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COSTUMES E DIÁLOGOS – ASSOCIAÇÃO CULTURAL

Poesia popular

A Poesia Popular reproduzida neste volume foi recolhida no


Levantamento Cultural de Pombal, que se realizou entre 1983 e
1985. Jovens apaixonados pela cultura popular da sua terra
percorreram algumas freguesias do Concelho de Pombal,
permitindo que chegasse até nós este importante testemunho da
nossa memória colectiva.

Barrocal
Ó meu rico S. João
És um santo popular
Teu retrato está na fonte
Todos os dias te vou visitar.

Todos os dias te vou visitar


E é mesmo à minha maneira
E aqui em frente á minha casa
Fizemos-te uma fogueira.

Fizemos-te uma fogueira


Que a outros mete cobiça
Aqui na nossa fogueira
Comemos pão com chouriça

Comemos pão com chouriça


E o garrafão a acompanhar
E os homens jogam foguetes
E com flauta a tocar

E com flauta a tocar


Faz inveja a muita gente
E sobre a madrugada
É bolos e aguardente
PAULO ALEXANDRE BAPTISTA DA SILVA 1
COSTUMES E DIÁLOGOS – ASSOCIAÇÃO CULTURAL

É bolos e aguardente
Cá tenho as minhas razões
Gosto muito de cantar
Porque nasci em dia de Camões

Nasci em dia de Camões


Tenho raiva a quem é mole
E eu em dia de Camões
Já fiz 59.

Fui cantar ao Carnaval


Até faço muita leixa
Fui visitar o Stº Agostinho
E a imagem está em Condeixa

A imagem está em Condeixa


E é um bocadinho alarme
E ele tem um grande garfo
Com uma talhada de carne

Com uma talhada de carne


E é de porco não faz mal
Festejei o Stº Entrudo
Aqui mesmo no Barrocal

Aqui mesmo no Barrocal


Aqui é a minha terra
E ele fica situado
Aqui à encosta da Serra

Aqui à encosta da Serra


Já dizia a minha avó
E é encosta da Serra
E é de Serra de Sicó.

PAULO ALEXANDRE BAPTISTA DA SILVA 2


COSTUMES E DIÁLOGOS – ASSOCIAÇÃO CULTURAL

O homem que vende os jornais


Tinha-o lá bem guardado
E quando ele mo entregou
Eu disse-lhe muito obrigado.

Disse-lhe muito obrigado


E mudei de pensamento
E depois fui falar a um carro
Que me pediu um conto e duzentos

Pediu-me um conto e duzentos


Eu mudei logo de ideias
Armei-me ali em palerma
Para arranjar uma boleia

Apareceu o António Fernandes


Que me deu muita alegria
E eu mandei-o parar
Perguntei-lhe se ia para Leiria

E ele disse-me que sim


Era o que o meu coração desejava
E quando lá cheguei dei-lhe
Cem escudos para uma cerveja
Quando este ano fui para as Caldas
Tive um grande aborrecimento
Esqueci-me do saco do dinheiro
Na paragem ao pé do Convento

Quando me lembrei do saco


Tive uma grande aflição
Mas já ia a camioneta
Para cima do Emporão

O «choffeur» parou o carro


Perguntou se eu queria descer
E eu desci logo do carro
E comecei logo a correr
PAULO ALEXANDRE BAPTISTA DA SILVA 3
COSTUMES E DIÁLOGOS – ASSOCIAÇÃO CULTURAL

Comecei logo a correr


E a aflição ainda era mais
Mas devo muitas obrigações
Ao homem que vende os jornais.


Oh! Senhora do Cardal
Tu tens um mantinho azul
Cá se faz a tua festa
Antes do Bodo de Abiúl

Antes do Bodo de Abiúl


És branda como uma pomba
Levas uma linda procissão
Que até mete guarda de honra

Mete guarda de honra


E é só uma vez no ano
E este ano é mais valente
Vem cá o Ramalho Eanes

Vem cá o Ramalho Eanes


Com o seu lindo fervor
Este ano vem a Tonicha
O ano passado foi a Cândida Branca Flor

Foi a Cândida Branca Flor


E foi na brincadeira
E este ano também cá vem
O Senhor Paco Bandeira

O sr Paço Bandeira
Isto é tudo muito dele
Fé sobre a madrugada
Joga-se o fogo no castelo
PAULO ALEXANDRE BAPTISTA DA SILVA 4
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E tudo começa a olhar


Quando vamos a ver
Está a sirene a apitar

VICENTES

Menina prenda o seu melro


Que me vai à minha horta
Esgravata-me os tomates todos
À procura da minhoca.

