Indexada em:
BBE – Biblioteca Brasileira de Educação (Brasília, Inep)
EDUBASE – UNICAMP
CLASE – Universidad Nacional Autónoma de México
LATINDEX – Directorio de publicaciones cien ficas seriadas de America La na, El Caribe,
España y Portugal
Missão Salesiana de Mato Grosso
UNIVERSIDADE CATÓLICA DOM BOSCO
Ins tuição Salesiana de Educação Superior
SÉRIEͳESTUDOS
Periódico do Programa de Pós-Graduação em
Educação da UCDB
Conselho Cienơfico
Ahyas Siss – UFRRJ José Luis Sanfelice – UNICAMP
Amarílio Ferreira Junior – UFSCar Luís Carlos de Menezes – USP
Belmira Oliveira Bueno – USP Maria Izabel da Cunha – UNISINOS
Celso João Ferre – UTFPR Marilda Aparecida Behrens – PUCPR
Graça Aparecida Cicillini – UFU Romualdo Portela de Oliveira – USP
Emília Freitas de Lima – UFSCar Sonia Vasquez Garrido – PUC/Chile
Gaudêncio Frigo o – UERJ Susana E. Vior – Universidad Nacional de Luján
Hamid Chaachoua – Université Joseph Fourier (UNLu)/Argen na
(UJF)/França Valdemar Sguissardi – UFSCar/UNIMEP
Iara Ta ana Bonin – ULBRA Yoshie Ussami Ferrari Leite – UNESP
Direitos reservados à Editora UCDB (Membro da Associação Brasileira das Editoras Universitárias –
ABEU):
Coordenação de Editoração: Ereni dos Santos Benvenu
Editoração Eletrônica: Glauciene da Silva Lima
Revisão de texto: Maria Helena Silva Cruz / Afonso de Castro
Bibliotecária: Clélia Takie Nakahata Bezerra – CRB n. 1/757
Este editorial, com muita tristeza, dedicamos a uma companheira que durante
quase três décadas foi docente da UCDB. Nesse período, dentre outras inúmeras
a vidades, foi cofundadora e editora desta revista, foi coordenadora do PPGE-UCDB
por mais de seis anos e criou e coordenou o GEPPES, grupo de pesquisa referência
na área de polí cas públicas, em âmbito regional e nacional. Estamos falando de
Mariluce Bi ar, colega que nos deixou no início do ano. Seu falecimento ocorreu
no dia 18 de fevereiro de 2014. Apesar de sua doença, diagnos cada alguns meses
antes, tudo aconteceu de forma abrupta, deixando um vazio muito grande em nossos
corações e em toda a comunidade acadêmica. Sua incansável dedicação, seriedade
e compromisso polí co com seu trabalho educa vo certamente não terão como ser
igualados, mas há um imenso desejo polí co e pedagógico em dar con nuidade à sua
luta, pela qual, como pudemos testemunhar, ela comprome a seu tempo familiar
e pessoal, entre outros. Para a professora Mariluce Bi ar, o compromisso com as
causas educacionais, sobretudo com os grupos historicamente excluídos, sempre
foi prioridade, haja vista as inúmeras publicações que resultaram de seu trabalho
em relação à expansão da educação superior, como forma de destacar e valorizar a
democra zação da educação neste nível, bem como as reflexões produzidas sobre
as ações afirma vas que sempre ra ficaram o necessário fortalecimento da demo-
cracia e dignidade dos grupos socioculturais excluídos.
Dedicamos a ela este número da revista, que apresenta um dossiê sobre
“Inter/mulƟculturalidade e formação de professores”, temas em que ela também
se fez presente, discu ndo, defendendo os interesses dos excluídos, conforme já
dissemos anteriormente, e lutando para a construção de um mundo “onde caibam
todos os mundos”. Lembramos, inclusive, que este é o quinto dossiê, resultado
dos Seminários Internacionais Fronteiras Étnico-culturais e Fronteiras da Exclusão.
O editorial do quarto dossiê foi feito pela própria Mariluce Bi ar, confirmando sua
ar culação com essas temá cas. Ela apresentou, na época, o histórico dessa série
de dossiês, ressaltando a importância da temá ca. Nas palavras de Mariluce Bi ar:
O primeiro dossiê, dessa série de quatro, foi publicado em 2003, quando o
Programa de Pós-Graduação em Educação da UCDB definia a proposta de im-
plantação da Linha de Pesquisa “Diversidade Cultural e Educação Indígena”. Em
2006, foi publicado o segundo dossiê, in tulado “Fronteiras Étnico-culturais e
Fronteiras da Exclusão”, que reuniu os textos do Seminário de mesmo tulo,
organizado pela Linha de Pesquisa que, naquele ano, acumulava uma consis-
tente produção cien fica na área dos estudos culturais. Em 2009, ocorreu a
publicação do terceiro dossiê, denominado “Educação e Interculturalidade:
mediações conceituais e empíricas”, e, em 2011 a Série-Estudos torna público
o quarto dossiê, in tulado “Fronteiras”. (BITTAR, 2011, p. 02).
O Dossiê deste número, “Inter/mul culturalidade e formação de professores”,
organizado pela professora Adir Casaro Nascimento e pelo professor José Licínio
Backes, ressalta entre outras coisas, como destaca a Professora Adir Casaro Nasci-
mento na apresentação, os saberes outros que estão presentes no nosso co diano
acadêmico e a importância de “[...] registrar os impactos conceituais e iden tários
que os estudos nos provocam”.
Além do dossiê, são apresentados o Ponto de Vista “Interferências culturais:
@ pesquisador@ integral na vacuidade amorosa” e 10 ar gos, que fazem parte
da demanda con nua e que também possibilitam reflexões sobre a educação e
a sua complexidade. Eles versam sobre aspectos de formação, trabalho docente,
educação especial e avaliação, entre outros. O primeiro, in tulado “Papel dos for-
madores, modelos e estratégias forma vos no desenvolvimento docente”, de Ana
Ignez Belém Lima Nunes e João Ba sta Carvalho Nunes, apresenta uma discussão
sobre o papel do formador na formação con nuada e delineia algumas propostas
para a melhoria dessa formação.
O segundo ar go, “Necessidades forma vas dos professores do ciclo I do
Ensino Fundamental de Presidente Prudente, SP: uma contribuição para o desen-
volvimento profissional do professor”, de Carla Regina Calone Yamashiro e Yoshie
Ussami Ferrari Leite, apresenta uma análise das necessidades forma vas dos do-
centes, apontando a importância de diagnos cá-las para o planejamento de ações
referentes à formação con nuada.
O terceiro ar go, “Um estudo sobre a formação do pedagogo e o ensino da
matemá ca nos anos iniciais do ensino fundamental”, de Simone Marques Lima e
Ademar de Lima Carvalho, analisa os desafios do ensino da matemá ca pelo peda-
gogo, concluindo que estão relacionados ao processo de formação, à organização
da sala de aula e, principalmente, à natureza pedagógica.
O quarto ar go, “A racionalidade subjacente às práxis do professor no contexto
da educação superior”, de Isabel Magda Said Pierre Carneiro, Ludmila de Almeida
Freire e Maria Marina Dias Cavalcante, discute a práxis do professor bacharel no
ensino superior, a necessária formação para esse po de atuação, bem como a
ressignificação do saber prá co do professor.
O quinto ar go, “O professor de apoio na rede regular de ensino: a precarização
do trabalho com os alunos da Educação Especial”, de Silvia Maria Mar ns, analisa
o trabalho dos profissionais de apoio da educação especial. A pesquisa conclui que
há um processo de intensificação e precarização do trabalho docente, evidenciando
o modelo de inclusão presente nas escolas.
O sexto ar go, “Educação e inclusão em escolas de educação básica: análise
preliminar”, de Nerli Nonato Ribeiro Mori, baseado na pesquisa sobre inclusão e
educação básica feita nas cinco regiões do país, destaca que há um grande desafio
para avançar no acesso dos excluídos e nas prá cas educacionais efe vas para aten-
der alunos que têm outras formas de aprendizagem, que não aquela desenvolvida
por padrões preestabelecidos.
O sé mo ar go, “Avaliação e educação no Brasil: avanços e retrocessos”, de
Roberta Muriel Cardoso, discute a importância da avaliação para a qualidade da
educação, ques onando, ao mesmo tempo, o sistema de avaliação em relação à
possibilidade de servir como fiscalização e controle por parte do Estado.
O oitavo ar go, “A expulsão dos mercadores do templo: um estudo da usura
na pintura de Gio o di Bondone”, de Terezinha Oliveira e Meire Aparecida Lóde
Nunes, apresenta uma pesquisa de campo da História da Educação, abordando a
expansão comercial e formação do homem do século XIII.
O nono ar go, “O velho Jornal: voz dos anseios socioeduca vos em Sorocaba”,
de Vania Regina Bosche , realiza uma análise do jornal como fonte histórica, espe-
cificamente o jornal O Operário, mostrando aspectos da mobilização das operárias
no começo do século XX.
O décimo e úl mo ar go, “Tecnologias sociais e a educação para a práxis
sociocomunitária”, de Renato Kraide Soffner, propõe uma reflexão sobre as tecno-
logias sociais para que possam contribuir com a práxis educa va sociocomunitária,
mediada pelas tecnologias.
Esperamos que tanto as leituras dos ar gos do dossiê, quanto os ar gos de
demanda con nua, contribuam para a construção de um mundo justo e igualitário
pelo qual tanto lutou Mariluce Bi ar, lembrando que “[...] os processos educacionais
de formação da cidadania podem exigir anos ou décadas de inves mentos de um
país, cujos reflexos no desenvolvimento qualita vo da sociedade apenas as futuras
gerações poderão plenamente desfrutar” (BITTAR, 2005, p. 115).
Professores do PPGE/UCDB
Sumário
Ponto de vista
Ar gos
Resenha
Resumo
A par r dos conceitos de vigilância amorosa e de vacuidade amorosa procuramos orientações é cas
e epistemológicas para pesquisas interculturais. O símbolo dá acesso aos aspectos luar e cruel do
conhecimento, ignorados pela ciência eurodescendente, mas presentes nas epistemologias afrodes-
cendente e indígenas, na forma de Oxum e da Onça. Daí a ampliação da epistemologia solar euro-
descendente para conexões energé cas indígenas e africanas, rumo à formação d@ pesquisador@
integral, que integra o Cruel e o Carinhoso num pensar com o coração. Podem ser desenvolvidas
ciências interculturais a par r dos enraizamentos filosóficos de cada povo. Após Bergson erigindo
a intuição em método entramos no transe como método, principalmente em referência ao contato
budista com a vacuidade e à prá ca de disposi vos dançantes. Assim se cria a transculturalidade
pela ex nção do Ego, inclusive, acadêmico – e pela entrada na quinta dimensão do saber.
Palavras-chave
Transculturalidade. Sociopoé ca. Epistemologia.
Abstract
Based on the concepts of Loving Surveillance and Loving Emp ness we seek ethical and epistemo-
logical orienta ons for intercultural research. The symbol gives access to both moonlight and cruel
aspects of knowledge, ignored by euro-descendant science, but present in the afro-descendant
and indigenous epistemologies, as Oxum and Ounce. Hence the expansion of eurodescendant solar
epistemology for Na ve and African energe c connec ons, towards the forma on of the Integral
Researcher, who integrates the Cruel and the Affec onate in a way of Thinking-with-the-Heart.
Intercultural sciences can be developed from the philosophical rootedness of each people. A er
Bergson erec ng the intui on in a method, we entered the trance like method, primarily in reference
to the Buddhist contact with emp ness and the prac ce of dancing devices. Thus the transcultura-
lity for the ego’s ex nc on is created (including the academic one) – and for the entry in the Fi h
Dimension of Knowledge.
Key words
Transculturality. Sociopoe cs. Epistemology.
Referências
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1
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php?op on=com_content&view=ar cle&id=1474:entrevista>. Acesso em: 20 jul. 2012.
Resumen
El presente ar culo trae una reflexión acerca del concepto de la interculturalidad y sus trampas.
Par endo de un ejercicio de bilingüismo en el cual la piel de cada uno es un primer dato que marca
las diferencias entre los hablantes, nos aproximamos a las condiciones de un posible diálogo entre
personas diferentes. La cultura sólo se ve y se percibe a través de la piel que habitamos; esta cultura
es un sistema de comunicación mediante el parentesco, el intercambio de bienes y la reciprocidad
de mensajes y símbolos. La interculturalidad supone el reconocimiento pleno de la diferencia de
la piel del otro y no hay interculturalidad cuando la piel delotro, especialmente lo que dice con su
lengua - que precisamente llamamos lengua- es negada, despreciada e incluso maltratada. Pero
tampoco hay interculturalidad cuando uno mismo no quiere reconocer y amar su propia piel, la
cubre y la disfraza.
Palabras clave
Cultura. Iden dad. Interculturalidad.
Abstract
This ar cle presents a reflec on on the concept of mul culturalism and its pi alls. Star ng an exercise
of bilingualism in which the skin of each one is the first data/sign that makes differences between
speakers, we approach the condi ons of a possible dialogue between different people. Culture only
seen and perceived through the skin we inhabit, and this culture is a system of communica on throu-
gh kinship, the exchange of goods and reciprocity of messages and symbols. Interculturalism entails
full recogni on of the difference in someone else and there is not mul culturalism when the skin
of the other person, especially what he says with his language precisely call is denied, neglected
and even maltreat. But there is not interculturalism when each one do not want recognize and love
their own skin, covers and disguises.
Key words
Culture. Iden ty. Interculturalism
Resumen
En este ar culo pretendo dar cuenta de los orígenes de una escuela de pensamiento que estamos
impulsando en México, en dis ntos estados de la República, cuyo propósito es poner en prác ca
un trabajo forma vo basado en el interaprendizaje intercultural y colegiado del territorio a lo largo
y ancho de la noamérica. Si bien hablaré de sus orígenes, me abocaré primordialmente a la expe-
riencia llevada a cabo en el estado de Puebla, que es la que hemos desarrollado con un equipo de
trabajo interestatal de maestros indígenas y no indígenas. La misión grupal es la puesta en prác ca
de modelos de formación de-coloniales para construir una escuela para el arraigo (BERTELY, 2006,
2008, 2009) basada en la fuerza de los conocimientos indígenas sin dejar de relacionar los saberes
occidentales.
Palabras clave
Interaprendizaje. De-colonización. Fronteras interculturales.
Abstract
In the present ar cle we try to describe the origins of the school of thought that we are promo ng in
México in various loca ons of the Republic; its object is to put into prac ce a forma ve work based
on a shared intercultural learning all along the La n American geography. Although I will be talking of
the origins, I will concentrate primordially on the field experience I carried out in the area of Puebla,
which is the work we have developed among a team of indigenous and non indigenous teachers of
the zone. The shared - collec ve mission is the undertaking of pu ng into prac ce the decoloniz-
ing models of forma on to construct a school for the grounding (BERTELY, 2006, 2008, 2009) based
on the force of the indigenous knowledge with out displacing its rela ons to western knowledge.
Key words
Interlearning. Decoloniza on. Intercultural borders.
56 Rossana Stella PODESTÁ Siri. Delimitación de fronteras territoriales interculturales a par r de...
cultural con nental gracias a una praxis culas educa vas, proponer la formación
de resistencia (GASCHÉ, 2008 a y b). de los maestros es conocer el territorio
En este trabajo sólo me abocaré a que tenemos delante. Sin entenderlo, y
expresar una experiencia de coautoría, con esto expreso la necesidad de “cami-
de co-responsabilidad en la que la que narlo”, “vivirlo” así como de estudiarlo
escribe sólo significa una voz entre mu- en sus múl ples variables sociopolí cas,
chas4. Además escribo desde la cultura es casi imposible armar con é ca y res-
en la que fui educada, la occidental, pero ponsabilidad la educación de los futuros
con la amplitud que me permi ó abrirme mexicanos que habitan el espacio donde
a otros saberes hacer que no son los estos referentes se entrecruzan. Este
míos pero que están en este mundo. Por ejercicio que realizaré a con nuación es
ser letrada y cer ficada la academia me sólo un ejemplo del análisis contextual
cede este lugar para esbozar el complejo que para cada país debería proponerse y
entramado que hemos logrado, durante que América La na en su conjunto esbo-
más de siete años, en un proceso de zara. De esta manera se podría planear
formación de maestros indígenas inte- más allá de las fronteras convencionales5
grantes de pueblos mexicanos. y a par r de las variables que la misma
ciencia social ha arrojado.
2 ¿Conocemos el territorio? ¿Desde En primer lugar muchos territorios
dónde? estatales de los países han sido divididos
geopolí camente par endo, arbitraria-
Una de los primeros pasos para
mente, territorios ancestrales que no te-
edificar polí cas públicas, armar currí-
nían las fronteras que hoy visualizamos.
Por ello, si pensamos interculturalmente,
4
El equipo nacional está encabezado por la Dra.
5
María Bertely Busquets del Centro de Inves ga- Nos parece importante señalar dos casos re-
ciones y Estudios Superiores en Antropología cientes donde la formación reúne estudiantes
Social y el del Estado de Puebla lo componemos no sólo del país que la ofrece, sino invita, a
los maestros y maestras Anastacio Cabrera, Elena estados colindantes a pensar, estudiar, analizar
San llán, Odilia Hernández, Jazmín Guarneros, temá cas comunes sin fracturar las fronteras
Stefano Sartorello, Raúl Gu érrez, Eusebia Texis, geopolí cas establecidas. Por ejemplo, la crea-
Ofelia Rosas, Pascuala Juárez, Antonia Aguilar, Ju- ción del PROEIB-Andes, en Bolivia, maestría en
ben no Arce, Carina Texis, Francisco Arcos, Juan educación que privilegió la entrada de maestros
Victoriano, Jesús Mar nez, Manuel Hernández, andinos de varios países colindantes o el caso de
Juan Guzmán y M. Irma Gómez, entre muchos la Universidade Federal da Integração La no-
otros maestros que al terminar su formación pa- Americana (UNILA) que ene la intensión de
san a formar parte de la Red Educa va Induc va ser una Universidad internacional que reúne a
Intercultural (REDIIN) y que se ex ende hoy a alumnos de países fronterizos, y de otras partes
cinco estados de la República mexicana así como del mundo, para pensar juntos tareas inmediatas
a otros países la noamericanos, principalmente, de profesionales que habitan en un territorio
Perú y Brasil. ancestral que fue común.
Figura 1
Fuente: Elaboración propia con datos estadís cos del Ins tuto
Nacional de Estadís ca y Geogra a (INEGI, 2010)
58 Rossana Stella PODESTÁ Siri. Delimitación de fronteras territoriales interculturales a par r de...
En tercer lugar, este estado es más oscuros son los más marginados).
rural. Más del setenta y siete por cien- Por ende si sobreponemos a éstos las
to de los municipios son de alta y muy lenguas mencionadas, así como otras va-
alta marginación (Figura 2, los lugares riables, veremos la coincidencia espacial.
6
Nuestras universidades formadoras de docen-
tes no instruyen para atender un salón mul gra-
do y en los estados de la República Mexicana con
mayor can dad de pueblos indígenas predomi-
nan este po de escuelas.
60 Rossana Stella PODESTÁ Siri. Delimitación de fronteras territoriales interculturales a par r de...
territoriales intra y extraterritoriales. De 3 Proceso profesional, investigador:
esta manera nos encaminados a co-cons- actor y aprendiz permanente
truir un esfuerzo educa vo compar do.
De acuerdo a las necesidades planteadas Nuestro trabajo de campo nos va
por los mismos sujetos para proteger y enseñando el camino en el caso de los
empoderar su territorio. cien ficos sociales que nos dedicamos
A esta lectura analí ca le siguen a educación8. Esa es nuestra primera
otras que occidente no conoce, las in- gran huella y el termómetro de nuestra
traterritoriales que son ancestrales y aser vidad. La interacción permanente
que enen una lógica poco descubierta con la gente y el conocimiento de sus
para la cultura nacional. De las cuales territorios afianza nuestra vocación. Pero
son poseedoras los pueblos indígenas también nos va marcando nuestras limi-
(LANDABURU, 1998; BERTELY, 2008; taciones, hasta donde podemos avanzar
GIMÉNEZ, 1996). Ellos son alfabetos y donde debemos parar. Es la misma
territoriales7 cada espacio de su hábitat gente la que nos da la oportunidad de
es reconocido, nombrado, adorado, ve- conocer y esto depende de nuestro com-
nerado, etc. El trabajo forma vo descrito portamiento social, de nuestra entrega,
a con nuación, tanto con niños como de nuestra empa a, de nuestro amor
con maestros despliega el territorio hacia los otros.
visto, vivido y sen do por los mismos Así como mi principio fue conocer
habitantes. sus prác cas de vida relacionadas con el
Si no sumamos y entrelazamos am- uso de la lengua indígena, posteriormen-
bas miradas, indígena y no indígenas no te me di cuenta que debía integrarlos,
estamos en condiciones de co-construir dándoles un papel protagónico para
escuelas de pensamiento interculturales. avanzar juntos en un crecimiento y cono-
El aporte central de este ar culo radica cimiento intercultural. Sin ellos me sen-
en delinear acciones principales para su a dividida. Además, como ciudadanos
edificación. y poseedores de una cultura milenaria
no podían quedar como espectadores
de mis propias interrogantes (PODESTÁ,
2007). ¿Y cuáles eran sus propios inte-
reses?
Este trabajo que inicié, hace más
7
Por ello niños indígenas a edades muy tempra- de dos décadas, con niños me permi ó
nas pueden recorrer su territorio sin perderse, par r de sus propias realidades educa-
orientándose cardinalmente (DE LEÓN, 2005).
Sus etapas tempranas de desarrollo manifiestan
8
otras habilidades que niños occidentales no Por supuesto que también lo es para otras
poseen, porque cada cultura ene una relación disciplinas pero me remito a educación por ser
estrecha con el hábitat. a la que me he dedicado.
62 Rossana Stella PODESTÁ Siri. Delimitación de fronteras territoriales interculturales a par r de...
ahora y que ar culara los conocimientos formación de maestros indígenas dentro
occidentales-escolares. Es decir formar a de las universidades. Nos planteamos
los jóvenes maestros comunitarios para impulsarlo en la Universidad Pedagógica
esta tarea. La experiencia de Gasché Nacional 21110, que está en la ciudad
en la Amazonía durante más de treinta de Puebla y a la que concurren innume-
años ha posibilitado en su persona no rables jóvenes indígenas de distintos
sólo estar formado en occidente sino pueblos que quieren ser profesores.
haber cursado la segunda universidad Surgieron muchas interrogantes pero
bajo los aprendizajes de estas dos etnias una de ellas era re-plantearnos:
con las que aprendió una parte de sus
mundos. De todas maneras el intenso 5 ¿Desde dónde y cómo trabaja occi-
proceso de interaprendizaje le permi ó dente en la formación de los futuros
una intercomprensión (GASCHÉ, 2008a) maestros indoamericanos?
que muchos intelectuales, por más que
hayamos estudiado en célebres ins tu- La realidad que tenemos en la
ciones y realizado trabajo de campo no mayoría de universidades mexicanas
hemos aún alcanzado. Creo que hay un para la formación de maestros indíge-
tema interesante a discu r en nuestras nas está relacionada con la formación
universidades y es la formación experi- occidental que tenemos instaurada. El
mental que hemos logrado pero, en cada paradigma angelical (GASCHÉ, 2008)
uno de nuestros interiores, sabemos y que pretende discursivamente forjar una
deberíamos poner a debate los alcances educación intercultural basada en el diá-
y limitaciones que occidente esconde. En logo y el respeto (SCHMELKES, 2005) sin
un mundo intercultural la complejidad analizar las razones en las que se instaura
de los aprendizajes y las maneras de el conflicto intercultural. Por ejemplo:
educar no podrían ser posibles sin una • Nuestra lógica nos parece natural y la
gran apertura polí ca-é ca-social que única universalmente valedera.
acogiera la inmensa riqueza que nos • Di cilmente imaginamos, comprende-
cons tuye. La experiencia de trabajo mos o nos abrimos a otras formas de
comenzó a tener sus frutos y se forma- racionalidad.
ron los primeros profesores indígenas • Creamos inter-comprensión entre
que sus comunidades habían solicitado. nosotros mirando sus mundos desde
Estos nuevos profesores pero también fuera.
campesinos fueron modelando un tra- Y de esta manera se forma a miles
bajo educa vo que permi a establecer de jóvenes que proceden de culturas
una escuela para el arraigo comunitario. muy diferentes con nuestra propia óp ca
La gran pregunta que nos hacíamos es si
sería posible que un modelo con estos 10
Simultáneamente se dio en otras UPNs del
resultados se pudiera retomar para la país, Chiapas, Oaxaca. Michoacán y Yucatán.
64 Rossana Stella PODESTÁ Siri. Delimitación de fronteras territoriales interculturales a par r de...
ser diferente con el fin de “progresar”, de con sus propios lentes no con lentes de
“civilizarse”, de “volverse gente de razón” fuera. Por ello, uno de los grandes retos
como occidente lo repite una y otra vez. de esta escuela de pensamiento es for-
Lo importante es la toma de conciencia mar jóvenes maestros que hacen inves-
por parte de ellos sobre esta terrible re- gación haciendo, no tomando notas.
alidad generada por la propia ins tución Sino par cipando como parte del pueblo
escolar. Con esta re-conciencia miran al que por cierto le deben la vida. Estos
nuevamente sus orígenes y los vuelven procesos de re-encuentro han dado
a tomar con mucha más fuerza porque trabajos escritos por indígenas desde su
empiezan a re-conocer los valores posi- propia lógica y concepción (ROSAS, 2014;
vos de sus propias culturas. Que éstas GÁMEZ, 2010; TEXIS, 2009)13.
también enen conocimientos y que son Se han re-encontrado con sus
milenarios, al igual que están los cono- infancias, con sus familias y han profun-
dizado lo que tenían trunco, el cono-
cimientos escolares u occidentales. Ese
cimiento ancestral que aún portan los
re-descubrir es parte del largo trabajo
pueblos en miles de ac vidades socio-
de inves gación que ellos comienzan a
económicas (GALLEGOS, 2008) que dan
desarrollar con sus propios pueblos. Y la
cuerpo a sus culturas y muestran el cómo
explicitación de sus conocimientos no la hacer la educación intercultural posible
hacen con herramientas occidentales de (AGUILAR et al., 2012).
la academia, tal y como se especifica en
la mayoría de las currículas de formación 6 A modo de conclusiones
de maestros. La formación la logran
mediante el diálogo con otros maestros Simplemente quise compar r una
indígenas12. Con ellos ven sus realidades, experiencia en proceso donde quienes
formamos esta escuela de pensamiento
estamos abiertos a enriquecernos sobre
12
Uno de los aspectos a destacar es que el otras maneras de diseñar y llevar a cabo
aprendizaje de cómo explicitar los conocimientos la formación de maestros. La apertura es
indígenas de sus culturas la aprenden con pro-
fesores no cer ficados de Chiapas que como se
ha mencionado fueron los pioneros en México. de colonización de nuestras universidades. Pare-
La prác ca adquirida, el mandato de sus comu- ce fácil pero la apertura debe ser significa va de
nidades los coloca en un lugar irremplazable, parte de quienes somos occidentales y tenemos
inamovible para esta etapa. Ese diálogo entre la creencia de que perdemos terreno.
13
iguales no lo puede sus tuir un inves gador Por el momento contamos con trece propues-
formado en la academia como es mi caso. Mis tas pedagógicas que manifiestan el proceso edu-
palabras, mi formación y mi óp ca no logra lo ca vo de-colonizador alcanzado. Se encuentran
que ellos logran. Esto abre una línea de inves - en los archivos de la biblioteca de la Universidad
gación, desde los propios pueblos indígenas, que Pedagógica Nacional-211 y estamos armando
son las metodologías na vas. Poner y permi r el una colección de autoría magisterial que el
desarrollo de las mismas resquebraja el proceso próximo año tendremos publicada.
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Resumen
Las regulaciones jurídicas incluyentes y de pluralismo han creado mejores condiciones sociales e
ins tucionales para instalar plenamente la interculturalidad en las escuelas actuales. Sin embargo,
las transiciones etnoculturales y sociolingüís cas no operan con las reglas legales. Uno de los retos
fundamentales de la educación intercultural es comprender adecuadamente las dinámicas del
bilingüismo social, de la comunicación intercultural de facto y las innovadoras configuraciones de
las iden dades.
Palabras clave
Interculturalidad en educación escolar. Estudiantes indígenas. Transiciones socioculturales y socio-
lingüís cas.
Abstract
The inclusive pluralism and legal regula ons have created be er social and ins tu onal condi ons
to fully install mul culturalism in today’s schools. However, ethno-cultural and socio-transi ons do
not operate with the legal rules. One of the fundamental challenges of intercultural educa on is
properly understand the dynamics of social bilingualism, intercultural communica on de facto and
innova ve configura ons of iden es.
Key words
Intercultural educa on school. Indian students. Cultural transi ons and sociolinguis c.
72 Héctor Muñoz CRUZ. Desarrollo educa vo intercultural: fronteras jurídicas e ins tucionales...
y consultas previas, pero no autonomía tarse al poder y al mercado, y para
ni control comunitario de los recursos moldear los flujos de información
naturales y culturales de los pueblos a su favor. (Pedro Ibarra y Salvador
indígenas. Mar I Puig, en Brysk, 2009, p. 15).
