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O PREGADOR: Qualificações bíblicas

INTRODUÇÃO

Quando se pensa em homilética ou na pregação, logo se pensa em


cursos, métodos e recursos para aprender, dominar e garantir uma boa
exposição da Palavra de Deus. Aparentemente não há nada de errado com isso,
pois almejar uma exitosa pregação para a glória de Deus e edificação da igreja
é o escopo de todo pregador. O problema residi em priorizar essas técnicas e
metodologias em detrimento daquilo que imprescindível para um expositor, suas
qualificações bíblicas.
Por isso, antes de trilhar o caminho técnico da exposição e suas
paradas obrigatórias nos tipos de sermões, nas disciplinas inseparáveis da
homilética, como hermenêutica e exegese, e em questões da oratória, é
indispensável pavimentar essa rota com as qualificações espirituais e morais
daquele que é chamado para expor a Palavra de Deus, pois “não seguiremos
adiante na questão da pregação sem dar alguma atenção para o pregador. ”1

1. Chamado e reconhecimento

Aqui se inicia as qualificações bíblicas de um pregador da Palavra de


Deus. O chamado divino e o reconhecimento da igreja, juntos, é a primeira
qualificação.
O chamado divino para o ministério da Palavra é pessoal e
intransferível. Todos aqueles que decidiram adentrar a belíssima e árdua tarefa
de expor a Bíblia é porque sentiram esse chamamento em seus corações. De
fato, ninguém “deve entrar no ministério, a menos que ele sinta um desejo
intenso e invencível para o trabalho – um desejo tão forte que ele se submeterá
alegremente a quaisquer dificuldades e privações a fim de realizar o seu objetivo
sagrado. ”2
Aprofundando esse tópico é importante ouvir o emblemático expositor
bíblico Martyn Lloyd-Jones. Ele assevera:

1
LARSEN, David. L. Anatomia da Pregação. São Paulo: Vida, 2005, p. 45.
2
CUYLER, Thedore L. Ao Jovem Pregador. Foz do Iguaçu, PR: Letras, 2014, p.13.
Diria que o único homem chamado a pregar é aquele que não pode
fazer qualquer outra coisa, no sentido de que ele não fica satisfeito com
qualquer outra coisa. Esta chamada para pregar se impõe de tal modo,
que ele diz: ‘não posso fazer outra coisa;3

Deus convoca ou comissiona uma pessoa de tal forma para esse


serviço, que essa por sua vez se sente totalmente chamada não conseguindo
resistir, entregando-se completamente a essa tarefa sublime, isto é, a pregação
da Palavra de Deus.
Diante do exarado acima, é conclusivo a respeito do chamado para o
ministério da Palavra três assertivas: 1) não começa na pessoa; 2) não é uma
questão de horas vagas ou falta de opção de trabalho e 3) não é uma tarefa para
todos os crentes. A respeito do terceiro ponto, é necessário ratificar que
Isso não significa que os crentes de modo geral não possam
evangelizar e testemunhar da esperança que neles há, individual e
informalmente. É dever de todo crente estar preparado para explicar
as razões da sua fé (1 Pe 3.15). Também não significa que não possam
instruir-se, aconselha-se, exortar-se, encorajar-se e conforta-se
mutuamente (conferir Colossenses 3.16 e I Tessalonicenses 5.11-14).
Significa, sim, que apenas aqueles que foram comissionados interna e
externamente por Deus, estão por Ele autorizados para, em nome dele
e com autoridade dele, se levantar publicamente e solenemente
proclamar: ‘Assim diz o Senhor’, pois para isso foram autorizados.4

Realmente o chamado para o ministério da Palavra não começa na


pessoa, como se esse fosse capaz de se constituir um expositor bíblico. Essa
convocação para o sagrado ministério tem seu ponto de partida na pessoa de
Deus, que chama e capacita pessoas para tal empreitada. São encontrados
vários exemplos na Bíblia de cristãos que foram nomeados pelo Senhor para
proclamar as Sagradas Escrituras.
Começando pelos profetas do Antigo Testamento, logo se encontra
esses modelos de pessoas convocadas pelo Senhor com o alvo de proclamação
de Sua Palavra. Isaías recebeu a sua convocação nos seguintes termos: “A
quem enviarei, e quem há de ir por nós? Disse eu: eis me aqui, envia-me a mim.”5
O profeta Jeremias ouviu do Senhor: “Antes que eu te formasse no ventre
materno, eu te conheci, e antes que saísse da madre, te consagrei, e te constituí

