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As Visões de Mundo de um Andarilho da

Arte sem Nome
Publicado por Leonard Dewar em 20 de junho de 2017

As Visões de Mundo de um Andarilho da Arte sem Nome

(Art by Valin Mattheis: Facebook Page and Strange Gods Website)

“Queime Brilhante e eterno:


O coração da Estrela no coração da terra,
O coração da terra no coração do homem!”
(1)

 
Muitas vezes, enquanto Caminho por algum de meus trajetos comuns ou
quando decido subitamente mudar a direção ou experimentar outros
caminhos, sempre me pego observando as sutilezas de toda uma poesia
aparente na existência. Longe de ser apenas algum tipo de reflexão ou
devaneio acerca do tema que começo abordando nesta postagem (mas
também sendo tudo isso); também pretendo apontar a importância que
enxergo nas diferentes visões de mundo quando falamos de Bruxaria.

A priori, pode parecer que se trata apenas de um ponto de vista (e


realmente, no final, poderia mesmo ser apenas isso), mas é sábio notar as
sutilezas entre as diferentes visões e de como podemos notar algumas
diferenças entre aqueles capazes de “enxergar além” das pessoas que
enxergam apenas o que lhes apontam ou que param de ver aquilo que
lhes é proibido, seja por uma moral, convenção social ou mesmo através
do sacrifício da visão pessoal (subjetiva) em nome de uma realidade geral
e mecânica (objetiva) que no final não passa de uma ilusão.

Bruxos enxergam o mundo de forma diferente. Porém, não vivemos


apenas no mundo das ideias como a maioria das massas: nós reagimos,
interagimos e vivemos de acordo com essas diferentes visões de mundo.

Não vou tentar de forma alguma limitar ou “ditar” como um Caminhante


da Arte sem Nome deve ou deveria enxergar o mundo, pois isso não seria
apenas impossível, mas também, ridículo.

O cerne da questão seria mais de como as coisas “não acontecem”, e o que


normalmente não ocorre é a estagnação ou uma mera opinião comum e
massificada de tudo. Normalmente, nosso povo costuma ter ideias
próprias e as vezes um tanto não entendidas ou mal interpretadas sobre a
realidade em si, o que carrega também o peso de diferentes morais e
valores pessoais ou coletivas, sendo esta última algo mais difícil de
ocorrer. Até porque, tendemos a ser até mesmo deslocados das massas de
ovelhas e, muitas vezes, fazemos isso em silêncio, aprendendo a lidar com
o gado, que muitas vezes pensa que somo como eles, sem nem mesmo
suspeitar que entre eles ha poderosos Lobos cujo caminho não pode ser
previsto.

Muitas vezes pela manhã gosto de sentir o sol na minha pele, no meu
rosto. Algumas vezes, sinto como se fosse uma mão quente acalentando
meu rosto, como uma bênção do próprio sol. Algumas vezes, em dias de
calor, quando sinto uma maravilhosa brisa refrescante, costumo abrir os
braços e as mãos, para que o vento passe peloss meus braços e entre meus
dedos. Sinto o vento correndo e brincando, acariciando meus cabelos. Na
chuva em dias quentes, levanto meu rosto para o céu e sinto a chuva
banhando meu rosto, minha barba, meus cabelos e também abro meus
braços e sinto os pingos de água banhando meu corpo.

Da mesma forma que também sinto o sol destruidor do meio-dia


queimando minha pele e minha face e colocando fogo nos matagais secos,
como se o sol demonstrasse seu poder queimando tudo o que toca, até o
ar. Da mesma forma, o vento frio como a morte corta minha pele,
correndo como pequenas lâminas de gelo ou ainda a tempestade que me
traz uma sensação de selvageria, me fazendo urrar e de sentir uma total
interação com sua fúria indomável e com seus relâmpagos temerários e
incontroláveis! Uma pura expressão de seu poder!

