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Alfabetização
e Letramento
(4 créditos – 80 horas)
Autor:
Neli Porto Soares Betoni Escobar Naban
Palavras-chave:
1. Alfabetização 2. Letramento 3. Texto 4. Literatura.
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APRESENTAÇÃO DO MATERIAL DIDÁTICO
Este material foi elaborado pelo professor conteudista sob a orientação da equipe
multidisciplinar da UCDB Virtual, com o objetivo de lhe fornecer um subsídio didático que
norteie os conteúdos trabalhados nesta disciplina e que compõe o Projeto Pedagógico do
seu curso.
SUMÁRIO
REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 94
EXERCÍCIOS E ATIVIDADES ............................................................................... 97
Avaliação
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FAÇA O ACOMPANHAMENTO DE SUAS ATIVIDADES
O quadro abaixo visa ajudá-lo a se organizar na realização das atividades. Faça seu
cronograma e tenha um controle de suas atividades:
Atividade 1.1
Ferramenta: Tarefa
Atividade 2.1
Ferramenta: Tarefa
Atividade 3.1
Ferramenta: Tarefa
Atividade 3.2
Ferramenta: Tarefa
* Coloque na segunda coluna o prazo em que deve ser enviada a atividade (consulte o
calendário disponível no ambiente virtual de aprendizagem).
** Coloque na terceira coluna o dia em que você enviou a atividade.
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BOAS VINDAS
Caro(a) acadêmico(a),
Um abraço,
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Pré-teste
1. Com base nos conhecimentos sobre o tema, podemos afirmar que o texto, é:
a) Narrativo, já que busca relatar a experiência que o jornalista viveu.
b) Argumentativo, uma vez que se apresenta por meio de raciocínio lógico.
c) Preditivo, desenvolvido para permitir ao leitor que preveja como será a entrevista.
d) Dissertativo, iniciando-se com referências de tempo e espaço.
e) Descritivo, pois o jornalista tenta recriar para o leitor o espaço que visitou.
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2. A expressão “com os olhos que tem” (l. 1), no texto, tem sentido de:
a) Enfatizar a leitura.
b) Incentivar a leitura.
c) Individualizar a leitura.
d) Priorizar a leitura.
e) Valorizar a leitura.
Leia o texto:
Toda criança tem direito à igualdade, sem distinção de raça, religião ou nacionalidade.
Toda criança tem direito a crescer dentro de um espírito de solidariedade, compreensão,
amizade e justiça entre os povos.
Toda criança tem direito a um nome, a uma nacionalidade.
Toda criança tem direito ao amor e à compreensão por parte dos pais e da sociedade.
Toda criança tem direito à educação gratuita e ao lazer infantil.
Toda criança tem direito à alimentação, moradia e assistência médica para si e para a mãe.
Toda criança tem direito a ser socorrida em primeiro lugar.
Toda criança física ou mentalmente deficiente tem direito à educação e a cuidados
especiais.
Toda criança tem direito a especial proteção para o seu desenvolvimento físico, mental e
social.
Toda criança tem direito a ser protegida contra o abandono e a exploração no trabalho.
(CEREJA, William Roberto; MAGALHÃES, Thereza Cochar. Português: Linguagens. São
Paulo: Atual, 998. p. 77)
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Ainda não havia para mim, Rita Lee
A tua mais completa tradução
Alguma coisa acontece no meu coração
Que só quando cruza a Ipiranga e a avenida São João
Quando eu te encarei frente a frente não vi o meu rosto
Chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto
É que Narciso acha feio o que não é espelho
E à mente apavora o que ainda não é mesmo velho
Nada do que não era antes quando não somos Mutantes
E foste um difícil começo
Afasta o que não conheço
E quem vem de outro sonho feliz de cidade
Aprende depressa a chamar-te de realidade
Porque és o avesso do avesso do avesso do avesso
Do povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas
Da força da grana que ergue e destrói coisas belas
Da feia fumaça que sobe, apagando as estrelas
Eu vejo surgir teus poetas de campos, espaços
Tuas oficinas de florestas, teus deuses da chuva
Panaméricas de Áfricas utópicas, túmulo do samba
Mais possível novo quilombo de Zumbi
E os Novos Baianos passeiam na tua garoa
E novos baianos te podem curtir numa boa
Caetano Veloso
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UNIDADE 1
CONCEITOS FUNDAMENTAIS
OBJETIVO DA UNIDADE: Levar o estudante ao conhecimento dos conceitos de
língua, linguagem, alfabetização, letramento e leitura. Refletir sobre a leitura e os
sistemas de conhecimento.