***

Minha mãe me deu pancada


Por eu dar o que era meu
Foi criado no meu ninho
Nisto agora mando eu

Tirem nota meus senhores


Que a faca corta o limão
A barriga vai crescendo
E os três vinténs já lá vão

Três vinténs hoje em dia


São custosos de alcançar
Quando chega aos treze anos
Já tudo demanda a «tirar».

***

A vergonha estava
Nas pontas de uma couve
Veio uma cabra roeu-as
Ficou sem vergonha nenhuma.

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COSTUMES E DIÁLOGOS – ASSOCIAÇÃO CULTURAL

Quem morre vai para o céu


Vai p’ró céu, vai para o paraíso
Quem cá fica come e bebe
E para quem não tem vergonha
É uma «fartadeira» de riso

***

Ó meu rico vinho tinto


Tens uma cor que é um luxo
Tu espetas comigo de costas
E eu espeto contigo no buxo

Ó meu rico vinho tinto


És filho da cepa torta
A uns fazes bater com o nariz no chão
A outros fazes perder o número da porta.

PONTE DE ASSAMAÇA

O primeiro amor que eu tive


Mandei-o ao rosmaninho
E estes que eu agora tiver
Mando-os pelo mesmo caminho

***

ARROTEIA

Quem me dera ser tão fino


Como o linho que fiais
Quem me dera tanto beijo
Como vós no linho dias

***

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MONTE DA CAVADINHA

Era um certo doutor


Em via de ocasiões
Foi pedir uma menina
Para lhe notar as feições
Quer queira, quer não queira
Já lhas vou anotar
À cabeça lhe começo
Aos pés lhe hei-de ir acabar
O seu cabelo ó menina
É “lustrido” com “lustrão”
Nunca vi cara tão linda
Ao gosto do meu coração
A sua testa, menina
Onde o sol se vai mirar
Vai pedir obediências
Dos cravos que me há-de dar
As suas faces, menina
São duas rosas de Alexandria
Amá-las era o meu gosto
Deixá-las é que eu não queria
Sua orelhas, menina
São carregadas de corais
Já me causa muita pena
O peso que o ócio faz
Sua boca, menina
Ela para mim tem virtude
Os beijos que ela dá
Aos doentes dá saúde
Tem o seu dentinho raro
Cabe-lhe um cravo no meio
Se a menina morrer ingrata
Há-de ir com todo o asseio
Seu pescoço, ó menina
Tem sete voltas de cordão
Já me causa muita pena
Também me causa paixão.

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COSTUMES E DIÁLOGOS – ASSOCIAÇÃO CULTURAL

Sua bravela, menina


É redondinha como a lua
Quem me dera aí chegar
A minha a uma perna sua
Seus braços, ó menina
Eles ambos são iguais
Nem são altos, nem são baixos
Tem tudo o que precisais
Os seus peitos, ó menina
São dois ferros de engomar
Quem me dera aí vê-los
Quem mos dera já namorar
Sua cintura, ó menina
Ela é tão delicada
Uma fitinha de seda
Fazia-a andar apertada
Da cintura para baixo
Não lhe posso nomear
É para quem você merecer
Para quem consigo casar
Seus pés, ó menina
Eles são de marfim
Quem me dera eu vê-los
Uma noite ao pé de mim
Tem o pé redondinho
Da largura de um vintém
Quem me dera sapatos de ouro
Para quem tão pequeno pé tem
Coiradas manas coiradas
A faca corta a cebola
Carinhos quanto quiser
Casar comigo «Xó rola».

***

O que diz o vinho, a vinha, o vinagre e a aguardente:


Sagrado é o licor

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Das uvas a “geracida”


Até perder o sentido
A todo o sábio doutor
Do vinho se conserva o senhor
Desta idade que estou
Ainda os filhos me carregam
O Inverno me faz cego
E os olhos me dá o verão
Tenho um filho por vasão
Que me faz perder a honra e o credo
Da tão boa estimação.
Sou sozinho mais outro irmão
Filhos de uma mãe nascida
Somos iguais na cor
E diferentes na bebida
Eu por ser o vinagre
Também sirvo de temperança
Vou à mesa do Rei
Deus deu-me esta herança.
Eu por ser a borra disse tudo
Também vim engarrafada
Quem se meter comigo
Oito dias não faz nada.

