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“ Depressão: o mal do seculo?

Daniele Evelin Viana Pinheiro


NIPSAM

Jéssica Samantha Lira da Costa


UFPA

10.37885/200800817
RESUMO

Neste artigo, tem-se como objetivo refletir acerca da atualmente conhecida depressão.
Para tanto, discorre-se sobre como se deu o processo histórico desta psicopatologia,
abordando a questão histórica da depressão e perpassando pela melancolia, com o in-
tuito de diferenciá-las e mostrar como uma deu espaço à outra. Depressão é um termo
tão usado, contudo, é tão pouco conhecido. Trata-se de um sofrimento psíquico que
se tornou sinônimo de tristeza, este último um sentimento inerente a todos os seres
humanos. Por que atualmente as pessoas têm a necessidade de ter um diagnóstico e
de se rotular? Quais os motivos de não se falar mais em melancolia e sim em depres-
são? Este trabalho visa responder a esses questionamentos. A partir do aporte teórico
usado, a distinção entre melancolia e depressão diz respeito a retirar a questão da alma
e atribuir ao mental, visto que a psiquiatria percebeu esta questão como algo passível
de controle, logo, medicado, levando a população em geral a consumir medicamentos,
com a promessa de felicidade, pois ao tomá-los, o sofrimento desaparecerá. Portanto,
questiona-se a medicalização e patologização da subjetividade.

Palavras-chave: Depressão, Psicopatologia, Medicalização, Subjetividade.


INTRODUÇÃO

No livro “Depressão: da bile negra aos neurotransmissores”, Taki Cordas traça o his-
tórico do que hoje conhecemos por depressão. Mostra como se deu os primeiros conheci-
mentos deste sofrimento psíquico e como tal conhecimento fora se abrangendo e criando
novas facetas para explicá-lo. Depressão é um termo tão usado atualmente, contudo, tão
pouco conhecido. Trata-se de um sofrimento psíquico, que se tornou sinônimo de tristeza,
este último um sentimento inerente a todos os seres humanos.
Os Estados Unidos gastam, anualmente, mais de 76 bilhões em drogas psiquiátricas,
a fim de suprir o sofrimento de toda uma população. Berlinck e Fédida (2000) nos mostram
que seria insuficiente afirmar que a dissolução da depressão se deve apenas à proliferação
de antidepressivos. A crescente produção destas drogas responde a uma grande demanda
que vem acentuando, de maneira notável, a partir dos anos 70.
A depressão é hoje uma doença que assola, de forma particularmente evidente, os
países ocidentais mais ricos, atingindo não só os sistemas de saúde como a produtividade
do trabalho. Por isso, se constitui como um tema extremamente rico e instigante.
“Depressão – mal do século!” tal afirmativa parece ser mais uma daquelas frases de
efeito. Pode até ser, mas está sendo usada por muitos teóricos, em diversas áreas. Isso de-
monstra a incessante proporção que a ciência médica está tomando, visto que está ocorrendo
uma patologização do ser humano, do seu funcionamento, de seus sentimentos. Um sujeito
não pode mais sentir-se triste, que logo está ou é depressivo.
Discorre-se sobre a temática em questão, inicialmente apresentando um breve percurso
histórico, em seguida, examina-se a depressão enquanto mal do século. Por fim, trata-se
das diferenças entre depressão e melancolia. Com isto, tem-se o intuito, neste trabalho,
de questionar a patologização da vida, da subjetividade, do sofrimento, que transforma em
doença a dor de existir.

HISTÓRICO: DA MELANCOLIA À DEPRESSÃO

Segundo Berlinck e Fédida (2000), a melancolia tem seus estudos inaugurados por
Aristóteles, sendo este discípulo de Platão, contudo refutou as ideais de Platão e seguiu as
ideias de Hipócrates, que é conhecido como o pai da medicina, pela sua observação clínica
e delimitações das perturbações que afligiam os sujeitos.
Hipócrates conceituou as perturbações psiquiátricas em três categorias – mania, freni-
te e melancolia, fazendo descrições clínicas minuciosas e registros clínicos extremamente
completos. Para a melancolia, Hipócrates receitava uma vida regular e tranquila, sobriedade
e abstinência de todos os excessos, dieta de vegetais, continência, exercícios pouco can-
sativos e, se necessário, a sangria (COLEMAN, 1993).

