Da inconveniência do ceticismo político e do voto livre como ato «est-ético»: um poema
político para os tempos vindouros
Mas na filosofia política o agnosticismo anula-se a si próprio (...), potencialmente, todos temos algo a dizer, senão através do voto, então dando a conhecer as nossas opiniões através do debate e da discussão, quer na arena pública quer na forma «subterânea». Aqueles que preferem não participar verão as decisões políticas serem tomadas por si, quer gostem deles quer não. Nada dizer ou nada fazer é, na prática, dar aval à situação actual, por insatisfatória que seja. (WOLFF, Jonathan., 2004:15). Quando se aproximam as Eleições Autárquicas de 2020, ouve-se com frequência, juízos como os que se seguem: “Eu não vou votar porque...; “Eu não tenho nada a ver com a política”; «Nas próximas eleições…vou pedir…”; “Eu já votei muitas vezes, mas ainda não recebi nada…”. O que poderá estar por detrás destas afirmações tão comuns neste momento político em que se espera por um “juízo final” em cada um dos 22 Municípios cabo-verdianos? Tantas outras perguntas poderiam ser formuladas acerca dessas eleições, que se afiguram como um teste decisivo para o futuro da vida democrática dos municípios cuja maturidade vai ser, mais uma vez, posta à prova. Ora bem, a condição política moderna e pós-moderna é caracterizada, fundamentalmente, pela sua exposição pública nos meios de comunicação social e, por uma sociedade insatisfeita. O espaço público actual é, neste sentido, mais virtual do que real, pois, depende das possibilidades e «factos» virtuais criados pelos media e pelas contingências circunstanciais da nossa era de “sociedade digital”. Hoje, e desde sempre, os media são um poder dentro do poder político. Essa relação é de tal maneira co-dependente, que a batalha política e o pathos do discurso político vêm se tornando, cada vez mais, uma batalha de informação, formação, contrainformação, desinformação, e manipulação da opinião pública. Entre aqueles, que celebram o pactum político há, sempre, os insatisfeitos, muitas vezes, classificados como anti-sistemas ou desalinhados. A democracia tem desses inconvenientes: a minoria surge, muitas vezes, marginalizada e excluída e, facilmente se adota todos os procedimentos utilitaristas e demagógicos, para dar azo aos gostos e fantasias da maioria. Um dos riscos maiores da democracia representativa é o dela se transformar numa espécie de “ditadura da maioria”. No limiar do momento decisivo para o país real que é o nosso (o estado da nação quase ou nunca coincide com a nação do Estado), há que lembrar aos cidadãos, que votar é um dever político pleno de desinteresse pessoal e, neste sentido, um ato «est-ético», pois aqueles que se apresentam como “os que nada têm a ver com a política e que, por isso, não vão votar” deveriam invocar a seguinte questão cuja resposta oferece, de imediato, uma resposta, com fundamentos éticos, ao ceticismo político. Se alguém é cidadão de um Estado ou Nação pode, realmente, não ter nada a ver com a política? Todos deveriam agir dessa forma (não votar)? É desejável a não-participação na vida política? Será a melhor atitude não se posicionar nem a favor nem contra numa espécie de recurso à “terceira via”(a de abstenção) ou ataraxia (imperturbabilidade) política? Uma coisa é não gostar ou estar dececionado com a política, outra bem diferente é ser-se cidadão, o que implica ser membro de uma comunidade política e nos obriga a ter deveres para com ela. Bem, a abstenção é, como se sabe, mesmo nos países democríticos mais avançados do mundo, um dos maiores problemas da democracia, facto que se deve, em parte, à exposição do mundo político nos media. Longe de querer dizer que tal fenómeno se deve aos media, quero tão simplesmente, dizer que os media expõem, a todo instante, os factos da vida política, de tal forma, que se tornam banais e, por conseguinte, popularmente, desacreditados como nos ensinou a comédia desde as suas