****

Na Borda d’água abaixo


Toda a verga dá um cesto
Anda cá minha menina
Quero-te pôr o cabresto

Estes rapazes de agora


Estes que de agora são
Trazem os relógios à cinta
Não sabem que horas são

Estes rapazes de agora


Asseados metem nojo

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COSTUMES E DIÁLOGOS – ASSOCIAÇÃO CULTURAL

São como os pintos de Inverno


Trazem as asas de rojo

COTROFE

Quando eu era galo novo


As frangas me acompanhavam
Agora já estou velhinho
Caem-me as penas do rabo

***

Ai que linda moça esta


Corada como está
Desde que eu vim do Brasil
Ainda não vi outra cá
Eu sei que é cor natural
Que a menina no rosto tem
Vou pedir um para si
Se não tem pai nem mãe
Ir comigo p’ró Brasil
Se a menina lhe convém
Obrigado meu senhor
Mas partir eu não quero
P’ró Brasil eu não vou
Foi conselhos que me deram
Faça lá essa viagem
Que eu por si o espero
Vem comigo não te importes
O mar é muito catequito
Apenas que lá chegar
Compro lá um periquito
Piriquitos como esse
Também os há por cá
Mais bonito que ainda houvesse
Que o Brasil não tem nada

PAULO ALEXANDRE BAPTISTA DA SILVA 10


COSTUMES E DIÁLOGOS – ASSOCIAÇÃO CULTURAL

Também aqui tenho um


Que lhe posso fazer presente
Quero o ver bonito
Que lhe pula de contente
Quem lhe faz uma gracinha
Até arreganha o seu dente

***

Menina que sestas á janela


Assentada no seu craveiro
Ou há-de casar comigo
Ou com o meu belo companheiro

Com você não caso


Nem com o seu companheiro
Minha mãe tem-me guardada
Para casar com um mestre sapateiro

De sapateiro também eu faço


Na rua de Albergaria
Faço sapatos e botas
Com toda a galentaria

Sapatos como você faz


Pode-os dar a quem quiser
Que você é muito malandro
Não merece mulher

Antes queria ser burro


Beber água num chafariz
Que ouvir aquelas palavras
Que aquela menina diz

Antes queria ser porco


Fuçar num valado
Que estar a ouvir aquela falsa
De tão fraco namorado

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COSTUMES E DIÁLOGOS – ASSOCIAÇÃO CULTURAL

***

Fui à fonte beber água


Debaixo da flor de musta
Era só para ver a menina
Que a sede era pouca
Adeus tanto me alegra
Só em ver-te em saúde
Talvez vossemecê lhe custe
Sete petas que eu lhe prego
Há muito que ando cego
Caminhaste e não me sentiste
O amor que me passaste
Há muito que não me viste
Quando eu não te via
Passava alegremente
Agora que estou aqui
Cada vez estou mais contente.

LAMEIRINHA (Santiago de Litém)

Muito boas noites alegres


Já que os dias foram tristes
Diz amor como passaste
Já que há muito que me não viste
O tempo que te não vi
Passeio alegremente
Agora que te estou vendo
Estou cada vez mais contente

***

Havia uma vez uma coxa


Que casou com um marreco
Depois passou por ele
E não lhe disse nada
Ele disse-lhe

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COSTUMES E DIÁLOGOS – ASSOCIAÇÃO CULTURAL

Passas aqui ó coxa


Toda cheia de presunção
Passas aqui não me salvas
Nem dás a salvação
E ela disse-lhe
Que lhe importa a você quem passa
Ou quem segue o caminho
Com uma corcunda nas costas
Me parece um anãozinho
Eu tratei-a por coxa
Isto de mim fez chalaça
Foi só por não saber
Como era a sua graça
Mas nós tratemos do namoro
Que o namoro tudo disfarça
As palavras do namoro
Não pretendo eu aqui, agora
É para outra ocasião
Um dia com mais demora
Saiba que eu não o conheço
Nem sei onde você mora
Eu moro no Bairro Alto
Lá fui nascido e criado
Também governo a minha vida
Além de ser aleijado
Eu sou uma triste peixeira
Corto peixe e corto às postas
Também faço minha assistência
Lá na rua das Congostas
Ainda estou para saber
Se o meu pai e a minha mãe gosta
Venha cá para a semana
Que eu então lhe darei a resposta
Eu governo a minha vida
Sentado a escrever
Só preciso de uma mulher
Para me fazer o comer
À saída da igreja: - Acode ó mulher minha

