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PUBLICADO

10.05.2008
O uvindo rumores sobre um “osso de pata de lobo” sendo
usado como um artefato da Igreja para demonstração de poder,
Lawrence e Holo seguiram para o local para coletar mais
informações. Afinal, Holo não poderia simplesmente dar as
costas para o que poderia ser uma relíquia da sua própria espécie.
Claro, ao chegarem, os viajantes descobriram que a cidade era o
centro de uma grande disputa comercial! Parece que Col vai
receber uma lição sobre microeconomia!
SPICE & WOLF VOL I ⊰4⊱
VER O ROSTO CHOCADO DE COL NAQUELE
MOMENTO ERA BASTANTE INTERESSANTE “SER UMA PESSOA
AGRADÁVEL É UM
TIPO DE
TALENTO.” ELA
ADICIONOU COM
UM SORRISO
ENQUANTO
REMOVIA O
LENÇO,
REVELANDO SUA
FACE.

— TOTE COLE, O GAROTO VADIO

— EVE, A MULHER MERCADORA


SPICE & WOLF VOL I ⊰6⊱

“ISSO É TUDO?”
ELA PERGUNTOU CALMAMENTE EQUANTO
SEGURAVA SUA MÃO, FECHANDO UM DOS
OLHOS E MOVENDO AS ORELHAS
ALEGREMENTE.
“NUNCA PENSEI
QUE UM HOMEM
ENTRARIA AQUI
COM UMA CARTA
DAQUELA RAPOSA.
COMO GOSTARIA
DE SABER COMO
CONSEGUIU SAIR
POR CIMA.”

— TED REYNOLDS, MESTRE DA COMPANHIA JEAN


PRÓLOGO .................................................................. 9
CAPÍTULO I .............................................................12
CAPÍTULO II ............................................................63
CAPÍTULO III .........................................................128
POSFÁCIO ..............................................................198
EXTRAS ..................................................................200
lua se escondeu atrás das nuvens e a escuridão cobriu toda
a área.
Um vento frio soprou por um momento, suavemente
despenteando seu cabelo.
Contida em um lampião feito de arame dobrado, uma chama de
sebo tremeluzia incerta.
Estava frio, muito frio.
O som do gelo sendo esmagado sob o peso acompanhou o avanço
da carroça totalmente carregada.
Ninguém abriu a boca. Todo o grupo permaneceu em silêncio
enquanto avançavam.
PRÓLOGO ⊰ 10 ⊱

Ao lado da carroça, a luz instável do lampião tremeluziu,


iluminando o pescoço grosso do cavalo e as costas do cavaleiro que
caminhava à frente, segurando as rédeas.
Era como uma procissão de cadáveres.
Existem muitas histórias assim.
Mas a diferença aqui era que alguém estava parado na fila.
A figura não segurava nenhum lampião, mas sim um cajado, talvez
para bater no cavalo — ou em seu dono.
Essa única pessoa parou e olhou.
E na procissão mortal e inexpressiva, apenas um rosto transmitia
surpresa.
“Boa noite.”
As palavras abruptas ecoaram alto, talvez por causa do ar gelado.
Se alguém se agachasse e pegasse um punhado de cascalho sob os
pés, seria indistinguível do próprio gelo.
O indivíduo a quem a saudação foi dirigida era um mercador
veterano e grisalho, alguém que enfrentaria com calma até mesmo as
circunstâncias mais inesperadas.
Mesmo assim ela levou algum tempo para entender a situação.
“Um cavalo veloz, hein?” ela perguntou, de tal forma que deixou
claro para ele que não era o caso.
Como nenhum mercador mostra todas as cartas, ele não se dignou
a responder à pergunta.
Ela balançou a cabeça ali nas sombras.
O vento soprava.
Na escuridão, a caravana de carroças prosseguiu silenciosamente
sob a luz lançada pelas tochas afixadas na entrada da muralha da cidade,
como se estivesse indo para a forca.
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 11 ⊱

Na verdade, ela gostaria de usar sua vantagem ao máximo.


Mas a realidade é menor e mais triste do que uma peça. Muitas
vezes acontece que a pessoa não tem forças restantes quando mais
precisa.
Não era como se ela tivesse chegado a este lugar por mágica,
afinal.
"Vamos conversar em uma pousada aconchegante, certo?" Ela
falou no lugar dos outros, que estavam exaustos demais para abrir a
boca.
“Certo, Eve.”
Sua contraparte era um mercador grisalho.
À sua proposta prática, ele deu uma resposta igualmente prática.
mph...mmm...”
Ela moveu a boca, mastigando por um momento,
engolindo rapidamente, depois abrindo-a novamente.
Quando a colher lhe deu outro pedaço de mingau, ela
rapidamente mordeu.
De vez em quando, ela mastigava a colher como uma cachorrinha,
apesar da idade.
Essa “cachorrinha” havia comido duas tigelas de madeira da crosta
do mingau grosso de pão, e agora finalmente parecia saciada. Ela
lambeu os lábios, então suspirou. Enquanto se reclinava em cima de
dois grandes travesseiros de lã, havia algo nela que parecia como uma
princesa em repouso.
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 13 ⊱

Mas, infelizmente, seu físico estava muito magro no momento


para que ela fosse chamada de realeza.
Tendo tido a grande honra de abraçar aquele corpo, a impressão
do homem era que mesmo que ela não fosse realmente tão magra, pelo
menos ele não podia negar que ela parecia bastante forte.
Não, ele corrigiu sua opinião — o que a fazia parecer
particularmente desgastada hoje era porque, em uma rara ocorrência,
seu cabelo estava despenteado e emaranhado.
E talvez também porque o inchaço em seu rosto a fez parecer
extremamente descontente.
O nome da princesa esfarrapada era Holo.
E, é claro, Holo não era uma princesa, embora houvesse toda a
possibilidade de ela ter sido chamada de rainha, talvez em algum lugar
no extremo norte.
No topo da cabeça de Holo brotava um par de orelhas de lobo
orgulhosas e pontudas, e de sua cintura crescia uma majestosa cauda.
Embora ela atualmente parecesse ser uma adolescente, sua
verdadeira forma era a de uma loba enorme, grande o suficiente para
comer um homem adulto em uma única mordida. Ela se chamava de
loba sábia e vivia há séculos entre o trigo, garantindo uma boa colheita.
No entanto, apesar de sua linhagem, que era tão orgulhosa quanto
qualquer dinastia de reis, quando ele a via assim, podia entender por
que os aldeões que haviam orado por uma boa colheita finalmente
deixaram de confiar nela.
Era verdade, ele tinha que admitir, que sua dignidade e autoridade
alardeadas desapareceram quando ela o fez alimentá-la, seu cabelo
ainda despenteado.
Dito isso, a ideia de que ela abriu seu coração para ele o suficiente
para não se importar em parecer feia em sua presença tinha um certo
apelo.
CAPÍTULO I ⊰ 14 ⊱

Lawrence só podia considerar isso como uma ação reveladora da


parte dela.
Afinal, enquanto esta era a segunda vez que ela se permitia que ele
a alimentasse, ainda não se lembrava dela agradecendo.
Desta vez, ela agiu como se o ato fosse a coisa mais natural do
mundo, e uma vez que terminou de comer, ela arrotou alto, então
torceu as orelhas. Seu olhar estava distante. Talvez ela estivesse se
lembrando de algo.
Um momento depois, sua testa franziu em desagrado.
“Quem poderia conceber uma sábia loba reclamando de dores
musculares?” ela perguntou enquanto ele limpava os pratos, seus olhos
voltando o agora. “Comigo tão frágil, você deve me achar... ngh...”,
disse Holo, tentando inclinar a cabeça para frente e falhando.
Ao longo do dia anterior, Holo correu pelo deserto carregando
Lawrence e um outro nas costas, o menino estudante que vagava sem
destino, Col.
Talvez ela estivesse feliz por poder correr à vontade à luz do sol,
mas quando chegaram à pousada, ela estava tão exausta que não
conseguiu subir as escadas para o quarto deles — e mesmo assim, até
que adormecesse, seus olhos brilhavam com uma estranha excitação.
Ela mal havia descansado enquanto corria, esperando que
Lawrence e Col — que apenas se agarravam às suas costas — gritassem
por uma pausa.
Holo, em seu desejo sem fim de correr, parecia menos uma loba
prudente e cuidadosa e mais um cachorro solto em um campo.
Lawrence pretendia ser sarcástico sobre isso, mas quando elogiou
a agilidade de seus pés, o rosto dela se encheu de um orgulho diferente
de tudo que já havia demonstrado antes.
Em sua enorme forma de lobo, ela estava coberta de pelos grossos
que pareciam compostos de fios de prata, e quando ela se sentou
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 15 ⊱

orgulhosamente, ele sentiu uma presença que era verdadeiramente


digna do rótulo de “deusa”.
Mas quando ela estava tão genuinamente satisfeita com seu elogio
sarcástico, ele não pôde deixar de deixar escapar um sorriso pesaroso.
Holo foi adorada por séculos como uma deusa da colheita, então
ela provavelmente não podia evitar o quanto ela gostava de se
expressar com uma franqueza infantil — e a menos que Lawrence
interpretasse suas ações sob essa luz favorável, teria sido fácil esquecer
completamente que ela era na verdade, uma sábia loba.
Mas, claro, ele sabia por causa das suas viagens até agora, que esta
era simplesmente sua verdadeira natureza.
Então Lawrence elogiou como pôde.
Se ele tivesse dito mais alguma coisa, sua cauda poderia ter
balançado imediatamente.
Graças a seus esforços, Holo parecia tão mal naquela manhã que
era difícil olhar para ela, e sua constituição estava tão devastada que
Lawrence praticamente podia sentir. Lembrou-se de uma doença
verdadeiramente grave.
Quando se descobriu que ela estava apenas dolorida, ficou tão
aliviado que quis gritar com ela por tê-lo feito pensar o contrário.
Afinal, ela não conseguia levantar os braços ou virar a cabeça, e
suas costas doíam demais para ela ficar de pé — a própria imagem de
uma pessoa muito doente, de fato.
O que a distinguia de uma pessoa doente era seu apetite
inteiramente saudável.
“Ah, bem, suponho que seja o resultado de correr tanto
carregando duas pessoas nas costas.”
“Sim, é verdade que corri um pouco demais.”
As únicas partes de seu corpo que ela podia mover corretamente
eram suas orelhas e cauda.
CAPÍTULO I ⊰ 16 ⊱

Mas apesar de sua condição terrível, ela não parecia


particularmente arrependida.
Mesmo que ela tenha gostado muito da forma humana, talvez
simplesmente sentisse que sua verdadeira forma de lobo se encaixava
melhor nela.
Quando ele pensava assim, talvez uma das fontes de seu
descontentamento durante suas jornadas até agora fosse a simples
frustração por ser incapaz de viajar livremente em sua verdadeira
forma.
“Mesmo assim,” disse enquanto Lawrence pensava. Ela bocejou
um pouco antes de continuar: “É vergonhoso estar com tanta dor que
não consigo sair da cama. Seria melhor se aqueles que andaram nas
minhas costas também não conseguissem se levantar.”
Ela não conseguia mover o corpo, mas sua boca funcionava muito
bem.
Holo sorriu maliciosamente, mas sua atitude era um completo
fingimento e, portanto, difícil de levar a sério.
Se Col estivesse ali, provavelmente estaria um pouco perturbado,
mas felizmente ele havia saído.
“Se você é tão sábia e perspicaz para que eu deixe tudo por sua
conta, então talvez eu devesse dar um passo para trás e seguir sua
liderança. Embora eu acredite que você não se esqueceu da noite
passada, não é?” perguntou Lawrence, e pela primeira vez Holo não o
refutou.
Muito pelo contrário, ela mordeu o lábio em frustração e se virou.
Ela parecia se lembrar muito bem do fracasso da noite anterior.
“Honestamente. Impossível seguir sua liderança — eu tenho que
manter um controle mais firme em suas rédeas. Quem você disse que
guiava quem?”
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 17 ⊱

Parecia uma boa oportunidade para fazer Holo considerar as


consequências de suas ações, Lawrence pensou enquanto a
pressionava.
No dia anterior, a velocidade de Holo os deixou sem escolha a não
ser abandonar o barco que descia o rio Roam, e assim eles chegaram à
cidade portuária de Kerube ao meio-dia. Se tivessem permanecido no
barco, a mesma distância teria levado dois dias inteiros.
Tal velocidade era mais rápida do que qualquer cavalo que
poderiam sonhar em alugar.
Havia, de fato, uma razão para terem viajado tão rapidamente.
Eles estavam perseguindo rumores sobre os ossos de um grande
lobo encontrado em uma vila na região montanhosa de Roef. Eles não
tinham provas, mas parecia provável isso pertencia a um lobo não
muito diferente de Holo, e havia a possibilidade de que as autoridades
da Igreja tentassem profanar os restos mortais para demonstrar seu
próprio poder.
Isso não era algo que Holo pudesse tolerar.
Lawrence não foi tão arbitrário a ponto de mudar seu plano inicial
e descer o rio para perseguir esse rumor apenas por esse motivo —
mas ele também não foi honesto o suficiente para dizer em voz alta o
verdadeiro motivo.
De sua parte, Lawrence estava usando a desculpa de que queria
que terminassem suas viagens com um sorriso, mas se ele tivesse
perguntado a Holo, não havia dúvida de que ela teria preparado uma
desculpa diferente.
No processo de coleta de informações sobre os ossos do lobo, eles
descobriram que entre aqueles que perseguiam as relíquias estavam as
autoridades da Igreja na região do rio Roam.
E foi por isso que vieram para a cidade portuária de Kerube —
para falar com Eve, que sem dúvida conhecia a região do Rio Roam
com a palma da mão.
CAPÍTULO I ⊰ 18 ⊱

Eve, que já fora uma nobre no passado e agora uma mercadora


arruinada, uma vez conspirou com a Igreja em Lenos, então não havia
dúvidas de que sua rede de informações era profunda. Além disso,
houve o incidente de peles em Lenos, onde ela afundou um barco no
rio simplesmente para bloqueá-lo como parte de seu esquema de
exportação de peles, o que deu a Lawrence amplos poderes para
questioná-la. Assim, Lawrence, Col e Holo desembarcaram do barco
de Ragusa, e os dois primeiros subiram nas costas de Holo em busca
de Eve.
Mas eles tinham calculado mal. Depois de chegar ao navio que
perseguiram por algum tempo, descobriram que Eve não estava a
bordo.
No entanto, eles encontraram Arold, o dono da pousada em
Lenos, onde Lawrence e Holo ficaram. Isso foi o suficiente para dizer
a eles que o navio estava de alguma forma envolvido com Eve, mas,
estranhamente, o grande volume de peles que deveria estar carregando
não foi encontrado em lugar nenhum.
Não havia dúvidas de que Eve tinha empacotado as peles e estava
tentando alcançar Kerube.
O que significava que havia uma grande probabilidade de que ela
tivesse mudado para uma rota terrestre no meio de sua jornada.
Mesmo que tivesse usado um navio para transportar as mercadorias
rapidamente, se a distância não fosse muito grande, dificilmente seria
como se outros métodos não estivessem disponíveis.
Supondo que, por sorte ou como parte de seu plano, ela tivesse
conseguido alguns cavalos, a escolha de mudar para uma rota terrestre
no meio do caminho não seria tão estranha.
Pelo contrário, dado que um navio havia sido afundado para
bloquear o tráfego fluvial seguinte, era óbvio que o responsável seria
alguém que havia carregado aquele primeiro navio com peles.
Carregar alegremente suas peles rio abaixo era como se proclamar em
voz alta a culpada, então mudar para viagens terrestres seria uma boa
maneira de evitar tais suspeitas.
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 19 ⊱

Lawrence pensou sobre isso e concluiu que Eve já estava a


caminho de Kerube. Holo queria interrogar Arold sobre seu destino,
mas Lawrence conseguiu controlá-la e continuar rio abaixo.
Por volta do crepúsculo, Holo avistou uma caravana distante,
confirmando a teoria de Lawrence.
Eve liderava a fila de cavalos.
Lawrence e Holo se adiantaram e esperaram sua chegada na
entrada da cidade portuária de Kerube.
Naquele momento, o rosto de Eve parecia como se ela tivesse
encontrado o cadáver vivo de alguém que ela sabia estar morto e
enterrado.
Eve entrou em Kerube com Lawrence e os outros, seu cabelo
esvoaçando ao vento que estava tão frio que parecia soprar diretamente
de uma caverna de gelo. Após uma breve discussão, eles ficaram em
uma pousada que ela havia recomendado.
A reunião pegou Eve completamente de surpresa, dando a
Lawrence a vantagem, mas ele não pôde deixar de conduzir sua breve
conversa com uma certa quantidade de suspiros.
Holo tinha se transformado de volta para uma garota, e embora
ela ainda o encarasse, estava muito cansada para falar corretamente.
Não era como se Lawrence fosse incapaz de prever o que
aconteceria se Holo entrasse na mesma sala que Eve, com quem ela já
havia brigado uma vez em Lenos.
No entanto, ele não tinha imaginado que chegaria a golpes reais.
“É por causa de sua postura covarde. Você esqueceu tão
facilmente quem foi que deixou essa marca em seu rosto?” Holo
enfatizou sua afirmação.
“Certamente você não acha que criticar o outro valida seu próprio
ponto de vista, não é?”
“Hmph…” Holo fechou a boca e puxou o queixo.
CAPÍTULO I ⊰ 20 ⊱

Ela entendeu que era ela quem estava errada.


No entanto, Lawrence entendia muito bem a razão pela qual ela
não estava aceitando isso silenciosamente e se desculpando.
“Devo dar um ponto para a Eve por causa disso. Diante de seu
semblante ameaçador, ela escolheu se retirar em vez de revidar.”
Os olhos de Holo se desviaram de Lawrence.
Deixada sozinha, Holo teria saltado para Eve bem no local, mas
Lawrence a impediu fisicamente de fazê-lo.
Os olhos de Eve os examinaram com uma frieza de cobra, nem
intimidada nem desdenhosa, e no final, ela até sorriu levemente.
“É porque ela julgou que brigar com a gente lá não trazia nenhum
lucro para ela.”
“Ah, então agora você vai falar comigo como uma criança que não
entende sobre lucro e prejuízo?” retrucou Holo, fechando a boca. A
expressão dela. estava cada vez mais tensa, como se mil palavras
estivessem girando dentro de sua garganta.
Lawrence a observou, sentindo-se bastante exausto.
Olhando para suas orelhas, ficou óbvio que ela não estava
realmente com raiva.
Então, por que ela teria agido do jeito que agiu...
“É porque Eve percebeu que sua raiva não era racional, não é?
Você estava com raiva como uma criança está com raiva. Deixando
tudo sobre ganhos de lado.”
Em outras palavras, Eve percebeu que havia pisado em uma cauda
que não deveria.
Se seu oponente estivesse racionalmente zangado, então Eve
poderia tê-la enfrentado com razão, mas tentar raciocinar com uma
raiva de paixão só teria o efeito oposto. Então Eve humildemente
abaixou a cabeça.
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 21 ⊱

Nesse ponto, Holo, embora ainda com raiva, teve que reconhecer
o bom senso de Eve e deixá-la ir.
E, no entanto, ela não podia simplesmente aceitar a situação.
Embora a lógica exigisse que Holo desculpasse Eve, não era uma
coisa fácil.
Holo rangeu os dentes diante da influência de Eve. Interromper o
confronto exigia que Lawrence fizesse uma influência própria.
Ela certamente era uma princesa problemática.
“Bem, tendo tido um confronto tão apaixonado, deveria tornar
mais fácil falar racionalmente. Mais fácil para nós encontrar algum
ganho.”
“…E?” Holo olhou para ele.
Envergonhado, Lawrence afrouxou os ombros e suspirou
suavemente.
Foi um suspiro de aquiescência.
“Se era por mim que você estava com tanta raiva... obrigada.”
Desde os tempos antigos, as promessas costumavam ser feitas
verbalmente, falando-as em voz alta — exceto nos negócios.
Mesmo agora, Lawrence não conseguia escapar do
constrangimento que sentia ao falar claramente seus sentimentos, mas
se Holo exigia isso dele, então ele teria que dar um jeito.
A negociação exigia firmar compromissos para ambas as partes.
“Sim, desde que você entenda.” O veneno finalmente drenou de
seu rosto, e suas orelhas se moveram rapidamente.
A conversa fraca do mercado do outro lado da rua era audível
através da janela.
A luz do sol de inverno estava quente, e enquanto se estivesse
diretamente sob seus raios, parecia quase como se a primavera tivesse
chegado.
CAPÍTULO I ⊰ 22 ⊱

Lawrence não pôde deixar de sorrir diante do absurdo de tudo


aquilo, e Holo também riu.
Foi um momento agradável, tranquilo e precioso.
“Agora vou apenas arrumar os pratos...”
“Sim”, disse Holo em resposta à declaração de Lawrence, que foi
mais para ele mesmo. Seu olhar se voltou para sua cauda — que, junto
com suas orelhas, eram as únicas partes inesgotáveis de seu corpo —
como se ela quisesse penteá-la.
Era uma cena que se repetia muitas vezes em sua jornada.
No entanto, havia um elemento que diferia do normal.
O elemento em questão era Col, que tinha ido fazer compras no
mercado, do qual Lawrence se lembrou quando bateram na porta.
Após alguns momentos de espera, a porta se abriu e lá estava Col,
carregando uma tigela de madeira.
Lawrence procurou em sua memória exatamente o que Col tinha
saído para comprar, e nesse momento, um cheiro forte atingiu seu
nariz – um cheiro peculiar, como ervas doces fervidas em água
sulfurosa.
Ele se encolheu ante o odor avassalador, mas Col parecia não se
importar nem um pouco.
“Eu fiz uma pomada!” ele disse, entrando alegremente na sala.
Pela respiração ofegante, Lawrence percebeu que o menino se
apressara.
Holo tinha gostado de Col e acariciou sua cabeça. Enquanto isso,
Col parecia ter ficado bastante impressionado com Holo.
Ao ver seu estado esta manhã, ele saltou para fora do quarto como
uma lebre, para a agitação matinal da cidade.
O povo das terras do norte tinha um conhecimento excepcional
de ervas medicinais como essas.
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 23 ⊱

Não era exagero dizer que eles tinham remédios para tudo, de
cortes a febres. Ele certamente havia feito uma pomada que seria eficaz
para dores musculares.
Os pensamentos de Lawrence foram tão longe, mas então ele se
conteve.
Holo.
Lawrence virou-se para ver a sábia loba de orelhas aguçadas e nariz
afiado de Yoitsu tendo literalmente virado a cauda e se enrolado em
agonia com o cheiro.
Ele não pôde deixar de simpatizar.
Mas ela poderia recusar a pomada medicinal que Col tinha feito
com a bondade de seu coração?
Lawrence ignorou o olhar desesperadamente suplicante que Holo
lhe deu por trás do travesseiro, e no momento em que passou por Col

“Ah, esta pomada vai funcionar em suas feridas também, Sr.
Lawrence.”
Holo enterrou o rosto no travesseiro, mas suas orelhas se
levantaram alegremente ao ouvir isso.
A pomada tinha uma cor verde profunda e uma consistência
suspeitamente espessa.
Lawrence aplicou um pouco em um pedaço de pano, depois
aplicou na parte inchada de sua bochecha direita. Instantaneamente, o
cheiro pungente o perfurou como uma agulha, e um calor intenso se
espalhou por seu rosto. Aquilo ardia em seus olhos e parecia quase
torcer seu nariz.
E, no entanto, Col havia poupado alguns de seus parcos fundos de
viagem para fazer o bálsamo, de modo que não podia ser desperdiçado.
Ainda assim, o cheiro terrível…
CAPÍTULO I ⊰ 24 ⊱
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 25 ⊱

Quando Lawrence o esfregou nos ombros e nas costas de Holo,


ela olhou para ele com olhos verdadeiramente aterrorizados. Dada a
sensibilidade de seu nariz, ela sem dúvida estava realmente sofrendo.
E, no entanto, uma parte de Lawrence sentiu que não deveria ter
que ser o único forçado a suportar a coisa, e dado que parecia ser
eficaz, ele esfregou em Holo do mesmo jeito.
Holo fez ruídos indescritíveis enquanto o aplicava a ela, nenhum
dos quais era remotamente encantador.
Como penitência, Lawrence provavelmente teria que comprar
roupas novas para ela mais tarde. Isso ou um bom vinho.
Uma vez que terminou de esfregar, ela deu um último olhar
venenoso, que ele supôs ser inevitável.
“Ah, isso mesmo. O mercador que conhecemos ontem no
caminho disse que quer se encontrar com você.”
Assim que terminou de aplicar a pomada nos lugares do corpo de
Holo que estavam particularmente aflitos, Lawrence limpou o excesso
de suas mãos.
Parecia bastante claro que era um remédio forte, então
provavelmente teria algum tipo de efeito.
Ao responder a Col, Lawrence observou Holo pelo canto do olho
— ela estava enrolada e gemendo na cama, provavelmente pelo cheiro
da pomada. “O mercador que conhecemos ontem? Você quer dizer
Eve?”
“Isso.”
“A pressa é uma virtude, hein? Ela vai embora hoje ou amanhã, eu
acho.”
Embora ela fosse uma nobre caída, Eve estava subindo no mundo
dos mercadores com uma velocidade incrível.
Em Lenos, a cidade de madeira e peles, ela havia enlaçado
Lawrence como parte de um inacreditável comércio de peles. Além da
CAPÍTULO I ⊰ 26 ⊱

pele que ganhou em sua enorme aposta, ela chegou até mesmo a
afundar um navio no rio para que ninguém mais pudesse transportar a
pele do jeito que ela fizera.
Com sua mente astuta e coragem abundante, ela tomou todas as
precauções, mas se demorasse nesta cidade, o dique que havia
construído para os negócios perigosos provavelmente se romperia. Ela
gostaria de se apressar para longe o mais rápido possível.
Além disso, ela tinha que mover a pele que trouxera de Lenos para
a próxima cidade.
Como esta cidade estava apenas começando a crescer,
provavelmente era muito pouco para Eve.
“Disse para onde eu deveria ir?”
“Er, ele disse aqui na pousada.”
“…Entendo.”
Eve era uma pessoa bastante ocupada no momento, então ela
desviar suas tarefas para vir aqui trazia implicações pesadas.
A primeira coisa que Lawrence pensou foi que ela gostaria de
evitar ser acusada de afundar o navio no rio Roam.
“Então, você tomou café da manhã?”
“Huh? Ah... er, sim.”
Embora não tivesse o talento de Holo para isso, como mercador,
Lawrence era razoavelmente bom em detectar mentiras.
Ele cutucou levemente a cabeça de Col, e então, sem dizer nada,
jogou um saco de pão para ele.
O mais provável é que ele tivesse usado o dinheiro do café da
manhã para comprar as ervas com as quais preparara o unguento.
Com o perigoso objetivo de usar a autoridade da Igreja para
proteger uma aldeia pagã, Col havia viajado para o sul para estudar a
lei da Igreja — o menino era mais ortodoxo que os próprios
ortodoxos.
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 27 ⊱

Col hesitou em aceitar o saco, mas Lawrence fingiu não notar,


aventurando-se até Holo, que ainda gemia debaixo do cobertor.
Quando ele a informou de seu plano de sair um pouco, ela não
levantou a cabeça, respondendo em vez disso com as orelhas.
Lawrence se perguntou se o odor seria suficiente para fazê-la
desmaiar, mas, surpreendentemente, parecia não ser o caso.
Lawrence também começou a achar o cheiro menos desanimador.
A mancha inchada em sua bochecha direita estava um pouco
quente e, por sua vez, o hematoma começou a melhorar.
Holo, a sábia loba, certamente tinha uma compreensão ainda mais
clara do efeito do remédio em seu corpo, ele supôs.
Do outro lado da cama, ele ouviu as palavras: “Eu não vou te
perdoar se você perder”. A partir disso, concluiu que seu palpite não
estava errado.
Um pouco aliviado, Lawrence olhou por cima do ombro, ao que
Col — que há algum tempo segurava o saco envergonhado —
levantou-se, um pão nas duas mãos.
A sacola continha tanto pão de centeio normal quanto pão de
centeio assado com leite, mas Col pegou apenas o primeiro. Lawrence
não pôde deixar de sorrir com a reserva do menino.
Ele desejou que Holo aprendesse um pouco com isso.
“Então, você vem?” Lawrence perguntou, querendo dizer se Col
planejava ir ao encontro com Eve.
Os olhos de Col se moveram por um momento, mas então ele
assentiu.
Lawrence pretendia perguntar a Eve sobre o osso da perna do lobo
que supostamente veio de um espírito ou deus como Holo, que por
sua vez era o deus que a vila de nascimento de Col adorava.
Afinal, era para descobrir a verdade dos rumores em torno do osso
deste deus-lobo que Col estava viajando com Lawrence e Holo.
CAPÍTULO I ⊰ 28 ⊱

Tudo isso significava que ele tinha todos os motivos para querer ir
junto.
E ainda assim Lawrence teve a sensação de que se não tivesse
convidado o menino, ele não teria vindo.
Apesar de sua juventude, ele era de uma disposição nervosamente
educada.
Sua atração por Holo certamente estava enraizada em achar sua
arrogância casual refrescante.
“Bem, então é melhor você terminar o pão rapidamente”, disse
Lawrence ao sair da sala, e Col rapidamente enfiou o pão na boca.
“C-certo!”
Lawrence então ofereceu uma declaração adicional. “Quando
terminar, é claro, não esqueça de dar um jeito em sua cara de 'acabei
de comer pão de centeio!'!”
Embora Col tivesse desfrutado de uma boa e culta educação na
abadia, parecia que suas viagens empobrecidas haviam causado estragos
em seus modos à mesa, e ele era um pouco selvagem.
Com as bochechas cheias de pão como um esquilo, ele ficou lá sem
expressão.
Ele então pareceu entender o que Lawrence queria dizer e,
engolindo o pão com um sorriso, respondeu: “A Igreja também ensina
que devemos esconder a boca quando comemos”.
“Mas isso é para esconder quando você está comendo algo bom,
não é?”
Lawrence fechou a porta e começou a andar com Col seguindo
um passo atrás dele como um filho fiel.
“Obrigado pelo pão. Estava delicioso”, disse Col – e sendo um
rapaz inteligente, disse isso com um leve sorriso.

O primeiro andar da pousada era uma área de jantar.


SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 29 ⊱

Era geralmente aceito que apenas os viajantes se entregavam à


extravagância conhecida como “café da manhã”, de modo que os
sentados às mesas estavam todos vestidos para viajar.
Entre eles estava Eve em sua mesa, com a aparência de sempre.
De relance, ela parecia uma viajante prestes a iniciar alguma
jornada.
E era perfeitamente possível que fosse isso mesmo.
O que mais preocupava Lawrence naquele momento era que Eve
não apenas tinha o rosto escondido atrás do lenço que ela usava, mas
também que o lenço cobria seu nariz.
“…Que odor terrível.”
O estalajadeiro atrás do balcão estava lançando um olhar de
reprovação para Lawrence, e os outros clientes ficaram tão aturdidos
que esqueceram sua raiva.
Lawrence permaneceu desafiadoramente despreocupado, e Col,
por sua vez, parecia genuinamente despreocupado.
Enquanto os aromas que as pessoas preferiam diferiam de região
para região, certamente este era um exemplo extremo, Lawrence
pensou consigo mesmo enquanto se sentava em frente a Eve.
Então Eve disse algo realmente inesperado.
“Ainda assim, eu não sinto o cheiro disso há muito tempo. Sem
dúvida, esse seu machucado desaparecerá à noite.”
A bochecha direita na qual a pomada de Col havia sido aplicada era
a mesma bochecha direita que Eve havia golpeado com força com um
cabo de machado durante sua briga com Lawrence.
Seu tom era um pouco brincalhão. “Então ele preparou um
remédio para você, hein? Rapaz educado,” ela disse com um leve
exagero em sua voz, olhando além de Lawrence para Col, que estava
atrás dele.
“Você é de Roef?”
CAPÍTULO I ⊰ 30 ⊱

Eve calmamente fixou Col em seu olhar, então fechou os olhos


brevemente.
Lawrence não conseguia adivinhar o que ela poderia estar
pensando.
“De qualquer forma, conheço as margens do rio Roam com a
palma da mão. E é por esse conhecimento que você me perseguiu até
aqui, certo? E com uma velocidade tão inacreditável que não consigo
imaginar como você conseguiu.”
Através da abertura no lenço com o qual ela escondia o rosto, seus
olhos se estreitaram.
Era a virtude de todos os mercadores que, mesmo que estivessem
preparados para matar uns aos outros ontem, se seus interesses
estivessem alinhados hoje, eles dariam as mãos alegremente. Sem uma
relação contratual, não haveria ressentimento emocional persistente.
Mesmo com tudo o que havia acontecido em Lenos, eles agora
eram como velhos conhecidos.
“Meu choque ontem à noite foi o mais profundo que tive em
muitos anos. Eu me perguntei se havia algum erro com o contrato.”
Embora ele sempre se sentisse confuso com a maneira indireta de
falar de Holo, esse tipo de troca era algo que Lawrence entendia muito
bem.
O zumbido em seu peito era uma emoção não muito diferente do
amor.
Este jogo que os mercadores jogavam, cada um tentando sondar o
outro e aprender os verdadeiros motivos do outro — era uma delícia,
fazia cócegas.
“É verdade, eu busco apenas o seu conhecimento — nenhum
contrato de comércio nos une.” Dadas as circunstâncias, Lawrence
queria deixar bem claro que não estava atrás das peles de Eve.
Eve assentiu levemente, então se levantou de seu assento. “Vamos
mudar para outro lugar. Estamos apenas ganhando a ira do
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 31 ⊱

estalajadeiro e de nossos colegas clientes aqui,” ela disse


travessamente.
Mas não era necessariamente uma piada, então Lawrence se
levantou e, com Col no encalço, seguiu Eve.
“Então, e sua companheira?” ela perguntou.
Eles saíram da pousada para uma rua estreita — era mais um beco
largo, verdade seja dita.
A cidade de Kerube era dividida em metades norte e sul pelo rio,
e a pousada em que Lawrence estava hospedado ficava na parte norte.
Edifícios limpos eram poucos e distantes entre si no lado norte e,
embora o mercado ribeirinho fosse animado, mesmo a uma curta
distância becos e construções em ruínas eram comuns. A impressão
avassaladora era de desespero.
A altura dos prédios estava longe de ser uniforme, ou porque o
governo local tinha políticas generosas em questões de estética cênica,
ou porque simplesmente não tinha poder político para fazer algo a
respeito.
Lawrence refletiu sobre o assunto enquanto Eve se dirigia sem
hesitação para o lado oposto do mercado.
“Minha companheira está bastante cansada de nossa viagem. Ela
está na cama com essa pomada no corpo.”
“Isso é...” Eve parou, então olhou de volta para Col, e por trás de
seu cachecol Lawrence percebeu que ela estava sorrindo. “…Bem,
você saberá em breve.”
Mesmo que não fosse sobre Holo, Lawrence poderia dizer que ela
se conteve para não oferecer condolências sarcásticas.
Col exibia um sorriso orgulhoso, embora alheio.
“Ainda assim, isso pode ser uma sorte para mim. E sorte para você
também, devo dizer.”
CAPÍTULO I ⊰ 32 ⊱

“Para ambos os lados, então.” Lawrence caiu e deu um sorriso


cansado.
A raiva de Holo foi a razão pela qual ele não perguntou a Eve o
que ela sabia na noite anterior.
“Ainda assim, alguém que ficará com raiva em seu nome é um bem
precioso. É melhor você valorizá-la.”
“Ela pensa em mim como seu bem e provavelmente estava com
raiva de sua propriedade ter sido danificada.”
Os ombros de Eve balançaram sob sua capa.
Ela então desviou para a beira da rua, para evitar que uma mulher
se aproximasse deles com uma cesta cheia de legumes de inverno.
Sem dúvida, eles estavam destinados à venda no mercado e,
comparados aos de verão, eram de um verde profundo e pareciam
frios. Sem dúvida, eles eram mais usados em sopas do que comidos
crus ou em conserva.
“Se você é de fato propriedade de sua companheira, ela teria
pedido uma compensação. Mas, em vez disso, ela buscou vingança.”
Lawrence pensou ter visto um lampejo de solidão nos olhos azuis
pálidos de Eve.
A casa de Eve caiu na pobreza, e ela foi vendida, com nome e tudo,
para um rico mercador que queria comprar um título nobre para si.
Dinheiro. Ou vingança.
Lawrence sentiu que só de pensar nisso causava dor a Eve.
Ele lamentou a má escolha de palavras que sua brincadeira
mostrou.
“Ei. Depois de inspirar a culpa e a simpatia de seu oponente, fica
muito mais fácil lidar com eles”, disse Eve.
Com as palavras dela, Lawrence voltou a si com um sobressalto.
Técnicas de sedução e lágrimas falsas sempre superaram formas
mais honestas de fazer negócios.
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 33 ⊱

Apesar de sua cautela, ele foi enganado.