1.1.1 Vogais
[za] é uma sílaba sussurrada e [i] é vogal sussurada. Como a escola tem o hábito
de soletrar as palavras a todo instante, é claro que dessa forma não existem sons
sussurrados. Então, a professora corrige o aluno, dizendo que ele não está lendo ou falando
direito, porque está "comendo o final das palavras". Contudo, até os professores "comem"
vogais ou sílabas na fala corrente.
Há casos também em que pode não ocorrer uma vogal na fala, mas na escrita ela
aparece: lápis [laps], piscina [psina]
No entanto, o próprio professor pensa ter dito: [pisina] e considera que o aluno é
incapaz de discriminar auditivamente... pelos erros que comete ao escrever.
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Embora não seja oportuno ensinar a distinção entre ditongos e monotongos na
alfabetização, é importante saber de algumas ocorrências da fala que aparecem refletidas
na escrita das crianças. Na fala acontecem algumas regras de variação, que podem até ser
previstas pelos contextos. Por exemplo, pode-se dizer [ouro] ou [oro], [outru] ou [otru],
[pouku] ou [poko]; porém [dei] não pode ser também [de], [feitu] não pode ser [fetu].
Convém observar que há variação entre [ei] e [e]. A forma ortográfica dessas palavras
prevê uma escrita com duas letras para os ditongos.
Se a criança escreve "Eu nu vi o macaco", a professora acha incrível que o aluno
não saiba escrever a palavra não. Porém, num trabalho do dia anterior apareceria "Nãu
quero, nãu". Para algumas crianças pode ser um problema a distinção na escrita de finais
de palavras. Dessa forma, todas as sílabas se tornam tônicas e a distinção que aparece na
fala espontânea desaparece na fala artificial da professora. E, então, não há explicação que
convença os alunos. Pelo significado do tempo verbal já é possível distinguir essas palavras
e associar cada significado a uma forma de escrita. Para alguns alunos a explicação anterior
só atrapalha. Se a professora não tomar cuidado com a maneira como vai ensinar essa
distinção, em vez de facilitar a compreensão irá dificultá-la.
Observando como as crianças escrevem na alfabetização, notam-se todas essas
variações possíveis, e o aluno erra a forma ortográfica porque se baseia na forma fonética;
os erros que comete revelam claramente os contextos possíveis, como demonstrado acima,
e não ocorrências aleatórias. Um aluno pode escrever ‘talveis’, mas não escreve ‘eilefante’;
não escreve ‘vei’, mas escreve ‘veis’ em lugar de vez. É impressionante como os erros dos
alunos revelam uma reflexão sobre os usos linguísticos da escrita e da fala. Só a escola não
reconhece isso, julgando que o aluno seja distraído, incapaz de discriminar, aprender,
memorizar, se concentrar no que faz. E, quando é injustamente criticado pelo seu esforço,
desilude-se com a escola, ou tenta aprender apesar dela.
1.1.2 Consoantes
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Deixando de lado, por ora, o fato de algumas letras como p e b serem iguais
quanto ao desenho, embora ocupem lugares diferentes no espaço em que se escreve e
atendo-se estritamente a considerações fonéticas, é preciso observar que o reconhecimento
de sons surdos e sonoros do tipo [p] e [b], [f] e [v] é fácil em alguns casos e difícil em
outros.
Quando se diz "A vaca está no pasto", ninguém entende "A vaca esta no basto",
mesmo a criança a quem se atribui a falta de discriminação de sonoridade nas consoantes.
