Você está na página 1de 276

PUBLICADO

10.10.2006
T endo escapado por um triz da ruína financeira, Lawrence
agora dedica a sua atenção em ajudar Holo a encontrar sua antiga
terra natal no Norte. Mas por quanto tempo um mercador
viajante pode se dar ao luxo de vagar pela região rural sem
procurando por uma vila que se suspeita que deve ter deixado de
existir há bastante tempo? No entanto, quando um mercador rival
põe seus olhos sobre a bela companheira de Lawrence, por acaso
este pode ter confiança que Holo vai permanecer ao seu lado?
Por acaso chegou o momento de Lawrence se perguntar se sua
relação com Holo é puramente de negócios ou é algo mais
pessoal?
SPICE & WOLF VOL I ⊰4⊱
BRUXA
A PALAVRA SURGIU EM
SUA MENTE ASSIM QUE A
MULHER O OLHOU. — GI BATOS
O MERCADOR

“VOCÊ É UM HOMEM BASTANTE CHARMOSO,


MAS PENSA QUE SOU UMA BRUXA —
POSSO VER ISSO EM SEUS OLHOS.”

“NESSE CASO, TALVEZ SEJA ASSIM


QUE EU DEVA APRESENTÁ-LA?”

— DIANA RUBENS
A CRONISTA
“EU VOU PAGAR A DÍVIDA QUE AGORA PESA SOBRE
OS OMBROS DELICADOS DESSA FREIRA VIAJANTE — E
SPICE & WOLF VOL I ⊰6⊱
QUANDO ESSA DEUSA DA BELEZA RECUPERAR SUA
LIBERDADE, EU JURO POR SÃO LAMBARDOS, QUE
VELA POR ESTA GUILDA DE COMÉRCIO ROWEN, QUE
HOLO, A FREIRA, TERÁ MEU AMOR ETERNO!”

ALI, NAQUELE INSTANTE,


AMATI ERGUEU UMA
ADAGA E UMA FOLHA DE
PERGAMINHO E FEZ SUA
DECLARAÇÃO.

— AMATI,
O PEIXEIRO
ESTAS NÃO ERAM
PALAVRAS QUE MAS HOLO
PODERIAM SER SIMPLESMENTE
DITAS FORMA ZOMBOU E
LEVIANA.
“VOCÊ TEM A MIM, RESPONDEU,
NÃO TEM?” ELE “O QUE VOCÊ É
FALOU PARA MIM? NÃO —
COMPLETAMENTE O QUE EU SOU
SÉRIO. PARA VOCÊ?”
CAPÍTULO I ............................................................... 9
CAPÍTULO II ............................................................ 42
CAPÍTULO III .........................................................104
CAPÍTULO IV .........................................................154
CAPÍTULO V ..........................................................217
EPÍLOGO ................................................................254
POSFÁCIO ..............................................................268
EXTRAS ..................................................................270
aziam seis dias que Lawrence e Holo deixaram
Ruvinheigen. A cada dia que passava, o frio ficava mais
severo e o frustrantemente o céu permanecia nublado, de
modo que mesmo no auge do meio-dia, o mais fraco dos
ventos era o suficiente para provocar calafrios.
Como viajavam ao lado do rio, o frio da neblina combinava com
o ar gelado e fazia tudo isso piorar.
Até mesmo a água do rio parecia gelada. Estava turva, como se o
próprio céu nublado tivesse misturado na correnteza.
Embora Lawrence e Holo estivessem empacotados com roupas de
inverno de segunda mão que tinham comprado em Ruvinheigen, o frio
ainda era o frio.
CAPÍTULO I ⊰ 10 ⊱

E assim, suas extremidades estavam entorpecidas enquanto


Lawrence refletia com uma mistura de desgosto e nostalgia sobre os
tempos em que, como um jovem mercador, ele tinha que desistir de
proteções contra o frio em favor da carga.
Evidentemente, sete anos de experiência ajustaria até mesmo um
amador como ele para enfrentar o frio.
Além da roupa quente, havia algo amais que suavizava o frio este
ano.
Lawrence agora entrava no inverno de seu sétimo ano como
mercador desde que se tornou independente aos dezoito anos, e ele
espiava a pessoa sentada ao seu lado no banco da carroça.
Normalmente, ele sentava no banco sozinho.
Mesmo nas raras ocasiões em que ele de fato viajava com outra
pessoa, este não sentaria no banco da frente com Lawrence e
certamente não compartilharia a mesma cobertura sobre os joelhos
para se aquecer.
“Se passa algum problema?” pergunto sua companheira, seu
discurso levemente arcaico era evidente como sempre.
Ela era uma linda garota adorável que parecia estar em sua
adolescência, com estonteantes madeixas de cabelo castanho que faria
inveja a qualquer mulher da nobreza.
Mas o que Lawrence invejava não era nem seu cabelo esvoaçante
nem a túnica cara envolta ao redor do corpo dela.
Não, o que ele invejava era a cauda densamente peluda que estava
no colo dela enquanto ela a acariciava cuidadosamente.
Era do mesmo castanho que seu cabelo, com exceção da ponta
branca, e cada centímetro da cauda era tão quente quanto parecia ser.
Se fosse feito um cachecol com o pelo dessa cauda, ele seria objeto de
desejo de qualquer esposa de um nobre, mas infelizmente essa cauda
não estava à venda.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 11 ⊱

“Poderia andar logo com esse pentear e colocar sua cauda


novamente debaixo da capa?”
Sentada ali envolta em um manto, penteando o pelo de sua cauda,
Holo parecia dos pés à cabeça com uma freira fazendo algum tipo de
trabalho manual.
Ela lançou um olhar desagradável para Lawrence com seus olhos
castanhos tingidos de vermelho antes de seus lábios abrirem, dando um
vislumbre de suas presas brancas.
“Minha cauda não é o seu cachecol particular.”
A cauda em questão se mexeu levemente.
Essa mesma cauda, que um viajante ou mercador certamente
confundiria com uma simples pele de um tipo qualquer, estava de fato
ligada à sua proprietária original, que a acariciava tão
meticulosamente. E ela não tinha só uma cauda; debaixo de seu capuz
também havia um par de orelhas pontudas de lobo.
Naturalmente, estas orelhas e cauda indicavam que ela não era
uma mera humana.
Embora houvesse pessoas que, possuídas por fadas ou demônios,
tinham esta ou aquela característica inumana quando nasciam, esta
garota não era uma delas.
Sua verdadeira forma era a de uma loba colossal que morava
dentro de trigo; ela era Holo, a Sábia Loba de Yoitsu. Um adepto da
fé da Igreja se apavoraria diante de uma entidade como uma deusa
pagã, mas Lawrence superou tal medo.
Ele estava mais interessado em se apropriar da cauda da qual Holo
tinha tanto orgulho e a usar para se aquecer.
“Mas é uma pelo de excelente qualidade; colocá-lo sob a capa
manterá minhas pernas tão quentes como uma montanha de peles
deixaria.”
Assim como Lawrence desejava, Holo fungou orgulhosamente e
colocou a cauda de volta sob a capa entre suas pernas.
CAPÍTULO I ⊰ 12 ⊱

“De qualquer forma, vamos chegar na cidade em breve? Vamos


chegar antes do fim do dia, não?”
“Só um pouco adiante ao longo deste rio,” disse Lawrence.
“E então, finalmente uma refeição quente. Já enjoei desse mingau
frio. Não aguento nem mais uma colher!”
Lawrence podia se gabar de ter mais experiência em comer
comida ruim do que Holo, mas estava completamente de acordo com
ela.
Comer bem era um dos poucos prazeres de viajar, mas mesmo
esse prazer desaparecia com a chegada do inverno.
No frio congelante, as únicas opções eram o pão de centeio duro
ou mingau feito a partir do mesmo, com carne seca sem gosto ou com
aqueles poucos legumes que podiam ser armazenados por longos
períodos de tempo — alho e cebola.
Com seu olfato afiado, Holo não podia comer o alho ou cebola
mencionados anteriormente, e embora detestasse o gosto amargo de
pão de centeio, ela conseguiu engolir com água.
Para Holo, a gulosa, isso não estava longe de tortura.
“Bem, a cidade para onde estamos indo está no meio de um grande
festival, de modo que você pode esperar por todos os tipos de comida.”
“Oh ho. Mas será que sua bolsa de moedas pode lidar com tal
extravagância?”
Uma semana antes, na cidade de Ruvinheigen, a ganância de
Lawrence o levou a cair na armadilha de uma companhia de comércio
desesperada, e ele esteve a ponto de aceitar a completa ruína.
No entanto, após uma série de reviravoltas, ele evitou isso, mas
ainda não tinha conseguido lucro, e na verdade acabou com um certo
prejuízo.
Quanto às armaduras que foram a causa de tudo isso, ele acabou
as descartando em Ruvinheigen pelo preço mínimo em vez de
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 13 ⊱

transportar mercadorias pesadas mais ao norte, onde os preços


provavelmente eram ainda piores.
Apesar dos pedidos frequentes de Holo para comprar esta ou
aquela bugiganga, sua última observação mostrava alguma
consideração pelos dilemas complicados de Lawrence.
Ela frequentemente era rude e arrogante, mas seu coração era
fundamentalmente bom.
“Não se preocupe, o preço de sua alimentação está dentro do
orçamento.”
Holo ainda parecia estar preocupada com alguma coisa. “Mm...”
“Além disso, acabei não sendo capaz de comprar aquelas conservas
de pêssego em mel que prometi. Pense nisso como uma compensação
por elas.”
“É verdade... mas ainda assim...”
“O quê?”
“Estou meio preocupada com o sua moderação e meio preocupado
com a minha. Se eu comer de forma muito extravagantemente,
teremos que ficar naqueles alojamentos bem pobres.”
Lawrence sorriu ao entender. “Bem, eu estava pensando em ficar
em uma pousada decente. Certamente não vai me dizer que devemos
ter quartos separados com uma lareira em cada quarto.”
“Não iria tão longe, mas não seria bom se você usasse meu apetite
como desculpa.”
“Desculpa para o que?”
Lawrence olhou para frente para corrigir o caminho do cavalo,
nesse momento Holo se inclinou e sussurrou em seu ouvido, “Para
alugar um quarto com apenas uma cama, alegando que não tinha
dinheiro para mais. Às vezes eu prefiro dormir sozinha.”
Lawrence puxou as rédeas e o cavalo relinchou em incerteza.
CAPÍTULO I ⊰ 14 ⊱

Tendo se acostumado bastante com este tipo de provocação de


Holo, se recuperou rapidamente.
Ele forçou seu rosto a se acalmar e a lançou um olhar frio. “Não
tenho certeza se alguém que ronca tão despreocupadamente tem
direito de falar alguma coisa.”
Talvez tomada de surpresa com a rapidez da recuperação de
Lawrence, Holo se afastou dele, torcendo o lábio em desagrado.
Lawrence pressionou o ataque, de modo a não deixar esta
oportunidade rara de vitória escapar.
“Além disso, você dificilmente seria o meu tipo.”
Os ouvidos aguçados de Holo poderiam facilmente diferenciar a
verdade da mentira.
O que Lawrence acabou de dizer — de certa forma — não era
uma mentira.
O rosto de Holo congelou, talvez surpresa com a verdade das
palavras de Lawrence.
“Certamente você sabe que estou dizendo a verdade,” disse
Lawrence, se preparando para o golpe final.
Holo o encarou, estupefata por um momento, sua boca se abrindo
e se fechando sem palavras. Eventualmente, ela percebeu que sua
própria resposta faria com que Lawrence ganhasse dela.
Suas orelhas caíram por debaixo do seu capuz e baixou o olhar,
abatida.
Era a primeira vitória de Lawrence em muito tempo.
No entanto, não foi uma verdadeira vitória.
Embora não fosse necessariamente uma mentira dizer que Holo
não era seu tipo, isso também não era exatamente uma verdade.
Tudo o que precisava fazer era falar isso para ela, e sua vingança
por todo o tempo em que sofreu como seu brinquedo estaria
completa.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 15 ⊱

Ele refletiu sobre como gostava de ver Holo rindo ou o quão


inocente ela parecia enquanto dormia.
E, de fato, seu semblante abatido também era muito charmoso
para ele.
Ou, pondo de outra forma —
“Então, você gosta de me ver desse jeito, não é?”
Lawrence encontrou o olhar erguido de Holo e foi incapaz de
evitar ficar envergonhado.
“Quanta tolice. Quanto mais idiota o macho, mais fraca é a garota
que ele deseja, sem nunca perceber que sua cabeça é a parte mais fraca
de todas,” Holo zombou, piscando seus dentes brancos enquanto
virava o jogo sobre Lawrence.
“Se eu fosse uma princesa indefesa, você precisava ser o meu
cavaleiro intrépido. Ainda assim o que é você, realmente?”
Ela apontou o dedo para ele e o pressionou por uma resposta.
Inúmeras cenas passaram pela mente de Lawrence — cenas que
serviam como um lembrete doloroso de que ele não era nenhum
cavaleiro aclamado, mas um mercador viajante comum.
Holo deu um breve suspiro, evidentemente satisfeita com a reação
dele, mas então pôs seu dedo indicador no próprio queixo enquanto
parecia pensar em algo.
“Mas pensando bem, você supõe que de certa forma você seja um
cavaleiro. Hm.”
Lawrence procurou em suas lembranças, mas não conseguiu
pensar em nenhum momento em que tenha sido particularmente
valente.
“O quê, você esqueceu? Você não ficou entre mim e os meus
atacantes? Foi nos túneis sob Pazzio, durante aquela idiotice das
moedas de prata.”
“... Oh, aquilo.”
CAPÍTULO I ⊰ 16 ⊱

Lawrence se lembrou do incidente, mas ainda não se sentia


particularmente cavalheiresco. Ele tremia tanto que mal podia ficar de
pé, suas roupas em farrapos.
“Não é a força física que faz um cavaleiro. Aquela foi a primeira
vez que fui protegida por alguém.”
Holo sorriu timidamente e se aproximou de Lawrence. A rapidez
de suas mudanças de humor era sempre alarmante — rápidas o
suficiente para fazer um comerciante, mesmo um acostumado com as
mudanças nos lucros e perdas, fugir gritando.
Lawrence, no entanto, não tinha para onde correr.
“E você vai cuidar de mim de agora em diante, não é?” A “loba”
sorriu um suave e inocente sorriso que lembrava perfeitamente um
gatinho. Nenhum mercador que trabalha duro, acostumado com anos
de trabalho e de viagem, tem o direito de ver tal sorriso.
Mas esse sorriso era falso. Holo ainda estava irritada com a
afirmação de Lawrence que ela não era seu tipo — extremamente
irritada.
Lawrence estava bem ciente disso.
“... Desculpe.”
Como mágica, o sorriso de Holo se tornou verdadeiro quando
ouviu essa palavra. Ela sentou ao lado dele no banco da frente e riu
com clemência. “É disso que eu gosto em você.”
No bate e rebate de suas provocações, Holo e Lawrence eram
como dois filhotes brincando.
No fim das contas, eles estavam muito satisfeitos um com o outro.
“De qualquer forma, acho que não me importo com uma única
cama, mas vou querer o dobro de comida na janta para compensar.”
“Eu sei, eu sei,” Lawrence respondeu, limpando o suor
desagradável da testa — como se não estivesse frio.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 17 ⊱

Holo levantou a voz, rindo mais uma vez. “Então, o que tem de
saboroso nesta parte do mundo?”
“A especialidade local, você quer dizer? Bem, realmente não sei
se isso conta como uma especialidade, mas ...”
“Peixe, não é?”
Lawrence estava prestes a dizer isso, logo a resposta rápida de
Holo o surpreendeu.
“De fato. Sim, a oeste daqui há um lago. Pratos feitos com peixes
retirados daquele lago é o que se considera como especialidade local.
Mas como é que você sabe?”
Holo geralmente podia discernir as motivações das pessoas, mas
Lawrence não achava que ela poderia simplesmente ler sua mente
assim.
“Oh, apenas senti o cheiro ao vento,” ela falou, apontando para a
margem oposta do rio ao longo do qual viajavam. “Aquela caravana,
está levando peixes.”
Lawrence olhou e viu pela primeira vez uma caravana de carroças
que estava tão longe que tudo que conseguia fazer era conta-las —
certamente não poderia dizer o que carregavam. A caravana
provavelmente se encontraria com Lawrence e Holo eventualmente,
baseado na direção e velocidade com que os cavalos estavam puxando
as carroças.
“Embora eu não possa dizer que tipo peixe poderia ser. Seria algo
parecido com a enguia que comemos em Ruvinheigen?”
“Aquilo foi apenas frito em óleo. Há pratos mais elaborados —
cozidos com carne ou legumes ou preparados com especiarias. Além
disso, esta cidade tem outra especialidade.”
“Oh ho!” Os olhos de Holo brilharam, e debaixo da lona, sua
cauda abanou com expectativa.
“Pode manter sua expectativa até chegarmos lá.”
CAPÍTULO I ⊰ 18 ⊱

Holo estufou suas bochechas um pouco frustrada com a


provocação de Lawrence, mas estava longe de ficar brava.
“O que me diz de comprar alguns peixes da caravana caso se
provem de boa qualidade?” ela perguntou.
“Não entendo de peixes. Tomei um prejuízo quando lidei com
peixes uma vez, portanto tento evitá-los.”
“Mas agora você tem os meus olhos e nariz.”
“Você pode farejar a qualidade do peixe?”
“Eu meio que farejei a sua própria qualidade!” disse Holo com um
sorriso maldoso. Lawrence teve que se render.
“Misericórdia, por favor! Suponho que se tiverem alguma coisa
que vale a pena comprar, podemos escolher alguns e pedir para
prepararem para nós na cidade. Esse também é um negócio mais
vantajoso.”
“Sim! Você deve confiar em mim.”
Embora não estivesse exatamente claro onde Holo e Lawrence se
encontrariam com a caravana que ostensivamente carregava peixe, a
distância entre os dois diminuía rapidamente. Lawrence guiou o cavalo
pela estrada.
E mesmo assim — pensou Lawrence consigo, olhando primeiro
para a caravana e então para sua companheira de viagem.
Se os olhos e nariz eram bons o suficiente para dizer a qualidade
do peixe, talvez ela realmente pudesse avaliar uma pessoa da mesma
forma.
Lawrence riu com a ideia, mas ainda o incomodava.
Ele casualmente trouxe seu ombro direito até o nariz e cheirou.
Apesar de viver na estrada, não achava que cheirava tão mal — e a
própria Holo tinha apenas uma única muda de roupa.
Ele estava remoendo suas desculpas quando sentiu um olhar sobre
ele.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 19 ⊱

“Meu deus. Você é mesmo tão charmoso, não tenho ideia de como
lidar,” Holo falou exasperada.
Lawrence não tinha resposta.

O rio fluía tão devagar que de relance não parecia estar se


movendo nem um pouco. Logo, as pessoas que haviam parado para
deixar os cavalos beberem ou trocar suas cargas ficaram à vista.
Também havia um raro viajante amolador de espadas — uma espada
cravada no chão servia como uma placa. O amolador de espadas
bocejou, o queixo nas mãos, se apoiando em sua grande pedra de
amolar.
Também havia uma balsa atracada em um cais, onde estava um
cavaleiro e seu cavalo, discutindo com o barqueiro. O cavaleiro estava
apenas levemente equipado, por isso ele era provavelmente um
mensageiro deste ou daquele forte. Muito provavelmente, o barqueiro
não queria embarcar em uma viagem sem mais passageiros, o que era
o motivo da discussão.
O próprio Lawrence já ficou irritado com barqueiros que não se
dispuseram a partir quando ele estava com pressa, por isso a cena
trouxe um sorriso amargo ao seu rosto.
À medida que a terra mudava de planícies selvagens sem fim para
terras cultivadas, os camponeses fazendo o seu trabalho apareciam mais
e com mais frequência.
Não importa quantas vezes visse isso, uma mudança de cenário
que vinha junto com a atividade humana sempre fazia Lawrence feliz.
Foi nesse momento que Holo e Lawrence finalmente se
encontraram com a caravana.
Havia três carroças ao todo, cada uma puxada por um par de
cavalos. As carroças não tinham bancos de condutor, e um homem
bem vestido estava sentado no fundo da última carroça enquanto um
trabalhador contratado as guiava enquanto andava.
CAPÍTULO I ⊰ 20 ⊱

Lawrence ficou impressionado com a extravagância de utilizar


dois cavalos por carroça, mas quando se aproximaram da caravana,
percebeu que não era por vaidade.
Empilhados no leito das carroças tinham barris e caixas grandes o
suficiente para guardar uma pessoa. Alguns estavam cheios de água —
aparentemente para os peixes capturados nadarem.
Peixe não salgados de qualquer tipo eram um luxo. Peixes vivos
eram mais ainda.
Embora o transporte de peixes vivos fosse raro por si só, havia a
mais sobre a caravana que surpreendia Lawrence ainda mais.
A pessoa que evidentemente transportava estas três grandes
carroças de peixe fresco era um mercador ainda mais jovem do que
Lawrence.
“Peixes, é isso?” disse o jovem na última carroça, respondendo a
indagação de Lawrence. Ele usava o casaco tradicional de couro oleado
de um peixeiro.
“Sim, queria saber se pode me vender um pouco,” disse Lawrence,
que havia trocado de lugar com Holo.
A resposta do jovem mercador foi rápida. “Minhas mais sinceras
desculpas, mas todos os nossos peixes já foram encomendados.”
Era uma resposta inesperada; o jovem rapaz pareceu notar a
surpresa que causou em Lawrence e puxou o capuz para mostrar seu
rosto apropriadamente.
O rosto do rapaz era tão jovem quanto sua voz sugeria. Embora
não pudesse estritamente chamado de “garoto,” ele certamente ainda
não tinha vinte anos. Peixeiros geralmente eram muito ásperos e viris,
mas este jovem era excepcionalmente esguio. Seu cabelo loiro
ondulado só contribuía para sua aura refinada.
Mesmo que ele fosse tão jovem como aparentava, o fato de que
transportava três carroças de peixe fresco significava que ele não era
um mercador a ser subestimado.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 21 ⊱

“Me perdoe por perguntar, mas você é um mercador viajante?”


perguntou o rapaz.
Lawrence não pôde dizer se o sorriso do jovem era genuíno ou
mercantil, mas em todo caso, a única resposta aceitável era sorrir de
volta. “Sim, acabei de chegar de Ruvinheigen.”
“Entendo. Bem, há um lago a cerca de meio dia de viagem pela
estrada que acabamos de vir. Tenho certeza que você pode lidar com
os pescadores por lá. Eles vão trazer as excelentes carpas mais tarde.”
“Ah, não, não estou comprando para os negócios. Espera apenas
que você pudesse me vender alguns peixes para o jantar. Só isso.”
O sorriso do jovem mercador desapareceu rapidamente devido à
surpresa — esta provavelmente era a primeira vez que tinha ouvido tal
pedido.
Um mercador transportando peixe salgado a longas distâncias
estaria bastante acostumado a vender um pouco na estrada, mas tal
prática era bastante incomum ao transportar peixe fresco de um lago
nas proximidades.
A expressão de surpresa do jovem mercador logo mudou para
uma de uma análise cuidadosa.
Tendo se deparado com uma situação inesperada, provavelmente
estava tentando decidir se isso era uma nova oportunidade de negócios.
“Você é muito sério sobre o seu negócio,” disse Lawrence.
“Oh —” disse o rapaz, voltando a si e obviamente frustrado.
“Minhas desculpas! Er, isso significa que, se você está à procura de
peixe para jantar, vai parar em Kumersun, certo?”
“De fato. Para a feira de inverno e também para apreciar o
festival.”
Kumersun era o nome da cidade para onde se dirigiam, a tempo
da grande feira da cidade, que era realizada duas vezes por ano, no
verão e no inverno.
CAPÍTULO I ⊰ 22 ⊱

Também havia um festival que coincidia com a feira de Inverno.


Lawrence não sabia os detalhes, mas tinha ouvido falar que era
uma celebração pagã que faria qualquer seguidor devoto da Igreja
desmaiar.
A seis dias de viagem ao norte de Ruvinheigen, uma cidade que
até hoje funcionava como depósito de reabastecimento para as
incursões contra os pagãos da Igreja, as relações entre os pagãos e os
seguidores da Igreja não eram tão simples quanto eram no sul.
A nação que controlava as vastas terras ao norte de Ruvinheigen
era conhecida como Ploania, e havia muitos pagãos entre a realeza e
nobreza. Era natural que houvesse cidades onde a Igreja e os pagãos
coexistissem.
Como Kumersun pertencia a nobreza da Ploania, se distanciou das
questões religiosas problemáticas. Era uma grande cidade devota à
prosperidade econômica, e a Igreja era proibida de converter pessoas
por lá. Indagar se o festival da cidade era da fé da Igreja ou a da fé pagã
também era proibido de certa forma — a explicação era que era
simplesmente uma tradição da cidade.
Dado que tais festivais eram uma raridade e que os pagãos
poderiam participar com segurança, pessoas se amontoavam na cidade
todos os anos para participar do evento, que era conhecido como o
festival de Laddora.
Baseado no que Lawrence ouviu, ele planejou chegar um pouco
mais cedo a fim de evitar as multidões, mas parece que foi ingênuo.
“Posso perguntar se você já reservou acomodações?” perguntou o
jovem mercador com o rosto preocupado.
“O festival é um dia depois de amanhã. Certamente as pousadas
não estão todas ocupadas.”
“Eu te garanto, elas estão.”
Holo me moveu inquieta ao lado de Lawrence, sem dúvida
preocupada com onde ficariam.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 23 ⊱

Independente das suas habilidades de loba, a forma humana de


Holo era tão suscetível ao frio quanto um verdadeiro humano. Ela
queria sair do clima frio tanto quanto Lawrence.
Lawrence teve uma ideia.
“Ah, mas as guildas mercantis devem arranjar algum lugar para
seus membros para a grande feira, por isso vou o que consigo com
eles,” ele falou.
Entrar em contato com a guilda mercantil significava aturar um
intenso e interminável questionamento sobre Holo, então Lawrence
preferia evitar pedir algum favor para eles, mas não parecia que isso
seria possível.
“Oh, você está associado a uma guilda mercantil — posso
perguntar qual guilda?” indagou o mercador.
“A Guilda Rowen de Comércio em Kumersun.”
O rosto do jovem mercador se iluminou instantaneamente. “Que
coincidência maravilhosa! Eu também sou membro da Guilda Rowen.”
“Ah, certamente Deus ordenou isso... Ah, suponho que falar
assim seja um tabu por aqui.”
“Ha-ha, não se preocupe. Eu também sou um seguidor da Igreja
do sul.”
O jovem mercador sorriu, e então pigarreou leve e
educadamente. “Permita me apresentar. Sou Fermi Amati, um
negociante de peixe de Kumersun. Sou chamado de Amati quando faço
negócios.”
“Eu sou Kraft Lawrence, um mercador viajante — da mesma
forma, vou por Lawrence.”
Ambos se sentaram em suas respectivas carroças, mas ainda perto
o suficiente para apertar as mãos.
Lawrence agora teria que apresentar Holo.
CAPÍTULO I ⊰ 24 ⊱
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 25 ⊱

“Esta é Holo, minha companheira de viagem. Circunstâncias a


levaram a me acompanhar, embora ela não seja minha esposa,”
Lawrence falou com um sorriso. Holo inclinou sua cabeça na direção
de Amati, olhando para ele com um pequeno sorriso.
Holo era impressionante quando se dignava a ser educada.
Um Amati envergonhado se apresentou novamente, suas
bochechas coradas. “A senhorita Holo... é uma freira?”
“Ela é uma freira em peregrinação, ou algo parecido.”
Não eram apenas homens cujos corações eram tomados pela
piedade; as mulheres também saiam em peregrinação regularmente.
Tais mulheres geralmente se apresentavam como freiras em vez
de entregarem sua verdadeira identidade como mulheres da cidade em
peregrinação, já que isto evitava vários problemas.
No entanto, entrar em Kumersun vestida com roupas que fossem
imediatamente reconhecíveis como trajes da Igreja traria problemas, o
costume era prender três penas em algum lugar na roupa. O capuz de
Holo realmente tinha três magníficas penas marrons de galinha presas
a ele.
Apesar de sua juventude, Amati compreendeu tudo isso
instantaneamente, já que ele vinha do sul.
Ele não continuou o questionamento, compreendendo que a
jovem provavelmente tinha uma boa razão para estar viajando com um
mercador de tal forma.
“Em todo caso, os problemas que encontramos em nossas viagens
não são nada além de testes divinos. Digo isso porque, embora eu seja
capaz de arranjar um quarto de solteiro, infelizmente dois quartos
podem ser difíceis,” disse Amati.
Lawrence parecia surpreso com a declaração de Amati. Este sorriu
e continuou “Certamente é pela graça de Deus que somos da mesma
guilda comercial. Se eu falar com uma estalagem para a qual vendi
peixe anteriormente, tenho certeza de que posso conseguir um quarto
CAPÍTULO I ⊰ 26 ⊱

individual. Tentar conseguir um quarto através da guilda certamente


levará a todos os tipos de perguntas incômodas sobre o passado da sua
companheira.”
“Você está completamente certo, mas não acho que podemos
pedir tanto de você.”
“Sou um homem de negócios, então naturalmente esta é uma
proposta de negócio. Espero que você aprecie muitos peixes deliciosos
durante sua estadia.”
Apesar de sua juventude, este Amati com suas três carroças de
peixe fresco era claramente um homem a ser reconhecido.
Esta era a própria imagem de alguém perspicaz.
“Você é um mercador um tanto eficiente. Ficaremos felizes em
aceitar a sua oferta,” disse Lawrence, meio invejoso e meio grato.
“Entendido. Por favor deixem os preparativos comigo.”
Amati sorriu, e por apenas um momento, seu olhar desviou de
Lawrence.
Lawrence fingiu não notar, mas Amati claramente olhou para
Holo.
Era possível que ele não foi generoso só por causa de seu afiado
senso para negócios, mas também por desejar mostrar o seu melhor
para Holo.
Por um momento, Lawrence se satisfez com um senso de
superioridade, pois era ele que viajava com Holo, mas tal pensamento
tolo certamente faria com que ela o ridicularizasse depois.
Ele expulsou a ideia de sua mente e dedicou sua atenção para a
tarefa de melhorar a sua relação com o bem-sucedido jovem mercador
de peixes diante dele.
Só quando o sol começou a se pôr que eles finalmente chegaram
em Kumersun.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 27 ⊱

A mesa do jantar foi organizada em torno de uma tigela de sopa


feito com filés de carpa e vegetal básicos, em torno da qual foi
distribuído uma variedade de pratos de marisco.
A presença do mercador de peixe Amati certamente influenciava
a culinária, que era bem diferente das refeições à base de carne do sul.
Eram os caracóis cozidos que mais se destacavam.
Dizia-se que os caracóis marítimos ampliavam a longevidade,
enquanto que caramujos de água doce traziam apenas dores de
estômago, por isso eles eram evitados no sul, onde apenas mariscos
bivalves eram comidos. A Igreja até mesmo proibia comer caracóis,
alegando que maus espíritos os habitavam.
Isso era um conselho mais prático do que os ensinamentos de Deus
como previstos na escritura. Há muito tempo atrás Lawrence se
perdeu e, tendo chegado a um rio, ele recorreu aos caracóis como
alimentação. A lembrança da insuportável dor de estômago fez com
que ele evitasse comê-los desde então.
Felizmente as refeições não eram servidas em porções individuais,
e Holo parecia apreciar os caracóis.
Lawrence deixou toda a comida que seu estômago não suportava
para Holo.
“Hmm. Então é esse o gosto dos mariscos, eh?” Holo falou
impressionada, enquanto comia caracol atrás de caracol, os arrancando
de suas conchas com uma faca que Lawrence a emprestou. Lawrence
por sua vez estava comendo uma barracuda grelhada com sal.
“Não coma demais ou vai ter dor de estômago.”
“Mm?”
“Espíritos malignos vivem nos caracóis do rio. Coma-os
despreocupadamente e vai se arrepender.”
Holo deu uma rápida olhada para os caracóis que tinha acabado de
extrair de sua concha, então levantou a cabeça e os colocou na boca.
CAPÍTULO I ⊰ 28 ⊱

“Quem você pensa que eu sou? Não é só a qualidade do trigo que posso
julgar.”
“Você não disse algo sobre comer pimentas e se arrependido?”
Holo pareceu se ofender com a lembrança.
“Mesmo eu não posso determinar o gosto puramente pela
aparência. Fique sabendo que elas eram de um vermelho brilhante —
como uma fruta perfeitamente madura,” Holo disse enquanto extraia
mais um caracol. Ocasionalmente, ela fazia uma pausa para levar o
copo aos lábios e tomar um gole, fechando os olhos enquanto isso.
Uma vez que a região estava fora do alcance maligno da Igreja,
licor destilado — que a Igreja dizia ser perigoso — era vendido e
consumido livremente aqui.
O copo de Holo era preenchido com um licor quase transparente
conhecido como vinho quente.
“Devo pedir algo mais doce para você?”
“.....”
Holo sacudiu a cabeça em silêncio, mas com os olhos tão
firmemente fechados, Lawrence tinha certeza de que, se ele espiasse
sob seu manto, encontraria sua cauda eriçada como uma escova de
garrafa.
Por fim, ela esvaziou o copo e, expirando profundamente, limpou
os cantos dos olhos com sua manga.
Levando em conta o que ela bebia (que também era conhecido
como “licor agitador de almas”), era bom que Holo não estivesse mais
vestida como uma freira. Com a cabeça coberta por um lenço
triangular, ela parecia inteiramente com uma moça normal da cidade.
Holo trocou de roupa antes do jantar e foi agradecer a Amati mais
uma vez. O rosto de Amati estava tão patético com os encantos de
Holo que não só Lawrence, mas também o estalajadeiro, foi incapaz
de evitar o riso.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 29 ⊱

Como que para aumentar a sua carga de pecados ainda mais, Holo
cumprimentou Amati com ainda mais graça e charme do que
normalmente faria.
No entanto, se Amati a visse comendo e bebendo de forma voraz,
sem dúvida ele seria rapidamente despertado de seus sonhos.
Holo fungou. “É um sabor nostálgico,” ela falou com os olhos
borrados, tanto do licor quanto das lembranças de sua terra natal.
Era verdade que quanto mais ao norte você fosse, mais comum
era o licor agitador de almas.
“Eu mal posso distinguir qualquer sabor quando o licor é tão
destilado,” disse Lawrence.
Talvez cansada dos caracóis, Holo pegou o peixe assado e cozido,
respondendo feliz enquanto isso.
“Pessoas esquecem a aparência de algo depois de apenas dez anos,
mas o sabor e os aromas permanecem depois de dezenas de anos ou
mais. Este licor traz de volta muitas memórias. Ele não é muito
diferente do licor de Yoitsu, sabe.”
“Bebidas fortes são comuns no norte. Você sempre bebia isso?”
Lawrence olhava do conteúdo do copo para o rosto de Holo.
“Licores mais doces dificilmente combinam com uma loba sábia e
de tão nobre estatura,” ela respondeu com orgulho, um pedaço de
peixe no canto de sua boca.
Claro que, com base em sua aparência, era leite doce e mel que
melhor combinaria com Holo, mas Lawrence riu e concordou com
ela.
Certamente o sabor do licor a trouxe lembranças de sua terra
natal.
O sorriso feliz de Holo não poderia ser simplesmente explicado
pelo fato de ser a primeira refeição deliciosa que eles tinham em um
bom tempo.
CAPÍTULO I ⊰ 30 ⊱

Seu sorriso era como o deleite de uma garota que tinha recebeu
um presente inesperado — a primeira evidência concreta de que eles
estavam se aproximando de Yoitsu e sua casa.
No entanto, Lawrence se viu desviando o olhar.
Não era como se estivesse com medo do seu olhar fosse notado e
da provocação que certamente viria em seguida.
O fato era que ele ouviu que Yoitsu foi posta abaixo muito tempo
atrás; Lawrence tinha escondido isso de Holo desde o início de sua
parceria. Manter isso em segredo transformava o sorriso feliz de Holo
em um sol ofuscante doloroso demais para olhar.
Ele não conseguia se obrigar a destruir a agradável refeição da
noite.
Para evitar que Holo percebesse sua agitação, Lawrence se forçou
a pensar em outras coisas. Ele sorriu para Holo, que estendeu a mão
para o cozido de carpa.
“Vejo que você gostou do cozido.”
“Mm. Quem iria imaginar que a carpas quando cozidas seriam tão
saborosas? Outra tigela, por favor.”
A grande tigela com o ensopado de carpa estava fora do alcance
do Holo, então Lawrence servia para ela, mas cada vez que o fazia,
mais cebolas apareciam em seu prato de madeira. Parecia que, mesmo
cozidas, Holo não suportava cebolas.
“Onde você conseguiu comer carpas? Não tem muitos lugares que
servem isso.”
“Hm? Eu as peguei do rio. Elas são criaturas fracas, fáceis de
enganar.”
Lawrence entendeu — ela foi pescar em sua forma de lobo.
“Nunca comi carpa crua. É boa?” ele perguntou.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 31 ⊱

“As escamas ficavam presas nos meus dentes e tem muitos ossos.
Eu vi peixes maiores engolindo os menores por inteiro, então imaginei
que era delicioso, mas no fim não era.”
Lawrence imaginou a forma enorme de Holo enquanto ela
devorava uma grande carpa de cabeça erguida.
Carpas eram famosas por sua longa vida e eram reverenciadas
como sagradas e insultadas como instrumentos do diabo pela Igreja.
Por essa razão, o consumo de carpa estava confinado ao norte.
Para ser justo, parecia levemente ridículo considerar a carpa
sagrada por sua longevidade moderada quando havia lobos como Holo
vagando por aí.
“O hábito de cozinhar dos humanos é realmente bom, mas não é
só isso — o peixe foi muito bem escolhido. Esse rapaz, Amati, tem
um bom olho.”
“Para a idade dele, sim. A carga que ele estava movendo era
impressionante.”
“E, por outro lado, temos você. O que é mesmo que você está
transportando?” os olhos de Holo subitamente ficaram frios.
“Hm? Pregos. Assim como essa mesa... Oh, acho que você não
sabe o que é isso.”
“Eu sei o que são pregos. Estou dizendo que você deveria ter
investido em algo um pouco mais impressionante. Ou ainda afetado
pela sua falha em Ruvinheigen?”
Lawrence se sentiu um pouco ofendido com isso, mas era a
verdade, e então ele não podia dizer nada.
Ele se entusiasmou demais e comprou armaduras pela margem
que totalizavam cerca de duas vezes seu patrimônio pessoal e, como
resultado, ele se viu diante da falência e de uma longa vida de
escravidão. Além disso, ele fez Holo passar por problemas
significativos e humilhação.
CAPÍTULO I ⊰ 32 ⊱

Depois de ter sido humilhado, Lawrence escolheu comprar


simples pregos na saída de Ruvinheigen, por cerca de quatrocentas
moedas trenni de prata. Era uma compra conservadora que o deixava
com bastante dinheiro na mão.
“Pode não ser a mais grandiosa das cargas, mas deve gerar um
lucro justo. E não é como se não tivesse nada de atraente na minha
carroça.”
Holo inclinou sua cabeça para Lawrence, segurando uma
barracuda de rio na boca como se fosse um gato de rua.
Lawrence conseguiu chegar a uma boa réplica.
Lawrence tossiu levemente. “Quero dizer, você também está na
carroça.”
Era um pouco estranha, mas Lawrence se vangloriou por pensar
que mesmo assim era uma frase encantadora.
Quando ele sorria, tomou um gole de seu vinho quente e olhou
para Holo, viu que ela havia parado de se mover e parecia bastante
surpresa.
“...Bem, acho que isso é tudo que você é capaz de falar,”
finalmente ela disse com um suspiro.
“Você sabe, não vai te matar ser um pouco mais agradável
comigo,” disse Lawrence.
“Ah, mas se você tratar um macho muito bem, ele logo vai esperar
por isso o tempo todo. Então você não vai ouvir nada a não ser as
mesmas palavras tolas o tempo todo.”
“Ugh...” Lawrence não podia deixar que essa desfeita saísse sem
resposta. “Tudo bem, então. De agora em diante eu vou...”
“Seu tolo,” disse Holo, o interrompendo. “Quão preciosa você
acha que é a bondade de um homem?”
“.....” Lawrence franziu a testa e escapou para sua bebida, mas
Holo estava caçando agora.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 33 ⊱

“E tudo que preciso fazer para conseguir a sua bondade é parecer


triste, não é?”
O rosto inocente dela o acusou, e Lawrence não tinha resposta.
Holo era injusta.
Ele olhou para ela, ressentido, mas ela apenas sorria
agradavelmente.

Tendo terminado sua primeira refeição adequada em muitos dias,


Holo e Lawrence voltaram para sua pousada, onde as ruas eram
tranquilas.
Eles chegaram em Kumersun no pôr do sol, mas as ruas estavam
muito mais congestionadas do que Lawrence previu.
Se não tivessem encontrado Amati, certamente teriam que ir para
a guilda mercantil para conseguir um quarto e poderiam até acabar se
hospedando em um quarto na própria sede da guilda.
Em toda parte da cidade, esculturas de madeira e bonecos de
trigo, cuja inspiração era incerta, se alinhavam nas ruas, com bandas e
bobos inundando até a mais estreita das vielas.
A grande feira que tinha lugar na grande praça no extremo sul da
cidade teve sua duração estendida, e se agitava com uma energia que
se adequava com a palavra festival. Mesmo os artesãos que
normalmente não eram autorizados a vender seus produtos aqui
tinham barracas levantadas ao longo da rua larga.
De volta à estalagem, Lawrence abriu a janela para esfriar o seu
corpo, ainda quente por causa do licor forte. Ele ainda podia ver alguns
lojistas arrumando suas barracas, iluminados pelo luar.
O quarto que Amati arranjou para eles estava em uma das
melhores estalagens da cidade, uma que Lawrence nunca teria
considerado se hospedar. O quarto era no segundo andar, com vista
para a rua larga que corria de norte a sul através do centro da cidade,
não muito longe do cruzamento com a contraparte de leste-oeste da
CAPÍTULO I ⊰ 34 ⊱

rua. Assim como Holo esperava, havia duas camas. Claro, Lawrence
não poderia deixar de suspeitar de que as duas camas do quarto
também foram devido à insistência de Amati.
Pensar assim acalmava Lawrence, mas ele ainda estava grato pela
assistência de Amati, então abandonou essa linha de pensamento e
olhou para a rua.
Todo mundo na ampla avenida parecia estar cambaleando para
casa.
Lawrence riu e olhou para trás para ver Holo sentada de pernas
cruzadas sobre a cama, se servindo de mais um copo de vinho como se
ela já não tivesse bebido o suficiente.
“Não venha lamentar para mim se estiver de ressaca amanhã. Você
já esqueceu o que aconteceu em Pazzio?”
“Mm. Oh, só isso não tem problema. Bom licor nunca perdura
depois beber. E quem sou eu para recusar tal companhia?”
Agora que terminou de servir, ela alegremente levou o copo aos
lábios, então comeu um pouco de truta seca que sobrou do jantar.
Se for deixada sozinha, Holo provavelmente comeria e beberia até
entorpecer, mas Lawrence ainda estava grato pelo seu humor
agradável.
Ele tinha que abordar um assunto que estava longe de ser o seu
favorito.
A razão pela qual alterou a sua rota anual usual, que incluía
Kumersun apenas nos meses de verão, era porque estava indo para a
terra natal de Holo.
Lawrence não sabia exatamente onde a casa de Holo, Yoitsu,
ficava. Embora tivesse ouvido seu nome, que estava em uma história
dos tempos antigos, o que não proporcionava nenhum senso concreto
de sua localização.
Ele evitou a pressionar por mais informações até o momento,
porque toda vez que o assunto vinha à tona, ela sorria com nostalgia,
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 35 ⊱

mas logo afundava em depressão ao lembrar da distância, tanto


temporal quanto espacial, que a separava de casa.
Como era bastante triste, isso era motivo o suficiente para que ele
hesitasse falar sobre Yoitsu.
Mas se Lawrence mencionasse isso agora que estavam chegando
mais perto, não haveria nada para ficar triste, pensou. Ele se sentou na
mesa que colocada contra a parede e falou.
“Então, antes da bebida te derrubar, há algo que quero te
perguntar.”
As orelhas expostas de Holo se mexeram imediatamente.
Seu olhar veio logo em seguida. “E o que isso seria?”
Evidentemente, seus sentidos aguçados de loba já notaram que
Lawrence não pretendia jogar conversa fora. Um leve sorriso curvou
os lábios dela, um sinal claro de seu bom humor.
Lawrence forçou as palavras a saírem de sua boca. “É sobre a sua
aldeia natal.”
Holo imediatamente sorriu e tomou outro gole.
Isso era estranho; Lawrence esperava que ela ficasse séria com a
menção de Yoitsu.
Assim que concluiu que ela já devia estar bêbada, Holo tragou seu
vinho e falou.
“Então você não sabe onde é, não é? Eu estava começando a me
perguntar quando você iria perguntar.” Então, olhando para baixo
como se estivesse olhando para o reflexo do seu sorriso no vinho, Holo
falou, “Realmente acha que eu me partiria em pedaços cada vez que
mencionasse Yoitsu? Pareço tão fraca?”
Lawrence considerou mencionar a vez em que ela havia chorado
por sonhar com sua terra natal, mas Holo certamente estava ciente
disso. Sua cauda abanava alegremente.
“Claro que não,” disse Lawrence.
CAPÍTULO I ⊰ 36 ⊱

“Tolo. Era sua chance de dizer ‘Sim, você parece!’”


