverem um evento artístico em que os participantes são ao mesmo tempo
atuantes e observadores.
Ao traduzir o termo Lehrstück do alemão para o inglês Brecht preferiu
usar o termo learning play que significa peça de aprendizado. Salienta-se
assim seu caráter investigativo e sua premissa de produzir aprendizagem. No
Brasil, geralmente se usa a expressão peças didáticas para traduzir Lehrstück.
A tradução foi feita pela professora e pesquisadora Ingrid Dourmien Koudela,
da Escola de Educação e Artes da USP, que trouxe para o Brasil o estudo
sobre essas obras de Brecht.
Para Brecht a pedagogia do teatro seria aquela capaz de propor uma
aprendizagem como processo de apreensão crítica da vida social e que
possibilitasse ao indivíduo tomar conhecimento das coisas pela via da
experiência sensível. O autor realizou seus experimentos artísticos com as
peças didáticas entre os anos de 1929 e 1932 especialmente com crianças e
jovens nas escolas ou com grupos de operários.
A iniciativa da peça didática surge para romper com os padrões
estabelecidos pelo teatro comercial, buscando outros meios de produção. Esta
iniciativa visava à democratização do teatro, propondo que ele fosse praticado
por amadores, estudantes, trabalhadores e encontrava outros espaços e outros
públicos possíveis para a arte cênica. Um teatro pensado para aqueles que não
pagam pela arte e nem são pagos pela arte, mas que querem fazer arte,
afirmava Brecht.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
RESUMO
O presente texto tem como objetivo suscitar a reflexão sobre a participação de
atores com corpos diferenciados no teatro contemporâneo sob a perspectiva da
poética brechtiana. Deste modo o estudo realiza concomitantemente uma
averiguação acerca da produção de estigmas e a forma em que eles se
instauram, se propagam e interferem na sociabilidade entre os seres humanos
considerados normais e os com corpos diferenciados, bem como na fazer
teatral. No que tange ao teatro à luz poética brechtiana na contemporaneidade,
o texto demonstra que diante da nova forma de dominação política e social,
nada, nem mesmo o corpo fugirá da métrica mercadológica, onde a soberania
da força da imagem determina o padrão de corpo perfeito, esquecendo das
variadas funções que o corpo pode realizar seja completo ou não, e é neste
sentido que o ator com corpo diferenciado, que é corriqueiramente
estigmatizado, relegado ao ostracismo social, porque provoca e desestabiliza a
imagem tradicionalmente atribuída ao corpo humano “perfeito”, tem a
oportunidade de questionar, denunciar e subverter junto aos espectadores todo
o processo de estigmatização dos seres humanos com corpos diferenciados
nas artes cênicas e na sociedade contemporâneas.
Palavras-chave: Corpos Diferenciados; Teatro Participativo; Estigmas; Poética
de Bertolt Brecht.
ABSTRACT
This paper aims to inspire reflection on the participation of actors with different
bodies in contemporary theater from the perspective of brechtian poetics. Thus
the study concurrently conducts an investigation on the production of stigma
and how they are established, spread and interfere with the sociability of human
1
Mestre em Artes Cênicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte com bolsa pela
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Graduado em Licenciatura em Teatro
pela Universidade Federal de Alagoas. Fundador, encenador e ator da Cia. N'ATOS de Teatro. Membro
do CRUOR Arte Contemporânea.
393
beings considered normal and those with different bodies, as well as in doing
theater. Regarding the brechtian theater to light in contemporary poetry, the text
demonstrates that before the new form of political and social domination,
nothing, not even flee the body of marketable metrics, where the sovereign
power of the image sets the standard for perfect body , forgetting the various
functions that the body can perform either complete or not, and it is this sense
that the actor with differentiated body, which is routinely stigmatized, ostracized
social, because it provokes and unsettles the image traditionally ascribed to the
human body "perfect" has the opportunity to question, expose and subvert the
spectators along the entire process of stigmatization of people with different
bodies in the scenic arts and contemporary society.
Key-words: Differentiated Bodies; Participatory Theatre; Stigmata; Poetic of
Bertolt Brecht.
Este escrito tem como finalidade realizar uma reflexão sobre o trabalho
dos atores com corpos diferenciados no teatro contemporâneo sob a
perspectiva da poética brechtiana, no entanto se faz necessário refletir
inicialmente sobre estes indivíduos na sociedade contemporânea.
Na contemporaneidade, tem se falado demasiadamente sobre o
reconhecimento e a aceitação da diversidade na vida em sociedade, ou seja, a
garantia de todos ao acesso às diferentes oportunidades socioeconômicas e
culturais, independentemente das peculiaridades de cada indivíduo e/ou grupo
social, no entanto na sociedade contemporânea nos deparamos
cotidianamente com uma ação inversa: exclusão.
O porquê disto é que a lógica da exclusão ainda perdura firmemente em
uma sociedade que marginaliza, rejeita a diferença e que evidentemente não
costuma considerar o pressuposto de que quanto mais se aumenta a distância
entre poder e qualidade de vida nos grupos humanos, maiores serão as
probabilidades de segregação. Logicamente, isto remete ao caráter político e
público da sociedade a um lugar secundário, onde ideais como justiça social,
equidade, solidariedade e democracia resultem em palavras vãs, porque não
são prioritariamente os ideais necessários em um mundo em que tudo passa
pela métrica do capital.
394
2
In http://www.seer.ufal.br/index.php/extensaoemdebate/article/viewArticle/66 - Revista
Extensão em Debate · Vol. 1, No 1 (2010).
3
In http://michaelis.uol.com.br/ <acessado em 30 de novembro de 2011.>
395
Neste viés, tanto Erving Goffman (1975) como Le Breton (2001) afirmam
que cada sociedade seleciona atributos que ajustam a maneira como cidadãos
devem ser. E esses atributos devem ser iguais para todos o que acaba
resultando em expectativas normativas. E os sujeitos que não se encaixam
nelas acabam sendo estigmatizados, como o é caso das pessoas com corpos
diferenciados.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
399
BRECHT, Bertolt. Estudos sobre Teatro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1978.
FELDENKRAIS, Moshe. Consciência pelo Movimento. São Paulo: Editora
Summus, 1977.
GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade
deteriorada. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.
HADERCHPEK, Robson Carlos. O teatro do dia-a-dia interpretado à luz do
gestus brechtiano: “Pixei e saí correndo pau no cu de quem tá lendo...”.
Campinas: UNICAMP. Dissertação (Mestrado em Artes). Programa de Pós-
Graduação em Artes. Universidade Estadual de Campinas, Universidade
Estadual de Campinas, 2005.
RESUMO
1
Professora Assistente da Escola de Música e Artes Cênicas da Universidade Federal de
Goiás; e do curso de Especialização em Educação Infantil (NEPIEC/FE/UFG). Atualmente é
coordenadora do Grupo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em Interações Artísticas –
SoloS de Baco; e pesquisadora do Diretório CNPq, nos grupos: Grupo Interdisciplinar de
pesquisa em teatralidade e espetacularidade na cena contemporânea; e Cultura e
Fundamentos da Educação (Linha Teoria Crítica, cultura e educação).
402
ABSTRACT
This paper will discuss the Dialectical Theatre and theory and praxis sense in
the condition of our times, based on the Critical Theory, in dialogue with the
cata(dores)recicláveis creating process. Guided by director, researcher and
professor Natássia Garcia, the stage show has been planned based on the
experience with the research project: Environmental education: combating
prejudice, violence and consumerism in Goiânia's recicling worker's childrens
familiar enviroment, coordinated by Dr Silvia Zanolla (FE/UFG) between the
years 2009 to 2011. cata(dores)recivláveis project approved in Prêmio Funarte
de Teatro Myriam Muniz 2012, has as main objective to study, discuss and
enact the categories of exploiration of human labor, prejudice, consumerism,
barbarianism and Cultural Industry in recycling workers context. Therefore, the
group has been studying the contributions of Dialectical Theatre, proposed by
Bertolt Brecht (Germany), and the Theatre of the Oppressed, proposed by
Augusto Boal (Brazil) for the composition of dramaturgy. The choice of scenery,
costumes and props from the show was based on the collection and recycling of
materials collected during the search.
2
Neste período do processo, compunham o coletivo: o estudante de Artes Cênicas Jackson
Douglas Leal (Emac/UFG) e os integrantes do Grupo Plenluno Teatro (Alinne Vieira, Jairo
Molina, Jonathan Sena e Lorena Fonte).
3
Cf. A indústria cultural (ADORNO, 1986, p.92-99). Adorno explicita nesta segunda publicação,
que o termo indústria cultural foi empregado pela primeira vez no livro Dialética do
Esclarecimento [Dialektik der Aufkärung], escrito por ele e Horkheimer. Segundo o autor “A
indústria cultural é a integração deliberada, a partir do alto, de seus consumidores. Ela força a
união dos domínios, separados há milênios, da arte superior e da arte inferior” (ADORNO, 1986,
p.92-93).
404
condições então existentes.” (ADORNO, 1995a, p.206). Para o autor, esse fato
acompanhou o movimento da não-liberdade do homem, levando-o a agir
“contra o princípio do prazer a fim de conservar a sua própria existência”
(ADORNO, 1995a, p.206). O trabalho passou a ser um meio para suprir as
necessidades individuais, onde o homem aprisionado se torna alheio à
atividade que exerce e é, portanto, infeliz. Adorno (1995a) relembra que Marx
havia prevenido acerca da iminente recaída na barbárie na revolução. O
filósofo explicita que uma efetiva práxis seria um esforço para sair da barbárie,
mas com a distensão desta na sociedade industrial, ficou ainda mais difícil
superá-la. Sobre isso, Adorno alerta: “Ou a humanidade renuncia ao olho por
olho da violência, ou a práxis política supostamente radical renovará o velho
horror” (ADORNO, 1995a, p.215). Por tudo isso, para o autor, a práxis sem a
teoria limita o conhecimento; enquanto ela deveria ser a forma para se evitar a
racionalização irrefletida, uma forma de barbárie.
No caso da realização do espetáculo cata(dores)recicláveis, ao nos
descolarmos da realidade dos catadores e recicladores para iniciarmos a
produção do espetáculo, optamos por expor as contradições do processo de
criação artística na própria obra. Entendemos que desta forma, podemos
tencionar a idealização que existia em produzir um espetáculo “aceitável”, mas
que trata de assuntos tão indigestos. Além de trabalharmos com a coleta de
materiais recicláveis para a confecção do cenário e do figurino, o espetáculo é
a própria materialização das experimentações com os vestígios do lixo.
Compusemos a dramaturgia a partir das histórias de coletores e recicladores,
entreamando com os acontecimentos históricos que demonstram como se
relacionam a produção de lixo e a exploração do trabalho humano no contexto
dos trabalhadores com materiais recicláveis.
Exposta a ideia, concordamos que embora o teatro seja aprendido
também por técnicas e, em alguma medida por imitação, esta pode ser
percebida ora como meio de aprendizagem, que envolve uma prática
reproduzida: ora sendo prática reprodutiva, ora práxis criadora. Entendemos
que, contraditoriamente, a extinção da mimese não é possível se quisermos
conservar a consciência da luta de classes. Os resíduos, as sobras e os restos
são o nosso o assunto porque acreditamos na possibilidade de superação da
411
pobreza humana por meio da consciência humana. Neste caso, passa pela
memória de homens e de mulheres marcados pela invisibilidade social.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
RESUMO
ABSTRACT
1
Professora Adjunto EMAC – Escola de Música e Artes Cênicas - UFG
413
This paper aims at presenting the process of staging the play “Hip Brecht Hop”
developed in the theses of doctorate in performing arts, with young actors and a popular
dancer from Salvador/Bahia. The actors brought Hip Hop for they identify the likelihood
of chorus of the didactical plays and the language used by hip hoppers in their music.
The methodological founding used was the applying of the didactical pays by Bertolt
Brecht and of his Epic theatre. The aim was to use these two resources in the process of
dramaturgic creation, sensitization of senses and the development of a theatrical play
which social intervention had in its core the idea of political emancipation and
aesthetics-discursive production. We will report on the application of the didactical pays
and their repercussion in the process of individual growth, artistic and of creating the
dramaturgic text. The praxis and the meaning of working with community theatre aim at
the expansion of the science-field of the young actors.The didactical play has the role of
a pretext that needs to be articulated in an efficient manner so that from that provocative
logic actors feel stimulated to frame everyday situations and apply them as embryos of a
new theatrical text. For that purpose we have applied the didactical play as a “learning
model” where everyday scenes of social afflictions were narrated and experienced.
Critical, political and social consciousness is brought about through this learning model
and it also allows the applying of theatrical body training as well as voice and acting
exercises.
Nas últimas décadas do século XIXa série de conflitos que ocorriam em diversas
partes do mundo, prenunciava a eclosão de uma grande guerra mundial. A Alemanha
ostentava uma oligarquia financeira compacta, resultado de uma concentração do
capital industrial aliado ao capital bancário, formando monopólios poderosos. Nesse
cenário, a classe operária passava por momentos difíceis e de uma forma bastante
414
Não é, portanto de se estranhar, que toda a obra de Brecht virá marcada pela
luta contra o capitalismo e contra o imperialismo. Todo o tempo há uma profunda
reflexão sobre a situação do homem num mundo dividido em classes; e o estudo do
relacionamento entre os homens que vivem condicionados a uma divisão econômica-
política.
A característica mais importante da obra brecht é a visão que ele tinha do teatro
como um elemento que deve apresentar à sociedade os fatos cotidianos a fim de que o
espectador os julgassem, portanto, tudo serviria de depoimento e documentação. Tanto
o seu teatro épico quanto o didático são narrativos e descritivos, onde por meio de um
processo dialético Brecht apresentava duas funções: fazer as pessoas se divertirem e
pensarem.
Nenhum outro escritor foi tão representativo da sua época quanto Brecht. Uma
época tumultuosa de rebeldia e de protesto refletida extraordinariamente em suas
obras, que apontam sempre para os problemas fundamentais do mundo atual: a luta
pela emancipação social da humanidade.
