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DICA TÉCNICA 83

A Embocadura
Alciomar Oliveira

N
os instrumentos da família dos metais, em que a Passados alguns anos, a observação foi ficando cada
emissão sonora se dá através da vibração dos lábi vez mais sistemática e rica em exemplos práticos so-
os em contato com o bocal, torna-se necessário um bre como se comportava a embocadura. O maior pro-
condicionamento da musculatura labial e dos de- blema, no meu entendimento, está diretamente liga-
mais músculos da face, para que o instrumentista pos- do à falta de orientação correta por falta de um bom
sa controlar e, obviamente, mudar a altura das notas professor e à vaidade de alguns didatas que inconsci-
da série harmônica. O fenômeno acima descrito é a entemente influenciam mal os estudantes no sentido
embocadura. Em resumo, é a forma necessária para a de copiar na íntegra um ou outro instrumentista bem-
geração do som nos instrumentos de bocal. sucedido sem fazer as devidas contextualizações para
O termo condicionamento parece ser o mais coerente a utilização ou não de determinada técnica.
quando nos referimos à embocadura, uma vez que existe Com o senso crítico bem aguçado, podemos partir
todo um conjunto de músculos atuantes e que influenci- sem traumas à procura de algumas soluções a fim de
am definitivamente a sonoridade do instrumento. eliminarmos parte de nossos problemas que tanto atra-
Todo tecido muscular tem como características prin- palham e prejudicam a qualidade de nossas performan-
cipais tensão e relaxamento. O trabalho do instrumen- ces e até mesmos levam ao abandono da prática musi-
tista em relação à embocadura consiste basicamen- cal em instrumentos de metal.
te em aumentar a capacidade de tensão e relaxa- O relato abaixo traduz o que aconteceu na prática
mento da musculatura da face, com a intenção prin- na minha classe de trombone na Universidade de Bra-
cipal de obter uma boa sonoridade (som “aveluda- sília, onde atuo como professor de trombone:
do” e uniforme) no instrumento. Um aluno, músico profissional com atuação na Ban-
Ainda sobre a embocadura, realizei o presente es- da da Aeronáutica, com boa formação musical e boa
tudo. Tendo como principal objetivo minimizar proble- orientação no trombone tinha uma embocadura sau-
mas referentes à má formação da embocadura de dável até um acidente automobilístico há alguns anos,
músicos de instrumentos de metal, em especial a em- quando alguns fragmentos de vidro feriram o seu ros-
bocadura dos trombonistas. to na região da boca. Após sua feliz recuperação di-
Desde os primeiros momentos da minha formação ante de tal acidente e transcorridos seis meses sem
como trombonista, fui bem orientado no que diz res- tocar, voltou gradativamente a pratica de performan-
peito aos procedimentos necessários para uma embo- ce. Infelizmente notou que teria dificuldades, pois no
cadura “saudável”. Obviamente, nunca passou pela acidente sofreu também um afastamento nos dentes
minha cabeça que uma embocadura saudável fosse dianteiros. A natureza da atividade profissional que
igual a das fotos apresentadas nas ilustrações dos livros desempenhava exigiu-lhe o retorno às atividades mu-
e métodos de alguns renomados especialistas em trom- sicais, uma vez que os médicos o consideraram em
bone. O meu pensamento sempre foi claro no sentido condições de voltar a tocar o trombone.
de entender que aqueles modelos mereciam os devi- Ao tocar o trombone, o aluno sentia “certa” insta-
dos ajustes referentes às diferentes características ana- bilidade e desconforto para tocar as notas agudas e
tômicas de cada instrumentista. A “arcada dentária”, não conseguia vibrar os lábios para tocar os graves. Em
o tamanho dos lábios, etc., influenciariam diretamente torno da embocadura formava-se uma bolsa de ar du-
na escolha do bocal e instrumento a ser usado com rante o sopro e conseqüentemente uma “tremedeira”
melhor desempenho e qualidade. involuntária e incontrolável, que prejudicava substanci-