Mas Lawrence sorriu e coçou a cabeça envergonhado,
naturalmente com uma boa razão. “E por que você se atreveria a
admitir isso?” ele perguntou, gostando de colocar o enigma enquanto
olhava para Col, que estava muito concentrado enquanto tentava
acompanhar a conversa. “Ao revelar sua própria armadilha para mim
assim, você está tentando me fazer baixar a guarda.”
“De fato. Assim minhas presas afundarão ainda mais.”
Não havia dúvida de que, se ela tirasse o lenço, estaria sorrindo e
mostrando suas presas naquele exato momento.
Ele pensou que agora entendia o que Holo queria dizer quando ela
chamou Eve de “raposa”.
Como mercador, Eve era muito parecida com um lobo, mas Holo
não queria reconhecê-la como uma par.
“Ah, chegamos.”
“Onde?”
Assim que eles pararam, Col caminhou direto para Lawrence. O
menino sem dúvida estava concentrado na conversa entre Lawrence e
Eve, tentando entender até mesmo um pequeno pedaço dela.
Lawrence lembrou-se de ter feito a mesma coisa com seu próprio
mestre, e isso o deixou um pouco nostálgico.
“Meu ponto de apoio nesta cidade. Se eu te disser que é como uma
empresa comercial sem placa, você seria capaz de imaginar o que eu
quis dizer, não?”
Em contraste com os prédios ao redor, as paredes estavam
enegrecidas e o telhado parecia deslizar direto para o beco, embora a
base de pedra parecesse bastante robusta.
Col parecia preocupado com a declaração teatral de Eve e engoliu
em seco nervosamente.
CAPÍTULO I ⊰ 34 ⊱

Mas é claro que ela estava brincando. Um olhar mais atento às


paredes negras revelou uma mancha descolorida onde algo havia sido
removido.
Em outras palavras, uma empresa comercial arruinada ou falida.
“Eu apreciaria se você nos provocasse um pouco menos,” disse
Lawrence para as costas de Eve enquanto ela colocava a mão na porta,
momento em que ele ouviu Col deixar escapar um pequeno “hein?”
O menino parecia ter percebido naquele momento que ele era o
único que não havia entendido.
Eve se virou, embora certamente não para confirmar a reação de
Col. “Por consideração por seu adorável aprendiz?” ela perguntou,
divertida.
“Infelizmente, ele não é meu aprendiz, nem é um mercador.
Então, eu gostaria que você não distorcesse muito a mente do pobre
rapaz.”
Com essas palavras, Eve começou a rir de uma maneira nada
característica. “Ha-ha-há! É verdade! Ah, é verdade, nós, mercadores,
somos muito perversos.”
Despreocupados com a frustração do pobre Col, cuja mandíbula
se apertou ante essa troca que passou por cima de sua cabeça, os dois
mercadores entraram no prédio.
Lawrence olhou por cima do ombro para Col, que o seguiu com
uma expressão de desagrado no rosto.
Ele deve ter pensado que estava sendo ridicularizado.
Lawrence fez uma careta e soltou um longo suspiro de
sofrimento.
Ocorreu-lhe que passar muito tempo com os mercadores
distorceria a disposição agradável do menino. Um desperdício.
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 35 ⊱

Eles foram servidos com leite de cabra quente misturado com


manteiga e hidromel.
No caso de Col, ele recebeu mel puro no lugar do hidromel.
Talvez devido à qualidade da manteiga, fez Lawrence desejar um
pouco de pão de centeio levemente amargo para acompanhar.
“Então Arold ainda não chegou?”
Assim que todos entraram no prédio, o silêncio caiu no interior.
Os únicos sons eram o crepitar do fogo na lareira e o leite de cabra
borbulhando em uma panela bem ao lado dela.
Não houve outros sons enquanto Lawrence observava Eve sentar
na frente da lareira e preparar suas bebidas com surpreendente
eficiência.
“Provavelmente até esta noite. Você vai comer?” perguntou Eve,
segurando um pouco de pão de centeio que ela cortara em pedaços
com uma faca.
Nas tigelas de madeira com bordas de barro foi derramado o leite
de cabra, agora fervido ao ponto de parecer queijo derretido.
Com sal e azeite adicionados e coberto com rodelas de arenque,
não havia dúvida de que ficaria delicioso.
“Se este é o tipo de comida que você come, sua próxima jornada
será dura.”
“Provavelmente. O gosto pela boa comida faz subir os custos da
viagem. Mas se você não é um mercador, não há necessidade de se
preocupar com essas coisas, não é?” perguntou Eve, colocando um
pedaço de pão diante de Col. “É uma espécie de talento, ser uma
pessoa simpática”, acrescentou ela, sorrindo enquanto tirava o lenço
que usava, expondo o rosto.
Observar o rosto chocado de Col naquele momento foi bastante
divertido.
CAPÍTULO I ⊰ 36 ⊱

“Acho que ainda tenho um pouco de carinho maternal aqui


dentro”, declarou Eve com um sorriso zombeteiro, escondendo sua
preocupação e dor.
Ela era surpreendentemente bonita.
Lawrence tinha pensado muitas vezes que as mulheres eram mais
adequadas para serem mercadoras do que os homens, e o pensamento
o atingiu de novo.
Nem mesmo o mais astuto dos homens poderia se comparar com
as identidades e rostos em constante mudança de Eve.
“Então, você tinha algo para me perguntar?” Eve quebrou o
silêncio enquanto observava Col saborear lentamente o pão, ao
contrário do modo como ele havia devorado a porção que Lawrence
lhe dera mais cedo.
“Sim, sobre um rumor amaldiçoado.”
“Ah, a conversa dessa companhia ribeirinha em busca de uma
relíquia sagrada — embora eu não saiba se os pagãos o chamariam de
'santo'.”
Lawrence assentiu, e o olhar de Eve ficou distante.
“Esses rumores começaram a circular na região do Rio Roam há
cerca de dois anos. Na época, qualquer um que já sujasse as mãos em
um mau negócio estava animado com isso.”
“E a verdade?”
Uma criança podia ser ouvida chorando ao longe.
Dentro da cidade, os gritos das crianças eram mais comuns do que
o canto dos pássaros.
“Exatamente o que você esperaria. Como não houve nenhuma
palavra sobre o osso sendo encontrado, os rumores esvaziaram tão
rapidamente quanto se espalharam. Virou piada.”
Ele duvidava que Eve estivesse mentindo — mais importante, ela
não tinha motivos para isso.
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 37 ⊱

E, no entanto, a fumaça não subia sem um incêndio em sua fonte.


“Será que a fonte do boato seria uma empresa de Lesko, uma
cidade no rio Roef, um dos afluentes do Roam?”
A empresa em Lesko havia realizado um comércio de moedas de
cobre com a Companhia Jean aqui em Kerube.
Mas o comércio de moedas de cobre teve uma estranha
reviravolta. O número de caixas de moedas importadas não
correspondia ao número exportado.
Lawrence permaneceu ignorante, mas Col, cujo prazer em
devorar o pão era suficiente para fazer até os olhos de Eve se
estreitarem de tanto rir, pareceu perceber o motivo.
Como não havia necessidade de saber a resposta imediatamente,
Lawrence ainda não havia perguntado, mas se tratasse de sua
incapacidade de resolver o enigma sozinho, dificilmente poderia deixar
de ficar frustrado.
“De fato. Acho que se chamava Companhia Debau. Um lugar
pitoresco onde eles detinham os direitos de mineração de Lesko com
mão de ferro.”
“E para esta cidade, eles lidavam principalmente com a
Companhia Jean, certo?”
“Oh Ho. Eu adoraria saber onde você pegou esse pequeno petisco.
Você está muito bem informado.” Eve colocou um pedaço de pão
embebido em leite de cabra em sua boca.
Lawrence observou isso e percebeu que provavelmente poderia
ter trazido Holo junto.
Um prato tão delicioso sem dúvida teria tornado sua atitude
conciliadora.
“Bem-informado sobre a Companhia Debau em Lesko e a igreja
em Lenos que era tão briguenta sobre nossas peles. E você conhece a
Companhia Jean aqui nesta cidade que faz do comércio de artigos de
CAPÍTULO I ⊰ 38 ⊱

cobre sua pedra angular. A Companhia Debau e a Jean devem estar em


condições bastante boas.”
“E qual seria o motivo disso?” Lawrence imediatamente
perguntou, ao que Eve puxou o canto de seus lábios com um sorriso.
Col percebeu isso e olhou para cima.
“Desculpa. Eu não quis dizer nada com isso,” Eve falou, olhando
para baixo e roçando sua boca com a mão. Ela então deu a Lawrence
um olhar de soslaio. “Minha impressão é que você é um mercador
razoavelmente cauteloso. Então, por que você está tão preocupado
com essa tolice?”
Os mercadores, em geral, faziam perguntas apenas quando já
sabiam a essência da resposta.
Eve sorriu calmamente, embora parecesse estar se divertindo
muito.
“Como você deve ter adivinhado, minha companheira nasceu no
norte”, respondeu Lawrence.
A boca de Eve estava escondida atrás da xícara que ela levou aos
lábios, seu rosto parecia dizer: “Aposto que sim”. “Duvido que você
iria perseguir tal loucura irracional, a menos que fosse por aquela sua
jovem atraente.”
“Eu não sei se é bem assim.” Frustrantemente, Lawrence não pôde
deixar de dar uma desculpa.
Eve apenas sorriu com os cantos dos olhos e não pressionou seu
ataque. “Bem, se o corpo de um deus uma vez reverenciado em sua
terra natal está sendo vendido por mera moeda, eu não suponho que
ela possa simplesmente ficar lá e deixar isso acontecer. Mas se for esse
o caso, há algo que me incomoda.”
“E isso é?”
Com a xícara ainda em seus lábios, Eve olhou para Lawrence com
os olhos arregalados.
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 39 ⊱

Seu jeito encantado a fazia parecer uma mercadora que havia


descoberto a fraqueza de seu oponente e estava se preparando para
derrubar seus preços.
“Você é um mercador que compra com moedas, não é? Então você
é aliado ou inimigo da sua companheira? Você é justo? Ou... você é
vil?”
Col se congelou, de repente surpreso.
Era verdade — Lawrence era um mercador que ganhava dinheiro
e negociava mercadorias nesses termos.
O que o colocava na mesma classe daqueles que estavam tentando
comprar os ossos de um lobo que se dizia ter sido um deus e colocá-
los para sabe-se lá que uso. Os mercadores abriam todas as portas com
a chave da moeda.
Se essa conversa sobre o osso de lobo fosse verdade e se eles
conseguissem descobrir seu paradeiro, Lawrence certamente usaria
suas habilidades de mercador para recuperá-lo.
E quando o fizesse, o que Holo e Col pensariam disso?
Nesse caso, Lawrence era seu aliado? Ou o ato em si era
inerentemente mau?
Lawrence levou o leite de cabra aos lábios antes de responder.
“Não é pecado comprar bens com dinheiro. O que muitas vezes é
mau é comprar coisas que não são meras mercadorias.”
“O que implica?”
“Se eu comprasse o osso em uma tentativa de ganhar influência ou
poder ou atrair sua atenção para mim, ela certamente me odiaria. Mas
o dinheiro é afinal uma ferramenta para comprar bens. Só se torna mal
quando é usado para comprar outras coisas, como um machado usado
como arma em vez de cortar madeira. E minha companheira sabe
disso.”
Eve estreitou seus olhos, seus lábios se curvando ainda mais.
CAPÍTULO I ⊰ 40 ⊱

Comerciantes que lidavam com todas as coisas em termos de


dinheiro eram frequentemente questionados sobre a virtude de tal
vida.
O status de um mercador era calculado com base em como eles
eram capazes de responder quando essa pergunta era feita a eles.
A qualidade do senso de justiça de alguém era a medida de uma
pessoa; colocado em uma balança, equilibraria com sua confiabilidade.
Não era bem certo se Eve acreditava nisso a esse ponto, mas a ideia
era claramente pelo menos parte de seus cálculos.
Ela sorriu sombriamente ao ouvir a resposta de Lawrence, e sua
expressão de repente suavizou quando ela estendeu a xícara que
segurava na mão. “Bem, você é do tipo com quem eu gostaria de fazer
negócios. Desculpe por fazer perguntas tão estranhas.”
Lawrence também relaxou sua bochecha esquerda ilesa e ergueu
sua própria xícara em resposta à de Eve.
Ela mal evitou tocar sua xícara na dele, uma técnica normalmente
usada para evitar danificar cálices de prata caros. Seu uso da técnica
mostrou que ela sentiu que a ocasião era digna de prata fina.
“Eu já disse antes, eu invejo você e sua companheira. Nunca
invejei tanto como agora.”
“Vou tomar isso como um ponto de orgulho.”
Os ombros de Eve tremeram com sua risada sem voz.
Seu olhar passou de Lawrence para Col, e seu rosto de mercadora
voltou enquanto ela falava. “Eu entendo que você não é aprendiz de
Kraft Lawrence, e devo lhe dizer, do fundo do meu coração, que acho
isso um desperdício.”
Col piscou rapidamente ante as palavras, depois baixou o olhar,
preocupado.
Mesmo enquanto ria, Lawrence achou uma pena.
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 41 ⊱

A consternação de Col significava que ele não podia sequer brincar


com a sugestão de Eve.
Eve pareceu entender isso, também, e ela fechou os olhos.
Quando os abriu novamente, estava olhando para Lawrence.
“Você provavelmente sabe disso, mas a notícia da Companhia Debau
procurando o osso de lobo não é uma história de cem lumiones. Se você
estragar as coisas, você aprenderá o quão barato uma vida humana pode
ser. E, no entanto, confio nos meus instintos de mercadora e estou
pensando em confiar em você da mesma forma.”
Lawrence girou a xícara e levou o conteúdo lentamente aos lábios.
Se ele não fizesse um grande gesto aqui, Holo certamente ficaria
brava com ele.
“Eu escolhi a vida sobre a riqueza. Mas eu valorizo minha
companheira ainda mais do que minha vida, então tenho minhas
próprias expectativas.”
Seus verdadeiros sentimentos estavam agora à flor da pele neste
diálogo de vida e morte com Eve.
Eve mostrou os dentes em um sorriso, muito parecida com
quando Holo sorriu em sua forma de loba. “Talvez não seja tão ruim
perseguir o tesouro de um mapa de vez em quando. Tudo bem, então.
Seu objetivo é extrair informações da Companhia Debau e seus
confederados da Companhia Jean, certo? Vou escrever-lhe uma carta
de apresentação à Companhia Jean. Depois disso” — Eve fechou um
olho e inclinou a cabeça no que deve ter sido sua maneira de expressar
confiança — “tudo vai depender de sua inteligência.”
Naquele momento, ele poderia ter se apaixonado por ela. No
entanto Lawrence sabia que se ele admitisse isso para Holo, ela rasgaria
sua garganta, no entanto era a verdade.
Eve era uma mercadora excelente.
Ela tinha perfeito controle sobre suas expressões faciais e sabia
exatamente quais informações elas transmitiam.
CAPÍTULO I ⊰ 42 ⊱

Lawrence abaixou a cabeça respeitosamente.


Agora entendia que tipo de mercador era preciso ser para trilhar
o caminho do ouro.

Eve cortou um pedaço de pergaminho de pele de carneiro de alta


qualidade, escreveu a carta, depois borrifou areia na tinta molhada para
secá-la. Enquanto esperava que assentasse, preparou barbante de rabo
de cavalo e lacre vermelho.
Confirmando que a tinta estava seca, ela enrolou o pergaminho,
selou-o com cera derretida e prendeu-o com um pedaço de barbante.
A carta estava completa.
Custou o suficiente para preparar tal coisa que, apesar de ser
apenas uma única carta, nenhum mercador poderia ignorá-la.
Eve disse que esperava fazer negócios com Lawrence novamente
em algum momento, e ele sentiu como se pudesse acreditar nela.
“Se tudo correr bem, partirei desta cidade logo após o meio-dia
de amanhã. Irei para o sul pelo mar, dando adeus a este país frio por
um tempo.”
“Vou me despedir como agradecimento, então. Pode ser a última
vez que a vejo antes de você se tornar uma princesa mercante.”
Enquanto Lawrence segurava levemente a carta oferecida, Eve
assentiu com um sorriso amargo. “Descansarei para a viagem hoje. Se
você vier à noite, poderá saborear a comida que o servo prepara.”
“E se eu for enquanto o sol está alto?”
O sorriso de Eve era equivalente à expressão de surpresa de uma
pessoa normal.
Seu sorriso endureceu por um momento, mas por fim ela cruzou
os braços e suspirou. “Se eu for a único na casa... sim, bem. Talvez eu
o trate com uma demonstração de minha habilidade.”
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 43 ⊱

De volta a Lenos, a primeira vez que Lawrence trocou palavras


apropriadamente com Eve, ela alegou ter confiança em seu próprio
charme.
E agora parecia que não era mentira.
Eve falou em um tom suave inteiramente digno da nobreza que
ela já foi, seu timbre rouco e aristocrático fazendo cócegas no ouvido
de Lawrence.
Col ficou boquiaberto com Eve.
Quando agia assim, era fácil acreditar que ela havia sido uma
nobre.
“Carne suína e bovina podem não ser as únicas coisas que estão
sendo cozidas. Vou precisar ter cuidado.”
“Ei. Bem, se o humor da sua companheira melhorar, vocês três
devem vir.”
“Nós iremos. Obrigado pela carta”, Lawrence respondeu. Eve
assentiu e deu um pequeno aceno, então lentamente fechou a porta.
Nenhum mercador jamais acenou para sua contraparte na
despedida.
O gesto deve ter sido dirigido a Col, que ainda estava
diagonalmente atrás de Lawrence.
Lawrence meteu a carta cuidadosamente no casaco, depois olhou
para trás.
Talvez não surpreendentemente, ele viu Col olhando um tanto
melancólico para a porta agora fechada.
“Ela é uma pessoa bastante interessante, hein?” perguntou
Lawrence enquanto começava a andar, o que trouxe Col de volta ao
presente, e ele se apressou a seguir atrás.
“Hum... s-sim, ela é...”
CAPÍTULO I ⊰ 44 ⊱

“Ainda assim, foi ela quem me deu isso”, admitiu Lawrence,


apontando para a bochecha onde a pomada especial de Col havia sido
aplicada.
Col parecia não entender o que Lawrence queria dizer.
Finalmente o significado das palavras penetrou em sua cabeça, e
Col olhou para a casa com incredulidade no rosto.
“Tivemos uma pequena briga e ela me atingiu com um cabo de
machado.”
“…Entendo…”
“Ela tem um lado inesperado, e é por isso que você não pode
baixar a guarda. Assim como o lenço em volta da cabeça esconde sua
beleza, sua beleza esconde algo terrível.”
As sobrancelhas de Col se arquearam. Talvez ele simplesmente
não conseguisse entender o que Lawrence estava dizendo.
“Você viu a raiva de Holo ontem à noite, não viu? A verdade é que
Eve quase me matou.”
“O qu-!” Col elevou a voz com surpresa.
Era verdade que em seu primeiro encontro com Col, Eve parecia
realmente muito gentil, o que sem dúvida tornava difícil imaginar que
ela tivesse bastante astúcia e coragem para envergonhar qualquer
bandido.
Embora Lawrence estivesse tentando ensinar a Col que as pessoas
muitas vezes tinham lados ocultos e que ele tinha que se manter atento,
o rosto de Col estava muito sério, e ele afundou em silêncio.
Ele era um rapaz bom e honesto, e duvidar de alguém não estava
em sua natureza.
Lawrence estava refletindo sobre isso quando Col de repente
olhou para ele com um olhar de extrema consternação em seu rosto
que Lawrence não pôde deixar de perguntar: “Qual é o problema?”
Evidentemente, Col costumava ser assim.
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 45 ⊱

Ele era inteligente, mas enquanto não tivesse controle sobre suas
expressões faciais e as palavras que falava, nunca seria um bom
mercador.
Em vez disso, ele seria um excelente membro do clero, então não
era realmente um problema.
“É verdade, então... que para sobreviver no mundo é preciso ser
como ela...”, disse Col, com a cabeça baixa de frustração.
Parecia acusar a si mesmo, como um jovem cavaleiro
amaldiçoando sua falta de esforço ao perder uma luta.
Mas Lawrence não sabia por que Col estava tão afetado.
Como seu quase assassinato nas mãos de Eve estava ligado à
sobrevivência no mundo?
Talvez fosse o fato de ele ter sido forçado a encontrar uma maneira
de sobreviver apesar da ameaça à sua vida.
Lawrence estava refletindo sobre isso, mas então Col voltou a
falar, e decidiu ouvir o menino.
“Claro, eu não apenas aceito os ensinamentos da Igreja, e mesmo
lá na aldeia houve tempos difíceis... e naturalmente eu acho que às
vezes você não pode apenas olhar para uma coisa, e até eu mundo é
um lugar implacável. Mas ainda assim…”
Enquanto caminhava, Col olhou para seus pés.
Em contraste, o olhar de Lawrence estava voltado para o céu
claro.
Claramente ele não tinha ideia do que Col estava dizendo.
“Olhe...” Lawrence estava prestes a tentar entender a história
quando Col de repente olhou para cima.
“M-mas, eu não — eu não acho que você esteja errado, Sr.
Lawrence!”
Lawrence não pôde deixar de arregalar os olhos com a ferocidade
urgente do menino.
CAPÍTULO I ⊰ 46 ⊱

“…Eu ia simplesmente dizer que não tenho ideia do que você está
falando e talvez pedir que você esclareça.”
Com isso, o rosto de Col ficou subitamente em branco, e ele então
ficou vermelho e olhou para baixo.
Lawrence coçou a cabeça, inclinando-a em confusão.
Ele não entendeu.
Ele não entendeu, mas como Col parecia não querer discutir o
assunto, Lawrence decidiu mudar de assunto.
“De qualquer forma, devemos voltar para a pousada antes de
seguirmos para a Companhia Jean.”
Col assentiu silenciosamente em resposta às palavras de
Lawrence.

“Então foi isso que ele disse.”


Alegando que, se ela removesse o cobertor, o cheiro da pomada
que ainda permanecia em seu corpo escaparia e faria com que seu nariz
caísse, Holo permaneceu sob ele com apenas o rosto exposto. “É isso
mesmo?”
“Você teria entendido o que ele estava falando?”
Assim que Lawrence voltou para o quarto, a Holo cochilando logo
acordou. Então ela se sentou como de costume, sua cabeça inclinada
em uma expressão estranha. Ela parecia fisicamente desconfortável, e
Lawrence logo percebeu o motivo.
Apesar de não ser capaz de sentar direito de manhã, a dor que ela
sentiu então desapareceu tão completamente que ela mal conseguia se
lembrar.
“Isso é um remédio e tanto”, disse ela.
Foi assim que Holo decidiu acompanhar a visita à Companhia Jean.
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 47 ⊱

No entanto, eles não poderiam ir para lá imediatamente. Ela


cheirava tão mal que ela — junto com Lawrence — teria que tomar
banho primeiro.
Sendo o tópico atual de conversa, Col, havia descido para
providenciar a água quente.
“Suponho que não posso culpá-lo por não entender. Seria como
perguntar a um açougueiro sobre peixe”, disse Holo, sentada em cima
de um travesseiro enquanto bocejava enormemente.
Lawrence pensou em dar outro suspiro por ter sido ridicularizado
mais uma vez, mas a essa altura, ele não tinha intenção de fingir
conhecimento e então capitulou rapidamente.
“Neste ponto, admito prontamente que sou o lento. Mas ter
admitido isso de repente não me dá nenhuma nova visão. Eu ainda não
entendo.”
Mas mesmo quando Lawrence levantou a bandeira branca, Holo
simplesmente olhou, lágrimas brotando em seus olhos.
“O que está errado?” Lawrence perguntou, ao que um sorriso
amargo apareceu lentamente em seu rosto.
“Ei. Talvez seja eu quem seja extraordinariamente gentil.” Ela
contraiu uma orelha.
“O que você quer dizer?”
“Quando você age tão humilde, não posso rir da sua ignorância.”
“…”
Independentemente de como ele deveria ter respondido, Holo
parecia satisfeita com a maneira dolorosa como ele balançou a cabeça.
Ela sorriu seu sorriso malicioso habitual, mostrando os dentes.
“Mesmo assim, suponho que seria difícil para você entender, pois já
sabe a verdade do assunto. Você realmente não pode imaginar o que
um estranho poderia pensar, observando o que aconteceu entre você
e aquela raposa?”
CAPÍTULO I ⊰ 48 ⊱

Seu sorriso malicioso ofereceu uma pista para a interpretação


correta de sua declaração. Os mercadores obtiveram lucro com base
em sua capacidade de ler corretamente as disposições das pessoas;
assim Lawrence não poderia recusar esse desafio.
Acima de tudo, a direção da interpretação correta já havia sido
esclarecida.
Lawrence considerou sua conversa com Eve da perspectiva de
Col.
Ela o golpeou com um cabo de machado e até ameaçou sua vida,
que Holo se enfureceu com Eve com uma fúria terrível – e quando Col
ouviu sobre isso, ele parecia profundamente perturbado, corando de
vergonha.
“Oh.” Uma possibilidade ocorreu a Lawrence, um gosto amargo
inundando sua boca.
No entanto, a amargura não era desagradável; era semelhante a
uma cerveja azeda.
Uma amargura da qual ele não pôde deixar de rir.
“Ei. Você é um sortudo, hein?” perguntou Holo, satisfeito.
Seu sorriso veio do fato de que ela sabia muito bem que o mal-
entendido de Col nunca aconteceria.
Lawrence levou a mão à cabeça novamente e soltou um suspiro.
Ele supôs que tais mal-entendidos aconteciam de vez em quando, mas
ainda assim — pensar que ele deveria se encontrar em posição de ser
assim mal compreendido! Ele não pôde deixar de sorrir tristemente
para si mesmo.
“Ele acha que eu tive um caso com Eve, que terminou em uma
briga de amantes. Eu nunca imaginaria isso. É por isso que ele estava
falando sobre não pensar que eu estava 'errado'.”
Ele queria dizer algo sobre ter um caso com Holo, mas tinha
certeza de que estaria arriscando sua vida para fazer tal piada.
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 49 ⊱

“Aquela raposa é uma fêmea, e eu sou uma fêmea, e você é um


macho. Se estamos falando de conflitos que chegaram a um golpe, só
pode haver uma resposta, não pode? Que toda essa confusão foi na
verdade por nada mais do que ouro é muito mais estranho. Meu preço
foi sessenta dessas peças de ouro, não foi? Honestamente, eu nunca
vou entender o mundo humano”, declarou Holo, exasperada.
E, de fato, quando Lawrence pensou em como havia lutado por
ela, sentiu-se extremamente desconfortável.
Mas ela ainda era Holo, a Sábia Loba de Yoitsu.
E ela há muito tinha visto através dele.
“Ainda assim, suas ações foram as menos compreensíveis de todas.
Vindo se despedir de mim, que completo idiota”, disse Holo,
enterrando seu rosto em seu travesseiro.
E, no entanto, seus olhos nunca deixaram Lawrence.
Dadas suas palavras e suas ações, Lawrence dificilmente poderia
estar zangado com ela, nem poderia desviar o olhar.
Seus ombros caíram como se para acentuar sua derrota, e ele
acariciou levemente a bochecha de Holo.
“Isso é tudo?” ela perguntou baixinho sob a mão dele, fechando
um olho e contraindo as orelhas alegremente.
Lawrence se preparou para algum tipo de piada, mas então
percebeu que Holo certamente ficaria com raiva se seguissem dessa
maneira.
E, no entanto, ele não pôde deixar de olhar um pouco ao redor da
sala, apesar de saber muito bem que não havia mais ninguém lá.
Ele respirou fundo.
E então, assim como em Lenos, ele aproximou seu rosto de Holo.
No entanto, ao contrário de Lenos, quando ele estava tão perto
de Holo que podia contar os pelos de suas sobrancelhas, houve uma
batida repentina na porta, na qual Lawrence pulou de surpresa.
CAPÍTULO I ⊰ 50 ⊱

“Eu trouxe a água quente!” ecoou a voz de Col por toda a sala.
Ele segurou a porta aberta com as costas enquanto carregava a
bacia. Tinha que ser pesada, e o vapor que subia dela havia se
acumulado em seu rosto, cobrindo-o com gotas de água. Não havia
dúvida de que o menino havia trabalhado arduamente em nome de
Lawrence e Holo.
Que razão poderia haver para ele estar zangado com tal menino?
Ainda de pé ao lado da cama, Lawrence sorriu com benevolência.
“Bom trabalho”, elogiou.
Ainda assim, um suor desagradável escorria por suas costas.
No momento em que a batida na porta veio, Holo fez uma
expressão verdadeiramente cruel.
Suas orelhas estavam se contraindo porque ela tinha ouvido os
passos de Col se aproximando?
“Qual é o problema?” perguntou Col.
Embora a expressão serena de Lawrence fosse perfeita, o clima na
sala não podia ser alterado tão rapidamente.
O rosto de Col parecia um pouco duvidoso, mas Lawrence fingiu
ignorância o melhor que pôde.
Holo provavelmente estava sorrindo em cima do travesseiro atrás
dele.
Mas a parte mais irritante de tudo isso não era o prazer de Holo
de ver Lawrence caindo na armadilha que ela preparou para ele.
Lawrence levou a mão à bochecha esquerda, fingindo coçar.
“Eu mandei esquentar bastante, então se estiver muito quente,
vou buscar um pouco de água fria”, disse Col, pousando a bacia e
colocando dois panos nela.
Quão mais agradável seria viajar, pensou Lawrence, se tivesse um
aprendiz tão atencioso quanto o Col.
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 51 ⊱

“Entendo. Obrigado, Col.”


“Não, fui eu que me forcei em sua jornada. Isso é o mínimo que
posso fazer.”
Seu sorriso sincero fez Lawrence pensar que não seria uma má
ideia oferecer-lhe algo saboroso para o jantar.
Se Holo desse o mesmo tratamento a Lawrence, ele calculou que
estaria falido dentro de um mês.
“Bem, então, vou me servir da água quente imediatamente. Eu
mal posso acreditar o quão bem essa pomada funcionou, mas ainda
assim, é bastante difícil para o meu pobre nariz”, disse Holo enquanto
saía da cama, ao que Col parecia surpreso.
Parecia que ele realmente não achava o odor da pomada
desagradável.
“Sim, está em uma temperatura boa. Vou me encharcar antes que
fique morna.”
Holo mergulhou a mão na banheira e girou a água ao redor. Ainda
estava fumegando energicamente, mas como o quarto estava bastante
frio, a água provavelmente não estava tão quente quanto parecia.
“Ah sim. Se você não tomar cuidado, você vai pegar um resfriado”,
disse Lawrence, e Holo, pegando um dos panos, torcendo e jogando
levemente em sua direção.
Ao pegá-lo, ele sentiu seu calor úmido. Holo estava certa; seria
melhor se limpar mais cedo ou mais tarde.
Assim que o pensamento ocorreu a Lawrence, ele foi retirar o
pano de sua bochecha direita, quando notou Col, a uma curta distância,
olhando para baixo desconfortavelmente.
“Qual é o problema?” perguntou ele, embora não houvesse
necessidade, pois Col parecia ter reunido coragem para falar.
“E-er, eu vou... estar lá fora”, disse ele, terminando suas palavras
com um sorriso forçado.
CAPÍTULO I ⊰ 52 ⊱

Ele estava obviamente apreensivo com alguma coisa.


Ao sair para o corredor, inclusive dirigiu a Lawrence um olhar
significativo, como se a Col tivesse sido confiado um segredo profundo
e sério. Lawrence agora sabia muito bem o que o menino certamente
estava pensando.
Com o barulho da porta se fechando, Lawrence olhou para Holo,
que torcia a outra toalha com uma expressão séria.
“Se ele está em tal estado, sua conversa com a raposa deve ter sido
realmente amigável.”
O raciocínio por trás da expressão séria de Col era algo assim.
Para Col ter confundido o conflito passado de Lawrence e Eve
como uma briga de amantes, Lawrence e Eve devem ter parecido
bastante próximos.
No entanto, Lawrence sabia muito bem que se ele realmente se
envolvesse com Eve, seria apenas para tomar um prejuízo.
“Ele olhou para mim como se estivesse prometendo manter meu
segredo para sempre.”
Holo olhou para cima, seu rosto suavizando. “Heh-heh-heh.
Quando ele olhou para mim, foi como se sentisse uma profunda pena.”
Agachando-se, ela juntou os joelhos e descansou o queixo sobre eles.
“Você teria mais charme se fosse um pouco mais como ele.”
Sem responder imediatamente à declaração, Lawrence tirou o
pano do rosto.
Um toque de gengibre em sua bochecha revelou que o inchaço
havia diminuído consideravelmente, e ele não sentiu praticamente
nenhuma dor.
O remédio tinha sido tão eficaz que ele se pegou imaginando se
haveria alguma barganha para ele em algum lugar.
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 53 ⊱

“Bem, você sabe o que eles dizem — um pouco de vergonha deixa


tudo vermelho. Passei tanto tempo perto de você que todo o meu
charme se foi.”
Lawrence enxugou o rosto vigorosamente com a toalha. Enxugar
o rosto com um pano embebido em água quente era uma sensação
indescritivelmente agradável.
Holo seguiu seu exemplo, esfregando o pescoço com o pano
torcido e contraindo as orelhas.
Ela pareceu um pouco surpresa ao olhar para a cor do tecido
depois de dar uma olhada no pescoço.
“É verdade, e quem disse isso foi realmente sábio. Afinal, seu
rosto está sempre vermelho.”
Lawrence enxugou o rosto novamente com a parte da toalha que
estava livre da pomada e, uma vez limpo, olhou para Holo.
“Não recentemente, não é?”
“Quem disse isso?” perguntou Holo, aparentemente surpresa.
Embora soubesse que estava sendo provocado, Lawrence não pôde
deixar de ficar um pouco amuado.
Mas quando ele viu a boca de Holo se curvar em um sorriso, ele
sabia que havia caído em uma armadilha.
“Você alega o contrário, então? Bem, já que aquele garoto nos
deixou em paz com tanta consideração…”, disse Holo, enxaguando a
toalha na banheira e torcendo-a antes de se levantar.
Então ela jogou o pano em Lawrence e rapidamente tirou o
roupão que cobria a parte superior de seu corpo.
Pego despreparado, Lawrence foi inevitavelmente surpreendido.
Holo se virou para ele e colocou a mão em seu ombro. “Se importa
de lavar minhas costas?” ela ofereceu flertando.
Enquanto Holo não pensava em mostrar seu corpo nu, ela estava
ciente de que a experiência era diferente para Lawrence.
CAPÍTULO I ⊰ 54 ⊱
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 55 ⊱

Era ultrajante para ela abusar dele dessa forma.


Lawrence deu essa desculpa para sua agitação, então enrolou a
toalha e a jogou de volta em Holo.
O remédio que Col fez funcionou milagrosamente bem.
Embora Holo ainda se sentisse um pouco tímida por se recuperar,
dado o pouco tempo que ela usava a pomada, era quase
inacreditavelmente eficaz.
O inchaço no rosto de Lawrence também havia desaparecido.
Mas então Holo estendeu a mão e beliscou sua bochecha,
perguntando: “E como você está se sentindo?” ele não podia negar que
a vermelhidão havia aumentado.
Ele pensou que ia ver estrelas, mas enquanto ela estava sendo
terrivelmente rancorosa, Holo também parecia frustrada e com raiva,
então ele não fez contra-ataque.
Evidentemente, ela não podia suportar que jogasse a toalha de
volta.
Isso não parecia ser uma encenação, então ela realmente queria
que ele lavasse suas costas.
A partir dessa perspectiva, ele era o errado, e assim Lawrence
sentiu-se numa situação difícil.

