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SUMÁRIO

1 A GESTALT-TERAPIA NA CONTEMPORANEIDADE ...................... 2

2 A PSICOLOGIA DA GESTALT .......................................................... 4

3 A GESTALT NO BRASIL ................................................................. 14

4 A ABORDAGEM TERAPÊUTICA .................................................... 16

5 APLICANDO A GESTALT-TERAPIA ............................................... 21

6 GESTALT-TERAPIA E O SELF COMO CONCEITO OPERACIONAL


FENOMENOLÓGICO ............................................................................ 27

6.1 A dinâmica do self e a clínica gestáltica .................................... 33

7 BIBLIOGRAFIA ................................................................................ 43

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1 A GESTALT-TERAPIA NA CONTEMPORANEIDADE1

Fonte:www.institutovidaplena.com.br

O termo Gestalt surgiu muito antes de sua criação para a Psicologia.


Segundo Carrijo et al.(2012) a palavra tem origem alemã e surgiu em 1523 de
uma tradução da Bíblia, significando "o que é colocado diante dos olhos, exposto
aos olhares". Porém, foi através de uma situação que ocorreu com Psicólogo
Max Wertheimer (1910), ao observar a disposição das luzes que apagavam e
acendiam alternativamente em um vagão de trem que estava, ele e as pessoas
do vagão tinham impressão que existia apenas uma luz que acendia e apagava.
A partir desta observação de ilusão de movimentos, Wertheimer, decidiu fazer
experimentos. De acordo com Engelmann (2002 ,p.1) ao estudar a história da
Gestalt:

''Se a luz se acendesse e se apagasse numa figura e posteriormente


se acendesse e apagasse na outra, com intervalo entre eles de mais
ou menos 60 milissegundos, enxergava-se apenas a figura indo de um
lugar para outro.''

Marx ao publicar um artigo em 1912, discutiu as teorias que poderiam ser


utilizadas para explicar o movimento fi. De acordo com Engelmann (2002),
Wertheimer chegou à conclusão que não seria apenas uma ilusão de ótica e sim
tratava-se de um processo contínuo visto como uma Gestalt. Para o estudioso a
percepção dos objetos individuais eram Gestalten e a percepção do

1 Texto extraído do link: http://www.psicologia.pt/artigos/textos/TL0411.pdf

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relacionamento entre os inúmeros objetos individuais percebidos era uma
Gesltalt ou seja, uma forma. Segundo (HOUAISS; VILLAR; FRANCO, 2001, p.
1449), '' A Gestalt considera os fenômenos psicológicos como totalidades
organizadas, indivisíveis, articuladas, isto é, como configurações.'' A princípio,
as Gestalten podem ser compostas em partes. Essas partes são pedaços que
compõem a Gestalt (a forma) completa.
Ao fazer uma analogia, é possível associar a Gesltalt como um copo de
vidro e a Gestalten como cacos que se despedaçaram pelo chão. Comete um
erro quem diz que ''o todo é mais do que a soma de suas partes.'' Pois a
Psicologia da Gestalt fala da soma destes elementos despedaçados. Para se
perceber o copo de vidro, e compreendê-lo é preciso conhecer os cacos, ou seja,
as suas partes.
A chamada Gestalt-Terapia surgiu no início da década de 50, a partir das
reflexões de Friederich Perls, um psicanalista nascido em Berlim em 1893, que
emigrou durante a década de 40 para a África do Sul e posteriormente para os
Estados Unidos da América, onde juntamente com um grupo de intelectuais
norte-americanos desenvolveu esta nova abordagem.
Hoje, adotada no mundo inteiro, significa um processo de dar forma ou
configuração. Gestalt significa uma integração de partes em oposição à soma
das mesmas num todo. Este campo vem quebrando grandes paradigmas no
contexto acadêmico tanto pela suavidade quanto pela intensidade de suas
intervenções.
A partir do progresso nos estudos sobre a área, a Gestalt foi utilizada em
um enfoque psicoterapêutico tornando-se Gestalt-terapia, com objetivo de entrar
em contato com os fenômenos, com as pessoas, de forma ativa e dinâmica
mostrando-se eficaz no processo de ressignificação da vida. Para desenvolver
este estudo, o artigo apresenta a história da Gestalt como ponto de partida para
melhor compreensão e apresenta a subjetividade, a construção desta teoria em
sua aplicação prática além de algumas técnicas utilizadas pelos terapeutas.

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2 A PSICOLOGIA DA GESTALT

A Psicologia da Gestalt originou-se na Alemanha, entre 1910 e 1912. É


uma das tendências teóricas mais coerentes e coesas da história da Psicologia.
Seus articuladores se preocuparam em construir não só uma teoria consistente,
mas também uma base metodológica forte, que garantisse a consistência
teórica. No fim do século XIX vários estudiosos buscavam compreender o
fenômeno psicológico e suas características naturais principalmente no sentido
da mensuração destas particularidades.

Fonte: www.bolt.com.br

A psicofísica era um assunto bastante explorado na época. Ernst Mach


(1838-1916), físico, e Chrinstiam von Ehrenfels(1859-1932), psicólogo e filósofo,
ampliavam uma psicofísica com estudos sobre as sensações de espaço-forma
(formato psicológico) e tempo-forma (formato físico) e podem ser considerados
como os mais diretos precursores da Psicologia da Gestalt.
Porém esta maneira de ver o mundo não é somente empírica, mas
também prática. Em um artigo de crítica a Benussi, Koffka (1915/1938) alarga o

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que se pode entender por Gestalt. Koffka propõe que em Gestalt não é apenas
a experiência, mas também nas ações dos indivíduos. Cantar, escrever,
desenhar, andar são Gestalts tanto quanto a consciência de ouvir ou de olhar.
“O ato motor é um processo-de-todo organizado; os muitos movimentos
individuais podem ser compreendidos somente como partes do processo que os
abraça .” (ASH, 1995; KOFFKA, 1915/1938.)
Os correlatos fisiológicos da percepção e da ação, não são excitações
individuais mas eventos unificados. São, como Wertheimer o ressaltou,
Gestalten.
A Psicologia da Gestalt originou-se como uma teoria da percepção que
incluía as relações entre a forma do objeto e os processos do indivíduo que o
recebe. Foi uma reação às abordagens atomistas que reduziam a percepção aos
processos mentais ou conteúdos mentais.
A Psicologia da Gestalt questionou a explicação da percepção como uma
soma de sensações. Duvidou também da concepção dos processos fisiológicos
correspondentes como uma soma de atividades separadas. Para os gestaltistas,
nem o processo ideológico, nem a percepção ou a excitação nervosa poderiam
ser concebidas como uma simples soma das partes. O processo cerebral, assim
como a percepção, deveria ser um todo unificado, não sendo mais uma
integração de atividades isoladas de unidades distintas, assim como a
percepção é tampouco uma composição de sensações separadas.
Na opinião dos gestaltistas, a escola antiga foi incapaz de resolver o
problema evidenciado entre “o caráter da percepção real e o do estímulo
sensorial local”. A Psicologia da Gestalt tenta remontar à percepção ingênua, à
experiência imediata “não contaminada pelas aprendizagens”. Ela insiste em
encontrar aí não uma montagem de elementos, mas conjuntos unificados;
árvores, nuvens e céu ao invés de um grande número de sensações
massificadas. Ela convida quem quiser verificar esta afirmação a abrir seus olhos
e ver o mundo que o cerca.
O movimento gestáltico surgiu no período compreendido entre 1930 e
1940 e teve como expoentes máximos: Max Wertheimer (1880-1943), Wolfgang

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Köhler (1887-1967) e Kurt Koffka (1886-1941). Posteriormente Kurt Goldstein
(1878-1965) dedicou-se ao estudo das manifestações comportamentais com
lesões cerebrais com base nas noções da Psicologia da Gestalt, com quem
Frederick Perls (1893-1970), criador da Gestalt-terapia, estudou.
Os gestaltistas contribuíram para o estudo da percepção e também para
avanços na comunicação humana, na aprendizagem, envolvendo a psicologia
social. Em primeiro lugar, a psicologia da forma tratou de investigar a experiência
subjetiva, como a percepção. Esta era desprezada pelos behavioristas, tida por
eles como imprópria para a investigação científica, pois suas teorias só podiam
expressar-se em termos qualitativos, sem ajustar-se a padrões de precisão
corretamente admitidos.
O enfoque teórico dos gestaltistas parecia negar um dos princípios
básicos do método científico, o de que “os todos” podem ser entendidos
mediante sua redução a um conjunto de partes. Os gestaltistas afirmam que o
objeto primeiro se apresenta na sua totalidade (na sua forma, configuração) e só
depois o indivíduo atentará para os detalhes. No estudo da percepção, em
primeiro momento vemos o todo e depois selecionamos partes.
O conjunto é mais do que a soma das partes: se uma nota de música que
conhecemos é alterada, altera-se o todo. Para Wertheimer, o todo é maior do
que a soma de suas partes e, para Köhler, o todo é um campo que determina
suas partes. Para os psicólogos gestaltistas, toda a percepção é uma gestalt, um
todo que não pode ser compreendido pelas partes. O todo é mais que a soma
das partes, uma paisagem não é apenas relva, mas céu, árvores, nuvens e
outros detalhes, ela é uma percepção única que depende das relações
existentes, definidas umas com as outras. Se mudarmos as relações, a
qualidade do todo mudará completamente.
Não são as partes separadas de uma melodia que caracterizam a
percepção de uma melodia. A percepção que temos de um objeto qualquer é um
todo, tem caráter global - é uma gestalt. A relação estabelecida entre as partes
do todo pode ter vários tipos, entre eles a relação figura e fundo. O pensamento
gestaltista enfatizou características de figura e fundo, fluidez dos processos