Un soporte estratégico de este Una consecuencia – un tanto pa-
corrimiento ideológico y é co consiste radójica – es que los avances globales
en que los actores polí cos y académi- obtenidos en la con enda global rebasan
cos, aliados de los pueblos indígenas y las acciones de la administración de los
minorías contemporáneas, han u lizado sistemas educacionales y también el
de un modo intensivo y muy eficiente los alcance de los protocolos de actuación
escenarios de la polí ca global – desde de las ins tuciones públicas. En efecto,
Declaraciones y programas de Naciones ciertas prác cas de pluralización y de
Unidas hasta redes sociales en internet e inclusión par cipa va, al parecer, repre-
inicia vas mediá cas – como espacios de sentan exigencias y retos de ingeniería
movilización, financiamiento y ges ón. ciudadana mul cultural y lingüís ca que
Aunque de forma diferenciada y las ins tuciones públicas y privadas no
con logros muy desiguales en cada país, saben cómo introducirlos en el funcio-
la interacción entre representantes de namiento co diano del servicio a los
pueblos indígenas y administradores de usuarios.
ins tuciones globales ha favorecido la Algunas de tales prác cas de plu-
difusión de fuertes impactos é cos y el ralismo e inclusión lingüís cos consisten
logro de mayores subsidios procedentes en acciones de alternancia lingüís ca
de las instancias del poder y la hegemo- y de comunicación intercultural en las
nía capitalista neoliberal. Expresado en ins tuciones oficiales y en muchos con-
términos de Brysk (2009), las dirigencias textos sociales públicos, en medidas de
de los pueblos indígenas han construi- reconocimiento ins tucional de innova-
do interrelaciones con las cabezas del ciones sociolingüís cas innovadoras, en
pueblo global, sobre la base de una acciones de recuperación de prác cas
inédita combinación de la polí ca de etnoculturales en escenarios internos
los derechos, el pluralismo cultural y la y transnacionales de la migración y en
internacionalización. la aceptación del empoderamiento de
ejercicios de consulta y consen miento
Y en base a ello se ha tejido uno
de las comunidades minoritarias y mi-
de los movimientos sociales más
importantes de las úl mas décadas: norizadas sobre los recursos naturales y
el movimiento global por los dere- socioculturales.
chos de los pueblos indígenas. Estos Es importante hacer notar que las
nuevos actores (los movimientos nuevas polí cas públicas y los esfuerzos
indígenas globalizados) han podido institucionales de apertura han acti-
desarrollar estrategias para enfren- vado transiciones en la perspec va de
74 Héctor Muñoz CRUZ. Desarrollo educa vo intercultural: fronteras jurídicas e ins tucionales...
En efecto, en las numerosas confe- innegables los cambios favorables
rencias de expertos e igualmente en producidos en el nivel informa vo,
las reuniones de los movimientos conciencia étnica y voluntad de ac-
indígenas, se reitera habitualmente tuar de los docentes y de las propias
un consenso poco menos que indis- comunidades. De todas maneras,
cu do, según el cual la Educación el desfase entre teoría y praxis per-
Intercultural Bilingüe respeta las siste todavía y es necesario trazar
iden dades étnicas y lingüís cas, estrategias para su superación a
u liza los idiomas indígenas en el mediano plazo, ya que en la cues -
proceso de enseñanza–aprendizaje ón indígena no podemos ser largo-
aproximadamente durante la mi- placistas (MOSONYI, 2004, p. 2-3).
tad del espacio- empo educa vo,
mientras que las formas y conte- Algo parecido se pudo observar en
nidos educa vos no autóctonos se Bolivia en 1994, con mo vo del lanza-
introducen en forma democrá ca, miento de la reforma educa va nacional
horizontal, no compulsiva y or- de vocación interculturalista (MUÑOZ,
gánicamente ar culada con cada 1997). Se anota en el informe técnico de
manifestación del acervo educa vo la evaluación del Proyecto de Educación
aborigen. Intercultural Bilingüe, bajo el patrocinio
Todo esto suena hermosísimo, pero del Ministerio de Educación y Cultura de
en la prác ca se dan todavía mul -
la época y de Oficina Bolivia de UNICEF:
tud de escollos de muy di cil supe-
ración, especialmente en ambientes En esta nación, como en tantas
donde los derechos indígenas sólo otras a nivel mundial, se ha depo-
se cumplen de manera aleatoria. sitado una confianza ilimitada en
Cuando descendemos al terreno este principio fundamental de la
de lo real, nos encontramos con teoría contemporánea de la edu-
la eterna letanía de que muchos cación bilingüe. Sin embargo, este
de los maestros no son indígenas, principio del desarrollo lingüísti-
que sí son indígenas no están bien co y comunicativo no puede ser
preparados o suficientemente mo- implantado directamente en los
vados, que algunas comunidades alumnos indígenas. Es más, contra
no defienden la cultura propia, que lo previsto, la interculturalidad y el
la infraestructura y los materiales plurilingüismo social propios de la
presentan carencias impresionan- interdependencia planetaria actual
tes, que la supervisión obstaculiza y otros procesos de naturaleza no-
el desempeño de los maestros y lingüís ca de la sociedad boliviana
pugna por desindianizar cualquier parecen producir efectos divergen-
inicia va innovadora. tes, y hasta contrarios, en el desar-
Los diagnós cos que se han elabo- rollo lingüís co de los alumnos. Por
rado hasta la fecha no presagian un lado, los factores sociales inter-
ningún op mismo, aun cuando son vienen con mayor fuerza, necesidad
76 Héctor Muñoz CRUZ. Desarrollo educa vo intercultural: fronteras jurídicas e ins tucionales...
en discusión entre generaciones adul- impactos de los gobiernos y las ins tu-
tas y jóvenes y con un indesmen ble ciones públicas acerca de las culturas,
proceso de cambio de lengua materna identidades y lenguas minoritarias y
en niños y jóvenes indígenas, aun en minorizadas (WOEHRLING, 2005). En
aquellas regiones que históricamente el fondo, lo que está en juego es la
han mostrado una alta lealtad etnolin- necesidad de que las polí cas globales
güís ca. Estas caracterís cas muestran y gubernamentales identifiquen con
que las comunidades indígenas de habla mayor precisión los fenómenos sociales
han adoptado un diseño de ordena- y económicos que impiden el desarrollo
miento sociocultural y sociolingüís co equita vo y democrá co en las socieda-
muy dis nto a lo que se plantea en la des, lo cual se vincula con metodologías
norma vidad vigente y en los procesos de cambio que involucran a todos los ciu-
reales de educación escolar. dadanos. En este marco, las ins tuciones
En los diferentes escenarios re- públicas enen que aumentar la capaci-
gionales de la experiencia de consulta dad de influir en la transformación de la
en México que se comenta, se expre- sociedad, a par r de generar abundante
saron concepciones y representaciones información y mejor conocimiento para
diversas acerca de lo que se en ende explicar las correlaciones entre los diver-
por educación intercultural bilingüe sos hechos sociales. Y también de gene-
(EIB). Con todo, es muy significativa rar pronós cos sobre las consecuencias
y mayoritaria la preferencia por este que resultarían de tomar determinadas
enfoque educacional, al punto de ser decisiones.
considerada como la mejor alterna va
para favorecer el desarrollo educa vo y Representaciones y materialización de
sociocultural. Una interpretación rápida la interculturalidad escolar
permite señalar que en esta preferencia
subyace la implicación de que los proce- Desde una perspec va materia-
sos educa vos escolares deben contri- lista, la interculturalidad posee una
buir a la supervivencia de las lenguas, ontología múltiple y ambigua en los
las identidades y culturas indígenas, escenarios educacionales indígenas.
complementando poderosamente los Se combina al comienzo con enfoques
procesos domés cos e informales de pluralistas que enen gran influencia en
transmisión intergeneracional en los las metodologías de enseñanza bilingüe
ámbitos familiares y comunales. o plurilingüe que buscan transformar
En el transcurso de la historia bre- las relaciones de iden dad y armonizar
ve de la interculturalidad ins tucional el aprendizaje y uso de lenguas, para
puede observarse una relativamente alcanzar una genuina competencia pluri-
rápida evolución de paradigmas para lingüe (CAVALLI, 2007; CANDELIER et al.,
posicionar las responsabilidades y los 2007; NOGUEROL, 2010). Pero, a la vez,
78 Héctor Muñoz CRUZ. Desarrollo educa vo intercultural: fronteras jurídicas e ins tucionales...
contextos interculturales, sin embargo, de negros, hispanos, asiá cos), con sus
poco ha contribuido a conocer y, al me- normas lingüís cas y comunica vas lo-
nos, imaginar cómo deben concebirse cales, es gma zadas socialmente como
las intervenciones pedagógicas cultural- “sub-estándares”, pero cons tu vas de
mente per nentes. Las inves gaciones redes sociales muy densas y cohesionan-
de sociolingüís ca educacional se han tes, generadoras de una fuerte iden dad
concentrado tan sólo en algunas re- (MILROY, 1980).
giones indígenas del país; no permiten En suma, las inves gaciones antro-
establecer una visión del estado que pológicas, educa vas y sociolingüís cas
guarda el problema en el conjunto nacio- permiten establecer dos líneas constan-
nal. Sigue predominando el énfasis en la tes como soportes del desarrollo edu-
normalización de lenguas y alfabetos, en ca vo: por una parte, una concepción
desmedro de las inves gaciones evalu- de la etnicidad como una modalidad
a vas, cualita vas y del seguimiento de de reproducción cultural (BERNSTEIN,
experiencias. 1971) de comunidades lingüís cas no
La gran mayoría de las situacio- extensas (regionales). Y por otra, el reco-
nes sociolingüís cas en estudio no se nocimiento de que nuestros países son
perfilan únicamente por mo vaciones mul culturales y mul étnicos. Por tanto,
académicas, sino que surgen principal- estas dos condiciones debieran perfilar
mente de contextos reales de conflictos polí cas públicas que universalicen la
interculturales en proceso. De algún interculturalidad como rasgo y forma del
modo, en todos los casos se observa sistema educa vo nacional, ins tucional
la tendencia dominante en la sociedad y que se u licen para la configuración
nacional, que consiste en la asimilación democrática, justa y armónica de las
o integración de las minorías étnicas al relaciones mul culturales.
nacionalismo hispanohablante o lusita- Es de imaginar la inmensa riqueza
noparlante; así se refuerza uno de los del conocimiento acumulado en las di-
obje vos globales de la estructura del versas ciencias sobre las culturas origina-
poder nacional. Pero, al mismo empo, rias de América. Esto hace surgir la inter-
se observa una rela va sensibilización y rogante sobre el po de relaciones que
aceptación de la heterogeneidad étnica existen entre la ciencia con los diversos
del país, lo que explica parcialmente el niveles del desarrollo educa vo. ¿Logran
crecimiento moderado de estudios y permear los discursos y prác cas de los
acciones sobre el ámbito de la etnicidad. sectores que construyen la polí ca y de
En este planteamiento se susten- los que componen el sistema educacio-
taba, por los años sesenta, la famosa nal? Tal vez las ins tuciones formadoras
“hipótesis de la diferencia”, que admi a sean las que más aprovechan los aportes
la existencia de microcomunidades al in- cien ficos, aunque de una manera toda-
terior de las megalópolis (barrios, ghetos vía no metódica ni exhaus va.
80 Héctor Muñoz CRUZ. Desarrollo educa vo intercultural: fronteras jurídicas e ins tucionales...
pedagogos y polí cos encargados de las can también la estructura de las desi-
ins tuciones escolares, el fracaso esco- gualdades económicas así como el po
lar refleja un “impedimento” o “déficit” de estra ficación social vigentes, que se
distintivo que a menudo se tiende a desenvuelven en un entorno dinámico
equiparar con la “pertenencia étnica o y heterogéneo. De ello dependerá el
la condición de inmigrante”. estatus que posee el grupo étnico en la
Percepción de la educación escolar sociedad mayoritaria y su capacidad de
desde la pobreza y desigualdad. Se ha su- compe r por los recursos. De este modo,
brayado con insistencia que las prác cas la etnicidad actúa como un mecanismo
educa vas y de socialización reflejan y de inclusión y exclusión de grupos so-
refuerzan las desigualdades propias del ciales.
sistema de clases. Esta acusación adquie- El replanteamiento de la cultura
re tonos más graves cuando se atribuye propia. El análisis de la evolución del
a las prác cas educa vas, dentro y fuera mul culturalismo desde sus orígenes
de la escuela, una profundización de la como un conjunto de movimientos
distribución desigual no sólo del cono- sociales hasta su institucionalización
cimiento, sino también de la capacidad como una polí ca de reconocimiento
de sacar un mejor provecho del mismo de la diferencia y de acción afirma va
(BRUNER, 1995). ha demostrado cómo el concepto o, por
Parece oportuno preguntarnos de lo menos, la imagen de lo cultural y lo
qué modo los patrones de conducta de iden tario se han ido convir endo en
los más desfavorecidos se transmiten a armas del debate intelectual y polí co.
través de la familia dando origen a formas La discusión teórica acerca de la
picas de los pobres para enfrentar la interculturalidad así como de los “pro-
vida. De hecho, la pobreza altera aspectos blemas” que ésta desencadena en la
de la universalidad, por un lado, y de la prác ca educa va a menudo ha girado
diversidad cultural, los cuales suelen girar en torno al carácter esencializante del
en torno al intercambio recíproco de los concepto de cultura. Cabe preguntar-
sistemas simbólico, afilia vo y económi- nos si las distintas culturas humanas
co. Alterar la par cipación humana en cuyas caracterís cas e interrelaciones
cualquiera de estos sistemas equivale a se busca definir o en las que se pre-
forzar un cambio en la forma peculiar en tende intervenir pedagógicamente
que el hombre realiza sus come dos en ¿existen como entidades inmutables
la vida. Aquí se aprecia la importancia de en su esencia, o son constructos hu-
la pobreza, ya que afecta la estructura manos, históricos y por tanto sujetos a
familiar, al propio sen do simbólico del cambio? Si reafirmamos el interés por
valor, al sen miento personal de control. establecer bases mul culturales crí cas
De lo anterior se deriva que los en la educación, resulta central asumir
procesos de iden ficación étnica impli- que las tradiciones no “existen” por sí
82 Héctor Muñoz CRUZ. Desarrollo educa vo intercultural: fronteras jurídicas e ins tucionales...
co diana real y observable, sino por una simbólico que posibilita una comunicaci-
iden ficación en el fondo fic cia (DIETZ, ón, un diálogo, una interacción propicia
2001). para el pensamiento, el conocimiento
La invención y posterior estanda- y el desarrollo sicosocial, situado en
rización de las denominadas lenguas las coordenadas de la matriz cultural
nacionales han resultado ser uno de los indígena. Este es el impacto ideológico
mecanismos más eficaces para crear de la sus tución del paradigma de la
integración cultural, es decir, el proceso educación bilingüe bicultural, hasta el
de monolinguización es un fiel indicador momento. Antes, en los años 70, la doc-
del avance del nacionalizante de la no- trina del bilingüismo y biculturalismo en
ción de país. la educación indígena había remplazado
En sus reivindicaciones de un de- la vieja propuesta integracionista de los
recho a la diferencia, tanto las llamadas años 30 llamada “educación bilingüe”.
naciones sin Estado o naciones contra Se trata. Por tanto, de un con nuo que
el Estado como gran parte de los movi- arranca de la concepción lingüís ca de
mientos indígenas confirman la centra- la educación bilingüe, pasa por una fase
lidad estratégica del factor lingüís co. de dualidad lingüís ca en un marco pre-
Curiosamente, tanto el nacionalismo ferentemente monocultural y ende en
nacionalizante como el etnonacionalis- nuestros días a una concepción cultural
mo disidente enen a percibir el pluri- y de derecho (MUÑOZ, 1998; 2001).
lingüismo como un problema. Gracias al multiculturalismo la
La potencia socializadora de la intervención pedagógica asume y reac-
narra va de las iden dades de origen. tualiza la histórica misión de es gma zar
La formulación de la historia cien fica a lo ajeno para integrar y nacionalizar lo
de la educación indígena se sustenta propio.
con frecuencia en el procedimiento de Sobre la base de convergencias
iden ficar rasgos o factores principales globales, cada país ha identificado y
de la etnicidad o indianidad. Ciertamen- construido sus términos específicos de
te, se manejan los elementos ya clásicos oferta de educación indígena, produ-
tales como el lenguaje, la iden dad, la ciéndose un notable enriquecimiento
tradición oral, cosmovisión y cultura ma- de las polí cas y programas educa vos
terial. Las concepciones de la educación concernientes a los pueblos indígenas.
indígena escolarizada muestran dis ntas Nicaragua, por ejemplo, debe consoli-
jerarquizaciones de esos factores de la dar la educación indígena y la profesio-
etnicidad. Por esta razón, la apropiación nalización docente en relación con la
de la propuesta intercultural bilingüe autonomía y desarrollo socioeconómico
pasa por instalar la cultura y la iden dad de la costa caribe. Guatemala hace otro
en el centro de la acción educa va, den- tanto en el contexto de los acuerdos de
tro de la cual el lenguaje es el artefacto paz y de desarrollo sostenible. Colombia
84 Héctor Muñoz CRUZ. Desarrollo educa vo intercultural: fronteras jurídicas e ins tucionales...
trales: democracia polí ca, desarrollo indígenas, aun en aquellas regiones que
económico e iden dad, las cuales se han históricamente han mostrado una alta
expresado en acciones ins tucionales lealtad etnolingüística. Estas caracte-
y discursos públicos sobre una variada rís cas muestran que las comunidades
gama de categorías tales como auto- indígenas de habla han adoptado un
determinación, educación intercultural diseño de ordenamiento sociocultural y
bilingüe, derecho indígena, cosmovisión sociolingüís co muy dis nto a lo que se
original, tradición oral, medicina y tecno- plantea en la norma vidad vigente y en
logía tradicional y muchas, muchas otras. los procesos reales de educación escolar.
Las presiones que provienen del El largo proceso de invención de
mul culturalismo ins tucional y, muy la EIB en nuestros países pasará primero
especialmente, del multiculturalismo por una di cil y costosa experiencia de
de facto que moldea las interrelaciones legi mación y de aperturas polí cas y
de contacto, contagio y dominio entre culturales. Posteriormente, sobre esas
poblaciones etnoculturamente diversas bases habrá que garan zar el poder de
que par cipan en procesos globales de par cipación y decisión de las socieda-
migración, comercio, comunicación, des indígenas y entrar así en la cons-
información, tecnología y arte. Históri- trucción intercultural del currículo y las
camente, el resultado más frecuente de implementaciones didác cas coherentes
las interrelaciones en el espacio mul - a los principios de la EIB.
cultural ha sido la hegemonía cultural Existen concepciones y represen-
y lingüís ca que, en México se expresa taciones diversas acerca de lo que se
en la dualidad cultura nacional mexicana entiende por educación intercultural
vs. cultura extranjera, postergando a un bilingüe (EIB). Con todo, es muy significa-
nivel subalterno la interrelación cultura va y mayoritaria la preferencia por este
hispanohablante mexicana vs. culturas enfoque educacional, al punto de ser
indomexicanas. A través de un sondeo considerada como la mejor alterna va
muy reciente, el Ins tuto Nacional de para favorecer el desarrollo educa vo
Lenguas Indígenas (2013) ha podido y sociocultural. El significado de esta
constatar que las comunidades indígenas preferencia con ene la implicación de
actuales funcionan mediante configu- que los procesos educa vos escolares
raciones sociolingüís cas que abarcan deben contribuir a la supervivencia de
patrones comunica vos múl ples, con las lenguas, las iden dades y culturas
esquemas de bilingüismo principal- indígenas, complementando poderosa-
mente funcional (oral), con modelos mente los procesos domés cos e infor-
internos de pres gio en discusión entre males de transmisión intergeneracional
generaciones adultas y jóvenes y con en los ámbitos familiares y comunitarios.
un indesmen ble proceso de cambio La historia de los cambios educa-
de lengua materna en niños y jóvenes vos ocurridos en estos úl mos años
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88 Héctor Muñoz CRUZ. Desarrollo educa vo intercultural: fronteras jurídicas e ins tucionales...
Interculturalidade, idenƟdade e decolonialidade:
desafios políƟcos e educacionais1
Interculturality, idenƟty and decoloniality: poliƟcal
and educaƟonal challenges
Reinaldo Ma as Fleuri*
* Doutor em Educação pela Universidade Estadual de
Campinas. Professor tular da Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC/CNPq, FC/CAPES).
E-mail: rfleuri@gmail.com
Resumo
A conceituação de interculturalidade tem sido importante para a implementação de polí cas educa-
cionais. Entretanto, cons tui um campo complexo de debate entre múl plas perspec vas que não
podem ser reduzidas um esquema universal. Neste contexto, as lutas por jus ça social e por construir
sociedade plural, democrá ca, requerem a compreensão dos fundamentos epistemológicos da so-
ciedade moderno-colonial, bem como a problema zação dos processos de subalternização e raciali-
zação inerentes à cons tuição do sistema-mundo atual. Estudos recentes, referenciados neste ar go,
problema zam o modelo polí co de Estado-Nação e estudam suas implicações na vida e na polí cas
dos povos indígenas na América La na, considerando que o reconhecimento dos povos originários
como sujeitos de sua história implica em rever cri camente o imaginário produzido no processo colo-
nizatório sustentado pelas culturas hegemônicas globalizadas. A desconstrução da matriz colonial do
poder implica em desarmar o disposi vo de “raça”, que vem sendo historicamente acionado para a
distribuição, dominação e exploração da população mundial no contexto capitalista-global do trabalho.
E do ponto de vista do saber, torna-se necessária uma ressignificação epistemológica do conhecimen-
to, que desconstrua o pressuposto moderno colonial da “universalidade” das “ciências” e considere
as complexidades e as ambivalências produzidas no encontro entre os diferentes saberes e culturas.
Palavras-chave
Interculturalidade. Decolonialidade. Indígenas.
Abstract
The concept of interculturalism has been important for the educa onal policies. However, it is a
complex field of debate among mul ple perspec ves that can not be reduced to a universal scheme.
In this context, the struggles for social jus ce and to build pluralis c and democra c society requi-
res an understanding of the epistemological founda ons of modern-colonial society, as well as the
1
Neste ar go apresentamos parte dos resultados da pesquisa em rede desenvolvida no âmbito do
projeto integrado de Pesquisa: “Educação intercultural: decolonializar o saber e o poder, o ser e o
viver”, com financiamento do CNPq no período de 2010 -2014.
100 Reinaldo M. FLEURI. Interculturalidade, iden dade e decolonialidade: desafios polí cos...
socioculturais, tais como as “técnicas cria uma mediação sociocultural para
corporais”. Este entendimento é ilustra- interagir com os não indígenas. Ainda,
do pelo trabalho de Eliton Clayton Rufino ao mesmo tempo em que a dinâmica da
Seára (2012, p. 319-334) no ar go “Mo- aldeia é alterada, favorecendo o seden-
vimento em diálogo: Técnicas corporais tarismo, a prá ca despor va promove
dos Guarani da aldeia de M’Biguaçu”. o movimento sico e se configura como
Mediante a convivência por sete me- um dos campos de mediação e interação
ses na aldeia M’Biguaçu, localizada na com a sociedade brasileira.
grande Florianópolis, SC, Brasil, o autor Sob o mesmo enfoque de estudo
observou como os Guarani interagem da iden dade étnica dos Xokleng/Lak-
com os elementos de sua cultura tra- lãnõ em Santa Catarina, Cá a Weber
dicional tendo o corpo como o lugar (2010, p. 253-274), Mestre em Educa-
primeiro desta relação. Nesse sen do, ção pela Universidade Federal de Santa
descreve e discute elementos culturais Catarina, em seu ar go “Escolarização,
como as pinturas, brincadeiras e os jogos ensino superior e iden dade étnica: a
tradicionais da aldeia, estabelecendo um experiência das professoras Xokleng/
movimento dialógico de compreensão Laklãnõ”, estudou as implicações dos
de tais elementos com outras referências processos de formação universitária de
culturais Guarani. mulheres Xokleng/Laklãnõ para a forma-
O estudo da importância das ção iden tária desta importante etnia
práticas corporais na constituição da que vive no Estado de Santa Catarina,
identidade dos povos originários em Brasil.
Santa Catarina é também desenvolvido,
do ponto de vista da apropriação pelos Interculturalidade e decolonialidade
Laklãnõ/Xokleng de uma prá ca cultural na prática educativa
corporal exógena (o futebol), por Anto-
nio Luis Fermino (2012, p. 335-354) em No contexto da sociedade globa-
seu ar go “O jogo de futebol e o jogo lizada, diferentes movimentos sociais
das relações entre os Laklãnõ/Xokleng”. buscam descontruir os disposi vos de
O autor verifica uma mudança de habi- sujeição, mediante o desenvolvimento
tus entre os Laklãnõ/Xokleng, que teve de processos de ar culação em rede. O
início a par r do primeiro contato com a encontro radicalmente democrá co en-
sociedade não indígena, ou seja, com os tre sujeitos e grupos diferentes implica
conflitos entre os colonizadores os povos o desenvolvimento da escuta do outro,
indígenas. Impelidos a “sair do mato”, os aliada a uma capacidade de autocrí ca.
povos indígenas adotaram prá cas cultu- Mais do que uma a tude de comisera-
rais ambivalentes. O futebol, por exem- ção e solidariedade para com o outro, a
plo, ao promover a “ocidentalização” interculturalidade implica uma revisão
dos povos indígenas, simultaneamente radical das perspec vas socioculturais,
102 Reinaldo M. FLEURI. Interculturalidade, iden dade e decolonialidade: desafios polí cos...
ções dos imigrantes com os autóctones, jurídicas dos projetos estatais nacionais
bem como a importância da u lização de de interculturalidade.
processos de trocas interculturais para a O ponto de vista crí co da inter-
desesterio pização, a descolonização e culturalidade evidencia, portanto, a
(des)subalternização cultural. necessidade de se desenvolver novas
perspec vas de poder, que desconstru-
Educação intercultural: decolonializar am a lógica do mercado e da hegemo-
o poder e o saber (Conclusão) nia capitalista e visem à construção de
relações democráticas participativas,
A desconstrução da matriz colonial fundadas na jus ça social e coerentes
do poder implica em desarmar o dispo- com os interesses do conjunto da hu-
si vo de “raça”, que vem sendo histori- manidade e com a autonomia de cada
camente acionado para a distribuição, grupo sociocultural.
dominação e exploração da população As polí cas educacionais recentes,
mundial no contexto capitalista-global de fato, reconhecem formalmente a di-
do trabalho. Diferentes movimentos so- versidade cultural e promovem polí cas
ciais, que se ar culam rizoma camente de educação bilíngue e intercultural. Mas
no mundo atual, vêm desenvolvendo estas polí cas têm sido construídas sem
estratégias decoloniais. A rebelião dos o diálogo com os grupos socioculturais
povos ancestrais colonizados, par cu- interessados. A cidadania dos povos
larmente na América La na, ques ona o indígenas é pouco reconhecida. Os “in-
pressuposto racista e o caráter monocul- dígenas”, iden ficados como “selvagens”
tural dos Estados-nacionais. Denuncia a (seja vistos com pacíficos, seja como
violência latente e a ideologia neoliberal bárbaros), são ainda percebidos como
dominante que favorecem a manuten- “estrangeiros” no território nacional.
ção do controle e da concentração do Os processos socioculturais e educacio-
poder econômico-polí co nas mãos dos nais coloniais invalidaram suas culturas
setores capitalistas hegemônicos. Os ancestrais minando sua coesão social e
povos originários reconhecem cri ca- gerando de conflitos internos que fragi-
mente os processos de subalternização lizam sua capacidade de resistência às
a que foram subme dos historicamente pressões da sociedade hegemônica.
e assumem as lutas por fortalecer suas Do ponto de vista do saber, verifi-
iden dades e auto-gerenciar seus terri- ca-se que as significações racistas atribu-
tórios. Grupos étnicos subalternizados ídas aos povos originários condicionam a
se mobilizam na busca por reconstruir interação intercultural entre os saberes
relações de justiça e equidade entre tradicionais e os saberes ocidentais.
os diferentes grupos socioculturais na Torna-se, pois, necessária uma ressignifi-
gestão da vida e do meio-ambiente, co- cação epistemológica do conhecimento,
locando em discussão as bases teórico- que desconstrua o pressuposto moderno
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106 Reinaldo M. FLEURI. Interculturalidade, iden dade e decolonialidade: desafios polí cos...
Formação de professores na perspecƟva de uma
educação culturalmente diversificada: breves
considerações
Teacher EducaƟon in perspecƟve of a culturally
diverse educaƟon: Brief ConsideraƟons
Ahyas Siss*
Otair Fernandes**
* Doutor em Educação. Universidade Federal Rural do
Rio de Janeiro (UFRRJ). E-mail: ahyassiss@gmail.com
** Doutor em Ciências Sociais. Universidade Federal
Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).
E-mail: otairfernandes@gmail.com
Resumo
O ar go é um convite à reflexão acerca da importância da formação de educadores na perspec va de
uma educação culturalmente diversificada voltada para sociedades caracterizadas não apenas pelas
diversidade cultural e desigualdade social mas sobretudo, por possuírem uma herança escravista e
colonial que a estrutura e às suas relações, como é o caso da sociedade brasileira. Trata-se de um
dos mais importantes problemas que nos desafia a todos, professores, pesquisadores e alunos cuja
centralidade é o compromisso da produção de conhecimentos nos campos conformados pela edu-
cação e pelas relações étnico-racial, social, polí ca e ideológica problema zando, ressignificando e
a ins tuindo em um processo efe vamente democrá co na perspec va de negros e indígenas. Esse
foi o tema do V Seminário Internacional: Fronterias Étnico-Culturais e Fronteiras da Exclusão – inter/
mul culturalidade e formação de educadores, realizado em 2012, na Universidade Católica Dom
Bosco (UCDB) em Mato Grosso do Sul.
Palavras-chave
Educação. Formação de professores. Mul culturalimo.
Abstract
The ar cle is an invita on to reflect on the importance of teacher training in the perspec ve of a
culturally diverse educa on facing socie es characterized not only by the diversity and cultural and
social inequali es but also they have a slave and colonial heritage that structure them and their
rela onships as is the case of Brazilian society . This is one of the most important issues that chal-
lenge us all , teachers , researchers and students whose centrality is located on the commitment
to produce knowledge in the field of thema c formed by formed by educa on and ethnic-racial ,
social rela ons, poli cal and ideological ques oning , redefining and establishing this produc on
in a truly democra c sense from the perspec ve of blacks and indigenous . That was the theme of
the Fi h Interna onal Seminary: Fronterias Ethnic and Cultural Boundaries and Exclusion - inter /
108 Ahyas SISS; Otair FERNANDES. Formação de professores na perspec va de uma educação...
e diversidades etnicorraciais e da edu- ção da temá ca. A importância desses
cação brasileira, oferecendo subsídios eventos cien ficos pode ser mensurada
e orientações às ações educa vas de pela relevância acadêmica das pesquisas
intervenção pedagógica expressas pelas que para eles convergem, bem como
“Diretrizes Curriculares Nacionais para pelo interesse que eles vem despertando
a Educação das Relações Étnico-Raciais” na academia e fora dela.
além de favorecerem o ensino da cultura O tema em voga no V Seminário
Afro-Brasileira, africana e indígena ao Internacional: Fronteiras Étnico-Cultu-
possibilitarem a circulação de conhe- rais e Fronteiras da Exclusão – Inter/
cimentos relacionados aos campos da mul culturalidade e formação de educa-
educação superior e das relações étnico- dores permite uma discussão ins gante
raciais brasileiras em consonância com a e desafiadora tendo em vista sua com-
Lei 11645/2008, que altera a Lei n. 9.394, plexidade temá ca e as várias relações e
de 20 de dezembro de 1996, modificada interseções que podem ser estabelecidas
pela Lei n. 10.639/2003. entre os termos aqui focalizados.
Cabe lembrar que até bem pouco
tempo, eventos acadêmicos centrados 1 Educação culturalmente diferenciada:
nos campos de pesquisa da educação e contextualização
das relações etnicorraciais eram raros
nas universidades brasileiras. Esse pa- O termo educação inter/multi-
norama começou a mudar a par r do cultural, segundo Fleuri (2003), foi u -
final dos anos oitenta do século passado. lizado por Stephen Stoer e María Luiza
De lá para cá, vêm se mul plicando os Cortesão, de Portugal, para indicar o
debates, as análises e a produção teórica conjunto de propostas educacionais que
situados nesses campos. Congressos, visam promover a relação e o respeito
Encontros, Seminários e Simpósios na- entre grupos socioculturais, mediante
cionais e internacionais como ocorridos processos democráticos e dialógicos.
em diferentes espaços acadêmicos como Trata-se de uma proposta de “educação
UCDB, UERJ, UFES, UFF, UFRRJ, UFRJ, para a alteridade” configurada por uma
UNESP/USP, ANPEd, ANPOCS dentre perspec va de convivência democrá ca
tantos outros, bem como a criação de ampla entre diferentes grupos e culturas,
um Grupo de Trabalho voltado para essa em âmbito nacional e internacional.
temá ca na ANPEd (GT 21 Educação e Tal proposição recebe diferentes de-
Relações Etnicorraciais), cons tuem-se nominações nos Estados Unidos e em
em momentos privilegiados de aglu - países da Europa, como pedagogia do
nação de pesquisadores de todo país e acolhimento, educação para diversidade,
do exterior proporcionando discussão e educação comunitária, educação para
divulgação de conhecimentos, tornando a igualdade de oportunidades ou, mais
visíveis o crescimento e a complexifica- simplesmente, educação intercultural.
