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Curso de Graduação a Distância

Alfabetização
e Letramento
(4 créditos – 80 horas)

Autor:
Neli Porto Soares Betoni Escobar Naban

Universidade Católica Dom Bosco Virtual


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Missão Salesiana de Mato Grosso
Universidade Católica Dom Bosco
Instituição Salesiana de Educação Superior

Chanceler: Pe. Gildásio Mendes dos Santos


Reitor: Pe. Ricardo Carlos
Pró-Reitora de Graduação e Extensão: Profª. Rúbia Renata Marques
Diretor da UCDB Virtual: Prof. Jeferson Pistori
Coordenadora Pedagógica: Profª. Blanca Martín Salvago

Direitos desta edição reservados à Editora UCDB


Diretoria de Educação a Distância: (67) 3312-3335
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NABAN, Neli Porto Soares Betoni Escobar

Alfabetização e Letramento / Neli Porto Soares Betoni


Escobar Naban. Campo Grande: UCDB, 2017. 103 p.

Palavras-chave:
1. Alfabetização 2. Letramento 3. Texto 4. Literatura.

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APRESENTAÇÃO DO MATERIAL DIDÁTICO

Este material foi elaborado pelo professor conteudista sob a orientação da equipe
multidisciplinar da UCDB Virtual, com o objetivo de lhe fornecer um subsídio didático que
norteie os conteúdos trabalhados nesta disciplina e que compõe o Projeto Pedagógico do
seu curso.

Elementos que integram o material


Critérios de avaliação: são as informações referentes aos critérios adotados para
a avaliação (formativa e somativa) e composição da média da disciplina.
Quadro de Controle de Atividades: trata-se de um quadro para você organizar a
realização e envio das atividades virtuais. Você pode fazer seu ritmo de estudo, sem ul-
trapassar o prazo máximo indicado pelo professor.
Conteúdo Desenvolvido: é o conteúdo da disciplina, com a explanação do pro-
fessor sobre os diferentes temas objeto de estudo.
Indicações de Leituras de Aprofundamento: são sugestões para que você
possa aprofundar no conteúdo. A maioria das leituras sugeridas são links da Internet para
facilitar seu acesso aos materiais.
Atividades Virtuais: atividades propostas que marcarão um ritmo no seu estudo.
As datas de envio encontram-se no calendário do Ambiente Virtual de Aprendizagem.

Como tirar o máximo de proveito


Este material didático é mais um subsídio para seus estudos. Consulte outros
conteúdos e interaja com os outros participantes. Portanto, não se esqueça de:
· Interagir com frequência com os colegas e com o professor, usando as ferramentas
de comunicação e informação do Ambiente Virtual de Aprendizagem – AVA;
· Usar, além do material em mãos, os outros recursos disponíveis no AVA: aulas
audiovisuais, vídeo-aulas, fórum de discussão, fórum permanente de cada unidade, etc.;
· Recorrer à equipe de tutoria sempre que precisar orientação sobre dúvidas quanto
a calendário, atividades, ferramentas do AVA, e outros;
· Ter uma rotina que lhe permita estabelecer o ritmo de estudo adequado a suas
necessidades como estudante, organize o seu tempo;
· Ter consciência de que você deve ser sujeito ativo no processo de sua aprendiza-
gem, contando com a ajuda e colaboração de todos.
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Objetivo Geral

Fornecer ao acadêmico, elementos de reflexão sobre o estudo da Alfabetização, as


reflexões sobre linguagem, língua, leitura, letramento e literatura.

SUMÁRIO

UNIDADE 1 – CONCEITOS FUNDAMENTAIS ........................................................ 11


1.1 Língua e sues signos ............................................................................................. 11
1.2 Psicogênese da língua escrita ................................................................................. 25
1.3 Fundamentos da alfabetização ............................................................................... 33
1.4 Alfabetização e Letramento .................................................................................... 38

UNIDADE 2 – TEXTO E LEITURA ......................................................................... 46


2.1 Considerações sobre a noção de texto .................................................................... 46
2.2 Dialogicidade ........................................................................................................ 49
2.3 O ato de ler .......................................................................................................... 51
2.4 Leitura e seus sistemas de conhecimento ................................................................ 53

UNIDADE 3 –- GÊNEROS TEXTUAIS E LEITURA .................................................. 70


3.1 Gêneros textuais ................................................................................................... 70
3.2 Leitura, literatura e leitores .................................................................................... 75
3.3 Narrativas Infantis................................................................................................. 80
3.4 Ler /Escrever e o papel do professor ....................................................................... 88

REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 94
EXERCÍCIOS E ATIVIDADES ............................................................................... 97

Avaliação

A UCDB Virtual acredita que avaliar é sinônimo de melhorar, isto é, a finalidade da


avaliação é propiciar oportunidades de ação-reflexão que façam com que você possa
aprofundar, refletir criticamente, relacionar ideias, etc.
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A UCDB Virtual adota um sistema de avaliação continuada: além das provas no final de
cada módulo (avaliação somativa), será considerado também o desempenho do aluno ao longo
de cada disciplina (avaliação formativa), mediante a realização das atividades. Todo o processo
será avaliado, pois a aprendizagem é processual.
Para que se possa atingir o objetivo da avaliação formativa, é necessário que as
atividades sejam realizadas criteriosamente, atendendo ao que se pede e tentando sempre
exemplificar e argumentar, procurando relacionar a teoria estudada com a prática.
As atividades devem ser enviadas dentro do prazo estabelecido no calendário de
cada disciplina.

Critérios para composição da Média Semestral:

Para compor a Média Semestral da disciplina, leva-se em conta o desempenho


atingido na avaliação formativa e na avaliação somativa, isto é, as notas alcançadas nas
diferentes atividades virtuais e na(s) prova(s), da seguinte forma: Somatória das notas
recebidas nas atividades virtuais, somada à nota da prova, dividido por 2. Caso a disciplina
possua mais de uma prova, será considerada a média entre as provas.
Média Semestral: Somatória (Atividades Virtuais) + Média (Provas) / 2
Assim, se um aluno tirar 7 nas atividades e 5 na prova: MS = 7 + 5 / 2 = 6
Antes do lançamento desta nota final, será divulgada a média de cada aluno, dando
a oportunidade de que os alunos que não tenham atingido média igual ou superior a 7,0
possam fazer a Recuperação das Atividades Virtuais.
Se a Média Semestral for igual ou superior a 4,0 e inferior a 7,0, o aluno ainda
poderá fazer o Exame Final. A média entre a nota do Exame Final e a Média Semestral
deverá ser igual ou superior a 5,0 para considerar o aluno aprovado na disciplina.
Assim, se um aluno tirar 6 na Média Semestral e tiver 5 no Exame Final: MF = 6 + 5
/ 2 = 5,5 (Aprovado)

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FAÇA O ACOMPANHAMENTO DE SUAS ATIVIDADES

O quadro abaixo visa ajudá-lo a se organizar na realização das atividades. Faça seu
cronograma e tenha um controle de suas atividades:

AVALIAÇÃO PRAZO * DATA DE ENVIO **

Atividade 1.1
Ferramenta: Tarefa

Atividade 2.1
Ferramenta: Tarefa

Atividade 3.1
Ferramenta: Tarefa

Atividade 3.2
Ferramenta: Tarefa

* Coloque na segunda coluna o prazo em que deve ser enviada a atividade (consulte o
calendário disponível no ambiente virtual de aprendizagem).
** Coloque na terceira coluna o dia em que você enviou a atividade.

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BOAS VINDAS

Caro(a) acadêmico(a),

Olá! Seja bem-vindo (a) à disciplina de Alfabetização e Letramento do curso de


Pedagogia a distância. A disciplina, juntamente com a UCDB Virtual, pretende ajudá-lo a
explorar os caminhos do conhecimento da alfabetização, letramento, leitura e das
contribuições linguísticas para esta área.
Nesta disciplina você aprenderá sobre o letramento e também a leitura, além de
refletir sobre os fatores de textualidade como intertextualidade, coerência e coesão.
O conteúdo aqui ministrado permitirá que você leia e entenda os estudos
relacionados a alfabetização. Assim, o domínio de tais conceitos é fundamental ao
profissional da educação.
Acreditamos que o conhecimento sobre a linguagem pode contribuir para que você
seja um profissional mais reflexivo e atualizado.
E como disse Paulo Freire “Não há docência sem discência”, seja um estudante
exemplar.

Um abraço,

Neli Porto Soares Betoni Escobar Naban

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Pré-teste

A finalidade deste pré-teste é fazer um diagnóstico quanto aos conhecimentos


prévios que você já tem sobre os assuntos que serão desenvolvidos nesta
disciplina. Não fique preocupado com a nota, pois não será pontuado.

Leia o texto a seguir, em que o jornalista Ronald Christ entrevista o escritor


argentino Jorge Luis Borges, e responda a questão 1.
Esta entrevista ocorreu em julho de 1966, em conversa que mantive com Borges em seu
escritório na Biblioteca Nacional, da qual ele era diretor. O ambiente, que evoca uma
Buenos Aires mais antiga, não era realmente o de um escritório, mas uma ampla e
ornamentada sala, de pé-direito alto, na biblioteca recém-renovada. Nas paredes – mas
altos demais para serem lidos com facilidade, como se pendurados com timidez – estavam
vários certificados acadêmicos e menções literárias. Havia também diversas águas-fortes de
Piranesi, recordando a fantástica ruína piranesiana no conto de Borges “O imortal”. Acima
da lareira havia um grande retrato. Quando perguntei à secretária de Borges, sra. Susana
Quinteros, a respeito do retrato, ela respondeu num eco adequado, ainda que não
intencional, de um tema borgiano: “Não importa. É uma reprodução de outra pintura”.
(CHRIST, R. Os escritores: as históricas entrevistas de Paris Review. São Paulo:
Companhia das Letras, 1988. p. 197).

1. Com base nos conhecimentos sobre o tema, podemos afirmar que o texto, é:
a) Narrativo, já que busca relatar a experiência que o jornalista viveu.
b) Argumentativo, uma vez que se apresenta por meio de raciocínio lógico.
c) Preditivo, desenvolvido para permitir ao leitor que preveja como será a entrevista.
d) Dissertativo, iniciando-se com referências de tempo e espaço.
e) Descritivo, pois o jornalista tenta recriar para o leitor o espaço que visitou.

Leia o texto, a seguir.


Ler significa reler e compreender, interpretar. Cada um lê com os olhos que tem. E
interpreta a partir de onde os pés pisam.
Todo ponto de vista é a vista de um ponto. Para entender como alguém lê, é necessário
saber como são seus olhos e qual é sua visão de mundo. Isso faz da leitura sempre uma
releitura.
A cabeça pensa a partir de onde os pés pisam. Para compreender, é essencial conhecer o
lugar social de quem olha. Vale dizer: como alguém vive, com quem convive, que
experiências tem, em que trabalha, que desejos alimenta, como assume os dramas da vida
e da morte e que esperanças o animam. Isso faz da compreensão sempre uma
interpretação.

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2. A expressão “com os olhos que tem” (l. 1), no texto, tem sentido de:
a) Enfatizar a leitura.
b) Incentivar a leitura.
c) Individualizar a leitura.
d) Priorizar a leitura.
e) Valorizar a leitura.

Leia o texto:
Toda criança tem direito à igualdade, sem distinção de raça, religião ou nacionalidade.
Toda criança tem direito a crescer dentro de um espírito de solidariedade, compreensão,
amizade e justiça entre os povos.
Toda criança tem direito a um nome, a uma nacionalidade.
Toda criança tem direito ao amor e à compreensão por parte dos pais e da sociedade.
Toda criança tem direito à educação gratuita e ao lazer infantil.
Toda criança tem direito à alimentação, moradia e assistência médica para si e para a mãe.
Toda criança tem direito a ser socorrida em primeiro lugar.
Toda criança física ou mentalmente deficiente tem direito à educação e a cuidados
especiais.
Toda criança tem direito a especial proteção para o seu desenvolvimento físico, mental e
social.
Toda criança tem direito a ser protegida contra o abandono e a exploração no trabalho.
(CEREJA, William Roberto; MAGALHÃES, Thereza Cochar. Português: Linguagens. São
Paulo: Atual, 998. p. 77)

3. Usando o termo “Toda” no início de cada frase, o texto:


a) Enfatiza a ideia de universalidade.
b) Estabelece independência com o termo “criança”.
c) Estabelece maior vínculo com o leitor.
d) Faz uma repetição sem necessidade.
e) Reforça a especificidade de cada ideia.

Leia o texto abaixo.


Sampa.
Alguma coisa acontece no meu coração
Que só quando cruza a Ipiranga e a avenida São João
É que quando eu cheguei por aqui eu nada entendi
Da dura poesia concreta de tuas esquinas
Da deselegância discreta de tuas meninas

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Ainda não havia para mim, Rita Lee
A tua mais completa tradução
Alguma coisa acontece no meu coração
Que só quando cruza a Ipiranga e a avenida São João
Quando eu te encarei frente a frente não vi o meu rosto
Chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto
É que Narciso acha feio o que não é espelho
E à mente apavora o que ainda não é mesmo velho
Nada do que não era antes quando não somos Mutantes
E foste um difícil começo
Afasta o que não conheço
E quem vem de outro sonho feliz de cidade
Aprende depressa a chamar-te de realidade
Porque és o avesso do avesso do avesso do avesso
Do povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas
Da força da grana que ergue e destrói coisas belas
Da feia fumaça que sobe, apagando as estrelas
Eu vejo surgir teus poetas de campos, espaços
Tuas oficinas de florestas, teus deuses da chuva
Panaméricas de Áfricas utópicas, túmulo do samba
Mais possível novo quilombo de Zumbi
E os Novos Baianos passeiam na tua garoa
E novos baianos te podem curtir numa boa
Caetano Veloso

4. O sentido global construindo pelo poema autoriza concluir que:


a) São Paulo não inspira amor à primeira vista, mas aos poucos começa-se a perceber seus
encantos e termina-se por gostar dela.
b) São Paulo é uma cidade feia, que inspira aversão.
c) São Paulo é uma cidade feia, que inspira amor à primeira vista.
d) São Paulo deixa as pessoas indiferentes, não inspira amor nem aversão.
e) São Paulo inspira ao mesmo tempo ódio e amor.

Submeta o Pré-teste por meio da ferramenta Questionário.

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UNIDADE 1

CONCEITOS FUNDAMENTAIS
OBJETIVO DA UNIDADE: Levar o estudante ao conhecimento dos conceitos de
língua, linguagem, alfabetização, letramento e leitura. Refletir sobre a leitura e os
sistemas de conhecimento.

1.1 Língua e seus signos

Nesta unidade, discute-se inicialmente a questão da língua e seus símbolos


fonéticos e sinais gráficos como acentos. Depois, aborda-se a questão da Alfabetização e do
Letramento. Numa língua existem valores sonoros diferentes para cada símbolo alfabético, e
a ortografia por si só não nos dá uma orientação clara sobre a pronúncia da língua e seus
dialetos. Com o objetivo de tornar mais precisa essa pronúncia é que os linguistas
elaboraram o Alfabeto Fonético Internacional.
Pensemos os símbolos aplicáveis ao português, porque são os que nos dizem
respeito no momento, mas há outros símbolos fonéticos que representam sons existentes
em outras línguas, que não aparecem no português. Os exemplos refletem a fala de vários
dialetos em alguns aspectos. As marcas podem ser transcritas em todas as palavras.
Dividir as letras do alfabeto em vogais e consoantes só faz sentido se essas letras
remetem a som que na fala podem ser classificados como vogais e consoantes, segundo a
descrição fonética. Na escrita, dividir as letras, de tal modo que se torne possível
estabelecer regras de segmentação gráfica. Isto existe e funciona desse modo. Mas, na fala,
vogais e consoantes são tipos diferentes de modos de articulação. Assim se escreve "optar"
e se costuma dizer "opitar" se escreve "lápis" e se diz "laps", etc. A partir desses exemplos,
percebe-se claramente que uso de vogais e consoantes na escrita tem, portanto, significado
e uma função, muito diferentes de seu uso na fala.
Se se quiser relacionar fatos da escrita com fatos da fala, é necessário, antes de
mais nada, esclarecer alguns pontos importantes. Do lado da fala é preciso estabelecer que
o dialeto será tomado como base para comparação. Do lado da escrita, é preciso distinguir
o sistema de escrita e a ortografia. A ortografia é uma convenção sobre as possibilidades de
uso do sistema de escrita, de tal modo que as palavras tenham um único modo de
apresentação gráfica. O sistema de escrita, por exemplo, permite que se fale “dis”, “pechi”,
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etc., mas a ortografia nos obriga a se escrever “disse” e “peixe”. O sistema de escrita não
permite que se escreva “bis”i em vez de “disi” ou disse, ou “paxche” em vez de “pechi” ou
peixe.

1.1.1 Vogais

É prática comum no ensino de português, enfatizada na alfabetização e perpetuada


nos livros didáticos, sobretudo nas cartilhas e gramáticas de um modo geral, dizer que as
vogais do português são apenas a, e, i, o, u. É preciso considerar que há as vogais nasais.
Pelo modo como isso é dito, percebe-se logo que se está falando do sistema de escrita do
português e não da fala.
Uma cartilha pode mostrar o desenho de uma escada como exemplo de uma
palavra que começa com o som e, mas a maioria dos alunos e professores usa um i inicial
quando a pronunciam! A cartilha manda o aluno fazer pares ou colunas de palavras que
começam com determinadas sílabas (por exemplo, com a sílaba ca) e, entre os exemplos
separados, encontramos palavras como cavalo, cama, caminho, etc. Ora, isso só ocorre na
escrita ortográfica. Na fala, a realidade é diferente, conforme se pode verificar na
transcrição fonética a seguir: cavalo [Kavalu]
Já perguntei às crianças se banho e bala tem o mesmo a. Elas ficam admiradas e
dizem que bala tem dois aa iguais, mas banho não tem. Além disso, já ouvi de crianças
explicações corretas dizendo serem diferentes as vogais das sílabas tônicas de: peso [pesu]
// bomba [bõmba]
As crianças sabem que a escada começa com [i] - [iskada]. Só a escola é que não
sabe! Quantos exercícios malucos mandam a criança fazer, pedindo que identifique as
palavras que começam com som da letra e; com isso esperam que o aluno "acerte",
agrupando palavras como escada, éden, entrada, etc.
Nesse caso, o exercício deveria pedir ao aluno que identificasse as palavras que
são escritas começando com a letra e!
Agora, voltando ao problema anterior: escolhendo, por exemplo, o dialeto da
escola de São Paulo e a forma ortográfica, não é bem verdade que somente a, e, i, o, u
representam vogais da fala no sistema ortográfico.
Compare as palavras: sou [sou] e som [sõu]
O m de som não só diz que há nasalização, mas estabelece o ditongo, da mesma
forma que o u de sou estabelece o ditongo oral.
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Preste atenção à fala das palavras: objeto [obizetu] pneu [peneu]
No som das palavras objeto e pneu aparecem as vogais [i] e [e], que são
atribuídas, na escrita, às letras b e p. No som de advogado há um [i], que é atribuído ao d,
mas o mesmo não ocorre com adivinhar - nesse caso o [i] é atribuído à letra i e não à letra
d.
Como se observa, algo que sempre foi ensinado como simples e claro não é de fato
assim, se bem compreendido. Disso se conclui também que o que se chama de vogal e de
consoante na escrita, quando aplicado à fala, não é tão simples e claro como se pensa
ensinar normalmente, porque essa relação, embora funcione na maioria dos casos, não se
aplica a todas as ocorrências. É por esse motivo que as crianças encontram dificuldades
nesse aspecto.
As crianças fazem a todo instante a relação entre a fala e a escrita ortográfica, e o
professor não consegue perceber o que está causando o "erro" na escrita.
É comum as crianças escreverem, por exemplo, maé, paé, maó em vez de mãe, pai
e mau, e isso normalmente é entendido como um desconhecimento dos sons das letras.
Porém, também é comum ouvir pessoa dizendo [pae], [mae], [mao], o que nos mostra que
a criança usa a sua fala como referência para a escrita e não comete "erros" por leviandade
ou distração.
Há séculos se tem notado um fenômeno fonético típico do português de Portugal e
que ocorre também até hoje no português do Brasil. Algumas vogais, ou às vezes até
sílabas inteiras, sobretudo em final de palavra diante de pausa, se caracterizam por uma
fonação sussurrada, em vez de vozeada (sonora). Por exemplo, alguém diz:
Eu fui para casa. [eu fui parakaza]
Ele quebrou o pote. [elikebroupoti]

[za] é uma sílaba sussurrada e [i] é vogal sussurada. Como a escola tem o hábito
de soletrar as palavras a todo instante, é claro que dessa forma não existem sons
sussurrados. Então, a professora corrige o aluno, dizendo que ele não está lendo ou falando
direito, porque está "comendo o final das palavras". Contudo, até os professores "comem"
vogais ou sílabas na fala corrente.
Há casos também em que pode não ocorrer uma vogal na fala, mas na escrita ela
aparece: lápis [laps], piscina [psina]
No entanto, o próprio professor pensa ter dito: [pisina] e considera que o aluno é
incapaz de discriminar auditivamente... pelos erros que comete ao escrever.
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Embora não seja oportuno ensinar a distinção entre ditongos e monotongos na
alfabetização, é importante saber de algumas ocorrências da fala que aparecem refletidas
na escrita das crianças. Na fala acontecem algumas regras de variação, que podem até ser
previstas pelos contextos. Por exemplo, pode-se dizer [ouro] ou [oro], [outru] ou [otru],
[pouku] ou [poko]; porém [dei] não pode ser também [de], [feitu] não pode ser [fetu].
Convém observar que há variação entre [ei] e [e]. A forma ortográfica dessas palavras
prevê uma escrita com duas letras para os ditongos.
Se a criança escreve "Eu nu vi o macaco", a professora acha incrível que o aluno
não saiba escrever a palavra não. Porém, num trabalho do dia anterior apareceria "Nãu
quero, nãu". Para algumas crianças pode ser um problema a distinção na escrita de finais
de palavras. Dessa forma, todas as sílabas se tornam tônicas e a distinção que aparece na
fala espontânea desaparece na fala artificial da professora. E, então, não há explicação que
convença os alunos. Pelo significado do tempo verbal já é possível distinguir essas palavras
e associar cada significado a uma forma de escrita. Para alguns alunos a explicação anterior
só atrapalha. Se a professora não tomar cuidado com a maneira como vai ensinar essa
distinção, em vez de facilitar a compreensão irá dificultá-la.
Observando como as crianças escrevem na alfabetização, notam-se todas essas
variações possíveis, e o aluno erra a forma ortográfica porque se baseia na forma fonética;
os erros que comete revelam claramente os contextos possíveis, como demonstrado acima,
e não ocorrências aleatórias. Um aluno pode escrever ‘talveis’, mas não escreve ‘eilefante’;
não escreve ‘vei’, mas escreve ‘veis’ em lugar de vez. É impressionante como os erros dos
alunos revelam uma reflexão sobre os usos linguísticos da escrita e da fala. Só a escola não
reconhece isso, julgando que o aluno seja distraído, incapaz de discriminar, aprender,
memorizar, se concentrar no que faz. E, quando é injustamente criticado pelo seu esforço,
desilude-se com a escola, ou tenta aprender apesar dela.

1.1.2 Consoantes

O tratamento dado às consoantes não é menos grave que o concedido às vogais.


O que parece ser um problema terrível na escola, a julgar pelo que se vê nos livros
e nas discussões com professores, é o fato de algumas crianças não distinguirem sons
surdos de sonoros, por exemplo, [p] e [b], [f] e [v], etc. e, em consequência, confundirem
também a sua escrita.

