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A DEPRESSÃO NA PERSPECTIVA PSICANALISTA: UM ESTUDO

BIBLIOGRÁFICO E QUALITATIVO

Marcos Paulo Alves de Freitas 1

RESUMO

As primeiras investigações psicanalíticas sobre a depressão na história da civilização


começou com Freud. Também contribuiu em grande parte desse trabalho Karl Abraham.
Esses autores ofereceram uma estrutura para a compreensão da depressão que pode ser
aplicável ao modelo atual de diagnóstico da doença. A ênfase na vida moderna e nas
relações interpessoais é especialmente frutífera. Este artigo trata dessas abordagens
psicanalíticas da depressão e analisa como elas podem ser aplicáveis à compreensão e ao
tratamento atual das causas e sintomas da depressão.

Palavras-Chave. Depressão. Perspectivas. Psicanálise.

1 INTRODUÇÃO

A depressão, diferente de muitas outras doenças psiquiátricas da atualidade,


é facilmente identificável e possui um longo histórico no catálogo de doenças
psiquiátricas. Ela acomete, em média, 264 milhões de pessoas de todas as idades, em todo
o mundo, mas, segundo a última Pesquisa Nacional de Saúde, realizada em 2019 pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a doença atinge cerca de 13% da
população entre os 60 e 64 anos de idade.

Dos primeiros estudos médicos na Grécia até o atual Manual de Diagnóstico


e Estatísticas dos Transtornos Mentais (DSM), a tristeza profunda e suas variantes como:
desespero, tristeza, desânimo, vazio têm sido mencionadas como características centrais
da depressão. Os sintomas relacionados incluíram aversão à comida, insônia, fadiga,

1
Aluno concluinte do Curso de Psicanálise do Instituto Pedagógico Brasileiro.
irritabilidade, inquietação, medo da morte, foco repetitivo em algumas ideias negativas,
falta de prazer ou interesse em atividades habituais e desprendimento social.

No entanto, importante se faz destacar a preocupação da ciência em distinguir


a tristeza profunda patológica da tristeza intensa associada a uma reação emocional
normal. Desde o advento da psiquiatria até a introdução do DSM-III em 1980, a
psiquiatria tradicional reconheceu esse “estado emocional normal”, resultante das
circunstâncias da vida e adotou uma abordagem contextual para o diagnóstico de
depressão.

No DSM-III, as várias definições não focalizavam apenas os sintomas, mas


enfatizavam que, para serem consideradas como depressão as reações depressivas devem
ser de duração ou severidade desproporcional à situação em que surgiram. Também não
foi inteiramente definido a gravidade da condição, pois a tristeza normal pode ser grave
e a depressão pode ser moderada. Ou seja, a distinção entre tristeza e desordem depressiva
dependia do grau em que os sintomas respondiam às circunstâncias, ignorando em grande
parte as complexidades do contexto, com efeitos colaterais prejudiciais para o diagnóstico
psiquiátrico.

Em 2013, Associação Psiquiátrica Americana publicou a DSM-5 e eliminou,


em grande parte, o restante da tradição contextual - a exclusão do luto - de modo que o
atual diagnóstico psiquiátrico de depressão grave é inteiramente baseado em sintomas.
De fato, os DSMs mais recentes representam uma regressão significativa dos primeiros
esforços para definir o distúrbio depressivo e separá-lo da tristeza normal.

O objetivo geral deste trabalho é compreender o conceito de depressão, sob o


olhar da psicanálise. E o problema desta pesquisa é identificar a linha limítrofe entre a
depressão e a tristeza normal, tornando possível um indivíduo responder: qual o sentido
da vida?. Para Freud2, essa resposta depende do contexto e a religião é a única instituição
que tenta dar conta de um significado por trás da vida cotidiana. E, ainda segundo Freud,
a pergunta é: o que é que a humanidade realmente quer?