110 Ahyas SISS; Otair FERNANDES. Formação de professores na perspec va de uma educação...
culturas no interior de um território, sob um jogo das diferenças, segundo esta
a égide de uma cultura hegemônica, com autora, por ser um fenômeno em que
implicações na exclusão étnico-racial e as regras são definidas nas lutas sociais
na formação de estereó pos, que po- por atores que, por uma razão ou outra,
dem envolver desde feitos ditos exó cos experimentam o gosto amargo da dis-
de determinada cultura até aspectos criminação e do preconceito no interior
como a subordinação de uma etnia por das sociedades em que vivem. As regras
outra, com implicações na destruição desse jogo só pode ser compreendida de
da formação social dos subordinados. acordo com os contextos sócio-históricos
Dentre as diferentes interpretações do nos quais os sujeitos agem, no sen do de
termo, o multiculturalismo pode ser interferir na polí ca de significados em
explicado como movimento polí co e torno da qual dão inteligibilidade a suas
social legi mo das sociedades ocidentais próprias experiências, construindo-se
no contexto de uma democracia plura- enquanto atores.
lista. Os grupos culturais dominados no Várias tem sido as cri cas ao mul-
interior dessas sociedades reivindicam o culturalismo ou movimento mul cultu-
reconhecimento de suas culturais e a re- ral, entre as quais se destacam aquelas
presenta vidades das mesmas em nível que enfa zam o seu caráter eurocêntrico
nacional. A luta dos negros americanos, e que ele parte da lógica do capitalismo
a par r do início dos anos 1960, pelo mul nacional, além do fato que ao re-
acesso a direitos e contra a segregação e conhecer as várias culturas dentro de
o racismo, é visto como um dos exemplos uma mesma sociedade o faz de forma
do fenômeno do mul culturalismo. subordinada, sem ques onar a ordem
Porém, é importante salientar que hegemônica da cultura ocidental.
o mul culturalismo surgiu nesses con- É no bojo desse processo histórico
textos sociais fora do campo educacio- e movimento teórico que as ideias de in-
nal, pois antes se expressava nas artes, terculturalidade e mul culturalidade ga-
nos movimentos sociais, em polí cas, nham força e relevância polí ca e acadê-
implicando no reconhecimento da dife- mica. Ao contrário do mul culturalismo,
rença, no direito à diferença, colocando ambas tem em comum uma forte relação
em questão o po de tratamento dado às com a educação. Para Fleuri (2003) o
iden dades minoritárias. No campo da termo mul cultural pode ser entendido
educação, se impõe pelo poder e influ- como categoria descri va, analí ca, so-
ência que possuíam devido o fato de há ciológica ou histórica, para indicar uma
muito anos reivindicar o cumprimento realidade de coexistência de diferentes
dos princípios de igualdade e equidade, grupos culturais num mesmo contexto
rela vos às cons tuições de todos os social, além de representar concepções
países democrá cos, como nos mostra pedagógico-políticas divergentes. Se-
Gonçalves e Silva (2003). Trata-se de gundo este autor, alguns defendem este
112 Ahyas SISS; Otair FERNANDES. Formação de professores na perspec va de uma educação...
campo de luta onde as prá cas polí cas pedagógica eficiente ganha dimensão
e ideológicas devem ser consideradas de desafio polí co-pedagógico. Linhares
na proposição de projetos que visam (1997) postula que isso equivale a redefi-
a transformação desse espaço e de nir o papel que escola e professores vem
toda sociedade. Trata-se de um espaço desempenhando, pois a escola
carregado de tensão e de conflito onde como uma ins tuição social densa
se trava uma luta co diana contra o ra- de relações educa vas onde o ensi-
cismo em todas as suas dimensões e as nar e o aprender pode-se abrir em
desigualdades sócio-raciais. caminhos para dis nguir opressões,
comunicar-se com outras culturas,
2 A formação de professores na ressignificar conhecimentos por
perspectiva de uma educação situá-lo dentro de uma lógica mar-
culturalmente diversificada cada por perspec vas do que cons-
tui problemas para nós, [...] vamos
Formar educadores numa pers- ter que apostar que a fabricação de
pec va inter/mul cultural significa pre- novos lugares para a escola não po-
pará-los numa perspec va diversificada derá dispensar professores e alunos
culturalmente de forma que exercitem [...]. São estes que, [...] irão traduzir
a ação de educar para a convivência os saberes populares em cultura
escolar, acolhendo os desejos dos
respeitosa das diferentes subje vidades
trabalhadores, das mulheres, dos
e valores coexistentes em sociedades
negros, de saberes que os fortale-
mul culturais e para o respeito à di- çam (LINHARES, 1997, p. 146).
versidade. Isso não é tarefa fácil, pois
implica em uma mudança de a tudes e O surgimento de uma educação em
de valores. O reconhecimento do caráter perspec va culturalmente diversificada
mul cultural da nossa sociedade não é o nos Estados Unidos se insere na pers-
bastante, como também não basta que pec va mul cultural como resultado da
a escola reconheça que a sua clientela inicia va de pesquisadores e professores
é diversificada, seja por gênero, por doutores afro-americanos, “influencia-
classe, por raça e que possuem culturas dos, de início, pelos precursores dos Es-
diferentes. É fundamental que esse reco- tudos Negros” e pelo êxito que os Black
nhecimento não deve ser acompanhado Studies alcançaram nas escolas norte-
por polí cas de respeito aos diferentes americanas como o demonstram Gonçal-
e por uma mudança de a tudes frente ves e Silva (1998). Lá, pesquisadores da
a eles. Sem isso, dificilmente essa escola área de Estudos Sociais como Gwedolin C.
será capaz de desempenhar seu papel, Baker, James A. Banks, Geneva Gay e Carl
de forma democrá ca. A. Grant, associando cultura à iden dade,
Neste sen do, os processos de for- Formação de Professores e diversidade
mação de professores para uma prá ca cultural prescrevem reformulações me-
114 Ahyas SISS; Otair FERNANDES. Formação de professores na perspec va de uma educação...
as formas pelas quais “as diferenças e leis 10.639/2003 e 11645/2008,
as desigualdades se manifestam” nas que alteram a redação da Lei de Diretrizes
relações sociais; analisam estratégias de e Bases da Educação Nacional em vigor,
aprendizagem par culares dos diversos a Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996,
grupos sociais e aprendem a u lizá-las ao tornar obrigatória a inclusão da temá-
com o obje vo fundamental de o mizar ca “História e Cultura Afro-Brasileira e
a educação do alunado. Indígena” no currículo oficial da Rede de
Diferentemente de um mero exer- Ensino. O impacto desta alteração será
cício de retórica, as relações que as diver- sen do na formação dos professores com
sidades de gênero, cultura, raça ou etnia a ins tuição, em 2004, das “Diretrizes
e de classe estabelecem com a educação Curriculares Nacionais para a Educação
e com a formação docente na sua versão das Relações Étnico-Raciais e para o En-
norte-americana, compreende análi- sino de História e Cultura Afro-Brasileira
ses teóricas e uma prá ca que buscam e Africana” que preconiza:
modificar as relações de poder naquela Art. 1º A presente resolução ins tui
sociedade. É uma ação cole va empre- Diretrizes Curriculares Nacionais
endida por sujeitos históricos no sen do para a Educação das Relações
de reconfigurar toda uma sociedade e de Étnico-Raciais e para o Ensino de
ins tuí-la em bases mais justas. História e Cultura Afro-Brasileira
Nesse sen do, o papel exercido e Africana, a serem observadas
pela educação mul cultural escolarizada pelas instituições de ensino, que
reveste-se de importância fundamental atuam nos níveis e modalidades da
e ela vem se alimentando, em grande Educação Brasileira e, em especial,
parte, das análises acadêmicas desen- por Ins tuições que desenvolvam
programas de formação inicial e
volvidas por professores-pesquisadores
con nuada de professores.
afro-americanos que lecionam nas
diferentes universidades daquele país, O primeiro parágrafo desse ar go,
preocupados em transformar a lógica e por sua vez, observa que:
a forma pela qual aquela sociedade se § 1º As Ins tuições de Ensino Supe-
representa a si mesma e aos grupos que rior incluirão nos conteúdos de disci-
a cons tuem, como bem o demonstram plinas e a vidades curriculares dos
Gonçalves e Silva (1998). cursos que ministram, a Educação
No Brasil, esta é uma discussão das Relações Étnico-Raciais, bem
recente e, portanto, ainda em pleno como o tratamento de questões e
temá cas que dizem respeito aos
desenvolvimento. Uma intervenção
afrodescendentes, nos termos expli-
significa va na direção da formação dos citados no Parecer CNE/CP 3/2004.
professores no contexto de uma edu-
cação culturalmente diversificada tem Conforme preconizado nessas
como ponto de par da a Diretrizes, as Instituições de Ensino
116 Ahyas SISS; Otair FERNANDES. Formação de professores na perspec va de uma educação...
construção das desigualdades sociais universidade, por sua vez, exige-se a
e etnicorraciais que contribuem para elaboração de programas de formação
exclusão de grande parcela da população con nuada que possibilitem o desen-
afro-descendente dos bens construídos volvimento e a qualificação profissional
socialmente” e entre eles certamente desses professores, em uma dimensão
está a educação. Esses Núcleos têm con- permanente, possibilitando-lhes perce-
tribuído para formar uma novo perfil de ber e decodificar os estereó pos racistas
intelectualidade negra cujos trabalhos anti-negros e anti-indígenas veicula-
apontam para “uma possível inflexão dos pelos diversos materiais didá cos
para melhor compreender as relações colocados à sua disposição e a poder
raciais no contexto das desigualdades desmis ficar valores par culares que
sociorraciais e maior seriedade desta os currículos escolares muitas das vezes
temá ca nas pesquisas acadêmicas e tentam tornar gerais ou hegemônicos,
oficiais”. Se por um lado, a inserção dos bem como desmascarar a sobrevida do
diferentes grupos étnico-raciais nas uni- mito da democracia racial que ainda se
versidades brasileiras resulta da pressão faz presente hoje e atua com rela va in-
dos movimentos sociais de caráter iden- tensidade na maior parte dos currículos
tário e os seus sujeitos sobre o campo dos Cursos de Graduação das universi-
da produção acadêmica (negros, indíge- dades brasileiras e que se materializa na
nas, mulheres, homossexuais, outros), prá ca docente.
por outro esta inserção tem significado Enfa zamos que a formação inicial
uma mudança do olhar da ciência sobre e con nuada de professores é um ele-
a realidade brasileira (GOMES, 2010). mento fundamental para a desconstru-
Sabemos que a formação con - ção das desigualdades sociais e étnico-
nuada é um direito do professor e que raciais que contribuem para exclusão de
esse processo forma vo coloca algumas grande parcela da população indígena
exigências para esses profissionais, tais e Afro-brasileira dos bens construídos
como disponibilidade para aprendiza- socialmente. Ela é, seguramente, um
gem e vontade de aprender a aprender, dos caminhos possíveis para se realizar
dentre outras. Da instituição escolar, um trabalho educativo que dê conta
por outro lado, requer-se que sejam dessas complexas questões relações
criadas alterna vas, ou condições, que étnico-raciais e que oferece, ainda, im-
propiciem a esses profissionais a con - portantes contribuições no processo de
nuidade de seu processo forma vo. Se (des)construção do racismo em nossa
a formação de professores é dever do sociedade através do ques onamento
Estado e tarefa da Universidade exige-se, do preconceito e da discriminação, ain-
do Estado, a formulação e implementa- da tão presentes em nossa sociedade e
ção de polí cas públicas voltadas para portanto em nossas escolas, apesar dos
a qualificação desses profissionais. Da discursos em contrário.
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Resumo
Este estudo traz reflexões sobre a formação de educadores na perspec va inter/mul cultural, no contexto
das lutas e pressões protagonizadas pelo Movimento Negro brasileiro que historicamente reivindicou
o direito à educação para a população afro-brasileira. Tem como escopo abordar as conquistas desse
movimento no que tange a implementação de polí cas educacionais voltadas para a superação do ra-
cismo, da desigualdade racial e a desobediência epistêmica da formação docente. O trabalho ancora-se
nos teóricos pós-coloniais e nas mudanças trazidas pelas legislações que possibilitaram ques onar a
lógica hegemônica de uma cultura comum, de base ocidental e eurocêntrica, que silenciou e inviabilizou
outras lógicas e outros saberes. O desafio posto é ressignificar as marcas deixadas pela colonialidade e
a desconstrução dos currículos monoculturais, assim, a formação inicial e con nuada dos professores,
para a decolonização epistêmica, deve ser uma das estratégias que possibilitará a pedagogia decolonial.
Palavras-chave
Inter/mu culturalidade. Formação docente. Movimento negro.
Abstract
The aim of this study is to bring some reflec ons upon teacher educa on from the inter/mul cultural
perspec ve, in the context of struggles and pressures carried out by the Brazilian Black Movement that
has historically claimed for the right to educa on for the African-American popula on. It is scoped to
address the achievements of this movement in what poli cal educa on overcoming racism, inequali es
and in-service teacher educa on is concerned. This study is based on postcolonial theore cal framework
and in the changes brought by legisla ons that enable us to ques on the hegemonic logic of a com-
mon culture, Eurocentric occidental-based that has silenced and made other exper se and knowledge
impossible to emerge. The challenge to be dealt with is to give new meaning to the deep tracks le by
coloniality and the deconstruc on of monocultural curricula so pre and in-service teacher educa on,
for the epistemic decoloniza on, should be one of the strategies which will allow decolonial pedagogy
Key words
Inter/mul culturalism. In-service teacher educa on. Black movement.
122 Eugenia Portela de Siqueira MARQUES. Inter/mul culturalidade e formação con nuada...
proposta pelo então Deputado Federal O estudo sobre as diferenças cul-
pelo (PT/MS), Eurídio Benhur Ferreira, turais de cada povo e de cada etnia para
a vista do Movimento Negro de Campo dar sen do e tornar possível a discussão
Grande (Grupo TEZ Trabalho – Estudos da diferença no co diano escolar é o
Zumbi), e pela Deputada Federal Ester desafio a ser enfrentado na educação
Grossi (PT/RS). brasileira.
A Lei representou um avanço signi- O texto está organizado com a
fica vo no campo do currículo, tendo em introdução, em seguida apresentamos
vista que ins ga outras epistemologias uma breve abordagem sobre os avanços
para a educação e formação de educa- das polí cas públicas para a igualdade
dores, para romper com a visão homogê- racial e educacional, resultante do pro-
nea e padronizada de cultura, por meio cesso de luta histórica do Movimento
de diálogo intercultural que iden fique e Negro. No segundo subitem, problema-
potencialize as concepções das diferen- zamos as contribuições das legislações
ças presentes no co diano escolar. Nesse educacionais e a inter/mul culturali-
sen do, “Não se trata de, para afirmar dade na educação; na terceira parte,
a igualdade, negar a diferença, nem de tecemos algumas considerações sobre
uma visão diferencialista absoluta, que a formação de educadores intercultu-
rela vize a igualdade. A questão está em rais na perspec va da decolonização
como trabalhar a igualdade na diferença da educação.
[...]” (CANDAU, 2008, p. 49).
Sob essa ó ca, a formação inicial e Políticas públicas para a promoção da
con nuada dos professores, para a deco- igualdade racial: avanços e desafios
lonização epistêmica, com a visibilidade
de outras lógicas (MIGNOLO, 2003), deve O Brasil se destaca como uma das
ser uma das estratégias que possibilita- maiores sociedades multirraciais do
rão a pedagogia decolonial1. mundo e abriga um con ngente signi-
fica vo de descendentes de africanos
1
É o repúdio ao colonialismo e à colonialidade dispersos na diáspora. De acordo com o
que resultou no processo de desumanização dos censo 2000, o país conta com um total
subalternizados A pedagogia decolonial cruza as de 170 milhões de habitantes. Desses, 91
vertentes contextuais, do “pensar a par r da” milhões de brasileiros se autoclassifica-
condição ontológico-existencial-racializada dos
colonizados e do “pensar com” outros setores ram como brancos (53,7%); 10 milhões,
populares, são capazes de fazer insurgir, reviver como pretos (6,2%); 65 milhões, como
e reexistir (WALSH, 2009). É uma Pedagogia pardos (38,4%); 761 mil, como amare-
An rracista por contrapor à geopolí ca hegemô- los (0,4%), e 734 mil, como indígenas
nica monocultural e monorracial, que busca dar
(0,4%). O censo de 2010 indica um total
visibilidade à luta dos que foram silenciados pela
colonialidade, com suas origens nas Pedagogias de 190.732.694 habitantes, ou seja, em
dos Movimentos Sociais (ARROYO, 2012). comparação com o Censo 2000, ocorreu
124 Eugenia Portela de Siqueira MARQUES. Inter/mul culturalidade e formação con nuada...
categorias de cor e raça. Enquanto para dois anos de atraso escolar, entre os
o total da população a taxa de analfabe- negros esse indicador chega a 14%.
smo é de 9,6%, entre os brancos esse Portanto, podemos argumentar que
índice cai para 5,9%. Já entre pardos e a repetência e a evasão dificultam
mais o processo de escolarização de
pretos a taxa sobe para 13% e 14,4%,
algumas crianças brasileiras do que
respec vamente.
de outras.
A tendência à universalização do
ensino fundamental com a educação Os dados apontam maior proba-
obrigatória e gratuita no Brasil teve avan- bilidade de fracasso escolar em função
ços significa vos e beneficiou negros e da cor/raça. Os dados da Prova Brasil
brancos, todavia os inves mentos na 2011, aplicada nacionalmente e res-
educação, os projetos e programas ainda pondida por 2,3 milhões de alunos do
não foram suficientes para combater a 5º ano, mostram essa realidade. No
repetência escolar e, consequentemen- item de reprovação ou abandono da
te, o atraso escolar entre esses grupos, escola, um terço dos alunos declarou
o qual começa ainda nas primeiras séries que já haviam passado por essa situ-
do ensino fundamental. ação. Desses, 43% se autodeclararam
Percebe-se que a desigualdade pretos, 34% pardos e 27% brancos
socioeconômica que marca o Brasil (LOUZANO, 2013).
também reflete no sistema educacional, Essas dificuldades permanecem
visto que negros têm processos mais em toda a trajetória escolar dos alunos
tortuosos na trajetória escolar desde as negros e comprovada anualmente pelos
séries iniciais. Os estudos sobre fracasso ins tutos de pesquisas oficiais e também
escolar realizado por Louzano (2013, p. pelos pesquisadores da área. Dados do
118) demonstram que: IBGE mostram que a distorção entre a
idade série de estudantes negros e bran-
[...] diferença no acesso à escola cos ainda é grande. Enquanto apenas
entre brancos e negros diminuiu 4,5% dos estudantes brancos de 18 a
drasticamente nos últimos anos. 24 anos ainda tentam terminar o ensino
De fato, atualmente, no início do
fundamental e a grande maioria (65,7%)
processo de escolarização, brancos e
já cursa o ensino superior, 11,8% dos
negros têm igual acesso à Educação.
O processo de exclusão acontece
jovens pretos e pardos frequentam o
dentro da escola. Quando os estu- ensino fundamental. A maioria (45,2%)
dantes chegam ao segundo ciclo do ainda está no ensino médio, e 35,8%
Ensino Fundamental (6º ao 9º ano), chegaram à faculdade. Isso reflete no
apenas metade dos alunos negros ensino superior, pois, considerando a
se encontram na idade adequada ao faixa etária entre 15 e 24 anos, 31,1%
ano em que estão matriculados. En- da população branca frequentavam a
quanto 7% dos brancos têm mais de universidade. Em relação aos pardos e
126 Eugenia Portela de Siqueira MARQUES. Inter/mul culturalidade e formação con nuada...
jornadas de trabalho mais exten- a ser o racismo e a discriminação
sas e, por consequência, menores racial, isso não pode ser sinônimo
remunerações. (DIEESE, 2013, p. 3). de se ignorar os efeitos que aquelas
polí cas econômicas, ou o desen-
Em termos gerais, com a melhoria
volvimento da economia, podem
do mercado de trabalho brasileiro, são trazer para o estágio daquelas de-
perceptíveis alguns efeitos positivos sigualdades. Ou seja, os diferentes
sobre as desigualdades de cor ou raça, contextos de evolução do ritmo da
devido a inúmeros fatores ar culados a vidade econômica e as diferentes
por políticas econômicas e políticas polí cas sociais, necessariamente,
focalizadas que visaram à redução da trarão, de um modo ou de outro,
desigualdade racial. Na análise de Paixão efeitos mais ou menos posi vos ou
e Carvano (2008, p. 188), entre esses nega vos sobre as desigualdades
fatores destacaram-se: de cor ou raça. (PAIXÃO; CARVANO,
2008, p. 188-189).
I) contexto especialmente favorável
da economia mundial, que terminou Nessa perspec va, os autores en-
por animar o ritmo de a vidade eco- tendem que a adoção das polí cas de
nômica no espaço domés co; II) a ação afirma va no mercado de trabalho,
polí ca de revalorização do poder de em prol da equidade racial (incluindo a
compra do salário mínimo; III) polí - perspec va de gênero), pode encontrar
cas de transferência de rendimentos um meio circundante mais ou menos
como, por exemplo, os programas
favorável para potencializar aquelas
Bolsa Família e Bolsa Escola, que
aumentaram o poder de compra das
medidas.
camadas mais pobres da população Assim, um modelo de desenvol-
e, por conseguinte, dos pretos & vimento pró-equidade racial (ou
pardos; IV) políticas de expansão um modelo de crescimento pró-
do crédito para as famílias de classe afro-descendente), poderia ser
média e baixa, ampliando seu poder gerado através da combinação de
de compra; V) evolução posi va da medidas específicas de promoção
escolaridade média da PEA ocupada, da equidade e da cons tuição de
que contribuiu para o aumento dos um ambiente global favorável para
níveis médios de remuneração. que tal perspec va se consolide e
se expanda. Assumir esta reflexão
Os autores consideram que o tema
implica reportar o tema das desi-
das assimetrias de cor ou raça pode ser
gualdades de cor ou raça não ape-
deba do à luz da evolução do conjunto nas ao plano das dis ntas opções de
de circunstâncias mencionadas acima, e polí cas sociais, como igualmente à
afirmam que: questão dos diferentes modelos de
Se é verdade que o núcleo essencial desenvolvimento econômico. (PAI-
das iniquidades de cor ou raça vem XÃO; CARVANO, 2008, p. 188-189).
128 Eugenia Portela de Siqueira MARQUES. Inter/mul culturalidade e formação con nuada...
dar o devido tratamento à questão da Federação onde está instalada a ins -
diversidade étnico-racial; o processo tuição, segundo o úl mo censo do Ins -
de preparação e mobilização para a 3ª tuto Brasileiro de Geografia e Esta s ca
Conferência Mundial contra o Racismo, (IBGE, 2010).
a Discriminação Racial, a Xenofobia e O Estatuto da Igualdade Racial
Formas Correlatas de Intolerância que foi (Lei n. 12.288/2010) representou um
organizada pelas Nações Unidas (ONU) e marco legal da polí ca de promoção da
aconteceu em Durban, na África do Sul igualdade racial e visa garan r à popu-
em 2001. A Conferência de Durban forta- lação negra a efe vação da igualdade
leceu as en dades do Movimento Social de oportunidades, a defesa dos direitos
Negro demonstrando a necessidade de étnicos individuais, cole vos e difusos e
se implantar ações afirma vas no Brasil o combate à discriminação e às demais
e polí cas de combate ao racismo e às formas de intolerância étnica.
desigualdades étnico-raciais. Sobre a educação o Estatuto esta-
Após longos anos de embates, o belece que:
Senado Federal declarou a cons tucio- Ar go 11 - Nos estabelecimentos
nalidade das cotas raciais, com a apro- de ensino fundamental e de en-
vação da Lei das cotas aprovada pela Lei sino médio, públicos e privados,
n. 12.711, de 29 de agosto de 20128 que é obrigatório o estudo da história
dispõe sobre o ingresso nas universida- geral da África e da história da po-
des federais e nas ins tuições federais pulação negra no Brasil, observado
de ensino técnico de nível médio. A Lei o disposto na Lei no 9.394, de 20 de
prevê a reserva de 50% das vagas em dezembro de 1996.
estabelecimentos de ensino superior e § 1º Os conteúdos referentes à his-
médio da rede federal de ensino para tória da população negra no Brasil
estudantes oriundos de escolas públicas, serão ministrados no âmbito de
combinando também critérios étnicos, todo o currículo escolar, resgatan-
raciais e sociais. A reserva de vagas por do sua contribuição decisiva para o
desenvolvimento social, econômi-
cota racial está disciplinada no ar go no
co, polí co e cultural do País.
ar go 3º, e elas serão preenchidas por
curso e turno, por autodeclarados pre- § 2º O órgão competente do Poder
tos, pardos e indígenas, em proporção Execu vo fomentará a formação
inicial e conƟnuada de professores
no mínimo igual à de pretos, pardos e
e a elaboração de material didáƟ-
indígenas na população da unidade da co específico para o cumprimento
do disposto no caput deste ar go.
(Grifos nossos).
8
Texto na íntegra disponível em <h p://pres-
republica.jusbrasil.com.br/legislacao>. Acesso Apesar de iden ficarmos avanços
em: 14 mar. 2014. significa vos para a população negra,
130 Eugenia Portela de Siqueira MARQUES. Inter/mul culturalidade e formação con nuada...
introduziram suas propostas sem uma da necessária relação intercultural que
reflexão consistente e abrangente so- favoreça aos sujeitos reconhecerem-se
bre os saberes escolares e as diferenças heterogêneos.
presentes na realidade escolar brasileira, A educação intercultural propõe
também foi questionado pelos estu- o desenvolvimento de “estratégias que
diosos da educação e pelo Movimento promovam a construção de iden dades
Negro. particulares e o reconhecimento das
A ausência de uma discussão mais diferenças, ao mesmo tempo em que
abrangente dificultou o aprofundamento sustentam a inter-relação crí ca e soli-
e as reflexões necessárias para que os dária entre diferentes grupos” (FLEURI,
educadores desenvolvessem ação do- 2001, p. 45).
cente crí ca e reflexiva, a respeito das Nesse contexto, os estudos que
questões denunciadas pelo Movimento fundamentaram as legislações an rracis-
Negro, principalmente no que tange aos tas no Brasil obje varam a superação do
currículos monoculturais, à subalterniza- monoculturalismo e a visão essencialista
ção da diferença, a discriminação racial e de cultura e conhecimentos impostos
o preconceito. As contribuições trazidas pela colonialidade que subjulgaram e
pelos estudiosos do Mul culturalismo subalternizaram as minorias culturais e
e do Interculturalismo possibilitaram possibilitam a compreensão de que
inúmeros debates sobre essa lacuna
[...] para além da oposição redu-
curricular que possibilitou reflexões e cionista entre o monoculturalismo
pesquisas sobre educação e diferenças e multiculturalismo surge à pers-
étnico-raciais na escola e no currículo. pec va intercultural. Esta emerge
Os estudos sobre mul culturalis- no contexto das lutas contra os
mo de Moreira (2002), Canen, Oliveira processos crescentes de exclusão
e Franco (2000) e o mul culturalismo social. Surgem movimentos sociais
crítico ou revolucionário de McLaren que reconhecem o sen do e a iden-
(2000) apontaram para a urgência de dade cultural de cada grupo social.
uma re-significação da escola e do currí- Mas, ao mesmo tempo, valorizam o
culo, como um espaço de reinvenção das potencial educa vo dos conflitos. E
buscam desenvolver a interação e
narra vas que forjaram as iden dades
a reciprocidade entre grupos dife-
homogêneas e a relevância do debate
rentes como fatos de crescimento
sobre a invisibilidade dos sujeitos so- cultural e de enriquecimento mútuo.
ciais com representação minoritária nos Assim, em nível das prá cas educa-
currículos. cionais, a perspec va intercultural
As contribuições dos estudos sobre propõe novas estratégias de relação
o mul culturalismo crí co de McLaren entre sujeitos e entre grupos diferen-
(2000) colocaram à educação o desafio tes. Busca promover a construção de
de formar sujeitos-cidadãos conscientes iden dades sociais e o reconheci-
10
Mignolo propõe o reordenamento da geopolí-
ca do conhecimento para que ocorra o desenca-
11
deamento epistêmico a fim de desvencilhar dos Expressa a possibilidade da razão subalterna
conceitos modernos eurocentrados, enraizados para colocar-se em primeiro plano, em um diá-
nas categorias de conceitos gregos e la nos e nas logo “trans-epistemológico”, ou seja, a posição
experiências formadas dessas bases teológicas e epistêmica subalterna vis-à-vis à hegemonia
seculares (MIGNOLO, 2008). epistêmica (MIGNOLO, 2011).
132 Eugenia Portela de Siqueira MARQUES. Inter/mul culturalidade e formação con nuada...
1- Lei n. 10.639/2003 que inseriu o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana
nos currículos escolares;
2- Projeto de Lei n. 2.827/2003 que ins tui a Obrigatoriedade de Incluir o Quesito Cor/
Raça nas Fichas de Matrícula e nos Dados Cadastrais das Ins tuições de Educação
Básica e Superior, Públicas.
3- Resolução CNE/CP n. 01 de 17 de março de 2004 que ins tui as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e
Cultura Afro-Brasileira e Africana;
4- I Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial: Brasília, 30 de junho a 2 de
julho de 2005. Relatório Final. Brasília: Secretaria Especial de Polí cas de Promoção
da Igualdade Racial (SEPPIR), 2005.
5- Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação
das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e
Africana. Brasília, MEC 2009.
6- Documento Final da Conferência Nacional de Educação. Brasília: MEC, 2010.
7- Estatuto da Igualdade Racial (Lei n. 12.288/2010).
Quadro 1 – Arcabouço jurídico para a Educação Intercultural e a Pedagogia Decolonial
134 Eugenia Portela de Siqueira MARQUES. Inter/mul culturalidade e formação con nuada...
desenvolvidas com NEABS, Movimento diversidade da diáspora, hoje, nas
Negro e universidades. Américas, Caribe, Europa, Ásia; - aos
A formação continuada de pro- acordos polí cos, econômicos, edu-
fessores para combater o racismo e a cacionais e culturais entre África,
Brasil e outros países da diáspora.
discriminação racial na escola requer a
(BRASIL, 2004, p. 12)
reorientação epistemológica da interpre-
tação da história da África Nesse sen do, cabe ressaltar que
[...] tratada em perspec va posi va, a Lei n. 10.639/03, o Parecer CNE/CP n.
não só de denúncia da miséria e 3/2004 e a Resolução CNE/CP n. 01/2004
discriminações que a ngem o con- possibilitaram a superação de padrões
nente, nos tópicos per nentes se epistemológicos hegemônicos e orien-
fará ar culadamente com a história tam para a formação de educadores na
dos afrodescendentes no Brasil e perspec va uma pedagogia decolonial e
serão abordados temas rela vos: de interculturalidade crí ca.
- ao papel dos anciãos e dos gritos A Lei n. 10.639/2003 expressa que
como guardiãos da memória histó- o ensino de História e Cultura Afro-Bra-
rica; - à história da ancestralidade e
sileira e Africana será ministrado nas dis-
religiosidade africana; - aos núbios e
aos egípcios, como civilizações que
ciplinas de Educação Ar s ca, Literatura
contribuíram decisivamente para e História do Brasil, sem prejuízo às ou-
o desenvolvimento da humanida- tras disciplinas. A educação das relações
de; - às civilizações e organizações étnico-raciais deverá se desenvolver no
políticas pré-coloniais, como os cotidiano das escolas, em atividades
reinos do Mali, do Congo e do Zim- curriculares ou não, trabalhos em salas
babwe; - ao tráfico e à escravidão de aula, nos laboratórios de ciências
do ponto de vista dos escraviza- e de informá ca, na u lização de sala
dos; - ao papel dos europeus, dos de leitura, biblioteca, brinquedoteca,
asiáticos e também de africanos
áreas de recreação, quadra de esportes
no tráfico; - à ocupação colonial
na perspec va dos africanos; - às
e outros ambientes escolares (BRASIL,
lutas pela independência polí ca 2004, p. 12).
dos países africanos; - às ações em
prol da união africana em nossos Considerações finais
dias, bem como o papel da União
Africana para tanto; - às relações [...] para construção de uma so-
entre as culturas e as histórias dos ciedade democrá ca, igualitária e
povos do con nente africano e os sem racismo só pode ser a práxis
da diáspora; - à formação compul- dos movimentos sociais e popula-
sória da diáspora, vida e existência res organizados como sujeito de
cultural e histórica dos africanos e sua ação, isto é, como autên cos
seus descendentes fora da África; - à representantes de suas demandas,
136 Eugenia Portela de Siqueira MARQUES. Inter/mul culturalidade e formação con nuada...
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Resumo
Pretendemos neste texto traçar algumas reflexões acerca da temá ca da diversidade e sua interface
com a educação intercultural, a par r dos direitos das minorias sub-representadas, neste caso, os
indígenas. Para isso, optamos como referência autores do campo teórico conhecido como Estudos
Culturais, assim como dos Estudos Pós-coloniais: Bhabha, Canclini, Stuart Hall, Grosfoguel e Dussel,
mas também autores brasileiros, como Paulo Freire, Silva e Candau. A par r destes referenciais
tomamos por base empírica a realidade dos povos indígenas de Mato Grosso do Sul, em par cular
a situação dos estudantes indígenas nas Ins tuições de Ensino Superior do estado, as relações de
saberes e os direitos básicos destas sociedades. Basicamente trata-se de estudo teórico, tendo por
base experiências no trabalho com povos indígenas, o acesso e permanência na Universidade como
um direito à diversidade cultural.