A alienação do homem, para Brecht, não se manifesta como produto da intuição
artística. Brecht ocupa-se dela de maneira consciente e proposital. Mas não basta
compreendê-la e focalizá-la. O essencial não é a alienação em si, mas o esforço
histórico para a desalienação do homem.
Essa opção de Brecht por um teatro que apresenta características que formam
uma tríade — é narrativo, crítico e político. A construção de uma teoria de
representação teatral fundamentada no distanciamento do ator tem por objetivo deixar
claro o caráter social e mutável do que é mostrado, o que vai de encontro à
imutabilidade da natureza humana pregada pelo teatro dramático.
Sua obra tem compromissos firmados com a causa política sem deixar de
apresentar seu autor como um artista talentoso, criador e renovador de sua arte. Isso
marcou profundamente suas concepções na história da dramaturgia e do teatro
mundial.
415
2
O termo original em alemão é Lehrstück. Ingrid Koudela(1991) nos diz que a tradução mais correta
desse termoseria ‘peça de aprendizagem’, “à medida que o termo ‘didático’ na acepção tradicional,
implica ‘doar’ conteúdos através de uma relação autoritária entre aquele que ‘detém’ o conhecimento e
aquele que é ‘ignorante’.
416
3
Charles Augustus Lindbergh (1902 - 1974), americano, foi o primeiro a sobrevoar o Atlântico num vôo
solitário, entre Nova York e Paris, em 1927, gastando 33 horas e meia na travessia.
418
o significado social do progresso técnico e científico assim como as bases para o seu
desenvolvimento.” (PEIXOTO, 1979, p.112).
Os jovens escolheram o fragmento da cena 2 – Terceiro Inquérito, em que
aparecem três clowns. A cena foi improvisada com trios e em seguida foi discutida a
temática da peça: manipulação x autonomia.
A terceira peça didática foi A decisão. A peça é um julgamento e provocou muita
polêmica na época em que foi apresentada por Brecht. Pelo seu caráter ideológico
partidário fazendo com que alguns autores como Hanna Arendt a relacionasse com “os
processos e expurgos iniciados na União Soviética após o VI Congresso do Partido
Comunista” (PEIXOTO, 1979, p.117).
Após a leitura e análise da peça, se discutiu sobre interesses individuais e
coletivos, mobilização social e participação política na comunidade. Depois dessa
discussão fiz um aquecimento físico a partir da criação de uma coreografia cujo tema
era “a comunidade e seus participantes numa ação social”. O próximo passo foi a leitura
da peça. Como os participantes já tinham discutido sobre interesses e mobilização
social, foi mais fácil a compreensão do texto e o reconhecimento do tema autonomia.
O fragmento escolhido para a dramatização foi A pequena e a grande injustiça.
Nesta cena quatro agitadores convencem um jovem a ficar na porta de uma fábrica,
cujos funcionários estavam em greve, distribuindo panfletos. Os panfletos traziam
mensagens de incentivo para alguns funcionários que se recusavam a fazer greve, a
agir de forma contrária. Um policial chega ao local e começa o enfrentamento entre ele,
os agitadores e o rapaz. O resultado disso é a morte do policial e de dois operários. Os
participantes dramatizaram a cena, procurando manter o texto e a situação do
fragmento o mais fiel possível. Em seguida formaram um único grupo esolicitei que
associassem as situações — tantos as que surgiram na discussão quanto àquela
relacionadaà A decisão — com outras situações do cotidiano, onde todos participassem
coletivamente e algumas dessas cenas foram improvisadas a partir das referências e da
memória dos participantes
A quarta leitura foi Aquele que diz sim e aquele que diz não, peça queteve sua
estréia em 1930. É uma ópera curta e foi representada por estudantes. A peça conta a
história de um professor que organiza uma excursão para buscar medicamentos que
419
combatam a epidemia que assola uma pequena cidade. O grupo tem que realizar uma
difícil travessia pelas montanhas. Um menino órfão de pai e cuja mãe esta doente, pede
para ir com a excursão. A partir daí a peça apresenta dois momentos distintos. Um em
que o menino adoece durante a viagem e aceita ser sacrificado, cumprindo a tradição; e
o outro em que ele não aceita morrer e exige que os companheiros o levem de volta
para casa. Conforme Peixoto (1979, p.116) “o tema é moral, mas Brecht estava
interessado em provocar um debate mais amplo”.
A exceção e a regra, também utilizada na oficina, foi apresentada pela primeira
vez em 1947, dezessete anos após ter sido escrita. É a única peça didática de Brecht
que se destina ao teatro. Peixoto (1979, p.125) informa que é uma “moralidade em oito
quadros, com um prólogo e um epílogo em versos. [...] é uma peça sobre a luta de
classes e possui um esquema político que pode ser interpretado de forma mais ampla”.
Para a leitura deA exceção e a regra, procedemos como das outras vezes,
porém iniciamos a aula com a música de Zé Ramalho – Vida de gado. Os participantes
escutaram-na, refletindo sobre a letra. A músicafoi trabalhada individualmente para que
os participantes identificassem o tema central. Foi feita a seleção individual de uma
frase da música para um trabalho de interpretação.
Depois desse aquecimento foi feita a leitura da peça e dessa vez os participantes
leram dando intenção ao texto, com emoção. Houve um crescimento tanto na leitura
como na interpretação. Não foi preciso estimular o grupo para fazer associações com a
música trabalhada, uma vez que eles conseguiram espontaneamente identificar
opressão e oprimido como teor temático da música e da peça.
Os participantes receberam um fragmento do texto – A água partilhada —
formaram duplas para fazer a preparar a cena a ser apresentada posteriormente. A
cena foi o excerto escolhido o qual relata que a água acabara e o carregador
percebendo que o comerciante estava com sede, aproxima-se com o cantil na mão.
“Vendo-o aproximar-se o comerciante imagina estar sendo atacado com uma pedra e,
incapaz de supor um ato de bondade da parte de quem sempre tratou com extrema
violência, mata o cule com um tiro” (PEIXOTO, 1979, p.127). As duplas apresentaram a
cena e se estabeleceu uma discusão sobrea interpretação dos jovens e sobre
420
Conclusão
Para concluir esse artigo resgato minha intenção de partir da teoria brechtiana
para quem o teatro tinha o objetivo de estimular o senso crítico, em busca de um teatro-
educativo numa perspectiva emancipatória e complexa.
Buscar este elo entre a arte e a sociedade, na tentativa de promover o
crescimento do ser humano, não é fruto da modernidade e nem da globalização. Platão
com seus escritos, por exemplo, nos remete a problemas sociais e trata-os com a
oralidade e a comunicação mesmo que trabalhando em bases imaginárias.
423
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BORNHEIM, Gerd A.A estética do teatro. Rio de Janeiro: Edições Graal Ltda., 1992.
BRECHT, Bertolt. Estudos sobre teatro - Bertolt Brecht. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1978.
________.Teatro completo em 12 volumes/ V.3; tradução Fernando Peixoto, Renato
Borghi e WolfgngBader. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
________.Teatro completo em 12 volumes/ V.4; tradução Fernando Peixoto, Renato
Borghi e WolfgngBader. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.
________________.Teatro completo em 12 volumes/ V.5; tradução Fernando Peixoto,
Renato Borghi e WolfgngBader. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991.
________.Teatro completo em 12 volumes/ V.6; tradução Fernando Peixoto, Renato
Borghi e WolfgngBader. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
424
________. Brecht:Poemas 1913 – 1956. / Seleção e tradução Paulo César Souza/ São
Paulo: Editora Brasiliense S. A, 1967.
CHACRA, Sandra. Natureza e sentido da improvisação teatral. São Paulo: Ed.
Perspectiva, 1983.
EWEN, Frederic. Bertolt Brecht: sua vida, sua arte, seu tempo.São Paulo: Globo, 1991.
HEGEL. Estética. Poesia. Trad. Álvaro Ribeiro. Lisboa, Guimarães Editores, 1964
HUIZINGA, Johan. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. São Paulo:
Perspectiva, 1992.
SOUZA, Jusamara;Fialho, Vânia Malagutti; ARALDI, Juciane. Hip hop: da rua para a
escola. Porto Alegre: Sulina, 2007.
425
RESUMO
1
Pós-graduada em artes-cênicas - Universidade Estácio de Sá
426
ABSTRACT
Introdução
Esta pesquisa debate a atual relevância de Brecht. A metodologia
consistiu de pesquisa quantitativa das peças do autor encenadas no Rio de
Janeiro entre 2006 e 2010. A principal fonte foi o suplemento Rio Show,
publicado às sextas-feiras no Jornal O Globo, na parte teatro. Constatou-se
que sete espetáculos baseados na obra de Brecht foram encenados na cidade
em circuito comercial. Também foram entrevistados alguns atores e diretores
que participaram destas montagens: Raphael Cassou, ator do Ato Brecht
(2006); Eduardo Moreira, integrante do Grupo Galpão que participou da
montagem de Um homem é um homem (2006) e Sérgio de Carvalho, diretor da
Companhia do Latão, que montou O círculo de giz caucasiano (2006).
Importante atentar para duas exceções. Uma é o recital Kurt Weill, que
aconteceu em 2008 no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Apesar de contar
com apresentações de Os sete pecados capitais e O voo de Lindbergh, ambos
textos de Brecht, o foco da apresentação era a obra de Weill. A outra é a
encenação de A Santa Joana dos Matadouros feita por alunos do curso de
teatro da Unirio em 2010, com direção de Rafael Dellamora. A peça não foi
incluída na pesquisa por se tratar de uma montagem fora do circuito comercial.
Os espetáculos
Em março de 2006, aconteceu no Espaço Cultural Sérgio Porto o evento
Ato Brecht, que contou com palestras e encenações de duas adaptações de
textos de Brecht,2. O grupo A.R.Te foi montado por iniciativa do coordenador
do curso de teatro da UniverCidade Vitor Lemos a partir de grupo de estudos
de Brecht. As adaptações se chamavam Ato 1 e Ato 2 por causa dos direitos
autorais de Brecht. Raphael Cassou, que atuou em ambas as peças, relatou
que os direitos para utilização dos textos de Brecht são muito caros. Por não
2
Jornal O Globo. Suplemento Rio Show, teatro.17/03/2006, 24/03/2006 e 31/03/2006.
428
contar com nenhum recurso, o grupo optou por mudar o nome das peças e
adaptá-las livremente.3
3
Os dados sobre o grupo A.R.Te e as apresentações do Ato 1 e Ato 2 foram obtidos através de
entrevista feita com o ator Raphael Cassou, no dia 14 de fevereiro de 2012.
4
Jornal O Globo. Suplemento Rio Show, teatro.05/05/2006, 12/05/2006, 19/05/2006,
26/05/2006 e 02/06/2006
5
Todas as declarações obtidas sobre esta peça foram relatadas pelo ator Eduardo Moreira, em
entrevista por Skype concedida à autora no dia 12 de fevereiro de 2012
429
Quanto à relação com o público, o ator conta que a peça viajou por
diversas capitais e cidades do interior, sendo montada tanto em teatros formais
como na rua. Isso levou o grupo a entrar em contato com públicos diversos.
Segundo ele, as peças do Galpão e do Brecht tem diversas camadas e “o
público mais comum muitas vezes fica nesse nível, tem mais dificuldade de
penetrar mais profundamente nessa questão da manipulação para uma
máquina de propaganda, de guerra”. Acrescenta ainda que a reação da plateia
era bastante interessante, pois era criado no decorrer do texto, “um incômodo
da reflexão, que era intencional do Brecht”.
6
Jornal O Globo. Suplemento Rio Show, teatro.11/08/2006, 18/08/2006, 25/08/2006,
01/09/2006, 08/09/2006, 15/09/2006 e 22/09/2006.
7
Todos os depoimentos de Sérgio de Carvalho são de entrevista do mesmo concedida à autora no dia 17
de fevereiro de 2012.
430
“Certamente tem que ser modificado. Acho que ele [Brecht] pensava
isso sobre a obra. Agora que tipo de modificação, o modo de fazer
isso, é muito difícil porque não basta adaptar, você tem que saber
como adaptar e mexer naquele material. Tem que ser usada como
material. Mas se você só, por exemplo, transpõe pro Brasil, se você
só muda ambientes, características, você não está fazendo nada
necessariamente. Porque isso pode confortar mais o texto, não
aumentar a crise do texto. Tem que ser um texto em crise, que põe o
espectador em crise intelectual ou gere movimento. Tem que gerar
movimento no espectador, ou em quem participa daquilo”.
Camilla Amado conta, em entrevista, que tentava “há cinco anos montar
os poemas do Brecht e depois de conseguir os direitos, tentava todo tipo de
patrocínio”. 8Sobre a montagem, Marcelo Morato conta que:
“A direção de Delson Antunes opta por criar uma situação fictícia para
que os atores interpretem a obra poética de Brecht, fugindo do recital.
Na primeira parte do espetáculo, Camila e Orã encarnam dois
operários desempregados que caminham sem cessar, em busca de
trabalho e comida, e durante sua jornada, filosofam, cantam, brincam.
(...) Na segunda parte do espetáculo, muito menor que a primeira, os
atores despem seus trajes de operários, e vestindo sobretudo, boinas
e charuto, interpretam os poemas onde o homem Brecht é mais
9
presente e fala em primeira pessoa.”
8
ALMEIDA, Jefferson. “Entrevista de Camilla Amado a Jefferson Almeida”.
inhttp://www.flogao.com.br/cadeiraeletrica/103859784, consultado em 20/02/2012
9
MORATO, op. cit.
10
MATEUS, Antonio Carlos Clemente. “Brecht, a poesia e o teatro”, in
http://www.polemica.uerj.br/pol21/cimagem/p21_antonio.htm , consultado em 20/02/2012.
11
idem
12
Jornal O Globo. Suplemento Rio Show, teatro. 14/12/2007, 21/12/2007, 28/12/2007,
04/01/2008, 11/01/2008, 18/01/2008, 25/01/2008, 01/02/2008, 08/02/2008, 15/02/2008,
22/02/2008 e 29/02/2008.
