Você está na página 1de 24

Patologia Aplicada

à Farmácia
Neoplasias

Responsável pelo Conteúdo:


Prof.ª Me. Carolina Vieira

Revisão Textual:
Prof.ª Dr.ª Luciene Oliveira da Costa Granadeiro
Neoplasias

• Introdução;
• Tumores Benignos;
• Tumores Malignos;
• Metabolismo Tumoral;
• Crescimento Tumoral;
• Gradação e Estadiamento Tumoral.


OBJETIVO

DE APRENDIZADO
• Fomentar o conhecimento sobre os processos de alteração da proliferação e da diferencia-
ção celular que levam à formação dos tumores benignos e malignos.
UNIDADE Neoplasias

Introdução
Esta importante unidade dedicar-se-á à Oncologia (do grego oncos = tumor e
logus= estudo), ou seja, ao estudo dos tumores ou neoplasias. O oncologista inglês
Rupert Willis (1898-1980) definiu neoplasia como “uma massa anormal de tecido,
cujo crescimento excede aquele dos tecidos normais e não está coordenado com
ele, persistindo da mesma maneira excessiva após o término do estímulo que in-
duziu a alteração”.

O termo tumor acaba por se aplicar como sinônimo de neoplasia. Ambos se


referem a qualquer lesão expansiva ou intumescimento localizado, o que pode ser
encontrado em diversos outros quadros patológicos, tais como nas inflamações e
nos hematomas. Entretanto, com o decorrer do tempo, o termo tumor foi sendo
utilizado mais frequentemente para designar processos neoplásicos. Para fins
práticos, aqui, utilizaremos o termo tumor para descrever tais lesões expansivas
e proliferativas.

O termo câncer representa a tradução latina da palavra grega carcinoma (de


karkinos = crustáceo, caranguejo), descrito pela primeira vez por Galeno (138-201
d.C.) para indicar um tumor de mama maligno que apresentava veias superficiais tão
intumescidas e ramificadas que lembravam as patas de um caranguejo. Atualmente,
refere-se como câncer todos os tumores malignos.

Os tumores dividem-se em duas grandes classes, tumores malignos e benignos.


Ambos possuem dois componentes básicos: (1) células neoplásicas proliferantes, que
constituirão o parênquima tumoral, e (2) o estroma, constituído de tecido conjunti-
vo e vasos sanguíneos, tendo função de suporte para o desenvolvimento tumoral.
As células parenquimatosas determinarão a natureza do tumor e, por sua vez, sua
nomenclatura, enquanto o estroma oferecerá todo o suporte necessário para o seu
crescimento. Tumores pobres em estroma frequentemente se apresentam com apa-
rência mole, no entanto, quando há uma intensa proliferação do estroma contendo
colágeno, denomina-se esse processo de desmoplasia.

Parênquima e estroma. Disponível em: https://bit.ly/3emAGPn

Quatro critérios principais são considerados para a distinção entre tumores benig-
nos e malignos:
• Grau de diferenciação celular / anaplasia;
• Ritmo de crescimento;
• Invasão local;
• Capacidade de desenvolvimento de metástases.

8
Importante!
Para darmos início ao estudo dos tumores benignos e malignos, é importante relem-
brarmos o conceito de diferenciação celular, que compreende o conjunto de processos
pelos quais as células embrionárias se especializam para realizar determinadas funções.
Tumores mais diferenciados tendem a apresentar comportamento mais favorável, en-
quanto tumores mais indiferenciados tendem a ser mais agressivos. A ausência de
diferenciação (especialização) é denominada de anaplasia. Dessa forma, tumores indi-
ferenciados podem ser chamados também de anaplásicos.
O grau de diferenciação diz respeito ao grau com que as células parenquimais se asse-
melham às células normais, tanto em morfologicamente quanto funcionalmente.

O ritmo de crescimento do tumor, por sua vez, pode variar e vir a ser mais rá-
pido a depender da origem celular do tumor e de outros fatores, como suprimento
sanguíneo e dependência hormonal.

Já a capacidade de metastatização ocorre quando células oriundas do tumor


primário se desprendem e são capazes de colonizar outros órgãos a distância deste
tumor inicial.