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Deixando de lado, por ora, o fato de algumas letras como p e b serem iguais
quanto ao desenho, embora ocupem lugares diferentes no espaço em que se escreve e
atendo-se estritamente a considerações fonéticas, é preciso observar que o reconhecimento
de sons surdos e sonoros do tipo [p] e [b], [f] e [v] é fácil em alguns casos e difícil em
outros.
Quando se diz "A vaca está no pasto", ninguém entende "A vaca esta no basto",
mesmo a criança a quem se atribui a falta de discriminação de sonoridade nas consoantes.
Então, por que a criança erra na escrita? Será que ela não é capaz de distinguir surdas de
sonoras? É interessante notar que o erro consiste normalmente em preferir as surdas ou as
sonoras. Por quê? Ela não tem como ponto de referência o conhecimento prévio da escrita
da palavra; então, resolve sua dúvida pronunciando-a.
Acontece, porém, que infelizmente é proibido falar em sala de aula, mesmo quando
a aula é de português... Então, sussurra as palavras ao escrever. O sussurro é um tipo de
fonação diferente da produção de sons surdos ou sonoros. Por sua própria natureza, um
som sussurrado é mais semelhante a um som surdo do que a um som sonoro, tanto é assim
que muitos linguistas não usam tal distinção e chamam todas as realizações surdas ou
sussurradas simplesmente de surdas.
A criança que está sussurrando sons, que não conhece a ortografia, terá uma
tarefa difícil pela frente quando precisar decidir com que letra deverá escrever quando
precisar decidir com que letra descrever a palavra, sobretudo se comparada com palavras
mais familiares e com relação às quais ela dispõe mais vivamente de uma lembrança de fala
real, não sussurrada.
Evidentemente as crianças não erram a forma ortográfica só por esse motivo, mas
no início da alfabetização esse favor é decisivo e pode gerar confusão por longo tempo.
A distinção entre consoantes surdas e sonoras depende ainda do dialeto que a
criança fala, pois a palavra para um aluno pode conter um [b] ou [d] e para outro um [p],
um [t] ou um [s], dependendo das variações dialetais. Isso torna também difícil aprender
ortografia das palavras.
É sempre interessante ouvir crianças falando para poder entender melhor o que
elas escrevem. Mas para isso a professora tem de saber ouvir. E isso eu creio que, no geral,
ela não sabe fazer. Minha experiência, analisando a fala juntamente com muitas
professoras, mostrou que estas, devido ao apego obsessivo à ortografia, conseguem ouvir
distinções entre sons surdos e sonoros com muito mais dificuldades do que as crianças. A
análise dos exemplos a seguir revela-o claramente.
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É comum as professoras acharem que as palavras visconde, visgo, desde e neste,
por exemplo, contêm uma fricativa surda. Ao serem indagadas a respeito de como
pronunciavam essas palavras, responderam como eu esperava, o seguinte: dezdi, nesti,
onde se observa que diante de consoante sonora ocorre a fricativa surda sonora [z]. O
mesmo ocorre com palavras como transbordar, transportar, êxtase, ex-marido, as latas, as
patas, etc.: [estazi] com [s] diante de [t], [ez-maridu] com [z], [azlatas] com [z] antes de
[l], [aspatas] com [s] antes de [p], etc.
Uma pronúncia comum da palavra mesmo é [mezmu], com [z] diante de [m]. E
vimos acima que há uma tendência para ocorrer a fricativa sonora diante de consoante
surda, isso na fala normal concatenada. Quando se soletra, quebra-se a corrente da fala e
se pronuncia cada sílaba não mais diante do que seria a consoante seguinte, mas diante de
pausa, como se fosse final de palavra diante do silêncio. Em português há uma regra que
diz que, em final de palavra, diante do silêncio, não ocorre fricativa sonora, mas só surda,
como em paz [pas], rapaz [xapas], talves [tauves]. Essa regra se aplica às sílabas na
soletração. Por isso, uma palavra que na fala corrida é pronunciada com [z], em final da
sílaba diante de consoante sonora, como em [mezmu] mesmo, [dezdi] desde, em fala
soletrada é pronunciada com [s]: [mes-mu], [des-di].
Imagine-se agora a confusão que se estabelece na cabeça das crianças com as
explicações dadas pela professora, comparadas com a sua fala soletrada e normal, com o
seu modo de falar para as crianças em sala de aula e fora da escola.
Às dificuldades de reconhecimento dos sons da fala se somam frequentemente as
dificuldades em querer explicar a ortografia a partir da fala. Por exemplo, não é possível
explicar que onça se escreve com n; na verdade, ninguém pronuncia [õnsa] e sim [õsa].
Os sons que na escrita ortográfica são representados pela letra r apresentam uma
variação muito grande de dialeto para dialeto.
Como numa sala de aula comumente há alunos provenientes de várias regiões do
país, aí também encontramos uma variedade de pronúncias diferentes para "os erros" da
escrita das crianças.
Alguns alunos deixam de assinar a letra r de certas palavras porque segundo suas
pronúncias não ocorre nenhum som que eles reconhecem como pertencendo à categoria do
r. Por exemplo, há alguns alunos que escrevem acha (em vez de achar), pasia (em vez de
passear), etc. Num texto de um aluno de Aracaju encontrei ‘mecadio’. Ele não fala a nasal
palatal (nh), entre vogais, deixando tão somente a vogal anterior nasalizada, o que não
representou na escrita com o til porque não tinha aprendido o que era o til. Mas por que ele
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não marcou o r? Na sua fala a primeira sílaba da palavra é de fato de mercadinho.
Acontece, todavia, que foneticamente o [h] é semelhante à vogal à qual se liga, sendo
então uma versão desta, porém sussurrada. O aluno, ao falar [mehkadiu], ouvia [mE:]
como tendo apenas uma vogal longa (que sussurrada no final): [mEE] = [mE:], o que o
levou a escrever [mecadio].
A forma escrita pelo aluno pode chocar a quem só sabe ver por meio da ortografia,
mas para um foneticista apresenta algo preciso e correto. Um aluno como esse é
geralmente candidato a repetente e a renitente. Mas como escreveu bonito a palavra
mercadinho, após três meses de curso de alfabetização!... Da mesma forma, o aluno que
escreve craro em vez de claro certamente troca o l pelo r porque na fala diz [Kraru] e não
[klaru]. O aluno que escreve ‘percosu’ por pescoço, ‘droba’ por dobrar, é porque fala
provavelmente assim.
Em todos esses dialetos o som tende a ser surdo se a consoante seguinte for surda
e sonoro se a consoante seguinte for sonora. Em final de palavras é muito mais comum a
ocorrência de consoante surda.
Diante da vogal [i], na fala de muitos dialetos do Brasil, ocorrem pronúncias de
sons, como em [leitfi] leite, [potfi] pote, [podzi] pode. Essa diferença na realização falada
do que escreve com t não é problema na escola para o ensino de ortografia, tanto que mais
professores ensinam o ta, te, ti, to, tu dizendo [ta, te, tfi, to, tu] e a diferença nem chama a
atenção dos alunos. Em Sergipe e arredores, os sons [tf] e [dz] aparecem não diante da
vogal [i], mas depois dela, como em palavras [muitfo] muito, [doidzu] doido. Também aqui
essa variação não cria problemas para a escrita ortográfica, porque ocorre uma relação
clara entre a escrita t e d e suas realizações na fala.
A escola não deveria preocupar-se somente com a ortografia, mas também com o
funcionamento da fala; é importante saber como os alunos falam. Na leitura, um aluno pode
dizer [leitfi], [podzi], ou [leiti], [podi], dependendo da região, mas, mesmo em Sergipe,
onde as pessoas falam [muitu], [doidu], porque o modo de eles falarem sofre pressões
sociais para ser evitado, já que é estigmatizado, sobretudo, por falantes de outros dialetos
que zombam de quem fala dessa maneira.
Neste caso, a escola deve tomar cuidado com a explicação que dá ao aluno. Deve
mostrar-lhe que em todo lugar há vários modos de se falar e cada modo é próprio para
determinadas circunstâncias. Na fala comum diária entre iguais, pode-se dizer e de fato se
diz [muitu], [doidu]. O caso das ocorrências de [tf] e [dz] no português é um bom exemplo
do que a sociedade faz com a fala das pessoas para marcá-las socialmente, prestigiando-as
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ou desprestigiando-as: enquanto em muitos dialetos o [tf] e o [dz], ocorrendo diante de [i],
podem até ser marcas favoráveis, em outro os mesmos sons [tf] e [dz] são marcas
desfavoráveis, porque ocorrem não diante de [i], mas após essa vogal.
Na fala de muitos alunos, de diversos dialetos, também não ocorre a nasal palatal
de palavras como [bãnu] banho, [tinã] tinha, aparecendo em seu lugar um [i] quando a
nasal palatal não vier precedida nem seguida de [i]. Neste caso há sempre uma fronteira
silábica separando vogais, sendo que algumas vogais são obrigatoriamente nasalizadas,
como em [bã-iu] banho, [ti-a] tinha. É por causa de pronúncias desse tipo que alguns
alunos escrevem [bãiu] banho, tia (tinha), gai (ganhe).
Em geral, na escola, nos livros didáticos e na prática de ensino dos professores, a
relação entre as letras nasais m, n, nh e a fala é considerada quase direta, com os sons
[m, n, jn], exceto nas palavras que acabam em ram ou rão, como acharam, acharão. A
verdade, porém, é bem outra. Para ilustrar, vamos analisar alguns aspectos do que ocorre,
por exemplo, no dialeto paulista com diferentes palavras que contêm na forma ortográfica o
m.
. Quando o m assinala o início de sílaba, sua pronúncia é [m]; isso todo mundo
sabe e não erra.
. A dificuldade aparece quando o m marca final de sílaba.
. Se o m ocorre dentro de palavras, só pode estar diante de p ou b. Neste caso
pode ou não ocorrer um [m], por exemplo, em campo: [kãpu] ou [kãmpu]. Dependendo da
vogal anterior, em vez do [m] pode ocorrer outro tipo de nasal: imposto [inpostu], ombro
[õnbru].
. Quando o m, além de marcar o final da sílaba, marcar também o final da palavra,
podem ocorrer muitas variações na pronúncia, como:
vem: [ven], [veiñ]
bom: [bõn], [bõu]
fizeram: [fizeru], [fizereun]
jovem: [zovei], [zovi]
viagem: [viazei], [viazi]
Pelo que podemos observar o que é escrito com m, em português, possui uma
representação fonética extremamente complexa. Assim, é realmente necessário que a
escola observe a fala das crianças para poder compreender a sua produção escrita.
A seguir, vamos analisar mais um aspecto da fala.

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A estrutura fônica de palavras pode sofrer alterações quando juntamos uma
palavra com outra em frases ou até mesmo quando juntamos ou separamos as sílabas de
uma única palavra. Esse fenômeno de juntar sílabas em linguística é conhecido como
juntura silábica ou intervocabular. Muitas vezes a palavra juntura é usada significando
"juntura intervocabular", ficando especificada como juntura silábica só quando se referir às
sílabas.
No português o fenômeno da juntura tem muitos aspectos interessantes não só
para conhecer como ela funciona, como também para entender muitos erros de escrita de
crianças que estão começando a escrever.
Vamos considerar o que acontece com uma palavra terminada por vogal quando se
junta com outra que se inicia também por vogal. Observe como se pronunciam comumente
as sequências de palavras: pingo de água [pingudagua], também escrito d´agua; casa
amarela [kazamarela], etc. Como se verifica, pode haver alteração na estrutura de palavras
quando em juntura. O exemplo pingo d’água é tão familiar que até admite uma forma
ortográfica com apóstrofo.
O fenômeno de juntura pode envolver até três vogais, como é o caso de “toda a
amizade”, que, no momento da fala, perde duas das sílabas que poderia ter: [to-da-a-a-mi-
za-di] = [to-da-miza-di].
O aluno que escrever "O jabuti ocorreu no mato e viu macaco" e lê [...iviumakaku]
deveria ter posto na escrita "... e viu um macaco", mas não o fez porque achou que um
estava representado pelo final. A frase anterior não lhe parece estranha, porque ele a lê
com a entonação correta, o que não é feito por quem não sabe ler o que a criança escreve;
estes necessitam da presença da conjunção e, que então dá origem a outra estrutura
sintática. Diante de casos dessa natureza, a professora lê errado o que o aluno escreveu,
obrigando-o a aceitar algo que não fez e a engolir a presença do e quando na forma escrita,
apareça ou não na fala.
Vejamos agora o que ocorre quando a primeira palavra acaba em consoante e a
segunda começa com vogal:
vir aqui [vi-ra-ki]
casas amarelas [kaza-za-ma-re-las]
vem aqui [vê-na-ki]
Se a segunda palavra, em vez de vogal, começar com consoante:
casas pretas [kazaspretas]
mar calmo [markaumu]
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vem bomba [veimboumba]
tem tempo [teintempu]
Como se pode observar, às vezes ocorre uma mudança muito regular em finais de
palavras quando unimos uma palavra com outra, podendo haver até uma reestruturação
dos padrões silábicos.
Fato semelhante ocorre com os elementos finais de sílabas dentro de palavras
quando soletramos as sílabas, separando-as por pausas. Palavras como mesmo [mezmu],
desde [dezdi], quando soletradas, tornam-se [mez-mu], [des-di]. Como se vê, o que antes
era [z] agora ocorre como [s], como se os finais das sílabas isoladas das palavras soletradas
funcionassem como finais absolutos, contexto em que só ocorre [s] diante de pausa ou
silêncio.
Os ditongos e monoditongos se estruturam de maneiras diferentes quando um
enunciado é dito como um todo. Por exemplo, na minha fala digo as palavras como meia,
boia, fazendo uma sequência de ditongo transformar-se em monotongo; assim [mei-a],
[boi-a]. Porém, se disser essas palavras com uma pausa separando as sílabas, minha
tendência natural como falante do português será dizê-las da seguinte forma: [mei-ia], [boi-
ia], originando, então, sequências de dois ditongos.
Mais uma vez vemos a importância de buscar as explicações corretas para a fala e
para a ortografia sem confundi-las. Na escola, sobretudo na alfabetização, a criança que vai
aprender a escrever tem seu conhecimento da língua no ouvido e, quando ouve a
professora dizer coisas diferentes, usando uma fala, ela se vê perdida, sem entender
exatamente o que a professora explica e consequentemente, se vê em dificuldades para
responder ao que a professora espera. Muitos exercícios de discriminação auditiva são feitos
dessa maneira, e muitos alunos não se saem bem, pois não recebem as explicações
corretas para resolvê-los.
Quando as crianças começam a escrever suas primeiras histórias, revelam uma
percepção fonética muito aguçada. Percebem também que, se falarem as frases de maneira
lenta, podem explicar certas vogais que são omitidas na fala mais rápida, e isso pode servir
de guia para a escrita ortográfica. Essa fala mais lenta deve ser confundida com a sílaba,
que pode modificar a percepção do que foi dito.

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1.1.3 Forma Lexical

Outro tipo de problema que envolve as vogais e as consoantes e sua relação com
as letras da escrita diz respeito não tanto a processos fonológicos em funcionamento na
língua atualmente, mas diferentes formas lexicais de palavras, dependendo do dialeto do
falante. Obviamente a escrita ortográfica não acompanha essa evolução.
Algumas crianças podem dizer para:
pizza: [pitsara] ou [pitsa]
fósforo: [forsu] ou [fosforu]
você: [ose] ou [vose]

Essas formas lexicais são usadas pelas crianças para identificar as palavras que
querem escrever e, ao se basearem nelas para descobrir a forma escrita, escrevem fugindo
da forma ortográfica, mas revelando a forma fonética e a constituição lexical de palavras em
seus dialetos. A escola não pode desprezar esse estágio do aprendizado da escrita pela
criança, como deve entendê-lo e fazer disso um objeto de programação de atividades
futuras. Deixar as crianças escreverem textos espontâneos é de fundamental importância
para que façam corretamente a passagem da fala para a escrita e da escrita para ortografia.
Dessa forma, elas verão como a fala e a escrita funcionam, como os dialetos existem na
nossa sociedade, como uma classe pode ter falantes de diferentes dialetos, quando se usa
um dialeto e quando se usa outro. Mas para isso é preciso que a professora saiba o que
está acontecendo e o que ela está fazendo. Às vezes é preciso até mesmo que explique
detalhadamente ao aluno o que ele próprio fez, como fez e por que fez, além, é claro, de
como deveria ter feito e por quê.

1.1.4 Ritmo

O ensino da alfabetização tradicionalmente tem como unidade básica a sílaba. Esse


processo é perfeitamente razoável para uma língua de ritmo silábico, mas parece ter muitos
inconvenientes para uma língua de ritmo acentual. Uma língua de ritmo acentual se
caracteriza pelo fato de suas sílabas apresentarem durações variáveis, que se ajustam em
suas durações reais, segundo os contextos em que ocorrem para fazer com que os
intervalos entre uma sílaba tônica e outra sejam mantidos relativamente constantes,
independentemente do número de sílabas átonas entre uma e outra sílaba tônica. O
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português e o inglês, por exemplo, são línguas de ritmo acentual. A grande diferença entre
o dialeto paulista e a fala de certos gaúchos (de fronteira) reside justamente no fato de os
paulistas falarem o português com ritmo acentual, enquanto os gaúchos o falam com ritmo
silábico.
Para entender melhor o que foi dito, tome-se uma frase como "Pedro estuda na
Universidade de Campinas". Se disser esta frase proporcionando às sílabas durações
aproximadamente iguais, soará como se um gaúcho a estivesse falando.
Forçar os alunos a aprender o português como se fosse uma língua de ritmo
silábico é induzi-los a modificar sua fala natural, produzindo aqueles leitores que leem "tudo
explicadinho", como se diz na escola, silabando as palavras, em vez de pronunciá-las com o
ritmo normal. Com isso não queremos dizer que a escola não possa ensinar o que é sílaba
na alfabetização, mas é fundamental que o professor tenha noções sobre a fala e a variação
linguística, entendendo que a fala também pode ser diferente da escrita.
Como dissemos, o português não é língua de ritmo silábico, mas acentual. Ora,
toda teoria literária relativa à interpretação de versos metrificados em língua portuguesa
baseia-se no pressuposto de que a língua é ritmo silábico, como o francês e o italiano,
línguas em que se originam essas teorias. A escola ensina a escandir versos em sílabas. O
verso é isossilábico, com o acento variando, às vezes, como no caso das redondinhas, até
cobrir todas as possibilidades de ocorrência nas sílabas. Só esse fato mostra a incongruência
da teoria. Como se pode marcar um ritmo com os elementos variando tão aleatoriamente?!
Pobres dos poetas que tiveram de fazer versos que satisfizessem aos teóricos e
perfeitamente metrificados, segundo as regras do ritmo da Língua Portuguesa. Um bom
exemplo de poeta que conseguiu essa conciliação em muitos de seus poemas é Gonçalves
Dias. Seus versos são isossilábicos para os teóricos e agradáveis aos ouvidos.
"Meu canto de morte,
Guerreiro, ouvi:
Sou filho das selvas,
Nas selvas cresci;
Guerreiros, descendo
Da tribo tupi."

Já uma poesia como "As pombas", de Raimundo Correia, não tem estrutura métrica
nenhuma para os ouvidos dos falantes de português, embora, seguindo a teoria tradicional
de metrificação, seja um poema parnasiano de forma irrepreensível:
"Vai-se a primeira pomba despertada...
Vai-se outra mais... mais outra... enfim dezenas
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De pombas vão-se dos pombais, apenas
Raia sanguínea e fresca a madrugada..."

Na verdade, esses versos nem sempre apresentam rima, porque os elementos que
deveriam ritmar não ocorrem em picos de saliência rítmica ou entoacional, mas
simplesmente no final da linha escrita! Algo tão simples como a sílaba, mal compreendida
pela escola, pode causar erros até dessa natureza! Essa má compreensão da poesia
acontece porque a escola não distingue com clareza o que são fatos da escrita, como a fala
realmente funciona, como a escrita realmente é.
Manuela Bandeira, na sua ironia e sutileza, deixou nos versos a seguir um exemplo
perfeito disso. Neles se nota um desrespeito às regras tradicionais de metrificação da teoria
literária, mas, na fala desses versos, há entonação e rimas que colaboram com o ritmo:
"O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio".

No trecho lido percebe-se bem a presença de rimas, e portanto, a musicalidade.

1.1.5 Acento

Outro exemplo da terrível confusão que a escola faz entre a escrita e a fala diz
respeito à tonicidade. A escrita não tem sílabas tônicas, nem átonas. Isso só ocorre na fala
e depende crucialmente de como as pessoas dizem e falam. O acento em palavras isoladas
é diferente do acento que essas palavras podem ter em enunciados como frases. A
gramática tradicional ensina que o a é átono e que a flexão verbal há é tônico.
Foneticamente, não é possível fazer esse tipo de distinção entre monossílabos.
Como ilustração, vejamos o que acontece na seguinte frase quando acentuada de
forma diferente:
a) Ele não comprou um carro novo.
b) Ele não comprou um carro novo.
c) Ele não comprou um carro novo.
Na verdade a, b e c são frases diferentes semanticamente, devido à estrutura
acentual que apresentam. Entre outras implicações percebe-se que:
. a frase a pode ser a resposta para a seguinte pergunta:

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"O que ele não comprou?"
. a frase b pode estar respondendo: "O que ele não fez?"
. a frase c poderia ser uma resposta para "Quantos carros novos ele não
comprou?"
Mostrar fatos como esses pode ser muito mais interessante e razoável do que
escrever apenas a palavra carro e solicitar a pronúncia dos alunos. Alguns autores têm uma
falsa visão da estrutura das línguas, operando suas análises e interpretações como se elas
fossem só um imenso dicionário, utilizando listas de palavras que ocorrem isoladamente.
A organização estrutural das línguas é mais do que isso. Uma frase não é apenas a
somatória de palavras do dicionário. A tonicidade é uma unidade do sistema rítmico da fala
de uma língua como o português. Se eu disser uma palavra soletrando as sílabas, com
durações iguais, minha fala não produzirá nenhuma sílaba tônica nem átona. A tonicidade é
uma medida relativa que só ocorre quando, comparando duas sílabas, percebe-se que uma
é mais saliente que outra. A saliência da sílaba tônica provém de uma duração maior, ou de
uma maior intensidade de pressão da corrente de ar, resultado de um maior esforço dos
músculos da respiração, ou de uma intensidade acústica maior, ou de uma altura melódica
maior, ou até de uma mudança marcante na direção do contorno melódico.
A alfabetização pode passar sem o ensino do que é uma sílaba tônica ou uma
sílaba átona. Isso os alunos vão aprender quando estudarem o ritmo da fala. Um erro
comum na escrita dos alunos ocorre, segundo a escola, quando eles põem vírgula entre
sujeito e predicado. Por exemplo, na frase a seguir não poderia haver vírgula entre Pedro e
não: Pedro não achou a bola no jardim.
Essa atitude encara o português como uma língua que se estrutura sintaticamente
com sujeito, predicado e complementos. Acontece, porém, que é muito frequentemente, na
fala, outro tipo de construção sintática, formada pelo que os linguistas chamam de tópico (o
termo que é o tema); e comentário (que é o termo que funciona como informação). Nesse
caso, a escrita deveria pôr uma vírgula como se vê abaixo: Pedro, não achou a bola no
jardim.
Há várias diferenças entre os dois exemplos acima; uma delas é que a entonação
do primeiro é diferente da do segundo.
As pessoas dizem orações subordinadas adjetivas restritivas e explicativas usando,
também neste caso, padrões entoacionais diferentes. Na escola, porém, há uma celeuma
em torno de um falso problema, causado pelo fato de a escrita exigir, neste caso, um
posicionamento do escritor. Mas, como este não sabe (não aprendeu) distinguir os dois
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tipos de entoação e não conhece as razões sintáticas e semânticas envolvidas, não sabe
como escrever, se com vírgula ou sem vírgula.
Não é raro encontrar professores que dizem que tanto faz. Outros são taxativos: se
puser a vírgula a oração é explicativa, se não puser é restritiva. Acontece que esse tipo de
explicação deixa o aluno perplexo, tendo de escolher entre pôr ou não a vírgula, sem saber
exatamente por quê. A explicação verdadeira é de natureza sintático-semântica e esse fato
se reflete na fala através da entoação. Quem não entendeu como a fala funciona, nesse
caso, jamais entenderá por que pôs ou deixou de pôr vírgula nesses tipos de frases.
Tem-se falado, em vários momentos, a respeito da variação linguística. A maior
parte dos problemas de fala e escrita está relacionado a esse fenômeno. É fundamental
saber sobre a fala e a escrita, sobretudo nos primeiros momentos da escolarização, ocasião
dos primeiros contatos das crianças com o estudo da sua língua, e em particular com a
aquisição do sistema de escrita na alfabetização. A própria visão da Gramática muda
dependendo do modo como se incorpora a variação linguística: de uma maneira tradicional
ou da forma como a Sociolinguística explica esse fenômeno.
Todo mundo sabe que há modos diferentes de se falar uma língua, mas diante das
diferenças se podem ser intransigentes, atribuindo a isso valores de certo ou errado de
acordo com uma gramática normativa preestabelecida pelos estudiosos, como se pode, por
outro lado, fazer uma gramática dessas mesmas diferenças e observar como a sociedade as
manipula para justificar seus preconceitos.
A escola, como representante da sociedade, costuma incorporar esses
preconceitos, mesmo sem ter consciência do fato. Por isso, parece importante discutir mais
detalhadamente esse assunto. Muitos dos aspectos técnicos apresentados antes se tornam
de mais fácil compreensão, mais claro, quando se entende de fato o que é variação
linguística. Juntamente com a questão linguística será preciso discutir alguns pontos
relacionados muito intimamente com ela, como, por exemplo, a alfabetização e o
letramento, bem como questões sobre leitura, gêneros textuais e literatura.