É um fato que vejo essas manifestações como seres e que não procuro
muitas explicações técnicas sobre isso. Sei que o vento são átomos em
movimento, mas também sei que isso não faz sentido na minha realidade
ou que seja o suficiente. Até porque, nós também seríamos um
aglomerado de átomos em movimento. Vejo os ventos como seres, sem me
limitar a definir de onde eles vem, como funcionam ou o que preferem.
Isso não faz sentido algum. Da mesma forma que vejo vida em toda a
existência e entendo minhas interações com essas forças, sem precisar
ficar definindo cada uma delas como se tudo fosse parte de um grande
catálogo ou definições contínuas como um livro de biologia onde pegamos
cada animal, planta ou ser e separamos suas características em reinos,
famílias, ordem, espécies, raças, etc. Não, o mundo é grande demais para
coisas tão limitadas. Talvez seja por isso que pessoas limitadas me fazem
pensar em como elas conseguem ser do jeito que são.

Já devo ter citado algumas vezes o Álvismal(2), onde nos é mostrado


várias formas de enxergarmos as coisas do mundo com os olhos dos
Deuses e de outros seres. Nessa balada usa-se da poesia para explicar a
existência das coisas segundo as visões de outros seres e Deuses. De como
nossa visão literal é limitada e apenas nos aponta para algo de forma
simples. Porém, quando olho para algo simples como uma árvore, vejo
reverência, vejo, dependendo, algo mais antigo do que eu. Um espírito ou
mais naquela árvore e ao seu redor. Vejo um mundo de insetos, pássaros,
lagartos e outros seres que podem viver ou visitar aquela árvore. Vejo as
sombras que fazem desenhos com a luz do sol ou ainda a dança que ela
faz com suas folhas juntamente com os Silfos que correm por sua copa.
Ou ainda as folhas dos Ipês caindo e girando como bailarinas em pleno ar
até tocar o chão. Ha muito mais em uma árvore do que apenas um objeto
ou algo corriqueiro.

Além disso, vejo beleza e poesia em todos os lugares, incluindo na dor, no


sofrimento, no sangue, na morte, nos ossos, nos corpos de animais ou
pessoas.
Afinal, entender a realidade não é entender apenas aquilo que lhe faz
bem ou que lhe traga apenas flores ou o calor de uma lareira. A morte, a
doença, a dor e tudo  o mais que existe faz parte da realidade e assim
como os espíritos das árvores, também temos os espíritos de outros seres
não tão bons ou que ainda nem mesmo gostam de pessoas.

(Art by Valin Mattheis: Facebook Page and Strange Gods Website)


Vejo tudo como relações pessoais: tem gente que gosta de mim, tem gente
que não gosta. Prefiro manter boa vizinhança, mas também deixo claro
meu território quando se faz necessário. E isso é tanto com vivos quanto
com mortos e com tudo entre nós.

Muitas vezes observo as pessoas mundanas e de como suas opiniões são


iguais…mecânicas, até mesmo previsíveis e, quando surpreendem, logo
descobre-se que ha algo limitante por detrás, que normalmente nem
mesmo era ideia dela. Penso em como alguém pode existir ou sub-existir
de tal forma. Seria a ignorância uma bênção? as vezes pondero sobre isso.
Fazer parte da maioria em todos os aspectos de uma só vez (ou da
maioria dos aspectos) deve realmente ser confortante? E de tantas
pessoas com discursos para se autoproclamarem diferentes, mas no dia-a-
dia agir da mesma forma que qualquer outra pessoa? As pessoas se
preocupam demais em ter uma opinião sobre todos os assuntos e de serem
obrigadas a falarem de coisas que estão em alta, mesmo que não saibam
de nada sobre tal assunto (o que é bem comum).

Acredito que na bruxaria em si, saber olhar, ouvir e sentir fazem total
diferença para aqueles que pretendem “Andar o Caminho”. As
mudanças tendem a ser dolorosas e difíceis, mas a recompensa realmente
transformadora para aqueles que tenham olhos para ver. Mudar nunca é
fácil. Nunca. E é um processo complicado, principalmente pela resistência
natural que apresentamos, nos agarrando a velhos hábitos e manias,
velhas visões do mundo e de nós mesmos.