Então, por que a criança erra na escrita? Será que ela não é capaz de distinguir surdas de
sonoras? É interessante notar que o erro consiste normalmente em preferir as surdas ou as
sonoras. Por quê? Ela não tem como ponto de referência o conhecimento prévio da escrita
da palavra; então, resolve sua dúvida pronunciando-a.
Acontece, porém, que infelizmente é proibido falar em sala de aula, mesmo quando
a aula é de português... Então, sussurra as palavras ao escrever. O sussurro é um tipo de
fonação diferente da produção de sons surdos ou sonoros. Por sua própria natureza, um
som sussurrado é mais semelhante a um som surdo do que a um som sonoro, tanto é assim
que muitos linguistas não usam tal distinção e chamam todas as realizações surdas ou
sussurradas simplesmente de surdas.
A criança que está sussurrando sons, que não conhece a ortografia, terá uma
tarefa difícil pela frente quando precisar decidir com que letra deverá escrever quando
precisar decidir com que letra descrever a palavra, sobretudo se comparada com palavras
mais familiares e com relação às quais ela dispõe mais vivamente de uma lembrança de fala
real, não sussurrada.
Evidentemente as crianças não erram a forma ortográfica só por esse motivo, mas
no início da alfabetização esse favor é decisivo e pode gerar confusão por longo tempo.
A distinção entre consoantes surdas e sonoras depende ainda do dialeto que a
criança fala, pois a palavra para um aluno pode conter um [b] ou [d] e para outro um [p],
um [t] ou um [s], dependendo das variações dialetais. Isso torna também difícil aprender
ortografia das palavras.
É sempre interessante ouvir crianças falando para poder entender melhor o que
elas escrevem. Mas para isso a professora tem de saber ouvir. E isso eu creio que, no geral,
ela não sabe fazer. Minha experiência, analisando a fala juntamente com muitas
professoras, mostrou que estas, devido ao apego obsessivo à ortografia, conseguem ouvir
distinções entre sons surdos e sonoros com muito mais dificuldades do que as crianças. A
análise dos exemplos a seguir revela-o claramente.
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É comum as professoras acharem que as palavras visconde, visgo, desde e neste,
por exemplo, contêm uma fricativa surda. Ao serem indagadas a respeito de como
pronunciavam essas palavras, responderam como eu esperava, o seguinte: dezdi, nesti,
onde se observa que diante de consoante sonora ocorre a fricativa surda sonora [z]. O
mesmo ocorre com palavras como transbordar, transportar, êxtase, ex-marido, as latas, as
patas, etc.: [estazi] com [s] diante de [t], [ez-maridu] com [z], [azlatas] com [z] antes de
[l], [aspatas] com [s] antes de [p], etc.
Uma pronúncia comum da palavra mesmo é [mezmu], com [z] diante de [m]. E
vimos acima que há uma tendência para ocorrer a fricativa sonora diante de consoante
surda, isso na fala normal concatenada. Quando se soletra, quebra-se a corrente da fala e
se pronuncia cada sílaba não mais diante do que seria a consoante seguinte, mas diante de
pausa, como se fosse final de palavra diante do silêncio. Em português há uma regra que
diz que, em final de palavra, diante do silêncio, não ocorre fricativa sonora, mas só surda,
como em paz [pas], rapaz [xapas], talves [tauves]. Essa regra se aplica às sílabas na
soletração. Por isso, uma palavra que na fala corrida é pronunciada com [z], em final da
sílaba diante de consoante sonora, como em [mezmu] mesmo, [dezdi] desde, em fala
soletrada é pronunciada com [s]: [mes-mu], [des-di].
Imagine-se agora a confusão que se estabelece na cabeça das crianças com as
explicações dadas pela professora, comparadas com a sua fala soletrada e normal, com o
seu modo de falar para as crianças em sala de aula e fora da escola.
Às dificuldades de reconhecimento dos sons da fala se somam frequentemente as
dificuldades em querer explicar a ortografia a partir da fala. Por exemplo, não é possível
explicar que onça se escreve com n; na verdade, ninguém pronuncia [õnsa] e sim [õsa].
Os sons que na escrita ortográfica são representados pela letra r apresentam uma
variação muito grande de dialeto para dialeto.