1.2 Psicogênese da língua escrita

Na década de 1980, quando a pesquisa psicogenética de Emilia Ferreiro e Ana


Teberosky (1990), e os estudos sobre a aquisição da linguagem desenvolvidos por Vygotsky
(1988), e Bakhtin (1992), começaram a ser divulgados, houve uma espécie de conflito entre
a novidade teórica e prática pedagógica vigente.
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Ao demonstrar que as crianças, mesmo em tenra idade (4, 5 anos de idade),
estimuladas por ambientes letrados, eram capazes de ler e escrever de forma “espontânea”,
essas teorias colocaram em xeque a prática da maioria dos professores alfabetizadores.
Alguns professores acreditavam que a aprendizagem da leitura e da escrita só poderia
acontecer em sala de aula, sob a orientação de um docente, que usaria um método para
ensinar as primeiras letras. Assim, em 1983, ao ser publicada a primeira versão das
Propostas Curriculares, pela Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas de São Paulo,
entre elas a de Ciclo Básico, os professores chamados a refletir a respeito desses novos
parâmetros foram surpreendidos com formas prontas de práticas pedagógicas
psicogenéticas, sem que tivesse havido, anteriormente, ampla discussão do que seria o
desenvolvimento precoce de leitura e escrita espontâneas em crianças pré-escolares.
Além disso, todas as modificações pedagógicas sugeridas pareciam propor o
abandono completo de métodos que vinham sendo aplicados em nossas escolas, causando
um mal-estar entre os professores que se sentiram criticados e inseguros quanto a colocar
em prática essas novidades teóricas.
Após três décadas de reflexões e de intensa divulgação dos estudos e pesquisas
sobre socioconstrutivismo e psicogenética textual, apesar de ainda existir uma tradição
conservadora resistente, a maioria dos docentes e dos livros didáticos conseguiu conciliar o
“velho” e o “novo” numa proposta de alfabetização em contexto de letramento voltada para
a qualidade da escola que se pretende oferecer às novas gerações.
Na verdade, a busca por uma escola de qualidade tem motivado muitas discussões e
provocado mudanças na própria legislação, que vem se transformando a fim de
acompanhar as novas abordagens apontadas pelo avanço da teoria. Assim, conforme a Lei
n. 11.274, o Ensino Fundamental passou a ter a duração de nove anos, com matrícula
obrigatória no primeiro ano a partir dos 6 anos de idade, passando a Pré-escola a atender a
faixa etária de 4 e 5 anos.
Foi o cientista soviético Vygotsky que, tendo por base a Psicologia, revelou que a
história da leitura e da escrita na criança começava muito antes de um professor colocar um
lápis em sua mão e de lhe ensinar o desenho das letras.
Essas pesquisas de Vygotsky (1988), provocaram um repensar sobre alfabetização,
porque colocaram em discussão não só o que já se conhecia a respeito do desenvolvimento
mental dos seres humanos, mas uma outra linha teórica, denominada espontânea, em que
o ambiente e a linguagem, como constituintes do pensamento, aparecem como pontos
determinantes da construção de conhecimento e de leitura de mundo.
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Para Vygotsky (1998), a interação das crianças com o ambiente e com outras
pessoas estimula o desenvolvimento da inteligência e, consequentemente, do pensamento e
da linguagem. Na verdade, pensamento e linguagem são atividades humanas inatas que
podem ser consideradas as duas faces de uma mesma moeda. É impossível pensar sem
linguagem, mesmo que não seja a habitual, falada e escrita, mas aquela dos gestos, dos
desenhos, da matemática. Da arte ou qualquer outra que traduza um pensamento.
Nos últimos estudos de semiótica, a teoria nos diz que a interação entre homem e
mundo acontece com a intermediação de um sistema simbólico que cada constrói para si,
na própria ação de viver ou conviver. Somos humanos porque somos simbólicos, ou seja,
não só somos capazes de nos comunicar por meio de linguagens, como também criamos
linguagens. Portanto, sendo a linguagem parte integrante de um sistema simbólico
construído, sua aquisição tem o poder de transformar e intermediar a compreensão que
temos a respeito do mundo, construindo o próprio mundo.
Naturalmente, essa concepção socioconstrutivista de linguagem também tem o
poder de transformar práticas de ensino-aprendizagem, pois revela que a inserção e ou a
interação de uma pessoa com o mundo depende de sua competência linguística na própria
assunção dos papéis de falante leitor e escrevente.
Dessa forma, não é mais possível, entender o ensino de língua materna como algo
que depende apenas de métodos e técnicas de alfabetização, uma vez que não se podem
ignorar os conhecimentos de linguagem que a criança constrói para si, muito antes de
entrar para a escola, no ambiente em que vive, ao interagir com formas escritas e com que
falam, leem e escrevem a língua nativa.
É possível compreender com mais clareza as diferenças individuais de níveis de
conhecimento, uma vez que cada indivíduo constrói ou reconstrói um sistema simbólico de
representação de mundo por meio da linguagem e da vivência. Assim, uma criança terá
mais ou menos facilidades para aprender a ler e escrever, dependendo de sua experiência
(mais ou menos intensa) com as linguagens oral e escrita.

1.2.1 A contribuição de Piaget

Piaget (1986), biólogo e pensador francês, já havia colocado a Psicologia a serviço


da Pedagogia ao apresentar o conhecimento como algo a ser construído pela ação do
sujeito sobre o objeto que deseja conhecer, isto é, pela participação ativa do aprendiz em

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interação com o conhecimento e ao descrever os processos mentais de cognição pelos quais
passam os seres humanos no seu desenvolvimento.
Foram as pesquisas de Piaget que introduziram o modelo pedagógico no qual o
professor se apresenta como um mediador entre os alunos e os conteúdos que pretende
ensinar, com cuidado de não oferecer conhecimentos prontos aos estudantes, mas de
propiciar um fazer, um agir do aprendiz na construção do próprio saber, como sujeito que
produz.
Até então, postulava-se uma posição passiva do aluno, como um sujeito
condicionado a limitações históricas, produto do meio, da herança cultural e de ideologias, à
espera de o professor, detentor do saber, lhe transmitisse o conhecimento.
Apesar de não ter se aprofundado nos estudos da linguagem humana, Piaget fez
uma descrição do processo de amadurecimento mental (interior) dos indivíduos,
demonstrando que todo ser humano passa por desenvolvimento cognitivo e operatório
desde o nascimento.
Para ele, a inteligência se desenvolve numa sequência de estágios mentais, que se
estruturam e reestruturam pela assimilação – organização de dados fornecidos pelo
ambiente exterior – e acomodação – reorganização própria dos dados assimilados, na busca
de compreender a realidade.
Digamos que esses procedimentos mentais possam ser descritos, por exemplo, como
quando um adulto mostra um cachorro a uma criança pela primeira vez: “Veja, que lindo!
Um cachorro! Um au-au”. A criança observa aquele animal com quatro pernas, peludo, com
focinho brilhante e que late (assimilação). Mais adiante os dois encontram um gato e a
criança diz: “Au-au!”, sendo corrigida pelo adulto: “Não. Este é o gato. É o miau!”
(acomodação).
- Os períodos de desenvolvimento segundo Piaget
Utilizando-se da palavra operação, no sentido de ação do sujeito sobre o objeto de
conhecimento, Piaget definiu quatro estágios do desenvolvimento da inteligência:
. de 0 a 2 anos: período sensório-motor;
. de 2 a 7 anos: período pré-operacional;
. de 7 a 13 anos: período operacional concreto;
. de 13 anos em diante: período das operações formais.
No período sensório-motor, os bebês expressam sensações de fome, frio, calor, dor,
conforto e desconforto inicialmente chorando ou sorrindo, depois balbuciando sons e

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finalmente falando, evoluindo de uma percepção desprovida de palavras para uma
percepção orientada e expressa pela fala.
Durante esse período, a criança é atraída por sons, cores e formatos e está sempre
lavando objetos à boca, usando o próprio corpo para conhecer o ambiente, movimentando
os braços, mãos, pernas, cabeça e tronco até chegar a andar.
Também é nessa fase que, com o objetivo de suprir suas primeiras necessidades de
comunicação, a criança, a partir do que ela ouve e do que os adultos conversam com ela,
inventa uma linguagem oral, sem reproduzir fielmente a fala do adulto, criando expressões
como “que”, “dá”, “nenê” qué papá”, “mãmã” e muitas outras, num processo de construção
e reconstrução da linguagem falada.
Por volta de 2 anos de idade, a criança ingressa no período pré-operacional, que se
estende, mais ou menos, até os 7 anos. Nessa fase, desenvolvem-se a percepção, a
memória e a atenção, e a criança ingressa num mundo mais amplo, comunicando-se de
forma coloquial, brincando de faz de conta, começando a rabiscar garatujas (formas
circulares, rabiscos verticais e horizontais) sobre qualquer superfície plana a seu alcance:
chão, paredes, papel.
Ao final desse período, por volta dos 6, 7 anos, a criança começa a aceitar regras de
reciprocidade social, de troca de conhecimento, e, por isso, passa a ser considerada apta a
frequentar o primeiro ano do Ensino Fundamental.
Segundo Piaget (1986), o desenho é uma forma de função semiótica que, para a
criança, se inscreve entre o jogo simbólico e a imagem mental, com as primeiras garatujas
não são imitações do que a criança vê, mas puro exercício de uma atividade motora.
No início do período pré-operacional as crianças ainda não possuem percepção
autorreflexiva, isto é, elas sabem mostrar com as mãos quantos anos têm e dizer seus
nomes (comum a partir de 3 anos), porém não têm consciência do que sabem.
Por volta dos 4 anos conforme as pesquisas de Ferreiro (1990), e Teberosky (1990),
a criança tenta imitar os adultos na maneira de escrever, criando formas hipotéticas de
escrita, com base na observação do mundo letrado que a cerca.
Vale dizer que estamos falando de crianças sem problemas de visão, audição ou
locomoção, e que estão sendo estimuladas por adultos e por um ambiente que favorece seu
desenvolvimento.
No terceiro período, denominado operacional concreto, a introspecção ou consciência
se desenvolve e a criança se torna consciente de seus processos mentais, podendo, daí para

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frente, operar sobre o concreto, isto é, construir conhecimento de maneira mais autônoma,
desde que diante de uma situação concreta que lhe possibilite pensar e agir.
O quarto e último período descrito por Piaget é conhecido como o das operações
formais e se caracteriza pelo desenvolvimento do pensamento hipotético-dedutivo,
iniciando-se por volta dos 13 anos e estendendo-se pela vida da pessoa.
Resta observar que Piaget vem sofrendo críticas justamente por ter dividido o
desenvolvimento mental das crianças em períodos estanques, como se fossem inatos.
Porém, assim como Vygotsky, em alguns momentos de sua obra, Piaget escapa desse
determinismo estrutural, colocando a interação entre o indivíduo e o ambiente como
determinantes do desenvolvimento do pensamento e da linguagem e responsável pelas
diferenças individuais que caracterizam os seres humanos.
Com base na pertinência da psicologia genética de Piaget, a argentina Emilia Ferreira
e a espanhola Ana Teberosky dedicaram-se a pesquisar as formas iniciais de conhecimento
de língua escrita e os processos de conceituação construídos por crianças a partir de 3-4
anos de idade no confronto de suas próprias ideias com a realidade que o meio lhes propõe.
Como docentes da Universidade de Buenos Aires, durante os anos de 1974 1975 e
1976 essas duas cientistas empreenderam um trabalho experimental que resultou no livro
intitulado “Psicogênese da língua escrita”, obra originalmente publicada em espanhol sob o
título “Los sistemas de escrita em el desarrollo del niño”, em 1984.
A pesquisa envolveu 180 crianças, entre 4 e 7 anos, de duas classes sociais: classe
média (CM) e classe baixa (CB). Algumas crianças nunca tinham frequentado a escola,
outras, estavam na pré-escola ou na antiga 1ª série do Ensino Fundamental. Todas foram
entrevistadas em três ocasiões: no começo, no meio e no final de um ano.
A importância desses assuntos se deve a uma nova maneira de interpretar a
aquisição da leitura e da escrita, do ponto de vista da criança, em situações experimentais,
em que se colocam a escrita tal como a criança a vê, a leitura tal como ela entende e os
problemas, tal como ela os propõe para si.
Desde muito cedo (entre 3 e 4 anos), qualquer criança, tendo a seu dispor lápis, giz,
carvão ou apenas gravetos, passa a usá-los como instrumentos capazes de deixar marcas
sobre uma espécie plana, e, inicialmente, no ato de rabiscar, o que a criança realmente
deseja é visualizar o resultado de sua ação. Porém, quando o rabisco “fica pronto”, ela
procura ver nele alguma imagem conhecida e assim faz outros rabiscos e começa a dizer o
que desenhou: “É um passarinho!” “Fiz a mamãe!”.

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Nessa fase, as crianças juntam a fala ao ato de desenhar e o desenho substitui a
escrita, assim como números substituem letras no ato de escrever. Porém, logo apresentam
tentativas de escrever (principalmente seu próprio nome), diferentes das tentativas de
desenhar. Dessa maneira, por volta dos 4 anos de idade, a criança descobre que as
ilustrações de um livro servem “para olhar ou para ver”, enquanto os textos escritos servem
“para ler” porque têm letras.
Apesar de já reconhecer a diferença entre texto e imagem, a criança não aprende a
escrita como uma representação da linguagem falada, e, por isso, para ela:
 a escrita conserva propriedades do objeto que nomeia, por isso o tamanho de
uma palavra deve ser proporcional ao da imagem nomeada. Por exemplo: ao
escolher cartazes com figuras e palavras, costuma trocar as grafias de
FORMIGUINHAS e TREM uma pela outra;
 a palavra aparece como a etiqueta de uma ilustração, ou seja, diante da figura de
um relógio, a palavra a seguir será lida como RELÓGIO, mesmo que ali esteja escrito
HORA;
 a escrita representa apenas o nome do objeto (ou objetos), e as demais palavras
de uma oração são “apagadas” ou não precisam ser escritas, havendo uma
distinção, entre “o que está escrito” e “o que se pode ler”.
Ao chegar a essa última suposição a “hipótese do nome” a análise que a criança faz
se desloca do desenho para a linguagem propriamente dita resolvendo o primeiro conflito:
desenho e escrita são formas diferentes de representar “as coisas”? Daí para a frente
fazendo perguntas do tipo “como se escreve?” ou “como se diz?”, solicitando do adulto a
leitura de histórias, em interação com modelos que o meio lhes oferece ou recebendo
conhecimentos transmitidos pelos adultos na escola as crianças começam a construir uma
consciência linguística, que se desenvolve em etapas ou níveis de construção do
conhecimento.

1.2.3 Etapas de construção do conhecimento

Nos estudos de Ferreiro e Teberosky (1990), as etapas de construção da


lectoescritura se apresentam em cinco níveis de conceituação, em que a criança procura
compreender “o que se lê”, “o que se escreve” e “como se escreve”.
No nível 1, no qual se encontram crianças com 4 e 5 anos de idade, surge uma
primeira exigência conceitual é preciso uma quantidade mínima de caracteres escritos
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(quatro ou cinco), sejam eles denominados “letra”, “números”, “palavras” ou “coisas”, para
que se possa ler.
Nessa fase, letras e números se confundem, uma vez que ambos podem ser lidos,
apesar de pertencerem a sistemas de escritas diferentes, ou seja, as palavras só podem ser
escritas alfabeticamente, enquanto os números têm uma escrita universal, ideográfica,
estejam em que língua estiverem:

português Inglês francês

8 oito Eight huit

4 quatro Four quatre

Além disso, se as letras se repetem, não podem ser lidas, daí a segunda exigência: é
preciso uma variedade de caracteres para que alguma coisa esteja escrita uma leitura ou
expresse uma mudança de significado.
Nesse início de aprendizagem, as crianças costumam reproduzir (desenhar) seus
nomes, pela memorização da imagem visual que lhes foi ensinada pelo adulto, mas não
conseguem fazer uma análise sonora das partes que os constituem.
No nível 2, algumas crianças com 4, 5 e 6 anos começam a se desligar da leitura
global e a tentar uma correspondência entre as partes que constituem cada palavra (suas
sílabas). Porém, sem abandonar as duas exigências anteriores, realizam escritas e leituras
estranhas.
Por exemplo, a criança “escreve” repetindo as letras que conhece, apenas invertendo
alguns caracteres:
Valéria 4 anos
Aron = sapo
Aorn = pato
IAon = casa
Vejamos a seguir os fundamentos sociopsicolinguísticos e psicogenéticos da alfabetização.

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1.3 Fundamentos da alfabetização

A compreensão de que a escrita representa sistema fonológico da língua contribui


para a fundamentação de propostas de alfabetização pelos professores. O saber dos
docentes sobre a leitura e a escrita, combinado ao conhecimento do modo pelo qual a
criança realiza o processo de aprendizagem, abre novas perspectivas para a prática docente
do alfabetizador.
Muitas vezes, a preocupação com a aprendizagem da língua escrita, considerada
difícil, leva o professor à escolha de métodos dissociados do desenvolvimento
psicolinguístico e sociocultural dos alunos, privilegiando o domínio do alfabeto.
Infelizmente, nas civilizações de tradição, está-se de tal modo condicionado a pensar
em termos de alfabeto e a dividir as palavras em letras, que na maioria das vezes, se não
tem consciência da realidade fonética.
Para a grande maioria, a resposta é cinco (a, e, i, o, u), evidenciando que reservam
sua capacidade de análise para a língua escrita, ou seja, para as letras que representam
esse sistema. Da mesma forma, quanto às consoantes, indicam o número relacionado ao
alfabeto, excluindo fonemas representam esse sistema. Da mesma forma, quanto às
consoantes, indicam o número relacionado ao alfabeto excluindo fonemas representados
por grafemas como “ch”, “ç”, “nh”, “lh”, “qu”, “rr”. Fato similar pode ser observado em
atividades que requerem consciência dos sons que compõem as palavras.
Noções básicas de Fonética permitem analisar variações que caracterizam a fala de
grupos de alunos e refletir sobre a discriminação e os preconceitos referentes as chamadas
“falas erradas”. Esse é um mito comum entre alfabetizadores que relacionam a escrita ao
falar “certo” ou “falar” e nele refletem sua concepção de linguagem. Em face disso,
constata-se a necessidade de os docentes atualizarem sua compreensão de linguagem, uma
vez que as variações devem ser entendidas como diferenças, e não como deficiências
(SOARES, 1991).
Na língua falada, ao se solicitar aos alfabetizadores, palavras com [i], por exemplo,
ocorrem questionamentos e dúvidas, pois se reportam à indicação de palavras terminadas
com a letra “i”, desconsiderando variações dialéticas evidenciadas pelo grupo na qual se
inserem, como nos casos de (e) [i], que podem ser observados em bule [buli]; Rosane
[Rozani]; doce [dosi]. Entender que a letra “e” pode representar o fonema [i], em posição
átona, no dialeto de muitos falantes do Português, seja no final, no início (escada [iskada];
escova [iskova] ou ainda no interior da palavra bebida [bibida], o que constitui regras
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fonéticas, ajuda a fazer intervenções mais relevantes e mais adequadas no processo de
alfabetização da criança, considerando “as implicações dos estudos da linguagem no modo
como as crianças usam a fala, a escrita e a leitura” (CAGLIARI, 1998, p. 8). Da mesma
forma, descobrir que a semivogal [w] pode ser representada pelas letras “u” (pau [paw],
limão [limaw], “I” anel [anew], alma [awma] ou “m n” com kow, conta [kowta]; possibilita
entender as hipóteses dos alunos e nelas intervir adequadamente.
Os exemplos mostram a necessidade dos fundamentos linguísticos nos currículos de
formação do alfabetizador. Não significam a opção por processos fonéticos, mas a inclusão
de conhecimentos específicos sobre a estrutura e o funcionamento da Língua Portuguesa
para que o professor possa compreender o processo de aquisição da língua escrita,
organizar atividades significativas e refletir sobre a prática, imbricada no conhecimento de
como a criança aprende. Assim, na tríade professor aluno e conteúdo (KAUFMAN, 1995),
cada componente assume igual intensidade, privilegiado os processos de ensino e de
aprendizagem.
O estudo de noções linguísticas básicas, acrescidas de concepções de psicogênese,
possibilita ao alfabetizador buscar, na teoria, elementos que subsidiem uma pedagogia de
alfabetização voltada para o aluno. Essas noções, especialmente as da Fonética e da
Fonologia, permitem entender o que é o fônico e como funciona no Português. As relações
fônicas ocorrem entre os padrões dos sistemas de linguagem oral e escrita, e não entre
letras isoladas e sons. O que é importante compreender é que a percepção não ocorre nos
ouvidos, nos olhos ou nas mãos, mas no cérebro, que trata sons como iguais ainda que
sejam totalmente diferentes e de modo diferente sons idênticos, cuja única variação entre si
pode ser, por exemplo, a sonora.
A análise e a reflexão sobre a escrita de crianças possibilitam observar como elas
pensam a representação gráfica, o que envolve a consciência fonológica. Esta surge,
inicialmente, a partir do interesse suscitado pela língua falada e por algumas de suas
prioridades, como a rima, que possibilita a exploração de semelhanças e diferenças entre
palavras e partes de palavras. Com a ajuda do professor, a criança pode ter acesso aos
fonemas individuais, e essa consciência metalinguística pode estender-se à sintaxe da
linguagem e aos seus aspectos pragmáticos. Ela se mostra nas descobertas feitas pela
criança: pode-se dizer a mesma coisa de muitas coisas de muitas formas, de que se pode
utilizar diversas estruturas e, ao mesmo tempo, selecionar formas mais adequadas de dizer
o que se pretende. Tal consciência se refere, pois, a um usuário competente da linguagem
em todas as suas vertentes e repercute no desenvolvimento geral da pessoa.
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As contribuições das ciências da linguagem recobrem especialmente a interação das
habilidades de leitura e escrita com a prática social, voltando-se ao uso da linguagem
escrita, enquanto a psicogenética ajuda a compreender como o sujeito aprende. Pode-se
dizer que o conjunto impõe projetos de renovação pedagógica sem esquecer-se que a
alfabetização é uma atividade pedagógica, inserida no processo ensino e aprendizagem de
línguas, que tem como escopo munir o cidadão com mais um instrumento de comunicação
verbal, a escrita.
Saber ler e escrever é, na verdade, mais do que dominar um instrumento, pois o
usuário integra-se na prática social: o sujeito traz para a escola o seu cotidiano e o
conhecimento adquirido volta para o cotidiano. Isto requer uma metodologia que se
concentre na linguagem escrita como forma de inserção na vida do sujeito e deste na
realidade letrada.
O ato de escrever consiste na representação gráfica do sistema fonológico da língua,
pois “a escrita, produto histórico-cultural, tecnologia posta a serviço do homem, representa
a linguagem sem ser dela transcrição” (ALBAURRE, 1998, p. 6). A alfabetização constrói-se,
assim, por meio de atividades de uso, contextualizadas e significativas da linguagem oral e
escrita, bem como de atividades de análises e reflexão em condições de interlocução, sem a
evidência de preconceitos linguísticos.
Partindo-se de tais concepções:

[...] fica assim, descartado o trabalho com unidades linguísticas


descontextualizadas, tais sílabas, palavras, sentenças, que só fazem sentido
para quem a linguagem já constitui objeto de reflexão e análise. Fica
igualmente descartada, na chamada alfabetização, a necessidade do
tradicional período preparatório em que se treinam a discriminação visual e
auditiva como se a criança não fosse capaz de distinguir objetos e sons
significativos para ela, ou em que se treina o comportamento motor de
forma completamente mecânica e sem sentido (ABAURRE, 1998, p. 7).

