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1. Considerações iniciais
Um dos aspetos mais interessantes ao abordar a problemática da teoria do conhecimento, no
âmbito da fenomenologia, é o fato de termos que ter em conta pelo menos dois aspetos que me
parecem serem fundamentais para o estudo aprofundado deste tema. Primeiro, não há uma
fenomenologia mas várias. Na análise fenomenológica do conhecimento o paradigma que
normalmente se parte é o do Filósofo Husserl, uma vez que este pensador é considerado como o
grande iniciador do método fenomenológico. Contudo, a partir dele ou por causa dele, surgiram um
conjunto de filósofos que também adotaram o método fenomenológico mas, por razões de
orientação, de escolha e de interesse filosófico diverso daquele que teve Husserl, adotaram o
método fenomenológico ajustado aos seus propósitos, ora numa perspectiva mais próxima do seu
iniciador, ora numa perspectiva mais distanciada de Husserl.
Um segundo aspeto a ter em conta na nossa abordagem desta questão é o fato de termos que
fazer uma desconstrução desse método e, por isso mesmo, novas questões surgem e que em muito
se distanciam daquelas que foram colocadas por Husserl e por alguns dos seus seguidores. Aliás,
uma vez que a teoria representacionista do conhecimento, apresentada por alguns filósofos do
conhecimento, parte de um pressuposto dualista, entre aquilo que chamam sujeito e aquilo qua
chamam objeto do conhecimento, entre outros dualismos, é natural que as questões que colocam,
1 Não deixa de ser interessante que Husserl queira construir uma filosofia como ciência de rigor contra as perspectivas
filosóficas de então e outras já com alguma história tanto no campo da ciência, como no campo da filosofia
propriamente dita, tais como o positivismo, naturalismo, pragmatismo, historicismo e o relativismo. Este ponto de vista
é sobretudo relevante na obra de Husserl A Filosofia como ciência de rigor, (Philosophie als strenge Wissenschaft) de
1911. Por isso, pensar a Filosofia como ciência de rigor é, segundo Joaquim de Carvalho, pensá-la como «Filosofia
Absoluta», isto é, como indagação de verdades absolutas e que existem em si, e não como expressão de anseios e de
satisfações humanas. Cf. HUSSERL, Edmundo. A Filosofia como Ciência de rigor. Prefácio de Joaquim de Carvalho,
Trad. Albin Beau, Coimbra, 1965, p. XXVII.
2 Relativamente a esta questão, não podemos esquecer que Heidegger, sobretudo a partir de Sein und Zeit, marca uma
rutura como o método fenomenológico mais tradicional. A partir da sua outra obra, Carta sobre o Humanismo,
Heidegger oferece-nos uma outra interpretação (e retificação) acerca da fenomenologia. Cf. HEIDEGGER, Carta sobre
o Humanismo, Tradução revista, sobre a versão do Doutor Arnaldo Stein, de Pinharanda Gomes, Prefácio de Doutor
António José Brandão, Guimarães & C.ª Editores, Lisboa, 1980. Cf. ainda em, RESWEBER, Jean-Paul, O Pensamento
de Martins Heidegger, Trad. João Agostinho A. Santos, Livraria Almedina, Coimbra, 1979, p. 62-63.
7 Cf. CARVALHO, Joaquim. “Prefácio”, in HUSSERL, Edmundo, A Filosofia como Ciência de rigor, op. cit. p. VI e
VII.
8 CARVALHO, Joaquim. op. cit, p. XXVII.
9 Cf. HUSSERL, Edmund. Ideias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica, de 1913, Titulo
original, Ideen zu einer reinen Phanomenologie und phanomenologischen Philosophie. Trad. Espanhola de José Gaos,
Ideas relativas a una fenomenología pura y una filosofía fenomenológica, Fondo de Cultura Económica, México-
Buenos Aires, 1985, p.166 e 176.
10 Este ensaio poderia muito bem ter o seguinte título “A ruina do representacionismo”. Aliás, Emmmanuel Lévinas
utiliza, na sua crítica a Husserl, a frase, “ A ruina da representação (La Ruine de la representation), Cf. LÉVINAS,
Emmanuel. En Découvrant L´existance avec Husserl et Heidegger, Librairie Philosophique J. Vrin, Paris, 1967.