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perceptuais e o indivíduo como participante ativo em suas percepções, ao invés
de um recipiente passivo das qualidades da forma. Nesta teoria, inclui-se o
receptor de acordo com os objetivos propostos nesta tese. Köhler e Koffka
notaram que aparece frequentemente a relação de figura e fundo. Quando
percebemos um objeto qualquer, esse se destaca e se identifica claramente. É
o que chamamos de figura que emerge contra um fundo mais vago e difuso. Em
uma sinfonia, a melodia é a figura e o acompanhamento é o fundo. Também a
percepção que temos de um objeto depende desta relação: conforme fixamos a
nossa atenção em algum aspecto do objeto, esta percepção muda
constantemente.
O mundo fenomenológico é organizado pelas necessidades do indivíduo.
As necessidades energizam o comportamento e organizam-no nos níveis
subjetivo-perceptivo e objetivo-motor. Então o indivíduo executa as atividades
indispensáveis à satisfação das necessidades.
Goldstein (1961) ampliou as bases da gestalt ao criar a teoria
organísmica. Seu objeto não era mais funções psicológicas (percepção,
aprendizagem), mas o organismo como um todo nas suas funções e ações. Ele
refere a noção figura-fundo ao processo motivacional e comportamental pelo
qual o organismo seleciona aquilo de que necessita para sua sobrevivência. A
teoria organísmica acredita que se pode aprender mais em um estudo
compreensivo da pessoa do que em uma investigação exclusiva de uma função
psicológica isolada e segmentada de muitos indivíduos. Interessa assegurar a
existência do ser vivo, ajudando-o a viver o melhor possível de acordo com sua
natureza.
A teoria organísmica é uma extensão dos princípios gestaltistas do
organismo humano. Qualquer elemento deve ser visto como parte integrante do
organismo total: o todo é regido por leis que não se encontram nas partes. O
todo é o seu próprio princípio regulador, portanto não existe uma lei que,
regulando as partes, formaria ou explicaria o todo. Para Goldstein (1961), o
organismo se organiza em função de dois princípios básicos: o de satisfazer suas
necessidades por falta e o de crescer de uma maneira organizada. O homem

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possui um impulso dominante de auto regulação, pelo qual é permanentemente
motivado por forças internas e externas. Ele desenvolveu esta teoria a partir de
suas experiências na primeira guerra mundial, onde serviu como neuro-
psiquiatra, quando ficou impressionado com a capacidade de recuperação do
organismo humano de restabelecer funções perdidas ou prejudicadas. Goldstein
explicou que este impulso para a saúde só pode ser explicado em função da luta
constante do homem para realizar seus potenciais, impulso este que chamou de
auto realização.
Segundo Perls (1981), a natureza não é perdulária. Ela não criaria
emoções apenas para serem descarregadas. A natureza cria emoções como um
meio de relacionamento, pois somos feitos para enfrentar o mundo em diferentes
intensidades. Somos uma soma viva de processos e funções. Essas funções
estão sempre relacionadas com algo no mundo. Não podemos olhar sem ter algo
para olhar, não podemos respirar sem ar, não podemos viver sem ser parte da
sociedade, portanto nenhum organismo é capaz de funcionar isoladamente. É
impressionante a lista de fenômenos perceptuais que estes psicólogos
construíram para elucidar o estudo da percepção. Descrevem-se abaixo alguns
exemplos deste estudo, como agrupamento e organização-fundo. Serão
descritas a seguir as leis da gestalt:
 Unidade: um único elemento se encerra em si mesmo, ou como parte de
um todo.
 Segregação: capacidade perceptiva de separar, identificar ou destacar
unidades formais ou em partes de um todo.
 Unificação: igualdade ou semelhança dos estímulos produzidos pelo
campo visual do objeto. Harmonia, equilíbrio, coerência da linguagem ou
estilo formal das partes ou do todo, presentes no objeto ou composição.
 Fechamento: as forças de organização das formas dirigem-se
espontaneamente para uma ordem especial, que tende para a formação
de unidades em todos fechados.
 Continuidade: a impressão visual de como as partes formam um todo
coerente, sem interrupções na sua trajetória ou na sua fluidez visual.

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 Proximidade: os estímulos mais próximos entre si (seja pela forma, cor,
tamanho, textura, brilho, peso, direção) tendem a serem agrupados e a
constituírem unidades.
 Semelhança: a igualdade de forma e cor desperta a tendência de
construir unidades, isto é, de estabelecer agrupamentos de partes
semelhantes.
 Pregnância da forma: quanto melhor for a organização visual da forma
do objeto, em termos de facilidade de compreensão e rapidez de leitura,
maior será o seu grau de pregnância.
A forma (gestalt) pode ser definida como a figura ou a imagem visível do
conteúdo. Ela nos reporta para a natureza da aparência externa do objeto. Tudo
o que se vê possui forma. Os gestaltistas venceram os behavioristas em sua
controvérsia a respeito da natureza da aprendizagem, do pensamento e da
psicologia social, ocupando um lugar seguro na história da psicologia. Quando
os gestaltistas estabeleceram os conceitos de meio geográfico – o meio tal como
a ciência o descreve – e meio comportamental – o meio tal como o indivíduo o
percebe; quando disseram que as estruturas (gestalten) neurológicas são iguais
às psicológicas ou ainda “o que está dentro está fora” – princípio isomórfico – ;
quando através do princípio da contemporaneidade, Kurt Lewin (1965) disse que
o presente modifica o passado e obteve-se uma visão global e unitária dos
processos psicológicos humanos sem apriorismos casualistas, deterministas e
reducionistas: atingiu assim a essência humana, sem atribuições valorativas.
Não se pode esquecer a importante contribuição de Kurt Lewin (1890-
1947) para a Psicologia da Gestalt. Ele elaborou a teoria da personalidade com
base na compreensão gestáltica da totalidade significativa, em que o
comportamento do indivíduo é resultante da configuração de elementos internos
num “espaço vital”, que é a totalidade de experiência vivencial do indivíduo num
dado momento, ou seja, de todo o conjunto de experiências vividas num dado
momento, de acordo com a percepção/interpretação do indivíduo. Ele trabalhou
também com a teoria de campo da psicologia social. Por esta razão, será feito
um breve relato desta teoria que contribuiu de forma significativa para a Gestalt-

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terapia. Sua principal contribuição foi a introdução na psicologia de um conceito
da física: “a Teoria de Campo”. Esta teoria sustenta que o comportamento (do
indivíduo ou de qualquer objeto) é produto da interação de forças que operam
num determinado campo em dado momento. Quaisquer que possam ser suas
atitudes, papéis e decisões, eles serão sensíveis ao campo de força que os
cercam. Kurt Lewin nasceu na Alemanha. Doutorou-se em psicologia em 1914 e
especializou-se também nas áreas de matemática e física. Foi ele quem
extrapolou os princípios da teoria da gestalt para uma teoria geral do campo
psíquico, estudando a interdependência entre a pessoa e o seu meio social. Ao
longo de seus trinta anos de atividade profissional, Lewin dedicou-se
sistematicamente à área da motivação humana. As suas pesquisas enfatizaram
o estudo do comportamento humano em seu contato físico e social.

O comportamento é uma função do campo do qual ele é parte. Ele não


depende nem do passado nem do futuro, mas do campo presente. Este
campo presente tem uma determinada dimensão no tempo, inclui o
passado psicológico, o presente psicológico e o futuro psicológico, que
constituem uma das dimensões do espaço de vida, existindo num
determinado momento. (Lewin, 1965. p.32)

As pessoas e os eventos existem apenas como partes de um campo, cujo


significado é alcançado somente pelas relações entre si. Só os fatores presentes
ao campo têm influência no campo. Na abordagem de campo da Gestalt-terapia
tudo é visto como vir-a-ser, movendo-se - nada é estático. Para Lewin (1965,
p.60), “O campo psicológico que existe num dado momento contém também uma
referência à como aquele indivíduo vê seu futuro e passado.
A abordagem de campo gestáltica é fenomenológica. Ela estuda o campo
conforme é experienciado por uma pessoa num dado momento. Todo fenômeno
é considerado legítimo e adequado para investigação; descrever, presumir ou
explicar são usados para obter insight, da estrutura básica do campo. O campo
é a pessoa no seu espaço de vida. Mas o espaço de vida não deve ser
confundido com o meio geográfico, do estímulo físico.

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Os processos de percepção dependem parcialmente do estado inteiro do
campo psicológico, isto é, sua motivação, sua estrutura cognitiva, sua maneira
de perceber. Assim, a percepção é controlada por variáveis externas e
organísmicas. Os recursos do campo emprestam suas forças ao interesse, brilho
e potência da figura dominante. Não tem sentido tentar compreender qualquer
comportamento psicológico fora de seu contexto sociocultural, biológico e físico.
A propriedade essencial de um campo é seu aspecto dinâmico. Num
campo dinâmico, existe interação entre todas as partes. O estado de qualquer
parte desse campo depende de todas as outras, pois num campo de energia
todas as partes se inter-relacionam. Quando olho um objeto ou uma pessoa, me
relaciono diretamente com ela.
Os resultados dessa relação pessoal com o objeto ou pessoa não serão
apenas as características dele, mas as relações que esse objeto ou essa pessoa,
estabelecem com o meio ambiente. Ou seja, a realidade é sempre relacional e é
assim que precisa ser compreendida. Uma contribuição da Gestalt-terapia é sua
aplicação de insights da Psicologia da Gestalt para a awareness de processos
corporais.