Muitas são as contribuições trazidas pelo enfoque psicogênico especialmente no


sentido de aumentar a competência do alfabetizador chamando-o à reflexão sobre a
capacidade de aprendizagem dos alunos, pois a representação dos professores a respeito
dos conhecimentos que as crianças trazem exerce poderosa influência sobre sua prática
pedagógica.
A criança, ao ingressar na escola, já traz conhecimento graças à interação com as
pessoas e, principalmente, com aquelas que desempenham junto a ela um papel de
educador (SOLÉ, 1998). Os estudos relacionados às hipóteses formuladas pelos

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alfabetizadores possibilitam ao professor considerar os seus saberes de forma científica para
que as atividades propostas enfatizem a construção do conhecimento mais do que a tarefa
mecânica de copiar, por exemplo. Privilegia-se, assim, o “como ensinar”, partindo-se do
“como aprender”. Conhecendo o desenvolvimento do processo de aquisição da língua
escrita pela criança e ciente de que o aprendizado é um modo particular de construção de
conhecimentos em uma situação em que há uma intervenção intencional externa, o docente
pode organizar situações que favoreçam a aquisição e da escrita.
Saber ler e escrever não significa apenas conhecer o sistema alfabético da língua
escrita, saber fazer letras ou lê-las em um ato de leitura. O uso adequado da linguagem
escrita e de outras linguagens supõe saber ler criticamente diferentes tipos de texto
literário, expressar claramente, em uma carta, os sentimentos. Quem escreve põe em jogo
seus conhecimentos sobre a língua escrita, o sistema de escrita ou o sistema de notação
alfabética e também sobre situação de produção.
Ferreiro (1995, p. 22-35), distingue três grandes níveis no processo de construção do
sistema de escrita pela criança:
.um primeiro nível no qual ela consegue diferenciar a escrita de outros sistemas de
representação gráfica e estabelece na escrita certas condições internas para que esta possa
dizer algo;
 um segundo nível, em que estabelece variações no sistema de escrita com a
intenção de produzir diferenças de significado;
 um terceiro nível, em que “fonetiza” a escrita, isto é, estabelece relações com a
pauta sonora da fala.
As pesquisas de Ferreiro e Teberosky, já há 20 anos divulgadas e aplicadas nos mais
diversos países do mundo, são relevantes para os avanços em alfabetização, especialmente
em relação às concepções dos professores, porque desafiam sua postura pedagógica.
“Diagnóstico, avaliação, programação e sequência das atividades, método como modelo de
diálogo pedagógico, materiais, organização social da classe foram influenciados pela
perspectiva psicoevolutiva” (TEBEROSKY 1994 p. 74).
Apesar dessas inovações e avanços, “a descrição evolutiva que informa sobre aquilo
que a criança sabe tanto quanto sobre o que não sabe é usada apenas para diagnosticar e
avaliar, mas não para programar o ensino” (TEBEROSKY, 1994, p. 74). Os dois aspectos,
como diferentes elementos de uma proposta de alfabetização, merecem atenção em sala de
aula, na organização curricular da escola e nas políticas educacionais que são de

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competência do município, do estado e do país. Uma nova metodologia emerge da postura
evolutiva e torna mais eficaz o processo de ensino e de aprendizagem.
Nesse sentido, rejeitam-se os métodos tradicionais de alfabetização que, centrados
na demonstração reiterada, não correspondem às características do pensamento infantil em
função das contradições e dos conflitos enfrentados pela criança. Quando sua conceituação
de escrita é silábica, por exemplo, na tentativa de escrever palavras com a mesma letra, a
produção é rechaçada pela hipótese de variedade. Constata-se tal procedimento na hipótese
expressa pela criança que, ao ser convidada a escrever a palavra “pasta”, afirma ser isso
impossível uma vez que se salienta as vogais, inexistem sequências com letras iguais. Não
basta, pois, que a criança conheça as letras correspondentes aos fonemas para chegar a ler
e a escrever. É preciso que a leitura e a escrita sejam propostas coerentes e adequadas
para a idade das crianças.
Assim, adotar uma visão socioconstrutivista da linguagem escrita significa rever as
relações entre as modalidades (oral e escrita) do discurso e, também, considerar o papel
constitutivo da interação social, especialmente quando fora da escola não há o uso da
leitura e da escrita, situação que restringe os conhecimentos que melhor poderiam subsidiar
o processo de alfabetização. A organização de um ambiente alfabetizador ou leiturizador ou,
ainda, de uma sala de aula textualizada constitui recurso para o desenvolvimento da leitura
e da escrita.
No entanto, constata-se que, quando se reconhece a importância do ambiente
alfabetizador, a tendência de muitos professores é prender-se ao material exposto (livro,
revista, jornais, cartazes), deixando de lado o aspecto linguístico e desconsiderando a
relação dialógica imprescindível. O aspecto material e externo ao sujeito não é o que
influencia o desenvolvimento da leitura; o ambiente linguístico, no qual se discute,
questiona, reflete é que desencadeia o acesso ao mundo letrado. Se houvesse relação entre
aquisição da língua escrita e a quantidade de material exposto do aprendiz, não haveria
analfabetos.
O grande desafio proposto ao professor é alfabetizar tendo o texto como unidade
básica e ensinar a ler a partir da reflexão sobre o processo envolvido na alfabetização. A
autonomia na leitura desenvolve-se com o aumento da experiência, na medida em que
ocorre a ampliação de conhecimentos que servem de apoio à identificação de palavras, de
frases e de modalidades de texto.
Não se formam bons leitores oferecendo materiais de leitura empobrecidos,
justamente no momento em que as crianças são iniciadas no mundo da escrita. As pessoas
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aprendem a gostar de ler quando, de alguma forma, a qualidade de suas vidas melhora com
a leitura.
Idealmente, a criança vem à escola com habilidades de linguagem oral, bem
desenvolvidas, o que constitui um fundamento para o domínio da língua, da leitura e da
escrita. Traz também, o conhecimento de narrativas, poemas, parlendas, trava-línguas e
adivinhações. Porém, a aquisição da escrita requer o conhecimento das estruturas
fonológicas da língua e de como as unidades gráficas se conectam às unidades faladas.
Uma proposta de ensino articuladas às necessidades reais das crianças inclui intervenções
do docente sustentadas por fundamentos teóricos sólidos.
No processo de alfabetização, é essencial incorporar às práticas de sala de aula o
texto literário – narrativas e poemas – para, de maneira particular, compor o conhecimento
da criança e redimensionar a afetividade, pela mediação dos signos verbais ou mesmo não
verbais. Alfabetizar, assim, inclui a reinvenção da linguagem, a expressão da subjetividade e
as singularidades próprias do código escrito.

Alfabetizar é conhecer o código da língua escrita

1.4 Alfabetização e Letramento

Partindo da questão
alfabetização e linguagem em que a
aquisição desta é proveniente da
significação das palavras organizadas de
modo lógico a fim de produzir
comunicação, lancemos um olhar
quanto às questões de alfabetização.

Fonte: http://migre.me/pJbJJ

“Nosso conhecimento inicial de nossa língua materna é oral. Nosso saber apoia-se,
portanto, sobre unidades orais que são ao mesmo tempo som e sentido. Falar ou
compreender é atualizar o conhecimento das palavras, compreender o sentido das palavras;

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em certos casos, apenas som, quando não sabemos ‘o que isso quer dizer’”. (BRESSON,
2009. p.32)
A língua é uma das ferramentas mais poderosas do ser humano, e sua importância
é dada pelo motivo de propiciar uma representação de palavras como meio de comunicação
e expressão, seja ela falada ou escrita, constituindo regras aceitas por uma comunidade
linguística.
Intimamente ligado ao primeiro, o termo linguagem apresenta uma extensão de
sentido, por comunicar ideias, sentimentos e ações por meio dos signos convencionados
pelas pessoas, a fim de aumentar a capacidade de entendimentos de informações gráficas,
sonoras ou gestuais.
O estudo da língua é fundamental, sem ele não avançamos muito no campo da
linguagem; mas, por outro lado, é essencial conhecer o uso efetivo dos termos
“Alfabetização” e “Letramento” em sociedade.
Segundo Mello (2007), os estudos apontam para a perspectiva histórico – cultural a
fim de garantir uma relação entre infância, educação e escola da infância. Os estudos
focalizam a necessidade de pensar o direito à infância como condição para máxima
apropriação das qualidades humanas.

Alfabetização e letramento: eis a questão

A controvérsia é velha. Você deve conhecê-la: na hora de alfabetizar os alunos, qual


caminho seguir? Há pelo menos 100 anos essa é uma das mais fortes polêmicas da
Educação. Não só aqui: vários países registram versões mais ou menos estridentes da
disputa entre formas de ensinar a ler e escrever. Começou nas primeiras décadas do século
passado, com a briga em torno do melhor método. Ganhou novos contornos a partir dos
anos 1980, quando as investigações de Emilia Ferreiro trouxeram valosas informações sobre
como as crianças refletem sobre a escrita. O marco é o lançamento de Psicogênese da
língua Escrita de Ana Teberosky e Emilia Ferreiro (1990). Assim, o debate deixa de ser
sobre atividades externas ao aluno e passa a considerar como ele pensa.
Ao longo dos anos, os métodos rígidos, com apenas um caminho, foram superados
entre os especialistas. Porém, eles continuam vivos em várias salas de aula. Muitas vezes de
forma tímida, um pouco envergonhada, professores ensinam como aprenderam, recorrendo
a atividades como a caligrafia e o uso de cartinhas. Num certo sentido, é algo esperado.

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Mesmo as contribuições de Ferreiro (1990), como terreno comum para as
perspectivas mais modernas, que embasam programas de formação continuada e propostas
curriculares Brasil afora, acabam chegando à escola de maneiras distintas. Vem daí a
discussão que traz dois enfoques, que ficaram conhecidos como construtivismo e
letramento.
Em meio à disputa, perde a aprendizagem. Apenas oito em cada 100 brasileiros de
15 a 64 anos são plenamente capazes de se expressar com letras e números, segundo o
Indicador de Alfabetização Funcional (INAF). Para mudar essa característica no futuro, é
preciso agir agora. Quais são, afinal, as práticas mais adequadas para alfabetizar? As
diferenças entre duas concepções modernas realmente existem, mas a prática de sala pode
até se enriquecer contemplando atividades de ambas. Bandeira branca para que todos
possam aprender a ler e escrever.
Até a metade do século XX, as pessoas foram alfabetizadas do mesmo jeito:
Primeiro, ensinavam-se as letras, depois se juntavam as letras para formar palavras. Essas
atividades eram sem sentido, porque se demorava a chegar ao significado.
Na virada para o século XX, novas propostas se dividiam em dois grupos. O primeiro,
dos métodos sintéticos, desenhava um caminho de ensino da parte para o todo, começando
com a compreensão de unidades como a letra (método alfabético), fonema (método fônico)
ou sílaba (método silábico). Um segundo grupo, o dos métodos analíticos, propunha a
trajetória inversa: do todo para a parte, iniciando com o estudo de palavras (palavração),
frases (sentenciação) ou do texto inteiro (método global).
Essas teorias chegavam aos professores de forma inflexível e fechada, o que trouxe
problemas. Entre os métodos sintéticos, privilegiava-se a decifração, com os alunos
memorizando sílabas (ba-be-bi-bo-bu) para depois tentar formar palavras ou frases
descontextualizadas (“eu vejo a barriga do bebê”). Boa parte deles se focava em exercícios
mecânicos e práticas hoje reconhecidas como ineficientes. Em comum: todas elas tratam o
processo de alfabetização como a aquisição de uma técnica, relacionada apenas às relações
entre sons e letras. São procedimentos lineares, sequências de atividades que não preveem
a participação ativa do aluno.
Já entre os métodos analíticos, a crítica era a falta de reflexão sobre o
funcionamento do sistema alfabético. Na busca exclusiva pelo significado do que estava
escrito, dedicava-se pouco tempo ao estudo das relações grafofônicas – a ligação entre os
sons da fala e suas possíveis grafias. Para os especialistas, cresce o consenso de que é
preciso trabalhar, ao mesmo tempo, tanto as unidades menores (investigar com quantas e
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quais letras se escreve uma palavra, e onde elas devem estar posicionadas) quanto aos
processos de compreensão e produção de textos (estudar as características de cada gênero
– marcas de estilo, intenção de escrita e destinatário -, possibilitando à turma ler e escrever
antes de dominar convencionalmente esses processos). É fundamental a eficácia da
combinação entre análise da língua e compreensão. É importante compreender a estrutura
de uma frase e estar familiarizados com a organização de gêneros impressos para ler com
fluência.
“A psicogênese da língua escrita deve influenciar o trabalho de qualquer um que
volte para alfabetização”, afirma Magda Soares (2009, p.24), professora emérita da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Por exemplo, desde os 4 anos antes de
serem capazes de ler textos, as crianças possuem critérios para admitir se uma marca
gráfica pode ou não ser lida – ou seja, distinguem letras e números de simples grafismo.
Todo esse aprendizado começa antes mesmo da escolarização. Os pequenos
aprendem interagindo com textos nas mais diferentes situações: em celulares e tablets, na
televisão, ao observar livros existentes em casa e em outros momentos, como em agendas
telefônicas ou observando placas com o nome de ruas. Novamente essa constatação tem
espaço no ensino de muitos países. Para o Conselho Nacional de Educação da Finlândia,
uma das razões de o país figurar no topo do ranking de avaliações internacionais como o
Pisa é o fato de sua população ler muito. Os finlandeses contam com uma excelente rede de
bibliotecas públicas, a maioria das famílias assina ao menos um jornal e ler histórias para as
crianças antes de dormir é uma tradição.
As descobertas sobre como as crianças aprendem também impactaram
profundamente o trabalho em aula, tornando indispensável uma série de práticas. Em geral,
elas estão relacionadas à importância de fazer com que os pequenos reflitam sobre o
sistema alfabético enquanto se inserem no mundo da cultura escrita – justamente a mescla
de perspectiva de alfabetização e letramento.
Os estudiosos também concordam quanto à importância de se observar, durante
todo o trabalho, como crianças estão avançando em suas hipóteses de escrita: pré-silábica
(o aluno conhece as letras, mas elas não correspondem ao que se fala), silábica (cada letra
ou símbolo corresponde a uma sílaba falada), silábica-alfabética (ora se escreve atribuindo a
cada sílaba uma letra, ora representando todo fonema ) e alfabética (o aluno entende que
cada caracter corresponde a um valor sonoro menor do que a sílaba). O trabalho consiste
em garantir que o aluno avance progressivamente de um nível para o seguinte, defende
Soares (2009).
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Apesar de unidos pela referência à psicogênese da língua, o enfoque de inspiração
construtivista e a perspectiva do letramento divergem quanto a um aspecto fundamental: a
relação entre fala e escrita. Para os construtivistas, a língua escrita constitui um sistema de
representação independente da fala e escrita. O ensino, então, não pode se basear apenas
na relação entre os sons e as letras. As crianças tomam consciência dessa relação como
uma consequência do processo de compreensão da escrita.
Já para os adeptos do letramento, é necessário um ensino sistemático dessas
relações. “Para que a criança avance, devemos orientá-la a prestar atenção na palavra
como som, e como som que pode ser segmentado em fonemas, estes, finalmente,
representados por letras”, afirma Soares (2009, p.32).
Se do ponto de vista teórico uma conciliação total parece distante – seria preciso
questionar os princípios que fundamentam cada um dos enfoques, mas a situação é bem
menos radical em sala de aula. É verdade que, por causa de seus fundamentos, as
propostas para cada caminho divergem: para os construtivistas, muitos aspectos da língua
escrita – como a orientação do texto, a sua organização em linhas, a diferença entre letras
e outros sinais – são aprendidos pela criança por meio de seu contato com os materiais
escritos. Já para a perspectiva do letramento, é importante reservar momentos em que as
crianças os observem por meio de exercícios de identificação de sílabas em palavras, por
exemplo.
Nesse momento, ainda não há pesquisas que indiquem uma clara vantagem de um
dos lados. Os dois têm bons resultados. Para você, professor, o avanço é que nenhum dos
enfoques nega o outro: embora a ênfase varie, os dois combinam atividades de reflexão
sobre o sistema de escrita com outras que privilegiam a compreensão de textos em seu uso
social. Em vez de aprisionar, eles aumentam o leque de opção para ensinar.
Conhecer linhas de alfabetização é essencial. Primeiro para separar o que está ultrapassado
do que funciona. Segundo, para escolher as práticas mais eficientes para cada aluno e cada
ocasião. Na sua aula, o direito de aprender deve estar acima das disputas.

1.4.1 Devemos buscar a alfabetização ou o letramento?

Uma parte da polêmica é puramente semântica. Para os construtivistas, um leitor e


escritor proficiente é um sujeito alfabetizado, condição que se aprimora ao longo da vida. A
alfabetização inicial é o momento em que a criança se debruça sobre o sistema alfabético
de escrita. Não há separação entre esses dois processos. Na outra perspectiva, a
42
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proficiência é chamada de letramento, e a alfabetização é o começo da aprendizagem. A
intenção é a mesma: formar pessoas capazes de atuar ativamente num mundo em que a
escrita é tão importante. O letramento defende uma ênfase no ensino do sistema, mas sem
abandonar as práticas culturais. No enfoque construtivista, a reflexão sobre o sistema
ocorre quando os alunos pensam sobre as práticas culturais – via contato constante com
textos em uso real.
A linguagem permite a construção dos alicerces de um mundo conceitual que
enuncia aquilo que nem sempre é realizável, “do que pertence a outros lugares ou a outros
tempos” (WALLON, 1942, p.173). A partir daí, num constante processo dialético, linguagem
e pensamento irão se reestruturando reciprocamente, conforme o desenvolvimento
cognitivo.
Conjuntamente, o texto é o meio que
utilizamos para a prática de leitura. É mais
que um agrupamento ordenado de palavras,
constitui representações de sentido que
geram interpretações diversas, objetivando
que esse material escrito venha a ser lido ou
falado em voz alta.
Fonte: http://migre.me/pJcaO
Quando tratamos das significações do texto, entramos no campo das
plurissignificações que a linguagem literária pode trazer, por expressar frases e termos que
estão inseridos dentro de um contexto.
Ler é mais do que se atentar à palavra escrita, é captar o que acontece à nossa volta
e interpretar a realidade. Em seu sentido mais amplo, a leitura é o processo de
interpretação dos estímulos sensoriais.
Como prática de leitura, é essencial que o educador busque propostas que tragam
temas que interessem aos seus alunos, que causem certo nível de curiosidade que os faça
buscar a exteriorização de seus significados.
Além de trabalhar o texto em seu aspecto formal, percebemos a necessidade de se
aplicar os conhecimentos quanto ao sentido que a linguagem traz, envolvendo as
capacidades de argumentação do sujeito.
A ideia de ler para o aluno será como Cagliari (1997, p. 21), nos lembra que ela “não
se reduz à somatória dos significados individuais dos símbolos, mas obriga o leitor a
enquadrar todos esses elementos no universo cultural, social, histórico em que o autor se
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baseou para escrever”. Saber o que se fala sobre o objeto de estudo dá razão ao seu
posicionamento em vista da defesa que se fará das teses encontradas no texto.
Quando se fazem planos de leitura, espera-se que aconteçam mudanças no
pensamento crítico dos alunos, em razão da prática de
leitura como interação e não obrigação. Essas extensões
só poderão ser criadas com o envolvimento que os textos
intrigantes demandam, dando um aspecto motivador ao
leitor. Segundo Silva (1992, p. 36), “Quando o leitor
penetra no mundo proposto pelo documento escrito, este
se abre ou se desvela em horizontes de concretude e
familiaridade, que o tornam essencialmente pré-
conhecidos em termos de sua natureza”.
Fonte: http://migre.me/pJcn0
A motivação da leitura em voz alta deveria ser um processo iniciado na educação
infantil, pois a leitura em grupo suscita interações e a forma de partilha intelectual entre
colegas virá naturalmente. Ela tem grande vantagem democrática de contribuir para não
deixar que crianças, cuja leitura não esteja inserida em seu contexto, sejam excluídas das
informações e habilidades que a leitura propicia.
“Leitura não é esse ato solitário; é interação verbal entre indivíduos, e indivíduos
socialmente determinados: o leitor, seu universo, seu lugar na estrutura social, suas
relações com o mundo e com os outros; o autor, seu universo, seu lugar na estrutura social,
suas relações com o mundo e os outros; entre os dois: enunciação; diálogo?” (SOARES,
1988, p.18). Os leitores que são motivados a ler pelo meio que vivem, são mais confiantes e
apreciados, e isso os estimula ainda mais ao exercício de atividades em que se sentem
participantes e sujeitos ativos.

ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO

Os conceitos de alfabetização, letramento e leitura.

Alfabetização – ação de conhecer o código da língua escrita.

Dicas

Letramento – uso social das práticas de leituras e escrita.

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Antes de continuar seu estudo, realize o Exercício 1 e a
Atividade 1.1.

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UNIDADE 2

TEXTO E LEITURA
OBJETIVO DA UNIDADE: Conhecer a noção de texto e leitura e seus respectivos
estudos na atualidade que influenciam o ato de ler.

2.1 Considerações sobre a noção de texto

Sem dúvida alguma, a palavra texto é familiar a qualquer pessoa ligada à prática
escolar. Ela aparece com alta frequência no linguajar cotidiano tanto no interior da escola
quanto fora dos seus limites. Não são estranhas a ninguém expressões como as que
seguem: “redija um texto”, “texto bem elaborado”. O estudante tem algumas noções sobre
o que significa texto. Entre essas noções, algumas ganham importância especial para esta
disciplina, que se propõe a refletir sobre texto e intertextualidade. Neste estudo sobre a
noção de texto, vamos fazer uma primeira consideração.

O texto não é um aglomerado de frases

A revista Veja de 1º de junho de 1998, em matéria publicada relatava, como


suspeitos, membros ligados à administração do governo do estado de São Paulo e dois
cidadãos portugueses dispostos a lançar um novo tipo de jogo elétrico, designado pelo
nome de “Raspadinha”. Entre os suspeitos figurava o nome de Otávio Ceccato, que, no
momento, ocupava o cargo de secretário de Indústria e Comércio e que negava sua
participação na negociata. O fragmento que vem a seguir, extraído da parte final da referida
reportagem, relata a resposta de Ceccato aos jornalistas.
Na sua posse como secretário de Indústria e Comércio, Ceccato, nervoso, foi infeliz
ao rebater as denúncias. “Como São Pedro, nego, nego, nego”, disse a um grupo de
repórteres, referindo-se à conhecida passagem em que São Pedro negou conhecer Jesus
Cristo três vezes na mesma noite. Esqueceu-se de que São Pedro, naquele episódio, disse

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talvez a única mentira de sua vida (referência à Bíblia Sagrada, Livro do Evangelho de João,
cap.18, 25-26).
Como se pode notar, a defesa do secretário foi infeliz e desastrosa, produzindo
efeito contrário ao que ele tinha em mente. A citação, no caso, ao invés de inocentá-lo,
acabou por comprometê-lo.
Sob o novo ponto de vista da análise do texto, qual teria sido a razão do equívoco
lamentável cometido pelo secretário? Sem dúvida, a resposta é esta: ao citar a passagem
bíblica, o acusado esqueceu-se de que ela faz parte de um texto e, em qualquer texto, o
significado das frases não é autônomo.
Desse modo, não se pode isolar frase alguma do texto e tentar conferir-lhe o
significado que se deseja. Como bem observou o repórter, no episódio bíblico citado pelo
secretário, São Pedro, enquanto Cristo estava preso, foi reconhecido como um de seus
companheiros e, ao ser indagado pelo soldado, negou três vezes seguidas conhecer aquele
homem. Segundo a mesma Bíblia, posteriormente Pedro arrependeu-se da mentira e chorou
copiosamente.
Esse relato serve para demonstrar de maneira simples e clara que uma mesma frase
pode ter significados distintos dependendo do contexto dentro do qual está inserida. O
grande equívoco do secretário, para sua infelicidade, foi o de desprezar o texto de onde ele
extraiu a frase, sem se dar conta de que, no texto, o significado das partes depende das
correlações que elas mantêm entre si.
Isso nos leva à conclusão de que, para entender qualquer passagem de um texto, é
necessário confrontá-la com as demais partes que o compõe sob pena de dar-lhe um
significado oposto ao que ela de fato tem.

Em outros termos, é necessário considerar que, para fazer uma boa


leitura, deve-se sempre levar em conta o contexto em que está inserida a
passagem a ser lida.

Entende-se por contexto uma unidade linguística maior onde se encaixa uma
unidade linguística menor. Assim, a frase encaixa-se no contexto do parágrafo, o parágrafo
encaixa-se no contexto do capítulo, o capítulo encaixa-se no contexto da obra toda. Uma
observação importante a fazer é que nem sempre o contexto vem explicitado
linguisticamente. O texto mais amplo dentro do qual se encaixa uma passagem menor pode
47
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vir implícito: os elementos da situação em que se produz o texto podem dispensar maiores
esclarecimentos e dar como pressuposto o contexto em que ele se situa.

- A relação entre textos


Observe os trechos que seguem:
Do que a terra mais garrida
Teus risonhos, lindos campos têm mais flores:
“Nossos bosques têm mais vida”
“Nossa vida”, no teu seio, “mais amores.”
(Hino Nacional Brasileiro)

Nossas flores são mais bonitas


Nossas frutas mais gostosas
Mas custam cem mil réis a dúzia.
(MENDES, Murilo. Canção do exílio.)

Nosso céu tem mais estrelas,


Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
(DIAS, Gonçalves. Canção do exílio).

Os trechos são semelhantes. Como o de Gonçalves Dias é anterior aos dois


primeiros, o que ocorre é que estes fazem alusão àquele. Os dois primeiros citam o texto de
Gonçalves Dias. Com muita frequência um texto retoma passagens de outro. Quando um
texto de caráter científico cita outros textos, isso é feito de maneira explícita. O texto citado
vem entre aspas e em nota indica-se o autor e o livro de onde se extraiu a citação.
Num texto literário, a citação de outros textos é implícita, ou seja, um poeta ou
romancista não indica o autor e a obra de onde retira as passagens citadas, pois pressupõe
que o leitor compartilhe com ele um mesmo conjunto de informações a respeito das obras
que compõe um determinado universo cultural. Os dados a respeito dos textos literários,
mitológicos, históricos são necessários, muitas vezes, para compreensão global de um texto.
A essa citação de um texto por outro, a esse diálogo entre textos dá-se o nome de
intertextualidade.

