1) O documento descreve a experiência da autora em um hospital psiquiátrico e sua reflexão sobre a loucura e a morte.
2) Ela observa os pacientes e sente que eles parecem eternos, diferentemente dos mortos.
3) A autora questiona onde se encontra a verdadeira solidão - com os loucos ou sozinha - e vê a loucura como algo divino.
1) O documento descreve a experiência da autora em um hospital psiquiátrico e sua reflexão sobre a loucura e a morte.
2) Ela observa os pacientes e sente que eles parecem eternos, diferentemente dos mortos.
3) A autora questiona onde se encontra a verdadeira solidão - com os loucos ou sozinha - e vê a loucura como algo divino.
1) O documento descreve a experiência da autora em um hospital psiquiátrico e sua reflexão sobre a loucura e a morte.
2) Ela observa os pacientes e sente que eles parecem eternos, diferentemente dos mortos.
3) A autora questiona onde se encontra a verdadeira solidão - com os loucos ou sozinha - e vê a loucura como algo divino.
Maura Lopes Cançado esta luta é que os define: sem lado, entre o mundo dos chamados
27/01/1929 – 19/12/1993 normais e a liberdade dos outros. Não conseguem transpor o
“Muro”, segundo Sartre. É a resistência. Também se luta contra a Excerto: Hospício é Deus morte, quando morrer talvez seja realizar-se. Se existe vergonha é Pág. 25 – 26 na luta: perder o lugar no mundo, afetividade, direitos (direitos?). Então encontramos doença, morbidez, imensa soma de deficiências [...] que se recusa a abandonar. Transposta a barreira, completamente O que me assombra na loucura é a distância – os loucos parecem definidos, passam a outro estado – que prefiro chamar de eternos. Nem as pirâmides do Egito, as múmias milenares, o Santidade. A fase digna da coisa, a conquista de se entregar. O que mausoléu mais gigantesco e antigo possuem a marca de eternidade aparentam é a inviolabilidade do seu mundo. Como os mortos, que ostenta a loucura. Diante da morte não sabia para onde voltar- nada fazem para voltar ao estado primitivo – e embora todos me: inelutável, decisiva. Hoje, junto dos loucos, sinto certo descaso tenhamos de morrer um dia, poucos alcançam a santidade da pela morte: cava, subterrânea, desintegração, fim. Que mais? loucura (e quem prova estar o louco sujeito à morte, se passou para Morrer é imundo e humilhante. O morto é náuseo, e se observado, uma realidade que desconhecemos?). acusa alto a falta do que o distinguia. A morte anarquiza com toda a É a terceira vez que me encontro no hospital. O número de doentes dignidade do homem. Morrer é ser exposto aos cães é grande e poucos são os loucos. Dona Auda, dona Marina, Isaac, covardemente. Conquanto nos dois estados encontro ponto de Rafael, estes sim, e mais outros. Dona Auda me parece um símbolo contato – o principal é a distância. Ainda que só diante do louco – sempre existido. Observo sua liberdade – de estar presa. Move-se tenha experimentado a sensação de eternidade. Nele não independente, há uma certa dignidade intraduzível, nem sempre encontramos a falta. Nos parece excessivo, movendo-se noutra alcançada, em sua presença. Eles, de tão grandes, esmagam-nos. É espécie de vibração. Junto dele estamos sós. Não sabendo situá-lo minha impressão constante e humilhada. fica-se em dúvida: onde se acha a solidão? O louco é divino, na Estar no hospício não significa ser superior. O doente, ainda preso minha tentativa fraca e angustiante de compreensão. É eterno. no mundo de onde não saiu completamente, tratado com Estar internado no hospício não significa nada. São poucos os brutalidade, desrespeito, maldade mesmo, reage. Tenta agarrar-se loucos. A maioria compõe