Palavras-chave
Interculturalidade. Direitos humanos. Saberes indígenas.
Abstract
This papers wants to present some reflec ons on the theme of diversity and its interface with in-
tercultural educa on, and the rights of underrepresented minority groups, at this case indigenous
people. Thus, we chose the cultural studies field and its authors as reference, as well as Postcolonial
Studies: Bhabha, Canclini, Stuart Hall, Grosfoguel and Dussel, also brazilian authors such as Paulo
Freire, Silva and Candau. From these references and empirically based on indigenous peoples con-
di on in Mato Grosso do Sul, in par cular situa on of indigenous grad students at public university
– the knowledge rela ons and their basic rights. Finally It is a theore cal study which is based on
experiences at work among indigenous peoples in Mato Grosso do Sul.
Key words
Interculturalism. Human rights. Indigenous knowledge.
142 Antonio H. AGUILERA URQUIZA. Direitos humanos e educação intercultural: as fronteiras da...
e sub-representados. No entanto, lidera apresenta como um caminho válido de
também, o ranking de possuir a maior diálogo, além de uma proposta polí ca
quan dade de acadêmicos/as indígenas na qual possam ser criadas condições e
nas Ins tuições de Ensino Superior do espaços para a construção de ar cula-
estado, o que representa um sinal de ções entre estes direitos básicos.
que estas minorias sub-representadas Podemos dizer que até os anos
estão negociando novas possibilidades de 1970 na relação entre igualdade e
de existência e gestão de seus territórios. diferença, a ênfase era dada na primeira
parte, impulsionada pelos movimentos
Diversidade e Direitos Humanos marxistas e libertários deste período. O
lema era defender o direito a sermos
A partir das rápidas pinceladas todos iguais. A par r deste período, no
sobre este contexto, até certo ponto entanto, ganha ênfase demandas e polí-
sombrio, nestes úl mos anos, queremos cas que passam a defender os direitos
traçar as linhas de reflexão acerca do à diferença. Assim, surgem as perguntas:
direito à diversidade como um direito somos iguais ou diferentes? O que que-
humano fundamental nos tempos atu- remos, ser iguais ou diferentes? Como
ais. Coincidentemente quase sempre afirmamos, na atualidade ganha forma,
os seguimentos que mais são ví mas da cada vez mais, o foco nas diferenças.
exclusão econômica e social, são oriun- Somos portadores de pertenças culturais
dos de outras matrizes étnicas e cultu- diferentes: hábitos, gostos, tradições,
rais. Sobre eles pesam os preconceitos origens familiares, línguas, religião, va-
e negação do seu direito à diversidade. lores, entre outros. Mas não é só isso,
Os direitos humanos muitas vezes somos, também, diferentes nos direitos:
seguem sendo entendidos, por influên- mulheres, idosos, crianças e adolescen-
cia do liberalismo, como direitos exclusi- tes, afrodescendentes, índios, minorias
vamente individuais e fundamentalmen- étnicas, homossexuais, etc.
te civis e polí cos. No entanto, afirma-se Esta tensão entre a igualdade e
cada vez mais a importância dos direitos a diferença permanece nos contextos
cole vos, culturais e ambientais e, nes- atuais e segue gerando muitos produtos
se sen do, a luta pelo reconhecimento acadêmicos, em especial na vertente
das diferentes iden dades evidencia a dos Estudos Culturais, como os estudos
consciência de que a injus ça cultural de Bhabha (1998), Canclini (2003) e Hall
é a outra cara da injus ça distribu va (2002). Segundo Nunes (2004, p. 25),
nos marcos de construção democrá ca, A reivindicação da igualdade [...]
em que direitos de igualdade devem ser surge, com frequência, em tensão
ar culados com os direitos da diferença com os direitos que se referem à
(cf. SACAVINO, 2012). Nessa perspec - iden dade e à diferença. Essa ten-
va, a proposta da interculturalidade se são reaparece hoje, sob várias for-
144 Antonio H. AGUILERA URQUIZA. Direitos humanos e educação intercultural: as fronteiras da...
[...] uma proposta de um projeto como ele se dá, tendo como referência,
polí co que também pode implicar relações de poder incrivelmente assimé-
uma aliança com pessoas e grupos tricos, marcadas por uma longa história
que, de igual forma, buscam alter- de dominação e negação do outro, o
nativas à globalização neoliberal
diferente, o indígena.
e à racionalidade ocidental, e que
lutam tanto para a transformação
social como para criar condições Estudantes indígenas e o “diálogo de
do poder, do saber e do ser muito saberes”1
diferentes. Pensada desta forma, a
interculturalidade crí ca não é um
Há alguns desafios presentes
processo ou projeto étnico, nem um nesse avanço dos povos indígenas em
projeto da diferença em si mesma. direção aos espaços acadêmicos. Um
É um projeto de existência, de vida. primeiro diz respeito a sua presença na
Universidade e das dificuldades desta
Voltamos, neste ponto, ao eixo das
em dialogar com esses povos, situados
discussões a que este texto se propõe,
em outra tradição cultural, com saberes
qual seja, a de que a diversidade cultural
e processos sociais e históricos diferen-
e a proposição do diálogo intercultural
ciados. Um segundo desafio seria: como
são elementos imprescindíveis para
transitar em direção a uma educação
a convivência entre as sociedades na
contemporaneidade, em par cular, no mais engajada nos problemas diários
contexto do Ensino Superior e quando vivenciados pelos povos indígenas, nos
se trata da presença de indígenas em quais se destacam problemas relacio-
seu interior. nados aos seus territórios, recursos na-
Sabemos que o modelo atual turais e à reconstrução de condições de
de universidade não foi pensado para sustentabilidade, ou, ainda, problemas
atender a todos/as, mas sim, é herdeira decorrentes de relações profundamente
da matriz eurocêntrica, de um po de assimétricas, marcadas e corroídas pelo
hegemonia não apenas sociocultural e preconceito contra seu modo de vida?
econômica, mas também, epistêmica. É Como transformar, nesse contexto, o
neste ponto que a presença de indígenas espaço escolar, em especial o acadêmico,
nas universidades, começa a ques onar em espaço de diálogo, troca e ar culação
o que chamamos de hegemonia do de saberes e alterna vas para uma po-
“cien ficismo”, ao trazer em sua baga- pulação que se confronta com inúmeros
gem, os saberes secularmente acumu- desafios novos? Um terceiro desafio diz
lados e u lizados por suas comunidades respeito ao pós-academia, ao que fazer
e ancestrais. após concluída a trajetória acadêmica.
O próximo item irá tratar exata-
mente deste tema, o diálogo entre os 1
Este item tem por base Aguilera Urquiza e
saberes no contexto da universidade, de Nascimento, 2013.
146 Antonio H. AGUILERA URQUIZA. Direitos humanos e educação intercultural: as fronteiras da...
respeito à luta por autonomia e melho- capitalismo”. E conclui, reconhecendo
res condições de inserção no entorno que, “se formando assim os acadêmicos
regional. não terão mais preocupação no cole vo,
Para Eliel Benites (2009), professor que são suas comunidades”.
e acadêmico kaiowá, da Terra Indígena Essa mesma dificuldade é apon-
Te`yikue, município de Caarapó, refe- tada por Gersem Luciano (2009), índio
rindo-se à presença indígena nas IES, baniwa, do Alto Rio Negro, AM, antropó-
reconhece que “nossa maior dificuldade logo e atualmente professor da UFAM.
foi desestruturar aquilo que (já) estava Afirma ele que “O conhecimento aca-
fixado” (BENITES, 2009, p. 29). A simples dêmico é individualizado e priva zado,
“ampliação do acesso”, além de manter vendido de acordo com interesses pes-
os saberes indígenas à margem, se tradu- soais e não de cole vidades” (LUCIANO,
ziria, também, na formação de intelectu- 2009, p, 38). Aliás, esse é um fundado
ais desconectados de seus povos e suas temor de muitos sábios indígenas, frente
lutas e que, após concluírem seus cursos, à crescente demanda dos jovens de suas
não se sen riam mais em condições de aldeias em busca das IES, considerando,
contribuir com os mesmos povos. especialmente, experiências históricas
Na mesma perspec va acima se- recentes. Por isso, afirma o já citado
gue outro professor e acadêmico, Joa- Prof. Eliel Benites (2009), que “é preciso
quim Adiala2, guarani, da Terra Indígena afirmar a nossa visão, para, dessa forma,
de Porto Lindo, município de Japorã: fortalecer a nossa cultura e nosso povo
[...]. Se não soubermos quem somos, não
Muitas vezes as Universidades não
querem aceitar o po de conheci- poderemos a ngir o desenvolvimento e
mento, organização polí ca, social o fortalecimento de nossa cultura e de
e economia dos nossos povos [...]. nossa língua” (BENITES, 2009, p. 38)
Os professores [das IES] não conhe- São, certamente, raros, na histó-
cem os nossos anseios e por isso ria, os “encontros” entre as demandas
não conseguem trabalhar com os e lutas dos povos indígenas e as IES,
acadêmicos indígenas. espaços historicamente reservados às
E segue afirmando que “os acadê- elites regionais, profundamente an -
micos têm uma perspec va e as universi- indígenas. Por isso, as demandas que
dades trabalham com os obje vos delas, os povos indígenas apresentam às IES
o que muitas vezes dificultam a perma- vêm permeadas e atravessadas por in-
nência dos indígenas. Elas só formam tensa disputa de poder num espaço até
para o individualismo, na perspec va do agora a eles inacessível. A afirmação da
iden dade étnica, com ênfase na luta
pelo reconhecimento dos seus saberes,
2
III Encontro de Acadêmicos Indígenas de MS, nos espaços acadêmicos, não pode ser
Dourados, 17-19 de outubro de 2008. dissociada desse viés de disputa de
148 Antonio H. AGUILERA URQUIZA. Direitos humanos e educação intercultural: as fronteiras da...
construírem inéditas experiências de sumir o papel de “ar culador, intermedi-
resistência, negociação e de luta co- ário e tradutor” desses conhecimentos.
le va, apoiados na “centralidade” de O mesmo professor reconhece que, na
sua cultura (HALL, 1997). São esses os medida em que assume esse papel vem
saberes, com todas as suas ambivalên- se tornando referência na aldeia, mas
cias e contradições, que os acadêmicos que isso exige “humildade” e disposição
indígenas que aportam às Universidades de sempre querer ouvir o outro, sem
trazem e a par r dos quais dialogam com nunca “desclassificá-lo” em caso de
os assim dos como saberes universais, discordância. E conclui afirmando ser
veiculados pelas mesmas Universidades, “esse o problema que ele percebe no
em busca de melhor capacitação. contexto das Universidades” (BENITES,
Trata-se de ensaiar novas prá cas 2009, p. 38).
curriculares e didá cas, nas universida- Ul mamente, no âmbito do Pro-
des – e por que não dizer, na educação grama Rede de Saberes, foram realizadas
básica – a par r de novas bases episte- oficinas de discussão com acadêmicos
mológicas, as quais redimensionam a indígenas, exatamente sobre a possi-
tendência eurocêntrica em hierarquizar bilidade/necessidade do diálogo entre
os conhecimentos, desconsiderando e os saberes ‘tradicionais’ e os chamados
subalternizando outras formas de sa- saberes acadêmicos, a par r do contexto
beres. É significa vo, na sequência, o das universidades, tendo em vista o pró-
depoimento de um acadêmico indígena. prio futuro destes jovens e suas relações
Benites (2009), após reconhecer com as aldeias de origem.
que, inicialmente, veio para a Univer-
sidade em busca de tecnologia e novos Diálogo intercultural como direito
conhecimentos, afirma que hoje, como humano básico das minorias
acadêmico, tem pela frente dois desafios
que considera mais importante: o princi- Quando consideramos os tempos
pal é o de contribuir com a “sistema za- atuais – o avanço dos interesses merca-
ção dos conhecimentos tradicionais”, o dológicos, mega projetos impulsionados
que lhe exige uma crescente ar culação pelo suposto aumento da demanda
com os que, na aldeia, melhor dominam energé ca, globalização3 das tecnolo-
esses conhecimentos (os rezadores); e,
segundo, traduzir para o contexto da al- 3
Atualmente, o fenômeno da chamada globali-
deia e dos desafios de sua comunidade, zação representa um verdadeiro quebra-cabeças
os assim denominados “conhecimentos para pensadores e cien stas de diferentes áreas
universais”. do conhecimento. Parece-nos que não há como
Por outro lado, o professor Eliel negar que se trata de uma realidade complexa,
que nos afeta a todos e que não pode ser redu-
explica logo que não se trata de traduzir
zida a uma única variável. Ao contrário, acre-
esses conteúdos para o guarani, mas as- ditamos que a globalização envolve diferentes
150 Antonio H. AGUILERA URQUIZA. Direitos humanos e educação intercultural: as fronteiras da...
conseguem entrar nas Ins tuições de de abrirem-se para o diálogo de saberes
Ensino Superior e menos ainda de per- e reconhecimento das trajetórias destes
manecerem, pois são necessárias outras estudantes. Paulo Freire (1977), com sua
ações, como mais informação nas aldeias proposta de “palavra geradora”, já havia
acerca dos processos sele vos (ENEM, alertado para a necessidade do currículo
por exemplo), foco nos processos de ter como ponto de par da para a experi-
acompanhamento destes estudantes nas ência do conhecimento, os saberes locais
IES. A frase mais ouvida nos úl mos de- dos sujeitos da educação.
bates acerca deste tema tem sido: “não Para Coraggio (2003), a universida-
bastam as cotas e bolsas de estudo”. de precisa criar situações em que todos
A partir destas considerações, os professores e alunos percebam no
centro a atenção em outro elemento co diano os conflitos as contradições e
fundamental para a permanência de as ambiguidades presentes. Para ele, é
indígenas no ensino superior, que é preciso dar voz a voz, mas não somente a
a temá ca do diálogo de saberes, ou voz, como também ao corpo, ao gênero,
mesmo uma reconsideração dos atuais à geração, à raça, às diferentes etnias.
paradigmas dos conhecimentos. Para Dessa forma, a universidade deverá ter
início de conversa, podemos dizer que a as portas abertas para não somente aco-
maior parte dos professores universitá- lher jovens indígenas, mas estar disposta
rios não estão preparados para dialogar ao diálogo intercultural, melhor deno-
com a diversidade em suas salas de aula. minado de diálogo de saberes, onde
O educador ou educadora teriam que um dos eixos é o redimensionamento
buscar conhecer melhor a realidade de curricular, para acolher a diversidade,
seus alunos/as, a dinâmica de aprendiza- os saberes outros, aqueles que vêm
gem, para ajudá-los a encontrar melhor da subalternidade, dos seguimentos
os caminhos do desenvolvimento de sub-representados.
suas potencialidades. Voltamos aqui, uma vez mais, ao
Nesse sen do, torna-se urgente tema dos estudos pós-coloniais, refe-
defendermos a necessidade de rever- rentes a estes saberes subalternos, os
mos alguns conceitos estabelecidos quais ainda não encontram espaços na
nas escolas e universidades, como é o educação superior. Quando a academia
caso do próprio currículo. Este está dis- estrutura seu currículo em um mode-
tante da realidade dos estudantes, em lo hegemônico, fruto das relações de
especial dos/as estudantes indígenas, colonialidade, concomitantemente ela
pois desconsideram seus saberes, não provoca a subordinação dos saberes
favorecem a valorização de cada um/a e indígenas e aniquila as possibilidades de
suas especificidades. De certo modo os reconhecimento destes conhecimentos
currículos concebem modelos padrões como socialmente efe vos e elimina a
de conteúdos e de alunos/as, ao invés possibilidade de produção autônoma de
152 Antonio H. AGUILERA URQUIZA. Direitos humanos e educação intercultural: as fronteiras da...
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154 Antonio H. AGUILERA URQUIZA. Direitos humanos e educação intercultural: as fronteiras da...
Estudos curriculares no Brasil: o (não) lugar dos
conceitos de interculturalidade, mulƟculturalismo,
hibridismo, raça, etnia e gênero
Curriculum Studies in Brazil: the (non) place
of the concepts of hybridism, interculturality,
mulƟculturalism, race, ethnicity and gender
José Licínio Backes*
* Prof. Dr. no Programa de Pós-Graduação em Educação
da Universidade Católica Dom Bosco.
E-mail: backes@ucdb.br
Resumo
O ar go analisa o (não) lugar dos conceitos de hibridismo, interculturalidade, mul culturalismo,
raça, etnia e gênero no campo do currículo, cuja centralidade ou não produz um conjunto de efeitos
para esse campo. Para fazer a análise, foram lidos e examinados todos os trabalhos apresentados no
Grupo de Trabalho Currículo (GT 12) da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Edu-
cação (ANPEd) no período 2008-2012, totalizando 69 trabalhos. A análise mostrou que os conceitos
são u lizados mais como adje vos para qualificar diferentes realidades do que como substan vos e
que o seu significado é pouco explicitado nos trabalhos apresentados. Também foi observada pouca
presença (não-centralidade) dos conceitos e temá cas de gênero e relações étnico-raciais, bem
como de questões ligadas à interculturalidade e ao mul culturalismo no campo do currículo. Ainda
que essa presença contribua para a ressignificação do campo do currículo, concluímos que ela seria
maior se houvesse uma centralidade desses conceitos e uma preocupação maior em explicitá-los.
Palavras-chave
Estudos curriculares. ANPEd. GT Currículo.
Abstract
This paper analyzes the (non) place of the concepts of hybridism, interculturality, mul culturalism,
race, ethnicity and gender in the curriculum field, showing that either their centrality or the lack of it
produces a range of effects on this field. In order to perform this analysis, all the papers presented in
the Curriculum Work Group (GT12) of the Na onal Associa on of Post-Gradua on and Research in
Educa on (ANPEd) in the 2008-2012 period were read and examined, making up the total of 69 papers.
The analysis has shown that the concepts were more o en used as adjec ves to qualify different reali es
than as nouns, and their meanings were barely explicit in the papers. Concepts and themes related to
gender and ethnic-racial rela ons were scarcely evidenced in the papers (non-centrality), and so were
issues concerning interculturality and mul culturalism in the curriculum field. Although such presence
contributes to the re-significa on of the curriculum field, we have concluded that it would be increa-
sed if such concepts were seen as more central and the concern with their explicita on were greater.
Key words
Curriculum studies. ANPEd. Curriculum Work Group.
156 José Licínio BACKES. Estudos curriculares no Brasil: o (não) lugar dos conceitos de interculturalidade...
moderna e, apesar de não terem suas cristã...). Para mostrar como a educação
fronteiras bem definidas, organizam-se tem operado para tentar legi mar uma
em torno de alguns interesses comuns, iden dade por meio do seu currículo e
entre os quais, destacamos: a) mostrar apontar outras possibilidades, alguns
que há várias epistemologias válidas; b) conceitos têm sido acionados, entre os
mostrar que conhecimento e poder são quais, destacamos: hibridismo, intercul-
inseparáveis, isto é, a verdade é uma turalidade, mul culturalismo, raça, etnia
questão de poder, e não de adequação e gênero. O uso desses conceitos tem
entre intelecto e realidade; c) todos contribuído para ques onar o currícu-
os conhecimentos carregam as marcas lo, produzindo outros modos de vê-lo.
(raciais/étnicas, gênero, crença, naciona- O currículo passa a ser visto como um
lidade...) dos sujeitos que os produziram; espaço/tempo privilegiado de fabricação
d) o sujeito epistemológico não possui de iden dades e diferenças.
uma essência e é, em grande parte, um Tanto os conceitos de mul cultu-
efeito dos diferentes discursos que o ralismo quanto os de interculturalidade
produziram. Esses efeitos não são fixos e têm sido u lizados junto com adje vos
essenciais, e reconhecê-los é a condição na tentativa de mostrar que há dife-
de possibilidade para subverter a lógica rentes modos de significá-los. Embora
moderna e produzir conhecimentos ou- eles tenham sidos gestados pelos movi-
tros; e) além de mostrar a arbitrariedade mentos sociais étnico/raciais (CANDAU;
e a não-universalidade dos conhecimen- RUSSO, 2010), isso não significa que não
tos produzidos pela ciência moderna, possam ser u lizados com fins conserva-
convém produzir conhecimentos capa- dores e convergentes com os interesses
zes de infiltrar-se na lógica moderna, hegemônicos. Em relação ao mul cultu-
colocando em xeque seus pressupostos; ralismo, a classificação mais recorrente
f) e, por úl mo, talvez o mais importan- é a feita por McLaren (1997). O autor
te, produzir conhecimentos capazes de apresenta quatro pos de mul cultura-
defender os interesses dos grupos cultu- lismo: a) mul culturalismo conservador
rais posicionados pela ciência moderna ou empresarial; b) multiculturalismo
como anormais, patológicos, desviantes, humanista liberal; c) mul culturalismo
subalternos, incapazes, inferiores. liberal de esquerda; c) mul culturalismo
O campo dos Estudos Culturais, crí co ou de resistência.
nos úl mos anos, tem contribuído para O mul culturalismo conservador
a educação, mostrando que, assim como ou empresarial, por pressupor a existên-
a ciência moderna pretende ser a única cia de um déficit cultural dos grupos não-
verdadeira, a educação historicamente brancos, defende que suas diferenças
também tem procurado impor apenas sejam assimiladas e incorporadas na cul-
uma iden dade como verdadeira e legí- tura branca pela convivência “pacífica”,
ma (branca, masculina, heterossexual, ignorando as assimetrias de poder que
158 José Licínio BACKES. Estudos curriculares no Brasil: o (não) lugar dos conceitos de interculturalidade...
suas estruturas de poder que perpetuam (negros, indígenas...). Os Estudos Cultu-
as injus ças e as desigualdades. rais não negam a existência de diferenças
Em relação ao conceito de hibridis- biológicas, mas se privilegiam os sen -
mo, este tem sido acionado para mostrar dos atribuídos aos seres humanos por
o caráter arbitrário e construído de todas pertencerem a uma determinada raça/
as realidades, num contexto de relações etnia, pois: “na maioria das vezes, os dis-
entre culturas, um campo de relações de cursos da diferença biológica e cultural
poder. Trata-se de um processo agonís - estão em jogo simultaneamente” (HALL,
co, sempre inconcluso, incompleto, sem 2003, p. 71).
solução final: “o hibridismo permite que Quanto ao conceito de gênero,
outros saberes ‘negados’ se infiltrem no para os Estudos Culturais, da mesma
discurso dominante e tornem estranha a forma que o conceito de raça/etnia, ele
base de sua autoridade – suas regras de é entendido como uma construção social
reconhecimento” (BHABHA, 2001, p. 165). e cultural, e não como uma questão de
O conceito de hibridismo possibili- natureza ou de essência. Há múl plas
ta compreender as ar culações e recon- identidades de gênero – não apenas
textualizações que se dão entre as lógi- a iden dade masculina e feminina –,
cas globais e locais, produzindo efeitos todas elas construídas pelas relações
para o campo do currículo. Neste campo, sociais. Novamente, deve-se destacar
a categoria hibridismo nos faz entender que não é que se nega que existe um
as políticas não simplesmente como corpo biológico, mas o interesse é saber
“[...] seleção, produção, distribuição e o que é feito com esse corpo biológico
reprodução do conhecimento, mas como no território histórico, social e cultural.
polí cas culturais que visam a orientar Como salienta Louro (1997, p. 22), “não
determinados desenvolvimentos sim- há, contudo, a pretensão de negar que
bólicos, obter consenso para uma dada o gênero se constitui com ou sobre
ordem e/ou alcançar uma transformação corpos sexuados, ou seja, não é negada
social almejada” (LOPES, 2005, p. 56). a biologia, mas enfa zada, deliberada-
Já em relação ao conceito raça mente, a construção social e histórica
e etnia, para os Estudos Culturais, são produzida sobre as caracterís cas bioló-
categorias discursivas e polí cas (HALL, gicas”. Portanto, enfa za-se o caráter de
2003). O que importa são os significados construção do gênero, o caráter plural,
que circulam em torno da raça/etnia, as múl plas diferenças de gênero, e não
e não uma suposta marca biológica ou algo dado a priori.
essência, como era afirmado no século Como já apontamos, o uso desses
XIX, quando era vista como um conjun- conceitos tem ressignificado o campo do
to de caracterís cas naturais e sicas, currículo. Como esses conceitos têm sido
atribuindo-se qualidades para alguns u lizados nos trabalhos apresentados na
grupos (brancos) e déficits para outros ANPEd e como seu uso tem transforma-
160 José Licínio BACKES. Estudos curriculares no Brasil: o (não) lugar dos conceitos de interculturalidade...
Hall (2003) feita em relação ao uso do des, mostrando que elas não são puras
conceito de mul culturalismo quando nem lineares, mas misturadas, recon-
afirma que esse conceito pode ser usado textulizadas, tensionadas, rear culadas,
como substan vo ou adje vo, os concei- rearranjadas, ressignificadas, negocia-
tos e suas derivações, nos trabalhos do das, traduzidas. Esse uso é o que se
GT de Currículo analisados, são usados pode depreender dos textos analisados.
como adje vos para caracterizar uma Ainda que esse uso esteja contribuindo
determinada realidade, sem que haja, para mudanças curriculares, o potencial
por parte dos autores, uma preocupação analí co desse conceito poderia ser mais
em explicitar o sen do. explorado.
Nesse tocante, merece destaque Com base em nossa análise, que
o conceito de hibridismo, que, como nos indica parecer tratar-se de um ad-
vimos, é o mais recorrentemente citado jetivo multiuso (COSTA, 2006), assim
entre os conceitos que foram objeto de como os adje vos mul cultural e inter-
análise. Ele serve para adje var dife- cultural, como veremos em seguida, é
rentes realidades, tais como: sistema que optamos por u lizar a expressão
ges onário híbrido, polí cas híbridas, (não) lugar dos conceitos, pois eles estão
currículo híbrido, projeto pedagógico presentes em muitos textos, mas sem
híbrido, professores híbridos culturais, problema zar o significado. O conceito
campo educacional híbrido, campo cur- “vai acumulando tantas funções e defini-
ricular híbrido, textos híbridos, discursos ções que acaba se tornando o sinônimo
híbridos, cultura híbrida, pós-graduação do que deveria explicar” (COSTA, 2006,
como espaço híbrido, tecnologia híbrida, p. 125). Uma palavra que serve para
corpos híbridos, saberes pedagógicos adjetivar tantas realidades acaba se
híbridos, saberes profissionais híbridos, tornando vazia de significado. Num texto
conhecimentos híbridos, pedagogia publicado (BACKES, 2012), procuramos
híbrida, tempo híbrido, significações refutar a crí ca que Costa (2006) faz ao
híbridas, experiência híbrida, lugares uso do conceito de hibridismo quando
híbridos, formulações híbridas, fron- afirma tratar-se de uma reflexão circular.
teiras híbridas, elaborações híbridas, Segundo Costa (2006), os autores que
saberes híbridos, polí cas curriculares u lizam esse conceito têm como ponto
híbridas, conhecimentos disciplinares de par da que tudo é híbrido (mundo,
híbridos, imagens híbridas, processos cultura, pessoas...), fazem um esforço
híbridos, iden dades híbridas, processo intelectual enorme para mostrar os
de vivência híbrida, narra vas híbridas, processos híbridos e chegam à conclusão
demandas híbridas, sen dos disciplina- de que “[...] as culturas, as pessoas, a
res híbridos, seres híbridos. globalização, ele próprio são, Eureka!...
Dessa forma, seu uso tem servido híbridos” (COSTA, 2006, p. 125). No tex-
mais para qualificar diferentes realida- to citado, argumentamos que há algum
162 José Licínio BACKES. Estudos curriculares no Brasil: o (não) lugar dos conceitos de interculturalidade...
plicitado seu significado. Ainda que seja centralidade) dos conceitos e temá cas
possível afirmar, com base nos poucos de gênero e relações étnico-raciais, bem
trabalhos que discutem esses conceitos, como de questões ligadas à intercultura-
pelos campos teóricos u lizados e pelos lidade e ao mul culturalismo no campo
contextos em que estão inscritos, que do currículo. Num primeiro momento,
eles são vistos como relacionais, polí cos poderíamos dizer que é a própria lógica
e construídos histórica e culturalmente, da ANPEd, ao organizar-se em GTs, que
se fossem mais explicitados, provoca- produz isso, o que não deixa de ser uma
riam mais ressignificações no campo do verdade – uma verdade tranquilizadora.
currículo. Sua explicitação, conforme Por sabermos que, assim como todas
análise nossa desses conceitos feita no as lógicas, essa lógica não é produto do
Grupo de Trabalho Gênero, Sexualidade acaso, mas fruto das relações de poder,
e Educação (GT 23) e no Grupo de Traba- levantamos a suspeita de uma verdade
lho Educação e Relações Étnico-Raciais angus ante e agonís ca: não será por-
(GT 21) da Associação Nacional de Pós- que, produtos da lógica colonial e da
Graduação e Pesquisa em Educação colonialidade (QUIJANO, 2002; WALSH,
(ANPEd), contribuiria para: a) cri car e 2013), nós, educadores, con nuamos
desconstruir a ênfase biológica das iden- pensando que relações étnico-raciais
dades étnicas, raciais e de gênero, pois devem ser discu das por grupos subal-
ela é reducionista; b) rejeitar e subverter ternizados e que relações de gênero
as concepções fixas e binárias das iden- devem ser debatidas por mulheres e
dades étnicas, raciais e de gênero, pois sujeitos fora da heteronorma vidade?
produzem o etnocentrismo, o racismo, Longe de querermos nos colocar
a normalização, a heteronorma vidade; na posição de quem diz o que pode/
c) iden ficar processos de subversão e deve ser objeto de discussão do campo
ressignificação das iden dades/diferen- curricular ou quais temá cas são mais
ças coexis ndo com prá cas racistas, relevantes, queremos apenas con nuar
etnocêntricas, normalizadoras, hetero- pensando como nos tornamos o que
normais (BACKES, 2013a, 2013b). somos e como podemos nos tornar
sujeitos outros; como produzimos o
Considerações finais nosso currículo e como este nos produz;
e como podemos produzir currículos
Ao concluirmos a análise do GT de outros para assim nos produzirmos de
Currículo da ANPEd, lembramo-nos da outros modos, outros modos de ser,
análise do GT de Educação e Relações viver, pensar, conviver. Continuamos
Étnico-Raciais e do GT Gênero, Sexua- pensando que seguir os rastros dos
lidade e Educação e não poderíamos estudos étnico-raciais, dos estudos de
terminar o ar go sem registrar nossa gênero, dos estudos interculturais e
angús a com a pouca presença (não- mul culturais é um caminho ins gante,
Referências
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164 José Licínio BACKES. Estudos curriculares no Brasil: o (não) lugar dos conceitos de interculturalidade...