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Voltemos aos três colocados no princípio desta lição. O poema de Gonçalves Dias
possui muitas virtualidades de sentido. Entre elas, a exaltação ufanista da natureza
brasileira. Para ele, nossa pátria é sempre mais e melhor do que outros lugares. Os versos
do Hino Nacional retomam o texto de Gonçalves Dias para reafirmar esse sentido de
exaltação da natureza brasileira. Já os versos de Murilo Mendes citam Gonçalves Dias com
intenção oposta, pois pretendem ridicularizar o nacionalismo exaltado que pode ser lido no
poema Gonçalves Dias.
Um texto cita outro com basicamente duas finalidades distintas:
 Para reafirmar alguns dos sentidos do texto citado.
 Para inverter, contestar e deformar alguns dos sentidos do texto citado; para
polemizar com ele.
Em relação ao texto de Gonçalves Dias, o Hino Nacional enquadra-se no primeiro
caso, enquanto o de Murilo Mendes encaixa-se no segundo. Quando um texto cita outro
invertendo seu sentido, temos uma paródia. Os versos do Hino Nacional, colocados no
princípio desta lição, parafraseiam versos de Gonçalves Dias; os de Murilo Mendes
parodiam-nos.
A percepção das relações intertextuais, das referências de um texto a outro,
depende do repertório do leitor, do seu acervo de conhecimentos literários e de outras
manifestações culturais. Daí a importância da leitura, principalmente daquelas obras que
constituem as grandes fontes da literatura universal. Quanto mais se lê, mais se amplia a
competência para apreender o diálogo que os textos travam entre si por meio de
referências, citações e alusões. Por isso cada livro que se lê torna a capacidade de
aprender, de maneira mais completa, o sentido dos textos.

Antes de continuar seu estudo, realize o Exercício 2.

2.2 Dialogicidade nos textos

A construção textual é sempre um diálogo entre textos. Todo texto é


constituído por pedaços de enunciados de outros. Na verdade, o texto surge baseado em
algo que já existiu.

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É possível perceber que o texto sempre se mostra impregnado de recordações de
outros textos, por isso, podemos entender que o texto não surge do nada, mas sim de algo
que existiu no passado. Quando alguém nos conta uma estória, ao formar o texto, o(a)
falante nem sempre tira algo elaborado por ele(a) mesmo(a), no entanto, busca em outros
enunciados algo que possa assemelhar-se ao estilo dele.
Os enunciados não são indiferentes relacionam-se mutuamente e devem ser
considerados, como respostas a enunciados anteriores do passado imediato ou remoto, ou
ainda a outros enunciados do presente. Podemos, então, introduzir direta ou indiretamente
o enunciado de outro no nosso próprio contexto. É possível parafrasear o enunciado de
outro e incorporá-lo em nosso texto e fazemos referência a ele como a opinião. A linguagem
e estilo se esclarecem mutuamente. A relação do gênero discursivo com relação ao sentido
encarnado na palavra não é aleatória.
Todo texto é um desafio ao leitor. Desafio porque podemos encontrar, dentro de
um mesmo texto, vários outros textos, vários diálogos com outros textos. A
intertextualidade é condição de produção de textos. Isto significa que um texto sempre
retoma ideias em relação a outro; um filme se relaciona a um programa de tv, um conto, a
outro conto. Nesse sentido, a intertextualidade tem campo de ação muito amplo. Podemos
destacar:

 Intertextualidade manifesta.

 Intertextualidade constitutiva (interdiscursividade).

O conceito de Intertextualidade tem origem com o trabalho de Mikhail Bakhtin nas


primeiras décadas do século XX. Para Bakhtin (1992, p. 292), o enunciado é “um elo na
cadeia comunicativa de uma esfera particular”.
Os enunciados dialogam com outros enunciados aos quais se relacionam.
Tais relações entre os enunciados podem ser consideradas de duas maneiras.
Primeiro, o enunciado é uma resposta a enunciados anteriores do mesmo contexto
comunicativo. Segundo o enunciado ocupa posição definida em um contexto particular.
Contudo, nota-se que gosto pelo diferente se faz presente tanto no enunciado de
Drummond quanto no enunciado de Manoel de Barros. E se um texto remete a outro para
defender as ideias nele contidas ou para contestar tais ideias. Assim, para se definir diante
de determinado assunto, o autor do texto leva em consideração as ideias de outros
“autores” e com eles dialoga no seu texto.

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Evidentemente, a intertextualidade está ligada ao “conhecimento de mundo”, que
deve ser compartilhado, ou seja, comum ao produtor e ao receptor de textos. Trata-se da
possibilidade de criar um texto a partir de outros textos. As obras de caráter científico
remetem explicitamente a autores reconhecidos, garantindo, assim, a veracidade das
afirmações.
A intertextualidade pressupõe um universo cultural muito amplo e complexo, pois
implica a identificação / o reconhecimento de remissões a obras ou a textos / trechos mais,
ou menos conhecidos, além de exigir do interlocutor a capacidade de interpretar a função
daquela citação ou alusão em questão.
A relação que o leitor estabelece entre um texto e outro depende de um lado da
marcação mais ou menos clara no texto, e de outro, da cultura de quem o lê. Fiorin (1995,
p.14), afirma que “a percepção das relações intertextuais, das referências de um texto a
outro, depende do repertório do leitor, do seu acervo de conhecimento literário e de outras
manifestações culturais”.
Para entender a relação estabelecida entre um texto e outro, dependendo do texto,
é preciso uma erudição por parte do leitor, de modo que esta permitirá uma interpretação
ampla da intertextualidade presente no texto. Além disso, todo texto traz consigo vozes da
sociedade. Há também o jogo de poder dessas vozes. O leitor tem que ser perspicaz para
entender a mensagem inserida do texto. A compreensão integral de um texto depende da
ligação entre ele outro(s), ou seja, o(a) leitor(a) deve estabelecer vínculo entre o texto e
outros muitas vezes oriundo de um passado histórico.
Kristeva nota que “o texto absorve e é construído de textos do passado, textos
sendo os maiores artefatos que constituem a história” (KRISTEVA apud FAIRCLOUGH, 2001,
p. 134). Para Fairclough (2001, p. 138), “a intertextualidade manifesta interdiscursividade,
transformações textuais e como textos constituem as identidades sociais”.

2.3 O ato de ler

Desde início e após refutar os modelos positivistas e funcionalidades que tentaram


investigar e explicar a leitura, foi verificado que esta tarefa exige do inquiridor um trajeto
que observa as características estritamente humanas da leitura. Deste modo, busca-se na
ontologia, hermenêutica, comunicação e na própria psicologia, dados esses que

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perspectivam os elementos construtivos do ato de ler, exportando-os para o bojo de uma
estrutura significativa.
O ato de ler em sua definição nos mostra que a leitura se distanciou do ambiente
escolar e das práticas recorrentes de nossos alunos, fazendo com que percam a visualização
de uma linguagem objetiva, projeta-se então um problema que talvez não represente
preocupações graves ao longo do período de escolarização, mas que irá ser enfrentado na
futura formação profissional, quando o mercado de trabalho exigir competências linguísticas
e de expressão oral para a atribuição de um cargo.
A leitura tem em sua concepção, que por meio da percepção, o sujeito toma
consciência de documentos escritos existentes no mundo. Ao busca sua intencionalidade,
abrem-se novas possibilidades de significações, para o alvitramento dos signos. Não
nascemos leitores à altura de sábios, as representações semânticas são aprimoradas
conforme o fortalecimento do nosso nível de linguagem, ao vivenciar textos clássicos e
conseguir criar analogias com os contemporâneos, bem como as situações corriqueiras,
amadureceram as práticas de leitura juntamente com nosso potencial cognitivo.
Silva (2008, p. 41), ressalta que “A leitura se manifesta, como experiência resultante
do trajeto seguido pela consciência do sujeito em seu projeto de desvelamento do texto”,
esse desvelamento irá permitir que esse leitor se constitua como ser social, alguém que
pode enxergar além do que sociedade poderá impor. O leitor experiente encontra nos textos
de temas diversos as possibilidades de reflexões sociais, como suas ideias passam por um
processo de amadurecimento, começam a construir pontes entre as questões da
contemporaneidade representadas dentro de seu contexto e do contexto do livro.
Ao instituir a leitura nas escolas, o processo tem se desvinculado de seu sentido real,
perdendo sua naturalidade, tornando-se uma estafante rotina. Segundo da Silva (2008, p.
48), “a interação entre os textos e leitores foi ficando cada vez mais distorcida, afetada ou
estereotipada, desviando-se de propósitos como fruição significativa e prazerosa, a reflexão,
a discussão, a produção de novos significados”.
É justamente na troca de experiências e histórias de leitura que, de fato, ocorre a
interação entre leitores. Contudo, a escola parece não estimular a função interativa das
práticas de leitura, ao privilegiar atividades que desmotivam o aluno e provocam a aversão
dos educadores ao mundo dos livros.
Se o objeto de estudo se mostra tão amplo, é necessário que o educador procure
selecionar conhecimentos mais que a produção de memorização de conteúdos, prezando
pela universalidade e objetividade da linguagem, o que tornará possível aos educandos a
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abertura de reflexões mais amplas e lógicas. Assim, o desvelamento do texto, vai visibilizar
suas relações internas visando à comunicação e a persuasão, bem como o seu lugar na
cultura e na sociedade.
Partindo do pressuposto de Lajolo (1997), somos herdeiros de uma tradição
educacional pobre e improvisada, alegando que os professores leem pouco e os alunos leem
menos ainda, fato este que nos evidencia o problema de descuido com a gramática e
interpretação textual que nós vivenciamos diversos níveis educacionais.
O leitor crítico sempre leva à produção ou construção de outro texto: produção essa
advinda do conhecimento provocado no leitor. Deste modo, a leitura crítica sempre gera
expressão: o ser leitor se torna construtor de novas significações. Assim, este tipo de leitura
é muito mais do que um simples processo de apropriação de significado; esse tipo de leitura
caracteriza-se como uma elaboração de um projeto, pois se concretiza a partir de uma
proposta por um agente e ressignificada e colocada em prática por outro.
A leitura literária deveria ser trabalhada na escola como essa “janela para o
mundo”. A obra literária poderá, assim, ser recriada e reinventada pelos leitores, tendo em
vista as diferenças de repertórios, de experiências prévias de leituras, bem como a
diversidade e heterogeneidade de expectativas dos leitores.
Ler é olhar para o mundo por intermédio das palavras, o diálogo que os meios de
comunicação tentam esclarecer por vezes é objetiva, por outras é subjetiva. O contexto seja
ele de uma leitura literária, informacional ou publicitária revela uma intenção que é emitida
e interpretada diferentemente em cada indivíduo e, para que possa exercer domínio sobre
essas leituras, é necessário que se torne um usuário competente da capacidade de leitura.

2.4 Leitura e seus sistemas de conhecimento

Conforme a teoria da intertextualidade, toda palavra serve de expressão de um em


relação ao outro. Através da palavra, defino-me em relação ao outro, isto é, em última
análise em relação à coletividade. A palavra é uma espécie de ponte entre as pessoas. Se
ela se apoia sobre mim numa extremidade, na outra se apoia sobre o meu interlocutor. A
palavra é o território comum do locutor e do interlocutor.
A leitura em seu processo de construção necessita de mediações. O professor é um
elemento de grande importância para o aperfeiçoamento desses leitores ao longo da
escolaridade, deve tentar administrar seus conteúdos de modo a conciliar textos e

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atividades que induzam reflexões sobre diversos temas presentes no cotidiano de seus
alunos.
Na atividade de leitura e produção de sentido, colocamos em ação várias estratégias
sociocognitivas. Essas estratégias por meio das quais se realiza o processamento textual
mobilizam vários tipos de conhecimento que temos armazenados na memória, como
veremos neste capítulo. Dizer que o processamento textual é estratégico significa que os
leitores diante de um texto, realizam simultaneamente vários passos interpretativos
finalisticamente orientados, efetivos, eficientes, flexíveis e extremamente rápidos. Para
termos uma ideia de como ocorre o processamento textual, basta pensar que, na leitura de
um texto, fazemos pequenos cortes que funcionam como entradas a partir dos quais
elaboramos hipóteses de interpretação.
Koch (2002, p.32), afirma que, para o processamento textual, recorremos a três
grandes sistemas de conhecimento:
. conhecimento linguístico;
. conhecimento enciclopédico;
. conhecimento interacional.

- Conhecimento linguístico

Abrange o conhecimento gramatical e lexical. Baseados nesse tipo de conhecimento,


podemos compreender: a organização do material linguístico na superfície textual; o uso
dos meios coesivos para efetuar a remissão ou sequenciação textual; a seleção lexical
adequada ao tema ou aos modelos cognitivos ativados. A título de exemplificação, vejamos
a importância do conhecimento linguístico para a compreensão dos textos a seguir.

Texto 1

Fonte: O Estado de São Paulo, 17 set. 2004.

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Para a compreensão dessa tirinha, é necessário considerar a ligação entre a ideia 2
não necessariamente a certa estabelecida pelo elemento coesivo – mas -, conjunção que
expressa oposição em relação ao esperado, ao pressuposto. No caso, se é mão única,
espera-se que seja a certa. O que o uso do “mas” expressa, no exemplo, é justamente a
oposição à ideia pressuposta. Certamente, poderemos realizar leituras e leituras em relação
à tirinha, porém, nessa atividade de produção do sentido, o mas é elemento relevante.

Texto 2

Fonte: http://migre.me/vCId4

Pitú is on the table


Fonte: Revista Veja, ano 45 nº 13/ março de 2012.

A mesma Pitú que você bebe em qualquer lugar do Brasil pode ser encontrada em
vários lugares do mundo. Na Europa, desde os anos de 1970. Na Ásia e na América do
Norte, desde os anos de 1980. Já faz tanto tempo que a cachaça pernambucana é
conhecida no exterior que, lá fora, o nome da marca confunde-se com o nome da bebida.
Muita gente pede Pitú ao invés de pedir cachaça. E assim fica com uma ótima referência
dessa bebida genuinamente brasileira.
No texto, o enunciado “Pitu is on the table” nos chama a atenção por dois motivos,
não necessariamente na ordem em que apresentamos: primeiro porque está escrito em
letras garrafais; segundo, porque contém uma expressão – com a função sintática de
predicado – não em língua portuguesa, mas em língua inglesa.
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A compreensão da mensagem exige do leitor resposta à questão: o que significa a
expressão em inglês? A expressão is on the table, cujo significado é “está sobre a mesa”,
pode ser entendida por alguém que conheça um mínimo de língua inglesa. Esse
conhecimento da língua e do significado da expressão é pressuposto para compreensão que
será mais completa se o leitor:
 perceber a “brincadeira” feita a partir de uma frase básica que os inciantes
em inglês aprendem: “The book is on the table”;
 levar em conta que o uso do inglês e não de uma outra língua é indicadora
de prestígio e abrangência da língua inglesa no cenário mundial;
 considerar não só a mensagem produzida, mas também o meio de circulação
e o objetivo: veiculado em revista brasileira de grande tiragem, o anúncio
objetiva atingir novos consumidores com base na ideia da apreciação-
aceitação da cachaça brasileira (leia-se Pitú) em vários lugares do mundo.
Além disso, contudo, necessário se faz que o leitor considere os aspectos
relacionados ao conhecimento e uso da língua, à organização do material linguístico na
superfície textual, ao uso dos meios coesivos para introduzir e retomar um referente. No
texto, a referenciação a Pitú é construída por meio das expressões nominais: a cachaça
pernambucana, o nome da bebida, bebida genuinamente brasileira, destacando-se a
seleção lexical adequada ao tema ou aos modelos cognitivos ativados.

- Conhecimento enciclopédico ou conhecimento de mundo

Refere-se a conhecimentos gerais sobre o mundo – uma espécie de thesaurus


mental – bem como a conhecimentos alusivos a vivências pessoais e eventos espácio-
temporalmente situados, permitindo a produção de sentidos.

Texto 1

OLÉ É DEIXAR NOSSOS ADVERSÁRIOS VENDO ESTRELAS.


SEIS DE PREFERÊNCIA.
Fonte: Folha de São Paulo, 5 set. 2005.

Se não levamos em conta conhecimentos de mundo, como então compreender o


enunciado: seis de preferência? Para a compreensão do texto é preciso saber que o Brasil
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foi classificado para a copa do Mundo de Futebol em 2006, a ser realizada na Alemanha, e o
esperado por todos nós, torcedores brasileiros, é que o país seja campeão e, dessa forma,
seja o único a obter o título de hexacampeão mundial.
Ainda sobre o conhecimento enciclopédico, vejamos que, nos textos a seguir esse
conhecimento é essencial para a produção de sentido. Caso contrário, como relacionar, no
texto 2, o enunciado como os personagens de tirinhas faz a barba com o líquido corretor?
Ou ainda como relacionar, no texto 3, os enunciados quebrou, pagou? Como vemos, é
preciso num e noutro caso ativar conhecimentos das coisas do mundo para produzir sentido
a partir do linguístico materialmente constituído.

Texto 2
Como os personagens de tirinhas fazem a barba

Fonte: O Estado de São Paulo, 16 set. 2004

Na leitura do texto, entendemos o enunciado como os personagens de tirinhas


fazem a barba, quando levamos em conta que:
 as personagens de tirinhas são criações resultantes do trabalho do autor;
 esse trabalho, geralmente, é publicado em jornais ou revistas, o líquido
corretor é um produto utilizado para correção da produção em papel;
 os homens, no mundo real, usam aparelho de barbear para fazer a barba e,
assim, alterar (corrigir) seu visual, porém, para tanto, recorrem a outro
instrumento: o liquido corretor. Assim, a compreensão do texto ocorre de
modo satisfatório, quando o leitor ativa esses conhecimentos na sua
interação com o texto, o autor.

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Texto 3
QUEBROU, PAGOU

Fonte: O Estado de São Paulo, 6 set. 2004.

Que conhecimento de mundo necessitamos para entender a tirinha anterior? Bom, é


preciso considerar, quanto ao primeiro enunciado, que, geralmente, em lojas de artigos
finos ou em feiras de antiguidades, nos deparamos com o enunciado: Favor não tocar.
O enunciado do texto quebrou, pagou seria uma versão não polida daquele enunciado que
poderia ser mais ou menos assim traduzido: “é bom não tocar objetos, porque, se o fizer e
quebrar algo, terá de pagar”. Quanto ao enunciado 2 Leu (usando leitura dinâmica), pagou,
nos chama a atenção:
 o paralelismo sintático construído em relação ao enunciado 1:
Quebrou, pagou; Leu..., pagou;
 a informação entre parênteses usando leitura dinâmica.
Segundo nosso conhecimento de mundo, sabemos que leitura dinâmica é método
caracterizado por técnicas que propiciam uma leitura com muita rapidez. Também, pelo
nosso conhecimento de mundo, sabemos que sempre há quem recorra a esse método para
justificar “uma olhadinha” (e claro, em livros, revistas e jornais expostos em bancas de
jornais, livrarias ou lugares afins. Pois bem, no caso do enunciado 2, a pressuposta desculpa
dada por leitores – que funciona como justificativa para “ler sem pagar” – é usada na tirinha
como justificativa para pagamento. Como vemos, se os leitores não ativarem esses
conhecimentos de mundo, a compreensão do texto estará comprometida.

- Conhecimento interacional
Refere-se às formas de interação por meio da linguagem e engloba os conhecimentos:
. ilocucional;
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. comunicacional;
. metacomunicativo;
. superestrutural.

- Conhecimento ilocucional
Permite-nos reconhecer os objetivos ou propósitos pretendidos pelo produtor do
texto, em uma dada situação interacional. No trecho a seguir, extraído do livro A maior flor
do mundo, escrito por José Saramago, reconhecemos o propósito do autor: desculpar-se
antecipadamente, caso o livro não agrade ao público infantil (os virtuais leitores), uma vez
que se trata de sua primeira obra endereçada a criança. Trata-se de um exemplo muito
bom de conhecimento ilocucional. Vejamos.

Fonte: Saramago (2001, pp 2-3)

Por sua vez, no texto a seguir, o autor propõe que consideremos, para a produção
de sentido, a falta de conhecimento ilocucional, revelada no balão do último quadrinho
referente à fala do garoto em resposta à “bronca-crítica” do pai. Vejamos.

Fonte: O Estado de São Paulo (set. 2004)


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Também o texto de Ignácio de Loyola Brandão, que vamos ler a seguir, constitui-se
de modo a focalizar a falta de conhecimento ilocucional e é justamente esse
“desconhecimento” que provoca o efeito de riso no leitor, além de chamar a atenção, é
claro, para o princípio segundo o qual o sentido não está no texto, se considerarmos que
nem tudo está dito no dito ou, ainda, que nem tudo está dito é o que está dito. Passemos
ao texto.

Para quem não dorme de touca

Na infância, ele era diferente. Acreditava nos outros, acreditava nas coisas.
Quando alguém dizia:
- Por que não vai ver se estou na esquina?
Ele corria até a esquina, olhava esperava um pouco, reconfirmava e voltava:
- Não tem ninguém na esquina.
- Quer dizer que voltei.
- Por que não me avisou que voltou?
- Voltei por outro caminho.
- Que outro caminho?
- O caminho das pedras. Não conhece o caminho das pedras?
Não.
- Então não vai ser nada na vida.
Outra vez, numa discussão, alguém foi imperioso:
- Quer saber? Vá plantar batatas.
Ele correu no armazém, comprou um quilo de batatas e foi até o quintal, plantou
tudo. Não é que as batatas germinam? Houve também aquele dia em que um amigo
convidou:
- Vamos matar o bicho?
- Onde o bicho está?
- Ali no bar.
- Que bicho? É perigoso? Me dê um minuto, passo em casa, pego a espingarda do
meu pai...
- Espingarda? Venha com sede.
- Matar o bicho, meu caro, é beber uma pinga.
Em outra ocasião para a Mercedes?
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- Não. Por quê?
- Ela passou por mim, está com a cara amarrada.
- Amarrada com barbante, com corda, com arame? Por que uma pessoa amarra a
cara da outra?
- Nada, esqueceu! Você ficou com cara de mamão macho, me deixou com cara de
tacho. É um cara de pau e ainda fica aí me olhando com a mesma cara.
Outra vez, uma menina que ele queria namorar, se encheu:
-Pára! Não me amole! Por que não vai pentear macaco?
Naquela tarde, ele foi surpreendido no minizoológico do bairro, com um pente na
mão e tentando agarrar um macaco, a quem procurava seduzir com bananas.
Uma noite, combinaram de jogar baralho e um dos parceiros propôs:
Vai ser a dinheiro ou a leite de pato?
- Leite de pato, propuseram os jogadores.
Ele se levantou:
- Então, esperem um pouco. Trouxe dinheiro, mas não leite de pato. Vou
providenciar.
- E onde vai buscar leite de pato?
- Leite de pato, propuseram os jogadores. Ele se levantou: - Então, esperem um
pouco. Trouxe dinheiro, mas não leito e de pato. Vou providenciar. - E onde vai buscar leite
de pato?
- A Mirela, ali da esquina, tem um galinheiro enorme, está cheio de patos. Vou ver o
que arranjo.
Voltou meia hora depois: - Não vou poder jogar. Os patos, me disse a Mirela, não
estão dando leite faz uma semana.
Riram e mandaram ele sentar e jogar. Em certo momento, um jogador se irritou,
porque o adversário, apesar de ingênuo e inocente, tinha muita sorte. - Vou parar. Você
está jogando com cartas marcadas.
- Claro que tem marca! É Copag, a melhor fábrica de baralhos. Boa marca, não
conheço outra. - Está me fazendo de bobo, mas aí tem dente de coelho.
- Juro que não! Por que haveria de ter dente de coelho? Quem tirou o dente do
coelho?
- Além do mais, você mente com quantos dentes tem na boca. A gente precisa ficar
de orelha em pé.

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- Não estou fazendo nada. Estou na minha, com meu joguinho, vocês é que
implicam. - Desculpa de mau jogador.
- Não devo nada a ninguém aqui.
- Deve os olhos da cara.
- Devo? Não comprei os meus olhos. Nasceram comigo. Só se meus pais compraram
e não pagaram.
Todos provocaram, pagavam para ver. - Não venha com conversa mole, pensa que
dormimos de botina?
- Não penso nada. Aliás, nunca vi nenhum de vocês de botina.
- Melhor enrolar a língua, se não se enrosca todo.
- Não venha nos fazer a boca doce, que bem te conhecemos!
As conversas eram sempre assim. Pelo menos foram até meus 20 anos, quando
deixei a cidade. A essa altura, vocês podem estar pensando que ele era sonso, imbecilizado.
Garanto que não. Tanto que, hoje, é um empresário bem-sucedido, fabrica lençóis, fronhas
e edredons, é dono de uma marca bem conhecida, a Bem Querer & Bem-Estar. Não sei se
um de vocês já comprou. Se não, recomendo. Claro, recomendo a quem não dorme de
touca, quem não tem conversa mole para boi dormir, quem não dorme no ponto, quem não
dorme na portaria, para aqueles que não dormem sobre louros. Enfim, para quem não
dorme com um olho aberto e o outro fechado. (Fonte: BRANDÃO, In O Estado de São
Paulo, 8 jul. 2005. Caderno 2, p. D14)

- Conhecimento comunicacional

Diz respeito à:
. quantidade de informação necessária, numa situação comunicativa concreta, para
que o parceiro seja capaz de reconstruir o objetivo da produção do texto;
. seleção da variante linguística adequada a cada situação de interação;
. adequação do gênero textual à situação comunicativa.
O trecho a seguir, extraído do livro Harry Potter e o cálice de fogo, apresenta no
tocante à reflexão da personagem sobre o que e como ser conhecimento comunicacional.