Sua cauda balançou uma vez, como se tivesse recebido a resposta
que ela realmente queria.
“Ainda assim, você se preocupa com as coisas mais estranhas.
Então finalmente decidiu falar sobre isso agora, depois de ver meu bom
humor? Tão delicado.” Ela riu enquanto bebia seu vinho e então
continuou, “Não posso dizer que isso não me deixa feliz, embora seja
a sua tolice que é tão divertida. Por acaso planejou se perder nas terras
do norte antes de finalmente me perguntar?”
Lawrence deu de ombros. “Vai me dizer onde fica Yoitsu para que
eu não pareça mais tolo do que o necessário?”
Holo fez uma pausa, tomando um gole do seu copo.
Ela deu um longo suspiro.
“Não me lembro exatamente.”
Ela continuou, como que antecipando protesto iminente de
Lawrence por pensar que ela estava brincando.
“Eu sei a direção, com certeza. É por esse caminho.”
Lawrence olhou na direção que ela apontou, que era obviamente
ao norte.
“Mas não me lembro de quantas montanhas devemos atravessar,
nem quantos rios, nem por quanto se deve caminhar pelas planícies.
Pensei que iria lembrar quando fossemos nos aproximando — isso não
é o bastante?”
“Você não consegue nem mesmo me dar uma dica de onde isso
pode ser? O caminho não é uma reta, e uma vez que chegarmos país
do norte, mapas serão difíceis de encontrar. Dependendo da
localização, o caminho poderia ser cheio de desvios. Você se lembra
do nome de algum dos lugares próximos, por exemplo?”
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 37 ⊱

Holo ponderou por um momento, um dedo pressionado em sua


têmpora. “Me lembro de Yoitsu e Nyohhira. E... hmm... como era...
Pi —”
“Pi?”
“Pire... não, Piro... É isso! Pirohmoten.”
Holo parecia bastante feliz por ter se lembrado do nome, mas
Lawrence apenas inclinou a cabeça. “Nunca ouvi falar desse lugar. Tem
mais alguma coisa?”
“Er... haviam muitas cidades, mas elas não tinham nomes como as
cidades têm agora. Era possível apenas apontar e dizer a cidade era
além daquela montanha, e isso era o suficiente. Não precisávamos de
nomes.”
Era verdade; Lawrence foi surpreendido por isto na primeira vez
que visitou o norte. Ele chegou em uma cidade e descobriu que seu
nome era usado apenas por viajantes. Nem seus residentes, nem os
povos que viviam nas proximidades sabiam ou se importavam com o
nome da cidade.
Havia pessoas idosas que afirmavam que nomear uma cidade traria
a atenção dos maus espíritos.
Sem dúvida o que eles realmente queriam dizer com “maus
espíritos” era a Igreja.
“Bem, então vamos começar em Nyohhira. Eu sei onde é.”
“Esse nome traz de volta boas memórias. As fontes termais ainda
estão lá?”
“Ouvi dizer que os nobres e bispos visitam secretamente a cidade
por causa de suas fontes termais, apesar do fato de serem terras pagãs.
Segundo o rumor, ela é deixada de lado pelos ataques da Igreja por
causa dessas fontes termais.”
“Essas fontes não pertencem a nenhum grupo, afinal de contas,”
disse Holo antes de tossir levemente. “Se Nyohhira é o nosso objetivo,
então de Nyohhira a direção é essa.”
CAPÍTULO I ⊰ 38 ⊱

Holo apontou sudoeste — não para o norte para o alívio de


Lawrence.
Qualquer lugar além de Nyohhira significava terras onde a neve
nunca derretia, mesmo no verão.
No entanto, mesmo sabendo que Yoitsu ficava a sudoeste de
Nyohhira, ainda sobrava uma região muito ampla.
“Quanto tempo levava para ir de Yoitsu para Nyohhira?”
“Para mim, dois dias. Para um humano... não sei.”
Lawrence lembrou da vez que tinha montado nas costas de Holo
quando ela estava na forma de loba, perto de Ruvinheigen. Ela não
teria dificuldade em atravessar estradas precárias.
Isso ainda deixaria muita área para procurar, mesmo partindo de
Nyohhira. Procurar por uma cidade que poderia ser apenas uma
pequena aldeia seria como procurar uma agulha em um deserto. Era
precisamente porque o próprio Lawrence era um mercador viajante,
que estava acostumado a andar de cidade em cidade, que ele entendia
a dificuldade envolvida.
Ainda havia o fato de que Lawrence tinha ouvido que Yoitsu foi
destruída por um grande espírito de urso.
Se isso fosse verdade, encontrar os restos de uma cidade que foi
destruída séculos atrás seria verdadeiramente impossível.
Lawrence não era um nobre com o luxo de passar seus dias ocioso.
Ele só podia desviar da sua rota original de comércio por seis meses.
Seu erro em Ruvinheigen o havia deixado ainda mais distante do seu
objetivo de abrir uma loja, e ele não algo como tempo de sobra.
Ele estava pensando em tudo isso quando algo finalmente lhe
ocorreu.
“Você não pode encontrar o caminho sozinha de Nyohhira? Você
sabe a direção por alto, certo?”
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 39 ⊱

Se fosse apenas dois dias de Nyohhira, então, assim como Holo


disse, ela provavelmente seria capaz de se lembrar dos detalhes assim
que chegasse mais perto.
As palavras simplesmente saíram de sua boca sem qualquer
intenção maldosa em particular, mas assim que Lawrence terminou de
falar, ele percebeu seu erro.
Holo olhou para ele, atordoada.
A surpresa também dominou o rosto de Lawrence quando Holo
desviou o olhar.
“S-sim...se eu chegar até Nyohhira, eu certamente poderia
encontrar meu caminho para Yoitsu.”
Holo forçou um sorriso. Lawrence se perguntava o que havia de
errado, então expressou um súbito “Ah —” ao perceber.
Na cidade portuária de Pazzio, Holo havia dito que a solidão era
uma doença mortal.
Holo temia a solidão acima de tudo. Mesmo que não quisesse dizer
nada com isso, ela entenderia sua sugestão errado, e ela tinha bebido
demais.
Ela provavelmente entendeu sua sugestão no sentido de que ele
havia se cansado de procurar por sua terra natal.
“Hey, espere um minuto. Não me entenda errado. Não há
nenhum motivo para eu não esperar em Nyohhira enquanto você
procura Yoitsu por alguns dias.”
“Sim. Isso seria o suficiente. Você vai me levar até Nyohhira, não
vai? Eu tinha esperança de ver mais algumas cidades.”
A conversa mudou tão suavemente que era quase como uma
decepção, e Lawrence teve que atribuir isso à mente ágil do Holo.
Apesar de seu agrado aparente, havia algo errado por trás disso.
Holo esteve longe de sua terra natal por séculos. Assim como na
lenda que Lawrence ouviu, ela deve ter considerado a possibilidade de
CAPÍTULO I ⊰ 40 ⊱

que Yoitsu já não existia, e mesmo que existisse, os incontáveis meses


e anos teriam provocado grandes mudanças. Ela deve estar cheia de
incertezas.
Sem dúvida ela estava com medo de ir para a sua terra natal
sozinha.
Essa incerteza estava disfarçada com um inocente sorriso feliz de
Holo, quando ela afirmou que o licor a fazia se lembrar de Yoitsu.
Pensar por algum tempo deixou isso claro, e Lawrence se
arrependeu de sua sugestão.
“Escute, eu tenho toda a intenção de ajudá-la o máximo que eu
puder. O que eu disse antes —”
“Não te disse o quão precioso é a gentileza de um macho? Não
posso aceitar você sendo gentil demais.”
Holo forçou um sorriso misturado com sua expressão de
preocupada enquanto colocava o copo em cima da cama e continuava,
“Porém, sou eu que estou errada. Não posso evitar pensar nas coisas
apenas da minha perspectiva. Mas vocês humanos, vocês ficam velhos
no que parece ser apenas um piscar de olhos para mim. Sempre me
esqueço o quão precioso é um único ano para alguém com um tempo
de vida tão curto.”
O luar entrava pelas grandes janelas do quarto, iluminando Holo.
Ela parecia quase irreal para Lawrence naquele momento; ele hesitou
em se aproximar dela por temer que ela desaparecesse.
Holo levantou o olhar depois de observar o conteúdo do seu copo,
ainda com o mesmo sorriso perturbado.
“Você realmente é muito bondoso. O que devo fazer com quando
me olha assim?”
Qual era a coisa certa a dizer? Lawrence não conseguia encontrar
as palavras que queria.
Uma fenda inegavelmente se formou entre os dois.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 41 ⊱

No entanto, as palavras para fechá-la não chegavam. Uma mentira


conveniente seria inútil já que Holo veria através dela
instantaneamente.
As palavras de Holo tornou as coisas complicadas para Lawrence
dizer o quer que fosse. Ele não poderia simplesmente dizer que iria
com ela para Yoitsu não importa quantos anos levasse. Mercadores
eram práticos demais para tal grandiosidade. Os muitos séculos de vida
de Holo eram demais para ele.
“Fui eu que perdi a noção do óbvio. Fiquei muito confortável ao
seu lado. Presumo que... até demais,” disse Holo com um sorriso
parcialmente consciente, suas orelhas se mexendo com seu embaraço.
Ela falava como uma donzela de algum lugar do fundo do seu coração.
Mas tal honestidade não trouxe a Lawrence nenhum prazer.
Era como se Holo estivesse dizendo adeus.
“Heh, parece que estou bastante bêbada. Melhor eu ir dormir, ou
quem sabe o que vou acabar dizendo.”
Holo nunca foi discreta nos momentos mais importantes, mas a
forma como ela falou fez parecer como se estivesse simplesmente se
fingindo de valente.
No final, Lawrence foi incapaz de dizer qualquer coisa para ela.
Tudo o que podia fazer era aceitar que ela ainda não tinha
simplesmente se arrumado e ido embora. Parecia simultaneamente
impensável e totalmente provável que ela faria uma coisa dessas.
Lawrence queria gritar consigo mesmo por ser tão impotente em
ajudá-la.
A noite caiu em silêncio.
Os gritos dos foliões bêbados podiam ser ouvidos através da
janela.
ão importa o quão atormentado com preocupações a
mente de um mercador possa estar, é dito que eles
sempre conseguem dormir bem.
Então, apesar da preocupação de Lawrence que Holo
pudesse ir embora sozinha durante a noite, Lawrence dormiu
profundamente e acordou com o canto dos pássaros que entrava pela
janela.
Ele não fez nada de tão alarmante como pular freneticamente para
fora da cama, mas Lawrence ainda olhou para a cama ao lado dele e
suspirou de alívio quando viu que Holo ainda estava lá.
Ele saiu da cama e olhou para fora da janela. Estava bastante frio
dentro do quarto, mas o ar do lado de fora no início da manhã ainda
estava ainda mais frio; sua respiração se transformava em vapor branco.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 43 ⊱

No entanto, o ar frio estava perfeitamente claro — uma manhã


feita de cristais.
Já haviam pessoas nas ruas em frente a estalagem. Olhando para
os mercadores da cidade, que se levantavam ainda mais cedo do que os
mercadores viajantes que são conhecidos por levantarem cedo,
Lawrence organizou os planos para o dia em sua cabeça, finalmente,
dizendo “muito bem” para si mesmo quando eles ficaram em ordem.
Embora isso não exatamente iria compensar o erro da noite
anterior, Lawrence queria ser capaz de apreciar plenamente o festival
— que começava no dia seguinte — com Holo, e isso significava
concluir seus negócios hoje.
A primeira prioridade dos negócios seria vender a mercadorias
que conseguiu em Ruvinheigen, pensou nisso enquanto se virava
voltando seu olhar para o quarto.
Ainda com coração um pouco pesado por causa da noite anterior,
Lawrence caminhou até sua companheira, que dormia profundamente
como de costume, com a intenção de acordá-la — quando parou e
franziu as sobrancelhas.
Não era estranho Holo dormir até a hora que quisesse, mas outra
coisa estava errada.
Definitivamente não se podia ouvir seu ronco despreocupado
habitual.
Lawrence se perguntava se o silêncio era o que ele pensava ser
enquanto estendia a mão até ela. Ela pareceu notar; o cobertor se
agitou brevemente.
Ele levantou as cobertas gentilmente.
O que viu o fez suspirar.
O rosto de Holo sob as cobertas era mais patético do que qualquer
gatinho abandonado.
“Ressaca de novo, hein?”
CAPÍTULO II ⊰ 44 ⊱

Suas orelhas se moveram levemente; talvez doesse muito mover a


cabeça.
Ele pensou em provocar Holo por causa isso, mas se lembrou da
noite anterior e pensou melhor. Em todo caso, ela não estaria disposta
a ouvir.
“Vou trazer um copo de água e um balde só por precaução. Apenas
se comporte e descanse.”
Ele deu mais ênfase no “se comporte,” com isso suas orelhas se
moveram mais uma vez.
Lawrence não achava que ela se comportaria só porque ele falou,
mas era improvável que ela sairia vagando por aí em seu estado atual.
Dada a impossibilidade de Holo pegar suas coisas e sair por conta
própria, ele se deixou relaxar um pouco.
Ele sabia que Holo era plenamente capaz de simular uma ressaca,
mas seu rosto estava tão pálido que duvidava que esta fosse falsa.
Tirando esse pensamento da sua cabeça, ele terminou seus
preparativos para sair sem dizer mais uma palavra e então voltou para
o lado da cama de Holo — ela evidentemente era incapaz de sequer se
virar de lado.
“O festival não vai começar até amanhã, então não precisa se
preocupar.”
O alívio surgiu instantaneamente no rosto exausto e devastado
pelo álcool de Holo; Lawrence teve que rir.
Parece que até mesmo sofrer com a ressaca era menos importante
para Holo do que participar do festival.
“Estarei de volta à tarde.”
As orelhas de Holo estavam paradas; esta afirmação não a
interessava.
Lawrence deu um sorriso forçado e assim os cantos da boca de
Holo se enrolaram lentamente em um sorriso.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 45 ⊱

Ela parecia estar fazendo isso de propósito.


Lawrence deu de ombros e novamente colocou o cobertor sobre
Holo. Sem dúvida ela ainda estava sorrindo lá embaixo.
Mesmo assim, ele estava genuinamente aliviado que ela parecia
não guardar rancor da noite anterior.
Enquanto saia do quarto, Lawrence deu mais uma olhada para
Holo. Sua cauda que estava fora do cobertor balançou duas vezes,
como que dando tchau.
Pensando em comprar algo saboroso para ela, ele fechou a porta
atrás de si.

Tentar fazer negócios antes do sino que abre um mercado


geralmente não é bem recebido em qualquer cidade — e isso é ainda
mais verdadeiro quando se está espremido bem no meio do mercado.
No entanto, dependendo do tempo e das circunstâncias, esta regra
pode ser distorcida.
Em Kumersun as pessoas eram quase encorajadas a reduzir o
congestionamento que vinha com a abertura do mercado durante o
festival.
Então, apesar da hora adiantada, com o sol começando a surgir
acima dos edifícios, o mercado — que ocupava metade da praça sul de
Kumersun — já estava cheia de mercadores.
Aqui e ali haviam pilhas de caixas e pilhas de sacos de estopa,
porcos, galinhas e todo tipo de animais amarrados ou enjaulados nos
espaços apertados entre mercadorias e barracas. Como Kumersun era
o maior exportador de peixes nessa região sem litoral, era fácil ver
peixes nadando em grandes barris de água fresca, não muito diferente
dos que Amati carregava no dia anterior.
Assim como Holo era incapaz de esconder sua excitação diante de
uma sequência de barracas de comida, o pulso de Lawrence não
CAPÍTULO II ⊰ 46 ⊱

poderia deixar de acelerar quando via a vasta gama de mercadorias no


mercado.
Quanto lucro alguém poderia fazer transportando estes bens para
aquela cidade? Esta outra mercadoria era tão abundante que deve haver
um excedente naquele local — será que o preço é mais baixo? Tais
pensamentos rodopiavam pela mente de Lawrence.
Quando estava apenas começando como um mercador, Lawrence
não tinha noção do que era um preço favorável para um produto, então
ele vagava sem rumo sem saber o que fazer — mas agora ele podia
discernir todo o tipo de informação.
Uma vez que um mercador compreendia totalmente esta
intrincada teia de mercadorias, ele se tornava como um alquimista,
transmutando chumbo em ouro.
Lawrence se sentiu tonto com o poder que esta ideia oferecia até
que se lembrou de seu fracasso em Ruvinheigen, com o que ele riu,
decepcionado.
Afinal, deixar a avareza te cegar facilitaria seu tropeço.
Ele respirou fundo para se acalmar, agarrando as rédeas e se
dirigindo para o centro do mercado. A barraca da qual finalmente se
aproximou já começava seu dia de trabalho, como todas as outras. O
dono da loja tinha apenas um ano de diferença de Lawrence e também
tinha começado como um mercador viajante. O fato de que ele tinha
se tornado um mercador de trigo adequado — com uma tenda
completa que, apesar de seu pequeno tamanho, tinha um teto decente
— era geralmente atribuído à boa sorte do homem. Ele havia até
mesmo adotado o estilo de barba quadrangular que era comum na
região.
O mercador de trigo mencionado — Mark Cole — ficou
momentaneamente surpreso ao ver Lawrence, mas imediatamente se
recompôs e levantou a mão em saudação, sorrindo.
O outro mercador com quem Mark conversava também se virou
para encarar Lawrence, assentindo em saudação. Nunca se sabe
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 47 ⊱

quando se pode encontrar alguém que possa vir a se tornar um parceiro


de negócios, por isso Lawrence mostrou seu melhor sorriso de
mercador e fez um gesto para que eles não se importassem e
continuassem a conversa.
“Le, spandi amirto.Vanderji.”
“Ha-ha. Pireji. Bao!”
Evidentemente, sua conversa já estava terminando; o homem
falou com Mark em uma língua que Lawrence não entendia e depois
se despediu. Naturalmente, Lawrence não se esqueceu de dar ao
homem um outro sorriso profissional enquanto ele partia.
Ele guardou o rosto do homem na memória para o caso de se
encontrarem novamente em alguma outra cidade.
Estas eram as pequenas interações que se acumulavam ao longo do
tempo, eventualmente gerando lucro.
O mercador — que provavelmente era de algum lugar nas terras
do norte — desapareceu na multidão e Lawrence finalmente desceu
de sua carroça.
“Acho que interrompi o seu negócio.”
“De forma alguma! Ele já estava cansando meu ouvido sobre o
quão grato ele era ao deus da montanha Pitra. Você me salvou,” disse
Mark, enrolando uma folha de pergaminho enquanto se sentava sobre
uma caixa de madeira. Ele riu da conversa tediosa que teve com o
homem.
Mark, assim como Lawrence, era um membro da Guilda Rowen
de Comércio. Sua relação era resultado de se verem todo ano no
mesmo mercado para fazer comércio, e os dois se conheciam desde o
início de suas respectivas carreiras. Eles poderiam facilmente pular as
formalidades habituais.
“Se eu soubesse que seria assim, não teria me incomodado em
aprender a língua deles. Eles não são más pessoas, mas uma vez que
CAPÍTULO II ⊰ 48 ⊱

descobrem que você pode entendê-los, você nunca vai parar de ouvir
sobre o quão grande é deus deles.”
“Pode ser que uma divindade local é melhor do que um deus que
nunca sai do santuário exceto quando percebem o brilho do ouro, não
é?” disse Lawrence.
Mark riu, batendo na própria cabeça com o pergaminho enrolado.
“Você não está mentindo! E dizem que os deuses da colheita são todas
belas mulheres.”
O rosto de Holo apareceu na mente de Lawrence. Ele assentiu e
sorriu, mas é claro que não disse o que veio à mente: Mas elas têm
personalidades terríveis.
“De qualquer forma, chega dessa conversa. Serei repreendido pela
patroa, com certeza. Vamos falar de negócios? Presumo que é por isso
que está aqui.”
A expressão de Mark passou de amigável para de profissional.
Embora não houvesse necessidade de formalidades entre os dois, o
relacionamento deles era calculado. Lawrence se preparou para a
negociação e falou.
“Eu trouxe pregos de Ruvinheigen. Pensei que você pudesse
comprá-los.”
“Pregos, eh? Sou um vendedor de trigo. Por acaso você ouviu por
aí que agora fechamos nossos sacos de trigo à prego? Acho que não.”
“Ah, mas em breve você vai ter muitos clientes comprando
suprimentos para o longo inverno. Você poderia vender esses pregos
juntos com o trigo. As pessoas precisam fortalecer suas casas contra a
neve.”
Mark olhou para o céu por um momento antes de voltar seu olhar
para Lawrence.
“Suponho que seja verdade... Pregos, certo. Quantos?”
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 49 ⊱

“Tenho cento e vinte pregos de três paté de comprimento,


duzentos e quatro paté e duzentos de cinco paté, juntamente com uma
declaração de qualidade da guilda dos ferreiros de Ruvinheigen.”
Mark coçou a bochecha com uma extremidade do pergaminho
enrolado e suspirou. Esta relutância fingida era uma mania comum dos
mercadores.
“Vou levar o lote por dez lumiones e meio”.
“Qual é a cotação atual do lumione? Em trennis de prata.”
“Trinta e quatro quando o mercado fechou ontem. Então isso
daria... 357 trennis.”
“Muito pouco, sir” disse Lawrence.
O montante não era nem mesmo a quantia que Lawrence gastou
para comprar os pregos. A testa de Mark franziu com a resposta rápida
de Lawrence.
“Você ouviu falar sobre a queda nos preços de armaduras?” Mark
perguntou. “Sem as expedições militares para o norte neste ano, as
pessoas estão se livrando de armaduras e espadas por todos os lados, o
que significa que há um excesso de ferro cru. Mesmo pregos estão mais
baratos agora — até dez lumiones é um preço generoso.”
Essa era a resposta que esperava, então Lawrence se acalmou e
respondeu.
“Sim, mas isso é no sul. Onde há bastante ferro para ser derretido,
o preço do combustível vai subir o suficiente para fazer com que isso
seja impraticável. Se puder comprar lenha suficiente para derreter o
ferro nesta época do ano em Ploania, eu certamente gostaria de ver.
Qualquer um que tente fazer isso provavelmente terá sua cabeça
partida por um machado.”
Quando o inverno chegava nas regiões com muita neve, o
fornecimento de lenha estagnava. As fornalhas para o ferro, com o
apetite interminável por combustível, eram abandonadas durante o
inverno, o preço da lenha dispararia imediatamente, e em breve ele se
CAPÍTULO II ⊰ 50 ⊱

encontraria no centro das maldições das congeladas pessoas da cidade.


Assim, mesmo que a matéria-prima para os pregos de repente estivesse
sobrando na região, o preço original desses pregos deveria se manter
estável.
Qualquer mercador com um pouco de experiência seria capaz de
ligar os fatos.
Sem surpresa, Mark sorriu. “Ora vamos, você deveria estar
vendendo estes pregos para um pobre mercador de trigo? Se fossem
grãos, certamente eu saberia como comprá-los barato, mas pregos
estão longe de ser a minha especialidade.”
“Então, dezesseis lumiones.”
“Muito caro. Treze.”
“Quinze.”
“Quatorze e dois terços.” O rosto de Mark se endureceu,
deixando-o parecido com um tronco.
Lawrence podia dizer que não conseguiria ir além nessa
negociação.
Pressionar só prejudicaria essa relação de negócios. Lawrence
assentiu e estendeu a mão direita. “Feito, então.”
“Obrigado, parceiro da guilda!” Mark disse com um sorriso,
apertando a mão de Lawrence.
Certamente isso era um grande compromisso para Mark.
Como um mercador de trigo, Mark não era, estritamente falando,
autorizado a comprar ou vender pregos. Qual mercador poderia
vender quais produtos era decidido pela respectiva guilda, de modo
que para estocar um novo item, um mercador tinha que obter a
permissão dos outros mercadores que já vendiam esse item ou incluí-
los nos lucros.
À primeira vista, esta regra parecia obstruir o livre comércio, mas
se ela estivesse ausente, companhias gigantes com enormes
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 51 ⊱

quantidades de capital em breve engoliriam todo o mercado. A regra


era projetada para impedir que isso acontecesse.
“Você prefere acertar isso em moeda ou em crédito?” perguntou
Mark.
“Crédito, por favor.”
“Graças a Deus. Há tantos acordos em dinheiro nesta época do ano
é difícil acompanhar.”
Enquanto comerciantes não tinham problemas em manter o
controle de seus negócios em seus livros de registros, muitas pessoas
que traziam mercadorias para as aldeias e vilas gostariam de ser pagas
apenas com moedas.
Mas a escassez de moedas era um sério problema em toda a cidade.
Mesmo que um mercador tivesse créditos o suficiente para
comprar um determinado bem, sem a moeda para fazer o pagamento
não poderia haver comércio. E para um agricultor analfabeto, a nota
promissória não serviria nem para assoar o nariz.
Na natureza, o cavaleiro com sua espada era o mais forte, mas nas
cidades, a moeda se igualava ao poder. Foi por isso que a Igreja ficou
tão rica. Coletando dízimos semana após semana, não havia como
deixar de se tornar poderosa.
“Então, já que estou recebendo em crédito, tenho um favor a te
pedir,” disse Lawrence enquanto Mark se aproximava para descarregar
o saco de pregos da carroça. O rosto do mercador de trigo ficou
instantaneamente cauteloso.
“Não é nada terrivelmente importante. Tenho que ir para o norte
para resolver um assunto, me pergunto se você não poderia perguntar
as condições das estradas e os pedágios por lá. Aquele seu cliente
anterior, ele era do norte, não?”
Vendo que o pedido de Lawrence não tinha nada a ver com
negócios, Mark visivelmente relaxou.
CAPÍTULO II ⊰ 52 ⊱

A mudança em sua expressão era obviamente intencional,


Lawrence notou com desgosto. Provavelmente era a maneira de Mark
de se vingar por Lawrence vender os pregos tão caro.
“Aye, isso é fácil,” disse Mark. “Embora fosse mais fácil se viesse
no verão como de costume. Deve ser algo muito importante para fazer
você ir para o norte no meio do inverno.”
“Bem, você sabe como é. Mas devo dizer que não tem nada a ver
com negócios.”
“Ha-ha-ha. Mesmo o mercador sempre viajante não pode se livrar
das pequenas obrigações da vida, não é? Então, para onde você está
indo?”
“Um lugar chamado Yoitsu. Já ouviu falar?”
Mark se inclinou sobre a carroça enquanto levantava uma
sobrancelha. “Não posso dizer que sim. Mas quem sabe quantas
pequenas cidades e aldeias eu nunca ouvi falar. Então, quer que eu
encontre alguém que a conheça?”
“Bem, de qualquer forma, estamos indo para Nyohhira, então se
puder perguntar sobre Yoitsu como uma espécie de ‘e por acaso’; já
seria o suficiente.”
“Certo. Então, se está indo a Nyohhira você vai atravessar as
planícies de Dolan.”
“Então você sabe o caminho? Isso torna as coisas mais fáceis para
mim.”
O mercador de trigo concordou e bateu no peito, como se
dissesse “deixe comigo.” Mark certamente seria capaz de coletar as
informações que Lawrence precisava.
Em primeiro lugar, era exatamente por isso que Lawrence tinha
vindo até Mark, mas se tivesse interrompido o mercador de trigo
durante a mais movimentada das estações simplesmente para reunir
informações sem trazer algum negócio consigo, isso teria pesado em
sua consciência — e Mark não teria ficado nada satisfeito.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 53 ⊱

É por isso que ele trouxe os pregos para vender. Lawrence estava
bem ciente de que Mark conhecia muitos ferreiros da área. Seria fácil
para Mark vender os pregos a qualquer um deles por um lucro
garantido.
Mark seria até mesmo capaz de pedir uma parte do pagamento
pelos pregos em dinheiro. Como um mercador de trigo — cuja última
chance de salvar dinheiro estava se aproximando rapidamente — a
chance de ter um pouco de moeda em suas mãos provavelmente o faria
mais feliz do que qualquer lucro escasso.
E como Lawrence esperava, Mark concordou prontamente. Isso
resolvia a necessidade de reunir informações para a viagem a seguir.
“Oh, sim. Tem outra coisa que gostaria de te perguntar. Não se
preocupe, isso vai ser rápido,” disse Lawrence.
“Eu pareço tão mesquinho?”
Lawrence viu o sorriso decepcionado de Mark. “Por acaso esta
cidade tem algum cronista?”
“Cronistas...? Oh, você quer dizer aquelas pessoas que escrevem
esses diários intermináveis sobre os eventos da cidade?”
Cronistas recebiam pagamentos de nobres ou oficiais da Igreja
para registrar a história de determinada área ou cidade.
Lawrence não podia deixar de rir ao ouvir Mark chamar com
desprezo o trabalho deles de “diários intermináveis.”
Não era inteiramente correto, mas não estava muito longe da
verdade, o que torna tudo ainda mais engraçado.
“Não acho que eles gostariam que você falasse dessa forma, mas
sim,” disse Lawrence.
“Bah, é só que me incomoda que tudo o que eles precisam fazer
para ganhar dinheiro é sentar em uma cadeira o dia todo e escrever.”
“É um pouco difícil aceitar isso de alguém que teve tanta sorte em
um acordo e que foi capaz de abrir uma loja em uma cidade.”
CAPÍTULO II ⊰ 54 ⊱

A história da boa sorte de Mark era famosa.


Lawrence riu de novo, desta vez da expressão momentaneamente
atordoada de Mark.
“Então, tem algum cronista ou não?”
“Ah... sim, eu acho que tem. Mas não me meteria com eles se eu
fosse você,” disse Mark, pegando o saco de pregos da carroça de
Lawrence. “Rumores dizem que um deles foi acusado de heresia por
um monastério em algum lugar e teve que fugir. A cidade está cheia
de gente foragida como essa.”
Os habitantes da cidade de Kumersun estavam menos
preocupados com a animosidade entre os pagãos e a Igreja do que com
a prosperidade econômica, de modo que a cidade se tornou um refúgio
natural para uma variedade de naturalistas, filósofos e outros hereges
do tipo.
“Só tenho algumas coisas que quero perguntar,” disse Lawrence.
“Cronistas coletam lendas locais e afins, certo? Tem algo que me
interessa nesse assunto.”
“E por que você se preocuparia com isso? Precisa de assunto para
puxar conversa quando viajar para o norte?”
“Algo assim. Sei que é repentino, mas você acha que pode me
apresentar?”
Mark virou suavemente a cabeça e gritou na direção da sua
barraca, com o saco cheio de pregos ainda em uma das mãos.
Um garoto surgiu de trás de uma montanha de sacos de trigo.
Evidentemente Mark tinha chegado ao ponto em que poderia ter um
aprendiz.
“Eu conheço um. Melhor se for alguém da Rowen, certo?” disse
Mark, entregando saco atrás de saco ao seu jovem aprendiz.
Vendo isso, Lawrence foi tomado por um renovado senso de
urgência de chegar a Yoitsu e voltar à sua rotina normal o mais rápido
possível.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 55 ⊱

No entanto, seria um problema se Holo descobrisse esse fato —


e da sua parte, não era como se Lawrence quisesse se livrar dela.
Ele descobriu que era impossível conciliar seus dois sentimentos
sobre o assunto.
Se vivesse tanto quanto Holo, ficar um ou dois anos fora dos
negócios dificilmente seria um problema.
Mas a vida de Lawrence era muito curta para isso.
“Qual é o problema?”
“Hm? Oh... nada. Sim, se tem um cronista na guilda mercantil é
mais conveniente. Posso te pedir para me apresentar?”
“Certamente posso fazer isso, sim. Vou até fazer isso de graça.”
Lawrence não podia deixar de sorrir para o esforço de Mark ao
dizer “de graça.”
“Quanto antes melhor?” perguntou Mark.
“Se possível, sim.”
“Então vou mandar o menino para lá. Tem um velho mascate
destemido chamado Gi Batos lá, e se me lembro direito, ele é chegado
de alguém que é eremita de uma fé pagã e que já foi cronista. O velho
Batos tira uma semana antes e uma depois do festival de folga, então se
você passar pela guilda em torno do meio-dia, deve encontrar ele
gastando o dia bebendo.”
Mesmo dentro de uma única guilda, como a guilda de Comércio
Rowen, mercadores viajantes como Lawrence não sabiam muito sobre
os outros membros — como Amati cujo negócio não estava
relacionado com o de Lawrence.
Lawrence repetiu o nome Gi Batos para si mesmo, gravando em
sua memória.
“Entendido. Estou em dívida com você.”
“Ha-ha. Se isso é tudo o que preciso para deixar você em dívida
comigo, eu odiaria pensar no que vem a seguir. Chega de falar disso
CAPÍTULO II ⊰ 56 ⊱

— você vai estar na cidade até que o festival acabe, certo? Vamos sair
para tomar uma bebida, tudo bem?”
“Acho que eu deveria deixá-lo se gabar de seu sucesso pelo menos
uma vez. Está marcado.”
Mark gargalhou alto e então suspirou quando entregou o último
saco de pregos para seu aprendiz. “Mesmo um mercador da cidade
sofre com problemas e preocupações intermináveis. Às vezes desejo
voltar a viajar.”
Lawrence só podia sorrir vagamente já que ele ainda estava
trabalhando dia após dia para conseguir o que Mark já tinha
conseguido. Mark pareceu notar. “Uh, esqueça o que eu disse,” ele
falou, sorrindo em desculpa.
“Tudo o que podemos fazer é manter nossos narizes na direção do
lucro. É assim para todos os mercadores.”
“É verdade. Boa fortuna para nós dois!”
Lawrence apertou a mão de Mark, e depois de ver outro cliente
chamando o mercador de trigo, ele deixou a tenda para trás.
Ele lentamente manobrou sua carroça no meio da multidão e
então olhou para a barraca de Mark.
Lá estava Mark, que parecia ter esquecido completamente
Lawrence e agora estava envolvido em negociações com o seu próximo
cliente. Lawrence estava claramente com inveja.
Mas mesmo Mark, o mercador bem-sucedido da cidade, disse que
às vezes gostaria de voltar a viajar.
Lawrence se lembrou de uma história. Há muito tempo atrás havia
um rei que planejou se livrar da pobreza em seu próprio reino
invadindo a nação próspera ao lado, mas um poeta da corte disse o
seguinte: “As pessoas sempre veem as partes miseráveis da própria
terra e as melhores partes das terras vizinhas.”
Lawrence pensou sobre a história.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 57 ⊱

Ele esteve focado nos problemas envolvidos em encontrar a terra


natal de Holo ou no problema que sofreu em Ruvinheigen, mas a
verdade era que ele foi capaz de viajar com uma companheira de rara
qualidade.
Se Lawrence nunca tivesse encontrado Holo, ele teria continuado
ao longo de sua rota comercial de costume, suportando a solidão
infinita que ela trazia.
Já esteve a ponto de fantasiar seriamente sobre como seria se seu
cavalo se tornasse humano. Quando pensou nisso, Lawrence notou
que um de seus sonhos já era realidade.
Havia uma boa chance de que, eventualmente, ele estaria viajando
sozinho de novo, e quando essa hora chegasse, Lawrence sabia que se
lembraria do tempo que viajou com Holo com total carinho.
Lawrence agarrou as rédeas mais uma vez.
Uma vez que ele terminasse de fazer as rondas pelas guildas
mercantis e companhias de comércio, ele se asseguraria de comprar
um almoço verdadeiramente delicioso para Holo.

Kumersun não tinha uma igreja, por isso era um sino no topo de
uma torre no mais alto teto da mais nobre casa da cidade que
grandiosamente tocava o sino do meio-dia a cada dia. O sino, é claro,
era decorado com esculturas da melhor espécie, e o telhado, visível
por toda a cidade, era mantido pelos melhores artesãos que se poderia
ter.
Dizia-se que o telhado — construído unicamente por causa da
vaidade da nobreza que ali morava — tinha custado trezentos lumiones
no total, mas as pessoas da cidade não desejavam mal algum aos nobres,
pois concluíam que era fazer tais coisas que tornava alguém um nobre.
Talvez a razão pela qual os mercadores mais ricos, que
acumulavam seu dinheiro em grandes cofres, guardavam
ressentimentos tão caros era porque lhes faltava esse senso lúdico de
CAPÍTULO II ⊰ 58 ⊱

extravagância. Até o cavaleiro mais famoso por sua violência seria


amado se gastasse livremente.
Lawrence pensou sobre isso enquanto abria a porta do seu quarto
— e foi atingido diretamente pelo cheiro forte do licor.
“Então isso cheirava assim tão mal...”
Lawrence de repente se arrepende por não lavar a boca antes de
sair, mas a maior parte do cheiro era certamente culpa da loba que até
agora dormia diante dele.
Holo não mostrou sinal de agitação mesmo quando Lawrence
entrou no quarto, mas seu ronco natural sugeria que ela tinha se
recuperado em grande parte de sua ressaca.
O cheiro do licor era demais para Lawrence, então ele abriu a
janela antes de se aproximar da cama. O copo de água ao lado dele
estava vazio assim como — felizmente — estava o balde. O rosto dela,
exposto por debaixo das cobertas, parecia melhor do que antes.
Lawrence havia comprado o verdadeiro pão de trigo, que ele
raramente se dava ao luxo, em vez de bolachas de mel; foi a escolha
certa, ele sentiu.
Tinha certeza de que as primeiras palavras que sairiam da boca de
Holo ao acordar seriam “estou com fome.”
Lawrence segurou o saco de pão perto do nariz de Holo, que se
contraiu ligeiramente. Ao contrário do pão de centeio de aveia amargo
e duro que muitas vezes eles acabavam comendo, o cheiro do macio
pão de trigo era bastante sedutor.
Holo cheirando o saco era o suficiente para fazer Lawrence
duvidar que ela estava realmente dormindo. Por fim, ela fez um
pequeno e natural mmph e então escondeu seu rosto nas cobertas.
Lawrence olhou para o pé da cama, onde viu a cauda da Holo de
fora das cobertas tremendo levemente.
Ela parecia no meio de um bocejo lá embaixo das cobertas.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 59 ⊱

Lawrence aguardou, e como esperado, o rosto com os olhos


turvos de Holo finalmente emergiu por sob as cobertas.
“Mmph... Algo cheira incrivelmente bem...”
“Se sente melhor?”
Holo esfregou os olhos, bocejou novamente, e falou como que
para si mesma. “Estou com fome.”
Apesar de seu grande esforço para se conter, Lawrence desatou a
rir.
Sem parecer particularmente interessada, Holo lentamente se
arrastou para fora da cama e bocejou pela terceira vez. Em seguida,
farejou novamente e voltou seu olhar guloso para o saco que Lawrence
segurava.
“Imaginei que você diria isso. Eu esbanjei um pouco e trouxe pão
de trigo.”
Assim que Lawrence entregou o saco, a sábia loba orgulhosa se
transformou em um gato presenteado com um brinquedo.
“Você não vai comer um pouco?”
Holo, sentada na cama segurando o saco e devorando o pão branco
puro, obviamente sem querer compartilhar.
Mesmo quando perguntou para ele, seu semblante agora era mais
próximo ao de um cão de caça que não tinha nenhuma intenção de
deixar sua presa escapar.
Provavelmente era o limite da generosidade de Holo arriscar
perguntar antes de terminar de comer o saco inteiro.
“Não, eu estou bem. Já comi mais cedo.”
Normalmente ela o veria com certa suspeita, mas Holo — fiel à
sua capacidade de ver através de uma mentira — parecia ter aceitado
isso como a verdade. Visivelmente aliviada, ela voltou a atacar ao pão.
“Cuidado, você vai engasgar.”
CAPÍTULO II ⊰ 60 ⊱
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 61 ⊱

Lawrence se lembrou de quando, logo depois que ele e Holo se


conheceram, ela quase se engasgou com algumas batatas em uma
pequena igreja onde tinham passado a noite. Ela o lançou um olhar,
com o qual riu. Ele puxou uma cadeira da mesa e se sentou.
Em cima da mesa havia vários envelopes selados com cera. Depois
de fazer as voltas rondar pelas várias firmas comerciais, Lawrence
recebeu várias cartas endereçadas a ele.
Apesar de seu estilo de vida itinerante, os mercadores viajantes
tinham muitas oportunidades para enviar e receber cartas já que suas
paradas sazonais eram muito previsíveis.
Algumas ofereciam comprar um determinado bem a um preço
elevado se passassem por uma determinada cidade que vendesse o
item; outros diziam o preço de um bem em suas cidades e perguntavam
como estava em outro lugar — a correspondência era diversificada.
Mas era estranho, Lawrence sentiu. Ele geralmente passava por
Kumersun no verão, por isso era incomum que as cartas chegassem
aqui e agora no limiar do inverno. No pior dos casos, as cartas
acabariam nos arquivos das companhias de comércio por mais de meio
ano. Se as cartas não chegassem a Lawrence em Kumersun dentro de
duas semanas, elas seriam enviadas ao sul. Não precisa dizer que tais
arranjos custariam bem caro.
Estava claro que as cartas eram urgentes.
Os remetentes eram todos os mercadores de cidades situadas em
Ploania ao norte.
Lawrence removeu cuidadosamente os selos de cera com uma faca
quando sentiu Holo o olhando fixamente.
“São cartas.”
“Mm,” veio a resposta curta de Holo enquanto se sentava sobre a
mesa com o pão na mão.
Lawrence não se importava se ela visse o conteúdo do envelope,
então depois de quebrar o selo, ele abriu a carta ali mesmo.
CAPÍTULO II ⊰ 62 ⊱

“Caro Sr. Lawrence...”


O fato de a carta não começar com “Em nome de nosso Senhor”
estava de acordo com o estilo de um nortista.
Lawrence pulou os cumprimentos e voltou seu olhar para o resto
da página.
Vendo a escrita confusa e às pressas, ele rapidamente discerniu a
importância da carta.
De fato, a informação era crítica para um mercador.
Ele leu a segunda carta, confirmando o seu conteúdo era igual à
da primeira, e então suspirou, sorrindo levemente.
“O que elas dizem?” perguntou Holo.
“Quer dar uma olhada?”
Talvez irritada por ter sua pergunta respondida com outra, Holo
franziu a testa e revirou os olhos. “Elas dificilmente se parecem com
cartas de amor.”
Mesmo um amor de cem anos encontraria o seu ardor
enfraquecido por uma caligrafia tão bagunçada, Lawrence pensou.
Ele entregou as cartas ao Holo e sorriu. “Você sempre consegue
informações importantes depois que elas são necessárias.”
“Hmph.”
“Essas cartas foram enviadas com uma sincera preocupação, então
devo a eles pelo menos um pouco de gratidão. O que acha?”
Holo lambeu os dedos, seja de contentamento ou porque ela
simplesmente comeu tudo o que havia para comer, e olhou para as
cartas que tinha na outra mão.
Então as empurrou de volta para Lawrence, uma expressão
amarga em seu rosto.
“Eu não sei ler.”
“Ah... você não sabe?”
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 63 ⊱

Lawrence pegou as cartas e Holo estreitou os olhos para olhá-lo.


“Se está fingindo ignorância, devo dizer que está ficando cada
melhor nisso.”
“Não, não, desculpe. Eu realmente não fazia ideia.”
Holo o observou por um momento como se analisasse a verdade
de suas palavras, e então ela se virou com um suspiro.
“Em primeiro lugar,” ela disse, “há muitas letras para lembrar e
muitas combinações confusas. Você pode dizer tudo que precisa fazer
é escrever como se fala, mas isso claramente é uma mentira.”
Parecia que Holo já havia tentado aprender a ler.
“Você quer dizer a notação das consoantes ou algo assim?”
“Não faço ideia de como você chama isso, mas as regras são muito
complexas. Se tem algo em que vocês humanos superam nós lobos, é
no seu domínio desses símbolos inexplicáveis.”
Lawrence quase perguntou se outros lobos eram igualmente
incapazes de escrever, mas ele engoliu a pergunta no último segundo,
apenas assentindo em acordo.
“Mas não é como se para nós fosse uma simples questão de
memorizá-las,” ele disse. “Não foi fácil para mim e, cada vez que eu
cometia um erro, meu professor me batia na cabeça por isso. Pensei
que teria um galo permanente.”
Holo olhou para ele com ar de dúvida. Se pensasse que ele estava
apenas brincando com ela, ficaria irritada, sem dúvida.
“Certamente você pode dizer que não estou mentindo,” disse
Lawrence.
Holo finalmente desviou seu olhar duvidoso. “Então, o que é que
está escrito aí?”
“Ah, diz que as campanhas do norte foram canceladas, por isso
tenha cuidado ao comprar armaduras,” Lawrence disse, jogando as
cartas de lado. Ele sorriu com tristeza para o olhar vazio de Holo.
CAPÍTULO II ⊰ 64 ⊱

“Então se tivesse recebido essa carta mais cedo, não teria se


metido em problemas?”
“De fato. Essa é ideia. Mas o fato de que esses dois mercadores
gastaram dinheiro para me enviar esta mensagem vale de alguma coisa.
Posso confiar nesses dois.”
“Mm. Mesmo assim, a diferença entre ler e não ler as letras era a
diferença entre o céu e o inferno.”
“Não é brincadeira. Você está certa, sem dúvida. Uma única carta
pode determinar seu destino. Um mercador sem informação pode
muito bem estar indo para o campo de batalha com uma venda nos
olhos.”
“Não sei sobre encobrir seus olhos, mas você certamente encobre
a sua vergonha com frequência.”
Lawrence estava prestes a colocar as cartas de volta nos envelopes
quando ouviu isso e congelou, murmurando um juramento.
“Hmph. Mesmo zombar de você não dissipa minha sonolência.”
Holo bocejou e pulou da mesa, caminhando até a cama. Lawrence a
observou com amargura. Ela se virou para ele.
“Oh, sim — podemos ir ao festival agora, certo?” ela perguntou
enquanto pegava seu manto que estava jogado na cama, seus olhos
piscando tão intensamente que quase dava para ouvir. Ao vê-la assim,
Lawrence queria sair com ela, mas antes ele tinha outros assuntos a
tratar.
“Desculpa, ainda n—”
Lawrence foi cortado no meio da frase. Holo agarrava o manto
com força, aparentemente à beira de lágrimas.
“Mesmo que esteja brincando, por favor — pare com isso, eu
imploro,” ele disse.
“Ah-hah, então você é fraco com esse tipo de coisa. Vou me
lembrar disso,” disse Holo, abandonando a farsa. Lawrence descobriu
que não tinha nada com o que contestar.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 65 ⊱

Tendo outro ponto fraco exposto, ele se voltou para a mesa,


derrotado.
“Mm. Mas — não posso ir para a cidade sozinha?”
“Você vai com eu dando permissão ou não.”
“Hm, suponho que seja verdade...”
Lawrence devolveu as cartas aos seus envelopes e se virou para
Holo mais uma vez; ela agarrava o manto, parecendo desajeitada.
No começo, ele suspirou interiormente — ela estava realmente
jogando este jogo de novo? — mas então percebeu que sem dinheiro,
ela seria incapaz de fazer algo além de olhar para as barracas, o que
para Holo era semelhante a um morto vivo.
Em outras palavras, ela precisava de dinheiro, mas não tinha
coragem de pedir.
“Eu não tenho nenhum dinheiro trocado agora, então... não gaste
tudo em um só lugar.”
Ele se levantou e pegou uma moeda irehd de prata da bolsa de
moedas em sua cintura, então caminhou até Holo e a entregou.
A moeda tinha a imagem do sétimo governante de Kumersun.
“Não é tão valiosa quanto uma moeda trenni, então você não será
malvista se tentar comprar pão com ela. Eles vão de dar o troco sem
problemas.”
“Mm...,” Holo respondeu sem se importar mesmo quando pegou
a moeda. Lawrence instantaneamente se perguntou se ela queria mais
dinheiro.
Mas se ele traísse essa suspeita, ela realmente o teria encurralado.
Lawrence se obrigou a manter uma expressão neutra. “O que há
de errado?”
“Hm? Oh...”
Era preciso ter cuidado quando ela estava sendo tão mansa.
CAPÍTULO II ⊰ 66 ⊱

A cabeça de Lawrence mudou para o modo de negociação.


“Eu estava... estava apenas pensando que seria um certo
desperdício se eu fosse sozinha,” disse Holo.
E simples assim, sua mente girou inutilmente.
“Que negócios você ainda tem que fazer? Se você me levar junto,
eu posso te devolver a moeda de prata,” ela falou.
“Oh, uh, eu ia — eu ia me encontrar com alguém.”
“Bem, eu só ia ficar vagando de qualquer maneira. Se não me
quiser perto, vou manter uma distância. Me leve com você, pode ser?”
Ela não estava necessariamente bajulando ou seduzindo — ela
simplesmente parecia querer ir junto.
Se ela inclinasse a cabeça e dissesse algo como “Oh, por favor, me
leve com você!” ele teria suspeitado que ela estivesse fingindo.
Mas seu pedido era inteiramente normal.
Se realmente fosse fingimento, Lawrence sentia que não se
importaria de ser enganado.
E caso não fosse fingimento, Holo certamente se magoaria por sua
desconfiança.
“Eu realmente sinto muito — pode me deixar ir sozinho hoje?
Tenho que encontrar com alguém, e então espero que possamos ir para
outro lugar para que eu possa ser apresentado a outro alguém. Se você
vir junto, teria que esperar do lado de fora quase o tempo todo.”
“Mm...”
“Eu devo ser capaz de terminar todos os meus negócios hoje, e
então a partir de amanhã podemos relaxar e aproveitar o festival. Então
você pode ficar sozinha só por mais um dia?”
Ele falou com o mesmo tom que usaria com uma menina de dez
anos, mas Holo — parada ali ao lado da cama — pareceria quase tão
vulnerável.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 67 ⊱

Lawrence entendeu como ela se sentia.


Era precisamente porque não gostar de ir ao festival de inverno
sozinho que ele vinha para Kumersun apenas no verão.
Uma vez que as multidões ficassem tão densas que não se podia
caminhar sem esbarrar em outras pessoas, a solidão se torna muito
mais aguda.
Ir a uma festa em uma das firmas de comércio e então retornar
sozinho para uma estalagem solitária era igualmente desolador.
Lawrence queria muito levar Holo consigo, mas esta incumbência
em especial tornava isso impossível.
Ele seria apresentado a Gi Batos, fazendo assim contato com o
cronista da cidade que Batos evidentemente conhecia. Um dos chefes
de uma das companhias de comércio que Lawrence visitou também
conhecia. Lawrence aproveitou a oportunidade para descobrir mais
enquanto pegava suas cartas. Como suspeitava, o cronista coletava não
só informações sobre Ploania, mas também escrevia contos pagãos do
distante norte.
Se os contos de Yoitsu viessem à tona, poderia ser ruim se Holo
estivesse lá para ouvi-los. Já que Lawrence conhecia um desses contos
— em que Yoitsu foi destruída por um espírito de urso — ele tinha
dificuldade de imaginar que Yoitsu agora prosperava.
Esconder a verdade para sempre seria difícil, mas Lawrence
achava que deveria pelo menos tentar revelar a verdade para ela em
um momento adequado. Era uma questão delicada.
Um momento de silêncio se passou entre ele e Holo.
“Mm. Bem, não desejo ficar no seu caminho. Não quero que bata
na minha mão de novo,” ela disse, parecendo ainda mais triste — o
que provavelmente era um ato.
No entanto, o fato de que Lawrence tinha dado um tapa na mão
de Holo em Ruvinheigen ainda o machucava. A astuta sábia loba diante
dele sabia disso e estava se vingando um pouco por recusar seu pedido.
CAPÍTULO II ⊰ 68 ⊱

“Vou te comprar uma lembrança. Apenas aguente mais um dia.”


“Então estou sendo comprada de novo, não é?” ela falou em tom
de acusação, mas sua cauda balançando mostrava sua excitação.
“Devo falar manso com você em vez disso?”
“Hmph Suas palavras estão longe de serem doces; elas são
praticamente intragáveis. Eu dispenso.”
Era uma coisa desagradável a dizer, mas Holo estava sorrindo; seu
humor parecia ter melhorado. Lawrence acenou com uma mão dócil
para indicar derrota.
“Suponho que vou apenas vagar por conta própria.”
“Sinto muito,” Lawrence disse, de repente Holo falou novamente
como se tivesse lembrado de algo.
“Oh, certo. Se quando você voltar tiver duas pessoas no quarto,
se importaria de ficar fora por um tempo?”
Por um momento, Lawrence não entendeu o que ela queria dizer,
mas finalmente percebeu que ela estava sugerindo que poderia pegar
um homem quando saísse.
Dado os encantos distintos dela, Lawrence pensou que isso
certamente poderia acontecer.
Mas Lawrence não tinha ideia de que tipo de expressão deveria
fazer em resposta à tal declaração.
Ele deveria ficar com raiva? Deveria rir? Quando concluiu que
ignorá-la seria a melhor opção, Holo já sorria para ele em autêntico
deleite.
“Ver seu rosto adorável é o suficiente para me satisfazer pelo resto
do dia,” ela disse.
Lawrence descobriu que só podia suspirar com essa provocação.
Holo podia ser uma loba irritante.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 69 ⊱

“Eu prefiro estar em seus braços do que o contrário, portanto,”


ela disse alegremente. “Não se preocupe.”
Lawrence não tinha palavras.
Ela poderia ser uma loba incrivelmente irritante.

