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A Menina Feita de Espinhos PDF
A Menina Feita de Espinhos PDF
FEITA DE
ESPINHOS
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FABIANE RIBEIRO
A MENINA
FEITA DE
ESPINHOS
© 2015 by Diretor
Universo dos editorial
Livros Luis
Todos os Matos
direitos
reservados e Editora-
protegidos chefe
pela Lei 9.610 Marcia
de Batista
19/02/1998.
Nenhuma Assistentes
parte deste editoriais
livro, sem Aline
autorização
prévia por Graça
escrito da Letícia
editora, Nakamura
poderá ser Rodolfo
reproduzida Santana
ou transmitida
sejam quais Preparação
forem os Leonardo
meios Ortiz
empregados:
eletrônicos, Revisão
mecânicos, Jonathan
fotográficos, Busato
gravação ou
quaisquer Arte
outros. Francine
C. Silva
Valdinei
Gomes
Capa
Rebecca
Barboza
Dados Internacionais de
Catalogação na Publicação (CIP)
Angélica Ilacqua CRB-8/7057
R369m
Ribeiro, Fabiane
A menina feita de espinhos /
Fabiane Ribeiro. –– São Paulo :
Universo dos Livros, 2015.
352 p.
ISBN: 978-85-7930-824-6
1º Ato Desabrochar
2º Ato Uma coleção de
momentos
3º Ato Escondido no canto da
alma
4º Ato O espelho
5º Ato Não há nada que eu possa
fazer para mudar e nada
que eu possa fazer para
entender
6º Ato A menina que, assim
como as roseiras, era
feita de espinhos
7º Ato À distância de um toque
8º Ato Sonhos que se tornam
fragmentos de vergonha
9º Ato Olhos tão azuis e tão
bonitos
“Ela é sozinha, porém, mais
importante que todas vós, pois foi
ela que eu reguei. Foi ela que pus
sob a redoma. Foi ela que abriguei
com o para-vento. Foi por ela que
matei as larvas (exceto duas ou
três, por causa das borboletas). Foi
ela que eu escutei se queixar ou se
gabar, ou mesmo calar-se algumas
vezes, já que ela é a minha rosa.”
— Antoine de Saint-Exupéry, em
O Pequeno Príncipe (1943).
PRÓLOGO
Desabrochar
CAPÍTULO 1
Uma coleção de
momentos
CAPÍTULO 9
Escondido no canto da
alma
CAPÍTULO 16
O espelho
CAPÍTULO 23
Os ponteiros do relógio e as
folhas do calendário se dissolviam
no tempo, e os dias iam e vinham,
num ciclo sem fim.
Pode parecer estranho, mas cada
vez mais eu passava a ter noção do
tempo. À medida que amadurecia,
eu ia absorvendo a ideia de que
cada lágrima derramada me
roubava um momento que não
voltaria nunca.
Por mais que quisesse me sentir
bem, mais que nunca, com o avanço
do tempo, eu sentia que faltava
algo.
Meu aniversário de dezesseis
anos estava próximo e eu tinha
decidido que me daria um presente.
Justamente aquele em que vinha
pensando há um tempo, e que talvez
me levasse a experiências que
completariam meus vazios.
Passei cerca de duas semanas
costurando um vestido especial
para aquela ocasião.
Escolhera um lindo tecido lilás e
uma faixa de fita azul-turquesa,
sandálias prateadas e um brilho
rosado para os lábios, já que eles
eram a única parte da minha face
onde eu podia aplicar um pouco de
maquiagem, a única parte sem
espinhos.
Estava desenhando bastante nos
últimos tempos.
Fazia desenhos a giz e os colava
nas paredes do porão, de mim e
Mica brincando na mata e
segurando plantas do formato de
animais, ou cercados por animais
reais.
Também desenhava Joaquim e
alguns dos passeios que dávamos
pela clareira. E papai em volta de
uma fogueira prestando atenção às
minhas leituras.
Desenhava Lolita quase do
mesmo jeito que eu me desenhava,
por entre as rosas vermelhas. Mas
fazia questão de que seus olhos
sempre lembrassem fogo em brasa,
enquanto os meus eram sempre
medrosos.
Eu continuava a não ter espinho
algum naqueles desenhos. Jamais.
Ali, na minha criação, eu era como
queria ser.
Até que chegou um período que
interrompi temporariamente os
desenhos, e até mesmo diminuí o
tempo que passava com Mica.