Como numa sala de aula comumente há alunos provenientes de várias regiões do
país, aí também encontramos uma variedade de pronúncias diferentes para "os erros" da
escrita das crianças.
Alguns alunos deixam de assinar a letra r de certas palavras porque segundo suas
pronúncias não ocorre nenhum som que eles reconhecem como pertencendo à categoria do
r. Por exemplo, há alguns alunos que escrevem acha (em vez de achar), pasia (em vez de
passear), etc. Num texto de um aluno de Aracaju encontrei ‘mecadio’. Ele não fala a nasal
palatal (nh), entre vogais, deixando tão somente a vogal anterior nasalizada, o que não
representou na escrita com o til porque não tinha aprendido o que era o til. Mas por que ele
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não marcou o r? Na sua fala a primeira sílaba da palavra é de fato de mercadinho.
Acontece, todavia, que foneticamente o [h] é semelhante à vogal à qual se liga, sendo
então uma versão desta, porém sussurrada. O aluno, ao falar [mehkadiu], ouvia [mE:]
como tendo apenas uma vogal longa (que sussurrada no final): [mEE] = [mE:], o que o
levou a escrever [mecadio].
A forma escrita pelo aluno pode chocar a quem só sabe ver por meio da ortografia,
mas para um foneticista apresenta algo preciso e correto. Um aluno como esse é
geralmente candidato a repetente e a renitente. Mas como escreveu bonito a palavra
mercadinho, após três meses de curso de alfabetização!... Da mesma forma, o aluno que
escreve craro em vez de claro certamente troca o l pelo r porque na fala diz [Kraru] e não
[klaru]. O aluno que escreve ‘percosu’ por pescoço, ‘droba’ por dobrar, é porque fala
provavelmente assim.
Em todos esses dialetos o som tende a ser surdo se a consoante seguinte for surda
e sonoro se a consoante seguinte for sonora. Em final de palavras é muito mais comum a
ocorrência de consoante surda.
Diante da vogal [i], na fala de muitos dialetos do Brasil, ocorrem pronúncias de
sons, como em [leitfi] leite, [potfi] pote, [podzi] pode. Essa diferença na realização falada
do que escreve com t não é problema na escola para o ensino de ortografia, tanto que mais
professores ensinam o ta, te, ti, to, tu dizendo [ta, te, tfi, to, tu] e a diferença nem chama a
atenção dos alunos. Em Sergipe e arredores, os sons [tf] e [dz] aparecem não diante da
vogal [i], mas depois dela, como em palavras [muitfo] muito, [doidzu] doido. Também aqui
essa variação não cria problemas para a escrita ortográfica, porque ocorre uma relação
clara entre a escrita t e d e suas realizações na fala.
A escola não deveria preocupar-se somente com a ortografia, mas também com o
funcionamento da fala; é importante saber como os alunos falam. Na leitura, um aluno pode
dizer [leitfi], [podzi], ou [leiti], [podi], dependendo da região, mas, mesmo em Sergipe,
onde as pessoas falam [muitu], [doidu], porque o modo de eles falarem sofre pressões
sociais para ser evitado, já que é estigmatizado, sobretudo, por falantes de outros dialetos
que zombam de quem fala dessa maneira.
Neste caso, a escola deve tomar cuidado com a explicação que dá ao aluno. Deve
mostrar-lhe que em todo lugar há vários modos de se falar e cada modo é próprio para
determinadas circunstâncias. Na fala comum diária entre iguais, pode-se dizer e de fato se
diz [muitu], [doidu]. O caso das ocorrências de [tf] e [dz] no português é um bom exemplo
do que a sociedade faz com a fala das pessoas para marcá-las socialmente, prestigiando-as
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ou desprestigiando-as: enquanto em muitos dialetos o [tf] e o [dz], ocorrendo diante de [i],
podem até ser marcas favoráveis, em outro os mesmos sons [tf] e [dz] são marcas
desfavoráveis, porque ocorrem não diante de [i], mas após essa vogal.
