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Fichamento “O que quer uma mulher”

– Serge André –

Fará ver, antes, que a feminilidade é a problemática de um ser que não pode se
assujeitar inteiramente ao Édipo e à lei da castração. Com este objetivo, Lacan
acentuará menos a questão da identidade feminina do que a do gozo feminino, e menos
a castração e a reivindicação dela decorrente do que a divisão que o primado do falo
introduz na menina.

Ao longo dos anos, esse trabalho desloca o polo central de seu questionamento do
registro do desejo para o do gozo.

1 — a feminilidade se especifica por um desdobramento do gozo, que não se reduz


simplesmente à oposição vagina-clitóris (a problemática feminina encontrando, assim,
seu mecanismo fundamental no processo de uma divisão, mais do que no de uma
castração, apenas);

Seminário Mais, Ainda. Este apresenta como que uma elaboração que religa dois termos
opostos a priori: o significante e seu efeito de significado, por um lado (daí a função
fálica), e o gozo, por outro lado.

O Seminário sobre a Ética, que gira em torno de noções de bem supremo, de prazer e de
satisfação deveria então ser revisto e reestruturado a partir da noção de gozo. É o gozo
que faz barreiras ao saber, é ele que funda o "nada quero saber disso".

A dialética que se envolve entre o gozo (em geral) e o gozo sexual (ou fálico) pode ser
correlacionada à relação entre o ser e o significante, o ser, afirma ele, não pré-existe ao
significante, mas é produzido por ele.

Essa inversão das relações entre real e simbólico, e a partir daí, entre gozo e gozo
sexual, forma o núcleo central de todo o Seminário.

É a castração que nos impede de gozar? Lacan não acredita nisso, e demonstra, em
"Subversão do sujeito..." que é ao contrário, graças à castração que o registro do gozo
sexual nos é aberto. Na concepção freudiana são, pois, o complexo de Édipo e o
complexo de castração que aí se inserem, que fazem barreira ao gozo — a ameaça de
castração tornando-se o rochedo incontornável contra o qual se choca o fim da análise.
Quanto a Lacan, este encontra o meio de desmontar este impasse complexificando a
noção de gozo.

Ele formula assim, desde a "Subversão do sujeito..." , que é preciso distinguir dois tipos
de gozo e que, nesse contexto, o gozo que Freud atribui ao pai primitivo não pode ser
identificado ao gozo sexual propriamente dito. Este, para Lacan, aparece efetivamente
como um recorte feito no campo do gozo que seria, primordialmente, referente ao ser
como tal. Deste gozo do ser, a linguagem — e mais precisamente, o significante do falo
— tem por efeito nos separar, abrindo-nos por este corte o campo de um novo gozo, que
não está mais ligado ao ser, mas sim ao semblante.

E, para dizer tudo, o gozo sexual tem o efeito de nos interditar. O gozo sexual, de fato,
não é alguma coisa onde ingressamos por nosso ser, mas sim pelo significante.

Ora, a organização significante apresenta essa característica, que forma a base da


elaboração freudiana da castração: falta ali um significante, aquele que daria conta do
sexo feminino como tal. Só há um significante da sexuação: o falo e, por conseguinte,
ao nível do discurso inconsciente, não há relação formulável entre dois sexos opostos.

O significante do falo introduz assim uma divisão do gozo. O significante assume aí


uma dupla função: por um lado, proíbe o gozo, e por outro lado o permite.

O gozo interdito pelo significante é o gozo infinito, aquele que Freud supunha ao pai
primitivo e cujo princípio geral poderia ser assim enunciado: todo homem pode gozar
de toda mulher. O primado do falo implica, com efeito, na impossibilidade da relação de
sexo a sexo, de um "ser macho" a um "ser fêmea", só autorizando a relação no registro
do semblante: "É a única indicação desse gozo em sua infinitude que comporta a marca
de sua interdição e, para constituir esta marca, implica num sacrifício: aquele que
contém, num único e mesmo ato a escolha de seu símbolo, o falo".