432
“Uma mulher veio assistir à peça com bebê de colo. (...) Ao informar à
mãe que havia ruídos de tiros, canhões, bombardeio, o que poderia
incomodar o neném, a jovem senhora argumentou: ‘Ele está
15
acostumado. Ouve tudo isso diariamente na favela’” .
Braz parte do princípio de que “o teatro épico é uma relação direta com a
plateia no sentido da plateia perceber o andamento da história pelas suas
partes e sempre lembrando a plateia de que ela está diante de um jogo, não de
13
Descrição da peça no site da Armazém Companhia de Teatro.
14
Declaração da atriz à Gazeta do Povo, Caderno G, em 20 de março de 2008.
15
Sergio Maggio em crítica da peça no Correio Brasiliense, em 01 de abril de 2008.
16
Jornal O Globo. Suplemento Rio Show, teatro. 05/05/2009, 12/06/2009, 19/06/2009,
26/06/2009, 03/07/2009, 10/07/2009, 17/07/2009, 24/07/2009 e 21/07/2009.
17
Matéria sobre a peça publicada no site teatro GT em 26 de junho de 2010
433
1. Conclusão
É possível perceber que nem todas as encenações possuem caráter
brechtiano, no sentido de modificação política do mundo. A questão da
atualidade de Brecht e das formas como seus textos são montados foi discutida
por diversos autores brasileiros. Fernando Peixoto aponta:
18
Entrevista de Marco Antonio Braz ao Programa Metrópolis, UOL entretenimentos, 23 de julho
de 2008.
19
Marco Antonio Braz em matéria sobre a peça publicada no site teatro GT em 26 de junho de
2010.
20
Idem.
21
Marco Antonio Braz em matéria sobre a peça publicada no jornal “A Nova Democracia”,
edição 55 de agosto de 2009.
22
idem
434
23
PEIXOTO, op. cit., p. 30
24
SCHWARZ, Roberto. A atualidade de Brecht in Revista Vintém, volume 1. São Paulo:
Hucitec, 1998, p.31.
25
Idem. Ibidem, p.32
26
Entrevista de Sérgio de Carvalho concedida a autora do dia 17 de fevereiro de 2012
435
27
SCHWARZ, op. cit., p.35
28
PEIXOTO, op. cit., p.55
436
29
Entrevista de Sérgio de Carvalho concedida a autora do dia 17 de fevereiro de 2012
437
RESUMO
O presente artigo objetiva fazer uma análise da dramaturgia das peças “Villa” e
“Discurso” (2011), do dramaturgo chileno Guillermo Calderón. As duas peças,
que são apresentadas sempre sequencialmente, trazem à tona a importante
questão do tratamento da memória dos tempos da ditadura na América Latina
atual. “Villa” apresenta em cena três mulheres, que discutem o destino de Villa
Grimaldi, um ex-quartel de tortura. São inúmeras as contradições presentes em
todas as opções apresentadas: deixá-lo como está, em ruínas, fazer dele um
museu ou reconstruí-lo como era. Já em “Discurso” as mesmas três atrizes
apresentam o discurso, em parte ficcional, em parte verídico, de despedida de
Michelle Bachelet da presidência do Chile. Este combo cênico pode ser
entendido como um exemplo de um teatro político contemporâneo, que se
propõe a encenar temáticas importantes da América Latina atual, intensificando
as contradições das questões apresentadas.
ABSTRACT
This article aims to analyze the dramaturgy of the plays "Villa" and "Discurso"
(2011), of the Chilean playwright Guillermo Calderón. The two plays, which are
often presented sequentially, bring up the important issue of treatment of
dictatorship’s memory in Latin America today. "Villa" presents three women on
the scene, discussing the destiny of Villa Grimaldi, a former barracks of torture.
There are countless contradictions in all the options presented: leave Villa as it
1
Flávia Almeida é doutoranda em Literaturas Modernas e Contemporâneas pelo Programa de
Pós-Graduação em Estudos Literários da UFMG (Pós-Lit – FALE – UFMG). Mestre em Teoria
da Literatura pela mesma instituição. Atriz formada pelo Palácio das Artes (Fundação Clóvis
Salgado - Belo Horizonte - MG).
438
Introdução
Villa
pela opção A – reconstruir a Villa como era; um voto pela opção B – construir
um museu; e um voto nulo – marichiweu, palavra mapuche que significa “dez
vezes venceremos”.
O impasse estabelecido por essa primeira votação anuncia a aporia
presente ao longo da peça – e mesmo fora dela: a dificuldade de lidar com
essa memória. Apesar da extensa discussão em torno de quem teria anulado o
voto, o que importa é justamente o impasse, o qual as três se propõem a
resolver a partir da defesa dos pontos apresentados.
O discurso argumentativo das atrizes é surpreendentemente
narrativo, alternando entre técnicas de identificação e distanciamento 2. A nosso
ver, essas técnicas possibilitam uma espécie de estranhamento, à maneira de
Brecht, em que o público é levado a se envolver com as imagens criadas
(principalmente nos momentos de narração), e logo a refletir sobre elas,
quando a narração é quebrada e volta o ambiente da discussão. Veremos que,
dessa maneira, a peça leva o espectador a inúmeras e irresolutas
contradições.
A opção A – reconstruir a Villa – é defendida por Carla. Seu
argumento principal é de que a reconstrução evitaria a anulação das provas e
um consequente esquecimento:
2
É importante enfatizar aqui que o tom da peça é muito próximo do performativo, das atrizes
que se colocam em cena, em presença, num tom de voz natural (minimamente amplificado por
microfones). O que mencionamos de identificação e distanciamento diz respeito aos momentos
de narração e de volta ao presente cênico.
3
CALDERÓN, Guillermo. “Villa”. In Teatro II. Santiago: LomEdiciones, 2012. p. 22-23.
440
¿Qué me trató de decir este museo? Ah. Me dijo que nosotras no nos
hacemos ilusiones. Estamos despiertos al dolor. Este es el mundo en
que vivimos y no lo vamos a negar. Lo vamos a habitar. Aquí vamos a
construir nuestra minoría y la vamos a construir con una dignidad
blanca. Y esa dignidad va ser linda. [...] Es una experiencia
7
contradictoria.
4
SELIGMANN-SILVA, Márcio. “Narrar o trauma – A questão dos testemunhos de catástrofes
históricas”. In Psicologia Clínica, Rio de Janeiro, vol. 20, n.1, 2008, p. 75.
5
CALDERÓN, Guillermo. “Villa”. In Teatro II. Santiago: Lom Ediciones, 2012. p. 29.
6
Op.cit. p. 29.
7
Op. cit. p.31-32.
441
8
Op. cit. p.38.
9
Cf. ANTELME apud SELIGMANN-SILVA, Márcio. “Narrar o trauma – A questão dos
testemunhos de catástrofes históricas”. In Psicologia Clínica, Rio de Janeiro, vol. 20, n.1, 2008,
p. 70.
10
TAYLOR, Diana. “Memory, Trauma, Performance”. In Aletria – Revista de Estudos de
Literatura. jan-abr. 2011, n.1, v.21. Belo Horizonte: Poslit, Faculdade de Letras da UFMG. p.75.
442
Discurso
11
É importante ressaltar que a presidente Michelle Bachelet não é nomeada na peça
“Discurso”. A correspondência fica clara pela caracterização e pelas falas da personagem, que
trazem dados históricos da ex-presidente chilena.
12
CALDERÓN, Guillermo. “Discurso”. In Teatro II. Santiago: Lom Ediciones, 2012. p. 79.
443
13
Op. cit. p.86.
14
Op. cit. p. 89.
15
Op. cit. p. 107.
16
CALDERÓN, Guillermo. “Villa”. In Teatro II. Santiago: Lom Ediciones, 2012. p.42.
17
POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol.
2, n. 3, 1989, p. 14.
444
Considerações finais
18
CALDERÓN, Guillermo. “Villa”. In Teatro II. Santiago: Lom Ediciones, 2012. p.42.
19
SELIGMANN-SILVA, Márcio. “Narrar o trauma – A questão dos testemunhos de catástrofes
históricas”. In Psicologia Clínica, Rio de Janeiro, vol. 20, n.1, 2008, p. 78.
445
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CALDERÓN, Guillermo. “Villa”. In ____.Teatro II. Santiago: Lom Ediciones,
2012. p. 9-70.
20
DIEGUÉZ CABALLERO, Ileana. Cenários liminares: teatralidades, performances e política.
Uberlândia: EDUFO, 2011. p. 104.
446
1
Diretora Teatral, Professora Adjunta do Departamento de Arte e do Programa de Pós-
Graduação em Estudos Contemporâneos das Artes, Universidade Federal Fluminense.
Atualmente coordena o Projeto de Pesquisa Pirandello Contemporâneo
(www.pirandellocontemporaneo.uff.br) Publicou o livro “Luigi Pirandello: um teatro para Marta
Abba”, Editora Perspectiva, 2010; além de diversos artigos sobre teatro, cena e dramaturgia.
446
447
ABSTRACT
In the teaching play The Decision (Die Massnahme), Brecht seems to propose
and interruption in the relations of man’s understanding about art/world. From a
limit situation — the decision over a man’s killing for the revolution’s better pace
―, the conditions for the emancipation of spectator’s conscience are installed,
and the spectator is prompted to create its own questions and answers before
the game presented. Thus, we foresee Brecht’s attempts to “des-alienate” the
spectator, by the stage opening for creative conditions between the cognitive
experience of the viewer and the scene poetry. What is filtered from Brecht’s
thought, in an effulgent manner in the play, is the expectation of a shared
experience between stage and audience, or, in and expanded idea, between art
and world. The creation of a space in art (Tassinari) in the didactic play allows a
dual movement of inclusion and exclusion of the viewer. We are not talking
about an idealistic vision, where the subject/spectator is known before the
experience, and we are neither endorsing the modern project of art autonomy.
We glimpse the conformation of a contradiction between unfamiliarity and
recognition that would facilitate an experience of exchange. When the play
causes unfamiliarity it excludes the spectator from the fictional world, but for
another hand, it doesn’t foreclose the spectator’s movement toward the world of
the play, and both, face to face interrogate, interpellate, cross each other. Thus,
Brecht proposes an arena of exchanges and deviations where the spectator is
one of the action poles.
Keywords: Brecht; Contemporary Spectator; Teaching play.
447
448
2
Cf. DE MARINIS, Marco. En busca delactor y del espectador. Buenos Aires: Galerna, 2005, p.
132.
448
449
3
BARBA, Eugenio. A canoa de papel. Brasília: Ed. Dulcina, 2009, pp. 27-28.
449
450
450
451
4
DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Ed. Gallimard, 2000, pp. 21-24.
5
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Ed. Loyola, 1996, pp. 37.
451
452
6
BRECHT, Bertolt. A decisão. In _ Teatro Completo. V.3. São Paulo: Paz e Terra, 2004, pp.
263-265.
452
453
453
454
454
455
455
456
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DE MARINIS, Marco. En busca delactor y del espectador. Galerna: Buenos
Aires, 2005.
DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Ed. Gallimard,
2000.
BARBA, Eugenio. A canoa de papel. Brasília: Ed. Dulcina, 2009.
BRECHT, Bertolt. A decisão. In_Teatro Completo, v.3. São Paulo: Paz e Terra,
2004.
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Ed. Loyola, 1996.
RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível. São Paulo: editora 34, 2005.
_______. O espectador emancipado. São Paulo: Martins Fontes, 2012.
TASSINARI, Alberto. A obra de arte e o espectador contemporâneos. São
Paulo: Cosac e Naify, 2001.
456
457
RESUMO
A Nau do asfalto é o resultado cênico da pesquisa de doutorado intitulada,
Dramaturgia de uma nau de loucos: uma possibilidade cênica, desenvolvida no
Centro de Pesquisa em Experimentação Cênica do Ator - Cepeca/ CAC/ ECA/
USP, sob a orientação do Prof. Dr. Armando Sérgio da Silva (ECA/ USP), e
coorientação da Profa. Dra. Helena Katz, da Pontifícia Universidade Católica/
PUCSP.
A pesquisa partiu da observação do movimento dos “corposloucos”, corpos dos
doentes mentais que vivem nas ruas de São Paulo, em seguida,
acrescentaram-se seus discursos, os quais se relacionaram com os elementos
cênicos criando as dramaturgias da encenação e da intérprete.
Os textos foram escritos por dois doentes mentais, moradores de rua, que não
dialogam, são totalmente independentes. Trata-se de um teatro político e
documentário. A resistência do movimento dos “corposloucos” no espaço
urbano podem ser percebida como um gestus? Há uma narradora silenciosa
que se comunica com o espectador por meio de placas de papelão, letreiro
manual e banner. Ao mesmo tempo em que ela se aproxima do espectador,
informando-o sobre dados estatísticos de saúde mental, ela se distancia
realçando o espaço onde o teatro de Brecht se anuncia, e o espectador
conquista um tempo precioso para a reflexão. Os elementos cênicos e o palco
são narradores de uma realidade contemporânea.
Esta comunicação pretende refletir como a Nau do asfalto dialoga com alguns
elementos da estética brechtiana: a peça didática, gestus e teatro político.
1
Cientista social pela PUCSP, mestra e doutoranda em Artes Cênicas pela Escola de
Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo - ECA/ USP. Atriz pela Escola de Arte
Dramática - EAD/ USP. Dançarina. Locutora pelo SENAC. Atua no teatro, televisão, cinema e
rádio. É membro do Centro de Estudos em Dança – CED e membro e secretária executiva do
Cepeca. mebarea@usp.br.
457
458
ABSTRACT
The Ship of asphalt is the scenic result of doctoral research entitled,
Dramaturgy of a ship of fools: a scenic possibility, developed at the Research
Center of Experimentation Scenic Actor - Cepeca / CAC / ECA / USP, under the
guidance of Professor Dr. Armando Sérgio da Silva (ECA - USP) and co-
supervision of Professor Helena Katz of Pontifical Catholic University/ PUCSP.