Acho que nunca vi um bruxo de verdade que enxergasse ou vivesse da


mesma forma que qualquer pessoa mundana no seu dia-a-dia. Talvez de
longe se misturasse as ovelhas (alguns até mesmo pudessem tentar ou se
dizer comuns) mas de perto ou com 5 minutos de conversa, já se notaria
completamente a diferença. Talvez possa estar errado, afinal, minha
experiência não define coisa alguma nos Caminhos de outrem. Mas
espero que possa ter algo que contribua – mesmo que seja numa
postagem de meras reflexões e ideias soltas, de quem já tem um certo
tempo de Caminhada e que já viu algumas coisas nas paisagens, pessoas,
visitas e alguns outros lugares mais afastados – e perto – inclusive em si
mesmo.

O mais interessante é que eu não sei exatamente como não ser assim.
Como não fico levando tudo ao plano das definições racionais e sempre
evito de ficar pensando demais sobre algumas coisas que sempre estão
acontecendo, como certas visões, alguns sentidos como temperaturas, tato
e até mesmo vozes, isso acaba sendo parte da minha realidade. Não
descarto cem por cento a possibilidade de ser louco – afinal, o que é um
louco senão alguém que não é entendido pelos outros, tornando-se tão
diferente que incomoda? uma pessoa doente não é apenas alguém que
possua alguma doença, mas sim, alguém que evidentemente incomoda o
outro. Alguém que fala sozinho incomoda os outros, mas se essa pessoa
usar um celular, mesmo que desligado, não vai mais incomodar ninguém,
pois as pessoas irão deduzir algo que consideram aceitável. A pessoa
continua falando sozinha, só que não é mais notada.

As coisas são como elas são. Claro que podemos mudar as coisas – as
vezes aquilo que desejamos não possui o efeito que esperávamos (E é aí
que entra o Diabo, no centro da encruzilhada, girando a roda). Nas
primeiras vezes, nem mesmo entendemos – ou aceitamos – mas depois,
aprendemos a observar e a aprender mais sobre o movimento das coisas e
a lidar com seus resultados, influenciando e tirando proveito de tal
aprendizado, de tais experiências. Muitas vezes fazemos o papel do Diabo
de girar a roda com nossas próprias mãos e até mesmo, algumas vezes, de
fazermos outros girarem a roda sem nem mesmo saberem o que estão
fazendo.
(Arte de Timo Ketola, retirado do livro Hands of Aphostasy, Tree Hand
Press)

Da mesma forma que enxergo o mundo assim, não seria possível


diferenciar o que a maioria chama de “mundo físico” e “mundo
espiritual”, pois não vejo-os como coisas separadas… Não tenho
“religião” porque não preciso me “religar” a alguma coisa… a sensação é
que nunca estive desligado de nada e enxergo as relações de medo e de
submissão dos mundanos como algo limitante e até mesmo vergonhoso.
Não pelas crenças em si, mas pelas atitudes, normalmente hipócritas ao
mesmo tempo que temerosas. Vai saber se ser ignorante realmente seja
uma bênção… afinal, bênçãos podem ser maldições e maldições podem
ser bênçãos, como já diziam os mais antigos do nosso povo.

Além disso, sempre avanço e penso em questões como a do “Eterno


Agora”, onde o presente torna-se uma ilusão. E é nesse “centro” o
“presente”, que talvez exista aquilo que é Eterno: um momento que não
pode ser percebido apenas com a racionalização.

Outras questões tendem a ser a definição da contagem do tempo: anos,


meses, dias, horas, minutos, segundos…existe? é constante? existe
somente no nosso planeta? e as questões mais e mais longínquas surgem
cada vez mais. Dedico algum tempo a tais questões, mas não as deixo
tomarem conta de todo o meu tempo.

