Você está na página 1de 11

Freud retoma do poeta Bockling uma observação: a que designava a ligação do bebedor

com o vinho como o modelo do casamento feliz, pois "por não comportar nenhuma
alteridade sexual ao seu programa, tal casamento outorga àquele que com ele se
compromete, a certeza de nunca correr o risco de ser acusado pelo parceiro de ter
usurpado seus direitos ou ter falhado em seus deveres" (Lecoeur, 1992, p. 20). Aqui não
se trata de, ao oferecer-se à conquista, poder obter a recusa. A satisfação obtida conduz
a um gozo auto-induzido, monocultivado e imediato. Trata-se do gozo do Mesmo.

Nesta parceria o objeto não está fora de alcance; o sujeito goza de seu objeto de forma
satisfatória, o que faz do bebedor um amante atípico: um amante saciado, satisfeito por
seu objeto. A frase de Freud diz ter o bebedor substituído a mulher pelo vinho. Ele o
colocou no lugar em que se teria visto confrontado com o abismo feminino. O vinho
não é uma mulher. Uma mulher é Outra e o vinho é Um. Como Outra para o sujeito, ela
aparece sendo do Outro; por exemplo, nos delírios de ciúme dos alcoolistas. Já o vinho
é do sujeito e se sustenta como gozo do Um. Desejar uma mulher é ser causado por uma
alteridade; o vinho é garantia contra a castração ao se apresentar como sendo o mesmo.

Se uma mulher é um sintoma, afirma Lacan, é porque o homem nela crê, ou seja, crê
que ela poderia dizer algo e que ele só teria que decifrar seus ditos como um sintoma. O
sujeito alcoolista curto-circuita o objeto a naquilo que se refere às suas coordenadas
lógicas, alojando-se em um discurso que carece de sua dialética própria, por não deixar
lugar à falta.

Identificado ao mais-de-gozar, temporariamente as conseqüências da divisão são


aliviadas. Conseqüências que "cabem" ao parceiro do alcoolista suportar, ora
denunciando seus maleficios, ora provendo-o de seu produto, desse objeto em que há o
sinal de um excesso do qual extrai um mais-de-gozar.

Um sujeito satisfeito, sem sintomas, restrito a um corpo que goza" (Lecoeur, 1992, p. 52
e 61).

É pela simples razão do anteparo da fantasia não funcionar


que não podemos dizer que as toxicomanias e o alcoolismo sejam
casos de.perversão, posto que a perversão supõe o uso da fantasia,
e um uso muito específico.
Se Freud falou do matrimônio feliz, Lacan nos disse que:
"a droga é o que permite romper o casamento com o pipi" (1975).
"Trata-se de uma formação de ruptura com o gozo fálico, cujas
consequências são: 1) poder gozar sem a fantasia, 2) ser uma ruptura
com o Nome-do-Pai que não implica em psicose; 3) faz surgir o gozo
Uno como não sexual, pois o gozo sexual não é Uno; ele é fraturado,
apreensível pela fragmentação do corpo." (Laurent, 1997, p. 19).

Portanto, no alcoolismo, o objeto visado neste gozo infinito


continua a ser o falo, razão pela qual o alcoolismo é tão bem
tolerado, podendo-sé até observar uma certa cumplicidade social com o bebedor e seu heroísmo viril. No
toxicômano, não é o objeto fálico
o que está em causa, o que os torna exóticos e intoleráveis.

Como manejar a cura para que estes sujeitos se disponham


a trocar gozo por amor? Como fazer para que a demanda de felicidade,
na qual se empenham, desvie-se desse objeto de satisfação e
nos seja dirigida?

Na cultura da droga, pode sobreviver ao


mal-estar do desejo, ou seja, gozar em detrimento do desejar. Por que
não é uma perversão? O perverso, este goza com a fantasia e de forma
específica (É. Laurent, 1994) e o toxicômano não.

O gozo da droga está no corpo que o toxicômano julga


ter.

O gozo da droga não faz "ex-sistir" o lugar central em sua


função de referência; faz consistir o gozo do Outro ao preencher a
hiância que ele indica por não ser limitado pelo gozo fálico. Aqui, o
alcoolista, por colocar o vinho no lugar da mulher, embora não
rompendo com o falo, mesmo do alto de seu heroísmo viril, também
a exclui, ao potencializar um Outro que não ele próprio. Talvez
haja aqui um entre toque entre ambos: o toxicômano e o alcoolista.