Lawrence abriu a porta da guilda mercantil. Era de tarde, e a


guilda realmente estava muito mais cheia do que estava mais cedo.
O edifício estava cheio tanto com os mercadores com base na
cidade de Kumersun quanto mercadores viajantes que operavam na
área. A companhia estava aberta, mas nenhum negócio era realizado
uma vez que quase todo mundo estava ali para apreciar o festival; a sala
se transbordava bebida e alegria.
Batos — o homem que atuaria como o intermediário entre
Lawrence e o cronista — evidentemente não era um beberrão como
Mark insinuou e estava fora a negócios quando Lawrence veio pela
manhã.
Lawrence perguntou sobre ele com o chefe da companhia de
comércio; ao que parecia, Batos ainda não havia retornado. Como
estava ali para encontrar alguém, Lawrence não poderia simplesmente
beber, e ele meditou sobre como passar o tempo.
Havia vários outros mercadores em situação similar, mas foram
seduzidos pelo ambiente festivo e estavam envolvidos em um jogo de
cartas, por isso Lawrence não podia exatamente puxar conversa com
eles.
Não havia nada a fazer a não ser jogar conversa fora com o chefe
da guilda, que bebia, mas também não podia se deixar ficar bêbado.
Durante sua conversa, as portas se abriram e uma única figura entrou
na guilda comercial.
Lawrence e o chefe estavam situados diretamente em frente à
entrada, então Lawrence pôde ver imediatamente quem entrou no
CAPÍTULO II ⊰ 70 ⊱

edifício. Era Amati, parecendo mais com um filho jovem de um nobre


do que com um mercador.
“Sr. Lawrence,” disse Amati depois de saudar brevemente os
homens bebendo perto da porta.
“Boa tarde. E obrigado por sua ajuda com a estalagem.”
“Não foi nada. Eu deveria agradecer por ter ordenado tantos
peixes para o jantar.”
“Minha companheira mimada os elogiou absurdamente. Ela disse
que você tem um olho excelente para peixes.”
Lawrence sentiu que esta era um elogio mais eficaz do que dizer
que ele próprio tinha gostado da comida. Ele estava certo.
O rosto de Amati se iluminou como o de um garoto animado.
“Ha-ha, estou feliz em ouvir isso! Se ela qualquer outro pedido,
vou estar comprando alguns peixes excelentes amanhã.”
“Ela parece ter um gostado particularmente das carpas.”
“Entendo... muito bem, então. Vou procurar mais algumas do
gosto dela.”
Lawrence riu internamente; em nenhum momento Amati
perguntou o que ele tinha achado dos peixes, mas Amati, sem dúvida,
não tinha nem notado isso.
“Ah, a propósito, Sr. Lawrence — você tem algum compromisso
no momento?”
“Estou matando tempo antes de me encontrar com o Sr. Batos.”
“Entendo...”
“Por que pergunta?”
A expressão de Amati ficou turva enquanto ele se atrapalhava com
as palavras, mas ele contornou isso de uma forma condizente com um
mercador acostumado a batalhar nas barracas de peixes todos os dias.
“Er, sim, na verdade estive pensando que talvez eu pudesse mostrar a
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 71 ⊱

cidade para você e sua companheira. Nosso encontro na estrada foi a


vontade de Deus, com certeza, e não tenho dúvida de que poderia
aprender muito conversando com um mercador viajante como o
senhor.”
Amati soou bastante modesto, mas Lawrence sabia que o garoto
tinha os olhos voltados para Holo. Se Amati tivesse uma cauda,
Lawrence tinha certeza de que ela estaria balançando para frente e para
trás em excitação.
Lawrence teve uma ideia.
“Eu certamente aprecio o convite, e minha companheira Holo
esteve querendo dar uma olhada pela cidade, mas não acho que...”
A expressão de Amati mudou. “Se estiver tudo bem para você, eu
ficaria feliz em mostrar a cidade apenas para a senhorita Holo! Na
verdade, terminei o meu trabalho por hoje e estou bastante livre.”
“Oh, eu não poderia...”
Lawrence não tinha certeza se a sua surpresa fingida era
convincente, mas Amati não parecia capaz de ler expressões de
Lawrence tão bem assim.
Afinal, Amati estava pensando apenas em Holo.
“De forma alguma. Se me deixar a própria sorte, temo que vou
simplesmente beber todo o meu lucro. Para ser franco, isso seria
perfeito para mim. Eu ficaria feliz em acompanhá-la.”
“Entendo. Bem, ela não é tão bem-comportada a ponto de ficar na
estalagem simplesmente porque eu pedi — ela pode nem estar lá.”
“Ha-ha! Acontece que preciso ir até a estalagem e discutir uma
compra com eles, então vou perguntar por ela enquanto estiver lá, e
se ela estiver, vou convidá-la para sair.”
“Sinto muito impor isso,” disse Lawrence.
“Não, sem problemas. Por favor me permita te mostrar a cidade
também uma próxima vez!”
CAPÍTULO II ⊰ 72 ⊱

A habilidade de Amati em bajular o marcava cada vez mais como


um mercador.
Ele devia ser cinco ou seis anos mais novo do que Lawrence, mas
apesar de sua aparência inexperiente, ele era, sem dúvida, um
comerciante sagaz.
Embora a atenção de Amati estivesse bastante distraída por Holo,
ele permanecia bastante estabilizado.
Lawrence estava meditando sobre como teria que ter cuidado para
não baixar a guarda em torno do garoto quando a porta da guilda se
abriu mais uma vez.
Amati olhou em direção à porta ao mesmo tempo que Lawrence.
“Parece que terminei bem a tempo,” disse Amati, e Lawrence logo
entendeu o porquê.
Como diz o ditado, sua hora havia chegado.
“Bem, Sr. Lawrence — eu vou indo.”
“Ah, sim. Obrigado mais uma vez.”
Seja porque não tinha mais negócios na guilda ou porque sua
cabeça estava tão cheia com visões de Holo que esqueceu por que veio,
Amati deixou o prédio.
Embora Lawrence tenha deixado Holo com um pouco de
dinheiro, ele pensou que Holo ainda estava na estalagem,
provavelmente descansando na cama.
Dado o estado de Amati, ele seria um alvo perfeito para Holo, que
não teria nenhuma dificuldade em fazê-lo comprar o que quer que ela
quisesse.
Por um momento, Lawrence quase sentiu pena do pobre rapaz,
mas ele sabia que Amati ficaria muito feliz em desfazer as cordas de sua
bolsa de moedas para Holo.
Nada faria Lawrence mais feliz do que o humor de Holo melhorar
com as moedas de outra pessoa.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 73 ⊱

Se pelo menos ele pudesse ser tão astuto ao lidar diretamente com
Holo, pensou.
Ela não só passava a perna nele — ela o derrubava
completamente.
Enquanto Lawrence se perguntava se sagacidade do Holo excedia
a sua própria tanto quanto a sua idade, o homem que entrou na guilda
assim que Amati saiu observou a sala e começou a caminhar em direção
a Lawrence.
Aparentemente o aprendiz de Mark correu pela cidade toda para
informar Batos do pedido de Lawrence, que era sem dúvidas o motivo
de Batos agora se aproximar dele.
Lawrence cumprimentou o homem com um olhar, abrindo seu
sorriso de mercador.
“Kraft Lawrence, eu presumo? Eu sou Gi Batos.”
A mão que Batos estendeu em saudação era dura e áspera, como
a de um soldado veterano.

Pela conversa de Mark, Batos era o tipo de homem que preferia


beber seus lucros ao invés de fazê-los, mas ao conhecer o homem em
pessoa, Lawrence teve precisamente a impressão oposta.
Enquanto caminhava pela rua, Batos tinha uma estabilidade
atarracado que lembrava um caixão forte, e seu rosto tinha a qualidade
do couro resistente (de anos de exposição ao vento e areia) do qual
crescia uma barba espetada que lembrava um ouriço do mar. Quando
Lawrence balançou a mão de Batos ao se cumprimentarem, ele não
sentiu como se fosse a mão de um mercador que passava os dias
levando nada mais pesado do que as rédeas de seu cavalo de carroça;
era áspera e forte, indicando que este era um homem que fazia trabalho
pesado durante todo o ano.
CAPÍTULO II ⊰ 74 ⊱

No entanto, apesar da aparência de Batos, ele não era nem


teimoso nem mal-educado; as palavras que falava tinham uma
serenidade sacerdotal atrelada a elas.
“Ouso dizer que mercadores que viajam através de muitas
províncias, como você Sr. Lawrence, são mais numerosos nos dias de
hoje. Viajar para lá e para cá entre os mesmos lugares vendendo as
mesmas coisas como eu, é muito tedioso.”
“Ah, mas os ambulantes e artesãos da cidade certamente ficariam
com raiva se o ouvissem dizer isso.”
“Ha-ha-ha! Você está certo. Há inúmeros homens que passam 50
anos vendendo nada a além de corda de couro. Sem dúvida eu ganharia
uma bronca se eu falar que estou cansado disso,” Batos disse com uma
risada.
Ele contou como era um mercador de metais preciosos das minas
de Hyoram e como tinha passado a quase 30 anos indo e voltando entre
essas montanhas acidentadas e a cidade de Kumersun.
Qualquer homem que pudesse levar essas cargas pesadas através
das montanhas de Hyoram — onde o vento era forte e as árvores eram
poucas — era um homem a ser reconhecido
“Ainda assim, devo dizer que você é um rapaz curioso, Sr.
Lawrence.”
“Oh?”
“Me refiro a sua busca por cronistas que conhecem os contos
antigos das terras do norte. Ou isso tem algo a ver com uma
probabilidade de negócios?”
“Oh não, nada disso. É apenas uma espécie de capricho, suponho.”
“Ha-ha-ha! Você tem bom gosto para alguém tão jovem. Só me
tornei interessado nos velhos contos recentemente. Originalmente eu
pretendia fazer negócios com isso, mas temo admitir que ela se tornou
minha mestra, em vez do contrário!”
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 75 ⊱

Lawrence não conseguia imaginar o que Batos queria dizer com


fazer negócios com os antigos contos, mas a fala do homem era
intrigante, então ele manteve sua boca fechada e escutou.
“Isso me ocorreu depois de tantos anos de idas e vindas entre os
mesmos lugares. O mundo que eu conhecia era muito pequeno. Mas
mesmo naquele tempo, pessoas estiveram indo e voltando por
centenas de anos, e eu não sabia nada sobre essa época.”
Lawrence tinha uma suspeita do que Batos queria dizer.
Quanto mais ele viajava por aí, mais o mundo parecia se estender
infinitamente diante de si.
Se essa era a largura do mundo, então em certo sentido o que
Batos sentiu era a profundidade.
“Eu sou velho entende, e não tenho mais o vigor para viajar para
longe. Nem posso voltar no tempo. Então, mesmo que seja apenas por
histórias, passei a querer visitar os lugares que nunca fui capaz de ver
pessoalmente e viajar de volta para aquela era que Deus, com seus
caprichos, me impediu de experimentar. Quando eu era um jovem
com nada além de lucro na minha mente, essas coisas nunca passavam
pela minha cabeça, mas agora muitas vezes me pergunto se eu tivesse
a chance de reconsiderar, minha vida teria sido bastante diferente.
Então devo admitir que estou com um pouco de inveja de você, Sr.
Lawrence. Hah, devo parecer bastante velho.” Batos riu da sua própria
tolice, mas suas palavras deixaram uma forte impressão em Lawrence.
Era verdade que os velhos contos e lendas permitiam saber de
coisas que eram impossíveis de experimentar diretamente.
Ele sentiu um novo peso por trás das palavras que Holo lhe disse
não muito depois de se conhecerem.
“Os mundos em que vivemos, você e eu, são muito diferentes.”
Pela maior parte do tempo que Holo viveu, as pessoas de sua
própria época já morreram há bastante tempo, a própria época estava
perdida no tempo.
CAPÍTULO II ⊰ 76 ⊱

E Holo não era humana, mas uma loba.


Pensando nisso, Lawrence viu que a própria existência de Holo
começava a parecer especial em mais de um sentido.
O que ela já viu e ouviu? Por onde ela viajou?
Ele começou a querer perguntar a ela sobre suas viagens — talvez
quando voltasse para a estalagem.
“Mas quando a Igreja olha para os velhos contos e lendas, tudo o
que eles veem são superstições e histórias pagãs. Onde a Igreja põe os
olhos, se torna difícil de coletar tais contos. Hyoram é uma região
montanhosa e tinha muitas histórias fascinantes, mas a Igreja também
estava lá. Kumersun é bem agradável a esse respeito.”
Ploania era um país em que tanto os pagãos quanto a Igreja
existiam lado a lado, mas era precisamente por causa dessa
coexistência que a Igreja era muito mais rigorosa nessas cidades e
regiões em que detinha o poder.
Cidades pagãs que resistiram ao controle da Igreja tinham que
estar constantemente preparada para a batalha. Kumersun era a única
cidade em Ploania que podia evitar pacificamente esses problemas.
Mesmo em Kumersun, não era como se não houvesse nenhum
tipo de conflito.
Lawrence e Batos foram para o distrito norte de Kumersun a fim
de se encontrarem com o cronista.
A cidade foi construída pensando na expansão, portanto as
muralhas da cidade eram construídas de madeira para que pudessem
ser facilmente desmontadas e as ruas e os edifícios eram espaçosos.
No entanto, mesmo dentro desta cidade, existia uma grande
muralha feita de pedra.
A parede cercava o distrito que abrigava aqueles que haviam
fugido para Ploania por causa da perseguição da Igreja.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 77 ⊱

O próprio fato de que o distrito era cercado por uma parede de


pedra provava que o povo da cidade considerava a presença dos
foragidos um fardo. Enquanto não eram considerados criminosos em
Kumersun, em Ruvinheigen — por exemplo — eles seriam
decapitados como algo natural.
Após refletir, Lawrence mudou de ideia.
O muro não existia simplesmente para isolar essas pessoas;
provavelmente era necessário para a proteção deles.
“Isso é... enxofre?” perguntou Lawrence.
“Aha, você também já lidou com pedras medicinais, não é?”
Hyoram ostentava uma variedade de minas muito produtivas, e
enquanto Batos poderia ter se acostumado aos odores característicos
da região, Lawrence não podia deixar de fazer uma careta.
O cheiro chegou ao seu nariz assim que passaram pela porta na
parede de pedra, e ele soube imediatamente que tipo de pessoas viviam
aqui.
O maior inimigo da Igreja — alquimistas.
“Não, só tenho conhecimento delas.”
“O conhecimento é a maior arma de um mercador. Você é bom
em seu trabalho.”
“...É gentil de sua parte dizer isso.”
A área dentro das muralhas era vários degraus mais baixa do que
o chão exterior.
Os espaços entre os edifícios do distrito eram estreitos, e apesar
de lembrarem outros becos que Lawrence viu em outras cidades, havia
algumas diferenças estranhas.
Por exemplo, muitos dos becos por onde andavam havia penas de
aves espalhadas no chão.
CAPÍTULO II ⊰ 78 ⊱

“Não se pode sentir o cheiro do vento envenenado todas as vezes.


As pessoas criam pequenos pássaros — e se este morre de repente,
eles sabem que devem ter cuidado.”
Lawrence sabia que a prática era usada em minas, mas estar em
um lugar onde ela era realmente empregada trouxe um arrepio à sua
espinha.
A expressão vento envenenado certamente era descritiva, mas da
parte de Lawrence, ele achava a expressão da Igreja — a mão da morte
— mais apropriada. Aparentemente isso vinha do fato de que, assim
que se notava um estranho vento frio, a pessoa já estaria paralisada,
incapaz de se mover.
Lawrence imaginou se os gatos que via aqui e ali enquanto
caminhava pela rua eram mantidos com a mesma finalidade que os
pássaros ou se eles se reuniam para caçar esses pássaros.
Em ambos os casos, era estranho.
“Sr. Batos —”
Fazia algum tempo que Lawrence passou a achar andar em silêncio
algo tão difícil.
A rua estava escura e misteriosa, o silêncio pontuado pelo miado
de gatos e pela agitação dos pássaros; misteriosos sons metálicos
ecoavam ocasionalmente e o cheiro de enxofre era constante.
Lawrence não conseguiu se conter e levantou a voz.
“Quantos alquimistas você diria que estão neste distrito?”
“Hmm... contando os aprendizes talvez vinte, mais ou menos.
Mas em todo caso, acidentes são comuns, por isso é difícil saber com
certeza.”
Em outras palavras, havia muitas fatalidades.
Lamentando ter feito a pergunta, Lawrence se voltou para
preocupações mais mercantis.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 79 ⊱

“Você acha que negociar com alquimistas pode gerar bons


negócios? Eu acho que traria um perigo significativo.”
“Mm...,” disse Batos lentamente, contornando um barril que
continha alguma substância verde que Lawrence não queria olhar por
muito tempo. “Há muito lucro a ser obtido em negociações com
alquimistas que tem o apoio da nobreza. Eles compram um monte de
ferro, chumbo, mercúrio e estanho — sem falar em cobre, prata e
ouro.”
Todos eram produtos bastante normais; Lawrence ficou surpreso.
Ele estava esperando algo muito mais estranho — sapos de cinco
pernas, talvez.
“Ha-ha-ha, está surpreso? Mesmo aqui no norte há pessoas que
pensam que alquimistas são basicamente feiticeiros. Na verdade, eles
não são tão diferentes de ferreiros. Eles aquecem os metais ou os
derretem com ácidos. Claro...”
Eles viraram à direita em um cruzamento estreito.
“...Na realidade, há alguns que pesquisam feitiçaria.” Batos olhou
para trás e, em seguida, torceu o lábio em um sorriso selvagem.
Lawrence hesitou e parou de andar por um momento, com isso
Batos sorriu imediatamente, se desculpando.
“Mas só ouvi rumores sobre eles, e não acredito que qualquer um
dos alquimistas neste distrito já encontraram tais pessoas. E aliás, todos
que vivem nesta área são basicamente boas pessoas.”
Esta foi a primeira vez que Lawrence tinha ouvido alquimistas —
que praticavam suas artes sem qualquer temor à Deus — serem
descritos como “boas pessoas.”
Sempre que o assunto vinha à tona, os alquimistas eram citados
com medo, de forma indiferente, como se tivessem cometido alguma
corrupção indescritível.
“Eles são o meu sustento afinal, então não posso simplesmente
acusá-los de serem más pessoas, posso?”
CAPÍTULO II ⊰ 80 ⊱

Um Lawrence ligeiramente aliviado sorriu para a declaração


bastante mercantil de Batos.
Pouco tempo depois, Batos parou diante da porta de uma das
construções.
A rua não recebia a luz do sol e estava cheia de buracos e poças de
água escura.
A parede de pedra em frente ao beco tinha uma janela de madeira
que estava um pouco aberta, e todo o edifício de dois andares parecia
se inclinar para um lado.
Poderia ter sido uma construção de qualquer pocilga do mundo,
mas havia uma diferença importante.
A área estava completamente em silêncio; não se ouvia nem o riso
de crianças.
“Vamos lá, não precisa ficar tão nervoso. Realmente existem boas
pessoas aqui.”
Não importa quantas vezes Batos tentasse tranquilizá-lo,
Lawrence só podia devolver um sorriso incerto.
Era impossível para ele não ficar nervoso — este era, afinal, um
lugar onde viviam pessoas que foram marcadas como criminosos,
altamente perigosos, pelos mais diversos motivos por uma autoridade
que não admitia oposição.
“Com licença — tem alguém em casa?” Batos chamou
casualmente, batendo na porta sem qualquer medo.
A antiga porta parecia que não tinha sido aberta por anos.
Lawrence pôde ouvir o tranquilo miado de um gato de algum
lugar.
Um monge acusado de heresia, expulso de um monastério — que
tipo de pessoa seria essa?
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 81 ⊱

Um homem velho enrugado com cara de sapo apareceu


brevemente na mente de Lawrence, vestido com um manto
esfarrapado.
Este não era um mundo para um mercador viajante.
A porta se abriu bem devagar.
“Olha, se não é o Sr. Batos!”
O momento foi tão decepcionante que Lawrence quase entrou em
colapso.
“Já faz um tempo. Você parece bem!”
“Eu poderia dizer o mesmo de você! Gastando todo o seu tempo
nas montanhas de Hyoram. Deus realmente deve te favorecer.”
Foi uma mulher alta e de olhos azuis quem abriu a estreita porta
de madeira. Ela parecia alguns anos mais velha do que Lawrence, mas
o seu belo manto que estava confortavelmente enrolado em seu corpo
lhe dava uma aura inegavelmente fascinante.
Seu discurso era animado e agradável — ela era indiscutivelmente
linda.
Mas naquele instante, Lawrence pensou no que todos os
alquimistas procuravam — o poder da imortalidade.
Bruxa.
A palavra surgiu em sua mente assim que a mulher o olhou.
“Você é um homem bastante charmoso, mas pensa que sou uma
bruxa — posso ver isso em seus olhos.”
A mulher tinha facilmente visto através dele; Batos falou
rapidamente para acalmar as coisas.
“Nesse caso, talvez seja assim que eu deva apresentá-la?”
“Ora, mas não seja ridículo — este lugar já é tedioso o suficiente.
E em todo caso, existe alguma bruxa tão bela quanto eu?”
CAPÍTULO II ⊰ 82 ⊱

“Ouvi dizer que muitas mulheres foram consideradas bruxas


exatamente por causa de sua beleza.”
“Você nunca muda, Sr. Batos. Sem dúvida você tem refúgios por
toda Hyoram.”
Lawrence não fazia ideia do que estava acontecendo, então ele
abandonou suas tentativas de compreender a situação e se concentrou
em se acalmar.
Ele respirou profundamente.
Então se endireitou e se tornou Lawrence, o mercador viajante.
“Então, minha querida. Não sou eu que tenho negócios com você
hoje, mas é o Lawrence aqui.”
Batos parecia ter notado Lawrence recuperar a compostura; com
esta declaração no momento certo, Lawrence deu um passo para a
frente, colocou o seu melhor sorriso de mercador e cumprimentou a
mulher.
“Por favor, desculpe a minha grosseria. Eu sou Kraft Lawrence,
um mercador viajante. Eu vim para conversar com o Dian Rubens. Ele
está em casa?”
Lawrence raramente falava tão formalmente.
A mulher continuou com a mão na porta, calada por um
momento, antes de sorrir achando graça. “O quê, Batos não te
contou?”
“Oh —” Batos levemente bateu sua mão na cabeça como que para
punir seu próprio descuido, e então olhou para Lawrence se
desculpando. “Sr. Lawrence, esta é a Senhorita Dian Rubens.”
“Dian Rubens ao seu dispor. É um nome bastante masculino, não
é? Por favor, me chame de Diana,” disse a mulher, seus modos
repentinamente muito elegantes enquanto sorria. Foi o suficiente para
fazer Lawrence perceber que ela deve ter sido ligada a um monastério
bastante rico.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 83 ⊱

“Bem, chega disso. Por favor, entre. Eu não mordo,” disse Diana,
com um sorriso malicioso quando ela fez um gesto o convidando a
entrar.

O interior da casa de Diana não era muito diferente do lado de


fora — ela lembrava o alojamento do capitão em um navio que foi
atingido por uma tempestade ruim.
Baús de madeira reforçados com barras de ferro estavam por toda
parte, empilhados em todos os cantos da sala, suas gavetas deixadas
descuidadamente abertas, e haviam cadeiras resistentes, e em sua
maioria aparentemente caras, enterradas sob roupas ou livros.
Também dentro da sala haviam inúmeras penas, como se um
grande pássaro tivesse se limpado na sala.
Os únicos lugares na sala que pareciam marginalmente livres do
caos eram as estantes de livros e a grande mesa onde Diana fazia seu
trabalho.
“Então, qual poderia ser este seu negócio?” Diana perguntou,
puxando uma cadeira debaixo da sua mesa que, por algum milagre de
planejamento, era alcançada pela luz solar. Ela não pôs água para ferver
nem gesticulou para que sua visita se sentasse.
Com chá ou não, enquanto Lawrence imaginava se ela não faria
algo sobre um lugar para ele se sentar, Batos tomou a liberdade de
remover itens de uma das cadeiras transformadas em estantes e
gesticulou para Lawrence se sentar.
Mesmo o nobre mais arrogante convidaria seus convidados a se
sentar.
Lawrence não sentiu nenhuma malícia em particular por trás da
excentricidade de Diana; parecia parte de seu estranho encanto.
“Primeiro, eu deveria me desculpar por minha intrusão
repentina,” disse Lawrence.
Diana sorriu e acenou para a formalidade padrão.
CAPÍTULO II ⊰ 84 ⊱

Lawrence limpou sua garganta e continuou, “Na verdade,


Senhorita Rubens, eu estava —”
“Diana, por favor,” ela o corrigiu imediatamente, com o rosto
sério.
Lawrence escondeu sua ansiedade. “Me desculpe,” ele falou, e o
rosto de Diana retornou ao seu sorriso suave.
“Sim, como eu estava dizendo, ouvi dizer que você conhece bem
sobre os velhos contos das terras do norte. Eu esperava que você
pudesse compartilhar um pouco desse conhecimento comigo.”
“Do norte?”
“Sim.”
O semblante de Diana se tornou pensativo, e ela olhou para Batos.
“E eu aqui pensando que ele queria falar de negócios.”
“Que piada. Se ele tivesse falado de negócios você o arrastaria para
fora pela orelha.”
Diana riu com a fala de Batos, mas Lawrence teve a sensação de
que provavelmente era verdade.
“Mas você nem sequer sabe se eu conheço o conto que procura.”
“Isso pode significar que o conto que ouvi é uma completa
mentira,” disse Lawrence.
“Pois bem, parece que você vai ter que me contar este conto, e eu
irei ouvir.”
Lawrence teve que desviar o olhar do sorriso gentil de Diana
enquanto limpava a garganta novamente.
Ele estava grato que Holo não estava lá.
“Nesse caso, a história que desejo ouvir é sobre uma aldeia
chamada Yoitsu.”
“Ah, aquela que dizem ter sido destruída pelo Urso que Caça ao
Luar.”
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 85 ⊱

Diana parecia ter imediatamente aberto as gavetas da sua


memória.
Dada a rapidez com que o tema da destruição da vila surgiu,
Lawrence novamente sentiu que deixar Holo para trás foi a escolha
certa. Parecia que Yoitsu realmente foi destruída. Sua cabeça doía só
de pensar em como teria que dar esta notícia para Holo.
Enquanto Lawrence pensava sobre isso, Diana se levantou
lentamente e se aproximou de umas estantes de livros estranhamente
bem ordenadas na sala, removendo um único volume de uma fileira
repleta de grandes volumes.
“Acho que me lembro... Ah, aqui está. O Urso que Caça ao Luar,
também conhecido como Irawa Weir Muheddhunde, e Yoitsu, a vila que
ele destruiu. Há muitas histórias deste urso. Embora todas sejam
bastante antigas,” disse Diana suavemente enquanto examinava as
páginas. Ela tinha um calo no dedo indicador por causa da escrita, e
estava inchado, fazendo parecer bastante possível que ela tenha escrito
todos esses livros.
Quantos contos e superstições pagãs estavam contidos nessas
páginas?
Algo de repente ocorreu à Lawrence. Batos tinha dito que ele
estava pensando em criar um negócio com os velhos contos — não há
dúvida que ele quis dizer vender os livros de Diana para a Igreja.
Com as histórias nos livros, os líderes da Igreja seriam capazes de
determinar imediatamente quais crenças hereges haviam penetrado em
quais terras; eles fariam praticamente qualquer coisa para obter essas
informações.
“Não é no urso que estou interessado, mas sim na vila.”
“Na vila?”
“Sim. Acontece que estou procurando por ele. Por acaso seus
contos dizem qualquer coisa que possa revelar sua localização?”
CAPÍTULO II ⊰ 86 ⊱

Qualquer um ficaria intrigado com a pergunta de Lawrence, a qual


não tinha nada a ver com a origem de uma mercadoria, mas sim com a
localização de uma antiga lenda.
Diana fez uma expressão de surpresa e, em seguida, colocou o
livro sobre a mesa e começou a pensar.
“Localização, eh? Localização, de fato...”
“Você tem alguma ideia?” Lawrence perguntou novamente, com
isso Diana colocou uma mão em sua cabeça como se sofresse uma dor
de cabeça e fez um gesto para Lawrence esperar com a outra.
Desde que ela ficasse em silêncio, era fácil imaginar esta mulher
impressionante como a chefe de algum convento solene, mas vê-la
assim revelava um lado cômico da sua personalidade.
Os olhos de Diana estavam completamente fechados enquanto ela
murmurava com o esforço de buscar na memória, mas de repente ela
olhou para cima, feliz como uma donzela que tinha acabado de
conseguir passar linha em uma agulha.
“Eu sei! Na confluência1 do Rio Roam, que flui ao norte de
Ploania, há uma história assim em uma cidade chamada Lenos,” ela
falou de repente, surpreendentemente tão afável como tinha sido
quando falou com Batos.
Ela parecia se esquecer de si mesma quando falava dos contos
antigos.
Diana limpou sua garganta, fechou os olhos e começou a recitar
uma antiga lenda.
“Há muito tempo, uma loba solitária chamada Holoh apareceu na
aldeia. Sua grande altura era tal que tinha que era preciso erguer o
olhar para poder vê-la. Os aldeões tinham certeza de que era o castigo
dos deuses, mas Holoh contou de sua viagem das florestas profundas
do leste, explicando que se dirigia às terras do sul. Ela adorava vinho,
e por vezes assumia a forma de uma donzela e dançava com as moças

1
Junção entre rios.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 87 ⊱

da vila. Sua forma era tanto atraente e jovem, mas ela mantinha sua
cauda de loba. Depois de se divertir com eles por um tempo, ela
abençoou a colheita e continuou para o sul. Desde aquela época, as
colheitas abundantes continuaram, e nós da vila nos lembrarmos dela
como Holoh da Cauda de Trigo.”
Lawrence ficou duplamente surpreendido — tanto pela narração
regular de Diana quanto pela menção do nome de Holo.
A pronúncia do nome era um levemente diferente, mas era
inconfundivelmente uma história sobre Holo. Sua bênção sobre
colheita da aldeia confirmava isso assim como sua forma de donzela
preservar sua cauda lupina.
No entanto, esta surpresa era fraca em comparação com o
conteúdo do conto de Diana.
A cidade de Lenos ainda existia na confluência do Rio Roam.
Usando isso como ponto de referência, e sabendo que havia uma
floresta ao leste, Lawrence poderia desenhar uma linha do sudoeste de
Nyohhira e uma do leste de Lenos, o que colocaria Yoitsu diretamente
sobre o cruzamento.
“Isso serve de alguma coisa?”
“Sim, uma vez que limita a área para a floresta ao leste de Lenos.
É uma grande ajuda!”
“Fico contente em saber.”
“Certamente vou retribuir o mais breve —”
Lawrence foi cortado por um gesto de Diana. “Como pode ver,
mesmo que a Igreja me persiga por isso, eu adoro os antigos contos
pagãos — os que não foram alterados para se adaptar às crenças da
Igreja. Como você é de fato um mercador viajante, Sr. Lawrence, você
certamente deve ter ao menos uma história que possa compartilhar
comigo. Se fizer isso, não exigirei nenhum pagamento adicional.”
Aqueles que compunham histórias para a Igreja o faziam para
preservar a autoridade da Igreja. Historiadores mantidos pela nobreza
CAPÍTULO II ⊰ 88 ⊱

compunham obras elogiando seus empregadores — esta era


simplesmente a forma como o mundo funcionava.
O conto de São Ruvinheigen, origem do nome da cidade santa,
era muito diferente da história de Holo sobre o homem. O conto foi
deliberadamente reescrito para proteger e estender a autoridade da
Igreja.
Diana adorava os velhos contos o suficiente para estar disposta a
viver nas favelas de Kumersun, uma cidade devota à liberdade religiosa
e econômica.
Lawrence se perguntou que conhecimento terrível ela deveria
possuir para ter sido expulsa de seu convento sob acusação de heresia,
mas agora via que ela simplesmente adorava os velhos contos o
suficiente para morrer por eles.
“Entendido,” ele disse, e começou a contar seu conto.
Era o conto de um lugar conhecido por suas abundantes colheitas
de trigo.
E o conto do lobo que reinava por lá.

Eventualmente, uma vez que todos começaram a beber vinho,


eles acabaram falando de contos e lendas de todos os tipos de terras.
O sol já estava baixo no céu quando Lawrence finalmente se deu
conta e, recusando educadamente o convite de Diana para ficar, ele
deixou a casa junto com Batos.
Enquanto ele e Batos caminhavam pela rua estreita, ambos não
podiam deixar de rir enquanto falavam das muitas histórias que haviam
compartilhado.
Fazia algum tempo desde que Lawrence havia desfrutado dos
contos de dragões e cidades douradas — ele já tinha passado da idade
em que essas histórias eram tomadas como verdade.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 89 ⊱

Mesmo depois de Lawrence se iniciar como aprendiz de


mercador, ele ainda desejava empunhar espada e escudo e batalhar seu
caminho através das terras como um valente cavaleiro andante.
Enquanto viajava com seu mestre pelos campos, os contos de dragões
cuspidores de fogo, pássaros tão grandes que as asas cobriam o céu e
feiticeiros poderosos o suficiente para mover montanhas se assim
desejassem, ainda faziam o seu coração acelerar em segredo.
É claro que, eventualmente, ele passou a ver tais contos como
pura fantasia.
Foi encontrar Holo que permitiu que Lawrence os apreciassem
novamente.
Muitos desses contos e lendas não eram fantasia nenhuma, e até
mesmo um humilde mercador viajante podia ter aventuras tão
grandiosas como qualquer cavaleiro andante.
Só essa ideia já era o suficiente para causar um ardor, que ele não
sentia há muitos anos, se espalhar por todo o seu coração.
No meio de sua vertigem, no entanto, ele se lembrou dos eventos
que aconteceram durante a tentativa de contrabando de ouro em
Ruvinheigen. Ele sorriu para a sua tolice.
Ele não tinha visto a sua forma, mas não havia dúvida de que um
lobo, não tão diferente de Holo, vivia naqueles bosques misteriosos
perto Ruvinheigen e eram a fonte dos muitos rumores. Lawrence, no
entanto, não tinha sido o robusto protagonista de nenhuma aventura
emocionante. Ele era apenas um frágil personagem secundário
envolvido no conto.
Ele sentiu que uma vida de mercador lhe servia bem melhor.
Lawrence meditava sobre quando chegaram à rua larga que levava
de volta para a estalagem. Aqui ele se despediu de Batos.
Quando Lawrence agradeceu à Batos por agir como um
intermediário, a resposta de Batos foi rápida. “As pessoas tendem a
fofocar se eu for para a casa de Diana sozinho, então você foi uma boa
desculpa.”
CAPÍTULO II ⊰ 90 ⊱

O pessoal da guilda mercantil gostava muito de tais conversas.


“Pode me chamar a qualquer hora,” Batos falou. Não era uma
simples cortesia. Ele parecia dizer isso genuinamente. Lawrence
também tinha gostado, então ele assentiu em resposta.
O sol estava começando a afundar abaixo dos telhados da ampla
avenida, a qual estava cheia de artesãos voltando para casa a depois de
um longo dia, comerciantes fazendo suas negociações e agricultores a
caminho de casa depois de ter vendido os produtos que trouxeram de
suas vilas.
Lawrence foi em direção ao sul pela rua para a parte central da
cidade, onde bêbados e crianças se juntavam à mistura da multidão.
Normalmente, o número de garotas da cidade na rua tende a cair
depois do sol, mas hoje elas eram numerosas, contribuindo para a
atmosfera de expectativa para o festival do dia seguinte. Aqui e ali,
grupos de pessoas se reuniam em torno de cartomantes e afins, que
exerciam sua profissão descaradamente no meio das multidões.
Lawrence cortou seu caminho através da multidão e passou reto
pela estalagem ao longo da rua, indo direto para o mercado no centro
da Kumersun.
Graças à Diana, ele tinha uma ideia geral da localização de Yoitsu,
portanto não iria para Nyohhira, mas sim para a cidade de Lenos.
Lenos estava mais perto, e a estrada que conduzia a ela era melhor
mantida. Ele também esperava que uma vez que estivesse em Lenos
seria capaz de obter informações mais detalhadas sobre as lendas de
Holo.
Por isso Lawrence foi visitar Mark novamente. Como Mark estava
reunindo informações sobre a viagem para ele, ele precisava saber
sobre essa mudança de destino.
“Ei, rapaz apaixonado.”
Enquanto Lawrence se aproximava da loja de Mark, ele viu Mark
com uma garrafa de vinho em uma das mãos, parecendo alegre, de
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 91 ⊱

fato; o jovem aprendiz que ele enviou mais cedo para contatar Batos
agora tinha o rosto vermelho e se inclinava na parte de trás da loja.
Era a esposa de Mark, Adele, que cuidava do fechamento da loja,
cobrindo as pilhas de mercadorias com uma lona para proteger contra
o orvalho da noite.
Assim que ela notou Lawrence, Adele acenou levemente e
apontou para o marido com um sorriso envergonhado.
“O que há de errado?” Mark falou. “Bah — aqui, bebe um pouco.”
“Então, sobre a informação que te pedi esta manhã... Whoa, isso
é demais.”
Mark parecia não ouvir o protesto de Lawrence enquanto ele
derramava o vinho de uma garrafa de cerâmica em um copo de
madeira.
Sua expressão sugeria que ele não teria nada a dizer até que
Lawrence pegasse o copo, que agora estava quase transbordando de
vinho.
“Tudo bem, tudo bem.” Exasperado, Lawrence pegou o copo e o
levou aos lábios; era um bom vinho. De repente ele queria um pouco
de charque para acompanhar.
“Então, sobre o que era? Você mudou seus planos de viagem?”
“Isso mesmo. Há uma cidade, Lenos, na confluência do Rio Roam.
É para lá que eu vou.”
“Bem, isso é uma grande mudança, de fato. E eu já tinha coletado
bastante informação sobre o caminho para Nyohhira.” Se ele não fosse
capaz de pensar com clareza apesar do vinho, Mark nunca teria sido
um mercador.
“Desculpa. As circunstâncias mudaram um pouco.”
“Oh ho,” Mark disse com um sorriso enquanto bebia o vinho como
se fosse água. Ele então olhou para Lawrence com um olhar de quem
CAPÍTULO II ⊰ 92 ⊱

se divertia. “Então é verdade que as coisas foram mal com aquela sua
companheira?”
Houve uma pausa.
“O que disse?” Lawrence finalmente perguntou.
“Ha-ha-ha-ha. Rumores se espalham, rapaz apaixonado. Todo
mundo sabe que você está escondido em uma boa estalagem com uma
bela freira. Você certamente não teme à Deus.”
Kumersun era uma cidade grande, mas não tão grande como
Ruvinheigen — as notícias se espalhavam rapidamente de um
mercador para outro até que quase todos eles tivessem ouvido a
notícia. Os laços entre os comerciantes aqui eram fortes. Se alguém
tivesse visto Holo com Lawrence, rumores iriam se espalhar.
Se Mark sabia sobre Holo, então todos na guilda mercantil
também sabiam. Ele estava aliviado que não havia retornado com
Batos.
O que ele não entendia era por que Mark disse que as coisas
tinham corrido mal entre Lawrence e Holo.
“Nós não temos o tipo de relacionamento que daria uma boa
conversa para o vinho, mas não vejo por que você diria que as coisas
foram mal com ela.”
“Heh-heh. O rapaz apaixonado aqui sabe se fazer de bobo, isso é
certo. Mas posso ver a preocupação em seu rosto.”
“Bem, não há dúvidas de que ela é formosa. Se as coisas fossem
mal entre a gente, seria uma pena.”
Lawrence estava surpreso com sua própria capacidade de se
manter calmo durante a conversa — sem dúvida porque estava
acostumado com as provocações constantes de Holo.
Embora a verdade seja dita, ele sentiu que teria preferido que sua
perspicácia nos negócios tivesse ficado mais afiada em vez de sua
paciência.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 93 ⊱

Mark arrotou. “Por que, agora há pouco, ouvi dizer que a sua
companheira foi vista na companhia de um rapaz da nossa guilda
mercantil. Evidentemente eles estavam se dando muito bem.”
“Ah, você quer dizer o Sr. Amati.” Lawrence não se sentia
confortável chamar o garoto simplesmente de “Amati,” e ainda assim
o “Sr.” de repente parecia desnecessário também.
“Ah, então você já desistiu.”
“Você parece estar redondamente enganado. Eu simplesmente
tinha negócios hoje e não fui capaz de acompanhá-la, e o Sr. Amati se
encontrava com tempo livre e queria nos mostrar a cidade. Estes dois
eventos acabaram se coincidindo; isso é tudo.”
“Hmm...”
“Não acredita em mim?”
Lawrence esperava Mark ficar totalmente desapontado, então ele
se viu confuso ao notar o olhar de genuína preocupação de Mark.
“Eu costumava ser um mercador viajante como você, por isso vou
te dar uns conselhos. Amati é mais formidável do que parece.”
“...O que você quer dizer?”
“O que eu quero dizer é, se você for descuidado, ele vai roubar
sua companheira bonitinha bem na sua frente. Homens da idade dele
vão fazer de tudo para conquistar o objeto de sua obsessão. E você sabe
quanto peixe Amati negocia? Muito. E mais, ele nasceu em uma região
bastante agradável no sul, mas uma vez que ele percebeu que por ser
o filho mais novo nunca teria a chance de conseguir nada para si
mesmo, ele fugiu de casa e veio aqui para abrir o seu negócio. Isso foi
apenas há três anos. Uma história e tanto, não é?”
Era difícil imaginar o frágil Amati fazendo tudo isso, mas
Lawrence tinha visto as três cargas de peixe fresco na carroça do
garoto.
Além do mais, Amati foi capaz de arranjar facilmente um quarto
em uma estalagem de frente para a avenida principal — embora seja
CAPÍTULO II ⊰ 94 ⊱

onde ele vendeu seu peixe. Durante uma época em que a cidade estava
transbordando com os viajantes indo e vindo, isso não era pouca coisa.
Uma semente de medo começou a se enraizar no coração de
Lawrence, mas ao mesmo tempo, ele não podia acreditar que Holo
mudaria seu afeto tão facilmente.
“Não precisa se preocupar. Minha companheira não é tão
instável.”
“Ha-ha-ha. Você tem muita fé. Se eu ouvisse que minha Adele
tivesse saído com Amati, eu desistiria na hora.”
“O que é isso sobre eu e Amati?” disse Adele, um sorriso
verdadeiramente terrível no rosto. Ela estava atrás de Mark já faz
algum tempo enquanto limpava a loja no lugar do marido.
Adele e Mark se apaixonaram quatro anos atrás quando, como um
mercador viajante, Mark tinha visitado Kumersun. Sua história de
amor era bastante famosa na cidade, e era o suficiente para fazer até
um bardo de terceira categoria levantar as mãos em desgosto. Ela agora
possuía toda a dignidade de esposa de um mercador de trigo.
Quando Lawrence a conheceu, Adele era bastante frágil, mas
agora ela era ainda mais robusta do que seu marido.
Dois anos atrás ela havia dado à luz a seu primeiro filho — talvez
fosse a força da maternidade que ela agora possuía.
“Uh, o que eu estava dizendo era que, se eu te visse com Amati,
você é tão querida para mim que as chamas do meu ciúme queimariam
a minha própria carne!”
“Queime então, querido. Eu vou apenas acender um fogo com as
cinzas que você deixar para fazer um pão saboroso para o Sr. Amati.”
Adele era tão ácida que tudo que Mark pôde fazer em resposta foi
tomar outro drinque.
Talvez as mulheres em todos os lugares fossem mais fortes.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 95 ⊱

“Então, Sr. Lawrence,” disse Adele. “Beber na companhia deste


beberrão deve fazer o gosto do vinho ficar ruim. Vamos fechar a loja
por aqui, então por que você não vem até a nossa casa para jantar
conosco? Embora o bebê possa ser um pouco barulhento.”
Lawrence não podia sequer começar a imaginar o tanto de
trabalho que um filho de Mark poderia dar.
Ele não era particularmente bom com crianças, mas não foi por
isso que ele recusou a oferta.
“Ainda tenho alguns negócios para resolver, infelizmente.”
Era uma mentira, claro, mas Adele acenou com pesar, sem
qualquer traço de suspeita.
Mark, por outro lado, sorriu como se tivesse visto através de
Lawrence. “Oh, sim, você tem negócios inacabados. Boa sorte com
eles.”
Sim, Mark tinha visto a verdade. Lawrence conseguiu dar um
sorriso fraco.
“Ah, sim, vou manter o seu novo destino em mente. Vou ficar
com a loja aberta durante todo o festival, então devo ser capaz de
descobrir tudo sobre a rota para Lenos.”
“Eu agradeço.”
Lawrence terminou seu vinho, agradeceu ao casal de novo e se
despediu.
Ele notou que estava caminhando mais rápido através da noite
agitada e riu de própria tolice.
Ele realmente alegou ter negócios inacabados — ridículo!
Mas articular o verdadeiro motivo fez Lawrence se odiar, então
admitir para qualquer outra pessoa estava fora de questão.
Amati e Holo caminhando felizes juntos — a imagem passou
rapidamente por sua cabeça.
CAPÍTULO II ⊰ 96 ⊱

Apesar de sua frustração, ele se viu apressando seu passo cada vez
mais.

O clamor turbulento das ruas ficou mais alto quando a noite caiu.
Lawrence estava concentrado em escrever seus próximos planos de
viagem com tinta e pena emprestada da estalagem quando Holo
finalmente retornou.
Lawrence tinha corrido de volta para a estalagem apenas para
descobrir que Holo ainda estava fora, e embora tivesse que engolir sua
decepção, o tempo o deu uma chance para se acalmar, pela qual estava
grato.
Amati se despediu dela na frente da estalagem, segundo Holo,
então ela veio até o quarto sozinha. A julgar pelo cachecol de pele de
raposa em volta do pescoço, Amati foi levado por um bom passeio.
Não havia dúvida na mente de Lawrence que ela o fez comprar mais
do que isso.
Seu alívio e felicidade ao ver o retorno seguro de Holo não era
nada comparado com a dor de cabeça que veio ao tentar descobrir qual
seria a maneira apropriada de agradecer Amati.
“Ugh... está muito apertado. Venha... me ajude com isso, pode
ser?”
Pelo tanto que ela comeu e bebeu, Holo parecia incapaz de tirar
suas próprias roupas.
Lawrence suspirou e saiu de sua cadeira, caminhou ao lado da
cama e desfez o cinto contra o qual Holo lutava tão corajosamente. Ele
também retirou o manto que apertava sua cintura.
“Se você for se deitar, tire o seu cachecol e o xale. Caso contrário
eles vão enrugar.” Holo grunhiu vagamente em resposta.
Lawrence conseguiu impedi-la de cair sobre a cama de imediato,
e ele a ajudou a tirar o cachecol e o xale de pele de coelho, bem como
o lenço triangular que ela usava sobre a cabeça.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 97 ⊱

Holo cochilava enquanto deixava Lawrence lidar com a sua roupa.


Ela provavelmente se separou de Amati na frente da estalagem porque
não era mais capaz de cuidar de si mesma.
Uma vez que Lawrence conseguiu tirar o cachecol, o xale e lenço,
ela imediatamente caiu sobre a cama.
Embora ele não pudesse deixar de sorrir quando olhou para essa
loba despreocupada, Lawrence suspirou quando olhou para o cachecol
de pele de raposa. Ele não podia se imaginar comprando tal item para
revenda, muito menos como um presente.
“Ei, você — o que mais você fez ele comprar, hein?”
Se Amati tinha ido tão longe, parecia provável que ele tenha
comprado algo ainda mais caro.
Holo nem sequer tinha energia para levantar as pernas para cima
da cama, e sua posição estranha permaneceu inalterada enquanto ela
respirava lenta e profundamente ao cair no sono. As orelhas das quais
ela tinha tanto orgulho não deram sequer uma contraída com a
pergunta de Lawrence.
Percebendo que não havia nada mais a fazer, Lawrence levantou
as pernas dela e as colocou em cima da cama, mesmo assim ela nem
sequer abriu os olhos.
Ele se perguntou se essa total falta de defesa se devia a confiança
ou simplesmente desdém.
Ele refletiu sobre isso por um tempo, mas finalmente decidiu que
tais pensamentos só o levariam à decepção, por isso os baniu de sua
cabeça. Colocando o cachecol e o xale sobre a mesa, ele começou a
dobrar o manto dela.
Assim que ele fez isso, algo caiu do manto e bateu no chão com
um baque.
Ele pegou o objeto; era um belíssimo cubo metálico.
“Ferro...? Não.”
CAPÍTULO II ⊰ 98 ⊱

Tinha bordas afiadas, cuidadosamente preenchidas e uma


superfície que era muito suave, mesmo à fraca luz da lua. Mesmo que
fosse apenas o trabalho em metal, o cubo seria uma peça valiosa, mas
não havia como dizer o quão brava Holo ficaria se ele a acordasse
apenas para perguntar sobre isso.
Ele colocou o cubo sobre a mesa, decidindo perguntar sobre isso
no dia seguinte.
Ele colocou o manto sobre as costas da cadeira e dobrou o lenço;
em seguida, ele enrolou o cinto depois de suavizar suas rugas.
Por um momento, ele se perguntou por que estava fazendo essas
tarefas servis — afinal, ele não era um servo — mas bastava um olhar
para Holo dormindo, roncando ingenuamente ali na cama, isso já era
o suficiente para dissipar sua indignação.
Ela não fez nenhum movimento dando a entender que ela mesma
o faria, então Lawrence foi até a cama e puxou as cobertas sobre ela,
rindo.
Ele, então voltou para sua mesa e seus planos de viagem.
Se suas circunstâncias não permitissem que ele ficasse no norte
enquanto procurava Yoitsu, ele simplesmente tinha que adaptar seu
plano de negócios para acomodar algumas viagens ao norte. Mesmo se
ele fosse ou não realmente seguir essas mudanças, não havia mal
nenhum em fazer o plano.
Além disso, fazia um bom tempo desde que ele realmente se
sentou com pena e papel e listou as cidades, rotas comerciais,
mercadorias e as margens de lucro que compunham a vida de um
mercador viajante.
Ele estava cheio de nostalgia quando se lembrou das vezes em que
já havia queimado óleo na meia noite para fazer tais planos.
No entanto, havia uma grande diferença entre aquela época e
agora.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 99 ⊱

Esses planos eram feitos para o seu próprio bem — ou para o bem
de outra pessoa?
Lawrence trabalhava, a pena na mão, ouvindo os roncos tranquilos
de Holo, até que a vela de sebo se extinguiu.

“Comida, bebida, o cachecol, e este dado.”


“Algo mais?”
“Isso foi tudo. Bem, isso e conversa mole o bastante para o resto
da vida,” Holo disse despreocupadamente, mastigando o pente que ela
usava para pentear sua cauda. Lawrence olhou cansado para ela.
Ele ficou aliviado quando ela acordou sem ressaca e foi
imediatamente interrogando ela sobre os acontecimentos da noite
anterior. Olhando para os presentes que ela tinha recebido à luz da
manhã, Lawrence poderia dizer que eles eram de valor considerável.
“Então você comeu e bebeu a noite toda, e ainda tem esse
cachecol. Não posso acreditar que você simplesmente aceitou uma
coisa dessas...”
“É uma pele de alta qualidade, não é? Embora não se compare com
a minha cauda.”
“Você fez ele comprar essa coisa?”
“Você acha que sou tão sem vergonha? Ele praticamente me
forçou a aceitar. Apesar de ser bem elegante da parte dele, dar um
cachecol de presente.”
Lawrence olhou para a peça de pele de raposa e então para Holo.
Ela continuou, parecendo satisfeita, “Ele está bastante apaixonado por
mim, sabe.”
“Me desculpe, eu pedi por uma piada? Você não pode
simplesmente dizer que acabou quando recebe um presente deste
valor. E eu que pensei em deixar alguém te bancar uma visita pela
cidade, mas agora olha para a dívida que eu tenho!”
CAPÍTULO II ⊰ 100 ⊱

Holo riu. “Então esse era o seu plano o tempo todo, não era?
Imaginei que sim.”
“Vou descontar o valor desse cachecol dos seus do seu dinheiro
para o festival, esteja avisada.”
Holo o encarou, mas se virou, duplamente irritada ao ver que
Lawrence a encarou de volta.
“Espero que pelo menos não tenha mostrado suas orelhas e cauda
para ele, certo?”
“Você não precisa se preocupar. Eu não sou tão tola assim.”
Com base no estado dela na noite anterior, Lawrence não tinha
pensado em se preocupar com essa possibilidade, mas agora ele não
tinha tanta certeza.
“Suponho que te perguntaram que tipo de relacionamento que
você tem comigo.”
“O que eu gostaria de saber é precisamente por que você está me
perguntando isso.”
“Se nossas histórias não forem iguais, as pessoas vão começar a
suspeitar.”
“Mm. Você está certo. Sim, fui bastante questionada a respeito
disso. Eu sou uma freira viajante e você me salvou de ser vendida por
homens maus, foi o que disse para ele.”
Tirando a parte sobre Holo ser uma freira, o resto era mais ou
menos consistente com a verdade.
“Mas uma vez que você me salvou, e eu fiquei profundamente em
dívida com você, e como não posso esperar pagá-lo, estou
gradualmente recompensando orando por sua segurança enquanto
viajamos. Oh, pobre de mim! Minha voz estava desesperadamente
triste enquanto narrava esse conto. O que você acha, hein? Tem o som
da verdade!”
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 101 ⊱

Embora Lawrence ficasse um pouco irritado por parecer ser o


vilão da história, a história parecia convincente.
“Assim que terminei o conto, ele me comprou o cachecol,” disse
a falsa freira viajante com um sorriso claramente diabólico.
“Eu suponho que isso sirva. Mas e este dado? O que fez ele te
comprar algo assim?”
Lawrence tinha sido incapaz de discernir a cor da coisa sob a fraca
luz da lua, mas agora ele poderia dizer que o cubo de metal, tão
perfeito que parecia obra de um mestre ferreiro, tinha um tom
distintamente amarelo, como ouro sem polimento.
Lawrence já tinha visto este tipo de ouro como mineral antes.
Não era o trabalho de nenhum ser humano, mas totalmente
natural.
“Oh, isso? O cartomante estava usando. Dizem que é um dado que
pode adivinhar o futuro. Ele tem uma forma adorável, não tem? Mal
posso entender como foi feito. Não há dúvida de que vai vender por
um alto preço.”
“Sua tola. Você realmente acha que pode vender isso?” Lawrence
falou usando o mesmo tom que ela muitas vezes usava para repreendê-
lo. As orelhas de Holo se mexeram com a súbita aspereza.
“Isto não é um dado. Este é um mineral chamado pirita. E nenhum
homem o criou.”
Sua informação era obviamente inesperada. Holo o olhou com ar
de dúvida, mas Lawrence ignorou isso, pegando o cubo amarelo de
cima da mesa e o jogando para Holo.
“Suponho que a sábia loba que garante a colheita saiba pouco de
pedras. Essa pedra em forma de cubo foi extraída do jeito que você a
vê.”
Holo sorriu incerta, claramente duvidando dele, enquanto
brincava com a pirita.
CAPÍTULO II ⊰ 102 ⊱

“Suas pequenas orelhas podem dizer que não estou mentindo.”