11 Cf. HUSSERL, Edmund. Ideas relativas a una fenomenología pura y una filosofía fenomenológica. op. cit.
12 HUSSERL Edmund. A Ideia de fenomenologia. op. cit., p. 21.
13 SEVERINO, Emanuel. A Filosofia Contemporânea. Trad. José Eduardo Rodil, Edições 70, Lisboa, 1987, p. 208.
14 Cf. HUSSERL, Edmund, Investigações Lógicas, Fundamentação da Lógica e doutrina da Ciência, Obras. Primeiro
Vol. Prolegómenos à Lógica Pura, 2005. Trad. Diogo Ferrer, Segundo Vol. Parte I, Trad. Pedro M.S. Alves e Carlos
Aurélio Morujão, e Parte II, Investigações para a Fenomenologia e a Teoria do conhecimento,2007, Trad. Carlos
Aurélio Morujão. Tradução aprovada pelos Arquivos-Husserl de Louvaina, Diretor, Pedro M.S. Alves, Lisboa. Husserl,
no primeiro vol. das Investigações Lógicas, p. 81-95 (§21 e 24), traça uma profunda crítica ao psicologismo. O
psicologismo tem fundamentos vagos e, por isso, só pode fundar regras vagas. Ver especialmente a refutação ao
psicologismo na obra referida anteriormente, nos pontos 1, 2 e 3. Para Husserl, a psicologia não fornece leis
apoditicamente evidentes e absolutamente exatas que constituem o núcleo de toda alógica. Cf. Ibidem, p. 84. Husserl no
começo das sua investigação filosófica, mais uma vez influenciado, pela Psicologia Experimental e pelo seu professor
Brentano, partira da convicção de que tanto a Lógica em geral, como a Lógica das ciências dedutivas deveriam esperar
a sua clarificação filosófica da psicologia. Embora, Husserl, na Obra Filosofia da Aritmética (Philosophie der
Arithmetik), de 1891, já desconfiasse que uma ciência experimental nunca poderia satisfazer as condições teóricas de
uma fundamentação radical.
15 Cf. HUSSERL, Edmund. Problemas da Fenomenologia de Husserl. op. cit., p. 33-34.
16 HUSSERL, Edmund. A Ideia da Fenomenologia. op. cit., p. 22.
17 É de salientar que Husserl altera totalmente o sentido da sua fenomenologia, sobretudo a partir da sua obra
Investigações Lógicas (Logische Untersuchungen-1900). Nesta obra, Husserl ainda via a fenomenologia como um
prelúdio da psicologia empírica, como uma esfera de descrições «imanentes» de vivências psíquicas que se mantêm
rigorosamente dentro da esfera da experiência interna. Cf. HUSSERL, Edmund. Intoduction, in Ideas relativas a una
fenomenología pura y una filosofía fenomenológica. op. cit., p. 7.
18 HUSSERL, Edmund, A Ideia da Fenomenologia, op. cit., p. 22.
19 Cf. HUSSERL, Edmund, A fenomenologia de Husserl. op. cit., p.10-19 e MORUJÂO, Alexandre Fradique – O
«Fenómeno Puro» ponto de partida da fenomenologia de Husserl, Lisboa, 1957.
Para constituir o seu método fenomenológico, Husserl quer ir mais longe procurando o
caminho que mais se adequa ao seu propósito. Por isso mesmo, começou por distinguir ciência
25 Ibidem, p. 45.
26 Ibidem, p. 57.
27 Ibidem, p. 63.
Só desta maneira Husserl consegue que o fenômeno puro, ou dado absoluto, apareça e se
revela à consciência, sem se confundir com o fato psicológico. Assim, a ciência dos fenômenos
puros, a fenomenologia está habilitada não só a fazer uma crítica do conhecimento, como dessa
crítica sairá o caminho para explorar a essência do conhecimento.