a parte dúbia, verdadeiros doentes ao mundo de onde não saiu completamente. Apega-se a seus mentais. Lutam contra o que se chama doença, quando justamente antigos valores, dos quais não se libertou tranquilo. Principalmente teme: a característica do doente mental é o medo (não o medo das Se dona Júlia morresse. A Colônia Juliano Moreira, para onde vão os guardas, dos médicos. O medo de se perder de todo antes de se casos incuráveis, é o terror das internadas. Fica em Jacarepaguá w encontrar). Considero um noviciado1, depois do quê as provas contam atrocidades acontecidas lá. Algumas guardas daqui perdem a razão de ser. Quem consegue corromper dona Auda? trabalharam na Colônia. Elas dizem que é preferível morrer. (não creio que venha a ame tornar louca. Sou demais pequena e Cercada de matas espessas, as doentes fugitivas são comidas por covarde. Mesmo, não possuo muita paciência e o noviciado é animais ferozes, contam. Composta por vários hospitais – homens e longo.) (Ou serei noviça há muito tempo?) mulheres- velhos, imundos, comida infame, camas sujas com De novo: o que me assombra na loucura é a eternidade. percevejos e outros bichos, muitas doentes dormem no chão – Ou: a eternidade é a loucura. sobretudo apanham muito. Não se faz tratamento nas doentes por Ser louco para mim é chegar lá. se considerá-las irrecuperáveis. Várias aparecem grávidas, os pais Onde? – pergunto vendo dona Marina. As coisas absolutas, os das crianças são geralmente os próprios funcionários. Dona mundos impenetráveis. Estas mulheres, comemos juntas. Não as Mercedes trabalhou lá. Contou-nos coisas escabrosas. Fico gelada: conheço. Acaso alguém tocou o abstrato? dona Júlia já indicou-me como irrecuperável. Dona Dalmatie não compreende minha sorte em não ter sido transferida, pois dona Pág. 36 Júlia consegue sempre o que deseja.
Meus sapatos amarelos
um passo adiante da minha solidão. Eu os vi mil vezes através de lágrimas, Na sua ingenuidade gasta, resignada, Conduzindo pés que fizeram dança. Ó, meus sapatos – amarelo-girassol.
Pág. 59 – 60 Maura, anos 1940
[...] Rosa recuada 1 Período de preparo/formação para receber a emissão dos votos religiosos. Para Heloisa Dunshee de Abranches rosto flácido olhou-me inexpressivo, quase ofendido, longa e pausadamente, a dona da casa sufocava-se de compreensão. Talvez eu deva acreditar que sou apenas uma flor. Por que Armando-se de uma dignidade próxima ao ridículo, voltou-se para não? Sou uma rosa. Bonito, bonito e patético. Fiz afinal a maior si mesma em tempo, abotoando os colchetes do vestido. Atravessei descoberta de minha vida. Sou uma rosa, oh. Uma rosa cor-de-rosa. a sala e meu coração fremia inocente e gasto. Alcancei o quarto: Vulgar como qualquer outra. escuro. A janela. Abrindo-a, num ímpeto o dia introduziu-se pelo Ontem vim andando sozinha pela rua pela rua – era de aposento expulsando a penumbra na qual pulsava vagaroso. manhã bem cedo – automóveis passavam céleres, plenamente Móveis aceitaram a luz, casando-se. Senti-me recortada no ar, acordados; pessoas cruzavam comigo, os rostos descansados e nítida. Contornos claramente definidos, talvez brilhantes: eu. De iniciantes mergulhados no dia, novo incontido, se alargando em ar calças compridas movia-me absurdamente acordada como um fresco, arrepiado de promessas: era tudo começo. Eu andava em pedaço frio e branco de luz. Os momentos se sucedendo nem mim mesma, embora as coisas exteriores me tocassem sem dureza, sequer chegavam a atingir-me: resguardada, impessoalmente vivas, alertas. Súbito percebi a preciosidade do meu corpo exposto exposta, como um quadro. Eu era a negação de mim mesma