Holo murmurou baixinho e segurou a pirita entre os dedos.
“Não serve para muita coisa, mas muitas vezes é vendido como
lembrança. E uma vez que se parece com o ouro, algumas vezes é
usado por vigaristas. Por acaso mais alguém comprou isso?”
“Oh, de fato. Muitas. O cartomante tinha grande habilidade, o
suficiente para impressionar até mesmo eu. Ele alegou que, com dados
como o dele, qualquer um poderia ler o destino, por isso todos que se
reuniram queriam a pirita que ele estava vendendo. Ele inventou todos
os tipos de motivos pelos quais eles seriam desejáveis.”
“Você quer dizer esse dado?”
“Sim. Até os que não tinham uma forma tão perfeita como este,
ele alegou que poderia afastar a doença ou o mal.”
Lawrence sentiu um certo respeito profissional por qualquer um
que pudesse inventar um negócio tão lucrativo. Festivais e feiras
muitas vezes provocavam manias estranhas.
A atmosfera carregada era feita para os grandes negócios, mas
pirita — esse era um grande ponto, de fato.
“Amati deu o melhor lance por esse dado.”
Isto genuinamente surpreendeu Lawrence. “Ele deu o melhor
lance?”
“A multidão ficou bastante entusiasmada. Nunca tinha visto esse
tipo de competição — de fato foi algo que valeu a pena ver. Espero
poder vender esse dado por um preço bastante alto.”
Lawrence pensou em Batos, que viajou pelas regiões de Hyoram.
Será que Batos sabia disso? Se ele tivesse pirita na mão ou conexões
para consegui, Lawrence poderia fazer um excelente negócio.
Lawrence já ia longe em sua linha de pensamento quando houve
uma batida na porta.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 103 ⊱

“Hm?” Por um momento, ele considerou a possibilidade de que


Amati tinha visto orelhas e cauda de Holo, mas então decidiu que a
perceptiva Holo teria notado se esse fosse o caso.
Ele olhou da porta para Holo e viu que ela puxou o cobertor sobre
ela. Evidentemente, o visitante não era do tipo perigoso que tinham
encontrado em Pazzio.
Lawrence foi até a porta e a abriu.
Do outro lado estava o jovem aprendiz de Mark.
“Peço desculpas por vir tão cedo pela manhã. Tenho uma
mensagem do meu mestre.”
Dificilmente ainda era “cedo pela manhã,” e Lawrence não podia
imaginar o que era tão urgente que faria Mark a enviar seu aprendiz
em uma tarefa logo quando o mercado estava para abrir.
Ele se perguntou se talvez Mark tivesse ficado gravemente doente,
mas não — se esse fosse o caso o rapaz não diria que tem uma
mensagem do seu mestre.
Holo se moveu debaixo dos cobertores, colocando a cabeça para
fora.
O rapaz percebeu e olhou em sua direção. Vendo uma garota em
uma cama coberta até o pescoço pelos cobertores era, evidentemente,
mais do que ele esperava. Ele se virou, o rosto vermelho.
“Então, qual era a mensagem?”
“Oh, er, sim. Ele disse que você precisava saber com urgência,
então eu vim para cá imediatamente. O que aconteceu foi —”
A notícia chocante fez Lawrence correr pelas ruas de Kumersun
no mesmo instante.
cidade de Kumersun levantava cedo.
Lawrence atravessou a larga avenida norte-sul e rumou
para o oeste em direção a guilda mercantil. No caminho
ele viu muitas pessoas construindo o que pareciam ser
placas de sinalização aqui e ali.
Lawrence os olhou enquanto corria com o aprendiz de Mark. Eles
realmente pareciam placas de sinalização de algum tipo, mas não
conseguia dizer o que estava escrito nelas. Era uma escrita que nunca
tinha visto antes, e as placas eram decoradas com flores, nabos, ou
maços de feno.
Sem dúvida eles eram usados no festival de Laddora, o qual
começava hoje, mas Lawrence não tinha tempo para descobrir.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 105 ⊱

O menino tinha o pé ligeiro e não mostrava sinais de cansaço,


talvez por se acostumar a trabalhar tão duro dia após dia com Mark.
Lawrence tinha uma quantidade razoável de confiança com sua própria
resistência, mas era pressionado a manter o ritmo. Foi quando estava
quase lhe faltando ar que chegou à guilda mercantil.
As normalmente proibitivas portas bem fechadas da guilda
estavam largamente abertas. Um punhado de mercadores estavam na
entrada, os copos de vinho já na mão apesar de ser cedo.
Sua atenção estava direcionada para dentro do prédio, mas ao
perceberem a chegada de Lawrence, acenaram para ele com
entusiasmo.
“Hey! É o homem em pessoa! Haschmidt o Cavaleiro chegou!”
Ao ouvir o nome Haschmidt, Lawrence agora tinha certeza que o
aprendiz de Mark não estava nem mentindo nem brincando.
Havia um conto romântico do país de Eleas, uma nação
apaixonada de mares e vinhedos.
O protagonista era Hendt La Haschmidt, um cavaleiro da corte
real.
No entanto, Lawrence estava longe de ficar feliz por ser chamado
de cavaleiro.
Haschmidt, o Cavaleiro, lutou bravamente por Ilesa, a princesa
que ele amava. Ele desafiou o Príncipe Philip Terceiro para um duelo
pelo direito da mão da amada e teve uma morte trágica.
Lawrence subiu os degraus de pedra, empurrando através dos
mercadores zombeteiros para dentro da companhia.
Seus olhares o perfuravam, como uma lança, como se ele fosse um
criminoso prestes a ser crucificado.
Lá no fundo da sala, no balcão atrás do qual estava o mestre da
guilda, estava o seu Príncipe Philip Terceiro.
CAPÍTULO III ⊰ 106 ⊱

“Eu digo de novo!” gritou uma voz esganiçada de menino que


ecoou pelo saguão.
Era Amati — sem vestir o casaco de couro oleado padrão de
peixeiro, mas sim um manto formal de aristocrata. Ele parecia o jovem
filho de um nobre dos pés à cabeça.
Ele nivelou seu olhar diretamente para Lawrence enquanto todo
o conjunto de mercadores que prenderam a respiração.
Ali, naquele instante, Amati ergueu uma adaga e uma folha de
pergaminho e fez sua declaração.
“Eu vou pagar a dívida que agora pesa sobre os ombros delicados
dessa freira viajante — e quando esta deusa da beleza recuperar sua
liberdade, eu juro por São Lambardos, que vela por esta Guilda Rowen
de Comércio, que Holo, a freira, terá meu amor eterno!”
A comoção surgiu no salão, risos se misturaram com gritos de
admiração para criar uma atmosfera estranhamente febril.
Amati ignorou o barulho. Ele baixou as mãos e virou o punhal, o
agarrando pela lâmina e apontando o punho para Lawrence.
“A senhorita Holo me contou do seu infortúnio e seus maus tratos.
Eu então proponho usar a minha fortuna e posição como um homem
livre para recuperar para ela as asas de liberdade, e posteriormente me
casar com ela.”
Lawrence lembrou instantaneamente das palavras de Mark no dia
anterior.
Homens da idade dele vão fazer de tudo para conquistar o objeto de sua
obsessão.
Ele olhou para o punho da adaga com um olhar amargo e então
olhou para o pergaminho.
Amati estava longe o suficientemente para Lawrence não poder
dizer o que estava escrito no pergaminho, mas certamente reiterava o
que o garoto tinha acabado de dizer em termos mais concretos. O selo
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 107 ⊱

vermelho no canto inferior esquerdo da folha provavelmente não era


cera, mas sangue.
Em regiões sem um testemunho público, ou quando se precisava
de um contrato com muito mais peso do que um testemunho público
poderia proporcionar, havia a lei dos contratos. A parte que colocava
seu sangue sobre o contrato daria a faca que usou para a parte contrária
e faria um juramento em nome de Deus.
Se a primeira parte não cumprisse o contrato, a segunda seria
obrigada a matar o oponente com a faca ou então cortar sua própria
garganta.
Assim que Lawrence pegasse a faca oferecida por Amati, o
contrato seria selado.
Lawrence não se moveu. Ele não tinha a menor ideia de que a
paixão de Amati chegaria a isso.
“Sr. Lawrence.” As palavras eram tão penetrantes quanto o olhar
de Amati.
Nem desculpas esfarrapadas nem desrespeito iriam afetar o
garoto, Lawrence imaginou.
Desesperado para comprar algum tempo, ele disse: “É verdade
que Holo está endividada comigo e que ela reza por mim enquanto
viajamos para pagar essa dívida, mas ela não vai necessariamente
abandonar a nossa jornada uma vez que sua dívida seja paga.”
“Verdade. Mas estou confiante de que ela fará isso pelo meu bem.”
Um murmúrio percorreu a multidão, que ficou impressionada
com a audácia de Amati.
Ele não parecia bêbado, mas ele era a própria imagem de Philip
Terceiro.
“Além disso, ela pode não ser totalmente devota, mas Holo ainda
é uma freira, o que torna o casamento —”
CAPÍTULO III ⊰ 108 ⊱

“Se você está preocupado que eu não compreendo totalmente a


situação, então a sua preocupação, senhor, é desnecessária. Estou
ciente de que Holo não está ligada a nenhum convento.”
Lawrence manteve sua boca fechada para evitar o palavrão que
veio à mente.
Havia dois tipos das intituladas freiras viajantes. O primeiro tipo
eram mulheres de uma ordem mendicante sancionada pela igreja que,
no entanto, não tinha uma base fixa de operações. O segundo tipo era
totalmente independente, não pertencendo a nenhuma organização da
Igreja.
Tais freiras autoproclamadas compunham a maior parte do grupo,
e se referiam a si mesmas como tal simplesmente pela conveniência
que lhes oferecia enquanto viajavam. Uma vez que elas não eram
oficialmente ligadas a qualquer organização da Igreja, elas eram
proibidas de se casar da forma como as verdadeiras freiras são.
Amati sabia que Holo era uma freira independente, então já era
tarde demais para organizar qualquer tipo de pretensão com um
convento.
Amati continuou a falar, sua voz suave e confiante. “É verdade que
não é o meu desejo propor um contrato a você Sr. Lawrence. Sem
dúvida cada um aqui pensa em mim como Philip Terceiro do conto de
Haschmidt, o Cavaleiro. No entanto, de acordo com a lei Kumersun,
quando uma mulher está endividada, seu credor é considerado seu
guardião. Claro —”
Amati pausou, limpando sua garganta, então continuou, “Se você
vai concordar incondicionalmente com a minha proposta de
casamento, não há necessidade desse contrato.”
Este tipo de competição rara por causa de uma mulher criavam as
melhores histórias para acompanhar uma bebida.
Os mercadores reunidos falavam em voz baixa enquanto
observavam o drama em desenvolvimento.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 109 ⊱

A maioria dos mercadores experientes não levariam o


relacionamento de Lawrence e Holo a sério. Teria sido o cúmulo da
ingenuidade pensar que uma freira endividada fosse realmente pagar
sua dívida orando por seu credor enquanto eles viajavam. Era muito
mais provável que ela não queria ser vendida por quem quer que
tivesse sua dívida ou que estava viajando com ele simplesmente porque
queria.
Amati certamente percebeu isso e sem dúvida pensou que era a
primeira opção.
Libertar uma pobre e linda donzela dos laços da dívida era uma
obrigação moral que justificava essa exibição ridícula de galanteria,
Amati deve ter pensado.
E mesmo se ele não pensasse assim, Lawrence ainda sairia
parecendo o vilão.
“Mr. Lawrence, você vai aceitar a adaga desse contrato?”
Os mercadores observavam, sorrindo silenciosamente.
O mercador viajante estava prestes a perder sua companheira
atraente para o jovem peixeiro por pura falta de atenção.
Isso era um entretenimento raro — e não havia nenhuma maneira
aceitável de Lawrence escapar.
Sua única opção era a vencer Amati sendo o homem mais nobre.
Em todo caso, ele não acreditava que, se a dívida de Holo fosse
paga, ela pararia de viajar com ele só porque Amati pediu.
“Eu não sou tão descuidado a concordar com um contrato que eu
não li,” disse Lawrence.
Amati assentiu, recuando a adaga e mostrando o contrato para
Lawrence.
Lawrence caminhou em direção a Amati, observado por todos na
sala, e pegou o pergaminho, examinando o seu conteúdo rapidamente.
CAPÍTULO III ⊰ 110 ⊱

Como ele esperava, o que estava escrito era uma versão mais
tortuosamente redigida da declaração que Amati tinha acabado de
fazer.
O que Lawrence estava mais interessado era a quantidade que
Amati se propunha a pagar.
Quanto Holo alegou que devia?
Para Amati estar tão cheio de confiança, tinha que ser uma
quantidade relativamente pequena.
Finalmente, ele encontrou a quantia em uma das linhas do
contrato.
Por um momento, ele duvidou de seus olhos.
Mil moedas de prata trenni.
Um alívio, corporal, tomou conta dele.
“Suponho que este contrato lhe satisfaça?”
Lawrence verificou novamente, certificando-se que não havia
armadilhas óbvias escondidas no contrato. Ele também procurou por
todos os pontos que pudesse transformar em benefício próprio.
Mas a linguagem do contrato era firme o suficiente para não dar
espaço para armadilhas que prejudicassem a primeira parte.
Lawrence não tinha escolha a não ser devolver o contrato de
Amati.
“Entendido,” ele disse, entregando o contrato de volta para o
menino e o olhando nos olhos.
Lawrence estendeu a mão para pegar a adaga e o contrato foi
selado.
Todo mercador no salão — e mais importante, o santo padroeiro
da guilda mercantil, São Lambardos — era testemunha do contrato.
Os mercadores levantaram suas vozes em um grito, brindando
seus copos juntos, trazendo um fim ao entretenimento.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 111 ⊱

Em meio ao barulho, os dois homens se entreolharam e deixaram


o contrato e a adaga com o mestre da guilda.
“Os termos do contrato se estendem até o final do festival — em
outras palavras, até o pôr do sol de amanhã. É o suficiente?”
Lawrence assentiu. “Traga os mil trenni em moeda. Eu não vou
aceitar um pagamento parcial ou qualquer valor menor que esse.”
Mesmo que Amati fosse o tipo de mercador que rotineiramente
guiava três carroças de peixe fresco, não havia nenhuma maneira de ser
capaz de simplesmente produzir mil moedas trenni. Se ele fosse tão
bem-sucedido, Lawrence já saberia.
Claro que, se tivesse um estoque cujo valor somasse mil moedas
trenni, isso poderia ser facilmente produzido.
Para colocá-lo da maneira mais feia possível, este acordo permitia
Amati comprar Holo por mil moedas de prata. Assumindo que Amati
não tinha nenhuma intenção de tentar revendê-la em outro lugar, era
como se mil moedas de prata fossem simplesmente do bolso de Amati
para o bolso de Lawrence.
Se fosse esse o caso, Amati certamente teria problemas para pagar
por seu estoque de peixes do próximo dia. Mesmo se por algum acaso,
Holo de fato aceitasse sua proposta de casamento, o que os aguardava
era um futuro difícil. Os menestréis podem alegar que dinheiro não
podia comprar o amor, mas o contrário também era verdade.
“Nesse caso, Sr. Lawrence, vamos nos encontrar aqui novamente
amanhã.”
Seu rosto ainda traia a sua emoção exacerbada, Amati saiu do salão
da guilda. Ninguém disse uma palavra para ele, e logo todos os olhos
estavam sobre Lawrence.
Se ele não dissesse alguma coisa aqui, todos pensariam nele como
um mero caipira dominado pelo astuto Amati.
Lawrence ajeitou o colarinho. “Não creio que minha companheira
vá segui-lo simplesmente porque a sua dívida foi paga.”
CAPÍTULO III ⊰ 112 ⊱

Um grande urro emergiu dos mercadores que se reuniram,


imediatamente seguido por gritos de “O dobro em Lawrence, o
quádruplo no Amati — quem mais vai apostar?”
Foi um mercador de sal, conhecido de Lawrence, que ofereceu
seus serviços para gerenciar as apostas — ele foi visto por Lawrence e
sorriu.
O fato de que a probabilidade de Lawrence era menor significava
que os mercadores neste salão pensavam que as chances de Amati de
ganhar eram piores. A sensação de alívio que sentiu ao ver a soma de
mil trennis no contrato não era otimismo sem base. O senso comum
ditava que Amati tinha exagerado.
As apostas rolavam, a maioria delas em Lawrence. Quanto mais
dinheiro fosse colocado em suas chances para vitória, mais sua
confiança crescia.
Apesar de seu sangue ter corrido frio momentaneamente quando
Amati tinha feito sua proposta de casamento, as chances de que isso
ocorresse na realidade eram baixas.
Não só os números estavam contra Amati — Lawrence se
consolava em saber que havia outra barreira que o outro deveria
superar.
Amati jamais poderia casar com Holo a menos que ela desse seu
consentimento.
Neste ponto Lawrence tinha absoluta confiança.
Não havia como Amati saber que Holo estava viajando com
Lawrence para terras do norte.
Ele já havia dito a Holo que o conhecimento era o melhor amigo
de um mercador e que um negociante ignorante era como um soldado
andando com os olhos vendados em um campo de batalha.
A situação de Amati era um exemplo perfeito. Mesmo que ele
conseguisse correr por toda a cidade e juntar mil moedas trenni, era
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 113 ⊱

praticamente certo que Holo permaneceria com Lawrence enquanto


eles viajassem para o norte.
Ele refletiu sobre o assunto enquanto se desculpava com o mestre
pela comoção inevitável e então deixou o salão da guilda para trás.
Parecia prudente sair antes que os mercadores terminassem de
colocar as suas apostas e a atenção se voltar para ele. Ele não quer ser
o aperitivo de suas bebidas.
Uma vez que Lawrence abriu seu caminho através da multidão
considerável e saiu do salão, ele reconheceu um rosto familiar.
Era Batos, que o tinha apresentado a cronista Diana.
“Parece que você se enrolou em um problema e tanto.”
Lawrence sorriu, envergonhado, para o que Batos sorriu com
simpatia.
Batos então continuou de forma sinistra, “No entanto, acho que o
jovem Sr. Amati encontrou uma maneira de levantar o capital.”
O sorriso de Lawrence desapareceu com a declaração inesperada
de Batos. “Certamente que não.”
“Não posso dizer que é o método mais admirável, é claro.”
Ele não poderia estar fazendo a mesma coisa que Lawrence fez em
Ruvinheigen.
Kumersun não tinha as tarifas de importação de Ruvinheigen e,
sem tarifas, o contrabando não fazia sentido.
“Não vai demorar muito para a notícia correr toda a cidade, por
isso não posso dizer muito. Se eu mostrar muito apoio para você, não
seria justo para o pobre Amati — afinal, ele juntou toda sua coragem
e fez aquela declaração impressionante. Mas eu queria te deixar
avisado.”
“Por quê?”
CAPÍTULO III ⊰ 114 ⊱

Batos sorriu infantilmente. “Quaisquer que sejam as


circunstâncias, é uma coisa boa ter uma companhia na viagem. É difícil
observar isso ser tirado de um colega mercador viajante.”
Lawrence sentiu a sinceridade no sorriso do homem.
“Você faria bem em retornar à sua estalagem e formular um contra
plano.”
Lawrence fez uma reverência para Batos como se Batos fosse um
parceiro de negócios que tinha acabado de concordar com condições
muito favoráveis em um grande acordo, e então ele correu de volta
para a estalagem.
Amati tinha encontrado uma maneira de garantir os fundos.
Lawrence tinha calculado errado, mas ainda havia coisas entre ele
e Holo que Batos não fazia ideia.
Ele revirava a situação em sua mente enquanto caminhava pela
larga avenida, cujo tráfego era limitado devido ao festival.
Ele estava confiante de que não havia nenhuma maneira de Holo
ser tomada por Amati.

Quando Lawrence voltou para a estalagem e explicou a situação


para Holo, sua reação foi inesperadamente vaga.
Ela ficou bastante surpresa ao ouvir a mensagem que o aprendiz
de Mark entregou, mas agora parecia achar que pentear sua cauda tinha
maior importância. Ela estava sentada de pernas cruzadas, sua cauda
enrolada em seu colo enquanto cuidava dela.
“Então você aceitou esse contrato?”
“Aceitei.”
“Mm...,” ela disse vagamente, olhando novamente para sua cauda.
Holo não se impressionou; Lawrence sentiu pena de Amati.
Ele olhou além da janela de madeira, dizendo a si mesmo que não
havia com o que se preocupar, quando Holo falou abruptamente.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 115 ⊱

“Você, escute.”
“O quê?”
“O que você vai fazer se o garoto realmente te entregar o
dinheiro?”
Ele sabia que se respondesse com “O que quer dizer com o que eu
vou fazer?” ela ficaria entediada.
Quando ela fazia perguntas como esta, Holo queria saber a
primeira coisa que vinha à sua mente.
Lawrence fingiu pensar sobre isso por um momento e, em
seguida, propositadamente deu uma resposta não tão boa assim.
“Depois que eu calcular o quanto você usou, vou te entregar o
restante.”
As orelhas de Holo se mexeram lentamente e ela estreitou os
olhos. “Não me teste.”
“É um pouco injusto que eu seja o único a ser testado, hein?”
“Hmph.” Holo fungou, entediada, então voltou a olhar para a
cauda que arrumava.
Lawrence tinha propositalmente evitado falar a primeira coisa que
veio à mente.
Ele queria testar se ela tinha notado este fato.
“Se Amati cumprir sua parte do contrato, eu certamente vou
cumprir a minha,” ele disse.
“Oh ho.” Holo não olhou para cima, mas Lawrence podia dizer
que ela também não estava olhando para sua cauda.
“Claro, você esteve livre o tempo todo. Pode agir como desejar.”
“Cheio de confiança, não é?” Holo esticou as pernas e as balançou
para fora da cama.
CAPÍTULO III ⊰ 116 ⊱

Parecia que ela estava se preparando para saltar em cima dele


como fez tantas vezes, e Lawrence se encolheu, mas recuperou a
compostura e respondeu.
“Não é confiança. Eu simplesmente confio em você.”
Essa foi uma forma de explicar.
Havia inúmeras formas para expressar a mesma ideia, mas esta
parecia ser a mais galante.
Holo ficou sem fala por um momento, mas sua rápida esperteza já
tinha previsto isso.
Ela sorriu e então se levantou rapidamente.
“De fato, você é muito mais encantador quando está nervoso.”
“Até mesmo eu posso dizer o quanto amadureci.”
“Então ser adulto é fingir compostura?”
“E não é?”
“Ter tempo para se vangloriar só porque viu uma aposta que te dá
a vantagem significa que você é apenas um pouco esperto. Não te faz
um adulto.”
Ao ouvir as sensatas palavras da sábia loba centenária, Lawrence
fez uma expressão suspeita, como se ele fosse o assunto discutido no
mercado negro.
“Por exemplo, quando Amati propôs o contrato a você, não seria
mais admirável recusar?”
Longe disso, Lawrence estava prestes a dizer, mas Holo o cortou.
“Mas você olhou ao redor e julgou se seria ou não embaraçoso.”
“Uh—”
“Imagine se nossas posições fossem invertidas. Por exemplo, se
—”
Holo limpou a garganta, colocou a mão direita no peito, e
começou a recitar:
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 117 ⊱

“Não posso considerar tomar parte em tal contrato. Eu desejo


ficar com Lawrence eternamente. Talvez seja uma dívida que nos una,
mas ainda é uma união. Não importa quantos fios sejam tecidos ente
nós, não suportaria cortar nem mesmo um. Mesmo que isso me
envergonhe, não posso aceitar seu contrato — ou tal declaração. O
que acha?”
Foi como uma cena de uma peça.
A expressão de Holo esteve absolutamente séria, e suas palavras
ecoaram no coração de Lawrence.
“Se alguém dissesse algo assim sobre mim, eu ficaria repleta de
felicidade, ouso dizer,” Holo falou.
Isso sem dúvida era uma piada, mas fazia sentido.
Lawrence não estava disposto a simplesmente admitir que ela
estava certa — isso seria o mesmo que atestar que ele era um covarde
que tinha aceitado o contrato apenas para se livrar do constrangimento.
E em todo caso, ser tão franco e direto na frente de tantas pessoas tinha
suas vantagens e tal, mas haveria consequências.
“Bom, essa certamente seria a atitude mais viril a se tomar, mas se
esta seria a forma mais adulta de lidar com isso já é outra questão.”
Holo cruzou os braços, olhando de lado e acenando
minuciosamente. “Verdade. Isso pode ser tanto o ato de um bom
homem quanto o ato imprudente e juvenil. Alguém pode ficar feliz de
ouvi-lo, mas ainda é bastante exagerado.”
“Viu só?”
“Mm. Agora que penso nisso, as ações que fazem um bom macho
e aquelas que fazem um bom adulto podem ser mutuamente
exclusivas. Um bom macho é como uma criança. Um bom adulto tem
um grau de covardia.”
Era fácil imaginar um cavaleiro valente puxando sua espada em
fúria diante da desfaçatez de Holo para com o sexo masculino.
CAPÍTULO III ⊰ 118 ⊱

Lawrence naturalmente se sentiu obrigado a contra-atacar.


“Então, como é que Holo, a Sábia Loba, que tanto é uma boa mulher
quanto uma boa adulta, responderia a tal proposta romântica?”
O sorriso de Holo não se alterou.
Seus braços ainda cruzados, ela respondeu: “Ora, é claro que eu
sorriria e aceitaria.”
Seu sorriso leve e descompromissado sorriso enquanto afirmava
tão facilmente concordar com o contrato, fez Lawrence perceber o
quão profunda eram a tranquilidade e confiança que ela possuía.
Ele teria jamais teria tais ideias.
De fato, era Holo, a Sábia Loba, que estava diante dele.
“É claro que, ao aceitar o contrato, eu voltaria para a estalagem e,
sem dizer nada, me aproximaria de você e então —,” ela continuou,
descruzando os braços e caminhando em direção à Lawrence, o
deixando contra a janela. Ela estendeu a mão para ele. “E então eu
abaixaria o olhar...” suas orelhas e cauda baixaram, os ombros caídos,
ela parecia nitidamente miserável. Se isso era uma armadilha, era
impossível de desvendar.
O riso de Holo que veio logo em seguida era genuinamente
assustador.
“Ainda assim,” ela falou levemente “você é um mercador bom o
suficiente. Você aceitou o contrato porque acha que pode ganhar. Sem
dúvida você vai fazer alguns negócios por baixo da mesa apenas para
ter certeza.”
Holo olhou de volta para cima, sua cauda e orelhas balançando
alegremente. Ela deu um giro e parou sem dificuldades ao lado de
Lawrence.
Ele logo entendeu aonde ela queria chegar.
“‘Me leve para o festival,’ não é?”
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 119 ⊱

“Certamente um mercador como você não hesitaria em subornar


alguém para cumprir um contrato, certo?”
O contrato de Lawrence com Amati não envolvia Holo
diretamente, mas a verdadeira questão era se a proposta de casamento
de Amati teria sucesso ou não. Para ser franco, as mil moedas de prata
podiam ou não encontrar o seu caminho para o bolso de Lawrence a
depender da disposição de Holo.
Por sua parte, Lawrence não podia se dar ao luxo de não subornar
Holo, cuja decisão influenciaria tudo.
“Bem, eu tenho que ir colher informações sobre Amati de
qualquer modo. Posso muito bem te levar junto.”
“Você quer dizer é que vai me levar para o festival e aproveitar
para recolher informações enquanto isso.”
“Certo, certo,” Lawrence respondeu, suspirando enquanto Holo
socava suas costelas.

A primeira coisa que precisava ser investigada eram os ativos de


Amati.
Batos disse que o garoto usaria alguns métodos não tão admiráveis
para obter o dinheiro, o que Lawrence suspeitava que provavelmente
fosse verdade. Ele não via como Amati poderia produzir mil trennis do
nada.
Mas seria um problema se Amati realmente conseguisse o feito,
então Lawrence foi para tenda de Mark para pedir a sua cooperação.
Como Mark mantinha sua tenda aberta durante o festival, ele
lamentou ter perdido a comoção no salão da guilda por isso
prontamente concordou em ajudar. Com rumores se espalhando como
fogo sem quase nenhum mercador ter realmente visto o rosto do Holo,
a trazer junto com ele foi bastante eficaz.
CAPÍTULO III ⊰ 120 ⊱

Se isso significasse que Mark poderia ver os desdobramentos da


primeira fila, Lawrence pensou que era um preço pequeno a pagar por
quaisquer dos favores que fossem necessários.
“E de qualquer forma, não sou eu que terei que correr pela
cidade,” Mark acrescentou.
Lawrence se sentiu mal pelo jovem aprendiz de Mark, mas era um
caminho que cada mercador tinha que percorrer — era uma emoção
complicada.
“Mesmo assim, está tudo bem sair por aí com a encantadora
donzela da vez?”
“Ela quer ver o festival de Laddora. Além do mais, se eu a
trancasse na estalagem, realmente pareceria que eu a estaria mantendo
presa por uma dívida.”
“Bom, isso é o que Sir Lawrence diz, mas isso é toda a verdade?”
Mark perguntou para Holo, sorrindo. Holo estava vestida com suas
habituais roupas de garota de cidade, com o cachecol de pele de raposa
que Amati lhe dera enrolado em seu pescoço. Ela parecia entender
aonde Mark queria chegar. “A verdade é apenas essa. Estou presa pelas
pesadas correntes da dívida. Através delas eu não posso sequer ver o
amanhã, e delas eu não posso escapar. Se você fosse me livrasse delas,
eu alegremente me cobriria de farinha trabalhando para você.”
O rosto de Mark imediatamente se abriu enquanto rompia em
gargalhadas. “Bwa-ha-ha! Oh Amati, aquele pobre rapaz. Lawrence é
quem está preso por você, ha!”
Lawrence desviou o olhar, não se dignando a responder. Ele podia
ver claramente que ir contra Mark e Holo ao mesmo tempo levaria
apenas à frustração.
Talvez como recompensa por sua boa conduta, o salvador de
Lawrence apareceu. O aprendiz de Mark chegou, abrindo seu caminho
por entre a multidão.
“Eu verifiquei,” disse para Mark.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 121 ⊱
CAPÍTULO III ⊰ 122 ⊱

“Oh? Muito bem. O que conseguiu?”


O aprendiz cumprimentou Lawrence e Holo enquanto entregava
seu relatório para Mark.
Não havia dúvida de que o que ele queria não era uma recompensa
de Lawrence ou Mark, mas um sorriso de Holo.
Compreendendo isto, ela o entregou seu mais belo e mais
recatado sorriso. A inegável travessura de Holo fez com que o pobre
rapaz a ficasse vermelho até as orelhas.
“Então, o que você descobriu?” Mark riu do seu aprendiz, que se
debateu por um momento antes de responder. Conhecendo Mark,
Lawrence tinha certeza que o pobre rapaz era provocado com
frequência.
“Ah, sim. Er, de acordo com os registros fiscais, ele foi taxado em
duzentos irehd.”
“Duzentos irehd, eh? Isso dá... aproximadamente oitocentos
trenni em mãos é o que o conselho da cidade tem consciência que
Amati possui.”
Com poucas exceções, todos os mercadores com uma certa
quantidade de bens estavam sujeitos à tributação. O montante era
registrado no livro fiscal e qualquer um com motivos para tal poderia
examinar os registros. Mark falou com seus conhecidos para poder dar
uma olhada em registros fiscais de Amati.
Mas não havia garantia de que um mercador informaria seus bens
ao conselho da cidade com precisão, portanto era melhor assumir que
ele tinha uma certa quantidade escondida. Em qualquer caso, como
mercador, a maior parte das suas riquezas existiam como crédito com
outros fornecedores.
Mas Amati não seria capaz de produzir facilmente mil moedas de
prata para comprar Holo.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 123 ⊱

O que significava que, se realmente planejasse cumprir o


contrato, ele teria que recorrer à empréstimos, jogos de azar ou outro
método para conseguir de ganhos a curto prazo.
“Onde é a casa de jogos da cidade?”
“Hey, só porque mantemos a Igreja sob controle não significa que
tudo seja liberado. As coisas aqui se limitam a jogos de cartas, de dados
e jogo do bicho. Também há um limite para o quanto se pode apostar.
Ele não vai conseguir o dinheiro apostando.”
Dada a precisão e detalhe com o qual ele respondeu à pergunta
simples, parecia que Mark também estava tentando descobrir como
Amati poderia levantar os fundos.
Afinal, Amati estava essencialmente propondo a gastar mil
moedas de prata em algo que ele nunca seria capaz de revender,
portanto qualquer mercador ficaria curioso em saber a origem de tal
riqueza.
Lawrence estava imerso em pensamentos, tentando decidir o que
investigar a seguir, quando Mark falou de repente.
“Oh, claro. Aparentemente há uma outra aposta ocorrendo —
sobre o que vai acontecer depois do contrato.”
“Depois do contrato?”
“Sim, se Amati ganhar, quem será o vencedor depois disso.”
Mark riu provocativamente; Lawrence se virou, seu rosto
entregando sua irritação.
Holo tinha se interessado nos grãos e na farinha expostos na loja
de Mark, e ela vagava, ouvindo as longas explicações do aprendiz.
Ela pareceu ouvir Mark e Lawrence e olhou para eles.
“Mas você leva vantagem nas apostas até agora.”
“Talvez eu deva pedir para o agenciador me dar uma parte.”
“Ha-ha-ha. Então o que você vai fazer de fato?”
CAPÍTULO III ⊰ 124 ⊱

Mark estava obviamente tentando obter alguma informação que


lhe permitiria ganhar dinheiro com a aposta, mas ele também parecia
genuinamente curioso.
Lawrence apenas deu de ombros, sem dar uma resposta adequada
à pergunta, mas então Holo (que evidentemente havia se aproximado
dos dois em algum momento durante a conversa) falou.
“Mesmo que exista uma resposta apropriada para a pergunta,
algumas vezes não se pode simplesmente entrega-la. Por exemplo, a
mistura naquela sua farinha ali.”
“Erk —” Frustrado, Mark lançou para o seu aprendiz um olhar
afiado, mas o rapaz apenas balançou a cabeça, como se dissesse: “Eu
não disse nada pra ela!” A mistura da farinha certamente se referia à
sua pureza. Misturar farinha mais baratas com farinha de trigo para
aumentar o seu volume era um truque comum dos mercadores.
Mesmo um mercador que lidava com farinha dia após dia,
provavelmente teria dificuldade em perceber pequenas mudanças na
pureza, mas para Holo, cujo espírito residia no trigo, era a coisa mais
simples do mundo.
Ela continuou, “Você quer perguntar o que vou fazer se ele
realmente paga a minha dívida, não é?”
Ela deu o sorriso afrontoso que era sua especialidade.
Mark agora balançou a cabeça freneticamente, assim como seu
aprendiz, enquanto olhavam para Lawrence com os olhos suplicantes.
“A essa altura, tudo o que podemos fazer é observar as ações do
nosso adversário,” disse Lawrence.
“Que traiçoeiro.”
A observação afiada de Holo perfurou o coração de Lawrence.
“Eu ficaria mais feliz se você chamasse isso de uma disputa às
cegas. Ele certamente vai ter alguém observando nossos movimentos
também, sabe,” disse Lawrence.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 125 ⊱

Mark recuperou a compostura o suficiente para discordar. “Eu me


pergunto se é verdade. Amati fugiu de casa e veio sozinho por todo o
caminho até esta cidade, alcançando todo o seu sucesso de forma
independente. E ainda tem a sua juventude a se considerar. Ele é muito
confiante. Assim como ele não dá muita atenção para as conexões entre
mercadores, ele provavelmente considera truques desse tipo baixos
demais para ele. Ele confia apenas em seus olhos para avaliar o peixe e
na sua capacidade para vendê-los. Nisso e na proteção dos deuses.”
Amati soava mais como um cavaleiro que um mercador para
Lawrence, que se viu com inveja da habilidade do garoto para
conseguir tal sucesso por conta própria.
“Isso explica por que ele se apaixonou por uma garota encantadora
que acabou de chegar na cidade,” Mark continuou. “As mulheres da
cidade são ainda mais interligadas do que os mercadores. Elas parecem
se preocupar apenas com a reputação e estão sempre observando umas
às outras. Se uma começa a se destacar um pouco mais, as outras vão
acabar com ela. Tenho certeza que ele acha isso desagradável.
Obviamente, nem todas as mulheres são assim, como descobri quando
me casei com Adele.”
Como um mercador viajante, Lawrence entendeu muito bem a
explicação de Mark. A cidade certamente poderia parecer assim
olhando de fora.
Lawrence lançou um olhar para Holo. Ele pensava que sim, se ele
estivesse em circunstâncias semelhantes e visse uma garota como Holo,
ele poderia muito bem se apaixonar por ela instantaneamente — ainda
mais se pensasse que ela era apenas uma garota comum.
“Amati pode muito bem ser como você diz, mas não vou hesitar
em usar qualquer ligação que eu precisar. Traição pode ser proibida
quando cavaleiros duelam, mas não tem desculpas em uma disputa de
mercadores.”
“Eu certamente concordo,” Mark falou. Ele olhou para Holo.
CAPÍTULO III ⊰ 126 ⊱

Lawrence igualmente a olhou novamente. Holo colocou as mãos


ao rosto em um gesto de constrangimento, como se estivesse
esperando por esse momento e falou.
“Queria que pelo menos uma vez alguém me atacasse de
diretamente.”
Sem dúvida que Mark estava finalmente percebendo, Lawrence
pensou, que não havia vitória contra Holo.
Por fim, Lawrence decidiu usar os contatos de Mark para obter
mais informações sobre Amati. Ele fez questão de mencionar a dica do
mascate Batos sobre a potencial reserva de capital de Amati.
Lawrence confiava em Holo, mas não havia como prever o que ela
faria se ele vacilasse nessa disputa. E sempre havia a possibilidade de
ser capaz de ganhar algum dinheiro às custas de Amati.
Holo e Lawrence não podiam simplesmente ficar na loja de Mark
o dia inteiro, então, depois de Lawrence pedir ajuda a Mark com as
informações, eles deixaram a tenda para trás.

A cidade estava se tornando cada vez mais viva e a multidão não


diminuía à medida que eles iam do mercado para a praça.
O meio dia se aproximava e as pessoas faziam fila na frente de cada
tenda ao longo da rua. Holo não hesitava em entrar na fila, segurando
o dinheiro que ela tinha tomado de Lawrence.
Lawrence a observava de longe, pensando que já era hora do sino
do meio dia a tocar, quando ouviu um som baixo, um tom preguiçoso.
“Uma corneta?”
O som da corneta o fez lembrar de pastores e, por um momento,
ele se lembrou de Norah e do perigo que haviam enfrentado juntos em
Ruvinheigen. No entanto, se Holo notasse, isso seria um problema.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 127 ⊱

Lawrence expulsou o pensamento de sua mente e tentou ver de


onde o som vinha assim que Holo retornava, levando o pão assado que
ela teve êxito em comprar.
“Não era uma corneta de um pastor que eu acabei de ouvir?” ela
perguntou.
“Sim. Eu não tinha certeza, mas se você chamou de uma corneta
de pastor, então deve ser isso mesmo.”
“Os odores das comidas certamente se misturam por aqui. Não
posso dizer se há ovelhas ou não.”
“Deve haver ovelhas em abundância no mercado, mas não há
necessidade de soprar uma corneta na cidade.”
“E nem pastoras graciosas.”
Lawrence estava esperando o soco, por isso ele não foi realmente
atingido.
“Hmph,” disse Holo. “Quando você falha em reagir, parece mais
que estou tentando ganhar o seu afeto.”
“Eu estou terrivelmente encantado. Realmente assustado.”
Holo alegremente mordeu o seu pão com uma sonora dentada.
Lawrence riu e olhou para a praça novamente, percebendo que a
multidão parecia estar fluindo em uma direção particular. As pessoas
estavam indo para o centro da cidade. Talvez a corneta fosse o sinal
para a abertura do festival.
“Parece que o festival começou. vamos ver?”
“Seria chato não fazer nada além de comer.”
O sorriso de Lawrence quando começou a andar foi um pouco
forçado; Holo tomou sua mão e o seguiu.
Eles se moveram com a multidão, seguindo para o norte ao longo
da extremidade do mercado, até que eventualmente começaram a
ouvir os clamores em meio aos sons de tambores e cornetas.
CAPÍTULO III ⊰ 128 ⊱

Todo o tipo de pessoas estavam se reunindo — garotas vestidas


assim como Holo, aprendizes de artesãos (seus rostos negros de
fuligem, depois de terem escapado de seu trabalho), sacerdotes
itinerantes com as habituais três penas fixadas em suas túnicas, e até
mesmo homens com armaduras leves que poderiam ser cavaleiros ou
mercenários.
O barulho parecia vir do cruzamento das duas ruas principais que
cruzavam a cidade, mas com a multidão era impossível de ver. Holo
esticou o pescoço para tentar ver um pouco mais à frente, mas mesmo
Lawrence não podia ver através da multidão, e ele era muito mais alto
que Holo.
Lawrence se lembrou de algo e, tomando a mão de Holo, ele
correu para um beco.
Uma vez que estavam um pouco adentro do beco, o ambiente
ficou muito mais calmo, ao contrário da rua clamorosa. Aqui e ali
haviam mendigos vestidos em trapos, cochilando como se
proclamassem sua falta de interesse no festival, juntamente com
artesãos que estavam ocupados preparando as mercadorias que
venderiam em suas barracas, suas oficinas davam de frente para o beco.
Holo rapidamente pareceu entender onde eles estavam indo e
continuou em silêncio.
Se o festival estava sendo realizado nas ruas principais, eles seriam
capazes de apreciar a vista perfeitamente do seu quarto na estalagem.
Holo e Lawrence seguiram sem problemas pelas vielas desertas,
entraram na estalagem pela porta dos fundos e subiram para o segundo
andar.
Parece que alguém teve a mesma ideia e estava lucrando com isso.
Ao chegarem no segundo andar notaram que várias portas ao longo do
corredor que levava ao seu quarto estavam abertas, e um mercador de
olhar entediado estava sentado em uma cadeira em frente a elas, de
braços cruzados a brincando com uma moeda.
“Temos que agradecer a Amati por isso, apesar de tudo.”
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 129 ⊱

Ao entrarem no quarto e abrirem a janela, eles imediatamente


ganharam assentos na primeira fila.
Para ver tudo o que estava acontecendo no grande cruzamento,
Holo e Lawrence tinham apenas que se inclinarem um pouco para fora
da janela e, mesmo sem se debruçar, já tinham uma visão
perfeitamente aceitável.
Os músicos tocando flautas e tambores no cruzamento estavam
vestidos da cabeça aos pés em sinistras vestes negras que não permitiam
nem mesmo identificar seu sexo.
Atrás do grupo de preto caminhava outra trupe estranhamente
vestida.
Alguns dos trajes consistiam em peças costuradas em conjunto,
grandes o suficiente para cobrir um grande número de pessoas. O traje
continha várias pessoas escondidas por baixo dela e por onde suas
cabeças deveriam aparecer haviam máscaras. Outros artistas usavam
vestes que escondiam o que parecia ser uma pessoa montada nos
ombros da outra, a cabeça despontando na parte superior da peça.
Alguns carregando grandes espadas feitas de finos pedaços de madeira;
outros possuíam arcos mais altos do que eles mesmos. Eles brandiam
as armas descontroladamente aos gritos da multidão.
Mas, assim que Lawrence pensou que estar acabando, veio um
grito claramente mais alto da multidão, e um novo conjunto de
instrumentos podia ser ouvido.
Holo deu um pequeno grito de surpresa e Lawrence inclinou a
cabeça para fora da janela, de modo que não bloqueasse a visão dela.
A estalagem estava no canto sudeste do cruzamento, e parecia que
um outro grupo em trajes estranhos estava vindo do leste.
Liderando o grupo estavam pessoas vestidas de preto, mas atrás
deles seguia um outro grupo em trajes completamente diferentes
daqueles que atualmente ocupavam o cruzamento.
Algumas pessoas tinham rostos enegrecidos pela pintura e usavam
chifres de vaca sobre suas cabeças; outros carregavam asas de pássaro
CAPÍTULO III ⊰ 130 ⊱

em suas costas. Muitos estavam cobertos de peles de animais de alguma


espécie, e parecia provável que se Holo andasse entre eles com suas
orelhas e cauda exposta, ninguém iria se importar. Após esse bloco
passar, surgiu um grito desenfreado e com ele uma figura de palha
gigante, muito maior do que qualquer ser humano. Ela tinha uma certa
forma de lobo, quatro patas, e ainda maior do que a forma de lobo de
Holo. A figura se apoiava em uma armação de madeira, que era levada
por cerca de dez homens.
Lawrence estava prestes a dizer algo sobre isso para Holo, mas
abandonou a ideia quando viu a concentração com a qual ela assistia o
festival.
Trajes de animal intermináveis apareceriam no palco da interseção
enquanto o bloco continuava a andar.
O grupo pintado de preto na frente da procissão agora apontava
para os sinais que foram erguidos aqui e ali no cruzamento enquanto
andavam.
Vendo isso, Lawrence supôs que este não era um mero desfile de
fantasias. Ele achava que havia algum tipo de conto a ser passado —
infelizmente, não tinha certeza. Ele estava pensando em perguntar
sobre isso para Mark mais tarde, quando viu uma outra procissão
chegar do norte.
Esta era composta por pessoas normais, embora alguns estivessem
vestidos com farrapos, alguns com vestes nobres, e outros como
cavaleiros e soldados. A única semelhança era a colher que cada um
deles carregava. Lawrence estava se perguntava por que colheres
quando os três grupos colidiram no cruzamento começaram a discutir
em uma língua que ele nunca tinha ouvido. Uma ligeira ondulação de
nervosismo percorreu os espectadores reunidos enquanto observavam
a troca; Lawrence também sentiu uma perturbação.
Assim que ele quis saber o que iria acontecer, o grupo de preto
apontou na mesma direção como um só.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 131 ⊱

Foi para sudoeste que eles apontaram, e o olhar de todos


imediatamente foi desviado para lá.
Carros carregados com grandes barris foram evidentemente
preparados de antemão. Seus guias riam alto (de forma um pouco
forçada) e empurravam os carros para o cruzamento.
As pessoas vestidas de preto começaram a tocar os instrumentos
que carregavam, as pessoas em fantasias começaram a cantar, e os
portadores dos barris os abriram e começaram a despejar seus líquidos.
Como se isso fosse algum tipo de sinal, os observadores
inundaram o cruzamento e começaram a dançar.
O número de dançarinos se expandia rapidamente. Muitos dos
foliões estranhamente vestidos tinham saltado para fora da intersecção
e dançavam por todos os lados das ruas.
A festa se espalhou e em pouco tempo toda a avenida já era um
enorme salão. No meio do cruzamento, os participantes da procissão
original entrelaçaram seus braços e começaram a dançar em um
círculo. Agora o festival estava vivo e verdadeiramente em curso; o
canto e a dança continuariam noite adentro.
Parecia que a abertura deste festival — este carnaval — estava
completa.
Holo puxou seu corpo — que até então havia se inclinado bem
para fora da janela — de volta para o quarto.
“Eu estou indo dançar,” ela falou, apesar de não estar claro se ela
falou com Lawrence ou não.
Lawrence podia contar o número de vezes que ele já dançou assim
com uma mão. Ele costumava evitar festivais como este, e dançar
sozinho sempre era algo deprimente.
Por isso ele hesitou por um momento, mas logo mudou de ideia
ao ver a mão estendida de Holo.
Todo mundo estaria bêbado — ninguém notaria se sua dança fosse
um pouco desajeitada.
CAPÍTULO III ⊰ 132 ⊱

E a mão estendida de Holo valia mais que dez mil moedas de ouro.
“Pois bem,” disse Lawrence, tomando a mão de Holo e se
preparando.
Holo riu de sua decisão séria. “Eu sou delicada, não pise no meu
pé,” ela disse com um sorriso.
“...Farei o meu melhor.”
Os dois saíram da estalagem e mergulharam na multidão
carnavalesca.

Fazia quantos anos desde que tinha comemorou tanto assim?


Lawrence tinha dançado, bebido e riu tanto que não podia deixar
de questionar.
Certamente esta também era a primeira vez que ele sentia o brilho
do pós-festa.
Normalmente, uma vez que a diversão havia passado, ela era
seguida por uma terrível onda de solidão.
Mas enquanto ele ajudava Holo, que estava de pé de forma instável
devido a um excesso de dança e vinho, a subir as escadas da estalagem,
o calor do momento foi substituído por um calor agradável. Enquanto
Holo estivesse ali, ele sentiu que a festa iria continuar.
A janela do quarto da estalagem tinha sido deixada aberta, e os
sons do festival continuavam a entrar. A noite ainda estava começando,
os mercadores e artesãos que tiveram que trabalhar durante o dia só
foram participar das festividades agora.
O festival parecia ter entrado em uma nova fase. Enquanto eles
voltavam para a estalagem, Lawrence tinha olhado para trás no
cruzamento e o viu lotado de gente indo e vindo.
Se Holo ainda tivesse qualquer resquício de força, ela certamente
teria gostado de ver. Infelizmente, ela estava exausta.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 133 ⊱

Depois de colocá-la na cama e arrumar suas coisas (continuando


seus deveres de servo do dia anterior), Lawrence suspirou.
Não foi, no entanto, um suspiro infeliz. O suspiro veio enquanto
ele olhava para as bochechas coradas de Holo enquanto ela estava
deitada inocente na cama.
Ele se sentiu um pouco mal por Amati. Ele já não estava nem
remotamente preocupado em ter de cumprir o contrato.
Longe disso — na verdade, ele o tinha esquecido completamente
antes de retornar para a estalagem.
Assim que eles voltaram, o gerente disse a Lawrence que havia
uma mensagem para ele. Era de Mark; a mensagem era “Descobri
como Amati planeja conseguir o dinheiro —venha para a loja assim
que puder.”
O primeiro pensamento que passou pela cabeça de Lawrence foi
“Eu vou amanhã.” Normalmente esse tipo de procrastinação nunca
teria ocorrido a ele, e quando parou para pensar melhor, isso só
mostrou quão baixa era essa prioridade para ele.
O que o preocupava mais que a mensagem de Mark era a carta que
vinha com ela. Estava selada com cera e tinha “Diana” escrito com uma
bela letra no envelope. A carta aparentemente foi entregue por um
homem corpulento cuja forma lembrava um caixão, que devia que ser
Batos.
Lawrence tinha pedido a cronista deixá-lo saber se lembrasse mais
sobre Yoitsu, que é o que ele esperava que fosse o assunto da carta. Ele
considerou abri-la ali mesmo, mas decidiu que uma vez que se sentasse
e abrisse o envelope, ele estaria ainda menos disposto a visitar Mark,
então decidiu por não abrir.
Lawrence colocou o envelope de volta em seu casaco e, fechando
a janela contra o clamor ainda flutuando da rua, ele saiu.
Assim que estava prestes a abrir a porta, ele sentiu um olhar sobre
suas costas, e voltando para trás viu Holo, forçando seus olhos
sonolentos e pesados a abrir para olhar para ele.
CAPÍTULO III ⊰ 134 ⊱

“Eu só vou sair um pouco.”