Tentam por meio de um objeto que escapa as determinações


da função fálica, em termos de semblante, dar consistência ao
gozo do Outro, como gozo no corpo, em um infinito que não
podendo ser limitado pela função fálica, o é pela morte.

a desativa. Quando Freud referia-se ao


"casamento feliz", denunciava a não necessidade da interdição sobre
o objeto para alcançá-lo, o que sugere a evitação do supereu via
desvanecimento subjetivo. Oferecer-se à interpretação injuriosa do
Outro pode ou não propiciar a produção de sintomas e a divisão
que torna presente a identificação ao desejo do Outro. Podemos
aqui também afirmar a existência de um gozo que não curto-circuita
a fantasia. Ao colocar-se como objeto para o Outro, faz entrar em
jogo fantasias de triunfo e heroísmo que antecedem um gozo que,
embora transgressor, faz laço social.
eu. Todavia há também uma forma de adoecer que
emudece o supereu, uma forma oposta à melancolia e que não é a
mania: é o enamoramento. Ali toda crítica possível ao objeto se
desvanece, o eu carece de toda vontade e fica à mercê das disposições
do objeto amado, até chegar - por aplacação desta instância
- ao crime sem remorso.

um matiz martirizante para o sujeito. Neste ponto o supereu funciona


a serviço da pulsão de morte: sua hipermoralidade,

Assim, a alienação no ser nomeado para se nos apresenta como


uma via de sujeição à demanda do Outro, consentimento do sujeito
que, desde o ponto de vista da ética, faz uma eleição de goz? que
suprime a palavra, obtura a falta, e só aceita e crê no gozo possível
de ser obtido no próprio corpo, assegurado pelo efeito tóxico.
Gozo cínico (Sinatra, 1995).

O real contemporâneo se verifica na forma do gozo; gozase


diretamente do objeto.

O gozo obtido pela criança no objeto droga é um gozo autista, sustentado por sua recusa em estabelecer
laço social, mantendo-se fechada em si mesma. Encontramos a possibilidade do gozo autista no exemplo
pulsional freudiano: a boca que se beija a si mesma, particularidade da pulsão que propicia a existência de
um gozo autista.

Podemos pensar a toxicomania na infância a partir da droga


como objeto a, que fixaria um gozo, o da própria exclusão estrutural?
Terá o objeto droga a função de sintoma que virá então amarrar
os três registros, Imaginário, Simbólico e Real?

gozo. Quando dizemos o toxicômano, falamos de


uma figura de gozo. Há muitas figuras de gozo, entre elas o cínico.
Lacan evocou que se tratava de uma figura completamente diferente.
Direi, sem maiores explicações, qual é a minha idéia. O toxicômano
é um insubmiuo ao gozo universalizado da civilização. Quer ele o saiba ou não.
Ele não o sabe, ou seja, é alguém que se recusa a entrar no que
chamamos de o gozo fálico, visto que o gozo fálico não é apenas o
gozo do órgão, mas também o gozo que sustenta toda competição
social, toda a circulação da competição no mundo social. Ele se
põe de lado, não entra, não aceita correr como todos os demais
para fazer uma carreira, para afirmar-se e alcançar algo na vida, ou
seja, tudo o que em geral alguém sonha para seus filhos: uma realização
social. O toxicômano se recusa a entrar na carreira. Curiosamente
é a mesma palavra que se encontra em "carreira universitária";
é um equivoco excelente." E, evidentemente, inclusive se subtra-únos as conseqüências da delinqüência
que a toxicomania implica
em si mesma; como insubmissão ao gozo fálico competitivo ( o que
alguns chamam, em publicidade, de agressividade comercial necessária
aos chefes para seguir carreira), ele é um perigo para a civilização
da ciência, para o mercado etc. A toxicomania é um perigo
porque se ela é reduzida, é possível criar mais áreas como as de
Zurique. Mas se ela começa a se multiplicar . . . Ou seja, o toxicômano
faz greve, a greve do falo. Neste sentido, eu me perguntava acerca do
que ele tem em comum com o cínico.