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Em um aparato etimológico, tem-se a melancolia como um termo derivado do grego
melas (negro) e kholé (bile), ou seja, bile negra, que significa “depressivo, tendência à de-
pressão, irascível, triste, abatido”. Mais especificamente, há o sentimento de um abismo
infinito, extinção do desejo e da fala, impressão de hebetude, além de uma incrível atração
pela morte, pelas ruínas, pela nostalgia e pelo luto. Sendo assim, a melancolia era comple-
tamente agregada à bile negra (ROUDINESCO, 2008).
Conforme Scliar (2003 apud TEIXEIRA, 2005), a presença da melancolia é evidenciada
em diversas épocas, sendo retratada como aquela que resistiu aos tempos, habitou os ve-
lhos mosteiros, vagou errante pelas terras medievais, presenciou o nascimento das grandes
cidades, sucedeu à terrível peste negra, adentrou o renascimento, foi musa do romantismo
e resistiu fortemente até meados do século XIX, período que fora destituída pela depressão.
Dentre fatos históricos sobre a melancolia, é possível encontrar relatos sobre o Oriente
Médio, nos textos bíblicos do Antigo Testamento, por volta de 900 a.C., a maneira notável em
Saul, tido como o melancólico rei de Israel, que após desobedecer seu antecessor – Samuel
– foi acometido por um “mau espírito”, que mais tarde ficou conhecido como a melancolia do
rei. Seu estado de ânimo ficara abalado e a culpa pela desobediência às determinações de
Samuel o castiga. Saul suicida-se, não suportando a culpa que o martiriza constantemente
(TEIXEIRA, 2005).
Segundo Teixeira (2005), no mundo grego, o sofrimento melancólico é encontrado na
Ilíada, de Homero, quando descreve os sofrimentos do herói Belerofonte. Este herói comete
uma grave infração de tentar elevar-se ao Olimpo, a raiva dos Deuses se abate sobre o herói,
que fora condenado a vagar na solidão e no seu desespero. Um dado interessante desta
história é que a melancolia de Belerofonte fora considerada a primeira forma clássica de lou-
cura, com isso, a Ilíada de Homero se configura como o primeiro modelo teórico de loucura.
É imprescindível fazer alusão a dois escritos essenciais na história da melancolia, são
estes: Corpus Hipocraticus, de Hipócrates, e o Problemata XXX, de Aristóteles. Eles são
fundamentais, porque a noção de melancolia deles prevalecerá até o início da era moder-
na. No texto de Hipócrates, a melancolia é classificada como uma perda do amor pela vida,
uma situação na qual o sujeito aspira à morte como se fosse uma benção. Já no trabalho
de Aristóteles, a melancolia tem uma relação intrínseca com a genialidade, pois existe um
tipo de melancolia natural, que devido à ação da bile negra tornaria seu portador genial. Foi
a partir de tais delimitações aristotélicas, que os homens melancólicos foram tidos como os
homens profundos (TEIXEIRA, 2005).
A partir do desenvolvimento científico, no século XIX, houve a preferência pelo termo
depressão em detrimento do termo melancolia. O primeiro entrou em uso pela psiquiatria
europeia, por volta do século XVIII, oriundo do francês com sua origem no latim – de-pre-
mere – que significa pressionar para baixo (TEIXEIRA, 2005).

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Moreira (2002 apud TEIXEIRA, 2005) mostra que os desenvolvimentos da psiquiatria
e seus movimentos de substituição do termo melancolia criaram a denominada invisibilida-
de da melancolia. E isso ganhou mais força com os estudos de Adolf Meyer, para quem a
melancolia remetia a um estado do romantismo muito presente na literatura e inadequado
à ciência psiquiátrica, já que esta estava em seu desenvolvimento, necessitando assim se
desvincular de tudo que não se remete à uma cientificidade genuína.
Percebe-se como a melancolia deu ou fora obrigada a dar espaço à depressão, por
isso, é relevante uma discussão mais ampla acerca da percepção da depressão como
o mal do século.