sustida no dia claro e sorri plena, intensamente atenta, os rostos se pela imposição dos contrários. Mas então, pensei desperta, o ar aproximando rápidos, passando limpos, sem mistério, enquanto eu ferindo-me levemente as narinas. O quarto respirava claro e ávido, continuava desabrigada, perfeita, enquadrada em meu próprio meu corpo se deixando quieto, manso. espaço. Àquela hora da manhã os olhares eram ligeiros – as pessoas A cama fria concordando ao estirar-me sem desejos. Imóvel. passavam. À entrada do edifício, na porta, deixei-me por um Meus olhos perdendo-se em calma: mundo. Um pouco de mundo momento enquanto me observava no espelho grande do hall. Foi só atingido, parado, expectante. Lentamente meu cérebro começava a um momento pequeno, mas completo como um círculo se buscar tateante, cuidadoso. Avançava. Avançava. fechando. Eu, uma moça de manhã, parada na porta de um edifício. Foi então que as coisas se precipitaram irônicas, Mas de onde vinha a alegria? Ela subia, tonta e cega, enquanto, subitamente armadas, agressivas. O teto quadrado ameaçando meus olhos míopes se concentravam em minha imagem lá. transformar-se em confusão. Multiplicando e diluindo as formas. Derramava-se pela boca entreaberta, um pouco mais e me veria Linhas vertiginosas fugindo em silencio, rindo fino, rindo baixo eternizada naquele instante incompreensível e simples de doer. enigmático – fugidias, inacessíveis. Reinou no próprio ar um sorriso No apartamento de um terceiro andar as coisas começavam de escárnio. A porta escura do armário meio aberta, continha-se lentas e mornas. Um pouco obscuras, ainda tocadas pelo sono. próxima a uma gargalhada. Aquela porta feria-me como um Despertando sem pressa, deixaram-me levemente irritada. Um deboche. Achava-me imóvel diante deles, muda e confusa. Por quê? Perguntei-me assustada. Na precipitação que se seguiu deixei- me levar violentamente em vertigem: lago dentro de mim, doce, da tarde. Eu mostrava de frente e só tinha consciência de uma cuidado, insinuava uma verdade fugaz e intraduzível, algo que não dimensão. Tudo tão fácil. Um existir vago, impossível e perto, razão seria dado jamais apontar com um nome, tal a pequena duração da ausência de perspectiva. O quê? Por que as criaturas nada me que se permitia. Ou era o medo, a causa de me contentar com tão dizem de realmente terno, como poupando-me? O telefone pouco? Eu não indagava, ela fugia e me deixava tranquila em minha chamou várias vezes. Atendi lenta e sacudida, mas aquelas vozes ignorância. Mesmo que fosse eterna, era composta por momentos eram de ontem ou pertenciam ao futuro: remotas, impresentes. breves, completos e distintos, renovada sempre a cada instante Continuei andando pelo apartamento vazio, sendo; mostrava-me seguinte, como nascendo, tal novidade que trazia em si, ainda que como única maneira possível de afirmação ao meu alcance. Meu tivesse sempre existido e continuasse indefinidamente. A verdade. corpo se despojando a cada instante, tão sôfregos eram os móveis, Apeguei-me em abandono, enquanto tudo tranquilizado m olhava o teto, o próprio ar comprimindo-se inexorável. aprovando. Perfeita, equilibrada agora em minha posição, eu não Mas à noite a porta foi aberta algumas vezes dando entrada buscava saber quais caminhos me veio o entendimento. e foi quando me senti excessiva. À primeira entrada refugiei-me no Entendimento? Mas eu nada sabia. Em cada móvel parado, olhos quarto; logo depois, vozes agudas cruzavam a sala como setas, fixamente indiferentes, idênticos à própria indiferença de mim por onde o final fosse gota de som, cristalino, expectante. Só então leve mim