Na fala de muitos alunos, de diversos dialetos, também não ocorre a nasal palatal
de palavras como [bãnu] banho, [tinã] tinha, aparecendo em seu lugar um [i] quando a
nasal palatal não vier precedida nem seguida de [i]. Neste caso há sempre uma fronteira
silábica separando vogais, sendo que algumas vogais são obrigatoriamente nasalizadas,
como em [bã-iu] banho, [ti-a] tinha. É por causa de pronúncias desse tipo que alguns
alunos escrevem [bãiu] banho, tia (tinha), gai (ganhe).
Em geral, na escola, nos livros didáticos e na prática de ensino dos professores, a
relação entre as letras nasais m, n, nh e a fala é considerada quase direta, com os sons
[m, n, jn], exceto nas palavras que acabam em ram ou rão, como acharam, acharão. A
verdade, porém, é bem outra. Para ilustrar, vamos analisar alguns aspectos do que ocorre,
por exemplo, no dialeto paulista com diferentes palavras que contêm na forma ortográfica o
m.
. Quando o m assinala o início de sílaba, sua pronúncia é [m]; isso todo mundo
sabe e não erra.
. A dificuldade aparece quando o m marca final de sílaba.
. Se o m ocorre dentro de palavras, só pode estar diante de p ou b. Neste caso
pode ou não ocorrer um [m], por exemplo, em campo: [kãpu] ou [kãmpu]. Dependendo da
vogal anterior, em vez do [m] pode ocorrer outro tipo de nasal: imposto [inpostu], ombro
[õnbru].
. Quando o m, além de marcar o final da sílaba, marcar também o final da palavra,
podem ocorrer muitas variações na pronúncia, como:
vem: [ven], [veiñ]
bom: [bõn], [bõu]
fizeram: [fizeru], [fizereun]
jovem: [zovei], [zovi]
viagem: [viazei], [viazi]
Pelo que podemos observar o que é escrito com m, em português, possui uma
representação fonética extremamente complexa. Assim, é realmente necessário que a
escola observe a fala das crianças para poder compreender a sua produção escrita.
A seguir, vamos analisar mais um aspecto da fala.
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A estrutura fônica de palavras pode sofrer alterações quando juntamos uma
palavra com outra em frases ou até mesmo quando juntamos ou separamos as sílabas de
uma única palavra. Esse fenômeno de juntar sílabas em linguística é conhecido como
juntura silábica ou intervocabular. Muitas vezes a palavra juntura é usada significando
"juntura intervocabular", ficando especificada como juntura silábica só quando se referir às
sílabas.
No português o fenômeno da juntura tem muitos aspectos interessantes não só
para conhecer como ela funciona, como também para entender muitos erros de escrita de
crianças que estão começando a escrever.
Vamos considerar o que acontece com uma palavra terminada por vogal quando se
junta com outra que se inicia também por vogal. Observe como se pronunciam comumente
as sequências de palavras: pingo de água [pingudagua], também escrito d´agua; casa
amarela [kazamarela], etc. Como se verifica, pode haver alteração na estrutura de palavras
quando em juntura. O exemplo pingo d’água é tão familiar que até admite uma forma
ortográfica com apóstrofo.
O fenômeno de juntura pode envolver até três vogais, como é o caso de “toda a
amizade”, que, no momento da fala, perde duas das sílabas que poderia ter: [to-da-a-a-mi-
za-di] = [to-da-miza-di].
O aluno que escrever "O jabuti ocorreu no mato e viu macaco" e lê [...iviumakaku]
deveria ter posto na escrita "... e viu um macaco", mas não o fez porque achou que um
estava representado pelo final. A frase anterior não lhe parece estranha, porque ele a lê
com a entonação correta, o que não é feito por quem não sabe ler o que a criança escreve;
estes necessitam da presença da conjunção e, que então dá origem a outra estrutura
sintática. Diante de casos dessa natureza, a professora lê errado o que o aluno escreveu,
obrigando-o a aceitar algo que não fez e a engolir a presença do e quando na forma escrita,
apareça ou não na fala.