A toxicomania apresenta-se como um fenômeno singular


no interior do discurso capitalista. Trata-se de uma figura do gozo,
que de um lado se coloca como uma via de obj eção à utopia
universalizante de nossos dias. E neste sentido caracteriza-se como
uma recusa a ingressar no gozo fálico que, em nossa época, comparece
na forma da competição social (Soller, 1 995). Como êxtimo
em relação à lógica competitiva do mercado - que se manifesta
no imperativo de ser viril, de alçar uma carreira universitária a fim
de ter uma profissão, de ter cada vez mais dinheiro - o toxicômano
se recusa a assumir esses emblemas sociais. Mas, de outro, o
toxicômano é, a princípio, o consumidor ideal e permanente. Aquele
para o qual a especificidade da droga já não tem mais importância.
Em nome do acesso direto ao gozo, paga-se por qualquer coisa -
cocaína, pó de mármore com anfetamina ou, simplesmente, água
injetada. Nesse circuito, da ruptura artificial com o gozo fálico, da
segregação do outro, vale apenas o gozo que se obtém no corpo:
1 ve got you under my skin em detrimento de 1 can get no sati.rfattion ... but 1
try.

O problema é localizado: o curto-circuito de gozo no corpo


que o toxicômano procura na substância estava, neste caso, assegurado
por um sujeito suposto saber ... gozar.

Sua história familiar começou a tecer-se em torno de Don


Juan, do mesmo modo que suas relações com seus amigos e suas
desventuras com as mulheres. Este Don Juan moderno, para seguir
a lógica dos tempos, não estava certo de não ser homossexual e
temia tanto as mulheres que quase não podia se aproximar delas.

Há vários anos havia presenciado uma cena na qual seu pai,


veterano marido da garrafa, estava uma vez mais alcoolizado.

o uso e abuso da substancia tóxica obstrui


o passagem para que se tenha acesso ao problema sexual.

Por seu lado, a psicanálise assinala que alguma coisa se opõe


à entrada em analise por parte do usuário de droga; trata-se pois de
uma afirmação que nega, trata-se de um saber negativo. Em psicanálise,
sabemos, estamos interessados na questão da relação da droga
(ou da coisa) com o sujeito.

O corpo do drogadito onde se dá o prazer e o corpo


sobre o qual age a droga química ficam confundidos
há escolha forçada diria a
psicanálise, já que a droga substitui o sintoma habitual (veja-se efeito
de liberação quanto a inibições, tantas vezes ocasião de testemunhos).
A toxicomania acode a fim de se evitarem os efeitos da volta
do recalcado, já que o sintoma representa esse recalcado.

"Novas formas do sintoma" é um termo freqüente em


nossa atualidade. "Um certo tipo de paciente" é mencionado quando
constatamos um desaparecimento da supremacia do simbólico;

acesso ao gozo diretamente

É o que podemos observar: um empobrecimento


da função do fantasma nessa clínica. Aqui não há surpresa, a satisfação
não é regrada pela lógica do fantasma; há um curto circuito
na gramática pulsional.

tem acesso ao gozo sem passar pelo fantasma.

Se o sintoma comporta um gozo como opacidade subjetiva, a droga indica um gozo que não é oculto; o
toxicômano só quer um gozo: o do seu próprio corpo e esse é todo.

É preciso que se indague sobre o estatuto desse sujeito dito


toxicômano, que, em seu apego e devoção a um produto, ratifica o
discurso capitalista visto que, assim como o proletário, não tem
outra escolha senão trabalhar para o Outro, para o gozo do Outro.
Nesse sentido a droga dá acesso a um gozo que não passa pelo
corpo do Outro como sexual e sim pelo próprio corpo, um gozo
auto-erótico, tendo em comum com a pulsão a anulação do outro.
Nomear-se como toxicômano é também um modo de consentir
com uma forma de exclusão e de ser designado por uma forma de
gozar (Soler, 1995).

A experiência clínica indica que esse sujeito dito toxicômano


encontra-se unificado por um modo particular de gozo.