Por holismo (concepção de campo), Perls referia-se ao ser total, maior


do que a soma das partes, a unidade do organismo humano e a
unidade do campo-organismo-ambiente total-inteiro. Ele considera a
Gestalt-terapia como uma correção do erro da psicanálise de tratar os
eventos psicológicos como fator isolado, separados do organismo e por
basear sua teoria em associações e não holismo. Isso também
diferencia a Gestalt-terapia da maioria das terapias comportamentais.
(Yontef, 1998; p.104)

O comportamento tem lugar num meio comportamental que o regula. O


meio comportamental depende de dois grupos de condições, um inerente ao
meio geográfico, outro ao organismo. O campo e o comportamento de um corpo
são correlativos.
Como o campo determina o comportamento dos corpos, esse
comportamento pode ser usado como indicador das propriedades do campo. O
comportamento do corpo significa não só o seu movimento em relação ao
campo, mas refere-se igualmente às mudanças que o corpo sofrerá. De acordo

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com Koffka (1935, p.54), “quando descrevemos adequadamente nosso meio
comportamental, temos de indicar não só os objetos que estão nele, mas
também as propriedades dinâmicas desses objetos.” O campo psicológico
contém uma referência de como aquele indivíduo vê seu futuro e seu passado.
O indivíduo não vê somente sua situação presente, pois tem expectativas,
desejos, medos, devaneios em relação ao seu futuro. Sua maneira de ver seu
próprio passado e o resto do mundo físico e social é individualizada e constitui o
seu espaço de vida. Um dos aspectos mais alardeados e menos compreendidos
da Gestalt-terapia é sua ênfase no “agora”.
A Teoria de Campo Fenomenológica localiza a experiência do percebedor
no tempo e no espaço “aqui-e-agora”. Isso significa que o processo de ter
consciência (aware) sempre acontece no “aqui-e-agora”, embora o objeto da
awareness possa estar no “ali” ou no “então”. “De acordo com a teoria de campo,
qualquer tipo de comportamento depende do campo total, incluindo a
perspectiva de tempo naquele momento, mas não, também, de qualquer campo
passado ou futuro e suas perspectivas de tempo.” (Lewin, 1965. p. 61)
A Teoria de Campo dá ênfase ao fato de que qualquer acontecimento é
resultante de uma reunião de fatores. O reconhecimento da necessidade de uma
representação dessa multiplicidade de fatores interdependentes é um passo em
direção à Teoria de Campo.
A Teoria de Campo se caracteriza melhor como o método de analisar
relações casuais e de criar construções científicas. Há muitos conceitos
dinâmicos na Gestalt-terapia que podem ser adequadamente entendidos em
termos de Teoria de Campo. Alguns deles são: campo organismo/ambiente;
fronteira; construção fenomenológica de uma percepção; figura e fundo; e o
próprio conceito de self. Para Yontef (1998), a Teoria de Campo capacita a
Gestalt-terapia a manter o foco na pessoa como agente ativo, tendo em mente
as complexidades das relações do campo.
O espaço vital, (entendido como um todo dinâmico, concreto e delimitado)
se caracteriza por construir uma rede de relações entre partes. A análise destas
relações possibilita uma descrição explicativa dos eventos que ocorrem no

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espaço vital em questão, uma explicação sistêmica que se preocupa em
descrever como um evento afeta e modifica o todo. A Teoria de Campo é o tipo
de pensamento científico que melhor funciona com o resto do sistema teórico da
Gestalt-terapia.
A Fenomenologia, o Existencialismo, a Dialógica e a atitude flexível com
relação às opções clínicas da Gesta1t-terapia são compatíveis com a Teoria de
Campo. Além disso, a Teoria de Campo é a abordagem teórica que melhor pode
incluir as temáticas intelectuais, sociais, culturais, políticas e sociológicas
tratadas pela teoria da Gestalt-terapia. Para Lewin (1965), a Teoria de Campo
não é um sistema de Psicologia aplicável a um contexto específico, mas é um
conjunto de conceitos por meio do qual a realidade psicológica pode ser
representada e, uma vez representada, lida e trabalhada. Trata-se de um modelo
psicológico de ver e analisar a realidade.
O conjunto de informações e postulados que forma a Teoria de Campo
aponta para um novo paradigma para entender o ser humano de maneira
integradora. Na concepção lewiniana, a pessoa não é vítima de si mesma, não
é determinada a priori pelos seus instintos (psicanálise) ou por condicionamentos
inevitáveis (behaviorismo), mas é responsável pelo seu destino, pela sua
liberdade e passa a correr o risco de existir por conta própria (fenomenologia
existencial).
O comportamento é algo acessível, observável, percebido tal qual é,
explicável sem metáforas, a partir do sujeito e da realidade na qual ocorre. Como
a teoria e a prática da Gestalt-terapia estão construídas sobre a importância de
adquirir consciência do processo de awareness, a maneira como se pensa passa
a desempenhar um papel importante. Ela é trazida em terapia, e tratada em
teorizações e ensinamentos. Perls, Hefferline e Goodman (1997) comentam a
necessidade de interação entre a maneira de pensar e a de estar inserido no
mundo. Para estes autores, o que alguém pensa a respeito do mundo (incluindo
sua orientação filosófica) em parte é uma função do caráter e vice-versa: o
caráter é em parte uma função da nossa maneira de pensar.

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A Teoria de campo seria o instrumento que permite analisar o processo
do pensamento. Essa teoria refere-se ao tempo, espaço e awareness
fenomenológicos do observador. Ela enfatiza a totalidade das forças que formam
uma totalidade integrada e determina as partes do campo. Na abordagem de
campo da Gestalt-terapia, tudo é visto como em termos de vir-a-ser: nada é
estático.
A realidade não é nem objetiva, nem arbitrária, mas é conjunta e
contemporaneamente configurada pelo “que existe ali” e pelo organismo
percebedor. Pode-se compreender a gestalt como decorrente do momento
existencial em que surgiu e das influências que recebeu.
A pergunta pelo comunicador mais consciente do seu papel de receptor
do imaginário cultural e ao mesmo tempo fonte de informações pode convidar os
indivíduos à reflexão para que desenvolvam suas potencialidades, escolhendo e
agindo, ou apenas contribui para a adaptabilidade do homem ao meio, sem
qualquer questionamento.

3 A GESTALT NO BRASIL

Fonte: www.psicologoflorianopolis.psc.br

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Ao aprofundar sobre a história da Gestalt, foi observado que inúmeros
estudos apresentaram grande diversidade de ideias para se pensar esta
abordagem. Notou-se então que cada perspectiva sobre o assunto aborda um
viés particular e perceptivo diferente. De acordo com (RIBEIRO, 2007) esta
prática em estudar a História da Gestalt-Terapia foi apresentada em Congressos,
precisamente em 1991, Brasília, onde a pedido dos membros, a estudiosa Jean
Clark Juliano, de São Paulo, contou com o comprometimento e respeito aos
assuntos científicos que caracterizam a história da Gestalt-Terapia, segundo
suas opiniões.
A autora ressaltou neste dia que cada sujeito conta uma história de acordo
com a sua perspectiva. Em suma, cada um conta a história que existe como o
resultado do encontro, do contato, da relação entre outros fatos pesquisados,
com as peculiaridades e as crenças do pesquisador. Afirma então que: ''Ninguém
conta uma história ou faz qualquer coisa de maneira neutra'‘. (RIBEIRO,2007,
p.1).
A Gestalt terapia foi iniciada no Brasil por volta da década de 70,
referenciando estudiosos como Perls, Hefferline e Goodman (1997), em uma
palestra pronunciada por Therése Tellegene. A intenção desta palestra era que
os Gestalt-Terapeutas estrangeiros contribuíssem para formação do primeiro
grupo de terapeutas nesta abordagem no Brasil.
Segundo RIBEIRO (2007), ainda neste período a Summus Editorial
lançou os livros Gestalt-terapia Explicada (inspiradas em transcrições de
workshops realizados por Fritz Perls) e Tornar-se Presente, de John Stevens. Já
para Aguiar, a concepção de homem nesta abordagem, aqui no Brasil ainda tem
uma característica fundamental que é a visão holística, “ é a visão integral e não
fragmentada do homem e da realidade que nos cerca” (AGUIAR, p. 41, 2005).
Neste contexto muitos estudiosos assumiram papéis de grande destaque
na contemporaneidade como: Hycner (1997), Jacobs (1997), Pimentel (2003),
Ribeiro(2006), Zinker (2007) e Aguiar (2014) que explicam desde os conceitos
básicos em Gestalt-Terapia, processos grupais, processos terapêuticos,
criativos e psicodiagnóstico.

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4 A ABORDAGEM TERAPÊUTICA

Fonte: www.portaleducacao.com.br

Uma Gestalt é produto de uma organização e esta organização é o


processo que leva a uma Gestalt. Com isso é possível refletir que a Gestalt-
terapia é integrar todos esses pedaços e partes rejeitadas e alienadas do Self,
como a personalidade, e fazer da pessoa um todo novamente.
Perls (1951) foi fundador da abordagem Gestáltica e os conceitos que
desenvolveu assumiram papéis de grande originalidade e força. Suas obras
estabeleceram linhas de teoria e proposta clínica.
O estudioso trouxe uma proposta de psicoterapia que se fundamenta em
uma visão holística sobre o homem e a sociedade, constituindo-se em uma teoria
acerca de suas relações. Segundo Alvin (2007), Perls usou como base a
psicanálise freudiana, como primeira formação, e a nova abordagem foi criada a
partir de teorias psicológicas quem vêm sendo estudadas ao longo dos anos, no
âmbito da abordagem, com o objetivo de melhor fundamentar suas origens
históricas e arcabouço teórico. De acordo com Alvin( 2007,p.2):

''Ribeiro (1985), foi o primeiro autor brasileiro a estruturar as teorias e


filosofias de embasamento da Gestalt-Terapia: Psicologia da Gestalt,
Teoria de Campo, Teoria Organísmica, Teoria Holística, Humanismo,
Existencialismo e Fenomenologia, em um trabalho que desenha e
discute os elementos teóricos que sustentam a teoria da Gestalt-
Terapia. ''

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Para que a teoria da Gestalt-Terapia se sustente, esta abordagem conta
com uma ferramenta primordial, que é o diálogo. O diálogo é considerado o
evento relacional em que o sujeito se manifesta, sendo uma interação mais
específica entre pessoas, onde existe um desejo genuíno de encontrar o outro.
De acordo com Hycner (1995), esse diálogo não se restringe somente ao verbal,
e a forma como acontece não é o principal, mas sim a abertura e intenção de um
encontro genuíno e mútuo. É a partir do diálogo que se pode perceber melhor o
indivíduo e se constrói o terapeuta.