ArƟgos
Papel dos formadores, modelos e estratégias
formaƟvos no desenvolvimento docente
Role of teacher educators, formaƟve models and
strategies in teacher development
Ana Ignez Belém Lima Nunes*
João Ba sta Carvalho Nunes**
* Doutora em Ciências da Educação pela Universidade de
San ago de Compostela (Espanha). Professora do Pro-
grama de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Estadual do Ceará. E-mail: anaignezbelem@gmail.com.
** Doutor em Filosofia e Ciências da Educação pela
Universidade de San ago de Compostela (Espanha).
Professor do Programa de Pós-Graduação em Edu-
cação da Universidade Estadual do Ceará. E-mail:
joao.nunes@uece.br.
Resumo
Discutem-se o papel do formador na formação con nuada e os modelos e estratégias forma vos
para o desenvolvimento docente. Parte-se da análise do papel do formador, situando a complexidade
de conceituar esse termo, assim como as fragilidades ainda presentes em sua formação. Defende-
se a ideia de que a coerência entre a formação desejada para os professores e a formação de seus
formadores é um aspecto fundamental para promover o desenvolvimento docente. Em seguida,
denotam-se diversos modelos e estratégias de formação con nuada, com suporte na literatura
cien fica e de estudos realizados pelos autores. Ao final, esboçam-se propostas para a melhoria da
formação con nuada desde a perspec va do desenvolvimento docente, a serem implementadas
pelos órgãos gestores e/ou pelas escolas.
Palavras-chave
Formação de formadores. Modelos e estratégias forma vos. Desenvolvimento docentecitarásoutlined
to be implemented by government agencies and/or by schools.
Key words
Training of teacher educators. Forma ve models and strategies. Teacher development.
168 Ana I. B. L. NUNES; João B. C. NUNES. Papel dos formadores, modelos e estratégias forma vos no...
1 Papel dos formadores desenvolvimento docente. Ao conceitu-
ar a formação como um processo no qual
Dentre os diferentes elementos os professores devem ser profissionais
presentes na discussão sobre as mo- inves gadores e reflexivos da própria
dalidades e estratégias de formação prática, é preciso que os formadores
continuada para o desenvolvimento também o sejam. A esse respeito Per-
docente, destaca-se a reflexão sobre o renoud (2002, p. 72) informa que “só
papel dos formadores de professores ou um formador reflexivo pode formar
formadores de formadores, reves ndo- professores reflexivos, não só porque ele
lhes de importante atribuição e respon- representa como um todo o que preco-
sabilidade. Concordamos com Escudero niza, mas porque ele u liza a reflexão de
(1998), quando há muito nos adver a uma forma espontânea em torno de uma
da necessidade urgente de dar atenção pergunta, de um debate, de uma tarefa
aos formadores de professores, pois os ou de um fragmento do saber”.
planos e métodos da formação não se A tarefa do formador não é fácil.
operam por si mesmos. Para Vaillant Ela passa pela capacidade de conheci-
e García (2001, p. 20), “os programas mento, análise e domínio de questões
de formação para docentes não dão referentes ao trabalho docente em sala
os resultados esperados devido, entre de aula e na escola. Essa tarefa necessita
outras causas, a que os formadores res- ser revista ao mesmo tempo em que as
ponsáveis pelos programas carecem de discussões sobre a formação estejam
formação adequada”. avançando. Significa que também os for-
No terreno da formação conti- madores devem estar inseridos em um
nuada, pouca atenção é conferida à processo de desenvolvimento docente.
formação dos formadores. Laranjeira Garrido (2000, p. 9) destaca que a a vi-
et al. (1999) asseveram que a discussão dade formadora é bastante complexa e
sobre a formação, papel e especifici- di cil, haja vista seu caráter ar culador
dade do trabalho do formador ainda e transformador, e porque, nas suas pa-
avançou pouco no panorama brasileiro. lavras, “não há fórmulas prontas a serem
Mais recentemente, Statonato (2010) reproduzidas. É preciso criar soluções
iden ficou como a formação de forma- adequadas a cada realidade”.
dores, mais especificamente professores Como formador de professores,
coordenadores de oficinas pedagógicas, partindo da definição de Huberman
mostra limites para lidar com a realidade (1994), estaremos entendendo todo
da prá ca profissional dos professores. aquele profissional que está dedicado
A coerência entre a formação à formação de professores, desenvol-
que defendemos para os professores e vendo seu papel no cenário de escolas,
a formação de seus formadores é um secretarias de educação, centros ou
aspecto fundamental para promover o institutos de formação docente, uni-
170 Ana I. B. L. NUNES; João B. C. NUNES. Papel dos formadores, modelos e estratégias forma vos no...
formação geral sobre as aprendizagens definidas como: a busca de superar a
da própria prá ca. dicotomia entre formação inicial e con-
Nesse modelo, o professor se tor- nuada com opções cria vas; o ponto
na dependente do formador, valorizando de par da para os trabalhos é a prá ca
o saber do especialista em detrimento docente, u lizando dis ntas estratégias
do seu saber. Isto enseja uma circuns- de reflexão, como visitas, estudos de
tância de acomodação, conformismo casos, simulações, análises de materiais
e falta de problema zação da prá ca didá cos, gravações etc.
docente. Entendemos que esse modelo Essas atividades são propostas
de formador se adapta a determinados com suporte em um enfoque inves ga-
pos de estratégias forma vas – confe- dor, proporcionando critérios próprios
rências, palestras, cursos especializados ao professor para que enfrente os
sobre temas específicos etc. – porém dilemas da prá ca docente co diana.
não pode ser predominante no cenário A reflexão teórica é introduzida como
forma vo dos docentes. Aprender exige marco para analisar o que ocorre no
entrega, par cipação, diálogo e contex- processo ensino-aprendizagem, estando
tualização. orientada a desenvolver fundamentação
Em uma perspec va crí ca e refle- cien fica que proporcione maior coe-
xiva, temos o segundo modelo de forma- rência à atuação docente. O enfoque
dor como um colaborador do processo didá co com os professores é o mesmo
forma vo dos professores, contrapondo- que se pretende que seja trabalhado
se ao papel de controlador e dirigente. com os alunos.
Nessa visão, o professor é o protagonista A ideia central caracterizadora do
da sua formação e também atua como perfil desse po de formador é a de um
formador de si próprio e de seus compa- profissional voltado a formar professores
nheiros. A figura do formador evolui de com capacidade para ques onar per-
uma compreensão da mudança centrada manentemente a própria prá ca; com
no desenvolvimento individual, para um interesse em problema zar e comprovar
maior compromisso com a escola como a teoria na prá ca, mediante a inves ga-
organização que aprende (VAILLANT; ção na sala de aula.
GARCÍA, 2001). A figura 1 nos ajudará a resumir
Algumas características presen- melhor a ideia central expressa nos dois
tes nas a vidades desse formador são modelos de formadores.
172 Ana I. B. L. NUNES; João B. C. NUNES. Papel dos formadores, modelos e estratégias forma vos no...
nos permite avançar na busca de uma gar precipitadamente um programa de
formação continuada que chegue a formação con nuada, sem antes situá-lo
cons tuir espaço de reflexão, análise, em um contexto educacional específico,
inves gação, intercâmbio de experiên- marcado por questões de ordem social,
cias e ideias, cooperação, colaboração polí ca, econômica, pessoal etc.
e integração teoria e prá ca (HARGRE Na análise de uma estratégia
AVES, 1996; ZEICHNER, 1993); uma forma va, é fundamental atentar para
formação con nuada que possibilite o o papel exercido pelos professores,
desenvolvimento pessoal, profissional pois é necessário desenvolver prá cas
e social do professor. forma vas inscritas em modelos que os
considerem protagonistas. Para isso, é
2 Modelos e estratégias de formação preciso romper com esquemas de for-
continuada para o desenvolvimento mação tradicionais, a fim de possibilitar
docente aos docentes a vivência de processos
forma vos com múl plas e dinâmicas
De início, esclarecemos que, apoia- estratégias, que lhes permitam cons tuir
dos em García (1994) e Ramos (1999), e refle r sobre seu espaço profissional,
estamos compreendendo modelos como sua prá ca e contexto. Propicia-se, dessa
sistemas de referência que permitem forma, a criação de uma cultura de ques-
estruturar e dar uma configuração con- onamento e colaboração (LIEBERMAN;
ceitual às estratégias de formação con - WOOD, 2003).
nuada para o desenvolvimento docente. Para abordar os modelos de for-
As estratégias são por nós definidas mação, tomamos como referência a
como as propostas que concre zam, na classificação proposta por R. Y. Ramos
prá ca, os diversos programas/ações de (1999). A esses modelos, iremos inse-
formação con nuada de professores. rir as estratégias propostas por García
Embora diferentes visões sobre o (1994) e Santaella (1998). Entendemos
desenvolvimento docente possibilitem que as classificações propostas pelos re-
estratégias de formação con nuada di- feridos autores nos serão especialmente
versificadas, deve restar claro o fato de úteis para pensar o desenvolvimento
que, muitas vezes, a mesma estratégia docente como algo mais concreto na
pode estar inscrita em diversos modelos prá ca educacional.
em função das intenções e dos interesses
2.1 Modelo transmissivo
das pessoas que os implementam e que
dela par cipam. Os rótulos sob os quais É um modelo centrado basica-
se denomina uma estratégia forma va mente na transmissão de saberes, espe-
não nos informam necessariamente cialmente de cunho teórico. Há grande
acerca da concepção sobre a qual será ênfase na figura do formador como um
trabalhada. Não se pode avaliar nem jul- especialista que irá transmi r a grupos
174 Ana I. B. L. NUNES; João B. C. NUNES. Papel dos formadores, modelos e estratégias forma vos no...
2.2 Modelo autônomo grande vantagem é a possibilidade de
aprofundamento e atenção a temas mais
O modelo autônomo se fulcra na relacionados às necessidades pessoais
noção de que o professor tem capaci- do professorado, o que dificilmente se
dade e deve dirigir o próprio processo pode obter em outras estratégias de
formativo, baseando-se no princípio natureza assistemá ca.
de que os adultos aprendem melhor Relativamente à autoformação
quando iniciam e propõem a a vida- no plano coletivo, é válido incluir os
de de desenvolvimento docente. Está seminários permanentes (surgidos na
consoante, portanto, com os princípios Espanha nos anos 1970), que são a vi-
da aprendizagem adulta e da carreira dades com caráter de estudo, análise e
docente. As estratégias forma vas aqui reflexão sobre um tema determinado
são escolhidas pelos professores, que pelos próprios docentes. Esses seminá-
não estão sa sfeitos com as ofertas for- rios aparecem como fórmula eficaz para
ma vas propostas pelo sistema oficial, e “aperfeiçoar a formação do professora-
também pelos que tencionam ampliar a do, potencializar a reflexão em grupo,
própria formação, adequando-a às suas elaborar conjuntamente materiais de
necessidades reais e interesses. aula e inves gar e experimentar novos
Nesse modelo, podem ser incluí- modelos didá cos em um contexto par -
dos os congressos, jornadas, simpósios, cipa vo, dentro da comunidade escolar”.
seminários, encontros e outros eventos (XUNTA DE GALÍCIA, 1999, p. 59).
contingentes dessa natureza. Todas Santaella (1998) refere-se aos se-
essas são estratégias que permitem minários permanentes como essencial-
reunir grandes grupos de professores mente voltados para que os professores
em um período curto, oferecendo-lhe possam não apenas conhecer, mas tam-
uma informação especializada e com o bém par cipar da elaboração de currí-
obje vo de trocar experiências, analisar culos, adquirir competências referentes
temas específicos, obter informações à intervenção educativa, conhecer e
etc. (CHAO, 1992). São estratégias in- u lizar novos recursos e estratégias de
teressantes quanto à atualização de co- ensino e aprendizagem e de avaliação,
nhecimentos, ampliação de informações bem como adquirir informações do mun-
e conhecimentos de contextos dis ntos. do cien fico e cultural que possam ser
Outra estratégia consoante com o relevantes à prá ca pedagógica.
modelo autônomo é a licença ou finan- Algumas caracterís cas importan-
ciamento para estudos e inves gações, tes dessa estratégia são: estar formada
des nada à formação individual docen- por um grupo pequeno de professores
te, que se pode concre zar em especia- que varia nos dis ntos contextos, mas
lizações, mestrados, doutorados ou em não é superior a 13 par cipantes; abor-
outros níveis de educação superior. A da temas relacionados com a prá ca
176 Ana I. B. L. NUNES; João B. C. NUNES. Papel dos formadores, modelos e estratégias forma vos no...
salas de aula. Esses estudos tam- por meio da análise da linguagem, de
bém derivam de suas observações e elaborações pessoais ou conhecimentos.
das observações dos alunos. Deste
modo, criam-se oportunidades efe - Análise dos construtos pessoais
vas para que os docentes examinem, Essa estratégia exibe-se como
não apenas suas experiências pes- uma técnica para analisar as teorias
soais e profissionais, mas também implícitas dos professores, mediante
as de seus pares. Ao estudar casos formas diferentes: entrevistas, grupos,
concretos, os professores estabele- autoinformes etc. Com efeito, ajuda os
cem maior vínculo entre a teoria e professores a tomarem decisões como
a prática, descobrindo os dilemas aprendizes e docentes estratégicos, am-
morais e é cos do ensino. pliando conhecimentos, entendendo a si
• Conversação entre os professores: é mesmos e cons tuindo sua formação em
destacada como promotora do desen- interação com a realidade. Destacamos
volvimento docente porque permite a seguir alguns passos para a análise dos
a reflexão, a confrontação de ideias, construtos pessoais dos professores,
a inves gação, o redimensionamento par ndo de uma adaptação dos estudos
de significados. A esse respeito, Rust de García (1994).
(1999, p. 371), referindo-se ao Resear- • Descrição – os professores explicitam
ch Network Project, cuja metodologia suas concepções sobre temas con-
básica está nas histórias e conversas cretos de sua prá ca profissional, por
entre os professores, destaca que os exemplo, a avaliação da aprendizagem;
par cipantes estão engajados “nessas • exploração – o momento para conver-
conversações para aprender sobre o sas e leituras teóricas sobre o tema;
que significa tornar-se um professor e • reconhecimento e intercâmbio – os
para suportar o desenvolvimento pro- professores buscam perceber as di-
fissional”. As histórias que permeiam ferenças entre suas descrições sobre
as conversações, por conseguinte, o tema e as teorias estudadas, e as
são peças importantes na descoberta, compar lham entre si;
aprendizagem e formulação de um • etapa de negociação – buscam-se os
discurso sobre o ensino e acerca de si acordos em grupo de professores para
mesmo como professores. chegar a uma definição consensual
sobre o tema; e
2.3.2 Análise da linguagem e do pensa- • revisão – contrasta-se a nova definição
mento com as concepções que os professores
No segundo grupo de estratégias, nham no início da análise.
estão aquelas que pretendem contribuir
para o desenvolvimento dos professores
178 Ana I. B. L. NUNES; João B. C. NUNES. Papel dos formadores, modelos e estratégias forma vos no...
a fim de que o professor perceba a pró- professores, e se harmonizam melhor ao
pria atuação para melhorar sua prá ca. modelo implica vo. Tais expressões têm
Podemos classificá-la em três pos, de como cerne a par cipação a va dos pro-
acordo com os obje vos pretendidos fessores de forma indagadora e reflexiva,
(SANTAELLA, 1998). pois cons tuem importante veículo para
• Apoio profissional técnico – consiste na ajudar os professores a se darem conta
transferência, por parte dos professo- de valores, a tudes e suposições sobre
res, do que aprenderam em seminários a aprendizagem (I’ANSON; RODRIGUES;
e cursos; WILSON, 2003).
• supervisão clínica – também conhecida
como apoio profissional de compa- 2.4 Modelo de trabalho em equipe
nheiros, que destaca “o elemento de Este é um modelo cuja caracterís-
ajuda entre companheiros para o de- ca central reside na resolução de uma
senvolvimento e integração de novos conjunção de problemas comuns por
professores, incremento do diálogo parte de um grupo de professores na es-
e reflexão através da observação e cola. Supõe a par cipação dos docentes
incluso do ensino de companheiros”. no desenho e planejamento da própria
(GARCÍA, 1994, p. 344). Essa estratégia formação. É um modelo que se adapta
requer que a escola desenvolva verda- prioritariamente à formação centrada
deiramente uma cultura de colabora- na escola, sendo suas estratégias tam-
ção, na qual se possam compar lhar o bém compa veis, principalmente com
estabelecimento de metas e a tomada o modelo implicativo. Nesse sentido,
de decisões (HARGREAVES, 1996); Ramos (1999, p. 217) nos esclarece que
• apoio profissional para a indagação a perspec va colegiada está “centrada
– desenvolve-se por meio de uma nas necessidades da escola, mais que
estratégia de pesquisa-ação colabora- nos indivíduos”.
va, com o propósito de proporcionar Acreditamos ser importante res-
melhorias docentes, mediante uma saltá-lo como um modelo de formação,
análise dos processos de resolução de e não apenas como estratégia presente
problemas do ensino (SANTAELLA, em outros modelos, porque põe relevo
1998). à temá ca da cultura colabora va no
Embora o apoio profissional téc- trabalho docente. Para Avalos (1998),
nico seja muito u lizado para designar embora em diversos países, inclusive da
a vidades no modelo implica vo, con- América La na (Chile, Argen na e Para-
sideramos que está mais relacionado a guai desde os anos 1980), a discussão
um modelo transmissivo. Pensamos que sobre o trabalho colabora vo entre os
a supervisão clínica e o apoio profissional professores não seja recente, esse é um
para a indagação transcendem o limite tema profundamente atual e necessário
posto pela concepção de treino dos nos processos forma vos.
180 Ana I. B. L. NUNES; João B. C. NUNES. Papel dos formadores, modelos e estratégias forma vos no...
favoráveis para que os professores se desenvolvidas. A formação con nuada
formem. deve acontecer com base na realidade
Como exemplo mais concreto da ins tuição, nas necessidades docen-
desse po de estratégia, no panorama tes e nos projetos pedagógicos, contri-
brasileiro, podemos citar a experiência buindo para que a escola cons tua e
de uma escola para jovens e adultos fortaleça um espaço de crescimento para
da rede municipal de Belo Horizonte. todos os que nela estão envolvidos.
Valadares (2002, p. 194) destaca que a
formação teve os seguintes obje vos: Considerações finais
1) envolver alunos e professores na É necessário enfa zar a noção de
elaboração do currículo; conside-
que todos os modelos e estratégias aqui
rando-os sujeitos do processo; 2)
Compreensão do currículo numa
expressos não se excluem entre si, por-
perspec va mais ampla; 3) Constru- quanto podem se complementar, depen-
ção de um projeto interdisciplinar a dendo do contexto, obje vos e metas
par r da pedagogia de projetos; 4) a serem alcançadas na formação con-
Compreender os novos espaços da nuada; mas também dependendo da
formação de professores. concepção de currículo, ensino, escola e,
Tais obje vos foram estabelecidos evidentemente, da clareza sobre o papel
com base no diagnós co de evasão e re- que o professor deve desempenhar. Do
petência constatado na escola. A forma- mesmo modo, é preciso definir também
ção foi desenvolvida de modo cole vo, o papel e o lugar dos formadores.
com fundamento nos mais diferentes É nosso entendimento a ideia de
processos e projetos, como: a criação que a discussão e a implementação de
de uma oficina de ideias, na qual os estratégias forma vas, por conseguin-
professores trocam experiências, apon- te, sejam elas de qualquer natureza e
tam sugestões e expõem seus medos e pertencentes a qualquer modelo, não
angús as; reuniões semanais para acom- podem ser dissociadas da compreensão
panhar e avaliar o projeto; seminários, sobre as necessidades e demandas de
cursos; participação em movimentos formação e do papel de professores e
culturais dos mais diversos; discussão formadores, encontrando, com suporte
de temas sobre o novo perfil do profis- nelas, o espaço e a voz desses protago-
sional da educação etc. A defesa dessa nistas como par cipes a vos em suas
formação é de que o professor nunca trajetórias de formação. Ademais, qual-
está pronto, sempre está se produzindo quer que seja a estratégia forma va,
e, portanto, seu percurso forma vo de- esta só acontecerá se as condições ade-
verá estar sempre aberto ao novo. quadas e o tempo disponível para a sua
A escola é o lugar primeiro para formação forem garan dos a professores
que práticas como essa possam ser e formadores.
Referências
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Resumo
Este estudo tem como objeto as necessidades forma vas docentes e tem como obje vo inves gar as
necessidades forma vas dos professores estaduais do ciclo I das escolas do município de Presidente
Prudente, SP. A pesquisa teve caráter quan -qualita vo e, como procedimento metodológico, foi
aplicado um ques onário para setenta e dois professores. Os resultados ob dos foram analisados
a par r de autores que discutem o sen do atual da educação escolar, a formação de professores
enquanto desenvolvimento profissional e a colaboração da análise de necessidades de formação
como diagnós co para a o planejamento de ações de formação con nua de professores. A pesquisa
possibilitou a elaboração de indicadores de necessidades forma vas dos professores pesquisados.
Palavras-chave
Necessidades forma vas docentes. Formação e de professores. Função docente.
Abstract
The subject of this research is the teacher’s training needs and its aim is directed to finding out
what are the training needs of the teachers of the so-called “ciclo I” (First Stage) of teaching in state
schools in the city of Presidente Prudente, São Paulo state. The research was developed through
the quan ta ve-qualita ve point of view and the methodological produce used was the applica on
of a ques onnaire to seventy two teachers. We were based in autors who discuss themes like the
meaning of the school educa on nowadays, the professional development of teachers and the
contribu on of the analysis of the teacher’s training needs like a diagnosis to plane ac on to the
188 Carla R. C. YAMASHIRO; Yoshie U. F. LEITE. Necessidades forma vas dos professores do ciclo I do ...
dos professores citados, a par r da ca- 2.1 O sentido social da educação escolar
racterização das suas condições socio-
econômicas, da sua formação cultural A formação de professores está
e profissional, das suas condições de diretamente relacionada ao sen do atri-
trabalho e das suas expecta vas sobre buído à educação escolar e à definição
a função docente e sobre a formação da função do trabalho docente na socie-
contínua de professores; analisar as dade, pois os papéis do professor e da
necessidades forma vas segundo uma escola não estão separados do projeto
concepção de formação contínua de de sociedade que se vislumbra.
professores que ar cula o processo de Tedesco (2004) e Singer (1996)
formação e profissionalização dos do- concordam a respeito da importância
centes no ambiente de trabalho desses da educação escolar na implementação
profissionais; e, por fim, oferecer indica- das bases da sociedade e entendem que
dores para a planificação de projetos de a educação escolar é influenciada por
formação con nua de professores. diferentes representantes sociais fora da
Dando sequência a este texto área educacional. Há uma crise na edu-
apresentamos os principais referenciais cação escolar cujas causas não residem
teóricos norteadores da nossa pesquisa, isoladamente nessa área, mas sim, no
a descrição da sua metodologia e do conjunto das circunstâncias históricas e
seu desenvolvimento e, por fim, os seus sociais associadas ao âmbito econômico
resultados. e polí co da sociedade.
De acordo com Tedesco (2004), a
2 Referencial teórico crise de iden dade da educação escolar
resulta do conflito entre quan dade e
O estudo bibliográfico nos pro- qualidade de ensino. Depois da neces-
porcionou condições para construirmos sidade de expandir o ensino, o próximo
um aporte teórico sobre o sen do social desafio da educação seria garantir o
da educação escolar, as especificidades mesmo grau de equidade qualita va a
da profissão docente, a perspec va de todos. No entanto, há fatores de ordem
formação con nua de professores como econômica que interferem nas questões
desenvolvimento profissional con nuo educa vas. A educação escolar, nesse
e o estudo de necessidades forma vas sen do, pode tornar-se um instrumen-
no campo da formação de professores, to de sa sfação das necessidades do
assuntos que nos serviram de referencial mercado de trabalho apenas e não um
para a reflexão dos dados coletados pelo instrumento de sa sfação das necessi-
ques onário. dades sociais das comunidades.
Em concordância com Tedesco
(2004), Singer (1996) também ressalta
a interdependência entre as questões
190 Carla R. C. YAMASHIRO; Yoshie U. F. LEITE. Necessidades forma vas dos professores do ciclo I do ...
A especificidade do trabalho do- porciona a reconstrução do pensamento
cente caracteriza-se, por um lado, por dos indivíduos e dos grupos por meio da
aspectos externos à própria docência, reflexão. A prá ca e o desenvolvimento
pois é uma profissão situada em um con- da reflexão, desse modo, são fundamen-
junto mais amplo da organização social tais para que a escola possa se colocar
do trabalho, sendo a sua função bastante como uma mediadora da transformação
direcionada por necessidades, muitas do pensamento humano em contraste
das vezes, não condizentes àquelas pró- ao pensamento socialmente dominante.
prias do contexto interno da escola. No Sendo assim, para atender a
entanto, por outro lado, é uma profissão função educa va da escola, esse autor
que constrói sua iden dade específica, considera essencial a caracterização do
de modo fortemente marcante, por meio trabalho docente como hermenêu co-
das relações que estabelece no interior reflexivo, uma vez que concebe o ensi-
de seu contexto co diano. no como uma a vidade complexa, que
Pérez Gómez (1995), Tardif e Les- ocorre em cenários singulares, determi-
sard (2007) e Roldão (2006) discutem nados pelo contexto. O autor esclarece
como sendo um dos traços específicos que o trabalho docente atua em um
da profissão docente as tensões provo- ambiente psicossocial vivo e em cons-
cadas a par r de uma dupla finalidade tante transformação, no qual interagem
existente na educação escolar, dis ngui- múltiplos fatores e condições. Nesse
da por Pérez Gómez como as funções ambiente, o docente enfrenta problemas
socializadora e educa va. imprevisíveis de ordem prá ca, que re-
Segundo Pérez Gómez (1995), o querem opções é cas e polí cas e que,
papel mediador da escola é concomi- portanto, a mera interferência técnica ou
tantemente socializador e educativo a aplicação de uma regra procedimental
(uma complementa a outra) e, por isso, a pré-determinada não contempla a com-
escola vivencia a constante tensão dessa plexidade das situações educa vas. Para
duplicidade. A função socializadora da es- essa concepção de prá ca docente, o
cola é responsável por amenizar os efei- conhecimento docente é construído na
tos da desigualdade social, sem, contudo, atuação pedagógica, sendo resultado
suprimi-la, pois possui potencialidades da combinação entre a inves gação das
que garantem aos indivíduos e grupos a situações do ambiente educa vo e a u -
possibilidade de se desenvolver intelec- lização dos instrumentos e ferramentas
tual, afe va e socialmente, promovendo conceituais desenvolvidas pelo professor
sua inserção social. Já a função educa va no decorrer da sua formação intelectual.
amplia e revaloriza a atuação da escola, Portanto, para esse autor, o componente
pois atribui a ela um papel de contraste básico da prá ca docente, aquele que
em relação aos princípios da cultura especifica o trabalho docente, é o de-
hegemônica, na medida em que pro- senvolvimento da reflexão.
192 Carla R. C. YAMASHIRO; Yoshie U. F. LEITE. Necessidades forma vas dos professores do ciclo I do ...
pela simples passagem do saber, não empenha-se em mo var os professores
por razões ideológicas, ou apenas por a serem pesquisadores da sua prá ca e a
opções pedagógicas, mas por razões se envolverem em processos de reflexão
sócio-históricas” (ROLDÃO, 2006, p. 2). e de interação. A escola, desse modo,
Roldão (2006) cita como caracterís cas passa a possuir dupla função também
do conhecimento específico do docente na cons tuição do seu trabalhador, o
a sua natureza compósita; a capacidade professor: a função de profissionalizá-lo
analí ca; a natureza mobilizadora e in- e a função de formá-lo permanentemen-
terroga va; a meta-análise; e por fim, a te. A profissionalização e a formação do
comunicabilidade e a circulação. professor estão ligadas diretamente ao
Ao relacionarmos as especifici- exercício de sua prá ca profissional e,
dades do trabalho docente à formação portanto, podem ar cular-se entre si
de professores, compreendemos quais no ambiente da prá ca da docência, ou
caracterís cas impõem-se como neces- seja, o contexto escolar.
sárias ao cul vo de uma formação que De acordo com essa perspec va
melhor contemple a complexidade da de formação, que integra a pesquisa, a
profissão docente. Nesse sentido, ao formação e a profissionalização, a forma-
conceber o trabalho docente como um ção legi ma-se quando contribui “para
trabalho de natureza reflexiva, ar s ca o desenvolvimento profissional do pro-
(PÉREZ GOMÉZ, 1995), intera va (TAR- fessor no âmbito do trabalho e de me-
DIF; LESSARD, 2007) e compósita (ROL- lhoria das aprendizagens profissionais”
DÃO, 2006), concordamos com Imbernón (IMBERNÓN, 2000, p. 45). Isto equivale a
(2000) ao afirmar que a formação de dizer que a legi midade da formação se
professores deve ser redimensionada dá quando as aprendizagens repercutem
para atender as finalidades de superar a nos sistemas de trabalho e, estes, por
mera atualização técnica, possibilitando sua vez, na formação. É por esse mo vo
mais espaços de par cipação e reflexão que acreditamos que o desenvolvimento
do docente; e de es mular a sua cri cida- profissional do professor impulsiona o
de, proporcionando a compreensão das desenvolvimento ins tucional da escola.
contradições da profissão e das situações A formação, portanto, vinculada à
que perpetuam a alienação profissional. profissionalização e à pesquisa a par r
Baseados, então, nesse aporte do local de trabalho, configura-se numa
teórico exposto até aqui, entendemos possibilidade de desenvolvimento da
que a formação de professores, capaz autonomia profissional docente, na me-
de contemplar a complexa natureza dida em que os professores e os futuros
da profissão docente e de desenvolver professores são mo vados a refle rem
um profissional apto a compreender as sobre sua formação e profissionalização
contradições próprias do seu trabalho, de forma ar culada, por meio da pes-
situa-se no contexto da própria escola e quisa, que é realizada por eles próprios.
