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MOREIRA, Ana Cleide Guedes. Clínica da melancolia. São Paulo: Escuta/Edufpa, 2002.

CAPÍTULO 4 – A CONCEPÇÃO FREDIANA DA MELANCOLIA

No escuro de um porão psíquico restam, quase inacessíveis, as fantasias-guardiães do abrigo


da sombria figura que torna, a nós humanos, de vez em quando, sua presa, mortalmente
ferida.
Pura cultura da pulsão de morte, como ensinou Freud, a melancolia reside onde também se
encontram "... impulsos primitivos, selvagens e maus da humanidade, que não desaparecem
em nenhum indivíduo, mas continuam a existir embora num estado reprimido, aguardando
oportunidade para manifestar sua atividade" (p. 45)
"trabalho do luto", ou seja, uma vez que o teste da realidade revelou que o objeto não existe
mais, surge a exigência de que toda libido seja retirada de suas ligações com ele. Porém, as
pessoas nunca abandonam de bom grado uma posição libidinal, nem mesmo quando um
substituto já lhes acena, de modo que este imperativo só será executado pouco a pouco,
com grande dispêndio de tempo e de investimento, prolongando-se psiquicamente, nesse
período, a existência do objeto perdido (p. 46)
também pode constituir uma reação à perda de um objeto amado, que, como no luto, pode ser
de natureza mais ideal, como a liberdade ou a pátria, o que significa que não tenha
havido a morte do objeto, mas apenas que ele tenha ficado perdido como objeto de amor (p.
46)
uma perda objetal retirada da consciência. É possível que o sujeito saiba quem perdeu, mas
não "o quê" perdeu nesse objeto. O que importa assinalar aqui é que se a alguns a perda
conduz ao trabalho do luto, a outros precipita nos abismos melancólicos (p. 46)
o discurso aflitivo do melancólico está eivado de autocríticas, de tal modo exacerbadas que
fica evidente que algo mais fica perdido: o amor-próprio. Como diz Frend (1917), no
melancólico observa-se uma acentuada (p. 47)
insistente comunicabilidade, que encontra satisfação no desmascaramento de si mesmo, o que
faz surgir um problema: a analogia com o luto levou a concluir que ele sofrera uma perda
relativa a um objeto; entretanto, o que o melancólico revela indica uma perda relativa a seu
ego. Eis aí a encruzilhada: perdido o objeto, em vez do trabalho do luto, na melancolia o ego
resultará dividido, prisioneiro de um conflito no qual a "instância crítica", que dará origem
mais tarde ao conceito de superego, como denominado por Freud, entra em luta contra a outra
parte do ego que, modificada pela identificação, é habitada pelo objeto. (p. 47)
Em outras palavras, se o trabalho do luto, de desmantelamento progressivo dos investimentos
libidinais do sujeito sobre o objeto não se pode realizar, outro processo tem lugar, no qual a
retirada da libido para o ego arrasta consigo o objeto, pela via da identificação, instalando o
conflito com o objeto amado dentro do ego, agora a sua mercê (p. 47)

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