origens. A abstenção é, em parte, um fenómeno resultante dessa exposição, cada vez, mais sistemática, da vida política nos media, que demostra, muitas vezes, alguns políticos como pessoas mais interessadas na sua causa do que nas causas da Nação, do Município ou do Estado. É, igualmente, resultado da não identificação política, pois muitos cidadãos não se reveem nos partidos políticos, nos seus programas, práticas, ideologias e nos seus líderes, que deveriam ser verdadeiros speculum (espelhos) da cidadania política. Bem, para lá de todas as razões, que se possam encontrar para se ser contra ou a favor da decisão de votar, há que ter em conta o lugar da paixão política, i. e, do gosto e do desgosto na política. Basta escutar um certo ar de fanatismo com que certos simpatizantes alegam a sua ligação a um partido ou uma candidatura e o seu total desprezo, quase no limite de ódio, pelos partidos e candidaturas adversárias, na verdade muitas vezes, tidos como inimigos públicos. Já não diziam Carl Schimit (O Conceito do Político), que a essência do político é feita da relação amigo-inimigo e Carl Von Clausewitz (Da Guerra), que a política é continuação da guerra por outros meios? Na verdade, mil e umas razões podem estar por detrás do ceticismo político (o desgosto, a imagem desgastada da vida política nos media, a ineficiência das políticas, as promessas não cumpridas, a fraca imagem dos líderes, os escândalos, as injustiças, etc.), mas votar é um ato est-ético (ético e estético). É um ato ético-moral, que deve ser livre e desinteressado, ou melhor, unicamente, comprometido com a causa, que é a Nação/Cidadania/Município, pois, salva-guardando a nação ou Município, salva-se, também, os indivíduos ou cidadãos e munícipes, que dela fazem parte, o que não deve ser confundido com a exaltação do espírito nacionalista, patriótico nem com a apologia do ideal liberal do individualismo. Por isso, as tentativas de compra de consciência devem ser substituídas pela força dos argumentos e discursos persuasivos dotados de ética, da moral, pelo compromisso e respeito mútuo, e não pelos discursos ad homini (ataques pessoais) ou a vergonhosa compra de votos, que é um escandaloso atentado contra a liberdade de pensamento e de escolha, próximo do limiar da “prostituição política”. Dessa forma, os discursos políticos dos tempos, que se seguem deveriam não só ser éticos, mas também estéticos e legais. Quando se vota pelo gosto, pela convicção e de forma livre, este gesto torna-se num “ato est-ético”, logo, uma gesta. Que assim seja a idealidade, que regule a realidade política nos próximos tempos: ou seja, Que ninguém ouse comprar a consciência do outro, Que a consciência de cada um seja um espaço de recepção e emissão De argumentos persuasivos, convincentes, sinceros e ajustados. Que a mente de cada cidadão esteja prenhe de justiça, lealdade e amizade, Que a justiça e a prudência reinem no espírito sensível de cada cidadão e cada político Que cada um descubra em si o dom político, que existe nele de encontrar o outro em si E, que, a partir de si, saiba colocar no lugar de todos os demais semelhantes cidadãos Para puder julgar com justiça e verdade e, aceitar os juízos alheios. Que nessas eleições haja o encontro da ética com a estética e o Direito, Que a vitória seja a da «vontade geral» dos cabo-verdianos, de hoje e de amanhã. Que cada um tenha em mente, que o seu voto ou abstenção irá marcar O destino destas ilhas, que fazem este “Cabo Verde de esperança”. E, que este “Cabo Verde de esperança” gere e seja um “Cabo Verde sustentável”. Que todos reconheçam e combatam os inconvenientes da não participação política, Que a beleza e a responsabilidade do ato de votar esteja na mente de todos, Que a política tenha um carácter poiético e pedagógico E, cada cidadão saiba escolher democrática e livremente o seu Candidato. É assim, que a estética (Beleza) se encontra com a ética (Bem) e com a política (exercício coletivo do poder).