Nas duas semanas que
antecederam meu décimo sexto
aniversário, dediquei-me
completamente a fazer a sandália
perfeita e o vestido perfeito para o
grande presente de aniversário que
daria a mim mesma.
Eu iria, após tantos anos, descer
as colinas e andar nas ruas da
cidade.
Monstro.
Aberração.
Esconda as crianças.
Será contagioso?
Chame os bombeiros.
Ligue para o pessoal da tevê ou
do jornal, eles não vão querer
perder essa manchete.
Aquilo é uma menina?
Será vítima de algum teste
radioativo?
Atravesse para a outra calçada.
Imediatamente.
– Eu gostaria de me desculpar
com você – Gregg disse, sem aviso.
– Se desculpar? Por qual
motivo?
Estávamos agora no topo de um
vale. Um cânion se abria à nossa
frente e a natureza era linda a se
perder de vista.
Sentamo-nos a uma distância
segura da beira da montanha, de
onde podíamos ver todo aquele
espetáculo.
A caminhada havia sido
maravilhosa e agora estávamos
retornando, descansando e comendo
um pouco dos diversos mantimentos
que Gregg trouxera em sua mochila.
– Por tê-la tratado daquela forma
quando nos conhecemos… você
sabe. Ter pensado que você era um
porco-espinho e tal. Eu não sei
onde estava com a cabeça.
– Shhhhhh. – Fiz sinal para que
ele não dissesse essas coisas. –
Você não tem por que se desculpar
comigo. Pelo contrário. Desde que
me refugiei em casa e me afastei de
Mica, eu não sabia o que era ter um
amigo, alguém para conversar e
passar um dia divertido como este.
Acredite, eu tenho muito que
agradecer…
– Não, não tem – ele me
interrompeu com um sorriso. – Está
fora de cogitação você me
agradecer por algo. Tem sido muito
divertido para mim também.
– Eu pensei que você gostasse de
vir para a floresta para ficar
sozinho…
– Isso era antes – ele disse,
perdendo o olhar no cânion e em
suas reentrâncias bem abaixo de
nossos pés.
– Antes? – indaguei.
– Sim. Antes de eu saber que
poderia ter a sorte de encontrar
alguém especial como você, Kat,
para me fazer companhia durante
minhas caminhadas pela mata,
tornando-as mais especiais do que
jamais foram.
Senti que uma festa acontecia
dentro do meu peito e que eu tremia
gentilmente, sentindo-me nervosa e
agitada. Ele também estava se
divertindo.
Aquele era um grande momento.
Talvez o maior que eu já tivesse
vivido.
Comemos um pouco e ficamos
em silêncio por vários instantes,
apenas contemplando os arredores.
O céu que beijava o topo dos
vales e as imperfeições do cânion
era alaranjado, róseo, e eu sorri
discretamente ao notar que era
exatamente da mesma cor das
bochechas de Gregg.
As bochechas. A face. Eu jamais
iria tocá-lo…
Tudo isso era tão bonito e
terrível. Tão certo. E tão errado.
– No que está pensando? – ele
rompeu o silêncio.
– Estou pensando em como a
vida é… frágil.
Gregg sorriu, concordando
comigo.
– E você, no que estava
pensando? – perguntei.
– Estava pensando naquelas
nuvens logo ali em cima. Você
reparou em como de tempos em
tempos elas cobrem o sol, quase
como se dançassem no céu, e
depois se vão? Elas mudam,
revolvem-se, e novas nuvens se
aproximam. É um retrato da vida.
Absorvi aquilo tudo e pensei nas
nuvens que recobriram meu sol.
Pensei nas que foram embora,
afastadas pelo vento, e nas que eu
ainda teria de afastar, enquanto
novas se formavam e continuavam a
brincar no meu céu, como manchas
que tingiam uma pintura tão azul
que eu mesma desenhara com meu
giz.
– Você tem razão – ele falou,
ainda fitando o céu –, a vida é
mesmo muito frágil.
CAPÍTULO 43
À distância de um
toque
CAPÍTULO 55
– Kat?! Kat!!!
Gregg gritava e se desesperava
ao meu lado.
Eu não perdera a consciência por
completo, mas assim que o airbag
fora acionado, ele evitou que o
impacto da colisão com a vaca me
afetasse, contudo, bloqueou
temporariamente a entrada de ar em
meus pulmões e eu me desesperei.
Foi como se o mundo, de um
segundo para o outro, tivesse
deixado de existir e eu estivesse
mergulhada no meio do nada.
Logo em seguida, meus espinhos
perfuraram o airbag, e fui capaz de
puxar ar para dentro dos pulmões.
