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Morfologia

• A morfologia, de maneira bem resumida, é o estudo da forma, da


estrutura das palavras, seja ela escrita ou falada, tanto é que tem
“morphe” no nome, que em grego significa, justamente, "forma",
“estrutura”. O que nos faz lembrar “Morfeu”, o deus dos sonhos na
mitologia grega e que tinha a habilidade de assumir qualquer forma
humana e aparecer nos sonhos das pessoas...
• Só que, antes de começarmos a falar das mudanças morfológicas,
acho que vale a pena destacar aqui um fato muito interessante que eu
percebi estudando o assunto que é... o quanto as mudanças
morfológicas da língua portuguesa estão intrinsecamente ligadas as
mudanças fonológicas... sendo praticamente indissociáveis... ou seja...
a mudança ocorrida na fonologia afeta diretamente a morfologia...
ocasiona uma mudança morfológica na fala que, por sua vez,
influencia a escrita...
• É como a água e a temperatura... se ocorrer uma mudança na
temperatura ocorrerá diretamente uma mudança na água... na
matéria... se o clima está muito quente a água evapora... se está
muito frio a água congela... estudarmos as mudanças da água
desconsiderando as mudanças do clima... da temperatura... é quase
impossível... justamente pelo fato da língua portuguesa ser
descendente do latim falada... do latim vulgar... e também pelo fato
das divisões linguísticas serem interdependentes... necessitarem uma
das outras... a sintaxe precisa da morfologia pra existir... da mesma
forma que a morfologia precisa da fonologia e a fonologia da
fonética... então esse aspecto não pode ser desconsidero..
• Como, por exemplo, o fato do latim vulgar ter apagado... obscurecido
as consoantes finais das palavras... restando somente N, M, R, S e l...
as nasais, róticos, sibilantes e laterais... devido o processo de
lenização... também chamado de abrandamento... que é quando, pra
poupar esforços... energia... por praticidade... ou... preguiça mesmo...
eu deixo de falar uma determinada consoante... como as oclusivas...
como o "B", "P", "T" ou "D"... por serem explosivas... necessitarem de
mais trabalho... mais esforço pra falar... um exemplo desse
abrandamento é a palavra latina "habebat"... que modificou-se ao
longo do tempo e em italiano se tornou "aveva", em espanhol "había"
e em português "havia"... uma grande simplificação... né?... poupa
muito energia pra quem pronuncia... enfim... tudo resquícios de
mudanças fonológicas que alteraram... transformaram diretamente a
morfologia...
• E o engraçado é que o latim vulgar rompeu com as regras do latim
clássico... né?... a fala, desde sempre, desobedecendo a escrita... e,
dessa ruptura, ele acabou criando uma nova morfologia...
estabelecendo novas regras morfológicas... ou seja... isso mostra o
quão hipócrita é a nossa sociedade... pois a mesma sociedade que
tem preconceito com as falas que fogem das normas gramaticais...
essa mesma sociedade surgiu dessas falas que romperam com as
regras... com as normas...
• Isso me faz questionar... será que essas mesmas falas que hoje são
vistas com maus olhos... no futuro serão normas... regras da
gramática?... o que me faz lembrar do poema de Carlos Drummond de
Andrade, "no meio do caminho tinha uma pedra", que na época de
sua publicação foi bastante criticado pelos gramáticos por substituir o
verbo "haver"... o padrão... pelo verbo "ter"... o coloquial... coisa que
hoje em dia não é mais vista com maus olhos e que em breve,
provavelmente, vai deixar de ser um erro... da mesma forma que a
substituição de pronomes pessoais clássicos por outros mais
coloquiais, como o "nós" pelo "a gente"... ou a substituição do futuro
do presente pelo futuro perifrástico, como "amarei" por "vou amar"...
e até mesmo a ênclise parece que em breve vai desaparecer, como o
"amo-te" que está sendo substituído por "te amo"...
• Enfim... talvez em um futuro próximo essas sejam as novas regras
gramaticais... influenciadas diretamente pela fala... como há vários
séculos atrás... no latim vulgar... que transformou, para sempre, a
nossa morfologia...