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almente a emissão de um som limpo, claro e sem vi- com esse imediato benefício, está comprometendo o
brato de lábio. O ar passava por entre os dentes e os desenvolvimento de um conjunto importante de mús-
lábios não conseguiam vedar os cantos da boca. culos que no futuro serão de grande importância para
Após seis meses de aulas, onde constantemente a articulação correta das letras. Tal benefício imedia-
eu tentava melhorar a situação do aluno, através de to também pode ocasionar problemas relacionados
exercícios diários utilizados na prática musical dos trom- com a capacidade respiratória.
bonistas para formar uma boa embocadura, constatei Exercícios tais como encher balão de aniversário, fa-
que a estratégia adotada era um tanto quanto inefici- zer bolhas com um canudo submerso dentro d’água,
ente. O aluno era realmente disciplinado e caprichoso imitar sons onomatopéicos de carros, caminhões, heli-
na maneira de estudar com a regularidade necessária cópteros, metralhadoras, entre outros, ajudam o desen-
para suprir suas necessidades físicas e cumprir o reper- volvimento e até mesmo a reabilitação da musculatura.
tório sugerido para a performance naquele semestre le- Desenvolvi seqüências de exercícios a serem reali-
tivo. Apesar de todo esforço, precisávamos fortalecer a zados com o auxílio de alguns aparelhos de simples
musculatura da embocadura. Mais precisamente precisá- construção, mas de grande eficácia, de acordo com
vamos trabalhar o conjunto de músculos que estava “flá- as observações que sistematicamente tenho feito com
cido” e que não conseguíamos fortalecer com os estudos alguns alunos.
específicos na emissão do som. O aparelho pode facilmente ser confeccionado pe-
Infelizmente, a performance profissional dos trom- los alunos interessados em realizar as atividades pro-
bonistas exige um condicionamento diretamente liga- postas para o desenvolvimento dos músculos da em-
do aos lábios e ao aparelho respiratório, bem como a bocadura e até mesmo em sua reabilitação. No en-
saúde de todo o corpo. Mas para a nossa felicidade, ao tanto convém salientar que os procedimentos devem
depararmos com problemas temos também o motivo ser realmente bem conduzidos, a fim de não terem
principal para solucioná-los. seus objetivos frustrados. Nas minhas observações, não
Freqüentemente acompanhava meu filho em seções constatei nenhum problema negativo que viesse a
com uma fonoaudióloga em uma Clínica Escola de Bra- prejudicar os meus alunos envolvidos.
sília. Devido a pouca idade e pouco discernimento, a
terapeuta me delegava tarefas para ajudar no desen- Materiais necessários:
volvimento da linguagem falada do meu filho. Ela ex- Um botão de 3,5 cm de diâmetro;
plicou-me o porquê de alguns problemas e como era 20 cm de elástico (de pasta organizadora de escritório).
administrada a terapia a partir do diagnóstico de al-
guns problemas.
Algumas crianças não emitem a letra “R” por te-
rem dificuldade em vibrar a língua, outras não conse-
guem emitir as letras “T”, “D”, “P”, “B”e“Q” por
não terem a musculatura da língua desenvolvida o
suficiente para articular tais letras. Parte destes pro-
blemas têm início quando o bebê começa a sugar o
leite no seio da mãe para alimentar-se. Posteriormen-
te, passam a sugar o leite na mamadeira. O exercício
natural em buscar o alimento fortalece o conjunto de
músculos envolvidos nesta atividade básica do desen-
volvimento da criança. Infelizmente, algumas mães
preocupadas com a dificuldade que o filho apresenta
na sucção do leite, desesperam-se e aumentam o
furo do bico da mamadeira. Mal sabe essa mãe, que

10 09/2003
É muito importante salientar que estes exercícios não tos de embocadura. Os que vierem a realizar tais exercí-
dispensam a orientação de um terapeuta especializado, cios devem ter clareza quanto a propostas e não detur-
quando se tratar de pessoas com comprometimentos gra- par o pensamento inicial. O objetivo principal é que tais
ves e nem tampouco dispensam uma rotina de estudos procedimentos sejam auxiliares no desenvolvimento da
adequados para a performance musical nos instrumen- embocadura.

Alciomar Oliveira é trombonista, artista Weril, professor de Trombone, Música de Câmara, Improvisação, Regente da Orquestra
de Música Popular e Teoria Musical (solfejo, ritmo, percepção e linguagem musical) na Universidade de Brasília (UNB).
Contato: alciomar@unb.br

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