Mas o desespero se tornou maior
quando o ar não chegou lá. Eu fazia
força para inspirar, mas ele faltava,
sufocando-me cada instante mais.
Senti a ponta de meus dedos
tremerem. Agarrei-me ao volante
paralisado à minha frente, e
concentrei-me em respirar com
força.
Um pouco de ar começou a
invadir meu corpo, mas ainda não
era suficiente.
O sufoco apenas tinha diminuído
e não ido embora, e a dificuldade
para respirar me assustava.
Gregg gritava ao meu lado.
Aparentemente, a batida fora
leve e ele não se machucara, porém
fitava-me com medo estampado no
rosto.
Percebi que ele queria me
balançar, chacoalhar, fazer com que
eu conseguisse respirar melhor, mas
não podia encostar em meus
espinhos.
Em meio aos seus gritos, logo
percebi que ele telefonava para a
emergência e dava nossa
localização.
Tudo que lembro depois disso
foi que tive que subir sozinha na
maca, já que ninguém podia me
carregar, e, ainda com dificuldade
para respirar, senti quando
colocaram um tubo fino nas minhas
narinas e, em alguns instantes,
comecei a me sentir melhor.
Antes, a visão estava embaçada e
eu sentia como se o mundo
estivesse invertido e confuso.
Escuro e sem ar.
Aos poucos, as cores e a vida
foram se normalizando e eu
agradeci aos céus por ser capaz de
respirar novamente.
Gregg estava sentado ao meu
lado fitando-me com apreensão,
enquanto a ambulância deslizava
pelas ruas.
Antes de falar com ele, pensei
por um instante no que acabara de
acontecer.
Uma vaca tinha invadido a
estradinha de terra na qual eu
dirigia.
Mesmo tendo pisado de leve no
acelerador algumas vezes, ainda
dirigia a uma velocidade baixa,
portanto, a colisão não fora grande.
Mas fora o suficiente para acionar
os airbags.
Senti-me sufocada em uma fração
de segundos, e quando voltei a
conseguir respirar, já não era
capaz. Reconheci aquela sensação.
Em menor escala e de forma
menos assustadora, eu já a sentira
antes. Vinha sentindo há alguns dias
sempre que caminhava mais do que
devia ou subia algum morro na
volta da escola de paisagismo ou
mesmo do roseiral. Sempre que
precisava me abaixar e levantar
repetidas vezes para cuidar das
rosas. Sempre que tentava me
exercitar junto de Joaquim na
clareira.
Era por isso que eu tinha evitado
caminhar com Gregg ou papai nos
dias que haviam se passado. E era
por isso que eu deveria evitar não
apenas situações que exigiriam
fisicamente de mim, mas também
situações mais emocionantes ou que
me deixassem nervosa.
Aquele pequeno acidente de
carro apenas confirmara minhas
suspeitas e me fizera sentir raiva de
mim mesma por ter adiado tanto
para contar isso a Greggory e ao
papai.
Alguma coisa errada estava
acontecendo comigo
Eu estava doente.
CAPÍTULO 65
Querida Kat,
Desculpe a demora para
responder, ainda é muito doloroso
falar sobre isso.
Lembramo-nos de seu pai e de
como ele falava com carinho de
você. Ficamos felizes ao saber que
você está bem e que nos escreveu.
Porém, é impossível que você
tenha conhecido nosso filho. Ele
nunca deixou a cidade em que
nasceu.
Sentimos muito ao lhe dar essa
notícia, mas o Micahil faleceu há
pouco mais de oito anos.
Ele era uma criança amável e
nunca deixou que os espinhos lhe
impedissem de sorrir. Temos
certeza de que vocês seriam bons
amigos caso tivessem tido a chance
de se conhecer.
Mande nossas saudações a
Rubens.
Desejamos que a vida lhe
conceda sempre sabedoria e paz.
CAPÍTULO 68
Micahil?
Nunca havia deixado o leste da
Europa?
Falecera há cerca de oito anos?
Em meio àqueles pensamentos e
frases que rodopiavam em volta de
mim, ouvi papai se aproximar:
– Kat, vamos? Acho melhor
irmos com um pouco de
antecedência, para chegarmos com
calma ao hospital.
Hospital?
Ah, sim, os exames. Aqueles que
me diriam por que eu sentia a vida
me deixar um pouquinho mais a
cada dia.
O mundo todo rodopiava quando
desliguei o computador. Eu mal
podia sentir minhas pernas.