A resposta também parece simples, todos buscam a felicidade. No entanto,


para a psicanálise, o mecanismo que domina o aparato mental e é a fonte de toda
felicidade é o princípio do prazer. Segundo Freud, o que chamamos felicidade no sentido

2
Sigmund Freud (1856-1939) foi um médico neurologista e importante psicanalista austríaco. Foi considerado o pai da psicanálise,
que influiu consideravelmente sobre a Psicologia Social contemporânea.
mais estrito vem da satisfação (de preferência súbita) de necessidades que foram
represadas até um alto grau" (Freud,1929). E, como já mencionado acima, o número de
pessoas com depressão só aumenta a cada ano, e o que se conclui é que a busca pela
utópica felicidade não está fácil.

Dessa forma, justifica-se a escolha desse tema de pesquisa como um


contributo teórico e prático para novas compreensões da psicanálise na identificação e
tratamento da depressão. Antes de se utilizar o conceito depressão, Freud utilizava o
termo “melancolia” para tratar do sofrimento psíquico.

A teoria psicanalítica da melancolia começou principalmente com o trabalho


de Karl Abraham e com o próprio Sigmund Freud no início dos anos 1900. O trabalho
norteador nesta área foi o Luto e Melancolia (1917) de Freud, em que utiliza sua prática
clínica para explicar a melancolia. São traçados paralelos entre esse estado melacólico e
o estado natural do luto para compreender os mecanismos psíquicos da depressão.

Muitos outros estudiosos, como Abraão (1917), Kehl (2015), Pamplona


(2002), Quinet (2002), entre outros, tentam explicar a psicogênese da condição
melancólica e a partir daí, surgem inúmeros modelos psicanalíticos da depressão, a fim
de trazer uma visão mais ampla da causa, dos sintomas e do tratamento do mal deste
século. A metodologia para a abordagem do problema de pesquisa foi a qualitativa e
bibliográfica, focada no caráter subjetivo do objeto para compreender a depressão.

2 A TEORIA FREUDIANA PARA A DEPRESSÃO

2.1 AS CAUSAS

Os estudos de Freud apresentam duas explicações possíveis para a aparente


infelicidade geral da população global: o excesso de prazer em nossa sociedade, e o
próprio estado da civilização. A primeira delas, o excedente de prazer, está novamente
ligada ao princípio do prazer, e à possibilidade de sobre-exposição, significando que
"quando qualquer situação desejada pelo princípio do prazer é prolongada, produz apenas
um sentimento de leve contentamento" (Freud, 1929, p. 264).

Em uma sociedade ocidental desenvolvida como a nossa, para a maioria das


pessoas, cada necessidade ou desejo pode ser satisfeito com um esforço mínimo. Como
nos afirma Freud, citando Goethe (1828): Nada é mais difícil de suportar do que uma
sucessão de dias bonitos. A vida moderna tornou-se uma sucessão de "dias bonitos", com
padrões de vida em ascensão nos países ocidentais, juntamente com taxas de depressão.

De acordo com o relatório de 2017 da OMS sobre a Carga Global de Doenças:

O número de pessoas que vivem com depressão aumentou 18% entre 2005 e
2015. É o que aponta um novo relatório global lançado pela Organização
Mundial da Saúde (OMS). No Brasil, a depressão atinge 11,5 milhões de
pessoas (5,8% da população), enquanto distúrbios relacionados à ansiedade
afetam mais de 18,6 milhões de brasileiros (9,3% da população). O relatório
‘Depressão e outros distúrbios mentais comuns: estimativas globais de saúde’
aponta que 322 milhões de pessoas em todo o mundo vivem com este
transtorno mental, a maioria mulheres.(OMS, 2017)

O conceito de sobre-exposição de Freud, baseado no princípio do prazer, pode


oferecer uma explicação para a prevalência da depressão nos países desenvolvidos. De
acordo com esta teoria, o prazer é, por um lado, onipresente e, por outro, inatingível, pois
nos tornamos quase mortíferos para a experiência.