Pode-se depreender que para Luiz a droga permitia diluir a


angústia sexual e liberá-lo de seu compromisso frente ao seu ser
sexual. A droga era uma resposta aos impasses recorrentes do confronto
com o outro sexo, encontro faltoso por excelência. Desse
modo, seu encontro com a mulher só era possível pelo recurso à
droga, pelo desvio do gozo fálico.

Sobre os pilares da teoria pulsional, construída ao longo de


sua obra, Freud sustenta que a felicidade consiste na ilusão do encontro
com o objeto da pulsão.

Há duas importantes referências psicanalíticas que tratam


da relação do sujeito com a droga. No artigo ''A tendência universal
à depreciação na esfera do amor" (1912), Freud apresenta o que
seria para ele um modelo de casamento feliz, a saber, a relação do
sujeito com o vinho, e então indaga: "Por que a relação do amante
com seu objeto sexual será tão profundamente diferente?" (ibid., p.
171). Leio assim sua pergunta: que lugar ocupa o vinho na vida do
sujeito e o que pode o vinho lhe oferecer que ele não encontra no
objeto sexual?

A outra referência é a seguinte frase de Lacan, dita na sessão


de abertura das Jornadas de Estudos dos Cartéis, na Escola Freudiana
de Paris, em 1 975, quando definiu a droga como aquilo que "permite
romper o casamento com a coisa de fazer pipi" (1975, p. 9) .
Romper o casamento com o gozo fálico leva o suj eito necessariamente
ao desencontro da relação sexual: no amor, a mulher se oferece
como falo para o homem, ela se faz de falo, ela representa para
seu parceiro o falo inexistente da mãe, ela faz máscara de ser, mas ela
não o é, assim como o homem é para ela aquele que porta o falo
em seu corpo, sob a forma imaginária do pênis, ele faz máscara de
ter, mas ele não possui o falo (Maia, 1 996) . Não tendo e não sendo
verdadeiramente o falo, o homem e a mulher vivem no amor um
descompasso. Neste sentido, a função da droga é apagar a questão
do desejo do Outro que o gozo fálico impõe. A droga é um parceiro
privilegiado que permite ao sujeito fazer o curto-circuito do
enigma do Outro sexo e do Outro da linguagem.

Para Miller (1995), o consumo de drogas é uma tentativa


de romper com o gozo fálico e obter um gozo sem passar pelo
Outro. Ele conclui que o objeto droga concerne mais ao sujeito do
gozo do que ao sujeito da palavra. Nesse mais-de-gozar, a droga
materializa o gozo permitindo ao sujeito fugir da castração. Na
toxicomania não há foraclusão como a sombra que recai sobre o
objeto na melancolia, ou nas vozes na paranóia, ou ainda no corpo
na esquizofrenia. Anulando o Outro, a droga promete uma saída
para a angústia, uma "foraclusão química" (Ribeiro, 1997), um alívio
para o mal-estar, o que

Miller descreve o sujeito da toxicomania como um cínico


extremo: "Digamos que é um gozo cínico que rechaça o Outro,
que recusa que o gozo do corpo próprio seja metaforizado pelo
gozo do corpo do Outro - e que cai na história, ligado à figura de
Diógenes - que opera esse curto-circuito levado à cabo no ato da
masturbação, que precisamente assegura ao sujeito seu casamento
com o pequeno pipi" (1 995, p. 1 8).

Aprendemos, a partir das poucas citações de Freud e Lacan sobre a


toxicomania, a distinguir toscamente entre o matrimônio do sujeito
com o álcool e a ruptura, o divórcio com o gozo fálico trazido por
outras drogas, inclusive a cocaína. Para Paulo, o álcool estava a serviço
do gozo autista da cocaína: bebia para cheirar e o pó lhe exigia
mais bebida, para mais uma "cheirada". Ali onde o olhar de uma
mulher abria para o sujeito sua questão fantasmática, o brilho da
droga a calava, levando-o a gozar fora do enquadre da fantasia.