PAULO ALEXANDRE BAPTISTA DA SILVA 13


COSTUMES E DIÁLOGOS – ASSOCIAÇÃO CULTURAL

O que eu te vou dizer


Tu trabalhas e eu trabalho
Assim temos que viver
Mudemos de conversa
Não me agrada a brincadeira
Se eu casei para trabalhar
Mais valia estar solteira
À saída da Igreja
Fica o povo admirado
De casar a Maria Coxa
Com Manuel Alcorcovado.

***

Parabéns aos noivos:

Boa noite senhores noivos


Eu vos venho visitar
Venho vos dar os parabéns
Já que se foram casar
Visto estarem casados
Muitos parabéns vos dou
Foi Deus que vos ajuntou
Por Deus hão-de ser separados

Se querem ser por Deus ajudados


Sigam sempre bons caminhos
Sejam sempre bem amiguinhos
Para dar gosto à vossa gente

***

SANTIAIS

O lugar de Santiais
Corrido de telha a telha
Quem lá for tomar de amores
Um dia torce a orelha

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COSTUMES E DIÁLOGOS – ASSOCIAÇÃO CULTURAL

Quem me dera agora ver


Quem a mim me equilibrou
O meu querido amor
Que tão longe dele estou
Ó meu amor, meu amor
Quem te há-de ver abalar
Com o saco de roupa às costas
Para a vida militar

Para a vida militar


Os rapazes é que vão
Só o meu amor para lá não vai
Ficou livre à inspecção

Quem me dera dera dera


Estava sempre a dar a dar
Beijinhos até morrer
Abraços até cantar.
***

Prendiam todos os destinos


Demais um dia existir
Já me parecia ouvir
Os tristes ecos do sino
Nos mistérios divinos
Foi a morte proibida
Deixou de vir em seguida
Talvez pelos rogos meus
Erguia as mãos para Deus
Roguei a Deus pela vida

***
Mais um caso se deu
No concelho de Viseu
Que toda a gente abismou
A infeliz Anabela
Sendo ainda uma donzela

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COSTUMES E DIÁLOGOS – ASSOCIAÇÃO CULTURAL

Muitos tormentos passou

Tinha namorado há sete meses


Um rapaz que muitas vezes
Dela só quis abusar
Ao ver a má intenção
Desse homem sem coração
Resolveu tudo acabar

Mais algum tempo passou


E Ana se enamorou
Dum rapaz nobre e decente
Era por ele adorada
Pela família estimada
E querida por toda a gente

Trabalhava na costura
E era já noite escura
Quando a casa regressava
P’ró caminho ser mais perto
Metia por um deserto
E um pinhal atravessava

Pensando no casamento
Seguia no momento
Ana despreocupada
Pareceu-lhe um ruído ouvir
Logo pensou em fugir
Já não ia sossegada

Surgiram-lhe três algozes


Piores que animais ferozes
É o termo verdadeiro
Todos três dela abusaram
E ali despida a deixaram
Amarrada a pinheiro

Ao ver que a noiva tardava

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COSTUMES E DIÁLOGOS – ASSOCIAÇÃO CULTURAL

Munido de uma espingarda


O noivo a procurou
Quase perdeu a razão
Faz cortar o coração
O estado em que a encontrou

Com seu casaco tapou


E para casa levou
A infeliz a chorar
Quando a viu reanimada
Não quis saber de mais nada
Pensou logo em se vingar

Voltou ao mesmo local


Com a arma e por sinal
Encontrou os três bandidos
Que riam num barracão
Disparou sem compaixão
E ali ficaram estendidos

Toda a gente lamentou


A cena que se passou
Com Manuel Frazão
O infeliz desvairado
Ao ver-se assim desgraçado
Foi-se entregar na prisão

BARRINHO

Papa figo algarvio


Milheiro italiano
Canta o cuco é sombrio
Que cante só uma por ano
Mais eu pego ainda um milhano
Com a sua cantoria
O rouxinol assobia

PAULO ALEXANDRE BAPTISTA DA SILVA 17


COSTUMES E DIÁLOGOS – ASSOCIAÇÃO CULTURAL

A rola ninguém a engana


À milheiro a cantar na cama
À andorinha no lírio roxo
Encontraram o pobre mocho
Feito num velho esparrano
A coruja é gente humana
E o gaio é trigueirão
Estas mesmas é que são
Filhas de uma mãe nascida
Andavam três anos perdidas
Lá no meio de um gavião
O picanço é espertalhão
Com unhas e bico mordia
Para cantar de madrugada
Ninguém vence a cotovia.

