Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Psicologia Clínica da PUC-Rio (Rio de Janeiro, Brasil) Mestre em Psicologia Clínica pela PUC-Rio (Rio de Janeiro, Brasil) Membro do Projeto Despertar1 e do Projeto Acolher2 Participante da Escola Letra Freudiana (Rio de Janeiro, Brasil) e-mail: agvianna@gmail.com
Assim, é importante levar em consideração o valor de identidade que as
toxicomanias conferem, pois o reforço do diagnóstico de dependência química enquanto identidade cristaliza ainda mais o indivíduo nessa posição. Faz-se necessário, em contrapartida, apontar como direção para o tratamento outros modos de inserção no social. Visto que a droga cumpre a função de encobrir o embaraço do sujeito com o seu desejo inconsciente, será a partir da escuta da relação - sempre singular - construída com a droga que torna possível pensar a direção do tratamento.
Por conseguinte, o intuito deste estudo é focar no sujeito e não na droga
considerada isoladamente, uma vez que a droga em si não diz nada sobre o sujeito. Como escreve o psicanalista francês Marcos Zafiropoulos, “o toxicômano não existe” (Zafiropoulos, 1994, p. 18). O que existem são sujeitos que fazem uso de diversos tipos de droga de formas sempre singulares.
apenas na singularidade de cada caso seja possível apreender a função que a
droga ocupa para o sujeito
A droga se apresenta em seu discurso como um artifício que mascara o
sintoma, impedindo que o mesmo seja transformado em enigma.
Não obstante, na compulsão à droga o sujeito se encontra impedido de
alcançar uma elaboração psíquica. Impossibilitado de passar à palavra, ele passa ao ato.
Ao recusar as técnicas sublimatórias da civilização e se lançar nas
toxicomanias, o sujeito assinala para uma tentativa de tratamento médico do seu mal-estar, abdicando de seu lugar enquanto sujeito desejante. De modo recorrente, o uso da droga está relacionado a um momento em que o sujeito se vê sem recursos para lidar com as exigências e frustrações da cultura, buscando nela um artifício de suspensão diante da angústia. Logo, as recaídas cumprem a função de regulação da angústia provocada pela relação do sujeito com o desejo. Nesse sentido, a recaída promove uma suspensão que o liberta de seu mal- estar, ainda que momentaneamente. E a compulsão que resulta da busca constante deste artifício faz com que o sujeito se oculte na droga e deixe de se apropriar de outros recursos para lidar com a angústia.
Inem (2004) enfatiza que o toxicômano realiza um fazer em detrimento
do dizer em sua tentativa de tamponar a falta engendrada pela castração, operando uma narcose do desejo. Para a autora, nas toxicomanias o sintoma se apresenta em sua vertente de gozo, “cuja insistência pulsional obriga o sujeito a repetir o impossível de ser articulado na cadeia significante” (Inem, 2004, p. 91). No entanto, a angústia sempre retorna para ele, evocando a castração: “Assim, o dito de um sujeito, ‘tive uma recaída’, ao se referir ao ato de voltar a usar drogas, pode ser relacionado ao retorno, à ‘re-caída’ na angústia, à evocação da castração, o que faz com que recorra e/ou re-caia na mesma estratégia para evitar se confrontar com o ‘rochedo da castração’” (Inem, 2004, p. 92).
A suspensão frente à angústia e ao desejo através do uso da droga se
aproxima da concepção de uma força que conduz o ser vivo para o estado inorgânico, metáfora utilizada por Freud (1920) ao se referir à pulsão de morte. A destituição de si mesmo enquanto sujeito desejante que deriva do ato de se drogar é o que aponta para as toxicomanias como um artifício a serviço da pulsão de morte.
É sob este aspecto que proponho um olhar sobre as toxicomanias a partir do
conceito de pulsão de morte em seu caráter conservador de resistência à mudança e repetição do mesmo, uma vez que a pulsão de morte e a compulsão à repetição vêm dar conta na teoria dessa força que produz sofrimento. A droga resguarda apenas momentaneamente o sujeito da dor, pois passado o seu efeito a angústia retorna. Nesse circuito vicioso, a compulsão à droga conduz a um aprisionamento na dor.
Segundo Aulagnier (1985), a satisfação proveniente da pulsão de morte
não depende de um objeto, mas de um ato. Ou seja, é a única pulsão efetivamente autônoma, ao contrário da pulsão de vida que necessita investir em objetos para alcançar satisfação. A ausência de objetos que poderiam ser investidos por Eros a fim de satisfazer um certo número de ideais é o fator que deixa uma via livre para a pulsão de morte, cuja meta corresponde ao desejo do não-desejo ou à recusa de desejar. A pulsão de morte se manifesta como resposta ao excesso de sofrimento engendrado pelo excesso de trabalho psíquico vivido pelo sujeito.
“Na neurose, a pulsão de morte só pode triunfar porque o eu recusa o sofrimento
causado pela ausência de um prazer ao qual ele não quer renunciar, embora a eventual realização de um tal prazer implique a culpabilidade de se ter transgredido a interdição do incesto” (Aulagnier, 1985, p. 162).