A segunda explicação de Freud para o sentimento universal de mal- estar


envolve olhar para a própria sociedade e seu efeito sobre o indivíduo. Em sua obra Luto
e Melancolia (1929), ele afirma que há três fontes de sofrimento para um ser humano. A
primeira é o sofrimento infligido pelo próprio corpo, que está inevitavelmente sujeito a
doenças e ao envelhecimento e é propenso a sentimentos de dor e ansiedade. A segunda
é o sofrimento proporcionado pelo mundo natural e por influências externas. E a terceira,
e a mais dolorosa, é a dor que vem das relações com outros seres humanos. As duas
primeiras destas fontes, na opinião de Freud, são imutáveis e devem ser aceitas. No
entanto, a dor causada pelas relações sociais surge como resultado do estado da
civilização como podemos observar na citação de Freud abaixo:
Das três precondições da melancolia — perda do objeto, ambivalência e
regressão da libido ao ego —, as duas primeiras também se encontram nas
auto-recriminações obsessivas que surgem depois da ocorrência de uma
morte. Indubitavelmente, nesses caso é a ambivalência que constitui a força
motora do conflito, revelando-nos a observação que, depois de determinado o
conflito, nada mais resta que se assemelhe ao triunfo de um estado de mente
maníaco. Somos levados assim a considerar o terceiro fator como o único
responsável pelo resultado. O acúmulo de catexia que, de início, fica
vinculado e, terminado o trabalho da melancolia, se torna livre, fazendo com
que a mania seja possível, deve ser ligado à regressão da libido ao narcisismo.
(FREUD, 1930)

Para Freud, a civilização impõe restrições a nossos instintos básicos. Isto está
relacionado à construção do inconsciente em três partes: o ID, que é composto de nossos
desejos básicos e mais primordiais; o ego, que controla os desejos do ID e os traduz em
comportamentos que são expressíveis no mundo real; e finalmente, o superego, que
interioriza as regras morais e culturais da sociedade em que vivemos.

Com o desenvolvimento do superego, e as normas culturais que somos


forçados a seguir, não somos livres para satisfazer os impulsos primordiais do ID, pois
aceitamos as regras da sociedade como obrigatórias, e ir contra elas é arriscar a expulsão
desta sociedade. O prazer primordial tem sido trocado pela segurança e estabilidade que
viver em uma sociedade civilizada nos oferece.

De certa forma, é como se a satisfação do ID fosse lutar por uma grande fatia
de um bolo pequeno, enquanto que obedecer ao superego nos oferece uma fatia menor de
um bolo maior. Fazer parte de uma sociedade garante que nossas necessidades possam
ser satisfeitas com regularidade.

Em resposta a esta aceitação das regras da civilização, alguns psicanalistas


trazem à baila a discussão da depressão na perspectiva psicanalítica.

Teixeira (2008) afirma que:

(...) a psicanálise tem a dizer que ela não reprova a depressão como o conjunto
atual de nossa cidade faz. A psicanálise concede, desde Freud, sua margem de
razão ao sujeito deprimido, na medida em que reconhece o valor de verdade
que seu sofrimento revela enquanto condição de desamparo que nos é inerente
(TEIXEIRA, 2008, p. 29).
Kehl (2015), autora de O tempo e o cão - obra que busca analisar a
experiência da clínica psicanalítica com pacientes deprimidos afirma que

Ao considerar o descompasso entre a dimensão temporal intrapsíquica e a


social, a velocidade da sociedade contemporânea torna-se violenta quando
encontra o tempo desajustado do depressivo; o tempo de cada sujeito depende
da sua relação com o desejo e com o Outro. Assim sendo, o sujeito se formula
como desejante a partir do intervalo sempre em aberto que pulsa entre o tempo
próprio da pulsão e o tempo urgente da demanda do Outro (KEHL, 2015, p.
112).