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• Bem... só que também existem mudanças morfológicas
independentes... que não necessitam... não dependem de nenhuma
ação exterior... externa a ela... pra mudá-la... pois essa mudança...
essa transformação passa a ser um processo internalizado... interno...
dentro de si mesma... é quando, por exemplo, a escrita muda sem a
influência da fala... ou a fala sem a influência da escrita... é como uma
metamorfose de borboleta... onde a mudança... a transformação
ocorre dentro do próprio casulo...
• E é justamente nessas modificações internas... independentes... que
percebemos... notamos as diferenças entre a fala e a escrita... as
distinções entre elas... como, por exemplo, o "mas" e "mais"... onde
na escrita nós temos duas formas... duas palavras diferentes para dois
sentidos diferentes... de oposição e acréscimo... enquanto na fala nós
também temos esses dois sentidos diferentes... mas a forma... a
palavra é a mesma... é sempre "mais" com "i"... pois ela é mais
eufônica... isto é... mais agradável aos ouvidos... e também é mais
fluída... mais fácil de se pronunciar... pois o acréscimo do "i" serve
como uma ponte para se chegar ao "s" de uma forma mais simples...
sem precisar pular do "a" até ela... sem gastar muita energia... ou
necessitar de muito esforço... se tornando, dessa forma, uma palavra
homônima... que tem a mesma morfologia... a mesma aparência...
forma... mas com funções... sentidos diferentes...
• Outro exemplo dessas mudanças independentes... ... que criam essas
diferenças entre a fala e a escrita... é revestir uma antiga função com
uma nova forma... isto é... a forma muda... a aparência modifica...
mas a sua essência... a sua função continua a mesma... utilizando uma
analogia de carros... no período das carruagens nós tínhamos as
rédeas... que guiavam os cavalos na direção desejada... só que... com
as transformações ao longo do tempo... as rédeas deram lugar aos
volantes... ou seja... houve uma mudança... uma modificação na
forma... na aparência... entretanto, a essência... a função... continua a
mesma... que é guiar... direcionar... orientar...
• Aí a apostila nos dá o exemplo de "amabo" e "audiam"... que eram as
formas morfológicas do latim clássico... o escrito... mas que no latim
vulgar... o falado... foi substituído por "amare habeo" e "audire

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habeo"... um era a forma sintética do futuro imperfeito do indicativo
e o outro era a forma perifrástica... como vocês podem ver... mudou-
se a forma... a aparência... a morfologia escrita seguiu um caminho... e
a falada seguiu outro... mas a função continuou a mesma... os
caminhos, apesar de divergentes, levavam para o mesmo destino... é
o nosso "amarei" e "vou amar"... que eu já tinha dito antes... né?...
• Só que percebi uma coisa acerca desse tema... desse assunto... que foi
nessa questão da forma... da aparência... pois tem casos que a forma
muda e a função muda também... ou seja... se torna uma nova
palavra... mas uma nova palavra que teve origens de uma palavra já
existente... é como dois caminhos divergentes... que vão, também,
para destinos diferentes... mas que tiveram o mesmo ponto de
partida... é o famoso neologismo... a formação... a criança de novas
palavras... como por exemplo "padeiro" e "padaria"... são palavras
com formas diferentes e funções... sentidos diferentes... mas que
tiveram um mesmo ponto de partida... uma mesma raiz... "panem"...
pão em Latim... e esse processo de criação de novas palavras
geralmente é feito por analogia... eu vejo "barbeiro", "pedreiro",
"doceiro", então, por analogia, eu crio "padeiro"... eu associo esse
sufixo "-eiro" a algum ofício... profissão... ocupação... outro exemplo...
utilizando novamente Carlos Drummond de Andrade... está no poema
"Amar"... onde ele cria a palavra "desamar"... que também é feita por
meio de analogia... ele viu "desfazer"... "desunir"... "desenterrar"... e
percebeu que o prefixo "des" dá uma ideia de contradição...
oposição... e criou assim a palavra "desamar"...
• E esse processo de criação de novas palavras pode se dá de várias
maneiras... por derivação... composição... hibridismo... redução... por
onomatopeia... enfim... e geralmente se dá de forma independente,
dentro da escrita ou da fala...
• Agora partindo para um outro assunto... bem... todos os filólogos
concordam que não existia artigo no latim clássico... isso já é certo... é
unanimidade... e que ele só veio a existir... só veio a surgir no fim do
latim vulgar e início das línguas românicas... dos romanços...