mesma. Ah, eu conseguira então restabelecer meu equilíbrio cansaço ameaçou tomar-me, mas em breve me achava pronta, no mundo, ao ver-me ameaçada pela vertiginosidade irônica das vestida, o rosto bem pintado na porta do edifício. linhas do teto, quando mostraram, sem bondade, estar eu tentando Vi-o. Antes mesmo de se apresentar, estive certa de que se fugir à minha natureza. Pois juntamente começava a entrar num tratava dele pela maneira direta com que se aproximou. pensamento incomodo e nunca atingido de todo, quando se deu o Na penumbra a boate pesava custosa nos copos sobre as desastre: pensava, olhando o teto, na opinião da dona da casa onde mesas. À nossa direita um casal se beijando. Dois pares dançavam moro, a meu respeito, começando a indagar-me, próxima à muito juntos, mas olhando-os tive a sensação tranquilizadora de preocupação, qual seria. Verdade: por que as pessoas não se que aquilo não era eterno. A efemeridade das coisas tocou-me o mostram inteiramente surpreendidas com minhas atitudes, para coração com uma ponta fria, virei-me para o lado, encarando-o. elas inexplicáveis? Minha falta de joias, por exemplo, eu que jamais Então ele me pareceu, por um momento, eterno e implacável: possuí um anel. Oh, nada tenho que me justifique. Sou uma moça aquele rosto me sobreviveria em remorsos, enquanto eu que devia estar ganhando salário mínimo, trabalhando o dia todo apodrecesse gasta, sem além. Não se aborrece se lhe disser que numa loja, pois não? esqueci seu nome? – perguntei amável, sorrindo, o cigarro afastado Durante o dia andei pela casa deserta – todos tinham saído dos lábios cintilando perdido perto do meu rosto. Não. Ele sabia -, contida, meio nervosa, enquanto o ar se adensava à aproximação que seu nome não era um nome fácil: compreendia. Seguiu-se uma pausa longa e vazia – a orquestra tocava. Observei-lhe o terno entregue àquela doçura rara, deixando-se cada vez mais invadir. Eu limpo, caro. O rosto perdido na penumbra era uma ameaça fria e não resistia: Carlos. Foi uma das tantas noites, mas ele parecia mortal. Aquela cabeça pairava acima da minha compreensão. O limpo e inocente, olhos graves, curiosos, fitando-me interrogativos. homem parecia pesado, exigente, como a querer sorver a noite Era ainda bem moço e tão fácil que me pareceu perdido. Desejei com lentidão e cuidado: eu não passava de um pedaço daquilo que protege-lo, buscando em mim alguma piedade. Esperei, ele tragava obstinado, qualquer erro o conduziria à cólera – estava auscultando-me por algum tempo, tornando-me branda, atenta, gravado naquela testa de bronze. Mergulhado na quase total pois quem sabe, do próprio corpo, quem sabe? Mas em breve, o escuridão, sentia meu próprio rosto se destacando pálido. Olhou- coração pedindo repouso, debruçava-me exausta, ferida: eu, que me sem esforço, levemente encantado: até então nada me imolei para fugir, que busquei em último refúgio o não buscar, contrariando sua expectativa. Dançar? Pois não. Dançava bem, o eu que não, que não, e agora? Se não descobria em mim piedade corpo lento, compassado seguindo a música. Evadia-me, enquanto sequer para mim mesma. Embora alguma coisa devesse viver em seu braço seguro contornava minha cintura, conservando-me fria e meu sangue, alguma coisa decisiva e clara, eu que sempre a sentira distante junto à pilastra que formava seu corpo. Sem nos falarmos, com o coração ansiosos, embora jamais ousasse. O rosto quadrado via-me livre de encará-lo, voltando meu rosto para cima, em busca do jovem indagava brutal. O que ameaçou de fato ruir-me foi sua da posição mais graciosa para encobrir tanta mentira. Eu inventava, maneira