Tumores Benignos
As células dos tumores benignos, geralmente, são bem diferenciadas e sua taxa
de divisão celular é baixa (baixo índice mitótico), o que lhe confere um crescimento
lento. Comumente, as células crescem unidas entre si e não apresentam caráter infil-
trativo para os tecidos adjacentes, podendo frequentemente apresentar ao seu redor
uma cápsula de tecido fibroso delimitando a expansão desse tumor. No entanto, esse
crescimento expansivo, mesmo se tratando de um tumor benigno, pode acarretar
prejuízo por causar compressão de estruturas adjacentes. Em síntese, os tumores
benignos se diferenciam dos tumores malignos a partir dos seguintes critérios:
• Grau de diferenciação: tumores benignos, em geral, apresentam-se como
bem diferenciados;
• Ritmo de crescimento: tumores benignos tendem a apresentar crescimento
lento, muito embora possa também ser rápido;
• Invasão local: as neoplasias benignas se apresentam como massas compactas,
palpáveis e móveis, geralmente estando envoltas por uma cápsula de tecido con-
juntivo fibroso que delimita as margens do tumor. Apresentam crescimento ex-
pansivo e tendem a permanecer em seu local de origem, sem aderir a tecidos ad-
jacentes. Frequentemente, os tumores benignos são de fácil ressecção cirúrgica;
• Metástase: tumores benignos não são capazes de metastatizar, sendo essa ca-
pacidade a principal característica dos tumores malignos.

9
9
UNIDADE Neoplasias

Nomenclatura dos tumores benignos


Em geral, os tumores benignos de origem mesenquimal são designados pelo
sufixo -oma precedido pelo nome da célula de origem do tumor. Por exemplo, um
tumor benigno de fibroblastos é chamado de fibroma, enquanto um tumor benigno de
condrócitos do tecido cartilaginoso denomina-se condroma. Outros exemplos incluem
os osteomas (de osteócitos), os lipomas (de adipócocitos), os leiomiomas (de fibras
musculares lisas), as rabdomiomas (de fibras musculares estriadas) e os angiomas (de
vasos sanguíneos). Como em toda regra, há exceções, linfoma, melanoma e mieloma
são tumores malignos que levam esse sufixo.

Neoplasias epiteliais benignas que formam padrões glandulares, bem como tu-
mores derivados de glândulas, mas que não necessariamente apresentam padrões
glandulares, são denominadas de adenomas. Por sua vez, os tumores benignos de
origem epitelial que produzem projeções digitiformes ou verrucosas sobre superfícies
epiteliais são chamados de papilomas. Ao se projetarem acima de superfícies muco-
sas (como, por exemplo, na cavidade nasal ou na luz do tubo digestivo), recebem o
nome de pólipos.

Tumores Malignos
As células parenquimatosas dos tumores malignos podem variar de bem dife-
renciadas a indiferenciadas (ou anaplásicas). A falta de diferenciação é considerada
como uma característica básica da transformação maligna, podendo ser notada
por meio de alterações morfológicas e funcionais. Células anaplásicas tipicamente
apresentam pleomorfismo, isto é, uma variedade de tamanho e de forma. Tal va-
riedade pode ocorrer tanto nas células como um todo quanto em seus núcleos. Po-
dem ser vistas, muitas vezes, células que são maiores do que as células vizinhas; em
contrapartida, pode também haver células que são menores e apresentando ainda
um aspecto primitivo. Comumente, os núcleos contêm uma grande quantidade
de DNA e se apresentam hipercromáticos (de coloração extremamente escura),
podendo ser desproporcionalmente grandes quando comparados ao restante das
células. A relação núcleo-citoplasma de uma célula tumoral maligna pode chegar
a 1:1, enquanto tal valor para uma célula normal é de aproximadamente 1:4 ou
1:6. Em geral, a forma desse núcleo é extremamente variável e, frequentemente,
sua cromatina se apresenta grosseiramente aglomerada e distribuída ao longo da
membrana. Pode-se ainda encontrar em populações de células tumorais malignas
grandes nucléolos nesses núcleos.

Quando comparadas às células de tumores benignos, as células malignas podem


apresentar grande número de mitoses, devido à maior atividade proliferativa das células
parenquimatosas. Mais importante que o número de mitoses (pois esse número pode
ser elevado também em tecidos não neoplásicos, como é o caso da medula óssea, que
apresenta rápida renovação e proliferação não neoplásica, contendo muitas células em

10
mitose), é se atentar para o fato de que nas células neoplásicas, além de o número de
mitoses estar elevado, elas apresentam figuras de mitoses bizarras e atípicas.