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• E o artigo ele nasceu de um pronome... ... pra ser mais preciso... os
artigos definidos (o, a, os, as) nasceram dos pronomes demonstrativas
(este, esse e aquele)... ... que em Latim, mais especificamente, era o
ille... que era declinado em gênero e número (illu, illa, illos e illas)... e
como de illu, illa, illos e illas chegamos a o, a, os e as?... esse processo
morfológico é até fácil de explicar...
• Primeiro o latim vulgar, por meio da simplificação das vogais do latim
clássico, converteu o "i" em "e"... pois não tinham diferença nenhuma
na pronúncia... então ficou ello, ella, ellos e ellas... depois as
consoantes geminadas, que são essas consoantes gêmeas... iguais e
unidas "ll"... foram simplificadas... ficando apenas um "l"... daí ficou
elo e elos e ela e elas... que nós ainda utilizamos nos pronomes
pessoais de caso reto...
• E o "e" inicial deixaria de ser falada... também iria embora... cairia em
desuso... porque ele está em uma posição proclítica... isto é... pelo
fato desse "e" ser uma sílaba átona... uma sílaba fraca... que está
perante... diante de uma sílaba tônica... uma sílaba forte... que... no
caso... é o "los"... ele seria integrado... assimilado... absorvido na
pronúncia dessa sílaba tônica... formando um único vocábulo
fonético... uma única fala... ou seja... o "e" foi incorporado na
pronúncia do "los"... deixando, praticamente, no decorrer do tempo,
de ser pronunciado...
• Por fim, esse "l" de "lo", "los", "la" e "las", durante a passagem do
latim ao português, seguiu a evolução natural... normal da fonética
das consoantes... em relação as posições intervocálicas... que são as
consoantes que estão entre vogais... como foi o caso aqui... por
exemplo em "de 'l'os campos"... onde... pelo fato do "l" está entre
duas vogais... sozinho... isolado... ele acabou sofrendo queda...
deixado de ser pronunciado... de ser falado... mas isso no português...
em espanhol esse "l" ainda existe... isso ocorreu por causa das
palavras clíticas... que é quando, fonologicamente, nós juntamos duas
ou mais palavras em uma só... ou seja... por economia... eu
simplifico... eu resumo... eu transformo duas ou mais palavras em
uma só palavra... por exemplo... "numa" (em uma)... "embora" (em
boa hora)... "duma" (de uma)... "doutro" (de outro)... alguns fonemas

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deixam de ser pronunciados... deixam de ser falados... e já que a
escrita é... digamos... a representação da fala... as letras... que seriam
esses fonemas... também desaparecerem... somem...
• Enfim... com a ausência desse "l" no português ficou só o "o", "a", "os"
e "as"... os nossos práticos e econômicos artigos...
• E esse estudo morfológico da origem dos artigos português é muito
importante para entendermos e compreendermos o quanto a língua
portuguesa é próxima da língua espanhola... são... realmente... línguas
irmãs... línguas parentes... que dividem, praticamente, o mesmo galho
da árvore genealógica... e também para termos a ciência dessa
divisão... dessa ruptura entre Portugal e a Espanha... que seguiram
cada qual suas próprias regras gramaticais... no período da
independência portuguesa e da separação do galego-português... e eu
percebi que o mais incrível disso tudo... é que esse "l" de "lo", "la",
"los" e "las", que foi morto pela língua portuguesa... e que ainda vive
nos artigos espanhóis... esse "l", na verdade, ainda ressurge no
português... renasce das cinzas como uma fênix... na questão dos
pronomes oblíquos átonos... como: amá-lo, deixá-la, escrevê-los,
buscá-las... ... onde os artigos voltam a suas formas iniciais... de
quando o português e o espanhol eram, de certa forma, a mesma
língua... então o "l" que nós ainda utilizamos é um resquício... é...
digamos o código genético... o "DNA" que prova esse parentesco...
esse laço familiar de ambas as línguas... que são sangue do mesmo
sangue...
• Essa é a teoria mais aceita proposto pelo linguísta "Joaquim Mattoso
Câmara Júnior" e pelo filólogo "William Dwight Whitney"... sobre a
origem do artigo português...
• Agora vamos passar para o surgimento dos pronomes pessoais... mais
precisamente de caso reto... eu creio que dentre todas as
contribuições do latim falado e dos romanços ao longo da evolução da
língua... a inovação do uso de uma terceira pessoa do pronome
pessoal foi a maior... pois só tínhamos no latim o eu, tu, nós e vós...
• No latim clássico a pessoa do verbo era marcada apenas pela flexão
verbal... do verbo... da palavra... ou seja... pela sua terminação... pela

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desinência verbal... eu já saberia se se tratava do eu, tu, nós, enfim...
e frequentemente só se usava os pronomes pessoais de fato para
enfatizar... dar ênfase... ou, então, no caso do latim falado, era usado
de uma forma redundante... pois eu utilizava o pronome sendo que
na terminação do verbo eu já saberia qual era a pessoa... o pronome...
era uma insistência desnecessária da mesma ideia... pois utilizava dois
elementos morfológicos que expressavam o mesmo sentido... a
mesma ideia... uma característica que vive como nunca no
português... então herdamos do latim falado uma estrutura
sentencial... sintática... totalmente redundante... em que o sujeito é
marcado duas vezes: pela pronome pessoal e pela flexão do verbo... o
que acaba tornando o "subir pra cima" e o "entrar pra dentro"
brincadeira de criança...
• E diferentemente do latim clássico, temos no português, ao lado do
eu, tu, nós e vós, a presença do ele/ela e eles/elas... também
descendente do "ille"... como mostrei a vocês... entretanto, ao
contrário dos artigos, eles não são dêiticos... ou seja, eles têm
sentidos... significados próprios... não dependendo de nenhuma outra
palavra...

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