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Vamos ao texto.
Harry tornou a examinar o quarto, desanimado, e seus olhos pousaram nos
cartões de aniversário que seus dois melhores amigos tinham lhe mandado no fim de
julho. Que será que diriam se lhes escrevesse para contar que a cicatriz estava doendo?
Na mesma hora a voz de Hermione Granger penetrou sua cabeça, aguda e cheia de
pânico.
“Sua cicatriz está doendo? Harry, isso é realmente sério... Escreva ao Professor
Dumbledore! Vou verificar no meu livro Aflições e Males Comuns na Magia... Quem sabe
tem alguma coisa lá sobre cicatrizes produzidas por feitiços...”
É, este seria o conselho de Hermione: vai procurar o diretor de Hogwarts, e, enquanto
isso, vai consultando um livro. Harry contemplou pela janela o céu azul, quase negro.
Duvidava muito que um livro pudesse ajudá-lo. Que ele soubesse, era a única pessoa que
tinha sobrevivido a um feitiço como o de Voldemort; portanto, era pouco provável que
encontrasse os seus sintomas descritos em Aflições e Males Comuns na Magia. Quanto a
informar ao diretor, Harry não fazia a menor ideia de onde Dumbledore passava as férias
de verão. Só por um momento divertiu-se em imaginar Dumbledore, com suas longas
barbas prateadas, vestes compridas de bruxo e chapéu cônico, estirado em uma praia
qualquer, passando filtro solar no longo nariz torto.
Mas onde quer que Dumbledore estivesse, Harry tinha certeza de que Edwiges
seria capaz de encontrá-lo; a coruja de Harry, até aquele dia, jamais deixara de entregar
uma carta, mesmo sem endereço. Mas o que iria escrever?
Mesmo em sua cabeça as palavras pareciam idiotas.
Então ele tentou imaginar a reação do seu outro melhor amigo, Rony Weasley e,
num instante, o rosto sardento, de nariz comprido, do amigo começou a flutuar diante de
Harry com uma expressão de atordoamento.
“Sua cicatriz doeu? Mas... Mas Você-Sabe-Quem não pode estar por perto agora,
pode? Quero dizer... Você saberia, não saberia? Ele estaria tentando matar você outra
vez, não é? Sei não, Harry, vai ver as cicatrizes produzidas por feitiços sempre doem um
pouquinho... Vou perguntar ao meu pai...”
[...] O garoto massageou a cicatriz com os nós dos dedos. O que ele realmente
queria (e se sentiu quase envergonhado de admitir para si mesmo) era alguém como um
pai ou uma mãe para um bruxo adulto a quem pudesse pedir um conselho sem se sentir
burro, alguém que gostasse dele, que tivesse tido experiência com artes das trevas...

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E então lhe ocorreu a solução. Era tão simples, tão óbvia, que ele nem podia acreditar que
tivesse levado tanto tempo para lembrar — Sirius.
Harry saltou da cama, saiu correndo e se sentou à escrivaninha; puxou um
pergaminho para perto, molhou a pena de águia no tinteiro, escreveu “Caro Sirius”, e em
seguida parou, pensando qual seria a melhor maneira de contar o seu problema, ainda
admirado com o fato de não ter pensado nele logo de saída.
Fonte: Rowling, J. K. Harry Potter e o cálice de fogo. Rio de Janeiro: Rocco, 2001.

Já a mensagem que apresentaremos a seguir é marcada pela “inadequação” do uso


da língua em relação aos papéis dos interlocutores, ao conteúdo, à variedade de língua, ao
propósito comunicacional. É claro que essa “desconsideração” à situação comunicativa foi
intencionalmente produzida para ilustrar, de modo extremado, uma das vantagens
oferecidas aos assinantes da BOL. Vamos ler o texto?

Fonte: Folha de São Paulo (out. 1999)

- Conhecimento metacomunicativo
É aquele que permite ao locutor assegurar a compreensão do texto e conseguir a
aceitação pelo parceiro dos objetivos com que é produzido. Para tanto, utiliza-se de vários
tipos de ações linguísticas configuradas no texto por meio da introdução de sinais de
articulação ou apoios textuais, atividades de formulação ou construção textual, como será
destacado nos textos a seguir.

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No texto 1, Satrápolis:
. a grafia do não com realce;
. as expressões que se constituem como comentários sobre o próprio discurso (em
destaque no texto) são exemplificadoras do conhecimento metalinguístico. Vejamos, a
seguir.

Texto 1

Fonte: Dias (Folha de S. Paulo, Folhateen, 18 abr. 2005)

No texto 2, a palavra sublinhada no primeiro quadrinho – tão – a palavra em negrito


no último quadrinho – tira! – também são representativas do conhecimento
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metacomunicativo. Trata-se de um realce ao próprio discurso, para chamar a atenção do
leitor. Vejamos.

Texto 2

Fonte: Folha de S. Paulo (15 de ag. 2005)

- Conhecimento superestrutural ou conhecimento sobre gêneros textuais

Permite a identificação de textos como exemplares adequados aos diversos eventos


da vida social. Envolve, também, conhecimentos sobre macrocategorias ou unidades globais
que distinguem vários tipos de textos, bem como sobre a ordenação ou sequenciação
textual em conexão com os objetivos pretendidos. A título de exemplo, vejamos os textos.

Texto 1
Virgem (23 ago. a 22 de set.)
Um parceiro turrão azeda seu humor? Ao criticá-lo cuide de deixar portas abertas
por onde ele possa escapar, sem provocar ferimentos graves no seu espaço de manobra.
Um sócio lento atrapalha seus planos de negócios? Seja discreto; hoje não é dia em que
você conquistará pela finura e observação. (Fonte: Folha de São Paulo, 16 abr. 2004)

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Texto 2

Fonte: Almanaque Brasil de cultura popular (Ano 5, n. 55, out. 2003, p. 29)

Reconhecemos, no texto 1, o gênero textual horóscopo. Trata-se de um gênero


veiculado em jornais, revistas ou rádio, com o propósito de “aconselhar” as pessoas sobre
amor, dinheiro, trabalho. Como tal, faz uso: de registro informal marcado pelo
endereçamento aos interlocutores, nativos dos signos; do pronome de tratamento você; de
orações interrogativas e verbos no imperativo. Além disso, em sua organização textual, há
explicitação do signo e do período correspondente para orientação do leitor quanto à sua
categorização segundo o zodíaco.
Quanto ao texto 2, sabemos tratar-se de uma fábula. Nosso conhecimento de
gêneros textuais nos diz que o texto não é, por exemplo, uma crônica ou conto, mas, sim,
uma fábula, ainda que não contivesse de forma explicitada essa categorização.
Como vemos, a compreensão depende de vários tipos de conhecimentos.
Os conjuntos de conhecimentos, socioculturalmente determinados e vivencialmente
adquiridos, sobre como agir em situações particulares e realizar atividades específicas vêm a
constituir o que chamamos de “frames”, “modelos episódicos” ou “modelos de situação”.
Esses modelos são, inicialmente, particulares, por resultarem de experiências do dia
a dia, e determinados espaços temporalmente, mas generalizam-se após várias experiências
do mesmo tipo, acabando por tornarem-se comuns aos membros de uma cultura ou de
determinado grupo social.

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Os modelos são constitutivos do contexto, no sentido em que hoje é entendido no
interior da Linguística Textual. Conectar a teoria e a prática também é papel do educador,
dado que a escola é um reflexo em menor escala das relações que serão construídas na
sociedade. Tendo em vista a necessidade de comunicação e interpretação de informações,
as considerações particulares do grupo com que se trabalha se transformam em uma
questão vital, junto com os estudos dos conteúdos regulares.
Contextualizar os textos dentro de sala de aula traz como benefício a compreensão
dos conteúdos, uma vez que introduzidos propriamente, serão relacionados com as
experiências pessoais dos indivíduos na sala de aula, fator que facilitará a relação de
significações para as leituras.
Segundo Koch (2006), o contexto é um conjunto de suposições que se baseiam nos
saberes de interlocutores, que se mobilizam para a interpretação de um texto. Quando a
interação é iniciada por intermédio de um texto em que os dois lados desse “canal”
possuem seus conhecimentos prévios já construídos e em algum ponto os seus contextos
partilham de uma mesma noção. As diferenças que cada um apresenta permitirá alterar e
ampliar as informações, além de criar novas a partir da junção desses conhecimentos.
Assim, ao compreender textos, utilizamos nossas competências lexicais (nosso
conhecimento da palavra), além de processos de análise sintática e de integração
semântica; utilizamos nossos conhecimentos empíricos, partes desse processo influenciam
nossa compreensão a linguagem falada. Os processos e conhecimentos possibilitam uma
compreensão melhor dos materiais escritos, antes mesmos de aprendermos a ler.

Pode-se concluir que:

 Texto é estruturado linguisticamente por meio da linguagem falada ou


escrita em situações de comunicação, em diálogo com um contexto;

 Dialogicidade ou Intertextualidade é o diálogo entre textos. Pode ser


encontrada por meio de paráfrase, paródia e citação.

 Sistemas de conhecimento: auxiliam nas leituras ao admitir o


cohecimento de mundo, o conhecimento enciclopédico, conhecimento
linguístico e o conhecimento dos gêneros textuais.

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Antes de continuar seu estudo, realize a Atividade 2.1 e o
Exercício 3.

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UNIDADE 3

GÊNEROS TEXTUAIS E LEITURA


OBJETIVO DA UNIDADE: Conhecer a relação dos gêneros textuais e os fatores de
textualidade como a coerência e a coesão textual.

Nesta unidade você vai estudar sobre gêneros textuais e práticas de leitura e
literatura.

3.1 Gêneros textuais

Atualmente, sempre que se fala em leitura e produção de texto, é comum fazer


referência à expressão gênero textual ou gêneros do discurso. Estima-se que existam mais
de 5 mil gêneros em circulação na sociedade atual. Os gêneros do discurso fazem parte,
portanto, de nosso dia a dia. Se quisermos fazer um bom trabalho com a leitura e a
produção de textos, devemos conhecer um pouco sobre eles. Leia a seguir a seguir alguns
exemplos de gêneros textuais.
Texto I – Crônica
Diálogo Final (Carlos Drummond de Andrade)
- É tudo que tem a me dizer? - perguntou ele.
- É! - ela respondeu.
- Você disse tão pouco.
- Disse o que tinha para dizer.
- Sempre se pode dizer mais alguma coisa.
- Que coisa?
- Sei lá. Alguma coisa.
- Você queria que eu repetisse?
- Não. Queria outra coisa.
- Que coisa é outra coisa?
- Não sei. Você devia saber.
- Por que eu deveria saber o que você não sabe?
- Qualquer pessoa sabe mais alguma coisa que outro não sabe.
- Eu só sei o que sei.
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- Então não vai mesmo me dizer mais nada?
- Mais nada.
- Se você quisesse...
- Quisesse o quê?
- Dizer o que não tem pra me dizer. Dizer o que não sabe, o que eu queria ouvir de
você.
Em amor é o que há de mais importante: o que a gente não sabe.
- Mas tudo acabou entre nós.
- Pois isso é o mais importante de tudo: o que acabou. Você não me diz mais nada
sobre o que acabou? Seria uma forma de continuarmos.

Texto II – Verbete de dicionário


1. Afeição acentuada de uma pessoa por outra;
2. Objeto de afeição
3. [...] pessoa amada;
4. Zelo, cuidado.
(Soares Amora. Minidicionário. 18 ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.38)

Texto III - Receita


Amor aos pedaços
Ingredientes
250 g de manteiga
250 g de açúcar
4 ovos
250 g de farinha de trigo
1 xícara de leite
1 colher (de sopa) de fermento em pó
Raspas de limão
Preparo
Na batedeira, bata bem a manteiga junto com açúcar. Adicione as gemas e
acrescente alternadamente a farinha de trigo, o leite, o fermento e as raspas de limão. Por
último, acrescente as claras em neve e mexa com a colher. Leve a mistura ao forno pré-
aquecido por aproximadamente vinte minutos.

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Para a cobertura, misture o suco de laranja, o suco de um limão e, aos poucos, uma
xícara de açúcar, até formar uma calda grossa, que deverá ser despejada sobre o bolo
assim que ele for retirado do forno.

Texto IV – Carta de amor


Já não sei o que sou, nem o que desejo! Espedaçam-me mil comoções contrárias...
Há lá mais lastimoso estado! Amo-te perdidamente e modero-me o bastante para não
desejar que sejas assim atribulado... [...]
Adeus, mais uma vez!... Escrevo-te cartas tão compridas! Não tenho consideração
por ti! Peço-te perdão e ouso esperar que tenhas indulgência por esta pobre louca, que o
não era, bem sabes, antes de te amar. Adeus, parece-me que falo em demasia do lastimoso
estado em que me encontro. Mas, do fundo do coração, te agradeço o desespero que me
causas e detesto a tranquilidade em que vivia antes de conhecer-te. Adeus! A minha paixão
aumenta a cada hora.
Ai! Quantas coisas tinha para te dizer!...
(Sóror Mariana Alcoforado. Cartas de amor. In: Moisés, 1988, p. 175-6.)
Os textos acima citados são exemplos de gêneros textuais. Atualmente existem
muitos gêneros. Podemos citar a conversa, o e-mail, o bilhete e a notícia como exemplos de
textos da atualidade.
As diferenças observadas entre os textos dizem respeito à situação de produção dos
gêneros, incluindo a finalidade. Se o locutor quer instruir seu interlocutor, ele indica passo a
passo o que deve ser feito para a obtenção de um bom resultado, como ocorre na receita
“Amor aos pedaços”. Se quiser contar fatos reais e pessoais a um interlocutor íntimo, ele
pode optar por escrever uma carta, como fez Sóror Maria Alcoforado, ou pode escrever um
e-mail. Se quiser contar uma história ficcional, ele pode produzir um texto como “Diálogo
final”. Se quiser transmitir conhecimentos, ele deve construir um texto que exponha os
saberes de forma eficiente, como se verifica em verbete de dicionário.
Assim, quando interagimos com outras pessoas por meio da linguagem, seja a
linguagem oral, seja a linguagem escrita, produzimos certos textos que com poucas
variações, se repetem no tipo de conteúdo, no tipo de linguagem e na estrutura. Esses tipos
de textos constituem os chamados gêneros textuais e foram historicamente criados pelo ser
humano a fim de atender a determinadas necessidades de interação verbal. De acordo com
o momento histórico, pode nascer um gênero novo, podem desaparecer gêneros de pouco
uso ou, ainda, um gênero pode sofrer mudanças até transformar-se em um novo gênero.
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Numa situação de interação verbal, a escolha do gênero textual é feita de acordo com os
diferentes elementos que participam do contexto, tais como: quem está produzindo o texto,
para quem, com finalidade, em que momento histórico, etc.
Os gêneros discursivos geralmente estão ligados a esferas de circulação. Assim, na
esfera jornalística, por exemplo, são comuns gêneros como notícias, reportagens, editoriais,
entrevistas; na esfera divulgação científica, são comuns gêneros como verbete de dicionário
ou de enciclopédia, artigo ou ensaio científico, seminário, conferência. Desse modo, os
gêneros textuais que circulam na sociedade podem ser organizados em cinco grupos:
gêneros do narrar, do relatar, do argumentar, do expor e do instruir. Veja no quadro a
seguir os principais gêneros assim agrupados.

Quadro 1 - Principais gêneros textuais

Situações sociais de uso Gêneros orais e escritos

 Conto maravilhoso;  Romance;


 Fábula;  Romance histórico;
 Cultura literária
 Lenda;  Novela fantástica conto
funcional;
crônica literária;
 Narrativa de aventura;
 Narrar;
 Adivinha;
 Narrativa de ficção
 Contar história ficcional
científica;  Narrativa mitiga;
coerente.
 Narrativa de enigma;  Piada.
 Biografia romanceada.

 Relato de experiência
 Documentação e vivida;  Reportagem;
memorização das ações  Crônica social;
 Relato de viagem;
humanas;
 Diário íntimo;  Crônica esportiva
 Relatar;
 Testemunho;  Relação histórico;
 Contar fatos reais ou
experiências vividas,  Caso autobiografia;  Ensaio ou perfil
situando-as no tempo e no biográfico
 Curriculum vitae;
espaço.  Biografia.
 Notícia.

 Discussão de problemas  Discurso de defesa


 Textos de opinião;
sociais controversos; (advocacia);
 Diálogo argumentativo;
 Argumentar;  Discurso de acusação
 Carta de leitor; (advocacia);
 Expressar opinião,
utilizando argumentos para  Carta de reclamação;  Resenha crítica;
defender um ponto de vista
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e convencer o interlocutor.  Carta de solicitação;  Artigos de opinião ou
assinados;
 Debate deliberativo;
 Editorial;
 Debate regrado;
 Ensaio.
 Assembleia.

 Texto expositivo;
 Artigo enciclopédico;
 Exposição oral;
 Tomada de notas;
 Transmissão e  Seminário;
construção de saberes;  Resumo de textos
 Conferência; expositivos e explicativos;
 Expor;
 Comunicação oral;  Resenha;
 Apresentar diferentes
formas do conhecimento.  Palestra;  Relatório científico;
 Entrevista de especialista;  Relatório oral de
experiência.
 Verbete.
Fonte: Adaptado de Schneuwly e Dolz (2004)

Os gêneros textuais são textos materializados por práticas sociais e


comunicativas e exercem funções em dadas situações e contextos.

Isto significa que o comportamento da sociedade e dos indivíduos pressupõe a


relação de usos linguísticos nas mais variadas situações de comunicação.
É fundamental que tenhamos clareza quanto às concepções de gêneros textuais
quando estou alfabetizando e letrando.

Antes de continuar seu estudo, realize os Exercícios 4 e 5


e a atividade 3.1.

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3.2 Leitura, literatura e leitores

A escola assume a responsabilidade de iniciar a criança no processo de alfabetização


e de, paulatinamente, aperfeiçoar sua leitura, de modo a garantir-lhe o domínio de uma
prática cuja finalidade não se esgota em si mesma. Assim, embora o processo de
alfabetização se dirija à apropriação das operações de um código – a língua escrita, com
seus mecanismos de leitura e escritura, complementares entre si -, a preparação do leitor
efetivo passa pela adoção de um comportamento em que a leitura deixe de ser atividade
ocasional para integrar-se à vida do sujeito como necessidade imperiosa, de que decorrem
para integrar se a vida do sujeito como necessidade imperiosa, de que decorrem prazer e
conhecimento. Consequentemente, cabe à escola mais do que alfabetizar, possibilitar a seus
alunos o domínio de um código e, através desse, a convivência com a tradição literária: dela
se espera a formação do leitor.
Entretanto, a análise da situação em que se encontra a leitura comprova, muitas
vezes, a ineficácia da escola, pois o aluno manifesta seu desinteresse por essa atividade,
evidenciando a distância que se estabelece entre a ação pedagógica e o alcance do
comportamento desejado. O pretenso leitor assume o papel de decodificador e de eventual
intérprete, sem almejar o desenvolvimento de atitudes crítico-reflexivas, e limita suas
experiências com textos literários exigidos pela escola, enquanto se restringe, na vida
cotidiana, à leitura de jornais e revistas.
A natureza descartável desses veículos impressos, cuja permanência se esvai pela
sobreposição de informações sempre novas, parece revelar-se como metáfora da opinião
que grande parte dos alunos detém a respeito da leitura. A função informativa e a finalidade
pragmática – orientada para a execução de tarefas escolares, aquela para o atendimento de
interesses transitórios – são os limites da valoração da leitura, destinada a esgotar-se em
uma finalidade que não transcende o próprio ato que lhe dá forma. A equivocada
compreensão das faculdades inerentes ao ato de ler é explicada, em relação à leitura, pelas
atividades desenvolvidas na escola que visam, predominantemente, a acumular dados, cujo
domínio passa a ser mensurado na avaliação dos discentes. Portanto, o posicionamento dos
alunos denuncia a prática pedagógica, revelando o equívoco que fundamenta tanto a
concepção e a finalidade da literatura, ao mesmo tempo em que expõe a situação solitária
da escola diante da tarefa de articular, ao ensino da língua, a conquista de leitores de
literatura aptos e persistentes.

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- A participação de outros agentes
Vista como atividade essencial a qualquer área de conhecimento (SILVA, 1987, p.
43), a leitura está relacionada com o sucesso, não apenas acadêmico, mas também social e
econômico, pois se lhe atribui a capacidade de promover o indivíduo diante de si mesmo e
de seu contexto; por possibilitar-lhe paz, de situar o indivíduo diante de si mesmo e de seu
contexto; por possibilitar-lhe a percepção de variados pontos de vista e por estimular sua
criatividade. Entretanto, a ruptura entre essas manifestações consensuais e a prática dos
agentes que respondem, juntamente com a escola, pela valorização da literatura, permite
identificar fatores alheios à práxis pedagógica, que, todavia, interferem de modo negativo
na formação do leitor.
A leitura e a troca de experiências de leitura e de vida já não fazem parte dos
encontros familiares. O encantamento oriundo de fábulas e de lendas, de narrativas
fantásticas ou realistas, das histórias de vida, marcadas por fracassos e sofrimentos ou por
sucesso e alegrias, bem como o ludismo dos jogos poéticos não mais agregam a família em
torno de um círculo solidário e cedem lugar aos programas televisivos ou aos jogos
eletrônicos, comprovando a afirmação de procedimentos que estimulam o individualismo e
empobrecem o sujeito em sua capacidade de diálogo.
Além da influência dos padrões culturais de comportamento, é preciso reconhecer
outro fator conjuntural que enfraquece os laços familiares e age sobre a prática da leitura.
As condições socioeconômicas da população brasileira inibem o contato familiar, já que
necessidades impostas pela sobrevivência chegam a exigir dos pais dupla jornada de
trabalho e solicitam a participação no orçamento doméstico até mesmo dos idosos, aqueles
que traduziam uma voz do passado, apta a estabelecer o contraponto com a experiência do
presente, e revelavam a riqueza da tradição oral pela recuperação de narrativas, de de
parlendas.
O fator econômico impede o acesso de alunos à escola ou os obriga a abandoná-la
antes de se terem tornado leitores efetivos, lacuna que, por um lado, denuncia os reflexos
nefastos da estrutura social sobre a educação e, por outro, impede os indivíduos de
exercerem seu papel como sujeitos históricos. Entretanto, embora a urgência do
atendimento das necessidades vitais prevaleça sobre a informação e o saber, a importância
do domínio dos códigos da lecto-escritura é reconhecida por esse indivíduo. Repete-se,
assim, no estrato social menos privilegiado, ainda que por razões diversas, a mesma
posição manifestada diante da leitura pela classe média e alta e que encontra nos
procedimentos do núcleo familiar sua expressão mais sintomática.
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Como instância que legitima a leitura e interfere na institucionalização da literatura,
a família rende-se a uma prática discursiva cujas contradições a realidade denuncia: ao
expurgar a leitura e ignorar a riqueza cultural de textos narrativos poéticos, ela deixa de
assentar as bases do processo de letramento e de reforçar o sentido social da leitura;
paralelamente, deixa de propiciar a função mediadora que as diferentes modalidades
literárias instalam entre o sujeito e o outro, o sujeito e o mundo.
A produção editorial da literatura dirigida à criança e aos adolescentes cresceu
desmesuradamente no Brasil, a partir da década de 80, atraindo autores renomados e
voltando-se para a adaptação de clássicos estrangeiros ou endossando, através de
reedições, a valorização de obras da literatura brasileira, promovida pela transposição dos
textos literários para a linguagem televisiva. Transformada em promissora fonte de renda
para o mercado editorial e para os escritores que a ela se dedicam, a literatura infanto-
juvenil alcança um faturamento estimado em 25 milhões de reais, vendendo 4 milhões de
exemplares a cada ano. Esse aspecto positivo da realidade sociocultural brasileira
demonstra a expansão da escola, a solidez da indústria do livro e a capacidade de absorção
do público leitor. Entretanto, é preciso considerar também os interesses mercantilistas que
aí estão em jogo e que produzem estratégias de marketing capazes de atuar sobre as
instâncias responsáveis pela legitimação do produto. Como “qualidade não é condição de
consumo, nem a crítica, filtro do mercado” (LAJOLO, 1997, p. 117), o mérito estético das
obras em circulação é inversamente proporcional ao número de publicações.
Nesse contexto, as escolas rendem-se, com frequência, às campanhas colocadas a
serviço do consumo e transformam-se em extensão do próprio mercado editorial,
promovendo feiras de livro, abrindo espaço para o contato de escritores com o público
infanto-juvenil e munindo suas bibliotecas com livros “graciosamente” ofertados, sem
demonstrar qualquer preocupação com a qualidade do produto que ela divulga.
Paralelamente, os professores, destituídos de uma bagagem de referenciais que os
capacitem a emitir juízos críticos, submetem-se ao modismo dos temas e adotam obras
elaboradas por encomenda de editoras, que privilegiam o valor mercadológico e não tem
perspectiva pedagogizante.
Como não poderia deixar de ser o tratamento formal de tais produções coaduna-se
com o processo de configuração do mundo possível, reproduzindo procedimentos técnico-
composicionais já desgastados e incompatíveis com o ponto de vista do receptor. A opção
dos professores por tal modalidade de texto cobra como tributo o afastamento do leitor,

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sendo a responsabilidade do insucesso, mais uma vez, transferida para a escola, sem que
seja considerada a ação de outros agentes.
Pelo exposto, comprova-se que a escola não é a única instância que interfere no
processo de formação do leitor, sendo necessário considerar fatores conjunturais. Ao
contrapor o texto literário e as formas de manifestação da cultura de massa, a família opta
pela última; a classe editorial deprecia seu objeto, investindo no valor de troca e não no
estético; a escola deixa de exercer seu poder seletivo na valoração do objeto livro; a
sociedade confirma o desprestígio da leitura, instaurando um discurso hipócrita em que o
reconhecimento de sua importância é secundado por políticas educacionais que impedem a
realização de um trabalho eficaz.
Entre as consequências geradas pelo descaso para com a educação, a falta de
competência dos professores em lidar com o texto literário e com a leitura, em geral é uma
das mais evidentes. Porém, a inclusão da disciplina de Literatura Infanto-Juvenil no currículo
dos cursos de Letras e de Pedagogia; a realização de inúmeras monografias e dissertações
que têm esse subgênero da literatura por tema; a promoção de congressos e seminários
voltados para a problemática da leitura; as exigências da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDBEN), Lei n. 9394/1996, que prevê a formação superior para
professores que atuam nas séries iniciais e o posicionamento favorável à promoção da
leitura e da literatura de muitas secretarias municipais de educação sinalizam a possibilidade
de alteração do atual quadro em relação à leitura e à literatura. As mudanças possíveis e
necessárias identificam alternativas de sucesso e situam o professor como principal agente
de transformações, já que também ele busca conquistar o leitor e deseja, em função desse
objetivo, superar as lacunas de sua prática pedagógica.
As dificuldades enfrentadas pelo docente em conquistar e manter o leitor decorrem,
fundamentalmente, do equívoco quanto à concepção de texto literário, que se conjuga à
finalidade, também falaciosa, atribuída ao ato de ler. Despojada da extensão dos horizontes
nela inscritos, a leitura do texto continua a ser reduzida à apreensão do código, isto é, ao
estabelecimento de uma relação binária entre significante e significado. Entretanto, Freire
(1982, pp. 1-2), afirma que:

A compreensão crítica do ato de ler não se esgota na decodificação pura da


palavra escrita ou da linguagem escrita, mas se antecipa e se alonga na
inteligência do mundo. [...] A compreensão do texto a ser alcançada por
sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o
contexto.