Machado & Ferreira (2014) critica os DSMs, afirmando há um caráter


reducionista dos pontos considerados para a construção dos quadros diagnósticos, uma
vez que desconsideram os aspectos psicossociais e a subjetividade do indivíduo.

Assistimos ao processo de medicalização da vida, em que problemas exteriores


ao corpo biológico são transformados em distúrbios, transtornos e disfunções
biológicas passíveis de tratamento medicamentoso, entre os quais o carro-
chefe é a depressão. A depressão, mais do que um transtorno de humor, passa
a ser um modo de subjetivação. Em outros termos, ser “deprimido” é uma
identidade, um modo de produzir sujeitos medicalizados que se definem a
partir do que os acomete (MACHADO & FERREIRA, 2014, p.136).

Tomando a civilização como a causa de um sentimento universal de


descontentamento, não é surpreendente que, em nossa sociedade moderna, na qual os
indivíduos dependem em grande parte das relações sociais e de um senso de comunidade,
a depressão tenha se tornado cada vez mais prevalecente.

Embora essas teorias ofereçam uma explicação para a depressão na população


geral, Freud também sugere algumas teorias para a psicogênese da depressão em um
indivíduo específico. Freud (1917) observa as semelhanças entre os estados de luto e
melancolia. Ele descreve o luto como uma resposta a uma perda real de um objeto de
amor, como uma pessoa, ou mesmo um ideal. Por outro lado, na melancolia, o paciente
não pode conscientemente compreender o que perdeu.

Abraham (1927) também oferece algumas causas possíveis para a depressão,


com base em seu trabalho clínico. Ele expõe quatro fatores que são necessários para a
psicogênese da depressão. O primeiro está ligado aos cinco estágios do desenvolvimento
psicossexual, que são oral, anal, fálico, latência e, finalmente, genital. Uma criança deve
passar com sucesso por cada um destes estágios a fim de se tornar um adulto
psicologicamente saudável, enquanto a fixação em qualquer estágio pode persistir na vida
posterior e resultar em neurose adulta. Abraham acreditava que o paciente melancólico
está fixado no estágio oral e assim enfatiza demais o erotismo oral na vida posterior. Em
segundo lugar, o paciente também terá experimentado desilusões de amor na infância,
desde cedo e de forma repetida. Em terceiro lugar, é provável que a primeira dessas
decepções tenha ocorrido antes que os desejos edipianos - em que o ídolo da criança
deseja afastar o pai e se reunir com a mãe, mas é impedido de fazê-lo pelo realismo do
ego.

Estes primeiros conceitos psicanalíticos se baseiam no trabalho clínico de


Freud e Abraham para tentar encontrar exatamente o que causa a melancolia. Estas teorias
funcionam tanto em nível social quanto individual e oferecem algumas explicações para
a prevalência e a causa da depressão.

2.2 OS SINTOMAS

Os sintomas da depressão são bem conhecidos e são frequentemente


encontrados em graus variados na vida cotidiana, mas o estado patológico foi definido
diagnosticalmente por Freud e, posteriormente, na modernidade, pelo DSM.

Freud, em sua obra Luto e Melancolia (1917), descreve o estado de depressão


como:

Mentalmente caracterizado por uma depressão profundamente dolorosa, uma


perda de interesse no mundo exterior, a perda da capacidade de amar, a
inibição de qualquer tipo de desempenho e uma redução no sentido de si
mesmo, expressa em auto-recriminação e insultos autodirigidos,
intensificando-se na expectativa ilusória de punição (Freud, 1917, p. 204).

O atual critério diagnóstico da depressão (como detalhado no DSM) se baseia


em elementos similares e descreve os sintomas da seguinte forma: tristeza, perda de
interesse no mundo exterior, sub ou sobrealimentação, sub ou sobredormimento, perda
de energia, sentimentos de inutilidade e pensamentos recorrentes de morte (APA, 2014).