“Então, o que é isso? A empresa comercial que você está prestes a


visitar está envolvida em algum esquema tolo?”
Eles haviam se aventurado pela rua mais óbvia e se dirigiam para
o mercado ribeirinho. Um mercado implicava em barracas, e
Lawrence estava preparado para a mendicância de Holo.
Mas ele não tinha imaginado que ela iria fugir para a primeira baia
que ela cheirasse.
Ele a seguiu com os olhos, sentindo algo como uma leve dor de
cabeça, e viu que a barraca tinha pedras aquecidas em cima das quais
CAPÍTULO I ⊰ 56 ⊱

caracóis do mar chiavam e espumavam enquanto eram cozidos em suas


conchas.
“Vamos descobrir se eles estão tramando, mas de acordo com Eve,
há uma boa possibilidade de que estejam.”
Se Holo estava realmente ouvindo ou não, seus olhos brilharam
enquanto ela o cutucava sem palavras.
Como ela não aceitaria um não como resposta, Lawrence decidiu
evitar uma luta inútil.
O lojista estava ocupado raspando espetos com uma faca, e quando
Lawrence lhe presenteou com uma moeda de cobre enegrecida, ele
habilmente pegou um espeto e extraiu a carne do caracol de uma
concha e, em pouco tempo, ele tinha três caracóis espetados.
Lawrence pediu três porções.
Enquanto ele estava pensando que era bastante barato, descobriu-
se que o sal que deu ao marisco seu sabor delicioso custava mais.
Lawrence sorriu e deu algumas palavras de reclamação ao astuto
lojista, então perguntou onde ele poderia encontrar a Companhia Jean.
Ele tinha que obter o valor de sua taxa de informação.
“Mesmo se formos, eles realmente falarão conosco?” perguntou
Col depois de pegar um dos espetos e agradecer.
Naturalmente, Lawrence já havia esclarecido o mal-entendido do
menino sobre Eve.
“Isso é exatamente como Eve disse. Vai depender da minha
habilidade.”
“Não gosto de nossas chances”, zombou Holo, mas diante do
sorriso nervoso de Col, Lawrence decidiu bancar o palhaço.
“Ainda assim,” continuou Holo enquanto olhava para o lado
oposto do rio, “como as coisas podem ser diferentes, mesmo na mesma
cidade.”
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 57 ⊱

A estalagem em que Lawrence e companhia estavam alojados


situava-se na foz do rio Roam, no lado norte da cidade portuária de
Kerube, que era dividida em norte e sul pelo rio que a atravessava.
O mercado e os edifícios maiores estavam surpreendentemente
concentrados ao longo das margens do rio e, embora fossem
moderadamente animados, isso era apenas em comparação com o
bairro da pousada.
Um pouco depois da larga avenida que corria ao longo do rio
estava a própria margem. Sendo esta a foz do rio, a margem era
bastante larga, com a água a certa distância. Olhando para a direita,
havia o mar, e até o nariz de Lawrence podia sentir o cheiro do sal. Do
outro lado do rio ficava o lado sul da cidade e, antes dele, construído
no grande delta do rio, ficava o maior mercado da grande cidade
portuária de Kerube.
Quanto à questão de qual das três seções da cidade era a mais
animada, nem é preciso dizer que era o delta. E quanto a parte onde
ficavam os prédios mais grandiosos era no sul.
O lado norte da cidade, onde estavam Lawrence e seus
companheiros, parecia bastante monótono em comparação.
Devido à neblina da distância, era difícil distinguir o número de
navios atracados no porto sul e a quantidade de mercadorias
empilhadas no mercado do delta, mas era claro que do outro lado do
rio havia muito mais.
Às vezes acontecia que lugares diferentes dentro de uma cidade
possuíam ambientes inteiramente diferentes. E quando essa cidade era
dividida por um rio, pode muito bem parecer duas cidades
completamente diferentes.
“Se atravessarmos, deve haver uma casa da Guilda Comercial
Rowen.”
“Seria onde todos os mercadores de sua cidade natal se reúnem?”
“Sim. No entanto, como o local tem uma espécie de filial no
mercado delta, nunca estive na casa central.”
CAPÍTULO I ⊰ 58 ⊱

Lawrence apontou para a cidade do delta que ficava exatamente


onde o rio encontrava o mar.
Embora o termo cidade possa não ter sido muito preciso, para um
mercador o lugar era uma cidade em si.
Mesmo daquela distância, a superlotação do vento salgado —
prédios acinzentados de dois e três andares era óbvio.
Parecia que o clamor do mercado poderia ser audível a qualquer
momento se o vento o pegasse e o levasse sobre o rio.
Se Holo abaixasse o capuz e escutasse, provavelmente conseguiria
distinguir o alvoroço.
“Parece bem mais animado por lá. Vamos ver?”
“Imagino que você esteja interessada apenas na comida”, disse
Lawrence, provocando uma carranca infantil de Holo.
Tinha um propósito nisso, como se Holo estivesse dizendo que
estava totalmente confiante de que seria capaz de fazê-lo levá-la até lá
mais tarde.
Os ombros de Lawrence caíram como se admitisse que sabia que
ela estava certa, e ele começou a andar, mas de repente parou.
Isso porque Col estava calado há algum tempo. Ele estava olhando
para as margens.
“O que está errado?”
Col se virou em resposta à pergunta de Lawrence. “Ah, er...
nada...”
“Nada?” perguntou Holo, arrancando o espeto de Col e comendo
um dos dois caracóis restantes nele. “Mentiras custam caro.” Ela fez
menção de mergulhar suas presas no último pedaço, seus olhos em
Col. “Ainda não tem nada a dizer?”
Lawrence ouvira dizer que muitos animais tratavam seus filhotes
com severidade; aparentemente os lobos estavam entre eles.
Ele não podia deixar de pensar nisso.
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 59 ⊱

No entanto, Holo não era melhor que ele quando se tratava de


dizer honestamente o que ela queria.
Lawrence ainda se lembrava claramente da cidade a que chegaram
depois de se conhecerem, onde Holo havia demonstrado um desejo
tão descontrolado pelas maçãs de lá. Ultimamente ela tinha parado
inteiramente de exibir tais modos, mas seu persistente estímulo a Col
agora provavelmente estava enraizado em suas lembranças de seu eu
passado.
“Uh…um…” Mas Col não era apenas jovem, ele também era um
menino. “Eu gostaria de ir para o delta.”
Ao contrário de Holo, ele olhou inteligentemente para Lawrence
quando disse isso, o que foi bastante esplêndido.
Lawrence tirou o espeto da mão de Holo e o devolveu a Col. Ele
acrescentou: “Ele é melhor nisso do que você” para Holo e levou um
chute por isso. “Você não é meu aprendiz, então eu pretendo
recompensá-lo totalmente pelo remédio que fez para nós. Você foi
audacioso.”
Palavras estranhas, mas a frase se encaixava perfeitamente em Col.
Talvez fosse apenas sua honestidade básica ou sua personalidade,
mas se deixado sozinho, ele parecia mais provável que se tornasse um
aprendiz na aparência do que um aprendiz de fato.
Mas Lawrence sabia que o mundo nem sempre recompensava tal
generosidade, e esse conhecimento o fez se preocupar com o menino.
Se quisesse tirar vantagem de Col, teria sido fácil.
“…Entendo,” Col respondeu com um sorriso confuso.
Ele provavelmente viu que Lawrence e Holo estavam
preocupados, daí sua resposta.
Essas coisas aconteciam o tempo todo em contos cômicos.
Um mestre libertaria seu escravo fiel e obediente, dizendo:
CAPÍTULO I ⊰ 60 ⊱

“Vá agora, viva sua vida livre — você não precisa mais servir a
ninguém.”
E o escravo então manteria fielmente a ordem de seu mestre,
vivendo o resto de sua vida sem nunca servir a outro.
Então, o escravo que manteve a última ordem de seu mestre até
o fim era realmente livre?
O sorriso confuso de Col pode muito bem ter vindo dele se
imaginando igual ao escravo da história.
“No entanto, deixe-me apenas dizer isso. Não será
imediatamente. Os mercadores são muito apressados, e se eu não
cuidar desse negócio primeiro, serei inútil.”
“Eu entendo. Mas...”, disse Col, coçando a cabeça timidamente.
“Aguardarei ansioso por isso.”
Lawrence se deixou imaginar como seria se Holo fosse tão
honesta, mas não olhou para ela.
Ele podia vê-la bem o suficiente no canto de seu campo de visão
com seu sorriso sem graça.
“Vim a esta cidade três vezes, mas a verdade é que nunca estive no
delta”, disse o Col.
“Por causa da taxa do barqueiro?”
Col assentiu.
Se ele não pudesse pagar a taxa do barqueiro para chegar ao delta,
Lawrence queria saber como conseguira atravessar o Rio Roam.
Dada a persistência de Col, ele poderia muito bem ter amarrado
suas roupas na cabeça e simplesmente nadado.
“Então, eu nunca estive no lado sul, mas e você?”
Lawrence perguntou enquanto os três caminhavam, assim que Col
terminou de comer seu marisco.
“O lado sul é… A cidade é muito bonita lá.”
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 61 ⊱

A hesitação na declaração do menino veio quando ele olhou em


volta brevemente, então baixou a voz.
Era verdade, então, mesmo um olhar para as margens do rio fez a
diferença entre as duas metades muito clara.
Provavelmente estava relacionado ao fato de os pagãos serem mais
numerosos no lado norte, enquanto o sul tinha mais mercadores e
membros da igreja ortodoxa.
Entre os mercadores, os do lado sul eram muito mais ricos, e o
dinheiro tendia a se acumular em lugares onde já havia riqueza
concentrada.
“Mas há mais esmolas deste lado”, disse o Cel.
“É assim mesmo? Ouvi dizer que o lado norte tinha mais pessoas
do país do norte, mas ainda assim.”
“Eu acredito que sim. Há muitas pessoas aqui que nasceram em
Roef. Mas mesmo que não fosse assim, tenho a sensação de que as
pessoas deste lado são simplesmente mais gentis.”
Lawrence coçou a ponta do nariz e pensou em como responder.
O conflito entre norte e sul era um assunto tão delicado quanto o
conflito entre lobos e humanos.
“Isso porque quanto mais severo o clima, mais gentis as pessoas
que vivem lá”, respondeu Lawrence, ao que Col sorriu amplamente.
Embora Col tivesse a mente aberta o suficiente para viajar sozinho
para o sul para estudar a lei da Igreja, ele ainda tinha um prazer
inocente em ouvir as pessoas do norte em comparação com os sulistas.
Lawrence ficou novamente impressionado com o fato e sentiu
como se pudesse entender por que o maior centro de comércio da
cidade estava situado no delta do rio.
Era uma zona neutra entre o norte e o sul.
CAPÍTULO I ⊰ 62 ⊱

“Mas...” Col falou enquanto Lawrence continuava andando e


olhando para o delta. “As pessoas no sul sempre parecem muito
felizes”, disse ele com consideração.
Lawrence ficou um pouco surpreso, e sua expressão lentamente
mudou para um sorriso. “Afinal, é mais fácil fazer vinho em climas
quentes.”
“Oh, entendo.”
Não havia dúvidas de que, passados alguns anos, Col se tornaria
um jovem agradável.
Lawrence não conseguia pensar em nada que refutasse a previsão
óbvia.
Nem poderia Holo, ele tinha certeza.
Enquanto caminhavam, ela sorriu alegremente e segurou a mão
de Col, o que bem pode ter sido um investimento de sua parte.
A noção de ciúme era divertida, e assim que ocorreu a Lawrence,
Holo lançou-lhe um olhar de soslaio por baixo do capuz.
“Se você demorar muito, eu posso simplesmente te trocar”, disse
seu sorriso malicioso.
Lawrence acariciou a barba e suspirou.
O suspiro veio em vez das palavras que ele quase falou, parando
apenas em sua garganta.
E aqui eu não tinha planejado dar mais isca para um peixe já fisgado.
Ele queria dar essa réplica a Holo, mas pensou melhor.
Se ele tivesse se entregado a esse jogo, havia um perigo real de
que ele realmente perdesse para Col.
Imaginando o que ela poderia fazer com um rapaz tão jovem,
Lawrence respirou fundo o ar frio e riu silenciosamente para si mesmo.
aindo das montanhas Roef, o rio Roef flui para o rio
Roam, que por sua vez deságua no estreito de Winfiel.
Nas nascentes mais altas do rio Roef está a cidade mineira
de Lesko. Lenos é onde os rios Roef e Roam se
encontram, e na cidade portuária de Kerube é onde encontra o mar.
E quando se tratava das mercadorias de cobre percorriam a longa
jornada, descendo o rio até chegar em Kerube, certamente havia
empresas comerciais suficientes para lidar ele.
Como resultado, Lawrence tinha uma ideia precocemente
formada, junto com um pouco de expectativa.
Então, quando chegou à Companhia Jean, ele não pôde deixar de
se sentir um pouco desanimado.
CAPÍTULO II ⊰ 64 ⊱

“É aqui mesmo?” perguntou Holo, sua expressão deixando escapar


sua decepção.
Parecia que queria mostrar que ela poderia explodir o lugar com
um sopro, provavelmente porque poderia muito bem imaginar se
transformar em um lobo e esmagar o lugar em pedaços.
Uma placa de ferro retangular, com a inscrição “Companhia Jean”,
pendia do beiral, e o lado voltado para a rua do prédio funcionava
como uma garagem de carga. Era lá que as mercadorias que chegavam
eram despachadas.
Quanto ao que as mercadorias eram carregadas ou amarradas, não
era um cavalo de inverno de cabelos desgrenhados que mergulhava
inabalavelmente nos montes de neve mais profundos, nem era uma
grande carroça do tipo que poderia transportar todos os utensílios
domésticos de uma pequena vila.
Lá embaixo do beiral havia uma mula esquelética sobre a qual
estavam carregados feixes de aveia, provavelmente destinados à
alimentação de inverno. Ela bocejou sem rumo, esperando a partida.
Col, que certamente ouviu as palavras empresa de comércio e
imaginou um centro de dinheiro e poder, estava diante da loja surrada
querendo reclamar.
“Quem é?” perguntou um homem corpulento que já passou muito
da meia-idade. Ele estava sentado em uma mesa de recepção na parte
de trás do cais de carga e olhou para o grupo de Lawrence quando os
notou parados sob o beiral. Parecia não haver mais ninguém na casa de
comércio, exceto uma galinha que estava usando o chão como pasto e
bicando as folhas caídas. “Se você veio para comprar, eu lhe dou as
boas-vindas e com prazer. Mas se você veio para vender alguma coisa,
bem... você pode ter desperdiçado a viagem.”
O homem não se levantou, e a forma como suas bochechas caídas
se curvaram em um sorriso autodepreciativo parecia, acima de tudo,
cansada.
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 65 ⊱

Dada a recepção, Holo lançou a Lawrence um olhar


extremamente descontente.
A Companhia Jean estava entre aqueles que tentavam comprar e
vender, com algum propósito insondável, os ossos de um lobo que
provavelmente tinha sido um de seus amigos.
Eles mereciam toda a sua atenção e, dada a profundidade de seu
desprezo, deveriam pelo menos ser uma companhia grande o
suficiente para merecer isso — assim dizia seu olhar.
Só Col parecia confundir o semblante cansado do velho com
dignidade.
No entanto, nem sempre o tamanho de uma empresa e a qualidade
das pessoas que emprega eram proporcionais.
Às vezes, para alcançar um buraco de cobra, era usado um dragão.
“Os negócios estão tão ruins assim?” Lawrence respondeu,
subindo na plataforma de carga.
Pedaços de palha estavam espalhados no chão do cais,
provavelmente um resquício da grande quantidade de trigo que havia
passado por ele. A cena lembrava o beiral de uma casa de fazenda em
comum. Havia mercadorias de vários tipos aqui e ali, como seria de
esperar de uma casa de comércio, mas para elas pareciam sujas e
baratas.
“Hum. Vejo que você é um mercador do sul. Os negócios estão
bons por lá?”
No canto, havia um conjunto de armadura.
Parecia estar lá há algum tempo, provavelmente como estoque de
reserva, e Lawrence encontrou nele um pouco de conforto como
alguém que uma vez teve muito prejuízo negociando armaduras.
“Mais ou menos.”
“Aqui é terrível. O pior”, admitiu o velho, erguendo as mãos num
gesto de derrota.
CAPÍTULO II ⊰ 66 ⊱

Holo e Col seguiram Lawrence até a doca de carga e olharam em


volta com curiosidade.
Quando Holo levantou um pouco da palha acumulada no chão,
dois ovos de galinha rolaram.
“Ah, então havia ovos aí, hein? As galinhas os colocam por toda
parte, e nunca encontro todos. Vou ter que coletá-los mais tarde... e
sim, houve uma grande queda na população de galinhas este ano. Está
malditamente quieto. Geralmente é nesta época do ano que os galos e
as galinhas ficavam animados como nunca.”
“Por causa do cancelamento da campanha do norte?”
“Isso. Sem gente não há dinheiro, e quando as pessoas não se
movem, suas barrigas não ficam vazias. O preço dos produtos agrícolas
está caindo, junto com coisas como barris e baldes, e as armaduras que
costumavam voar da prateleira não vão a lugar nenhum, e para
completar, o preço do vinho só sobe cada vez mais.”
“Huh?” murmurou Holo, parecendo perplexa.
Atrás da mesa, o velho rechonchudo deu de ombros
desajeitadamente. “Quando não há nada a ser feito, o que resta além
de beber?”
Holo parecia inteiramente satisfeita com a explicação.
“Então, que notícias de lucro esse mercador traz com duas crias a
tiracolo?”
“Crias?” resmungou Holo, irritada. Ela provavelmente não seria
capaz de se passar por freira como costumava fazer. Pensando que
precisaria discutir com ela mais tarde, Lawrence deixou o caso de lado
com uma expressão sombria.
“Gostaria de falar com o mestre da Companhia.”
“Bem, sou eu.”
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 67 ⊱

Lawrence tinha adivinhado e assentiu, sem surpresa, dando um


passo à frente e colocando a carta que tinha recebido de Eve sobre a
mesa.
“Ah, minhas desculpas. Então você conhece a Bolan Company,
hein?”
“A Companhia Bolan?” Lawrence não sabia que Eve havia fundado
sua própria empresa e ficou um pouco surpreso.
Ele nunca conheceu ninguém para quem o termo lobo solitário se
encaixasse tão bem quanto ela.
No entanto, quando disse isso, o mestre da Companhia Jean não
fez uma cara estranha.
Em vez disso, ele parecia pensar que Lawrence estava fazendo uma
piada improvisada. “Ela pode fazer negócios sozinha sem sequer
pendurar uma placa, mas quem lança uma rede tão ampla quanto ela é
uma empresa comercial séria, você não acha?” posou o mestre,
procurando um acordo enquanto abria a carta de Eve.
Lawrence não tinha como adivinhar o quão influente Eve era, mas
não havia uma única boa razão para deixar este homem saber quão
recentemente ele a conhecera.
Lawrence assentiu e sorriu vagamente, ao que o homem tirou suas
próprias conclusões e sorriu de volta.
“Mm, Kraft Lawrence, hein? Ho-ho. Nunca pensei que um
homem viria aqui com uma carta daquele lobo em pele de mulher.
Queria saber como você conseguiu colocá-la contra a parede.”
Um momento atrás, o homem parecia o mestre irresponsável de
uma pequena empresa monótona, mas com a sobrancelha esquerda
erguida enquanto olhava penetrantemente para Lawrence, ele parecia
muito mais formidável.
No entanto, ele certamente não estava tentando intimidar
Lawrence ou inflar sua própria impressão. Ele estava simplesmente
CAPÍTULO II ⊰ 68 ⊱

muito interessado, e isso provavelmente não era nada além do que o


rosto que ele mostrava para qualquer outro mercador durão.
Lawrence revisou sua opinião sobre seu oponente e relaxou,
deixando o prazer de conhecer outro mercador interessante
transparecer em seu rosto.
“Isso é segredo.”
“Bwa-ha-ha! Aposto que sim! Então... se eu puder perguntar, o
que o traz...” Seus olhos percorreram a carta enquanto ele falava.
Lawrence não deixou de notar a contração da bochecha do mestre
imediatamente depois.
Dado que tratava da história do osso de um lobo que havia sido
reverenciado como um deus, um mercador normal teria dado uma
gargalhada e servido um pouco de vinho.
Mas os ombros do mestre da Companhia Jean apenas tremeram
com uma risada em lembrança enquanto ele enrolava a carta
novamente e a amarrava. “Entendo. Já faz algum tempo desde que
alguém se interessou por esta história. E se você se deu ao trabalho de
fazer Eve Bolan te enviar, bem... acho que você está falando sério.”
“Por mais constrangedor que seja, sim”, respondeu Lawrence com
um sorriso. O homem devolveu o sorriso, que parecia ser feito da
mistura de duas expressões diferentes.
A primeira era a surpresa de haver um mercador que ouviria essa
história e a levaria tão a sério. A outra era a perplexidade por ter sido
implorado por detalhes, depois de todo esse tempo, quando há muito
tempo ele tentou fazer com que os outros ouvissem, mas ninguém o
fez.
Mas o sorriso logo desapareceu do rosto do homem.
“Ainda assim, você deve ser um homem e tanto para se dar ao
trabalho de receber uma carta daquela loba só para vir ouvir uma
história boba como essa.”
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 69 ⊱

“Não é como se quiséssemos um assento no conselho. Queremos


saber o que pode ser feito, não as aparências.”
“Você veio à minha empresa, Kraft Lawrence, e essa foi a resposta
certa. Eu deveria me apresentar adequadamente. Eu sou o mestre da
Companhia Jean, Ted Reynolds.”
Esse era o nome escrito nos livros de contabilidade da Companhia
Jean que tanto preocupava Lawrence e companhia na descida do rio
Roam.
Pelo nome, Lawrence tinha imaginado um homem mais jovem,
mas, na realidade, ele tinha facilmente o dobro da idade que Lawrence
havia imaginado.
“Jean era a esposa do meu pai, sabe. Ele era um marido dedicado.”
“Meu Deus.”
“Embora o nome tenha feito seus parceiros comerciais
estremecerem de medo, talvez ele fosse mais dominado do que
dedicado”, disse o homem, erguendo um único dedo e fechando um
olho, fingindo nobreza e sorrindo.
Enquanto a piada parecia deslocada, ela dava ao homem um
charme estranho.
Lawrence percebeu que não podia baixar a guarda.
“Mas você veio me perguntar algo ainda mais estranho.”
“De fato. As pessoas fazem muitas coisas estranhas neste mundo”,
disse Lawrence.
“Essa é a verdade. Hum... ah. Reynolds levantou-se
relutantemente da cadeira. “Espere um momento”, disse antes de
desaparecer atrás da mesa, mais para dentro do prédio.
As galinhas permaneceram, bicando as pontas felpudas das
sandálias de Col.
Col tentou afugentá-los freneticamente, mas as galinhas eram
impiedosas.
CAPÍTULO II ⊰ 70 ⊱

Divertida, Holo assistiu a disputa entre Col e as galinhas por um


tempo, mas eventualmente mostrou os dentes para as galinhas.
Os pássaros que não voaram imediatamente escolheram fugir em
vez de lutar.
“Desculpe mantê-lo esperando — oh, meu Deus.” Em pouco
tempo, as penas das galinhas espalhadas caíram no chão, Reynolds
voltou carregando uma caixa de madeira.
Não era preciso ser um mercador perspicaz para adivinhar o que
havia acontecido.
“Me desculpe. Minhas galinhas simplesmente não resistem a nada
diferente.”
“É o inverno. Teremos que esconder nossos dedos”,
Lawrence respondeu, ao que Reynolds riu com vontade.
“Uau-há-há! nem quero imaginar! Se elas começarem a bicar
minhas unhas, eu vou jogá-las todas na panela, junto com os pintinhos
que nascerão amanhã!”
Col sorriu enquanto esfregava casualmente os dedos, e Lawrence
dirigiu seu olhar abertamente para a caixa que Reynolds havia colocado
sobre a mesa.
“O que é isso?”
“Ah, isso, veja...” disse Reynolds, abrindo a tampa da caixa sem
hesitar. Lawrence não pôde deixar de se aproximar.
A caixa estava cheia de ossos de animais.
“Este é o esforço cristalizado de todas as pessoas que tão
prestativamente cooperaram com o boato de que estávamos
procurando os restos incrivelmente valiosos do deus de uma aldeia
solitária nas montanhas.”
A declaração indireta e grandiosa transmitia perfeitamente uma
sensação de exaustão com o assunto, mas o quão sério o homem estava,
Lawrence não sabia.
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 71 ⊱

Claro, se ele estivesse mentindo, Holo diria a ele mais tarde.


“Eles são reais?”
“Não consegue ver? Dê uma olhada ao redor desta casa comercial
— entende? Não comprei esses ossos por ganância, mas agora minha
loja está à beira do colapso.”
Que ele estava quase arruinado era claramente uma mentira. No
mínimo, a loja estava agindo como um relé para mercadorias que
desciam o rio Roam, então tinha que estar lucrando mais do que
parecia.
Ainda assim, Lawrence duvidava que a aparência de negligência
fosse em si uma mentira.
Os olhos do homem brilharam com curiosidade infantil. “Por que
você se importaria com essa loucura agora?”
“Eve me fez a mesma pergunta. Esses dois nasceram no norte,
sabe.”
“Mm...” entoou Reynolds, seus olhos se abrindo um pouco mais.
Ele tinha o rosto de um homem que estava terrivelmente enganado.
“Entendo, então... ah... eu fui um pouco precipitado. Por favor, não
pense mal de mim. Não quis dizer que minha amargura por essa
história tola era um insulto à sua divindade”, disse Reynolds,
esfregando o nariz e estendendo as palmas das mãos como se
confessasse seus pecados a Deus em uma igreja.
O fato de ter entendido tanto ao perceber que os dois nasceram
no norte provou o quão perto a região estava das Montanhas Roef.
E Lawrence podia dizer que Reynolds respeitava as pessoas do
norte.
“Nesse caso, estou bastante disposto a cooperar com você. A
verdade é que essa história é absurda de fato.” Reynolds foi capaz de
mudar o clima da conversa em um piscar de olhos.
CAPÍTULO II ⊰ 72 ⊱

No momento em que ele falou, os arredores negligenciados da


sombria casa comercial desapareceram, e parecia que eles estavam no
grande salão do conselho da cidade.
“No alto das montanhas Roef, ainda existem muitas lendas que a
Igreja não pode ignorar. Algumas são quase impossíveis de acreditar,
mas outros são difíceis de duvidar. Eu não sei de que região você é,
mas foi dito que os restos de um deus-lobo estavam em uma certa
aldeia, e eu morava em um lugar que parecia provável.”
“Era a aldeia de Rupi?” Col interrompeu.
Seu rosto estava tão sério que era difícil imaginar que ele estava à
beira das lágrimas por causa das galinhas bicando suas sandálias.
“Sim. Se você conhece esse nome e está perseguindo essa história,
ou você tem muita sorte de ainda estar vivo ou viu a injustiça do mundo
com seus próprios olhos.”
Col lhes contou como Rupi foi devastada por missionários com
espadas e muitas pessoas foram mortas.
Com as palavras de Reynold, Col assentiu, seus punhos cerrados.
“E você aí ao lado dele, senhorita... Os mercadores não podem
levar riquezas para o túmulo, mas podem levar suas memórias, então
não quero perguntar por que você diz que vem do norte, mas está
vestida como uma freira da Igreja”, disse Reynolds, deixando um
sorriso cínico se contorcer em metade de seu rosto.
Holo também sorriu levemente — ela entendeu que o desejo de
experimentar apenas coisas puras e belas até ir para o túmulo era em
si uma tolice para ser ridicularizada.
“Então, sobre o deus de Rupi. Suponho que foi no ano retrasado,
por volta do final do verão. Naquela época, os missionários e
mercenários vagavam pelas montanhas e planícies do norte. As
histórias desta ou daquela aldeia não eram incomuns. Entre eles,
porém, estava uma história contada por uma empresa comercial de
quem eu era próximo. Ou talvez eu deva dizer, eles não puderam
deixar de aproveitá-la.”
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 73 ⊱

“A Companhia Debau?”
Se Lawrence deixasse o homem pensar que eles o procuraram sem
saber nada, ele poderia mentir para fazer uma história melhor ou
apenas para enganá-los.
Então, para evitar isso, Lawrence mostrou que eles não eram
totalmente ignorantes.
Reynolds percebeu o movimento e sorriu. “Ei. Este mercador que
traz uma carta da loba da casa de Bolan não conta mentiras. Eu a
respeito, e se ela confiou em você, então eu também respeito você,
Kraft Lawrence.” Seu sorriso era sério, e ele parecia estar com raiva.
Mas Lawrence não sentiu que tinha dito algo errado.
Isso era praticamente um ritual, uma forma de determinar as
regras do jogo entre dois mercadores.
“Peço desculpas por interromper sua história.”
“De jeito nenhum. Se eu for o único a falar, nunca perceberei o
quão prolixo estou sendo. Já que você não é totalmente ignorante da
situação, devo lhe dar os detalhes importantes.”
Reynolds tossiu e se endireitou na cadeira.
Seu olhar se desviou para a parede enquanto ele vasculhava sua
memória.
“Havia uma certa facção da Igreja que por várias razões a
Companhia Debau não podia desafiar facilmente, e esta facção trouxe-
lhes uma oferta. ‘Entre as histórias pagãs que fomos investigar nas
montanhas’, disseram, ‘há algumas que são diferentes das histórias
mais absurdas. Elas têm forma e verdade. E se é assim, então vocês,
mercadores que lidam com tudo nesta terra, devem ser capazes de
encontrar a verdade disso.'”
O fato de ele ter se aventurado a dizer isso dessa maneira poderia
muito bem significar que ele próprio não era amigo da Igreja.
CAPÍTULO II ⊰ 74 ⊱

“Assim como achamos a alquimia misteriosa e, portanto,


assumimos que os alquimistas podem fazer milagres, parece que os
homens da Igreja acham nosso comércio misterioso e carente de
virtude — e, portanto, pensam erroneamente que podemos realizar
qualquer coisa. Mas muitas vezes nos negócios há pedidos que não
podemos recusar. E esses sempre fluem de alto a baixo.”
“Você está certo sobre isso”, disse Lawrence, ao que Reynolds
assentiu, satisfeito.
Do imperador ao mercador do palácio, do mercador do palácio à
empresa comercial que ele controlava, da empresa à filial e do gerente
da filial aos mercadores plebeus na base.
Não era raro que mesmo os bens respeitosamente apresentados ao
imperador tivessem suas origens com mercadores que raspavam e
lutavam por cada última moeda de cobre.
Os pedidos vinham de cima para baixo e as mercadorias fluíam de
baixo para cima, e nunca o contrário.
“E nossa empresa está situada aqui na parte inferior do rio Roam,
que é governado pelo grande espírito do rio. Devemos enfrentar o que
quer que desça essas águas, aconteça o que acontecer.
Verdadeiramente —”
As bochechas caídas de Reynolds balançaram como se tivessem
caído o tempo todo apenas esperando por este dia, este momento.
“— Devemos, não importa o custo.”
Lawrence assentiu, olhando para a caixa cheia de ossos sobre a
mesa.
Normalmente, mesmo quando uma empresa de comércio em
algum lugar estava procurando mercadorias, elas não seriam enviadas
em tamanho volume.
Mas fossem ossos de cachorro, gato, ovelha, vaca ou porco, o fato
de essa empresa ter coletado tantos era porque todos nesta cidade
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 75 ⊱

sabiam que a Companhia Jean não estava conduzindo negócios


sensatos.
Para que fosse um negócio sensato, alguém teria que pagar um
preço justo por bens sensatos.
Mas se não fosse um negócio sensato, era possível que o dinheiro
fosse pago até mesmo por mercadorias sem sentido.
E existia a forte possibilidade de que a Companhia Jean, e a
Companhia Debau acima delas, pagassem dinheiro por ossos sem valor
se achassem que o clero que dera a ordem original ficaria satisfeito.
E havia ossos por todo o lado.
Fazer uma pequena aposta nessa possibilidade não era uma aposta
ruim.
A parte mais incomodada foi a Companhia Jean, que acabou
bancando a casa de apostas.
“E então tudo se transformou em uma grande comoção, porque
alguns diziam que se os ossos reais fossem encontrados, eles
receberiam mil, dois mil lumiones por eles.”
“Então —” Foi Col quem falou quando Reynolds fez uma pausa e
sorriu de forma autodepreciativa. “— Então, você encontrou os
ossos?”
Os olhos de Reynolds, como contas de vidro sob suas pálpebras
caídas, não mostraram emoção, mas mudaram por um instante.
A pergunta era ingênua e uma violação da etiqueta de conversação
dos mercadores.
Mas aqueles olhos vidrados logo se voltaram para os próprios de
um lojista descontraído, satisfeito em sentar atrás de sua mesa e esperar
pelos clientes enquanto observava suas galinhas bicarem o chão.
Um mercador não tinha motivos para ficar zangado com uma
pergunta ingênua. Em vez de mostrar raiva, ele trataria a questão
adequadamente.
CAPÍTULO II ⊰ 76 ⊱

O que significava que a conversa de mercador havia acabado.


“Ei. Se eu tivesse, estaria sentado em uma mesa dourada agora
mesmo. É claro que, na época, rumores de que eu já havia encontrado
os ossos e feito um grande lucro estavam circulando por todos os lados,
e eu fui atacado sabe-se lá quantas vezes. Mas se parar um pouco para
pensar, fica óbvio. Quem lida com tanto ouro por algo sem atrair a
atenção dos outros?”
Seu tom de provocação veio do fato de que era uma noção
absurda.
Se essa empresa tivesse recebido mil moedas de ouro, qualquer
pessoa que fizesse negócios perceberia o movimento do dinheiro
imediatamente.
Era o mesmo que mover uma montanha — mesmo que você
fizesse isso na calada da noite, as pessoas notariam pela manhã.
Não era algo que você pudesse esconder.
Col parecia ter entendido.
Ele assentiu, cabisbaixo, mas agradecendo a Reynolds por
responder sua pergunta.
Naquele momento, os olhos de Reynolds se arregalaram de
surpresa — Lawrence estava rindo.
Mesmo que a pergunta em si tivesse sido uma terrível violação da
etiqueta mercantil, os agradecimentos educados de Col pela resposta
mostravam o tipo de maneiras que a maioria dos aprendizes não
conseguia lembrar, mesmo depois de uma surra.
Ele poderia sentar relutantemente atrás da mesa de sua empresa
comercial, mas Reynolds tinha um bom olho de mercador. Não havia
dúvida sobre isso.
Então ele virou os olhos para Lawrence.
“Você tem um bom aprendiz aí, Sr. Lawrence.”
O olho de um falcão que avistou sua presa.
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 77 ⊱

Certamente não era exagero.


“Ele não é meu aprendiz.”
“Claro—!” disse Reynolds, chocado, como se simplesmente não
pudesse acreditar. Quando seu olhar voltou para Col, Lawrence
imediatamente falou.
“Ele é um futuro estudioso da lei da Igreja. Se eu dissesse que ele
era meu aprendiz, nunca conseguiria passar pelos portões do céu.”
Reynolds parecia não saber que tipo de expressão fazer.
Se Lawrence pudesse surpreender Holo o suficiente para ela fazer
aquela cara, ele tinha certeza de que seria capaz de domá-la.
Reynolds ficou tão surpreso que deu um tapa na própria testa,
totalmente perdido. “Hrrrm! Nascido nas terras do norte, um futuro
estudioso da lei da Igreja e perseguindo contos do deus de sua cidade
natal... Entendo por que aquela mulher loba colocaria sua confiança
em um mercador como você. Parece estar em uma jornada muito
complicada — e verdadeiramente invejável.”
Para os mercadores, que estavam profundamente cientes das
conexões e influências humanas, um futuro estudioso da lei da Igreja
era como um ovo de ouro — cujo valor final poderia ser
aproximadamente estimado com base em seus modos e personalidade
atuais.
Você sempre gostaria de investir em alguém cujo futuro fosse
brilhante.
A ideia irradiava de Reynolds, mas seu olhar de repente mudou
para Holo e depois para Lawrence. “Então, essa aqui é de um famoso
convento em algum lugar?”
Holo também teria notado o olhar predatório de falcão do homem
sobre Col.
Mas Reynolds não tinha usado aquele olhar em Holo.
CAPÍTULO II ⊰ 78 ⊱

Ele estava fazendo a pergunta a Lawrence porque se sentia mal por


ignorar Holo ou simplesmente queria conversar.
Mas não havia chance de Holo ficar satisfeita com um tratamento
tão fraco.
Então, qual a melhor forma de aumentar seu valor?
Esse era um cálculo que ela poderia realizar tão rápido quanto
qualquer mercador.
Assim que Holo ouviu as palavras de Reynolds, ela se escondeu
atrás de Lawrence, segurando suas roupas.
Como se fosse uma donzela tímida, com medo de estranhos.
Como se ela estivesse reivindicando Lawrence como seu guardião.
Se os mercadores cobiçavam até mesmo as posses dos deuses,
então certamente era da natureza deles cobiçar ainda mais as coisas de
outros humanos.
O efeito foi perfeito.
“Bwa-ha-ha-ha!” Reynolds começou a rir, e Lawrence percebeu
que Holo estava espiando por trás dele com um sorriso malicioso no
rosto.
A batalha inefável de inteligência tinha duas ou três camadas agora.
A risada calorosa de Reynolds veio de sua percepção de que ele
havia sido completamente enganado. “Que bons convidados vocês são!
O que me diz? Será meio-dia em breve. Vamos todos almoçar juntos
em comemoração ao nosso encontro?”
Lawrence, por sua vez, ficou bastante feliz com a proposta.
A conversa com Reynolds foi inteiramente estimulante. “Se você
não se importar, eu adoraria.”
“Que sorte maravilhosa. Vou chamar um dos meus homens para
preparar um pouco de comida. No entanto —” aqui o olhar de
Reynolds se moveu para além de Lawrence, para a doca de
carregamento da Companhia Jean — “para fazer isso, precisarei de
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 79 ⊱

uma única galinha saudável, mas hoje parece que não nenhuma para ser
encontrada.”
CAPÍTULO II ⊰ 80 ⊱

“Ah!” exclamou Col, para o qual Holo olhou de soslaio.