DEPRESSÃO: O MAL DO SÉCULO?

Ao tentar delimitar um conceito de depressão, primeiramente, é preciso circunscrever


qual linha teórica será usada. O presente trabalho é regido pela teoria psicanalítica, que
oferece subsídios para entender depressão enquanto sofrimento psíquico. Peres (2003)
pondera que, apesar da dificuldade em definir a depressão, há um consenso em considerá-la
como uma doença do homem contemporâneo, a doença da atualidade.
Freud não se deteve a explanar sobre a depressão, mas tratou da melancolia. Contudo,
em seus poucos escritos, ele descreve que depressão é uma figura e um estado do corpo
angustiado e dolorido pela catástrofe, que produz a perda do objeto primitivo de satisfação e
a correspondente perda de contato com a regularidade sexual assegurada, primitivamente,
pela sensorialidade (FREUD, 1938 apud BERLINCK; FÉDIDA, 2000).
Conforme Roudinesco (2008), no final do século XX, a depressão, enquanto forma ate-
nuada da melancolia, vai tornando-se, nas sociedades industriais avançadas, uma espécie
de equivalente da histeria da Salpêtrière, que fora exibida por Charcot como a verdadeira
doença da época. Se esta última figura aos olhos dos contemporâneos como a revolta do
corpo feminino contra a opressão patriarcal, a depressão, ao contrário, cem anos depois,
parece ser a marca de um fracasso do paradigma da revolta, em um mundo desprovido de
ideais e dominado por uma pomposa tecnologia farmacológica. Com isso, a autora mostra
que cada época tem seu marco, inclusive no que tange às psicopatologias.
A psiquiatria tenta transformar em doença a dor de existir, e a maior prova disso é
sua incessante busca por classificar como patologias, para assim medicar todos os atos
humanos, o funcionamento dos sujeitos. Mas por que ela atua desta maneira? Para Teixeira
(2005), a psiquiatria se estabeleceu afastada do saber médico, pois era considerada uma
falsa medicina, que não se fundamentava enquanto ciência, seus fundamentos consistiam
nas causas e tratamentos morais, mais ligados à filosofia.

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Sendo assim, com o avanço das neurociências e da psicofarmacologia, após os anos 50,
a psiquiatria pôde se transformar em uma ciência médica. Desde então, seu discurso tem ba-
ses biológicas e fisiológicas, tentando até mesmo classificar o psiquismo enquanto biológico.
Como visto anteriormente, o recurso psíquico que o sujeito utiliza para entrar num
quadro depressivo, é originado de uma perda, contudo, não à banalização de tal. A respei-
to disso, Fédida (2002 apud AMARAL, 2006) afirma que outra abordagem diante de uma
perda comum é a sua banalização, que significaria uma não percepção das mudanças que
acontecem internamente diante de uma perda. Sendo assim, banalizando a perda, os afetos
pungentes são encobertos antes mesmo de vir à tona. E esta analogia da banalização pode
ser feita para com a depressão, quando tenta-se agrupar diversos quadros clínicos com o
nome de depressão, assim medicando-os com antidepressivos, acaba-se por ser uma forma
de tratar a depressão como uma dor de cabeça, logo, a depressão é bem diferente de uma
doença, ela faz parte do humano.
Já Peres apresenta um modo de pensar a depressão a partir de dois vieses, o psica-
nalítico e o psiquiátrico.

Hoje, defrontamo-nos com dois grandes caminhos para abordar esse tema:
a Psicanálise e a psiquiatria biológica. A primeira falando de um desamparo
fundamental, uma complexa e problemática relação com a perda, a falta, o
vazio estrutural do ser humano; a segunda oferecendo uma explicação por uma
insuficiência biológica, um déficit neuro-hormonal, e encontrando no isolamento
de uma molécula a promessa de cura. (PERES, 2003. p.10)