As grandes massas tumorais malignas crescem de modo anárquico e desorga-


nizado, podendo frequentemente apresentar um estroma vascular escasso, o que
contribui para o surgimento de grandes áreas de necrose central isquêmica no
interior dos tumores. O diagnóstico morfológico de malignidade nos tumores pode
ser extremamente difícil, pois uma mesma massa tumoral pode apresentar os dois
extremos da diferenciação celular (células bem diferenciadas e células anaplásicas),
a despeito da região a ser analisada pelo patologista.

As principais características dos tumores benignos e malignos podem ser vistas


na Tabela 1.
Tabela 1 – Principais critérios de distinção entre tumores benignos e malignos
Características Benignos Malignos
Bem diferenciados (células
Diferenciação tumorais semelhantes, tanto
Variam de bem diferenciados
morfologicamente quanto fun-
celular a indiferenciados.
cionalmente, às células normais
do tecido de origem).
Anaplasia (ausência
Ausente Pode estar presente.
de diferenciação)
Em geral lento, mas pode ser
Ritmo rápido, com ritmo inconstante.
Em geral rápido, mas pode ser
Depende do suprimento sanguí-
de crescimento lento e ter período de latência.
neo, da presença de hormônios e
de fatores de crescimento.
Massas expansivas e compactas,
Crescimento por infiltração pro-
localizadas em seu sítio de ori-
Invasão local gem, sem capacidade infiltrati-
gressiva, invadindo e destruindo
tecidos circundantes.
va e invasiva.
Em geral, pode estar presente
Metástase Ausente (embora alguns tumores, excep-
cionalmente, não o façam).

Nomenclatura dos tumores malignos


A nomenclatura dos tumores malignos segue, em geral, o mesmo padrão da
nomenclatura dos tumores benignos, porém, com alguns acréscimos. Os tumores
malignos de origem mesenquimal são denominados de sarcomas (do grego sar =
carnoso). Por possuírem pouco estroma de tecido conjuntivo fibroso, geralmente,
seu aspecto é mais carnoso, como pode ser visto, por exemplo, nos fibrossarcomas,
osteossarcomas, condrossarcomas, lipossarcomas, leiomiossarcomas, rabdomiossar-
comas etc. Os tumores malignos originados de células epiteliais, independentemente
de qualquer uma das três camadas germinativas (endoderme, ectoderme e meso-
derme), são denominados de carcinomas. Os carcinomas podem ainda ser mais
qualificados, como, por exemplo, carcinomas que apresentam crescimento glandular
são denominados de adenocarcinomas.

11
11
UNIDADE Neoplasias

Tabela 2
Origem Benigno Maligno
Mesenquimal
Cartilagem Condroma Condrossarcoma
Fibroblasto Fibroma Fibrossarcoma
Tecido ósseo Osteoma Osteossarcoma
Tecido adiposo Lipoma Lipossarcoma
Músculo liso Leiomioma Leiomiossarcoma
Músculo estriado rabdomioma Rabdomiossarcoma
Vasos sanguíneos hemangioma Hemangiossarcoma
Vasos linfáticos linfangioma Linfangiossarcoma
Epitelial
Epitélio de revestimento Papiloma Carcinoma
Epitélio glandular Adenoma Adenocarcinoma
Células do sangue Leucemia
Órgãos linfoides Linfoma
Sistema melanógeno Nevo Melanoma
Células multi- ou
Teratoma benigno Teratoma maligno
totipotentes

• Neoplasias Definicoes e Nomenclatura: https://youtu.be/zU7zggY44iA


• Neoplasias Epidemiologia e Ciclo Celular: https://youtu.be/mPQJ3sbJ5Us
• Neoplasia Biologia dos Tumores: https://youtu.be/0BXUlBqQ_Ak

Características das células tumorais malignas


Mediante estímulos carcinogênicos apropriados, as células normais podem evoluir
progressivamente para um estado neoplásico maligno. Tal evolução proporcionará
às células uma sucessão de características que permitirão que elas se tornem tumo-
rigênicas e, finalmente, malignas. Para que possamos compreender a essência do
câncer, é preciso olhar para os tumores não somente como massas de proliferação
celular descontrolada, mas sim como tecidos complexos compostos por múltiplos
tipos celulares distintos que participam de interações heterotípicas entre si, criando
um ambiente propício para o desenvolvimento tumoral. A esse ambiente denomina-
mos microambiente tumoral.