Desta maneira Husserl afasta-se da perspectiva gnosiológica de Kant no sentido em que o
filósofo alemão, apesar de ter feito a distinção entre juízos de percepção e juízos de experiência,
não atingiu a intenção última da distinção aqui necessária, visto que lhe faltava o conceito de
fenomenologia e de redução fenomenológica, não conseguindo, igualmente, desenvencilhar-se
totalmente do psicologismo e do antropologismo. Desta forma, os juízos formulados nas condições
que Husserl estabeleceu não são puramente subjetivos nem apenas subjetivamente válidos, embora
esta questão não seja totalmente pacífica para todos os críticos da filosofia husserliana. Mas isso
veremos mais tarde. Por ora, basta-nos para concluir esta parte dizer que Husserl pretende que a
fenomenologia seja ciência e método:
A filosofia como ciência rigorosa que Husserl quer instaurar é assim muito diferente das
ciências puramente apriorísticas, como acontece em Kant. A análise fenomenológica de alguma
maneira também é apriorística. Não apriorística no sentido kantiano ou de uma pura dedução
lógico-matemática. O que distingue o método fenomenológico husserliano dos sistemas
apriorísticos é o seu método e o seu objetivo. Ou seja, a fenomenologia husserliana procede
elucidando visualmente, determinando e distinguindo o sentido. Por isso, também compara,
distingue, enlaça, põe em relação, separa em partes ou segrega momentos. Mas tudo no puro ver29.
Na última Lição da obra, A ideia da Fenomenologia, Husserl vai um pouco mais longe
chegando à evidência da cogitatio e afirma que:
Husserl vai levar a cabo ainda de forma mais intensa esse trabalho nas obras seguintes,
nomeadamente, em Ideen zu einer reinen Phänomenologie und phänonenologischen Philosophie e
em Die Krisis der europaischen Wissenschaften und die Tränszendentale Phänomenologie. Ein
Einleitung in die phänomenologische Philosophie30.
Hessen apresenta o ato de conhecer como uma relação dicotómica sujeito-objeto, dizendo
mesmo que esta dicotomia é fundamental para o conhecimento racional, ou seja para o discurso
lógico-discursivo. Contudo, Hessen, continua a falar de essências, transcendente e imanente,
consciência e realidade, realidade e interpretação, na linha da fenomenologia tradicional, apenas
com algumas e pequenas variantes. Hessen afirma que o conhecimento apresenta-se como uma
transferência das propriedades do objeto para o sujeito, sendo que esta relação constitui o
instrumento pelo qual a consciência cognoscível apreende o seu objeto. O conceito de verdade está
também relacionado intimamente ligado com a essência do Conhecimento. A descrição
fenomenológica do conhecimento, enquanto método e ação preparatória pode e deve descobrir os
problemas que se apresentam nos fenômenos do conhecimento e fazer com que tomemos
consciência deles32. O que nos parece é que Hessen, na análise fenomenológica do conhecimento,
deixa de lado a análise crítica do conhecimento, e é isso mesmo que causa problemas ao próprio
conhecimento enquanto «objeto» de análise, caindo assim nos mesmos erros que Husserl caiu e, em
alguns casos, até os agravou, por exemplo, quando Hessen afirma que o que conhecemos é apenas
31 HESSEN, J. Teoria do Conhecimento. Trad. António Correia, Arménio Amado – Editor, Coimbra, 1952, p. 19.
32 Cf. Ibidem, p. 20-29.
33 HARTMANN, Nicolai. Les principes d`une Métaphysique de la connaissance, Tome I, Traduction et Préface de
Raymond Vancourt, Aubier, Éditions Montaigne, Paris, 1945, p. 87-92.
34 Sobretudo o segundo Wittgenstein.
35 Cf. AYER, Alfred Jules. O Problema do conhecimento. Um estudo sobre os principais problemas filosóficos
relacionados com a teoria do conhecimento, Editora, Ulisseia, Trad, Vieira de Almeida, Lisboa-Rio de Janeiro, p. 10-
32.
36 Vamos ter em conta nesta análise as seguintes obras de Rorty, RORTY, Richard, A filosofia e o Espelho da Natureza,
Publicações D. Quixote, Trad. João Pires, Lisboa, 1988 e ainda, RORTY, Richard. Objetividad relativismo y verdad,
Ediciones Paidós Ibérica, S.A, España, 1996.
37 Cf. RORTY, Richard. Objetividad, relativismo y verdad. Escritos filosóficos I, Ediciones Paidós, Ibérica, España,
1996, p. 19.