“... Humm, e com uma carta de uma mulher escondido perto de
seu peito?” Sua irritação não parecia vir de sua luta para se manter
acordada.
“Sim, e ela é uma beldade, eu poderia dizer. Isso te incomoda?”
“...Tolo.”
“Ela é um cronista. Você sabe o que é isso? Ela é quem está me
contando sobre Yoitsu. Ela tem bastante conhecimento sobre os
contos das terras do norte. Eu não li a carta ainda, mas apenas falar
com ela ontem me deu excelentes informações. Eu até ouvi uma
história sobre você.”
Holo esfregou os olhos como um gato lavando seu rosto e, em
seguida, se sentou. “...Uma história? Sobre mim?”
“Uma cidade chamada Lenos tinha uma história sobre você. Holoh
da Cauda de Trigo. É você, não é?”
“...Não faço ideia. Mas o que você quer dizer com ‘excelentes
informações’?” Com sua terra natal como o assunto da conversa, Holo
agora estava totalmente desperta.
“Parte do conto incluída a direção de onde você chegou na
cidade.”
“V-ver...” Os olhos de Holo se arregalaram e ela congelou, seu
rosto completamente emocionado. “Verdade?”
“Eu não tenho motivos para mentir, não é? Evidentemente você
chegou em Lenos vindo da floresta ao leste da cidade, portanto, entre
as montanhas ao sudoeste de Nyohhira e ao leste de Lenos é onde
vamos encontrar Yoitsu.”
As mãos de Holo agarraram os lençóis com força, ela olhou para
baixo após ouvir a notícia inesperada. Suas orelhas de lobo tremiam
como se cada pelo transbordasse de alegria.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 135 ⊱

O alívio dela era o de uma garota que há muito tinha perdido seu
caminho para casa, mas finalmente tinha encontrado um caminho
familiar.
Devagar e com cuidado ela respirou fundo, que depois exalou com
força.
Era apenas o orgulho de ser a Sábia Loba que a impedia de começar
a chorar ali mesmo no local.
“Estou surpreso que você não chorou.”
“...Tolo.” Seu sorriso de escárnio provou o quão perto de chorar
ela tinha chegado.
“Sabendo apenas que era a sudoeste de Nyohhira teria tornado a
busca difícil, mas agora será muito mais fácil. Eu ainda não abri a carta,
mas tenho certeza que tem informações adicionais. Deve ser muito
mais fácil de encontrar o nosso destino agora.”
Holo balançou a cabeça e olhou de lado; em seguida, ainda
segurando os lençóis, ela lançou um olhar penetrante para Lawrence.
Seus olhos cor de âmbar tingidos de vermelho brilhavam com uma
mistura de expectativa e dúvida.
A ponta branca de sua cauda balançava para lá e cá, e ela parecia
tanto com uma frágil donzela que Lawrence não pôde deixar dar um
fraco sorriso.
Se não conseguisse entender o que ela dizia com aquele olhar, ele
não teria nenhum direito de reclamar quando ela rasgasse sua garganta.
Lawrence limpou sua garganta. “Eu diria que nós vamos ser
capazes de encontrar Yoitsu dentro de meio ano.”
Ele poderia dizer que o sangue mais uma vez fluía através da forma
paralisada dela.
“Mm!” Disse Holo feliz com um aceno de cabeça.
“Então a remetente desta nota é como uma pomba que carrega
boas notícias. Vá refletir sobre suas suposições equivocadas.”
CAPÍTULO III ⊰ 136 ⊱

Os lábios de Holo torceram em desagrado, mas Lawrence não


pôde deixar de notar que era fingimento.
“Em todo caso, agora vou ver Mark.”
“Com uma carta tingida com o cheiro de uma mulher escondida
perto de seu peito?”
Lawrence não podia deixar de rir de Holo repetindo essa
pergunta.
Sem dúvida, ela queria que ele deixasse a carta.
Ela não pôde dizê-lo em voz alta, já que era muito embaraçoso
admitir que estava tão nervosa a ponto de querer que ele deixasse uma
carta que ela não conseguia nem ler.
Se divertindo com o estado honesto da frequente traiçoeira mente
de Holo, Lawrence entregou a carta a ela.
“Você disse que a remetente era bonita?”
“Oh sim, e bastante adulta.”
Holo levantou uma sobrancelha. Ela pegou a carta e, em seguida,
olhou para Lawrence, seus olhos se estreitaram. “Você está se
tornando um pouco adulto demais, e astuto.” Ela sorriu, revelando suas
presas.
“Além disso, aparentemente Amati encontrou uma maneira de
conseguir as mil moedas de prata que ele precisa. Estou indo tratar a
respeito disso.”
“Oh? Bem, tente encontrar alguma maneira de me impedir de ser
comprada, ok?”
Dada a sua conversa até agora, Lawrence não levou as palavras de
Holo muito a sério.
“Se quiser ler a carta, sinta-se livre para abri-la. Se você puder ler,
claro.”
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 137 ⊱

Holo fungou e caiu sobre a cama, com a carta na mão, sua cauda
balançando, como se dissesse “Bem, agora vá.” Ela era como um cão
carregando um osso de volta para sua toca.
Ele não se atreveria a dizer isso, claro, então sorriu sem dizer nada
e, abrindo a porta, saiu do quarto.
Pouco antes dele fechar a porta atrás dele, Lawrence olhou para
Holo uma última vez, cuja cauda acenou como se ela tivesse esperado
que ele desse uma última olhada.
Ele riu e fechou a porta devagar para não fazer barulho.

“Devo dizer, para alguém pedindo um favor, você não parece


muito preocupado.”
“Desculpe.”
Lawrence se questionou se devia ir direto para a casa de Mark,
mas decidiu que o homem provavelmente ainda estava em sua tenda
no mercado, o que se mostrou correto.
Entre os estandes espalhados aqui e ali no mercado, as pessoas
torravam seu dinheiro sob o luar, e até mesmo muitos dos guardas
responsáveis pela vigilância de bens de seus mestres tinham sucumbido
aos seus desejos e estavam bebendo.
“Embora eu suponha que eu tenha tempo de sobra durante o
festival,” Mark admitiu.
“Oh?”
“Oh, é verdade. Ninguém quer arrastar mercadorias pesadas
enquanto observa o festival, não é? Especialmente algo tão volumoso
como trigo, que vendo antes do festival começar e compro uma vez
que termina. É claro que o festival da noite é outro caso.”
O festival da noite era realizado depois que o festival de dois dias
terminava, e se tratava de uma grande festa, Lawrence tinha ouvido
CAPÍTULO III ⊰ 138 ⊱

falar. Não era como se ele não entendesse o desejo de utilizar o festival
como uma desculpa para beber e se divertir.
“E de qualquer forma, eu já consegui um pouco de lucro graças a
sua informação, então acho que vou deixar essa passar.” O rosto
sorridente de Mark era o de um mercador satisfeito em cada curva.
Evidentemente que ele tinha se aproveitado do que quer que
Amati estivesse fazendo.
“Então você entrou na onda, hein? Qual é o truque?”
“Você vai gostar disso. Não quero dizer o truque é apenas esperto
— Quero dizer que é como pegar ouro na rua.”
“Sou todo ouvidos,” disse Lawrence, se sentando em uma cadeira
de madeira convenientemente perto.
Mark sorriu para o que isso implicava. “Eu ouvi dizer o cavaleiro
Haschmidt é um dançarino excelente. Se ele continuar assim, pode
acabar ter que pegar as mil moedas de prata e perder a sua adorável
dama.”
“Você é bem-vindo a apostar toda sua fortuna em Amati — não
faz a menor diferença para mim.”
Mark bloqueou o ataque de Lawrence não com seu escudo, mas
com a espada. “O Philip Terceiro tem dito algumas coisas interessantes
sobre você.”
“Oh?”
“Que você mantém a pobre moça em dívida simplesmente para
levá-la para onde bem desejar, que você a trata cruelmente e a alimenta
só com mingau frio — e por aí vai.”
Mark estava obviamente se divertindo, como se fosse uma grande
brincadeira, mas Lawrence só podia ouvir e sorrir
desconfortavelmente.
Amati estava obviamente espalhando boatos sobre Lawrence
como uma forma de justificar suas próprias ações. As bochechas de
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 139 ⊱

Lawrence se contraíram, mais devido ao aborrecimento deste zumbido


de mosquito em volta do seu rosto do que do dano causado à sua
reputação.
Um mercador viajante não era um mercenário armado de espada
— ele não poderia simplesmente enganar uma garota que desejasse
com uma dívida, a forçando a viajar com ele. Mesmo se a nota da dívida
fosse escrita em uma cidade onde o mercador tivesse alguma
influência, não faria sentido, logo eles estariam na estrada.
Da mesma forma, qualquer um acostumado a viagens longas sabia
que não havia nada de surpreendente sobre a comida escassa que se
comia durante a viagem. Qualquer mercador que tivesse tentado
maximizar o lucro sabia que havia vezes em que ficava sem comida.
Então a difamação de Amati sobre Lawrence não seria levada a
sério. Esse não era o problema. O que irritava Lawrence era que Amati
espalhou a noção de que ele e Lawrence estavam no mesmo ringue,
lutando por uma mulher.
Mesmo que não tivesse um efeito direto sobre os negócios da
Lawrence, dificilmente era algo que gostaria de estar atrelado à sua
posição como um mercador independente.
Mark certamente sabia o quão irritante isso seria, o que explicava
o seu sorriso de satisfação. Lawrence suspirou e acenou com a mão,
como que para encerrar a discussão. “De qualquer forma, qual a
informação sobre o lucro?”
“Ah, sim. Uma vez que eu soube que o velho Batos tinha
descoberto, eu juntei as peças.”
Então tinha algo a ver com os negócios de Batos.
“Pedras preciosas?”
“Perto, mas não. Você dificilmente poderia chamar de preciosas.”
As matérias-primas que os mercadores de minério compravam e
vendiam enquanto viajavam pelo país minerando, passaram por sua
mente. De repente, Lawrence descobriu.
CAPÍTULO III ⊰ 140 ⊱

O mineral que tinha falado com Holo que parecia de ouro —


“Pirita?”
“Oh, então você já ouviu?”
Aparentemente, essa era a resposta.
“Não, eu apenas pensei que poderia fazer um bom negócio com
isso. Por causa do cartomante, certo?”
“Isso é o que eles dizem. Apesar do cartomante já ter deixado a
cidade.”
“Entendo.”
Um brado repentino chamou a atenção de Lawrence; ele se virou
para ver um grupo de homens em roupas de viagem alegremente
cumprimentando alguns mercadores da cidade, abraçando um ao
outro cordialmente em seu reencontro evidentemente feliz.
“Sim, a história de conhecimento geral é que sua divinação era
muito boa, então ele estava atraindo a atenção de um inquisidor da
Igreja, mas isso parece muito suspeito.”
“Por que suspeito?”
Mark tomou um gole de vinho e tirou um pequeno saco de estopa
da prateleira atrás dele.
“Antes de mais nada, se um inquisidor tivesse realmente chegado
à cidade, isso seria uma grande notícia. Segundo, tem pirita demais em
circulação no momento. Meu palpite é que ele comprou em algum
lugar e fugiu logo que vendeu todo seu estoque. Além disso...”
Mark despejou o conteúdo do saco em cima da mesa. Algumas das
peças de pirita tinham formas bonitas de dados; outras eram tão
disformes quanto pão achatado.
“Acho que ele estava tentando exagerar a raridade de pirita.
Quanto você acha que essa coisinha vale agora?”
Em sua mão, Mark segurou uma peça em forma de dado, que era
geralmente considerada a forma mais preciosa da pirita. O valor
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 141 ⊱

normal de mercado era, talvez, dez irehd, ou um quarto de uma moeda


trenni.
Mas Holo havia dito que o pedaço de pirita que Amati a deu foi
sido comprado em um leilão, por isso, Lawrence fez um palpite mais
ousado.
“Cem irehd.”
“Tente duzentos e setenta.”
“Im—”
—possível, ele estava prestes a dizer, mas engoliu a palavra, se
amaldiçoando por não comprar um estoque imediatamente após Holo
lhe falar da pirita.
“Para homens como nós, isso seria um preço ridículo, mesmo para
uma pedra preciosa. Mas quando o mercado abrir amanhã, ele vai subir
ainda mais. Agora cada mulher na cidade está planejando comprar isso.
Divinação e poções de beleza secretas estão sempre em demanda.”
“Mas ainda assim — duzentos e setenta? Por isso?”
“E nem sequer tem que ser em forma de dado. Outras formas
também subiram em valor, graças à ideia de que cada um tem uma
finalidade diferente. As mulheres vêm para o mercado e com a fala
doce para os seus maridos mercadores e agricultores com as carteiras
gordas para comprar essas piritas. E se você quiser falar sobre milagres,
essas mulheres estão até começando a competir entre si, para ver quem
ganhou mais pirita. Chegou ao ponto em que o preço aumenta com
cada elogio que uma mulher fala.”
Lawrence tinha comprado vinho e bugigangas para garotas de
cidade antes; isso foi difícil de ouvir.
Mas essa dificuldade não era nada em comparação com o seu pesar
por ter deixado essa oportunidade escapar.
“Não é uma questão de qual a porcentagem de lucro pode ser feita
em um investimento agora. É uma questão de quantas vezes, quantas
dezenas de vezes que você vai multiplicar o seu dinheiro. Seu Philip
CAPÍTULO III ⊰ 142 ⊱

Terceiro está de olho em sua princesa e ele está fazendo um enorme


lucro para levá-la.”
Se Amati teve este plano logo que comprou para Holo seu pedaço
de pirita, ele poderia muito bem já ter feito uma boa quantidade de
dinheiro. Era perfeitamente possível que ele teria as mil moedas de
prata, no dia seguinte.
“Eu mal abri a porta da minha casa e já consegui trezentos irehd.
Isso é o quanto o preço vai subir. Não é uma oportunidade para se
deixar passar.”
“Quem mais sabe?”
“Aparentemente, isso estava se espalhando pelo mercado esta
manhã. Na verdade, eu já cheguei tarde no jogo. Aliás, a frente da
tenda dos mercadores de minério estava enlouquecendo enquanto
você dançava com sua princesa.”
Apesar de estar sóbrio a um bom tempo, o rosto de Lawrence
estava mais vermelho do que o de Mark, que ainda estava bebendo.
Não porque Mark o provocou com Holo, mas sim porque quando
até mesmo o mais idiota dos mercadores teria entrado em ação,
Lawrence estava ao lado do mercado, gastando a noite dançando.
Nenhum rosto vermelho de frustração poderia expressar seus
sentimentos.
Ele era um fracasso como mercador.
Pela primeira vez desde o desastre de Ruvinheigen, ele queria
segurar a cabeça entre as mãos e chorar.
“Se Amati estava fazendo algo complicado, provavelmente haveria
algo que pudesse fazer para impedi-lo. Mas da forma que é, não acho
que tenha algo a se fazer. Sinto muito amigo, mas aqui você é um peixe
dentro de um barril.”
Mark estava tentando dizer, tudo o que ele podia fazer era esperar para
ser cozido, mas foi isso que deprimiu Lawrence. Ele estava
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 143 ⊱

simplesmente chateado consigo mesmo por colocar a diversão com


Holo antes dos negócios.
“Ah, eu devo mencionar que a notícia já se espalhou pela praça,
de modo que o número de mercadores que procuram comprar pirita
para vender tem impulsionado o preço ainda mais alto. Estou dizendo
que o vento está soprando agora. Se não içar sua vela, vai se arrepender
para o resto de sua vida.”
“É verdade. Eu não vou sentar e ver os navios zarparem.”
“Esse é o espírito! E ei, se o pior acontecer, você vai precisar de
dinheiro para comprar uma nova princesa, não é?”
Lawrence sorriu ironicamente para Mark. Seria uma boa
oportunidade para compensar suas perdas em Ruvinheigen pelo
menos.
“Nesse caso, eu vou usar um pouco do meu crédito com você por
aqueles pregos para tirar essas piritas de suas mãos,” disse Lawrence.
Mark imediatamente fechou a cara, como se de repente
lamentasse ter mencionado algo.

Lawrence pagou a Mark trinta trenni por quatro pedaços de pirita


e, em seguida, fez seu caminho de volta para a estalagem em meio à
multidão que cantava e dançava à luz das fogueiras.
O festival parecia ter entrado na sua segunda fase e ele ouviu o
som de poderosas batidas de tambores.
A multidão era suficientemente densa para dificultar a vista, mas
em contraste com as festividades do dia, a folia parecia ter se tornado
mais selvagem. Bonecos de palha colidiam uns com os outros e
dançarinos de espadas rodopiavam.
Era um desenvolvimento surpreendente, pois as pessoas já vinham
dançando e bebendo durante todo o dia.
CAPÍTULO III ⊰ 144 ⊱

Mas se ele queria ver o festival, seria fácil fazê-lo da linha de frente
no quarto de estalagem.
Ele correu por entre a multidão e foi para lá.
Lawrence tinha assuntos em que pensar.
As chances de Amati realmente conseguir as mil moedas trenni
tinha aumentado, mas Lawrence ainda não se sentia perturbado ou
preocupado em perder Holo.
O que o estava preocupando era o quanto poderia fazer com a
pirita que tinha na mão e o quão barato poderia convencer Holo a lhe
vender a peça que tinha obtido de Amati.
Às vezes, itens inúteis se transformam em ouro.
De fato, festivais eram ocasiões especiais.
Ao longo das ruas mais calmas ligeiramente afastadas do clamor e
das luzes do festival, cavaleiros e mercenários davam em cima de
garotas ou tinham seus braços entrelaçados com alguma que já
estivesse conquistada.
As garotas que se enroscavam nos braços dos perigosos cavaleiros
de olhos escuros não pareciam mulheres da vida, mas garotas bastante
comuns, que em qualquer outra noite só falariam com homens de
disposição e estatura mais séria.
A estranha atmosfera afrodisíaca do festival apaixonante nublou
seus olhos — e desde que isso também provocasse uma elevação no
preço da pirita, Lawrence não tinha do que reclamar.
Enquanto estava remoendo sobre isso, Lawrence avistou uma loja
que vendia melões doces para acalmar as gargantas queimadas com
muito vinho e comprou dois para Holo.
Não havia como dizer o quão brava ela poderia ficar se retornasse
de mãos vazias. Os melões eram como os ovos de algum pássaro
enorme; ele sorriu resignado, carregando um debaixo do braço e um
na mão.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 145 ⊱

O salão do primeiro andar da estalagem estava tão animado quanto


as ruas, mas Lawrence apenas lançou um olhar enquanto seguia para o
segundo andar.
Ao chegar, Lawrence percebeu que o ruído do andar de baixo
parecia irreal, como se estivesse assistindo uma fogueira queimando
distante.
O som da conversa o lembrou um riacho murmurante; ele
escutava enquanto abria a porta e entrava no quarto.
Por um momento, se perguntou por que o quarto estava tão bem
iluminado, mas depois viu que a janela havia sido deixada aberta.
Provavelmente estava muito escuro para ler a carta.
De repente, Lawrence percebeu que algo estava errado nesse
cenário.
A carta?
Seus olhos se encontraram com os de Holo enquanto ela estava de
pé diante da janela com a carta na mão.
Aqueles olhos assustados.
Não — assustados não.
Eram os olhos de alguém que tinha acabado de voltar a si depois
de ser completamente atordoado.
“Você...”
...consegue ler? Lawrence ia perguntar, mas as palavras ficaram
presas em sua garganta.
Os lábios de Holo estremeceram, em seguida foram seus ombros.
Ele a viu tentar reunir forças em seus dedos finos e dormentes, mas a
carta escorregou e caiu no chão.
Lawrence não se mexeu. Ele tinha medo que seu movimento a
fizesse quebrar como uma escultura de gelo.
Era a carta de Diana.
CAPÍTULO III ⊰ 146 ⊱

Se ler aquela carta trouxe Holo a este estado, não havia muitas
possibilidades que Lawrence pudesse imaginar.
Tinha que ser sobre Yoitsu.
“Qual o problema?” ela perguntou.
Sua voz soava como sempre. Apesar de estar visivelmente à beira
do colapso, ela conseguiu dar um sorriso fino; o contraste era irreal,
como um sonho.
“Tem algo g-grudado no meu rosto?” Holo tentou manter o
sorriso, mas seus lábios tremiam e era claramente difícil para ela falar.
Lawrence olhou em seus olhos, que estavam fora de foco.
“Não há nada em seu rosto. Mas, talvez você esteja um pouco
bêbada.”
Ele não podia suportar ficar em silêncio diante dela desse jeito,
então tentou escolher as palavras menos ofensivas que podia.
O que dizer a seguir? Não, primeiro ele tinha que descobrir o
quanto ela sabia. Lawrence estava nesse ponto quando Holo falou
novamente.
“S-sim, bastante. E-eu devo estar bêbada. Bêbada d-de fato.”
Seus dentes batiam enquanto sorria, ela rigidamente caminhou até
a cama e sentou.
Lawrence finalmente se afastou da porta e, muito lentamente, de
modo a não fazer este pássaro assustou voar, ele fez o seu caminho até
a mesa.
Ele colocou os dois melões sobre a mesa e casualmente olhou para
a carta que Holo havia deixado cair.
A linda letra de Diana estava claramente iluminada pela lua.

Em relação ao assunto que discutimos ontem sobre o vilarejo de


Yoitsu, destruído há muito tempo...
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 147 ⊱

Os olhos de Lawrence caíram sobre as palavras. Ele não podia


deixar de fechar os olhos.
Holo afirmara ser incapaz de ler — provavelmente ela tinha
planejado surpreendê-lo ou provocá-lo em algum momento no futuro.
Sem dúvida, ela estava surpresa que a chance tinha chegado tão
rapidamente, e ela leu a carta imediatamente.
Mas deu tudo errado.
A carta era sobre a sua casa, Yoitsu — claro que ela iria querer lê-
la.
A imagem de uma Holo animada rasgando o envelope de repente
passou pela mente de Lawrence.
E então ela viu as palavras sobre destruição de Yoitsu. Ele não
podia sequer imaginar o quão ruim o choque deve ter sido.
Holo se sentou na cama, olhando para o chão.
Enquanto Lawrence lutava para pensar nas palavras certas, ela
olhou para cima.
“O que — o que eu devo fazer?” seus lábios se curvaram em um
sorriso forçado. “Não tenho — não tenho nenhum lugar para voltar...”
Ela não piscou nem gritou, mas um fluxo constante de lágrimas
escorria pelo seu rosto.
“O que devo fazer...,” ela murmurou de novo, como uma criança
que tinha quebrado seu brinquedo favorito. Lawrence não suportava
vê-la dessa forma. Todo mundo era uma criança quando se lembrava
de sua terra natal.
Holo era uma loba sábia com muitos séculos de experiência; ela
certamente tinha considerado a possibilidade de que Yoitsu foi
enterrada no fluxo do tempo.
Mas assim como a lógica não tem poder sobre uma criança, era
inútil em diante de emoções tão fortes.
CAPÍTULO III ⊰ 148 ⊱

“Holo.”
Holo vacilou momentaneamente ao som de seu nome antes de
recuperar a compostura.
“É só uma velha história, uma lenda. Existem muitas lendas que
estão erradas.”
Lawrence falou a fim de dar às suas palavras tanto peso quanto
podia. Em se tratando de probabilidade, as chances de Yoitsu estar de
pé eram muito baixas. As cidades que sobreviveram por centenas de
anos eram tipicamente grandes; todo mundo sabia.
Mas ele não conseguia pensar em mais nada para dizer.
“Er... erradas?”
“Isso mesmo. Nos lugares onde um novo rei ou grupo toma conta,
eles espalham todos os tipos de contos como para marcar posição para
um novo território.”
Não era uma mentira. Ele conhecia muitos exemplos.
Mas Holo balançou a cabeça de repente, suas lágrimas escorrendo
pelos lados através de suas bochechas.
A apatia em seus olhos era a calmaria antes da tempestade.
“Não, se isso fosse verdade, por que — por que esconderia isso
de mim?”
“Eu estava procurando o momento certo para falar. É uma questão
delicada. Então —”
“Heh,” Holo riu, embora parecesse uma tosse.
Era como se um demônio a tivesse possuído de alguma forma.
“D-deve ter sido terrivelmente divertido, me ver tão
despreocupada.”
A mente de Lawrence ficou em branco instantaneamente. Ele
nunca poderia sentir qualquer coisa do tipo. A raiva cresceu dentro
dele, estreitando sua garganta, mas ele se conteve de alguma forma.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 149 ⊱

Ele percebeu que Holo só queria machucar alguma coisa, qualquer


coisa.
“Holo, por favor, se acalme.”
“Eu estou b-bastante calma. Não sou eu a própria imagem da
lucidez? Você provavelmente sabia sobre Yoitsu o tempo todo.”
Lawrence estava sem palavras; ela tinha percebido a verdade.
Ele percebeu que o seu erro fatal foi esconder isso dela.
“Você sabia, não sabia? Não sabia? Você sabia desde que me
conheceu. Isso explica muita coisa.”
A expressão de Holo agora era a de uma loba encurralada.
“Hah. V-você gosta de garotinhas tristes e fracas. Então como eu
estava, enquanto falava em voltar para a terra natal que você sabia que
estava destruída? Eu fui tola o suficiente? Fofa o suficiente? Eu estava
triste e charmosa o suficiente? Tanto que você perdoou o meu egoísmo
e sentiu pena de mim?”
Lawrence tentou falar, mas Holo continuou.
“E então você me disse para voltar para Nyohhira sozinha, porque
se cansou de mim, não é?”
Seu sorriso era desesperançado. A própria Holo deveria saber que,
o que ela disse era uma distorção maliciosa e deliberada.
Ele sabia que se perdesse a paciência e a atacasse, ela só abanaria
sua cauda feliz.
“É isso mesmo que você acha?”
As palavras de Lawrence a golpearam, ela olhou através dele com
olhos vermelhos em chamas. “É!”
Holo se levantou, com os punhos brancos e tremendo.
Seus dentes afiados batiam e sua cauda inchou como uma escova
de garrafa.
CAPÍTULO III ⊰ 150 ⊱

Lawrence ainda não recuou. Ele sabia que a raiva de Holo vinha
de uma tristeza profunda.
“É, eu penso assim! Você é humano! O único animal que aprisiona
outros animais! Deve ter sido tão divertido para você enquanto eu
mordia como uma tola a isca que era Yoitsu e —”
“Holo.”
Holo estava gesticulando bravamente; Lawrence rapidamente se
aproximou dela e agarrou seus braços com toda sua força.
Ela estava tão irritada e assustada como um vira-lata encurralado,
e ela não podia colocar mais resistência do que uma jovem com tal
aparência poderia ter.
Com Lawrence segurando seus braços, a diferença em suas forças
era clara.
“E-eu estou completamente sozinha. O-o que devo f-fazer?
Ninguém está me esperando voltar. Não tem ninguém para me apoiar.
Eu... eu estou sozinha...”
“Você tem a mim. não tem?” ele disse, completamente sério.
Não eram palavras que poderiam ser ditas por descuido.
Mas Holo simplesmente desprezou e retrucou “O que você é para
mim? Não — o que eu sou para você?”
Lawrence não tinha uma resposta pronta. Ele tinha que pensar.
Foi um momento depois que ele percebeu que deveria ter
respondido rapidamente, mesmo se fosse uma mentira.
“Não! Eu não quero mais ficar sozinha! Não posso!” Holo gritou e
então congelou. “Venha... Será que... você se deitaria comigo?”
Lawrence estava prestes a soltar os braços dela.
Mas então percebeu que o sorriso dela era vazio. Ela estava
zombando de seu próprio estado desequilibrado.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 151 ⊱

“Estou completamente sozinha. Mas com uma criança seriam dois.


Olha, eu tomei a forma humana. Não é impossível que com você, eu
poderia, por favor...”
“Não fale mais nada. Eu te imploro.”
Lawrence compreendeu as emoções que ferviam dentro dela,
compreendeu que só o que poderia sair eram palavras afiadas e
venenosas. Ele entendia muito bem.
Mas ele não conseguiu fazer amarrar essas emoções e colocá-las
de lado para se acalmar.
Pedir para ela não falar era tudo que conseguia fazer.
O sorriso de Holo se reforçou, e uma nova onda de lágrimas
derramou pelos seus olhos.
“Heh. Aha...ha-ha-ha-ha. É verdade. Você é muito fraco. Não
posso esperar nada desse tipo de você. Mas não me importo. Eu
lembrei, sabe. Existe... Sim, tem alguém que me ama.”
Ela não conseguiu superar o aperto de Lawrence com a força, por
isso, a fim de tirar vantagem de qualquer brecha que pudesse aparecer,
Holo relaxou os punhos e deixou a tensão sair do seu corpo. Lawrence
soltou seus pulsos e as palavras que agora vieram dela eram como
borboletas doentias.
“É por isso que essa disputa não te preocupa, não é? Se pudesse
receber cem moedas de prata por mim, não seria tão ruim me deixar
ir embora?”
Lawrence sabia que qualquer coisa que dissesse que não teria
efeito, então só ouviu em silêncio.
O silêncio continuou, como se Holo tivesse queimado seu
combustível completamente.
Por fim, apenas quando Lawrence estendeu a mão até ela
novamente, Holo disse com a voz fraca.
“...Eu sinto muito,” ela falou.
CAPÍTULO III ⊰ 152 ⊱

Lawrence sentiu que podia ouvir o baque que veio com aquelas
palavras enquanto Holo fechava a porta do seu coração.
Ele congelou. Era tudo o que podia fazer.
Holo se sentou novamente, olhando para o chão, imóvel.
Lawrence recuou, mas ele se viu incapaz de ficar parado, então
ele pegou a carta de Diana que Holo deixou cair e a leu, como que para
escapar.
Nele, Diana disse que havia um monge que vivia em uma cidade
no caminho para Lenos, especialista em lendas das terras do norte, e
que faria bem para Lawrence visitá-lo. Na parte de trás da carta estava
escrito o nome do monge.
Lawrence fechou os olhos, angustiado.
Se ao menos tivesse olhado para a carta primeiro. Se pelo menos
tivesse feito isso.
Ele foi preenchido com uma súbita vontade de rasgar a carta em
pedaços, mas sabia que essa explosão era inútil.
A carta ainda era uma importante pista para encontrar Yoitsu.
Parecia um dos poucos fios que ainda o ligavam a Holo; ele dobrou
a carta e a colocou dentro do casaco.
Ele olhou de volta para Holo, que ainda olhava para o chão.
Em sua mente, ele ouviu novamente o que ela tinha falado —
“sinto muito” — quando estendeu a mão para ela.
Tudo o que ele podia fazer agora era silenciosamente sair do
quarto.
Ele deu um passo para trás. Dois passos.
Um clamor alto entrou pela janela. Lawrence aproveitou a
oportunidade e saiu da sala.
Por um instante, pensou que Holo tinha levantado o rosto para
olhar para ele, mas sabia que era apenas uma ilusão.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 153 ⊱

Ele alcançou a porta atrás dele para fechá-la, desviando os olhos


como que para deixar claro que não desejava se intrometer.
Mas isso não iria desfazer nada.
Ele teria que fazer alguma coisa.
Ele teria que fazer alguma coisa — mas o que e como?
Lawrence deixou a estalagem.
As ruas ainda estavam repletas de estranhos.
awrence se dirigiu para a cidade apenas para descobrir que
não havia lugar para ele lá.
O festival, que começou ao pôr do sol era exatamente o
oposto do dia e faltava toda a parte da diversão.
Cada boneco de palha ou madeira agora estava armado, para não
falar de todos os foliões fantasiados. Os bonecos maiores, que não tinha
armas, eram usados como armas enquanto a luta se propagava.
Os bonecos de palha colidiam em meio a gritos de raiva, a
multidão gritando toda vez que pedaços voavam. Ao redor deles,
instrumentos tocavam músicas estridentes para não serem abafados
pelo clamor da luta. As pessoas de vestes negras cantavam um hino de
guerra sinistro.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 155 ⊱

Lawrence evitou a multidão e se dirigiu para o norte. O terrível


estrondo cresceu cada vez mais em sua cabeça de forma insuportável.
Não importava quanto tempo andasse pela longa avenida, o
barulho do festival parecia não ter fim. Isso corroía seus nervos, como
feitiço de uma bruxa, fazendo com que a sua conversa com Holo
ecoasse em sua mente. Ele podia vê-la diante dele. Ele queria gritar
com sua própria inutilidade, mas conseguiu se conter.
Se tivesse energia suficiente para gritar, Lawrence pensou, ele
poderia tentar melhorar essa situação.
No entanto, avaliando de forma racional, ele não conseguia
encontrar tais possibilidades.
Dado o estado em que Holo estava, Lawrence viu que era
perfeitamente possível que ela aceitasse a proposta de Amati.
Amati provavelmente foi o primeiro mercador a se aproveitar da
pirita, por isso era seguro assumir que ele já tinha conseguido uma boa
quantidade de dinheiro.
No pior dos casos, Amati poderia nem precisar esperar até o
anoitecer de amanhã para trazer o dinheiro e declarar o contrato
cumprido.
Lawrence sabia que ele não estava apenas sendo pessimista.
“...”
A ansiedade revirou seu estômago e um gemido escapou de seus
lábios.
Ele olhou para o céu escuro e cobriu os olhos.
Se ele não conseguia parar os lucros de Amati, ele poderia pelo
menos voltar para a estalagem e tentar fazer as pazes com Holo.
Mas Lawrence tinha toda a certeza que a conciliação com Holo
seria ainda mais difícil do que parar Amati.
O que eu sou para você? A pergunta de Holo o tinha deixado em
reflexão.
CAPÍTULO IV ⊰ 156 ⊱

Mesmo agora, depois de ter tido um pouco de tempo para analisar


a questão, ele não conseguia responder.
Queria que ela continuasse a viajar com ele — isso ele sabia — e
não suportava nem pensar sobre ela ser a noiva de Amati.
No entanto, após imaginar a cena, seu rosto se contorcia com
terrível ideia.
Ele sabia que Holo era preciosa para ele, mas preciosa de que
maneira? Ele se perguntava. Não era algo que pudesse articular
claramente.
A sua mandíbula estava cerrada, Lawrence esfregou o rosto para
tentar relaxá-la.
Como isso pode ter acontecido?
A diversão que eles tiveram no festival parecia um sonho fugaz.
Mesmo um deus onisciente nunca poderia ter previsto que as coisas
acabariam assim isso em poucas horas.
À frente dele, Lawrence viu uma procissão de dançarinos de
espada em movimento pela rua. A atmosfera selvagem e sinistra era
completamente diferente dos festejos do dia. Relembrava a mudança
no relacionamento de Lawrence com Holo, ele apressou o passo,
desviando os olhos.
Ele lamentou ter deixado a carta sobre a mesa. Sentia que nada
disso teria acontecido se tivesse levado a carta consigo. Se tivesse
encontrado o momento certo para falar com ela, sem dúvida, a sábia
Holo não ficaria perturbada.
Além disso, as palavras de Holo haviam exposto seu próprio
egoísmo e falta de determinação. Ele não se imaginava capaz de falar
com ela corretamente agora.
Eventualmente Lawrence percebeu que tinha atravessado todo o
caminho para zona norte de Kumersun sozinho e sem ter notado.
Ele estava andando devagar e já fazia algum tempo, mas ele não
tinha nem sequer notado.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 157 ⊱

Apesar da sensação de que a cidade estava lotada em todos os


lugares que se pudesse ir, aqui na zona norte, haviam poucos
pedestres. As festividades não se estendiam até aqui.
Ali, no silêncio, ele finalmente foi capaz de se acalmar e respirar
profundamente.
Ele se virou e começou a andar para trás, repensando a situação.
Primeiro —
Sinceridade por si só não seria suficiente para convencer Holo a
ouvi-lo. De qualquer forma ele nem sequer tinha confiança suficiente
para olhar nos olhos dela.
Deixando de lado a questão se ele poderia ou não ser capaz de
salvar seu relacionamento com ela, ele poderia pelo menos evitar dar
um bom motivo para ela o deixar e ficar com Amati.
Enquanto Amati fosse incapaz de conseguir mil moedas de prata,
a dívida da Holo com Lawrence ainda permaneceria. Não havia como
dizer se isso seria suficiente para fazê-la ficar com ele, mas poderia pelo
menos tentar fazer essa afirmação.
Então, o problema estava em impedir Amati de cumprir o
contrato.
Foi devido ao estranho estado de espírito do festival que o preço
da pirita tinha subido tão alto, e segundo Mark, o preço ia subir ainda
mais. Lawrence não sabia o quanto de pirita Amati tinha na mão ou o
quanto de lucro que ele tinha conseguido. Uma vez que a pirita estava
vendendo a um preço muitas vezes — até mesmo dez vezes — maior
que seu preço de custo, dependendo de quanto dinheiro Amati tinha
sido capaz de investir, ele já poderia ter levantado as mil moedas.
No entanto, havia um fator que trabalhava em favor de Lawrence
— pirita tendia a existir em grandes quantidades.
Mesmo que pudesse ser vendida por dez vezes o preço de compra,
a pessoa tinha que ter a pirita em grande quantidade antes de fazer
quantias verdadeiramente grandes de dinheiro.
CAPÍTULO IV ⊰ 158 ⊱
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 159 ⊱

Claro, Amati não iria necessariamente depender exclusivamente


de pirita para levantar o dinheiro, mas o pensamento de que ele
poderia ter problemas para obter a quantidade suficiente para fazê-lo
foi um consolo para Lawrence.
Lawrence tinha que evitar que Amati fizesse tal coisa. Mais
precisamente, ele tinha que forçá-lo a sofrer uma perda, porque se
Amati fosse pressionado e não se preocupasse com o futuro do seu
negócio, ele poderia liquidar todos os seus bens apenas para levantar o
dinheiro.
Mas se Lawrence encontrasse dificuldades para impedi-lo de
conseguir um lucro enorme, força-lo a sofrer uma perda era quase
impossível.
Um ataque frontal estava fora de questão. A crescente demanda
por pirita significava que não havia necessidade de fazer quaisquer
negócios pela força; o lucro viria naturalmente.
Se não havia urgência, não havia nenhuma possibilidade de fraude.
Então o que fazer...?
Ele revirou o problema várias vezes em sua mente, sempre
esbarrando nas mesmas dificuldades. Eventualmente, sem pensar,
Lawrence falou, “Diga, Ho—”
Ele conseguiu não dizer “lo,” mas um artesão que passava o olhou
estranhamente.
Mais uma vez, ele percebeu como a pequena figura de Holo e seu
sorriso invencível pesava em sua mente.
Parecia impossível que tivesse se dado bem por conta própria por
tanto tempo antes de conhece-la.
Holo certamente seria capaz de ter a algumas boas ideias, ou pelo
menos colocá-lo no caminho certo.
Em algum lugar ao longo da linha de pensamento Lawrence
percebeu, ele se tornou muito dependente dela.
CAPÍTULO IV ⊰ 160 ⊱

O que eu sou para você?


Ele simplesmente não conseguia responder à pergunta com
qualquer traço de confiança.
“Se eu fosse Holo, o que eu faria?”
Lawrence não achava que fosse capaz de imitar o processo de
pensamento infinitamente misterioso de Holo perfeitamente.
Mas ele era um mercador.
Quando um mercador tinha uma nova ideia, era seu trabalho
dominar a ideia e chegar à frente de seus concorrentes.
Holo sempre considerava todos os aspectos de uma situação.
Dada as circunstâncias diante dele, Lawrence sabia que ela olharia
para o problema de todos os ângulos possíveis.
Parecia fácil, mas não era. Às vezes a ideia mais brilhante pareceria
óbvia em retrospecto.
Amati estava lucrando sobre a crescente demanda de pirita.
Lawrence precisava fazê-lo sofrer uma perda.
Qual era maneira mais simples, mais óbvia para que isso
ocorresse?
Lawrence ponderou.
Sem se limitar ao senso comum, ele pensou.
Uma resposta lhe ocorreu.
“A demanda por pirita precisa diminuir.”
Lawrence disse em voz alta, depois riu como um tolo.
Então, isso é o que acontece quando ele tenta imitar Holo?
Se o valor da pirita caísse, realmente seria algo para celebrar.
Mas a demanda estava subindo e não mostrava sinais de queda. Os
preços já inflacionaram mais de dez vezes, vinte vezes. Ele iria subir e
depois —
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 161 ⊱

“...E depois?”
Lawrence ficou imóvel enquanto a ideia tomava forma.
“Dez vezes? Vinte vezes e depois o quê... trinta? E depois disso?”
Ele sentiu como se pudesse ver Holo zombando dele.
O preço não subiria para sempre. A demanda terminaria como
sempre terminava.
Lawrence quase sentiu que iria chorar novamente. Ele pôs a mão
sobre a boca para abafar.
Havia duas questões que ele precisava responder:
A primeira era quando esta queda ocorreria, e a segunda era se
seria possível fazer Amati perder com isso?
Lawrence começou a andar novamente, a mão ainda sobre sua
boca.
Mesmo que o preço da pirita fosse cair, será que Amati realmente
afundaria junto com ele? Lawrence duvidava. Assumir isso seria
subestimar o garoto.
Então, o problema seria criar essa situação. Se ele pudesse
articular o problema de forma concreta, seu raciocínio não estaria tão
distante do de Holo.
A situação ideal apareceu em sua mente, se estabelecendo de
forma pesada e fria em seu estômago. Ele tinha experimentado essa
sensação antes. Não era lógica, mas a intuição de que uma disputa
importante pesava sobre ele.
Ele respirou fundo e pensou em um ponto crítico: Quando a
queda ocorreria?
Era óbvio que o preço não poderia continuar subindo para
sempre, mas quando ele iria cair — e mais importante, ele cairia em
algum momento antes do final do dia seguinte, quando o contrato
entre Lawrence e Amati encerrava?
CAPÍTULO IV ⊰ 162 ⊱

Mesmo uma cartomante acharia impossível prever tal coisa, assim


como qualquer pessoa.
Lawrence retratou em sua mente os agricultores em uma região
produtora de trigo, usando sua própria engenhosidade para realizar as
colheitas que já foram apenas da competência dos deuses.
Ao invés de esperarem aterrorizados para que os deuses
derrubassem o preço, por que não se tornarem esses deuses?
Um momento depois que a arrogância ultrajante da ideia lhe
ocorreu, um grande clamor surgiu e ele se virou para olhar.
Lawrence percebeu que tinha andado todo o caminho de volta
para a cidade e chegou novamente no centro do grande cruzamento.
Os bonecos de palha ainda colidiam uns com os outros em meio a
gritos de raiva, cada colisão trazendo uma chuva de galhos e gritos. Era
como uma guerra real.
Lawrence deixou seus esquemas por um momento para apreciar
a intensidade da cena, e viu algo que imediatamente o trouxe de volta
a seus sentidos.
Ele sentiu os cabelos da parte de trás do seu pescoço se levantar.
Amati.
Amati estava logo ali.
A princípio, ele pensou que era algum tipo de piada cruel dos
deuses, mas em seguida ponderou — mesmo essa coincidência poderia
ser significativa de alguma forma.
Lawrence estava no coração de Kumersun, no cruzamento das
principais ruas norte-sul, leste-oeste.
As costas de Amati davam para a estalagem onde Holo
presumivelmente ainda estava.
Amati parou e olhou para trás lentamente.
Por um momento, Lawrence estava com medo que Amati o
tivesse visto, mas não, Amati não o viu.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 163 ⊱

Lawrence seguiu o olhar do garoto.


Sua direção era óbvia.
Mas o que estava lá? Lawrence tinha que saber.
E ali, em uma janela no segundo andar da estalagem, de frente
para a larga avenida, com o cachecol de pele de raposa enrolada em
volta do pescoço, estava Holo.
Uma terrível ansiedade embrulhou o estômago de Lawrence que
estava amargo de raiva e com uma certa impaciência.
Holo acariciava o cachecol e, em seguida, assentiu.
Lawrence viu Amati colocar a mão sobre o peito em resposta,
como se fizesse um juramento diante de Deus.
Se Holo o havia convidado ou se Amati forçou sua entrada,
Lawrence não sabia.
No entanto, com base no que estava vendo, Lawrence não via
razões para ser otimista.
Amati virou as costas para a estalagem e foi embora. Ele se
inclinava para a frente e parecia apressado, como se estivesse fugindo,
o que só aumentou a desconfiança de Lawrence.
Em um instante, Amati desapareceu no meio da multidão e
Lawrence olhou para a janela da estalagem.
Ele prendeu a respiração.
Holo estava claramente olhando diretamente para ele.
Se Lawrence era capaz de detectar Amati na multidão, Holo não
teria dificuldade nenhuma em detectar Lawrence com seus olhos
aguçados.
Holo não desviou o olhar imediatamente, nem sorriu. Ela
simplesmente olhou para ele com firmeza.
Eles ficaram assim por algum tempo. Lawrence estava prestes a
suspirar quando finalmente Holo se retirou da janela.
CAPÍTULO IV ⊰ 164 ⊱

Se ela tivesse fechado a janela, talvez ele tivesse ficado lá,


congelado.
Mas ela não o fez. A janela ficou aberta.
Ela parecia a exercer uma atração sobre ele, o levando para perto
da estalagem.
Lawrence não era ingênuo a ponto de pensar que Holo e Amati
haviam simplesmente falado através da janela.
Holo não era uma mera garota da cidade, e os sentimentos de
Amati por ela estavam longe de serem frios. Não havia nenhuma razão
para pensar que eles não tiveram uma conversa no quarto.
Holo pareceu calma e despreocupada, provavelmente porque ela
não tinha sido vista fazendo nada com o que precisasse se preocupar.
O que significava que ela o estava provocando.
Lawrence pensou na conversa que teve com ela em Ruvinheigen.
Ele acreditava que se falasse com ela honestamente, ela entenderia.
Ele se preparou e, em seguida, se dirigiu para a estalagem.

Imediatamente após entrar na estalagem, Lawrence foi recebido


por uma festa animada.
As mesas estavam cheias com todo tipo de comida e os convidados
estavam bebendo, conversando, e até mesmo cantando.
Lawrence pensou que ele e Holo deveriam estar em uma dessas
mesas se divertindo e, apesar de sentir aversão ao arrependimento
como um mercador, ele ainda sentiu uma pontada.
Mas ainda havia uma chance. Se Holo quisesse rejeitá-lo
absolutamente, ela teria fechado a janela.
Lawrence se agarrou a essa tênue ideia, o que lhe deu confiança,
e subiu as escadas ao lado do balcão, que levavam ao segundo andar.
Imediatamente, alguém o chamou.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 165 ⊱

“Sr. Lawrence —”
Lawrence, que já não estava particularmente sereno, começou a
se virar; o gerente também ficou surpreso, piscando ao olhar para
Lawrence enquanto se inclinava sobre o balcão.
“... Me desculpe, algum problema...?”
“Ah, sim, me disseram para te entregar uma carta.”
A menção de uma carta enviada trouxe uma onda de mal-estar no
peito de Lawrence. Ele a sufocou com uma tosse.
Descendo as escadas, ele caminhou até o balcão e pegou a carta
oferecida.
“Quem mandou?”
“Sua companheira a deixou faz pouco tempo.”
Admiravelmente, Lawrence conseguiu esconder sua surpresa.
Não era preciso dizer que o estalajadeiro tinha conhecimento de
todas as idas e vindas dos hóspedes de sua estalagem.
Lawrence tinha deixado a estalagem, e Holo havia permanecido.
Enquanto Lawrence estava fora, Amati fez uma visita para Holo e Holo
agora escolhia se comunicar com Lawrence não diretamente, mas por
meio de uma carta.
Nenhum estalajadeiro podia observar esses eventos e supor que
tudo estava bem.
No entanto, o estalajadeiro não demonstrou nada quando olhou
para Lawrence.
As ligações entre os mercadores desta cidade como esta eram
profundas.
Se Lawrence se comportasse de forma indecente aqui, os rumores
estariam por toda a cidade quase que instantaneamente.
“Posso pegar algo para iluminar?” Lawrence disse cautelosamente.
O estalajadeiro assentiu e trouxe um castiçal de prata dos fundos.
CAPÍTULO IV ⊰ 166 ⊱

A vela brilhante não era de sebo, e Lawrence sentiu que a sua


agitação interna poderia ser exposta sob uma luz forte.
Em sua mente, ele sorriu ironicamente para si mesmo por ter tais
pensamentos, e então abriu o envelope com o punhal na cintura.
O gerente se afastou, como que percebendo que seria rude ler o
conteúdo da carta, mas Lawrence poderia dizer que o homem ainda o
olhava de vez em quando.
Ele tossiu levemente e tirou a carta do seu envelope.
Uma folha era de pergaminho; a outra era de papel normal.
Seu coração batia forte. Hesitar aqui significava que não confiava
completamente em Holo.
Ele esperava pela possibilidade de que na carta Holo tentasse uma
reconciliação.
Ele abriu a carta — que fora dobrada em dois — lentamente, e
um pouco de areia caiu da superfície do papel.
Provavelmente isso tinha sido usado para fazer a tinta secar mais
rapidamente, o que significava a carta foi escrita recentemente.
Seria uma carta que repararia ou destruiria o seu relacionamento
com ela?
As palavras no papel saltaram aos olhos de Lawrence.

Dinheiro em mãos, duzentas moedas de prata.


Pirita em mãos, no valor de trezentas moedas de
prata. Bens vendáveis —

Ele olhou para cima, surpreso com a lista de ativos que começava
sem uma introdução.
Dinheiro? Pirita?
Ele esperava uma carta que ecoasse em sua mente com a voz dela,
mas o que ele segurava aqui era uma folha de papel com uma lista de
números e nada mais.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 167 ⊱

Lawrence olhou para o papel de novo e, cerrando os dentes,


continuou a ler.

...em mãos, no valor de trezentas moedas de prata.


Bens vendáveis brutos no valor de duzentas moedas
de prata.

Isto era obviamente uma lista dos ativos de Amati.