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Segundo Silva (1987, p.69), a base “ontológica existencial” da linguagem manifesta
no discurso a articulação homem-mundo, exigindo que a leitura, assim como ato produtor
que deu origem ao texto, sejam visualizados como fenômeno comunicacional, que integra
três protagonistas: texto-mundo-leitor. Isso significa que o leitor aciona as significações do
texto, relacionando-as à sua compreensão de mundo. Consequentemente, é o leitor quem
faz o texto falar e, embora esse estabeleça limites às possibilidades interpretativas, é o
leitor quem o reconstitui vinculando as significações à sua condição de sujeito histórico e
culturalmente determinado.
Mario Quintana, em “Os poemas” (1980, p. 9), expressa essa dependência entre a
significação textual e a capacidade interpretativa do leitor.
Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam voo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto;
alimentam-se um instante em cada
par de mãos e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...

Enquanto fenômeno de comunicação, o texto literário se insere no âmbito da


cultura, sendo uma resposta do autor às questões que lhe são contemporâneas e
constituindo-se em uma provocação para o leitor. Por ser expressão artística, o texto
literário extrai dos processos históricos-político-sociais uma visão da existência humana que
transcende o tempo de sua concepção e instiga o leitor sob forma de perguntas que o
levam a analisar seu próprio tempo. Como resultado da interação receptiva e criadora do
autor diante da práxis literária e diante do mundo, o texto exige, pois, para instituir-se, a
recuperação ativa e criadora do leitor. Ela transita dos princípios constitutivos próprios do
texto para o contexto extraliterário; do mundo da significação textual, para o sentido do
mundo.

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Situando-se frente ao texto, que não lhe dá sentido pronto e acabado, mas apenas
sugerido pelo poder de evocação das palavras e pelo contexto singular da comunicação
ficcional, o leitor preenche os vazios significativos e correlaciona a mensagem literária à
realidade circundante. Nesse confronto visado pelo texto, realiza-se a função formadora da
literatura, que induz o indivíduo a melhor conhecer a si e ao mundo que o cerca.
Paralelamente, pelos artifícios da linguagem literária, o leitor desenvolve um posicionamento
crítico frente aos cursos expressivos da língua, buscando, ele próprio, novas formas de dizer
e ampliando, portanto, sua capacidade linguística.
Consequentemente, é a compreensão da finalidade da literatura, bem como dos
processos inerentes ao ato de ler, que conduz a mudança das atividades com o texto na
escola. Ela inclui, inevitavelmente, a seleção de obras cujo mundo funcional, constituído
graças à concepção original da linguagem, estabelece um vínculo solidário com a psicologia
do leitor, permitindo-lhe atuar como sujeito de produção. Por sua vez, a escolha de obras
potencialmente ricas em experiências rejeita a imposição de leituras comprometidas com
um sistema rígido de harmonia entre professor e aluno que pode levar à descoberta coletiva
dos modos de ler que produzam prazer e conhecimento e que incentivem o leitor a compor,
através de textos, uma cadeia de significações ou “anéis” (LACAN, 1988, p. 245).
A importância da relação aluno-texto expressa-se de modo ainda mais significativo
quando se conjuga ao desafio escrito. Aí, a leitura é mais do que descoberta e revelação: é
posse da linguagem enquanto forma-substância concretamente percebida, que conduz à
autocompreensão e ao estabelecimento das mais ricas relações interpessoais.

3.3 Narrativas Infantis

As narrativas infantis abrangem várias espécies literárias, que podem ser agrupadas,
quanto à origem, em folclóricas e artísticas. Na primeira, incluem-se as histórias criadas
coletivamente pelo povo em diferentes épocas, como fábulas, contos populares, lendas e
contos de fadas tradicionais. Na segunda, estão as obras escritas por autores identificados
nominalmente, abrangendo contos de fadas modernos, textos infantis que, por sua
brevidade, simplicidade de enredo e relação estreita entre discurso e imagem, são
denominados histórias curtas e narrativas formadas somente por imagens.
Cada uma das espécies pode constituir-se objeto de leitura para as crianças em
processo de alfabetização, segundo seus interesses. É importante que o professor conheça
os vários tipos de narrativas, a fim de que coloque à disposição de seus alunos textos
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diversificados quanto à espécie, ao assunto e ao tema, para que eles, diante das opções
oferecidas, procedam à escolha. Com o objetivo de colaborar com o professor de obras a
serem sugeridas para seus alunos, apresenta-se a seguir um levantamento desses tipos de
textos, mostrando-se suas principais características.
- Fábula
A fábula, em sentido amplo, pode ser definida como narrativa curta com ações
protagonizadas por vegetais, objetos, animais e seres humanos, que, apresentando uma
moral implícita, tem como função divertir e instruir. Sua estrutura divide-se em duas partes:
(1) a narrativa, também chamada de corpo, em que se revelam as ações realizadas pelos
seres acima criados e, (2) a moral, denominada de alma, que explica o ensinamento
pretendido. A fábula apresenta um discurso alegórico resultante da harmonia das duas
partes de sua estrutura. Dessa forma, a leitura de obras como “O cordeiro e o lobo”, de La
Fontaine, evidencia como o ingênuo e o inocente podem se tornar presa fácil do
prepotente; “A raposa e as uvas”, e “O lobo e o cão”, de Esopo, ensinam, respectivamente,
que não se deve esperar recompensa de homens maus, e que a liberdade do ser humano
tem valor.
A fábula, muitas vezes, é confundida com o apólogo e a parábola, conforme aponta
Massaud Moisés, na medida em que essas modalidades literárias também se caracterizam
por apresentar, implícita ou explicitamente, uma moral. Para diferenciar os três modelos, o
autor refere que “há quem as distinga pelas personagens: o apólogo seria protagonizado
por objetos inanimados (plantas, pedras, rios, relógios, moedas, estátuas, etc.), ao passo
que a fábula conteria de preferência animais irracionais, e a parábola, seres humanos”
(MOISÉS, 1982, p. 34). Ele também aponta que na Bíblia se encontram muitos exemplos de
parábolas, como a do “Semeador” e a do “Filho pródigo”, entre outras.
A origem da fábula perde-se ao longo da história do homem, mas parece ponto de
concordância, entre os estudiosos desse assunto, que ela já teria existência quase mil anos
antes do Esopo, no Egito e na Índia. Atribui-se a Esopo (século VI a. C.) sua introdução na
Grécia e a Fedro (séc. I a. C.) em Roma, através da tradução do fabulário de Esopo. No
século XVII, o francês Jean de La Fontaine premia o povo com sua coleção de fábula,
muitas delas plasmadas nos modelos de Esopo e de Fedro.
No Brasil, Monteiro também dá atenção ao gênero. No seu livro Fábulas (v. 3, s. d.),
ele reconta algumas narrativas dos fabulistas clássicos, aproximando-as a realidade do leitor
brasileiro. Exemplo de tal aproximação é a fábula “A menina do balde”. Lobato, ao
apresentá-la, altera o nome da personagem principal e acrescenta comentários das
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personagens de O sítio do Picapau Amarelo a respeito da moral da fábula. É interessante
observar que essa história aparece no antigo livro indiano Calila e Dimna, como “O eremita,
a jarra e o mel”, no fabulário de Esopo, como “A menina do leite”, e no de La Fontaine, com
o nome de “A moça e o pote de leite”.
O professor Câmara Cascudo, estudioso dos contos folclóricos do Brasil, inclui na sua
coletânea Contos tradicionais do Brasil sob o subtítulo “Contos de animais”, várias fábulas
pertencentes a Esopo, Fedro e La Fontaine recolhidas do folclore brasileiro. Nelas aparecem
animais com o nome de cágado, teiú, timbu e preguiça, o que evidencia o abrasileiramento
das narrativas clássicas feito pelo povo.
É interessante também destacar que a fábula pode ser apresentada em prosa ou em
versos. Sua forma original é versificada. Entretanto, nas traduções, foi-se alterando sua
forma expressiva, o que explica a existência de versões da mesma fábula em verso e em
prosa. Esse modelo de narrativa como objeto de leitura para a criança é recomendado,
principalmente, pela natureza alegórica de seu discurso e pela possibilidade de discussão
sobre a moral, levando o leitor a questioná-la com o mundo atual.
- Lenda
A lenda mostra o assombro do homem primitivo e o seu temor diante do mundo.
Essa modalidade literária reflete o pensamento infantil da humanidade, ou seja, o momento
em que o homem, diante de acontecimentos que não compreendia, os quais envolviam
agentes e fenômenos da natureza, e comportamentos adotados pelos indivíduos, explicava-
os através de narrativas (JESUALDO, 1982, p. 109-111). Assim, a existência de rios, plantas,
animais, sol, estrelas, chuva, dia e noite era esclarecida por relatos. A lenda revela a função
mágica das palavras como fundadoras e reveladoras do mundo. Essa modalidade literária
pode ser definida, então, como a narrativa que explica o surgimento de algo do universo,
ensina e fixa costumes e crenças de determinada região. Sua função explicativa e normativa
faz com que os povos, ao longo de sua história, preservem seus relatos, transmitindo-os
pela oralidade de geração a geração.
Observa-se que, entre suas personagens, aparecem seres sobrenaturais,
pertencentes ao imaginário do povo do qual ela se desenvolve. Por exemplo, nas lendas
brasileiras são frequentes as figuras de Tupã, Cobra-Grande ou Boiúna, Caipora, Saci,
Curupira e outros. É por intermédio das ações, das ordens, dos desejos ou das aparições
desses seres sobrenaturais que se processa a criação do fenômeno explicado pela lenda,
caracterizando a presença do maravilhoso na narrativa.

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Outro traço característico da lenda é o sentido de fatalidade ou tragicidade que
marcava a personagem central da história, como mortes, isto é, desaparecimentos ou
metamorfoses. Tal sentido mostra a presença do destino, ou seja, os poderes estranhos
contra os quais o homem primitivo não pode lutar, demonstrando como seu pensamento é
denominado pelas forças do desconhecido.
A estrutura da lenda é semelhante a narrativas tradicionais, isto é, apresenta três
partes distintas: introdução, desenvolvimento e conclusão. A introdução é a parte inicial, em
que é feita a apresentação das personagens e, em algumas, a localização espacial dos
fatos. Nela, observam-se também expressões que mostram o distanciamento temporal do
acontecimento. Naquele tempo os campos ainda eram abertos, não havia entre eles divisas
nem cercas; somente nas volteadas se apanhava a gadaria chucra, e os veados e as
avestruzes corriam sem empecilhos.
Era uma vez um estancieiro, que tinha uma ponta de surrões cheios de onças e
meias doblas e mais muita prataria; porém era muito cauíla e muito mau.
A expressão “Naquele tempo os campos ainda eram abertos, não havia entre eles
divisas nem cercanias”, que inicia a lenda “O negrinho do Pastoreio”, revela o
distanciamento temporal dos acontecimentos, identificando-o como período primitivo e
original do Rio Grande do Sul.
O desenvolvimento apresenta as ações realizadas pelas personagens para o
estabelecimento da crença ou do fato explicado pela lenda. A caracterização das
personagens contribui para identificar a região original do relato. É interessante observar
que a ação reveladora do estabelecido na narrativa é marcada pelo trágico vivido pelas
personagens e pela interferência de personagens sobrenaturais. Em “O negrinho do
Pastoreio”, a morte da personagem homônima motivada pelos castigos recebidos de seu
patrão, pela perda da carreira e desaparecimento dos animais sob guarda – e seu
reaparecimento junto com os animais perdidos que podem ser encontrados com a ajuda do
Negrinho, quando se lhe acende uma vela para iluminar os caminhos. A conclusão é
constituída por uma expressão explicitadora dos eventos da narrativa e instalada a
permanência de uma tradição que se mantém atual.

- Contos populares
Assim como as lendas e as fábulas tem sua origem no folclore, muitos contos
também procedem de fonte popular. Cristalizado na tradição oral dos povos, através da
memória de consecutivas gerações, o conto popular é um agente de transmissão de
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valores, éticos, conceitos morais, modelos de comportamento e concepções de mundo.
Contudo, sua função não se restringe somente a esse aspecto educativo ou doutrinador,
pois as situações vividas pelas personagens do universo ficcional das histórias também
funcionam como válvula de escape para o homem que, pelo processo de identificação,
satisfaz suas necessidades básicas de sonho e fantasia. Ainda hoje, essa forma simples de
expressão literária continua encantando crianças e jovens. Entre seus modelos mais
significativos, estão os contos de diferentes regiões ou países e os contos de fadas.
Os contos populares brasileiros incluem narrativas pertencentes ao folclore do país
que, em grande parte, se revelam como histórias próprias para crianças. Muitos desses
contos, transmitidos pela tradição oral nas várias regiões do Brasil, são variantes de relatos
trazidos pelos povos que compõem a etnia brasileira. Entre eles, aparecem versões de
contos de fadas tradicionais, como “O Chapeuzinho Vermelho” e “Pequeno Polegar”; de
fábulas antigas, como “O gato e a raposa”; de contos divulgados na Europa durante a Idade
Média, como “Uma lição do Rei Salomão”, e de relatos oriundos da Índia, como os “Quatro
ladrões”.
- Contos de fadas tradicionais
Os contos de fadas, como modelos de histórias para crianças, surgem na França, no
final do século XVII, quando Charles Perrault publica a obra Os contos de Mãe Gansa. Nela,
ele reúne os contos populares que circulam em seu país naquela época. Posteriormente os
irmãos Grimm, na Alemanha, no século XIX, lançam a obra Contos de fadas para crianças e
adultos, uma coletânea de narrativas pertencentes ao folclore alemão. Ainda no século XIX,
na Dinamarca, Hans Cristian Anderson (1990) publica contos recolhidos do folclore de seu
país, como “A princesa e o grão de ervilha”, e outros de sua própria criação, como “O
Patinho Feio”. O material reunido por esses autores forma o acervo dos contos de fadas que
povoa o imaginário de crianças e adultos.
Os contos de fadas tradicionais também são chamados, indistintamente, de contos
maravilhosos. No entanto, Coelho (1987), teórica da Literatura Infantil, estabelece diferença
entre conto de fada e conto maravilhoso. Segundo a autora, essa distinção evidencia-se, na
narrativa, por meio da carência manifestada pela personagem principal. Nos contos
maravilhosos, como “O Gato de Botas”, “Aladin e a Lâmpada maravilhosa”, a carência das
personagens relaciona-se com uma dificuldade social e econômica, ou seja, reflete um
desejo de autorrealização satisfeito pela conquista de bens materiais. Portanto, são todas as
narrativas, sem fadas, com o maravilhoso representado por animais falantes, objetos
mágicos, gênios, duendes, anões, gigantes, etc. em que a personagem principal apresenta
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uma necessidade de natureza socioeconômica. Já os contos de fadas, como “A Bela
Adormecida”, “Rapunzel”, “Branca de Neve” e “Cinderela”, são histórias em que os
elementos do maravilhoso e do feérico são representados por reis, rainhas, príncipes, fadas,
gênios, bruxas, gigantes, objetos mágicos e metamorfose. Com ações desenvolvidas em um
tempo e em um espaço fora da realidade conhecida, esses contos têm como motivo gerador
das ações da narrativa um problema existencial do herói (COELHO, 1987, p. 12-13).
A autora observa ainda que nos contos de fadas, a superação da carência da
personagem inclui obstáculos ou provas a serem vencidas pelo protagonista, à semelhança
de um ritual iniciático. No final, a autorrealização existencial do herói é alcançada pelo
encontro de sua identidade ou do amor ideal.
Os seres que atuam no universo dos contos de fadas podem ser crianças, jovens
em idade de casar, príncipes, princesas, reis, rainhas, trabalhadores, anõezinhos, gigantes,
duendes, fadas, bruxas e animais dotados de características humanas. Esses seres são
considerados tipos, pois se apresentam com virtudes ou defeitos exageradamente
destacados. Assim, personificam o orgulho, a modéstia, a covardia, a feiura, a beleza, a
bondade, a maldade. Suas características evidenciam-se no desenvolvimento da trama e
interferem no destino dos protagonistas, na medida em que o bem triunfa sobre o mal, a
coragem sobre a covardia, o belo sobre o feio, a modéstia sobre a prepotência.
O ambiente onde ocorrem as ações das histórias é distante e impreciso, sendo
caracterizado por expressões como “Num certo reino...”, para indicar o espaço, ou “Era uma
vez...” para referir o tempo, que deixam aflorar imagens de um universo maravilhoso,
localizado fora dos domínios espaciais e temporais da criança. É nesse espaço longínquo
que se situam os bosques misteriosos, os castelos encantados, as grutas sombrias, onde as
personagens vivem situações que encantam o leitor. A imprecisão da representação
temporal e espacial faz com que a criança se insira nesse ambiente e o configure, dele
transitando para a realidade de seu mundo.
A estrutura dos contos de fadas e dos contos maravilhosos é extremamente simples,
o que talvez contribua para seu sucesso junto às crianças. A narrativa inicia com uma
situação de equilíbrio, que é alterada pela manifestação de carência ou conflito por parte do
herói. A seguir, são apresentadas as peripécias vividas pela personagem, que com a ajuda
de seres ou objetos mágicos, vence os obstáculos e emerge vitoriosa no final. Então, a
situação de harmonia inicial é novamente instaurada.
O psicanalista Bettelhein (1979), observa que, nos contos de fadas a estrutura da
narrativa, o tipo de carência manifestada pela personagem e o modo como é superado o
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conflito constituem-se em elementos que conferem uma simbologia a esse modelo literário.
Tal simbologia, ao ser percebida, inconscientemente, pela criança, ajuda-a a resolver seus
problemas existenciais. O autor salienta a importância de se apresentar os contos de fadas
ao público infantil em sua versão original. A supressão de qualquer um dos elementos
citados quebra a cadeia simbólica expressa na íntegra da história, abolindo seu efeito sobre
o inconsciente do ouvinte ou do leitor (BETTELHEIN, 1979, pp. 20-22). Dessa forma, são
desaconselháveis as adaptações feitas a esses contos, uma vez que se suprimem ou se
atenuam episódios que os adultos consideram cruéis ou angustiantes.
Os contos de fadas e os contos maravilhosos que circulam no Brasil são originários
das versões francesas, alemãs e dinamarquesas. Oriundos de fontes distintas alguns
apresentam formas diferentes, como “Cinderela”, “Chapeuzinho Vermelho” e “Pequeno
Polegar”.
Constata-se, também, desde a década de 70, a circulação de obras reveladoras da
recomposição dos contos de fadas tradicionais no que se refere à temática, à estrutura e
aos aspectos ideológicos apresentados. Caracteriza esse modelo de narrativas. A fada que
tinha ideias, de Fernanda Lopes de Almeida (1992), e outras histórias que contêm
elementos do feérico. Essas criações são conhecidas como contos de fadas modernos,
porque, embora mantenham o maravilhoso, conduzem o leitor a uma percepção de si
mesmo e da sociedade que o circunda diferente da apresentada nos contos tradicionais. Na
obra citada, a personagem principal, Clara Luz, recusa-se a aprender mágicas através do
Livro das Fadas, pois, segundo a fadinha, ele está embolorado. Essa atitude desafia a fada
Rainha, que ordenava todas as fadas a aprenderem suas mágicas através do referido livro.
A protagonista prefere inventar suas mágicas, que, às vezes, não dão certo na primeira
tentativa, mas ela não desanima e continua com suas invenções. A atitude de Clara Luz
revela que o questionamento e o desafio ao pré-estabelecido levam o ser humano ao
crescimento e a sociedade a mudanças significativas. De acordo com Lajolo e Zilberman
(1985, p. 158-159), nos contos de fada tradicionais, os elementos fantásticos, em constante
intercâmbio com o real, acabaram servindo a interpretações que os viam como metáforas
de situações sociais e psicológicas muito marcadas, sendo que os contos de fadas modernos
se insurgem contra o maniqueísmo dessas interpretações.
- Narrativas curtas
As histórias curtas abrangem obras que se observa, na sua forma de
representação, uma relação estreita entre a imagem e o texto escrito. São indicadas a pré-
leitoras, a criança recém-alfabetizada e àquelas com pouca experiência de leitura.
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As obras apresentam narrativas com enredos simples, que revelam episódios do
mundo infantil ocorridos em curto período de tempo, em espaço único e com poucas
personagens, tendo como temas passeios, visitas, brincadeiras, encontros com amigos ou
com animais. As ilustrações ocupam quase toda a página e auxiliam a criança a identificar,
na narrativa, as características externas das personagens ou os espaços onde ocorrem as
cenas. A linguagem é simples sem muitos elos frasais. A história constrói-se, quase sempre,
através de diálogos, e apresenta pouca narração. Por exemplo, em O Peru de peruca, de
Sônia Junqueira (1992), é narrado o acontecido com um peru, Ari, que encontra uma
peruca e coloca-a em sua cabeça para se enfeitar. A partir desse fato, ocorre uma série de
episódios provocados pelo medo dos animais, seus amigos, que não o reconhecem com o
adorno na cabeça e imaginam-no um monstro inimigo.
As ilustrações agradáveis à visão do leitor são complementares à história e
contribuem para sua compreensão. Os temas dessas obras relacionam-se a vivências
infantis (brincadeiras, passeios, pequenas aventuras), aspectos ligados à interioridade das
personagens (busca de identidade, insegurança e medos) ou relações interpessoais
(desentendimentos familiares e solidariedade). Lúcia-já-vou-indo, de Maria Heloísa Penteado
(1987), é um exemplo desse modelo de narrativa. O texto apresenta a história de uma
lesminha que recebe o convite para uma festa, mas devido à sua lentidão, não chega a
estar presente. Ela chora muito pelo acontecimento, chamando a atenção de suas amigas
libélulas, que resolvem organizar uma festa na casa de Lúcia para que ela possa participar.

