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Pensemos, por exemplo, na relação daquele que bebe com o vinho.

Não é verdade que


o vinho sempre oferece ao bebedor a mesma satisfação tóxica que na poesia tantas vezes foi
comparada com a satisfação erótica e que também se pode comparar do ponto de vista da
concepção científica? Alguma vez já se ouviu falar que o bebedor precisa constantemente trocar
de bebida por que beber sempre a mesma logo não vai ter o mesmo sabor? Ao contrário, o
hábito sempre estreita cada vez mais o laço entre o homem e o tipo de vinho que ele bebe. Acaso
sabemos, sobre o bebedor, de uma necessidade de ir a um país no qual o vinho seja mais caro ou
em que a fruição do vinho seja proibida, para que sua satisfação decrescente possa ser auxiliada
pela interpolação dessas dificuldades? De maneira alguma. Se ouvirmos o que dizem os nossos
grandes alcoólatras, por exemplo, Böcklin, sobre sua relação com o vinho, ela soa como a mais
pura harmonia, como o modelo de um casamento feliz. Por que será tão diferente a relação do
amante com seu objeto? (Freud, 1912/2019, pp. 148-49, grifos nossos).

relação do bebedor com o vinho x relação do sujeito com o objeto sexual


a mesma satisfação tóxica a cada vez que o vinho é consumido. Satisfação essa que
poderia ser comparada à satisfação erótica do sujeito com o objeto sexual.
toxicidade do gozo.
a saciedade do consumo de vinho.
relação de um sujeito com seu gozo
Freud nomeava Sorgenbrecher “Disjuntor de preocupações”.

tomemos as coisas de soslaio


Apesar de alertar sobre o perigo do uso inadequado, assinala o consumo de entorpecentes
como técnica eficaz no combate ao sofrimento. Ele critica, por exemplo, o moralismo em
torno do uso da sorgenbrecher (bebida alcoólica, em alemão coloquial). Para ele, o uso
moderado de álcool ajuda a diminuir as pressões da realidade, além de oferecer um mundo
próprio com melhores condições de sensibilidade aos homens.

É curioso que não se tenha extraído um pouco da moral da história do pequeno Hans de
Freud. A angústia está muito precisamente localizada em um ponto da evolução desse parasita
[verme (vemine)] humano, é o momento em que um homenzinho ou uma futura mulherzinha se
dá conta de quê? Se dá conta de que está casado com seu pau [queue]. Vocês me perdoem por
chamar isso assim, é o que geralmente chamamos de pênis ou pinto, e que se infla quando se
percebe que ali não há nada melhor para fazer o falo, o que é obviamente uma complicação, uma
complicação ligada ao fato do nó, à ex-sistência, cabe dizê-lo, do nó. Mas se há alguma coisa nas
“Cinco lições de psicanálise” feita para nos mostrar a relação da angústia com a descoberta do
pequeno pipi – chamemo-lo assim também, de todo modo isso é claro –, é certo ser inteiramente
concebível que, para a menininha, como se diz, isso se estenda [se espalhe (s’étale)] mais, razão
pela qual ela é mais feliz. Isso se estende porque ela precisa de algum tempo para perceber que
não tem o pequeno pipi, o que lhe produz angústia também, mas uma angústia por referência
àquele que é aflito com isso. Digo “aflito”, porque falei de casamento e tudo o que permite
escapar desse casamento é evidentemente bem-vindo. Disso decorre o sucesso da droga, por
exemplo. Não há nenhuma outra definição da droga senão esta: é o que permite romper o
casamento com o pequeno pipi. (Lacan, 1975/2016, p. 21).
Nesse segundo semestre, vamos dar continuidade às articulações entre
as toxicomanias e o amor. Miller em 1995, usa a expressão “anti-amor”
para indicar que a toxicomania apresenta uma relação diferente com o
Outro, ou seja, prescinde dele. O toxicômano elege o objeto/substância
em detrimento de sua relação com o Outro, que aparece como
obstáculo, entrave ao fugaz conforto da ilusão de completude. Por
outro lado, nota-se que uma outra relação com a linguagem se
estabelece, onde o corpo é tomado como Outro.

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