Metabolismo Tumoral
O metabolismo das células tumorais possui uma característica muito peculiar
e de extrema importância para sua sobrevivência. Observado por Otto Warburg
(1883-1970), no início da década de 1920 e ainda muito discutido e estudado, o
denominado efeito Warburg da glicólise anaeróbica é um dos principais aspectos
metabólicos que caracterizam o câncer. Em seus estudos em diferentes tipos de
tumores, Warburg descobriu que as células tumorais, mesmo na presença abundante

12
de oxigênio, preferiam metabolizar a glicose pela glicólise anaeróbica. As células
tumorais malignas são ávidas por glicose, entretanto, o sítio de crescimento tumoral
pode apresentar um pobre suprimento sanguíneo e, consequentemente, nutricional.
Ao alterar o metabolismo celular para a glicólise anaeróbica, as células tumorais
passam a adquirir capacidade de sobreviver em um meio acidificado, devido ao
excesso de ácido láctico gerado.

Oncogenes e proto-oncogenes
Proto-oncogenes são genes normais que se tornam oncogenes devido a uma
mutação ou devido ao aumento de expressão gênica. Os oncogenes foram descritos
pela primeira vez em genoma retroviral pelos pesquisadores Harold Varmus e John
Michael Bishop, ganhadores do Prêmio Nobel de Medicina em 1989. Esses genes
foram denominados de oncogenes virais (v-oncs).

Os proto-oncogenes podem se transformar em oncogenes por meio da mudança


na estrutura do gene (mutação), resultando na síntese de oncoproteínas, ou seja, pro-
dutos genéticos anormais com funções irregulares. Podem também surgir por meio
de mudanças na regulação da expressão do gene, promovendo, assim, o aumento
da produção de proteínas promotoras de crescimento estruturalmente normais e que
irão estimular a proliferação celular.

Mutações somáticas
Uma outra característica importante das células tumorais é a quantidade de mu-
tações somáticas que muitas delas conseguem adquirir com o tempo e carregar em
seu DNA. Por exemplo, mutações no gene supressor de tumor TP53, conhecido
como “guardião do genoma”, podem resultar na proliferação de células anormais,
contribuindo para o surgimento do câncer. A fosfoproteína p53 é responsável pela
regulação do ciclo celular, exercendo ação supressora tumoral. Quando as células
são agredidas por agentes mutagênicos (substâncias químicas, vírus, radiação etc.)
ou sofrem erros na replicação do DNA, a p53 estimula proteínas inibidoras do ciclo
celular que agirão parando o ciclo na fase G1 (de síntese de enzimas e de RNA).
Tal parada tem como objetivo dar tempo para que os sistemas de reparo do DNA
corrijam os defeitos provocados, impedindo sua propagação nas próximas gerações
de células. Caso tais defeitos não possam ser reparados, a p53 induzirá a célula a
entrar em apoptose. Mutações no gene TP53 estão presentes em cerca de 50% dos
cânceres em humanos, principalmente em tumores colorretais, de mama e pulmão.
Tais mutações podem resultar de fatores intrínsecos, como mutações genéticas her-
dadas, ou extrínsecos, como, por exemplo, dano e instabilidade genética induzidos
por radiação, por substâncias químicas carcinogênicas ou por infecção viral.

Mecanismos epigenéticos no câncer de mama: o papel dos biomarcadores e da medicina


personalizada: https://bit.ly/3emFrbM

13
13
UNIDADE Neoplasias

Proliferação continuada
Outro traço fundamental das células tumorais malignas é a capacidade que elas
possuem de sustentar a proliferação continuada. Células normais controlam a todo
instante a produção e a liberação de sinais promotores de crescimento, garantindo,
assim, a homeostase celular. A esse processo denominamos de sinalização mitogênica.
As células tumorais desregulam tais sinais e se tornam “mestres de seus próprios
destinos”. Os sinais de ativação da proliferação celular são transmitidos, em sua
maioria, por fatores de crescimento que se ligam a receptores presentes na superfície
celular, agindo tanto de forma autócrina quanto parácrina. Além disso, as células
tumorais estimulam as células normais do próprio estroma tumoral a sintetizarem
fatores de crescimento em benefício de si mesmas.

Transição epitélio-mesenquimal
Tumores malignos de origem epitelial são capazes de reativar um programa
genético presente durante o desenvolvimento embrionário, denominado transição
epitélio-mesenquimal. Tal transição é capaz de alterar o fenótipo epitelial para o
mesenquimal. Essa mudança modifica moléculas de adesão expressas pelas células,
que, por sua vez, serão capazes de adotar um comportamento migratório e invasivo.
Tumores sólidos de origem epitelial, tais como carcinomas de ovário, de mama,
pulmão e boca, que ativam a transição epitélio-mesenquimal, apresentam maiores
chances de desenvolver metástases.