A droga pode também ser uma escolha diante da qual o


sujeito abre mão de toda esperança. É a escolha pelo gozo que não
passa pelo Outro do simbólico, pelo gozo que abole o falo e sua
mediação no encontro com o Outro sexo. É a escolha do gozo
contra o amor e o desejo. Ao optar pela droga, o sujeito reintroduz
no corpo o gozo que o significante domestica e retira.
Ao fazer o curto-circuito do simbólico pelo uso da droga,
· o sujeito na verdade não abre mão do Outro, não se responsabiliza,
não responde por sua vida.

nada, o uso da
droga implica um prazer. É promessa de felicidade no auto-erotismo.

Como muitas vezes constatamos na clínica, o efeito mais


evidente do objeto droga é a felicidade. A felicidade ao alcance da
mão, ao alcance do dinheiro. Infalível, encontra-se aí o paraíso. Artificial,
como o descreveu Baudelaire (1 971).

o objeto droga aparece como que


de contrabando para fazer um curto-circuito com relação à satisfação.
Lacan escreveu des ta forma: "o objeto droga é o que permite
romper o casamento do sujeito com o pequeno pipi" (1 975).

O alcoolismo, que poderia ser tomado como traço identificatório,


se constitui como um modo de gozo contínuo que não pode ser interrompido
por causa do perigo de desagregação que carrega.

Daí podemos deduzir que no enunciado do toxicômano não há


sujeito do inconsciente, podemos pensar que há sujeito acéfalo da
pulsão.

Há aqui um engano,
pois esse enganche, esse acoplamento entre forma e tóxico, entre
frase e substância, confere ao toxicômano a ilusão de deter um
saber sobre a causa de seu gozo, já que encontra o gozo na droga e
conclui que é isso que o causa.

A clinica das toxicomanias é bem provida de exemplos de


certas drogas, como a heroína e a cocaína, que permitem uma obtenção
quase que plena de gozo.

Retomando Miller em São Paulo, a droga é um "modo de


gozo" (1 996) que contradiz a dialética da pulsão, já que "nenhum
objeto de nenhuma necessidade pode satisfazê-la" (1 979), como
afirma Lacan.

Há uma identidade da substância


com a coisa, diferente do das Ding de Freud e do objeto a de Lacan
em que o referente é vazio. A posição do toxicômano revela-se a de
um ser uno e consistente, preso a uma imutabilidade, a uma fixão de
gozo, não havendo um contorno da pulsão. O objeto em sua Ílmção
de objeto da necessidade é resgatado, perdendo seu valor de
objeto a causa do desejo, indo ao objeto mais-de-gozar, como
lembra Lacan (1 979)

A operação toxicômana não se reduz à combinatória


significante; ela implica um gozo não articulado, não articulado ao
parceiro, nem ao Outro sexo. Ou melhor, é uma operação que se
separa do Outro sexo, que não busca o Outro sexo. Uma operação
que procura seu gozo por um caminho que não é sexual ainda que
esteja orientada ao próprio corpo.

A operação toxicômana se situa frente à encruzilhada sexual


não com uma ficção, mas com um gozo (o da intoxicação) que
está em ruptura com toda ficção.

Nesta operação o chamado "toxicômano" é leal a seu gozo,


a seu parceiro, mas seu parceiro não é o Outro, nem o semelhante,
porém o que colocou nesse lugar de perda estrutural de gozo. O
lugar em que "não há relação sexual". E nesse lugar não vem o falo
mas o tóxico, o gozo tóxico que é justamente a ruptura com o falo.
Situada assim frente à encruzilhada sexual, a "operação toxicômana"
oferece uma solução que em seu extremo de êxito liquida
a questão do sexo, eventualmente junto com a liquidação do
próprio sujeito.
O que o tóxico procura é uma solução ao problema sexual,
uma solução que mantenha uma relação de exclusão entre o sujeito
e a droga: a experiência da droga ou o sujeito.

Vazia também de sexo, já que é muito claro que ali se trata


de um gozo a-sexual. Também uma experiência que está vazia de
significação, mas que ao mesmo tempo tem uma positividade que é
a positividade do gozo.

que a droga veio no lugar em que a fantasia se desestabilizou,

O exemplo mostra que a experiência com a droga posterga


a confrontação do sujeito com uma pergunta sobre a questão
sexual, que se achava a um passo de ser formulada.

ele procura subtrair-se do problema


sexual.

Não há nenhum enigma no gozo do toxicômano: ele sabe


do que goza. Seu gozo é auto-erótico, desarmônico com a castração.