Vejamos agora o que ocorre quando a primeira palavra acaba em consoante e a
segunda começa com vogal:
vir aqui [vi-ra-ki]
casas amarelas [kaza-za-ma-re-las]
vem aqui [vê-na-ki]
Se a segunda palavra, em vez de vogal, começar com consoante:
casas pretas [kazaspretas]
mar calmo [markaumu]
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vem bomba [veimboumba]
tem tempo [teintempu]
Como se pode observar, às vezes ocorre uma mudança muito regular em finais de
palavras quando unimos uma palavra com outra, podendo haver até uma reestruturação
dos padrões silábicos.
Fato semelhante ocorre com os elementos finais de sílabas dentro de palavras
quando soletramos as sílabas, separando-as por pausas. Palavras como mesmo [mezmu],
desde [dezdi], quando soletradas, tornam-se [mez-mu], [des-di]. Como se vê, o que antes
era [z] agora ocorre como [s], como se os finais das sílabas isoladas das palavras soletradas
funcionassem como finais absolutos, contexto em que só ocorre [s] diante de pausa ou
silêncio.
Os ditongos e monoditongos se estruturam de maneiras diferentes quando um
enunciado é dito como um todo. Por exemplo, na minha fala digo as palavras como meia,
boia, fazendo uma sequência de ditongo transformar-se em monotongo; assim [mei-a],
[boi-a]. Porém, se disser essas palavras com uma pausa separando as sílabas, minha
tendência natural como falante do português será dizê-las da seguinte forma: [mei-ia], [boi-
ia], originando, então, sequências de dois ditongos.
Mais uma vez vemos a importância de buscar as explicações corretas para a fala e
para a ortografia sem confundi-las. Na escola, sobretudo na alfabetização, a criança que vai
aprender a escrever tem seu conhecimento da língua no ouvido e, quando ouve a
professora dizer coisas diferentes, usando uma fala, ela se vê perdida, sem entender
exatamente o que a professora explica e consequentemente, se vê em dificuldades para
responder ao que a professora espera. Muitos exercícios de discriminação auditiva são feitos
dessa maneira, e muitos alunos não se saem bem, pois não recebem as explicações
corretas para resolvê-los.
Quando as crianças começam a escrever suas primeiras histórias, revelam uma
percepção fonética muito aguçada. Percebem também que, se falarem as frases de maneira
lenta, podem explicar certas vogais que são omitidas na fala mais rápida, e isso pode servir
de guia para a escrita ortográfica. Essa fala mais lenta deve ser confundida com a sílaba,
que pode modificar a percepção do que foi dito.
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1.1.3 Forma Lexical
Outro tipo de problema que envolve as vogais e as consoantes e sua relação com
as letras da escrita diz respeito não tanto a processos fonológicos em funcionamento na
língua atualmente, mas diferentes formas lexicais de palavras, dependendo do dialeto do
falante. Obviamente a escrita ortográfica não acompanha essa evolução.
Algumas crianças podem dizer para:
pizza: [pitsara] ou [pitsa]
fósforo: [forsu] ou [fosforu]
você: [ose] ou [vose]
Essas formas lexicais são usadas pelas crianças para identificar as palavras que
querem escrever e, ao se basearem nelas para descobrir a forma escrita, escrevem fugindo
da forma ortográfica, mas revelando a forma fonética e a constituição lexical de palavras em
seus dialetos. A escola não pode desprezar esse estágio do aprendizado da escrita pela
criança, como deve entendê-lo e fazer disso um objeto de programação de atividades
futuras. Deixar as crianças escreverem textos espontâneos é de fundamental importância
para que façam corretamente a passagem da fala para a escrita e da escrita para ortografia.
Dessa forma, elas verão como a fala e a escrita funcionam, como os dialetos existem na
nossa sociedade, como uma classe pode ter falantes de diferentes dialetos, quando se usa
um dialeto e quando se usa outro. Mas para isso é preciso que a professora saiba o que
está acontecendo e o que ela está fazendo. Às vezes é preciso até mesmo que explique
detalhadamente ao aluno o que ele próprio fez, como fez e por que fez, além, é claro, de
como deveria ter feito e por quê.