The research comes from the observation of the movement of the “crazybodies”
- a bodies of mentally ill people who live in the streets of São Paulo. Their
speeches were added, relating to scenic elements creating dramaturgies of
both playacting and of the interpreter.
The texts were written by two mentally ill people who live in the streets, and do
not talk to each other. Therefore, the texts are completely independent. This is
a political and documentary theater. Can the resistance of the movement of the
“crazybodies” be understood as a gestus? There is a silent narrator that
communicates with the spectator through cardboards, manual sign and
banners. At the same time that she approaches the spectator, informing them
about the statistical data on mental health, she distances herself by highlighting
the space in which Brecht theater arises, and the spectator gains a precious
time for reflection. The scenic elements and the stage are narrators of a
contemporary reality.
This communication aims to reflect on how the Ship of asphalt dialogues with
some elements of brechtian aesthetic: the learning play, the gestus and the
political theater.
INTRODUÇÃO
458
459
2
Os textos dos doentes mentais foram retirados do documentário Omissão de Socorro, de
Olívio Tavares de Araújo.
3
Os objetos cênicos são denominados de anteparo, termo cunhado por meu orientador e que
tem a função de proteger o ator em cena, ou intérprete, evitando que ele não cai no estereótipo
ou trejeitos. O anteparo pode ser tátil, imagético, sonoro, textual, entre outros.
459
460
Tudo diz que foi a Sonia Braga, porque ela faz assim. Ela não
tem o cabelo encacheado? Então ela sempre tira o lenço e faz
assim. É a gente falar no Dener, ela faz como a Roberta Close.
E no dia, na noite que matou o Dener, roubou a coroa do
Carmo, e a coroa do Carmo. E quem tava se casando era a
Perla, então quer dizer que ela não sabia com o Beto Carreiro,
mas o bruxo do Edu, o babalorichá,e o padre Dom Helder sabia
que essas menininha que foram morta, elas foram morta por
estrupador colocado, aí o homem parece assim com Sid Magal.
Elas grita: buçu ensaboado, seu desgraçado, seu desgraçado.
Então quer dizer que tem uns que chora, como Oton
Nascimento pedindo pra vingar a morte do filho, mas quantas
pessoa já num morreram, com a máfia do Parque Xangai?
Porque todo mundo sabe quem é o Parque Xangai. Quem me
persegue hoje é a mulher nanica pequena, porque a mulher
nanica pequena, ela não tem escrúpulo. Parece que ela foi
gerada cum anão. Parece que ela se submeteu com o Jô
Soares a transar com o anão do circo. Parece que ela é
frustada. Parece que ela botou na cabeça que ela é a mão que
balança o berço, quer dizer quéla tem medo de gerar de um
homem mais alto, para não acontecer alguma coisa. É igual
uma cadela, ela, se ela gerar de um cachorro maior, prejudica
a natureza dela. Ah! Essa indiazinha, essa curumim, essa Ceci,
e essa menina, ela fica me acordando assim: Luciana, Luciana,
aí o dragão, a gente tem que vencer o dragão, ele matou o pai,
e eu no Copan. Luciana, sou eu. E o Joelma. O que me deixa
feliz é ser como um cara que quando assim roba uma mascote,
roba um cavalo ou então sequestra um Evita pra matar, e daqui
a pouco os Trapalhões, Renato Aragão mostrar que o sonho
não acabou, que ela tá viva no coração da gente, que ela era a
filha de Eredina Cabral de Oliveira, que ela foi encontrada
tomando banho num pé de cajá de paudalho, que ela é o milho
de Luiz Gonzaga, que ela era a menina que a bendita Virgem
Maria ajudou até a hora da morte amém.
460
461
461
462
Gestus
4
KOUDELA, Ingrid. Brecht na pós-modernidade. São Paulo: Perspectiva, 2001.
462
463
5
Disponível em: <http://www.saude.sp.gov.br/humanizacao/areastematicas/saude-mental>.
Acesso em: 25 junho 2013.
463
464
Contudo todas essas ações ainda são insuficientes para atender à demanda
social.
Decidir por levar ao palco a situação do doente mental morador de rua é
dialogar com o teatro de Brecht. Seu teatro é uma revolução em si mesmo,
tanto nas peças didáticas - que propõem o teatro sem plateia, todos seriam
atores e autores - quanto no teatro épico, termo cunhado por Erwin Piscator,
mas aprofundado por Brecht. Ele assume o teatro como a grande possibilidade
de transformar o homem e o mundo. Seu teatro revolucionou a prática e a
teoria teatral.
No processo criativo da Nau do asfalto o movimento dos “corposloucos”
foram levados ao palco, sem a intenção de serem reproduzidos fielmente,
muito pelo contrário, eles foram atualizados em meu corpo e continuam sendo,
porque também continuo vendo os doentes mentais nas ruas da cidade. A
construção do corpo em cena está fundamentada na Teoria Corpomídia, das
Profas. Dras. Helena Katz e Christine Greiner (PUCSP), assunto a ser
desenvolvido em outra oportunidade.
Esses movimentos dos “corposloucos” são realizados por mentes em
estado alterado. São repetidos inúmeras vezes, com a mesma precisão, alguns
com certa beleza, geralmente em silêncio, mas quando surtam, tudo muda, e a
voz e o ritmo assumem outra proporção no seu comportamento.
Na tentativa de encontrar similaridades entre o gestus e o movimento
dos “corposloucos”, é preciso deixar claro que o gestus “/.../ não significa mera
gesticulação. Não se trata de uma questão de movimentos das mãos,
explicativos ou enfáticos.”6 E “o Gestus social é o gesto relevante para a
sociedade, o gesto que permite conclusões sobre as circunstâncias sociais.”7 O
gestus tem o caráter de um fazer extremamente político, do fazer consciente do
sujeito, que no sentido marxista, é aquele que faz a História.
Será que posso entender o movimento dos “corposloucos”, como um
gestus social, apesar de eles geralmente utilizarem muito as mãos? Será que o
movimento pode ser considerado um gesto de resistência, e, portanto, político,
que deseja ser visto e ouvido, mesmo sem a consciência do fazer político ? O
“corpolouco” age de acordo com suas necessidades neurológicas, contudo,
6
BRECHT, Bertolt. Teatro dialético: ensaios. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967.
7
Id. Ibid.
464
465
Teatro político
Antes de abordar os itens da Nau do asfalto que dialogam com o teatro
político de Brecht, situo o de Piscator presente, não em sua plenitude, por meio
da estética do teatro documentário nessa encenação. Na opinião de Brecht,
Piscator foi “um dos maiores homens de teatro de todos os tempos”. 8 Apesar
de amigos, Brecht e Piscator, apreendiam a totalidade de maneira diferente.
Para Piscator, Brecht preocupava-se com os detalhes significativos da vida
social, e ele com o ‘conjunto político em sua totalidade’.
O teatro político de Piscator eletrificou o teatro com uma maquinaria
nunca antes vista, segundo Brecht:
O fundo do teatro, imóvel no teatro de outros tempos e ainda nos
teatros da vizinhança, tornou-se a estrela do teatro e passou para o
primeiro plano. Era constituído por um ecrã cinematográfico. Imagens
de acontecimentos do dia, recolhidas das actualidades
cinematográficas, eram montadas de forma a fazerem sentido e
forneciam o material documentário. Mesmo o palco tinha mobilidade.
Duas cintas movidas a motor permitiam a representação de cenas de
9
rua.
8
PEIXOTO, Fernando. Brecht: vida e obra. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974.
9
BRECHT, Bertolt. A compra do latão. Lisboa: Vega, 1999.
465
466
10
Usuário (a) é um termo utilizado pelos funcionários dos CAPSs, quando se referem aos
doentes mentais que recebem tratamento nestas unidades. Os usuários também o utilizam
entre eles.
466
467
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
467
468
468
469
ABSTRAKT
Der vorliegende Beitrag untersucht Bertolt Brechts Dreigroschenoper (DGO)
(1928) und Chico Buarque de HollandasÓpera do Malandro (OdM) (1978) in
Bezug auf ihre Frauenfiguren. Dabei wird zunächst die in beiden Werken
zentrale Figurengruppe der Prostituierten, die bei Buarque de Hollanda in der
Figur der Fichinha eine eigene Ausarbeitung erhält, in den Blick genommen. Im
Anschluss werden die zentralen Frauenfiguren Jenny/Geni und
Polly/Teresinhain Bezug auf ihre Darstellung und Entwicklung miteinander
verglichen. Dabei wird der Frage nachgegangen, inwieweit Buarque de
Hollanda Brechts Vorlage aufgreift, weiterentwickelt und letztendlich darüber
hinauswächst.
Key-words: Dreigroschenoper - Ópera do Malandro – Frauenfiguren –
Malandragem
ABSTRACT
The following contribution investigates the female characters in Bertolt Brecht’s
Three Penny Opera (1928) and Chico Buarque de Hollanda‘sOpera do
Malandro.We take a closer look at the central figures of prostitutes which are
present in both plays, especially with Buarque’s Fichinha. Furthermore, we
comparethe central female characters Jenny/Geni and Polly/Teresinha looking
at their presentation and development. Hereby, we discuss in how far Buarque
refers to Brecht’s original version, carries it on and finally goes beyond it.
1
Gerhild Schiller istist Deutsch-, Englisch- und Kunstlehrerin und lebt seit 1999 gerne in
Brasilien. Ausstellungen in Aachen, London, Bogotá, Porto Alegre. Sie wohntzur Zeit in Porto
Alegre und São Paulo.
2
Sonja Arnoldist DAAD-Lektorinan der Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
in Porto Alegre, Brasilien. NacheinemStudium der FächerGermanistik, Spanisch und
Englischpromoviertesie 2011 an der Albert-Ludwigs-Universität Freiburg über das
autobiographischeGedächtnisimProsawerk Max Frischs.
469
470
Einführung
Obgleich in den meisten vergleichenden Untersuchungen zu Bertolts Brechts
Dreigroschenoper(DGO) (1928) und Chico Buarque de HollandasÓpera do
Malandro(OdM) (1978)zunächst die Gemeinsamkeiten der beiden Werke,
beispielsweise in Bezug aufdas anti-illusorische Theater, karikatureske Figuren
sowie Kritik an korrupten Systemen3hervorgehoben werden, weisen beide
Werke doch auch eine große Zahl an Unterschieden auf. Während Brechts
DGO, die sich wiederum auf John Gays TheBeggar‘s Opera (1728) bezieht, mit
dem zeitlichen Referenzrahmen der englischen Gesellschaft des 18.
Jahrhunderts und der Weimarer Republik im Deutschland der 20er Jahre spielt,
verzeichnet die landläufige Meinung der Forschung die OdM als
„brasilianisiert“.4 Im Rio de Janeiro der 40er Jahre, in der Zeit des Casino da
Urca, in der Prostitution, Glücksspiel und Bandenkriminalität vorherrschen und
nach und nach der US-amerikanische Kapitalismus Einzug hält, werden Brechts
Songs in der brasilianischen Realität als Samba, Mambo und Tango aufgelöst
und mit dem Phänomen der malandragemverbunden.5
Standen in den bisherigen Untersuchungen vor allem die politisch-
gesellschaftlichen Züge,6 die Figur des malandro und ihre Stellung in der
3
Vgl. SARTINGEN, Kathrin. Über Brecht hinaus. Produktive Theaterrezeption in Brasilien am
Beispiel von Bertolt Brecht.Frankfurt/Main u.a.: Lang, 1994, S. 103.
4
Vgl. ebd., S. 107. Vgl. hierzu auch Chico Buarque de Hollandas eigene Äußerung: "O nosso
trabalho tem a estrutura da peça de Gay, o enfoque crítico de Brecht, mas é essencialmente
brasileiro. Chico Buarque em entrevista para a revista IstoÉ, matéria de Maria Amélia Mello,
"Chico Buarque e sua opera que revive a Lapa dos anos 40 canta a Malandragem". 2 de ago.
1978. Zitiert bei Enciclopédia Itaú Cultural
Teatro:http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_teatro/index.cfm?fuseaction=es
petaculos_biografia&cd_verbete=8949 [30.07.2013].
5
Vgl. zu den Unterschieden und zur Anpassung an den brasilianischen Kontext auch
SARTINGEN, Kathrin. Rewriting als produktive Differenz. Chico Buarque de HollandasÓpera do
Malandroals brasilianische Wiederkehr von John Gay’sTheBeggar‘s Opera. In: BÖKER, Uwe;
DETMERS, Ines; GIOVANOPOULOS, Anna-Christina (Hg.). John Gay’s The Beggar‘s Opera,
1728-2004. Amsterdam; New York: Editions Rodopi, 2006, S. 273-294, hier S. 282f.
6
Vgl. hierzu beispielsweise die Brecht-Rezeption in Brasilien: „Depois de ter procurado o Brecht
ortodoxamente brechtiano na imanência dos seus textos mesmos, procura-se agora o Brecht
autenticamente brechtiano no contexto cultural brasileiro.” BADER, Wolfgang. Apresentação:
Brecht no Brasil, um projeto vivo. In: BADER, Wolfgang (Hg.). Brecht no Brasil. Experiências e
influências, São Paulo: Paz e Terra, 1987, S. 11-21, hier S. 16.
470
471
7
RODRIGUES CALASANS, Selma. John Gay, Bertolt Brecht e Chico Buarque: a malandragem
em tres tempos. In: BADER, Wolfgang. Brecht no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, S.
97-106.
8
SANTOS DUDALSKI, Reginaldo Francisco; SANTOS DUDALSKI, Sirlei. De mendigos a
malandros: a história se repete? Algumas notas sobre a produção de A Ópera de três vinténs,
de Brecht. In: RevistaLitteris, 10 (2012), S. 255-265.
9
Vgl. GENETTE, Gérard.Strukturalismus und Literaturwissenschaft. In: KIMMICH, Dorothee;
Renner, Rolf G.; STIEGLER, Bernd: Texte zur Literaturtheorie der Gegenwart. Stuttgart:
Reclam, 2008, S. 200.