***
Aqui estou á tua porta
Com o meu feixinho de lenha
Estou à espera de resposta
Que da tua boca me venha

A resposta está bem dada


Ó rapaz que bem a deste
Se não sabes o caminho
Volta por onde vieste

***

PALHAÇA—Décima da azeitona

Todos correm para mim


Com varas de varejar
Sempre que madura me acharem
Eu de luto me vesti
Eu sou da oliveira o fruto
A todos peço que me não deixem
À falta de carne ou peixe

PAULO ALEXANDRE BAPTISTA DA SILVA 18


COSTUMES E DIÁLOGOS – ASSOCIAÇÃO CULTURAL

Também sirvo de conduto

Eu vou a mesas reais


Onde vão condes e marquesas
Também na do pobre às vezes
Também me lá encontrais

Eu rendo grandes metais


Óleo como o meu não há segundo
Eu alumeio em mar fundo
A tudo dou claridade
Eu morro pela verdade
Só para dar luzes ao mundo

Eu passo grandes tormentos


Debaixo da pedra andar
A ferver e a escaldar
Verde foi o meu nascimento

Eu sou folha da oliveira


Neto do zambujo formado

E Jesus foi crucificado


Virgem Mãe da Padroeira
Alumeio uma noite inteira
O Divino Sacramento

CARVALHAL DE ALÉM

Não tem castelos antigos


Mas tem corações amigos
No peito dos filhos seus

Não tem velhos monumentos


Nem institutos, conventos,
Mas tem a graça de Deus

PAULO ALEXANDRE BAPTISTA DA SILVA 19


COSTUMES E DIÁLOGOS – ASSOCIAÇÃO CULTURAL

Tem uma região rica


Desde o Brejo até à Bica
Férteis campos de cultura

E da Rouba à Tojeira
E do Fétil à Salgadeira
É um tapete de verdura
Olha para ali
Se vocês quiserem
Que temos além a Palhaça
Que nos dá a sua graça
Com risadas verdadeiras

Mas também temos outros


Lugares bons e amigos
Que quem quiser figos
Vai lá acima ao casal das figueiras
E se quiserem laranjas
Temos lá muitas laranjeiras

Também tem a Barra e o Arnal


E o Barrinho sem igual
E Santo Elói a botar luz
E tinha um Ribeiro Bento amoroso
Que era o último lugar da freguesia

Tinha um regedor coisa doce


Que era o Toino Caixeiro
E tinha o António de Jesus
E o António Marmeleiro
Que era o presidente
E outro o tesoureiro
E para não ficar assim sem resposta
O secretário era o José Costa

E também tem a torre da igreja


Que nos diz o que quer que seja

PAULO ALEXANDRE BAPTISTA DA SILVA 20


COSTUMES E DIÁLOGOS – ASSOCIAÇÃO CULTURAL

Dos tempos que já lá vão

Tem lá o Casal do Gaio, os Ameais


E mata rara, os Cadavais
E o Carvalhal está no coração

Também tem o seu apeadeiro


Ligado ao mundo inteiro
Desce-se e está bem

Olha que tem lá bem à vista


A dizer ao maquinista:
Pára aí que aqui é o Litém.

***

És uma boa rapariga


Namoras um bom rapaz
Agora to digo eu
Depois tu m’o dirás

Faz sábado quinta-feira


Por lá de Évora três semanas
Andei dez anos no Verão
Nas Américas romanas

Embarquei em duas galeras


Na avarenta Lisboa
Na Póvoa fui dar à toa
Apeei em Alenquer

Comi com sete colheres


Mas faltou-me uma para a primeira
Fui amanhã e vim ontem
Faz sábado quinta-feira

Adeus como tens passado

PAULO ALEXANDRE BAPTISTA DA SILVA 21


COSTUMES E DIÁLOGOS – ASSOCIAÇÃO CULTURAL

Maila tua obrigação


Demoras um bocadinho
Se tens agora ocasião
Nem de noite nem de dia
Tu me sai do coração
Pela sua saudade
Não me posso comprometer
Sou rapariguinha nova
E não te posso perder