Tampouco é um sintoma, pois rompe com o gozo fálico; também


não pode ser reduzida à perversão, porque não é mediada pela
fantasia. Esses fatores

O gozo inerente ao toxicômano não recorre à fantasia.

O gozo inerente ao toxicômano não recorre à fantasia. Podemos


entender assim o que diz Lacan ao afirmar que na toxicomania
há o rompimento com o pequeno pipi, quer dizer, que a fantasia é rechaçada e goza-se sem qualquer
mediação. Trata-se de
um gozo que não passa pelo Outro ou, como diz J-A Miller (apud.
Beneti et alii., 1996) sobre a droga se tornar uma parceira do sujeito,
um gozo que lhe permite romper com o Outro. A droga seria
então não um objeto de desejo, caso passasse pelo gozo fálico, mas
um objeto de gozo. (Beneti et alii., 1996, p. 1 6).

Hugo Freda faz uma observação sobre a escolha do toxicômano,


pois esta recai sobre "ou um casamento com o pequeno
pipi e um sintoma, ou um "casamento feliz" sem sintoma; ele escolhe
a "felicidade". O toxicômano consegue essa façanha inédita de
colocar a satisfação sobre um objeto, tornando-o vivo, tratando-o
como se ele fosse uma pessoa" (1996, p. 114).

Não há, então, intervenção em


sua relação narcísica com o objeto. Seu gozo não é barrado.

A toxicomania é efeito do discurso do capitalista - segundo


Lacan, uma distorção do discurso do mestre -, não podendo
ser chamado de discurso por não deixar lugar para a falta. Neste
discurso, o sujeito tem acesso ao objeto a sem passar pela fantasia,
ou seja, os efeitos do objeto não passam pela fantasia e estabelecem
uma colagem com o gozo, driblando a divisão do sujeito. Ao mesmo
tempo, este objeto é depos.itário de saber encarnado no objeto
de consumo.

O analista está diante de um sujeito que não suporta ver seu


gozo questionado. Seu discurso sobre a droga aponta para um saber
do qual ele é o único detentor. Fala da droga como se fosse
uma companheira, vindo no lugar da mulher. O analista deve tomar
cuidado para não se tornar uma mero parceiro do gozo deste sujeito
quando relata as maravilhas da droga.

Aos 25 anos torna-se impotente, segundo seu relato, após ter chegado
em casa num fim de semana antes do dia combinado e surpreender
a mãe com um homem. A partir da impotência rompe
com sua namorada (muito amiga de sua mãe) e passa a "cheirar" e
depois se "picar".

Na impossibilidade de lidar com a falta do Outro e com


um gozo que passa pelo Outro, o toxicômano se dedica ao gozo
de seu próprio corpo, e isso é tudo. O objeto da pulsão é fixado na
sua fonte e promove um curto-circuito, numa tentativa de um gozo
impossível, o gozo do Um, proibido na trama Edípica, ou seja, o
gozo interditado com o Outro Materno interrompendo assim a
conexão entre o Outro, o fantasma e o gozo fálico.

É comum ouvirmos acusações sobre


a nossa ignorância diante desse gozo fora do falo.

ao a. •'A droga aparece como um significante


encarnado" (Beneti, 1 996). Poderíamos dizer que aqui ocorre um
195
O Brilho da InFelicidade
curto-circuito pulsional,

de ser. Assim instaura-se o acting-out, como menciona


Freud: "enquanto o corpo está orupado, a mente está desocupada".

O encontro com o álcool implica a presença de um sujeito,


a existência de uma subjetividade, no sentido em que este carrega a
eleição de um objeto - o álcool - e não outro qualquer. Essa
subjetividade é condição para realizar o que Lacan nomeia como
miragem e Lecouer chama de miragem da embriaguez. Nessa miragem
o sujeito embriagado faz do álcool um objeto que o completaria
daquilo que lhe falta, afastando dessa maneira os efeitos causados
pela separação entre o Eu e o Ser (Lecouer, 1 992, p. 65-6).

É preciso que algo faça barreira ao gozo que se precipita.