Lawrence sentiu seus ombros afrouxarem, como se fossem pães
velhos polvilhados com água.
Holo havia permitido que Amati entrasse no quarto para que ela
pudesse obter essa informação diretamente dele.
Ela tinha que ter feito isso para Lawrence.
Era sua forma de reconciliação indireta.
Lawrence sorriu abertamente. Ele nem sequer se preocupou em
tentar esconder o sorriso.
No final da nota estava escrito “Este conteúdo foi transcrito por outro.”
Haviam muitas pessoas que sabiam ler, mas não escrever. Holo
tinha conseguido esta informação, saído do quarto sob o pretexto de ir
ao banheiro, talvez, e fez com que um mercador ou um outro alguém
escrevesse a lista para ela. Lawrence se lembrou da letra de Amati que
viu no contrato. Esta não era a sua escrita.
Lawrence cuidadosamente dobrou a nota, que agora, de repente
tinha um valor além do comum para ele, e a colocou perto do peito, e
então pegou o pergaminho.
Talvez ela tivesse usado suas artimanhas para enganar Amati a
assinar algum tipo de contrato ridículo.
Lawrence brilhou à memória do rosto satisfeito de Amati após seu
encontro com o Holo.
Holo ainda quer viajar comigo, Lawrence pensou consigo.
CAPÍTULO IV ⊰ 168 ⊱

Inundado com uma sensação de alívio incrível, ele desdobrou o


pergaminho sem hesitação.

Em nome de Deus...

A escrita galante de Amati era inconfundível.


Lawrence anulou a onda de emoção que veio e continuou lendo.
Ele leu a primeira linha, a segunda, a terceira —
E então —

Por estes termos estes dois estão unidos em


casamento.

Quando ele chegou no final do documento, parecia que o mundo


estava girando em volta dele.
“...O qu...?”
Ele ouviu-se murmurar com uma voz que parecia muito distante.
Ele fechou os olhos, mas o conteúdo do pergaminho, as palavras
que ele tinha acabado de ler, permaneceram em sua visão.
Era uma certidão de casamento.
No pergaminho, que jurava em nome de Deus, havia escritos os
nomes de um jovem peixeiro chamado Fermi Amati e Holo.
A linha para a assinatura do guardião de Holo estava em branco.
Mas uma vez que tivesse sido assinado e selado por seu guardião e
entregue a uma igreja, Amati e Holo seriam marido e mulher.
O nome de Holo tinha sido escrito com uma mão incerta.
A assinatura dela parecia a de alguém que podia ler, mas que só
podia escrever por imitação.
Uma imagem passou pela mente de Lawrence — Holo
observando Amati escrever o contrato e, em seguida,
desajeitadamente assinando seu próprio nome.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 169 ⊱

Lawrence puxou a primeira folha de papel do bolso do peito —


que era um papel desesperadamente valioso — e a releu.
Tinha que ser uma lista dos bens de Amati. Os valores eram
inteiramente plausíveis.
Ela deve ter composto a lista não para ajudar Lawrence, mas sim
para mostrar a ele quão crítica era situação.
Por que ela faria isso? Era tolice até mesmo perguntar.
Levando em conta a certidão de casamento, Lawrence pensou que
a resposta era óbvia.
Amati estava à beira de cumprir seu contrato com Lawrence, a
quem Holo estava planejando deixar.
O encontro dele com Holo e Lawrence foi puro acaso.
Apesar de Amati ser jovem, imprudente e honesto ao extremo,
Holo talvez tivesse considerado o garoto pretencioso um parceiro mais
adequado.
Não havia nenhuma razão para não pensar assim.
Mesmo que Lawrence corresse até as escadas e pedisse para ela
não se casar, segurando o certificado de casamento na mão, Holo
simplesmente viraria as costas para ele. Ela era boa nisso.
Ele não tinha escolha a não ser agir por conta própria.
Holo havia revelado os ativos de Amati para Lawrence; talvez ela
estivesse dizendo que se conseguisse derrotar o jovem peixeiro, ela iria
ouvi-lo. Por outro lado, se Lawrence falhasse — seria o fim.
Havia uma maneira de derrotar Amati. Havia esperança.
Lawrence rapidamente colocou a nota e o contrato de lado, e em
seguida, se virou para o estalajadeiro.
“Me dê todo o dinheiro que eu deixei com você, por favor.”
Continuar viajando com Holo valia todo o ouro que tinha.
Lawrence sabia que era possível levar Amati a falência legalmente.
CAPÍTULO IV ⊰ 170 ⊱

O problema residia em fazer com que Amati aceitasse um acordo


que realizasse tal coisa.
Lawrence suspeitava que Amati não estava familiarizado com o
tipo de negócio que ele iria propor. Não por que ele parecesse um
garoto; mas simplesmente porque o negócio de Amati não envolvia
operações como a que Lawrence tinha em mente.
Afinal, ninguém quer se envolver em negócios que não entende
completamente.
Lawrence tinha a desvantagem adicional de ser inimigo de Amati.
Diante de tudo isso, ele considerava que as chances de Amati
aceitar o negócio eram de uma em cada nove, aproximadamente.
Lawrence não se importava se tivesse que provocar o rapaz — ele tinha
que fazer Amati morder a isca.
Infelizmente, não importa o quão normal o negócio aparentasse
ser na superfície, Amati ia notar o quão desvantajoso ele era.
A provocação que Lawrence tinha em mente era inteiramente
justificada.
Isso não era um negócio, pois Lawrence não tinha intenção de
obter lucro.
A qualquer momento que pensamentos de um mercador se
desviassem dos ganhos e perdas, as perdas se tornariam inevitáveis.
Mas Lawrence há muito havia abandonado seu senso comum de
mercador.
Ele perguntou ao estalajadeiro que tabernas Amati frequentava e
começou a procurar por ele, uma por uma. Apesar das festividades que
continuavam nas ruas, ele encontrou Amati bebendo sozinho
tranquilamente.
O garoto parecia fatigado; talvez fosse a ressaca da tensão de
negociar seu casamento tão esperado com Holo, ou talvez ele ainda
não tivesse levantado as mil moedas de prata.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 171 ⊱

Em todo caso, o estado emocional de Amati era completamente


irrelevante.
Lawrence sabia que nem sempre podia contar com condições de
negociação completamente favoráveis. Quando vinha para isso, um
mercador tinha apenas suas próprias habilidades para depender.
Se ele esperasse até amanhã, as negociações poderiam se tornar
ainda mais difícil.
O acordo que iria propor a Amati não podia esperar.
Ele respirou fundo e entrou no campo de visão de Amati antes que
ele notasse Lawrence.
“Ah —”
“Boa noite.”
Aparentemente, Amati não era tão ingênuo a ponto de
demonstrar sua irritação com a chegada de Lawrence.
Ele ficou surpreso o suficiente para ficar sem palavras por um
momento, mas o jovem peixeiro logo recuperou sua conduta
profissional.
“Não há necessidade de qualquer suspeita. Estou aqui apenas para
falar de negócios.” Lawrence surpreendeu a si mesmo, gerando um
sorriso fácil.
“Se você está aqui a negócios, é mais uma razão para eu não baixar
a minha guarda,” Amati falou em tom de irritação.
“Ha-ha, é justo. Pode me dar momento?”
Amati assentiu e Lawrence se sentou à mesa com ele. “Vinho,”
Lawrence simplesmente disse ao taberneiro de aparência irritada.
Lawrence se lembrou de não subestimar o pequeno garoto
delicado que estava sentado à mesa com ele. Amati havia deixado sua
casa e estava em seu caminho para o sucesso com seu negócio de venda
de peixe.
CAPÍTULO IV ⊰ 172 ⊱

Ao mesmo tempo, ele não poderia deixar Amati se manter em


guarda.
Lawrence limpou sua garganta casualmente, olhando em volta
antes de falar. “Este é um lugar agradável, tranquilo.”
“Você não pode beber tranquilamente na maioria das tabernas.
Este lugar é especial.”
Lawrence se perguntou se Amati estava implicando que a sua paz
tinha sido perturbada por um determinado personagem desagradável,
que seria ele próprio, mas decidiu que estava exagerando.
Assim como Amati, ele queria terminar a conversa o mais rápido
possível.
“Então, eu sei que você deve estar surpreendido ao me ver, mas
não mais surpreso do que eu estava hoje cedo, então acho que posso
pedir sua indulgência.”
Lawrence não sabia o que Amati havia dito para fazer Holo assinar
o contrato. Não importa o quão inteligente e impulsiva ela fosse, ele
não conseguia imaginar o que realmente a fez assinar.
O que significava que de alguma forma Amati a convenceu a
assinar o contrato, e ela concordou.
No entanto, Lawrence sabia que ele não tinha o direito de culpá-
la.
Aquele que tinha deixado Amati entrar no quarto era Holo, mas
quem tinha causado todo esse problema em primeiro lugar era
Lawrence.
Ele não sabia o que Holo tinha ouvido Amati falar. Amati abriu a
boca, provavelmente para se explicar, mas Lawrence levantou a mão
e cortou o garoto.
“Não, esse não é o assunto que estou aqui para discutir. Porém,
informo que a minha intenção é de falar apenas de negócios com você,
isso é tudo. Holo é totalmente livre para agir como ela quiser.”
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 173 ⊱

Amati olhou para Lawrence com raiva por um momento e depois


assentiu.
Era claro que ele ainda tinha suspeitas sobre Lawrence, mas por
sua vez, Lawrence não gastaria mais seu esforço para dissipar essas
suspeitas.
Afinal, o que ele ia dizer a seguir só iria aumentar as mesmas.
“No entanto, dada à razão da minha proposta de negócio, eu não
posso chamá-la exatamente de normal.”
“O que é que você está planejando?” Amati perguntou.
Imperturbável, Lawrence continuou “Eu vou direto ao ponto,
então. Eu gostaria de lhe vender pirita.”
Os olhos azuis de Amati pareceram olhar através de Lawrence
para algum lugar distante por um momento. “O quê?”
“Eu gostaria de vender pirita para você. Ao valor de mercado
atual, são mais ou menos quinhentas moedas de prata.”
Amati, de boca entreaberta e olhos desfocados, recuperou sua
compostura. Ele riu e depois suspirou. “Certamente você está
brincando.”
“Eu estou completamente sério.”
O sorriso de Amati desapareceu, seus olhos penetrantes, quase
com raiva.
“Você deve estar ciente de que eu tenho me dado muito bem
revendendo pirita. O que você está pensando ao tentar vendê-las para
mim? Quanto mais eu tiver, mais dinheiro eu posso fazer. Não posso
acreditar que você poderia me ajudar nisso. A não ser que” — Amati
fez uma pausa, seu olhar agora estava definitivamente com raiva — “é
verdade que desde que ganhe dinheiro, você não se importa o que
venha acontecer com a senhorita Holo.”
“Longe disso. Holo é muito importante para mim.”
“Nesse caso, por que—”
CAPÍTULO IV ⊰ 174 ⊱

“É claro que não quero simplesmente vender para você de


imediato.”
Amati poderia ter sido o melhor quando o assunto eram negócios
frenéticos de ativos, mas na negociação de um contra um, Lawrence
tinha confiança em suas próprias habilidades.
Mantendo o mesmo tom, ele continuou com sua proposta.
“Eu gostaria de vendê-la na margem.”
“Na margem...?” Amati repetiu a frase desconhecida.
“Sim.”
“E o que isso—”
“Isso significa que vou te vender quinhentos trenni de pirita amanhã
à noite no seu valor de mercado atual.”
Holo às vezes se gabava de ser capaz de ouvir o som de alguém
consternado franzindo a testa — Lawrence sentia agora que ele tinha
ouvido esse som, dado o completo estado de incompreensão de Amati.
“Nesse caso, basta vir até mim amanhã à noite—”
“Não, eu gostaria de receber o pagamento agora.”
A expressão duvidosa de Amati cresceu ainda mais.
A não ser que ele fosse tão bom em atuar como Holo, Amati
obviamente não sabia nada sobre vendas na margem.
Um mercador que não tem conhecimento pode muito bem estar
entrando em um campo de batalha de olhos vendados.
Lawrence puxou a corda do arco, se preparando para disparar sua
flecha.
“Em outras palavras, eu vou aceitar quinhentas moedas de prata a
partir de agora, e amanhã eu vou te dar pirita equivalente a quinhentas
moedas de prata no valor de hoje.”
Amati pensou bastante. Mas na realidade, não era algo difícil de
entender.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 175 ⊱

Depois de um tempo, ele parecia estar pensando nas implicações.


“Então, o que isto significa é que, amanhã à noite, mesmo se o
valor da pirita no mercado subir, eu ainda vou receber o que eu teria
conseguido ao preço de hoje.”
“Correto. Por exemplo, se eu te vender um único pedaço de pirita
no valor de mil e duzentos irehd na margem esta noite, mesmo se o
preço amanhã for de dois mil irehd, eu ainda tenho que te dar a pirita.”
“...E o contrário, se o valor cair para duzentos irehd até amanhã,
eu ainda receberei a mesma quantidade, apesar de ter pago mil e
duzentos na noite anterior.”
“Correto.”
O garoto era esperto.
No entanto, Lawrence ainda se preocupava se Amati entenderia o
verdadeiro significado das transações de margem.
Em certo sentido, elas não eram diferentes de quando um
mercador vendia uma mercadoria no local.
Se o preço de um bem estava a subir depois de ter sido vendido,
um mercador iria se arrepender por não esperar para vendê-lo. Da
mesma forma, se caísse, ele ficaria aliviado por ter conseguido um
acordo melhor.
Mas o intervalo de tempo entre a operação em dinheiro e a
transação de mercadorias era um passo importante.
Lawrence queria que Amati entendesse isso.
Se Amati não conseguisse ver o significado disso, muito
provavelmente ele rejeitaria a proposta.
Amati falou.
“Como isso é diferente de uma transação normal?”
Ele não entendeu.
CAPÍTULO IV ⊰ 176 ⊱

Lawrence sufocou o impulso de estalar sua língua em irritação e


se preparou para dar uma explicação sobre a margem de compra.
Mas Amati o cortou antes que ele pudesse começar.
“Não, espere. É diferente.” Amati sorriu em compreensão, seu
rosto jovem representava em cada centímetro um mercador que
calculava ganhos e perdas. “Você, Sr. Lawrence, está tentando obter
algum lucro, apesar de ter chegado tarde ao jogo. Estou certo?”
Parecia que a explicação seria desnecessária.
Um mercador não iria propor um acordo sem sentido. Ele só
parecia sem sentido quando visto com ignorância.
Amati continuou “Se a compra na margem permite que você
obtenha uma mercadoria sem ter o dinheiro na mão, então vender na
margem te permite ganhar dinheiro sem ter o produto na mão.
Compra na margem produz lucro quando os bens aumentam de preço,
mas vender na margem permite lucrar quando o valor de mercado dos
bens cai.”
Ao vender na margem, não é preciso ter os bens em mãos até que
eles sejam entregues, uma vez que o acordo foi feito com a promessa
de entregar as mercadorias em um momento posterior.
“Este é um bom negócio, sem dúvida. Parece que meu foco em
peixes me deixou ignorante. Você me escolheu para este negócio, por
que... Não, não é preciso dizer. Se eu comprar quinhentas moedas de
prata em pirita com você, eu ganharia se o valor de mercado da pirita
subisse, mas se ele cair, minhas perdas aumentam. Quando você lucra
— é quando eu perco.”
Amati estufou seu peito, com o rosto cheio de confiança.
Lawrence estava ciente de sua expressão idêntica.
Sua mão tremia sobre a corda do arco.
Amati continuou, “Então, em outras palavras, isto é—”
Lawrence o cortou e deixou a flecha voar.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 177 ⊱

“Sr. Amati, estou te desafiando para um duelo.”


Os lábios do peixeiro se curvaram em um sorriso.
Era um sorriso de mercador em cada centímetro.
“Certamente isso não pode ser chamado de um ‘duelo.’ Um duelo
pressupõe que ambos os lados são iguais, mas nós não somos iguais.
Tenho certeza de que você não está sugerindo que essa transação seja
significativa apenas entre nós dois?”
“E com isso você quer dizer...?”
“Certamente você não pretende conduzir o negócio sem um
certificado, e eu suponho que este certificado possa ser vendido para
outra pessoa, certo?”
Fora das áreas remotas, era bastante comum as obrigações de
dívidas serem compradas e vendidas.
Certificados de venda em margem não eram exceção.
“Eu não esperei que você aceitasse a minha proposta,” respondeu
Lawrence. “Seria um risco muito grande pra você, você nunca
aceitaria.”
“Isso mesmo. Mesmo supondo que o valor da pirita caia até
amanhã à noite, como você está prevendo que vai, desde que ele atinja
o valor que preciso em algum momento durante o dia, eu vou vender
o certificado. Se não for permitido que eu faça isso, duvido que eu
aceite o acordo. Mas mesmo que eu tenha essa possibilidade, o negócio
continua injusto.”
Lawrence ouviu em silêncio enquanto Amati continuou.
“É injusto com você, Sr. Lawrence, uma vez que tudo o que eu
preciso é de um ligeiro aumento no preço da pirita para alcançar meu
objetivo. Ainda assim, não posso aceitar um negócio que se incline a
seu favor.”
Então, de qualquer forma, Amati não estava disposto.
CAPÍTULO IV ⊰ 178 ⊱

Mas nenhum mercador que se preze desistiria após uma única


recusa.
Lawrence se acalmou e respondeu.
“Isso pode ser verdade, se você olhar para essa transação por si só,
mas se prestar atenção verá que a quantidade de injustiça é na verdade
bastante justa.”
“...E com isso você quer dizer...?”
“O que eu quero dizer é que é possível que Holo simplesmente
rasgue o certificado de casamento. Presumo que você tenha uma
cópia?”
Amati empalideceu.
“Mesmo que você me pague as mil moedas de prata para pagar a
dívida de Holo, não há nenhuma maneira de que você possa evitar o
risco de ela simplesmente balançar a cabeça negativamente.
Comparado a esse risco, a injustiça marginal que eu enfrento não é
nada.”
“Hah. Você não acha que a preocupação é infundada? Soube que
teve uma briga feia com ela,” Amati revidou com um grunhido e uma
risada.
Lawrence sentiu seu corpo esquentar como se fosse empalado por
trás com uma barra de ferro em brasa, mas ele convocou cada grama
de seu autocontrole de mercador e não revelou nada. “Em nossas
viagens juntos, Holo chorou nos meus braços três vezes.”
Era agora o rosto de Amati que traía sua emoção.
Ele tinha um sorriso, mas seu rosto agora estava congelado, e ele
deu um suspiro longo e lento.
“Ela é de fato muito charmosa,” continuou Lawrence. “Porém, é
uma pena que ela geralmente é tão teimosa quanto uma mula. Ela
sempre diz e faz coisas que são contrárias aos seus verdadeiros
sentimentos. Em outras palavras —”
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 179 ⊱

Amati interrompeu Lawrence com força, como um cavaleiro


desafiado para um duelo.
“Eu aceito!! Eu aceito a sua proposta, Sr. Lawrence.”
“Tem certeza?”
“Digo mais uma vez: eu aceito. Eu estava... se me permite, eu
estava preocupado em ser muito cruel tirar absolutamente tudo de
você, Sr. Lawrence. Mas se é isto que você quer, eu aceito. Eu vou
tirar de você a sua fortuna e tudo o que você tem!”
O rosto de Amati estava vermelho de raiva.
Lawrence teve que sorrir.
Quando ele estendeu a mão direita para Amati, seu sorriso era o
de um caçador que chega na armadilha para pegar sua presa. “Então
você vai aceitar esses termos?”
“Irei!”
As duas mãos que se agarram firmemente planejavam tirar tudo
uma da outra.
“Nesse caso, vamos assinar o contrato e acabar com isso.”
Lawrence permaneceu de cabeça fria e chegou a uma conclusão.
Os dois, Lawrence e Amati, estavam em pé de igualdade quando
negociaram neste momento. Amati pode até estar assumindo um risco
levemente maior.
Mas estava longe de estar claro se Amati percebia isso. Não, era
justamente porque ele não tinha percebido que ele estava disposto a
concordar.
Mas, mesmo se ele fosse perceber agora, seria tarde demais.
Eles, pegaram emprestado a caneta e o papel do taberneiro e
assinaram o contrato no local.
Amati não tinha as quinhentas moedas de prata, portanto
Lawrence o deixou substituir as duzentas moedas restantes por três
CAPÍTULO IV ⊰ 180 ⊱

cavalos. A moeda seria entregue pela manhã no toque dos sinos do


mercado. Os cavalos logo à noite.
Se a informação de Holo fosse verdadeira, Amati tinha duzentas
moedas de prata, pirita no valor de trezentas moedas de prata, e mais
duzentas moedas de prata em bens vendáveis.
Evidentemente, ele devia ter mais do que uma centena de moedas
de prata além disso, e as duzentas moedas de prata em bens vendáveis
eram claramente os três cavalos.
Tudo isso fez com que Amati tivesse o equivalente a oitocentas
moedas de prata em pirita.
Se o valor da pirita aumentasse em até 25 por cento, ele teria mais
do que as mil moedas de prata que ele precisava. Se Amati tivesse mais
recursos que Holo havia relatado, o preço não precisaria subir muito.
“Então nós vamos resolver isso amanhã à noite,” disse Amati,
visivelmente animado quando o selo final foi carimbado no papel.
Lawrence assentiu calmamente.
Tudo o que ele tinha a fazer era falar que Holo tinha chorando em
seus braços.
Mercadores realmente eram inúteis, uma vez que os assuntos
desviavam dos negócios.
“Então vou me despedir. Aproveite o seu vinho,” disse Lawrence
uma vez que o contrato estava assinado e completo.
A flecha foi verdadeiramente enterrada no peito de Amati. Amati
deve ter sentido isso, mas havia algo que Lawrence deixou de
mencionar.
A flecha tinha derrubado um veneno de ação lenta conhecido
apenas por aqueles que estavam familiarizados com a margem de
venda.
A caça do mercador estava entre a verdade e o engano.
Não havia nenhuma obrigação de dizer toda a verdade.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 181 ⊱

Os mercadores eram todos traiçoeiros.

Assim que ele terminou o contrato de venda com margem de


Amati, Lawrence foi direto para o mercado.
Embora o horário comercial tivesse acabado muito tempo atrás, o
mercado estava tão animado quanto esteve durante o dia. Os
mercadores bebiam vinho e faziam uma festa em plena luz da lua, e as
festividades logo se estenderam para incluir os vigias noturnos.
Era assim que Mark ainda estava, em sua tenda e não em casa,
como costumava estar em um horário tão tardio.
Ele estava bebendo sozinho, apenas com o ruído das festividades
de companhia para o vinho, provando que uma vez ele já foi um
mercador itinerante.
“O que é isso? Será que a princesa não exige uma escolta?” Foram
as primeiras palavras que saíram da boca de Mark.
Lawrence deu de ombros, sorrindo tristemente.
Mark riu. “Bem, não importa — tome uma bebida,” ele disse,
derramando cerveja a partir de uma garrafa de barro em um copo
vazio.
“Eu não estou incomodando?”
“Você vai estar se continuar sóbrio!”
Lawrence se sentou na cadeira de madeira serrada e deixou de
lado o saco contendo moedas de ouro e prata. Ele levou a cerveja
oferecida aos lábios. Sua fragrância espumosa encheu sua cabeça
enquanto o material amargo molhou sua garganta.
Os lúpulos foram bons nesta safra.
Lawrence supôs que era normal um mercador de trigo conhecer
uma boa cerveja.
“É uma cerveja boa.”
CAPÍTULO IV ⊰ 182 ⊱

“Tem sido uma boa colheita este ano para todo o trigo. Quando
há uma má colheita, a cevada, que normalmente vai para a cerveja é
colocada no pão. Vou ter que agradecer ao deus da colheita.”
“Hah, sim,” disse Lawrence, colocando o copo cerveja em cima
da mesa.
“Olha, esse pode não ser o melhor assunto para acompanhar uma
boa cerveja, mas...”
Mark engoliu em seco e arrotou. “Envolve lucro?”
“É difícil dizer. Pode haver um ganho, apesar de não ser meu
objetivo.”
Mark colocou um pedaço de peixe salgado na boca, falando
enquanto mastigava.
“Você é muito honesto, amigo. Deveria dizer que envolve. Eu
teria prazer em te ajudar.”
“Eu vou te pagar pelo esforço, e ainda pode haver lucro nisso.”
“Diga.”
Lawrence limpou um pouco de espuma do canto de sua boca.
“Depois que o festival termina é quando a compra de trigo
realmente começa, não é?”
“Oh, sim.”
“Eu gostaria que você espalhasse um boato para mim.”
A expressão de Mark ficou séria, como se estivesse avaliando
trigo. “Eu não vou fazer nada arriscado.”
“Pode ser arriscado para você espalhar, mas seu aprendiz pode
fazer isso sem nenhum problema.”
Era um rumor insignificante.
Mas os boatos podem exercer um poder terrível.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 183 ⊱

Havia um conto de um reino há muito tempo que se destruiu por


causa de um simples boato de que o rei estava doente, que foi iniciado
por um jovem rapaz da cidade. O rumor eventualmente circulou além
das fronteiras do reino, levando à dissolução de alianças e, finalmente,
à invasão.
Acontece que as pessoas não têm muito o que falar sobre suas vidas
diárias.
Parecia que seus ouvidos só existiam para pegar pequenos
rumores, para então poderem gritar para o mundo.
Mark fez um gesto com o queixo, como se dissesse: “Continue.”
“Ao meu sinal, eu quero alguém comece dizer que parece que está
na hora do preço do trigo subir.”
Mark congelou, seus olhos desviaram de Lawrence. Ele estava
considerando as implicações do que Lawrence tinha dito.
“Você está tentando baixar o preço daquele mineral.”
“Exatamente.”
Lawrence imaginou que a maioria das pessoas que estavam
tentando pôr suas mãos no negócio da pirita tinha chegado à cidade
para vender alguma coisa, e eles estariam comprando algo antes de
saírem.
E quando eles saíssem, o produto que iriam comprar na maioria
das vezes, sem dúvida alguma, era o trigo.
Se as pessoas ouvissem que o trigo estava subindo de preço, eles
certamente venderiam suas piritas a fim de comprar o que tinham
originalmente vindo à cidade para comprar.
E, como resultado, a demanda por pirita iria cair.
Quando o preço caísse, com menos demanda, chegaria a um certo
ponto e depois mergulharia de forma incontrolável para baixo.
CAPÍTULO IV ⊰ 184 ⊱

O mercador de trigo bebeu profundamente do seu copo de


cerveja antes de falar. “Eu nunca imaginaria que você viria com uma
ideia tão simples.”
“E se eu te dissesse que estou planejando vender uma quantidade
considerável de pirita ao mesmo tempo?”
Mark piscou, e após de um momento de reflexão, ele perguntou
“Quanto?”
“No valor de mil moedas trenni.”
“O quê—! Mil? Você está louco? Você tem alguma ideia de
quanto você pode perder no processo?”
Mark fez uma careta e coçou a barba, murmurando enquanto
olhava para Lawrence. A julgar pela sua reação, ele não tinha ideia do
que Lawrence estava pensando.
“Desde que eu tenha pirita equivalente a quinhentas moedas de
prata quando tudo isso acabar, não importa se o preço subir ou cair.”
Era Amati que tinha o maior risco no negócio que Lawrence estava
fazendo.
E esta foi a razão.
“Maldito. Você está vendendo na margem, não é?”
Obviamente, ninguém reclamaria quando uma mercadoria que
tinha em mãos subisse de preço, mas não havia muitas situações em
que alguém não se importaria se os seus bens perdessem valor.
Se os produtos vendidos na margem forem depreciados, tudo o
que tinha a fazer era recomprar o produto com o preço inferior, para
garantir o lucro.
Se o produto aumentou de valor, desde que ficasse pareado com
uma operação convencional, Lawrence poderia criar uma situação
onde ficaria com o mesmo valor.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 185 ⊱

Sua vantagem decisiva era a queda do preço da pirita, uma vez que
era vendida em grandes quantidades, mas Amati precisava
necessariamente que o preço subisse para conseguir lucrar.
O plano de Lawrence era, em essência, usar as quinhentas moedas
de prata que tinha recebido de Amati, mais seus próprios recursos para
comprar o máximo de pirita possível; em seguida, ele iria vendê-lo de
uma só vez, a fim de fazer o preço cair.
Só era possível fazer isto abandonando qualquer noção de lucro.
Mark, que já foi um mercador viajante, logo entendeu tudo —
inclusive quem era a vítima.
“Devo dizer que me sinto mal por aquele pobre peixeiro
ignorante.”
Lawrence deu de ombros em resposta.
Embora o plano parecesse perfeito, havia uma razão para que
Lawrence não estivesse completamente confortável com ele.
Não havia tal coisa como um plano perfeito.
“Você acha que ele entende o quanto é perigoso participar de um
negócio que não está acostumado,” disse Mark.
“Não — ele sabe os riscos, e ele aceitou. Eu expliquei.”
Mark deu uma risada rouca e continuou tomando sua cerveja.
“Então, era tudo o que você precisava?”
“Não, tem mais uma coisa.”
“Eu sou todo ouvidos.”
“Eu quero que você me ajude a comprar pirita.”
Mark olhou fixamente para Lawrence. “Você não assegurou uma
fonte antes de fazer o contrato de margem?”
“Não tive tempo. Você vai me ajudar?”
Esta era a falha em seu plano.
CAPÍTULO IV ⊰ 186 ⊱

Não importa o quão perfeito o plano fosse, sem todos os


componentes no lugar ele não daria em nada.
E o que Lawrence precisava fazer não era fácil.
Ele podia esperar até o amanhecer para comprar pirita no mercado
como qualquer outro mercador. Mas, se comprasse centenas de trenni
em pirita ao mesmo tempo, um aumento repentino no preço seria
inevitável.
Ele tinha que trabalhar nos bastidores e comprar pirita de forma
que a sua compra não perturbasse o valor de mercado.
Para fazer isso, a melhor forma seria fazer muitas pequenas
compras com vários mercadores na cidade.
“Os pagamentos serão efetuados em dinheiro. Vou chegar a pagar
acima do valor de mercado. Se a quantidade for suficiente, eu posso
até pagar em lumione.”
Se o trenni de prata era uma espada, então o lumione de ouro era
uma falange de lanças. Ao comprar mercadorias de valor elevado, uma
arma mais poderosa não existia.
Lawrence tinha moeda, mas lhe faltava conexões, e fora Mark, ele
não tinha ninguém a quem pudesse recorrer para pedir ajuda.
Se Mark recusasse, Lawrence não teria outra escolha senão reunir
pirita por conta própria.
Ele não podia sequer considerar o quão difícil seria comprar o
mineral da forma mais honesta nesta cidade, onde ele só fazia negócios
durante alguns dias no ano.
Mark estava imóvel, com o olhar perdido em alguma direção
incerta.
“Eu vou pagar pelo trabalho que vai dar,” acrescentou Lawrence.
Era claro que ele estava oferecendo mais do que uma simples taxa de
serviço.
Mark o encarou ao ouvir essas palavras.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 187 ⊱

Afinal, ele era um mercador. Não iria trabalhar de graça.


A resposta de Mark foi curta. “Eu não posso.”
“Ótimo, então... Espere, o quê?”
“Eu não posso,” ele disse de novo, olhando Lawrence nos olhos.
“O qu—”
“Eu não posso te ajudar com isso,” ele falou, sem rodeios.
Lawrence se inclinou para frente. “Eu vou te pagar uma quantia
considerável e não uma taxa de serviço insignificante. Você não tem
nada a perder. É um bom negócio, não é?”
“Eu não tenho nada a perder?” Ele franziu a testa, a barba de corte
quadrado fazendo seu rosto parecer ainda mais duro.
“Mas você não tem, não é? O que eu estou pedindo para você é
que me ajude a encontrar e comprar pirita, não arcar com um
investimento de risco. O que você tem a perder?”
“Lawrence.” O som do seu nome cortou Lawrence.
No entanto, Lawrence não entendia o que Mark estava pensando.
Não fazia sentido para um mercador recusar um acordo que prometia
uma recompensa considerável e sem risco.
Então por que a recusa?
Ele se perguntou se Mark estava tentando tirar vantagem dele, e
algo parecido com raiva revirou em suas entranhas.
Mark continuou “Você seria capaz de me pagar, digamos, dez
lumiones no máximo, estou certo?”
“Bem, já que você está simplesmente fazendo algumas compras
para mim, isso é mais do que generoso, eu acho. Não é como se eu
estivesse te pedindo para atravessar uma cadeia de montanhas sozinho
e trazer de volta o valor de uma caravana inteira de minério.”
“Mas você está me pedindo para ir no mercado e comprar pirita,
não é? Isso equivale à mesma coisa.”
CAPÍTULO IV ⊰ 188 ⊱

“Como é que—?” Lawrence parou de repente, batendo na cadeira


de madeira com um baque. Ele estava a ponto de agarrar o corpo do
mercador de trigo quando recuperou a compostura.
Mark não se comoveu.
Sua expressão de negócios também não mudou.
“Er — quero dizer, como é que a mesma coisa? De forma alguma
estou te pedindo para correr a noite toda ou para atravessar algumas
passagens traiçoeiras nas montanhas. Estou simplesmente te pedindo
para me ajudar a comprar pirita com suas conexões.”
“É a mesma coisa, Lawrence,” Mark falou pacientemente. “Você
é um mercador viajante que atravessa as planícies; minha luta é no
mercado. Os perigos que você vê, eles são os perigos de um mercador
viajante.”
“Então...” Lawrence engoliu seu protesto. O rosto de Mark
também estava tenso, como se tivesse engolido algo amargo.
Mark continuou, “Para um mercador da cidade, pegar todas as
chances de fazer um lucro rápido não é uma virtude. Fazer uma vida
estável através de um negócio honesto, confiável, isso faz a minha
reputação e não fazer grandes lucros com negócios secundários e
fugazes. Eu posso ser o proprietário desta barraca, mas a reputação não
é só minha, se estende à minha esposa, meus parentes e qualquer
pessoa ligada a mim. Ter um lucro extra certamente não é uma coisa
ruim...”
Mark fez uma pausa, dando outro gole na cerveja. Sua testa
franzida certamente não se devia ao gosto amargo da cerveja. “...Mas
ajudá-lo a encontrar e comprar quinhentos trenni de pirita é outra
questão. Como você acha que as pessoas da cidade irão me ver? Eles
vão pensar em mim como um vilão, que não se importa com o seu
verdadeiro negócio e só tem olhos para as riquezas fáceis. Você pode
me pagar o bastante para eu correr esse risco? Eu já fui um mercador
viajante, e eu me atreveria a dizer que as somas insignificantes que um
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 189 ⊱

mercador viajante consegue não podem ser comparadas com os valores


que os mercadores da cidade lidam.”
Lawrence não podia dizer nada.
Mark fez sua declaração final. “Esta loja pode parecer pequena,
mas o valor de seu nome é surpreendentemente alto. Se o nome for
manchado, dez ou vinte moedas de ouro estariam longe de ser o
suficiente para cobrir isso.”
Era uma afirmação convincente.
Lawrence não tinha nada a dizer em resposta e olhou para a mesa.
“Sinto muito velho amigo, mas não posso ajudá-lo com isso.”
Mark não estava nem se aproveitando nem zombando de
Lawrence.
Era simplesmente a verdade.
Lawrence viu que embora ele e Mark fossem mercadores, eles
viviam em mundos diferentes.
“Eu sinto muito,” Mark falou.
Lawrence ainda não tinha uma resposta.
Não valia nem a pena contar o número de aliados que ainda
restavam.
“N-não, eu que deveria pedir desculpas por pedir o impossível.”
Lawrence tentou pensar em quem mais ele poderia recorrer;
somente Batos veio à mente.
Já que Mark não iria ajudá-lo, Batos era a única opção.
Mas Lawrence se lembrou de quando Batos o avisou sobre o plano
de Amati, ele disse que o plano do garoto não era exatamente louvável.
Batos transportava minério através das passagens das montanhas
perigosas... ele, sem dúvida, considerava a compra e venda rápida de
pirita algo bastante odioso.
CAPÍTULO IV ⊰ 190 ⊱

Ele duvidava que Batos fosse ajudá-lo, mas Lawrence não tinha
escolha a não ser deixar de lado suas dúvidas e perguntar mesmo assim.
Lawrence se preparou e olhou para cima.
Foi só então que Mark falou novamente. “Então, mesmo o
elegante Lawrence fica assim às vezes, não é?”
O rosto de Mark não estava nem chateado nem divertido; ele
simplesmente parecia surpreso.
“Ah, desculpa,” Mark continuou. “Não fique com raiva. Parece
apenas incomum,” ele disse, se explicando às pressas. Lawrence
também ficou surpreso com seu próprio comportamento e estava
longe de ficar com raiva.
“Eu não posso dizer que estou surpreso que a sua companheira ser
quem ela é. Mas você não precisa fazer todo esse esforço para parar
Amati, não é? Certamente ela não vai deixá-lo tão facilmente. Pensei
em tudo isso na primeira vez que a vi ao seu lado. Tenha mais
confiança, cara!”
Mark finalmente sorriu, mas Lawrence estava inexpressivo
quando respondeu “Ela me deu um certificado de casamento assinado.
A outra parte é do Amati, naturalmente.”
Os olhos de Mark se arregalaram e ele percebeu que tinha dito a
coisa errada. Ele coçou a barba sem jeito.
Lawrence viu isso e afrouxou seus ombros. “Se nada tivesse
acontecido, com certeza, eu teria mais confiança. Mas alguma coisa
aconteceu.”
“Então, isso aconteceu depois que você veio aqui? Nós nunca
sabemos o que está um passo à frente na vida, não é? Mas você ainda
tem esperança, por isso ainda está lutando — entendo.”
Lawrence assentiu, Mark esticou o lábio inferior e suspirou.
“Mesmo assim,” Mark falou, “Eu sabia que ela era uma pessoa a
ser reconhecida, mas não posso acreditar que ela seja tão ousada...
Enfim, você tem alguma ideia do que fazer?”
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 191 ⊱

“Acho que vou falar com o Sr. Batos em seguida.”


“Batos, hein? Ah, então você está indo pedir para ele falar com a
mulher para você,” Mark murmurou.
“...A mulher?” Lawrence perguntou em resposta.
“Huh? Oh, então você não vai pedir para ele conversar com ela
para você? A cronista, quero dizer. Você a conheceu, certo?”
“Se você quer dizer a senhorita Diana, eu me encontrei com ela,
mas não vejo o que ela tem a ver com isso.”
“Desde que você não esteja preocupado com as consequências,
você pode tentar fazer negócios com ela.”
“Olha, do que você está falando?” Lawrence perguntou.
Mark olhou por cima do ombro de forma suspeita, em seguida,
baixando a voz, ele falou. “Ela praticamente coordena as regiões do
norte. Especialmente os alquimistas — você pode considera-la a porta
de entrada. É por causa dela que os alquimistas que conseguiram
escapar da perseguição se reuniram aqui, do nosso ponto de vista.
Naturalmente, apenas a nobreza local e os anciãos da Câmara
Municipal sabem os detalhes. Oh, e—”
Mark tomou um gole de cerveja e continuou: “Todo mundo sabe
que os alquimistas têm pirita, mas ninguém quer se envolver, então
ninguém faz negócios com eles. No caso do velho Batos, ele lida
principalmente com os alquimistas e raramente outras pessoas. Não
— é mais correto dizer que ele não pode lidar com qualquer outra
pessoa justamente porque ele lida com os alquimistas. Então, se você
puder arriscar o efeito colateral, fazer Batos falar com a mulher para
você é uma opção.”
Não estava claro para Lawrence se esta revelação súbita era a
verdade, mas Mark não tinha nada a ganhar mentindo.
“Dependendo das circunstâncias, pode valer a pena tentar. O
tempo está se acabando, não é?”
CAPÍTULO IV ⊰ 192 ⊱

Era patético, mas Lawrence teve que admitir que com a recusa de
Mark para ajudá-lo, a situação era bastante desesperadora.
“Estou realmente muito contente que você veio pedir a minha
ajuda, mas isso é tudo que eu posso fazer por você,” disse Mark.
“Não, eu agradeço. Eu quase deixo passar uma grande
oportunidade.”
Até mesmo Lawrence sentia que a razão da recusa de Mark era
completamente justificada.
Mark era um mercador da cidade e Lawrence era um mercador
viajante. As capacidades e limitações de cada um eram naturalmente
muito diferentes.
“Eu sei que eu recusei você... mas estarei orando por seu sucesso.”
Agora era a vez de Lawrence sorrir. “Você me ensinou algo
valioso. Só isso já valeu a pena o meu tempo,” ele disse com toda a
sinceridade. No futuro, quando ele lidasse com os mercadores da
cidade, Lawrence teria essa experiência de apoio. Era algo realmente
valioso.
Lawrence não sabia se isso era ou não uma resposta às suas
palavras, mas Mark coçou a barba ruidosamente.
Ele franziu a testa e olhou para o lado enquanto ele falava. “Eu
posso não ser capaz de ajudá-lo diretamente, mas posso ser capaz de
sussurrar a condição da carteira de alguém em seu ouvido.”
Lawrence estava visivelmente surpreso, com isso Mark fechou os
olhos.
“Venha na loja mais tarde. Pelo menos posso te dizer de quem
comprar.”
“...Muito obrigado, de verdade” Lawrence falou com toda a
honestidade.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 193 ⊱

Mark balançou a cabeça como se estivesse perdido, suspirando.


“Quando você faz essa cara, eu acho que entendo por que aquela garota
seria tão ousada.”
“...O que você quer dizer?”
“Ah, nada. Só que os mercadores devem manter a mente apenas
nos negócios.”
Lawrence queria que Mark (que estava rindo) se explicasse, mas
ele já estava se concentrando em Batos e Diana.
“Boa sorte para você,” disse Mark.
“Obrigado.”
O peito de Lawrence ainda estava apertado com a ansiedade, e se
ele estava indo negociar, quanto mais cedo fosse, melhor.
Ele agradeceu a Mark novamente e deixou a barraca de Mark para
trás.
Era comum dizer que o mercador viajante não tem amigos.
Enquanto caminhava pelas ruas, Lawrence decidiu que não era
verdade.

Lawrence se dirigiu diretamente para a guilda comercial.


Ele tinha dois objetivos: primeiro, descobrir se Batos tinha um
estoque de pirita em mãos ou quaisquer ligações para comprar
algumas, e segundo, fazer Batos levar ele até Diana.
Ele se lembrou da cena de Batos sobre o plano de Amati para
arrecadar dinheiro — não é totalmente louvável, ele tinha dito.
O homem carregava minério e pedras preciosas das minas pelas
mais perigosas trilhas nas montanhas. Ele pode muito bem achar este
negócio de especulação de pirita algo absolutamente vergonhoso.
Mesmo sabendo que poderia estar pedindo o impossível,
Lawrence ainda tinha que ir.
CAPÍTULO IV ⊰ 194 ⊱

Ele fez o seu caminho através dos becos até a sede da guilda,
fazendo vista grossa para o festival, que mesmo a esta hora tardia
continuava com uma atmosfera quase que excitante.
Ele finalmente chegou ao seu destino — uma rua repleta de
guildas comerciais. Todas as guildas tinham acendido as lanternas, e
havia grupos de pessoas dançando aqui e ali. Agora e alei, Lawrence
avistou funcionários continuado com as festividades, simulando as
batalhas de espadas desajeitadas.
Forçando seu caminho através da rua congestionada, Lawrence se
aproximou do prédio da Guilda Rowen de Comércio. Ele
silenciosamente deslizou pelas portas abertas e passou por entre os
membros da guilda que estavam bebendo por lá.
A delimitação entre aqueles que queriam beber tranquilamente lá
dentro, e aqueles que queriam se juntar ao clamor do lado de fora,
parecia bastante clara. Sob o brilho das lâmpadas de óleo com cheiro
de peixe, o Hall da guilda estava cheio de conversas tranquilas e risos
agradáveis.
Alguns pareceram notar a chegada de Lawrence e o olharam com
curiosidade, mas a maior parte estava totalmente preocupada em se
divertir.
Lawrence avistou o homem que estava procurando entre os
presentes e foi direto em sua direção.
O homem estava sentado em uma mesa com vários outros
mercadores mais velhos.
Sob a luz da lâmpada fraca, ele parecia um eremita.
Era Gi Batos.
“Peço desculpas por interromper sua celebração,” disse Lawrence
calmamente. Os mercadores mais velhos, com suas décadas de
experiência, imediatamente entenderam que ele estava aqui a
negócios.
Eles beberam o vinho em silêncio, olhando para Batos.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 195 ⊱

Batos sorriu brevemente. “Oh, olá Sr. Lawrence. O que posso


fazer por você?”
“Sinto que isso bastante repentino, mas preciso falar com você.”
“Sobre negócios, não é?”
Depois de uma breve hesitação, Lawrence assentiu.
“Vamos conversar para lá. Nós não podemos deixar que esses
velhotes roubem todo o nosso lucro.”
Os outros mercadores na mesa riram, levantando seus copos,
como se dissessem, “Vamos continuar sem você.”
Lawrence deu uma rápida reverência e depois seguiu Batos, que
foi mais para dentro da guilda.
Em nítido contraste com o animado saguão, os corredores da
guilda eram como becos, à luz da lâmpada logo não os alcançava e o
clamor de pessoas reunidas desaparecia como um fogo queimando em
uma praia distante do rio.
Batos parou e se virou. “Então, sobre o que é que você quer falar?”
Não havia nenhum motivo para rodeios. Lawrence falou de forma
simples e direta. “Eu estou tentando colocar minhas mãos em pirita.
Estou à procura de alguém com um estoque, e eu pensei que você
poderia ter alguma ideia de por onde começar.”
“Pirita?”
“Sim.”
Os olhos de Batos eram de um azul escuro que beirava a preto.
Eles pareciam cinza sob a luz amarela e fraca da lâmpada.
Aqueles olhos fitavam Lawrence uniformemente.
“Você tem alguma dica?” Lawrence perguntou novamente.
Batos suspirou e esfregou os olhos. “Sr. Lawrence, você—”
“Sim?”
CAPÍTULO IV ⊰ 196 ⊱

“Você se lembra do que eu disse quando falei sobre o que o jovem


Amati estava planejando?”
Lawrence concordou imediatamente. É claro que ele se lembrava.
“Não só isso, me lembro de que a senhorita Diana odeia discussões
de negócios.”
Batos tirou a mão de seus olhos e depois parou, seu olhar pela
primeira vez era o que se esperava de um mercador.
Era o olhar de um homem cuja vida foi dedicada à segurança do
transporte de mercadorias através incríveis adversidades, sem se
preocupar com o quanto de lucro seria feito.
Aqueles olhos pareciam de alguma forma, como os de um lobo.
“Então você está de olho no estoque do alquimista, não é?”
“Isso facilita essa conversa — sim. No entanto, ouvi dizer que sem
a permissão da senhorita Diana, nenhum negócio pode ser feito. É por
isso que eu vim falar com você.”
Lawrence de repente se lembrou de quando ele estava apenas
começando como um mercador — sem conexões, ele visitava sem
aviso prévio e dizia o que fosse preciso para aumentar o seu negócio.
Os olhos de Batos se ampliaram ligeiramente em surpresa, antes
de forçá-los de volta à sua expressão habitual. “A pirita é tão lucrativa
que mesmo sabendo de tudo isso, você ainda deseja lidar com eles?”
“Não, não é isso.”
“Então... você quer saber a sua sorte ou afastar alguma doença
com a pirita, como os rumores dizem?” Batos sorriu com indulgência,
como se estivesse brincando com uma criança crescida. Era a sua
maneira de provocar.
Lawrence não estava nem zangado nem impaciente.
Se fosse para seu próprio ganho, um mercador poderia olhar para
uma balança pendendo a noite toda se fosse preciso. “Eu estou agindo
pelo meu próprio interesse. Não vou negar.”
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 197 ⊱

Batos olhou com os olhos arregalados, imóvel.


Se ele fosse rejeitado aqui, sua melhor chance de encontrar um
estoque de pirita teria falhado.
Lawrence não tinha o luxo de permitir que isso acontecesse.
“Mas não porque estou tentando lucrar com a pirita. Meu objetivo
é mais... mais básico.”
Batos não o interrompeu, e Lawrence tomou isso como uma deixa
para continuar.
“Sr. Batos, você é um mercador viajante, então certamente já teve
momentos em que seus bens que estava transportando caíram em uma
fenda.”
O silêncio continuou.
“Quando a nossa carroça afunda num lamaçal, pesamos a
dificuldade de salvá-la contra a de abandoná-la para a lama. O valor
dos bens, o ganho, a quantidade de dinheiro na mão, o custo de
obtenção de assistência — até mesmo o perigo de ser atacado por
bandidos — nós pesamos tudo e decidimos se abandonamos a carga ou
não.”
Batos falou devagar. “E você se encontra nesta situação agora, não
é?”
“Sim.”
A visão aguçada de Batos aparentava poder ver até o final de uma
estrada escura.
Ele viajou pelo mesmo caminho por toda a vida e foi até Diana
para ouvir contos de estradas que não tinha tomado.
Aqueles olhos certamente veriam através de qualquer mentira.
Mas Lawrence não vacilou.
Ele não estava dizendo nenhuma mentira.
CAPÍTULO IV ⊰ 198 ⊱

“Estou determinado a não abandonar a minha carga. Desde que eu


possa coloca-la de volta na minha carroça, não me importo de me
arriscar a enfrentar problemas.”
Batos imaginou qual era a “carga” e por que Lawrence estava tão
desesperado.
Mas o velho mercador apenas fechou os olhos, sem dizer nada.
Havia algo mais a dizer? Lawrence perguntou. E se ele pressionar
demais?
O riso que ecoava do hall soava irônico e zombeteiro.
Um tempo precioso estava sendo gastado.
Lawrence se preparou para falar.
E no último momento possível, ele parou.
Ele se lembrou de seu mestre dizendo que esperar era a arma mais
poderosa quando se pedia um favor para outra pessoa.
“Isso é o que eu queria ver,” disse Batos, naquele momento, com
um pequeno sorriso. “Um bom mercador que pode esperar, mesmo
que o tempo seja curto, quando essa é a única opção que resta para
ele.”
Lawrence percebeu que tinha sido testado; suor frio percorreu
suas costas, fazendo-o tremer.
“Claro, eu já fui mais impaciente nos velhos tempos.”
“Er...”
“Ah, sim. Eu não tenho nenhum estoque de pirita, sinto dizer.
Mas certamente os alquimistas têm.”
“Então —”
Batos assentiu levemente. “Tudo que você precisa dizer é ‘Eu vim
comprar uma caixa de penas brancas.’ Isso deve levá-lo até a porta. O
resto é com você. Você vai ter que ser muito inteligente com a Diana.
Duvido que alguém tenha comprado pirita por lá.”
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 199 ⊱

“Muito obrigado. Para te recompensar —”


“Desde que você conte outro bom conto, nós ficaremos quites. O
que você acha? Eu pareço tão digno quanto Diana?”
Batos sorriu infantilmente; Lawrence não pôde deixar de rir.
Batos continuou: “Você nunca sabe quando ela está dormindo,
então você deve ir para lá agora. E se você está indo, você deve ir logo.
Tempo é dinheiro e tudo mais.” Ele apontou para a parte de trás da
guilda comercial. “Se pegar o caminho por trás da guilda, você pode
sair sem responder as perguntas.”
Lawrence agradeceu a Batos e se dirigiu para o corredor. Ele
olhou para trás para ver o velho mercador ainda sorrindo.
Lá, de costas para a luz da lâmpada do hall, Batos parecia um
pouco com seu antigo mestre, Lawrence pensou.