Quando eles bicaram as sandálias de Col, Holo os perseguiu com
um olhar feroz o suficiente para se notar a loba, e agora não havia uma
única galinha para ser vista na doca de carregamento.
“Se você não se importar, eu gostaria que viesse até os meus
vizinhos para comer,” disse Reynolds com um sorriso travesso e
infantil, que Col se debateu e Holo relutantemente foi capturar uma
galinha.
Frango e vinho de uva.
Pão e sal eram necessários para viver, mas frango e vinho eram
provavelmente duas das coisas necessárias para realmente aproveitar a
vida.
E ainda mais quando eles eram um deleite inesperado.
Holo mordeu antes mesmo de ouvir o “Por favor, coma” de
Reynolds, enquanto Col mantinha as boas maneiras da Igreja,
esperadas de um futuro estudioso da lei.
Col foi certamente o único impressionado com o grandioso
banquete Reynolds preparou depois de terem perguntado tão
casualmente sobre os restos do lobo.
Lá na mesa de refeição, em meio à conversa fácil, ele contou sobre
a grande comoção dois anos antes, quando as histórias dos ossos
estavam em alta, e o que aconteceu depois disso.
Mas os mercadores estavam sempre em busca de pagamento.
Lawrence estava preocupado com esse pagamento, mas isso só
ficou claro quando estavam prestes a se despedir.
Reynolds buscou o aperto de mão de Lawrence. “Meus
cumprimentos a Eve Bolan.” Ele segurou a mão de Lawrence com
firmeza.
Seus olhos eram os de um mercador astuto.
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 81 ⊱

Talvez ele quisesse que transmitissem a ela que havia contado a


seus clientes tudo sobre os restos de lobo e os presenteou com uma
boa refeição.
Talvez tenha feito isso para fortalecer seus laços com Eve,
aumentando assim sua própria capacidade de negócios.
Mas, embora a Companhia Jean de Reynolds pudesse parecer
pobre, ela já deveria estar bem conectada com a Debau.
A empresa com lucros de mineração.
Era possível que a experiência de Reynolds com Eve tivesse sido
tão promissor que ele ainda não teve muito a ganhar.
Ou talvez Eve fosse realmente influente.
Havia muitas coisas com que se preocupar, mas Lawrence tinha
que ser grato pela gentileza demonstrada.
Lawrence retribuiu o aperto de Reynolds com entusiasmo, depois
deixou a Companhia Jean para trás.
Embora Reynolds estivesse relutante em sair de sua cadeira
quando chegaram, agora que estavam saindo, ele os observou sob o
beiral da casa comercial.
“Agora sim,” Lawrence murmurou para si mesmo.
Ele tinha alcançado facilmente seu objetivo.
Mas não podia negar que em toda a sua conversa com Reynolds,
algo nas voltas e reviravoltas não se encaixava.
O estado da Companhia Jean, o momento em que Lawrence
entregou a Reynolds a carta que recebera de Eve, até as ações de
Reynolds um momento atrás, quando eles estavam se separando.
Nada disso tinha relação direta com a história dos restos do lobo,
mas as ações dos mercadores eram frequentemente conectadas de
maneiras surpreendentes.
Profundamente pensativo, Lawrence acariciou a barba levemente.
CAPÍTULO II ⊰ 82 ⊱

“Então, o que devemos fazer?” Seus pensamentos foram


interrompidos por Holo.
E no momento em que olhou para o rosto de Holo, pensou nas
aves de capoeira com as quais foram servidos não muito tempo atrás.
A refeição em questão tinha as coxas de frango cozidas, depois
cobertas com um molho feito de vinagre, um toque de ervas doces e
sementes de mostarda esmagadas — uma verdadeira iguaria.
Quanto ao quão magnífico realmente tinha sido — bem, ainda
havia um fragmento das ervas presas no canto da boca de Holo.
Lawrence apagou com um dedo, e Holo fechou um olho com
irritação.
Mas Lawrence logo percebeu que ela não estava tentando
esconder o constrangimento por ser tratada como uma criança.
Holo desviou o olhar e deu uma piscadela rápida para Col.
Col, embora surpreso, também pareceu impressionado e assentiu.
Lawrence observou tudo isso e suspirou.
Evidentemente, Holo fez uma aposta com Col sobre se Lawrence
tiraria o farelo de erva de sua boca.
“Sim... de fato,” Lawrence murmurou. Não havia lucro em seu
jogo. Lawrence fingiu não notar a piscadela.
“Ele nos contou tudo com muito mais facilidade do que eu
esperava. É meio decepcionante, não é?”
“Oh?”
“Eu tinha certeza que ele tentaria esconder algo de nós”, disse o
Col.
Com as palavras de Col, agora era a vez de Lawrence lançar um
olhar rápido para Holo.
Seus olhares se encontraram por um momento, e ambos
desviaram o olhar rapidamente.
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 83 ⊱

Isso tinha que significar que Holo havia percebido algo durante a
conversa anterior.
Lawrence escolheu suas palavras e falou. “…Sim, bem.
Confirmamos que a Igreja acreditava que a história de Rupi era
verdadeira, o que significa que havia algo para eles acreditarem. O que
é um grande avanço.”
Col assentiu várias vezes, seu rosto sério.
No entanto, se Holo estava sentindo algo sinistro nas palavras e
ações de Reynolds, então as coisas podem não ser tão simples.
Como a pergunta que se seguiu seria difícil de responder,
Lawrence se absteve de mencionar isso.
Col era simplesmente muito gentil.
Mesmo para alguém tão cínico quanto Holo, falar sobre sua terra
natal era uma proposta perigosa.
Seria melhor esperar o momento certo e explicar as coisas com
cuidado.
“Mas há uma coisa lamentável.”
“…?” Col olhou para Lawrence, sua cabeça inclinada em dúvida.
“Desde que aprendemos o que precisávamos saber com tanta
facilidade, parece que não precisaremos usar nosso trunfo.”
“Ah... você quer dizer sobre as moedas de cobre?”
Cinquenta e sete caixas cheias de moedas de cobre que desciam o
rio tinham — depois de cruzar o mar pela Companhia Jean — se
tornaram sessenta caixas, o que era bastante misterioso.
Lawrence suspeitava que aquele pudesse ser um ponto vulnerável
para a Companhia Jean.
Se a empresa tivesse tentado esconder a história dos restos mortais
do lobo, ele poderia tê-la usado para derrubá-los, e ele explicou isso a
Col.
CAPÍTULO II ⊰ 84 ⊱

No entanto, como havia presumido que o simples fato da


contagem de caixas não somar seria alavancagem suficiente sobre a
Jean, Lawrence ainda não tinha ouvido o motivo da discrepância de
Col.
Lawrence não tinha, é claro, descoberto por conta própria.
“Bem, se não houver motivo para usá-lo, você pode me dizer
assim que nossa jornada terminar, como forma de agradecimento.”
Col, que tinha entendido o motivo sozinho, assentiu, depois deu
um sorriso satisfeito.
“Agora, no que diz respeito a tudo isso, o que podemos fazer é
voltar para Eve e agradecê-la, reunindo algumas informações ao longo
do caminho. E não devemos nos apressar muito. Não queremos ser
suspeitos de nada.”
“…Er, então… porque se houver alguém nos seguindo
seriamente, vamos acabar fazendo-os pensar que estamos tramando
algo, certo?”
A parte estudiosa do menino era certamente admirável.
Lawrence assentiu. “Reynolds e Eve não se importaram em nos
contar tudo sobre os restos mortais do lobo porque ambos pensaram
na coisa toda e decidiram que é um absurdo. Se eles ouvirem qualquer
coisa que pareça verdade, os dois fecharão a boca na hora.”
“Então, se continuarmos procurando a história muito a sério, eles
começarão a se perguntar se descobrimos uma chave que prova que a
história é verdadeira.”
E, claro, a chave que provava que a história era verdadeira não era
outra senão a existência de Holo.
Col estava bem ciente disso enquanto levantava o dedo indicador,
com uma expressão no rosto como se fosse um chef explicando que o
ingrediente secreto de um prato era apenas uma pitada de ervas
frescas.
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 85 ⊱

Ou como um cachorrinho fazendo orgulhosamente um truque


que acabara de aprender.
Mas ele não parecia atrevido ou arrogante, provavelmente porque
o próprio Col estava fingindo a atitude orgulhosa de propósito.
Ele era apenas genuinamente amigável.
“Mas a ironia é que podemos perguntar sobre isso tão facilmente
porque ninguém acredita que seja verdade. Mesmo que estejamos
perguntando para descobrir a verdade.”
“É também uma questão de fé. Você tem que ter a coragem de
acreditar que está certo, mesmo quando todos ao seu redor dizem que
você está errado.”
Col assentiu gravemente.
“Então esta seria uma maneira de colocar isso em prática: se um
padre pergunta a Deus se as pessoas podem ser salvas e não obtém
resposta, não é porque Deus está sendo descuidado, mas a questão
é…?”
O futuro estudioso da lei da Igreja foi despertado. “A pergunta ser
óbvia é a razão.”
Esse tipo de discussão intelectual calma e agradável era um pouco
diferente do que ele tinha com Holo.
Lawrence tinha ouvido falar que os verdadeiros estudiosos
conversavam assim de manhã à noite, e ele sentiu que entendia o
porquê.
Os dois caminhavam sem rumo enquanto falavam, e em algum
lugar do caminho, Col havia começado a caminhar ao lado de
Lawrence, o que não era nada mau.
Se eles andassem assim por mais dez anos, ele tinha certeza, Col
se tornaria um amigo querido.
Quando Lawrence pensou nisso, começou a olhar para o futuro.
Mas alguém se interpôs entre os dois.
CAPÍTULO II ⊰ 86 ⊱

Alguém que foi deixado de fora da conversa — Holo.


“Parece que uma conversa agradável está acontecendo bem na
minha frente”, disse ela, com o rosto um pouco irritado.
Lawrence decidiu que era melhor não tentar analisar o que essa
afirmação poderia significar.
“Se não há necessidade de voltar direto para a toca daquela
megera, então tenho um lugar para onde gostaria de ir.”
“E isso seria?” perguntou Lawrence, e Holo apontou para a foz do
rio.
“Aquele lugar de aparência animada.”
Escusado será dizer que ela se referia ao mercado no delta.
Sua cauda estava abanando sob o roupão, e ela provavelmente
estava esperando comer algo gostoso.
Da estimulante conversa intelectual com Col, voltaram aos
habituais tópicos óbvios.
Lawrence dirigiu seus olhos além de Holo para Col.
Col assentiu um pouco hesitante.
Cerca de metade do desejo de Holo de ir ao delta era por si mesma
— a outra metade era por Col.
Era difícil pesar os méritos da conversa intelectual de Col contra
a obviedade franca de Holo — porque as palavras de Holo sempre
escondiam outra coisa.
Então Lawrence respondeu, escondendo algo em suas palavras
para Holo também.
“Você só pensa em comida”, disse ele como se estivesse perdido,
ao que os olhos âmbar de Holo rolaram e seu lábio superior se curvou
em um sorriso zombeteiro.
“Estou sempre pensando em você também”, disse ela em um tom
mais alto e lisonjeiro, agarrando-se ao braço de Lawrence.
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 87 ⊱

Lawrence tinha esquecido de colocar uma migalha de erva no


canto de sua boca, então isso igualava as coisas.
O rosto de Col ficou vermelho e ele parecia não saber para onde
deveria olhar.
Lawrence não podia deixar de se sentir um pouco superior, mas
também não podia simplesmente se divertir.
Quanto ao motivo, foi porque em troca de sua performance, Holo
estaria esperando uma compensação.
“Isso é porque eu sou sua comida.” Lawrence pagou seu preço, o
que fez Holo sorrir, suas orelhas se movendo o suficiente para quase
deixar o capuz cair.
“Então você vai afrouxar um pouco os cordões da bolsa de moedas
para mim?”
Lawrence olhou para Col.
“O que você acha?” seu olhar perguntava.
Quando se tratava desse tipo de disputa verbal, Col era capaz de
responder tão bem quanto Holo. “Acho que você vai precisar ir para o
quarto.”
“Sim, eu preciso de um pouco de vinho”, disse Lawrence,
encerrando a piada perfeita de Col.
O delta da cidade de Kerube tinha um grande reservatório no
centro.
Todos os tipos de peixes, grandes e pequenos, eram mantidos
nele, e ocasionalmente grupos de tartarugas ou aves aquáticas se
reuniam lá.
Mas nenhum poeta de cabelos dourados se sentaria à beira da água
tecendo rima, e as palavras ditas ali não eram versos da beleza
incomparável do lugar.
CAPÍTULO II ⊰ 88 ⊱

Porque os peixes no reservatório nadavam em círculos dentro de


redes e as tartarugas e aves aquáticas acabariam tendo suas pernas ou
bocas amarradas.
As palavras ditas à beira-mar eram quantias diretas e negociações.
As gargantas que gritavam eram fortes, assim como as mãos que
agarravam os peixes.
As pessoas que vinham ao mercado para fazer negócios chamavam
o reservatório de fonte de ouro.
O mercado do delta de Kerube se estendia duzentos passos ao
norte do reservatório, duzentos ao sul, trezentos ao leste e
quatrocentos ao oeste.
Essa extensão havia sido decidida no passado distante e, embora
parecesse que o delta tinha muito espaço para acomodar o mercado,
até onde Lawrence tinha ouvido ou visto, nunca havia sido expandido.
O que significava, é claro, que os prédios foram construídos para
conservar a área de terra.
A reclamação constante sobre a superlotação era que era tão ruim
que você podia ver o livro do seu vizinho.
Assim que Lawrence e companhia chegaram ao delta, Holo baixou
as orelhas.
Pode ter sido uma piada, mas Lawrence não achou que fosse
necessariamente para se exibir.
Não importa quando você viesse, o maior mercado da cidade
portuária de Kerube tinha uma comoção inacreditável.
“Hoje é dia de festival ou algo assim?” um surpreso Col perguntou
a Holo, que estava ao lado dele enquanto atravessavam o cais depois
que Lawrence pagara o barqueiro.
O delta tinha três docas, e Lawrence e companhia haviam chegado
pelo que era quase exclusivo do tráfego do lado norte da cidade. Então,
em vez do portão feito de navios encalhados que era o marco mais
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 89 ⊱

famoso do mercado, havia uma pedra extraída que havia sido trazida
para terra e simplesmente deixada lá.
O mercado propriamente dito começava logo depois, com uma
multidão de pessoas lado a lado, nenhuma delas olhando diretamente
para a frente, mas olhando atentamente para as lojas pelas quais
passavam.
“Hum? Este não é o único lugar tão lotado, sabe. Estive em cidades
onde eles são assim de ponta a ponta” disse Holo, cuja experiência não
era muito diferente de Col.
“É m-mesmo...? O único lugar realmente lotado que eu já estive
foi Aquent…”
“Sim. Não se preocupe; a juventude é uma época ignorante. Tudo
o que você precisa fazer é observar e aprender.”
“Isso certamente é verdade. Afinal, você disse quase a mesma coisa
para mim na primeira vez que visitamos uma cidade portuária”, disse
Lawrence por trás dos dois, colocando a mão na cabeça de Holo.
Nos séculos que Holo passou em Pasloe, o mundo mudou o
suficiente para até mesmo uma deusa envelhecer. Quando se tratava
de ser ignorante sobre o estado do mundo, Holo era certamente uma
delas.
Mas quando se tratava de se gabar, o mesmo acontecia.
Irritada, ela tirou a mão de Lawrence da cabeça e o encarou
ameaçadoramente. “Como o conteúdo de sua bolsa de moedas é tão
pequeno, sim, você deve realmente gostar de se gabar de quão mais
mundano você é do que eu!”
“Eu poderia dizer exatamente a mesma coisa para você. A única
grande cidade que você já visitou é Ruvinheigen!”
Holo encolheu o queixo e estufou as bochechas.
Col estava assistindo a troca nervosamente, mas isso deixou óbvia
a atitude de Holo de “brinque comigo!”.
CAPÍTULO II ⊰ 90 ⊱

“Só porque você é um mercador viajante que disputa cada


centavo, até mesmo por comida. Vivi uma vida de cativa, incapaz de
ir aonde desejava. Você vai me levar para onde eu quero ir?”
Eram palavras difíceis, carregadas de implicação e questionava
toda a sua jornada até agora — se Lawrence interpretasse mal, poderia
esperar um chute forte nas costas.
Col parecia não saber o quanto aquilo era uma brincadeira, e não
conseguiu esconder seu desconforto.
Então Lawrence respondeu com cortesia e cuidado. “Os
mercadores interpretam tudo através do dinheiro. Então, desde que
não custe nada, cooperarei com você o quanto precisar.”
“Por exemplo?” perguntou Holo, dando um raro meio sorriso por
baixo do capuz.
Ela parecia incapaz de esconder o absurdo de seu próprio
desempenho.
“Por exemplo... hmm...”, disse Lawrence, pensando. Holo o
atingiu irritada, então agarrou suas roupas e o puxou para perto.
“Nesse caso, que tal uma conversa no travesseiro? Ou preciso
deixar mais claro do que isso?”
Ela havia deixado bem claro, Lawrence se conteve.
Justo quando pensou que estavam brigando, o tom da troca sofreu
uma mudança repentina, e o rosto de Col se ruborizou enquanto
engolia e observava os dois.
Lawrence pensou que ser ator não seria tão ruim.
“É verdade que a conversa de travesseiro não custa nada. Embora
sempre que eu te carrego para a cama, você está bêbada.”
Holo escapuliu de Lawrence, um sorriso malicioso no rosto.
Lawrence se preparou para mostrar sua melhor cara de “você me
pegou”.
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 91 ⊱

“O que mais eu posso fazer? Sua conversa é muito chata para


aguentar sóbria.”
Lawrence queria que alguém os cumprimentasse por terem
amadurecido tanto que pudessem se envolver em uma paródia tão
óbvia de sua conversa habitual.
“Agora, então, vamos dar uma olhada ao redor?” sugeriu Holo,
estalando os lábios com prazer, aparentemente satisfeita com a
brincadeira.
O que ela queria dar uma olhada não era o mercado em si, mas
sim a comida exposta dentro dele.
Apesar de ter acabado de comer frango, sua barriga
evidentemente já estava vazia.
“U-um, por qual comida esta cidade é conhecida, eu me
pergunto...”, disse Col para Holo, ainda tentando ser educado com
ela, apesar de ser totalmente incapaz de acompanhar as rápidas
mudanças na conversa até agora.
“Hmph. Quando você diz assim, parece que tudo o que me
importa é comida.”
“O qu-? N-não, não é isso que eu—”
Se seu roupão tivesse sido retirado, sem dúvida a cauda de Holo
estaria balançando para lá e para cá enquanto ela brincava
impiedosamente com Col.
De qualquer forma, Lawrence não estava ouvindo as palavras
vacilantes de Col enquanto era provocado.
Ele começou a andar sozinho, depois passou pela pedra que servia
de portão e voltou.
“Venham, depressa!”
Apesar do barulho do mercado movimentado, o tom claro da voz
de uma moça ainda chamava a atenção.
CAPÍTULO II ⊰ 92 ⊱

Um mercador que estava sentado na pedra e escrevendo algo


olhou para Holo, a mão em sua lousa errando. Paradoxalmente, suas
feições magras e castas tornavam óbvio que ela estava se abstendo de
lucro. Do ponto de vista de um eremita asceta, isso era um pecado
grave.
Seguir o olhar de Holo o levava a Lawrence, o que no mínimo
tornava as coisas desfavoráveis.
E embora o mercador logo voltasse a olhar para a lousa e
continuasse a escrever, Lawrence podia ver claramente que ele não
conseguia evitar de deixá-la escorregar pela beirada da lousa, e só com
esforço Lawrence escondeu uma risada triste.
“Pare de enrolar! Venha, agora —” gritou Holo. Embora não
estivesse claro se ela estava ciente do olhar sobre ela, ela se sentiu
apressada o suficiente para que a ponta de sua cauda balançasse para
fora de seu manto e, tendo gritado, de repente ela ficou em silêncio.
“…?”
Não importa o quão boa ela possa ter sido em atuação, mesmo o
melhor disfarce se desgastaria se fosse usado por tempo suficiente.
E isso não parecia uma encenação, então, como o jovem mercador
antes dele acabara de fazer, Lawrence seguiu o olhar de Holo.
E então ele viu.
Col também olhou para trás e tapou a boca com a mão, lançando
um olhar furtivo a Lawrence.
No final do olhar de Holo, saindo do barco, estava a forma familiar
de um certo mercador.
Usando as mesmas roupas de sempre, considerando tudo no
mundo como moedas a serem contadas diante dos olhos sonolentos e
semicerrados, o dono daquele olhar destemido voltou-se para
Lawrence.
Mas a tênue surpresa que Eve evidenciou certamente não foi um
ato hábil, mas genuíno.
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 93 ⊱

Ao redor de Eve estavam dois homens, ambos bem vestidos e bem


alimentados, seguidos por dois homens também bem vestidos, mas
com olhares sinistros — o encontro tinha que ser uma coincidência.
O jovem mercador que estava sentado na rocha ponderando sobre
seus negócios notou Eve e os outros e ficou de pé, trotando para o
mercado como se estivesse fugindo.
Um peixeiro mais velho, parado ao lado de seu carrinho de peixe
enquanto esperava seu corretor aparecer, curvou-se respeitosamente
como se estivesse encontrando um espírito do oceano.
Os homens ao redor de Eve pareciam considerar as ações do
jovem mercador e do velho peixeiro como completamente comuns.
Era como se Lawrence fosse o anormal, e eles o encaravam
abertamente, como se o avaliassem.
Então eles fungaram, como se estivesse abaixo do desprezo deles.
Eles se viraram e olharam para Eve como se estivessem
perguntando qual era o problema daquele rapaz.
“Eu tinha certeza que você tinha ido para o sul... mas talvez o
turismo venha primeiro,” disse Eve em um tom divertido.
O mais jovem dos quatro homens tratou do pagamento da taxa do
barqueiro.
Eve nem sequer olhou para eles, em vez disso, encarou Lawrence
enquanto falava.
Ela deu a Holo apenas um olhar, e Lawrence tinha certeza de que,
se ele tivesse verificado, os olhos de Holo estariam cheios de
hostilidade.
Os homens ao redor de Eve murmuraram nos ouvidos uns dos
outros enquanto avaliavam Lawrence.
“Sim, como uma pausa no trabalho. Minha ferida ainda dói um
pouco, entende. Lawrence deixou um pouco de hostilidade escorregar
em sua voz ao sentir o olhar de Holo perfurando suas costas.
CAPÍTULO II ⊰ 94 ⊱

Eve certamente entenderia isso.


Ela estreitou os olhos levemente e, levantando a mão, deu dois,
depois três sinais para os homens.
Os dois homens bem alimentados dirigiram sorrisos hostis a
Lawrence, e os dois de olhos mesquinhos ignoraram completamente o
grupo enquanto passavam, dirigindo-se ao mercado.
Assim como na lenda das escrituras, enquanto caminhavam, o mar
de pessoas parecia se abrir diante deles.
Eles tinham que ser figuras poderosas na cidade.
Assim que se afastaram, Holo se aproximou de Lawrence.
“De minha parte, eu estava no meio de um descanso quando fui
arrebatada. Eles são peixes grandes no lado norte de Kerube”, disse
Eve.
“Eles são mercadores?” Lawrence perguntou, ao que Eve balançou
a cabeça.
“Eles não estão envolvidos na compra ou venda de mercadorias,
mas são muito bons em contabilidade.”
Os olhos de Eve estavam coloridos com seu desgosto, e em um
instante, Lawrence entendia exatamente que tipo de homens eles
eram. Eles provavelmente tinham privilégios especiais em Kerube.
Eles podem ter sido proprietários de terras, ou talvez
controlassem a cobrança de impostos ou o licenciamento de pesca. No
mínimo, estava claro que viviam em um mundo onde simplesmente
relaxar em uma cadeira traria dinheiro fluindo para eles.
Se estivessem fazendo a menor reverência na direção de Eve,
deveriam saber o quão útil ela poderia ser.
Ou talvez, apesar de seu poder, eles ainda não tivessem um título
nobre.
Lawrence não podia ter certeza, mas a situação tinha um cheiro
muito divertido.
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 95 ⊱

“Se você estiver interessado, venha para a fonte de ouro. Agora,


se me der licença.”
Assim que Eve saiu, ela lançou um olhar rápido para Holo.
Então sua forma entrou na multidão no mercado e desapareceu
— como se pudesse se misturar ou se destacar da multidão à vontade.
Impressionado, Lawrence a viu partir antes que um chute de Holo
o trouxesse de volta ao presente.
“Você tem coragem, observando outra mulher bem na minha
frente.”
Lawrence tinha ouvido essa frase em algum lugar antes, mas
apenas deu de ombros, sem oferecer uma resposta adequada. “Devo
olhar apenas para você de agora em diante, então?” ele perguntou,
brincando trazendo seu rosto para perto de Holo e corajosamente
tocando sua bochecha.
Uma Holo irritada imediatamente começou a caminhar em
direção ao mercado.
“Ah, senhorita Holo!” Col a seguiu reflexivamente, mas parou
depois de um passo.
Ele olhou para trás hesitante. “E-er-”
“Hum?”
“— Você não vai...?”
Com o que ele obviamente quis dizer seguir Holo.
Col provavelmente estava preocupado que, ao correr atrás de
Holo, ele estivesse usurpando o papel de Lawrence.
“Eu não. Acho que ela gostaria que você fosse com ela.”
“Eu não —”
“Você não acha?” perguntou Lawrence, e Col balançou a cabeça.
Mesmo que estivesse solto, Col certamente não tentaria arrumar
seu cabelo despenteado.
CAPÍTULO II ⊰ 96 ⊱

Evidentemente, ele estava muito ocupado pensando em outras


coisas para se preocupar com isso.
“Eu admito que você é inteligente, mas mesmo um pouco de
observação a conclusão que eu não tenho como me redimir.” Lawrence
sorriu e arrumou o cabelo de Col. “É verdade que ela está com raiva
de mim. Mas a parte em que ela está brigando comigo é mentira.”
Lawrence enfiou a mão na bolsa de couro pendurada no quadril e
tirou um único trenni de prata.
Ele então tocou a moeda no nariz de Col. “Isso deve ser mais do
que suficiente para toda a comida e bebida que você possa querer.
Tenha cuidado para que Holo não beba muito vinho.”
“…”
Col parecia não entender por que Lawrence não estava
perseguindo Holo, e ele aceitou a moeda com uma expressão
profundamente perplexa.
“Ela pode ver através de mim, entende? Ela sabe que as palavras
de Eve me chamaram a atenção. Mas também odeia Eve e não quer ter
que ver seu rosto.”
Col tinha um olhar que dizia: “E então?” mas Lawrence não
explicou mais nada, dando um empurrãozinho nas costas de Col,
acrescentando que se ele quisesse saber mais, deveria perguntar a
Holo.
Ele hesitou por um momento, mas era um garoto esperto e foi
embora como lhe foi dito.
Embora ela já tivesse desaparecido na multidão, Holo certamente
encontraria Col.
“Bem então.”
Eve havia dito para ir à fonte de ouro.
Lawrence entendeu o que isso significava.
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 97 ⊱

Ele tinha aprendido que qualquer reunião importante sobre a


cidade portuária de Kerube seria realizada pela fonte de ouro do delta.
Se fosse realizado no lado norte, os nortistas tentariam aproveitar
sua vantagem, da mesma forma para o lado sul; esta era uma medida
para evitar isso.
Se uma nobre empobrecida com o objetivo de se tornar uma
mercadora rica fosse para lá com citadinos tão poderosos, certamente
seria algo que qualquer mercador digno desse nome gostaria de
participar.
Diante disso, nenhuma diversão possível poderia se comparar.
Claro, teria sido fácil para Holo tomar Lawrence pela nuca e
voltar sua atenção para ela, mas uma loba inteligente como ela entendia
o custo de fazê-lo.
Muito melhor para ela se retirar, para depois cobrar algo de
Lawrence.
E Lawrence aceitou a barganha.
Ele passou a mão pelo cabelo com tristeza, desejando poder ler o
coração de Holo tão facilmente quanto havia entendido o acordo que
tinham acabado de fechar.
Sem dúvida, Holo também estava perdida.
“Um trenni para passear, hein?”
Ao cruzar os braços e esticar o pescoço, ele se perguntou se havia
se tornado muito corajoso e entregado muito dinheiro.
Mas pelo menos ele não ouviria reclamações.
Lawrence caminhou, entrando no mercado pela primeira vez em
muito tempo.
Ele sentiu que tinha se fundido com a multidão muito bem.
Tudo o que restava era a agitação esquálida do mercado,
zumbindo como um exército de formigas.
CAPÍTULO II ⊰ 98 ⊱

O mercado era um pequeno mundo próprio.


Verdade ou não, dizia-se que o mercado do delta foi construído
sobre inúmeras estacas cravadas na areia. A maioria dos prédios era de
pedra para evitar — diziam os boatos — que o mercado sustentado
por estacas fosse levado pelo rio.
Lawrence podia entender isso, pois os pregos da construção de
madeira instantaneamente começariam a enferrujar e apodrecer, mas
ele não podia deixar de se preocupar que os edifícios de pedra
afundassem na areia.
Claro, ele nunca tinha ouvido falar de algo assim acontecendo até
agora, então tinha que estar funcionando.
Pela forma como as coisas estavam, o vento carregava a areia pelos
espaços entre os prédios, onde se acumulava, lembrando os mercados
das cidades do deserto mais ao sul.
As palavras levadas pelo vento o guiaram pelas curvas e
reviravoltas do centro do mercado, e ele chegou sem incidentes à fonte
de ouro.
Em torno da primavera, uma praça redonda foi construída com
estradas que saem dela para o norte, sul, leste e oeste.
Marcando o centro da nascente havia um pilão longo e alto.
Três peixes secos e enegrecidos foram afixados ao pilão, talvez
como uma espécie de amuleto, e em cima dele empoleirado uma única
gaivota.
Em um ponto na beira da fonte, três conjuntos de mesas e cadeiras
estavam dispostos, ao redor dos quais estavam três guardas com peitos
de couro. Os homens carregavam lanças quase duas vezes mais
compridas do que suas alturas.
Dando uma olhada ao redor, Lawrence viu que todas as pousadas
e alojamentos ao redor da fonte tinham as janelas do segundo andar
abertas. Todos os rostos que espreitavam através deles pareciam ser os
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 99 ⊱

de mercadores abastados, talvez alguns até tinham mulheres esperando


por eles mas estavam se entregando um pouco à curiosidade.
Lawrence, é claro, não era tão rico a ponto de se permitir assistir
de uma pousada, então ele comprou uma cerveja em uma das barracas
ao ar livre posicionadas de forma oportunista, instalando-se a uma
distância apropriada para que pudesse ouvir a conversa no local.
Ele não viu Eve, mas já havia homens que reconheceu, sentados
nas cadeiras, cada um sussurrando nos ouvidos de sua equipe.
Não havia necessidade de se incomodar em perguntar a ninguém
o tópico da discussão.
Nenhuma língua era tão solta quanto a de um mercador
antecipando diversão.
Os mercadores que ficavam de boca fechada quando a conversa
sobre lucro surgia ficavam felizes demais em fofocar.
Só de ouvir o forte vendedor de bebidas alcoólicas falando alto
com seu vizinho, Lawrence pôde entender a ideia geral.
O homem parecia ser um mercador que estava fazendo escala
durante uma viagem marítima, mas estava extremamente bêbado,
tornando-o mais difícil de entender. Mas a essência parecia ser que
havia um debate em andamento sobre a expansão do mercado.
Lawrence ouvira uma conversa semelhante em sua visita no
passado, então talvez fosse um assunto comum.
No entanto, pensar nisso simplesmente sugeria que a expansão do
mercado do delta aumentaria o tráfego de mercadores e mercadorias,
o que, por sua vez, aumentaria os impostos que a cidade arrecadava,
então parecia que haveria pouco a discutir e que todos concordariam.
É claro que as coisas não eram tão simples, então o debate
continuou e, nesses casos, os interesses das pessoas no poder reinavam
supremos.
CAPÍTULO II ⊰ 100 ⊱

Lawrence levou sua cerveja aos lábios, olhando para os homens


nas mesas com um sorriso irônico, imaginando que tipo de peça
gananciosa estava prestes a ser encenada.
Nesse momento, outra coisa de repente chamou sua atenção e,
naquele instante, a gaivota sentada no topo do pilar central voou para
longe.
Imediatamente depois — ou talvez imediatamente antes — o som
de um sino tocando ecoou nitidamente pela praça, e a conversa ao
redor rapidamente silenciou.
Quando Lawrence olhou para as mesas colocadas na beira da
fonte, todos os participantes da discussão se levantaram, estendendo a
mão direita e anunciando o início da reunião.
“Em nome do grande espírito do rio, Roam!”
Eles então se sentaram, e os três guardas olharam para o céu e
sacudiram suas lanças três vezes.
Estava cheio de tanta pompa quanto o conselho dos sábios do
antigo império, mas provavelmente era necessário para dar à reunião
a autoridade necessária.
Lawrence podia adivinhar quantas vezes alguém tentou questionar
a autoridade do conselho.
Se a reunião não tivesse autoridade para definir a política da
cidade, a cidade cairia rapidamente em agitação civil. Seria como uma
tropa mercenária sem comandante.
Uma nação não era diferente, e foi por isso que os reis
reivindicaram seu direito de governar a ser concedido por Deus.
Lawrence tomou outro gole de cerveja. “Parece que as coisas
estão difíceis em todos os lugares”, ele não pôde deixar de murmurar,
um sorriso irônico no rosto.
“Você também acha, hein?”
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 101 ⊱

Lawrence quase cuspiu sua cerveja com a resposta repentina e


inesperada à sua declaração ociosa.
Ele se virou apressadamente para a direção de onde a voz emanara,
e era a única pessoa que ele não havia visto na reunião — Eve.
“Por que tão assustado? É como se você tivesse algo a esconder.”
Por trás do lenço enrolado em sua cabeça, seus olhos sorriam
levemente.
“…Afinal, os mercadores mantêm seus segredos e suas moedas
guardadas com segurança em suas bolsas.”
“Gostaria de levar o meu para o túmulo, se puder.”
“Certamente.” Lawrence riu exageradamente, ao que Eve riu
como uma moça da cidade despreocupada. “Então, que negócios você
pode ter com um mercador viajante fofoqueiro como eu?”
“Que atrevimento. Duvido que algum dia esquecerei suas mãos
apertando minha garganta enquanto eu viver.”
Era difícil para Lawrence ouvir.
Mas mesmo o maior general brigara com alguém quando criança
e voltara para casa chorando.
“E eu aqui pensando que você estaria ali sentada em um desses
assentos.”
“Aquela cerimônia? Se houvesse algo a ganhar com isso, eu oraria
a Deus com um pouco mais de frequência”, declarou Eve, virando os
olhos semicerrados para a beira da fonte.
Lawrence olhou abertamente para o perfil de Eve, mas não
conseguiu adivinhar sua real intenção.
A sua loquacidade era graças a um bom humor ou a um mau
humor?
Se Eve fosse uma loba como Holo, certamente seria o último caso,
Lawrence pensou consigo mesmo.
CAPÍTULO II ⊰ 102 ⊱

Ele ouviu uma tosse alta da beira da nascente, que foi seguida pela
declaração formal do assunto.
“A reunião começou.”
Exatamente como os mercadores de bebidas ao lado deles haviam
previsto, a reunião dizia respeito à expansão do mercado do delta.
O homem que pronunciou o assunto era um dos mesmos homens
bem-vestidos que desembarcaram com Eve, e parecia acostumado a
falar em público.
“Não é bem uma farsa, mas a conclusão de uma reunião sempre
vem de algum lugar fora dos participantes, você não acha?”
A resposta de Lawrence a Eve foi adiada graças a um sentimento
não muito diferente de inveja que caiu sobre ele. “… Então, você está
dizendo que eles confiaram seus negócios por baixo da mesa a você.”
Eve suspirou e deu de ombros. “Para vou colocar um ponto tão
definitivo sobre isso.”
“Estou me perguntando por que você se daria ao trabalho de
perder tempo comigo, então”, disse Lawrence, debatendo se havia
deixado mais inveja do que o necessário colorir sua voz, mas decidindo
que essa pequena quantidade de cobiça seria perdoada.
Afinal, ganhar a confiança de poderosos oficiais da cidade era uma
honra quase cegamente brilhante para um humilde mercador viajante.
No entanto, no momento em que Eve ouviu as palavras de
Lawrence, ele ficou surpreso ao vê-la boquiaberta em aparente
surpresa.
Não foi tão surpreendente, ele pensou, mas então notou que o
olhar de Eve havia voltado para a reunião.
Representantes aparentes do norte e do sul trocavam palavras,
mas aparentemente com menos vigor do que deveriam, parecendo até
um tanto tolos.
Lawrence olhou para Eve um momento depois.
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 103 ⊱

E quando viu o rosto de Eve, ela estava sorrindo como estava


quando olhou para Col, Lawrence pensou consigo mesmo — mas
depois observou melhor.
Era a mesma expressão que ela tinha usado quando cada um deles
colocou suas vidas em risco em Lenos, a cidade de madeira e peles.
“Se eu dissesse que isso me deixou feliz, que você estava
honestamente com inveja, você riria?”
Lawrence entendeu a razão pela qual seus olhos estavam fixos na
reunião imediatamente à sua frente.
Ele duvidava que houvesse um lobo em qualquer lugar que fosse
honesto ou obediente.
“Eu riria, tudo bem.”
Comerciantes passavam seus dias escondendo seus verdadeiros
motivos, sempre tentando enganar uns aos outros para seu próprio
lucro.
Se ele obedecesse a esse instinto, o passo correto seria Lawrence
tentar ler o humor de Eve e ver se poderia entrar em qualquer negócio
que ela estava conduzindo por baixo dos panos. A inveja era uma
prioridade secundária, e deixar essa inveja transparecer não era sequer
uma consideração.
E, no entanto, se os conhecidos de um mercador eram todos
outros mercadores, isso inevitavelmente significava que todos eles
também estavam escondendo seus verdadeiros motivos e tentando
tirar qualquer vantagem que pudessem.
E até mesmo um herói lendário precisava de uma pausa às vezes.
Então, a admissão insensível de sua própria inveja realmente
deixou essa loba feliz.
Eve olhou para baixo em autodepreciação, e quando ela voltou a
olhar para cima, seus olhos estavam tão claros quanto neve derretida.
CAPÍTULO II ⊰ 104 ⊱

“Eu estava certa em te chamar. A verdade é que eu estava bastante


melancólica por ter sido convocada por aquele grupo.” Eve indicou a
reunião com irritação.
“Isso não vai fazer você ganhar dinheiro?” perguntou Lawrence, e
mesmo com o lenço que ela estava usando, percebeu que sua boca se
torceu em um sorriso de escárnio.
“Brinquei com fogo em Lenos e no rio Roam, mas sim, essa é uma
das razões pelas quais pude respirar um pouco mais fácil quando entrei
em Kerube.”
Um patrono político. Ou um patrocinador com riqueza suficiente
para colocá-la além da capacidade de prisão dos senhores locais.
De qualquer maneira, dificilmente considerariam Eve uma igual.
Essas pessoas existiam, mesmo para mercadores viajantes que se
orgulhavam de sua independência.
Apesar de ter caído na pobreza, ela tinha um nome nobre e se
arrastou das profundezas, mas não havia como dizer quantos fardos ela
ainda carregava.
Quando Lawrence e companhia a encontraram em frente à
entrada da cidade, Eve prestou-lhes o devido respeito, mas vendo-a
agora, percebeu que poderia não ter sido uma coisa tão simples.
“Eu sou uma espécie de mercenária para eles, mas me ordenaram
a fazer algo essencialmente impossível. Você conhece a história por
trás desse mercado?”
Diante de tal história, Lawrence balançou a cabeça sem um traço
de orgulho.
“Há muitos anos, foi um grupo de mercadores do sul que
propuseram o mercado porque queriam um lugar para negociar com
o norte. No entanto, os proprietários de terras tinham pouca sabedoria
e pensavam que se vendessem a terra, seria uma grande perda, então
eles se gabavam de que construiriam seu próprio mercado. Mesmo que
isso os levasse a uma dívida profunda.”
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 105 ⊱
CAPÍTULO II ⊰ 106 ⊱

“Os proprietários eram do norte. Os agiotas eram do sul.”