Como se constrói a Gestalt na Terapia?

Fonte: www.psicologosberrini.com.br

De acordo com Marcolli (1977), tudo começa com um campo, este é o


conceito básico desta teoria. O campo para o sujeito seria o espaço por onde ele
transita, o lugar que ele estrutura seu ego e o mundo subjetivo. Para entender
melhor é possível fazer uma analogia.
Esta construção de campo seria como uma grande estrada onde nela se
percebe duas pessoas vagando em lados opostos. As duas pessoas estão
distantes, mas vão se aproximando com o tempo. Até que um dia se encontram.
As duas pessoas param, e uma fica de frente para a outra.

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Depois da distância que deturpava a visão de ambas, se mostra a figura
do terapeuta e com ele, as suas técnicas. Diante da distância que deturpava a
visão de ambas, se mostra o cliente, com um enorme conteúdo de informações
sobre a sua vida. Os dois se olham e se analisam como algo novo e estranho. O
cliente olha para o terapeuta de cima a baixo e aproxima a sua mão ao rosto.
O terapeuta faz a mesma coisa, e aproxima a sua mão ao rosto também.
Quando os dois percebem que estão fazendo o mesmo gesto acabam se
identificando. Os dois quebram o silêncio e então riem de si mesmos. Quando
se estabelece um clima onde os dois se sentem à vontade acontece o encontro,
que é mais uma concepção da Gestalt.
Esta pequena metáfora ajuda a compreender um pouco sobre um
universo das grandes possibilidades, em que o terapeuta se permite viver e
demonstrar as suas emoções. Já para o paciente, esta ação pode se construir
como fruto da empatia e assim favorece o relacionamento de ambos no
tratamento Psicológico. Vale ressaltar que esta relação de troca no processo
terapêutico deve ser respeitada de acordo com os princípios éticos sobre a
conduta do Psicólogo.

Fonte: www.abc.es

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Figura e Fundo

Fonte: pt.slideshare.net

Wertheimer, Koftka e Kohlfer (1912) permitem ao Gestalt-Terapeuta


compreender como figura, as necessidades que mobilizam o sujeito para ação,
jamais esquecendo que estas são partes de um fundo e que figura-fundo
unificados formam um todo, que se assemelha ao mundo existencial do sujeito.
Para contextualizar é possível imaginar uma pessoa caminhando por uma longa
estrada durante várias horas. Depois de um certo desgaste, o sujeito não
consegue mais prestar atenção na paisagem em sua volta pois ao sentir-se
cansado, percebe as batidas ofegantes do seu coração e acaba parando para
respirar. Neste momento a figura é o seu cansaço, as batidas rápidas de seu
coração e o fundo é a estrada, o sol, a paisagem, o caminho. Do todo, uma parte
emerge e vira figura, ficando o restante indiferenciado ou em um fundo.

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O Insight

Fonte: culturaanalitica.com.br

A Gestalt-Terapia também trabalha com o Insight que significa ter a


resposta repentina para um determinado problema. Seria como uma luz que
acendesse na cabeça e assim seria possível obter uma saída para solucionar
uma determinada questão. Thorndike (1898) havia publicado nos Estados
Unidos, um trabalho realizado principalmente com gatos e cães, no qual
demonstrava a longa aprendizagem para abrir uma porta, atrás da qual se
encontravam alimentos.
A tradução teórica dessa aprendizagem era a união associativa entre
impressões sensoriais e impulsos motores. A investigação de Thorndike
representava o, entretanto, os experimentos mais interessantes foram aqueles
nos quais os chimpanzés se encontravam numa situação no qual o alimento, a
banana, era posto fora do seu alcance.
Procuravam diversas soluções e repentinamente o desfecho chegava. É
o “Einsicht” ou sua tradução inglesa insight. Essa palavra inglesa foi importada
por diversas línguas, inclusive por nosso português. O critério de insight é o
aparecimento de uma solução completa com relação à estrutura do campo, como
disse Köhler (1917/1927). O chimpanzé, após o insight, realiza genuinamente o

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caminho que leva à solução do problema, inclusive utilizando utensílios para a
nova função ou até inventando-os. Para Ash (1995) e Köhler (1917/1927) o
insight era uma solução momentânea.
Os psicólogos da Gestalt não são nativistas. Entretanto, a solução de um
problema requisita exclusivamente uma reorganização do campo para o sujeito.
O que importa a esses psicólogos são os fatos que emergem no presente. Mas
o termo foi fielmente utilizado por terapeutas Gestaltistas em suas análises e um
dos mais importantes termos utilizados nas psicoterapias.
Deste modo, quando um cliente consegue superar algum problema
dizemos que este “Fechou Gestalt’’ em tradução para a elaboração de alguma
questão que bloqueava o contato do cliente de uma maneira mais saudável com
o mundo externo.

5 APLICANDO A GESTALT-TERAPIA

Fonte: bemblogado.com.br

Como terapia, a Gestalt permite ao terapeuta lançar mão de alguns


conceitos e técnicas no processo de ajuda ao cliente. Estando a Gestalt entrada
no conceito de contato, fala-se muito em “fechar gestalt”, quando o processo foi
adiante e não ficou nada em aberto. Quando fica, quando as gestalts não se

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fecham, é porque ocorreu um bloqueio em uma das fases do ciclo, como postula
Ponciano (1997).
Dentre os bloqueios de contato, pode-se destacar:
 Fixação, o processo pelo qual o sujeito se apega excessivamente a
pessoas, ideias ou coisas, e temendo surpresas diante do novo e da
realidade, sente-se incapaz de explorar situações que flutuam
rapidamente, permanecendo fixado em coisas e emoções;
 Medo de correr riscos; introjeção, que é o processo através do qual o
sujeito obedece e aceita opiniões arbitrárias, normas e valores que
pertencem aos outros, engolindo coisas dos outros sem querer, e sem
conseguir defender seus direitos por medo da sua própria agressividade
e da dos outros – gosta de ser mimado;
 Projeção, processo pelo qual o sujeito possui dificuldade de identificar o
que é seu, atribuindo ao outro, ao mau tempo, coisas de que não gosta
em si próprio, bem como a responsabilidade pelos seus fracassos.
 Desconfia de todo mundo como prováveis inimigos – gosta que os
outros façam as coisas no seu lugar.
Em contraposição aos bloqueios de contato, temos os fatores de
cura, que estão sempre atrelados aos primeiros, destacando-se:
 Fluidez, processo pelo qual o sujeito se movimenta, localiza-se no tempo
e no espaço, deixando posições antigas e renovando-se, mais solto e
espontâneo e com vontade de criar e recriar a própria vida;
 Consciência: processo pelo qual se dá conta de si mesmo de maneira
mais clara e reflexiva, está mais atento ao que ocorre à sua volta, percebe-
se relacionando com mais reciprocidade com as pessoas e coisas; e
mobilização, processo pelo qual sente necessidade de se mudar, de exigir
seus direitos, de separar suas coisas das dos outros, de sair da rotina, de
expressar seus sentimentos exatamente como sente e de não ter medo
de ser diferente.
Ponciano (1997) postula que a ideia do ciclo como processo terapêutico
passa pela compreensão de que o processo da saúde ou da cura possui uma

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lógica, uma sequência na qual uma coisa depende da outra e onde tudo afeta
tudo.
Entretanto, nenhuma pessoa está em um único ponto no Ciclo do Contato,
e sim em vários, seja na direção da cura, seja na direção dos bloqueios, mesmo
porque cada ponto do ciclo contém todos os outros. Por outro lado, a pessoa
geralmente está mais em um ponto do que em outro, por isso se pode dizer que
alguém é mais tipicamente um introjetor, um confluente e assim por diante. Em
relação às técnicas utilizadas pela Gestalt, Ginger e Ginger (1995) colocam que
elas só têm sentido em seu contexto global, isto é, integradas em um método
coerente e praticadas de acordo com uma filosofia geral.
Assim, o essencial da Gestalt não está em suas técnicas, e sim no espírito
geral do qual ela procede e que as justifica. Ginger e Ginger (1995) citam
também algumas das técnicas que a Gestalt usa, como, por exemplo, o exercício
de awareness, que se trata de estar atento ao fluxo constante das sensações
físicas (exteroceptivas e proprioceptivas), dos sentimentos, de tomar consciência
da sucessão ininterrupta de “figuras” que aparecem no primeiro plano, sobre o
“fundo” formado pelo conjunto da situação que se vive e do sujeito que se é, no
plano corporal, emocional, imaginário, racional ou comportamental.
Tem se, também, o hot seat (cadeira quente), uma das técnicas mais
utilizadas pelos gestalt-terapeutas. Coloca-se o cliente diante de uma cadeira
vazia, na qual, conforme sua vontade, ele pode projetar um personagem
imaginário com o qual deseja se relacionar. Esta é uma oportunidade do cliente
expressar o que está preso em sua garganta. Depois, ele se coloca no lugar
desse personagem imaginário e elabora uma resposta para si mesmo.
Geralmente, obtém uma nova dimensão para a sua angústia.
Uma outra técnica, o monodrama se trata de uma variação do psicodrama,
em que o próprio protagonista desempenha, de maneira alternada, os diferentes
papéis da situação por ele evocada (ele mesmo, a esposa, os filhos, o chefe).
Troca sempre de lugar quando for mudar de papel para que a situação fique
clara.

