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A droga a serviço da pulsão de morte

Alexandra de Gouvêa Vianna


Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Psicologia Clínica da PUC-Rio
(Rio de Janeiro, Brasil)
Mestre em Psicologia Clínica pela PUC-Rio (Rio de Janeiro, Brasil)
Membro do Projeto Despertar1 e do Projeto Acolher2
Participante da Escola Letra Freudiana (Rio de Janeiro, Brasil)
e-mail: agvianna@gmail.com

Assim, é importante levar em consideração o valor de identidade que as


toxicomanias conferem, pois o reforço do diagnóstico de dependência química
enquanto identidade cristaliza ainda mais o indivíduo nessa posição. Faz-se
necessário, em contrapartida, apontar como direção para o tratamento outros
modos de inserção no social. Visto que a droga cumpre a função de encobrir o
embaraço do sujeito com o seu desejo inconsciente, será a partir da escuta da
relação - sempre singular - construída com a droga que torna possível pensar a
direção do tratamento.

Por conseguinte, o intuito deste estudo é focar no sujeito e não na droga


considerada isoladamente, uma vez que a droga em si não diz nada sobre o
sujeito. Como escreve o psicanalista francês Marcos Zafiropoulos, “o
toxicômano não existe” (Zafiropoulos, 1994, p. 18). O que existem são sujeitos
que fazem uso de diversos tipos de droga de formas sempre singulares.

apenas na singularidade de cada caso seja possível apreender a função que a


droga ocupa para o sujeito

A droga se apresenta em seu discurso como um artifício que mascara o


sintoma, impedindo que o mesmo seja transformado em enigma.

Não obstante, na compulsão à droga o sujeito se encontra impedido de


alcançar uma elaboração psíquica. Impossibilitado de passar à palavra,
ele passa ao ato. 

Ao recusar as técnicas sublimatórias da civilização e se lançar nas


toxicomanias, o sujeito assinala para uma tentativa de tratamento
médico do seu mal-estar, abdicando de seu lugar enquanto sujeito
desejante. 
De modo recorrente, o uso da droga está relacionado a um momento
em que o sujeito se vê sem recursos para lidar com as exigências e
frustrações da cultura, buscando nela um artifício de suspensão diante
da angústia. Logo, as recaídas cumprem a função de regulação da
angústia provocada pela relação do sujeito com o desejo. Nesse
sentido, a recaída promove uma suspensão que o liberta de seu mal-
estar, ainda que momentaneamente. E a compulsão que resulta da
busca constante deste artifício faz com que o sujeito se oculte na droga
e deixe de se apropriar de outros recursos para lidar com a angústia.

Inem (2004) enfatiza que o toxicômano realiza um fazer em detrimento


do dizer em sua tentativa de tamponar a falta engendrada pela
castração, operando uma narcose do desejo. Para a autora, nas toxicomanias
o sintoma se apresenta em sua vertente de gozo, “cuja insistência pulsional
obriga o sujeito a repetir o impossível de ser articulado na cadeia
significante” (Inem, 2004, p. 91). No entanto, a angústia sempre retorna
para ele, evocando a castração:
“Assim, o dito de um sujeito, ‘tive uma recaída’, ao se referir ao ato de voltar a usar
drogas, pode ser relacionado ao retorno, à ‘re-caída’ na angústia, à evocação da
castração, o que faz com que recorra e/ou re-caia na mesma estratégia para evitar
se confrontar com o ‘rochedo da castração’” (Inem, 2004, p. 92).

A suspensão frente à angústia e ao desejo através do uso da droga se


aproxima da concepção de uma força que conduz o ser vivo para o
estado inorgânico, metáfora utilizada por Freud (1920) ao se referir à
pulsão de morte. A destituição de si mesmo enquanto sujeito desejante
que deriva do ato de se drogar é o que aponta para as toxicomanias
como um artifício a serviço da pulsão de morte.

É sob este aspecto que proponho um olhar sobre as toxicomanias a partir do


conceito de pulsão de morte em seu caráter conservador de resistência à
mudança e repetição do mesmo, uma vez que a pulsão de morte e a compulsão
à repetição vêm dar conta na teoria dessa força que produz sofrimento. A droga
resguarda apenas momentaneamente o sujeito da dor, pois passado o seu
efeito a angústia retorna. Nesse circuito vicioso, a compulsão à droga conduz a
um aprisionamento na dor.

Segundo Aulagnier (1985), a satisfação proveniente da pulsão de morte


não depende de um objeto, mas de um ato. Ou seja, é a única pulsão
efetivamente autônoma, ao contrário da pulsão de vida que necessita
investir em objetos para alcançar satisfação. A ausência de objetos que
poderiam ser investidos por Eros a fim de satisfazer um certo número de ideais
é o fator que deixa uma via livre para a pulsão de morte, cuja meta
corresponde ao desejo do não-desejo ou à recusa de desejar. A pulsão de
morte se manifesta como resposta ao excesso de sofrimento engendrado pelo
excesso de trabalho psíquico vivido pelo sujeito.

“Na neurose, a pulsão de morte só pode triunfar porque o eu recusa o sofrimento


causado pela ausência de um prazer ao qual ele não quer renunciar, embora a
eventual realização de um tal prazer implique a culpabilidade de se ter transgredido
a interdição do incesto” (Aulagnier, 1985, p. 162).

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