Como já foi observado, Freud afirma que o luto e a melancolia são respostas
a uma perda, seja ela consciente ou inconsciente. A apatia encontrada em ambos os
estados deve-se à exclusiva devoção ao luto que não deixa espaço para o interesse no
mundo exterior. Ambas as condições resultam em inibição e perda de interesse, já que o
ego é absorvido no trabalho de luto. Segundo Freud (1017):

Esta absorção do ego também é responsável pela insônia comumente


associada à depressão, que se deve à impossibilidade de efetuar o
arrastamento geral dos catexias necessários para dormir. Pode facilmente se
mostrar resistente ao desejo do ego de dormir (Freud, 1917, p. 205).

O sintoma mais característico da melancolia é a perda da auto-estima,


característica dos estados de humor depressivos. O mecanismo por trás desta perda de
auto-estima é explorado em profundidade por Freud. No decorrer da vida normal, o
inconsciente de um indivíduo faz uma escolha de amor-objeto, e um vínculo é formado
entre a libido do indivíduo e este objeto. Se algo deve ocorrer entre os dois, como um leve
ou decepção, este vínculo está sujeito a um choque. Em um estado normal, não
melancólico, este choque resultaria na retirada da libido do amor-objeto e sua
transferência para um novo objeto.

Entretanto, no estado patológico de depressão, esta extensão da libido é, ao


invés disso, atraída de volta ao ego. Isto resulta na identificação do ego com o objeto
odiado e abandonado. Assim, o ego, ao considerar-se comparável ao objeto odiado,
começa a se injuriar igualmente, resultando na auto- repreensão que é comumente
observada.

Desta forma, argumenta Freud, todas as auto-repreensões sentidas pelo


paciente melancólico são, na verdade, acusações contra um objeto amoroso que foram
transferidas para o próprio ego do paciente. Cada sentimento negativo que o paciente
sente em relação a si mesmo era originalmente dirigido à outra pessoa. Se este não fosse
o caso, o paciente, que afirma sentir-se indigno e inferior, sem dúvida agiria de maneira
humilde e submissa àqueles que o rodeiam, o que não tem sido constantemente observado,
como podemos observar:
Um exemplo instrutivo dessa forte inibição geral de curta duração eu pude
observar num doente obsessivo que, em situações que claramente deveriam
produzir uma explosão de raiva, sucumbia a uma fadiga paralisante que
durava um ou vários dias. A partir daí deve ser possível encontrar uma via
para compreender a inibição geral que caracteriza os estados de depressão,
incluindo o mais grave deles, a melancolia (FREUD, 1926, p.14).

Abraham (1923) defende a ênfase do elemento sádico da melancolia como


sendo a fonte da auto-repreensão. Ele, como Freud, infere que o estado depressivo vem
de sentimentos hostis reprimidos em relação ao amor-objeto. O sujeito tenta
constantemente obter a posse do amor-objeto, e é hipersensível a todos os seus mínimos.
O sujeito então acredita de todo o coração em sua própria onipotência, na medida em que
causou dor e sofrimento a seu objeto de amor. Como resultado, o sujeito se permite ser
atormentado por este objeto de amor. De acordo com Abraham (1923):

Este processo que está no coração do auto-castigo melancólico e a sensação


de ser a pior pessoa do mundo vêm de duas fontes - a identificação do
melancólico com o odiado objeto de amor e a percepção interior de ser uma
fonte de grande sofrimento para este objeto de amor (ABRAHAM, 1923, p.45).

A característica mais estranha e interessante da depressão é, para Freud, as


tendências suicidas que muitas vezes a acompanham. Isto parece estar em oposição ao
impulso mais forte presente em todos os seres vivos: o impulso em direção ao prazer e,
de fato, em direção à própria vida. É o amor-próprio do ego que cria em nós o impulso
esmagador para viver, e é o estado primordial a partir do qual a vida instintiva procede.