10
BRECHT, Bertolt. Anmerkungen zur Oper „Aufstieg und Fall der Stadt Mahagonny“. In: Große
kommentierte Berliner und Frankfurter Ausgabe. Bd. 24: Schriften 4. Berlin u. a.: Aufbau-Verlag,
Suhrkamp Verlag, 2003, S. 78 f.
471
472
Geni, eine Weiterentwicklung der Brechtschen Jenny, auf die noch einzugehen
sein wird, dann aber vor allem durch die Darstellung der Masse der
Prostituierten, aus der eine zu Beginn und Ende der OdM besonders
hervorsticht: Fichinha. Bei Fichinha handelt es sich um ein 17jähriges Mädchen
aus dem Nordosten Brasiliens, das ihrem Verlobten nach Rio de Janeiro gefolgt
ist, weder lesen noch schreiben kann und zudem mit diversen körperlichen
Defekten ausgestattet ist (z.B. ist sie halb taub) und in den Regieanweisungen
als „umajovem de aparêncialamentá-
vel, muitomagra e com a roupaesfarrapada“11eingeführt wird. Bei Duran
ankommend, bittet sie um eine Anstellung als Prostituierte. Dieser gibt vor, das
traurige Schicksal der Frauen, die sich, von den gesellschaftlichen
Verhältnissen gezwungen, den Männern hingeben, zu verstehen und stellt
Fichinha als Praktikantin ein. Fichinha, die, von ihrem Verlobten im Stich
gelassen, völlig mittellos ist und bereits ein Martyrium im Gefängnis hinter sich
hat, geht bereitwillig darauf ein und akzeptiert sogar noch Durans
Zusatzbedingungen. Dieser argumentiert, sie sei zu hässlich und krank und
man müsse einiges in ihre Wiederherstellung investieren, bevor sie ihre
zukünftige Arbeit antreten könne und verlangt zunächst Eintrittsgeld von ihr –
und das ironischerweise, nachdem er zu Beginn der Szene im Telefonat mit
seinem Freund, dem Polizeipräsidenten Chaves, noch konstatierte: „temque dar
um basta nestamalandragem“ (OdM, 27). Die auf die Szene folgende
Unterhaltung mit seiner Ehefrau Vitoria, in der diese keinerlei Verständnis für
Fichinhas Situation zeigt, unterstreicht, dass auch zwischen den Frauen keine
Solidarität existiert. Am Ende der Oper taucht Fichinha nochmals kurz auf, um
anzukündigen, dass sie nun puta auf eigene Faust zu werden gedenkt. Somit
hat sie sich zwar von der Unterdrückung durch den Zuhälter Duran befreit,
jedoch die Grundbedingungen der Situation, die sie aus wirtschaftlichen und
sozialen Gründen zur Prostitution zwingen, verinnerlicht und akzeptiert. Mit den
Worten „Se alguémaí na platéia se habilita, é sópassarnocamarim“ (OdM, 180)
wendet sie sich explizit ans Publikum, bricht damit im Sinne der Brechtschen
11
Die Stellen aus der Ópera do Malandro werden nach folgender Ausgabe zitiert und werden
im Folgenden als OdM in Kurzform in Klammern angegeben:
http://de.scribd.com/doc/6778694/Chico-Buarque-de-Holanda-Opera-Do-Malandro
[30.07.2013], S. 28.
472
473
Jenny/Geni
Geht bei Brecht die Mehrzahl der Prostituierten in der anonymen Masse unter,
sodass die Ausarbeitung der Figur der Fichinha mithin bei Buarquede
Hollandaals Novum zu gelten hat, erhält sie doch in der genaueren
Ausarbeitung der Figur der Jenny eine Entsprechung, die in der OdM als
TravestiGeni wieder auftaucht. Hier lässt sich zunächst feststellen, dass diese
Figur bei Brecht wesentlich detaillierter ausgearbeitet ist und mehr individuelle
Züge trägt. Während sie in der OdM vor allem als unterwürfig und den Befehlen
Max Overseas hörig gekennzeichnet wird, werden in der DGO mehrere
Facetten beleuchtet. Zunächst wird sie durch den Verrat, den sie an Max
begeht und in Ausnutzung seiner sexuellen Hörigkeit als berechnend
dargestellt, bereut jedoch später ihr Unterfangen und zeigt sich loyal gegenüber
Max. Im weiteren Verlauf wird dann auch die Vorgeschichte enthüllt, vor allem
in der Zuhälterballade,wonach die beiden eine Zeit lang einen gemeinsamen
Haushalt im Bordell geführt hatten und Jenny gar von Max schwanger war.
Jenny wird damit in Brechts Ausarbeitung als einzige der Frauen zu einer Art
Vertrauten, die jenseits von wirtschaftlichen Interessen steht und in deren
Loyalität sich gar eine zwischenmenschliche Bindung erahnen lässt. Bei Chico
Buarquede Hollandanun ist dieser Impetus aufgrund der geringen Ausarbeitung
der individuellen Züge nicht mehr vorhanden. Es kommt indes durch Genis
explizite Selbstcharakterisierung „eusouplurisexual“ (OdM, 156) ein weiteres
Thema in die Oper: das Phänomen der Travesti, das Leone zufolge eine noch
extremere Form der Marginalisierung darstellt.12
Mögen auch die expliziten Charakterisierungen derGeni im dramatischen Text
bei Buarquede Hollandawenig ausgearbeitet sein, so erschließt sich doch in
12
Vgl. LEONE, Sueli Regina. Três óperas às avessas: elos intertextuais. Cadernos de Pós-
Graduação em Letras. São Paulo, Volume 3, 1 (2004), S. 13-24, hier S. 7.
473
474
13
Indes ist hierbei zu berücksichtigen, dass es sich um ein illusionsbrechendes Verfahren
handelt, da das Lied der Seeräuber-Jenny von Polly gesungen wird, die sich im Spiel anlässlich
einer Unterhaltungseinlage in ihre Rolle hineinversetzt. Nichtsdestoweniger lassen sich aus
dem Text die Grundzüge von Jennys Figurenzeichnung, die später als eigene Figur auftaucht,
ablesen.
14
BRECHT, Bertolt. Die Dreigroschenoper. In: BRECHT, Bertolt: Gesammelte Werke 2.
Frankfurt/Main: Suhrkamp, 1967, S. 415.
15
BRECHT, Bertolt. Die Dreigroschenoper. In: BRECHT, Bertolt: Gesammelte Werke 2.
Frankfurt/Main: Suhrkamp, 1967, S. 416.
474
475
aussichtslos dargestellt: zunächst wird die Möglichkeit zur Flucht durch die
Forderung des Kommandanten ersetzt. Die Macht, die Geni dadurch gewinnt,
ist ebenfalls klar von den Machtphantasien der Brechtschen Jenny zu
differenzieren. Die wichtigsten Machtinstanzen der Stadt bitten Geni inständig,
sich mit dem Kommandanten einzulassen, sodass die Stadt verschont wird:
A cidade em romaria
Foi beijar a sua mão
O prefeito de joelhos
O bispo de olhos vermelhos
E o banqueiro com um milhão (OdM, 162).
Zuvor im Chor der Bewohner der Stadt als „malditaGeni“ bezeichnet, wird Geni
kurzfristig zur „benditaGeni“ (OdM, 163). Die Macht, die sie indes hier noch hat,
ist keine tatsächliche. Sie kann sich nur zur Demütigung entscheiden, indem sie
sich mit dem Kommandanten einlässt und auf seine sexuellen Wünsche
eingeht. An dieser Stelle ändert sich abrupt die Erzählperspektive: während im
restlichen Song die Sicht eines auktorialen Erzählers dominiert, der kaum
Einsicht in die Gedanken Genis gibt, gerät an dieser Stelle in personaler Form
die Einschätzung der Lage durch Geni in den Vordergrund:
„Foramtantosospedidos, tãosinceros, tãosentidosqueeladominouseuasco“
(OdM, 163). Die Einschätzung von der Natur der Bitten als „sinceros“ und
„sentidos“ muss aufgrund der sich später als unwahr erweisenden und
vorgeschobenen Bitten der Bewohner, die ein allwissender Erzähler aufgrund
seiner Erhabenheit über Raum und Zeit überblicken müsste, als Einschätzung
Genis, mithin erzähltechnisch als Fokalisation auf Geni gedeutet werden.
Die unterschiedliche Charakterisierung der Jenny/Geni zeigt sich auch in der
musikalischen Untermalung: während Jennys Ballade geradezu als aggressiv
gelten kann - insbesondere in der Interpretation Hildegard Knefs erkennbar16-
gilt für BernucciGeni e o Zepelim als das melancholischste Stück der OdM, das
den Zuschauer innehalten lässt.17Dabei wird Geni nicht nur als naives und
leichtgläubiges Opfer charakterisiert – ganz im Gegensatz zur berechnenden
Jenny -, sondern es wird hier auch eine geradezu Brechtsche Logik etabliert,
wenn es heißt:
16
http://www.youtube.com/watch?v=441hIQznRHU[31.07.2013]
17
BERNUCCI, Leopoldo M. O Prazer Da Influência: John Gay, Bertolt Brecht e Chico Buarque
de Hollanda. In: Latin American Theatre Review, Volume 27, 2 (1994), S. 29-38, hier S. 37.
475
476
COM CORO
Logisch folgt hier aus der “bondade”, die im Gegensatz zu „horror e inquidade“
(OdM, 162), die der Kommandant der Stadt bescheinigt, steht, dass Geni
bestraft und gequält werden muss. Der gute Mensch hat, wie in Brechts Drama
Der gute Mensch von Sezuan, keine Möglichkeit zu überleben; er wird von den
Verhältnissen und von den diese Verhältnisse bestimmenden Akteuren
unterdrückt. Parallel dazu heißt es im Lied von der Unzulänglichkeit
menschlichen Strebens aus der DGO „denn für dieses Leben ist der Mensch
nicht schlecht genug.“18 Die verquere Logik und die Herausstellung der das
Individuum dominierenden Verhältnisse im verfremdeten Song können in der
OdM als episches Element gelten, das ganz im Sinne von Brechts Forderung
nach der Aktivierung der Zuschaueraktivität den Gedanken nach Veränderung
der Verhältnisse antreibt. Es muss daher deutlich denjenigen Positionen
widersprochen werden, die in Buarques Fortschreibung der DGO eine anti-
epische Tendenz sehen.19
Obgleich die beiden Figuren Jenny/Geni von Brecht und Buarque sehr
unterschiedlich charakterisiert werden, bleibt zunächst festzuhalten, dass die
Konsequenzen die gleichen sind: keine der beiden schafft es, aus den
Verhältnissen auszubrechen, von denen sie dominiert werden, wobei das
epische Element bei Buarquein Bezug auf die Figur der Geni indes noch
wesentlich weiter ausgearbeitet ist.
18
BRECHT, Bertolt. Die Dreigroschenoper. In: BRECHT, Bertolt: Gesammelte Werke 2.
Frankfurt/Main: Suhrkamp, 1967, S. 465.
19
BERNUCCI, Leopoldo M. O Prazer Da Influência: John Gay, Bertolt Brecht e Chico Buarque
de Hollanda. In: Latin American Theatre Review, Volume 27, 2 (1994), S. 29-38, hier S. 31.
476
477
Polly/Teresinha
Wesentliche Veränderungen, jedoch mit weitreichenderen Konsequenzen für
die Gesamtinterpretation des Werks, bietet die Ausarbeitung der Brechtschen
Polly als Teresinha in der OdM.
War die Polly bei Gay und Brecht noch eine passive Träumerin,
fokussiert Chico Buarque den engagierten Charakter der
Teresinha. Sie übernimmt geschäftstüchtig die
Geldangelegenheiten ihres Mannes, und baut die lukrative
20
Firma Maxtertex auf,
konstatiert Kathrin Sartingenund betont damit bereits den Hauptunterschied in
der Charakterisierung der späteren Ehefrau Mackie Messers, respektive Max
Overseas. Wie Edgar Roberto Kirchof in einem Aufsatz über die Semantik der
Liebe bei Chico Buarque nachzeichnet, lassen sich in der brasilianischen
Populärmusik wesentlich zwei Frauentypen bestimmen: neben dem Frauentyp
der piranhalässtsich zunächst die mulherdomèstica ausmachen,21wobei die
piranha eine Entsprechung des malandros ist und bei den Prostituierten
anzusiedeln wäre, der Typus der häuslichen Frau zunächst mit der
anfänglichen Beschreibung Teresinhas in Einklang steht. Die Ausgangssituation
stellt sich in beiden Werken identisch dar: die von ihren Familien behüteten
Frauen Polly und Teresinha wollen gegen den Willen ihrer Eltern einen Gauner
heiraten, dem sie verfallen sind. Sowohl Polly als auch Teresinha, die zunächst
im Verhältnis zu ihrem männlichen Gegenüber als naiv und unterwürfig
dargestellt werden, lehnen sich entschieden gegen ihre Eltern auf. Der
Unterschied ergibt sich aus der Entwicklung, die die beiden Figuren
durchlaufen. Während diese für Polly kaum nachzuzeichnen ist, emanzipiert
sich Teresinha im Laufe der OdM sichtlich. Ihre anfängliche Vorstellung von
Emanzipation korrespondiert durchaus mit den klischeeartigen Vorstellungen
20
SARTINGEN, Kathrin. Über Brecht hinaus. Produktive Theaterrezeption in Brasilien am
Beispiel von Bertolt Brecht, Frankfurt/Main u.a.: Lang, 1994, S. 105.Vgl. hierzu auch Selma
Calasans Rodrigues‘ Analyse der OdM: “Ele acentua o caráter empreendedor da mulher,
Terezinha (uma sonhadora em Gay e Brecht), que passa a cuidar com eficiência dos negócios
do marido, legalizando-os, criando a firma Maxtertex, doublé satírico das multinacionais.”
RODRIGUES CALASANS, Selma. John Gay, Bertolt Brecht e Chico Buarque: a malandragem
em tres tempos. In: BADER, Wolfgang. Brecht no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, S.
97-106, hier S. 106 .
21
Vgl. KIRCHOF, Edgar R. Die Semantik der Liebe in der MPB bei Chico Buarque de Hollanda.