Inibição da apoptose
A apoptose, como vista no módulo I, diz respeito à morte celular programada. Tal
processo é geneticamente regulado e desencadeado por mecanismos fisiológicos,
patológicos ou citotóxicos, sendo controlado por vias de sinalização celular e genes
pró-apoptóticos e antiapoptóticos. A morte celular por apoptose serve como uma
barreira natural ao desenvolvimento do câncer, uma vez que permite o controle da
população de células num tecido. Células que apresentem danos em seu DNA asso-
ciados com hiperproliferação devem, em condições normais, entrar em apoptose.
No entanto, células tumorais encontram mecanismos para escapar da apoptose e,
assim, continuar sua proliferação patológica, progredindo para estados de maligni-
dade de alto grau e contribuindo para a resistência terapêutica. As células tumorais
desenvolvem uma variedade de estratégias para limitar ou contornar a apoptose – a
mais comum está relacionada com a perda da função do gene supressor de tumor
p53. Ao fazerem isso, eliminam um importante sensor capaz de identificar danos
críticos no DNA e de induzir a morte celular programada.

O rápido crescimento neoplásico pode levar à necrose central da massa tumoral


se o desenvolvimento de novos vasos sanguíneos (angiogênese) não ocorrer na mes-
ma velocidade com que o tumor se expande.

14
Em contraste com a apoptose, na qual a célula morta se retrai, fragmentando-se
e sendo a seguir removida pelas células vizinhas, sem ocorrência de reação inflama-
tória, as células tumorais necróticas ficam tumefeitas e se rompem, liberando seu
conteúdo no microambiente tecidual local. Tal feito fará com que haja a liberação
de sinais pró-inflamatórios, recrutando para a arena tumoral células imunes e não
imunes que irão promover a remoção dos restos necróticos. No entanto, no contexto
tumoral, as células inflamatórias podem também estimular ativamente o crescimento
do tumor, por serem capazes de induzir a angiogênese e a proliferação das células
cancerosas, bem como sua invasividade. Além disso, células necróticas liberam cito-
cinas, como a IL-1α, que podem estimular diretamente células vizinhas a proliferar,
sendo mais um potencial facilitador da progressão neoplásica. Dessa forma, tumores
malignos podem ganhar algumas vantagens ao tolerarem algum grau de morte celu-
lar necrótica para recrutamento de células inflamatórias, as quais trazem consigo fa-
tores estimulantes do crescimento para as demais células neoplásicas sobreviventes.

Angiogênese tumoral
As células tumorais necessitam de nutrientes e de oxigênio para sobreviverem.
Para atendimento às suas necessidades nutricionais, as células neoplásicas emitem
uma série de sinalizadores químicos que agirão sobre o endotélio vascular do “vaso-
-mãe”, iniciando o brotamento de novos vasos sanguíneos, processo este denomi-
nado de angiogênese tumoral (Figura 1). A angiogênese consiste em um processo
fundamental para o desenvolvimento tumoral e sua evolução metastática, sendo o
grau de perivascularização tumoral diretamente relacionado ao prognóstico dos pa-
cientes oncológicos.

Figura 1 – Angiogênese tumoral. Ilustração da formação de novos


vasos sanguíneos a partir de um “vaso-mãe”
Fonte: Getty Images

A formação de novos vasos sanguíneos a partir de células endoteliais é um pro-


cesso fisiológico essencial e está presente na embriogênese, na cicatrização de feri-
das, nos processos inflamatórios, no ciclo reprodutivo feminino e na amamentação.

15
15
UNIDADE Neoplasias

Para que o tumor inicie a angiogênese, primeiramente precisa ser capaz de degra-
dar a lâmina basal e o faz por intermédio da ação de proteases da matriz extracelular,
as quais são liberadas pelo endotélio. As células endoteliais então migram para o
estroma perivascular, proliferam e dão início ao brotamento capilar.

Invariavelmente, os novos vasos sanguíneos formados apresentam inadequações


estruturais e funcionais, comprometendo a oxigenação e dando origem a leitos mi-
crovasculares hipóxicos. Em geral, é considerado hipóxico o microambiente que
apresente tensão de oxigênio menor que 5 a 10 mmHg.