3
LLOYD-JONES, Martyn. Pregação e pregadores. 2.ed. São José do Campos, Sp: FIEL, 2008,
p.98.
4
ANGLADA, Paulo. Introdução à Pregação Reformada: Uma investigação histórica sobre...
Ananindeua, Pa: KNOX, 2005, p. 87.
5
Isaías 6.8 (Revista e Atualizada).
profeta às nações.”6 . O profeta Amós depois de ser confrontado pelo sacerdote
Amazias, diz: “Eu não sou profeta, nem discípulo de profeta, mas boieiro e
colhedor de sicômoros. Mas o Senhor me tirou de após o gado e o Senhor me
disse: Vai e profetiza ao meu povo de Israel. ”7 Esses profetas não resistiram ao
chamamento divino e dedicaram a sua vida ao anuncio dos oráculos de Deus
para o povo de Israel.
No Novo Testamento, de imediato nos Evangelhos, tem-se como
referência a convocação dos doze apóstolos 8, de Paulo9 e Timóteo10, que
exerceram o ofício da proclamação da Palavra de Deus no primeiro século da
era cristã. É importante ressaltar, que esses homens de Deus que anunciaram a
Palavra também obtiveram o reconhecimento da igreja. Seu chamamento era
inquestionável por parte da comunidade dos discípulos de Jesus Cristo.
Concluindo esse ponto, é indispensável lembrar as palavras de James
D. Crane
Em primeiro lugar, a natureza do caso exige um chamamento divino
especial. O ministro da Palavra é chamado por dois nomes
significantes nos escritos do apóstolo Paulo: despenseiro (I Co 4.12) e
embaixador (II Co 5.18-20). A palavra traduzida por ‘despenseiro’ é
oikónomos, e significa, segundo Thayer, ‘aquele que maneja assuntos
domésticos; um mordomo, gerente, superintendente; um capataz ou
inspetor’. É claro que ninguém pode exercer as funções de mordomo,
gerente, capataz ou inspetor sem ser comissionado para isso pelo
dono daquilo que necessita ser vigiado, dirigido ou inspecionado. É
igualmente claro que aquele que é nomeado para tal posto terá que
desempenhar sua função com fidelidade e com o propósito de
aumentar lucros, não seus, mas daqueles que o escolheu. Sendo
ministro da Palavra um ‘despenseiro dos mistérios de Deus’,
concluímos que o é por designação divina. O mesmo raciocínio é valido
para o embaixador. Se o ministério da Palavra é ‘embaixador em nome
de Cristo’, é o não por vontade própria, mas sim por designação de
Deus.11

2. Cultiva as virtudes cristãs

Apesar do demérito da pregação bíblica nos dias hodiernos e a


orfandade dos púlpitos em algumas comunidades eclesiásticas protestantes,
nota-se um reavivamento e apego a pregação. Cada vez mais, as igrejas,

6
Jeremias 1.5
7
Amós 7.14-15.
8
Mateus 10.7
9
Atos 9.15
10
2 Timóteo 4.2
11
CRANE, James D. O Sermão Eficaz. 3.ed. Rio de Janeiro: JUERP, 1994, p.31-32.
comprometidas com a Bíblia, estão buscando obreiros habilitados e hábeis na
exposição das Sagradas Escrituras.
Todavia, são muitos pregadores que estão dando um empuxão para
baixo na credibilidade daqueles que foram chamados para o ministério da
Palavra. Isso não é simplesmente resultado de uma má formação ministerial,
mas principalmente por serem completamente repreensíveis em sua conduta
moral diante da igreja e da sociedade. Segundo John MacArthur
Como é trágico quando a vida de um pastor sabota a sua mensagem.
Os melhores e mais poderosos sermões expositivos não terão nenhum
efeito se a vida do pregador não for marcada pela justiça. O homem de
Deus deve viver uma vida de obediência a Palavra de Deus. Ele, de
todas as pessoas, deve praticar o que ele prega, ou ninguém o fará. O
Senhor somente permite que um homem justo de Deus, legitimamente
pregue a mensagem da justiça de Deus em Cristo. O medo de Paulo
era que ele chegasse a cair em tentação e fosse desqualificado como
pregador (1 Co 9.27). O homem de Deus deve ser moralmente acima
de toda repreensão (1 Tm 3.2; Tt 1.16)12