1.1.4 Ritmo
Já uma poesia como "As pombas", de Raimundo Correia, não tem estrutura métrica
nenhuma para os ouvidos dos falantes de português, embora, seguindo a teoria tradicional
de metrificação, seja um poema parnasiano de forma irrepreensível:
"Vai-se a primeira pomba despertada...
Vai-se outra mais... mais outra... enfim dezenas
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De pombas vão-se dos pombais, apenas
Raia sanguínea e fresca a madrugada..."
Na verdade, esses versos nem sempre apresentam rima, porque os elementos que
deveriam ritmar não ocorrem em picos de saliência rítmica ou entoacional, mas
simplesmente no final da linha escrita! Algo tão simples como a sílaba, mal compreendida
pela escola, pode causar erros até dessa natureza! Essa má compreensão da poesia
acontece porque a escola não distingue com clareza o que são fatos da escrita, como a fala
realmente funciona, como a escrita realmente é.
Manuela Bandeira, na sua ironia e sutileza, deixou nos versos a seguir um exemplo
perfeito disso. Neles se nota um desrespeito às regras tradicionais de metrificação da teoria
literária, mas, na fala desses versos, há entonação e rimas que colaboram com o ritmo:
"O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio".
1.1.5 Acento
Outro exemplo da terrível confusão que a escola faz entre a escrita e a fala diz
respeito à tonicidade. A escrita não tem sílabas tônicas, nem átonas. Isso só ocorre na fala
e depende crucialmente de como as pessoas dizem e falam. O acento em palavras isoladas
é diferente do acento que essas palavras podem ter em enunciados como frases. A
gramática tradicional ensina que o a é átono e que a flexão verbal há é tônico.
Foneticamente, não é possível fazer esse tipo de distinção entre monossílabos.
Como ilustração, vejamos o que acontece na seguinte frase quando acentuada de
forma diferente:
a) Ele não comprou um carro novo.
b) Ele não comprou um carro novo.
c) Ele não comprou um carro novo.
Na verdade a, b e c são frases diferentes semanticamente, devido à estrutura
acentual que apresentam. Entre outras implicações percebe-se que:
. a frase a pode ser a resposta para a seguinte pergunta:
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"O que ele não comprou?"
. a frase b pode estar respondendo: "O que ele não fez?"
. a frase c poderia ser uma resposta para "Quantos carros novos ele não
comprou?"
Mostrar fatos como esses pode ser muito mais interessante e razoável do que
escrever apenas a palavra carro e solicitar a pronúncia dos alunos. Alguns autores têm uma
falsa visão da estrutura das línguas, operando suas análises e interpretações como se elas
fossem só um imenso dicionário, utilizando listas de palavras que ocorrem isoladamente.
A organização estrutural das línguas é mais do que isso. Uma frase não é apenas a
somatória de palavras do dicionário. A tonicidade é uma unidade do sistema rítmico da fala
de uma língua como o português. Se eu disser uma palavra soletrando as sílabas, com
durações iguais, minha fala não produzirá nenhuma sílaba tônica nem átona. A tonicidade é
uma medida relativa que só ocorre quando, comparando duas sílabas, percebe-se que uma
é mais saliente que outra. A saliência da sílaba tônica provém de uma duração maior, ou de
uma maior intensidade de pressão da corrente de ar, resultado de um maior esforço dos
músculos da respiração, ou de uma intensidade acústica maior, ou de uma altura melódica
maior, ou até de uma mudança marcante na direção do contorno melódico.
A alfabetização pode passar sem o ensino do que é uma sílaba tônica ou uma
sílaba átona. Isso os alunos vão aprender quando estudarem o ritmo da fala. Um erro
comum na escrita dos alunos ocorre, segundo a escola, quando eles põem vírgula entre
sujeito e predicado. Por exemplo, na frase a seguir não poderia haver vírgula entre Pedro e
não: Pedro não achou a bola no jardim.
Essa atitude encara o português como uma língua que se estrutura sintaticamente
com sujeito, predicado e complementos. Acontece, porém, que é muito frequentemente, na
fala, outro tipo de construção sintática, formada pelo que os linguistas chamam de tópico (o
termo que é o tema); e comentário (que é o termo que funciona como informação). Nesse
caso, a escrita deveria pôr uma vírgula como se vê abaixo: Pedro, não achou a bola no
jardim.