Olha que não perdes nada


Que eu tenho muito dinheiro
Sou filho de um Visconde
E neto de um cozinheiro
Tenho o que comer e beber
Para gastar, muito dinheiro

O que eu quero é que tenha juízo


Para o saber gastar
Quem não tiver ciência
O muito pode acabar

Adeus passe muito bem


Que eu não me posso demorar
Ouve lá o que eu te digo
Não vás assim com tanta pressa
E tu a mim não me agradas
Mudemos lá de conversa

Vamos agora conversar


Mudemos de conversa
Vamos falar a preceito
Falando de casamento
Que eu para isso
Tenho bom jeito

Minhas palavras são sérias


Guardo muito respeito

PAULO ALEXANDRE BAPTISTA DA SILVA 22


COSTUMES E DIÁLOGOS – ASSOCIAÇÃO CULTURAL

Então se o senhor é verdadeiro


Aqui me tem a seu lado
Quem guarda respeito a um
Também deve ser respeitado
Pode ser meu namorado

TRISTE FOI O SEU DESTINO

Deozinda dos Anjos Vaz, malfadada pelo destino


passado em Santa Catarina

Chamava-se Deozinda
Essa jovem pura e linda
Que o destino malfadou
Era ainda uma criança
Quando cheia de esperança
De Silvino se enamorou

Muito tempo namoraram


E um ao outro juraram
De serem leais para sempre
Do fruto desse amor
Deu à luz com custo e dor
Duas crianças dum ventre

Ao vê-la com duas filhas


O pai dela fez partilhas
Em casa não a quis mais
Pô-la a viver sozinha
Numa velha casinha
Que era dos pais dos seus pais

Deozinda era herdada


Silvino não tinha nada
E quis ir para França
Para pagar ao passador
PAULO ALEXANDRE BAPTISTA DA SILVA 23
COSTUMES E DIÁLOGOS – ASSOCIAÇÃO CULTURAL

Com promessas de amor


Faz-lhe vender a herança

Vendeu tudo o que tinha


A sua triste casinha
Que herdou de sua mãe
Todo o dinheiro lhe entregou
Fronteiras ele atravessou
E para França foi

Quando cartas recebia


Com ansiedade as lia
Pedindo a Deus para ele voltar
O pai dos seus filhinhos
Que prometeu com carinhos
De vir com ela casar.

O tempo foi passando


As notícias rareando
Deozinda só chorava
Até que chegou o dia
Que ele de carro aparecia
E desta forma falava

Venho dar-te um desgosto


Está enrugado o teu rosto
Já para mim não vales nada
Só te quis para amante
Tenho outra elegante
Que também tenho enganada

Se teus filhinhos morressem


Ou então desaparecessem
Contigo ainda casava
Assim quero passear
E logo dois a estorvar
Já não pode ser nada

PAULO ALEXANDRE BAPTISTA DA SILVA 24


COSTUMES E DIÁLOGOS – ASSOCIAÇÃO CULTURAL

Será já para a semana


Que vou casar com Susana
Adeus sejas feliz
Deozinda abraçada
Aos filhinhos que tanto amava
E a chorar assim lhe diz

Silvino não terás dor


Ver o fruto do nosso amor
Como queres destruído
É tão triste a dor de mãe
Tu não és bom pai
Nem podes ser bom marido

Não teve arrependimento


Tratou do casamento
Com Susana Maria
No jantar reunidos
Lá perto ouvem gemidos
E uma carta que assim dizia:

CARTA DE DEOZINDA

Aqui ficam rosas tristes


Por quem a dor não sentistes
De quem querias ver o fim
Vê que são teus filhinhos
Tem-lhe amor, dá-lhe carinhos
Já que o não tiveste por mim

Um adeus pela vida inteira


Adeus rosas sem roseiras
O meu vaso foi roubado
Adeus filhos da minha paixão
Dentro do meu coração
Vosso amor levo traçado

PAULO ALEXANDRE BAPTISTA DA SILVA 25


COSTUMES E DIÁLOGOS – ASSOCIAÇÃO CULTURAL

Pelo destino fui malfadada


Amei e não fui amada
Meu sofrer assim finda
A um poço se atirou
Toda a gente lamentou
A morte de Deozinda

Nunca na vida esquece


Quem mais compaixão merece
São os dois pobres filhinhos
Entre gemidos e ais
Sofrem a culpa dos pais
Tão pequenos coitadinhos

Bons pais escutai bem


Não façais a ninguém
O que não queremos para nós
Ser honesto e educado
Para sermos respeitados
É um conselho para todos vós.