A formação ministerial, o estudo, o intelecto e a oratória são


imprescindíveis para um sermão que tem como escopo a glória de Deus e a
edificação da igreja, mas mormente se faz necessário que o expositor bíblico
tenha um bom testemunho de todos.13 Sem essa aprovação o expositor bíblico
nunca será imperturbável no exercício de sua tarefa sagrada.
O apóstolo Paulo recomendo ao jovem ministro Timóteo que esse
cultive as virtudes cristãs, para que ele seja um obreiro aprovado 14. O apóstolo
diz ao jovem pastor: “Tu, porém, ó homem de Deus, foge destas coisas; antes,
segue a justiça, a piedade, a fé, o amor, a constância, a mansidão.” 15 Aqui se
tem qualificações espirituais que não se pode esquivar no labor ministerial.
A primeira dessa lista é justiça, que “refere-se ao comportamento
certo para com Deus e o homem. A referência aqui não é à justiça imputada
recebida na salvação, mas à justiça prática a ser exibida em nossas vidas.”16 Na
sequência do texto bíblico em questão é enfatizada mais uma virtude, a piedade,
isto é, uma vida com Deus, uma vida como altar de adoração ao Senhor.

12
MACARTHUR, John (ed). Pregação: como pregar biblicamente. Eusébio, CE: Peregrino,
2018, p.110.
13
I Timóteo 3.7
14
É importante ressaltar que no terceiro capítulo de I Timóteo, dos versículos de 1-7, o apóstolo
Paulo já havia apresentado as credencias espirituais e morais daqueles que são chamados e
almejam o episcopado.
15
I Timóteo 6.11
16
MARCARTHR, 2018, p. 109.
Imediatamente se tem a fé e amor como virtudes cristãs que precisam
ser ressaltadas no homem de Deus, com o objetivo de não delir tudo aquilo que
ele prega, pois, “a prática da pregação não pode ser divorciada da pessoa do
pregador. ”17 Essas duas palavras são intercambiáveis nos escritos do apóstolo
Paulo e respectivamente se refere “ fidelidade ou integridade e, por outro, ao
amor sacrificial e serviçal que não dá margem para a cobiça.”18
E por fim são exigidas mais duas virtudes, que são perseverança e
mansidão. Warren W. Wiersbe é preciso ao comentar sobre a perseverança e
mansidão listadas por Paulo
A ‘constância’ dá a ideia de ‘perseverança’, de permanecer fime,
mesmo quando as dificuldades vêm. Não se trata de comodismo, mas
sim de uma coragem que prossegue em meio à adversidade.
‘Mansidão’ não é o mesmo que fraqueza; antes, é ‘poder sob controle’.
A perseverança corajosa sem mansidão torna o indivíduo um tirano.
Talvez o termo ‘brando’ expresse melhor seu significado.19

3. Conhecimento das Escrituras

Quando se lê as cartas pastorais destinadas para os pastores Timóteo


e Tito, nota-se claramente a ênfase de Paulo, o remente, na obrigatoriedade em
conhecer profunda e exaustivamente as Escrituras para o exercício da pregação
e ensino, tanto pública quanto particular. Nas epístolas pastorais estão exarados
encorajamentos e exortações nos seguintes termos, “não seja neófito” (I Tm 3.6),
“Expondo estas coisas aos irmãos, serás bom ministro de Cristo Jesus,
alimentado com as palavras da fé e da boa doutrina que tens seguido”, (I Tm
4.6), “Até à minha chegada, aplica-te à leitura, à exortação, ao ensino” (I Tm
4.13), “Tem cuidado de ti mesmo e da doutrina” (I Tm 4.16), “Procura apresentar-
te a Deus aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, que
maneja bem a palavra da verdade” (II Tm 2.15), “apegado à palavra fiel, que é
segundo a doutrina, de modo que tenha poder tanto para exortar pelo reto ensino
como para convencer os que o contradizem.” (Tt 1.9) e “Tu, porém, fala o que
convém à sã doutrina. ” (Tt 2.1).

