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Na prática clínica com estes pacientes, torna-se inevitável interrogar-se sobre o papel de
evitação do outro sexo presente no recurso ao álcool.
o casamento com o vinho é visto como algo fora do comum tendo em vista que o sujeito
aí não está em nada preocupado com os impasses do sexo.
Ser toxicômano seria, então, um recurso em face do impasse de uma neurose ou,
mesmo, de uma psicose.
Lacan extrai essa função separadora da droga da análise da eclosão da fobia do pequeno
Hans, na qual tudo oscila em torno de um jogo de logro realizado diante da mãe.
A criança vê-se confrontada com o desejo devorador da mãe, desejo fortemente
insatisfeito e marcado pela procura de algo que seria apto a acalmá-la. A angústia
eclode no momento em que seu “pequeno pipi” desperta e ele se sente casado com o
falo.
outro. Esse Outro que demanda ao sujeito que se inscreva sob as insígnias de trabalho,
amor, paternidade ou maternidade, descendência, etc.
Assim sendo, nesse amálgama que se acaba de assinalar, a droga torna-se objeto de uma
necessidade imperiosa, em que a satisfação solicitada não aceita nem prazos, nem
substituição de objetos. A droga posta em posição de parceiro não deve implicar uma
assimilação simplista ao objeto da pulsão ou ao objeto do fantasma. A falta-a-ser, nessas
situações, não parece provocada por um objeto não-nomeável e irrecuperável, mas por
um artifício, que, sob o invólucro do objeto da demanda, mascara o sujeito do desejo. O
que se designa como artifício da droga não é, portanto, um sucedâneo do objeto sexual
substitutivo porque lhe falta o valor fálico. Esse modo preciso de operar um curto-
circuito na sexualidade equivale à dificuldade do toxicômano em suportar as coações
relacionais impostas pela função fálica.
Não existe, na obra de Freud, um artigo reservado, na sua totalidade, aos fenômenos do
alcoolismo ou da toxicomania. Em compensação o papel das substâncias tóxicas, em
particular o do álcool, é nela evocado como um meio de consolo, de desinibição e até de
defesa. Às vezes mesmo, o estatuto da causa é sustentado por essa substância,
considerando-se a satisfação que se encontra mencionada.
o que ele chama a "relação do bebedor com o vinho" faz exceção às modalidades da
escolha do objeto e, mais geralmente, às condições da relação de amor.
A essas duas teses de alcance muito geral - uma colocando a clivagem do objeto
amoroso e a outra, a atração que ele produz - Freud, numa comparação no mínimo
surpreendente, atribui o apego do bebedor ao vinho, como fazendo exceção. Vale a pena
detalhar essa objeção.
procura suprir a incapacidade da pulsão sexual para reunir homem e mulher. Por isso, o
casamento com o vinho é fora do comum, visto que não se importa com os impasses do
sexo.
lei não está ausente do Outro do bebedor, mas as distâncias que mantém dela não
atrapalham sua busca do objeto. O bebedor, insiste Freud, não experimenta nenhuma
necessidade de chegar a um país onde reina uma proibição qualquer para dar um novo
ardor ao seu gosto pelo vinho. Apesar de suas fanfarrices, ele não alimenta nenhuma
contestação séria para
operação pela qual se entrega o bebedor pretende restabelecer a preeminência de um
corpo pleno, que não busca subtrair-se aos efeitos de recorte do significante sobre o
organismo, mas, sim, afastar o limite, no qual a linguagem não teria mais uma função
separadora.
Como vimos, Freud, a propósito, comprova uma exigência teóriea que não hesita em
sair das coordenadas da cura. Na sua forma geral, ele menciona o recurso aos
estupefacientes e ao álcool como o meio de aliviar-se dos golpes de sorte, do
insuportável, isto é, do que não é passível de cura. E, mais ainda, esse insuportável não
se liga tanto a um real odioso quanto àquilo que não se pode dizer, um impossível. Não
nos refazemos do impossível e Lacan convidará os psicanalistas a compreender como o
ser falante faz dele flores de retórica.
um jeito de ser, ou, ainda, para falar como Freud, por um traço de caráter.
o amor pelo vinho ou pela droga não é nostálgico, é amor pelo mesmo. p. 59
Droga e álcool encarnam um mais-gozar pronto para uso, cuja obtenção não impõe a
renúncia vinculada à interdição que atinge o gozo fálico. É por um simples gesto que ele
é engolido pelo corpo, como fazer que libera o sujeito da vacilação do fantasma e se
opõe, assim, à dimensão do ato. Ora, só o ato portador de inconsciente é suscetível de
interpretação. A ingestão da droga como tal é ininterpretável.
Nesse discurso, o gozo está liberado das exigências do parceiro. Nesse sentido, a
embriaguez pode ser dita, também, gozo do idiota, aquele do mais extremo particular.
Ele se constrói sobre uma ruptura, não só com o parceiro sexual mas também o corpo,
como assexuado. Resume Lacan: "A droga é aquilo que vem romper o casamento com o
pequeno pipi”.
À droga rompe, é uma secção, não uma sexão.
Mas será verdade que, com a satisfação de uma pulsão, seu valor psíquico em geral
também diminui tanto?
Por que será tão diferente a relação do amante com seu objeto sexual?
Creio, por mais estranho que possa soar, que devemos
considerar a possibilidade