crua e interessada de fazer perguntas. O moço louro, por um momento, minha liberdade. Entretanto, o calor impessoal indefeso, constituía perigo iminente, soube quando me vi entre o de sua mão alertava-me para a realidade cruel de que, acima da escuro da noite, meu corpo compacto ameaçando abrir-se minha, outra cabeça postava-se, altiva e dura, conduzindo o perdendo-se, ante a franqueza que ameaçava mostrar-se espetáculo. E minha vontade empalidecia: eu, para mim, não tinha obstinada, tal a roupagem brilhante e falsa de que me vestia. nenhuma importância. Aquele moço, Carlos, aproximava-se com violência e teimosia, Voltamos para a mesa. Bebíamos. Aos poucos elevei-me deixando-me recuada, tremula, diante de um sentimento novo. Um acima do plano em que as coisas marchavam – era a terceira dose. clarão iluminava-me o ser elevando-o acima de minha vida até Mas ainda eu continuava perfeita, não desapontando, ele falava então. Eu me deixava quieta, sem calma, envolver pelos braços animado, pausando um pouco enquanto o garçom enchia os copos. fortes, mortais. Era assim? Perguntava-me aflita. O coração Alguma coisa morna, cínica, aborrecia-me naquela boca. E chumbado ainda ousava, perguntando da vastidão que o envolvia: negando-me a mim mesma, permiti a abertura de uma pequena sim? Sim. Eu me respondia branca e longe. E não. Pois eu era não, brecha em meu ser, recuando, recuando, o pequeno orifício se não é? – É. Ressoava alto protegendo-me. Adeus. Quê? Deus. alargando, invadindo-me de dor aguda e clara enquanto as Carlos. Foi há muito tempo. lembranças jorravam caudalosas; meu corpo doce, sofredor, Agora o homem insistia sem esforço. O nariz reto mostrava ouvisse com força enquanto esmagava o cigarro no cinzeiro. A um perfil superado – que me levava a pensar na morte ou na necessidade de conservar aquela impressão, sabia meu íntimo inexistência desta; porque na verdade, aquele homem comum, endurecendo-se com brandura – o copo esvaziava. Um quadro: a tantas vezes visto noutros, me intimidava como se fosse de pedra. moldura exigindo sem perdão, eu existindo apenas em função do Ou não podia ser medo? Sim: o rosto talhado em mármore, apenas que me cercava. A esta ordem, me apresentava plena, invadida de alertava-me para o engano em que me movia. Toda sua dureza era bem-estar. Enquanto o inenarrável em mim sufocava-se em minha dureza: eu me horrorizava com o horror. Meu rosto doce, contrário e confusão. Oh, Deus. Valei-me se posso assim dizer. Mas mentiroso, sorria recuando. Mas Carlos? Foi há muito tempo. era tão igual às outras vezes. -.-. Entanto sua ameaça surgia, o rosto limpo e quadrado perdido na Até que a voracidade daquela boca me deixou cansada e noite. A cabeça de bronze se aproximava, devolvendo-me a mim gasta. Lá fora o mar se debruçava na praia, um sopro refrescante mesma, sacudida e fria, enquanto meu corpo sufocava-se em cantava a noite. O ar impregnado do cheiro ativo de cigarro paciência. Carlos. Foi há muito tempo. envolvia-nos sufocando. Eu me sustentava clara no meio escuro. Afastando-se olhou-me atento, não esperando de mim mais Mais um pouco e estaria fanada. Apertou-me, despertando-me do que se poderia admitir em minha pessoa tangível: falando baixo, para a insensibilidade que ameaçou tomar-me diante de tanto ----, meigo e com vivacidade, as palavras revelando um agudo senso de eu não queria repetir. Eu nem sequer poderia lembrar. Se observação, mesmo inteligência, o que constituía excesso. Um justamente minha proteção achava-se em minha capacidade de pouco dúbia, deixando-lhe a impressão tão conhecida de quem se esquecer, ainda um momento depois. prepara