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Essa técnica facilita a encenação do próprio sentimento, à medida que
este emerge da situação, sem interferência eventual na problemática pessoal de
um parceiro anterior, que pode não estar na mesma sintonia, como ocorre no
psicodrama. Por fim, a amplificação, que torna mais explícito o que está implícito,
projetando na cena exterior aquilo o que acontece na cena interior. Permite,
assim, que todos adquiram mais consciência do modo como se comportam aqui
e agora, na “fronteira do contato” com o meio. Além das citadas, existem diversas
outras técnicas e maneiras de se trabalhar em Gestalt-terapia. Isso dependerá
do estilo pessoal de cada terapeuta, de seu modo de ser, uma vez que ser
gestalt-terapeuta está intimamente associado à própria vivência do terapeuta
como humanista, ao modo de perceber o mundo e a si mesmo.
No entender de Erthal (2004), o principal instrumento de trabalho do
psicólogo é ele próprio. Ela defende uma compreensão fenomenológica do
cliente, apoiada na descrição que ele traz para dentro do consultório, na vivência
dele de sua própria situação. Cabe ao terapeuta a função de receptor sem
valores morais (ou seja, neutralidade absoluta), considerando o contexto, a
díade e o sentido certo da comunicação desse cliente.
A interação profissional-cliente nunca pode ser considerada unilateral,
uma vez que existe um impacto que cada parte da díade estabelece na relação.
É pela fala e pela linguagem que as pessoas comunicam seus sentimentos,
pensamentos e intenções. Mas, apesar dessa função social, há ainda a função
egocêntrica, na qual não existe preocupação em saber com que se está falando.
Trata-se de um falar para si mesmo, o que expressa uma forma alienada e
onipotente.
Toda linguagem é uma forma de comportamento interpessoal. A
personalidade do falante está incluída no comunicado pela própria forma sutil ou
discreta como se expressa. Não se pode não comunicar (no sentido de que não
é possível conceber a não-expressão), pois o silêncio, a forte introspecção, já é
em si uma comunicação.
O trabalho do terapeuta é, praticamente, seguir as falas de seu cliente,
mescladas pela criteriosa escolha de cada intervenção feita (ERTHAL, 2004).

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Erthal (2004) articula dez tipos de intervenções para que o terapeuta baseie cada
vivência, cada momento entre ele e o cliente, e assim conduza a sessão sempre
se apoiando na verdade do seu cliente, naquilo o que ele está, de uma forma ou
de outra, trazendo para o âmbito do consultório e para a realidade da terapia.
Dentre as intervenções, pode-se destacar: a refletora de vivências
emocionais (interpretação vivencial), na qual o terapeuta transcende o conteúdo
verbal daquilo que é expresso pelo cliente a fim de obter uma compreensão do
sentimento contido nas formulações e assim expressar esse sentimento de
maneira correta; a inquisitiva, talvez uma das mais usadas, na qual a intenção
do terapeuta é obter dados maiores sobre um determinado assunto, estimulando
o cliente a continuar falando, com especificação do foco de atenção.
As perguntas podem facilitar o campo perceptual do cliente, transmitir o
interesse do terapeuta em pesquisar com mais profundidade o assunto, no
entanto é preciso cuidado para não usar em demasia e banalizar a intervenção.
O psicólogo iniciante geralmente fica ansioso e conduz a entrevista com
um bombardeamento de perguntas que “facilitam” a sua atuação, bloqueando o
fluxo espontâneo da comunicação do cliente, que por sua vez termina se
acostumando a ser indagado e apenas espera pela próxima pergunta; e o
confronto, cujo objetivo é mostrar as contradições que o cliente apresenta, a fim
de possibilitar maneiras novas de se perceber.
As respostas de conteúdo não-verbal facilitam esse confronto ao apontar
para as discrepâncias, como, por exemplo, o cliente relatar algum acontecimento
triste só que com uma expressão de felicidade. Isso demonstra uma
incongruência que pode ser a indicação de alguma coisa com o poder de
acarretar efeitos de significativa mudança no jeito em que a pessoa vê a si
mesma e sente a si mesma na frente do outro. É fácil, por fim, obter a percepção
de que a Gestal-terapia se apoia na relação terapeuta-cliente, dentro de uma
visão holística e, sobretudo, humanista, para alcançar o resultado a que se
propõe – um resgate da harmonia e do bom funcionamento do organismo, em
todos os aspectos (físicos, psicológicos) que o circundam.

25
Segundo Cardella (1994), para que a relação tenha realmente natureza
terapêutica, deve ocorrer o fenômeno do amor, concebido pela autora como um
estado e um modo de ser caracterizados pela integração e diferenciação de um
indivíduo, que lhe permite ver, aceitar e encontrar o outro como único, singular e
semelhante na condição de humano. O amor é a polaridade oposta do
egocentrismo e do sofrimento emocional, o amor é de natureza incondicional, o
que implica a capacidade de amar o diferente e não apenas o semelhante, e,
quando recíproco na relação, proporciona aos indivíduos um sentimento mútuo
(do latim muto, que significa mudar) de plenitude. Além de tornar possível o
verdadeiro Encontro, proporciona também um sentimento de transcendência de
si mesmo e de harmonia com a humanidade e a existência. Envolve fatores como
maturidade emocional, responsabilidade e posse da própria vida, auto
sustentação e independência em relação aos outros.
Nas palavras românticas do grande poeta Dante Alighieri (1265-1321): ‘O
amor me move: só por ele eu falo’. Refletindo sobre o “amor terapêutico”,
Cardella (1994) acredita que na relação terapeuta-cliente o amor pode acontecer
e se manifesta sob características distintas das demais formas de amar.
As atitudes amorosas do terapeuta facilitam o desenvolvimento do
potencial de amor do cliente, devendo ser a base para o trabalho
psicoterapêutico, juntamente com conhecimentos teóricos, filosóficos e técnicos,
sem os quais a relação terapêutica seria, obviamente, descaracterizada. O
trabalho terapêutico é, em si, uma prática de amor, pela qual o terapeuta cria
condições para que o cliente possa ouvir, ver, compreender, aceitar e amar a si
mesmo.
Parafraseando seu próprio conceito de amor, Cardella (1994, p. 59)
define: “O amor terapêutico manifesta-se através de um estado e um modo de
ser caracterizados pela integração e diferenciação da personalidade que nos
permite ver, aceitar e encontrar o outro (cliente) como um ser único, diferenciado,
e semelhante na sua condição de humano”.

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Fonte: www.comportese.com

6 GESTALT-TERAPIA E O SELF COMO CONCEITO OPERACIONAL


FENOMENOLÓGICO

Fonte: www.psicologoroberte.com.br

A Gestalt-terapia é uma abordagem que tem por objetivo a arte do contato.


É através do contato, na promoção de um encontro mais rico e criativo, que o
mal-estar vivido pelo cliente pode ser ampliado e transformado em novas formas
de existência. A terapia, dessa forma, é um espaço para o exercício do contato,
um exercício de troca na vivência da relação entre terapeuta e cliente a fim de

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se expandir a awareness e desenrijecer processos bloqueados do sistema self.
Nas palavras do autor citado acima: “A Gestalt pode ser definida como uma
terapia do contato em ação (...)” (pag. 25).
Os principais autores da Gestalt-terapia, Perls, Hefferline e Goodman
(1951), partem do princípio de que qualquer investigação psicológica, e de todo
o campo do saber das ciências, deve-se considerar o organismo e seu ambiente.
A Gestalt-terapia tem por objeto de estudo, e por finalidade clínica, o limite, a
interação entre organismo e ambiente, entendendo tal fronteira enquanto campo
de presença, e identificando os comportamentos humanos como função dessa
interação. Nas palavras dos autores:

Denominemos esse interagir entre organismo e ambiente em qualquer


função o ‘campo organismo/ambiente’, e lembremo-nos de que
qualquer que seja a maneira pela qual teorizamos sobre impulsos,
instintos etc., estamos nos referindo sempre a esse campo interacional
e não a um animal isolado (1951, p. 42-43).

Para autores citados, organismo e ambiente não são substâncias


distintas, antagônicas em sua natureza, como no pensamento Cartesiano, pelo
contrário, fazem parte do todo organismo/ambiente. O termo fronteira passa a
ideia de um limite “entre”, porém, do contrário, Perls, Hefferline e Goodman
(1951) preferem pensar em um limite “de”. A fronteira-de-contato, onde a
experiência ocorre, não separa o organismo de seu ambiente, mas sim o limita,
o contém, o protege e o diferencia. O Contato é função dessa fronteira.
A experiência, como escrevem Perls, Hefferline e Goodman (1951), é
função, e se dá na fronteira entre organismo e ambiente, sendo, a realidade um
todo organizado, uma Gestalt (com a obtenção de algum significado e a
conclusão de alguma ação). Pode-se dizer, portanto, que o contato “é a realidade
mais simples e primeira, sendo a percepção sensível derivada da experiência da
fronteira, constituindo, esta, uma estrutura unificada”
O contato, em outras palavras, como escreve Perls (1973), pode ser
definido como awareness do campo ou resposta motora no campo; entendido
como tipo de interação que se tem na fronteira num movimento de consciência
(de) e ação (para). Esta interação inclui a awareness da novidade assimilável e