A adaptação das células tumorais à hipóxia é um processo extremamente impor-


tante para a sobrevivência e para a evolução tumoral. Uma das principais caracterís-
ticas presentes nessas células sobreviventes expostas à baixa tensão de oxigênio é a
ativação de uma família de fatores transcricionais induzidos pela hipóxia (HIFs). Dentre
os membros de tal família, destaca-se, em especial, a proteína HIF-1α, que, tanto em
células normais quanto em células tumorais, tem a regulação de sua estabilidade e
atividade celular altamente dependente do suprimento de oxigênio. Em condições hi-
póxicas, haverá um acúmulo de HIF-1α, a qual, por sua vez, reordenará diversos even-
tos na história natural do tumor, tais como a ativação da via glicolítica, de receptores
de fatores angiogênicos via expressão do fator de crescimento do endotélio vascular
(vascular endothelium growth fator - VEGF) e de fatores de motilidade. Por exemplo,
a expressão de enzimas como óxido nítrico sintase induzida (iNOS) contribui para o
acesso das células tumorais ao sistema circulatório, além de facilitar a angiogênese.

Sistema VEGF, um Alvo Multi-terapêutico: https://bit.ly/2TIdZNB

Crescimento Tumoral
Uma das características fundamentais das neoplasias consiste no crescimento te-
cidual excessivo e incoordenado em relação àquele dos tecidos normais. No decorrer
de sua história natural, um tumor apresentará diferentes períodos de duplicação e
crescimento; em geral, quanto menor o tumor, maior será a sua fração proliferativa.

Uma célula tumoral começa a dar origem a subclones, os quais podem ser mo-
noclonais (a partir de uma única célula que sofreu transformação neoplásica) ou
multiclonais (originados da proliferação de várias células transformadas independen-
temente). De toda forma, se um tumor for monoclonal ou multiclonal, a célula origi-
nal transformada (admitindo-se que tenha um diâmetro de cerca de 10 micrômetros)
precisará sofrer ao menos 30 duplicações populacionais para produzir 109 células,
o que equivale a aproximadamente 1 grama, que é a menor massa tumoral clinica-
mente identificável. Em contrapartida, são necessárias apenas mais 10 duplicações
para produzir um tumor com 1012 células, pesando cerca de 1 quilograma, o que
possivelmente será incompatível com a vida. A Figura 2 ilustra a cinética do desen-
volvimento de um tumor primário.

16
Indetectável Clinicamente Potencialmente
detectável fatal
1 célula 1 g 1 mg 1g 1 kg

10 m

10 duplicações

20 duplicações

30 duplicações

40 duplicações

Figura 2 – Crescimento de um tumor maligno primário

Assim como proposto por Charles Darwin (1809-1882) na Teoria da Evolução,


durante o crescimento tumoral, haverá uma seleção natural dos subclones mais
adaptados ao microambiente tumoral. Capazes de sobreviver aos diversos ataques
que o organismo lança no intuito de impedir a progressão tumoral, as células can-
cerosas adquirem vantagens seletivas e adaptativas, podendo, inclusive, desenvolver
mecanismos que as torne mais capazes de invadir os tecidos adjacentes e de criar
metástases. Dessa maneira, este conceito, denominado de “darwinismo tumoral”,
cumpre os postulados da teoria evolutiva: seleção, mutação genética, adaptação ao
ambiente e capacidade reprodutiva.

Os eventos moleculares envolvidos no desenvolvimento tumoral estão resumidos


na Figura 3.

Célula
Lesão no DNA Normal

Reparo bem
sucedido do DNA
Lesão
do DNA
Incapacidade de
reparo do DNA
Mutações em
células somáticas

Inativação de
genes reguladores
da apoptose

Ativação de oncogenes Inativação de


promotores de genes supressores
crescimento de tumor

Síntese de
oncoproteínas e de
proteínas promotoras
de crescimento
Expansão clonal

Progressão tumoral
(mutações adicionais)

Heterogeneidade
tumoral

Tumor
Maligno

Figura 3 – Fluxograma simplificado do desenvolvimento tumoral


Fonte: Adaptado de Robbins & Cotran, 2010

17
17
UNIDADE Neoplasias

Vias de disseminação tumoral


Metástase (do grego metástatis = mudança de lugar, transferência) é o termo
utilizado para designar a formação de uma nova massa tumoral a partir da massa
primária, mas sem haver continuidade entre as duas. Tal processo é extremamente
complexo e envolve uma série de interações entre as células malignas e os compo-
nentes do tecido normal, especialmente do estroma.