Internationale und interdisziplinäre Tagung "Semantische Traditionen der Liebe und
Ausdifferenzierung der Intimität". Universität Luzern, Oktober 2011 [wird 2013 veröffentlicht].
477
478
eines gut situierten und bürgerlichen Lebens – so beispielsweise, wenn sie ihre
Heirat der Mutter gegenüber als Akt der Emanzipation deklariert: „mamãe,
eutôcasada e emancipada“ (OdM, 79), wobei es sich dabei bestenfalls um eine
Emanzipation von den Eltern handelt.Auch hier ist eine Parallelführung der
Lieder von Polly und Teresinha möglich. Lehnt Polly im Barbara-Song alle um
sie werbenden Männer mit dem Satz „da gibtʼs überhaupt nur: Nein“ 22 ab,
konstatiert Teresinha ebenso energisch: „eudissenaõ“ (OdM, 81/82). Beide
Frauen brechen mit ihren Prinzipien, als ein Mann ohne Manieren und ohne
Geld kommt, der eben nicht um sie wirbt, der aber auf beide Frauen aufgrund
der Ansprüche, die er auf sie erhebt, eine ungeheure Faszination ausübt,
sodass es „überhaupt kein Nein“23mehr gab. Während Mackie Messer der
naiven Polly die Übernahme seiner Geschäfte geradezu aufdrängen muss (er
muss wegen seiner bevorstehenden Verhaftung für eine Weile untertauchen),
bietet Teresinha selbstbewusst an: „Deixacomigo. Enquantovocêtáfora, eucuido
dos negócios“ (OdM, 107). Die Ausgangssituation wird geradezu umgekehrt,
wie sich in der Gesprächsführung bei Max‘ Abschied zeigt:
MAX (Beija Teresinha)
Eu não demoro, baby.
TERESINHA
O segredo, Max. . .
MAX (No ouvido dela)
Te amo como nunca amei ninguém. . .
TERESINHA
Não, Max, o segredo do cofre (OdM, 112).
Während Max von der Liebe spricht, will Teresinha einzig den Code für den
Safe. Dementsprechend zeigt sie sich auch im weiteren Verlauf als
ausgesprochen geschäftstüchtig und setzt sich gegen die oftmals
widerspenstigen Kumpanenvon Max durch. Später wird sie offiziell zu Max‘
Partnerin, regelt in dieser Funktion alle Geschäfte und beruft sich bei
Problemen – die Naivität im Unterschied zur Brechtschen Polly lediglich
vortäuschend – auf ihre Minderjährigkeit.Die malandragem, die zu Beginn und
Ende der Oper als grundlegendes Problem herausgearbeitet wird, weitet sich
somit auch auf andere Figuren aus und wird zum grundlegenden
22
BRECHT, Bertolt. Die Dreigroschenoper. In: BRECHT, Bertolt: Gesammelte Werke 2.
Frankfurt/Main: Suhrkamp, 1967, S. 423.
23
Ebd.
478
479
24
Vgl. LEONE, Sueli Regina: Três óperas às avessas: elos intertextuais. Cadernos de Pós-
Graduação em Letras. São Paulo, Volume 3, 1 (2004), S. 13-24, hier S. 6.
25
Vgl. KIRCHOF, Edgar R. Die Semantik der Liebe in der MPB bei Chico Buarque de Hollanda.
Internationale und interdisziplinäre Tagung "Semantische Traditionen der Liebe und
Ausdifferenzierung der Intimität". Universität Luzern, Oktober 2011 [wird 2013 veröffentlicht], S.
12.
479
480
Fazit
Ein Vergleich der zentralen Frauenfiguren in Bertolt
BrechtsDreigroschenoperund Chico Buarque de HollandasÓpera do Malandro
hat gezeigt, dass neben zahlreichen Gemeinsamkeiten auch wesentlich
Unterschiede, Neu- und Weiterentwicklungen im Vergleich der beiden
bestehen. Spielt in beiden Werken die Darstellung des Prostitutionsmilieus und
der damit einhergehenden sozialen und gesellschaftlichen Probleme eine
wesentliche Rolle, erhält diese Figurengruppe in der detaillierten Ausarbeitung
der Fichinha in der OdM größeres Gewicht. In der Darstellung des Schicksals
einer mittellosen jungen Frau, die nach einem Martyrium in die Fänge des
Zuhälters Duran gerät und die sich am Ende – mit einem Illusionsbruch dem
Publikum vermittelt – selbstständig macht, wird deutlich, dass eine
Emanzipation nur innerhalb der bestehenden Strukturen gelingen kann. In der
Parallelführung der Songs der Seeräuber-Jenny und Genis zeigt sich, dass die
bei Brecht angelegten Wünsche in Form von Flucht- und Machtphantasien bei
Buarque von vornherein zum Scheitern verurteilt sind. Geni bleibt nichts
anderes übrig, als sich zu prostituieren – schlimmer noch, folgt aus ihrer
Gutmütigkeit gar, dass sie bestraft werden muss. Schließlich lässt sich im
Vergleich von Polly und Teresinha nachzeichnen, wie beide zu Beginn dem
Typus der mulherdoméstica entsprechen, Teresinha sich aber zu einer
mulherpiranha oder gar einer malandra entwickelt und geschäftstüchtig die
Firma übernimmt. Dies kann aber nur gelingen, indem sie sich sowohl
sprachlich als auch in ihren Handlungen den vorgegebenen gesellschaftlichen
Strukturen anpasst.
26
Ebd., S. 14.
480
481
GESTO E GESTUS
1
Carlos Silva é paulistano. Formou-se em ciências sociais pela USP e música pela UNICAMP,
especializou-se em Rítmica na Alemanha onde viveu por oito anos e que marcou uma guinada
para o mundo das artes cênicas, por onde há tempos circula fincando agora, raízes mais
profundas com pesquisa de doutorado. Atua como performer em áreas cênicas nas quais
também contribui como formador e preparador.
481
482
ABSTRACT
This article aims to bring to the debate about the gesture some
knowledge, resultant from certain fields of research that could contribute to its
sizing on scenic composition as well as the understanding and use at work of
performance. The focus is that the gesture more than a fortuitous and eventual
device, is a fundamental scenic operator and earns in theatrical language, a
crucial dimension taking as reference the conception of Gestus established by
Brecht.
The constancy with which was focus of considerations, both for the pulpit
and the stage, positions already the importance of this component on building
expressive. It seems that, from Quintilian in 1º century to Delsarte in the 20º
century, most written for the theme aimed cataloging, classification and usage
instructions in oratory and theatrical performance. Except Rousseau that,
although speculative way, framed the gesture as ordinary linguistic component
as articulator expressive in the oral language.
This approach is retaken and amplified by relatively recent procedures,
approximately from the end of the 19º century, originating from ethnology,
linguistics and semiotics, obtaining results still subject to controversies and
questions, which makes the debate more fruitful. Nevertheless, it is gradually
becoming permanent presence in investigations on this topic.
It is found that, for Brecht, the gesture is a divider in the arts, then your
search to distinguish the articulation of this in everyday life and to create scenic
designs. Thus, it seems promising to build dialogues between the mentioned
fields aiming to deepen the discussion on gesture and Gestus.
482
483
2
BRECHT, Bertld. Música – “Gestus”, (p. 84) in ÜBER GESTISCHE MUSIK, 1932. Tradução
de Luiz Carlos Maciel. Ensaio publicado na 1ª edição dos Schriften zum Theater, 1957
3
KENDON, A. Gesture: Visible Action as Utterance. Cambridge: Cambridge University Press.
2004
483
484
4
BRECHT, Bertold. Estudos Sobre Teatro. Tradução Fiama Pais Brandão. Ed. Nova
Fronteira. 1978
484
485
485
486
operador da oratória e/ou das artes cênicas, exceto Rousseau5, mas o que se
constata é que boa parte das publicações se encaminha nestas duas direções.
Conforme Kendon6,os gestos têm sido classificados de acordo com
critérios bastante diversificados, o que demonstra, também, as características
selecionadas para identificar o que estava sendo assumido. Um cuidado
constante e elementar é distinguir a topologia corporal envolvida na ação
expressiva; se os movimentos são voluntários; naturais ou convencionais; se
os significados são estabelecidos por índice, ícone, símbolo; se são literais ou
metafóricos; o modo de vínculo com a fala; qual o domínio semântico, isto é, se
são objetivos ou subjetivos.
Kendon reporta, principalmente entre os que tinham como alvo a
oratória, critérios de classificação relacionados ao conteúdo propositivo do
discurso: se pontuam, organizam, estruturam ou indicam o tipo de discurso, se
desempenham papel secundário ou prioritário na interação comunicacional, se
funcionam como reguladores discursivos; entre outros.
Apesar de não se ter logrado um esquema inequívoco, unificado e
definitivo de categorização e dos aspectos ou dimensões enfatizados
dependerem de objetivos particulares colocados sob questão, é de ampla
aceitação ser o dado gestual um recurso expressivo e seu uso abrange uma
larga finalidade de propósitos.Assim, é oportuno conhecer algumas
sistematizações mesmo encarando-os apenas como instrumentos provisórios.
Kendon7destaca Johan Jakob Engel (1741-1802) que reserva o termo
gesto para ações expressivas como signos externos de paixões internas e
atividade mental e apoia uma distinção entre movimentos originados de
mecanismos biomecânicos puros daqueles que dependem da atividade da alma
provocados pelos pensamentos e sensações; são ainda divididos em três tipos:
ações figurativas, expressivas e fisiológicas. Tal classificação, portanto, propõe
não englobar todos os tipos de movimentos corporais como compondo o
sistema daqueles que são identificados como gestos. Assim, são discriminados
5
ROUSSEAU, Jean-Jacques: Ensaio sobre a Origem das Línguas. Trad. Lourdes Santos
Machado. Coleção os Pensadores. Ed. Abril Cultural. 1983.
6
KENDON, A. Gesture: Visible Action as Utterance. (pp. 84 -107) Cambridge: Cambridge
University Press. 2004
7
obra citada
486
487
487
488
488
489
489
490
8
BRECHT, Bertld. Música – “Gestus”, (p. 84) in ÜBER GESTISCHE MUSIK, 1932. Tradução
de Luiz Carlos Maciel. Ensaio publicado na 1ª edição dos Schriften zum Theater, 1957
9
BRECHT, Bertold. Estudos Sobre Teatro, (p. 186). Tradução Fiama Pais Brandão. Ed. Nova
Fronteira. 1978
10
O título original é Schriften zum Theater – Über eine nicht-aristotelische Dramatik, na edição
da Surhrkamp Verlag – Berlin und Frankfurt am Main, 1957. A tradução literal da expressão
Schriften é ‘ecritos’.
11
É preciso reforçar que, para Brecht, gesto e Gestus não são necessariamente a mesma
coisa, e que o último tem um sentido muito mais desdobrado e metafórico do gesto.
12
BRECHT, Bertold. Estudos Sobre Teatro, (p. 39). Tradução Fiama Pais Brandão. Ed. Nova
Fronteira. 1978
490
491
13
Idem (pp. 193 a 194)
14
BRECHT, Bertold. Schriften zum Theater: Über eine nicht aristotelische Dramatik. (p.252)
Surkamp Verlag, Berlin und Frankfurt am Main. 1957
Wichtig hingegen ist, daß dieses Prinzip des auf den Gestus Achtens ihm ermöglichen kann,
musizierend seine politische Haltung einzunehmen. Dazu ist nötig, daß er einen
gesellchaftlichen Gestus gestaltet. (tradução minha)
15
Idem (p. 254) Ein gewisses feierliches Auftreten besagt noch wenig, da dies auch gegenüber
dem Feind im Falle des Todes für schicklich gelten kann. Zorn über die 'blind wütende Natur',
die den besten der Gemeinschaft zur ungünstige Zeit entreißt, wäre kein kommunistischer
Gestus, ... (tradução minha)
491
492
16
Brecht, 1978, p. 39. Obra citada
17
TATIT, Luis – O Cancionista. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1996.
(pp.9 a 27)
492
493
18
BRECHT, Bertold. Schriften zum Theater: Über eine nicht aristotelische Dramatik. (p.77)
Surkamp Verlag, Berlin und Frankfurt am Main. 1957
493
494
19
Brecht, 1978, páginas 124 e 125. Obra citada.
494
495
495
496
21
Brecht, 1957, pág. 78. Obra citada.
22
Brecht, 1978, pp. 128 a 132. Obra citada.
23
Brecht, 1978, pp. 127. Obra citada.
496
497
RESUMO
O artigo traça um paralelo comparativo estético, político e pedagógico entre a
aplicação de jogos em processos de peças didáticas e de Teatro Fórum: a visão
do corpo como veículo de expressão e diálogo é compartilhada por Brecht e Boal,
transformando o espectador em atuante, visando ao aprendizado e construção de
seu raciocínio crítico. O jogo permite investigar relações contraditórias sociais, em
que o participante traz seu próprio conteúdo cotidiano para a prática teatral e
contribui para questionamentos e debates coletivos de forma dialética. Destacam-
se as contribuições destes encenadores para a abordagem da pesquisa da autora,
que, por meio da utilização de jogos e debates coletivos, visa à discussão acerca
do tema Justiça Ambiental na comunidade de Pituaçu, Salvador-BA.
Palavras-chave: Jogos; Peça didática; Teatro Fórum.
Games at learning plays: influences over the Poetics of the Oppressed and
discussion about Environmental Justice.
ABSTRACT
The article draws an aesthetic, political and pedagogical comparative parallel
among the application of games in learning plays processes and in Forum Theater:
Brecht and Boal share the vision of the human body as a vehicle of expression and
dialogue, turning spectators into actors, targeting at learning and building their
critical reasoning. Game allows to investigate contradictory social relations, in
which participants bring their own everyday experiences to theatrical practice,
contributing to questioning and collective debates in a dialectical way. The
1
Bacharel em Artes Cênicas pela Universidade Federal da Bahia e mestranda concluinte
na linha de Processos Educacionais em Artes Cênicas do Programa de Pós-Graduação em Artes
Cênicas da UFBA.Docente universitária na Faculdade Montessoriano de Salvador –FAMA,
ministrando a disciplina de Políticas e Projetos em Educação Formal e Não formal.