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o comportamento com relação a esta; que pode ser da ordem da assimilação,
ou rejeição: “É na fronteira que os perigos são rejeitados, os obstáculos
superados e o assimilável é selecionado e apropriado”.
Contato pressupõe sempre o encontro com o diferente, sendo que um
organismo vive em seu ambiente por manutenção da sua diferença e por meio
da assimilação do ambiente a sua diferença (Polster, 1979). Fronteira de contato
é o limite onde o organismo se diferencia do meio, se atualiza enquanto diferente,
enquanto singularidade. Diferenciar-se é obter uma relação onde a satisfação
seja mútua, do organismo e do mundo: “O meio não cria o organismo, nem este
cria o meio, cada um é o que é, com suas características, devido ao
relacionamento com o outro e com o todo”
O que é difuso, sempre o mesmo, ou indiferente não é um objeto do
contato (como exemplo pode-se citar os órgãos internos em funcionamento
saudável). O mundo ganha sentido quando os encontros viram contato, ou seja,
na ocasião de mudança, do novo; quando um altera a natureza do outro. O
organismo saudável goza de uma fronteira permeável, o que permite um bom
contato na medida em que a fronteira se expande para o novo.
Todo contato é criativo e dinâmico. Como o organismo não é passivo do
contato –este é espontâneo –o organismo assimila o ambiente. O que é
selecionado e assimilado é sempre novo, sendo que o organismo persiste pela
assimilação do novo, pela mudança e crescimento. No processo de assimilação
o organismo é sucessivamente modificado, assim como o ambiente. Este
processo faz com que o indivíduo se encontre sempre em ajustamento. É pelo
ajustamento criativo que a mudança e o crescimento se dão.
No exercício clínico, como arte do encontro, do contato, toda vez que uma
novidade é percebida no campo, toda vez que se tem um aumento da awareness
na fronteira de contato, uma nova possibilidade é descoberta. Uma nova figura
esta a disposição para o cliente exercer a sua liberdade, e a sua
responsabilidade, na ação frente a este novo horizonte que emerge. Um bom
contato, portanto, é aquele consonante com a formação de uma figura nítida, de
uma gestalt clara, onde se tem awareness acompanhado do comportamento

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motor que se completa, que fecha o ciclo da assimilação levando ao
consequente crescimento. Isto implica numa clínica que não carece de teorias
do comportamento normal, “a própria figura fornece um critério autônomo da
profundidade e realidade da experiência”
O terapeuta tem por missão estimular o contato do cliente tendo a própria
relação terapêutica como guia no aqui-e-agora. É por meio do contato que se
promove awareness do campo e uma resposta condizente com o que o cliente
quer, e com o que o aparece como horizonte de suas possibilidades existenciais.
Segundo Perls, Hefferline e Goodman (1951), todo ato de awareness
exige contato, no entanto, não significa que todo contato impliquei em
awareness. Dessa forma, como escreve Yontef (1993), a awareness pode ser
entendida como fixação da uma gestalten, como um contato pleno; como uma
integração total do campo organismo/ambiente. Contato completo, integrado, no
sentido de haver uma total percepção, da parte de quem percebe, de todos os
elementos do campo organismo/ambiente. É a experiência de minha
pessoalidade como fundo de tudo que acontece na fronteira, no campo de
presença.
Awareness, como escreve o casal Müller-Granzotto (2007a), é processo
de orientação que se renova a cada instante. É uma unidade, uma fixação. Dá-
se a partir de um sentir (entendido como espontaneidade), como abertura para
a nossa “história impessoal”. É formação de gestalten, e acontece no aqui-e
agora, no movimento de formação e dissolução de figuras, consonante com a
necessidade genuinamente emergente. Só existe awareness no contato, na
percepção do campo organismo/ambiente (sempre no presente).
A emergência de uma figura na fronteira de contato, e a decisão do
organismo perante as escolhas que lhe são possíveis diante dessa figura
correspondem ao ciclo de abertura e fechamento de Gestalt. Ciclo este que pode
ser definido como as polarizações do self no encontro com o mundo. Uma
necessidade emergente, algo que seja do foco do interesse do organismo, ao
ser contatada, é uma gestalt aberta, que necessita de movimento para ser
fechada. Contato como percepção (de) e movimento (para), traz consigo a ideia

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de abertura e fechamento de gestalt, de configurações inteiras, através dos
processos envolvidos o ciclo contato, ou, em outras palavras, na dinâmica do
funcionamento do self.
O self pode ser considerado como o principal conceito da Gestalt-terapia.
É em serviço do self, de suas dinâmicas e funções que o contato, o ajustamento
criativo e a awareness são possíveis; sendo os fenômenos de empobrecimento
do contato formas de inibições do sistema self (PHG, 1951).
Dessa forma, toda a teoria da Gestalt-terapia, sua prática clínica, e seu
próprio objetivo são orientados a respeito do sistema self, considerando suas
funções e dinâmicas. Um bom terapeuta deve, dessa forma, ajudar o cliente,
muitas vezes perdido em angústia, a organizar e tomar responsabilidade das
suas escolhas, em outras palavras, ajudar o cliente a completar o ciclo de contato
proporcionando satisfação e crescimento ao self. Mas, para nosso melhor
entendimento, o que é propriamente o self?
A definição para o self encontrada na obra de Perls, Hefferline e Goodman
(1951) é a de que o self é “o sistema complexo de contatos necessário ao
ajustamento criativo” (p. 179).
Ao definir o self como um sistema de contatos que tem a função de
contatar o presente, Perls Hefferline e Goodman (1951) não o entendem como
uma entidade psicofísica, mas sim como um processo, como algo que se dá
através de uma relação, como um acontecimento na fronteira de contato. O self,
para estes autores, é uma dinâmica de trocas energéticas entre o organismo e
o meio, de modo a permitir, por um lado, a conservação de algumas formas de
organização anteriores (junto às quais me experimento como aquilo que
permanece) e, por outro, a destruição de formas antigas e assimilação de formas
novas (o que permite que me experimente como algo integrado ao ambiente).
O self pode ser compreendido, então, como o estado na fronteira de
contato; fronteira esta que pertence tanto ao organismo quanto ao ambiente.
Dessa forma, não se deve pensar o self como uma instituição fixada; ele existe
onde quer que haja de fato uma interação na fronteira, e sempre que esta existir:
“quando se aperta o polegar, o self existe no polegar” (PHG, 1951, p.179).

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Enquanto sistema de contatos o self não é uma regularidade de ações, mas um
continuum que se modifica a cada instante. Ele a cada momento mobiliza, na
forma de excitamento, um fundo (meu passado) que responde ao meu
investimento em forma de figura, como potencialidade, como um horizonte de
futuro.
Na leitura de Perls, Hefferline e Goodman (1951) é claro a identificação
do self como um processo de formação de figura (presente) e fundo (passado).
Para estes autores, o passado não é visto como uma instância imutável, mas
está, também, em jogo, em constante mudança, em constante renovação. Por
conseguinte, numa situação de awareness essa “preteriedade da situação se dá
como sendo o estado do organismo e do ambiente, mas no instante mesmo da
concentração, o conhecido (o passado) está se dissolvendo em muitas
possibilidades”
A dinâmica de formação de gestalt é função do self, uma vez que a
formação de figura dá-se no processo de contato. Nas palavras de Perls,
Hefferline e Goodman: “o self é a força que forma a gesltalt no campo; ou melhor,
o self é o processo de figura/fundo em situação de contato” (1951, p.180).
Em decorrência disso, os referidos autores vão dizer que o self é “a
realização de um potencial” (p180), donde segue a ideia do self como uma
potencialidade engajada. Na medida em que a concentração prossegue-
excitação pela qual o contato se dá- o self se identifica com algumas
possibilidades, alienando-se de outras.
Essas possibilidades, então, são transformadas em figura que emergem,
por sua vez, do fundo de potencialidade. O futuro, o porvir, é a marca efetiva
desse processo, sendo que a identificação e alienação dessas possibilidades, o
surgimento de uma nova figura, é o ajustamento criativo (onde o novo é
assimilado). Nem ativo, nem passivo, mas - espontâneo e engajado numa
situação - são, segundo Perls, Hefferline e Goodman (1951), as principais
características do self. A espontaneidade, segundo os mesmos autores, “é o
sentimento de estar atuando no organismo/ambiente que está acontecendo,
sendo não somente seu artesão ou seu artefato, mas crescendo dentro dele”

32
(Ibidem p.182). Em outras palavras, essa característica do self o identifica a
postura de descobrir-se e inventar-se ao mesmo tempo, agredindo e aceitando
o que é contatado.
Não se trata, pois, da ação do sujeito sobre si, mas da gênese desse
sujeito na ação. Sujeito este que, tendo sua gênese renovada a cada contato, se
surpreende ao perceber o ambiente também renovado a cada encontro. Logo,
para a Gestalt-terapia, um sujeito não é uma interioridade imutável presa a um
passado que o define e que, muitas vezes, o condena.
O sujeito gestáltico é alguém em fluxo, em mudança, que organiza suas
ações (na sorte de ajustamentos) a partir da intencionalidade da sua consciência.
Para além, no que consiste ao método fenomenológico e o self, os autores
MüllerGranzotto (2004, 2007a) identificam as funções e dinâmicas do self como
uma sorte de espontaneidade a luz da noção de temporalidade da
fenomenologia de Husserl.
Para os referidos autores, o self cria estruturas específicas para
propósitos específicos, o que quer dizer que o self de acordo com o foco da
experiência, cria funções específicas, em detrimento de outras. Essas formas
elementares da vivência do self, ou seja, da pura vivência espontânea,
constituem o que Perls, Hefferline e Goodman (1951) vão descrever como
operações, ou funções do self.

6.1 A dinâmica do self e a clínica gestáltica

Quanto a dinâmica do self, suas polaridades e características, é possível


dizer que toda vez que um Gestalt-terapeuta usa o “o que”, o “quando” e o “como”
como perguntas, ao invés do “por que”, está, na realidade, se voltando para as
polaridades das dinâmicas do self em suas frequentes interrupções.

