Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
LANA, 2011. Resenha VIGARELLO - As Metamorfoses Do Gordo
LANA, 2011. Resenha VIGARELLO - As Metamorfoses Do Gordo
VIGARELLO, G. Les métamorphoses du gras: histoire de l’obésité. Paris: Éditions Du Seuil, 2010.
(A)
Lígia Campos de Cerqueira Lana
Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Comunicação da UFMG; bolsista da Capes no Brasil e do CNPq na École des Hautes
Études en Sciences Sociales, em Paris (2009-2010); pesquisadora do GRIS (www.fafich.ufmg.br/gris); Mestre em Comunicação e
Sociabilidade Contemporânea pela UFMG (2007), Belo Horizonte, MG - Brasil, e-mail: ligialana@gmail.com
explicitam contrastes entre corpos, por meio do redução do peso passam também a ser registrados
realismo das silhuetas, que podem atestar o poder a partir dos séculos XVI e XVII, com a sugestão de
dos nobres ou ridicularizar personagens. “O uso de limão e vinagre, adoção de práticas de com-
universo de imagens dissemina diferenças segundo pressão e de roupas como corseletes para contrair
aspecto e espessura. O volume do corpo parece as carnes e diminuir os volumes. As indicações do
existir de outra maneira, impor seus ‘defeitos’, sugerir peso do corpo ainda são muito raras nessa época; a
seus excessos” (p. 48). O discurso verbal também menção ao peso destina-se aos animais à venda, feito
se modifica nessa época. Um regime prescrito por de maneira intuitiva e associado à cor do pelo, à idade
Conrad Heingarder em 1430 para Jehan de la Goutte, e à ascendência. Alguns registros de clínica médica
por exemplo, usa a expressão “gordo” e não mais trazem o peso dos pacientes, medido por meio do
“muito gordo”, como até então denominam-se os número de livros: “Daniel Sennert, em 1635, detém-
corpos mais preocupantes. -se sobre dois exemplos característicos: uma mulher
Esses registros do fim da Idade Média de Strasbourg de 36 anos pesando 480 livros (240
acenam para a grande ruptura da Modernidade em kg) e incapaz de se deslocar, e um homem pesando
relação à compreensão da gordura corporal. A segunda mais de 400 livros (200 kg)” (p. 107). No entanto, no
parte do livro é dedicada a esse debate: os “patetas” dia a dia, ainda não há a preocupação com o peso.
modernos são personagens que, em função do vo- A terceira parte do livro abrange o período
lume do corpo, se envolvem em situações ridículas, do Iluminismo, que, em linhas gerais, abandona a
porque são incapazes de realizar atividades simples. concepção irônica do pateta para reforçar a impotên-
A preguiça, a inutilidade e a indolência são alguns cia do corpo gordo. Os cientistas começam a buscar
dos conjuntos de características estigmatizadas no aparelhos e instrumentos para medir o peso. Georges
registro dos corpos, que passa a valorizar traços mais Vigarello ilustra as primeiras invenções com exemplos
magros. Em 1528, por exemplo, a palavra “leve” estranhos e curiosos, que buscam precisar as grada-
aparece como qualidade esperada do cortesão no Le ções das medidas da gordura corporal. No contexto
livre du courtisan, de Baldassar Castiglione. Por outro de busca por características mais precisas dos corpos,
lado, personagens literários como Gargantua, de opõem-se pela primeira vez a gordura corporal de
Rabelais, e Sancho Pança, de Miguel de Cervantes, homens e mulheres e, da mesma maneira, das classes
contrapõem-se ironicamente ao afinamento da mo- sociais. Estigmatiza-se a ineficiência do corpo gordo:
dernidade, simbolizando a resistência, mas também a palavra “obesidade” como uma patologia humana
confirmando a nova perspectiva. começa a ser usada com mais frequência e a gordura
As descrições médicas passam a fazer aler- corporal se torna um empecilho à experiência no
tas: “gravidade insuportável” e “gestos dificultados” mundo – questão vista de maneira negativa, já que
são sintomas preocupantes; os estudos voltam-se à a época valoriza o empirismo.
observação conjunta dos olhos, batimento cardíaco, Em relação à anatomia humana, a descoberta
velocidade do movimento, aspectos do sono, entre das fibras musculares participa da compreensão da
outras manifestações. A curiosidade em relação às impotência do corpo gordo. Junto a isso, as receitas de
formas corporais é observada também nas imagens emagrecimento, que antes eram apareciam de maneira
e no discurso verbal. As pinturas do Renascimento tímida, tornam-se mais difundidas. Sabonetes dissol-
confirmam o interesse em precisar corpos “reais” e ventes de gordura, purgantes e vinagres são utilizados
“naturais” em oposição aos “extravagantes” e “fora da para que o alimento não permaneça no corpo obeso.
norma”. Georges Vigarello sublinha em personagens, Surgem também os tônicos, comercializados pela
como o monge de Jerome Bosch (em Le chariot de foin, primeira vez em aproximadamente 1760, os banhos
1485-1490), o bruxo de Urs Graf (em Le sabbat des emagrecedores (frios ou quentes) e os exercícios físi-
sorcières, 1514) e a jovem Hélène Fourment de Rubens cos. A preocupação com a alimentação dos obesos
(em Le jardin d’amour, 1630), elementos que atestam a consolida-se nos regimes e nas dietas, por meio da
exploração dos formatos dos corpos. indicação de alimentos secos, vegetais “estimulantes”
Na mesma época, segundo o autor, surgem e diminuição do consumo de carne. Nesse sentido,
novas palavras para definir melhor as variações durante o século XVIII, desenvolve-se pela primeira
das formas corporais. Os regimes e as fórmulas de vez o debate em torno da ingestão de carne.
Referências
BOSCH, J. Le chariot de foin. 1485-1490. 1 quadro.
Madrid: Museu do Prado.
GRAF, U. Le sabbat des sorcières. 1514. 1 quadro.
Viena: Academia Albertina.
RUBENS, P. Le jardin d’amour. 1630. 1 quadro.
Madrid: Museu do Prado.
Recebido: 22/03/2011
Received: 03/22/2011
Aprovado: 08/06/2011
Approved: 06/08/2011