Eve empurrou seu cachecol de lado e tomou alguns goles de sua
cerveja, então abaixou seu copo novamente. “Sim. Os homens ali são
os filhos de quem tomou o dinheiro emprestado e de quem o
emprestou. Em troca de não perder a terra e receber uma renda
exorbitante pelo seu uso, eles acabam pagando uma quantia
equivalente de juros. Claro, os proprietários de terras não podem
esconder sua irritação com isso e estão constantemente procurando
uma saída.”
“Mas eles não encontraram uma.”
Eve assentiu, e seus olhos ficaram frios e avaliadores, como se ela
pudesse contar quantas moedas de prata uma vida humana valia.
“Então, o que a segunda geração procurará a seguir? A resposta é
simples: um bode expiatório.”
O rosto de Eve estava tão imóvel quanto a superfície de um lago.
Ela certamente estava tentando se tornar como um príncipe
mercador, mas agora ela era apenas uma mercadora modestamente
rica.
Ela usou os outros, ela foi usada por eles.
A Eve tinha sido dito para derrubar o problema em torno do lado
norte, o lado sul, e seu mercado — que ela sabia perfeitamente que
era impossível para qualquer um.
Mas não se esperava que ela resolvesse o problema com sucesso,
e sim que arcasse com a culpa por não fazê-lo, agindo assim como a
distração infeliz, que tiraria a atenção das queixas dos próprios
proprietários.
Lawrence se viu desejando, como alguém uma vez superado por
Eve, por seu triunfo.
“Ainda assim, não tenho o monopólio do infortúnio. Você viu a
casa de Reynolds, não viu?” perguntou Eve com indiferença. Os pontos
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 107 ⊱

fortes de Lawrence e os dela eram tão diferentes certamente porque


os oceanos que eles atravessaram eram discrepantes.
“Sim... era mais pobre do que eu esperava.”
“Ah. Pelo menos seja um pouco mais cauteloso sobre isso. Mas
mesmo um lugar que lida apenas com exportação de cobre tem seu
lucro engolido pelos poderes estabelecidos. Esse é o tipo de lugar que
essa cidade se transformou.”
Não havia lugar tão lamentável quanto aquele sem dinheiro e
apenas poder.
Era verdade que os ricos nunca brigavam.
“Mas não devo envolvê-lo em nenhum problema. Suponho que
vou tentar negociar.”
Eve agradeceu a Lawrence pela cerveja e começou a se afastar.
Lawrence não pôde deixar de chamar por sua forma que se
afastava.
“Não tive problemas em ouvir a história dos restos mortais do
lobo!”
Eve olhou para trás, sua expressão imutável, então retomou sua
direção anterior e continuou andando.
Mas Lawrence tinha quase certeza de que o leve sorriso que
detectara sob o cachecol não fora sua imaginação.
As ações de Eve foram inteiramente propositais.
Como se ela quisesse que ele chamasse.
Ao contrário do resto dos mercadores, Lawrence não observava
as mesas, ao invés disso continuou a seguir Eve enquanto ela recuava.
Por fim, a uma certa distância da multidão, ela saudou um grupo
de mercadores de aparência excêntrica que, a julgar por suas roupas,
pareciam ser do sul.
CAPÍTULO II ⊰ 108 ⊱

E assim como Eve estava com o norte, eles certamente eram os


mercenários que trabalhavam para o sul.
Lawrence tinha certeza de que, se perguntasse seus nomes e
afiliações, sentiria alguma afinidade por eles, mas ainda assim não pôde
deixar de torcer por Eve.
Em Lenos, a cidade de madeira e peles, ele testemunhou a
preparação de Eve e sua disposição de arriscar sua própria vida, e no
rio Roam, ele teve que tirar o chapéu para o uso perfeito de todos os
métodos possíveis para atingir seu objetivo.
E, no entanto, quando as circunstâncias mudaram, era ela quem
estava sendo usada.
Claro, em troca de ser tão usada, ela certamente lucrou.
Mas Lawrence achou que podia entender Eve, que podia tão
facilmente deixar Lenos, onde ela havia ferido profundamente a
autoridade da Igreja, e Kerube, onde ela estava bem ligada aos poderes
estabelecidos, a fim de levar suas peles para o sul.
Ela não era uma heroína que abriria o mundo com nada além de
sua espada em sua mão, mas sim uma mercadora comum que
ocasionalmente tinha que beber sua cota de lama.
“Um mercador nunca pode desempenhar o papel principal”, dizia
o ditado de um famoso mercador.
Lawrence estava feliz por Holo não estar ali, ele percebeu alguns
momentos depois.
E estava feliz por ter pedido cerveja em vez de vinho, ele pensou
depois de olhar para o fundo do copo.
Seu próprio rosto certamente estava bastante patético no
momento.
A raiva de Holo vinha da Igreja sujeitando os restos do deus-lobo
a um tratamento terrível em nome do trabalho missionário, mas tais
incidentes provavelmente não eram raros.
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 109 ⊱

Lawrence não era como Reynolds da Companhia Jean, mas


esperava apenas levar belas lembranças para o túmulo.
Lawrence remoeu isso internamente, então olhou para a reunião
em andamento enquanto suas brigas artificiais continuavam, e ele
engoliu um suspiro amargo com um gole de cerveja.
Por reputação, o mercado delta era um microcosmo cativante do
mundo, contendo mercadorias de dezenas de nações. Nos ventos que
sopravam por ela eram carregadas dezenas de línguas, dizia-se.
Mas Lawrence não podia negar que ouvir e ver eram coisas muito
diferentes, pois a sensação que teve ao pisar pela primeira vez no
mercado foi semelhante à impressão que teve ao ver a Companhia Jean
pela primeira vez.
As mercadorias não eram empilhadas como nos mercados que
abriam apenas alguns dias do ano, e não havia pessoas visitando a
negócios, nem vendedores ambulantes tentando arrancar moedas dos
viajantes que paravam no mercado no meio de suas viagens.
O mercado estava abarrotado de multidões, mas uma inspeção
minuciosa das lojas que estavam alinhadas revelou que os
estabelecimentos com mercadorias reais em exibição eram poucos.
Em vez disso, eles apenas penduraram placas de mercadorias em
quantidades muito superiores ao que alguém precisaria em suas vidas
diárias e, sem falar com o lojista, nenhuma amostra era exibida.
Lawrence queria experimentar um pouco de comida estrangeira,
mas o mercado estava tão cheio que não havia espaço para beber e
relaxar. Para beber, havia apenas algumas lojas que vendiam cerveja e
vinho a granel.
Os negócios exigiam uma atmosfera de excitação, de vigor — não
de confusão e violência.
Por isso, o número de tabernas era controlado, e não eram raras
as visões de soldados de guarda com armas no cinto.
CAPÍTULO II ⊰ 110 ⊱

Tudo isso significava que havia um número limitado de lugares


para Lawrence ir, o que qualquer pessoa inteligente teria percebido
depois de uma rápida volta pelo mercado lotado.
Em vez de Lawrence encontrar sua companheira, então, era mais
correto dizer que o mercador foi encontrado por ela.
Raciocinando que Holo e Col estariam se divertindo à sua
maneira, depois de se cansar de ver os agitadores da cidade realizando
sua pequena farsa, Lawrence chegou a uma taverna do primeiro andar
em busca de Holo.
Assim que ele estava decidindo se deveria ou não abrir a porta,
uma voz o chamou de cima.
“Ei você, venha cá.”
Lawrence não respondeu, mas empurrou a porta da taverna com
muito sofrimento.
As palavras que ele pronunciou imediatamente ao entrar na
pequena sala do segundo andar, contendo a fonte da voz que tão
alegremente o chamou, não foram inteiramente sarcásticas. “Você
certamente está aproveitando isso.”
“Estou? Nós apenas usamos a moeda de prata que você nos deu.”
Havia uma mesa e uma cadeira ao lado da janela, mas Holo estava
sentada no parapeito, bebendo.
Embora ela estivesse claramente visível para a rua, suas orelhas e
cauda estavam expostas ao mundo. Ela estava bêbada ou confiante de
que não seria reconhecida.
“Usar um trenni inteiro no vinho sem uma única hesitação é
simplesmente… bem, eu vou ter que explicar para você mais cedo ou
mais tarde.”
Lawrence pegou um pequeno barril que havia sido deixado no
chão, estava vazio, e deu um longo suspiro.
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 111 ⊱

Ter um paladar exigente e ao mesmo tempo ser um grande


comedor e bebedor era uma combinação ruim.
“Onde está Col?”
Havia pratos que claramente tiveram algum tipo de carne na mesa,
então talvez ele tivesse sido enviado para comprar mais.
“Exatamente o que você está pensando.” Evidentemente o vinho
estava mantendo Holo aquecida, pois ela parecia achar o ar frio que
entrava pela janela bastante agradável.
“Honestamente... não abuse muito dele.”
Lawrence pegou o barril de vinho que estava sobre a mesa e
sentou-se na pequena cama que havia sido fornecida ao pequeno
quarto.
Era uma cama malfeita, com certeza, mas para aqueles
acostumados a viajar como gado nas condições apertadas de um navio,
era tão bom quanto qualquer cama da realeza.
Claro, se relaxar em uma sala como esta com uma taça de vinho
em uma mão era tudo o que a maioria das pessoas precisava para se
sentir melhor uma vez que fossem soltas em terra firme depois de
serem colocadas no porão de um navio, então não haveria necessidade
de sermões da Igreja.
Holo provavelmente alugou o quarto sem saber de nada disso, e
uma vez que ela se deu conta, ela parecia vagamente desconfortável.
“Então, você ouviu algo novo?” ela perguntou enquanto olhava
para fora, sua cabeça inclinada contra a vidraça e seus olhos fechados,
a brisa acariciando seu rosto.
Ela parecia estar ouvindo os tons de um alaúde que vinha do lado
de fora ou possivelmente pensando em alguma coisa.
Um olhar mais atento revelou que suas orelhas estavam se
contorcendo minuciosamente no ritmo do som, então tinha que ser o
primeiro.
CAPÍTULO II ⊰ 112 ⊱

“Parece que eu ouvi?” Lawrence tomou um gole do vinho doce,


que era perfeitamente adequado para relaxar.
“Sim. Você parece satisfeito.”
Embora seus olhos ainda estivessem fechados, era como se ela
ainda pudesse ver através dele.
Lawrence esfregou o rosto e sorriu timidamente. “Satisfeito?”
Embora ele estivesse confiante de que havia apagado todos os
vestígios de sua conversa com Eve de sua expressão, os olhos
relutantemente abertos de Holo tinham um certo sorriso malvado
neles. “Você é um século jovem demais para tentar mentir para mim.”
Por um momento, Lawrence se perguntou se ela de alguma forma
tinha ouvido sua conversa na fonte, mas logo percebeu que não era o
caso.
Era um blefe.
Lawrence colocou a mão na testa com um suspiro para Holo, cuja
cauda balançava alegremente.
“Bem, é verdade que notei seu rosto satisfeito. Se você foi
enganado por tal estratagema, ainda tem muito a aprender.”
“...Vou manter isso em mente.”
“É duvidoso que você consiga encaixar isso nessa sua mente
pequenina,” Holo disse travessamente, abaixando a cabeça e sorrindo.
“…Entendo. De qualquer forma, não é bem verdade que estou
satisfeito. Para ser honesto, é o tipo de história que me faz querer vinho
seco em vez de suave.”
“Sim?” Holo descruzou as pernas e se levantou. Ela estava um
pouco instável. O vinho provavelmente estava surtindo efeito. “Ho...
está um pouco frio”, disse ela, sentando-se ao lado de Lawrence e
inclinando-se contra ele.
Lawrence se pegou pensando nos muitos viajantes que se
encontravam em uma situação semelhante depois de serem libertados
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 113 ⊱

de suas duras viagens marítimas e se consolavam com um breve


encontro.
Mas esta era Holo.
Ela levantou os pés e virou as costas para Lawrence, apoiando-se
nele e abraçando a própria cauda.
Lawrence sentiu apenas uma pequena pontada de decepção —
que provavelmente era o plano de Holo.
“Então, que história você ouviu por aí?”
Em contraste com a mente muito ocupada de Lawrence, Holo era
como sempre foi.
Se continuasse pensando nisso, ela o faria de tolo.
Lawrence exalou um pouco e respondeu: “O lado sombrio desta
cidade, suponho”.
“Ah, e então?”
“Simplificando, é uma questão de dívida e cobrança, mas o valor
é enorme.”
Holo engoliu seu vinho como se fosse o primeiro copo de água da
manhã.
Era doce o suficiente para ser bebido assim, mas ela
provavelmente deveria ter parado.
Pensando nisso, Lawrence pegou o pequeno barril que ela estava
segurando, quando...
“Você tem noção de quantas palavras acabei de engolir com este
vinho?”
Assim, depois que Lawrence estendeu a mão, Holo estava
embaixo de seu braço.
E de repente, ela era uma loba mostrando suas presas.
CAPÍTULO II ⊰ 114 ⊱

“Se essa cobrança de dívida não era da sua conta, você deveria estar
abanando a cauda de prazer. Mas você não está... por que, eu me
pergunto?”
Holo tomou outro gole de vinho e arrotou.
Ela então empurrou o barril de vinho na mão ainda estendida de
Lawrence.
“Então, o que você discutiu com aquela raposa?”
Evidentemente, era impossível esconder qualquer coisa de Holo.
Lawrence agarrou o barril e levou-o à boca, amaldiçoando sua
sorte imediatamente depois.
Debaixo do braço, Holo sorriu.
O barril não continha vinho, mas leite de cabra com mel —
provavelmente para Col.
Se ela tivesse se dado ao trabalho de preparar uma armadilha tão
cuidadosa, ele provavelmente poderia ter dito a verdade sem despertar
sua raiva.
Lawrence abriu a boca lentamente. “…Eve, que tão
perfeitamente passou a perna em nós, está sendo tratada como uma
mera criança aqui.”
“Hmph.”
“Os poderosos da cidade estão usando ela como bode expiatório.
Eu tive que tirar o chapéu para suas façanhas em Lenos e no Rio Roam,
mas aqui ela é apenas um menino de chicote. Isso é…”
Lawrence estava preocupado que ele estaria arriscando a ira de
Holo se ele continuasse, mas se começasse a esconder seus verdadeiros
sentimentos depois de ter chegado tão longe, ela certamente ficaria
ainda mais irritada.
Ele terminou com uma única palavra.
“…triste.”
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 115 ⊱

Holo não disse nada e não retornou o olhar.


O silêncio era constrangedor, então Lawrence continuou.
“Essas coisas acontecem até mesmo com uma mercadora como
Eve. Então, o que isso significa para mim, sobre quem ela triunfou tão
completamente? Não posso deixar de me perguntar. Você não quer
que as pessoas que superaram você… continuem a ter mais sucesso?”
Lawrence sabia que sempre havia um peixe maior e era velho
demais para acreditar que era de alguma forma uma exceção aos
costumes do mundo. Ele não se queixava assim há muitos anos.
No entanto, isso não foi porque, de alguma forma, ele se tornou
mais forte com a idade.
Foi porque ele havia aprendido a realidade que, durante as longas
e solitárias jornadas de um mercador viajante, não haveria ninguém ao
seu lado para animá-lo quando se entregasse à preocupação e à tristeza.
Mas agora —
Lawrence sorriu ironicamente.
Ela poderia revirar os olhos ou mostrar-lhe desprezo, mas pelo
menos ele poderia chamar isso de algum tipo de reação.
Foi o suficiente, o suficiente para ele enfrentar o que ignorou por
tanto tempo e seguir em frente.
“Escuta aqui,” disse Holo.
“Hum?”
Depois de um momento de silêncio, ela olhou para cima. “Ouvir
você falar me deixou com raiva o suficiente para dois.”
“…Entendo.”
“Mas agora olhando para o seu rosto, estou três vezes com mais
raiva.”
CAPÍTULO II ⊰ 116 ⊱

“Bem, você come o suficiente para cinco, então ainda faltam dois”,
brincou Lawrence, e Holo deu uma cotovelada em suas costelas e se
sentou.
“A primeira é que, pelo seu raciocínio, sou uma tola patética por
ser sua companheira.”
Isso fazia sentido, então Lawrence ficou em silêncio.
“A segunda é porque apenas um filhote se desesperaria com uma
ideia tão tola.”
“Eu não vou discutir.”
“E quanto ao último...” Holo se ajoelhou na cama, com as mãos
nos quadris enquanto olhava para Lawrence.
Ela tinha uma expressão de desagrado, mas ele se perguntou por
que detectou um traço de tolice ali também.
Ele logo percebeu que não era sua imaginação.
“… Ver você virar a cauda e se comportar de uma maneira tão
imprópria para um macho adulto, e sua expressão…”
“…Minha expressão?” Lawrence respondeu, para o qual Holo
assentiu após uma breve hesitação.
“Você fala de tanta fraqueza, e mesmo assim” — Holo desviou o
olhar — “seu rosto diz que você pode sair por aí sozinho a qualquer
momento.”
Lawrence sabia que não podia rir.
Mas quando o pensamento veio a ele, já era tarde demais, e Holo
— cujas bochechas estavam coradas com algo além de vinho —
arreganhou os dentes, suas orelhas em pé.
Lawrence se acalmou e respondeu: “Mas se eu parecesse que não
poderia continuar sozinho, você iria me xingar sem piedade, não é?”
Holo parecia descontente.
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 117 ⊱

E, no entanto, depois de rosnar amargamente por um tempo, ela


se sentou com um aceno de cabeça.
Sua cauda balançava grandiosamente para lá e para cá, e ela
suspirou de irritação. “Naturalmente. Eu zombaria de você, brincaria
com você, provocaria você, e quando você ainda me seguisse, eu ficaria
inteiramente encantada.”
“Eu... preferia evitar isso.”
“Tolo.” Holo disse.
Lawrence escolheu aquele momento para puxar sua mão para trás,
e suave como uma bola de algodão, ela caiu em direção a ele.
Claro, ele sabia do que ela estava com raiva.
Em seus braços, ela fez beicinho, mal-humorada.
“Você quer que eu diga que estava errado?”
“Você está sempre errado.”
“…”
Holo era a companheira de viagem de Lawrence, e Lawrence era
o companheiro de Holo.
Não era um ou outro — o ideal era que cada um apoiasse o outro.
Lawrence nem sempre era quem deixava Holo com raiva, nem
Holo era sempre a zangada.
Por mais estranho que fosse dizer, Lawrence precisava encontrar
coragem para ser fraco.
Para admitir que ele precisava de seu apoio.
Mesmo que ela o amaldiçoasse por isso.
“Ainda assim, você não acha estranho?”
“Sim?” perguntou Holo em seus braços, sem olhar para cima.
“Se tudo isso é verdade, por que sou eu quem acaba confortando
você?”
CAPÍTULO II ⊰ 118 ⊱

As orelhas de Holo se ergueram, fazendo cócegas na bochecha de


Lawrence.
Ela olhou para cima, uma malícia encantada em seus olhos, e
falou. “Porque é meu privilégio particular, é por isso.”
“Ugh... ainda assim, acho que é por isso que eu gosto de você,
então a culpa é minha.”
“Heh,” Holo riu, aninhando-se mais perto.
Mas Lawrence podia adivinhar onde isso estava indo.
“Ei, você vai usar Col para me provocar... de novo...?” Suas
palavras pararam de repente.
“Quando as pessoas são fortes, elas não olham para trás. E por
muito tempo, eu não conseguia olhar para trás. E estou cansada disso.”
Embora estivesse chorando, suas palavras não foram sufocadas e saíram
facilmente.
Mesmo ao confessar sua fraqueza, o Sábia Loba de Yoitsu o fez em
grande estilo, pensou Lawrence.
Independentemente da do quão inadequado isso era, ele não podia
deixar de pensar.
Ele respeitosamente acariciou sua pequena cabeça.
“Você sabe que eu sou um covarde, não sabe? Estou
constantemente olhando por cima do ombro, apavorado. Então não se
preocupe com isso”, disse Lawrence, e Holo enterrou o rosto em seu
peito como se quisesse enxugar as lágrimas, balançando a cabeça.
“Eu odeio isso!”
Ele tinha que respeitá-la, persistindo em seu egoísmo até agora.
Lawrence sorriu tristemente e coçou a base das orelhas de Holo.
“Sempre que decido algo, consulto você. É isso que você quer
dizer, não é?”
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 119 ⊱

“Apesar de suas oferendas, eu odeio que as coisas mudem de um


lado para o outro sem que meus pensamentos sejam solicitados.”
Talvez ela tivesse escolhido uma oferenda como exemplo de
propósito, mas se esse fosse o caso, significava que os sentimentos de
Lawrence por Holo eram essencialmente esmolas.
“Então meus sentimentos são uma oferta?”
“Suponho que são algo necessário para uma oração.”
As orelhas de Holo se contraíram e Lawrence sorriu.
“Uma oração para quê?” ele perguntou.
“Para o menino Col chegar logo.”
Era frustrante, mas ele mal podia negar.
Holo sorriu e fechou os olhos.
Isso tinha que ser algo muito importante para Holo declarar seus
verdadeiros sentimentos tão claramente.
A parte mais frustrante dos negócios era algo ser decidido sem seu
conhecimento.
Durante os longos meses e anos que Holo passou como deusa da
colheita de uma aldeia, era assim que ela se sentia.
Quando o Urso Caçador da Lua chegou à sua terra natal, ela nem
tinha ouvido falar dele.
Embora isso a preocupasse, foi decidido sem seu conhecimento
— era a definição de isolamento.
E ela estava cansada disso.
Provavelmente era algo que Lawrence precisava entender
claramente, mas se ela esperasse que o fizesse, não havia como dizer
quanto tempo levaria.
Ele tinha certeza de que essa era a resposta que receberia se
perguntasse.
CAPÍTULO II ⊰ 120 ⊱

“Ainda assim, é um talento e tanto ser capaz de escolher o


momento certo para preparar uma armadilha para você. Às vezes é
agradável.”
Ao lado dele, Holo sorriu maldosamente. Simultaneamente, suas
orelhas de lobo se voltaram para o salão como se detectassem uma
presa.
O significado era bastante claro, mas parecia que a sábia loba não
era uma caçadora tão chato a ponto de colocar a mesma armadilha duas
vezes.
“Não pense que você sempre será capaz de me enganar.”
Holo mostrou suas presas em um sorriso sem palavras, afastando-
se de Lawrence para sentar novamente no parapeito da janela.
Embora o gosto doce de mel permanecesse na boca de Lawrence,
ele não conseguiu conter o sorriso amargo que surgiu por ser tão
facilmente descartado.
No entanto, se olhasse para a porta de onde veio uma batida
perfeitamente cronometrada, ele cairia facilmente na armadilha de
Holo.
“Desculpe deixá-la esperando!”
A porta se abriu para revelar — é claro — Col.
“Sim, e esperar é o que nós fizemos. Onde está o vinho?”
“Er, ah sim — oh, há o suficiente para você também, Sr.
Lawrence.”
“Você dificilmente precisava comprar tanto! Ah, é um
desperdício.”
Lawrence não pôde deixar de sorrir com a troca de Holo e Col.
Claro, a maior razão para o sorriso dele era a percepção de que,
para alguém que podia mudar suas expressões e humor tão facilmente,
armar uma armadilha para os garotos era brincadeira de criança.
Era realmente assustador.
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 121 ⊱

Tão aterrorizante, na verdade, que Lawrence escolheu um pedaço


de carne seca salgada e picante e o mordeu vorazmente.
“Então, há algo que possamos usar em toda essa conversa que você
ouviu?”
Holo não tinha palavras para agradecer Col, apesar de tê-lo usado
como seu mensageiro, e falou diretamente com Lawrence.
Claro, havia também o fato de que ele estava bastante
impressionado.
Col havia habilmente usado seu manto surrado como bolsa, que
conseguiu colocar no ombro. Holo pode ter ordenado maliciosamente
que ele fosse comprar grandes quantidades de comida e vinho, mas ele
trouxe a carga sem dificuldade.
Provavelmente por frustração, Holo não se dignou a agradecê-lo
por seus esforços.
Em todo caso, Col era um rapaz tão talentoso que se ele se
tornasse aprendiz de mercador, uma guerra de lances sem dúvida
aconteceria.
“Você está ouvindo?” Holo perguntou a Lawrence, que observava
Col colocar a comida e o vinho na mesa com admirável eficiência.
“Estou ouvindo.”
“Eu duvido.”
“Provavelmente vale a pena investigar. Parece que os figurões do
lado norte pediram dinheiro emprestado para construir o mercado e
estão ansiosos para pagá-lo. E ficou tão ruim que a Companhia Jean,
que confundidos com mercadores poderosos e astutos, têm uma mula
bocejando na frente do beiral e nem estão colhendo os ovos de suas
galinhas.”
Holo mastigou um marisco cozido.
Em seu lugar, Col falou. “Seus lucros estão sendo arrebatados?”
CAPÍTULO II ⊰ 122 ⊱

“Sim. A Companhia Jean lida exclusivamente com cobre da região


do rio Roam, mas os lucros estão sendo roubados pelos figurões do
lado norte. Que significa —”
Holo engoliu o marisco com um gole de vinho, depois arrotou.
“— O que significa que não é surpresa que ele tenha entrado com tanta
raiva em toda essa conversa sobre lucro absurdo.”
“Sim, bem, isso também. Além disso...” Lawrence trouxe na boca
um pedaço de peixe frito com escamas prateadas, cujo nome ele não
sabia.
A última vez que ele deu um trenni para Holo, ela gastou a quantia
inteira em maçãs.
Ela parecia tão ignorante da palavra contenção como sempre.
“— Reynolds parecia um pouco desconfiado.”
“Mm. Bem, ele certamente está escondendo alguma coisa.”
Col olhou para os rostos de Lawrence e Holo com surpresa.
“Huh?”
“Não é muito difícil adivinhar o quê. Se ele estava usando a história
do lobo para esconder alguma coisa...?”
“Esconder as orelhas sem esconder o rabo, hein?” Holo fez uma
analogia enquanto apertava os dois.
Mas seu oponente era um mercador.
“Há um ditado: ‘Um falcão temível é aquele que esconde suas
garras’. Acho que o que ele estava escondendo não eram suas orelhas,
mas seus chifres.”
“Além disso, quando você estava se separando, ele lhe deu um
aperto de mão bastante feroz, não foi?”
Então ela estava observando isso.
Lawrence assentiu, tirando uma escama de peixe dos dentes.
“Quando ele me disse para dar cumprimentos a Eve Bolan, ele se
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 123 ⊱

referia ao dinheiro dela, sua habilidade nos negócios ou suas


conexões.”
“Aquela megera acabou de gastar todo o seu dinheiro nessas peles.
Podemos não saber o estado de sua bolsa de moedas, sim, mas
certamente há outros lugares de onde ele pediria dinheiro
emprestado”, disse Holo, dirigindo um sorriso provocante para
Lawrence.
Ela estava se referindo às tentativas frenéticas de Lawrence de
pedir dinheiro emprestado quando ele próprio estava à beira da ruína.
“… O que resta são ou seu talento ou suas conexões. De qualquer
forma, os atores e o palco não combinam perfeitamente demais?”
Holo deu apenas um sorriso fino e olhou preguiçosamente para
fora.
Lawrence, por sua vez, comia sem parar da comida na mesa
enquanto Col, com o barril entre as mãos, olhava de um lado para o
outro entre seus companheiros.
Não era como se eles estivessem brigando.
Col era um rapaz brilhante.
Embora ele geralmente não pensasse em duvidar das pessoas,
quando essa possibilidade foi apontada para ele, ele tinha uma cabeça
boa o suficiente para pensar nisso.
Essencialmente, a partir de suas impressões individuais, Holo e
Lawrence tinha desenhado seus próprios esboços.
Col ouviu os fragmentos e quis saber que tipo de imagem eles
formavam.
“D-desculpe!” Col levantou a mão e ficou de pé.
Por mais rigoroso e severo que fosse o erudito, ele certamente
não poderia deixar de achar essa dedicação encantadora.
Foi o suficiente para fazer Lawrence se perguntar se os colegas
invejosos foram os únicos a silenciar Col.
CAPÍTULO II ⊰ 124 ⊱

“Poderia... Reynolds ainda estaria procurando os restos mortais


até agora?”
Holo não respondeu.
Mas tendo tido aulas com professores rígidos e difíceis, Col não
se deixou intimidar. “Se o que Reynolds está escondendo é o fato de
que ele ainda está procurando pelos restos mortais, então ele deveria
ter educadamente nos mandado embora. Então ele nos recebeu por
causa da carta de Eve? Se sim, isso significaria que a razão pela qual ele
queria seu aperto de mão quando estávamos saindo era...”
Col ficou pensativo.
Ele não tinha conhecimento de quanto talento como mercadora
Eve possuía.
O que significava que ele tiraria conclusões com base em suas
várias impressões.
Como essa cena apareceria aos olhos de Col?
“A razão é porque ele quer sua ajuda para procurar os restos do
lobo, não é?”
Esta era apenas outra pergunta, mas a impressão que carregava era
muito diferente.
Holo tomou um gole de vinho de seu barril e olhou para Col.
Então, sorrindo levemente, ela se virou para Lawrence. “E daí?”
Lawrence acenou para ela como se dissesse: “Você ainda precisa
perguntar?”
Independentemente de ser ou não verdade, era uma conclusão
fácil de fazer.
“Além de que, se imaginarmos isso, então é óbvio por que Eve tão
prontamente redigiu uma carta para nós. Como estamos falando de
Eve, ela saberia de antemão que Reynolds queria cooperar com ela
para encontrar os restos mortais. Mas como a história é o que é, ela foi
cuidadosa, evitando nossas perguntas. Ou ela pode não acreditar que
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 125 ⊱

seja verdade. De qualquer forma, Reynolds quer muito a ajuda de Eve.