Os tumores benignos, como vimos anteriormente, geralmente apresentam cresci-


mento expansivo e podem comprimir estruturas adjacentes, sendo bem delimitados,
mas sem se infiltrarem nos tecidos circundantes. Em contrapartida, a característica
mais importante das células tumorais malignas é justamente a sua capacidade de
invasão local, utilizando uma via de disseminação pela qual tais células serão levadas
a um sítio distante do tumor primário, originando, assim, novos tumores.

Um dos grandes medidores da agressividade de um dado tumor diz respeito à sua


capacidade metastática, a qual determinará, em grande medida, o prognóstico do
paciente. Basicamente, a formação das metástases envolve os seguintes processos:
1. Desprendimento das células neoplásicas da massa tumoral primária;
2. Deslocamento das mesmas através da matriz extracelular;
3. Invasão dos vasos linfáticos ou sanguíneos;
4. Sobrevivência das células cancerosas na circulação;
5. Adesão ao endotélio vascular do órgão a ser colonizado;
6. Migração para o espaço extravascular (diapedese) no órgão-alvo;
7. Proliferação celular no novo sítio;
8. Indução da angiogênese para o suprimento sanguíneo da nova colônia.

Implantação nas cavidades corporais ou superfícies


Sempre que uma neoplasia penetra em um “campo aberto” natural pode ocorrer
a implantação tumoral. Frequentemente, a cavidade peritoneal é a mais afetada, po-
rém, qualquer outra cavidade pode ser acometida (como, por exemplo, as cavidades
pleural e pericárdica, o espaço subaracnoide e os espaços articulares).

Nicho pré-metastático
O conceito de nicho pré-metastático sugere que o tumor primário é capaz de mo-
dular o microambiente no qual o tumor secundário irá se instalar antes da chegada
das células metastáticas. Tal modulação ocorre por meio da liberação de fatores de
crescimento e citocinas pelo tumor primário. Tais fatores, por sua vez, mobilizam
células precursoras mieloides e induzem a formação da proteína S100, que exercerá
também ação quimiotática sobre os precursores mieloides para o nicho pré-metastá-
tico. Além disso, a enzima lisil-oxidase e a glicoproteína fibronectina, ambas origina-
das do tumor primário, serão capazes de induzir modificações na matriz extracelular,
a fim de facilitar a colonização das células tumorais.

18
Disseminação linfática
O transporte de células tumorais por meio dos vasos linfáticos constitui a principal
via de disseminação inicial dos carcinomas, muito embora os sarcomas também
possam fazer uso dessa via. Na maior parte dos casos, o primeiro sítio de metástase é o
linfonodo responsável pela drenagem local do tumor, chamado de linfonodo sentinela.
Por esse motivo, as primeiras metástases de um tumor de mama são encontradas nos
linfonodos axilares e de um câncer de pulmão, nos linfonodos do hilo pulmonar.

Comumente, o linfonodo contendo células neoplásicas se encontra com aumento


de volume (linfadenomegalia), podendo evoluir para a formação de uma massa tu-
moral. No entanto, nem toda linfadenomegalia pode ser considerada uma metástase;
muitas vezes, os linfonodos que drenam o sítio neoplásico podem estar reagindo a
substâncias antigênicas liberadas pelo tumor. Por outro lado, um linfonodo com di-
mensões normais pode conter micrometástases.

Disseminação hematogênica ou sanguínea


A disseminação hematogênica é típica dos sarcomas, mas pode também ser utili-
zada por carcinomas. Anatomicamente, devido à espessura de suas paredes, as arté-
rias são menos facilmente penetráveis que as veias. No entanto, as células tumorais
podem se disseminar pelas artérias quando conseguem atravessar os leitos capilares
pulmonares ou até mesmo quando são originadas de êmbolos tumorais oriundos da
massa neoplásica metastática instalada no pulmão.

A partir da invasão venosa, as células tumorais seguem o fluxo que drena o local
da neoplasia. Toda a drenagem da região portal flui para o fígado, enquanto todo o
sangue originado das veias cavas flui para os pulmões. No entanto, somente o critério
anatômico não explica a localização das metástases. Como dito anteriormente, o sítio
metastático dependerá de fatores ligados às células tumorais e ao nicho pré-metastático.