497
498
contributions of these directors stand out in the approach of the research of the
author, who, by means of the use of games and collective debate, aims at the
discussion about Environmental Justice theme at the community of Pituaçu,
Salvador-BA.
Key-words: Games; Learning Play; Forum Theater.
498
499
499
500
500
501
5
BOAL, Augusto. Jogos para atores e não atores. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1999, p. 268.
501
502
6
BOAL, Augusto. Jogos para atores e não atores. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1999, p. 29.
7
BOAL, Augusto. Jogos para atores e não atores. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1999, p. 31.
502
503
enriquecedor. Por outro lado, o autor coloca que não é necessário que se encontre
uma resolução final, mas sim buscar as soluções para estimular uma boa
discussão: ainda que uma resolução seja encontrada, seu caráter é relativo, pois
pode não ser cabível para todos os participantes.
Apesar de o Teatro Fórum consistir de uma técnica muito útil para o tipo de
pesquisa realizada, não foi possível utilizar essa prática com o grupo, por falta de
tempo para a realização de uma montagem de fato, conforme havia sido planejado
no princípio. O trabalho foi desenvolvido mais próximo aos moldes da peça
didática, no sentido de não haver apresentação para o público externo da
comunidade, e sim a proposição de improvisações, que eram discutidas
posteriormente.
Observando o fato da comunidade em que os participantes vivem estar
próxima da região de preservação ambiental do Parque Metropolitano de Pituaçu,
procurei levantar algumas propostas para improvisação conversando com o grupo
e também com moradores da região acerca de problemáticas do contexto
socioambiental da comunidade, que vive no entorno do parque.
As situações das cenas eram sorteadas por duplas ou trios entre os
participantes, que deveriam improvisá-las propondo uma solução ao final. Um
exemplo de situação tratada, fato verídico, foi a seguinte: numa manifestação
contra a poluição da lagoa de Pituaçu, um artista pertencente à comunidade
protesta usando perna de pau e com cartaz de proteção ambiental, é ameaçado
de morte pela polícia armada.
Um trio de atrizes trabalhou com esta situação, onde duas entravam em cena
como manifestantes gritando: “Lagoa sim, verde também, isso é nosso e pode ser
seu também!”.Uma batia um rastelo no chão e outra carregava uma placa. A
terceira participante entrou representando um policial, com um pau na mão,
perseguindo os manifestantes com brutalidade. Essa cena impactante causou
reações em quem a observava: a filha de dois anos de uma das integrantes do
grupo que estava assistindo à representação vírgula aproximou-se da cena
e,aflita, atirou uma bola com que estava brincando na atriz que representava o
policial, durante o conflito.
503
504
No trabalho com esta improvisação e com várias outras utilizei como método
um jogo chamado Troca de papéis, utilizado tanto por Brecht como por Boal, em
que se pede para os atores inverterem os personagens que representaram e
repetirem a cena, com intenção de propôr uma ferramenta útil para relativização
dos pontos de vista dos participantes.
No caso descrito acima, ao repetirem a cena, a participante que era policial
entrou sozinha como manifestante, repetindo algumas falas das atrizes anteriores,
mas carregava na face uma feição próxima à do policial que havia representado,
buscando contato visual com o público e fazendo gestos expandidos e dilatados.
Ao entrarem os policiais, um com uma arma nas mãos, e outro com um pau,
reprimiram o manifestante agredindo-o fisicamente. O manifestante resistiu e
continuou, bem mais firme que os da primeira cena, bradando seu direito de
protestar defendendo o meio ambiente. Os policiais a retiram à força, e ela grita
que lutará até a morte.
Foi uma cena forte, assim com a primeira, e que gerou um debate muito rico,
uma das atrizes que participou das cenas expressou uma visão dialética: “não
existe uma verdade, e nesse caso existiam duas verdades: a do guarda e a dos
manifestantes, o guarda achava que estava fazendo certo e recebia ordens para
isso, e a verdade do manifestante que queria lutar por aquilo que ele acreditava
ser real e verdadeiro.” Este trecho exprime uma relativização dos pontos de vista,
que era um dos objetivos da proposição do jogo da Troca de Papéis.
A mesma atriz revelou que apreciou mais representar o manifestante, pois se
expressava e podia mostrar o que realmente pensa. E o guarda, muitas vezes por
obedecer a instâncias superiores a ele, precisa estar em outra posição. Perguntei
a ela se o guarda poderia de alguma forma se encontrar em uma situação
contraditória. Ela concordou e acrescentou que não achava que fosse certo a
forma como os policiais agem com a população, agredindo e ofendendo; mas que
eles também têm a sua verdade e tem o porquê de estar fazendo aquele dever.
Questionou também os manifestantes, que poderiam estar tomando o espaço do
outro ao protestarem na avenida, relativizando as verdades de cada personagem.
504
505
8
KOUDELA, Ingrid Dormien. Texto e Jogo - uma didática brechtiana. São Paulo:
Perspectiva, 1996, p.96.
505
506
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOAL, Augusto. 200 jogos para o ator e não ator com vontade de dizer algo
através do teatro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997.
_______. Jogos para atores e não atores. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1999.
_______. Teatro do Oprimido e outras poéticas políticas. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1975.
BRECHT, Bertolt. Estudos sobre teatro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005.
COUTINHO, Marina Henriques. A favela como palco e personagem. Rio de
Janeiro: De Petrus, 2012.
506
507
507
508
ABSTRACT
This paper searches to question the new forms of political and documentary
theater having as object of study the trilogy of war of Amok in Rio de Janeiro
(Dragon - 2008, Kabul - 2010 Stories of Family - 2012). The dramaturgy of the
actor is an important way of creation ethic and aesthetic through the training
and the improvisations with the actual documents that is not only about the
body writing, but the whole process of relationship with materiality and
subjectivity. Amok shares with Brecht a conception antinatualist of the scene
and the intense corporality of the actors that establishes a distanciation and a
reflection of the spectator. The political is perceived through the performance of
1
Andréa Stelzer é doutora em artes cênicas pela UNIRIO com a tese “A dramaturgia do ator e
a poética do real: um estudo de duas companhias – Théâtre du Soleil e Amok”, com bolsa da
Capes, tendo realizado parte de sua pesquisa na Universidade Paris 3 sob orientação de
Béatrice Picon-Vallin. Autora do livro: “A escritura corporal do ator contemporâneo”. Atriz,
professora e pesquisadora com ênfase em dramaturgia, processos de criação atoral e teatro
documentário.
508
509
the actors establishing a shared space for reflection, drawing the public to the
responsibility with the here and now.
Key-words: Amok, political theater, documentary theater.
Introdução
Este texto propõe um estudo das novas formas de teatro político e
documentário por meio de uma análise dos espetáculos da trilogia de guerra da
Amok partindo do trabalho do ator, daquilo que chamei em minha tese de
dramaturgia do ator e poética do real. A dramaturgia do ator pode ser definida
como um processo de construção do texto cênico por meio das improvisações
dos atores com a materialidade e os fatos reais. Trata-se de uma escritura
atoral que se realiza imediatamente no palco a fim de lidar com as questões
urgentes do mundo.
O teatro político aqui será analisado não como um teatro militante, mas
como um teatro que se apodera da história em curso e dos fatos reais. De
acordo com Lehmann, o que é político no teatro só pode aparecer de forma
indireta, de modo oblíquo, ele não é traduzível pela lógica de um discurso
político. A questão do teatro político não consiste simplesmente no tema ou em
um conteúdo, mas em assumir uma forma política. Não é a simples informação
que vai criar um efeito político, mas o modo como se trabalha a percepção
destas questões.
509
510
510
511
511
512
512
513
513
514
Considerações finais
Podemos concluir que o trabalho dos atores com os documentos e com
as subjetividades cria um processo de experiência durante o treinamento por
meio da escuta, do aprofundamento aumentando a potência de afeto pelo
encontro entre o sujeito e o objeto. O gesto meticuloso, dissecado e
fragmentado das ações dos atores nos espetáculos da trilogia cria uma
ressonância no espectador que, ao participar da mesma sensação de realidade
dos atores, vivencia uma experiência poética.
O teatro como veículo de transformação social, tal como desejava
Brecht, exige um tipo de espectador emancipado, como afirmou Rancière,
capaz de fazer a sua própria leitura e refletir sobre os fatos recriados pela sua
514
515
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
BARBA, Eugenio. A arte secreta do ator. São Paulo: Hucitec, 1995.
515
516
ABSTRACT
Brecht und das Haupt der Gorgone
Brecht formuliert sein „anti-aristotelisches Theater“ und hat mit dem
griechischen
Klassiker dennoch eines gemein: der Mord, das Verbrechen, die blutige Aktion
findet hinter der Szene statt und ist somit der Darstellung entzogen. Uns bleibt
der Bericht, die Rekonstruktion des Tatvorgangs. Warum? In einer von realen
und medialen Bildern des Grauens und inhumanen Brutalitäten
überschwemmten Gegenwart ist diese Zurückhaltung auffällig und dient nicht
unbedingt der Steigerung der Publikumszahlen. Wieviele Tote gibt es bei
Shakespeare und wie wenige bei Brecht? Und wieviele im täglichen TV-
konsum? Der Zuschauer wird bei Brecht nicht zum erstarrten Voyeur
degradiert, sondern zum beobachtenden Passagier auf einer Zeitreise bewegt.
Ist das noch zeitgemäß? Der Bilderhunger und das ungeduldige rasende
Schnittempo im Lebensrythmus vor allem der jungen Generation stehen dem
scheinbar diametral entgegen. Wie kann Brecht heute noch subversive
Erkenntniswirkung zeigen?
1
Regisseur am Berliner Ensemble, Deutschen Theater Berlin, Staatsschauspiel Schwerin, seit
1992 freischaffend . Regiearbeiten im In- und Ausland u.a. in Hanoi, Dhaka, Helsinki, Nikosia,
Santiago de Chile, La Paz, Montevideo. Internationale Workshops. Arbeit im ITI. Lehrtätigkeit
an Universitäten im In-und Ausland. Lebt in Berlin.
516
517
durch den Spiegel sehend, der schlafenden Medusa den schrecklichen Kopf
abtrennen. Im Triumph brachte er ihn der Athene, die das Gorgonenhaupt
seitdem verwahrt. Aus dem Blute der Medusa entsprangen neue Dämonen und
Wesen, u.a. auch ein geflügeltes Pferd, Pegasus genannt, das Sinnbild der
Dichtkunst. Soweit der Mythos.
2
Es ist auffallend, dass Brecht in seiner Dramatik äußerst zurückhaltend mit
der Darstellung von physischer Gewalt auf der Bühne ist. Keine Schlachtungen
, wie bei Shakespeare, keine blutigen Folterungen und Morde auf offener
Szene, wenige Erschießungen. Seine Stücke mit der direkten Darstellung von
Gewalt sensationell anzureichern, funktionieren nicht - obwohl der Tod bei
Brecht allgegenwärtig ist und die Gewalt in der Gesellschaft, die Kälte unter den
Menschen eine seiner zentralen Fragen ist. Vielleicht auch deshalb gelten
Vielen Brechts Stücke als harmlos und uncool, stehen sie quer zum
Mainstream. Die Zuschauer heute sind ganz andere Kaliber des Schreckens
gewöhnt. Medial vernetzt und global verbunden sind wir alle permanent
Zeugen von Gewalttaten aller Art in allen Teilen der Welt. Wir konsumieren
Gewalt, Sex and crime wie eine Droge; vom Kind bis zum Greis treiben wir in
einer Sündflut von Bildern schrecklichsten Inhalts. Die ethische Schwelle der
Scheu und Scham, die zügelloser Gewalt eine Grenze setzt, ist auf ein
erschreckend niedriges Niveau abgesenkt. Der hemmungslose neoliberale
Medienmarkt verdammt jede ethische Limitierung als inakzeptable staatliche
Zensur und sichert sich so den Zugriff auf die Sinne und Hirne der
Konsumenten. Zwar ist die menschliche Spezies äußerst anpassungsfähig und
scheint unbegrenzt belastbar. Wir verändern uns mit den Instrumenten und
Produkten, die wir in immer schnelleren Innovationsrythmen erfinden, und
passen uns der Technik an. Unser Aufnahmevermögen ist enorm gewachsen -
wir können heute sehr vieles und auch sehr Unterschiedliches gleichzeitig
aufnehmen. Die Gewöhnung an den Anblick von Gewaltbildern setzt schon
beim Kleinkind ein und es zeichnet sich ab, dass das nicht ohne Folgen bleibt.
Die Zunahme spontaner Gewaltausbrüchen im nichtmilitärischen Bereich, im
sogenannten zivilen Leben (Schulen, Verkehrsmittel, öffentlicher Raum usw.) ist
offensichtlich und erschreckt uns - doch wir gewöhnen uns daran.
3
517
518
Diese wenigen Sätze sollen nur das weite Thema GEWALT UND BILDER
umreißen, ohne sich auf eine tiefere Analyse dieses umfangreichen, separaten
Forschungsgegenstandes einzulassen.
4
Im antiken Theater finden schreckliche Ereignisse, Morde, Selbstmorde,
Vergewaltigungen nicht coram publico, sondern hinter der Szene statt. Die
Türe, das Tor ist nicht nur die Auftrittsöffnung in der Wand für den
Schauspieler, vor der gespielt wird, sondern bezeichnet zugleich die Schwelle
zwischen der Aktion, die stattgefunden hat und der Situation der Spieler, die
jetzt mit ihr konfrontiert sind. Diese Auseinandersetzung wird zum
theatralischen Ereignis. Hierin ist das antike Theater ein grundsätzlich
episches. Das Theater in der Antike war ein stark kanonisiertes episches Spiel,
mit festen musikalisch-rythmischen Sprachformen und tänzerisch wie gestisch
genau fixierten Körperbewegungen - ein vollständiges theatrales Kunstwerk mit
absolutem Formanspruch, vergleichbar der Peking-Oper oder dem indischen
Kathakali.