O que Eve pensou? Ela é tão astuta quanto um lobo, então no começo
ela provavelmente recusou por causa do absurdo da história, mas então
nós aparecemos e ela pensou: E se? Mas seria imprudente ela perguntar
diretamente a Reynolds. Então o que ela faz? De repente, algumas
pessoas aparecem bem diante de seus olhos, implorando para serem
usadas.”
“Aha,” pronunciou Holo em uma voz como a de uma velha, rindo
para si mesma.
Se essa interpretação estava correta, mostrava que Reynolds
definitivamente achava que Eve estava demonstrando algum interesse
pelos restos mortais.
Isso, por sua vez, explicava a mudança repentina na atitude de
Reynolds quando Col perguntou se ele havia encontrado os restos.
Reynolds ficara surpreso e consternado — ou zangado com o que
teria sido uma tentativa tímida de reconhecimento ou imaginando que
Lawrence e companhia estavam recebendo ordens de Eve e agindo
como batedores.
Eles receberam uma refeição não porque foram enviados por Eve,
mas porque Reynolds provavelmente pensava neles como simples
ovelhas que Eve estava conduzindo cuidadosamente.
A coisa óbvia para ele fazer, então, não seria envolver-se em
muitas conversas indiretas e tentar apenas insinuar sua verdadeira
intenção, mas sim tratá-los com uma refeição de fácil compreensão.
Então as atividades da empresa poderiam ser desmanteladas.
Até a cabra velha mais forte podia ser abatida desde que se
soubesse onde enfiar a faca.
“Então, o que devemos fazer?” perguntou Holo em um tom muito
prático.
Mas Lawrence teve a sensação de que seus olhos cor de âmbar
estavam mais vermelhos do que o normal.
CAPÍTULO II ⊰ 126 ⊱

Sua raiva certamente retornou no instante em que a noção de que,


apesar de enganá-los com sua aparência pobre, a Companhia Jean ainda
estar perseguindo os restos do lobo começou a ganhar peso real.
E não havia dúvida de que Holo estava pensando. Desta vez com
certeza. Desta vez, com certeza, ela queria enfrentar uma situação
irritante com suas próprias presas, garras e cérebro. Ela não iria deixá-
los fugir com isso.
Isso ela certamente estava pensando.
E então ela queria a resposta de seu companheiro Lawrence.
“É óbvio…” Lawrence estava prestes a continuar quando sentiu
outro olhar sobre ele.
Embora ele estivesse mantendo a boca bem fechada, os
sentimentos de Col não pareciam muito diferentes dos de Holo.
“Vamos investigar. E se não houver nada lá, tudo bem.”
Esta não era a jornada mercantil de um homem.
Não era nem a viagem de dois.
Era muito bom ver os pontos de vista de todos alinhados e, assim,
decidir um curso de ação.
Ele podia ver por que a nobreza competia para liderar suas
brigadas de cavaleiros na batalha.
Embora fazer essas coisas com muita frequência fosse cansativo.
Holo uma vez assumiu a responsabilidade por uma cidade inteira,
e se amargurou por isso.
No final, ela nunca foi sequer agradecida.
Ele percebeu que esta era a primeira vez que estava nessa posição,
e que quando ele conheceu a chorosa e abatida Holo, mal conseguiu
improvisar qualquer conforto para ela.
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 127 ⊱

E, no entanto, ele pensava completamente em si mesmo como o


guardião de Holo, o que permitia que Holo o fizesse tropeçar
facilmente.
Lawrence, que devia parecer só pouco mais velho que Col para
Holo, escondeu seu sorriso.
Ele então respirou fundo e endireitou a expressão, falando como
um comandante militar. “Certo, deixe-me explicar cada um dos seus
papéis.”
Col parecia sério, e Holo fingiu seriedade, enquanto os dois
voltavam os ouvidos para o plano de Lawrence.
nquanto Lawrence terminava de pagar a conta da taverna,
Col e Holo se divertiam tentando pisar nos pés um do
outro.
Col parou para olhar para Lawrence, e Holo
impiedosamente aproveitou a oportunidade para bater o pé no de Col.
“Eu ganhei!” ela exclamou com orgulho enquanto Col
humildemente admitia: “Acho que perdi”, tornando difícil dizer
exatamente quem era a criança.
Claro, diz-se que quanto mais velho se fica, mais se volta à
infância, e talvez isso não estivesse errado.
“Agora,” disse Lawrence, e Col e Holo, parecendo quase gêmeos
graças a suas alturas semelhantes, ambos se voltaram para ele. “Vocês
memorizaram seus papéis?”
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 129 ⊱

“Sim!”
“Sim.”
A resposta de Col foi a mais rápida.
Lawrence teve uma visão repentina de como ele deveria ser
quando estudante na capital do aprendizado, Aquent.
Por outro lado, a resposta de Holo foi curta e rude, e ela bocejou
alto.
“Estou um pouco nervoso”, confessou Col.
“Não se preocupe. Se há um conselho que posso dar, é que o
segredo para mentir é dizer a si mesmo que, dependendo de como
você pensa sobre isso, é realmente a verdade. Dessa forma você não
está realmente mentindo”, Lawrence aconselhou em resposta ao
sorriso incerto de Col.
“Er... não, eu estou bem. Vou me certificar de reunir todas as
histórias.”
O menino parecia um jovem cavaleiro se preparando para sua
primeira batalha. Lawrence deu um tapinha em seu ombro. “Tenho
certeza que vai”, acrescentou.
Aos olhos de Lawrence, Col amadureceria para igualar tanta
responsabilidade quanto lhe fosse dada.
Ele não era um mero garoto de Aquent carregando ardósia e pó
de giz.
Ele possuía as habilidades práticas que conseguiu reunir depois de
ser enganado, expulso e forçado a viajar.
Lawrence disse que tinha certeza de que Col teria um bom
desempenho, e não era mentira.
“Então, vamos nos encontrar novamente à noite.”
“Sim.” Col assentiu, sua expressão totalmente diferente de quando
estava tentando pisar nos pés de Holo, e saiu corajosamente.
CAPÍTULO III ⊰ 130 ⊱

Embora sua forma distante fosse pequena, tinha certa dignidade.


Lawrence mal teve tempo de imaginar como seriam suas costas
naquela idade quando sentiu um puxão na manga.
Era Holo, e embora ela não fosse uma mulher trabalhadora
tentando atrair um cliente, de alguma forma ela parecia ainda mais
cruel do que isso.
“Então, devo ir também?”
“Er, sim.”
Holo se afastou imediatamente, então olhou para Lawrence, cujos
pés estavam um pouco mais lentos. “Hum?” ela perguntou.
Ela gostava tanto de Col, que quando chegou a hora de colocá-lo
à prova, ela ficou feliz em fazê-lo.
Ou será que ela simplesmente o superestimava?
Lawrence não pensava mal do menino, mas achava mais difícil
confiar completamente.
“Você realmente vai ficar bem sozinha?” Lawrence não pôde evitar
perguntar.
Eles estavam a caminho do desembarque da balsa que ia para o
lado sul da cidade.
Como seu grupo tinha a vantagem de conter três pessoas, seria o
cúmulo da estupidez se mover em grupo, então eles decidiram se
separar para coletar informações.
Col estaria se passando por um mendigo viajante e seguiria para o
lado norte para descobrir o que os outros mendigos tinham a dizer
sobre a Companhia Jean.
Holo fingiria ser uma freira viajando para o norte e seguiria para a
igreja do lado sul para determinar sua influência nas regiões superiores
dos rios Roef e Roam.
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 131 ⊱

E Lawrence iria para a filial da Guilda de Comércio Rowan no


mercado delta para ver como os negócios da Companhia Jean e os
restos do lobo estavam conectados.
Tanto Holo quanto Col eram mais capazes do que ele, então
provavelmente não havia necessidade de preocupação.
Mas Holo, com suas orelhas e cauda, era a personificação da fé
pagã.
Apesar de ela ser a mais falante e pensadora de todos eles,
Lawrence ainda estava inquieto com a perspectiva de deixá-la ir
sozinha.
“Talvez — talvez eu devesse ir com você —”
Holo estava alguns passos à frente de Lawrence quando ela
começou a andar, cortando a multidão.
Quando ela olhou de volta, ele parou antes de continuar sua
declaração.
“Então tudo bem que o garoto vá sozinho, mas você não tem a
convicção de me deixar ir sozinha?” Seus olhos âmbar se estreitaram e
brilharam em vermelho.
Atrás dela, Lawrence podia ver o desembarque da balsa, mais
animado do que sua contraparte no sentido norte.
“Não foi isso que eu quis dizer, mas...”
“Sim, e o que você quis dizer?”
Mesmo que ele pudesse racionalizar este ou aquele aspecto de sua
preocupação com Holo, em sua essência, era irracional.
Mas o mais importante, Holo estava com raiva.
“Sinto muito”, ele respondeu, e Holo prontamente o cutucou no
peito.
“Seu idiota.”
“—?”
CAPÍTULO III ⊰ 132 ⊱

Holo olhou para ele, mais irritada a cada momento, então de


repente se virou indignada.
Lawrence esfregou o ponto em seu peito que ela
inexplicavelmente cutucou, e depois de um momento, Holo suspirou
e olhou para ele. “Você realmente é um comandante terrivelmente
desajeitado.”
“Comandante?”
“Um terrivelmente desajeitado, com certeza”, ela repetiu, e
Lawrence coçou a cabeça. “Em primeiro lugar, não tenho a menor
noção de por que você não me deixou ir sozinha nesta situação.”
Como sempre, Lawrence não entendia do que ela estava falando.
“Bem, quero dizer... apenas, se algo acontecesse...”
“Sim, e o mesmo vale para Col. Ouça, você —”
“T-tudo bem…” Lawrence endireitou-se em resposta ao
constrangimento repentino de Holo, como se ela estivesse tentando
articular algo difícil de expressar.
Holo desviou o olhar da margem do rio de volta para Lawrence,
e ele achou seu semblante acusador.
Se a memória dele estivesse correta, ela estava tentando esconder
seu constrangimento por alguma coisa.
“Você é o comandante esperando meu relatório, não é? E Col e
eu somos seus soldados. Então, se você vai precisar nos usar, é melhor
não ficar seguindo cada um.”
Lawrence podia ver a balsa à vista, aproximando-se do cais
enquanto atravessava o rio movimentado.
Ao mesmo tempo, ele tinha uma vaga noção do que Holo queria
dizer.
“Porque querer tudo corra bem e querer que eu te elogie são a
mesma coisa?”
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 133 ⊱

Holo fez uma expressão de dor e desviou o olhar. Então tinha que
ser isso.
E provavelmente era verdade.
Ele tinha apenas que elogiar Holo se ela fosse mais bem sucedida
do que Col e consolá-la se ela falhasse.
Mas se ele ajudasse Holo com seu dever, Col seria o único
elogiado ou consolado.
Ela estava certa sobre isso, Lawrence sabia, mas ainda havia algo
que ele não entendia — e essa era a razão pela qual Holo, cujo
constrangimento não era fingimento, diria isso a ele.
A balsa havia chegado ao cais, mas devido à multidão, eles tiveram
que esperar na fila.
Holo parecia estar fazendo um grande esforço para não deixar suas
orelhas e cauda se moverem muito por baixo do roupão. “Você deseja
ter sua própria loja algum dia, não é? Nesse caso, você tem muito a
aprender sobre como usar os outros”, disse ela.
“Ah...” Lawrence não pôde deixar de cobrir a boca.
Ela estava certa.
Se ele tivesse uma loja, ele teria que empregar outras pessoas.
Às vezes ele precisaria controlar os outros, e outras vezes exigiria
sua lealdade.
E embora Lawrence estivesse acostumado a fazer isso
individualmente, quando se tratava de grupos maiores de pessoas, ele
nunca havia pensado nisso.
“E ainda assim você se atreve a segurar minhas rédeas?” Holo
colocou a mão em seu quadril e inclinou a cabeça em falsa descrença.
Lawrence se rendeu, mas manteve os olhos na linha, que começou
a se mover. “Isso é o que é tão encantador em mim, certo?” ele
perguntou com um semblante taciturno, que não parecia dar grande
prazer a Holo, e ela respondeu com a cabeça ainda inclinada.
CAPÍTULO III ⊰ 134 ⊱

“Talvez.”
“Bem, então, estou contando com você.”
“Ainda posso ver a preocupação em seu rosto, mas levarei suas
palavras ao pé da letra.”
Lawrence pagou o barqueiro, explicando as circunstâncias e
dando-lhe o suficiente para a viagem de volta.
“Um pouco de pão de trigo seria bom para o jantar.”
“Se você conseguir, sim”, disse Lawrence.
Com isso, Holo o deixou com um sorriso, e a bainha de seu
roupão girou quando ela pulou a bordo da balsa.
A cidade de Kerube era dividida entre o norte e o sul pelo rio, e
não havia igreja no lado norte.
Essa era a evidência de que a maioria dos pagãos vivia no lado
norte, enquanto os adeptos da Igreja eram mais prevalentes no lado
sul.
Historicamente, isso evidentemente veio do fato de que os
mercadores ortodoxos tendiam a vir do sul e, assim, compravam terras
e se fixavam no lado sul da cidade.
Mas à medida que os lados norte e sul se tornaram mais distintos,
tornou-se tentador querer olhar para a cidade como um microcosmo
do mundo.
No lado norte, as alturas dos prédios e as larguras das ruas eram
muito variadas, enquanto no lado sul elas eram reguladas com
precisão, as fileiras ordenadas de prédios ao longo das ruas. Lawrence
tinha certeza de que não havia mulas de aparência entediada bocejando
na frente das docas de carga no lado sul.
Era difícil dizer do lado norte, mas do mercado do delta, ele podia
ver claramente a torre imponente que a igreja do lado sul havia
coletado dízimos suficientes para construir, sua altura obviamente
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 135 ⊱

alcançando os céus, e dentro dela, ali, no lugar mais próximo de Deus


da cidade, estava pendurado um lindo sino de ouro.
Vestida de freira, Holo aparentemente tentaria coletar
informações alegando que estava voltando do sul para sua terra natal
no norte e perguntando se sua cidade ainda estava sob controle pagão.
Lawrence havia explicado cuidadosamente a ela que tipo de perguntas
as pessoas da Igreja provavelmente fariam a ela, mas mesmo sem esse
conselho, Holo era mais do que rápida o suficiente para obter as
informações de que precisavam.
Ainda assim, ela e Lawrence sempre ficaram juntos quando
investigavam coisas ou formulavam planos no passado, e mandá-la
fazer isso sozinha era uma sensação estranha.
Lawrence, sem dúvida, sentiria o mesmo quando conseguisse uma
loja e contratasse pessoas para ajudá-lo.
Mas então de repente lhe ocorreu pensar se, quando chegasse a
hora, Holo estaria lá.
“…”
Lawrence coçou a cabeça e suspirou.
Se esse era o tipo de coisa que o preocupava, então talvez ela
devesse estar preocupada em deixá-lo sozinho, ele tinha certeza que ela
diria isso.
Lawrence sorriu para si mesmo, observando Holo atravessar o rio
junto com todos os outros passageiros antes de finalmente virar as
costas e ir embora.
Seu destino era a filial do mercado delta da Guilda Comercial
Rowen.
Ele não estava cruzando o rio com Holo e visitando o escritório
principal pela simples razão de que as pessoas que ele conhecia não
estavam lá.
De acordo com o status do mercado do delta como um elo
comercial crucial entre os lados norte e sul da cidade, cada guilda
CAPÍTULO III ⊰ 136 ⊱

comercial mantinha um escritório lá para se conectar com camaradas


viajantes e coletar informações sobre mercadorias. Como os prédios
eram regulamentados, as guildas não podiam usá-los para competir
entre si como faziam na cidade, mas ainda eram construídos para
melhor mostrar as especialidades de cada guilda. Lawrence podia olhar
para cada um e adivinhar qual guilda representava.
Dezenas ou centenas de mercadores estavam ligados a cada casa
comercial, todos competindo desesperadamente uns com os outros, e
quando Lawrence pensou nisso, parecia uma maravilha.
Havia tanto comércio no mundo, e não estava perto de acabar.
Lawrence bateu na porta da guilda de aparência familiar, sentindo
como se estivesse batendo na porta da cabine de um pequeno navio
flutuando em um mar muito grande.
“Oh, agora esse é um rosto raro.” Havia vários mercadores no
primeiro andar da casa da guilda, todos vestidos para viajar.
“Faz muito tempo, Kieman.”
Dentro da sala e bem em frente à porta, estava o dono da filial. O
homem, Kieman, com seus lindos cabelos loiros, nasceu para o
comércio.
Seu pai era um mercador proeminente em Kerube e, graças a isso,
Kieman tinha visto mais mercadorias de terras distantes do que
qualquer outra pessoa, apesar de nunca ter viajado muito. Suas feições
eram finas o suficiente para serem de um bardo e, ao contrário dos
outros mercadores do primeiro andar da casa, que negociavam vinho
e fofocas, ele não tinha um único calo nas mãos.
Kieman era o protótipo do filho do homem rico, mas embora
parecesse que os mercadores empoeirados inevitavelmente o
odiariam, sua confiança nele era bastante forte.
Embora fosse talvez dois anos mais novo que Lawrence, ao
contrário de Lawrence, ele ganhava a vida dentro de uma cidade.
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 137 ⊱
CAPÍTULO III ⊰ 138 ⊱

Aqueles que faziam negócios em uma cidade não precisavam


buscar habilidades como poder andar dia e noite sem desmaiar ou
como fazer negócios com alguém cuja língua não falavam.
Kieman era visto pelos mercadores viajantes como alguém a quem
eles podiam confiar a pequena quantidade de residência temporária
que desfrutavam na casa da guilda.
“De fato, faz tempo, Kraft Lawrence. Você chegou desta vez por
terra, eu presumo?”
Talvez nenhum navio marítimo tivesse chegado nos últimos dias.
“Não, de navio — embora fosse pelo rio e não pelo mar.”
Com essas palavras, Kieman esfregou o queixo com a ponta de sua
pena enquanto olhava ao redor da sala.
Foi dito que ele tinha milhares de mapas de conhecimento da terra
em sua cabeça.
Apesar de ter encontrado Lawrence apenas duas vezes, ele estava
procurando em sua mente a rota comercial pela qual Lawrence havia
chegado.
“Não estou na minha rota habitual. Houve alguns problemas em
Lenos.”
“Ah, entendo.”
O sorriso de Kieman revelou ainda menos do que o sorriso
inescrutável de Holo.
Os mercadores da cidade viveram por décadas nas mesmas cidades
em que nasceram e, ao fazê-lo, aprenderam todos os tiques faciais e
falas uns dos outros, para melhor adivinhar as verdadeiras intenções
uns dos outros. Como resultado, os mercadores da cidade eram muito
mais habilidosos do que os mercadores viajantes. Sua juventude
tornava ainda mais imponente o jovem mestre desta filial.
Com esforço, Lawrence manteve a compostura e tirou as moedas
de prata que eram as oferendas habituais ao visitar uma casa de
comércio, depois falou.
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 139 ⊱

“Vi um espetáculo bastante interessante na fonte de ouro.”


“Ei. Um show interessante, de fato, Sr. Lawrence — muito
impressionante. Embora seja uma exibição bastante impenetrável,
mesmo para um mercador viajante.”
Sem olhar para os cinco trenni que Lawrence colocou ali, Kieman
se inclinou sobre o balcão e sorriu como uma criança que conta um
segredo.
“Nunca se sabe onde o ferrão pode ser colocado, mesmo em uma
conversa aparentemente transparente. Mesmo agora, o chefe Jeeta no
escritório principal está fora de casa, tentando proteger nossos porta-
moedas.
Do chefe da Casa Jeeta, o homem que liderava a Guilda de
Comércio Rowen em Kerube, Lawrence não sabia nada além de seu
nome, então havia uma possibilidade de que ele estivesse entre os
mercadores que negociavam com Eve.
O que significaria que, apesar de Eve não morar em Kerube e
liderar uma empresa aqui, ela estava enfrentando vários líderes de
guildas comerciais na cidade antes que eles pudessem se unir como
uma facção.
Houve algum homem cujo peito não inflou com a história de um
jovem cavaleiro confrontando um gigante?
Um sentimento de inveja cresceu dentro de Lawrence, mas
embora ele pudesse admitir isso para Eve, certamente não o faria para
Kieman.
A habilidade de Kieman o tornava totalmente indigno de
confiança.
“Então tem algo rolando, não é? Pelo que ouvi, os proprietários
de terras do lado norte são muitos peixes se debatendo em terra.”
“Sim, eles foram capturados décadas atrás e estão secos há muito
tempo. Mas este ano, a falta da campanha do norte desacelerou o fluxo
de ouro. Parece que a necessidade não conhece lei.”
CAPÍTULO III ⊰ 140 ⊱

Se o dinheiro que ia para os proprietários de terras que viviam no


lado norte era um royalty pelo uso do mercado do delta, então
provavelmente era coletado como imposto.
Nesse caso, se o tráfego de bens e pessoas diminuísse, isso se
traduziria diretamente em uma perda de receita tributária.
Mas a razão pela qual os agiotas continuariam a lucrar enquanto os
devedores seriam arruinados, independentemente de lucrar ou não,
era porque os credores sempre poderiam receber a mesma quantia em
juros.
“Talvez apenas um transeunte como eu imagine que fazer outro
empréstimo para mostrar compaixão seria melhor no futuro.”
Kieman aceitou os cinco trenni de prata sem nenhuma emoção
particular e escreveu um recibo.
Para alguém que mantinha registros das idas e vindas de grandes
navios marítimos, isso era tudo o que valiam os cinco trenni.
Lawrence sentiu-se nostálgico pelo prazer exagerado de Jakob, o
mestre da guilda Ruvinheigen, por ter recebido uma doação de trenni.
“De jeito nenhum. Normalmente seria exatamente assim, mas
infelizmente são filhos de homens que continuaram pagando juros até
morrer, e eles mesmos pagam juros desde que nasceram. Então, cerca
de dez anos atrás, houve uma guerra no Estreito de Winfiel e, com o
passar dos anos, à medida que atrasavam seus juros, nós do lado sul nos
oferecemos para perdoar parte de sua dívida. Eles pagaram o
suficiente, dissemos.
“Então eles eram teimosos.”
“Exatamente. Eles teimosamente pagaram seus juros, insistindo
que acabariam pagando integralmente. De nossa parte, se pudéssemos
expandir o mercado, seria trivial recuperar os juros da dívida. Mas eles
sabem disso, e isso só os torna mais teimosos. ‘Não vamos deixar você
lucrar mais com a gente’, dizem eles.”
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 141 ⊱

Kieman deu de ombros como se não tivesse mais o que falar, e


Lawrence concordou completamente.
Ele sentiu pena de Eve sobre quem isso estava sendo despejado.
Apesar de ser uma nobre caída do reino de Winfiel e
aparentemente exercer uma boa quantidade de influência na região do
rio Roam, essa foi provavelmente a razão por trás dela jogar tudo isso
fora e seguir para o sul.
Ela tinha feito tudo o que tinha que fazer para subir de volta e, ao
fazê-lo, afundou cada vez mais em dívidas.
“Se ao menos fossem mais racionais. Do jeito que está, o
casamento entre o lado norte e o lado sul ainda é difícil, para não falar
de mudar de casa.”
Kieman parecia feliz em falar, mas estava claro que não era por
causa de nenhum favor particular para com Lawrence.
Sem dúvida, ele imaginava que Lawrence tivesse trazido o assunto
à tona pela curiosidade ociosa de um mercador viajante.
Mas ele provavelmente também estava pensando que, como
representante da Guilda Comercial Rowen, ele não poderia ter
Lawrence por aí dizendo coisas que contradiziam a posição da guilda.
Ele tinha sido tão informativo como uma maneira de explicar para
Lawrence que esta era a linha da guilda e avisá-lo de que se desviar dela
traria consequências.
Não entender isso seria perigoso, mas tendo percebido o fato,
Lawrence agora imaginava que poderia ir a qualquer guilda de
comércio e desfrutar de sua proteção desde que seguisse a linha.
“Entendo. Então isso significa que o rumor que ouvi pode não
estar necessariamente errado.”
“Rumor?”
A coleta de informações era de suma importância para um homem
de uma guilda comercial como Kieman, e Lawrence teve que sorrir
CAPÍTULO III ⊰ 142 ⊱

pela forma como isso despertou seu interesse muito mais do que os
cinco trenni que estavam no balcão um momento atrás.
Entre os mercadores viajantes, trair esse nível de interesse sempre
rebaixava o status, mesmo para um rumor saboroso.
“Sim, parece que a Companhia Jean no lado norte da cidade está
sendo explorada pelos poderes que estão lá.”
Claro, isso era mera especulação, mas no momento Lawrence
falou, tornou-se verdade.
A expressão de Kieman quase não mudou.
Na verdade, mudou muito pouco.
“Posso perguntar... onde você ouviu isso?”
Ele poderia ter feito papel de bobo propositalmente, mas Kieman
pareceu perceber que Lawrence tinha visto através dele.
Seus olhos ficaram tensos.
Lawrence agora tinha que escolher suas palavras com cuidado.
Ele tentou jogar uma grande pedra na lagoa.
“Na verdade, havia uma ex-nobre em Lenos com quem eu…”
“… Fiz um acordo de negócios”, ele quis dizer, mas Lawrence não
terminou a frase.
Enquanto o rosto de Kieman fazia parecer que tinha acabado de
ouvir uma história engraçada, seu cotovelo prendeu levemente a roupa
de Lawrence contra o balcão.
Sua expressão facial e linguagem corporal eram completamente
opostos.
“Senhor. Lawrence, você parece cansado de sua viagem. Gostaria
de descansar dentro de casa?”
A casa da guilda tinha uma sala de jantar, bem como camas e
lareiras para pernoites.
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 143 ⊱

Embora não fosse isso, é claro, o que Kieman queria dizer.


A isca de Lawrence parecia ter pego um peixe maior do que
esperava.
“Sim, com prazer”, disse ele com um sorriso acolhedor.

Lawrence foi conduzido ao que certamente era o escritório de


Kieman, onde uma sopa que cheirava a peixe foi trazida.
Este não era o tipo de conversa que pedia vinho, nem uma bebida
doce.
E aqui em uma cidade por onde os viajantes passavam
constantemente, uma sopa de peixe saborosa e saudável era muitas
vezes bem recebida.
“Então, qual é o seu relacionamento com a chefe da família Bolan?”
Parecia menos uma pergunta e mais um interrogatório.
Kieman não havia tocado em sua própria sopa.
Lawrence percebeu isso e, por um momento, se perguntou se
algo suspeito havia sido adicionado ao prato.
“Sou um mercador viajante, então obviamente não sou seu
parceiro de dança.”
“Houve um distúrbio. Algo sobre peles?”
A informação tinha acabado de chegar hoje, ou um contato em
Lenos pegou um cavalo veloz e deu a notícia no dia anterior.
Lawrence não tinha nada a esconder e então assentiu, limpando a
garganta uma vez.
“Tentamos fechar um grande negócio juntos, mas ela me traiu no
último minuto. Fiquei tão frustrado com todo o caso que desci o rio
para desabafar com ela.”
CAPÍTULO III ⊰ 144 ⊱

“Certamente você está brincando.” Ou ele estava acostumado a


brincar com os outros ou não estava acostumado a brincar consigo
mesmo.
Um pouco de raiva se infiltrou nas feições de Kieman e, de alguma
forma, fez Lawrence pensar em uma Holo mais jovem.
“A parte sobre o negócio é verdade, e eu desci o rio em busca de
Eve. No entanto, meu objetivo era pedir sua ajuda.”
“Com negócios?”
Lawrence balançou a cabeça. “Me deparei com algo bastante
estranho em minhas viagens. Esse acaso me levou a seguir uma certa
história boba.”
“Um conto bobo...?”
“Sim.”
Kieman revirou os olhos como se estivesse olhando para as estrelas
no céu; então ele continuou. “Você se refere à história dos restos
mortais do lobo.”
“Sim. Para você ir direto ao ponto, deve ser um conto bastante
famoso por aqui.”
“Famoso é, sim, mas... Sr. Lawrence, é isso mesmo que você está
perseguindo?” Ele parecia menos surpreso do que simplesmente
incrédulo.
Talvez a história fosse tal que ele não pudesse imaginar por que
alguém a perseguiria.
“Eu posso ver que você está chocado.”
“Não, não é para tanto, mas...” Era uma desculpa lamentável,
como o próprio Kieman estava bem ciente. “Me desculpe. Não adianta
esconder. Estou realmente chocado.”
“Minha companheira de viagem nasceu no norte. Trata-se de sua
terra natal, e ela deseja desesperadamente descobrir a verdade.”
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 145 ⊱

Aqui em uma cidade onde norte e sul colidiam, confrontos


culturais e religiosos eram ocorrências diárias.
A razão que Lawrence deu seria, no mínimo, mais convincente
em tal lugar.
“Entendo... O que me choca, no entanto, não é o fato de você
estar perseguindo a história em si.”
Era a mesma reação de Reynolds na Companhia Jean.
Mas as palavras com as quais ele continuou eram diferentes.
“Em vez disso, o que eu acho chocante é que, enquanto você
conhece Eve Bolan, você a usa para perseguir tais coisas.”
Lawrence pensou por um momento.
Ele tentou identificar logicamente o processo de pensamento de
Kieman.
“Em outras palavras, se eu conheço Eve, eu poderia usá-la para
buscar inúmeras oportunidades legítimas,” Lawrence incitou, ao que
Kieman fez uma bela careta e assentiu.
“A razão pela qual eu o trouxe aqui, Sr. Lawrence, é que o nome
dela é extremamente importante nesta cidade no momento, e estamos
em uma posição muito delicada.”
“Implicando?”
Se o nome de Eve fosse importante e a posição da cidade delicada,
então a razão para isso também seria tal.
Lawrence calculou que havia apenas uma chance de cinquenta por
cento de que sua pergunta fosse respondida, mas parecia que ele havia
ganhado a aposta.
“Ela está usando seu status de ex-nobre para cooperar
secretamente com os chefes da cidade para obter lucro. Ela é
provavelmente a única que tem uma visão completa de todas as partes
interessadas. Ninguém sabe qual pode ser o impacto de um único erro
CAPÍTULO III ⊰ 146 ⊱

em suas relações com ela. Chamei você aqui para contar isso, Sr.
Lawrence, pela mesma razão que falei com você antes.”
Ele estava se referindo à conversa de bancada sobre a relação entre
o norte e o sul.
Isso realmente não foi por bondade, mas sim uma explicação do
pensamento da guilda comercial.
“Então, ouvir que você veio aqui não para fazer negócios com Eve,
mas sim para pedir a ela pistas sobre a loucura de sua busca — isso não
apenas me surpreende, mas também é um enorme alívio.”
Kieman falou com um comportamento amável, mas por trás de
suas palavras havia uma ordem: “Não faça negócios com Eve nesta
cidade.”
“Mas eu acho que você está correto em procurar o conselho dela
sobre os restos do lobo. Duvido que haja alguém com tanto
conhecimento da região do rio Roam quanto ela.”
Isso significava que ele não se importava se Lawrence quisesse ir
nessa caça ao ganso selvagem.
Também implicava que Kieman acreditava que a história dos ossos
do lobo era uma completa loucura.
“Ainda assim, devo me perguntar como a história o levou a fazer
negócios com ela. Aqui nesta cidade, há muitos que desejam lidar com
ela, mas ela é totalmente inacessível. Tenho certeza de que qualquer
um que conseguir uma resposta favorável dela se sairá bem…”
É claro que ele se surpreenderia com isso.
Se Eve era tão importante, a guilda de comércio teria que estar
planejando se envolver com ela.
“Eu não fiz nada. Ela se aproximou de mim e só agora estou
começando a entender o porquê.”
“Oh?”
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 147 ⊱

“Ela caiu nas graças dos chefes, usou-os, lucrou e depois não
conseguiu pagá-los. Ou talvez ela simplesmente não quisesse. Era
ninguém menos que Eve que estava entrando em conflito com os
mercenários do lado sul.”
Kieman ficou mais uma vez surpreso, e talvez inconscientemente
tentando escondê-lo, ele acariciou o rosto e assentiu.
“Eu estava realmente enganado em meus negócios em Lenos. Eu
apostei não só o dinheiro que arrecadara vendendo minha preciosa
companheira como penhor, mas também minha própria vida. E no
final... bem, faíscas rolaram, mas a razão pela qual eu acho que ela me
puxou para o negócio foi que, naquela época, a única pessoa que ela
poderia enganar e usar era um mercador viajante como eu.”
Quando pensava assim, provavelmente era também por isso que
a casa de comércio de escravos lhe emprestava com tanta facilidade o
dinheiro para comprar as peles.
Era exatamente assim que o nome de Eve era valorizado.
“Entendo... Isso parece provável. Devo admitir que estou com
bastante... inveja de você poder pedir a ajuda dela mesmo depois que
faíscas tenham rolado.
Impressionado com o quão bem escolhidas aquelas palavras foram,
Lawrence assentiu e respondeu. “As cores verdadeiras aparecem
quando você briga como uma criança por uma bolsa cheia de moedas.
Não sei exatamente se Eve e eu somos amigos, mas compartilhamos
algumas lembranças embaraçosas, digamos assim.”
Essa não era a verdade completa, mas não estava longe disso.
Quer Kieman tenha entendido ou não, ele fechou os olhos e
assentiu, colocando o dedo indicador na têmpora como se estivesse
pensando em algo.
Como alguém responsável por um ramo de guilda comercial, ele
não se envolveria em negociações tão brutais.
CAPÍTULO III ⊰ 148 ⊱

Lawrence estava sentindo uma mistura de inveja e uma vaga


sensação de superioridade quando Kieman ergueu os olhos de repente.
“Entendido. Agora, então —”
“Sim?” respondeu Lawrence inocentemente, e então —
“Eve Bolan ou a guilda comercial — qual é a sua prioridade?”
Esta era a própria definição de ser tirado do próprio ritmo.
Por um momento, Lawrence não entendeu mais quem estava
diante dele.
Mas isso não foi por causa de sua própria surpresa. Havia uma
razão diferente para sua súbita confusão.
O afeto de Kieman mudou completamente.
Lawrence sentiu um suor frio brotar instantaneamente em suas
costas.
Até aquele momento, ele simplesmente pensou que eles estavam
conversando sobre Eve, mas de repente ele estava se perguntando se
estava seriamente enganado.
Ele pensou que seria capaz de reunir algumas informações e
encerrar o dia.
Esse não era o caso.
“Bem... a guilda, é claro,” Lawrence conseguiu responder, e
Kieman desviou o olhar sem sequer assentir.
Seus modos bruscos eram exatamente os mesmos de quando
Lawrence se aproximou do balcão e colocou os cinco trennis na mesa.
Lawrence tinha sido enganado.
E de forma tão incrivelmente fácil.
“Nesse caso, espero que você se comporte de maneira condizente
com um membro desta guilda. As conexões humanas são ativos — são
capital. E grandes negócios exigem grande capital”, disse Kieman com
um sorriso brilhante.
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 149 ⊱

Seu tom era agradável, mas tinha uma finalidade contundente.


Lawrence não deveria ter baixado a guarda.
Ele também havia julgado mal a importância de Eve.
Como resultado, ele foi encurralado por Kieman para prometer
colocar a guilda comercial em primeiro lugar.
Isso fez Lawrence se sentir incrivelmente desconfortável, como se
tivesse acabado de ser forçado a assinar um contrato sem lê-lo — e
esse sentimento não era uma ilusão.
“Eve estava apenas em um lugar difícil, sem ter para onde ir,
entenda”, disse Kieman casualmente, como se estivesse jogando
conversa fora.
Lawrence tinha certeza de que não estava apenas sendo convidado
a ter uma conversa amigável com Eve.
Ele tinha que esperar algo humilhante ou pelo menos
parcialmente; caso contrário, não havia como saber para que o
usariam, pensou Lawrence. Ele estava prestes a abrir a boca para falar,
quando...
“Senhor. Kieman! Sr. Kieman!” veio uma voz de fora da sala,
acompanhada de passos apressados.
Em seguida, houve uma batida urgente na porta, e o nome de
Kieman foi novamente chamado.
Algo havia acontecido.
Mas Kieman apenas tomou um gole de sua sopa, agora fria,
inteiramente serena.
“Mas eu tomei muito do seu tempo. Parece que tenho outros
negócios para tratar, então se você me der licença.”
Ele se levantou e caminhou em direção à porta.
Um Lawrence atordoado o viu sair, tendo perdido
completamente a oportunidade de falar algo, quando Kieman parou de
repente e olhou para trás. “Ah sim —”
CAPÍTULO III ⊰ 150 ⊱

Sua maneira era a de um ator obrigado a atuar constantemente


para uma plateia muito exigente.
“— Se você falar disso com mais alguém…”
Kieman abriu a porta e ouviu o sussurro do funcionário da guilda
de aparência frenética, dando um breve aceno de cabeça sem mudar
sua expressão.
Embora possam não ter orelhas ou caudas de lobo, existem
pessoas no mundo tão aterrorizantes quanto os deuses e espíritos.
Lawrence sentiu.
“... Você certamente vai se arrepender”, finalizou Kieman para
Lawrence, com um sorriso agradável de mercador.