Peres (2003) questiona o porquê de a depressão estar se tornando uma epidemia e


assolando sujeitos, cujos recursos psíquicos são tão empobrecidos, que sua única saída é
esta. A autora afirma que, levantando-se hipóteses, o crescente mal-estar que a civilização
provoca e a excessiva medicalização da vida, enfatizando o papel da força publicitária dos
grandiosos laboratórios e do mercado dos psicofármacos, atuariam como fortes elementos
propiciadores da depressão.
É interessante compreender como o mesmo fenômeno tem críticas completamente dis-
tintas. Tavares (2010) aponta que em nossa atualidade, cujos ideais socioculturais planeiam
as categorias de valoração sobre o mundo de maneira geral, qualquer posição que não se
adeque aos moldes ditados está sujeita a ser considerada como patológica. Com isso, a
incidência cada vez maior de diagnósticos de depressão revela a intransigência frente aos
modos de subjetivação opostos aos ideais contemporâneos.

Com relação às depressões onde na atualidade qualquer manifestação de dor


e sofrimento é diagnosticada necessariamente como “depressão” -, podemos
observar uma verdadeira “patologização” de qualquer indício de “mal-estar”,
bem como um ideal “espetacular” de saúde subjacente a tais práticas, que
obedecem, por sua vez, a mesma lógica de nossa atualidade pós-moderna,
consumista e espetacular. (TAVARES, 2010. p 58)

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No âmbito psicanalítico, leva-se em conta dinâmicas até mesmo desconhecidas, como,
por exemplo, a não-extinção de sintomas depressivos. Tavares (2010) pondera que, ao con-
trário do que a ideologia dominante e maciça determina sobre o problema das depressões
– que é algo a ser exonerado imediatamente do sujeito, vislumbrando sua “recuperação” que
o tornaria novamente capacitado a conviver no mundo –, os estudos da Psicanálise devem
ter outra visão do que se define como depressão, sendo ela um “tempo de subjetivação”,
como pontua o autor, em que não se deve haver um tempo para a introspecção e reflexão.
Conforme a autora acima referenciada, o momento depressivo, o qual o sujeito vivencia,
se mostra como uma possibilidade e oportunidade única para conhecer a si próprio, que pode
e deve ser proporcionado mediante um trabalho clínico em Psicoterapia. Logo, entender que
se o sujeito vivencia sentimentos de natureza depressiva, é importante suportar o silêncio
dominante e a recusa em falar, o que não necessariamente revela uma condição patológica
a ser imediatamente destituída, ao contrário, diante desta autorização do silêncio, proporcio-
nada pela escuta analítica, pode-se abrir o caminho para o acesso ao inconsciente, tendo
em vista que este posicionamento representa uma verdadeira resistência frente aos ideais
de saúde metal e “bem-estar” priorizados pelos discursos sociais, que obedecem e se forjam
por meio da mesma lógica espetacular e consumista da sociedade atual (TAVARES, 2010).
Considerando o reconhecimento da depressão e a sua banalização, questiona-se a
exacerbação de diagnósticos e rótulos atribuídos. Acerca desta problemática, Tavares (2010)
elucida que a depressão se tornou objeto de uma total banalização conceitual, ou seja, tudo
nos dias de hoje é depressão. O autor ainda acrescenta que a banalização do conceito de
depressão implica em diagnósticos formulados superficialmente e indiscriminável.

Nessa perspectiva, vemos claramente que a medicalização exacerbada resulta


numa apropriação dos corpos e das subjetividades, na medida em que, por
este viés, se concretiza o verdadeiro controle das individualidades. (TAVARES,
2010. p.67)

Na atualidade, enfatiza-se uma maneira de “não-sentir” a todo custo, pois, a partir do


momento em que se sente algo, já se está fora da normalidade. Sendo assim, há subterfú-
gios que cessam tais sentimentos, como os psicotrópicos. Os sujeitos atuais não toleram
qualquer sinal de sofrimento, bem como não se atentam que, ao não tolerarem que isto
ocorra, reside aí o maior viés para tal sofrimento, pois, luta-se para que ele não apareça, que
até mesmo a luta traz angústia, sendo a “saída mais rápida” apresentada sob máscara do
remédio. Se mesmo com esta incessante luta para não sofrer, que o sujeito se põe, mesmo
assim não obtiver êxito, ele desanda a tentar-se livrar de tal angústia, a todo custo, o mais
rápido e barato, ou seja, procura pelos psicotrópicos.
De acordo com especialista da área, a depressão já foi definhada como mal do século,
mas não enquanto quadro clínico, mas sim enquanto demanda social. Ela foi “a escolhida”