É através do sadismo do ego que ocorrem os impulsos suicidas característicos


da depressão, o "auto-tormento indubitavelmente agradável da melancolia" (Freud, 1917,
p.211). Somente reconhecendo o deslocamento de qualquer negatividade em direção ao
amor-objeto sobre o próprio ego do paciente, e o sadismo envolvido nisso, podemos
entender como o ego poderia possivelmente superar o mais primordial dos impulsos e
procurar se matar.

Almeida (2002), um nome mais atual na psicanálise, retoma que, na


depressão, o sujeito renuncia de si mesmo; para não enfrentar a falta, ele abandona o vetor
do desejo, ficando assim estagnado. Segundo a autora, a renúncia do depressivo “só pode
ser verificada por meio de sua fala; para isso, é necessário que alguém a escute”
(ALMEIDA, 2002, p.121), delineando assim a importância da intervenção e da escuta
psicanalítica no contexto da depressão:

Nessa querela, portanto, o significante “depressão” aparece como tentativa


de significar “tudo” que se deveria escutar em relação à dor de existir da
falta-a-ser, e certamente não devemos ‘foracluir’ o singular de cada sujeito e
a estrutura de linguagem que ele se inscreve (ALMEIDA, 2002, p. 121).

2.3 O TRATAMENTO

O tratamento da depressão no trabalho psicanalítico era inicialmente de


natureza pessimista e envolvia tornar o paciente consciente de seus impulsos reprimidos
(Mendelson, 1974). Abraham (1923) acreditava que o tratamento deveria aliviar os
sintomas, mas também proteger contra outros ataques, livrando-se dos impulsos
libidinosos regressivos do paciente.

Entretanto, Jacobson (1954) afirma que, para alguns pacientes, não é possível
levar a análise ao ponto de produzir e interpretar suas fantasias e impulsos pré-edipais.
Ela acredita que os pacientes serão inevitavelmente submetidos ao fenômeno da
transferência, onde os sentimentos e desejos que foram dirigidos a uma pessoa serão
inevitavelmente transferidos para outra. Desta forma, ela acredita que o paciente
deprimido fará do terapeuta seu objeto de amor central e o foco de suas demandas
patológicas.

A terapia para pacientes melancólicos é compreensivelmente exigente.


Fenichal (1945) resumiu as dificuldades que devem ser superadas no tratamento
terapêutico da depressão. A primeira é a fixação oral do paciente, que deve ser analisada
através de experiências infantis cruciais. A segunda é a ambivalência da transferência de
sentimentos inconscientes para o terapeuta. A terceira é a inacessibilidade, tanto
emocional quanto comunicativa, do paciente deprimido.

A terapia psicanalítica tradicional para depressão foi um processo prolongado


que parecia revelar material emocional inconsciente usando técnicas de livre associação.
O foco hoje em dia é a catarse emocional no contexto de uma relação paciente/terapeuta
estável, de longo prazo e bem definida. (CUNHA3, 1997).

Se envolver emocionalmente pode propiciar que os comportamentos


clinicamente relevantes advindos de outros ambientes interpessoais na vida
do cliente, surjam também no setting terapêutico, onde podem ser trabalhados
de forma direta enquanto estão ocorrendo. Para trabalhar dessa maneira, o
terapeuta deve abrir-se para ser tocado pelo cliente. Essa abertura para o
imprevisto é necessária. O que acontecerá no relacionamento será diferente
para cada cliente. Entretanto, se o valor de um tratamento deve ser avaliado
em termos de seu uso clínico, então a terapia psicanalítica para a depressão
deve ser encontrada como carente, pois seu uso como tratamento autônomo
não é mais comum. (CUNHA, 2019)

Apesar de esse artigo ser uma breve abordagem, fica evidente que a
psicanálise é rica em contribuições ao tema e pode ser extremamente útil no auxílio de
casos de depressão de difícil tratamento.