A significação resultante do jogo das pulsões parciais é faltosa. Em outras palavras,


nada vem unificar essas pulsões numa pulsão sexual global que dê conta da relação de
um sexo ao Outro sexo, este último não sendo representado por significante algum. Esta
dialética de dois gozos, iniciada em 1960, recebe todo o seu desenvolvimento no
Seminário Mais, Ainda,
Veremos como é este gozo do Outro que Lacan vai — com muitas nuances —
reintroduzir do lado feminino.

Com efeito, introduz-se uma modificação capital no Seminário Mais, Ainda, quanto ao
sentido no qual funciona o interdito que um gozo (o fálico) faz incidir sobre o outro (o
gozo do Outro). Esta modificação é tanto mais importante quanto permite a Lacan
ressituar o gozo feminino em seu justo lugar com relação à problemática da castração.

O ser, agora, não é mais concebido como pré-existente ao significante, mas sim como
produzido por ele.

O gozo do ser, do Outro como tal, não será finalmente, produzido como seu mais-além
pelo gozo sexual, quer dizer, pela função fálica? O inter-dito do gozo não consistirá
mais que na exclusão de um gozo primário, na evocação, entre os ditos, da esperança de
um Outro gozo, mais completo, mais corporal — um Outro gozo que seria
especialmente atribuído às mulheres? Tal é a questão central do percurso de Lacan neste
Seminário.

"fórmulas quânticas da sexuação"

Vamos precisar, logo de início, que esta divisão não corresponde absolutamente à
diferença anatômica entre os sexos, mas indica uma divisão do sujeito em duas metades,
sendo a escolha da posição subjetiva determinada no próprio discurso do sujeito, às
vezes contra sua anatomia.

nenhuma mulher faz exceção à regra, inscrevendo-se fora da castração. Temos aí um


vazio, uma falta, à qual faz eco o significante S(A), significante do furo no Outro.
Nenhuma mulher, nenhuma "super-mulher" funda a existência de um sexo não-fálico.

já que falta a exceção, falta igualmente a regra: não existe clã de mulheres, não há
conjunto fechado que se atribua uma lei comum desse lado. Os sujeitos que se alinham
desse lado têm, então, que escolher entre duas vias: ou bem recusam essa falta de
fundamento, ou bem a aceitam.
A outra via é nova: ela representa a saída que Lacan propõe ao impasse do Édipo
feminino ao qual chegou a doutrina freudiana. Esta via parte da constatação de que A
Mulher não existe, e comclui daí que as mulheres não são senão um conjunto aberto e
devem, pois, ser contadas uma por uma.

A feminilidade se revela como dividida diante da castração: uma mulher se desdobra,


mais do que se unifica, sob o significante "mulher". Isso se traduz, na parte inferior do
quadro, pelo fato de que a mulher — da qual é preciso barrar o "a", já que "a" Mulher
não existe — tem relação em sua sexualidade tanto ao significante fálico que um
homem pode encarnar para ela como ao significante do Outro, do Outro que não existe
ao nível do gozo.

Esta divisão da posição feminina não exerce apenas sua determinação no plano da
identidade do sujeito, mas igualmente no plano de seu gozo.

Certamente, não se trata de modo algum, em sua mente, de reestabelecer por esse viés
uma essência feminina da qual ele não cessa de dizer que é inexistente. Não se trata de
fazer desse Outro gozo o traço feminino por excelência, o que recairia no
restabelecimento de dois conjuntos fechados: de um lado, para os homens, o gozo
fálico, e de outro lado, para as mulheres, o gozo do corpo.

Não há dúvida, com efeito, de que o enigma que uma mulher representa para um
homem está ligado, em grande parte, ao fato de que este lhe supõe um gozo outro que
não o seu, sem poder, no entanto defini-lo. Trata-se de não acreditar nele, de desmontar
o processo dessa crença, mas incontestavelmente uma tendência se opõe a tal
destituição. De onde vem essa tendência? Não será por que, fundamentalmente, estamos
todos insatisfeitos com o gozo fálico?

mas não há outro gozo que não o fálico — salvo aquele sobre o qual a mulher não solta
nem uma palavra, talvez porque não o conhece, aquele que a faz não-toda.