17
STOTT, John. Eu Creio Na Pregação. São Paulo: Vida, 2003, p.284.
18
STOTT, John. A Mensagem de I Timóteo e Tito: a vida da igreja local, a doutrina e o dever.
São Paulo: ABU, 2004, p. 158.
19
WIERSBE, Warren W. Comentário Bíblico Expositivo. Vl 6. Santo André, Sp: Geográfica,
2012, p. 307.
Todavia, é importante ressalta que tal conhecimento não se refere
necessariamente a aquisição intelectual, mas um conhecimento que produz
relacionamento com Deus e transformação de vida. O expositor bíblico precisa
ser nutrido pelo poder da Palavra de Deus antes querer nutrir outros. Ele precisa
ser um cristão que se aproxima da Bíblia com toda reverência, temor e
humildade, dizendo: “Meditarei nos teus preceitos e às tuas veredas terei
respeito. Terei prazer nos teus decretos; não me esquecerei da tua palavra.” 20
As palavras do pastor David. L. Larsen contribuem significativamente
para o que vem sendo dito
Isso significa muito mais do que fazer uma exegese disciplinada
e rigorosa dos textos, visando a melhoria dos sermões que
pregar. Significa um estudo diligente, pessoal e devocional da
Bíblia

Um fiel expositor sempre será apegado as Sagradas Escrituras, tendo


nessa deleite e fonte de vida (Salmo 119) e dedicara horas a fio de plena
meditação nos ricos conselhos da Palavra de Deus (Salmo 1). Já dizia o pastor
puritano Richard Greenham (apud Joel Beeke) “que devemos ler nossas Bíblias
com mais diligência do que os homens cavam em busca de tesouros ocultos. ”21

5. Vida de oração

É impressionante como muitos que são chamados para o ministério


da Palavra dedicam uma expressiva parte do seu tempo para tantas atividades
eclesiásticas, familiares e lazer, mas não conseguem investir um tempo
prolongado para a disciplina espiritual da oração. Até mesmo na preparação do
sermão se passa mais horas fazendo o trabalho de texto, interpretação,
explicação e estruturação do que oração. D.A.Carson traz a seguinte verdade:
...não é todavia, verdade que, em geral, somos melhores em organizar
do que em agonizar? Melhores em administrar do que em interceder?
Melhores na comunhão do que no jejum? Melhores no entretenimento
do que na adoração? Melhores em articulações teológicas do que em
adoração espiritual? Melhores – Deus nos ajude! – em pregar do que
em orar?22

20
Salmo 119.15-16.
21
BEEKE, Joel. Espiritualidade Reformada: uma teologia prática para a devoção a Deus. São
José dos Campos, Sp: FIEL, 2014, p. 567.
22
CARSON, D.A. Um Chamado à Reforma Espiritual. São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p. 17.
A oração é indispensável para o ministro da Palavra e seu ministério.
A confissão, ações de graça e intercessão são insubstituíveis. Todo o trabalho
de um pregador será em vão se não for regado a oração. Um dos grandes
exemplos que se tem sobre uma vida de oração é de David Brainerd, um
missionário norte americano, que exerceu o ministério de pregação entre os
índios Delaware. Acompanhe os seguintes relatos no seu diário pessoal:
12 de abril. Nesta manhã, o Senhor agradou-se em levantar a luz do
seu rosto sobre mim, em oração secreta, e fez aquele momento muito
precioso para minha alma...Dia do Senhor, 18 de abril. Cedo pela
manhã, retirei-me ao bosque para oração...Dia 19 de abril. Dediquei
este dia ao jejum e à oração a Deus, pedindo a sua graça,
especialmente para preparar-me para obra do ministério...27 de abril.
Levantei-me e retirei-me cedo para as minhas devoções secretas; e
em oração...23

Deus usou David Brainerd para levar aquela etnia indígena aos pés
da Cruz através da proclamação do Evangelho de Cristo. Um ministério frutífero
plantado no jardim da oração.
Nas Escrituras Sagradas é relatado muitos exemplos de ministérios
solidificados pela oração. Ministérios que demonstraram a sua total dependência
de Deus para serem exitosos. Jesus Cristo regou o seu ministério com oração.
Iniciou e concluiu o seu ministério terreno com oração (Lc 3.21-22; 24.49-51). Os
apóstolos e cristãos primitivos oraram o tempo todo para anunciarem a Palavra
de Deus com intrepidez (Atos 4.29-31). Os apóstolos em especial se dedicaram
à oração (At 6.4). Paulo e seus companheiros dedicavam um bom tempo para a
oração (At 14.23; At 16.13)

23
EDWARDS, Jonathan. A Vida de David Brainerd. 2.ed. São José dos Campos, Sp: FIEL,
2017, p. 40-42.

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