A casa da guilda estava em alvoroço, como um ninho de vespas


que foi chutado.
Comerciantes estavam entrando pela porta da frente,
aproximando-se do balcão do primeiro andar, deixando cartas e
voltando para fora.
Naquele momento, se alguém quisesse saber o que estava
acontecendo em Kerube, provavelmente não havia lugar melhor para
estar do que dentro de uma casa comercial.
Mas, enquanto observava o trabalho de Kieman, Lawrence não
estava pensando na crise atual.
Ele ainda estava preocupado com a conversa que acabara de ter.
Enquanto o rosto calmo de Lawrence fazia parecer que ele estava
tentando discernir o que estava acontecendo na cidade, assim como
todos os outros mercadores, por dentro ele estava cheio de pavor.
Kieman estava tentando realizar algo usando a conexão de
Lawrence com Eve. Lawrence tinha pensado em usar Eve como isca
para tirar informações de Kieman, mas ele mesmo acabou sendo
apanhado.
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 151 ⊱

Enquanto isso, sentiu como se o clima no barulhento primeiro


andar da casa de comércio tivesse mudado.
Lawrence olhou para cima e viu um rosto familiar olhando para
ele pela porta da frente aberta.
Era Holo, a quem ele disse para se encontrar com ele na pousada
quando seu trabalho estivesse terminado.
“Posso te ajudar?” perguntou um mercador peludo que estava
parado ao lado da porta, provavelmente pensando que ela era uma
freira em peregrinação que havia perdido o rastro de sua companheira.
Holo pareceu considerar como responder por um momento, mas
logo notou Lawrence se levantando de sua cadeira.
“Com licença, ela é uma conhecida minha.”
Havia muitos mercadores que serviam as linhas de alimentos e
suprimentos de companhias de cavaleiros e mercenários, e se um
grupo em peregrinação fosse suficientemente bem financiado, não era
novidade que eles tivessem mercadores que serviam em capacidades
semelhantes.
Lawrence falou sem nenhuma urgência particular, então os outros
mercadores na sala simplesmente presumiram que era isso que ele era.
Seus olhares ligeiramente invejosos eram provavelmente por
causa dele estar conectado a um cliente de aparência tão lucrativa.
A única exceção foi Kieman.
Lawrence sentiu o olhar do homem em suas costas quando saiu
com Holo.
Embora as coisas do lado de fora parecessem inalteradas, olhando
mais de perto, Lawrence notou mercadores e mensageiros carregando
cartas apressadamente de e para as filiais das casas de comércio, rostos
vermelhos e apressados.
“O que aconteceu?” Lawrence perguntou enquanto caminhavam
lentamente pelo animado mercado.
CAPÍTULO III ⊰ 152 ⊱

“Com a cidade de repente em tal alvoroço, não posso deixá-lo


sozinho.”
“O que você quer dizer?” ele estava prestes a responder, mas como
alguém completamente envolvido nas coisas, descobriu que não podia
objetar.
E não havia como negar que eles estavam se envolvendo.
“Então, você descobriu alguma coisa?” Lawrence perguntou,
fingindo compostura.
Assim como ele pensou que Holo estava se enchendo de orgulho,
ela exalou um suspiro profundo e balançou a cabeça. “Recebi apenas as
respostas mais superficiais. Eu pensei que com a abundância de tolos
encantadores como você, eu não teria problemas para atraí-los, mas
com essa comoção repentina, eles simplesmente me mandaram
embora. O que está acontecendo?”
Ignorando suas palavras de provocação, Lawrence respondeu
apenas à parte substantiva de sua declaração. “Eles mandaram você
embora? Fora da igreja?”
“Sim. Eu me perguntei se algum grande demônio teria aparecido
na cidade para ameaçar a igreja…”
Lawrence teve que rir da seriedade com que essa declaração veio.
“Isso teria sido uma calamidade, de fato... mas eu me pergunto o que
é que envolve a Igreja.”
“Depois que fui expulsa da igreja, pensei em tentar rastrear o
distúrbio, mas havia uma multidão tão grande que não havia como —
para não mencionar os muitos homens com espadas e lanças.”
“Soldados?”
“Sim. Tudo o que eu pude notar era que eles estavam carregando
algo precioso do rio, e parece que eles entraram na igreja. Foi um
tremendo alvoroço. Na verdade, aquele rapaz que queria me fazer sua
noiva — onde foi mesmo? — ele estava lá.”
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 153 ⊱

“De volta a Kumersun.” Lawrence fez uma cara de dor, não


querendo ser lembrado dessas coisas. Holo riu.
Mas se algo semelhante acontecesse agora, Lawrence duvidava
que fosse uma crise tão grande.
Por um lado, mesmo que isso acontecesse, ele estava mais perto
de Holo agora do que naquela época.
Ele poderia dizer que Holo estava trazendo isso parcialmente por
uma sensação de nostalgia.
“Mas o que aconteceria para causar tanto alarido?” perguntou
Lawrence.
“Você pode perguntar, mas eu não tenho resposta. Mesmo
ouvindo atentamente a multidão, eu não consegui entender nada.
Decidi que seria melhor voltar para você de uma vez.”
“Huh,” Lawrence murmurou, tentando juntar o que ele tinha
ouvido mais cedo na casa de comércio. “Pelo que diziam quando
cheguei, parece que um navio do lado norte estava sendo rebocado por
um navio de uma companhia do lado sul, mas presumi que era apenas
uma conversa de política interna.”
Holo pareceu não entender e observou Lawrence do jeito que ela
fazia quando pensava que estava sendo provocada.
“Explique para que eu possa entender”, dizia sua expressão.
“Os lados norte e sul desta cidade estão em conflito, certo? Mas
eles não podem traçar linhas no oceano. Quando os peixes vão para o
norte, eles pescam no norte, e quando os peixes estão no sul, eles vão
para o sul. Sempre que há pesca em rios, lagos ou oceanos, as questões
de território são sempre uma fonte de conflitos. Isso é o que eu pensei
que eles estavam falando. Você dificilmente pensaria que uma empresa
comercial no sul seria capturada por um navio de pesca do lado norte
no oceano a ponto de comprá-la, não é?”
Holo assentiu lentamente, como se entendesse vagamente essa
conversa sobre território.
CAPÍTULO III ⊰ 154 ⊱

“Mas para eles rebocarem um navio do lado norte e trazerem para


terra algo que exigia escolta armada, e para isso ser trabalho da Igreja
em vez de uma empresa comercial, me faz pensar se eles realmente
pegaram uma sereia ou algo assim.”
“Uma sereia?” Holo perguntou, sua cabeça inclinada
curiosamente.
Surpreendentemente, ela parecia não saber o que era.
“Eles são uma espécie de criatura lendária. O mar imediatamente
ao nosso lado é conhecido como Estreito de Winfiel, mas em torno de
sua foz setentrional há um recife onde houve naufrágios constantes. E
há uma velha lenda sobre eles, que mulheres com vozes de beleza
sobrenatural cantam canções encantadas daquele recife, fazendo com
que os marinheiros se percam e naufraguem seus navios nas rochas. E
aqueles marinheiros que se perguntam o que as mulheres bonitas estão
fazendo nos recifes batidos pelas ondas logo têm suas perguntas
respondidas — as sereias são humanas da cintura para cima, mas abaixo
disso, elas têm caudas de peixe.”
Holo ouviu a história, parecendo honestamente impressionada.
Não era como se ela não estivesse familiarizada com o mar, mas
de alguma forma ela parecia nunca ter ouvido falar de sereias.
Se Holo não tivesse ouvido falar delas, talvez não passassem de
uma superstição, pensou Lawrence.
Holo assentiu e falou. “Os machos humanos certamente são fáceis
de enganar.”
Era verdade que velhas histórias e lendas estavam cheias de
homens sendo enganados por todos os tipos de espíritos.
Mas Lawrence já havia discutido com Holo muitas vezes antes e
tinha algumas palavras para contra-atacar.
“Não é melhor ficar despreocupado em vez de estar
constantemente em guarda contra enganos?”
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 155 ⊱

Lawrence estava bem ciente de que Holo estava disposta a preferir


um leve raio de sol a um violento jogo.
Depois de sacudir as orelhas por alguns momentos sob o capuz,
Holo falou em um tom malicioso. “Sim, bem, nós apreciamos nosso
vinho também. Mesmo assim”, ela continuou, sorrindo, “você jurou
ao Deus da Igreja não cair na armadilha deles e a não cair nesta?”
“Huh?”
“Estou perguntando se você tem algo a esconder.”
“Gah...” Lawrence não pôde evitar murmurar, enquanto Holo
mais uma vez atingiu sua incapacidade de esconder qualquer coisa dela.
Ele queria organizar seus pensamentos mais detalhadamente antes
de falar com Holo, mas contou a ela tudo sobre sua troca com Kieman.
“Seu idiota.”
Lawrence queria protestar que Kieman mal parecia humano, mas
sabia que isso não era desculpa.
O tom de Holo enquanto ela continuava parecia despreocupado.
“Se foi uma demanda tão irracional, por que você simplesmente não
recusou?”
Quando ela disse assim, parecia quase possível, o que era uma
ilusão aterrorizante.
Mas Lawrence logo recuperou a compostura e coçou a cabeça.
Os mercadores preferiam ter contratos em papel, mas antes de
comprometer uma promessa por escrito, eles usavam um contrato
verbal.
E seu significado era realmente pesado.
“Dúzias, centenas de mercadores são membros da Guilda
Comercial Rowen, incluindo alguns que ganham milhares de lumione
em um ano. Não é nada menos do que uma entidade que poderia me
esmagar sem pensar duas vezes. Não importa o favor que eles possam
CAPÍTULO III ⊰ 156 ⊱

pedir de mim, eu não posso recusar. Absurdo, você pode pensar, mas
isso é parte do motivo pelo qual as promessas são sempre cumpridas.”
Mesmo na cidade da Igreja de Ruvinheigen, quando Lawrence
enfrentava a ruína total e a possibilidade de viver em um navio de
escravos — mesmo assim, ele não considerou trair a guilda.
As companhias comerciais eram, portanto, poderosas aliadas e
temíveis inimigos, cavaleiros que empunhavam a caneta e a moeda.
“Hmph. Bem, suponho que seja verdade que um jovem
dificilmente pode desobedecer a um veterano.”
“Entende?”
“Sim. Mas mesmo assim, aqueles em tal posição muitas vezes têm
muito a perder e não podem arriscar movimentos ousados. Você
deseja usar seu conhecimento com aquela raposa para realizar algo,
mas com outros envolvidos, talvez eles temam o problema que isso
pode causar e, assim, ameaçá-lo.”
Se o problema fosse que alguém tendia a ser controlado por várias
influências e implicações, então alguém que não estivesse nessa posição
seria capaz de fazer um julgamento mais objetivo.
“E para aqueles que tentam manter o grupo unido, ficar de olho
em seus subordinados para que eles não cometam erros tolos é senso
comum. Duvido que você tenha algo com que se preocupar.”
Holo realmente manteve montanhas e vilarejos inteiros juntos, e
então suas palavras tinham um certo poder de persuasão para eles.
Ela não era uma moça da cidade obcecada por comida e vinho que
chorava a qualquer menção de sua terra natal.
“De qualquer forma, o que você decidir, tudo o que preciso fazer
é agir de acordo com minhas próprias prioridades”, disse Holo,
acenando com a mão com desdém e acelerando sua caminhada.
A raiva por seu egoísmo ou insensibilidade era a resposta errada.
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 157 ⊱

E, no entanto, rir disso como uma piada também era a resposta


errada.
Lawrence chamou por sua forma que se afastava. “Mesmo se eu
estivesse no topo dessa lista, suponho que você não admitiria, não é?”
Holo parou e olhou para trás. “Sim. Eu não posso deixar você ser
seduzido.”
Ela mostrou suas presas em um sorriso, e por um momento, um
choque o percorreu enquanto se preocupava que ela pudesse ser
descoberta.
Mas enquanto ele sentia aquele calafrio na espinha, geralmente
não era por causa de seu ambiente ficando mais frio, mas sim por sua
própria temperatura subindo.
Lawrence deu um longo suspiro de sofrimento, aproximando-se
de Holo, que havia desacelerado sua caminhada.
Ele pegou a mão dela e falou. “Terminamos aqui? Vamos nos
encontrar com Col.”
O rosto de Holo enquanto ela o olhava estava
surpreendentemente zangada.
“Essa é a minha fala, seu idiota!”

Felizmente, a travessia de volta do delta para o lado norte custava


apenas uma única passagem.
Quando algo acontecia na cidade, o distúrbio se espalhava
rapidamente.
E se essa coisa estivesse do outro lado do rio, a vontade de usar a
balsa inevitavelmente se espalhava como um incêndio.
Quase todo mundo queria ir do lado norte para o delta e do delta
para o lado sul, então as balsas indo na direção oposta estavam
completamente vazias.
CAPÍTULO III ⊰ 158 ⊱

Teria sido ridículo não pechinchar a passagem do barqueiro e, com


a moeda que sobrara, Lawrence comprou mais mariscos assados para
Holo.
Lawrence mal teve tempo de dizer: “Você não deve contar a Col”,
antes de Holo acabar com eles e ela parecia realmente muito satisfeita.
Se eles fossem perseguir o que estava acontecendo na cidade,
poderia parecer que o melhor curso de ação seria permanecer no delta
ou atravessar para o lado sul, mas ouvir o que Holo disse fez Lawrence
pensar o contrário.
Por precaução, ele não disse a Kieman onde eles estavam
hospedados.
Nunca se sabe.
Se Col fosse feito refém, não havia como dizer que tipo de
exigências irracionais eles poderiam fazer — para não falar de Holo.
Ao retornarem à pousada, foram recebidos por um exausto Col,
que estava esparramado de bruços sobre a mesa.
“Ah, bem-vindos de volta...” Seu rosto se contraiu estranhamente.
Por um momento, Lawrence se perguntou o que tinha
acontecido, mas então viu o arenque em conserva barato e as moedas
de cobre enegrecidas e amassadas sobre a mesa e pôde mais ou menos
adivinhar.
Ele deve ter sido muito popular ao se passar por um mendigo para
ouvir as fofocas da cidade.
“…Estou cansado.”
“Isso é óbvio, mas você ouviu alguma coisa para igualar o esforço?”
Holo se aproximou do cansado Col e com ambas as mãos esfregou
a sujeira dos cantos dos olhos.
Quando Lawrence estava começando como mercador, ele
também dormia com o rosto cansado de tantos sorrisos forçados, os
músculos se contraindo e se movendo por vontade própria.
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 159 ⊱
CAPÍTULO III ⊰ 160 ⊱

Claro, naquela época ele foi forçado a massagear seu próprio rosto.
“Er... sim. Foi exatamente como você disse, Sr. Lawrence. A
Companhia Jean deveria estar lucrando, mas ouvi dizer que eles não
comem comida adequada e quase nunca doam para caridade.”
“O que significa que eles podem até levar esses ovos de galinha
para o mercado e vendê-los.”
Enquanto ela esfregava o rosto de Col, Holo tinha um olhar
distante.
“Então talvez aquele banquete tenha sido feito para nos cortejar.”
“Muito provável. Então Reynolds pode estar falando sério sobre
os restos do lobo.”
Ou era seu último desejo.
De acordo com Kieman, Eve só negociaria secretamente com
alguém que pudesse obter o maior lucro naquele momento em
particular.
Enquanto esse fosse o método dela, ninguém iria querer se
aproximar sem um plano muito claro.
Entrar em contato com ela com a alegação de que você faria
qualquer coisa desde que expandisse seus negócios era uma aposta
perigosa, porque não havia como saber com quem ela estava envolvida
e com que finalidade.
O que significava que a possibilidade de que Reynolds realmente
queria a cooperação de Eve com o lobo permanecia.
Era adequado que Reynolds soubesse onde estavam os restos
mortais, mas não tinha como negociar com o proprietário e queria
pedir a Eve que atuasse como intermediária.
Era muito provável que algum nobre ou clérigo conhecido tivesse
os restos mortais.
Mas eles nunca negociariam com algum mercador desconhecido.
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 161 ⊱

Com quem negociariam era um príncipe mercante rico o suficiente


para ter comprado um título — ou um verdadeiro companheiro de
nobreza.
“Pelo que ouvi, isso parecia possível.”
“Implicando?”
“A igreja na cidade em que estávamos, ouvi dizer, tem sido muito
ousada em espalhar os ensinamentos de seu Deus e tem inspirado seu
rebanho ao longo do rio. Isso chegou até as montanhas do norte, o
coração do paganismo, e isso deu coragem aos cavaleiros que lutam
com os pagãos na linha de frente.”
Col sentou-se sobressaltado e olhou diretamente para Holo.
Na pior das hipóteses, sua declaração poderia significar que a mão
da Igreja havia caído sobre sua cidade.
“Mas a resistência dos pagãos do norte tem sido feroz, e como por
enquanto os esforços missionários estão fazendo pouco progresso, os
homens da Igreja estavam me alertando para não me desviar do
verdadeiro caminho, apesar das crenças equivocadas de meus amigos e
parentes.”
Col parecia visivelmente aliviado e, ao cair, seus ombros
desabaram, parecendo perder metade da postura.
Ficou claro que Holo tinha ouvido bastante sobre a especialidade
da Igreja — histórias que não eram exatamente mentiras, mas
deixavam uma impressão equivocada no ouvinte.
Holo não era tão paciente a ponto de ouvir alegremente tal tolice.
Contanto que ela não estivesse de mau humor, não iria provocar
alguém sobre sua cidade por diversão.
“A Igreja nunca pode parecer fraca em suas relações com os
pagãos. Para eles afirmarem algo tão próximo da verdade deve
significar que sua verdadeira situação é desesperadora. Nesse caso,
considerando a situação com o bispado em Lenos, falar de medidas
CAPÍTULO III ⊰ 162 ⊱

drásticas para reverter sua posição — como colocar o lobo em suas


mãos — não pode ser facilmente descartado como absurdo”.
“Demasiado verdade. Quando eu mencionava os ossos, os tolos
falavam da necessidade de pegá-los o mais rápido possível, para
mostrar aos pagãos o erro de seus caminhos”, cuspiu Holo, sua cauda
balançando violentamente, o suficiente para fazer com que seu manto
virasse enquanto ela se sentava com força na cama.
Lawrence não tinha palavras para Holo e, deixando escapar um
leve suspiro, tentou colocar seus pensamentos em ordem.
“Não há dúvida de que a Companhia Jean está procurando os
restos mortais. E eles estão se aproximando do local. Ou talvez seja
melhor dizer que eles estão chegando perto de entregá-los à Igreja.”
“E devemos ir para esta empresa, onde quer que seja?”
O olhar arrebitado de Holo era assustador como sempre.
Lawrence balançou a cabeça para a sua declaração de presas a
mostra. “Imagine o que aconteceria se tentássemos resolver tudo com
força bruta. Sua verdadeira natureza absolutamente seria revelada, e a
ira da Igreja seria despertada. Um deus pagão em carne e osso —
‘todos vocês, servos fiéis de Deus, levantem-se e peguem as espadas
na mão’, eles diriam.”
Holo não era uma criança a ponto de dizer que ela simplesmente
rasgaria todos os que se opunham a eles em pedaços.
Ela entendia a diferença de magnitude e, mais importante, não
podia deixar de saber que tal ato daria à Igreja uma renovada vontade
e determinação.
“Se possível, nossa solução deve ser dinheiro. Na pior das
hipóteses, um roubo secreto também funcionaria.”
“Tantas jogadas infantis...” começou Holo, mas parou com o olhar
calmo de Lawrence.
“Dinheiro suficiente pode facilmente matar uma pessoa. Com
dinheiro, sua pátria pode ser desmantelada. Não é ‘infantil’.”
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 163 ⊱

Lawrence era um mercador, e os mercadores arriscavam suas


vidas para ganhar dinheiro.
Ele sabia bem como isso era difícil e também o poder que tinha.
Holo grunhiu algo que poderia ou não ter sido um acordo, então
desviou o olhar.
“Ainda assim, agora que reconhecemos a situação, a questão se
torna o que podemos fazer a respeito, e a resposta pode ser ‘não
muito.’”
“… Por que deveria ser assim? Se esta empresa está procurando a
ajuda daquela raposa, então temos duas opções.”
“Duas?”
Antecipando uma demonstração da célebre esperteza de uma sábia
loba, Lawrence virou-se para olhar para Holo, que deu um tapinha na
cabeça de Col.
“Podemos usar a inteligência desse sujeito para ameaçá-los.”
Ela se referia ao mistério da moeda de cobre da Companhia Jean.
“Entendo,” murmurou Lawrence. “E o outro?”
Com essas palavras, um sorriso misterioso apareceu no rosto de
Holo, e ela se moveu suavemente em direção a Lawrence.
De repente, ele teve um mau pressentimento sobre isso, não por
algum motivo em particular, mas simplesmente por causa de suas
experiências com Holo até agora.
“Fazemos o que essa empresa quer e jogamos como casamenteiro
entre eles e a raposa. Podemos ouvir a localização dos restos do lobo
assim que ela for questionada sobre onde eles estão.”
Havia uma diferença de altura significativa entre Lawrence e
Holo.
Quando ela ficou bem na frente dele, Holo teve que olhar
distintamente para cima, mas foi Lawrence quem se sentiu dominado.
CAPÍTULO III ⊰ 164 ⊱

“Pode haver alguma possibilidade disso com a Companhia Jean,


mas ainda há uma falha clara.”
“Ah, sim?”
Ela tinha algum plano secreto? Lawrence se perguntou, mas seu
bom senso refutou.
“Sim. Que lucro há para Eve em fazer isso? Se perguntarmos a ela
onde estão os restos mortais, não se engane, pois ela ficará
instantaneamente alerta para não ser enganada. Por que ela...?”
perguntou Lawrence quando o sorriso provocante de Holo o fez
perceber.
Sua cauda estava abanando sua irritação exatamente por esse
motivo.
“Nós precisamos apenas seduzi-la. Você está tentando enganar
esta sábia loba, então não deve ser problema algum, certo?”
Os casos amorosos superavam os bons negócios.
Esta loba já sabia muito bem coisas que Lawrence aprendera em
seus muitos anos como mercador.
Mas Lawrence não entendia por que ela estava falando sobre isso
com tanta irritação.
Deixando de lado se era ou não uma possibilidade real, como um
meio potencial para um fim, certamente existia.
Enquanto eles estavam apenas discutindo a possibilidade, não
havia necessidade de tal mau humor.
Lawrence se encolheu um pouco com o sorriso de Holo, e Holo
olhou de repente para trás dela.
“Col, meu rapaz, feche os olhos e cubra os ouvidos.”
“O qu-?”
Ele hesitou por apenas um momento.
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 165 ⊱

A essa altura, bem treinado por Holo, Col a obedeceu com uma
velocidade assustadora.
Holo deu um suspiro satisfeito e voltou-se para Lawrence. “Você
achou que eu não tinha notado?”
Seu sorriso desapareceu, e ela agarrou a orelha de Lawrence e o
puxou para perto.
“O-o que você está—”
“Até você pode dizer o que alguém comeu pelo que resta em sua
boca. Mas posso dizer apenas pelo cheiro. Mesmo o menor indício, se
eu chegar tão perto vou notar.”
Lawrence logo percebeu a que Holo estava se referindo por “tão
perto”.
Ele tinha ouvido Eve na fonte de ouro, então teve suas
preocupações patéticas acalmadas no segundo andar da taverna.
Mas por que Holo estava brava com isso agora de tanto tempo?
Lawrence se perguntou, então percebeu algo estranho — algo
imediatamente após sua conversa com Eve, e agora a possibilidade de
seduzi-la.
E essa estranha conversa indireta de ser capaz de dizer o que
alguém comeu apenas pelo cheiro.
“Ah —”
Assim como Lawrence percebeu, Holo se aproximou tanto que
pôde contar seus cílios.
“Tudo o que posso fazer é rezar para que você pare de ser um
homem tão imprudente. Eu então gastaria menos esforço tentando
ensinar a você a diferença entre coragem e imprudência.”
Quando eles falaram na fonte de ouro, Eve bebeu a mesma cerveja
que Lawrence.
Entre os mercadores, o compartilhamento de copos não era algo
que valesse a pena se preocupar.
CAPÍTULO III ⊰ 166 ⊱

Mas enquanto isso poderia ser verdade para os mercadores, não


era necessariamente assim para Holo.
“Olhe aqui, isso é um mal-entendido.”
Lawrence tentou se defender pelo menos dessa contagem, quando
Holo soltou violentamente sua orelha e falou em voz baixa.
“Estou perfeitamente ciente disso. Eu te disse, é impossível
esconder qualquer coisa de mim.”
Não doeu particularmente, mas Lawrence ainda esfregou a orelha
enquanto desviava o olhar, cansado.
Teria sido muito mais encantador da parte dela simplesmente
admitir sua preocupação — e se ele dissesse isso, teria uma orelha
mordida.
Além disso, esse negócio com Eve era apenas uma possibilidade,
e o momento em que teriam que apostar nessa possibilidade estava se
aproximando rapidamente.
Ou foi apenas o fato de a perspectiva entrar em seu campo de visão
que incomodou tanto Holo?
Lawrence pensava sobre enquanto Holo despertava Col, que
obedientemente colocou a cabeça sobre a mesa.
Ele achava que entendia, mais ou menos.
Holo estava realmente preocupada.
À medida que a história dos ossos de lobo se tornava mais
plausível, sua preocupação sem dúvida se tornava mais forte.
“De qualquer forma, o que devemos fazer agora é...” Holo
começou com um vigor estranho, o que tirou Lawrence de seu
devaneio.
Col estava limpando a superfície da mesa na direção de Holo.
Enquanto Lawrence estava se perguntando o que ela estava
fazendo, Holo segurou a bolsa de moedas de Lawrence, tendo tirado
de sua cintura em algum momento, e continuou falando.
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 167 ⊱

“— Acabamos com essa teimosia e pedimos a opinião do jovem


Col. Quer dizer, a menos que seu coração esteja decidido a seduzir
aquela raposa.”
Lawrence, é claro, apenas desmoronou e suspirou.

Apenas as melhores companhias de comércio tinham janelas de


vidro.
Normalmente, eles não tinham nada ou, na melhor das hipóteses,
tecidos encharcados de óleo.
A estalagem onde Lawrence e companhia estavam hospedados não
era exceção, e as janelas externas abertas deixavam entrar livremente
tanto o clamor da cidade quanto o ar gélido.
Mas pela primeira vez, o vento frio havia sido esquecido.
E não era porque eles estavam fazendo algo tão quente que os fazia
esquecer o frio.
Isso era o que significava ficar atordoado em silêncio.
“… Não pode ser…” Lawrence finalmente murmurou.
Ele esfregou os olhos e olhou novamente.
Isso, é claro, não mudou a realidade do que estava em cima da
mesa.
“… Sim, o bom senso é um oponente problemático… e mesmo
assim… mesmo assim…”
Lawrence conhecia muitos métodos de trapaça nos negócios, e
quanto mais complicados eram, mais poder tinham.
A fraude dos cambistas acontecia nos mercados de câmbio, com
suas centenas de variedades de moedas, antigas e novas, de perto e de
longe, e fraudes na compra e venda de mercadorias físicas envolviam
maquinações complicadas ou negócios feitos em cronogramas
intrincados.
CAPÍTULO III ⊰ 168 ⊱

Claro, houve fraudes mais diretas, mas na maioria dos casos,


aquelas se baseavam na língua hábil do vigarista, em oposição ao
método em si.
Esta foi a primeira vez que Lawrence ficou tão surpreso com a
natureza de um truque e sua origem.
“Er... eu não me lembro da quantia exata, mas se eles usassem
esse método e fizessem um pequeno ajuste, eles passariam de
cinquenta e sete caixas de moedas de cobre para sessenta... eu acho.”
O choque de Lawrence e Holo deixou a voz de Col um pouco
menos segura.
“Não, tenho certeza que sim. Sim eu entendo. E ninguém
notaria.”
“Sem dúvida não. E mesmo assim... hnh,” Holo murmurou em
frustração, beliscando a bochecha de Col.
Lawrence não conseguia nem mesmo fazer isso.
Col descobrira um mistério: cinquenta e sete caixas de moedas de
cobre importadas se transformaram em sessenta caixas quando
exportadas.
A resposta está na diferença entre empacotar moedas em pilhas
paralelas de altura semelhante ou em fileiras alternadas.
De qualquer forma, resultou em uma caixa perfeitamente
embalada, de modo que, se alguma moeda fosse roubada, seria
imediatamente óbvio.
Além disso, mesmo que houvesse instruções verbais para “embalar
as moedas bem nas caixas”, a discrepância não seria percebida e, de
qualquer forma, o transporte de caixas de tamanho fixo perfeitamente
embaladas reduzia o tempo gasto na contagem das moedas, garantindo
também que, se alguma moeda fosse tomada, seriam imediatamente
notadas. Assim, em um determinado momento e local, a única pessoa
preocupada com quantas moedas estavam embaladas em uma caixa era
o comprador que as recebia.
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 169 ⊱

Enquanto em trânsito, ninguém se preocupava com quantas


moedas havia em uma caixa.
Isso porque os impostos eram cobrados pela caixa, assim como as
taxas de transporte.
“No entanto, eu me pergunto— ninguém mais notou isso?”
“Hum?”
“Concordo que Col é um rapaz brilhante, mas há muitas pessoas
brilhantes no mundo. Se você fez isso por anos, certamente acabaria
conhecendo alguém que percebe o truque, não é?”
Ragusa, o barqueiro que carregava as moedas de cobre pelo rio
Roam até a Companhia Jean, fazia a rota várias vezes por ano e fazia
isso há dois anos.
E era verdade que, em dois anos, alguém teria aberto uma das
caixas e examinado seu conteúdo.
Mas havia uma coisa importante.
“A Companhia Jean provavelmente está reduzindo os impostos e
os custos de transporte que pagam e lucrando com o excesso, mas há
algo muito particular necessário para que alguém finalmente perceba
que está obtendo ganhos desonestos.”
“Sim?”
“…Ah! O manifesto!” A bochecha de Col ainda estava sendo
beliscada por Holo, mas com algo para pensar, não pareceu notar ou
se importar. Ele rapidamente deu a resposta com um sorriso, voltando
a si e olhando para Holo.
Holo beliscou com mais força a bochecha de Col, pois essa era de
fato a resposta correta.
“Sim. Somente depois de conhecermos os detalhes da exportação
e importação podemos começar a suspeitar de crime. Há muito
volume de comércio no mundo para suspeitar constantemente desse
tipo de fraude. Não se pode inspecionar tudo.”
CAPÍTULO III ⊰ 170 ⊱

Mesmo que ele quisesse viver com cautela, havia muitas coisas que
escapavam aos olhos.
Lawrence pegou uma das moedas de cobre que estavam alinhadas
na mesa e suspirou.
“Mesmo assim”, disse Holo, tendo assediado Col por um tempo,
“isso significa que encontramos uma arma para ameaçar aquela
empresa, não é?” ela acrescentou, seus olhos brilhando.
Lawrence debateu se jogaria água fria sobre isso, finalmente
decidindo que esconder isso dela só pioraria as coisas.
A decepção era sempre pior quando demorava mais para chegar.
“Infelizmente,” Lawrence começou, ao que o sorriso de Holo
congelou instantaneamente. “Como arma, é bastante fraca.”
“Por que?” Ela estava mais assustadora agora do que quando ela
usava seu rosto indiferente de aborrecimento.
Mas nada seria resolvido retendo suas palavras. “Ele está
reduzindo o número de caixas enviadas em três e lucrando com a
redução de impostos e custos de transporte. Se isso vier à tona, a
Companhia Jean terá que pagar multas ou perderá sua credibilidade
como empresa comercial. Mas…”
“Mas a diferença entre essa penalidade e o lucro dos ossos de lobo
é muito grande. É o mesmo de quando compramos essas roupas, não
é? sugeriu Holo, agarrando suas próprias vestes.
Ela acalmou seu rosto irritado, talvez porque percebeu que não
havia nada a fazer além de aceitar a realidade.
“Exato. Pode ter sido a arma certa para usar se eles estivessem
apenas perseguindo o conto do lobo por diversão.”
Holo parecia magoada, mas ela não estava desanimada por ter
perdido uma de suas pistas.
Col, que havia resolvido o enigma das moedas de cobre em
primeiro lugar, tinha se adiantado a ela nessa conta.
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 171 ⊱

Ele certamente estava ansioso para que seu conhecimento fosse


útil.
Até um momento antes, Holo estava beliscando sua bochecha,
mas agora ela bagunçou o cabelo dele de uma maneira de irmã mais
velha.
“Sim, bem, isso significa apenas que o problema é grande. É
melhor isso do que algo resolvido com o comércio de uma única
maçã.”
“Certamente. Se um método não funcionar, passaremos para o
próximo.”
Era conversa fiada, é claro.
Eles precisavam apenas encontrar algo que Reynolds pesasse
favoravelmente contra os restos do lobo, mas se tal coisa fosse
facilmente obtida, nenhum deles precisaria se preocupar tanto.
Ou talvez, como Reynolds estava reunindo histórias e, assim,
encontrou alguma dica sobre a localização dos ossos, Lawrence e
companhia precisassem seguir esse exemplo e buscar mais
informações.
Se Reynolds, que fazia negócios em Kerube, conseguiu encontrar
alguma coisa, talvez Kieman tivesse pelo menos uma migalha de
conhecimento.
Lawrence não sabia o que Kieman estava planejando, mas
certamente envolvia Eve, e a guilda sem dúvida pediria algum favor a
Lawrence nesse sentido. Então, como compensação por isso, talvez ele
pudesse pedir informações.
Parecia que algo estava acontecendo na cidade, então não seria
possível por um tempo, mas se a mão de Kieman tivesse que esperar,
Lawrence não se importava muito.
Se havia um problema, tinha que ser...
“Se estamos pensando em nosso próximo passo, nosso problema
se torna o seguinte: Quando Eve partirá desta cidade? A julgar pelo
CAPÍTULO III ⊰ 172 ⊱

que ela disse, parece que ela quer se libertar dos laços problemáticos
que tem aqui. Ela provavelmente planeja sair e não voltar por algum
tempo. E se Reynolds sabe disso...”
“Ela vai dizer a ele o que sabe, e em breve.”
O tempo, como sempre, era o inimigo.
Lawrence murmurou, e Holo continuou falando.
“O que significa que não há nada a fazer além de seduzi-la.”
Lawrence a encarou severamente — isso depois de quão zangada
ela estava apenas um momento atrás.
Mas, dadas as circunstâncias, mesmo possibilidades ridículas
tinham que ser cuidadosamente consideradas.
Na realidade, houve inúmeras vezes em que uma chance perdida
colocaria algo fora de alcance por toda a eternidade.
Se os ossos caíssem sob a autoridade da Igreja, havia uma
possibilidade muito real de que eles desaparecessem na escuridão.
Holo brincou com o cabelo de Col, e Lawrence acariciou sua
barba enquanto ambos consideravam as possibilidades.
Col também estava certamente absorto em pensamentos, mas três
cabeças não eram melhores que duas.
À medida que o tempo precioso passava, Holo parecia ficar
frustrada com o pensamento e se afastou de Col e foi em direção à
cama, sentando-se e mexendo a cauda.
Lawrence observou e olhou para Col, que também olhou para ele.
Os dois trocaram um sorriso triste, como se concordassem com
uma pequena pausa, quando...
“Hmph.” Holo olhou para cima, suas orelhas voltadas para o
corredor.
E esta era Holo, afinal, que ouviria passos no corredor apenas para
provocar Lawrence.
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 173 ⊱

A agudeza de sua audição logo foi demonstrada novamente.


“Senhor. Lawrence. Sr. Kraft Lawrence.” Seu nome foi chamado
assim que houve uma batida na porta.
Era a voz do estalajadeiro, mas por que ele se incomodaria em
subir até o quarto de um hóspede?
Sem precisar trocar piscadelas, Col se levantou imediatamente e
se dirigiu à porta.
Eles haviam pago adiantado pelo quarto, e Lawrence não se
lembrava de ter quebrado nenhuma das xícaras e tigelas que haviam
emprestado.
Enquanto pensava nisso, pela porta aberta apareceu o
estalajadeiro, curvado e olhando furtivamente ao redor.
“Ah, você ainda está aqui.”
“Estou. Alguma coisa está acontecendo?”
“Sim, me pediram para dar isso a você.”
“Para mim?”
Assim como Lawrence estava se perguntando o que o estalajadeiro
poderia ter para ele, o homem tirou uma carta selada do bolso do
peito.
Lawrence pegou e abriu; sobre a mensagem, era uma caligrafia
perfeita.
“Venha para a estalagem Lydon... Quero discutir estátuas. Para
detalhes, fale com o... estalajadeiro?” Lawrence murmurou enquanto
lia o conteúdo da carta. Quando ergueu os olhos, viu o olhar do
estalajadeiro ainda sobre o bilhete.
No momento em que seus olhos encontraram os de Lawrence, ele
assentiu decisivamente.
“Aha, entendo. Muito bem, senhor. Você vai viajar sozinho?”
CAPÍTULO III ⊰ 174 ⊱

Lawrence não tinha ideia do que ele estava falando, mas olhou de
volta para a carta.
A última linha dizia: “Venha sozinho”.
“Muito bem, senhor. Vou preparar uma carruagem rápida. Por
favor, espere um momento.”
“Er... sim”, Lawrence respondeu estupidamente, com isso o
estalajadeiro curvou-se educadamente e saiu trotando.
“Sobre o que foi tudo isso?”
“Eu não tenho certeza... ah, claro. Esta é uma pousada que Eve
me recomendou.”
Lawrence voltou para a mesa e colocou a carta sobre ela.
Holo parecia ter certeza de que iria trazê-lo para ela e saiu da cama
parecendo irritada.
“Algo urgente deve ter surgido. Ela vai ter algum problema.”
“Você vai ficar bem sozinho?”
Holo pegou a carta entre dois dedos, farejando-a desconfiada
como forma de avaliação.
Dada a forma como ela torceu o nariz, a carta tinha que ser de
Eve.
“Vou me certificar de seduzi-la bem.”
“Tolo,” cuspiu Holo antes de se repetir. “Você estará seguro
sozinho?”
Desta vez Lawrence não estava brincando. “Se ela queria me
colocar em perigo, existem muitas outras maneiras de fazer isso. Ela
deve ter algum motivo para isso.”
“…”
Holo fechou a boca, magoada, balançando a cauda.
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 175 ⊱

Ela estava preocupada que ele fosse cair em mais uma armadilha
ou possivelmente apenas pensava que ele era indefeso.
De qualquer forma, a carta pedia que ele viesse sozinho, e ele
planejava ir sozinho.
Se não confiasse em Eve, isso só lhe daria motivos para desconfiar
dele.
Mas tendo explicado isso a Holo, teve a sensação de que ela ainda
estava descontente.
Lawrence não sabia o que dizer, mas então seu salvador apareceu.
“Está tudo bem, senhorita Holo. Estarei aqui com você enquanto
o Sr. Lawrence estiver fora.”
Ninguém poderia deixar de rir ao ouvir a piada desesperada de
Col.
Holo fechou os olhos e começou a rir.
Se Col, que era ainda mais jovem que Lawrence, conseguia ser tão
atencioso, então Holo, a Sábia Loba, dificilmente deixaria de fazer o
mesmo.
Por fim, sua risada diminuiu e ela suspirou, colocando as mãos nos
quadris. “Então é isso aí. Parece que o jovem Col estará cuidando de
mim enquanto você estiver fora.
Lawrence deu uma piscadela para Col.
Ele só podia ser grato pelo sorriso que recebeu em resposta.
“Bem, então vou indo. Se alguém suspeito vier, não abra a porta.
Você nunca sabe, pode ser um lobo.”
Holo fungou com a piada. “Sem boas notícias, não sei se serei
capaz de permanecer na minha forma humana.”
Não era nada com o que se brincar, mas Lawrence decidiu adiar a
conversa para mais tarde, pois qualquer que fosse a dívida que o
estalajadeiro tivesse com Eve, bastava para ele preparar uma rápida
CAPÍTULO III ⊰ 176 ⊱

carruagem puxada por cavalos de uma maneira inteiramente


condizente com a palavra pressa, e ele chamou por Lawrence.
“Eu lhe darei mais detalhes na carruagem, senhor.”
Isso o fazia duvidar se o Lyndon era realmente uma estalagem. Era
mais provável que fosse uma casa em algum lugar que eles estavam
apenas chamando de pousada.
Lawrence assentiu e seguiu a liderança do estalajadeiro.
Tinha sido a decisão certa trazer Col nessa jornada, Lawrence
pensou consigo mesmo enquanto lembrava do rosto do menino ao
proferir aquela piada desesperada.