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para representar um sintoma social, um sintoma de não adequação do sofrimento psíquico.
Hoje em dia, não se pode nem ao menos lidar com as perdas, nem ao menos fazer o traba-
lho de luto, os indivíduos são vistos como máquinas, que não param nunca de funcionar, e
caso quebrem, há ferramentas para consertá-las, em nosso caso, a ferramenta mais utilizada
para nos consertar são as drogas psiquiátricas.
Entretanto, a depressão, enquanto quadro clínico rigorosamente delimitado, vem sendo
proliferada de forma desenfreada, pois, se fosse possível analisar cada caso, constatar-se-ia
que muitos deles são maneiras de expressar situações dolorosas e não de uma patologia.

DEPRESSÃO E MELANCOLIA: DIFERENÇAS

Segundo Berlinck e Fédida (2000), delimitar depressão como luto talvez seja o cami-
nho mais fácil e preciso para se analisar a melancolia como uma afecção psíquica específi-
ca. Os autores ainda mostram que, em relação ao tratamento da depressão, os antidepressi-
vos podem até ser eficientes, contudo, não existem antimelancólicos. Com isso, os pacientes
saem da depressão, mas permanecem com sintomas melancólicos. O que melhor configura
a melancolia é o debate mortífero entre o EU e o SUPER-EU, implicando o sujeito na culpa,
logo, a melancolia é composta de conflito, e a depressão é um estado muito primitivo.
Ao olhar psicopatológico de base psicanalítica, tal diferenciação entre melancolia e
depressão, como uma alteração psíquica importante, está relacionada à uma estrutura
de personalidade: neurose narcísica, cujas manifestações psicopatológicas ocorrem da
elaboração anormal dos lutos – melancolia. Já a depressão advém de maneiras menos
graves de quadros neuróticos, que se apresentam em manifestações episódicas, também
relacionadas aos quadros evolutivos do desenvolvimento humano (PERES, 2003 apud
MONTEIRO; LAGE, 2007).
Para a Psicanálise, a depressão não se configura enquanto estrutura clínica. Freud
se deteve apenas à melancolia e a tratava como uma neurose narcísica, que, Segundo
Laplanche e Pontalis (2008), é uma expressão que tende hoje a desaparecer do uso psi-
quiátrico e psicanalítico, mas que nos escritos de Freud é designada como uma doença
mental, caracterizada pela retirada da libido sobre o eu. Opõe-se, assim, às neuroses de
transferência. A depressão é caracterizada como um estado se manifestando em qualquer
estrutura clínica. Ao se caracterizar depressão, é possível ver uma lentificação, insensibili-
zação da sensorialidade, em que a depressão se manifesta por apatia, tristeza e sensações
de impotência e desesperança (BERLINCK; FÉDIDA, 2000).
Acerca de uma especificação do que se caracteriza depressão, Berlinck e Fédida
(2000) conceituam depressão como um estado de vazio, de ausência, correspondendo a
um tempo parado, em que se expõe o lugar e o espaço, o fundo em relação ao qual ecoa