Saindo da guilda e indo em direção ao norte, Lawrence logo deu


de cara com a parede de pedra.
Ele não teve a sorte de chegar na entrada, então correu ao longo
da parede por um tempo até que a encontrou, alavancando a porta e
deslizando para dentro.
É claro, não havia luzes, mas enquanto Lawrence corria, seus
olhos se adaptaram à escuridão, e como um mercador viajante que
acampava na estrada, ele estava acostumado a um pouco de escuridão.
No entanto, os raios de luz que passavam por entre as rachaduras
das portas de madeira do distrito, o miado de gatos à distância e o
súbito bater ocasional das asas de aves, eram muito mais perturbadores
do que haviam sido durante o dia.
Sem o senso de direção, comum entre os mercadores viajantes,
Lawrence poderia se perder e acabar correndo para longe com medo.
Quando ele finalmente encontrou a casa de Diana, seu alívio era
genuíno.
CAPÍTULO IV ⊰ 200 ⊱

Era como se tivesse chegado a uma cabine de lenhadores amigáveis


depois de uma longa caminhada através de uma floresta sinistra.
Mas do outro lado da porta, que Lawrence estava de frente, talvez
não fosse um amigo que iria recebê-lo.
Mesmo que tivesse conseguido a senha de Batos, quando
Lawrence pensava em sua conversa com Diana, ele sentia que ela
realmente odiava fazer negócios.
Ele se perguntava se seria realmente capaz de comprar alguma
pirita.
A incerteza cresceu em seu peito, mas ele respirou fundo e se
aproximou da porta.
Ele tinha que obter o mineral.
“Com licença, tem alguém em casa?” Lawrence perguntou
hesitante, batendo de leve na porta.
O silêncio da casa de alguém que está dormindo é sutilmente
diferente do silêncio de quando ninguém está em casa.
Quando é o primeiro, era difícil de levantar a voz.
Não houve reação por trás da porta.
Um pouco de luz brilhou por entre as fendas, por isso, mesmo
que Diana estivesse dormindo, ela parecia estar lá.
A cidade tinha uma punição severa para aqueles que deixavam as
lâmpadas acesas enquanto dormiam, mas era difícil imaginar as
patrulhas noturnas se aventurarem neste distrito.
Assim como Lawrence estava prestes a bater na porta outra vez,
ele ouviu alguém se mover por trás dela.
“Quem é?” A voz parecia sonolenta, cansada.
“Peço desculpas por incomodá-la nesta hora tardia. Sou
Lawrence, eu te visitei ontem com o Sr. Batos.”
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 201 ⊱

Uma breve pausa, em seguida, ele ouviu o farfalhar de tecido.


Logo a porta se abriu bem devagar.
A luz saia para fora da casa, juntamente com o ar de dentro da
sala.
Os olhos de Diana estavam irritados e sonolentos.
Ela usava o mesmo estilo de vestes de quando ele a visitou antes.
Sendo uma ex-freira, ela provavelmente usava esse estilo durante o
ano todo, de manhã e à noite, o que tornava impossível para Lawrence
dizer a partir de seu vestido se ele a tinha acordado.
Em todo o caso, era extremamente rude visitar uma mulher que
vive sozinha no meio da noite; Lawrence sabia disso, mas ele falou sem
hesitação.
“Eu sei que é muito rude, mas eu tinha que vir.” Ele continuou:
“Eu gostaria de comprar uma caixa de penas brancas.”
Os olhos de Diana se estreitaram por um momento ao ouvir a
senha que Batos havia dito para Lawrence. Ela se moveu para o lado e,
em silêncio, fez um gesto para ele entrar.
O interior de sua casa — que estava livre do mau cheiro de
enxofre — parecia estar ainda mais confusa do que tinha estado no dia
anterior.
Mesmo o único vestígio de organização do quarto — as estantes
— estavam uma bagunça, com a maioria dos livros agora fora das
prateleiras, deixados abertos, com suas páginas encarando o teto.
E havia ainda mais canetas de pena brancas espalhadas do que
antes.
“Meu Deus, tantos convidados todos no mesmo dia. O festival
realmente atrai todo o tipo de pessoa,” disse Diana, para si mesma. Ela
se sentou e, como antes, ela não ofereceu uma cadeira para Lawrence.
Lawrence estava prestes a se sentar de qualquer maneira em uma
das cadeiras não atulhada por coisas, mas então ele percebeu algo.
CAPÍTULO IV ⊰ 202 ⊱

Tantos convidados.
Então havia pessoas que vieram antes de Lawrence.
“Imagino que tenha sido o Sr. Batos que te disse para pedir uma
caixa de penas brancas?”
Lawrence ainda estava preocupado com quem tinha vindo aqui
antes, mas ele balançou a cabeça para esquecer isso por um momento.
“Ah, sim. Lamento dizer que forcei o assunto e fiz ele me dizer como
falar com você...”
“Meu Deus, é mesmo? É difícil imaginar alguém forçar Batos fazer
qualquer coisa,” Diana falou com um sorriso divertido.
Lawrence não tinha nada a dizer sobre isso.
Suas personalidades eram diferentes, mas algo em Diana lembrava
Lawrence de Holo.
“Então, qual é o negócio que é tão urgente que você conseguiu
convencer aquele velho teimoso?”
Havia uma boa quantidade de pessoas que desejavam as habilidades
e produtos que os alquimistas possuíam por uma variedade de razões.
Diana era uma barragem que avaliava esses desejos.
Lawrence não sabia por que, mas Diana — sentada em sua cadeira
e olhando para ele uniformemente — de alguma forma, parecia como
um grande pássaro, guardando seus ovos com asas de ferro.
“Eu preciso comprar pirita,” disse Lawrence, apesar de ter sido
esmagado pelo semblante de Diana.
Diana colocou uma mão branca no rosto. “Ouvi dizer que o preço
subiu bastante.”
“Não é —”
“É claro, o Sr. Batos nunca teria ajudado você se fosse algo tão
simples como mero lucro. Portanto, deve haver alguma outra razão,
não?”
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 203 ⊱

Ele sentia que Diana estava sempre um passo à frente dele. Ela era
mais rápida do que Lawrence e parecia totalmente disposta a
demonstrar isso.
Não devo ficar com raiva, Lawrence disse a si mesmo. Ele estava
sendo testado.
Ele assentiu com a cabeça. “Não é para negócios. Preciso pirita
para um duelo.”
Os olhos de Diana se estreitaram enquanto ela sorria. “Um duelo
com quem?”
“É —”
Ele hesitou em mencionar o nome de Amati. Não porque ele
pensou que seria inapropriado.
Foi porque ele se perguntou se Amati era seu verdadeiro
adversário neste duelo.
Ele balançou a cabeça. “Não, é —” Lawrence voltou a olhar para
Diana. “É contra a minha carga.”
“Sua carga?”
“Um mercador viajante é sempre inimigo da sua carga. Estimar
seu valor, o planejamento para o seu transporte, decidir sobre seu
destino. Se ele errar em sequer uma dessas coisas, ele a perderá. Neste
exato momento, estou tentando recuperar uma peça que caiu da minha
carroça. Tendo reavaliado o valor, o transporte e o destino, tenho
percebido que esta é uma carga que não posso me dar ao luxo de
perder.”
A franja de Diana vibrou no que parecia ser a brisa — mas não,
era sua própria respiração quando ela exalava.
Ela sorriu suavemente e pegou uma caneta de pena que estava a
seus pés.
“Comprar uma caixa de penas brancas não é nada mais do que uma
senha glorificada. Tudo isto significa que eu não me importo, desde
CAPÍTULO IV ⊰ 204 ⊱

que eu seja capaz de ter um pouco de diversão. Será que um pássaro


não deixa cair penas quando bate suas asas animadamente? Sou a minha
senha para algumas pessoas me ajudarem a escolher meus visitantes
com cuidado, então tudo o que preciso fazer é olhar para eles para
perceber. Se é apenas pirita que você deseja, você pode comprar o
quanto quiser.”
Lawrence ficou de pé. “Obriga—”
“No entanto,” Diana falou, interrompendo-o. Lawrence, de
repente teve uma sensação muito ruim.
Vários visitantes em um único dia. Uma cadeira sem ter nada
empilhada sobre ela.
Não pode ser — as palavras negras flutuavam na mente de
Lawrence.
O rosto de Diana era agora de desculpas. “Outro alguém já
comprou pirita.”
Assim como ele temia.
Ele fez imediatamente as perguntas que qualquer mercador
gostaria de fazer.
“Quanto eles compram? E a que preço?”
“Se acalme. O cliente em questão comprou a crédito e foi embora
sem a pirita. Pode-se dizer que ele simplesmente fez um pedido. Pela
minha parte, eu não me importaria em deixar você ter o material em
seu lugar. Vamos tentar negociar com a primeira parte, não é? Quanto
à quantidade, eu me lembro de ser dezesseis mil irehd no valor do
mercado atual.”
Isso era quatrocentos trenni. Se ele pudesse adquirir tanto assim,
seria uma benção gigante para seus planos. “Eu entendo. Você pode
me dizer quem é o comprador...?”
Se Diana fosse dizer que era Amati, as esperanças de Lawrence
seriam anuladas.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 205 ⊱

Mas ela apenas balançou a cabeça ligeiramente. “Eu vou lidar com
a negociação. Por razões de segurança, não permitimos que os outros
saibam a identidade de quem faz negócios com alquimistas.”
“M-mas—”
“Você tem alguma objeção?” Ela sorriu friamente.
Lawrence estava aqui para pedir um favor; ele só poderia
permanecer em silêncio.
“Você disse que este é um duelo, então eu presumo que as
circunstâncias não são comuns. Vou ajudar você em tudo o que posso
e deixar você saber os resultados o mais rápido possível. Onde eu serei
capaz de encontrá-lo amanhã?”
“Ah, er... no mercado em frente ao estande do vendedor pedra.
Estarei lá o tempo todo enquanto o mercado estiver aberto. Caso
contrário, se você entrar em contato com Mark, o vendedor de trigo,
sua localização é...”
“Eu conheço o lugar. Vou mandar um mensageiro assim que eu
for capaz.”
“Obrigado.” Lawrence não conseguia pensar em mais nada para
dizer.
No entanto, o fato é que, dependendo dos resultados das
negociações de Diana, ainda era possível que ele não seria capaz de
comprar qualquer pirita. As consequências seriam quase fatais.
Não havia muito o que dizer.
“Eu não hesitaria em pagar uma quantia considerável. Não posso
pagar o dobro do valor de mercado ou qualquer coisa assim, mas por
favor, informe a eles que serei muito generoso.”
Diana sorriu e acenou com a cabeça, se levantando da cadeira.
Lawrence percebeu que era hora de se despedir. O fato de que ele
não havia sido rejeitado depois de aparecer sem ser convidado a esta
hora ridícula já era um milagre.
CAPÍTULO IV ⊰ 206 ⊱

“Peço desculpas por aparecer assim de repente, a esta hora.”


“Não se preocupe. A noite e o dia não são diferentes para mim.”
De alguma forma, ele sabia que ela não estava brincando, mas ele
riu de qualquer modo.
“Desde que traga histórias interessantes, você poderia ficar a noite
toda e eu não me importaria nem um pouco.”
Suas palavras poderiam ter sido interpretadas como sedutoras,
mas Lawrence sabia que ela estava sendo sincera.
Infelizmente, ele já havia dito a única história interessante que ele
conhecia.
Em vez disso, uma pergunta apareceu espontaneamente em sua
mente.
“Tem alguma coisa errada?” Diana perguntou.
Lawrence parou com a ideia que o atingiu.
Atordoado, ele alegou que não era nada antes de se dirigir para a
porta.
A pergunta era absurda. Ele não poderia fazê-la.
“Ser tão misterioso ao sair da casa de uma mulher —
honestamente, você vai ter sorte se os deuses não o punirem,” Diana
falou de forma bastante feminina. Seu sorriso divertido o fez pensar
que ela realmente responderia qualquer pergunta que ele se importasse
em fazer.
E ela era, provavelmente, a única que podia responder.
Ele se virou para falar ao mesmo tempo em que estendia a mão
para a porta.
“Eu... tenho uma pergunta.”
“Pergunte o que quiser,” ela falou sem hesitar.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 207 ⊱

Lawrence limpou sua garganta. “Existe alguma história sobre


deuses pagãos... e humanos, que se... se apaixonaram e se tornaram
um casal?”
Ele sabia que não seria capaz de responder se Diana perguntasse
por que ele queria saber isso.
No entanto, apesar dos riscos, Lawrence tinha que perguntar.
Holo chorou, dizendo que se tivesse um filho, ela não estaria mais
sozinha.
Se isso fosse possível, ele queria dizer isso a ela e, talvez, dar a ela
uma pequena esperança.
Diana ficou surpresa por um momento com a pergunta, mas logo
recuperou a compostura e respondeu com uma voz lenta e calma.
“Existem muitas.”
“Sério?” Lawrence falou surpreso.
“Sim, por exemplo — ah, me desculpe, você está com pressa.”
“Ah, er, sim. Talvez outra hora... se não se importar, eu gostaria
muito de ouvir os detalhes.”
“Certamente.”
Felizmente, ela não pediu explicações do porque ele queria saber
disso.
Lawrence agradeceu profundamente e se preparou para deixar a
casa de Diana.
Assim que ele estava fechando a porta, ela pensou ouvi-la dizer
algo bem baixinho: “Boa sorte”
Quando ele se virou para perguntar, a porta já estava fechada.
Ela sabia do duelo entre ele e Amati?
Algo estava estranho nessa conversa, mas Lawrence não tinha
tempo para pensar nisso.
CAPÍTULO IV ⊰ 208 ⊱
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 209 ⊱

Em seguida, ele precisava voltar para a barraca de Mark e então,


procurar outras pessoas que pudessem possuir pirita em grandes
quantidades.
Ele tinha pouco tempo — e como se isso não fosse ruim o
suficiente, ele praticamente não tinha nenhuma pirita em mãos.
Se continuasse assim, nem seria uma competição. Seu único
recurso seria orar por intervenção divina.
Mesmo que isso significasse depender do seu amigo, Lawrence
esperava que Mark lhe desse alguns nomes, e mesmo que tivesse que
pagar mais do que valesse a pena, ele tinha que conseguir pirita.
Lawrence perguntou a si mesmo se suas negociações noturnas e
frenéticas lhe trariam para mais perto de Holo, e sua única resposta era
a incerteza.

Quando ele chegou na barraca de Mark, Lawrence o encontrou


sentado na mesma mesa, ainda bebendo cerveja, mas agora seu
aprendiz estava ao lado dele, devorando um pedaço de pão.
Assim que Lawrence pensou que era um momento estranho para
o menino jantar, Mark percebeu sua presença.
“Teve sorte?” ele perguntou.
“Apenas o que você vê,” disse Lawrence, acenando com a mão um
pouco enquanto olhava Mark nos olhos. “Falei com Diana, mas alguém
chegou primeiro. Não tem como dizer como isso vai acabar.”
“Alguém chegou lá primeiro?”
“Eu não tenho escolha a não ser depositar minhas esperanças no
que você me disser.”
Dada a disposição de Diana em cooperar, Lawrence adivinhou que
as chances eram de 70 em 30 disso funcionar.
Mas ele achava que agir como se não houvesse esperança faria
Mark ter um pouco de simpatia.
CAPÍTULO IV ⊰ 210 ⊱

Em sua conversa anterior com Mark, Lawrence tinha entendido


que o seu pedido de ajuda era um pouco irracional dada a perspectiva
de um mercador da cidade.
O que deixou como única opção um apelo emocional.
No entanto, a resposta de Mark demorou a chegar.
“Ah... sim, sobre isso.”
Lawrence ouviu a declaração evasiva com o sangue drenando do
seu rosto.
Mark bateu na cabeça do seu aprendiz, gesticulando com o
queixo. “Então? Vamos ouvir os resultados.”
O menino engoliu um pedaço de pão e rapidamente se levantou
da cadeira de madeira. “Se pagar em trenni de prata, então... trezentas
e setenta moedas em pi—”
“Não diga isso na frente de todo mundo!” Mark olhou em volta
rapidamente enquanto fechava a mão sobre a boca do menino. Se a
conversa fosse ouvida, seria um problema. “Então, é isso.”
Lawrence estava confuso.
Pagar em trenni? No valor de trezentas e setenta moedas?
“Ha-ha, eu não posso ajudar, mas gosto quando você faz essa cara.
Então, depois que você saiu, eu pensei sobre isso.”
Mark tirou a mão da boca do menino e pegou sua caneca de
cerveja, se divertindo.
“Recusei o seu pedido porque eu tenho uma reputação a zelar.
Qualquer outro mercador da cidade faria o mesmo. Mas mesmo eu
comprei algumas “coisinhas” para fazer algum dinheiro extra — e
muitos já fizeram o mesmo. A razão pela qual eu só posso comprar
uma quantidade limitada é que eu tenho muito pouco dinheiro em
mãos. O preço do trigo deve estar caindo já que as pessoas que
retornaram de suas viagens com bens não compraram trigo. E mesmo
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 211 ⊱

assim, as pessoas que vieram para vender trigo já estão vendendo, que
é para onde todo o meu dinheiro se foi. Então...”
Mark engoliu um pouco de cerveja, arrotando confortavelmente
antes de continuar.
“Então, e as pessoas que têm dinheiro? Eu não posso acreditar que
elas seriam capazes de resistir. Eles provavelmente comprarão você-
sabe-o-que em grandes quantidades nos bastidores. E aqui é onde você
precisa de um suporte. Sabe, esses mercadores não são lobos solitários
como você. Cada um tem o seu negócio, a sua posição e a sua
reputação. Eles compraram essas coisas, mas o preço tem subido tanto
que está ficando difícil vender. Tudo o que você precisa fazer é vender
um pouco para conseguir um lucro surpreendente, mas isso faz com
que alguns deles fiquem ainda mais nervosos. Então, o que acontece a
seguir? Tenho certeza que um homem inteligente como você pode
descobrir isso.”
Lawrence acenou com a cabeça depois de um momento.
Mark deve ter feito seu aprendiz correr por toda a cidade,
espalhando um rumor — um rumor que deveria ser mais ou menos
assim: Há um mercador viajante louco na cidade que quer comprar
pirita com dinheiro. Por que não aproveitar a oportunidade para dar
vazão a um pouco dessa pirita que não está vendendo?
Seria uma oportunidade perfeita para os mercadores.
E não havia dúvida de que Mark tinha assinado um contrato
prometendo uma taxa de serviço para intermediar a transação oculta.
Era brilhante — realizar um acordo com pirita sob o pretexto de
fazer um favor a alguém.
Mas ser capaz de reunir 370 moedas trenni — claramente havia
uma pressão para se vender no mercado.
“Então é isso. Se você quiser, vou mandar o menino espalhar o
rumor imediatamente.”
Não havia nenhuma razão para recusar.
CAPÍTULO IV ⊰ 212 ⊱

Lawrence desfez o laço do saco de estopa que tinha nas costas.


Mas então ele parou. “Mesmo assim —”
Mark olhou para ele com ar de dúvida.
Lawrence voltou a si e rapidamente pegou uma bolsa de moedas
de prata do saco e a colocou sobre a mesa. “Desculpe,” ele murmurou.
Mark parecia momentaneamente perdido com o estranho
comportamento de Lawrence. “Essa é a hora em que você me
agradece, certo?”
“Ah, sim, desc... não, quero dizer —” Lawrence de repente sentiu
como se estivesse falando com Holo. “Quero dizer, obrigado.”
“Bwa-ha-ha-ha! Se eu soubesse que você era um cara tão divertido,
eu teria... Na verdade, acho que não.”
Mark pegou a bolsa com as moedas de prata de Lawrence e
rapidamente olhou para ela; então ele desfez a corda e entregou o saco
a seu aprendiz, que rapidamente esvaziou o seu conteúdo e começou a
contar as moedas de prata.
“Você mudou,” Mark falou.
“...É mesmo?”
“Muito. Você não costumava ser um excelente mercador, mas sim
um mercador completamente às avessas. Você nunca pensou em mim
realmente como um amigo, não é?”
Mark estava certo. Lawrence não tinha resposta.
O vendedor de trigo apenas sorriu. “Mas e agora? Eu sou apenas
um mercador conveniente de se lidar?”
Lawrence ficou momentaneamente atordoado. Ele não poderia
concordar com esta declaração.
Se sentindo como se estivesse preso no centro de uma estranha
ilusão, ele balançou a cabeça negativamente.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 213 ⊱

“É por isso que eu nunca pude me contentar com a vida de um


mercador viajante. Mas há algo ainda mais interessante.”
Mark estava assim porque ele tinha bebido demais? Ou haveria
algum outro motivo?
Mark continuou, soando como se realmente estivesse se
divertindo. Seu rosto estava redondo como uma castanha agora, apesar
do corte quadrado de sua barba.
“Deixe-me perguntar uma coisa. Se você enfrentasse a
possibilidade de nunca mais me ver, você estaria correndo por toda a
cidade freneticamente como você está agora?”
O menino, que vivia cada dia com Mark como seu mestre, olhou
para os dois homens.
Lawrence achou tudo isso muito misterioso.
Embora ele certamente pensasse em Mark como um amigo, ele
não poderia acenar honestamente com a cabeça e dizer “sim” a essa
pergunta.
“Ha-ha-ha-ha. Bem, estou ansioso pelo futuro. Mesmo assim —”
ele fez uma pausa, depois continuou calmamente — “é pela sua
companheira que você está tão desesperado.”
Lawrence sentiu como se tivesse engolido alguma coisa quente e
sentiu isso indo para dentro do seu estômago.
Mark olhou para o aprendiz. “Isto é como um homem se parece
quando ele está obcecado por uma mulher. Mas é o ramo inflexível
que quebra em um vento forte.”
Um único ano sozinho era insignificante em comparação a meio
ano com uma companhia.
Então, quanto mais velho Mark era em comparação a Lawrence?
“Você não é diferente de mim. Você tem a maldição do mercador
viajante,” disse Mark.
“M-maldição?”
CAPÍTULO IV ⊰ 214 ⊱

“Mas está quase quebrada, que é o que está te tornando tão


divertido. Você não vê? Você começou a viajar com a sua companheira
por pura sorte?”
Holo tinha se escondido em sua carroça cheia de trigo enquanto
Lawrence passava pela aldeia dela.
Ter ficado tão próximo a ela era nada mais nada menos do que um
presente de boa sorte.
“Bwa-ha-ha! Me sinto como se estivesse olhando para mim mesmo
quando conheci Adele! Você tem a maldição, ok.”
Lawrence sentiu que finalmente entendeu.
Embora Holo fosse muito importante para ele, havia uma parte
dele que sempre preservava uma certa distância entre eles.
Ele não tinha percebido o quão cego ele tinha se tornado com as
coisas a sua volta por causa do Holo.
Era uma situação de desequilíbrio.
“A maldição... Você quer dizer que a famosa ‘queixa dos
mercadores viajantes’?”
Mark deu uma gargalhada, em seguida, bateu em seu aprendiz —
que tinha parado de trabalhar — na cabeça. “Os poetas vão te dizer
que o dinheiro não pode comprar o amor, e os padres lhe dirão que há
coisas mais preciosas do que o dinheiro. Mas se é assim, por que é que
trabalhamos tão duro para ganhar dinheiro? Para ganhar algo ainda mais
precioso?”
Lawrence tinha pensado tão pouco sobre o que exatamente Holo
era para ele, porque ela estava sempre ali ao lado dele.
Se a sua presença tinha sido algo que tinha ganhado apenas depois
de trabalhar muito, ele não teria sido tão desleixado.
Ele sempre acreditou que algo verdadeiramente precioso
precisaria de muito esforço para conseguir.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 215 ⊱

Se ela perguntasse para ele “O que eu sou para você?” agora,


Lawrence tinha certeza de que ele poderia responder.
“Ah, um belo conto que eu não conto há um longo tempo.
Combinado com a informação sobre as condições no norte do país, por
tudo isso, dez lumiones parecem uma pechincha!”
“Se você inventou tudo isso, será extorsão,” Lawrence falou
indignado. Mark só sorriu, o que, por sua vez, provocou um sorriso
em Lawrence.
“Espero que tudo corra bem para você.”
Lawrence assentiu, seu humor estava claro como um céu noturno
sem nuvens.
“Embora eu suponha que só depende de você como tudo isso vai
acabar...”
“Hm?”
“Ah, nada,” Mark falou com um aceno de cabeça. Ele apontou para
o menino, que tinha acabado de contar as moedas de prata. O aprendiz
era um modelo de competência quando fez os preparativos e ficou
pronto para partir em instantes.
“Certo, pode ir.” Mark enviou o aprendiz em sua tarefa e, em
seguida, se virou para Lawrence. “Então, onde você vai dormir esta
noite?”
“Ainda não decidi.”
“Bem, então —”
“Espere, eu decidi. Posso dormir aqui?”
Mark deu a Lawrence um olhar vazio. “Aqui?”
“Sim — você tem bastante sacos de trigo. Me empreste alguns.”
“Certamente eu posso te emprestar alguns, mas venha para minha
casa. Eu nem vou cobrar.”
CAPÍTULO IV ⊰ 216 ⊱

“Ah, mas isso vai trazer sorte.” A prática era algo que muitos
mercadores viajantes acreditavam.
Mark desistiu de pressionar o seu convite. “Eu vou voltar aqui,
amanhã ao amanhecer.”
Lawrence assentiu, e Mark levantou sua caneca.
“Um brinde aos seus sonhos.”
Lawrence percebeu que ele não tinha motivos para recusar.
awrence espirrou grandiosamente.
É claro, não fazia diferença quando ele viajava sozinho,
mas ultimamente ele tinha uma certa companheira
atrevida e irritante, então Lawrence sempre tomava
cuidado ao espirrar. Agora, no entanto, parecia que ele tinha relaxado
— por isso o espirro.
Ele freneticamente verificou para ver se a outra ocupante do
cobertor ainda estava dormindo — só para perceber que o outro lado
estava frio.
E então ele se lembrou de que estava sozinho, dormindo sobre os
sacos de trigo próximos a tenda de Mark.
“...”
CAPÍTULO V ⊰ 218 ⊱

Ele tentou se preparar para isso, afinal, ele tinha escolhido dormir
sozinho, mas ao acordar, ele ainda sentia uma enorme sensação de
perda.
Lawrence estava acostumado com alguém ao seu lado quando
acordava.
Ele rapidamente se tornou tão acostumado com isso que só agora
se deu conta de seu valor.
Lawrence superou sua relutância em sair de seu cobertor quente
e se levantou de repente.
O ar frio o atacou imediatamente.
O céu da manhã ainda estava escuro, mas o aprendiz de Mark já
estava varrendo a área em frente à barraca.
“Oh, bom dia, senhor.”
“Bom dia,” disse Lawrence.
Não parecia que isto era algo feito para agradar um conhecido do
seu mestre; sem dúvida era hábito do garoto acordar tão cedo, a fim
de preparar a barraca para a abertura. Ele casualmente cumprimentou
alguns outros rapazes que passavam.
Ele era um aprendiz admirável.
Mais qualquer que seja o treinamento que Mark tinha lhe dado, o
menino simplesmente parecia uma excelente pessoa.
“Ah, isso me lembra —”
O menino se virou assim que Lawrence falou.
“Você ouviu de Mark que está acontecendo hoje?”
“Er, não... não estamos empurrando o vilão covarde para uma
armadilha?” perguntou o aprendiz.
O menino abaixou a voz e falou de maneira tão exageradamente
grave que Lawrence ficou surpreso por um momento. Com a
disciplina de um verdadeiro mercador, ele conseguiu manter uma cara
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 219 ⊱

séria e assentiu. “Eu não posso te dizer todos os detalhes, mas é mais
ou menos isso. Talvez eu tenha que pedir um grande favor para você
no processo.”
O menino segurou a vassoura ao seu lado como uma espada e
engoliu em seco.
Ver o menino fez Lawrence ter certeza de uma coisa.
Ele poderia muito bem ser o jovem aprendiz mais promissor de
um vendedor de trigo, mas em seu coração ele ainda sonhava com a
vida de um cavaleiro.
Afinal de contas, só se veem “vilões covardes” em contos de fadas.
Lawrence teve a sensação de estar olhando para sua juventude.
“Qual é o seu nome, rapaz?”
“Ah, er, é —”
Quando um mercador pedia outra pessoa pelo seu nome, era
como um reconhecimento do estado da pessoa.
Provavelmente nunca tinham perguntado o nome do menino.
Apesar de seu alvoroço visível, ele realmente era um rapaz
admirável, Lawrence sentiu.
O menino se levantou e respondeu. “Landt. Meu nome é Eu
Landt.”
“Nascido em terras do norte, não é?”
“Sim, em uma aldeia congelada na neve e no gelo.”
Lawrence viu que a descrição de Landt não era apenas uma
maneira fácil de transmitir a sensação de sua cidade natal, mas uma
descrição literal de como deve ter parecido quando ele a viu pela
última vez.
Era assim que as coisas eram no norte.
CAPÍTULO V ⊰ 220 ⊱

“Entendo. Bem, eu estou contando com você hoje, Landt.”


Lawrence estendeu a mão direita, e Landt limpou sua própria mão em
sua túnica antes de pegar a mão estendida de Lawrence.
A palma do menino era áspera e calejada, quem sabia que tipo de
futuro ele poderia agarrar?
Lawrence sabia que ele ia conseguir.
Ele soltou a mão do menino.
“Pois bem, primeiro vamos encher nossas barrigas, hein? Existe
algum lugar nas proximidades que ainda esteja vendendo comida?”
“Há uma barraca que vende pão seco para os viajantes. Devo ir
comprar algum?”
“Sim,” Lawrence disse e colocou duas moedas de irehd manchadas
que estavam tão escuras que pareciam quase de cobre.
“Er, uma moeda deve ser suficiente,” disse Landt.
“A outra é um adiantamento por sua ajuda hoje. Naturalmente,
vou te pagar uma consideração adequada quando tudo acabar.”
O menino estava surpreso.
Sorrindo, Lawrence acrescentou “Se você demorar, Mark pode
chegar. Sem dúvida, ele vai reclamar que café da manhã é uma luxúria,
você não acha?”
Landt assentiu apressadamente e depois saiu correndo.
Lawrence viu sua silhueta desaparecer e então voltou seu olhar
para os espaços entre as muitas barracas outro lado da rua.
“Ei você, não bajule meu aprendiz.”
“Você poderia ter me parado.”
A forma de Mark apareceu pelo espaço entre caixas. Sua expressão
parecia irritada, e ele suspirou. “Começou a esfriar recentemente. Se
ele fica doente porque eu não o deixei comer o suficiente seria mais
um problema para mim.”
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 221 ⊱

Ficou claro o suficiente que Mark tinha uma boa dose de carinho
com Landt.
Mas fazer Landt comprar o café da manhã não era um simples ato
de bondade; era uma parte importante do plano de Lawrence.
Os mercadores não eram santos. Quaisquer que fossem suas
ações, eles sempre tinham segundas intenções.
“O tempo hoje estar bom,” disse Mark. “Bom para as vendas,” ele
terminou com um aceno de cabeça.
Lawrence respirou fundo.
O ar revigorante da manhã fez ele se sentir bem.
Quando ele exalou, todos os pensamentos desnecessários em sua
mente pareceram sair com a respiração.
Tudo o que ele tinha que pensar agora era fazer o seu plano ser
um sucesso.
Uma vez que conseguisse, ele podia ficar pensando e duvidando
desnecessariamente sobre tudo o que quisesse.
“Agora, é hora de encher o meu estômago,” disse Lawrence
cordialmente quando avistou Landt voltando.

A própria atmosfera estava diferente.


Essa foi a primeira coisa que se abateu sobre Lawrence quando ele
chegou ao mercado.
O que à primeira vista parecia estar tão tranquilo quanto a
superfície de um lago cristalino, era só tocar para ver a agitação na
superfície começar a ferver.
Desde o nascer do sol, um único lugar do mercado foi o foco de
uma multidão excepcionalmente densa, e os olhares de cada pessoa
estavam em torno de uma única barraca.
CAPÍTULO V ⊰ 222 ⊱

Era o único vendedor de pedra na cidade de Kumersun, e o único


detalhe que a multidão se importava era a placa improvisada com os
preços escritos nela.
Na placa de preços estavam escritas as descrições de peso e forma
da pirita, e ao lado de cada linha de descrição tinha um cartaz de
madeira com o preço e o número de pessoas na fila para comprá-lo.
Havia uma outra coluna na placa que listava os vendedores, mas
parecia improvável que haveria uma chance para esses cartazes ficarem
lá por muito tempo.
A placa tornava óbvia a oferta e a procura de pirita, e a demanda
era elevada.
“Parece que o preço médio é.... oitocentos irehd.”
Isso era oitenta vezes o preço antigo.
Ele só poderia ser descrito como absurdo. Como um cavalo
desgovernado sem alguém em cima dele, o preço continuava subindo
e subindo.
Se mostrando com uma oportunidade de dinheiro fácil, a razão
humana era como rédeas de lama — completamente incapaz de parar
esse cavalo desgovernado.
Embora o sino do mercado não tocasse há algum tempo, parecia
haver um acordo tácito para fazer ofertas mais cedo que o normal.
Assim que Lawrence alcançou sua posição, ele avistou os mercadores
ocasionalmente se aproximando do mestre para sussurrar algumas
palavras. Uma vez que um certo número de negócios fosse fechado, o
mestre calmamente substituía os cartazes de madeira relevantes.
O mestre não atualizou os preços e números de linha
imediatamente, provavelmente para evitar que outras pessoas
soubessem exatamente quem tinha comprado pirita e a que preço.
Mas em qualquer caso, o número de pessoas esperando para
comprar continuava subindo.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 223 ⊱

Assim que Lawrence estimou o valor total a ser gasto, uma figura
apareceu na borda de sua visão.
Ele olhou. Era Amati.
Lawrence viu Amati antes que ele o tivesse visto na noite anterior,
mas o jovem mercador era perspicaz o suficiente para não deixar que
as chances de lucro fugissem. Seu olhar era tão afiado como o de
Lawrence, e ele logo viu seu rival.
Uma saudação amigável dificilmente teria sido adequada.
Mas já que Lawrence tinha acertado recolher o dinheiro que lhe
era devido após o soar do sino que abria o mercado, ele dificilmente
poderia ignorar Amati.
Enquanto que ele considerava isso, Amati revelou um sorriso e
acenou ligeiramente com a cabeça.
Lawrence foi pego de surpresa por um momento, mas logo
entendeu o motivo.
Ao lado de Amati estava Holo.
Por alguma razão estranha, ela não estava vestida como uma
garota da cidade, em vez disso ela usava suas vestes de freira. Três
penas brancas puras e vivas o suficiente para serem visíveis à distância
estavam afixadas em seu capuz.
Ela olhou fixamente para os vendedores de pedra, sem olhar para
Lawrence uma única vez.
O calor subiu em suas entranhas ao ver o sorriso de Amati.
Holo sussurrou algo no ouvido de Amati antes do jovem mercador
fazer o seu caminho em direção Lawrence através dos mercadores que
se reuniram. Lawrence e fingiu total serenidade, como se a raiva que
sentia não existisse.
Ele tinha certeza de que, desde que não tivesse que enganar Holo,
sua farsa passaria em branco.
“Bom dia, Sr. Lawrence.”
CAPÍTULO V ⊰ 224 ⊱

“Pra você também.”


Lawrence teve que fazer algum esforço para manter sua face calma
diante da saudação agradável de Amati.
“As coisas vão ficar muito agitadas por aqui uma vez que o sino
tocar, então pensei que seria melhor entregar isto a você agora,” disse
Amati, entregando um pequeno saco para Lawrence.
Em tamanho parecia mais uma bolsa de moedas do que qualquer
outra coisa. “O que é isso?” perguntou Lawrence, esperando que
Amati lhe desse o acordado em moedas de prata.
A bolsa era muito pequena para ter trezentas moedas de prata.
“Este é o dinheiro prometido,” disse Amati.
Sem outra escolha, Lawrence aceitou o saco desconfiado.
Quando ele o abriu e olhou para dentro, seus olhos se
arregalaram.
“Poderia ter sido um pouco presunçoso da minha parte,” disse
Amati “mas trezentas moedas de prata seria muito complicado, então
tomei a liberdade de remeter em moedas limar de ouro.”
Apesar de ter sido difícil imaginar como ele conseguiu obtê-las, o
saco estava realmente cheio de moedas de ouro.
A moeda limar de ouro não era tão valiosa quanto a lumione, mas
era uma moeda de grande circulação dentro de Ploania, o país em que
Kumersun estava situado. Ela valia cerca de vinte trenni.
Mas conseguir obter esse montante tão rápido — a taxa de serviço
deve ter sido extremamente exorbitante.
A única razão para Amati fazer isso era para provar o quanto de
moeda ele tinha em mãos — isso era um ataque psicológico.
Amati também tinha Holo ao seu lado, provavelmente, como
outra forma de desviar a atenção de Lawrence.
Lawrence tinha, inadvertidamente, arregalado os olhos surpreso,
por isso não poderia esconder sua perturbação.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 225 ⊱

“Eu usei a taxa de câmbio de hoje para preparar a quantidade.


Quatorze moedas de limar de ouro”
“... Entendido. Eu aceito.”
“Você não gostaria de contar as moedas? Eu não me sentiria
ofendido.”
Normalmente dizer “Não há necessidade,” como Lawrence fez,
demonstrava confiança, mas agora só parecia que ele estava fingindo
ser forte.
“Nesse caso, eu gostaria do contrato de trezentos trenni de prata.”
Lawrence só o fez depois de ser pedido.
Amati ainda estava um passo à frente dele.
Uma vez que o dinheiro e o contrato parcialmente cumprido
foram trocados, Amati foi o primeiro a dizer, “Muito bem.”
Enquanto observava a forma de Amati recuando, uma ideia
doentia após a outra passou pela cabeça de Lawrence.
Quando eles assinaram o contrato no dia anterior, Amati poderia
ter alegado não ter dinheiro suficiente como desculpa para dar os
cavalos em vez das moedas.
Sempre mantendo uma certa quantidade de dinheiro na mão era
um traço compartilhado por todos os mercadores.
O que era pior, Amati tinha certamente procurado e comprado
pirita assim como Lawrence.
Se Amati reunisse o suficiente, tudo o que seria necessário era um
pequeno aumento no preço para ele ganhar.
Pensando sobre como Amati tinha se curvado tão graciosamente
e se virado depois de aceitar o contrato, Lawrence não podia acreditar
que tinha sido um blefe.
Quanta pirita o garoto tinha conseguido comprar?
Lawrence fingiu esfregar o nariz e em vez disso, mordeu seu dedo.
CAPÍTULO V ⊰ 226 ⊱

Seu plano original era observar cuidadosamente e, em seguida,


começar a vender quantidades de pirita a partir do meio-dia para
verificar o aumento do preço.
De repente, Lawrence se perguntou se não deveria se mover mais
rapidamente.
Mas o mensageiro de Diana ainda não tinha chegado.
Até que ele soubesse se seria ou não capaz de obter a quantidade
necessária, Lawrence não poderia agir.
Ele poderia comprar mais pirita com o ouro que Amati tinha
pagado, mas se as negociações com Diana em seu nome fossem bem
sucedidas e ele recebesse outras quatrocentas moedas de prata,
também seria um problema.
Ele havia reservado dinheiro para pagar Diana, mas teria mineral
demais.
É claro que ele estava comprando pirita para poder ser capaz de
forçar uma queda no preço, e ele tinha tido o cuidado de comprar
apenas o suficiente para ser capaz de controlar essa queda, a fim de
evitar sua própria falência.
É certo que, se Lawrence estivesse disposto a ir à ruína para parar
Amati por causa do Holo, ela poderia finalmente aceitar sua
sinceridade.
É claro que a história não iria acabar tão facilmente — ele ainda
precisava viver depois disso.
O peso da realidade que se abateu sobre ele era mais pesado do
que as moedas de ouro em sua mão.
O preço na placa de pedra loja foi atualizado novamente.
Parecia que alguém tinha acabado de comprar uma grande
quantidade de pirita; tanto os preços e os números das linhas saltaram
drasticamente.
Qual o preço da pirita de Amati após este salto?
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 227 ⊱

Lawrence se sentiu incapaz de simplesmente esperar e não fazer


nada.
Mas perder a calma poderia levar à derrota.
Ele fechou os olhos, baixou a mão da qual estava roendo as unhas,
e respirou fundo.
Ele só estava pensando tudo isso devido ao blefe de Amati.
Apesar de tudo, atrás de Amati estava Holo. Se Lawrence pudesse
discernir as segundas intenções de todos, seria ótimo.
Só então, o som claro de um sino tocando varreu a praça.
Era o sinal para o mercado abrir.
A batalha havia começado.

A atmosfera carregada parecia induzir todos a ficarem


escrupulosamente honestos e calmos.
Eles estavam esperando algum tempo na frente dos vendedores de
pedra, mas só começaram a se mover uma vez que o sino tocou.
Um exame da multidão revelava viajantes e agricultores que
vendiam furtivamente pequenas quantidades de pirita — mas a venda
em pequena escala só servia para aquecer ainda mais o mercado.
Numa situação em que ninguém estava disposto a vender, as
únicas pessoas com uma vantagem eram os que já tinham um grande
estoque de pirita — era graças à venda em pequena escala, juntamente
com os novos compradores que as pessoas se mantinham animadas e
perto da frente da tenda.
Uma vez que cada pessoa achava que tinha a chance de lucrar,
nenhuma iria embora.
Dado tal ambiente, seria necessário uma enorme quantidade de
pirita, a fim de forçar o preço para baixo — nada mais o faria.
CAPÍTULO V ⊰ 228 ⊱

A placa de preço, que de vez em quando desaparecia atrás das


cabeças das pessoas na multidão, era um termômetro para o mercado,
e constantemente aumentava.
O mensageiro de Diana ainda não tinha chegado.
Se suas negociações falhassem, ele teria que agir rapidamente.
Os pensamentos o esgotavam, enquanto olhava para o quadro de
preços, Amati de repente apareceu em seu campo de visão em frente
à tenda.
O pânico tomou conta de Lawrence, ele queria correr para frente,
segurando o saco de pirita que tinha no peito.
Mas se esse era o plano de Amati para confundi-lo, tal movimento
poderia ser desastroso. Se Lawrence vendesse apenas uma quantidade
medíocre, isso apenas para aumentaria a demanda de compradores
assumindo que eles ainda seriam capazes de comprar pirita desde que
esperassem um bom tempo, e se a fila crescesse ainda mais, o preço
continuaria a subir.
Lawrence controlou a vontade de vender, rezando para que isto
fosse um plano de Amati.
Então ele percebeu algo.
Holo tinha ido embora.
Lawrence olhou em volta e viu que em algum momento Holo
havia saído da multidão de pessoas e estava olhando para ele.
Quando seus olhos se encontraram, ela estreitou os dela em
desgosto, em seguida, se virou e começou a se afastar.
Ao ver isso, suor surgiu sobre as costas de Lawrence.
Isso tinha que ser uma armadilha que Holo estava insinuando.
Se ela tivesse ouvido sobre as circunstâncias da pirita de Amati,
era perfeitamente possível que tivesse inventado uma armadilha para
prender Lawrence. Alguém tão inteligente quanto Holo certamente
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 229 ⊱

notaria as coisas que Amati não notasse, mesmo se ele fosse quem
explicasse a situação para ela.
E Holo se destacava em discernir o que estava no coração das
pessoas.
Ela era incomparável em tais ocasiões.
Assim que ele pensou nisso, Lawrence foi agredido pela visão do
atoleiro que o cercava.
Não importava por onde andasse, ele afundaria na lama; não
importava quais movimentos observasse, eles seriam ilusões.
Lawrence suspeitava sombriamente que tudo isso era parte do
plano de Holo.
O terror de ter uma loba astuta o cercando se aprofundava em seu
corpo.
No entanto, Lawrence não podia abandonar a esperança de que
Holo estava apenas fazendo isso por alguma teimosia perversa.
Os males das dúvidas e suposições penetravam sua mente.
Ele olhou fixamente para a placa de preço, embora esta não fosse
sua intenção. Era simplesmente tudo o que ele podia fazer no
momento.
O preço da pirita continuava a subir.
Felizmente, uma vez que o preço estivesse absurdamente inflado,
a taxa de crescimento era muito lenta.
Ainda assim, se o preço continuasse a aumentar a este ritmo, ao
meio-dia certamente chegaria nos 20 por cento necessários para
Amati.
Para conhecimento de Lawrence, o estoque atual de pirita de
Amati valia oitocentas moedas de prata, se o preço subisse mais vinte
por cento, ele precisaria de apenas mais quarenta moedas de prata para
alcançar as mil necessárias.
CAPÍTULO V ⊰ 230 ⊱

E se tudo o que ele precisar for quarenta moedas, Amati


certamente seria capaz de consegui-las.
Ele poderia vender algo de sua fortuna e concluir o contrato no
local.
Se isso acontecesse, o esquema da margem de venda com que
Lawrence contava, sem dúvida, teria pouco efeito.
Onde estava o mensageiro de Diana?
Lawrence murmurou para si mesmo, um pânico consumia seu
estômago.
Mesmo que fosse começar a comprar pirita agora, o quanto ele
seria capaz de recolher?
Não era como na noite anterior, onde o mercado já tinha fechado
e ninguém sabia se o preço iria subir ou cair — não, agora era
completamente óbvio que o preço estava subindo.
Qualquer um que tivesse pirita sabia que era como o dinheiro fácil
— ninguém iria vender para ele em tais circunstâncias.
A ideia o atingiu — seu plano só poderia ter sucesso se tivesse a
pirita de Diana, a este ritmo, ele poderia acabar levando um grande
golpe de Amati por causa do contrato de margem de venda.
Lawrence coçou o olho e pensou muito. Ele havia planejado
perseguir seu objetivo com frieza e lógica, mas ele estava começando
a sentir como se tivesse sido forçado a completo um beco sem saída.
Não, ele disse a si mesmo.
Ele sabia qual era o problema.
Não era por causa do preço flutuante de pirita.
Por trás disso estava o fato de que ele agora olhava Holo com
desespero ao invés de confiança.
Ela chegou com Amati no mercado — era possível que, em vez
de se encontrarem pela manhã, eles tenham passado a noite juntos.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 231 ⊱

Holo pode ter convidado Amati para a estalagem depois de


Lawrence ter arranjado o contrato de margem de venda com ele.
Dependendo das circunstâncias, ela poderia até ter mostrado suas
orelhas e cauda e ter dito a verdade sobre sua existência.
Lawrence queria acreditar que tal coisa era impossível, mas ele
lembrou que Holo havia revelado sua verdadeira natureza para ele no
mesmo dia em que a conheceu. Era o auge da loucura acreditar que ela
tinha marcado somente ele como alguém de mente aberta.
Amati estava claramente e loucamente apaixonado por Holo; sem
dúvida, ela pode avaliar alguém tão rapidamente quanto ela tinha
avaliado Lawrence.
E se Amati tinha aceitado ela?
Ele se lembrou do sorriso do jovem mercador apenas alguns
momentos atrás.
Holo temia ficar sozinha.
E Lawrence não tinha certeza de que ela queria estar com ele e só
com ele.
A percepção de que ele não deveria estar pensando desta forma o
atingiu, e suas pernas quase entraram em colapso sob seu comando
com o choque do mesmo.
Foi por pura sorte que ele não caiu.
De repente, um murmúrio percorreu a multidão, trazendo
Lawrence volta a si mesmo.
Ele se virou para olhar para os oohs! que surgiram, só para ver que
o preço da pirita mais cara pular significativamente.
Alguém tinha colocado em um grande lance.
Sua aceitação significava que os outros em breve seguiriam o
exemplo.
Poderia já ser impossível impedir Amati de cumprir o contrato.
CAPÍTULO V ⊰ 232 ⊱

O fato de que ainda não havia nenhum sinal de Diana sugeria que
a outra parte poderia estar sendo teimosa; se o preço da pirita
continuasse a subir, isso só a tornaria mais relutantes em vender.
Cada vez mais parecia que Lawrence deveria abandonar essa
esperança e agir agora.
As armas que ele tinha em mão eram quatrocentas moedas de
prata no valor de pirita, juntamente com o boato que Landt iria
espalhar.
Era um arsenal tão patético que Lawrence queria rir. Ele agora
duvidava seriamente da ideia da qual tinha tanta fé no dia anterior, que
um mero rumor poderia fazer qualquer dano. Ainda ontem tinha sido
sua arma secreta, o produto de seus anos de experiência.
Tornava-se cada vez mais claro para ele o quão bêbado ele deveria
estar.
Ele percebeu que já estava tentando pensar em um plano de
contingência.
Se não fizesse nada, ele ainda receberia mil moedas de prata de
Amati, que iria deixá-lo no lucro, mesmo depois de subtrair as perdas
decorrentes da venda de margem.
Lawrence ficou revoltado ao perceber o quanto isso o fazia se
sentir bem.
...Se você pudesse receber mil moedas de prata por mim, não se
arrependeria de me deixar ir — a acusação de Holo o atingiu.
Lawrence se lembrou da carta de Diana, que estava escondida
perto do seu peito.
Era a informação que o ajudaria a encontrar a casa do Holo,
Yoitsu. Talvez ele já não tivesse o direito de manter esta carta.
Eu sou apenas um mísero mercador. Lawrence pensou consigo mesmo
enquanto olhava ao redor buscando por Holo.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 233 ⊱

Os eventos que aconteceram na cidade portuária de Pazzio e a


cidade santa de Ruvinheigen tinham sido apenas um sonho.
Assim que o pensamento lhe ocorreu, ele percebeu que parecia
ter sido exatamente isso.
Lawrence sorriu fracamente enquanto olhava para a multidão com
veemência, mas Holo agora estava aqui para ser encontrada, então, se
mudou para outro lugar.
Algum tempo havia se passado desde a abertura do mercado, mas
o festival do dia ainda não tinha começado, por isso mais e mais pessoas
pareciam chegar no local onde estava.
Holo permaneceu evasiva.
Amaldiçoando sua incapacidade de encontrá-la agora — justo
agora! — ele percebeu algo.
Depois encontrar seu olhar no meio da multidão, Holo se afastou.
Será que ela simplesmente foi embora?
Se sim, para onde ela tinha ido? Teria ela decidido que seu fracasso
era óbvio, Lawrence se perguntou, e voltou para a estalagem?
Faria sentido.
A ideia era tão humilhante que Lawrence se sentiu quebrado
apenas pensando nisto — e mesmo assim ela acreditou na ideia.
Ele queria um pouco de vinho.
Imediatamente após esse pensamento lhe ocorrer, ele soltou um
pequeno som em dúvida. “Huh?”
Ele começou a buscar em uma área relativamente pequena, de
modo que seus olhos não podiam deixar de eventualmente notar o
detalhe.
Amati entrou em seu campo de visão, o que fez Lawrence fazer
um barulho de confusão e surpresa.
CAPÍTULO V ⊰ 234 ⊱