Quando emergiu dos fundos da estalagem, nenhuma carruagem


preta esperava por ele, mas sim uma carruagem normal. O
estalajadeiro deu a Lawrence uma capa, que ele jogou por cima da
cabeça.
Era óbvio que Eve queria encontrar Lawrence em segredo, mas o
que não sabia era como ela tinha tanta influência sobre o estalajadeiro.
Mesmo que tivesse alguma dívida com ela, havia algo estranho
nisso.
Essa sensação de apreensão só cresceu quando eles se
aproximaram do edifício conhecido como Estalagem Lydon.
O prédio ficava em uma rua estreita onde a condução descuidada
bloqueava o caminho em um bairro onde sapateiros e tanoeiros
trabalhavam incansavelmente sob os beirais, apesar do frio. Como o
esconderijo que Eve o levou antes, o prédio estava escurecido com a
idade e parecia ter visto a passagem de muitas estações.
Do outro lado da rua, no que parecia ser uma oficina de alfaiate,
três homens trabalhavam para cortar uma grande pele.
Os aristocratas odiavam o trabalho de todos os tipos.
Este não era um lugar onde uma pessoa refinada viveria.
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 177 ⊱

E ao entrar no distrito de artesanato, Lawrence percebeu seus


estranhos olhares sobre ele.
Mesmo que não fosse surpresa, ficariam curiosos com a chegada
dele, já que eles conheceriam os rostos de qualquer um que viesse aqui,
havia algo mais do que apenas curiosidade em seus olhares.
Se ele tivesse que definir, eles pareciam estar atentos.
“Eu trouxe um convidado.”
O cocheiro da carruagem de Lawrence bateu na porta com uma
bengala assim que chegaram ao prédio.
A informalidade era surpreendente, mas algo na maneira como ele
batia era estranho, e provavelmente era algum tipo de sinal.
Em pouco tempo a porta se abriu e de dentro emergiu um rosto
que Lawrence não estava familiarizado.
Era um dos jovens mesquinhos que estiveram com Eve no delta.
“Dentro”, disse ele, jogando a cabeça para trás depois de dar a
Lawrence um olhar avaliador.
Lawrence não conseguia afastar a sensação de que havia se
envolvido em algo grande, mas, tendo percebido isso, não era como
se pudesse fazer algo a respeito.
Afinal, ter medo não era do seu interesse, então Lawrence armou-
se com a sua curiosidade de mercador.
Ele acenou com a cabeça para o motorista silencioso e saiu da
carruagem, então sem hesitação alcançou a porta.
A porta desgastada combinava com a casa, que estava a um passo
de ficar completamente em ruínas, mas a madeira usada era sólida e, o
mais importante, não rangia.
Quando abriu a porta e entrou, viu o homem que o havia recebido
encostado na parede, olhando para ele.
Não importa onde um mercador se encontrasse, ele não conseguia
deixar de sorrir.
CAPÍTULO III ⊰ 178 ⊱

Lawrence deu ao homem um sorriso agradável, e o homem, que


usava uma espada óbvia no cinto, indicou um corredor com os olhos.
As paredes eram metade de pedra e metade de madeira, e o chão
era de terra batida.
O lugar provavelmente tinha sido uma oficina de artesão em
algum momento.
Conforme ele caminhava mais adiante, seus pés arranhando
audivelmente no chão, ele se sentiu acalmado pelo cheiro que pairava
— era madeira queimando, o que combinava com a estação.
Ele abriu a porta no final do corredor, revelando o que parecia ser
uma oficina transformada em sala de estar. No momento, porém, não
era mais do que um espaço de armazenamento, com caixas e barris
empilhados e nenhuma sensação particular de que alguém estava
morando lá.
No lado esquerdo da sala havia uma lareira, e a área parecia estar
preparada para permitir que alguém passasse pelo menos um pouco de
tempo ali.
“Surpreso?” Sentada em uma cadeira e se aquecendo em frente ao
fogo, Eve ergueu os olhos de um maço de pergaminho.
Ela não parecia muito diferente de uma nobre lendo petições dos
moradores de sua terra, mas quando olhou para trás e revelou seu
rosto, Lawrence ficou um pouco surpreso.
O canto esquerdo de sua boca estava vermelho e inchado.
“Está frio lá fora. Feche a porta, se quiser. Sem trava, no entanto.”
Levou um momento para Lawrence perceber que ela estava
brincando.
Parecia improvável que ela tivesse caído e se machucado, então
alguém deve ter batido nela.
“Desculpe chamá-lo tão de repente.”
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 179 ⊱

“…De jeito nenhum. Estou honrado por ser convocado para um


encontro secreto com uma linda mulher.”
Falado com um sorriso, era uma piada de mau gosto.
Falando a sério, era o contrário.
“Um encontro secreto, hein? Bem, de qualquer forma, sente-se.
Infelizmente, não tenho criados”, disse Eve, indicando uma cadeira
vazia. Seu olhar caiu de volta para o pergaminho em sua mão antes que
ela observasse Lawrence se sentar.
“Está um pouco frio para uma casa.”
Descansando o cotovelo esquerdo sobre a mesa, Eve permaneceu
de frente para a lareira enquanto observava o pergaminho diante dela.
Ela não ofereceu resposta a Lawrence.
“Ainda assim, imagino que seja bom e fresco no verão.”
“É inverno agora”, ela respondeu asperamente, para o qual
Lawrence sorriu.
“Muito melhor. Vai estar quente se você sair.”
Neste Eve finalmente olhou para cima.
Sua boca parecia doer, mas seus olhos estavam sorrindo.
“Ei. Nisso você está certo. Eu adoraria sair; quanto antes melhor.”
“Então por que aqui?” Ele deixou de fora “Por que você está trancada
aqui?” dado o homem que, sem dúvida, estava ouvindo a conversa do
lado de fora da sala.
Eve suspirou, e pousando o pergaminho, ela falou. “Você
esconderia suas armas em último recurso também, não é?”
“… eu faria, é verdade.”
Como uma ex-nobre e alguém que até mesmo os principais
membros das casas de guildas como Kieman reconheceram à primeira
vista, Eve era provavelmente o trunfo dos proprietários de terras de
Kerube.
CAPÍTULO III ⊰ 180 ⊱

Lawrence olhou para o pergaminho envelhecido sobre a mesa e,


pelas fileiras de escritos e fórmulas, pôde dizer que era algum tipo de
transação imobiliária.
Essencialmente, Eve estava sendo forçada a planejar a batalha aqui,
sozinha.
“Claro, a razão pela qual estou presa aqui na ponta da espada não
é por causa deste contrato. Nem chamei você aqui para sugerir que
você cruzasse alguma ponte perigosa comigo.”
Apenas Eve, que o arrastou para um negócio profundamente
perigoso em Lenos, a cidade de madeira e peles, poderia fazer essa
piada.
“Mesmo assim, estou feliz que você se deixou apanhar. Se as coisas
correrem mal, precisarei do meu pão partido em pedaços bem
pequenos esta noite.
Lawrence percebeu que eles estavam passando de um bate-papo
agradável para uma discussão de negócios.
O que Eve queria dizer era simples.
Quem batesse na face esquerda dela também bateria na direita.
“A razão pela qual eu liguei para você é de fato a comoção na
cidade — você notou, não é?”
“Sim... algo sobre os barcos dos pescadores deste lado da cidade
atracando no sul, não é?”
“De fato. É como se Deus tivesse cronometrado. A notícia chegou
até nós quando estávamos saindo do delta e voltando para este lado. É
como uma cidade diferente do outro lado do rio. Seríamos
reconhecidos, então, uma vez que o tumulto começasse, não
poderíamos atravessar. Mesmo que nossos espiões tenham chegado ao
lado sul, não houve tempo para eles retornarem.”
Esse tipo de conversa não era especialmente familiar para
Lawrence, que viajava de cidade em cidade, mas não era como se ele
não pudesse entender a ideia básica de uma disputa territorial.
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 181 ⊱

Enquanto Eve falava, Lawrence percebeu por que havia sido


convocado.
Ele ainda não sabia o quão importante era, mas seus instintos de
mercador o faziam sentar e prestar atenção — disso ele tinha certeza.
“Como eu tenho certeza que você adivinhou, há informações que
eu preciso. Acho que você estava naquela casa da guilda delta até o
último momento. Me pergunto o que você ouviu lá?”
Eve estava falando como se soubesse que Lawrence estivera na
casa da guilda.
Praticamente falando, ela sabia que ele era um membro da Guilda
de Comércio Rowen, então não seria difícil adivinhar que ele estava
lá.
Mas dado que ela estava trazendo isso à tona, não havia dúvida de
que as pessoas que prenderam Eve o estavam observando.
Claro, isso também poderia ser uma armadilha que ela armara
apenas para fazê-lo pensar assim.
“Ouvi pouco.”
“Mesmo um pouco é o suficiente.”
Lawrence baixou o olhar para o pergaminho sobre a mesa,
considerando o quanto deveria esconder.
Mas depois de um momento, quando olhou para cima, ele falou
aberta e francamente.
“Um navio afiliado a este lado foi trazido por um navio do lado
sul. Não conheço a carga, mas valeu a pena proteger com guardas
armados, e valeu a pena levar direto para a igreja.”
Ele disse ao seu oponente tudo o que sabia sem pedir qualquer
compensação, e ainda assim este não foi um movimento imprevisto.
“... Isso é boato?”
CAPÍTULO III ⊰ 182 ⊱

“Minha companheira se aproximou bastante da igreja,


evidentemente”, disse Lawrence, e Eve exalou uma respiração
profunda, olhando para cima e fechando os olhos.
Ela então se recompôs e abriu os olhos.
“Então é isso?”
Lawrence estava certo em não mentir para Eve.
Ela não tinha tempo para negociar com ele apenas para obter um
pouco de informação.
“Fico feliz que você não é um pequeno peixe mesquinho.”
“Ah, mas se eu fosse um peixe grande, não teria que vir quando
chamado.”
“É verdade. Mas quando você é um peixe grande, o mundo está
cheio de passagens estreitas demais para você passar.”
As probabilidades não eram boas de que Lawrence tivesse
informações sobre o distúrbio na cidade.
Mesmo que ele estivesse na casa de comércio, não havia garantia
de que ele teria obtido a informação.
No entanto, ela encontrou uma maneira de se esconder e trazer
Lawrence aqui, o que significava que tinha que haver outra razão para
ela ter feito isso.
E então a razão pela qual ele havia antecipado vagamente foi
esclarecida por suas palavras.
“Então você está me dizendo para passar por uma passagem
estreita?”
“Você está em uma posição única nesta cidade. Você não tem
nenhuma conexão adequada aqui, mas pode ter uma conversa
agradável com alguém com quem muitos nesta cidade estão ansiosos
para se conectar.”
Os olhos de Eve se estreitaram em um sorriso.
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 183 ⊱

Enquanto ele ouvia suas palavras, a imagem de Kieman alegando


conhecer Eve passou por sua mente.
“Claro que não vou dizer que é grátis. A história me foi contada
pelo grupo que me trancou aqui, e suas barrigas são grandes demais
para caber nas passagens.”
Ela acenou com uma única página de pergaminho.
Era um contrato, assinado e carimbado.
Foi escrito no estilo antigo e envolvia o mercado delta.
“Tenho apenas moedas e bens escassas, infelizmente, mas tenho
conexões e influência mais do que suficientes. Será uma boa base para
os negócios.”
“E não é uma ordem?” perguntou Lawrence, e o sorriso falso
desapareceu do rosto de Eve quando ela ficou sem expressão.
“… Sim, uma ordem.” Ela estendeu a mão e tocou sua bochecha,
então olhou para seus dedos, provavelmente procurando sangue.
“Você não vai me perguntar como eu consegui essa ferida?”
“Como você conseguiu? Lawrence imediatamente perguntou,
com isso os ombros de Eve tremeram de alegria, e ela cobriu a boca
como uma moça da cidade.”
O fato de que ela parecia genuinamente divertida era doloroso de
ver.
“Bela jogada. Não é que eu esteja perguntando apenas porque você
está na melhor posição.”
“Mas também não estou mal posicionado para atravessar aquela
ponte perigosa.”
Isso não era apenas brincadeira.
O momento em que ele baixasse a guarda seria o momento em
que estaria atravessando aquela ponte gratuitamente.
“Eu explorar uma lacuna e você proteger o que você tem não são
a mesma coisa.”
CAPÍTULO III ⊰ 184 ⊱

“De fato. Minhas conversas com minha companheira me cortam


até os ossos.”
Constantemente na defensiva, Lawrence sabia que acabaria
perdendo para Eve.
Ela assentiu e mudou de expressão. “Já não há muitas dúvidas. O
pescador do lado norte pegou um narval.”
“Um nar...” Lawrence começou, mas então checou
apressadamente a porta por cima do ombro.
“Não se preocupe, ele não é uma ajuda tão barata para me
espionar. As pessoas que me trancaram aqui estão com medo de que
eu fique com raiva, mesmo que tenham feito isso comigo.”
Lawrence não sabia até onde podia confiar nisso, mas não havia
nada a ganhar duvidando deles.
Ele assentiu e olhou para frente, então fez a pergunta novamente.
“Um narval? Como o imortal?”
“Sim. Um monstro marinho com chifres. Comer sua carne traz
longevidade, e seu chifre em pó cura todas as doenças.”
Lawrence acreditava que essas coisas eram superstições, e dado o
tom de Eve, parecia que ela não estava falando sério.
“Ouvi dizer que sem água gelada eles morrem, então como um
chegaria tão ao sul?”
“De acordo com os marinheiros, dependendo da severidade do
clima, peixes e outras criaturas podem ser levados para o sul, embora
eu nunca tenha ouvido falar que isso acontecesse com um narval.
Quando são traficados, quase sempre são ossos ou chifres de veado.”
Havia inúmeras histórias sobre métodos de imortalidade e
remédios que curam tudo.
Além disso, os crentes ortodoxos pareciam tão inclinados a
acreditar neles quanto os pagãos.
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 185 ⊱

O desejo das pessoas de acreditar em uma terra livre de doenças


e sofrimento para onde se ia após a morte era a prova de que o mundo
estava cheio de sofrimento e, da mesma forma, o próprio fato dos
ensinamentos da Igreja significava que a vida eterna nunca poderia ser
obtida.
Viajantes e mercadores que vagavam por muitas terras, vendo
todo tipo de mercadorias e conversando com todo tipo de gente, bem
como soldados para quem a morte ou a velhice eram companheiras
constantes — todos sabiam que essas histórias eram meras
superstições.
Mas havia muitos que não sabiam.
E os aristocratas que nunca deixaram suas terras eram um
exemplo perfeito.
Para um narval vivo, alguns vieram correndo, trazendo todo o seu
ouro com eles.
“Mas... certamente isso não significa—”
“Sim. Se eles têm o narval, a facção do lado norte acredita que
pode mudar tudo.”
Por um momento, Lawrence pensou que a perna de sua cadeira
havia quebrado, tão aflito ele estava com a enormidade da perspectiva.
Esta cidade tinha conflitos suficientes, mesmo nos melhores
tempos, e agora foi encontrado um artigo que poderia mudar
completamente a balança.
Haveria guerra.
Lawrence percebeu isso instantaneamente.
“A facção do lado sul quer controlar este lado a qualquer custo.
Eles não podem ter igualdade. Seria ruim o suficiente se o norte
pegasse o narval e o vendesse para levantar o dinheiro para pagar suas
dívidas, e a possibilidade de que eles possam envolver um senhor de
terras e ir direto para a guerra também não pode ser descartada. Então
CAPÍTULO III ⊰ 186 ⊱

o sul não pode deixá-los, não importa o custo. Eles vão roubá-lo,
vendê-lo — dois pássaros, uma pedra. Vai arrecadar uma quantia
enorme.”
E se eles invadissem os terrenos da igreja, isso constituiria um ato
de guerra contra a Igreja.
“Então o que você diz? Se você conseguir passar por esta
passagem, não acha que algo incrível espera por você do outro lado?”
Ela estava certa.
Eve certamente estava tentando usar a participação de Lawrence
na Guilda de Comércio Rowen para tirar a maior vantagem possível.
As relações entre o norte e o sul nesta cidade estavam no seu pior
momento.
No entanto, no meio disso, Lawrence conseguiu se conectar com
Eve enquanto passava despercebido na cidade, o que lhe deu uma
habilidade única.
Para um espião, não poderia haver posição melhor.
Mas havia algo que Lawrence não havia mencionado.
E foi isso que ele já havia contado a Kieman sobre seu
conhecimento com Eve.
“Você vai fazer isso? Não...” Eve balançou a cabeça
deliberadamente, então olhou diretamente para Lawrence. “O que
será necessário para convencê-lo a fazer isso?”
Isso inquestionavelmente envolveria trair a guilda.
Eve estava bem ciente disso, e as pessoas no sul certamente sabiam
o que era uma guilda comercial.
E assim Lawrence falou.
Independentemente da recompensa, Lawrence estava confiante
de que, enquanto fosse algo que pudesse segurar em suas mãos, ele
conseguiria lidar.
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 187 ⊱

Havia simplesmente muito lucro em jogo aqui.


“Se eu disser que vou pensar sobre isso?”
Eve silenciosamente balançou a cabeça.
Se ele recusasse a oferta de se tornar seu agente, não seria estranho
que ela o considerasse imediatamente um inimigo.
Ou, pelo menos, tratá-lo como tal.
O que significava que poderia haver hesitação.
Isso seria nada menos do que hesitação sobre qual lado ele se
aliaria, e ninguém era menos confiável do que um espião.
E mesmo assim Lawrence hesitou.
Não havia como saber o que Kieman poderia estar planejando,
mas isso poderia ser usado.
O que Kieman diria se Lawrence lhe contasse sobre isso?
Com lucros absurdos empilhados em ambos os lados da balança,
ele não se moveu facilmente para nenhum dos lados.
Os mercadores estavam sempre pesando lucros e perdas.
Não, de fato, o que mais poderia haver a considerar?
“Sobre os restos do lobo, não é?” perguntou Eve categoricamente,
ou vendo através de Lawrence ou tendo planejado incorporar isso em
sua negociação o tempo todo. “Você tem bons instintos, então tenho
certeza que notou que Reynolds está bastante sério sobre eles. E que
ele quer minha ajuda.”
Eve sorriu levemente.
Evidentemente Lawrence tinha feito exatamente o que ela
esperava que ele fizesse com Reynolds e a história do lobo.
Ela provavelmente até tinha alguma ideia de com quem Reynolds
queria entrar em contato.
“… Você sabia, e ainda me escreveu aquela carta.”
CAPÍTULO III ⊰ 188 ⊱

“Você está bravo?”


“De jeito nenhum. Estou feliz que meu palpite estava certo.”
Eve sorriu cinicamente, levantando-se de sua cadeira e jogando
mais duas toras no fogo.
“Não há muitos no norte que possam comprar lenha para suas
lareiras. A maioria queima turfa.”
“E, no entanto, ouvi dizer que há mais caridade deste lado.”
“Ei. Esse rapaz será popular, não importa onde ele vá.”
Era o suficiente para fazer Lawrence querer saber o quanto as
palmas das mãos de Eve estavam suadas.
Sua expressão mudou prontamente, mas ele podia dizer muito
bem que ela estava escondendo seus verdadeiros pensamentos.
“Então que tal? É uma grande oportunidade, eu acho.”
“Ah, tenho certeza que sim.”
Mas os demônios sempre ofereciam grande poder — em troca de
vida.
Se Lawrence aceitasse isso, não havia dúvida de que prejudicaria
os lucros da guilda comercial.
Não só isso, mas se descobrissem, ele seria expulso ou punido.
Ele alegou não estar preocupado com Holo, mas então se lembrou
da mudança repentina de Kieman, seu semblante frio.
E como mercador, não era exagero dizer que sua vida acabaria.
“Você viu Kieman?” Eve perguntou.
Não foi por nenhum autocontrole particularmente rígido que
Lawrence não mostrou surpresa em seu rosto.
As palavras de Eve foram tão precisas que seu choque o deixou em
branco.
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 189 ⊱

“Acho que meu nome certamente apareceria se você fosse à casa


da guilda procurando informações. Eu posso ver seu rosto,” disse Eve
com o que parecia ser uma simples diversão, como se ela estivesse
falando de um velho amigo.
Então — até homens como Kieman faziam parte das tramas de
Eve?
Não, não poderia ser, Lawrence disse a si mesmo.
“Sim, bastante... ele é um grande mercador, se bem me lembro.”
“Ele certamente é. Há um mercador talentoso em cada guilda, e
ele é o da Rowen”, disse uma Eve animada.
“Então, por que você menciona esse Sr. Kieman?”
“Ele não é ninguém para brincar, e ele está me perseguindo
obsessivamente. Não pode me culpar por me sentir ameaçada, hein?”
Os olhos estreitos de Eve pareciam distintamente de lobo,
perfeitamente adequados para uma floresta prateada congelada.
“…Certamente.”
“De qualquer forma, ele é um homem formidável, sem dúvida.
Ele me prejudicou várias vezes.”
Eve olhou para a mesa, um sorriso fino brincando em seus lábios.
As memórias fazem sorrir mesmo para as coisas infelizes.
Mas Eve não tinha tempo a perder com introspecção.
“Ei.”
“Sim?”
“Se isso resume o caso, o que você diria de abandonar a guilda?”
A ideia pareceu a Lawrence mais absurda do que surpreendente.
“Para onde iria um mercador que deixou sua guilda?” ele
perguntou.
CAPÍTULO III ⊰ 190 ⊱

A guilda trazia uma rede de negócios expandida, vários direitos e


privilégios, reconhecimento de nome, todos os vários lucros que
vinham junto com essas coisas.
Também proporcionava a tranquilidade de saber que você tinha
companheiros em todo o país.
Deixar essas proteções dificilmente era diferente de escolher a
falência.
“Você deveria vir trabalhar para mim,” disse Eve, tocando o canto
do pergaminho.
“Para você?”
“Sim. Venha trabalhar para mim.”
Lawrence lembrou-se das palavras que Reynolds usara:
“Companhia Bolan.”
Será que tal coisa realmente existia? Lawrence se perguntou,
quando o olhar de Eve se tornou distante, e ela apontou para sua
própria boca e falou.
“Estou trancada aqui por ordem do cara que me deu esse
ferimento”, disse ela, indicando o canto da boca com um dedo — um
dedo que era feminino, mas de alguma forma diferente de Holo.
Era esbelto e comprido, mas de alguma forma robusto também.
Como um marinheiro que se prepara para resistir ao canto das
sereias,
Lawrence se preparou para despejar chumbo em seus ouvidos.
“Ele é neto de um dos proprietários de terras que originalmente
assinaram os contratos do mercado delta. Ele é dois anos mais novo
que eu, mas sua inteligência e desejo de riqueza são quase os mesmos
que os meus. E ele os mantém tão firmes quanto eu.”
Outro sorriso cínico.
Lawrence se perguntou se a solidão que viu no rosto dela era
apenas uma ilusão.
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 191 ⊱

“Ele sonha em sair desta cidade. Fala com uma cara séria de pegar
o narval e usar o dinheiro para ir para o sul e encontrar uma grande
empresa comercial. ‘Com você eu poderia enganar os velhos’, ele se
enfureceu, e me bateu com a mão esquerda, depois me agarrou pelo
ombro.”
Então Eve fez uma pausa, quase rindo baixinho, mas Lawrence a
viu encobrir isso com uma respiração profunda.
Mas o sorriso que ela engoliu tornou-se sua carne e sangue, e
então apareceu propositalmente em seu rosto.
“Não há como não trair algo assim, não acha?”
Da boca de Eve saíram palavras aterrorizantes.
Ela estava cortejando Lawrence para convencê-lo a trair a guilda
comercial e coletar informações sobre o narval.
E isso, por sua vez, ajudaria os latifundiários a recuperar seu poder
em Kerube.
Mas isso era apenas na superfície. O filho de um dos latifundiários
estava tentando ficar com a criatura para poder abandonar Kerube e ir
para o sul.
E Eve estava dizendo que ela trairia aquele homem.
Ela enfrentou Lawrence.
Ela falou. Ela, a quem ele já havia traído.
“Kieman está tentando me usar.”
A cabeça de Lawrence não conseguia acompanhar as palavras de
Eve.
Uma por uma, as coisas foram se empilhando, e ele não conseguia
compreender.
“Ele sabe que aquele filho rebelde está loucamente apaixonado por
mim, sabe. Então ele vai dar um jeito de enganar o filho através de
mim.”
CAPÍTULO III ⊰ 192 ⊱
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 193 ⊱

Era como ser vendado e conduzido a um campo de batalha.


Eve estava pintando um quadro com as coisas que Lawrence não
sabia, com as coisas que ele não podia saber e com as coisas cuja
verdade ele não podia discernir.
E mesmo que a imagem lhe fosse explicada, ele não a entenderia.
Era impossível entender.
“O objetivo dele é sufocar a vida dos proprietários de terras.
Muito provavelmente, ele tentará convencê-los a assinar um contrato
que lhe dê os direitos sobre a terra em troca da entrega do narval. Os
títulos irão para Kieman, e o narval será roubado pelo filho. Você
acharia um absurdo, não? Bem, observe eu entregar essa informação
para o filho rebelde. Quando, você pergunta?”
Para evitar sufocar seu público, Eve fez uma pergunta que até seu
público poderia responder.
“Isso vai além de um caso de amor.”
Ela assentiu, satisfeita, talvez porque Lawrence não tinha saído de
seu assento.
“Kieman, é claro, entende por que estou pensando em tudo isso.
Os velhos odeiam mudanças. Estaríamos melhor livres dessas
circunstâncias, mas por longos anos não houve como mudá-las.”
Isso vale tanto para o lado norte quanto para o sul. E também é
verdade que a geração mais jovem está frustrada. Aposto que Kieman
está enlouquecendo tentando descobrir alguma coisa, alguma maneira
de derrubar o estranho equilíbrio de Kerube e reformar a cidade, ao
longo do caminho enganando as outras empresas e guildas comerciais
e fazendo um verdadeiro nome para si mesmo. Inteligentemente,
racionalmente e por suas próprias razões.”
“Ou pelo menos essa é a imagem que a armadilha que você
preparou quer passar.”
Foi tudo o que Lawrence conseguiu dizer.
CAPÍTULO III ⊰ 194 ⊱

Eve mostrou a Lawrence ambas as palmas em um gesto de


rendição.
Ele sabia perfeitamente que estava sendo ridicularizado.
“Não tenho como verificar a veracidade dessas coisas que você
disse. Então, em que você acha que eu deveria fundamentar minha
decisão?”
A loba do rio Roam sorriu e respondeu:
“Suas experiências passadas.”
“Já fui enganado antes.”
“De fato. Mas um mercador sábio disse alguma coisa, uma vez.”
Era de alguma forma estranho que seu lábio curvado não
mostrasse uma presa afiada. “Suspeite de engano, mas seja enganado,”
disse Eve, e riu.
Foi o suficiente para fazer Lawrence se perguntar se ela estava
bêbada.
Não, ela certamente estava, para essa estranha troca de ilusões
dentro de ilusões.
Lawrence se preparou e se levantou da cadeira.
Seria perigoso permanecer aqui.
“Eu suponho que sua resposta seja ‘não’?”
Apesar de uma conversa pela qual ela deveria estar tão bêbada que
ficaria instável em seus pés, a voz de Eve era tão fria e clara quanto um
riacho de inverno.
Daí o calafrio nas costas, Lawrence tinha certeza.
“Kieman provavelmente pedirá sua cooperação, já que você está
em uma posição extremamente conveniente. E a propósito...”, disse
Eve, sorrindo alegremente. “Ted Reynolds da Companhia Jean quer
usar minhas conexões. Se eu quiser, tenho certeza de que posso fazê-
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 195 ⊱

lo sussurrar o nome da pessoa com quem deseja fazer negócios para


mim. Você estava seguindo as histórias dos ossos de lobo, não estava?”
Eve Bolan, a mercadora e antiga nobre.
A mão de Lawrence foi inconscientemente para a faca em seu
cinto.
“Se você acha que estou desarmado, está muito enganado.” O
sorriso desapareceu do rosto de Eve.
Ela alegou que ele não estava ouvindo, mas havia um guarda com
uma espada do lado de fora da porta. E duvidava que fosse um mero
rufião da vizinhança.
E de qualquer forma, os mercadores evitavam as lutas de espadas.
Lawrence afastou lentamente a mão da faca, fez uma pequena
reverência, virou as costas e começou a se afastar.
As palavras de Eve vieram quando ele estava colocando a mão na
porta.
“Você vai se arrepender.”
As mesmas palavras que Kieman dissera.
Lawrence cerrou os dentes e abriu a porta.
Ali no corredor, o guarda encostou-se na parede, de olhos
fechados, como antes.
Ele olhou enquanto passava e viu a espada, com o fecho desfeito,
pronta para ser sacada a qualquer momento.
“Não conte a ninguém”, disse o guarda.
Lawrence não acenou com a cabeça, nem mesmo respondeu, e
não porque a ordem de alguma forma não foi dita.
Ele não podia contar a ninguém.
Ele se considerava um mercador viajante de pleno direito há
muitos anos — tempo suficiente para saber perfeitamente o quão
pequeno ele era.
CAPÍTULO III ⊰ 196 ⊱

E, no entanto, ele acabara de vislumbrar um pedaço de uma


estrutura aterrorizante.
Uma aposta com uma quantia verdadeiramente inacreditável de
dinheiro.
Ele não conseguia se livrar do pensamento disso.
Quando abriu a porta da frente do prédio, uma carruagem estava
esperando, e foi preparada para Lawrence.
“Senhor, por favor.”
Do lado oposto do motorista estavam os três trabalhadores ainda
cortando o couro.
E então Lawrence percebeu.
Eles eram vigias.
Ele aceitou a capa oferecida e a colocou sobre a cabeça enquanto
subia na carruagem.
Ele se perguntou se deveria buscar a proteção de Kieman. Dado o
quanto de sua própria mão Eve havia mostrado, Lawrence não podia
imaginar que Kieman o deixaria em paz.
Qualquer negócio em um mercado onde os preços eram
desconhecidos era melhor que fosse abandonado.
Lawrence estava perdido em contemplação e, antes que
percebesse, chegou à entrada dos fundos de sua pousada.
Forçando os músculos tensos de seu rosto a se moverem, ele
agradeceu ao motorista, entrando na pousada e soltando um suspiro
profundo.
O rosto do estalajadeiro espiou — ele provavelmente ouviu a
porta abrir e fechar — e Lawrence devolveu a capa sem dizer nada.
Ele devia estar com uma aparência terrível, pois o estalajadeiro lhe
ofereceu uma bebida, mas Lawrence recusou e foi direto para o
quarto.
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 197 ⊱

O melhor curso de ação seria escapar antes que fossem farejados


aqui e antes que Kieman ficasse sério.
Mas agora que ele sabia com certeza que a Companhia Jean estava
perseguindo a história, havia a possibilidade de que ele pudesse usá-los
em alguma outra cidade para começar a coletar informações
novamente.
Lawrence colocou a mão na porta e a abriu.
O que ele precisava fazer agora era proteger seu pequeno barco
da tempestade que se aproximava.
Nenhuma imagem poderia ter capturado o olhar em seu rosto
naquele momento.
“Algo chegou para você”, disse Holo.
Ela ergueu uma folha de pergaminho, e Lawrence soube de
relance o que era.
Tinha o selo da Guilda Comercial Rowen.
A impressão de cera vermelha do selo parecia, sem exagero, como
a assinatura de algum demônio.
Embora sua boca ficasse seca, ele tentou desesperadamente
engolir.
A guilda há muito descobrira onde ele estava hospedado.
Kieman estava falando sério.
E tudo que Eve disse era verdade.
A conversa continuava na cabeça de Lawrence.
As enormes engrenagens faziam um terrível som enquanto
giravam.
á faz algum tempo. Aqui é Isuna Hasekura.
Assim como o título sugere, este é o primeiro volume de
uma história.
Quanto ao motivo disso, respondê-la exigiria um livro
por si só, então não posso dizer muito, mas a principal razão é que é
impossível dizer quantas páginas um enredo básico exigirá.
Eu planejava escrever apenas o que fosse absolutamente
necessário, mas continuou crescendo e crescendo.
Com muito esforço, consegui cortar páginas e completar um
primeiro rascunho, mas como havia muito e ainda estava um pouco
confuso, acabou dividido em dois volumes, e fiz mais edições no
segundo volume.
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 199 ⊱

O que tudo significa que meu lindo cronograma de publicação


bimestral não aconteceu e uma pequena lacuna se abriu, então espero
que todos vocês me façam o favor de esperar um pouco mais.
Lawrence deve estar muito legal no segundo volume.
Pelo menos é o que diz a trama!
Aliás, recentemente comi algo realmente estranho e agora vou
relatar sobre isso.
Era um sashimi feito — eu juro — da gordura das costas de um
urso-negro asiático.
O dono do restaurante era um caçador incrível e havia pegado
javalis em Okinawa e veados em Nara, e preparava a caça que ele
levava como pratos em seu restaurante. Bem, aparentemente, ele
estava mentindo sobre o veado, mas o javali era verdade.
Então, o urso preto asiático era gordo.
De acordo com o que eu tinha ouvido com antecedência, diziam
que não era diferente de uma no tategami, ou sashimi feito com a carne
tenra do pescoço de um cavalo, mas quando eu realmente provei, era
como manteiga sem sal. Ele derreteu na minha boca imediatamente, e
não havia nenhum odor, apenas uma leve doçura gordurosa, e sem
carne de verdade, era realmente como comer manteiga.
Ali em uma rua lateral cercada por arranha-céus, sentado em
frente à loja em cadeiras dobráveis e usando uma pequena geladeira
cheia de cerveja como mesa, realmente era uma situação de aparência
muito rústica, o que tornava as coisas ainda mais deliciosas.
Agora que falei sobre isso, me fez querer yakiniku para o jantar,
então acho que vou fazer isso hoje à noite.
E parece que eu preenchi a página, então vamos deixar por isso
mesmo. Vejo você novamente no próximo volume.

— Isuna Hasekura
XTRAS
POSFÁCIO ⊰ 202 ⊱
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 203 ⊱
SPICE & WOLF VOL VIII ⊰ 205 ⊱
OS AUTORES
http://hasekuraisuna.jp/

Billionaire Magdala de Shoujo wa World End


Isuna Hasekura Girl Nemure Shoka no Economica
História Umi de
Nemuru

Nascido em 27 de dezembro de 1982, Isuna Hasekura é um estudante de física e


gasta seus dias lamentando a cruel natureza do mundo desde que estudar
harmônicas de superfície esférica falhou em dar a ele o resultado correto da
restituição do imposto de renda. Entretanto, devido a situações atenuantes, ele é
incapaz de prover uma explicação satisfatória sobre harmônicas de superfície
esférica.

Gelatin Risou no Uchi no Maid Witch Hunt


Juu Ayakura Himo wa Futeikei Curtain Call
Arte Seikatsu

Nascido em 1981. Local: Kyoto. Tipo sanguíneo: AB. Atualmente vivendo uma vida
livre e espartana em Tokyo, ele tem sido até então incapaz de por seus planos de
peregrinação aos templos em ação.

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