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Introdução
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Trabalho apresentado no I Congresso de Cuidado em Saúde Mental da Universidade Federal da Paraíba,
em 20 de outubro de 2020.
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Psicólogo. Psicanalista. Professor Associado do Departamento de Psicologia e Professor Permanente do
Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Sergipe. Autor dos livros
“Psicopatologia crítica” (Editora UFS, 2012), “Freud e a narrativa paranoica” (EDUSP, 2014) e “A
psiquiatria do DSM” (Editora UFS, 2015).
psíquica (personalidade); refere-se à alteração patológica que surge sem clara relação ou
nexo causal com a personalidade pré-mórbida, de forma não compreensível (natureza
endógena). Pode-se entender a depressão endógena como um processo depressivo
associado à vivência de insuficiência radical (tristeza vital). Caracteriza-se pela irrupção
de uma fase depressiva alternada com períodos de relativa normalidade. No decurso das
fases depressivas, é muito difícil estabelecer vínculo psicoterapêutico adequado com o
paciente devido à ausência de investimentos afetivos de sua parte. O paciente perde o
repertório e não tem do que falar, silenciando-se. A hipotimia e a inibição psicomotora
(que pode chegar ao estupor) tendem a predominar no quadro clínico.
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O diagnóstico estrutural psicanalítico concebe a “neurose”, a “perversão” e a “psicose” como estruturas
subjetivas que resultam da travessia do complexo de Édipo e de tomadas de posição frente à ameaça de
castração. Em vez de representarem doenças, representam modos de ser ante a linguagem, portanto, esse
diagnóstico não implica uma patologização, antes denota uma relação do sujeito com seu desejo.
da psicanálise dos manuais nosográficos, com correlata recusa da subjetividade,
implicou o abandono da distinção qualitativa entre as depressões. Assim, as depressões
foram reunidas no grupo dos “transtornos do humor”, sendo entendidas como variações
quantitativas (de intensidade: leve, moderada e grave) de um mesmo fenômeno
psicopatológico subjacente: a disfunção cerebral. Isso tem implicado a uniformização
das condutas terapêuticas para os quadros depressivos em torno da prescrição
medicamentosa – isso na melhor das hipóteses, quando não se usa o que se designa
eufemisticamente por “eletroestimulação cerebral”. A mímesis científica do modelo
biomédico adotado pela nosografia psiquiátrica implicou a morte do sujeito em prol da
reificação do cérebro. Nunca se esteve tão distante da máxima hipocrática segundo a
qual importa mais a pessoa que tem a doença do que a doença que a pessoa tem.
Urge assim um retorno a Freud e a sua clínica, tanto sutil quanto rigorosa, na
distinção qualitativa entre o luto e a depressão.
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O termo Trauer, utilizado por Freud em alemão, significa tanto “luto” quanto “tristeza”.
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Selbstachtung: respeito por si mesmo.
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Com base em Spinoza, Jacques Lacan denuncia a dimensão de “covardia moral” [lâcheté morale] do
afeto depressivo, na medida em que ele indica uma frouxidão, isto é, uma ausência de tensão necessária
ao exercício lógico do pensamento, entendido como ética do bem-dizer. “A falta de vontade constante do
sujeito depressivo corresponde, em certo sentido, a uma recusa ética de situar, através do pensamento, a
estrutura simbólica que o determina no inconsciente” (Teixeira, 2008, p. 30). O depressivo “amarela” –
como se diz popularmente – a se lançar nos desfiladeiros do significante, numa atitude acovardada típica
de um “frouxo”. Não se deve, entretanto, tomar essa posição ética como julgamento moral.
interesse por si mesmo. Talvez a consideração de um critério atrelado a tal esvaziamento
egóico como necessário ao diagnóstico de depressão pelos manuais contemporâneos –
que se limitam a listar uma genérica e confusa “perda de interesse” – pudesse
restabelecer o seu diagnóstico diferencial com o luto, contribuindo com a deflação
diagnóstica desta categoria. Tal critério exigiria sutileza clínica dos diagnosticadores,
coisas de fineza, para além da mera aplicação de protocolos avaliativos.
Considerações finais
FREUD, S. (1917) Luto e melancolia. In: Obras completas, vol. 12. Trad. Paulo César
de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, p. 170-194.
JASPERS, K. (1913) Psicopatologia Geral: psicologia compreensiva, explicativa e
fenomenologia. 2 vols. Rio de Janeiro/São Paulo: Livraria Atheneu, 1985.
MBEMBE, A. Necropolítica. São Paulo: N-1 Edições, 2018.
MOYNIHAN, R.; HEATH, I.; HENRY, D. Selling Sickness: the Pharmaceutical
Industry and Disease Mongering. BMJ, 324(7342): 886–891, abr. 2002. Disponível em:
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PARIS, J. The Mistreatment of Major Depressive Disorder. Can. J. Psychiatry, 59(3):
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TEIXEIRA, A. Depressão ou lassidão do pensamento? Reflexões sobre o Spinoza de
Lacan. Psic. clin., 20(1): 27-41, 2008. Disponível em:
https://www.scielo.br/pdf/pc/v20n1/02.pdf. Acesso em: 14 out. 2020.