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o tempo da psique, permitindo dizer que ela define-se por uma posição econômica, que
concerne a uma organização narcísica do vazio, segundo uma determinação própria para
a inalterabilidade tópica da psique.
Já na conceituação de melancolia, Ferreira (2006) afirma que o conceito de melancolia
não foi produzido por Freud, contudo, é dele a concepção específica que o vocábulo adqui-
riu no sentido psicanalítico e que, a seu tempo, modificou drasticamente todo saber acerca
do tema existente na época. A tarefa de conceituar melancolia no âmbito psicanalítica é
árdua, vários estudiosos dividem-se em tal delimitação, uns afirmam que é psicose, outros
neurose. Entretanto, Ferreira (2006) mostra que, para Freud, o que desencadeia o processo
de melancolia é a perda do objeto, frisando que mesmo que a perda seja real, o significado
ainda será desconhecido – o sujeito não sabe o que perdeu. Para acentuar, há um conjunto
de sintomas psíquicos que o sujeito melancólico apresentará, são estes: dor moral, inibição,
perda de interesse pelo mundo exterior e perda da capacidade de amar.
Conforme Teixeira (2005), há uma diferença entre depressão e melancolia na teoria
freudiana, predominantemente no que se refere à descrição do quadro clínico. A melancolia
é empregada para fazer referência a uma psicopatologia específica, bem demarcada, en-
quanto a depressão é usada para descrever estados, afetos e sintomas de natureza penosa,
envolvendo tristeza, desgosto e inibição geral. A teoria psicanalítica, após Freud, destacou
uma distinção entre a melancolia e a depressão, em que esta última é tida como um estado
mais brando e que estaria fincada nas neuroses de maneira geral, podendo ser o foco prin-
cipal ou não da patologia. Pode-se ter um caso de neurose obsessiva, no qual a depressão
permanece apenas como coadjuvante ou assume o papel principal, quase mascarando os
aspectos obsessivos. Já a melancolia seria uma forma aguda e acentuada de um estado
depressivo presente nas psicoses.
Ao se fazer alusão a outro conceito psicanalítico – o estádio do espelho, entende-se
mais uma diferenciação da depressão para com a melancolia. De acordo com Roudinesco
(2008), o estádio do espelho é uma expressão cunhada por Jacques Lacan, em 1936, para
assinalar um momento psíquico e ontológico da evolução humana, situado entre os primei-
ros seis e dezoito meses de vida, durante o qual a criança antecipa o comando sobre sua
unidade corporal através de uma identificação com a imagem do semelhante e da percepção
de sua própria imagem num espelho.
Portanto, é relevante compreender como se dar tal estádio em ambos os casos.
Conforme Amaral (2006), na melancolia existe um não olhar que transmite ao sujeito uma
lucidez capaz de produzir um discurso lógico em desafetado; já na depressão existe um
olhar de ódio da mãe, um mau olhar, acompanhado de uma história de fracassos e de uma
queixa ainda monótona. Sendo assim, a depressão evidencia-se como um anseio por uma
representação impossível, enquanto a melancolia se apresenta como uma verdade absoluta,

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delimitada, organizada como a visão de uma vida que não comporta mais nenhuma espe-
rança de mudar. Essa verdade parece ter sido inscrita na imagem de si, identificada como
um olhar que não vê.
Delouya (2001) relata que Freud se interessa pela depressão (não de maneira alarmante
como pela melancolia), sobretudo porque descobre que é acometido, com frequência, por ela.
Contudo, esse interesse é sanado, quase totalmente, com o avanço de sua autoanálise, no
decorrer da escrita do livro que inaugura a Psicanálise, a saber, A interpretação dos sonhos.

Vejamos como essa evolução se entrelaça com o estado depressivo. Este se


apresenta, ao menos em sua forma banal – de uma queixa (como, aliás, nas
cartas de Freud e Fliess) -, para exprimir uma impotência no plano da ação,
assim como no do sonhar e do pensar (“estou deprimido, desanimado; nada
consigo... não vejo sentido nas coisas”). A depressão implica aqui um caráter
econômico que suprime e comprime – ou talvez que subtrai e suga – algo do
sentido do viver, do representável. É o que expressa o termo original, do latim,
composto de duas palavras, de (para baixo) e premere (pressionar), significado,
portanto, que o sujeito está – quanto a seu estado de ânimo – pressionado
para baixo! (DELOUYA, 2001. p 15)

No que concerne a tentativa de distinguir depressão e melancolia, nota-se que há de