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Para cada função, em correspondente dinâmica, segundo Perls,
Hefferline e Goodman (1951), existem formas específicas de trava, mecanismos
de quebra da espontaneidade do ciclo de formação e destruição de figura.
Em algumas das suas últimas publicações, os autores Müller-Granzotto
(2007b, 2008, 2009), imbuídos na missão de aprofundar as pistas que os
principais autores da Gestalt-terapia criaram, desenvolvem novas contribuições
teóricas e clínicas às originais formas de ajustamentos comprometidos em
espontaneidade e criatividade sugeridos por Perls, Hefferline e Goodman(1951):
os ajustamentos neuróticos, psicóticos, e de aflição.
No entanto, antes de se abordar estas contribuições, é necessário, para
um maior entendimento, uma apresentação mais aprofundada das funções e
correlatas dinâmicas do self. Conforme pensam os fundadores da Gestalt-terapia
- Perls, Hefferline e Goodman (1951) -, o self cria estruturas específicas para
propósitos específicos, o que quer dizer que o self de acordo com o foco da
experiência, cria funções específicas, em detrimento de outras.
Segundo os autores MüllerGranzotto (2007a) a descrição dos processos
que constituem a reedição criativa de nós mesmos no campo
organismo/ambiente (reedição, esta, na forma de um fundo, que se realiza como
horizonte de possibilidades para a figura emergente), ou a descrição do self (que
é a mesma coisa) é a descrição do que há de essencial na experiência. Por essa
razão “Perls e seus colaboradores propõe não uma teoria da personalidade ou
uma metapsicologia, mas uma psicologia formal, que não é senão uma descrição
fenomenológica desse processo de apercepção da própria unidade no mundo –
processo esse a que denominaram self” (MG, 2007a, p. 212, grifos meus).
As três funções (Id, Ego e Personalidade), e as respectivas dinâmicas (pré
- contato, contato, contato final e pós-contato) a elas associadas, são apenas
três pontos de vista diferentes que se pode ter da mesma experiência, que é o
sistema self em funcionamento.
O que significa que no fluxo de awareness (em cada experiência vivida)
pode ser apresentar concomitantemente as três funções, sendo que o que vai

34
conferir maior evidência a uma função do self em prol de outra é a escolha de
quem está a descrever a experiência.
Cada uma das funções do self corresponde a um modo específico de
organização gestáltica (a formação de uma figura em relação a um fundo). Quer
dizer que em cada polarização do self, em cada estrutura, o self tem uma
experiência diferente no sentido de formação e destruição de Gestalt.
Na dinâmica do self, o processo do contatar, é, em geral, uma sequência
contínua de fundos e figuras, cada uma esvaziando-se e emprestando sua
energia a figura em formação, que, por sua vez, servirá de fundo para uma nova
figura.
A função Id é aquela em que o self encontra-se diminuído, disperso. Ela
aparece nos hábitos, e também tem como característica o agigantamento do
corpo. A função id é a retenção, como escrevem Perls, Hefferline e Goodman
(1951), de algo que não se inscreveu como conteúdo: a forma impessoal e
genérica da presença do mundo em mim.
Enquanto hábito, o Id sou eu mesmo, uma expressão do self, ou do
processo de reedição criativa, mas um eu genérico, impessoal, que se manifesta
como uma sabedoria prática, sem uma inscrição, sem uma significação
consciente. Nesta função, o contato se dá quase que a revelia do eu, como o
sono, o respirar (Ginger, 1995, pag.127).
O Id não existe fora do contato, no entanto, minhas experiências no
exercício do contato são, ao mesmo tempo, minhas e inseparáveis do meio. De
modo que minha vivência esta diluída, ou integrada ao meio circulante.
“Enquanto Id sou um corpo, um corpo próprio, que antes de ser conhecido
(representando para mim mesmo), é vivido como volume, como espessura,
como transito entre eu e o mundo” (Müller-Granzoto, 2004, p.3).
Quando o self esta polarizado na função Id a figura não está propriamente
definida. Nesta função, quando muito, a figura é a vivência do hábito, uma
vivência do corpo. Vivência esta no sentido de que nessa função não se tem
propriamente uma dinâmica, mas sim uma inércia.

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Sobre a função Id pode-se dizer, segundo Perls, Hefferline, e Goodman
(1951,) que esta serve como um estado de inércia, de passividade, onde o Ego
pode acolher um dado como figura. Trata-se de um domínio próprio em que um
dado indeterminado surge, onde um excitamento se dá.
A função Ego, por sua vez, é aquela em que o self se encontra ativo,
agindo sobre o ambiente. É nesta função que uma figura clara pode ser
identificada, ou alienada (a partir de um fundo histórico, a função Id), e se tem a
emergência de um significante individual, que é, senão, nossa ação. Conforme
escrevem Perls, Hefferline e Goodman, “[o] Ego é a identificação progressiva
com possibilidades e a alienação destas, a limitação e a intensificação do contato
em andamento, incluindo o comportamento motor, a agressão, a orientação e a
manipulação”.
Cabe ao Ego a inscrição de uma figura num campo genérico de
indiferenciação. O self na função ego está identificado com o interesse ativo
selecionado, e a realidade, aqui, “não é enfrentada de acordo com sua vividez
espontânea, mas é selecionada ou excluída, de acordo com os interesses com
o qual o nos identificamos”
Na função Ego Perls, Hefferline e Goodman (1951) identificam três
dinâmicas: o pré-contato, o contato e o contato final. O pré-contato caracteriza-
se pela apreensão de um dado a partir do fundo de excitamento fornecido pela
função Id em decorrência do acontecimento de algo novo (seja este um estimulo
que de desenvolve como uma emoção, ou uma dor).
Nessa dinâmica, como escrevem os autores acima, “o corpo é fundo, e o
apetite ou algum estímulo ambiental são a figura. Isto é o que está consciente
como sendo ‘aquilo que é dado’ ou o Id da situação, dissolvendo-se em suas
possibilidades; (...) essas excitações ou pré-contato iniciam o excitamento do
processo figura/fundo” (p.208).
No contato se tem a deliberação, por meio da qual o self se polariza na
função Ego. O excitamento, dessa forma, torna-se fundo enquanto o conjunto de
possibilidades figura. A deliberação pode ser entendida um ato de identificação,
com uma possibilidade do meio que vem a satisfazer a necessidade do

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organismo, ou a alienação, a fuga, de um acontecimento perigoso. Opera no
sentido de escolha dessas possibilidades, resultando na formação de uma figura.
Neste processo é onde ocorrem as emoções: a “awareness integrativa de uma
relação entre o organismo e o ambiente” (PHG, 1951, p. 212).
A emoção e sentida concomitantemente como uma manipulação potencial
do ambiente, é a condição corporal que o organismo se encontra. As emoções
são importantes, segundo os autores citados, pois na sequência de fundos e
figuras elas assumem o comando da força motivadora dos apetites e anseios,
das identificações ou fugas (que é realizada na polarização do self no processo
do contato final); daí a importância de checa-las, por parte do clínico, no
processo terapêutico.
A função Personalidade trata-se, para Perls, Hefferline e Goodman
(1951), de certa generalidade (não perceptiva) na qual o self se sedimenta,
tornando-se uma identidade histórica. É a representação que o sujeito faz de si
mesmo, sua autoimagem, que lhe permite reconhecer-se como responsável pelo
que sente, e pelo que faz (Ginger, 1995). É por meio da função Personalidade,
que experimentamos nossa capacidade de reconhecer nossas representações,
nossa identidade, e, caso nos perguntem, serve de fundamento pelo qual seria
possível explicar nossos comportamentos.
Nesse sentido, Perls, Hefferline e Goodman dizem que a função
Personalidade é “a figura na qual o self se transforma e assimila ao organismo,
unido-a com os resultados de um crescimento anterior” (1951, p. 184). A
autoconsciência da função Personalidade é autônoma, responsável no
desempenho de um papel numa situação concreta. É importante, todavia,
ressaltam os últimos autores citados, não confundir autonomia com
espontaneidade.
O que os autores citados querem dizer com autonomia é a capacidade de
escolher livremente. Liberdade esta proporcionada pelo fato da base da
atividade já fora obtida de antemão, ou seja, “nos comportamos de acordo com
o que somos, isto é, com o que nos tornamos” (Ibidem p. 188). Nesse sentido, a
personalidade pode responsabilizar-se na medida em que o self criativo não

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consegue. Por que, como escrevem os mesmos autores, a responsabilidade é o
preenchimento de um contrato. Portanto, a “personalidade é a estrutura
responsável do self”.
Todavia, a consistência dessa identidade está em jogo, é perfurada pelo
vazio do hábito (a função Id) e ultrapassada pelas criações da função Ego (pelo
material sempre novo advindo do contato).
A dinâmica da experiência enquanto um processo que responde a
diferentes formas de discrição estar intimamente ligada com as estruturas das
funções do self. Quando o self se polariza numa ação, momento em que ele faz
algo, tem-se o contato final. No contato final, como escreve Perls, Hefferline e
Goodman (1951), “o self esta absorvido de maneira imediata e plena na figura
que descobriu-e-inventou; no momento não há praticamente fundo.
A figura incorpora todo o interesse do self, e o self não é mais nada que
interesse presente. De modo que a figura é o self” (p.220). Aqui a figura
descoberta é nítida e presente, sendo o ambiente e o corpo, desprovidos de
interesse. A awarensess, segundo os mesmos autores, está no seu ponto mais
radiante, concentrada no objeto eleito. Depois que o excitamento foi atenuado
pela ação ego, o self pode relaxar, isto é, polarizar-se numa representação;
regida, esta, pela cultura daquilo que ele próprio fez. Esta é a dinâmica do pós-
contato, onde o self encontra-se diminuído, e assume a função personalidade.
Segundo os autores Müller-Granzotto (2007b), a procura pelas funções
comprometidas do sistema self deve ser o foco da ação do terapeuta, do
contrário de investigações por dados, por conteúdos, muitas vezes intrusivos e
não condizentes com uma postura processual, fenomenológica de ser
compreender a clínica.
Para os referidos autores, que preferem o uso de novas nomenclaturas
para as interrupções do sistema self (respectivamente ajustamento evitação, de
busca e ético-político), clínico em Gestalt-terapia deve, uma vez diante do
cliente, perceber o lugar que é convidado a ocupar, tornando o apelo (ou a sua
falta) do cliente uma voz clareza aos processos de inibição que muitas vezes
estão por trás de suas queixas.