JUNQUEIRA

Era costume fazer o pedido de namoro aos pais da


rapariga. No entanto, era necessário que o rapaz se dirigisse
previamente à rapariga. A esse propósito surgiu uma quadra
popular, ironizando a situação de um rapaz que não falou com a
rapariga e dirigiu-se logo aos pais da mesma:

«Olha o tolo, o atrevido


Olha o mal ajuizado
Foi pedir a filha ao pai
Sem com ela ter falado»

PAULO ALEXANDRE BAPTISTA DA SILVA 26


COSTUMES E DIÁLOGOS – ASSOCIAÇÃO CULTURAL

LAMEIRINHA

Tira a água dos tremoços


Tirados com alegria
Comidos com todo o gosto

Ponha a mão não tenha pejo


No saco das melancias
Não pense que é pão com queijo
Ou açúcar com fatias

ANDRÉS

Cantigas leva-as o vento


Aquelas que leves são
Já não há vento que leve
O amor do meu coração

A cantar ganhei dinheiro


A cantar se me acabou
O dinheiro mal ganhado
Água o deu, água o levou

Se eu fosse cigarro
Na boca do fumador
Andava sempre brilhando
Na boca do meu amor

Ó rapaz faz um cigarro


Se tens tabaco faz dois
Esta noite leva o carro
Com 4 juntas de bois

PAULO ALEXANDRE BAPTISTA DA SILVA 27


COSTUMES E DIÁLOGOS – ASSOCIAÇÃO CULTURAL

SANTIAIS

“Prosa de um velho de 80 anos”

Velho:
Ó que linda esta dama
Tão corada que ela está
Isto é cor de menina
Ou pintura que lhe dá
Desde que vim do Brasil
Ainda não vi outra porca

Menina:
É porque o senhor não vê bem
Aonde a vista não vai
Muito que eu lave o rosto
Esta cor daqui não sai
Mesmo que esfregue o lenço
O Carmo também não cai

Velho:
Então a cor natural
Que suas faces rosadas têm
Vou-lhe fazer um pedido

PAULO ALEXANDRE BAPTISTA DA SILVA 28


COSTUMES E DIÁLOGOS – ASSOCIAÇÃO CULTURAL

Se à menina lhe convêm


É vir comigo para o Brasil
Se não tiver pai nem mãe
Menina:
Muito obrigado meu senhor
Mas não posso aceitar
Toda a vida tive medo
De passar águas do mar
O senhor tem muita idade
E eu posso lá ficar

Velho:
O mar é uma brincadeira
Não custa nada a passar
Até dá gostosa gente
Quando vai a balançar
E lembram-me certas coisinhas
Quando me ponho a pensar

Menina:
O senhor diz muito bem
Mas eu partir não quero
Faça lá essa viagem
Que eu cá por si espero
Eu para o Brasil não vou
Foi conselho que me deram
PAULO ALEXANDRE BAPTISTA DA SILVA 29
COSTUMES E DIÁLOGOS – ASSOCIAÇÃO CULTURAL

Velho:
Vem comigo não te importes
Que o Brasil é muito catito
Eu apenas lá chegar
Dou-te logo um periquito
E também te dou um macaco
Que esse é que é mais bonito

Menina:
Evita de me prometer
Com isso não me leva lá
Dos periquitos que eu gosto
Também há muitos por cá
Mais bonitos e com mais força
Que o Brasil não tem lá

Velho:
Por eu ser doutra idade
Ninguém de mim faça troça
Sou um velho de bom tempo
E lidei com elas na roça
E nunca foi meu costume
Fazer trabalhos que não possa

PAULO ALEXANDRE BAPTISTA DA SILVA 30


COSTUMES E DIÁLOGOS – ASSOCIAÇÃO CULTURAL

Menina:
Eu fui sempre muito esquisita
Eu fui sempre muito forte
Mas tenho de comer e beber
Não tenho com que me importe
Mas vou fazer muitas festinhas
Ao macaco do velhote.

PAULO ALEXANDRE BAPTISTA DA SILVA 31

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