divergências entre ambas, como foi mostrado em poucas linhas e conceitos anteriormente
descritos, contudo, acredita-se que o viés mais pertinente seria o porquê de a melanco-
lia dar espaço à depressão atualmente? Por que a necessidade de extingui-la em detri-
mento da depressão?
Apresentou-se que a melancolia é um sofrimento psíquico antigo e bastante comentado,
desde os textos bíblicos até hoje nos consultórios psicanalíticos. Apesar da ascensão de
termos psiquiátricos e patologias psiquiátricas, ainda existem profissionais que lidam com a
subjetividade, com o sujeito e suas nuances, e não com quadros clínicos delimitados pelo
saber psiquiátrico. Considera-se que a Psicanálise é hoje o maior meio de se chegar ao
âmago do sofrimento psíquico, porque ela escuta-o em suas mais delicadas partes.
Qual seria então, uma crítica ponderada que se pode ter frente à esta extinção da me-
lancolia e ascensão da depressão? A melancolia é regida pelo conflito psíquico, a depressão
tornou-se um quadro clínico psiquiátrico; de um lado, tem no seu cerne a necessidade de
uma escuta e que não há psicotrópicos capazes de saná-la completamente, de outro, há
uma patologia regida, em nossa atualidade, principalmente, pelos antidepressivos, sendo
assim, mais uma vez o poder se sobrepõe ao sofrimento do sujeito.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A depressão e a melancolia são conceitos que muito divergem, principalmente anali-


sados e compreendidos à luz psicanalítica. Apesar de grande e variada literatura disponível

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que abrangem ambos os conceitos, existe pouquíssimo conhecimento teoricamente rigoroso
acerca de tais concepções. Hoje, a maior crítica, por parte dos praticantes da Psicanálise,
é que a depressão se tornou uma entidade nosográfica para abastecer a economia do mer-
cado farmacológico.
Entende-se melhor este aspecto quando se observa a alarmante criação de patologias
psiquiátricas, cada vez maior, ressaltando a patologização da subjetividade. O sujeito passa
a ser inserido no âmbito da doença.
A partir do aporte teórico apresentado, pode-se perceber a diferenciação entre melan-
colia e depressão, a qual é mais um meio de retirar a alma e atribuir ao mental. Sendo assim,
o sujeito não lida com seu sofrimento psíquico, de maneira a entendê-lo e, possivelmente,
elaborá-lo nos consultórios de Psicanalistas e Psicólogos. Ele busca solução na suposta
pílula da felicidade e aguarda que façam os devidos efeitos. Efeitos esses que podem ser
drásticos, em último caso, causar até mesmo o fim da vida.
Ao fazer uma reflexão a respeito de todo este contexto, tal qual uma epidemia classi-
ficatória e medicalizante da vida humana, Tavares, dá uma visão deste processo.

Nesta relação entre o sujeito e os discursos e práticas que lhe direcionam


determinadas condutas e posicionamentos, o casamento perfeito em tempos
pós-modernos é exatamente aquele entre a demanda (esta como desejo de
“apaziguamento instantâneo da dor”) e o “milagres psicofár-mágicos” das medi-
cações psiquiátricas. Se de um lado temos todo um arsenal psicofarmacológico
disponível ao enfrentamento dos sofrimentos psíquicos, de outro lado temos
os próprios sujeitos que demandam tal saber e prática apaziguadora, uma
oferta aparentemente definitiva e instantânea. Num mundo onde um tempo é
o senhor maior e a base de todas as medidas, não é mais possível “desper-
diçá-lo” com reflexões e processos de pensamentos interiorizados, antes, é
mais aceitável em nossa época apaziguar instantaneamente qualquer sinal
de sofrimento evitando-se e ignorando processos e construções subjetivas tão
desvalorizadas hoje em dia. (TAVARES, 2010, p 67-68)

Com isso, almeja-se pensar criticamente acerca deste fato, principalmente os profis-
sionais da área psi, que precisam a todo custo estar atento para o objeto mais precioso de
estudo, o psíquico. Ter a noção de que sem ele, ou na anulação dele, haveria apenas a
repetição do que já é demarcado pela prática médica, que é o maciço e crescente mal em
biologizar a alma, e alma entendida no sentido filosófico, daquilo que nos anima, que dá vida.
Não se pode dar espaço para que a psicanálise perca o sentido e, consequentemente,
perca a voz. Sendo assim, a prática deve se fundamentar na escuta ao sofrimento psíquico
do sujeito e auxiliá-lo a atribuir sentido e significado a este, para que ele assim possa ela-
borá-lo e, possivelmente, destituí-lo.

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REFERÊNCIAS
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11. TEIXEIRA, M. A. R. Melancolia e depressão: um resgate histórico e conceitual na psicanálise


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A Psicologia e Suas Interfaces no Campo Social 129

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