Fala-se da melancolia há 25 séculos. Poderíamos dizer que esse nome
acompanha toda a civilização ocidental. “Felicidade de estar triste”, diz Victor Hugo, e esse oximoro mostra o prazer de tal padecimento. Tantos e tantos pensadores veem nesse quadro o desvelo criativo do poeta, o ganho daqueles que rejeitam o caminho da ascese, mas não o da lucidez. Mas qual é a resposta da psicanálise às intuições do literato? Freud isola os traços sintomáticos que mais se impõem: a depressão, a inibição, a autocensura, a insônia, o repúdio à comida. A melancolia dá lugar ao aprofundamento e à criação de conceitos em psicanálise que excedem o âmbito dessa afecção. Se a histeria e o sonho levam Freud a indagar sobre o desejo, a melancolia, porém, o conduz à obscura satisfação no padecimento, à necessidade de castigo, aos estragos do superego, às fixações infranqueáveis, às identificações mais primárias, à pulsão de morte. Enfim, a conceitos que transcendem o quadro em si e que se encontram em outras estruturas. Na atualidade, o afundamento da tradição, com seu valor vinculante, e as vidas dependentes da inserção no mercado arrastam os sujeitos a cair qual dejetos quando não podem ocupar um lugar nesse mercado ou quando são expulsos da antiga inserção. Aquilo que foi perdido ganha um valor único, irrecuperável. Bastam como exemplos os suicídios de alguns sujeitos ao perder o emprego ou os que irrompem coletivamente, realizados por esses adolescentes certos da futilidade da existência. A perda de sentido dissolve os laços; por isso o termo desprendimento tem tanta vigência aqui. A Ilíada descreve o melancólico Belerofonte, que se consome na tristeza ao evitar os homens. Lacan diz que a esperança absoluta pode conduzir ao suicídio, porque o que vale é só o que se espera. Sem dúvida, isso explica a presença desse famoso “temperamento melancólico” nos grandes místicos sempre em risco de se afastar de Deus, nos revolucionários sempre em busca de um ideal que se subtrai e em alguns criativos que perseguem constantemente uma superação de si mesmos. O melancólico afirma que tudo é vacuidade; suas recriminações questionam sua valia. E Freud se pergunta se acaso teve de adoecer para chegar a tanta verdade. Isso se deve ao fato de que os véus, os semblantes, os sentidos que damos à vida são necessários para viver; é necessário calar verdades para existir, ao passo que aqui é tudo isso que desaba. E a morte, o absurdo e a queda ganham uma dimensão absoluta; tudo é quimera, tudo é objeto perdido. Diante de uma perda irreparável ou um real irremediável, tudo se revela como vão. Stéphane Mallarmé diz: “A carne é triste, e li todos os livros!” e, com isso, mostra a queda do mundo ficcional perante o real do corpo. Por isso, a tradição a veste de preto, e Albrecht Dürer a ilustra com esse rosto sombrio, com o olhar perdido. Em O seminário. Livro 10: a angústia, Lacan (2005) enfatiza a maneira como o sujeito se desamarra do cenário, identificando-se com o objeto a como dejeto: O niederkommen é essencial em toda súbita relação do sujeito com o que ele é como a. Não sem razão o sujeito melancólico tem tal propensão – sempre realizada com uma rapidez fulgurante, desconcertante – a se jogar pela janela. De fato, a janela, porquanto nos recorda o limite entre o cenário e o mundo, indica o que significa tal ato no qual, de algum modo, o sujeito retorna àquela exclusão fundamental na qual se sente. Freud afirma que, na melancolia, a sombra do objeto cai sobre o eu. O estatuto de tal objeto constituiu um problema para a psicanálise, mas acredito que houvesse um termo que revelaria um pouco de sua dimensão. Freud utiliza a palavra sombra, que fala do desaparecimento do brilho fálico do sujeito e do mundo. Trata-se, então, de um aspecto do objeto no qual a umbria só desenha seu contorno; no interior, o negrume banha seu corpo espectral. Essa sombra – diz Freud – cai sobre o eu, tomado pela imensidão dessa mácula que apagou todo o resplendor. Se a mania é o puro brilho sem sombra, a melancolia é a sombra que o pacifica qualquer brilho, por isso Lacan não hesita em situá-la como identificação ao objeto a como dejeto. A evocação à sombra também está presente na origem grega da palavra: melas (“negro”), kholes (“bile”). Talvez a melancolia e a mania nos recordem que as luzes devem ser moderadas. Você sabia que… na teoria hipocrática dos humores a melancolia é associada à bile negra, derivada do Mal de Saturno, mórbido e desesperado? No entanto, não se deve confundir tal temperamento com o quadro melancólico, no qual o despojamento, o desprendimento, é chave. O termo empuxo me parece fundamental para especificar o desprendimento melancólico; trata-se de um empuxo para deixar o palco. Eis por que essa propensão a “se jogar pela janela” como expressão da migração abrupta do teatro da vida. Estudou-se que o que pode deter tal ejeção absoluta são certos ideais humanitários; ajudar aqueles que estão à margem e ter uma identificação com o papel social de assistir aos desvalidos evita que o sujeito seja idêntico a eles. Essa característica é observada pelos psiquiatras alemães Tellenbach, autores que investigam as particularidades daquilo que denominam “estado pré-mórbido” do paciente depressivo e isolam o typus melancholicus, cujo traço de destaque é o altruísmo desusado e patológico. No começo dos anos 1960, definem esse tipo de personalidade consagrada a viver “para os outros”. Efetivamente, quando se fala de “sobreidentificação” é por se tratar de uma identificação rígida do papel social, cujo caráter não dialético evidencia o rigor psicótico do qual emana. O comportamento hipergnômico ao papel social, ou seja, seu estilo moralista e sentencioso, é filho de tal rigor. Uma identificação com o ser literal do traço significante, não com sua função de representação.