Não se pode tratar de um gozo não-fálico senão a partir da função fálica: "Não é porque
ela é não-toda na função fálica que ela deixa de estar nela de todo. Ela não está lá não de
todo. Ela está lá à toda. Mas há algo a mais" (19). Este a-mais só aparece como margem
da castração: é preciso que se passe por esta para que se desenhe um bordo para além do
qual um lugar seja furado por um mais-além.

Uma mulher goza dela mesma enquanto Outra a ela mesma. O parceiro homem não
pode, certamente, deixar de se sentir frustrado por este gozo, pois, da sua posição de
macho, não tem acesso a esta hiância onde uma mulher ocupa o lugar do Outro que
falta.

PARTE COPIADA DE CIMA ^

nenhuma mulher faz exceção à regra, inscrevendo-se fora da castração. Temos aí um


vazio, uma falta, à qual faz eco o significante S(A), significante do furo no Outro.
Nenhuma mulher, nenhuma "super-mulher" funda a existência de um sexo não-fálico.

já que falta a exceção, falta igualmente a regra: não existe clã de mulheres, não há
conjunto fechado que se atribua uma lei comum desse lado. Os sujeitos que se alinham
desse lado têm, então, que escolher entre duas vias: ou bem recusam essa falta de
fundamento, ou bem a aceitam.

A outra via é nova: ela representa a saída que Lacan propõe ao impasse do Édipo
feminino ao qual chegou a doutrina freudiana. Esta via parte da constatação de que A
Mulher não existe, e comclui daí que as mulheres não são senão um conjunto aberto e
devem, pois, ser contadas uma por uma.

A feminilidade se revela como dividida diante da castração: uma mulher se desdobra,


mais do que se unifica, sob o significante "mulher". Isso se traduz, na parte inferior do
quadro, pelo fato de que a mulher — da qual é preciso barrar o "a", já que "a" Mulher
não existe — tem relação em sua sexualidade tanto ao significante fálico que um
homem pode encarnar para ela como ao significante do Outro, do Outro que não existe
ao nível do gozo.

Esta divisão da posição feminina não exerce apenas sua determinação no plano da
identidade do sujeito, mas igualmente no plano de seu gozo.
Certamente, não se trata de modo algum, em sua mente, de reestabelecer por esse viés
uma essência feminina da qual ele não cessa de dizer que é inexistente. Não se trata de
fazer desse Outro gozo o traço feminino por excelência, o que recairia no
restabelecimento de dois conjuntos fechados: de um lado, para os homens, o gozo
fálico, e de outro lado, para as mulheres, o gozo do corpo.

Não há dúvida, com efeito, de que o enigma que uma mulher representa para um
homem está ligado, em grande parte, ao fato de que este lhe supõe um gozo outro que
não o seu, sem poder, no entanto defini-lo. Trata-se de não acreditar nele, de desmontar
o processo dessa crença, mas incontestavelmente uma tendência se opõe a tal
destituição. De onde vem essa tendência? Não será por que, fundamentalmente, estamos
todos insatisfeitos com o gozo fálico?

Não se pode tratar de um gozo não-fálico senão a partir da função fálica: "Não é porque
ela é não-toda na função fálica que ela deixa de estar nela de todo. Ela não está lá não de
todo. Ela está lá à toda. Mas há algo a mais" (19). Este a-mais só aparece como margem
da castração: é preciso que se passe por esta para que se desenhe um bordo para além do
qual um lugar seja furado por um mais-além.

Uma mulher goza dela mesma enquanto Outra a ela mesma. O parceiro homem não
pode, certamente, deixar de se sentir frustrado por este gozo, pois, da sua posição de
macho, não tem acesso a esta hiância onde uma mulher ocupa o lugar do Outro que
falta.

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