Penso nos Deuses como seres existentes ao invés da ideia gnóstica de que
são “forças” ou “uma força” sem forma que se expressa em formas
humanas. Ou ainda de que são meras analogias para forças naturais ou
ainda expressões de nossa própria psiquê. Não, vejo-os como seres e tento
tratá-los como tal. Não me preocupo, como citei, em limitar ou montar
um “esquema cósmico” onde ‘esse’ ou ‘aquele’ “possa” existir –
eliminando a possibilidade “do outro”, fora do contexto dos primeiros, de
existir. Isso não é problema meu, pois apenas lido com o que tenho que
lidar e ficar considerando ou desconsiderando a possibilidade disso ou
daquilo de existir não faz minha cabeça. Aliás, prefiro sempre deixar a
mente aberta, inclusive, para possibilidades absurdas ou improváveis,
pois tenho que lidar com aquilo que se apresenta ou com o que descubro
e, mesmo assim, sempre mantenho uma parte de mim mesmo vigilante
com aquilo que vejo e escuto, pois nada é absoluto e eu posso me enganar.

É como fazer um feitiço e ter alguém preocupado no mecanismo que faz


aquilo funcionar. Quais as forças do universo que movem? sou eu que
influencio? outros seres? espíritos? magnetismo? sugestão? no final
apenas olho e falo “funciona? então ta bom”. ponto. Não me importa se o
Demônio invocado seja projeção psíquica sua ou se de fato é um
Demônio, Daemon, entidade, ser…nem me importa de onde ele veio,
desde que a relação seja boa para ambos e que se consiga o que quer.
Muito simples. É assim que tenho feito e é assim que tem dado certo.

Com os anos as coisas tendem a ficar mais simples e nossas indagações e


reflexões tornam-se mais sérias, mais profundas e as preocupações bobas
deixamos pra lá, porque sabemos que no final não fazem diferença
realmente.

Talvez se trate exatamente disso: saber o que é importante pra você – de


verdade.

Pelo menos posso falar por mim – e mesmo assim a Caminhada sempre
continua.

Esta postagem não tem a pretensão de ser um ‘guia’ ou ainda de conter


respostas, mas sim, de ajudar a outros Peregrinos e Andarilhos a se
perguntarem mais e quem sabe a refletirem sobre suas próprias questões
e realidades.

O que realmente importa para você? observe sua existência e seus planos
e pergunte-se em seu âmago o que realmente importa para você. Depois
tome coragem e vá atrás, como o primeiro Arcano do Tarot – inocente,
sem saber dos perigos e nada mais do caminho a tua frente, sem nem
mesmo saber, que no final, alcançará o Mundo e, quando isso ocorrer, se
ver novamente no mesmo lugar onde começou: no centro da
Encruzilhada, onde todos os Caminhos começam e onde todos terminam,
onde jaz a Chama das Eras, a qual brilha imponente entre os sagrados
chifres de Azazel.

E seremos como nossos Ancestrais, os Deuses, fazendo o Caminho do


Retorno, da semente contra o grão.

E seremos como Reis e Senhores de nós mesmos, para daí sermos Deuses
e Senhores de todos os Mundos.

Bênçãos e Maldições.
HDHM!
FFF
(Art by Valin Mattheis: Facebook Page and Strange Gods Website)

“Pois estamos unidos como a carne ao sangue,


Como o sangue ao espírito,
Como o Espírito aos Deuses.”
(3)

 
Notas:

(1) trecho de uma versão do “Exorcismo do Fogo” por Andrew


Chumbley, do “Azoëtia – A Grimoire of the Sabbatic Craft”, pág 31;
Xoanon, 2002;

(2) Alvismál, ou a balada de Alvis, é um poema sobre o Anão Alvis que


vai a casa do Deus Thor para tentar se casar com sua filha e pelo próprio
Deus do Trovão tem seus conhecimentos testados. O Alvismál pertence às
Eddas;

(3) Trecho de um ritual próprio, para alimentar um Familiar.

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