5
Bei Sophokles tritt KÖNIG ÖDIPUS geblendet aus der Tür seines Palastes. Bei
Shakespeare werden Gloucester auf offener Bühne die Augen ausgestochen.
Und Schiller, von Shakespeare inspiriert, lässt seinen FRANZ MOOR, sich vor
den Augen des Publikums an einer Schnur des Theatervorhangs erhängen.
Das zeigt neben anderem die Differenz beim Fortschreiten auf dem Weg zur
totalen Befreiung des Individuums. Und wir sind noch nicht am Ziel.
6
Brecht postuliert sein „anti-aristotelisches Theater“, misstraut der kathartischen
Wirkung des Dramas und hat doch mit dem griechischen Klassiker eines
gemeinsam: die gewalttätige Aktion, der Mord findet hinter der Bühne statt. In
einer Gegenwart, die real und medial von Gewalt und brutaler Machtausübung
dominiert wird, ist diese Zurückhaltung auffällig. Ist doch die Gewalt, die die
Gesellschaft beherrscht und in Unordnung stürzt, ein zentrales Thema bei
Brecht. Bei ihm wird über große Verbrechen gesprochen und verhandelt, über
die Gewalt im Klassenkampf, über revolutionäre Gewalt und das zum Teil sehr
radikal.
7
518
519
Der junge Brecht soll in den frühen zwanziger Jahren vom Fenster einer
berliner Wohnung gesehen haben, wie eine Arbeiterdemonstration von der
Polizei zusammengeschossen wurde – und er sei stumm und kalkweiß
geworden.
8
1945 schreibt der schweizer Psychoanalytiker C.G Jung in seinem Aufsatz mit
dem Titel: „Nach der Katastrophe“ , in dem es um die psychologische Kondition
Europas nach dem 2. Weltkrieg und die Frage der Mitschuld an den Verbrechen
des deutschen Faschismus geht: „Schon Plato wusste es, dass der Anblick des
Hässlichen etwas Hässliches in die menschliche Seele hinein bildet. Die
Entrüstung und der Schrei nach Sühne richten sich gegen den Mörder umso
leidenschaftlicher und bösartiger, je mehr der Funke des Bösen in der eigenen
Seele glüht. Es ist eine nicht wegzuleugnende Tatsache, dass fremdes Böses
alsbald zu eigenem Bösen wird, nämlich dadurch, dass es wiederum Böses in
der eigenen Seele anzündet. Der Mord ist partiell an jedem geschehen und
partiell hat ihn jeder begangen; wir haben durch die unwiderstehliche
Faszination des Bösen verlockt, diesen partiellen Kollektivseelenmord mit
ermöglicht, und zwar um so mehr, je näher wir standen und je besser wir sehen
konnten. Dadurch sind wir unweigerlich in die Unreinheit des Bösen mit
hineingezogen, gleichviel was unser Bewusstsein damit tut…..Sind wir
moralisch entrüstet, so ist unsere Entrüstung umso giftiger und rachsüchtiger,
je stärker das vom Bösen in uns angezündete Feuer brennt. Dem entgeht
keiner, denn jeder ist so sehr Mensch und gehört so sehr in die menschliche
Gemeinschaft, dass auch jedes Verbrechen in irgendeinem Winkel unserer
vielfach schillernden Seele eine allergeheimste Genugtuung auslöst , die
allerdings - bei günstiger moralischer Veranlagung – in den benachbarten
Kompartimenten eine gegensätzliche Reaktion bewirkt….Jeder hat eben seinen
„statistischen“ Verbrecher in sich, wie den entsprechenden Geisteskranken
oder Heiligen. Dem Verbrechen insbesondere hat gerade unsere Zeit, das
heißt das letzte halbe Jahrhundert, vorgearbeitet. Ist es zum Beispiel noch
niemand als fragwürdig vorgekommen, dass man sich so allgemein für
Detektivromane interessiert?“ und weiter :„Der Anblick des Bösen zündet Böses
in der menschlichen Seele an. Das ist unvermeidlich. Nicht nur dem
519
520
520
521
521
522
sich primär in einen riskanten Prozess begibt, der ihn aus der Anonymität der
Masse heraushebt, ihn kenntlich also schutzlos macht. Und er weiss, wie viel
Kraft und Mut das erfordert. Hier setzt das Lehrstück ein – hier geht es direkt
zum Forumtheater des Augusto Boal.
13
Aber ist nicht auch im Gegenteil eine Situation denkbar , in der es wichtig wäre
und implizit darauf ankäme, zum Beispiel in DER MASSNAHME die freiwillige
Auslöschung des Jungen Genossen - seine Erschießung und die Beseitigung
des Leichnams in einer Kalkgrube - so erschreckend wie möglich zu zeigen
und wie könnte man das machen? Indem wir es spielen.
Quellenangabe:
Brecht Stücke, Große kommentierte Berliner und Frankfurter Ausgabe,
Aufbau Verlag, Berlin und Suhrkamp Verlag, Frankfurt /M
Jung, C.G. „Nach der Katastrophe“, erstmals erschienen in: Neue Schweizer
Rundschau, Neue Folge XII /2 (Zürich 1945)
REFERENCES
Brecht, B. (1970- ). Collected Plays. J. Willett & R. Manheim (Eds.). London:
Methuen.
Jung, C.G. (1945/1970). After the catastrophe. In H. Read, M. Fordham, G.
Adler, & W. McGuire (Eds.), The collected works of C.G. Jung, Volume
10: Civilization in transition (pp. 194-217). 2nd ed. Princeton, NJ:
Princeton University Press.
Müller, H. (1989). The battle: Plays, prose, poems. C. Weber (Ed. & Trans.).
New York: PAJ Publications.
Müller, H. (1990). Germania. S. Lotringer (Ed.). (B. Schütze & C. Schütze,
Trans.). New York: Semiotext(e).
522
523
RESUMO
O presente trabalho apresenta e discute os conceitos benjaminianos de
experiência (Ehrfarung), vivência (Erlebnis) e choque como um caminho
contemporâneo de reflexão para a teoria e a prática da peça didática
(Lerhstück), tomando o Fragmento Fatzer de Bertolt Brecht como texto-modelo.
Walter Benjamin (1994), em suas teses sobre a noção de história, apresenta o
fragmento, o rastro, a lembrança, os esboços como possibilidade de buscar
analogias entre o passado e o presente. O levantamento bibliográfico sobre
esses conceitos, articulado com a análise de um trecho de Fatzer, objetiva
defender e aprofundar a noção de modelo de ação (Handlungmuster) como
nova forma de narrar, que aponta para o espaço do jogo como um espaço de
co-fabulação, onde todos são jogadores. Benjamin constata o declínio da
experiência em sua força de realização coletiva, mas vê em Brecht,
especialmente, novas condições técnicas narrativas. No caso das peças
didáticas, os textos são abertos para a experimentação como modelos que
permitem procedimentos como alteração, atualização e apropriação por quem
participa do jogo com os modelos de ação. A análise do Fragmento Fatzer
revela essas estratégias narrativas através do inacabamento, da interrupção
(choque) e do caráter de obra aberta, incluindo o espectador em dimensão
ampliada. Brecht se serve da inclusão de vozes narrativas como as do coro,
por exemplo, enquanto dá às atitudes dos personagens, como os associais, um
tratamento individualizado, em contraponto dramático e modelar. Os principais
autores consultados foram Benjamin (1987,1994), Koudela (1991), Müller
(2002), Lehmann (2009), Wirth (1999), Wilke (1999).
Palavras-chave: experiência, choque, formas de narrar, Fatzer.
1
Francimara Nogueira Teixeira (Fran Teixeira) é artista do grupo Teatro Máquina, de Fortaleza
(CE). Encenadora. Professora da Licenciatura em Teatro do IFCE. Atualmente investiga a
experimentação prática com o Material Fatzer de Brecht como modelo de ação. Doutora em
Artes Cênicas pelo PPGAC/UFBA e mestre em Artes pela ECA/USP. É autora de "Prazer e
crítica: o conceito de diversão no teatro de Bertolt Brecht" (Annablume, SP: 2003).
523
524
ABSTRACT
This paper presents and discusses the concepts of experience and shock from
Walter Benjamin(1994) as a way to reflect about the learning play’s theory
(Lehstück), working with Brecht’s Fatzer Fragment as a text model. Benjamin in
his history’s thesis, presents the fragment, the trail, the memory, the sketches
as a possibility of seeking analogies between past and present. The review of
these concepts linked to a analysis of a extract of Fatzer aims to defend and
deepen the notion of the “modular” structure of these texts as a new way of
narrating. The theather space is understood as a space of co-fable, where the
actors are all players. Benjamin notes the decline of experience as a collective
realization, but sees in Brecht’s theatre, especially, new technical conditions of
narrative. The learning plays are open to experimentation. They allow the
players to change and upgrade their format. The analysis of this fragment
reveals epic strategies through the interruption (shock) and the character of
open work. Brecht uses narrative voices as the choir, for example, while
explores the attitudes of the characters, as Fatzer-asocial, in a individualized
treatment, creating a dramatic contrast. The mainly reviewed authors were
Benjamin (1987,1994), Koudela (1991), Müller (2002), Lehmann (2009), Wirth
(1999), Wilke (1999).
Key-words: experience, schock, narrative forms, Fatzer.
2
Benjamin inicia sua teorização sobre experiência em 1913, com um texto chamado
justamente Experiência. Essa discussão torna-se recorrente em sua obra, sendo retomada
também em outros textos como O conceito de experiência em Kant, O narrador, Sobre alguns
temas em Baudelaire e Teses sobre a Filosofia da História, escritos nas décadas de 30-40.
524
525
3
BENJAMIN, W. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura.
São Paulo: Editora Brasiliense, 1994, p.115.
525
526
4
GAGNEBIN, J.M. Prefacio In: BENJAMIN, W. op.cit., p.09.
5
AGAMBEN, Infância e história: destruição da experiência e origem da história. Belo Horizonte:
Editora UFMG, 2005, p.30.
526
527
527
528
9
BENJAMIN, op.cit., p.197-198.
10
BENJAMIN, op.cit.,p.200.
11
BENJAMIN, op.cit., p.203.
528
529
12
BENJAMIN, op.cit., p.205.
13
Tanto Aquele Que Diz Sim como Aquele Que Diz Não tratam da saga de um menino que
acompanha um professor e um grupo de estudantes numa expedição às montanhas em
busca de remédios e instruções e, no seu caso específico, em busca da cura para a doença
da sua mãe. Nessa viagem ele se depara com a situação de ver posto em prática um velho
costume que determina que quem não possa seguir viagem deve ser abandonado. Essas
peças têm inspiração no Nô de Zenchiku, chamado Taniko, ao qual Brecht teve acesso
529
530
FATZER
Aqueles ali me ofenderam ontem.
Precisamos mostrar a eles
Que não podem conosco.
BÜSCHING
Fique aí, Fatzer, nós precisamos
Da carne.
FATZER
Não me importa. Preciso
Falar com eles.
AÇOUGUEIROS
Ali está aquele sujeito que
Levou uns cascudos ontem. Ele quer
Levar mais um pouco hoje.
através de uma versão em língua inglesa. (BRECHT, B. Aquele que diz sim e Aquele que
diz não. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988, vol. 3. Teatro completo em 12 volumes)
530
531
FATZER
Ontem eu era apenas um. Mas hoje
Estamos em maior número. Vamos lá Büsching!
UM AÇOUGUEIRO
Dêem-lhe um soco na boca!
Quem é ele?
KEUNER
Não!
UM AÇOUGUEIRO
Vocês estavam com ele
Vocês devem conhecê-lo.
KEUNER
Não, nós não o conhecemos.
14
BRECHT, B. Decadência do egoísta Johann Fatzer. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995, vol.
12, p. 216-219.
531
532
532
533
16
RANCIÉRE, J. As desventuras do pensamento crítico. In: Crítica do Contemporâneo.
Conferências internacionais. Política / Educação / Biologia. Porto: Fundação de Serralves,
2007, p.81.
17
BOLZ, N.W. Onde encontrar a diferença entre uma obra de arte e uma mercadoria? Dossiê
Walter Benjamin, São Paulo, n.15, p. 90-8, set.-nov.1992, p.98.
533
534
534
535
535
536
teatro hoje e no que as peças didáticas podem contribuir para inspirar essa
discussão, Benjamin traz, antes de tudo, método.
A discussão em torno das tensões forma e conteúdo, tendência e
qualidade artística, arte e política é aprofundada com Benjamin, porque ele
parte do entendimento prévio de uma relação de interdependência e
necessidade entre essas tensões. Seus conceitos de Ehrfarung, Erlebnis e
Schockerlebnis, surgidos do seu envolvimento com as obras de Baudelaire,
Proust, Brecht, entre outros artistas, organizam a reflexão filosófica em estreita
relação com o aprofundamento nos fenômenos estéticos.
Brecht, em sua obra, reinventa o texto dramático não apenas na sua
epicização, mas por meio do tratamento formal dado a conteúdos
contemporâneos. Tal estratégia aponta para uma poética da cena que se
sobressai ao texto, o ultrapassa.
536
537
ABSTRACT
The article has the main goal of showing the relationship between Documentary
Theatre and Oral History. When, in certain creative processes, this kind of
theatre elects a social theme to be discussed by the group, it not just stimulates
but also produces and uses the untold history of social groups that many times
are excluded, marginalized, with no active voice in Official History or in
conventional medias.
This way, a Documentary Theatre creative process that establishes this
relationship promotes social dialogues that maybe would not normallyhappen;
the actors literally give body and voice to a marginalized social group in a
sensitive and ethical way, and the documented people have the opportunity of
1
Elise Vieira é atriz e pesquisadora em Teatro Documentário. Graduou-se em Artes Cênicas
pela Universidade de São Paulo (2002) e concluiu seu Mestrado em Artes Cênicas pela
Universidade Federal de Minas Gerais (2013) com a dissertação “História Oral e Autobiografia
no Teatro Documentário”.
537
538
538
539
539
540
540
541
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
541
542
542
543
543