Buscar um gozo que não passe pelo Outro, que não passe
pela significação fálica; um gozo ex-sexo, por fora do sexual.
As drogas estão colocadas tanto por Freud quanto por
Lacan como "uma solução". Pois bem,

Por isso o uso de drogas não


faz sintoma para o sujeito. A toxicomania como o surgimento de
um novo modo de gozo, de um gozo Uno como tal, não sexual.
O gozo sexual não é. Uno, há uma insuficiência de gozo. A relação
sexual (com A maiúscula) _não existe. Na toxicomania "verdadeira"
esse gozo se representa como Uno, todo, único. Ruptura com aquilo
que o fantasma supõe como objeto de gozo incluindo a castração.
A toxicomania como um uso do gozo "por" fora do fantasma.
Que não toma os caminhos complicados do fantasma. A ruptura
com o "petit pipl' significando então que se pode gozar sem o
fantasma: um "curto-circuito". Então trata-se aí de um objeto que
permite obter um gozo - um objeto causa de gozo (Miller, 1989)
- sem passar pelo Outro, pelos significantes fálicos; um objeto
que concerne menos à palavra, ao sujeito da palavra, do que ao
sujeito do gozo
J. A. Miller iráJ. A. Miller irá propor o termo de gozo cínico ao gozo do
toxicômano e nos dizer que existe uma insubordinação ao serviço
sexual com um gozo que não passa pelo corpo do Outro e sim
pelo próprio corpo, autoeroticamente - ''A droga funcionaria como
um partenaire exclusivo do sujeito e lhe permitiria fazer um impasse
com relação ao Outro (e sexual)". Um objeto da mais imperiosa
demanda e que teria em comum com a pulsão anular o Outro. Um gozo cínico que rechaça o Outro. Um
cínico moderno,

Não necessita das significações do Outro: sem passar pela


palavra, pela cultura e experimentando um gozo superior a um
orgasmo (Miller, 1996).

a
paixão devoradora pelo álcool; ou, nas palavras de Freud: o casamento
com a garrafa.

Por que o alcoólatra ama a garrafa e até mesmo com ela se


casa, tentando assim um casamento "perfeito"? No matrimônio
com o álcool, o sujeito ensaia uma significantização.

recalcado. Mas
o personagem bem exemplifica que, frente ao enigma do feminino,
· prefere transformar o copo num parceiro sexual, num semblante
fálico, em lugar de encontrá-lo no corpo de uma mulher. Já nas
drogas, ditas pesadas, como a cocaína, a heroína, por exemplo, é a
pulsão em estado bruto que atrai o sujeito.

A droga como objeto de culto sutura o sujeito, o que lhe


dá um caráter de insubstituível. Nesse sentido, é muito mais objeto
causa de gozo, como aponta Miller, do que causa de desejo.

É essa característica de insubstituível o que nos atesta


que o gozo está fora do falo, isto é, a droga não está submetida ao
regime de equivalências que a linguagem determina e que permite
que um objeto se suceda a outro. É um objeto cuja função não
pode, a princípio, ser preenchida por nenhum outro. Ele não possui
um equivalente, o que transforma a droga num objeto absoluto e,
pior, acessível a qualquer momento. É esta fixidez, este congelamento,
que não permite o deslizamento necessário para que a fala
possa fluir.

saber" da castração, uma forma extrema da paixão da ignorância.


Na ruptura com o Outro, o gozo é auto-erótico, gozo cínico, segundo
Miller, que se orienta ao corpo próprio e se contrapõe à lei
de interdição do incesto. Tudo é permitido. Suprime-se, de certa
forma, o enigma do desejo do Outro, obturando e eliminando
momentaneamente a frustração e, conseqüentemente, a função
castradora.
Se o

A droga, ainda segundo Freud, permite em alguma medida


a independência do mundo externo, o que apresenta a droga como
causa de um gozo fora do campo do Outro.

A droga devolve ao sujeito a sensação de plenitude. Ela


aplaca momentaneamente o vazio: não possui sentido em si mesma,
mas suspende o tempo e o desejo, convocando o sujeito a um
gozo absoluto, sem furo.

Opondo-se à castração e conseqüentemente à intervenção


analítica, o toxicômano parece usar a droga como um recurso contra
o acesso à problemática sexual.

Você também pode gostar