194 Carla R. C. YAMASHIRO; Yoshie U. F. LEITE. Necessidades forma vas dos professores do ciclo I do ...
do sistema educa vo ou as expecta vas gico e o polí co, uma vez que ele se
e necessidades individuais. conscien za das próprias necessidades
Nesse sentido, conforme Rodri- forma vas diante de seus contextos de
gues e Esteves (1993), no âmbito da atuação profissional.
formação de professores, duas pers- Nesse sen do, a análise de neces-
pec vas dominam a área de análise de sidades forma vas é um meio capaz de
necessidades: a de ajustamento entre a proporcionar ao professor a constante
“procura” de formação e a “oferta” e a reconstrução da sua iden dade a par-
de ajustamento da “oferta” à “procura” r da reflexão do desempenho da sua
de formação. Segundo as autoras, ambas prática dentro do contexto histórico-
as perspec vas residem no campo peda- social no qual está inserido. O estudo
gógico, pois concebem a par cipação do das necessidades forma vas, regido por
docente no processo de levantamento pressupostos teóricos voltados para a
e análise das necessidades, com a fi- concepção do desenvolvimento profis-
nalidade de contribuir para as relações sional con nuo, pode vir a contribuir
pedagógicas entre formador e forman- para o planejamento de projetos de
do. A primeira no sen do de diminuir formação con nua de professores, nos
as resistências quanto aos objetivos, quais as a tudes reflexiva, crí ca e autô-
conteúdos e às estratégias envolvidos noma possam ser colocadas em prá ca.
nas ações forma vas. A segunda, por sua
vez, tem uma finalidade mais forma va, 3 Metodologia e desenvolvimento da
a de garan r ao professor a posição de pesquisa
sujeito da sua formação, incen vando-
o a desenvolver-se tanto pessoal como Tendo em vista nossos obje vos,
profissionalmente, a par r do processo realizamos uma pesquisa de caráter
de planificação das ações forma vas. quan -qualita vo cujo instrumento de
Tomando por base o que foi ex- levantamento das necessidades forma-
posto, reiteramos que a pesquisa sobre vas dos professores foi um ques onário
as necessidades forma vas configura-se composto por quarenta e cinco ques-
em um importante instrumento para o tões, das quais quatro foram abertas e
planejamento de projetos de formação as demais foram fechadas.
con nua de professores. Tais pesquisas Para apreendermos as necessi-
contribuem para levantar dados para a dades desses professores, partimos
elaboração e avaliação de projetos de do pressuposto de que é importante
formação, além de possibilitarem o en- conhecer as suas condições socioeco-
volvimento do professor numa dimensão nômicas, culturais e profissionais, bem
mais ampla do trabalho docente, pois como as suas expecta vas e percepções
possibilita ao professor a compreensão a respeito da educação escolar. Isso
da fluência dialé ca entre o pedagó- porque as necessidades forma vas têm
196 Carla R. C. YAMASHIRO; Yoshie U. F. LEITE. Necessidades forma vas dos professores do ciclo I do ...
trução de projetos educacionais mais a formação con nua desses profissio-
próximos da ideologia dos docentes; nais se realize dentro da sua jornada
3. O ambiente de trabalho do de trabalho. De acordo com os dados
professor constitui-se num espaço levantados, 37,6% dos docentes dão
de formação e de profissionalização, aulas em mais de uma escola, dos quais
configurando-se, portanto, como local 22,66% trabalham mais de quarenta
propício para o desenvolvimento de horas semanais dentro da sala aula.
ações formativas capazes de superar Já 23,8% dos docentes apontam como
modelos de formação, baseados apenas ponto nega vo para as ações forma vas
na racionalidade técnica. Conforme os a sua realização fora da jornada de tra-
dados da pesquisa empírica, 39% dos balho do professor e outros 18,8% dos
professores estão de acordo com esta pesquisados expressam ser desgastantes
afirma va, pois apontam como primeira as ações forma vas que possuem carga
opção a escola como local preferido para horária excessiva ou que sobrecarregam
a formação con nua, e 17,7% indicam, os professores com a vidades extras;
como mo vação favorável para o êxito 6. A formação con nua dos pro-
das ações forma vas, a realização destas fessores pesquisados deve assumir o
no horário de trabalho do professor; papel de conscien zar os professores em
4. A análise de necessidades for- relação aos aspectos associados ao de-
ma vas configura-se, por um lado, em senvolvimento e exercício da sua própria
um instrumento eficaz para o levanta- cidadania, além de conscien zá-los para
mento de dados para o planejamento de a importância da formação da cidadania
polí cas públicas des nadas à formação dos seus alunos, já que a pesquisa nos
con nua de professores. Por outro lado, mostrou que a maioria dos professores
configura-se em um procedimento for- pesquisados não assume um posiciona-
ma vo quando ar culado aos processos mento atuante poli camente na socie-
de profissionalização e formação do dade. Cerca de 71% dos professores não
professor; vão a associações de bairro; 47,1 % não
5. A situação profissional dos frequentam os seus próprios sindicatos
docentes favorece ou impede o seu de- e 80% nunca foram a nenhum encontro
senvolvimento profissional. Portanto, a ou reunião de algum par do polí co;
ar culação entre a situação funcional 7. A maioria dos professores pes-
dos docentes com as suas condições de quisados, 91,5%, demonstra disposição
trabalho e com a sua formação con nua em inves r em prol da con nuidade dos
é fundamental para a compreensão das seus estudos. No entanto, para que as
suas necessidades. Dessa forma, diante aprendizagens veiculadas na formação
da situação funcional e das condições con nua contribuam para o seu desen-
de trabalho dos professores partici- volvimento profissional, é importante ter
pantes desta pesquisa, sugerimos que o cuidado de não incen var polí cas que
198 Carla R. C. YAMASHIRO; Yoshie U. F. LEITE. Necessidades forma vas dos professores do ciclo I do ...
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– Universidade Estadual Paulista , Presidente Prudente, 2008.
Resumo
O presente ar go é resultado pesquisa desenvolvida no Programa de Mestrado em Educação da
Universidade Federal de Mato Grosso sobre a formação do pedagogo e o ensino da Matemá ca. In-
dagou-se: o professor graduado em Pedagogia, para ensinar a Matemá ca nos Anos Iniciais do Ensino
Fundamental, enfrenta que desafios? Optou-se pela pesquisa qualita va interpreta va. Analisou-se a
organização dos currículos de cinco cursos de Licenciatura em Pedagogia no Estado de Mato Grosso
e os depoimentos de oito professoras que atuam nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental na rede
pública municipal de Rondonópolis, MT. Os resultados evidenciam que os desafios enfrentados para
ensinar a Matemá ca nos primeiros anos de escolarização se inserem em questões centradas, na
formação do professor e na organização da escola, e têm, primordialmente, natureza pedagógica.
Palavras-chave
Formação de Professores. Pedagogia. Ensino da Matemá ca.
Abstract
This ar cle is the result of a research conducted on the Master’s Program in Mato Grosso Federal
University on teacher educa on and the teaching of Mathema cs. It was ques oned: what challenges
does the graduated Pedagogy teacher, in order to teach Mathema cs, in Elementary School, face?
It was chosen interpreta ve qualita ve research. It was analyzed, five pedagogy licensing courses
curriculum organiza on in the state of Mato Grosso and eight teachers’ tes monies who work with
public Elementary School, in the municipal district from Rondonópolis, MT. The results make evident
that the challenges faced, to teach Mathema cs in the Elementary School, are inserted in ques ons
like teachers educa on and school organiza on, and they have, primarily, pedagogical nature.
Key words
Teacher Educa on. Pedagogy. Mathema c teaching.
202 Simone M. LIMA; Ademar de L. CARVALHO. Um estudo sobre a formação do pedagogo e o ensino da...
das Diretrizes Curriculares Nacionais na proposta de Educação Matemá ca
para o Curso de Graduação em Peda- Crí ca. Nesta perspec va, o ensino da
gogia, licenciatura, em 2006, definiu-se Matemá ca deve ser organizado para
que é a docência a base de formação apoiar ideais democrá cos. Isso exige
dos pedagogos. repensar a relação professor-aluno,
Assumindo esta compreensão bem como examinar a natureza do pro-
do pedagogo como professor por ex- cesso ensino-aprendizagem desta área
celência, as discussões e reflexões do conhecimento. Assim, as aulas de
aqui empreendidas detiveram-se em Matemá ca devem considerar a vincu-
compreender a formação do professor lação desta ciência à realidade social do
na perspec va crí ca e emancipadora estudante, seus contextos, seus anseios
da educação, embasando-se em Freire e interesses, visto que o conhecimento
(1987, 1999), Veiga (2009), Kincheloe matemá co é contextualizado, crí co
(1997), Contreras (2002), McLaren e emancipador, sendo subjacente às
(1997), Giroux (1997), Gado (1995), questões sociopolíticas, econômicas,
Saviani (1991), Carvalho (2005), Nóvoa culturais dos alunos e comunidade como
(1992, 2009), Paro (2008), Pinto (2000). defende (SKOVSMOSE, 2001).
Por outro lado, é importante res- Contudo, é importante realçar que
saltar que as novas exigências postas o modelo de ciência que prevalece num
à escola requerem que a formação do certo momento histórico influencia as
professor seja vista como um processo questões epistemológicas e as teorias
permanente de construção de conhe- de aprendizagem das quais derivam a
cimento que ocorre ao longo da vida. mediação pedagógica e suas prá cas, e
Isso obriga a pensar e compreender a reflete diretamente na ação pedagógica
formação inicial dentro deste processo do professor em sala de aula.
con nuo, em conexão com a formação As concepções de conhecimento
con nuada e as experiências vividas pelo matemá co ora se apresentam mais pró-
professor no decorrer da vida profissio- ximas ao que é chamado de modelo tra-
nal docente. Com esta finalidade buscou- dicional de ensino, ora ao modelo cons-
se em Tardif (2002) e nas teorias de tru vista (PIAGET, 1988, 1990; KAMII,
Shulman (1986; 1987 apud Montalvão; 1987). Com foco principalmente no
Mizukami, 2002), contribuições para contexto histórico brasileiro, Fioren ni
tecer as reflexões sobre a cons tuição (1995) aponta algumas tendências pre-
dos saberes dos professores. sentes na práxis pedagógica do ensino
Como a pesquisa almejava com- da Matemá ca, quais sejam: a formalista
preender aspectos relacionados à clássica; a empírico-a vista; a formalista
formação do pedagogo e os desafios moderna; a tecnicista e suas variações;
para ensinar a Matemá ca, para tanto a constru vista e a socioetnoculturalista
orientou-se nos fundamentos teóricos e assinala mais outras duas conside-
204 Simone M. LIMA; Ademar de L. CARVALHO. Um estudo sobre a formação do pedagogo e o ensino da...
inves gação; por fim a entrevista semies- situado no núcleo desta questão, cabe
truturada buscou, nos depoimentos das a ele não apenas a tarefa de transmi r
professoras selecionadas para o estudo, conhecimentos, mas de criar as condi-
elementos que serviram de subsídios à ções pedagógicas a fim de que os alunos
compreensão do que é subentendido possam aprender a pensar e construir
nesta questão de pesquisa. conhecimentos. Trata-se, portanto, de
complexo trabalho que requer um re-
Algumas informações relevantes pensar do processo pedagógico-didá co
sobre o locus da pesquisa do professor.
Emergiu, por ocasião deste estudo,
Resultados apontados
a necessidade de ponderar que a rede
pública municipal de ensino de Rondo- A análise dos dados se deu pelo
nópolis, MT, está organizada em Ciclos diálogo entre três fontes: as falas das
de Formação Humana tendo em vista professoras, os suportes teóricos busca-
que este modelo de organização escolar dos nos autores de referência para esta
busca resolver os problemas da evasão e pesquisa e a realidade – do contexto em
da repetência e traz uma reestruturação que as educadoras atuam, e dos currí-
do Ensino Fundamental que respeita os culos dos cinco cursos de Licenciatura
diferentes ritmos de aprendizagem de Plena em Pedagogia, já referidos neste
cada criança, seu conhecimento prévio, texto. Pretendeu-se com este diálogo
seus modos de aprender, a fim de dar elucidar quais são os desafios que o pro-
respostas sa sfatórias aos problemas fessor graduado em Pedagogia enfrenta
colocados hoje pela sociedade e pelos para ensinar Matemá ca nos Anos Ini-
alunos. ciais do Ensino Fundamental.
Essa mudança de paradigma com Para a análise dos dados, organi-
o abandono da lógica classificatória exi- zou-se da seguinte maneira: A formação
ge a busca de alterna vas efe vas para do pedagogo enfoca que suporte o curso
garan r o avanço do discente no que se de Pedagogia oferece para o trabalho do
refere à progressão com aprendizagem. professor com o ensino da Matemá ca;
Nesta perspec va, considerando os tem- O processo ensino-aprendizagem tem
pos e espaços, a ação educa va deve se
como foco as concepções de ensino
dar na dimensão do trabalho cole vo
desta área do conhecimento; A atuação
que deve envolver toda a equipe escolar
do pedagogo no ensino da MatemáƟca
com vistas ao atendimento das neces-
nos Anos Iniciais do Ensino Fundamen-
sidades individuais de cada aluno. Esta
tal: desafios e problemas enfrentados
empreitada se apresenta para o docente
apresentam-se os desafios que o peda-
como um grande desafio, sobretudo
gogo encontra para ensinar a Matemá-
para o ensino da matemá ca, visto que,
ca. Toda a discussão foi permeada pelo
206 Simone M. LIMA; Ademar de L. CARVALHO. Um estudo sobre a formação do pedagogo e o ensino da...
específico em Matemá ca se transforme no trabalho com classes bastante hete-
em conhecimento escolar. Para fazer rogêneas nos níveis de aprendizagem e
a transposição didática, o professor ao problema do deficit de aprendizagem
também necessita da apropriação de co- dos alunos, considerado pelas docentes
nhecimentos que são base da docência, como consequência da organização da
entre eles, os conhecimentos pedagógi- escola em ciclos.
cos, do aluno e do contexto. Mostra-se Em um sistema de ensino que
importante, pois, compreender as pe- permite a formação de turmas conside-
culiaridades que envolvem o trabalho ravelmente heterogêneas na questão
docente ao ensinar Matemá ca em um das aprendizagens, como é o caso desta
sistema de ensino organizado por Ciclos organização escolar, torna-se exigência
de Formação Humana. É preciso, ainda, basilar que o professor consiga ensinar
ponderar as par cularidades que este alunos que se encontram em níveis de
sistema encontra no município onde as aprendizagem bastante diferentes den-
entrevistadas ensinam a disciplina em tro de uma mesma sala de aula. Na visão
pauta. das depoentes, trata-se de um trabalho
Com efeito, ensinar a Matemá ca desafiador e complexo, não sendo,
no contexto da escola organizada por muitas vezes, possível obter resultado
ciclos exige que o desenvolvimento dos sa sfatório com todos os educandos no
programas leve em conta uma visão da tempo e espaço regulares da aula.
Matemá ca que seja flexível, de forma Por isso, consideram que, nesse
a propiciar meios para que o docente contexto, é imprescindível aos alunos
possa trabalhar com mais autonomia, que continuam apresentando deficit
respeitando o processo de maturação do de aprendizagem, mesmo depois das
aluno. É um trabalho desta natureza que intervenções pedagógicas realizadas no
permite uma elaboração e reelaboração período regular, que par cipem simul-
por parte do aprendiz desde o primeiro taneamente das aulas de Apoio Peda-
momento em que ele se apropria das gógico. Ao enfa zarem a seriedade de o
ideias básicas, até a fase do pensamento aluno frequentar essas aulas, apontam a
lógico-dedu vo. ausência de compromisso dos pais com
Os desafios para o pedagogo ensi- esse programa, visto que, por vezes, não
nar a Matemá ca, que nos depoimentos enviam seus filhos para esses encontros
aparecem como sendo ligados ao aluno oferecidos no contraturno.
e à família deste assumem, de fato, uma A discussão não se esgota focan-
natureza pedagógica devendo também do apenas a responsabilidade de pais,
estar associados à temática do mal- alunos e professores no tocante à supe-
estar docente. Os percalços de caráter ração das defasagens que os estudantes
pedagógico vinculam-se à avaliação e à carregam ano após ano. O atendimento
estratégia de ensino a serem adotadas às necessidades de aprendizagem do
208 Simone M. LIMA; Ademar de L. CARVALHO. Um estudo sobre a formação do pedagogo e o ensino da...
continua ensinando esta Matemática porque alguns destes são construídos
formal. Faz-se necessário ao professor, na ação e no contexto em que ocorre
conforme se pode ver, dar um salto da a atividade docente. Outra situação
Matemá ca formal para aquela centra- percebida, é que as pedagogas em foco
lizada, quanto ao ensino-aprendizagem, apresentam defasagens de conteúdos
na resolução de problemas. que deveriam ter sido apropriados ao
longo da educação básica. Isso permite
Considerações finais desmascarar a ideia de que os alunos
não sabem Matemática tão somente
O até aqui exposto demonstra porque quem a ensina nos anos iniciais
que o avanço na qualidade do ensino- é o pedagogo, visto que as depoentes já
aprendizagem da matemá ca nos Anos apresentavam, na sua formação anterior
Iniciais do Ensino Fundamental encon- ao curso de Pedagogia, dificuldades com
tra-se atrelado a assuntos da formação essa área do conhecimento. Também é
do professor, acrescidos do cuidado que importante que se tenha a consciência
se deve ter com as questões rela vas de que ensinar Matemática nos anos
ao contexto em que se desenvolvem iniciais representa um desafio, tanto
as a vidades de ensino e às condições para os pedagogos quanto para os licen-
ins tucionais para isso. ciados em Matemá ca, já que um curso
É evidente que os cursos de for- de graduação não consegue esgotar os
mação inicial devem trazer em seus conhecimentos necessários ao exercício
currículos elementos que permitam da docência, o que requer a con nuidade
construir-se a base de conhecimentos na formação do professor. Com isto, ele
necessários para o professor começar a poderá buscar respostas aos desafios ex-
ensinar Matemá ca – conhecimento dos perimentados no dia a dia da sala de aula.
conteúdos matemá cos a serem ensina- É interessante pontuar que, o ele-
dos, seus conceitos fundamentais e a his- mento nodal do embaraço no processo
tória de tais conceitos; o conhecimento de ensino e aprendizagem da área do
pedagógico geral, que corresponde aos conhecimento em questão consiste,
conhecimentos sobre os processos de em úl ma análise, no fato de que os
ensino e aprendizagem de Matemá ca professores, em seu percurso forma vo,
e aos procedimentos didá cos necessá- conheceram a Matemática orientada
rios à transformação do conteúdo a ser pela perspec va tradicional de ensino,
ensinado em conteúdo a ser aprendido. mas, hoje, como docentes, precisam en-
No entanto, as análises realizadas sinar a Matemá ca cujo foco de ensino
neste estudo mostraram que o curso de assenta-se na resolução de problemas.
Pedagogia não tem conseguido esgotar Acredita-se, todavia, que ainda
todos os conhecimentos necessários possa levar tempo para se efe var este
para o ensino de Matemá ca, também avanço e se implementar o ensino da
210 Simone M. LIMA; Ademar de L. CARVALHO. Um estudo sobre a formação do pedagogo e o ensino da...
produzir a sua profissão na perspec va ção entre a realidade escolar e as teorias
do desenvolvimento profissional, como estudadas no curso. A proposta consiste
defende Nóvoa (1992), elas não têm o em que este úl mo, sendo permeado
poder de anular a prerroga va do pro- pela pesquisa, ofereça ao discente a
fessor de pensar e construir sua apren- oportunidade de teorizar sobre a sua e
dizagem e, sobretudo, fazer-se professor. outras prá cas, concebendo a inves ga-
Impõe-se, ademais, que os professores ção como processo forma vo inerente
entendam a formação também como à prá ca do professor. Concomitante-
autoformação. mente, essa formação deve procurar
Não se trata de isentar o sistema conscien zar os futuros docentes sobre
da responsabilidade de oferecer-lhes a necessidade de um inves mento pro-
formação con nua de qualidade e trazer fissional permanente, dada a natureza
para o professor toda a responsabilidade de sua a vidade profissional, sempre
por esta formação. Trata-se, isto sim, de considerando os aspectos rela vos ao
mostrar que a construção da autonomia modo como a profissão é representada
do educador passa pela dimensão de as- socialmente e às condições em que atu-
sumir a sua formação con nuada como arão esses educadores.
uma prá ca necessária para a cons tui- Destas reflexões infere-se que o
ção de sua iden dade docente. É notó- curso de Pedagogia deve buscar tecer
rio, portanto, que o professor que ensina um projeto educa vo voltado à forma-
Matemá ca nos Anos Iniciais do Ensino ção de um professor que se cons tua
Fundamental busque, incessantemente, num sujeito histórico, crí co e cria vo,
um crescimento profissional por meio de capaz de pensar sua própria condição
estudo, a par r da sua necessidade de de ser humano; que, sendo agente
formação centrada na escola. da práxis educa va, mostre-se apto a
É oportuno, a esta altura, esclare- perceber-se como educador-educando;
cer que a formação con nuada, tal como que, ainda como sujeito de seu próprio
se defende, não tem como foco principal desenvolvimento, seja encorajado a
suprir lacunas deixadas pelo curso de apropriar-se da base de conhecimentos
graduação, mas representa um instru- necessários ao exercício da docência;
mento que pode ampliar a compreensão finalmente, que, tendo o compromisso
e superação dos desafios vivenciados no polí co, é co e técnico, seja capaz de
processo de ensino-aprendizagem de intervir na transformação da qualidade
Matemá ca no co diano da sala de aula. da educação matemá ca.
Também consideramos significan- Portanto, se quisermos buscar o
te sugerir, no que se refere ao curso de aprimoramento do ensino da Matemá-
Pedagogia e à formação para o ensino de ca nos Anos Iniciais do Ensino Funda-
Matemá ca, que se busquem a ar cula- mental, como tem sido propagado pelo
ção entre teoria e prá ca e a aproxima- poder público, adquire relevância a con-
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214 Simone M. LIMA; Ademar de L. CARVALHO. Um estudo sobre a formação do pedagogo e o ensino da...
A racionalidade subjacente à práxis do professor no
contexto da educação superior
The subjacent raƟonality to the teacher’s praxis in
the context of higher educaƟon
Isabel Magda Said Pierre Carneiro*
Ludmila de Almeida Freire**
Maria Marina Dias Cavalcante***
* Mestre em Educação Brasileira pela Universidade Fe-
deral do Ceará (UFC). Pedagoga do Ins tuto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE).
E-mail: isabelmsaid@yahoo.com.br
** Mestre e Doutoranda em Educação Brasileira pela
Universidade Federal do Ceará (UFC).
E-mail: ludmilafreire@yahoo.com.br
*** Doutora em Educação Brasileira pela Univer-
sidade Federal do Ceará (UFC). Profa. Adjunta da
Universidade Estadual do Ceará (UECE).
E-mail: marinadiasc@yahoo.com.br
Resumo
Este estudo pretende desenvolver uma análise sobre alguns princípios fundantes da racionalidade
subjacente a práxis do professor bacharel no ensino superior. Inserida numa abordagem qualita va
de educação, a pesquisa se classifica como estudo de caso tendo como lócus o Ins tuto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia (IFCE), campus Maracanaú, CE. Como estratégia de coleta de dados,
realizou-se entrevista semi-estruturada com três professores. Os dados revelam as dificuldades
enfrentadas pelos entrevistados no início de suas carreiras e apontam a necessidade de formação
pedagógica para uma melhoria de seu trabalho. Destaca-se a importância dos estudos sobre a for-
mação para a docência universitária, pela valorização e ressignificação do saber prá co do professor
constantemente reconstruído em processos intersubje vos, reconhecendo na práxis a diale cidade
da relação teoria e prá ca.
Palavras-chave
Trabalho docente. Saberes profissionais. Racionalidade pedagógica.
Abstract
This study intends to develop an analysis of some founding principles of the subjacent ra onality
of the BA teacher’s praxis in higher educa on. Inserted in an educa onal qualita ve approach, the
research is classified is a case study as having the locus Ins tuto Federal de educação ciência e tec-
nologia (IFCE) in campus Maracanau, CE. As strategy of data collec on it was held semi-structured
interviews conducted with three teachers. The data reveal the difficul es faced by those interviewed
216 Isabel M.S.P.CARNEIRO; Ludmila de A. FREIRE; Ma. Marina D. CAVALCANTE. A racionalidade subjacente...
valorizada em relação ao domínio dos se acrescenta uma concepção técnico-
conteúdos específicos e à produção instrumental da docência, além de que
cien fica. não se revela a compreensão do que seja
A necessidade de formação para a o currículo por competência, proposto
docência tornou-se objeto de consenso pelas diretrizes nacionais de formação.
cada vez mais generalizado no contexto Nesse contexto, as reflexões deste
universitário cons tuído de profissionais ar go, embora almejem consolidar um
que, embora dominem seus dis ntos referencial de análise da racionalidade
campos do saber, não possuem forma- pedagógica que dá suporte ao trabalho
ção específica para o trabalho pedagó- dos docentes com formação de bacha-
gico, esse considerado fundante de uma relado, se cons tuem igualmente em
prá ca que se dis ngue das a vidades elementos de análise da pedagogia
de pesquisa. Mesmo quando essa forma- universitária numa concepção apoiada
ção existe, ela tem se resumido, muitas em determinados pressupostos do que
vezes, a uma disciplina de Didá ca no é o trabalho pedagógico e de princípios
Ensino Superior ou a estágios de curta que o regem. Assim, pretende desenvol-
duração na graduação. ver uma análise sobre alguns princípios
Grande parte dos professores, es- fundantes da racionalidade subjacente
pecialmente em início de carreira, não a práxis situada do profissional de edu-
possui clareza a respeito da racionalida- cação em contexto universitário, assim
de pedagógica que perpassa a docência, como identificar elementos teórico-
calcando muitas vezes essa numa pers- metodológicos que permitem a análise
pec va conteudista, tecnicista. Podemos dessa prá ca e seus processos de cons-
observar isso de uma maneira mais acen- trução. Em síntese, o estudo prossegue
tuada nos profissionais não licenciados, numa abordagem de epistemologia da
ou seja, bacharéis, oriundos das mais prá ca.
diversas áreas da ciência e que optam A pesquisa que subsidia a nossa
pela docência. Esses profissionais, embo- reflexão se insere numa abordagem
ra com ampla experiência em suas áreas qualita va de inves gação, a par r de
específicas, encontram-se muitas vezes um estudo de caso realizado no Ins tuto
despreparados para exercer o magistério Federal de Educação, Ciência e Tecnolo-
(PIMENTA; ANASTASIOU, 2002). A trans- gia (IFCE), Campus Maracanaú, CE. As
formação do conhecimento cien fico informações apresentadas e analisadas
numa linguagem pedagógica de com- aqui foram extraídas a par r de entrevis-
preensão dos significados e sen dos da ta semi-estruturada realizada com três
matéria não acontece com tranquilidade professores que atuam nos cursos de
para o aluno, o que afeta a ar culação Ensino Superior da referida ins tuição,
entre aquele conhecimento e a prá ca sendo um da área da Telemá ca, um
profissional à qual se destina. A isto da Indústria e um da área de Química e
218 Isabel M.S.P.CARNEIRO; Ludmila de A. FREIRE; Ma. Marina D. CAVALCANTE. A racionalidade subjacente...
processo permanente de reflexão sobre adquirir “saberes sobre a educação” e
sua prá ca, mediada pela de outrem. “sobre a pedagogia”, mas não estarão
A troca e a par lha de conhecimentos aptos a falar em saberes pedagógicos,
entre colegas de trabalho consolidam pois “a especificidade de uma formação
espaços de formação mútua, nos quais pedagógica, seja ela inicial ou con nua,
cada profissional é chamado a desem- não está em refle r o que se vai fazer,
penhar, simultaneamente, o papel de tampouco sobre o que se deve fazer, mas
formador e formado. antes refle r sobre o que se fez” (HOUS-
Por outro lado, há um reconheci- SAYE, 2004, p. 32). Nessa perspec va, os
mento de que para os diferentes pro- saberes pedagógicos são produzidos na
fissionais realizarem seu trabalho não ação onde os profissionais da Educação
basta somente a experiência, mas se confrontam seus saberes “sobre educa-
fazem necessários os saberes pedagó- ção” e “sobre a pedagogia” nos diferen-
gicos para permi r a ar culação com os tes contextos escolares e não escolares.
conhecimentos específicos de sua área Essa relação dialética entre os
de atuação. saberes produzidos na ação e o apor-
Os saberes pedagógicos dizem te teórico dos diferentes profissionais
respeito às dimensões da Pedagogia aponta para a superação da tradicional
ou da gestão pedagógica propriamente dicotomia entre teoria e prá ca que tem
dita. São os processos de ensino-apren- a visão de que o saber está somente do
dizagem, suas teorias, as determinações lado da teoria, ao passo que a prá ca ou
legais da área da Educação e, par cular- é desprovida de saber ou portadora de
mente, o conjunto de saberes necessá- um falso saber baseado, por exemplo,
rios à gestão dos processos educacionais em crenças, ideologias e idéias precon-
nas funções de organização, assessoria, cebidas. Nessa concepção, o saber é con-
direção do trabalho pedagógico em siderado como algo que é produzido fora
termos de planejamento, coordenação, da prá ca (por exemplo, pela ciência,
acompanhamento e avaliação de pro- pela pesquisa pura etc.) numa relação de
cessos, projetos, programas e sistemas aplicação, como muitas vezes se cri ca
educacionais formais e não formais. a pesquisa acadêmica a que se dedicam
Dessa maneira, são eles que fundamen- os professores universitários.
tam a ação do professor, possibilitando a A própria dinâmica da Universi-
esse profissional interagir com os outros dade, na realidade, não favorece esse
sujeitos no contexto em que atua. desenvolvimento dialé co entre teoria/
Os saberes especificamente pe- prá ca, como se percebe nas atribuições
dagógicos são, por conseguinte, cons- delegadas ao professor universitário,
tuídos a par r do próprio fazer como que preconiza uma prá ca voltada para
elaboração teórica. Nos cursos de for- a ar culação entre ensino, pesquisa e ex-
mação, os futuros professores poderão tensão. O que se observa é a priorização
220 Isabel M.S.P.CARNEIRO; Ludmila de A. FREIRE; Ma. Marina D. CAVALCANTE. A racionalidade subjacente...
uma ação consciente, planejada, organi- disciplina, acerca da maneira como os
zada e intencional, ou seja, que dá uma estudantes aprendem, acerca do modo
direção de sen do, um rumo à prá ca como serão conduzidos os recursos de
dos sujeitos e às suas intervenções in- ensino a fim de que se ajustem melhor
tera vas com outro(s) sujeito(s). Nessa às condições em que será realizado o
acepção, é uma prática voltada para trabalho” (ZABALZA, 2004, p.111).
fins desejáveis na formação, conforme Outra caracterís ca da práxis é ser
a concepção de homem e sociedade do uma forma de ação reflexiva que pode
educador, implicando, portanto, esco- transformar a teoria que determina, bem
lhas, valores e compromissos é cos: como transformar a prá ca que a concre-
O modo de relação que o professor
za. Considera-se, portanto, importante
estabelece com seus alunos, tanto o triplo movimento sugerido por Schön
no que se refere à gestão da maté- (1992): reflexão-na-ação, reflexão sobre a
ria quanto no plano interpessoal, ação e reflexão sobre a reflexão-na-ação.
é decorrente da sua concepção de Ela possibilita a problematização das
educação. Assim, questões morais prá cas e dos contextos em que estão
acerca do po de sujeito que ele inseridos, encontrando soluções para
deseja formar pela sua atuação pro- as situações complexas enfrentadas. A
fissional não podem ser evitadas. reflexão, entretanto, não é um processo
A inclusão do aluno no interior do psicológico individual, u lizada apenas
processo de ensino-aprendizagem como técnica de resolver situações par-
enquanto sujeito ativo depende,
culares da prá ca. Ela é um conheci-
notadamente, da postura do docen-
mento pleno de conflitos e contradições
te frente a essas questões. (THER-
RIEN et al., 2004, p.53).
sociais e polí cas e impregna o próprio
desenvolvimento do trabalho pedagógi-
O ato de ensinar, assim, implica co, seja nas ins tuições de ensino seja em
um trabalho docente, isto é, supõe uma outro lugar (PERÉZ GOMEZ, 1992, p.103).
intenção consciente e organizada para Finalmente é interessante ressaltar
converter os conhecimentos cien ficos que o trabalho do professor, ancorado na
em conteúdo de ensino. Essa conversão ciência da Pedagogia, caracteriza-se pela
cons tui “colocar parâmetros pedagógi- ação cien fica, planejada, intencional e
co-didá cos na docência da disciplina, reflexiva. Portanto, esclarece, transfor-
ou seja, juntar os elementos lógico- ma e orienta a práxis educa va, para
cien ficos da disciplina com os polí co- finalidades sociais, polí cas e cole vas,
ideológicos, é cos, psicopedagógicos e estabelecendo direção de sen do às prá-
os propriamente didá cos” (LIBÂNEO, xis, dentro dos princípios da é ca eman-
2002, p. 35). Ensinar, portanto, é uma cipatória; e organiza ações para concre-
tarefa complexa na medida em que exige zar as propostas cole vas emergentes
um “conhecimento consciente acerca da do exercício cole vo da práxis. Portanto,
222 Isabel M.S.P.CARNEIRO; Ludmila de A. FREIRE; Ma. Marina D. CAVALCANTE. A racionalidade subjacente...
possuir pós-graduação nas áreas em que que a mesma elabore estratégias para
atuam e nenhuma capacitação associa- que estas sejam cumpridas dentro dos
da à prá ca de ser professor, apesar de prazos estabelecidos. Na concepção dos
acharem necessário. Especificamente entrevistados, isso seria uma forma de
sobre o Entrevistado 2, ele afirma: mo vação para os docentes.