A mão direita de Amati estava pressionada contra seu peito,


provavelmente segurando um saco de moedas e pirita.
O problema não era no que ele estava fazendo, mas sim a
expressão de preocupação no rosto dele e a maneira que ele olhava
aqui e ali, procurando por algo — assim como Lawrence.
Lawrence suspeitou que Amati estivesse fingindo.
Mas, então, por algum milagre, a multidão entre eles diminuiu, e
Amati notou Lawrence. Ele ficou surpreso ao ver seu rival claramente.
E, em seguida, Lawrence vislumbrou uma expressão de alívio no
rosto de Amati. Apesar de a multidão ter se fechado rapidamente em
volta deles e bloqueado a visão de Lawrence novamente, não havia
dúvida de que ele tinha visto.
Um único pensamento dominou Lawrence.
Amati — assim como ele — estava à procura de Holo. Não só
isso, Amati estava aliviado ao ver que Holo não estava com Lawrence.
Lawrence sentiu um baque, como se o ombro de alguém
esbarrasse nele por trás.
Ele se virou para ver um companheiro de aparência mercantil
falando animadamente com outro.
Isso é estranho, ele disse a si mesmo, quando sentiu o mesmo baque
no peito.
Então ele percebeu.
Era o seu coração batendo.
Amati estava procurando Holo freneticamente e estava
obviamente muito preocupado dela estar Lawrence.
O jovem mercador não confiava nela inteiramente.
Que por sua vez sugeria que havia uma razão para a sua dúvida.
Mas o que era?
“Não pode ser —,” Lawrence disse.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 235 ⊱

Se Amati estava procurando por ela, isso significava que ela não
tinha dito a ele para onde estava indo.
E se isso era suficiente para causar estresse em Amati, era muito
improvável que ela tinha revelado suas orelhas e cauda para ele.
Era o suficiente para fazer Lawrence querer abandonar suas
conclusões sombrias, que o dominavam apenas há alguns instantes
atrás, e se voltar para suposições mais brilhantes.
No entanto, ele não tinha confiança em sua capacidade de dizer se
isso era ou não uma ilusão.
Era vergonhoso o suficiente para deixá-lo enjoado.
De repente, houve outro grito da multidão.
Lawrence olhou rapidamente na direção da barraca do vendedor
de pedras e viu que em algum lugar ao longo da linha, o cartaz para o
maior valor de pirita havia sido removido.
O que significava que ele tinha vendido a esse preço.
E isso não era o motivo dos gritos.
As placas que marcavam os maiores valores para os vários tipos de
pirita foram todos retirados, e houve uma queda no número da placa
de compradores na fila.
Alguém tinha vendido uma quantidade considerável.
Lawrence lutou contra a náusea que surgiu e olhou em volta
freneticamente, tentando encontrar Amati.
Ele não estava na frente da tenda.
Ele não estava nem perto dela.
Quando Lawrence finalmente o viu, Amati estava no meio da
multidão.
Ele estava observando a tenda com uma expressão de choque.
Portanto, não havia sido Amati, quem tinha feito a grande venda.
CAPÍTULO V ⊰ 236 ⊱

Lawrence sentiu um momento de alívio fugaz antes de mais


cartazes para espera de mais compradores aparecessem, juntamente
com uma nova rodada de gritos da multidão.
Quase todo mundo aqui tinha pelo menos, uma pequena
quantidade de pirita; eles estavam esperando apenas o momento certo
para comprar ou vender. O mercado estava começando a flutuar, o
que era mais um fator a ser considerado.
Essencialmente, agora era o momento certo para vender.
Lawrence estava à beira da desistência — o pensamento de que
ele ainda poderia fazer alguma coisa, com o seu plano de vender
cuidadosamente uma grande quantidade, o empurrava na direção
oposta.
Mas ele logo repensou, como uma espécie de lebre covarde.
Lawrence não tinha ideia do que Holo estava pensando ou para
onde ela tinha ido. Os corações das pessoas não eram tão facilmente
compreendidos. Pensar de outra forma convidava a ruína.
E mesmo assim — Lawrence não podia deixar de pensar.
Expectativa, suspeita, suposições e a realidade eram quatro
ganchos que rasgavam os pensamentos de Lawrence.
O que Holo, a Sábia Loba, diria em um momento como este?
Pateticamente, Lawrence não podia deixar de perguntar.
Ele sentiu que poderia tomar uma decisão baseado em sua
observação mais casual.
Ele confiava nela.
Só então —
“Hum, com licença —”
Lawrence sentiu um puxão em sua manga quando as palavras
chegaram aos seus ouvidos.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 237 ⊱

Ele girou como se tivesse sido atingido, esperando ver uma certa
garota atrevida atrás dele.
Mas era um menino — Landt, para ser mais exato.
“Um, Sr. Lawrence, posso ter um momento?”
Lawrence se virou com tanta velocidade que Landt foi pego de
surpresa por um momento, mas a expressão do menino deixou claro
que o assunto era urgente.
A ansiedade tomou conta de Lawrence enquanto olhava ao redor;
em seguida, se ajoelhou para trazer seu rosto mais perto do Landt e
acenou com a cabeça.
“Um cliente veio a nossa loja e deseja pagar o trigo com pirita.”
Lawrence compreendeu imediatamente. Mark estava disposto a
aceitar a oferta e em seguida, vender aquela pirita para Lawrence,
assumindo que Lawrence poderia pagar em dinheiro.
“Quanto?”
Se Mark mandou o menino até aqui, tinha que ser uma quantia
considerável.
Lawrence engoliu em seco e esperou pela resposta.
“Duzentos e cinquenta moedas de prata,” disse Landt.
Lawrence cerrou os dentes para evitar gritar por esse momento
inesperado.
A loba deusa da colheita podia ter abandonado ele, mas a deusa da
fortuna ainda estava do seu lado.
Lawrence imediatamente empurrou o pequeno saquinho que
tinha obtido de Amati para mãos de Landt. “Vá, tão rápido quanto
puder.”
Landt assentiu, e depois correu como se enviasse uma mensagem
vital.
Enquanto isso, o mercado continuava a flutuar.
CAPÍTULO V ⊰ 238 ⊱

Talvez indicando que o preço havia chegado ao limite, o número


de compradores nos cartazes de fila mudou surpreendentemente
rápido.
Ficou claro que os compradores e vendedores estavam começando
a ficar completamente um contra o outro.
Com o preço alto, alguns começam a vender e os que
necessitavam que o preço fosse mais alto iriam comprar.
Ocasionalmente Lawrence avistaria Amati do outro lado da
multidão; ele não tinha nenhuma dúvida de que Amati estava olhando
para ele.
O fato de que Amati manteve um olhar atento, tanto no vendedor
de pedra quanto em Lawrence, sugeria que ele ainda não tinha
levantado as mil moedas que ele precisava.
Não, não é isso — Lawrence se corrigiu.
Ele já poderia ter levantado o dinheiro, mas estava preocupado
que, se ele vendesse a pirita que tinha na mão, a negociação poderia
dar errado e fazer com que o preço caísse antes que ele pudesse vender
todo o seu estoque.
E porque Amati fazia parte do contrato de margem de venda de
Lawrence, uma queda no preço iria acertá-lo com uma enorme perda.
Havia um outro fato importante.
As quinhentas moedas de prata no valor de pirita que Amati ainda
possuía só existiam na forma de um contrato.
Ele poderia ser comprado ou vendido sim, mas a pirita física do
contrato representado não poderia ser recolhida até aquela noite.
O mercado começou a flutuar em vez de simplesmente aumentar,
e a possibilidade de uma queda era agora muito mais real. Se Amati
fosse vender o certificado, o que aconteceria?
As transações de margem envolviam um intervalo de tempo entre
a troca de dinheiro e os bens.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 239 ⊱

Em um ambiente onde a queda no preço era antecipada, um


certificado de margem de venda — que prometia futuros bens em
troca de dinheiro imediato — era um coringa, uma carta inútil com
uma bruxa sorridente nela.
Uma vez que o valor de mercado de um produto realmente caía,
quem segurava esse coringa estaria arruinado.
O veneno de agir lentamente na margem de venda de Lawrence
estava começando a fazer efeito.
Amati ainda estava olhando de um lado para o outro, desesperado.
Ele estava obviamente procurando Holo.
Holo provavelmente tinha adivinhado o que Lawrence estava
planejando e disse para Amati a armadilha.
Os ventos pareciam prestes a mudar; ataque e defesa se
inverteram.
Se Lawrence não atacasse, ele estaria deixando a oportunidade de
um milênio passar.
As pessoas estavam quase atacando os vendedores de pedra, e os
cartazes de preços eram trocados um após o outro.
Lawrence segurou firmemente à pirita no bolso, esperando
desesperadamente o retorno de Landt.
Não demorava muito tempo para ir até tenda de Mark e voltar.
Só então —
Uma voz ecoou pela multidão. “Uma compra!”
Alguém foi incapaz de conter sua excitação.
Neste momento, como se o mercado fosse um barco sacudido por
uma onda que de repente recuperou a sua estabilidade, o clima mudou
novamente.
Alguém havia comprado uma grande quantidade de pirita. Isto
sugeria que o preço iria continuar a subir.
CAPÍTULO V ⊰ 240 ⊱

Animada com a expectativa, a multidão parecia se acalmar.


Landt ainda não tinha voltado.
Quanto mais o tempo passava, mais o mercado parecia se acalmar.
Mas o número de possíveis compradores estava caindo —
Lawrence poderia aproveitar esta oportunidade para vender uma
quantidade de pirita e acabar com essa estabilidade.
Se fizesse isso, ele pode ser capaz de limpar a linha de compra,
mesmo que apenas por um breve período de tempo.
Fazer isso neste momento preciso, certamente teria um efeito
profundo.
Lawrence fez o seu movimento.
Ele deslizou por entre a multidão, puxando o saco de pirita do
bolso do peito antes de chegar ao estande dos vendedores de pedra.
“Estou aqui para vender!”
Enquanto todo mundo observava, Lawrence jogou o saco de pirita
na frente do vendedor pedra.
O vendedor de pedra e seus aprendizes ficaram atordoados por
um momento, mas logo retornaram aos seus sentidos e retomaram os
negócios.
Lawrence tinha jogado uma pedra em um lago calmo; agora vinha
o efeito de ondulação.
A medição foi feita rapidamente, de onde os aprendizes que
seguravam cartazes da fila de pirita e as levaram para os vários
compradores que tinham encomendado.
Lawrence recebeu seu pagamento imediatamente.
Sem se preocupar em contar, ele agarrou o saco de moedas com
força e olhou para trás em direção ao público.
Ele teve um vislumbre do rosto ferido de Amati.
Lawrence não sentia nem dó nem piedade.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 241 ⊱

Sua única preocupação era o seu objetivo.


Ele havia vendido toda a pirita ele tinha em mãos. Quaisquer
novos ataques teriam que esperar até que ele tivesse mais.
Onde estava Landt? Onde estava o mensageiro de Diana?
Se ele tivesse pirita no valor de quatrocentas moedas de prata que
ele estava esperando de Diana, não havia dúvidas de que seria capaz de
revirar o mercado de cabeça para baixo.
Ele estava na encruzilhada do destino.
E então ele ouviu uma voz.
“Sr. Lawrence.”
Era Landt, sua testa estava brilhando por causa do suor por ter
corrido até Lawrence e o ofereceu outro saco.
Era pirita no valor de 250 moedas de prata.
Lawrence estava dividido entre voltar imediatamente para os
vendedores de pedra e vender a pirita que ele tinha em mãos agora ou
esperar pelo mensageiro de Diana para que ele pudesse ter certeza.
Ele se amaldiçoou.
Ele ainda não havia desistido de Diana?
As negociações se arrastaram por tempo demais. Havia um limite
para o quão otimista Lawrence podia se dar ao luxo de ser.
Ele teve que se arriscar.
Lawrence se virou e preparou para se aventurar novamente.
Então houve um grito alto que o congelou em seu caminho.
“Ooooh!”
A multidão bloqueou sua vista; ele não podia ver o que estava
acontecendo.
CAPÍTULO V ⊰ 242 ⊱

Mas no instante em que o ânimo aumentou, a intuição de


Lawrence quase o obrigou a gritar e correr — ela lhe dizia que o pior
tinha acontecido.
Ele abriu caminho através da multidão até um lugar onde pudesse
ver a placa de preço.
Era admirável o fato de que ele não tenha caído de joelhos no
local.
O preço mais alto na placa tinha sido renovado.
A demanda tinha empurrado o preço para cima.
Parecia que alguns dos compradores no mercado decidiram que a
perturbação de um momento atrás era uma flutuação temporária, e
tinham colocado uma onda de ordens de compra.
A fila de placas de compra foi colocada de volta na mesa.
Lawrence suprimiu a vontade de vomitar. A decisão de se deve ou
não vender a pirita novamente pressionava ele.
Havia ainda uma pequena chance de sucesso se ele tomasse uma
ação rápida.
Não — a decisão certa seria esperar pelo mensageiro de Diana.
A quantidade de pirita que ele estava negociando com ela eram
quatrocentas moedas de prata, então — já poderia estar valendo
quinhentas agora.
Se Lawrence pudesse acrescentar o que ele já tinha, seria o
suficiente para outra grande venda maciça.
Enquanto Lawrence estava colocando todas as suas esperanças em
uma pequena chance, ele viu Amati, aparentando estar muito mais à
vontade, caminhando para fora da tenda.
O jovem mercador estava planejando vender.
Não estava claro se ele estava ou não vendendo tudo o que tinha.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 243 ⊱

Lawrence não tinha como saber o plano do rapaz de trocar apenas


uma fração de sua pirita por moeda. Amati provavelmente havia
percebido a natureza do plano de ação lento de Lawrence, então ele
iria vender o certificado primeiro.
Por que o mensageiro de Diana ainda não veio? Lawrence se
perguntava se ele finalmente tinha sido abandonado pelos deuses.
Em sua mente, ele gritava.
“Com licença, você é o Sr. Lawrence?”
Em seu desespero, Lawrence achava que tinha ouvido errado.
“Sr. Lawrence, eu suponho?”
Uma pequena figura estava ao lado de Lawrence, o rosto dele —
ou possivelmente o rosto dela, pois era impossível dizer o sexo da
pessoa — estava escondido atrás de um véu que cobria tudo menos os
olhos.
Claramente não era Landt.
O que significava que era a pessoa Lawrence estava esperando.
“Eu tenho uma mensagem da senhorita Diana.”
Os pálidos olhos verdes do mensageiro tinham uma tranquilidade
completamente diferente da comoção do turbilhão que os rodeava.
Havia uma aura misteriosa sobre o mensageiro; Lawrence não
podia deixar de sentir que essa pessoa realmente era um mensageiro
dos deuses.
E se for isso mesmo — talvez um milagre estivesse prestes a
acontecer.
“Ela gostaria dizer que as negociações falharam.”
Um momento se passou.
“O quê?”
“A outra parte não estava disposta a vender. A senhorita Diana
pede desculpas por não ser capaz corresponder às suas expectativas,”
CAPÍTULO V ⊰ 244 ⊱

disse o mensageiro com uma voz clara, como se estivesse anunciando


a morte de alguém.
Era assim — então era assim que seria? Lawrence ponderou.
O verdadeiro desespero não vinha da desesperança.
Não, quando sua última esperança era esmagada no último
momento — isso era desespero.
Lawrence não podia responder.
O mensageiro parecia entender e se virou silenciosamente.
De alguma forma, a imagem do mensageiro recuando para a
multidão se confundiu na mente de Lawrence com a memória do
Holo, de quando ela tinha se afastado dele nos túneis sob Pazzio.
Lawrence se sentiu como um cavaleiro de armadura antiga e
enferrujada enquanto olhava para o quadro de preços novamente.
A linha de compra tinha voltado ao normal, e o preço continuava
a subir.
Era possível acompanhar as mudanças do mercado, mas somente
os deuses podiam controlá-las.
Lawrence se lembrou das palavras de um mercador famoso.
Com apenas um pouco mais de sorte — só um pouco mais — um
mercador poderia ser um deus.
Depois de ter trocado certa quantidade de sua pirita por moeda,
Amati caminhou para fora da tenda e voltou para parte externa.
Lawrence esperava que o jovem mercador o encarasse de forma
arrogante, com um sorriso triunfante, mas Amati não fez mais do que
lançar um rápido olhar para Lawrence.
Deve haver outro alguém chamando sua atenção.
Holo havia voltado para o lado de Amati.
“Sr. Lawrence...?”
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 245 ⊱

Agora era Landt que falava com Lawrence; Holo estava falando
com Amati e não olhava para nenhum outro lugar.
“Oh, er, desculpe... você... você ficou correndo pela cidade toda
por mim. Obrigado.”
“Ah, não, de jeito nenhum.”
“Você poderia enviar uma mensagem minha para Mark? Diga ele
que o meu plano falhou,” disse Lawrence, surpreso com o quão fácil
era dizer isso.
No entanto, apesar do “fracasso,” do ponto de vista de um
mercador era um resultado muito bom.
Lawrence ainda tinha alguma pirita em mãos. Tudo o que ele
precisava fazer era comprar um pouco mais para ter o que precisava
para entregar para Amati à noite e, em seguida, subtrair o custo do
dinheiro que ele tinha feito com a venda do lote anterior de pirita —
a quantidade restante muito provavelmente seria positiva.
Além disso, ele estaria recebendo mil moedas de prata de Amati,
o que não poderia ser chamado de nada além de um enorme golpe de
sorte.
Tal lucro seria o suficiente para fazer qualquer mercador feliz, mas
Lawrence sentia apenas um grande vazio.
Landt ficou momentaneamente perdido enquanto ele olhava em
volta, mas apenas quando Lawrence estava prestes a entregar sua
compensação, os olhos do menino foram preenchidos com uma
vontade de ferro.
“Sr. Lawrence.”
A expressão de Landt foi suficiente para parar a mão de Lawrence,
que segurava algumas moedas de prata.
“Você — você está desistindo?”
CAPÍTULO V ⊰ 246 ⊱

Lawrence se lembrou de seus dias como um aprendiz — qualquer


hora que quisesse fazer um comentário, ele tinha que estar pronto para
uma surra.
Landt, igualmente estava preparado para ser atingido. Seu olho
esquerdo se contorceu como se esperasse que um punho viesse em sua
direção a qualquer momento.
“Meu mestre sempre me disse que os mercadores nunca
desistem.”
Lawrence tirou a mão da bolsa e o ombro de Landt se contraiu
como resposta.
Mas o menino não desviou o olhar.
Ele estava totalmente sério.
“Meu mestre sempre diz que — que a deusa da riqueza não vem
para aqueles que rezam. Os teimosos que nunca desistem são os que
ela abençoa.”
Lawrence não discordou.
Mas o que ele buscava não era riqueza.
“Sr. Lawrence.” O olhar de Landt o perfurou.
Lawrence olhou para Holo por um momento antes de olhar de
volta para Landt.
“Eu...” Landt começou. “Eu gostei da H-Holo desde a primeira
vez que a vi. Mas meu mestre me disse —” disse o aprendiz fiel. Ele
concluía todas as tarefas que lhe eram dadas sem questionar, mas agora
Landt era completamente um jovem garoto. “Ele disse que se eu falasse
isso na sua frente, você me daria uma surra.”
Landt estava à beira das lágrimas quando Lawrence levantou a mão
para o alto.
“—!” Landt suspirou e se encolheu.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 247 ⊱
CAPÍTULO V ⊰ 248 ⊱

Mas com o punho, Lawrence só bateu o rapaz levemente em sua


bochecha, sorrindo. “Sim, suponho que eu deveria te dar uma surra.
Uma bela surra,” ele disse com uma risada — apesar de querer chorar.
Landt parecia ser cerca de dez anos mais jovem do que Lawrence.
No entanto, do jeito que as coisas estavam, ele não se sentia
diferente do menino.
Droga, ele amaldiçoou.
Parecia que diante Holo, qualquer homem se transformaria em
um rapaz com o nariz escorrendo.
Lawrence balançou a cabeça.
Os teimosos que nunca desistem, hein?
Era uma frase engraçada, e ele suspirou com o quão sedutor ela
era, olhando para o céu.
As palavras de um menino, que era 10 anos mais novo que ele,
haviam apagado de sua mente o turbilhão de suposições e dúvidas.
Landt estava certo.
Ele tinha chegado tão longe, e o lucro que permanecia em suas
mãos era apenas uma prova de sua verdadeira perda — ele poderia
gastá-lo sem pesar.
Não havia nenhuma razão para não repensar tudo uma última vez
antes de agir.
As coisas de valor nem sempre vêm com esforço árduo.
Mark o tinha feito perceber isso faz pouco tempo.
Lawrence abriu a porta de sua enorme memória, retirando os
materiais de que precisava para construir uma nova abordagem.
O pilar de seu novo plano era algo que ele tinha esquecido até há
pouco.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 249 ⊱

“Os que simplesmente não podem desistir — eles são os mesmos


que simplesmente não conseguem deixar de ser inacreditavelmente
otimistas,” disse Lawrence.
A expressão feliz de Landt era ainda mais atraente do que o
comportamento normal do menino, que geralmente tendia a ser
bastante agradável.
Não havia dúvida de que Mark considerava o rapaz como se fosse
seu próprio filho.
“Um mercador faz planos, prevê o resultado, e sempre mantém
os resultados realistas. Entendeu?”
Landt assentiu educadamente para o que parecia ser uma
declaração sem conexão como resto.
“Se vender algo faz com que algo mude então, outro item vai
provocar outra mudança. Tais hipóteses são igualmente importantes,
entende.”
Landt assentiu novamente. Lawrence se ajoelhou para que ele
ficasse perto do rosto do rapaz e falou.
“Mas se eu sou honesto, essas hipóteses podem ser qualquer coisa
que você desejar que elas sejam. Se pensar demais, você vai ficar
perdido, vendo o perigo e o risco em cada negócio que você faz. Para
evitar isso, é preciso de algo que possa te guiar — algo em que
acreditar, é a única coisa que todos os mercadores precisam.”
O jovem Landt parecia como um verdadeiro mercador quando ele
assentiu. “Eu entendo,” ele falou.
“Se você pode acreditar nisso, então não importa o quão absurda
seja essa ideia que te guia...”
Lawrence olhou para cima, fechando os olhos.
“...Você pode confiar nela.”
Mesmo assim, uma voz na cabeça de Lawrence dizia que era
impossível.
CAPÍTULO V ⊰ 250 ⊱

E mesmo assim, quando ele olhou para Holo, ele estava quase
convencido.
Havia uma chance — uma pequena chance — que a escolha de
vestimenta de Holo dissesse algo.
Apesar da ideia absurda, se ele fosse colocá-la à prova, ela poderia
muito bem vir a ser verdade.
Mas essa ideia precisava de uma condição que tinha que ser
cumprida.
Era o que Lawrence tinha esquecido mais cedo — ou seja, a
possibilidade de que Holo de fato não o tinha abandonado.
Considerar isso agora era algo típico de um mercador
teimosamente otimista, que nunca desiste.
Nesta fase do jogo, parecia muito melhor pensar nisso do que
continuar tentando parar Amati — era o suficiente para fazer
Lawrence achar que ele estava em algum tipo de sonho fantástico.
Ele não tinha ideia do que Landt tinha ouvido de Mark que fez o
menino estar tão disposto a ajudá-lo.
De qualquer forma, ficou claro que Landt disse a verdade quando
ele falou que gostava de Holo.
Era impressionante que ele tinha sido capaz de admitir isso na
frente de Lawrence. Trocando suas posições, Lawrence não tinha
certeza de que conseguiria ter feito o mesmo.
Diante de tal exposição de coragem, isso era o mínimo Lawrence
poderia fazer para viver de acordo com essa ideia de mercador
destemidamente otimista.
Lawrence deu um tapinha no ombro de Landt, respirou fundo e
falou. “Depois que eu vender minhas pedras no estande, comece a
espalhar o boato que eu pedi para você.”
O rosto de Landt se iluminou. Ele acenou com a cabeça, ele era
mais uma vez o aprendiz bem treinado.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 251 ⊱

“Bom garoto.”
Lawrence estava prestes a se virar, mas parou de repente.
Os olhos de Landt estavam cheios de perguntas, mas Lawrence foi
quem perguntou, “Você acredita em deuses?”
O menino ficou obviamente mudo.
Lawrence riu e repetiu. “É um bom rapaz,” ele disse antes de ir
embora.
Ele tinha pirita no valor de 250 moedas de prata na mão. Os
marcadores da fila de compra revelavam que já havia demanda da
ordem de quatrocentas moedas de prata em pirita — mesmo que
Lawrence vendesse tudo o que tinha de pirita na mão, isso não teria
efeito real.
Mas não — isso teria um efeito. Se a sua nova hipótese estivesse
correta, ele tinha que vender. Ele olhou de volta para Holo só por um
momento; ela ainda estava de pé do lado de Amati.
Apenas um segundo seria suficiente — se Holo apenas olhasse em
sua direção por um segundo já seria o suficiente.
E então —
Lawrence ficou na frente da tenda do vendedor de pedra. O fluxo
de ordens tinha abrandado; o lojista, tendo finalmente recuperado a
calma, olhou para Lawrence com uma cara que dizia “Pois não?” Ele
então sorriu com uma expressão que parecia adicionar, “Você está
fazendo bastante bem hoje.”
Apesar de nenhuma palavra ter sido trocada, Lawrence assentiu.
Ele estava prestes a fazer muito mais.
Ele empurrou o saco de pirita que tinha recebido de Landt em
direção ao vendedor de pedra e falou. “Eu estou vendendo.”
O lojista recebia uma taxa por cada transação, portanto ele sorriu
e acenou cordialmente, mas logo depois ele parecia estranhamente
atordoado.
CAPÍTULO V ⊰ 252 ⊱

Lawrence fechou os olhos e sorriu.


Ele tinha razão.
“Mestre, eu também irei vender.”
A voz realmente fez Lawrence se sentir nostálgico.
Com um baque forte, um saco de pirita com pelo menos duas
vezes o tamanho do de Lawrence bateu no balcão.
Lawrence olhou para o lado e lá estava Holo, parecendo pronta
para arrancar sua cabeça fora.
“Seu tolo,” ela falou.
A única resposta de Lawrence para a acusação dela foi um sorriso
e um sincero “Sinto muito.”
O lojista ficou parado, espantado por um tempo, e então ele
rapidamente ordenou para seus aprendizes removerem todas as placas
da fila de compra da placa de preço.
Os dois sacos juntos valiam a pelo menos 650 moedas de prata.
A quantidade que Holo tinha era avaliada antes da colisão no
preço, por isso provavelmente valeria mais do que isso. A parte
misteriosa que havia comprado pirita de Diana era, naturalmente,
Holo.
Simplificando, quase mil moedas de prata no valor de pirita
haviam sido vendidas de uma só vez.
Não havia espaço para a demanda empurrar os preços para cima
diante disso.
Lawrence puxou uma das penas brancas afixadas no capuz de
Holo. “Ela possui uma beleza adulta, ao contrário de alguém que eu
conheço,” disse.
Holo socou o lado de Lawrence com seu punho.
Mas sua mão permaneceu lá.
Isso era o suficiente, Lawrence pensou.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 253 ⊱

Embora uma multidão enlouquecida se empurrasse atrás deles,


Lawrence não soltaria a mão de Holo.
Ele queria se amostrar para Amati.
Lawrence sorriu consigo mesmo por ser tão infantil.
preço caiu em um instante.
Algumas compras ainda vieram depois que todas as ordens
de compra existentes foram atendidas, mas a venda de
pirita no valor de cerca de mil moedas de prata derrubou
o mercado a favor da venda, e o preço logo mergulhou.
Os que foram menos afortunados — que segurassem a carda
coringa no final — eram os que estavam esperando um pouco mais
para vender suas ações pelo preço mais alto possível.
Os mercadores com olhos afiados que notaram as ações de
Lawrence e Holo tentaram vender tão rapidamente quanto eles
podiam ainda perderam dinheiro.
O destino de Amati não era nem preciso dizer — ele foi incapaz
de vender o contrato de margem.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 255 ⊱

Apenas um minuto atrás, Amati foi testemunha de Holo correndo


com um grande saco de pirita e ele tentou estender a mão para impedi-
la — e lá estava ele na mesma pose, congelado em estado de choque.
Sem dúvida, a traição de Holo foi um choque muito pior do que
o inútil certificado de margem que ele segurava.
Neste ponto, Lawrence ficou com pena dele. Holo claramente
nunca teve a intenção de ficar com ele e tinha, de fato, se separado dele
de uma forma particularmente cruel.
Evidentemente Amati havia dito algo a Holo que ela simplesmente
não podia tolerar.
Lawrence não se atreveu a perguntar para Holo o que era por
medo de sua reação, mas ele ainda queria saber, apenas para que ele
não cometesse o mesmo erro.
“Então, este contrato acabou?” perguntou Holo, sem se importar
de olhar para cima enquanto ela cuidava de sua cauda. Lawrence tinha
acabado de terminar o contrato com Amati e agradecer a Mark pelos
problemas.
Ainda havia certo tom na voz de Holo e não apenas porque os dois
tinham acabado de terminar uma batalha de egos.
Lawrence, é claro, sabia a razão.
Ele guardou suas coisas, pegou uma cadeira e respondeu. “Acabou
tudo bem. Tão bem quanto jamais poderíamos esperar.”
Não era uma piada.
Ele tinha de fato finalizado o contrato com Amati, cujo corpo não
parecia mais ter um espírito.
No final, Amati não tinha realmente perdido dinheiro. Contra a
perda do contrato de margem que tinha tomado por causa de
Lawrence, Amati tinha feito um pouco mais com as vendas
intermediárias de pirita.
EPÍLOGO ⊰ 256 ⊱

No entanto, Lawrence compreendia muito bem o desespero de


Amati — até não muito tempo atrás, ele também sentia isso.
No final, Amati foi incapaz de cumprir as condições do contrato
que teria lhe permitido propor casamento a Holo, e quanto ao contrato
de margem, ele foi concluído quando Lawrence entregou o saco de
piritas, que a essa altura já não valia nada.
Ele tinha se preocupado com a possibilidade de Amati perder a
paciência, então Lawrence pediu para o chefe da guilda atuar como
mediador. “Este é o seu castigo por tentar tomar a mulher de outro
homem,” disse o mestre da guilda para Amati.
Deixando de lado se era ou não verdade a ideia de Holo ser a
“mulher de Lawrence,” pelo menos o orgulhoso Amati tinha aprendido
uma lição.
Enquanto Lawrence explicava tudo isso brevemente, Holo, que
estava sentada na cama, parou de cuidar de sua cauda e deu a Lawrence
um olhar avaliador.
“Certamente você não acha que isso resolve tudo.”
Ela parecia estar tentando decidir quão dura a punição dele deveria
ser.
Lawrence compreendeu o erro que cometera.
Ele se levantou e levantou ambas as mãos em um gesto de
desculpas. “Eu sinto muito.”
Holo não se comoveu. “Você realmente sabe onde errou?”
Era uma forma patética de um homem adulto ser repreendido,
mas Lawrence não tinha escolha, a não ser suportá-la.
“Eu sei.”
As orelhas de lobo de Holo se mexeram.
“Pelo menos... eu acho que sei.”
Holo suspirou e cruzou os braços em desagrado.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 257 ⊱

Um simples “Eu sinto muito,” não seria suficiente.


Lawrence juntou sua coragem e pediu desculpas da melhor forma
que pôde.
“Quando eu comecei a fazer as coisas por conta própria depois do
contrato com Amati, eu estava sendo completamente arrogante.”
Apesar do pânico que o consumia, não só todos seus esforços
frenéticos para parar Amati não deram em nada, como ele tinha sido
— assim como ele disse — completamente arrogante.
“A questão é... meu maior erro foi não confiar em você.”
Holo desviou o olhar, virando apenas uma única orelha em direção
Lawrence.
“Eu vou ouvi-lo,” ela parecia estar dizendo.
Sua atitude desagradável naturalmente era frustrante, mas
Lawrence teve que admitir que não tinha nenhum lugar para se
sustentar.
Ele olhou para o teto antes de continuar.
“As penas colocadas em seu capuz — elas eram para me deixar
saber que foi você quem tinha comprado pirita de Diana.”
Holo assentiu, irritada.
“No entanto, quando Amati vendeu sua pirita na barraca, tentando
blefar, eu pensei que era uma armadilha que você tinha preparado para
mim.”
“O qu—,” Holo disse em voz baixa; Lawrence rapidamente
fechou a boca.
Ele percebeu que tinha dito algo que não deveria ter dito, mas já
era tarde demais. Holo descruzou as pernas e tirou uma da cama. “O
que exatamente você quer dizer com isso?” ela perguntou.
Os olhos castanhos olhos de Holo brilhavam.
EPÍLOGO ⊰ 258 ⊱

“Eu pensei que era uma armadilha para me enganar de atuar muito
cedo. Quando vi Amati fazer a sua jogada, eu achei que você estava
completamente do lado dele — as penas brancas nem passavam pela
minha mente. Mas — a verdade era exatamente o contrário... não
era?”
Óbvio que era, os olhos de Holo pareciam dizer.
É claro que agora ele entendeu a intenção dela.
“Você queria me dizer que Amati tinha pirita o suficiente na mão
e que eu deveria agir logo. Certo?”
Lawrence não tinha confiado Holo, mas Holo havia confiado em
Lawrence.
Esse era o ponto crucial da questão.
Holo fez Amati tomar uma ação que não fazia sentido para
Lawrence, e por sua vez, Lawrence tinha decidido que não apenas
Amati estava tentando destruir a sua confiança, mas que Holo também
tinha se tornado hostil e estava tentando empurrá-lo em uma
armadilha.
A única parte em que Lawrence estava certo era em assumir que
Holo sabia o que ele pretendia fazer.
Se Lawrence tivesse notado as penas brancas e fizesse contato
visual com Holo, ele teria vendido sua pirita com ele ali mesmo.
“Honestamente...,” Holo murmurou.
Ela fez um gesto com o queixo para Lawrence continuar.
“E antes disso, o fato de que você tinha assinado a certidão de
casamento com Amati, quilo era...”
Era humilhante, mas ele tinha que continuar.
“...Era fazer com que fosse fácil eu ficar com raiva... não era?”
As orelhas de Holo se contraíram, e ela respirou fundo.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 259 ⊱

Parecia provável que ela estivesse ficando cada vez mais irritada
em relembrar.
Ela devia ter esperando Lawrence vir correndo até o segundo
andar, a qualquer momento, com a certidão de casamento na mão.
E, no entanto, não importa quanto tempo ela esperasse, ele não
veio — ela deve ter esperado até o amanhecer.
Lawrence se achava um homem de sorte por ela não ter rasgado
sua garganta.
“O que eu te disse em Ruvinheigen? Não seja inteligente e sutil o
tempo todo — me diga o que você está pensando! Se pudermos apenas
gritar um com o outro, os problemas se resolvem muito mais rápido.”
Holo coçou a base de suas orelhas, como se não pudesse ficar mais
irritada.
Ela propositadamente ficou imperturbável quando Lawrence viu
Amati saindo da estalagem e ainda aprontou uma certidão de
casamento, tudo para deixar Lawrence com raiva, tudo para ser mais
fácil ele dizer o que pensava.
E Lawrence tinha pensado que ela o estava avisando de suas
intenções.
E agora que ele pensava sobre isso, Lawrence percebeu que a
situação lá na estalagem tinha sido perfeita — perfeita para que ele
abrisse seu coração e admitisse para Holo que ele não queria que ela
aceitasse a proposta de Amati.
Se ele dissesse somente isso — teria sido suficiente.
“Então, eu estava errado desde o início.”
Holo dedilhou seu queixo e lançou um olhar para Lawrence que
ia do desprezo ao ressentimento.
Isso demonstrava o quão errado ele tinha estado.
EPÍLOGO ⊰ 260 ⊱

“Quando... quando você perdeu o controle por causa da questão


de Yoitsu... aquele último pedido de desculpas que você me deu, foi
—”
...Eu sinto muito, ela disse naquela noite com uma voz rouca.
“— Foi porque você tinha se acalmado... não foi?”
Holo olhou para Lawrence. Ela o encarou e mostrou suas presas.
Depois de seu ataque de abuso verbal, cheio de más intenções e
distorções, Holo tinha percebido o quão horrível ela estava sendo.
No entanto, ela não tinha continuado com a teimosia.
Ela se desculpou imediatamente com toda a sinceridade.
Mas Lawrence só tinha deixado as coisas piores, entendendo seu
pedido de desculpas como a palavra final que selava seu coração.
Ele tentou chegar até ela, mas parou.
Se ele conseguisse dizer alguma coisa, Lawrence pensou, ele
poderia ter sido capaz de resolver a situação.
Holo deve ter ficado surpresa.
Ela realmente tinha pedido desculpas pelas coisas terríveis que ela
disse, depois de perder a paciência, mas em vez de aceitar o pedido de
desculpas, Lawrence tinha saído da sala e fugido.
Ela não era boba; Holo deve ter visto que Lawrence não a
compreendeu.
No entanto, tendo percebido isso, Holo pensou que perseguir
Lawrence só para explicar que ele estava enganado seria ridículo.
Ela deve ter assumido que ele iria perceber seu erro muito mais
cedo.
Seus olhos agora estavam cheios de raiva com a incapacidade de
Lawrence ver isto.
“Seu — seu tolo!” Ela gritou, se levantando da cama. “É
exatamente isso que querem dizer quando falam que é difícil fazer um
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 261 ⊱

idiota entender as coisas direito. Você não só inutilizou meus esforços


que eu dolorosamente planejei, mas você ainda pensou que eu era sua
inimiga? E depois, por alguma razão, você foi perseguir esse contrato
com o garoto! Você tem alguma noção do quanto você dificultou as
coisas para mim? Podemos ter nos conhecido recentemente, mas eu
tenho a impressão de que partilhamos uma ligação incomum! Estou me
iludindo? Ou você realmente —”
“Eu quero continuar viajando com você.”
Havia apenas alguns passos entre a mesa e a cama.
Humano e loba, mercador e não mercadora — separados por
apenas alguns passos.
Se Lawrence estendesse a mão, ele logo a alcançaria.
“Minha vida não tem sido nada além de negócios, do amanhecer
ao anoitecer, e eu pretendo mantê-la assim. Você pode pensar em mim
como um cara lento quando se trata de qualquer outra coisa além de
negócios.”
A expressão de Holo ficou emburrada.
“Ainda assim — eu gostaria de viajar com você.”
“Bem... o que eu sou para você?”
Foi a pergunta que ele tinha sido incapaz de responder.
Agora, porém, ele tinha certeza.
“Não consigo expressar isso em palavras.”
Os olhos de Holo se arregalaram, suas orelhas ficaram em pé, e
então—
E então ela riu, tão frustrada com Lawrence que estava a ponto de
chorar. “Que tipo de frase mais seca é essa?”
“Ah, mas eu pensei carne seca era sua favorita!”
Holo riu com suas presas à mostra, a boca muito perto a mão de
Lawrence. “Eu odeio isso!”
EPÍLOGO ⊰ 262 ⊱

Lawrence sentiu uma dor passar através de sua mão, mas ele
calmamente a aceitou como sua punição.
“Eu ainda tenho uma pergunta para você,” Lawrence finalmente
falou.
“Oh?” disse Holo. Ela olhou para ele depois de morder sua mão
com uma raiva considerável.
“Como você sabia que os alquimistas tinham pirita — espere, não,
Amati, provavelmente te disse isso. O que eu quero saber é como você
conseguiu fazer Diana vendê-la para você? Eu simplesmente não
consigo entender.”
Holo olhou pela janela, como se dissesse “Ah, isso?”
O anoitecer tinha chegado, e as festividades da segunda noite
estavam prestes a começar.
Parecia que estavam sendo usados os mesmos bonecos gigantes da
primeira noite, embora estivessem muito piores do que antes. Metade
da forma enorme do lupino havia sido perdida. A fadiga dos
participantes era óbvia, mesmo à distância, enquanto eles
cambaleavam. Alguns até caíam de quatro — e não era brincadeira.
No entanto, a coluna marchou, puxada para frente pelos sons de
flautas e tambores.
Holo olhou para trás para Lawrence, seus olhos acenavam para
que se juntasse a ela na janela.
Não tendo nenhuma razão para recusar, ele foi até a janela.
“O garoto Amati me disse tudo o que ele sabia então eu fui capaz
de fazer uma suposição sobre o que você estava pensando. Mas seu
plano era — eu deveria te parabenizar.”
Holo olhava para o festival enquanto se inclinava nas costas de
Lawrence.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 263 ⊱

Ele era incapaz de ver sua expressão, mas tendo recebido um


elogio, ele sentiu que deveria aceitá-lo tão graciosamente quanto
pudesse.
“Então — Diana, não é? Eu fui vê-la por um motivo diferente.”
“Um motivo diferente?”
“Eu suponho que você possa chamá-lo de um favor. Eu rastreei a
localização dela pelo perfume na carta. O lugar fedia como a pior fonte
termal — estava longe de ser agradável.”
Enquanto Lawrence ficou impressionado com grande olfato de
Holo, ele teve que admitir que o lugar onde os alquimistas ficavam
deveria ser um sofrimento para ela.
Holo suspirou baixinho e continuou, sem olhar para Lawrence.
“Então eu perguntei para ela. Perguntei para ela se não poderia
inventar uma história que Yoitsu ainda existia ela a contasse para você.”
Lawrence inclinou a cabeça por um momento, confuso.
Mas então ele entendeu.
Se ele tivesse ouvido tal conto de Diana, ele certamente teria
achado mais fácil falar com Holo novamente.
Tendo isso como um gatilho, ele não precisaria de mais nada.
“No entanto,” continuou Holo, seu tom de repente parecia
irritado. “Aquela garota me fez explicar todas as circunstâncias
simplesmente para ela se recusar.”
“Ah... é mesmo?” Lawrence pensou nas palavras que Diana tinha
falado para ele ao deixar sua casa: Boa sorte.
Teria sido sarcasmo?
“Foi culpa sua que eu fui recusada! Porque você não leva isso em
consideração?”
Lawrence foi surpreendido por essa reviravolta com Holo pisando
em seu pé — embora ele não entendesse o motivo.
EPÍLOGO ⊰ 264 ⊱

“Honestamente... eu sofri com a humilhação de explicar tudo e


quando estava quase conseguindo que ela me ajudasse então você
apareceu e fez aquela garota inventar esse plano sem sentido.”
Ele estava completamente atordoado — Holo estava lá quando ele
visitou Diana?
“Ela disse que seria bom para testar sua determinação — que
audácia, agindo como se me conhecesse!”
Lawrence agora entendia de onde vinha o ‘boa sorte’ de Diana.
Mas ele sentiu que ele estava esquecendo alguma coisa
importante.
“Eu também ouvi aquela pergunta idiota que você fez para ela.”
“Ah—!” Lawrence gritou com a voz estrangulada.
Holo sorriu diabolicamente e se virou para enfrentar Lawrence.
“Então, existem muitas histórias de deuses e humanos se tornando
companheiros, hein?” Seus olhos eram assustadores.
Ela passou seus braços finos em torno de Lawrence, como uma
cobra aprisionando sua presa.
“Se é assim que você se sente, eu não me importaria. Mas eu
peço...”
A luz que entrava pela janela lançava um brilho vermelho sobre as
curvas de Holo.
“...Eu peço que seja gentil comigo.”
Ela realmente deve ser um demônio, Lawrence pensou meio a sério —
mas logo ela deixou a provocação de lado.
“Mm. Eu simplesmente não consigo me animar depois de falar
com aquela garota,” disse Holo, parecendo cansada enquanto olhava
para fora da janela, com os braços ainda ao redor de Lawrence.
Ela não parecia estar olhando para o festival, mas para algum lugar
distante.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 265 ⊱

“Você notou que ela não era humana?” Holo finalmente falou.
Lawrence não podia nem mesmo dizer um “certamente não.”
“Você viu as penas espalhadas na sala, não viu? Eram dela.”
“... Elas eram?”
Agora que Holo mencionava, Lawrence se lembrava de algo em
Diana que o fez pensar em um pássaro.
Holo assentiu e continuou “Sua verdadeira forma é um pássaro,
muito maior do que você. Ela se apaixonou por um monge viajante e
passou muitos anos construindo uma igreja com ele, mas
eventualmente ele percebeu que não importa quantos anos se
passassem, a garota nunca envelhecia — então o monge começou a
suspeitar. Sem dúvida você consegue imaginar o resto.”
Lawrence sentiu os braços de Holo se apertarem em torno dele.
Ele pensou que agora entendia a razão pela qual Diana coletava
histórias e por que ela protegia os alquimistas.
Mas seria doloroso dizer isso. Certamente Holo não queria ouvir
isso também.
Lawrence não disse nada.
Em vez disso, ele simplesmente colocou seus braços em volta dos
ombros de Holo.
“Eu quero voltar para a minha terra natal Lawrence. Mesmo...
mesmo que ela não esteja mais lá.”
“Nós vamos.”
Fora da janela, os bonecos gigantes de humanos e lupinos
colidiam, e uma grande alegria surgia.
Mas Lawrence percebeu a exibição não reencenava alguma
batalha.
As pessoas que controlavam esses fantoches estavam rindo, e cada
espectador parecia ter um copo de cerveja na mão.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 267 ⊱

Eles não estavam batendo uns nos outros, mas colocando os braços
sobre os ombros de cada um.
Logo eles começaram a cantar e dançar, e os bonecos gigantes no
centro do cruzamento foram incendiados.
Holo deu uma risadinha. “Os seres humanos gostam de se exibir.”
“Eles gostam.”
Apesar de sua distância da interseção, Lawrence podia sentir o
calor das chamas em suas bochechas.
O anel de foliões que cercavam o fogo deu um grande grito. A
própria fogueira parecia intensa o suficiente para dominar a lua pálida.
Mais uma vez na cidade de Kumersun, vários deuses e humanos
de perto e de longe vieram para beber e comemorar depois de colocar
um fim em suas discussões.
Os conflitos tinham finalmente acabado.
“Vamos?” Perguntou Holo.
“Acho que nós devemos?”
Mas Holo não se moveu imediatamente. Ela olhou para Lawrence
perplexo. “Da minha parte, eu não me importaria se você fosse tão
caloroso quanto aquele boneco.”
Os bonecos de fogo tinham começado a entrar em colapso em
uma única fogueira.
Lawrence riu. “Talvez se eu estiver bêbado o suficiente.”
Holo riu, brilho nos dentes afiados. Sua cauda abanando enquanto
falava. “Se você ficar bêbado, quem vai cuidar de mim? Seu tolo!”
Lawrence tomou a mão da Holo sorridente e a levou para fora.
À noite Kumersun tinha sido mais uma vez incendiada com as
festividades.
Algum tempo depois, surgiram rumores de que uma verdadeira
deusa tinha andado em meio à multidão.
az um bom tempo! Eu sou Isuna Hasekura e este é o
terceiro volume, portanto, a terceira história da série.
Desta vez eu senti como se eu fosse capaz de escrever sem
esquecer as personalidades dos personagens. Em vez
disso, eu esqueci a data de entrega deste posfácio, e há poucos minutos
atrás eu recebi uma ligação do meu editor, cujo sorriso nem um pouco
amigável eu fui capaz de ouvir daqui.
Estou até me preguntando se serei esquecido pelos leitores.
Bom, volume 3 implica em três livros, portanto esta é a terceira
novel. Por volta desta época no ano passado, eu passei da primeira
seleção do Dengeki Novel Prize e montei acampamento ao lado do
telefone, esperando os resultados da segunda seleção. Naquela época,
escrever um único volume era um esforço enorme — eu escrevia e
então jogava fora, escrevia de novo e jogava fora novamente.
SPICE & WOLF VOL III ⊰ 269 ⊱

Então, desde o final do ano passado venho escrevendo a um ritmo


heroico, e mesmo antes, sinto como se tivesse crescido um pouco.
Meu hobby atualmente é navegar por sites de imóveis. E não são
imóveis quaisquer. Estou falando de algo grande — de mansões e
condomínios custando centenas de milhões de ienes.
Eu gosto da vista de lugares altos, então eu estava pensando que,
algum dia, eu gostaria de morar em um condomínio bem alto, com
vista para as luzes da cidade à noite. Eu andei procurando por modelos
de imóveis do tipo, e eles são extraordinários. Tudo feito com um luxo
inimaginável, e antes que eu pudesse perceber, já estava viciado.
Os preços têm tantos zeros que esfrego meus olhos para ter
certeza que estou vendo direito, e quando vejo associações de vizinhos
custando meros duzentos ienes, eu fico genuinamente aliviado. De
alguma forma, sinto como se pudesse trabalhar e continuar vivendo.
Quando eu percebo que ter uma garagem e uma adega de vinho (gente,
tinha uma adega de vinho!) em uma dessas mansões custaria mais do
que o aluguel do meu apartamento inteiro, bom, acho que sou apenas
um pobre de coração. Espero que vocês tenham paciência comigo.
E agora meus agradecimentos.
Para o ilustrador Jyuu Ayakura-sensei, obrigado por ter tempo no
meio da sua agenda lotada para desenhar imagens tão lindas. Elas fazem
com que eu me esforce para que minha escrita esteja à altura.
E para o meu editor, Koetsu-sama. Pela sua paciência em guiar a
minha gramática, eu te agradeço. Como correções básicas do meu
japonês tem se tornado cada vez menos frequentes, eu vou me dedicar
melhor a tudo que vem depois dessas correções.
Finalmente, a todos os meus leitores, obrigado por ter este livro
em suas mãos.
Vamos nos encontrar no próximo volume.

— Isuna Hasekura
XTRAS
POSFÁCIO ⊰ 272 ⊱
OS AUTORES
http://hasekuraisuna.jp/

Billionaire Magdala de Shoujo wa World End


Isuna Hasekura Girl Nemure Shoka no Economica
História Umi de
Nemuru

Nascido em 27 de dezembro de 1982, Isuna Hasekura é um estudante de física e


gasta seus dias lamentando a cruel natureza do mundo desde que estudar
harmônicas de superfície esférica falhou em dar a ele o resultado correto da
restituição do imposto de renda. Entretanto, devido a situações atenuantes, ele é
incapaz de prover uma explicação satisfatória sobre harmônicas de superfície
esférica.

Gelatin Risou no Uchi no Maid Witch Hunt


Juu Ayakura Himo wa Futeikei Curtain Call
Arte Seikatsu

Nascido em 1981. Local: Kyoto. Tipo sanguíneo: AB. Atualmente vivendo uma vida
livre e espartana em Tokyo, ele tem sido até então incapaz de por seus planos de
peregrinação aos templos em ação.

Você também pode gostar