para contar um drama. Mas não – ele afastava a ideia Oh, não ainda – eu ria baixinho e hipócrita. Pendi-me evitando aborrecer-se. Eu devia estar perfeita e enquadrada na ligeiramente tonta, enquanto meu desespero, no mais secreto de noite. Não foi o que lhe garantiu aquele amigo que me conhecia e mim, ultrapassava minhas próprias possibilidades de sofrer – era um perfeito conhecedor de mulheres? oculto, intraduzível. Então era isto o esquecimento? Pois, também A conversa girava, eu me deixava pairar, um pouco alegre, ele, pairava apenas no exterior. esforçando-me para acompanhar o raciocino em frente. Então ele Olhou-me intrigado por um instante, avaliando o quanto eu se endireitou na cadeira assumindo um ar grave, começando a falar ainda teria para oferecer-lhe antes de atingir meus limites, e a com exagero na importância de se conservar longe do lar o que repetição o obrigasse a sentir-se cansado, arrependido por ter pudesse afetá-lo. Sim, acima de tudo a discrição. Voltando-se para esperado tanto. Eu, por todos os lados, buscava, sentindo-me mim, como despertado de súbito: eu a sabia encantadora mas não pouco, ainda ignorando que todo o possível se achava em mim tanto. Na verdade podemos considerar-nos velhos conhecidos. mesma, na superfície claramente limitada vista de uma só vez, nada Temos tantos amigos comuns. Encolhi-me perplexa como se interior vindo a enriquecer-me, eu jamais perdendo o que se mostrava tênue, sem esforço, no meu próprio e indevassável E o resto? O resto, sinto na névoa do engano em que me espaço. Era a repetição de tantos momentos e me continha, rica e movo, pois é meu próprio contrário, renegando minha existência preciosa, como uma bolsa cara na vitrina, olhada antes de se sobrevive brutal e duro como pedra, ultrapassando-me em comprar. Aquele era por certo meu momento extremo de glória. ventanias doidas, sem rumo. O resto é a força que me atrairá de A grande revelação se deu hoje de manhã ao voltar para novo à vida tentando moldar-me a outra forma, quando renascerei casa. Achava-me entre a incerteza de ter sido ofendida e a crueza bela, jovem, e ainda rosa: este é meu destino vazio, alegre de saber-me despida de mim mesma. O dia de ontem tremendamente fútil, difícil – e sem salvação. fechara-se para sempre num círculo pesado, já longínquo, enquanto me expunha sem lembranças na manhã jovem. E decerto, à noite me repetiria, pensava trêmula de prazer (prazer-era isto?) Prazer, não exatamente, mas a certeza de que não luto para fugir à minha realidade. Que é clara, isolada, desconhecida e próxima, pronta a ser esmagada por um gesto despreocupado, desintencionalmente cruel. Porque sou uma flor à espera de ser olhada desde meu aparecimento, ainda que jamais alcançada, tal a fragilidade de que me cerco. Nunca sobreviveria a um contato mais íntimo, pois então seria esmagada. E ainda que adivinhassem não poderiam atingir-me sem que o gesto de amor se transformasse em violência perigosa. Pois sou apenas uma flor. E continuarei em mim mesma, compondo mesas, iluminando tranquila e sorrindo uma sala. Ou brilhando sem desejos numa fria, às vezes luxuosa cama. Ou voltando na manhã clara, limpa, inocente, sem remorsos porque a simples presença foi o meu pecado. E não existe erro se não nos negamos a nós mesmos. Não existe vergonha quando se é uma flor, fatalmente rosa cor-de-rosa. Mesmo, dentro de mim, há a impossibilidade para eu saber a verdade acerca de mim mesma, fundida como sou, na aparência, que é o mais profundo e autentico da minha alma – embora mentirosos. Mas sou uma flor que se esmaga a um simples gesto. Toda aproximação deve ser delicada.