38 Cf. Ibidem, p. 18. Ver toda a perspectiva essencialista e anti-essencialista em Ibidem, p. 131-153.
Neste sentido, não há a tentativa de reconstruir o discurso filosófico sobre dados pré-
existente, o que o pragmatismo pretende é descentralizar o discurso e permitir que se chegue a um
acordo, em que todas as formas de inquirição e questionamento sejam avaliadas de forma mais
argumentativa e não demonstrativa, e que naturalmente esse discurso faça sentido. Não existe
também, a noção de «representação» exata, tal como pretendia as teorias representacionistas do
conhecimento anteriormente referidas. Para Rorty, esta linha holística de argumentação é bem mais
interessante do que qualquer teoria fundacional do conhecimento. Por isso, segundo este filósofo:
Por isso, a hermenêutica é sempre uma tentativa de produzir um discurso «anormal» que
faça sentido. É sempre
É a partir deste pressupostos que Rorty traça a linha entre filósofos sistemáticos,
fundacionais, essencialista, construtivos, e os filósofos periféricos, edificantes e reativos, que
desconfiam sempre quanto à noção de essências39.
39 Rorty ainda faz uma outra distinção importante entre filósofos normais e revolucionários. Esta distinção feita pelo
filósofo norte-americano é muito interessante para se perceber toda a sua argumentação contra as filosofias do
conhecimento essencialista e representacionista. Cf. RORTY, Richard. A filosofia e o espelho da natureza, op.cit., p.
285-288.
A noção do conhecimento como uma simples representação é uma ilusão e, como tal, pouco
edificante e proveitosa para a filosofia. Por isso, Rorty desconfia de qualquer tentativa de construir
uma filosofia universal e uma hermenêutica transcendental.
CARVALHO, Joaquim. Prefácio, in HUSSERL, Edmundo. A Filosofia como Ciência de rigor, op.
cit. p. 6 e 7.
DESCARTES, René. Discurso do método. Trad. e org. de Tavares Guimarães. Lisboa: Porto
Editora, 1984.
______. A Fenomenologia de Husserl como Fundamento da Filosofia. Braga: Livraria Cruz, 1959.
HESSEN, J. Teoria do Conhecimento. Trad. António Correia, Arménio Amado. Coimbra: Editor,
1952.
______. A Ideia de fenomenologia (IF), Trad. Carlos Morujão. Lisboa: Ed. 70, 1989. (Título
original, Die Idee der Phänomenologie- 1907).
______. A filosofia como ciência de rigor, Trad. Albin Beau,Biblioteca Filosófica, Edição: Oficinas
da Atlântida, Prefácio de Joaquim de Carvalho, Coimbra, 1965. (Título original, Philosophie als
strenge Wissenschaft de 1911).
______. Ideas relativas a una fenomenología pura y una filosofía fenomenológica (Ideias para uma
fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica, de 1913), (Titulo original, Ideen zu einer
reinen Phänomenologie und phänomenologischen Philosophie), Trad. Espanhola de José Gaos,
Ideas relativas a una fenomenología pura y una filosofía fenomenológica, Fondo de Cultura
Económica, México-Buenos Aires, 1985.
RORTY, Richard. A Filosofia e o Espelho da Natureza. Trad. Jorge Pires. Lisboa: Publicações Dom
Quixote, 1988.
______. Objetividad, relativismo y verdad. Escritos filosóficos I. Trad. Jorge, Vigil Rubio. España:
Ediciones Paidós Ibérica, 1996.
______. Consequências do pragmatismo. Trad. João Duarte. Lisboa: Instituto Piaget, 1999.
SEVERINO, Emanuel. A Filosofia Contemporânea, Trad. José Eduardo Rodil. Lisboa : Edições 70,
1987
Abstract: Our goal in this essay is to present the phenomenological theory of knowledge as opposed to the
pragmatism theory of knowledge. That way we will evaluate those two philosophical positions presenting
their limitations and weaknesses but also their potential. While the phenomenology gives value to the
transcendental subject and the consciousness in an attempt to achieve the same things and their essences in
order to find the ultimate foundation of reality, the pragmatism stays completely away from this
gnoseological position not looking for an exact absolute and universal science but for a speech that allows
several interpretations of reality and new forms of interrogation and investigation, that is, the pragmatism
seeks a reactive and not normal speech that allows the language and the thought to renew themselves, and