“Tenho só o mestrado em Engenharia Ao comentar que o trabalho do-
Elétrica, eu também estou pesquisando cente possui um impacto na vida pro-
coisas para escolher a minha área de fissional, os entrevistados apresentam
doutorado, mas bem no início, eu penso algumas noções sobre formação con-
em um doutorado na área de engenharia nuada. Um deles afirma que o apro-
elétrica”. fundamento teórico é necessário para
Ao comentar sobre o papel da ministrar uma boa aula e que serve tam-
Instituição no processo da formação bém como base para novas pesquisas.
con nuada, um dos entrevistados deixa Outro entrevistado possui a concepção
entrever a carência de professores na de que a formação con nuada significa
área que atua, dificultando a “saída” continuar estudando, pesquisando e
destes para a realização de curso de desenvolvendo planos e metas para a
doutoramento: sua formação, tendo em vista a ar cu-
É complicado a ins tuição liberar lação desses conhecimentos na prá ca.
um colega já que a gente tem pou- A opinião do terceiro sujeito estabelece
cos docentes nas áreas específicas. uma relação dialé ca entre o trabalho
Então, aquele professor já tem uma e a formação, ao afirmar que o próprio
área que está atuando, como a ins - trabalho já faz parte de sua formação,
tuição vai liberar um professor para pois em seu trabalho o mesmo já está
ele fazer um doutorado fora, se não se formando.
tem outro que tome o seu lugar [...]. De acordo com os comentários dos
A dificuldade da liberação do do- docentes, existem profissionais que, ao
cente para a realização de um mestrado terminarem seus cursos de graduação, se
ou doutorado é um desafio na visão mantém alheios aos avanços das pesqui-
deste entrevistado. Um outro professor sas e teorias das suas áreas, mesmo com
destaca que o apoio ins tucional é fun- as mudanças que a sociedade vem pas-
damental e que a ins tuição deve servir sando, acabam se distanciando de novas
de base para a implementação dessas prá cas que poderiam facilitar o seu tra-
formações a fim de que o docente possa balho. Por outro lado, os entrevistados
proporcionar resultados para a aprendi- destacam que a forma mais adequada
zagem dos estudantes. No âmbito dessa para essa “atualização” de novas prá cas
discussão, o entrevistado 3 se refere é a pesquisa, como ação cole va, pois
também a importância do estabeleci- sabe-se que a mesma é de fundamental
mento de metas pela ins tuição desde importância para o crescimento e trans-
224 Isabel M.S.P.CARNEIRO; Ludmila de A. FREIRE; Ma. Marina D. CAVALCANTE. A racionalidade subjacente...
O professor reforça que o aper- ria, a gestão escolar, a dialogicidade, a
feiçoamento profissional seria algo que competência, a ergonomia do trabalho
exerceria se tivesse maior disponibi- docente como fatores de apreensão da
lidade. Outro entrevistado já pensou iden dade docente.
em mudar de ins tuição, pois a falta Os dados da pesquisa revelam
de avaliação por mérito e um ambiente os esforços e as dificuldades que os
agradável é necessário para uma melhor entrevistados sentiram no início de
prá ca e atuação docente. A falta de suas prá cas docentes e que, diante da
uma infraestrutura abala a mo vação ausência de um preparo adequado para
dos alunos, desmo vando-os e ocasio- o exercício da docência, se espelhavam
nando um maior aumento na evasão em seus bons professores advindos da
escolar. graduação.
Nesse contexto, os sujeitos apon- Mesmo apontando a necessidade
taram que os docentes necessitam de de aperfeiçoamento didá co-pedagógi-
um maior envolvimento com a ins tui- co para uma melhoria de seu trabalho,
ção, pois vários deles não têm compro- os entrevistados buscam a formação
misso com a mesma tornando-se meros con nuada em suas áreas especificas de
“dadores” de aula. Ou seja, profissionais conhecimento. Eles apontaram também
que não par cipam das a vidades que que, mesmo diante das dificuldades do
ocorrem na ins tuição, estando na ins- exercício da docência, não mudariam de
tuição de ensino apenas para ministrar profissão, pois se sentem gra ficados
aulas, repercute na aprendizagem dos com o reconhecimento dos estudantes.
estudantes e no entrosamento entre os A par r desses resultados, desta-
docentes. camos a importância dos estudos sobre
a formação para a docência na Educação
Considerações finais rumo a uma nova superior valorizarem e ressignificarem
perspectiva o saber prá co do professor constan-
temente reconstruído em situações de
Tendo em vista estabelecer pa- trabalho intersubje vo de dialogicidade,
râmetros centrais para o estudo do reconhecendo na sua práxis a diale ci-
trabalho docente do professor universi- dade da relação teoria e prá ca. A com-
tário com formação básica de bacharel, plexidade do saber ensinar, ou seja, da
e focando questões rela vas à prá ca competência para o ensino universitário,
situada desse profissional no âmbito da requer a formação de um docente cuja
Pedagogia, o estudo foi desenvolvido iden dade revela um sujeito epistêmico
sob o pressuposto da epistemologia da e hermenêu co, produtor de saberes e
prá ca tendo a racionalidade pedagó- de sen dos.
gica, a práxis, o saber da experiência,
a transformação pedagógica da maté-
226 Isabel M.S.P.CARNEIRO; Ludmila de A. FREIRE; Ma. Marina D. CAVALCANTE. A racionalidade subjacente...
O profissional de apoio na rede regular de ensino: a
precarização do trabalho com os alunos da Educação
Especial
The professional of support in regular educaƟon
network: the precariousness of work with students
in Special EducaƟon
Silvia Maria Mar ns*
* Professora do Colégio de Aplicação da Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC) e Mestre em Educação
pela mesma universidade. E-mail: s.mar ns@ufsc.br
Resumo
Este ar go apresenta o resultado da pesquisa de Mestrado desenvolvida durante o ano de 2010 e
2011 sobre o trabalho do profissional de apoio em turmas de Educação Infan l e Ensino Fundamen-
tal que possuem sujeitos da Educação Especial matriculados nos municípios de Florianópolis e São
José. Inves gou-se como a atuação destes profissionais tem sido organizada para o atendimento
aos sujeitos da Educação Especial nas classes comuns. A par r desta pesquisa, foram evidenciadas
as problemá cas existentes neste cargo que agregadas, cons tuem elementos de um processo de
precarização e intensificação do trabalho docente e demonstram, de forma explícita, o modelo de
inclusão escolar que está sendo difundido nas polí cas nacionais para Educação Especial.
Palavras-chave
Profissional de apoio. Trabalho docente. Educação especial.
Abstract
This ar cle presents the results of the master research developed during 2010 and 2011 about the
work of the professional of support in classes of Kindergarten and Elementary School which have
special students registered in Special Educa on in the ci es of Florianópolis and São José. It was
inves gated how the performance of these professionals has been organized to meet to help the
special students of Special Educa on in common classes. Considering this research, the exis ng
problems were evidenced in this work posi on, if aggregated, cons tute elements of a process of
precariousness and intensifica on of teachers' work and demonstrate explicitly the model of school
inclusion which is being broadcast on na onal policies for Special Educa on.
Key words
Professional of support. Teaching work. Special educa on.
228 Silvia Maria MARTINS. O profissional de apoio na rede regular de ensino: a precarização do trabalho...
Salamanca, Espanha (UNESCO, 1994). a demandar aos estados e municípios
Porém, segundo Garcia (2004), outros a organização para o atendimento dos
documentos internacionais publicados sujeitos da Educação Especial em suas
por agências mul laterais como Ban- redes de ensino, indica que uma das
co Mundial (2000), Organização para possibilidades para o desenvolvimento
a Cooperação e o Desenvolvimento do trabalho em classe comum seja a
Econômico (OCDE) (RANSON, 2001) e presença de um profissional para apoiar
Organização das Nações Unidas para a o professor, citando este como “profes-
Educação, a Ciência e a Cultura (UNES- sor de Educação Especial”. Este deveria
CO, 1990) vêm reforçar o ideário de desempenhar seu trabalho em equipe
inclusão, propondo a conquista de uma com os professores da classe comum no
“sociedade inclusiva”. O discurso que atendimento aos sujeitos da Educação
sustenta as polí cas de inclusão “opera Especial em seu processo de ensino-
por meio de uma linguagem de mudança aprendizagem. Já o documento da Po-
social, sugerindo ao leitor que estariam lí ca Nacional de Educação Especial na
acontecendo modificações profundas Perspec va da Educação Inclusiva (BRA-
na realidade social” (GARCIA, 2004, p. SIL, 2008) apresenta o apoio pedagógico
104). No conjunto de tais proposições, como “monitoria ou cuidado”. Assim,
a escola passa a ser concebida como um ocorre uma mudança nas referências ao
importante locus para a disseminação do profissional que deveria apoiar o pro-
ideário inclusivo. fessor de classe no processo de ensino-
No Brasil, em par cular, esse de- aprendizagem do sujeito da Educação
bate ganha muita força no campo da Especial, uma vez que este agora deve
Educação Especial com base na Decla- atender os alunos da Educação Especial
ração de Guatemala (1999) e de Nova em a vidades de higiene, alimentação,
Iorque (Convenção sobre os Direitos das locomoção e demais ações em que ne-
Pessoas com Deficiência, 2006) indican- cessitarem de auxílio no espaço escolar.
do uma mudança no sistema de ensino, Reforçando tal proposta, no ano de 2010,
visando a universalização da educação a SEESP divulgou uma nota técnica des-
básica nos paises em desenvolvimento. nada aos profissionais de apoio para
A proposta de universalização contempla alunos com deficiência e transtornos
os sujeitos da Educação Especial como globais do desenvolvimento matricula-
um dos grupos incorporados pela po- dos nas escolas comuns da rede pública
lí ca educacional, mediante ampliação de ensino em que demanda uma ação de
da cobertura de matrículas (MICHELS et cuidado e de monitoria a atendimento
al., 2010). as questões “no âmbito da acessibili-
O documento das Diretrizes Nacio- dade às comunicações e de atenção
nais para Educação Especial na Educação aos cuidados pessoais de alimentação,
Básica (BRASIL, 2001), um dos primeiros higiene e locomoção” (BRASIL, 2010, p.
230 Silvia Maria MARTINS. O profissional de apoio na rede regular de ensino: a precarização do trabalho...
rede municipal de educação de São José nais de apoio em foco atuantes na rede,
foram entrevistados 19 auxiliares de os quais somam 86.
ensino para educandos com deficiência, Na tabela 1 apresenta-se o número
todas do sexo feminino, abarcando uma total de auxiliares distribuídos nas duas
amostra de 22% do total dos profissio- redes de ensino pesquisadas.
232 Silvia Maria MARTINS. O profissional de apoio na rede regular de ensino: a precarização do trabalho...
Uma possível explicação para tal apoio. É possível afirmar, ainda, a par r
fato é que a contratação deste profissio- de tais dados, que o trabalho do profis-
nal no município de São José acontece sional de apoio fica restrito à monitoria
tendo por prioridade os casos diagnos- e ao cuidado, há, também, insuficiência
ticados com deficiência mental e/ou de profissionais para o atendimento aos
deficiência múltipla, o que amplia as sujeitos da Educação Especial, indicando
possibilidades de “enquadramento” das uma grande disparidade principalmente
caracterís cas dos sujeitos. Já no mu- em relação aos dados de Florianópolis
nicípio de Florianópolis, para que uma que apresentam 83 auxiliares para 311
classe receba um auxiliar de ensino de crianças.
Educação Especial, é necessário que es- O número de profissionais de
teja matriculado um sujeito da Educação apoio volantes em relação aos fixos
Especial que apresente dependência na representa 1/3. Porém, ao analisar a
locomoção e/ou na higiene e/ou na ali- quan dade de crianças atendidas por
mentação e/ou ter risco de morte, o que esses profissionais de apoio contratados
acaba por delimitar em grande medida como volantes, percebe-se que para
os casos a serem atendidos no município. exercer a função que cinco volantes
Retomando os dados apresenta- entrevistados realizam seriam necessá-
dos no Quadro 1 foram contabilizados rios ao menos mais 16 auxiliares fixos.
na rede municipal de Florianópolis, no Tal número tomaria proporções muito
ano de 2010, 311 crianças da Educação maiores, caso fossem analisados dados
Especial matriculadas nas diferentes referentes à quantidade de crianças
etapas de ensino, Educação Infan l e atendidas por todos os 22 volantes na
Ensino Fundamental, e 83 profissionais rede de Florianópolis.
de apoio na rede. Já na rede municipal Serão apresentadas, no Quadro
de São José, conforme os dados coleta- 2, a nomenclatura e as atribuições do
dos, são 189 crianças matriculadas nas profissional que presta apoio ao profes-
diferentes etapas de ensino que contam sor regente em classe com sujeitos da
com o trabalho de 86 profissionais de Educação Especial em cada município.
234 Silvia Maria MARTINS. O profissional de apoio na rede regular de ensino: a precarização do trabalho...
documentos representa vos da Polí ca ensino para educandos com deficiência
Nacional de Educação Especial, na pers- não tenha sido percebida diferenciação
pec va da Educação Inclusiva (BRASIL, em suas atribuições.
2008, 2009), são encontradas diferentes A formação exigida para o exercício
denominações para este sujeito como: destes profissionais também foi foco de
profissionais da educação para a inclu- análise. Florianópolis e São José admi-
são, cuidador, monitor, profissionais da tem, para a função, profissionais com
educação que atuem no apoio e profis- formação em ensino médio (Magistério).
sional de apoio (BRASIL, 2010). Em São José (2009), o edital nº 008/2009,
No que se refere às atribuições de processo sele vo para subs tutos da
previstas para o cargo dos profissionais rede, evidencia a ampla diversificação da
de apoio podemos destacar que em formação exigida ao candidato à vaga de
Florianópolis predomina a caracterís - auxiliar de ensino para educandos com
ca de cuidado já em São José são mais deficiência, o qual pode ter graduação
fortemente destacada características em Pedagogia com habilitação em Edu-
pedagógicas. Embora nas entrevistas re- cação Especial ou simplesmente forma-
alizadas com as profissionais Auxiliar de ção em nível médio/magistério.
236 Silvia Maria MARTINS. O profissional de apoio na rede regular de ensino: a precarização do trabalho...
Remuneração dos auxiliares de
ensino de Educação Especial 20 horas 40 horas Situação funcional
De R$500,00 a R$700,00 05 - Subs tutos
De R$1.000,00 a R$1.500,00 - 13 Subs tutos
Acima de R$2.000,00 - 01 Efe vo
Quadro 5 - Remuneração dos auxiliares de ensino de Educação Especial da rede
municipal de Florianópolis.
238 Silvia Maria MARTINS. O profissional de apoio na rede regular de ensino: a precarização do trabalho...
Neste tópico, o entrevistado res- Das sete que estão cursando gra-
pondia acerca de seu maior nível de duação no município de São José, cinco
escolaridade. Nenhum dos entrevistados cursam Pedagogia, uma profissional de
possuía formação inferior à graduação apoio está cursando História e uma está
no município de Florianópolis, já em São cursando Letras. Dentre aquelas que já
José foram encontradas duas profissio- concluíram a graduação, oito possuem
nais cujo maior nível de formação era o formação em Pedagogia e duas em Biblio-
Ensino Médio. Em Florianópolis, um dos teconomia. As pós-graduações que estão
entrevistados que é indicado no quadro em curso são em nível de especialização
como “graduação incompleta” está cur- lato sensu, destas, duas cursam Educa-
sando concomitante à pós-graduação ção Infan l e Séries iniciais com ênfase
(este foi contabilizado nas duas catego- em Educação Especial, e outra Educação
rias). Dos quatro respondentes contabi- Infan l e Séries Iniciais: Gestão e Ensino
lizados em “graduação completa”, um Médio. Uma das entrevistadas que já pos-
está, no momento, cursando sua segun- sui pós-graduação em Estrutura e Funcio-
da graduação, agora em Pedagogia, já namento dos Estudos de 1º, 2º e 3º grau
que possui graduação em Letras. Este en- está cursando sua segunda especialização
trevistado foi contabilizado uma vez por em Educação Infan l. Esta entrevistada
referir-se ao mesmo nível de escolarida- foi contabilizada uma vez por referir-se ao
de. Ainda neste mesmo município, cinco mesmo nível de escolaridade. Das cinco
entrevistados cursam pós-graduação que já possuem pós-graduação, uma é
em nível de especialização lato sensu, formada em Psicopedagogia, uma em
cujas temáticas estão relacionadas à Prá cas de Ensino e outra em Educação
Educação Especial. Dentre os 12 que já Infan l e Séries Iniciais.
possuem pós-graduação, também lato Quanto à graduação dos auxiliares
sensu, há grande variedade de temá cas no município de Florianópolis, a predo-
dos cursos tais como Educação Infan l e minância é o curso de Pedagogia, com
Séries Iniciais, Educação Infan l e Séries uma significa va margem de diferença
Inicias com ênfase em Educação Especial, dos demais cursos. Dos entrevistados,
Gestão Escolar, Educação de Jovens e quatro são graduados em Educação Fí-
Adultos, Psicopedagogia, Interdiscipli- sica, dois em Letras e um em Geografia.
naridade na Educação Infan l e Séries Vale ressaltar que um dos graduados que
Iniciais, Psicomotricidade, Educação na tabela é indicado com graduação em
Especial e Gestão e Interdisciplinaridade. Letras também está cursando Pedagogia.
240 Silvia Maria MARTINS. O profissional de apoio na rede regular de ensino: a precarização do trabalho...
escola. A força dessa polí ca consiste experiência” (SHIROMA, 2003, p. 03).
na criação de serviços públicos para o Assim, como exposto pela autora, tem-
atendimento desses sujeitos, o que aca- se observado que tais ideias mantêm-se
ba não rompendo com o an go modelo presentes para com os profissionais de
de atendimento na Educação Especial apoio que vêm atuando nas escolas, sua
marcado pela segregação. formação deve se dar através da expe-
Pode-se relacionar os elementos riência desprovida da teoria no manejo
aqui apresentados como empobre- com os sujeitos da Educação Especial.
cimento nas questões pedagógicas,
ausência de formação específica para Considerações finais
atuar no cargo atrelado a uma indefi-
nição do perfil profissional à categoria A partir da verticalização des-
de desintelectualização do professor, te estudo, foi possível aprofundar as
tal como discu da por Shiroma (2003), questões rela vas à caracterização dos
como processo grada vo que vem se profissionais de apoio que atuam com os
instalando no sistema educacional brasi- sujeitos da Educação Especial matricula-
leiro por meio de redução de exigências dos nas classes regulares de ensino. Tal
de qualificação ou formação aligeirada aprofundamento possibilitou visualizar
que contribui para uma proposta de a desvalorização destes profissionais
educação pouco alicerçada nos aspectos de forma mais ampliada e sistemati-
pedagógicos. A autora discute a função zada. No tópico referente à forma de
polí co-ideológica do conceito de pro- contratação, observou-se que na rede
fissionalização cunhado na polí ca de de Florianópolis o profissional de apoio
formação dos professores para a educa- pode exercer seu cargo em mais de uma
ção básica no Brasil elaborada a par r do turma no atendimento as crianças com
Governo de Fernando Henrique Cardoso as mais diferentes necessidades, o que
(1995-2002) e que se materializou nas caracteriza a complexidade da função. Já
orientações advindas do documento em São José, no que se refere à forma de
“Propostas de diretrizes para a formação contratação, o que chama a atenção é a
inicial da educação básica, em cursos de não contratação por concurso público,
nível superior” lançado em 2001 pelo isto é, o profissional de apoio, a cada
Conselho Nacional de Educação. O referi- ano, precisa passar por processo sele vo
do documento cons tui-se de mais uma para permanecer no cargo, o que eviden-
das inicia vas oficiais na implantação de cia a rota vidade, consequência da não
um projeto polí co educacional para a adaptação e/ou ausência de estratégias
formação docente cujo desenvolvimento para sustentar estes profissionais no
deva se dar sob a forma de “[...] conhe- exercício da função.
cimento experiencial designado como A rede de Florianópolis ainda
conhecimento construído ‘na’ e ‘pela’ possui em seu quadro funcional uma
242 Silvia Maria MARTINS. O profissional de apoio na rede regular de ensino: a precarização do trabalho...
demais funcionários da ins tuição que senvolvido com os sujeitos da Educação
os tratam como se fossem os únicos Especial em muitas escolas não passa de
responsáveis pelo sujeito da Educação a vidades improvisadas, já que não há
Especial matriculado na instituição. uma organização/planejamento a priori
A responsabilização abrange desde das a vidades a serem desenvolvidas
questões relacionadas à aprendizagem com os alunos da Educação Especial. O
dessas crianças, mas principalmente aos que de certa forma é condizente com as
aspectos relacionados ao atendimento propostas para a Educação Especial na
às necessidades básicas destes alunos, perspec va inclusiva em que atribui às
como ir ao banheiro, alimentação, higie- salas de recursos a responsabilidade de
ne e locomoção. atuação com atendimento educacional
No que se refere à formação con- especializado, restando à sala de aula
nuada, os profissionais de apoio desta- o espaço para a socialização. Além das
caram sobre o direcionamento conferido questões já destacadas, os profissio-
aos cursos que tratam de forma bastante nais de apoio ainda precisam passar
enfá ca dos aspectos diagnós cos. Ou por mais um entrave na realização de
seja, os cursos oferecidos aos profis- suas ações nas escolas, ausência de
sionais de apoio, em ambas as redes, locais adaptados para a vidades que
foram considerados, pelos profissionais requerem locais específicos, como por
de apoio entrevistados, como de pouca exemplo, para a realização de troca de
ou nenhuma ajuda ao trabalho desenvol- fraldas ou vestuário. Da mesma forma,
vido nas classes, já que não há presença percebe-se a carência de condições de
de aspectos pedagógicos nestes cursos, acessibilidade (como rampas para cadei-
o que acaba por seguir na esteira do que ras de rodas) e de materiais adaptados
os documentos orientadores e norma - para o desenvolvimento do trabalho
vos da Educação Especial na perspec va com os alunos. Assim percebe-se que
inclusiva apregoam: monitoria e cuida- mesmo para desempenhar as funções de
do. No item reservado ao planejamento, monitoria e cuidado ainda não lhes são
os profissionais de apoio relatam sobre proporcionadas condições adequadas
a falta de tempo para planejamento o para tal. As precárias condições com que
que resulta no desenvolvimento de a - os profissionais de apoio enfrentam dia-
vidades descontextualizadas daquelas riamente em seu trabalho não somente
realizadas com o restante da classe, já foram relatadas por “desabafos” dos
que não possuem em sua carga horária, entrevistados, mas também vistas, já
tempo para planejamento conjunto com que em muitas escolas os profissionais
os professores regentes. A ausência dos de apoio concediam a entrevista em seus
aspectos pedagógicos é evidenciada nas horários de “intervalo”, horário este di-
falas dos profissionais de apoio entre- ferenciado dos demais profissionais que
vistados haja vista que o trabalho de- atuam na escola, em sala de professores
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244 Silvia Maria MARTINS. O profissional de apoio na rede regular de ensino: a precarização do trabalho...
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246 Silvia Maria MARTINS. O profissional de apoio na rede regular de ensino: a precarização do trabalho...
Educação e inclusão em escolas de educação básica:
análise preliminar
EducaƟon and inclusion in primary schools:
preliminary analysis
Nerli Nonato Ribeiro Mori*
* Professora Titular do Departamento de Teoria e Prá-
ca da Educação da Universidade Estadual de Maringá.
Doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento
Humano pela Universidade de São Paulo. É pesquisadora
e bolsista CAPES (Observatório da Educação).
E-mail: nnrmori@uem.br
Resumo
A polí ca nacional de educação especial na perspec va da educação inclusiva foi estabelecida em
2008. Desde então, é cada vez maior a inserção de alunos com deficiência, transtornos globais do
desenvolvimento ou altas habilidades/superdotação no ensino comum. Como está ocorrendo esse
processo? De que modo estão se concre zando os princípios e determinações dos documentos
norteadores da educação inclusiva? Em busca de respostas para essas questões realizamos uma
pesquisa sobre educação básica e inclusão nas cinco regiões brasileiras. Os dados iniciais foram
colhidos por meio de levantamento junto a 1200 professores e, na segunda etapa, foi realizado
um estudo de campo com observação direta de a vidades e entrevistas com profissionais, com
professores das Salas de Recursos Mul funcionais e com gestores de 15 escolas das cinco regiões
brasileiras. Os resultados indicam que ainda é grande o desafio de avançar para além do direito ao
acesso e efe var prá cas educacionais voltadas para as especificidades dos alunos que não atendem
os padrões de aprendizagem e desenvolvimento estabelecidos.
Palavras-chave
Educação especial. Inclusão. Aprendizagem.
Abstract
Brazilian policy for special educa on within the context of inclusive educa on was established in
2008. Henceforth there has been a wide inclusion of students with deficiencies and with development
disorders or highly gi ed children. How is the process being managed? How are the principles and
determina ons of guideline documents on inclusive educa on being managed? A research on basic
educa on and inclusion has been undertaken in five Brazilian regions. Data were collected by a survey
with 1200 teachers; later a field study with the direct observa on of ac vi es and interviews with
professionals and teachers of Mul func onal Resource Classrooms and administers of 15 schools
in the five Brazilian regions were undertaken. Results show that, besides the right for access, a huge
chasm s ll exists in prac ce to effec vely materialize educa onal prac ces for the specifici es of
children with deficiencies and who do not meet the established standard learning and development.
Key words
Special educa on. Inclusion. Learning.
248 Nerli Nonato Ribeiro MORI. Educação e inclusão em escolas de educação básica: análise...
conhecimento formal produzido pelos nada àqueles que não apresentavam as
homens. Assim, a escola oportuniza condições estabelecidas para frequentar
ao aluno a atividade psicológica, a o ensino.
consciência, a intenção, a percepção e Ressalte-se que, de longa data, as
atenção dirigida, o planejamento e as escolas especiais e outras ins tuições
ações voluntárias; enfim, o pensamento assumiram o espaço deixado pelas polí-
complexo. cas públicas educacionais e legislações
Nesse sen do, entender como a vigentes. A Cons tuição de 1988, por
sociedade explicou e atendeu às neces- exemplo, previa atendimento educacio-
sidades especiais é fundamental para a nal especializado ao que denominava
construção de uma escola realmente in- portadores de deficiência, “[...] prefe-
clusiva. Assim, destacamos alguns fatos rencialmente na rede regular de ensino”
e documentos marcantes, a par r dos (BRASIL, 1988, ar go 208).
anos de 1980, para a definição da pro- A utilização do termo preferen-
posta brasileira de educação inclusiva, cialmente contribuiu para reforçar a
estabelecendo como fazendo um recor- ambiguidade da relação entre público
te de fatos e documentos marcantes a e privado no que tange à educação
par r dos anos de 1980. Na sequência do alunado especial. Como ques ona
apresentamos uma síntese sobre os Ferreira (2006), quem definia o que era
dados colhidos e analisados na pesquisa preferencial? Além disso, não ficava claro
em pauta. se a matrícula na rede regular de ensino
implicava em sala comum.
A política nacional de educação Estava prevista a organização de
inclusiva vários níveis de atendimento, de modo
a atender as especificidades dos alunos
Os anos de 1980 e 1990 foram e promover a mobilidade de ambientes
marcados por um intenso movimento mais segregados para os menos integra-
em prol da inclusão escolar de alunos dores. No in tulado sistema em cascata,
com deficiência ou transtornos globais os alunos com quadros mais acentu-
do desenvolvimento, especialmente em ados eram matriculados nas escolas
países como Estados Unidos, Canadá especiais da rede conveniada e aqueles
e a maioria dos europeus. O Brasil, no com diagnós cos e manifestações de
entanto, con nuou a se pautar pelos desenvolvimento e aprendizagem mais
princípios da normalização e integração próximos da normalidade, em escolas da
e em explicações voltadas para os aspec- rede comum de ensino, quase sempre
tos clínicos de cada quadro. Desse modo, em salas especiais.
cabia ao aluno adaptar-se às condições Desse modo, por vários fatores,
educacionais oferecidas. Uma estrutura entre eles a ausência de polí cas claras
paralela de atendimento estava des - para a educação do alunado especial
250 Nerli Nonato Ribeiro MORI. Educação e inclusão em escolas de educação básica: análise...
possível a integração desses alunos nas Apesar de esse documento ter
classes comuns da rede regular de ensino. contribuído para aumentar o número
Apesar de enfa zar a liberdade de de encaminhamentos para a classe co-
acesso ao ensino comum, o termo prefe- mum, o sistema de educação especial
rencialmente e a remissão às condições con nuou a ser o responsável pela es-
específicas contribuíram para manter a colarização do aluno com deficiência; a
ambiguidade quanto à inserção do alu- colocação no sistema comum ou especial
nado especial na escola comum. con nuou a depender das condições do
Em junho de 1999 foi realizada aluno.
na cidade de Guatemala, República de A par r de 2003, foram desenca-
Guatemala, a Convenção Interamericana deadas ações para transformar a educa-
para a Eliminação de Todas as Formas ção especial em modalidade transversal
de Discriminação contra as Pessoas do ensino comum, ou seja, que permeia
Portadoras de Deficiência. O Brasil, por o ensino comum, desde a educação bá-
meio Decreto n. 3.956, de 8 de outubro sica até o ensino superior. O Ministério
de 2001, aprovou o texto originado na de Educação começou a desenvolver, de
Convenção, reafirmando que as pessoas forma sistemá ca, programas e cursos
com deficiência “[...] têm os mesmo os de formação para professores e assim,
mesmos direitos humanos e liberdades em 2006, a abrangência dessa ação era
fundamentais que outras pessoas e que significa va, disseminando a polí ca de
estes direitos, inclusive o direito de não educação inclusiva e formatando o sis-
ser subme do à discriminação com base tema de educação inclusiva para quase
na deficiência, emanam da dignidade e todos os municípios brasileiros.
da igualdade que são inerentes a todo A publicação da Polí ca Nacional
ser humano” (BRASIL, 2001b, p. 2). de Educação Especial na Perspec va da
Sob esse panorama nacional e in- Educação Inclusiva, em 2008, consolidou
ternacional o Brasil começou a formatar o princípio da transversalidade e ins tuiu
a atual polí ca de educação inclusiva. Em o Atendimento Educacional Especializa-
2001 foi emi da a Resolução 02 do Con- do complementar ou suplementar para
selho Nacional de Educação e da Câmara alunos com:
dos Deputados, proclamando que os • Deficiência: apresentam limitações de
sistemas de ensino devem matricular longo prazo relacionadas a aspectos de
todos os alunos e que o atendimento aos natureza sica, intelectual, mental ou
alunos especiais deveria ser realizado em sensorial.
classes comuns. Os encaminhamentos • Transtornos globais do desenvolvimen-
para classes e escolas especiais deveriam to: possuem alterações no desenvolvi-
ocorrer apenas em caráter transitório, mento neuropsicomotor, comprome -
extraordinário, em razão das necessida- mento nas relações sociais, na comu-
des do educando (BRASIL, 2001a). nicação ou estereo pias motoras, tais
252 Nerli Nonato Ribeiro MORI. Educação e inclusão em escolas de educação básica: análise...
dos avanços quanto ao acesso. Há, no to especializado, em horário contrário
entanto, pontos nevrálgicos, dentre os à escolarização, na Sala de Recursos
quais destacamos o processo ensino e Mul funcional (SRM) ou Centro de AEE.
aprendizagem tanto na escola comum O decreto 7.611/2011 regula-
como na escola especial. menta o apoio técnico e financeiro às
Como se ensina e quais os resul- ins tuições especializadas comunitárias,
tados alcançados no sistema especial? confessionais ou filantrópicas sem fins
Como o Estado acompanha as a vidades lucrativos, conveniadas com o Poder
nele realizadas? Com o distanciamento Execu vo. Para o financiamento, foram
entre o Estado e as ins tuições conve- consideradas “[...] as matrículas na rede
niadas e o número restrito de estudos regular de ensino, em classes comuns
e divulgações sobre o tema, é difícil ou em classes especiais de escolas
responder a essas questões. regulares, e em escolas especiais ou
Algumas ins tuições que agregam especializadas” (BRASIL, 2011, art. 14,
escolas especializadas têm se manifesta- parágrafo 1º).
do contra a polí ca de inclusão, dentre O documento gerou controvérsias,
elas a Federação Nacional das APAES especialmente pelo fato de que com o
(FENAPAES), a Federação Nacional das financiamento duplo também para as
Associações Pestalozzi (FENASP) e a matrículas em ins tuições especializa-
Federação Nacional de Educação e Inte- das, considerou-se que novamente es-
gração dos Surdos (FENEIS). A preocupa- tava posta a possibilidade da ins tuição
ção central é a possibilidade do fim das especializada como local de escolariza-
escolas especiais; além de uma inclusão ção, em subs tuição ao ensino comum.
grada va e processual, as ins tuições Em resposta às manifestações
especializadas defendem que as pessoas e pedidos de esclarecimento, a Dire-
com deficiência e suas famílias possam toria de Políticas de Educação Espe-
escolher onde querem estudar. cial da Secretaria de Educação Con-
As manifestações públicas e as tinuada, Alfabetização, Diversidade
ações junto ao poder polí co resultaram e Inclusão (SECADI) publicou a Nota
no Decreto 7.611/2011, que revogou o Técnica 62/2011 (BRASIL, 2011), na qual
Decreto 6.571/2008, o qual estabelecia reafirmou a polí ca de educação inclu-
o duplo financiamento para as escolas siva desde 2008 e negou que o Decreto
com alunos matriculados na rede pú- 7.611/2011 retomasse o conceito ante-
blica e par cipando do AEE. Ou seja, o rior de educação especial subs tu va
decreto admi a a dupla matrícula, com- à escolarização no ensino regular. Às
putando o aluno na educação regular e crí cas quanto ao apoio financeiro para
no atendimento especializado da rede atendimento pelas ins tuições especia-
pública, mas determinava a matrícula do lizadas a alunos não matriculados no
aluno no ensino comum e o atendimen- ensino regular, a Secretaria respondeu
254 Nerli Nonato Ribeiro MORI. Educação e inclusão em escolas de educação básica: análise...
de 2011 – a um grupo de 1200 (um mil Centro-Oeste; Mauá (SP), Petrópolis (RJ)
e duzentos) professores que par cipa- e Uberlândia (MG), no Sudeste; Chapecó
ram de um curso de especialização, na (SC), Capão da Canoa (RS) e Maringá
modalidade a distância, em Atendimento (PR), no Sul.
