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Michel de
Montaigne
Com a colonização das Américas, os europeus reeditaram a palavra
associando-a aos indígenas querendo dizer, naturalmente, que estes eram
inferiores e que era seu papel levar a civilização aos selvagens. O propósito de
Montaigne é justamente criticar a crença de que o europeu seja moralmente
superior aos índios, pois, segundo ele, os critérios que usamos para julgar os
outros são no mais das vezes calcados em preconceitos há muito interiorizados e,
por isso mesmo, errôneos.
Uma vez que Montaigne não chegou a conhecer as novas terras, como
poderia, afinal, afirmar tão categoricamente que estes não eram de fato atrasados
em relação aos europeus? De tal acusação, ele se defende afirmando que embora
não tenha visto as coisas de perto, ouviu o relato de um homem simples que se
hospedou em sua casa. Segundo ele, os homens rudes são mais honestos pois
falta-lhes instrução para enriquecer os fatos de modo leviano sendo suas palavras
mais dignas de fé. Assim, ele está autorizado a analisar a matéria, pois sua fonte é
confiável.
Montaigne afirma que "há mais barbárie em comer um homem vivo do que
em comê-lo morto", querendo dizer com isso que os europeus não possuem
autoridade para criticar o canibalismo. Afinal, o que enceta maior crueldade:
excruciar por dias a fio uma pobre alma, ou alimentar-se de um corpo que não
sente mais dor, pois encontra-se morto? Mas o mais importante para o filósofos
francês é que o canibalismo possui um significado, não se trata de mera
excentricidade gastronômica. Comendo a carne do guerreiro derrotado, absorve-
se sua vitalidade, torna-se mais forte, mais vigoroso. Não é uma iguaria a ser
servida aleatoriamente, existe um sentido por trás de sua ação, que demonstra
que seus costumes possuem uma racionalidade. Essa racionalidade, ainda que
distinta da dos europeus não permite dizer que os "selvagens" sejam inferiores.
A crítica seletiva à poligamia demonstra mais uma vez a incoerência atribuir
inferioridade aos índios. Afinal, se isso constitui problema tão grave, por que não
se diz o mesmo de Davi ou Salomão que tinham diversas mulheres? Ao contrário,
se imputa a eles grande virtude. O que isso evidencia é que os costumes oscilam
no tempo e lugar e, portanto, o diferente não deve ser considerado inferior ou
"bárbaro".