A psicanálise pensa a mania relacionada à melancolia, pares opostos, mas
intimamente ligados. Se a melancolia nos fala de um apego patológico ao passado, no qual a sombra do objeto perdido captura o eu até o ponto de impedi-lo de viver, a mania é definida por Freud como a vitória do eu sobre o objeto, já livre de qualquer sujeição. O desapego leva ao extremo de um desenfreio de tal magnitude que o quadro é comparado aos estados de euforia produzidos por substâncias tóxicas. Lacan a define em termos de perda daquilo que para o sujeito funciona como ancoragem em sua existência. O homem ou a mulher refém de um frenesi de pensamentos, de ações e de prazeres não procura um psicanalista e, quando aparece no consultório, geralmente o faz impulsionado por um familiar ou pessoa próxima perplexa diante de tanto desatino. Isso se deve ao fato de que o maníaco não se queixa de sua potência “invencível”, exaltado pela ideia que tem de seu lugar no mundo; nem quer ser aliviado do êxtase que o habita. Falta nele a dimensão sintomática que sempre implica uma detenção, um intervalo que leva a uma pergunta e que não nos deixa ser arrastados por uma deriva infinita. Assim, podemos dizer que a mania pode ser compreendida como um triunfo das possibilidades infinitas e artificiais de um mundo de semblantes privados do real, ou seja, uma vitória sobre o sintoma. Com isso, além da singularidade do quadro, detecta-se de que maneira o mundo em que vivemos predispõe a um “existir maníaco”. É impossível pensar nessa afecção sem sua relação com o tempo, que sem intervalos nem contrastes carece de lastros. Nossa época se caracteriza pela rapidez com que passamos a utilizar a realidade e a ser utilizados por ela. Tudo se torna mais rápido, e da rapidez se passa à aceleração; a rapidez do rendimento é seguida por sua aceleração. Para os matemáticos e os físicos, a segunda deriva da primeira. A distância entre as instâncias ego e ideal do ego faz com que nunca acreditemos tanto em nossa potência egoica, visto que essa nunca se iguala ao ideal que nos ultrapassa; porém, na mania, essa separação desaparece. Quando o ego iguala o ideal, tudo é brilho ilimitado e já não há nenhuma opacidade. Freud nos fala da “fome voraz” do maníaco na louca corrida na qual, emancipado de cargas de objeto passadas, lança-se, entusiasta, a outras novas. Você sabia que… a palavra mania provém do grego antigo, , que significa “loucura”, “demência”, “estado de furor”? Lacan se refere à mania em termos de um “repúdio ao inconsciente”, e isso quer dizer que na excitação maníaca o sujeito não quer saber das condições significantes às quais está amarrado, que só podem ser restabelecidas se ele reconsiderar sua história e suas marcas. E outra vez a temática nos remete a nossos tempos, nos quais se apregoa “partir do zero”, “virar a página”, não ficar fixo a nada, reinventar-se o tempo todo. Não se propicia aquilo que é próprio da mania sem que por isso o quadro como tal tenha sua especificidade? Em nível farmacológico, comprova-se que um dos possíveis efeitos secundários do uso dos antidepressivos podem ser episódios maníacos. Por outro lado, observa-se uma tentativa de medicar qualquer índice de tristeza com um antidepressivo, que, quando não bem indicado, conduz a tais estados. Pensemos de que modo a palavra bipolar passou a fazer parte da linguagem cotidiana e é empregada a torto e a direito. Já não só os psiquiatras e os médicos a usam, mas também os leigos, porque se presta a múltiplas aplicações. Qualquer mudança de estado de ânimo é pensada como sinal de bipolaridade, qualquer discordância leva esse nome, quaisquer altos e baixos têm essa marca, a mínima disparidade leva seu rótulo. Logo advertimos que o vocábulo se presta a uma espécie de função multiuso, apta para diversas aplicações, visto que o ser humano é contraditório, costuma ter ambivalência em seus afetos, seu humor é variável, as contingências da vida o afetam e não reage sempre de uma única forma. E se “bipolar” é quem não é totalmente idêntico a si, todos somos bipolares. Diz-se que é frequente que as palavras percam especificidade ao serem empregadas pelo profano e que, de tanto hábito, se assemelhem às moedas gastas, tal como eram chamadas pelo poeta Mallarmé aquelas das quais tanto se fez usufruto. No entanto, não é esse exatamente o caso, porque aqui se trata de um termo que não por seu emprego comum, e sim por sua origem, não diz nada específico, por uma extensão sem limite que evapora as diversas arestas dos quadros clínicos. Como se a globalização tivesse afetado o campo psiquiátrico, esse campo antes caracterizado pelo refinamento do detalhe diagnóstico. O tema leva a pensar que a chamada“bipolaridade” muitas vezes pode ser propiciada pelo próprio medicamento. A psicanálise desconfia das felicidades artificiais, das luzes e dos brilhos sem opacidade, porque ali está o germe da mania como rejeição ao inconsciente. Uma propaganda ilustra a maneira como se propicia o estilo maníaco: “Fale ilimitado”. Aquilo que se oferece como suposto prazer tem seu lado infernal: falar o tempo todo é uma tortura. Esse detalhe nos mostra que invocar a vitória do “sem limite” não está alinhado com a alegria e a festa que aparentemente se relacionariam com a desinibição maníaca. Assim e por isso, Richard von KrafftEbing descreve o caráter mortal dessa excitação, Emil Kraepelin vê a tristeza melancólica que está alojada nesse coração exaltado, e Clérambault assinala a veemência excessiva de toda essa emoção. Esse furor entusiasta que desconhece qualquer obstáculo em um caminho cheio de luzes faz com que Freud pense a mania em termos de uma confluência entre o ego e o ideal.