3 METODOLOGIA

Para o desenvolvimento da pesquisa foram utilizados os métodos qualitativos,


bibliográficos e a análise dos autores acerca da Teoria Psicanalista A metodologia para a
abordagem do problema de pesquisa foi a qualitativa, focada no caráter subjetivo do
objeto para compreender as perspectivas da psicanálise sobre a depressão.
Segundo Godoy (1995):

A pesquisa qualitativa não procura enumerar e/ ou medir os eventos


estudados, nem emprega instrumental estatístico na análise dos dados. Parte
de questões ou focos de interesses amplos, que vão se definindo à medida que
o estudo se desenvolve. Envolve a obtenção de dados descritivos sobre
pessoas, lugares e processos interativos pelo contato direto do pesquisador
com a situação estudada, procurando compreender os fenômenos segundo a
perspectiva dos sujeitos, ou seja, dos participantes da situação em estudo.
(GODOY, 1995, 56)

3
Manifestações Emocionais do Terapeuta Durante as Sessões: Por que Arriscar-se e Quais Benefícios Esperar?
https://www.scielo.br/j/pcp/a/phDt5DLrpDCLzfvwYSG3QMQ/?lang=pt
A metodologia qualitativa inicia-se com questões de interesses extensos, e na
medida do prosseguimento da pesquisa, vão se elucidando de acordo com as hipóteses
apresentadas no presente artigo.

A pesquisa bibliográfica foi realizada pelo levantamento de referências


analisadas e publicadas em livros, documentos, artigos científicos, revistas e meios
eletrônicos sobre o problema proposto. A seleção dos conteúdos foi baseada nos estudos
de Freud, entre outros, visando atingir o objetivo proposto neste trabalho.

Os dados utilizados foram trabalhados, estudados e pulverizados num


universo extenso, com muita disciplina e dedicação, proporcionando o material
necessário para impossibilitar qualquer dúvida proveniente do tema, pois todos estão bem
distribuídos e fundamentados, tratando-se de um tratamento qualitativo.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O artigo abordou a teoria psicanalítica pode oferecer algumas ideias sobre as


causas, sintomas e tratamento da depressão. Entretanto, há algumas lacunas na literatura
que ainda precisam ser preenchidas. Mendelson (1974), por exemplo, observa que a
literatura mais moderna ignora amplamente o tratamento da depressão por meios
psicofarmacológicos.

O objetivo geral deste trabalho identificar o conceito de depressão, sob o olhar da


psicanálise foi atendido com sucesso, por meio de análise de autores que dispõem de
estudos acerca do tema. Para alcance dos objetivos específicos foi feita, nesta pesquisa,
uma análise bibliográfica acerca da depressão. A metodologia para a abordagem do
problema de pesquisa foi à qualitativa, focada no caráter subjetivo do objeto para
compreensão das causas e sintomas da depressão.

Logo após isso, foi feito um detalhamento da teoria freudiana da depressão. Os


estudos de Freud demonstraram duas explicações possíveis para a aparente infelicidade
geral da população global: o excesso de prazer em nossa sociedade, e o próprio estado da
civilização.
Enfim, foi feita uma análise criteriosa sobre o tratamento psicanalítico e a
eficácia dos medicamentos, o que, embora não seja uma solução em si, levanta algumas
questões teóricas a respeito da psicogênese e da sintomatologia da depressão. Outra crítica
possível ao tratamento psicanalítico da melancolia é a simplificação excessiva de suas
causas.

Dessa forma, a depressão, que não tem aparente motivação, está se tornando
cada vez mais comum e não é plausível que cada um desses deprimidos tenha sido sujeito
a uma perda ou ligeira de seu amor-objeto. Entretanto, o número crescente de deprimidos
pode ser atribuído ao estado de nossa sociedade moderna e não a uma perda de objetos
específicos.

Concluiu-se, assim, que a teoria psicanalítica pode oferecer pelo menos


alguns conhecimentos valiosos sobre a causa, sintomatologia e tratamento da depressão,
mas seu uso não deve ser confiado à exclusão de outros métodos de investigação.

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