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Na clínica gestáltica cabe ao clinico, portanto, segundo os autores citados
acima, “pontuar” os momentos em que inibições do ajustamento criador são
percebidas na relação terapêutica, não diferenciando o trabalho de intervenção
do trabalho de investigação (“diagnose”) das funções comprometidas do sistema
self. Tal pontuação nada mais é do que a devolução, e a implicação do cliente
em seu próprio processo, sendo o tempo clínico da Gestalt-terapia o aqui-e-
agora.
O foco no momento presente, na relação genuína entre terapeuta e
cliente, como esfera temporal da Gestalt-terapia, revela seu caráter diferenciado
e inovador. Diferentemente de outras abordagens, nem o passado, nem o futuro,
muito menos um cronograma linear de passos necessários, são postos em
prática na clínica Gestáltica. Pelo contrário, o tempo na Gestalt-terapia é o tempo
necessário para o contato fluido e espontâneo aparecer como possibilidade para
o cliente, sendo o objeto da experiência clínica, como escreve os autores Müller-
Granzotto (2007b) a “própria vivência atual da inibição, ou realização [...] do fluxo
de contato temporal na atualidade da sessão” (p. 171).
Em cada ajustamento onde uma inibição, a sua maneira, limita a
experiência de espontaneidade e completude do sistema self a partir de
dinâmicas específicas, efeitos são observados, sendo necessárias intervenções
pontuais, de forma a que as repetitivas e dolorosas formas de interrupção do
livre fluir do sistema self sejam reescritas e que novas possibilidades possam ser
postas em prática. Dessa forma, os autores Müller-Granzotto (2007b, 2008,
2009) propõe formas específicas de intervenção para cada forma de inibição do
sistema self. Contudo, como deixa claro o referido casal, para a Gestalt-terapia,
do contrário das ciências médicas, por exemplo, os diferentes ajustamentos,
mesmo entendidos como comprometimentos de diferentes funções e
demandarem intervenções diferentes, não correspondem a uma exclusão, ou
classificação da pessoa como pertencente a um determinado tipo, ou forma de
ser.
Os comprometimentos, segundo Müller-Granzotto (2007b) constituem um
sistema único, sendo possível um mesmo cliente, em diferentes momentos, em

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função do campo de possibilidades, que sempre se atualiza no contato,
experimentar e por em ação as três formas de ajustamento disfuncionais. Cabe
deixar claro, mais uma vez, tendo em vista o objetivo do presente trabalho, que
Perls, Hefferline e Goodman (1951) afirmam que esta tipologia apresentada não
é uma classificação de pessoas anormais, mas um método de decifrar a
estrutura de um comportamento único.
Para a Gestalt-terapia, como escreve Müller-Granzotto (2004) não
interessa os motivos dessas interrupções. Explicações universais não é o
objetivo da descrição dos ajustamentos disfuncionais, mas sim, “sinalizar como
algo, que não é da ordem de nossa materialidade, que não retorna enquanto
horizonte” (p.13). Ao invés de se construir uma gênese teórica das neuroses,
psicoses e aflições, Perls, Hefferline e Goodman vão preferir descrever a forma
ou a orientação específica da relação, da dinâmica da fronteira; descrever a
relação entre meus horizontes temporais (fundo) e os dados no campo de
presença.
A Gestalt-terapia como psicologia formal, interessa-se, pois, na descrição
dos comportamentos no sentido de como são vividos. A clínica na Gestalt-terapia
trabalha à luz dos processos do self, tendo como método a descrição, por parte
do cliente das suas vivências. A terapia visa ajudar o cliente a restabelecer a
awareness de seu próprio funcionamento, a fim de que o cliente possa
transcender a forma de ajustamento em que está aprisionado.
A tarefa do terapeuta, segundo Perls, Hefferline e Goodman (1951) “é
apenas propor um problema que o paciente não esteja resolvendo de maneira
adequada, e se estiver insatisfeito com seu fracasso; nesse caso, com ajuda, a
necessidade do paciente destruirá e assimilará os obstáculos, e criará hábitos
mais viáveis”.
Os ajustamentos neuróticos, primeiramente, segundo Perls, Hefferline e
Goodman (1951), podem ser entendidos como “a perda das funções de Ego para
a fisiologia secundária sob a forma de hábitos inacessíveis” (1951, p. 235). O
comportamento neurótico, segundo os mesmos autores, também é um hábito
(resultado de um ajustamento criativo), no entanto, é um hábito que não entra no

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campo de contato, pois não apresenta nada de novo. Como se trata de uma
interrupção na dinâmica do self, essa experiência, esse ajustamento, não flui,
não se atualiza. Esse hábito passa, então, a fazer parte do corpo, não do self.
Como perda das funções do Ego, a neurose implica na confusão do agir
no campo de presença organismo/ambiente. Nesse caso, a função Ego não
consegue criar, para o dado, nada de novo (por vezes ela nem consegue admitir
a existência do dado), e segundo Perls, Hefferline e Goodman (1951), o Ego
nada pode fazer senão deliberar em função da inibição de sua ação. Nas
palavras de Perls, Hefferline e Goodman (1951):

A neurose é a evitação do excitamento espontâneo e a limitação das


excitações. É a persistência das atitudes sensoriais e motoras, quando
a situação não as justifica ou de fato quando não existe em absoluto
nenhuma situação-contato, por exemplo, uma postura incorreta que é
mantida durante o sono. Esses hábitos intervêm na auto regulação
fisiológica e causam dor, exaustão, suscetibilidade e doença.
Nenhuma descarga total, nenhuma satisfação final: perturbado por
necessidades insatisfeitas e mantendo de forma inconsistente um
domínio inflexível de si próprio, o neurótico não pode se tornar absorto
em seus interesses expansivos, nem levá-los a cabo com êxito, mas
sua própria personalidade se agiganta na awareness: desconcertado,
alternadamante ressentido e culpado, fútil e inferior, impudente e
acanhado, etc. (p.235-6)

Como dinâmica na fronteira de contato, a neurose, segundo o casal Müller


Granzotto (2004), pode ser entendida sob a ótica das relações figura e fundo,
por conseguinte, como um evento temporal. Segundo Perls, Hefferline e
Goodman (1951), na neurose o self está inibido, isto é, incapaz de conceber a
situação vivida como processo, e preso num passado que intervém impedindo
as diversas dinâmicas temporais de contato (pré-contato, contato, contato final
e pós-contato).
A inibição do self tem como efeito mecanismos que são correlatos às
diversas polaridades das dinâmicas expostas, como explicam Müller-Granzotto
(2007a, 2007b). A saber, segundo estes autores, a cada dinâmica do sistema
self se tem, respectivamente, como ajustamentos disfuncionais característicos a
confluência, a introjeção, a projeção, a retroflexão, e, por fim, o egotismo. No que

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consiste aos ajustamentos neuróticos, Müller-Granzotto (2007b) propõe duas
formas de abordagem, de intervenção, que o Gestalt-terapeuta deve executar: a
frustração habilidosa, o uso de experimentos.
Na primeira, utilizada com maestria por Perls, o terapeuta deve-se colocar
na posição de não aquecer aos pedidos, aos apelos do cliente, visando
estabelecer uma relação de campo que tem como meta instaurar uma situação
de contato que possa trabalhar “por um lado, a inibição reprimida (que está a
atuar nos ajustamentos neuróticos) e, por outro, a angústia característica da
presença de algo que se repete na função Id” (Müller-Granzotto, 2007b, p. 176).
É esta, pois, “habilidosa” por ser necessário, em primeiro lugar, que esteja
estabelecida em um contexto no qual o cliente esteja protegido, e, em segundo
lugar, que esteja, também, eticamente comprometida com a autonomia da
função Ego no cliente.
O uso de experimentos, individuais e espontâneos, que,
necessariamente, não são prioridade da clínica dos ajustamentos neuróticos,
são sempre pautados no aqui-e-agora, e no trato da relação terapêutica. Os
experimentos são ferramentas úteis no sentido de ajudam o cliente, muitas vezes
depois de graves comprometimentos da função de Ego, a articular por conta
própria uma situação de contato. É, enquanto reabilitação da função ego, aquilo
que introduz uma novidade que, muitas vezes, nem o clínico, nem o cliente
podem esperar.
Quanto aos ajustamentos psicóticos e aos ajustamentos de angústia,
Müller-Granzotto (2008, 2009) apresenta notória contribuição expandindo as
noções de tais processos, bem como das intervenções possíveis.
No que se consiste aos ajustamentos psicóticos, que os referidos autores
preferem chamar de “ajustamentos de busca”, o que se evidencia é um tipo de
ajustamento criador em que a função Ego opera em função da ausência do fundo
temporal de vivências que a função Id espontaneamente não reteve, ou não pode
articular. Sem a base da função Id, que, fenomenologicamente, fica indisponível
em suas operações fundamentais, como escreve mais uma vez os referidos
autores (2008), a saber, a retenção (formas de orientações habituais) e a

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repetição (fundo disponível para um novo dado), a pessoa, apresenta uma
desprovida de “motivos” para lidar com um dado na fronteira de contato,
apresentando uma “rigidez”.
Como também é um ajustamento criador, por conseguinte, no
ajustamento de busca, a pessoa vive, frente às condições de campo possíveis,
uma relação atípica da função Id. Esse processo, como escreve o casal Müller-
Granzotto (2008), leva a função ego à procura no dado (no percebido) o
excitamento que a função Id não forneceu. Nessas circunstâncias o sistema self
inventa histórias que ele não pode reter, ou espontaneamente arranjar.

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