Educacional Especializado na Universida- O estudo nas escolas foi pensado
de Estadual de Maringá. Após um estudo e organizado com base na nota técnica
piloto para possíveis ajustes nas ques- 09/2010 (Brasil, 2010a), com os seguin-
tões, a aplicação foi realizada de modo tes pontos norteadores: a situação do
presencial por ocasião de uma avaliação AEE no Projeto Polí co Pedagógico da es-
do curso. Um total de 898 responderam cola; a organização do AEE; a adaptação
os ques onários, sendo 107 da região de materiais e currículo; caracterís cas
Norte; 252 da região Nordeste; 163 da do alunado atendido na SRM; a relação
região Sudeste; 103 da região Centro- entre o trabalho desenvolvido na SRM e
Oeste e 273 da região Sul. a sala comum; a formação ofertada para
A segunda etapa da pesquisa con- professores da SRM e da sala comum
sis u num estudo de campo com obser- com vistas ao atendimento de alunos
vação direta de a vidades e entrevistas com deficiências, Transtorno Global do
com profissionais com professores das Desenvolvimento e Altas Habilidades/
SRM e gestores de 15 (quinze) escolas Superdotação. Foram verificados ainda
das regiões cinco regiões brasileiras. pontos relacionados ao espaço sico,
Assim, foram escolhidas três escolas tais como as condições de acessibilidade
por região, sendo uma de cada estado e da escola e os recursos e equipamentos
atendendo ao critério de a escola estar disponíveis e u lizados na SRM.
situada em município com professores A equipe da pesquisa é compos-
cursando a especialização em AEE na ta por professores, alunos e técnicos
UEM e apresentar o maior número de do Programa de Pós-Graduação em
alunos definidos pelas atuais polí cas Educação e de cursos de graduação, da
educacionais como o alunado da edu- Universidade Estadual de Maringá. O
cação especializada, ou seja, pessoas levantamento foi realizado pelo grupo
com deficiências, Transtorno Global do e a coleta de dados nas regiões ficou
Desenvolvimento e Altas Habilidades/ sob a responsabilidade dos alunos da
Superdotação. Pós-Graduação, visto que o estudo de
Desse modo, o campo de abran- cada uma delas resulta numa dissertação
gência dessa etapa da pesquisa foi o ou tese. Ao final, o conjunto de dados
seguinte: Manaus (AM), Belém (PA), e será retomado, com vistas a compor um
Porto Velho (RO), na região Norte; Ga- quadro da inclusão escolar na educação
ranhuns (PE), Fortaleza (CE), Salvador básica.
(BA), no Nordeste; Campo Grande (MS),
Cuiabá (MT) e Aparecida de Goiânia, no
256 Nerli Nonato Ribeiro MORI. Educação e inclusão em escolas de educação básica: análise...
contenção financeira, outro obstáculo mento especializado a alunos com Altas
para a implantação é extensão territo- Habilidades/Superdotação. Das escolas
rial; a distância dificulta a formação dos inves gadas, apenas no Município de
professores e o acompanhamento da Campo Grande, na região Centro-Oeste,
implantação da nova polí ca. houve referência a esse atendimento.
Um problema grave é o acesso às De acordo com a Polí ca Nacional de
SRM. Ao estudar a região Centro-oeste, Educação Especial na Perspectiva da
Sierra (2013) comparou as matrículas Educação Inclusiva (BRASIL, 2008b), as
da educação especial e o número de pessoas com Altas Habilidades/Superdo-
matrículas na SRM; concluiu que em tação apresentam necessidades educa-
2011, 58% dos alunos matriculados cionais especiais e – da Educação Infan l
na educação especial no município de ao Ensino Superior, em escolas públicas
Campo Grande nham acesso a SRM ou privadas – elas devem receber AEE
e em Cuiabá a relação era de 68%. Em em SRM ou em outros espaços, como,
Aparecida de Goiânia o percentual caia por exemplo, em Núcleos de A vidades
para 30%. de Altas Habilidades/Superdotação, os
À escassez de SRM acrescente-se a quais oferecem atendimento a esse alu-
dificuldade de deslocamento dos alunos. nado e orientações aos seus pais, bem
A despeito da garan a de transporte como formação para os professores.
aos alunos da rede municipal e estadual Esses núcleos existem unicamente nas
ter sido incluído na LDB 9394/2006 em capitais e em grandes centros, o que
2003, em todas as escolas foi constata- dificulta o acesso a eles.
do o expressivo o número de falta dos Outro fator preponderante para a
alunos ao atendimento especializado. ausência de referências ao alunado com
No tocante às práticas pedagó- Altas Habilidades/Superdotação é a di-
gicas, a parceria entre os professores ficuldade de iden ficá-los. Perez (2013)
especializados e os professores da sala atribui essa dificuldade está ligada à falta
comum é problemá ca. Nesse contex- de informação e de formação dos pro-
to, é necessária uma formação inicial fessores das salas comuns e das SRM e
e continuada que supere a oposição às representações culturais equivocadas
entre educação comum e especial. Para rela vas ao conceito.
Rodriguero (2013), o professor da sala Se, por um lado, a pesquisa de-
comum precisa de capacitação para en- monstrou a falta de AEE aos alunos com
sinar alunos do público alvo do AEE e o Altas Habilidades/Superdotação não,
professor do atendimento especializado por outro evidenciou que alunos com
necessita ter uma visão mais ampla so- diagnós cos de hipera vidade e distúr-
bre aprendizagem e desenvolvimento. bios de aprendizagem – transtornos não
Outro destaque diz respeito ao previstos na polí ca – são atendidos na
número pouco expressivo de atendi- SRM. Isso ocorre tanto em municípios
258 Nerli Nonato Ribeiro MORI. Educação e inclusão em escolas de educação básica: análise...
promover o acesso ao conhecimento sis- de. Esse processo exige o diálogo aberto
tema zado a todos os alunos, especial- com a sociedade para a construção de
mente para alunos que não atendem os um projeto de educação para todos e o
padrões de normalidade estabelecidos. enfrentamento do desafio de escolas mal
Ainda é grande o desafio de avançar para projetadas e equipadas, do problema da
além da legislação que propicia o acesso formação insuficiente para a realização
e efe var prá cas educacionais que con- de prá cas pedagógicas promotoras do
siderem as especificidades dos alunos desenvolvimento humano.
com deficiência, transtornos globais do Como e quanto uma pessoa com
desenvolvimento e altas habilidades/ deficiência pode aprender? Numa pers-
superdotação. pec va humanizadora, as caracterís cas
O expressivo aumento das ma- humanas, as possibilidades de par cipa-
trículas dos alunos especiais no ensino ção no mundo se formam na interface
comum é um indica vo do estabeleci- do psicológico com o social. As leis do
mento da educação como um direito e desenvolvimento são iguais para todas
da escola como o espaço privilegiado as crianças, mas as singularidades da
para sua concre zação. Ir além do cam- organização sociopsicológica dos alunos
po norma vo implica, no entanto, em com deficiência implicam em recursos e
enfrentar questões como a par cipação métodos especiais de ensino.
das ins tuições especializadas e mudan- A efe vação do processo inclusivo
ças quanto à expecta va de aprendiza- implica no delineamento de um caminho
gem da pessoa com deficiência. em que par cipem todos os envolvidos
A trajetória das ins tuições espe- com o processo educa vo, sob o princípio
cializadas no atendimento às pessoas de que o desenvolvimento é produto da
com deficiência e o conhecimento por educação e não o resultado do amadu-
elas acumulado as coloca como parte recimento de estruturas psicológicas do
integrante do processo de mudanças. No sujeito. Um diagnós co de deficiência,
movimento de transformação, também Transtorno Global do Desenvolvimento
elas se modificam e podem assumir no- ou Altas Habilidades/Superdotação é
vas configurações. importante para saber como uma pessoa
A escola regular também precisa aprende, mas não determina até onde
romper com um modo de pensar e pla- ela pode chegar. A aprendizagem não
nejar a educação que provoca o fracasso elimina limites ou deficiências, mas ins-
escolar de alunos que não atendem pa- trumentaliza para um desenvolvimento
drões de normalidade e homogeneida- maior e mais qualita vo.
260 Nerli Nonato Ribeiro MORI. Educação e inclusão em escolas de educação básica: análise...
FELLINI, D. G. N. A polí ca de educação inclusiva e o atendimento educacional especializado
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Resumo
A importância da avaliação para garan r a qualidade em educação é consenso no setor educacional,
tarefa prevista na legislação e necessária para o direito de atuação da livre inicia va na educação
superior. No Brasil, a avaliação deveria ser conduzida pelo Sistema Nacional de Avaliação da Educação
Superior (SINAES), ins tuído pela Lei 10.861/04. No entanto, é fundamental acompanhar a implanta-
ção deste Sistema, observando os atuais processos de regulação das Ins tuições de Ensino Superior
e seus cursos, buscando discu r se o SINAES é um sistema implantado conforme sua concepção ou
se estaria ameaçado por operações de fiscalização e controle por parte do Estado regulador.
Palavras-chave
Avaliação. Educação Superior. Regulação.
Abstract
The importance of evalua on to ensure quality in educa on is consensus in the educa onal sector,
task required under the legisla on to the right of opera on of free ini a ve in higher educa on. In
Brazil, a Na onal Evalua on System of Higher Educa on (SINAES), established by Law 10.861/04,
should conduct the evalua on. However, it is essen al to monitor the implementa on of this system,
by observing the current processes for the regula on of higher educa on ins tu ons and their cour-
ses, trying to discuss if the SINAES is an implanted system as its concep on or if it was threatened
by supervision and control opera ons by the regulatory state.
Key words
Evalua on. Higher Educa on. Regula on.
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Resumo
O obje vo deste texto é analisar a pintura de Gio o di Bondone (1267-1337), A expulsão dos ven-
dilhões do templo. A inves gação é desenvolvida pelo olhar da História da Educação e os pressu-
postos teóricos são provenientes da História Social, a qual nos permite dialogar com várias áreas
do conhecimento e u lizar a produção imagé ca como fonte de pesquisa. Nossas reflexões serão
direcionadas pelas inquietações acerca da expansão comercial do século XIII, advento que propiciou
o surgimento de novas necessidades e ques onou valores da tradição cristã. Em consequência, a
Igreja se deparou com o embate em manter a crença em seus dogmas e legi mar a vidades co-
merciais que man nham o êxito da sociedade. Assim, nos dedicamos a estudar a pintura de Gio o
inves gando a hipótese de que a formação do homem do século XIII é direcionada pela necessidade
de equilibrar os valores espirituais e terrestres.
Palavras-chave
Educação. Expansão commercial. Iconografia.
Abstract
The objec ve of this paper is to analyze the pain ng of Gio o di Bondone (1267-1337), The Expul-
sion of the moneychangers from the temple. The research is developed by the perspec ve of the
History of Educa on and the theore cal assump ons are from Social History, which allows us to
engage with various areas of knowledge produc on and use imagery as a source of research. Our
thoughts will be directed by concerns about the commercial expansion of the thirteenth century
that gave rise to new needs and ques oned the values of the Chris an tradi on. Consequently, the
Church was faced with the struggle to maintain a belief in its dogmas and to legi mate business
ac vi es that kept the success of the society. Thus, we studied the pain ng of Gio o inves ga ng
276 Terezinha OLIVEIRA; Meire A. L. NUNES. A expulsão dos mercadores do templo: um estudo da usura...
de usura” (WOLF, 2007, p. 30). Obje van- apenas um santo pode receitar a si
do ou não a sua absolvição, foi graças ao próprio a renuncia incondicional a
proposito de salvar a alma do patriarca todos os seus bens; no caso das pes-
dos Scrovegni que a capela foi construída soas comuns, o amor aparente pela
pobreza apenas denota hipocrisia.
e Gio o contratado para pintá-la.
Como reza o verso 25: << quando
A usura foi uma realidade que as posses escasseiam, parece que
os homens do século XIII veram que o bom senso também escasseia.>>.
enfrentar. Aquele período foi marcado
pela expansão comercial e, consequen- Em face destas informações pode-
temente, o lucro o responsável pelo êxito mos inferir que a Capela de Scrovegni
daquela sociedade. Portanto, grande é uma compensação pela prática da
parte da população era usurária, até usura, pois foi financiada pela fortuna
mesmo Gio o é suspeito dessa prá ca. do comércio dos Scrovegni. Seu cons-
Wolf (2007, p. 30) afirma que: “Gio o trutor, Enrico Scrovegni, era usurário e
também era usurário – não nha es- sua ornamentação teria sido feita, tam-
crúpulos em cobrar a pobres artesãos a bém, por um possível usurário: Gio o
quem alugava equipamentos com juros di Bondone. Diante desses indicadores,
de 120%! Quais seriam os seus pensa- delimitamos como questão reflexiva
mentos e sen mentos quanto o fazia?”. para a análise iconográfica a usura. O
A suspeita de Gio o como usurário é problema que se elabora é: será que
acentuada pela análise de uma canção Gio o, ao pintar uma cena bíblica que
que pode ser de autoria do ar sta, na condena a prá ca do comércio, expõe o
qual explicita seu pensamento sobre novo contexto social do século XIII-XIV
os bens materiais. Sobre a usura, Wolf que necessita validar, parcialmente, a
(2007, p. 30) explica que: prá ca da usura? Todavia, a inves gação
imagética requer uma familiarização
Vários inves gadores acreditam que
com os conteúdos presentes na repre-
Gio o foi autor de uma canzone
sentação. Assim, estruturamos nossa
sobre a pobreza, que apareceu em
1827. Examina a pobreza e a rique- abordagem em três momentos: inicia-
za na sua relação com os ideais de mos pela contextualização da usura no
Cristo e de S. Francisco, que não período de Gio o; em seguida, faremos
nham posses, e também em rela- uma reflexão delimitada acerca da usura;
ção à natureza humana vulgar, que por fim, a análise da imagem.
é tão propensa à posse. O verso 10
expressa, sem qualquer dúvida, um A usura na época de Giotto
profundo cep cismo em relação à
dogmá ca insistência na pobreza: Giotto nasceu, provavelmente,
<< Raramente há extremos sem em 1267, na aldeia Colledi Vespignano,
vicio. >> é do senso comum que perto de Florença- Itália. Seus biógrafos
278 Terezinha OLIVEIRA; Meire A. L. NUNES. A expulsão dos mercadores do templo: um estudo da usura...
ciedade e remodelam profundamente o Le Goff (2004, p. 67) nos mostra que o
cris anismo que ela professa” (LE GOFF, usurário não é “[...] uma ví ma, mas
2007, p. 143-144). No entanto, em meio um culpado que par lha sua culpa com
a tantas inovações surgem, também, o conjunto da sociedade, que mesmo o
problemas como a usura. Le Goff, em desprezando e perseguindo, servia-se
a Bolsa e a Vida, trata especificamente dele e par lhava sua sede pelo dinheiro”.
dessa questão e afirma que a usura é um Entendemos que o sen mento de ‘ódio
dos grandes problemas do século XIII. O e amor’ pelo usurário é fruto do embate
autor explica que: entre a manutenção de valores prove-
O impulso e a difusão da economia nientes de épocas em que a circulação
monetária ameaçam os velhos monetária era irrisória e a nova prá ca
valores cristãos. Um novo sistema econômica que sustenta a sociedade por
econômico está prestes a se formar, meio da cobrança de juros. Um caminho
o capitalismo, que para se desenvol- encontrado para solucionar esse enfren-
ver necessita senão de novas téc- tamento foi o da ‘justa medida’. A ideia
nicas, ao menos do uso massivo de da “justa medida” pode ser creditada à
prá cas condenadas desde sempre retomada dos pensadores da An gui-
pela Igreja. Uma luta encarniçada, dade pelo Renascimento do século XII.
co diana, assinalada por proibições
Grosso modo, essa teoria se fundamenta
repe das, ar culadas a valores e
mentalidades, tem por obje vo a
na moderação, ou um ponto médio entre
legitimação do lucro lícito que é duas extremidades, também considera-
preciso dis nguir da usura ilícita. do como virtude. Essa ideia,
(LE GOFF, 2004, p. 6). [...] se impõe na teologia, de Hugo
É possível entender a importância de Saint-Victor a Tomás de Aquino,
e nos costumes. Em meados do
que a usura passa a ter pela própria
século XIII, São Luís pra ca e louva
caracterís ca do momento em que os
a justa medida em todas as coisas,
valores tornaram-se mais terrenos. Em no modo de vestir, na mesa, na
consequência, a vida passa a ser entendi- devoção, na guerra. Para ele, o ho-
da como uma forma de contribuição para mem ideal é o prudhomme que se
a criação divina, pois, se assim não fosse, dis ngue do homem valente no fato
“[...] por que teria Deus criado o mundo de aliar sabedoria e moderação. O
e o homem e a mulher?” (LE GOFF, 2004, usurário moderado tem, portanto,
p. 66). Essa nova forma de pensar induz a probabilidade de passar através
os homens a se embrenharem em cami- da rede de malha fina de Satã. (LE
nhos e a vidades que eram condenados GOFF, 2004, p. 70-71).
em outros momentos. Todavia, o usurá- Nessa perspec va, foram adotadas
rio não está sozinho nesta jornada toda algumas medidas para a prá ca de uma
sociedade é cumplice de suas a vidades. ‘usura moderada’ como, por exemplo,
280 Terezinha OLIVEIRA; Meire A. L. NUNES. A expulsão dos mercadores do templo: um estudo da usura...
mos, nem usura e lucro: a usura [...] aquele que aluga um campo
intervém onde não há produção para receber renda ou uma casa
ou transformação material de bens para ter um aluguel, não se asseme-
concretos. (LE GOFF, 2004, p. 14). lha àquele que empresta dinheiro
a juros? É claro que não. Antes de
As informações apresentadas pelo tudo porque a única função do di-
autor nos possibilitam inferir que usura nheiro é o pagamento de um preço
é uma forma de juros sem a produção de compra; depois, o arrendatário
de bens materiais. No entanto, essa faz frutificar a terra, o locatário
definição nos parece contraditória, pois goza da casa; nestes deis casos, o
o juro não implica necessariamente o proprietário parece dar o uso de
aumento, ou produção, de uma mate- sua coisa para receber dinheiro,
rialidade que nas transações financeiras e de certo modo, trocar lucro por
é a moeda/dinheiro? De acordo com o lucro, enquanto que, do dinheiro
pensamento corrente daquela época a emprestado, não podemos fazer
moeda é infecunda, ela não se reproduz. dele nenhum uso; enfim, o uso
esgota pouco a pouco o campo,
Portanto, gerar dinheiro com o próprio
estraga a casa, enquanto o dinheiro
dinheiro é ilícito. Essa ideia pode ser
emprestado não se sujeita à dimi-
observada na explicação de Tomás de
nuição nem ao envelhecimento. (LE
Aquino sobre a moeda. Le Goff (2004, p.
GOFF, 2004, p. 25-26).
22) explica que para o monge a função
da moeda é a troca “[...] assim, seu uso Entendido que a usura está vin-
próprio e primeiro é o de ser consumido, culada ao recebimento de um valor
gasto nas trocas. Por consequência, é maior de dinheiro pelo seu emprés mo,
injusto em si receber uma recompensa passamos a pensar nos argumentos que
pelo uso do dinheiro emprestado; é nisso tornam essa ação condenável. Primeira-
que consiste a usura". Essa mesma ideia mente é necessário entender que para
do dinheiro ser infecundo não é exclusi- o contexto medieval a usura era mais
va de Tomás de Aquino, ela é consenso que um crime, era um pecado, como é
entre os medievais, como seu contem- apresentado por Le Goff por meio de um
porâneo São Boaventura, que afirma que manuscrito do século XIII:
"O dinheiro em si e por si não fru fica, Os usurários pecam contra a natu-
mas o fruto vem de outra parte" (LE reza querendo fazer dinheiro gerar
GOFF, 2004, p. 23). No Código de Direito dinheiro, como cavalo com cavalo
Canônico do século XII encontra-se um ou mulo com mulo. Além disso, os
texto, provavelmente do século V, que usurários são ladrões (latrones),
nos auxilia sinte zar essa ideia acerca pois vendem o tempo, que não lhes
da diferença da produção de dinheiro pertence, e vender um bem alheio,
como principal condição para a prá ca contra a vontade do possuidor é um
da usura. roubo. Ademais, como nada ven-
282 Terezinha OLIVEIRA; Meire A. L. NUNES. A expulsão dos mercadores do templo: um estudo da usura...
dades profissionais que aparentemente na nova categoria de intelectuais que
eram condenáveis, ao serem subme das recebiam pagamento – collecta –, dos
à análise, se libertaram das acusações. estudantes das cidades, por seus ensina-
A reavaliação dos o cios é, para o autor, mentos. Le Goff (2004, p. 39) esclarece
consequência da revolução econômica que a condenação aos intelectuais era
e social que ocorreu no Ocidente neste sustentada por compreendê-los como
período, da qual: “[...] mercadores de palavras". E o que
[...] o progresso urbano é o sin- vendem eles? A ciência, a ciência, que,
toma mais estridente, e a divisão como o tempo, pertence apenas a Deus”.
do trabalho o aspecto mais impor- Todavia, esses ‘ladrões’ não receberam
tante. Novos ofícios nascem ou a condenação por usura. A absolvição
se desenvolvem, novas categorias dos intelectuais e dos mercadores foi
profissionais aparecem ou são promulgada graças aos escolás cos que
ex ntas, novos grupos socioprofis- jus ficaram muitas a vidades por meio
sionais, fortes por seu numero, por da casuís ca. Le Goff (2013, p. 123) elu-
seu papel, reclamam e conquistam cida que, para a escolás ca, a casuís ca
uma es ma, ou seja um pres gio é, “[...] nos séculos XII e XIII, o seu grande
associado a sua força. Eles querem
mérito, antes de se tornar o seu grande
ser considerados e nisso são bem
defeito -, ela separa as ocupações ilícitas
sucedidos. O tempo do desprezo
está terminado (LE GOFF, 2013, p. em si pela natureza – ex natura – daque-
122-123). las que são condenáveis de acordo com
o caso, ocasionalmente, ex occasione”.
Dentro do novo ‘quadro’ de o - Neste contexto de construção de argu-
cios que deixaram de ser desprezados mentos em beneficio dos o cios lícitos
encontram-se o comércio e o ensino a intenção dos pra cantes torna-se a
laico. As a vidades do comerciante e do grande questão a ser avaliada. Assim,
usurário podem ser confundidas porque
[...] a má intenção carrega consigo
são muito próximas. Le Goff (2004, p.53)
a condenação somente dos merca-
explica que usurário e mercador são dores que agem por cupidez – ex
termos dis ntos e afirma que, respec - cupiditate -, por amor ao ganho –
vamente, “[...] um termo é vergonhoso e lucri causa. Isto é deixar um amplo
o outro honroso, e que o segundo serve campo livre as ‘boas intenções’,
para esconder a vergonha do primeiro, o quer dizer, a todas as camuflagens.
que prova apesar de tudo uma certa pro- Os processos de intenção são um
ximidade, senão parentesco, entre eles”. primeiro passo na via da tolerância
A dis nção entre ambas as a vidades (LE GOFF, 2013, p. 124).
nunca foi muito clara porque o comércio Além da intenção, outras questões
do século XIII exalava odores da usura. foram consideradas e os escolásticos
Os mesmo odores podem ser sen dos desenvolveram cincos argumentos que
284 Terezinha OLIVEIRA; Meire A. L. NUNES. A expulsão dos mercadores do templo: um estudo da usura...
Análise da imagem futuro golpe no homem que está sendo
de do por sua mão esquerda. Na frente
Se emprestais àqueles de quem de Jesus, Gio o coloca uma mesa virada
esperais receber, que vantagem e ao seu lado uma jaula da qual saem
tereis? Até os pecadores empres- animais que se espalham no meio da
tam aos pecadores, para receber
mul dão. A mul dão está dividida em
o equivalente. Mas ao contrário,
amai os vossos inimigos, fazei-lhe o dois hemisférios: do lado direito, encon-
bem e emprestai sem nada esperar tram-se cinco homens e duas crianças;
(Lucas, VI, 36-38). do lado esquerdo apenas cinco homens.
O fundo da cena é emoldurado por uma
A pintura de Gio o que elegemos construção que a aparência nos remete
para analisar o contexto ‘expansionis- à imagem de um edi cio religioso.
ta’ do final da Idade Média Central, Essa leitura nos possibilita inferir
que torna a usura um problema social, que o ar sta foi fiel à passagem conheci-
chocando-se com os preceitos religiosos, da como A Purificação do templo, narra-
é o afresco pintado entre 1302 e 1306 da pelos quatro evangelistas e que João
na Capela degli Scrovegni em Pádua, (2:13-16) descreve da seguinte forma:
Jesus expulsa os vendilhões do templo. 13
A jus fica va pela escolha nos parece Estando próxima a Páscoa dos ju-
deus, Jesus subiu a Jerusalém. 14No
apropriado, pois a pintura expressa a
Templo, encontrou os vendedores
mensagem bíblica que sustenta o com-
de bois, de ovelhas e de pombas e
bate à usura. Desta forma, para dialogar os cambistas sentados. 15Tendo fei-
com leitura da fonte imagé ca, podemos to um chicote de cordas, expulsou
nos reportar a principal fonte da litera- todos do Templo, com as ovelhas
tura religiosa, a Bíblia. e com os bois; lançou ao chão o
O primeiro olhar para a pintura dinheiro dos cambistas e derrubou
(figura 1) nos revela uma cena que as mesas 16e disse aos que vendiam
tem no primeiro plano Cristo com uma pombas: "Tirai tudo isto daqui; não
fisionomia irada demonstrando, pelo façais da casa de meu Pai uma casa
posicionamento de sua mão direita, um de comércio".
286 Terezinha OLIVEIRA; Meire A. L. NUNES. A expulsão dos mercadores do templo: um estudo da usura...
Há três razões para a instituição da jus fica va para a ‘usura moderada’
de imagens nas igrejas. Primeira, a pode ser engendrada pelo pensamento
instrução dos simples, porque eles de Tomás de Aquino que, revisitando a
são por elas instruídas como se o filosofia aristotélica, retoma o conceito
fossem pelos livros. Segunda, para
da ‘justa medida’. O pensamento da justa
que o mistério da Encarnação e os
medida, por exemplo, pode ser encon-
exemplos dos santos possam ser
mais a vos em nossa memória ao trada na segunda parte da Suma Teoló-
serem representados diariamente gica, na qual Tomás de Aquino aborda os
sob nossos olhos. Terceira, para atos humanos e os classifica em viciosos
es mular sen mentos de devoção, e virtuosos. As virtudes são cons tuídas
já que estes são es mulados de ma- pela temperança, que tem a função de
neira mais efe va pelas coisas vistas repelir as paixões excessivas. A tempe-
que ouvidas (SÃO TOMÁS DE AQUI- rança pode ser caracterizada como uma
NO apud PEREIRA, 2011, p.132) moderação dos atos humanos, o ponto
Percebemos que Tomás de Aqui- médio entre dois pontos.
no se reporta à imagem não de forma Essa ideia do ponto médio pode
independente, mas relacionando-a ao ser pensada pela disposição da cena
texto escrito, o qual para os cristãos, apresentada por Gio o. O pintor coloca
nha um valor superior. Todavia, a efici- Jesus proporcionalmente à frente do
ência da imagem para a compreensão e portão central do Templo de Jerusalém,
efe vação dos ensinamentos é inegável, o que, indubitavelmente, o torna o ponto
como Tomás de Aquino afirma, a visão de referência da cena (figura 2). A posi-
é mais efe va do que a audição quando ção de Jesus possibilita a divisão assimé-
o proposito é a sensibilização. Seguindo trica da cena em lado direito e esquerdo,
esse modelo, a Capela de Scrovegni assim como as demais pessoas que com-
foi pintada como um texto bíblico que põem a pintura. Do seu lado esquerdo
aborda três temas: Joaquim e Ana (pais estão os mercadores e do lado direito
de Maria), Maria e Jesus Cristo. Mesmo seus seguidores. Tradicionalmente, ao
diante da evidência da fidelidade narra- lado esquerdo é atribuído ao coração,
va ao texto, podemos nos aventurar a órgão do corpo humano que alegori-
desenvolver uma leitura que tem como camente representa os sentimentos.
proposito revelar questões especificas Os sen mentos são produzidos pelos
sobre o pensamento do autor e de seu sen dos, o que os remete diretamente
tempo. Assim, como hipótese inves - aos desejos ou as paixões. As paixões
ga va, construímos a premissa de que são entendidas como os sen mentos de
Gio o, um possível usurário, comungava cólera, o medo, a audácia, inveja, alegria,
a perspectiva corrente naquele mo- a amizade, o ódio, desejo, emulação,
mento que condenava apenas a prá ca compaixão e, em geral, os sen mentos
excessiva da usura. O estabelecimento que são acompanhados de prazer ou
288 Terezinha OLIVEIRA; Meire A. L. NUNES. A expulsão dos mercadores do templo: um estudo da usura...
Figura 3 – A expulsão dos vendilhões do templo.
Capela de Scrovegni – Padova/Itália. (detalhe)
Fonte: h p://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/8/8c/Gio o_-_
Scrovegni_-_-27-_-_Expulsion_of_the_Money-changers_from_the_Temple.jpg