A presença de células tumorais circulantes na corrente sanguínea não necessariamente


indica a formação de metástases, pois a imensa maioria das células neoplásicas que
adentram à circulação serão destruídas pela força da turbulência sanguínea, pelo sistema
complemento, pela resposta imunitária ou até mesmo pelo choque mecânico que sofrem
contra parede vascular. Portanto, um importante componente do processo metastático
é a capacidade de sobrevivência das células tumorais na circulação sanguínea.

A sobrevivência das células neoplásicas na circulação tem se demonstrado mais


eficiente quando as mesmas estão revestidas por plaquetas, linfócitos e fibrina, for-
mando agregados ao seu redor. Por exemplo, foi visto experimentalmente que a
trombocitopenia ou o uso de anticoagulantes, como a heparina, foram capazes de
reduzir o número de metástases.

Plaquetas: Papéis tradicionais e não tradicionais na hemostasia, na inflamação e no câncer.


Disponível em: https://bit.ly/36Iankd

19
19
UNIDADE Neoplasias

Gradação e Estadiamento Tumoral


Com o intuito de se determinar a gravidade de um tumor, as neoplasias são ava-
liadas pelo patologista e classificadas quanto ao seu grau de diferenciação celular e
estágio de disseminação. Tais parâmetros são utilizados para determinar sua possível
evolução clínica e direcionar o tratamento mais adequado.

A gradação tumoral irá se basear no grau de diferenciação das células neoplásicas


e no número de mitoses que esse tumor apresenta, a fim de predizer a agressividade
da lesão. Dessa forma, os tumores são classificados quanto ao grau de anaplasia,
de forma crescente, de I a IV. Quanto mais as células tumorais se assemelharem ao
tecido original, menor será a sua gradação, supondo-se que o tumor em questão
terá também um comportamento menos agressivo. Como os critérios de avaliação
individual variam para cada tipo de tumor, para evitar algum tipo de confusão, é co-
mum caracterizar a neoplasia complementarmente de maneira descritiva como bem
diferenciada, moderadamente diferenciada e pouco diferenciada.

O estadiamento tumoral se baseia no tamanho da lesão primária, na extensão da


sua disseminação para os linfonodos regionais e na presença ou não de metástases
à distância. Na prática, o estadiamento tumoral provou ter maior valor clínico do que
a gradação.

O método de estadiamento desenvolvido pela União Internacional Contra o Câncer


(UICC) emprega o denominado sistema TNM – T para designar o tumor primário,
N – refere-se ao comprometimento de linfonodos regionais, e M – para metástases.
O estadiamento TNM varia de acordo com o tipo tumoral, porém, existem princípios
gerais que o norteiam, tais como:
• Tamanho da lesão primária, variando de T0 (carcinomas in situ - neoplasias que
ainda não adentraram ao estroma) a T4;
• Comprometimento linfonodal, variando de N0 (ausência de comprometimento)
a N3, conforme o número de linfonodos acometidos;
• Presença de metástase, variando de M0 (ausência de metástase) a M1 (presença
de metástase).

Esperamos que, ao final desta unidade, você saiba quais as principais característi-
cas que diferenciam os tumores malignos dos benignos, quais os atributos essenciais
que as células neoplásicas malignas precisam adquirir com o tempo para garantirem
sua sobrevivência e progressão tumoral e, por fim, o conceito de metástase e as vias
de disseminação tumoral.

20
Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Leitura
Hallmarks of Cancer: The Next Generation
https://bit.ly/2zpa0yN
Agentes Antitumorais Inibidores da Angiogênese – Modelos Farmacofóricos
para Inibidores da Integrina ανβ3
https://bit.ly/3c8MlQ5
Entendendo o Funcionamento dos Medicamentos Quimioterápicos
https://bit.ly/2X3raL5
Principais Agentes Mutagênicos e Carcinogênicos de Exposição Humana
https://bit.ly/2AeMpk0

21
21
UNIDADE Neoplasias

Referências
BRASILEIRO FILHO, G. Bogliolo Patologia Geral. 6. ed. Rio de Janeiro: Guana-
bara Koogan, 2018.

HANSEL, D. E. Fundamentos de Rubin: Patologia. Rio de Janeiro: Guanabara-


-Koogan, 2007. Diponível em: <http://biblioteca.cruzeirodosul.edu.br/pergamum_
cruzeirodosul/biblioteca/index.php#sobe_paginacao>. (e-book)

KUMAR, V.; ABBAS, A. K.; FAUSTO, N.; ASTER, J. C. Robbins & Cotran Patologia:
Bases Patológicas das Doenças. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.

22

Você também pode gostar