- Narrativas por imagens


A partir da década de 1970, surgem no Brasil várias publicações de livros sem
enunciado verbal. Neles, as narrativas são apresentadas unicamente por imagens visuais, e
o leitor vai construindo episódios ou pequenos relatos a partir das ilustrações, de acordo
com a fantasia e experiência de vida.
Nessas obras, as situações expressas nas gravuras têm estreita relação com o
cotidiano infantil. Algumas dessas narrativas apresentam cenas isoladas, como “Ai que
fome”, do livro Todo dia, de Eva Furnari (1984), em que a ilustração mostra uma cozinha e
a sala de jantar. A cena pode levar o leitor a imaginar situações sobre o que ele observa no
texto.

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3.4 Ler e escrever e a função do educador

Estamos certos de que para aprender a ler e escrever, isto é, para que uma criança
incorpore a língua materna como leitor e escritor competente, será preciso memorizar
letras, sílabas, palavras e até normas gramaticais. Porém, mais do que isso será preciso que
o indivíduo reconstrua a língua para si mesmo, estando exposto e interagindo com ela,
motivado pelas vivências e leituras que o meio lhe oferecer.
Por sua vez, a língua que será construída/aprendida pela criança não pode ser
compreendida como um código que o aprendiz decodifica por meio de métodos é técnicas,
mas deve ser vista como atividade cognitiva do ser humano, intermediária entre ele e o
mundo, que vai sendo tecida/construída à medida que a criança se relaciona com as coisas
que a cercam, com outras pessoas e com ela mesma, ao longo de sua vida, num processo
contínuo, que só termina com a morte.
Isso equivale a dizer que a ação de uma pessoa no mundo depende da competência
linguística que venha a adquirir para se expressar, se comunicar, compreender o que lê e o
que ouve e para escrever com coerência e criatividade.

Fonte: Laerte (Série Ideias, n.20. São Paulo: FTD, 1994)

Do ponto de vista do ensino-aprendizagem, a língua deve ser considerada tanto


atividade comunicativa, com a qual atuamos sobre nossos semelhantes, quanto atividade
representativa e cognitiva, através da qual “lemos/representamos” o mundo. Como bem
explicou Paulo Freire em “A importância do ato de ler”, a aprendizagem de língua materna
deve ser, antes de tudo, a leitura da “palavra-mundo” e jamais deve significar uma ruptura
com o social e o histórico da vida humana.

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- A leitura do mundo

O objetivo da escola sempre foi formar cidadãos capazes de “ler o mundo”,


produzindo discursos, orais ou escritos, adequados a diferentes situações enunciativas,
compreendendo o que está escrito e o que está subentendido, numa leitura que consegue
selecionar conteúdos, inferir interpretações e antecipar significados nos mais diferentes
gêneros de textos.
Porém, para transformar nossas crianças em leitores componentes, como queremos,
precisamos superar a concepção escolar da leitura como objeto de ensino, cujo aprendizado
inicial se resume em converter letras em sons, acreditando que a compreensão será
consequência natural dessa decodificação.
Na verdade, a leitura não é para aquele que busca entender o que está escrito,
mobilizando tudo o que sabe sobre a língua: o sistema de escrita, as características do
gênero, o suporte ou portador do texto, o assunto ou tópico, o contexto, o autor e sua
época.
Além disso, aprender a ler subentende aprender a escrever, pois leitura e escrita são
atividades complementares, intimamente ligadas, como as faces de uma mesma moeda.
Como atividades cognitivas que se complementam, as duas práticas, leitura e escrita,
devem ser ensinadas ao mesmo tempo, pois não se justifica que uma criança escreva sem
compreender o que está escrevendo ou leia (soletre letras) sem entender o que está lendo.
Muitas vezes, porém, como a escrita depende de uma capacidade motora para grafar
as letras, somos tentados a fazer com que o aluno iniciante repita, mecanicamente,
traçados e grafias desprovidos de significado.
Certamente, esses procedimentos didáticos não motivam o aluno, fazendo com que
muitos exercícios de linguagem sejam enfadonhos.
Para converter em prática o que estamos defendendo, será preciso que o professor,
desde a educação infantil, considere dois momentos no processo de ensino-aprendizagem
da leitura e da escrita: o letramento e alfabetização.
Estamos denominando de letramento às ocasiões em que a criança entra em contato
com a escrita, em rótulos, cartazes, outdoors, jornais, revistas, cartas, bilhetes e outras
práticas sociais de lectoescritura, quando a ação de adultos leitores mostra caracteres e
características próprias do mundo letrado que a cerca.
Quanto à alfabetização, estamos considerando o processo de construção da língua
em seus aspectos nacionais, ou seja: letras, sons, sílabas, palavras, frases, textos, gêneros,
normas ortográficas e gramaticais, etc.
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É possível que algumas crianças cheguem ao primeiro ano do Ensino Fundamental
com 6 anos, conforme a nova legislação, sem nunca terem visto atos de leitura e de escrita
como práticas sociais. Nesses casos, cabe à escola iniciar o processo de letramento em
simultaneidade ao de alfabetização, pois o primeiro tem por objetivo familiarizar a criança
com a linguagem como atividade cognitiva, humana, através da qual representamos e
interpretamos o mundo, enquanto o segundo é mais específico da língua e seus aspectos
notacionais.
Assim, será preciso que os docentes trabalhem o letramento, criando situações de
aprendizagem em que as crianças, se possível desde a educação infantil, possam:
. observar atos de leitura que as direcionem para a compreensão da língua escrita,
como forma de construção de significados do mundo e da realidade social e histórica em
que vivem;
. brincar de ler e escrever;
. recontar o que o professor leu;
. reconhecer os diferentes gêneros de textos, por meio de indícios não textuais, tais
como: capas, contracapas, títulos, índice, diagramação, ilustração, versos e estrofes;
. reconhecer os diferentes gêneros de textos por meio de suas características
discursivas, memorizando poemas, slogans, parlendas, trava-línguas e ouvindo a leitura de
contos, fábulas e outras histórias, com base em seus suportes.

- As dificuldades das crianças

Crianças pequenas não percebem que as palavras são formadas por letras
agrupadas convencionalmente e que nossa língua é de escrita alfabética, mas de leitura
silábica.
Quando começam a ler e escrever, algumas crianças apenas soletram as letras que
aprenderam e não conseguem ler a palavra toda.
Para outras, a própria segmentação das palavras oferece dificuldades, sendo comum
encontrarmos formas estranhas de leitura e escrita, como nos exemplos a seguir.

- Leitura de versos
Texto 1
Marcha, soldado, cabeça de papel,
Quem não marchar direito
Vai preso pro quartel
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Obs: Uma criança com 6 anos de idade, como sabia os versos de memória, leu o primeiro
verso até o final do segundo, amontoando o resto da leitura no verso final. A princípio não
conseguia localizar as palavras direito e preso e confundia marcha e marchar.

Texto 2
O cravo brigou com a rosa,
Debaixo de uma sacada,
O cravo saiu ferido,
E a rosa, despedaçada.
Obs: Uma criança, ainda silábica, não lia com a, pois pronunciava ca. Teve grande
dificuldade para focalizar as palavras rosa e cravo, talvez pela própria repetição.
Segundo Ferreiro e Teberosky (1990), nas primeiras hipóteses de leitura e escrita as
crianças não conseguem delimitar o que seja uma palavra, e muitas não entendem que
todas as palavras que falamos podem estar escritas. Num primeiro momento apenas os
nomes e os verbos são admitidos, daí a junção de artigo e substantivo, de advérbio e
verbos, de preposições e artigos, ou a presença de separações estranhas. Veja, a seguir.
1. Mas um dia delhairão agaiola aberta e ele sumiu e numcamais votou para casa.
2. ...o gato bateu na galinha e a galinha numcamaismexeucou gato.
3. ...vovó foi es covar os dentes com a es cova.
4. ...ele quista aí.
Nesses exemplos, podemos verificar que, apesar de saber falar a língua e de já estar
escrevendo alfabeticamente, algumas crianças ainda não conseguem segmentar a cadeia
sonora em seus componentes mínimos, por isso acabam produzindo formas que fogem à
normalidade, separando partes de uma mesma palavra, como em es covar, ou juntando
mais de uma palavra, como em numcamaismexecou.
Nos erros de ortografia do tipo delhairão/deixaram e votou/voltou, estamos supondo
que a criança confunde o que ouve com o que escreve porque ainda não fixou ou não
percebeu.
. a diferença de grafia e de som da letra x e do dígrafo lh;
. o som da letra l em final de sílaba;
. o som de am que se confunde com ão, na oralidade;
. a existência da vogal i no ditongo dei, porque não a pronuncia ao falar.

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Esses grupos que as crianças apresentam em suas primeiras leituras e escritas
podem ser chamados de erros construtivos, pois, na tentativa de ler e escrever, a criança
apresenta sua hipótese ou o que ela considera certo.
Na verdade, precisamos abandonar a ideia que predomina em nossa mentalidade
escolar de que o erro deve ser evitado a qualquer custo. As crianças precisam experimentar
suas hipóteses, para que o professor possa intervir e mediar a aprendizagem.
Sem esse movimento de ir do erro para o acerto, qualquer aprendizagem se apoiará
apenas na memória e na adivinhação, e sabemos muito bem que aprender é muito mais do
que simplesmente memorizar e adivinhar.
Assim, a linguagem humana tem função comunicativa. Mas essa é apenas uma
dentre uma série de outras funções, e nem sempre a comunicação é a função mais
importante no uso da linguagem.
Os textos seriam concebidos como “linguagens como práticas sociais”. Há
várias implicações que derivam daí. O discurso figura tanto como modo de ação, quanto
como modo de representação; existe uma relação dialética entre o discurso e a estrutura
social, entre a prática social e a estrutura social – a última é condição e efeito da primeira;
também o discurso contribui para construir as chamadas “identidades sociais”, as relações
sociais entre as pessoas e o sistema de conhecimento e crença.
O texto e o discurso envolvem o que se chama prática discursiva, sendo que esta
abrange processos de produção, distribuição e consumo textual e conjunto das práticas que
subjazem aos eventos discursivos e que se relacionam às questões como relações de poder,
ideologia e estrutura social.

Fonte: http://migre.me/oU7a8

Qual a importância do diálogo entre ensino e aprendizagem?

É preciso considerar o conhecimento prévio do aprendiz e as contradições


que ele enfrenta para ler e escrever. O aluno é protagonista da aprendizagem e
agente ativo do processo de alfabetização e letramento (WEISZ, 1986).

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Resumindo

Quando escolhemos uma palavra, durante o processo de elaboração de


um enunciado, nem sempre a tiramos do sistema da língua da neutralidade
lexicográfica. Costumamos tirá-la de outros enunciados e, acima de tudo, de
enunciados que são apresentados ao nosso gênero, isto é, pelo tema, composição
e estilo: selecionamos as palavras segundo as especialidades do gênero (BAKHTIN,
1997, p. 311).
 A linguagem é ação e interação.
 Os gêneros textuais são textos que representam ações sociais.
 “Diálogo” está presente nos textos.
 O educador necessita respeitar o conhecimento prévio do aluno.
 Alfabetização e Letramento são dois processos que devem estar juntos na
educação infantil e nas séries iniciais.

Para finalizar seu estudo, realize o Exercício 6 e a


Atividade 3.2.

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REFERÊNCIAS

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WEISZ, Telma. E na prática, a teoria é outra? Projeto Ipê: isto se aprende com o Ciclo
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YAGUELLO, M. Alice no país da linguagem. Lisboa: Editorial Estampa, 1991.

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1984.

ZILBERMAN, R; LAJOLO, M. Literatura infantil brasileira: história & história. São Paulo:
Ática, 1985.

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EXERCÍCIOS E ATIVIDADES

ATIVIDADE 1.1

Leia a Unidade 1 e elabore um texto sobre Alfabetização e Letramento,


destacando a cultura da escrita e o processo de construção do conhecimento.
O texto deve ter, no mínimo, 15 linhas e, no máximo, 30.

Submeta sua atividade pela ferramenta Tarefa.

EXERCÍCIO 1

1. Leia os enunciados a seguir.


I. A língua falada é mais solta, livre, espontânea e emotiva, pois reflete contato humano
direto.
II. A língua escrita é mais disciplinada, obedece às normas gramaticais impostas pelo
padrão culto, dela resultando um texto mais bem elaborado.
III. A linguagem culta, eleita pela comunidade como a de maior prestígio, reflete um índice
de cultura a que todos pretendem chegar.
IV. A linguagem popular é usada no cotidiano, não obedece rigidamente às normas
gramaticais.
a) Apenas os enunciados I e II estão corretos.
b) Apenas os enunciados II e III estão corretos.
c) Apenas os enunciados II, III e IV estão corretos.
d) Todos os enunciados estão corretos.

2. A fala da criança de seis anos, geralmente:


a) Não possui nenhuma construção gramatical.
b) É descontextualizada.
c) Não é possível a compreensão.
d) Possui construções contextualizadas e articuladas.

3. Em todas as alternativas há marcas de oralidade, isto é, expressões típicas da


linguagem falada, EXCETO:
a) Se você ficar olhando pra ela feito bobo, a manga cai em cima de sua cabeça.

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b) “Peraí, mãe. Acho que tô a ponto de desmaiar”.
c) As variações da língua de ordem geográfica são chamadas de regionalismos.
d) “Dizque um chega, logo dão terra pra ele cultivar... É lavoura de café...”

Verifique seu aprendizado realizando o Exercício no Ambiente Virtual de


Aprendizagem.

ATIVIDADE 2.1

Após a leitura da unidade 2 sobre Texto e Leitura, elabore um texto sintetizando


os itens fundamentais do conteúdo sobre sistemas de conhecimento e
apresentando um comentário pessoal crítico.
O texto deve conter, no mínimo, 15 linhas e no máximo, 30.

Submeta sua atividade pela ferramenta Tarefa.

EXERCÍCIO 2

Leia o texto: Mona Lisa de Da Vinci sem motives para sorrir.


Obra-prima de Leonardo da Vinci e uma das mais admiradas telas jamais pintadas,
devido, em parte, ao sorriso enigmático da moça retratada, a “Mona Lisa” está se
deteriorando. O grito de alarme foi dado pelo Museu do Louvre, em Paris, que anunciou que
o quadro passará por uma detalhada avaliação técnica com o objetivo de determinar o
porquê do estrago.
O fino suporte de madeira sobre o qual o retrato foi pintado sofreu uma deformação
desde que especialistas em conservação examinaram a pintura pela última vez, diz o Museu
do Louvre numa declaração por escrito. O museu não diz quando essa última avaliação
ocorreu. O estudo será feito pelo Centro de Pesquisa e Restauração dos Museus da França e
vai determinar os materiais usados na tela e avaliar sua vulnerabilidade a mudanças
climáticas.
O Museu do Louvre recebe cerca de seis milhões de visitantes por ano, e todos,
praticamente, veem a “Mona Lisa”, uma tela de 77 centímetros de altura por 55 de largura,
protegida por uma caixa de vidro, com temperatura controlada. A tela será mantida no
mesmo local, exposta ao público, enquanto for realizado o estudo.
Fonte: http://www.italiaoggi.com.br (acessado em 13/11/07)

1. A um conjunto de regularidades relativamente estáveis no que diz respeito à


função social, produção circulação e consumo de um texto, bem como aos seus
aspectos composicionais e linguísticos, dá-se o nome de gênero textual. É por
razões assim que um leitor proficiente não confunde uma receita de bolo com

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uma carta, uma passagem de ônibus com uma nota fiscal, por exemplo.
Considerando para o texto anterior esses mesmos aspectos, é possível afirmar
que ele pertence ao gênero:
a) Relatório.
b) Editorial.
c) Notícia.
d) Resenha.

2. Observe, no primeiro parágrafo, o uso da expressão “em parte”, cujo objetivo


é evitar generalizações ou uma precisão difícil de apontar. Entre as alternativas a
seguir, indique aquela que também é utilizada com o mesmo objetivo.
a) “[…] o quadro passará por uma detalhada avaliação técnica […]”.
b) “O estudo […] vai determinar os materiais usados na peça e sua vulnerabilidade […]”.
c) “[…] e todos, praticamente, veem a ‘Mona Lisa’, uma tela de 77 centímetros…”.
d) “A tela será mantida no mesmo local, exposta ao público […]”.

Verifique seu aprendizado realizando o Exercício no Ambiente Virtual de


Aprendizagem.

EXERCÍCIO 3

Leia o texto e responda às questões a seguir.


As florestas tropicais estão entre os maiores, mais diversos e complexos biomas do planeta.
Novos estudos sugerem que elas sejam potentes reguladores do clima, ao provocarem um
fluxo de umidade para o interior dos continentes, fazendo com que essas áreas de floresta
não sofram variações extremas de temperatura e tenham umidade suficiente para promover
a vida. Um fluxo puramente físico de umidade do oceano para o continente, em locais onde
não há florestas, alcança poucas centenas de quilômetros. Verifica-se, porém, que as
chuvas sobre florestas nativas não dependem da proximidade do oceano. Esta evidência
aponta para a existência de uma poderosa “bomba biótica de umidade” em lugares como,
por exemplo, a bacia amazônica. Devido à grande e densa área de folhas, as quais são
evaporadores otimizados, essa “bomba” consegue devolver rapidamente a água para o ar,
mantendo ciclos de evaporação e condensação que fazem a umidade chegar a milhares de
quilômetros no interior do continente.
Fonte: A. D. Nobre. Almanaque Brasil Socioambiental. Instituto Socioambiental, 2008, p. 368-9 (com
adaptações).

De acordo com o texto, as florestas crescem onde chove, ou chove onde crescem
as florestas?
a) Onde chove, há floresta.

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b) Onde a floresta cresce, chove.
c) Onde há oceano, há floresta.
d) Apesar da chuva, a floresta cresce.

Verifique seu aprendizado realizando o Exercício no Ambiente Virtual de


Aprendizagem.

ATIVIDADE 3.1

Após a leitura da Unidade 3, escreva um texto sobre a questão de como o


professor deve agir para promover a alfabetização e o letramento, considerando
as atividades com a linguagem, leitura e a cultura escrita.
O texto deve ter, no mínimo, 15 linhas e, no máximo, 30.

Submeta sua atividade pela ferramenta Tarefa.

EXERCÍCIO 4

Leia e responda a questão 1.

No cartum apresentado, o significado da palavra escrita é reforçado pelos


elementos visuais, próprios da linguagem não verbal. A separação das letras da
palavra em balões distintos contribui para expressar principalmente a ideia de:
a) Dificuldade de conexão entre as pessoas.
b) Aceleração da vida na contemporaneidade.
c) Desconhecimento das possibilidades de diálogo.
d) Desencontro de pensamentos sobre um assunto.

2. Analise os enunciados sobre linguagem.


I. Todas as variedades linguísticas regionais são perfeitamente adequadas à realidade em

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que se inserem.
II. É compromisso da escola ensinar somente a variedade padrão, mas não trabalhar com
a língua que o aluno traz de casa.
III. Para dominar uma língua, basta conhecer as palavras, seus sentidos e as leis
gramaticais que regem a combinação dessas palavras.
a) Apenas os enunciados I e II estão corretos.
b) Apenas os enunciados I, II e III estão corretos.
c) Apenas os enunciados II e III estão corretos.
d) Apenas o enunciado I está correto.

Verifique seu aprendizado, realizando o Exercício no Ambiente Virtual de


Aprendizagem.

EXERCÍCIO 5

1. Assinale a alternativa em que NÃO se verifica o uso de linguagem coloquial.


a) “— Que há?
— Abra a porta pra mim entrar.” (Mário de Andrade)
b) “Não quero mais o amor, / Nem mais quero cantar a minha terra. / Me perco neste
mundo.” (Augusto Frederico Schmidt)
c) "Quando oiei a terra ardendo / Quá foguera de São João” (Luiz Gonzaga)
d) “— Qué apanhá sordado? / — O quê? / — Qué apanhá? / Pernas e braços na calçada.”
(Oswald de Andrade)
e) “Dê-me um cigarro / Diz a gramática / Do professor e do aluno / E do mulato sabido”
(Oswald de Andrade)

2. Há exemplo de registro coloquial no seguinte trecho:


a) O verdadeiro autor da peça foi o escritor de discursos presidenciais H. Daryl.
b) Cem mil pessoas morreram quase instantaneamente.
c) A Segunda Guerra acabou, começava a Guerra Fria.
d) Aconselhado por Jimmy Byrnes (secretário de Estado), o presidente queria mostrar aos
soviéticos que não apenas tinha a bomba, mas tinha peito para usá-la.
e) A bordo do navio Augusta, no retorno para os EUA depois de participar da cúpula
aliada em Postdam (Alemanha), Truman autorizou o bombardeio.

3. Qual a alternativa em que NÃO ocorre o emprego de expressões coloquiais?


a) “Nós, enquanto isso, continuaríamos condenados a dar duro oito horas por dia [...]”.

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b) “[...] após seis meses, todo aposentado sobe pelas paredes e implora para voltar a
trabalhar”.
c) “Os americanos, ano após ano, trabalham seis horas a mais em relação ao ano
anterior”.
d) A gente achava tudo um horror.
e) Me informaram que o pessoal conseguiu se arranjar.

4. Leia o texto abaixo.


Gerente – Boa tarde. Em que eu posso ajudá-lo?
Cliente – Estou interessado em financiamento para compra de veículo.
Gerente – Nós dispomos de várias modalidades de crédito. O senhor é nosso cliente?
Cliente – Sou Júlio César Fontoura, também sou funcionário do banco.
Gerente – Julinho, é você, cara? Aqui é a Helena! Cê tá em Brasília? Pensei que você inda
tivesse na agência de Uberlândia! Passa aqui pra gente conversar com calma.
(Adaptado de BORTONI-RICARDO, S. M. Educação em língua materna. São Paulo: Parábola,
2004).
Na representação escrita da conversa telefônica entre a gerente do banco e o
cliente, observa-se que a maneira de falar da gerente foi alterada de repente
devido:
a) À adequação de sua fala à conversa com um amigo, caracterizada pela informalidade.
b) À iniciativa do cliente em se apresentar como funcionário do banco.
c) Ao fato de ambos terem nascido em Uberlândia (Minas Gerais).
d) À intimidade forçada pelo cliente ao fornecer seu nome completo.
e) Ao seu interesse profissional em financiar o veículo de Júlio.

Verifique seu aprendizado, realizando o Exercício no Ambiente Virtual de


Aprendizagem.

EXERCÍCIO 6

1. Leia, atentamente, o texto a seguir.

Lara, de 5 anos de idade, no seu trajeto de casa para a escola, observa


diferentes informações escritas, como as placas de trânsito, outdoors, nomes
de lojas, cartazes de ofertas, números de casas. Ela deseja entender o que se
esconde atrás deste misterioso código. Com este objetivo, a instituição de
educação infantil deve assegurar:
a) A infância, não possibilitando um contato da criança com a leitura e a escrita, pois
levam à escolarização precoce.

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b) Apenas às práticas discursivas orais, priorizando sempre a realização das rodas de
conversas, de leituras orais e silenciosas.
c) O direito da criança de manter contato com a escrita, mas esse contato não deve
ocorrer pela criação de contextos didáticos artificiais.
d) O direito da criança de manter contato com a escrita e esse contato deve ocorrer pela
criação de contextos didáticos artificiais.

2. Leia o texto a seguir.


A professora Catarina iniciou sua aula solicitando aos alunos que, em grupo,
pesquisassem em jornais e revistas, reportagens que comentassem sobre a
preservação do meio ambiente. Após a leitura das reportagens, a professora
situou estes acontecimentos no âmbito econômico e social por meio de breve
explanação. Logo após, propôs à turma um debate sobre o tema. No decorrer
das discussões, Catarina percebeu que os alunos precisavam aprofundar seus
conhecimentos, o que a levou a orientá-los para procedimentos de busca de
mais dados, por intermédio de pesquisa em livros e na internet. A ação didática
praticada pela professora:

I. Aguçou a curiosidade dos alunos.


II. Instigou o espírito de pesquisa.
III. Possibilitou o diálogo.
IV. Oportunizou a busca por novas descobertas.
a) Apenas os enunciados I e III estão corretos.
b) Apenas os enunciados II e IV estão corretos.
c) Apenas os enunciados I, II e III estão corretos.
d) Todos os enunciados estão corretos.

Verifique seu aprendizado, realizando o Exercício no Ambiente Virtual de


Aprendizagem.

ATIVIDADE 3.2

Escreva um texto dissertativo-argumentativo, de no mínimo de 15 linhas e


máximo de 25 linhas, sobre a função dos gêneros textuais no processo de
ensino e aprendizagem do letramento.

Submeta sua atividade pela ferramenta Tarefa.

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www.virtual.ucdb.br | 0800 647 3335

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