Há várias diferenças entre os dois exemplos acima; uma delas é que a entonação
do primeiro é diferente da do segundo.
As pessoas dizem orações subordinadas adjetivas restritivas e explicativas usando,
também neste caso, padrões entoacionais diferentes. Na escola, porém, há uma celeuma
em torno de um falso problema, causado pelo fato de a escrita exigir, neste caso, um
posicionamento do escritor. Mas, como este não sabe (não aprendeu) distinguir os dois
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tipos de entoação e não conhece as razões sintáticas e semânticas envolvidas, não sabe
como escrever, se com vírgula ou sem vírgula.
Não é raro encontrar professores que dizem que tanto faz. Outros são taxativos: se
puser a vírgula a oração é explicativa, se não puser é restritiva. Acontece que esse tipo de
explicação deixa o aluno perplexo, tendo de escolher entre pôr ou não a vírgula, sem saber
exatamente por quê. A explicação verdadeira é de natureza sintático-semântica e esse fato
se reflete na fala através da entoação. Quem não entendeu como a fala funciona, nesse
caso, jamais entenderá por que pôs ou deixou de pôr vírgula nesses tipos de frases.
Tem-se falado, em vários momentos, a respeito da variação linguística. A maior
parte dos problemas de fala e escrita está relacionado a esse fenômeno. É fundamental
saber sobre a fala e a escrita, sobretudo nos primeiros momentos da escolarização, ocasião
dos primeiros contatos das crianças com o estudo da sua língua, e em particular com a
aquisição do sistema de escrita na alfabetização. A própria visão da Gramática muda
dependendo do modo como se incorpora a variação linguística: de uma maneira tradicional
ou da forma como a Sociolinguística explica esse fenômeno.
Todo mundo sabe que há modos diferentes de se falar uma língua, mas diante das
diferenças se podem ser intransigentes, atribuindo a isso valores de certo ou errado de
acordo com uma gramática normativa preestabelecida pelos estudiosos, como se pode, por
outro lado, fazer uma gramática dessas mesmas diferenças e observar como a sociedade as
manipula para justificar seus preconceitos.
A escola, como representante da sociedade, costuma incorporar esses
preconceitos, mesmo sem ter consciência do fato. Por isso, parece importante discutir mais
detalhadamente esse assunto. Muitos dos aspectos técnicos apresentados antes se tornam
de mais fácil compreensão, mais claro, quando se entende de fato o que é variação
linguística. Juntamente com a questão linguística será preciso discutir alguns pontos
relacionados muito intimamente com ela, como, por exemplo, a alfabetização e o
letramento, bem como questões sobre leitura, gêneros textuais e literatura.
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interação com o conhecimento e ao descrever os processos mentais de cognição pelos quais
passam os seres humanos no seu desenvolvimento.
Foram as pesquisas de Piaget que introduziram o modelo pedagógico no qual o
professor se apresenta como um mediador entre os alunos e os conteúdos que pretende
ensinar, com cuidado de não oferecer conhecimentos prontos aos estudantes, mas de
propiciar um fazer, um agir do aprendiz na construção do próprio saber, como sujeito que
produz.
Até então, postulava-se uma posição passiva do aluno, como um sujeito
condicionado a limitações históricas, produto do meio, da herança cultural e de ideologias, à
espera de o professor, detentor do saber, lhe transmitisse o conhecimento.
Apesar de não ter se aprofundado nos estudos da linguagem humana, Piaget fez
uma descrição do processo de amadurecimento mental (interior) dos indivíduos,
demonstrando que todo ser humano passa por desenvolvimento cognitivo e operatório
desde o nascimento.
Para ele, a inteligência se desenvolve numa sequência de estágios mentais, que se
estruturam e reestruturam pela assimilação – organização de dados fornecidos pelo
ambiente exterior – e acomodação – reorganização própria dos dados assimilados, na busca
de compreender a realidade.
Digamos que esses procedimentos mentais possam ser descritos, por exemplo, como
quando um adulto mostra um cachorro a uma criança pela primeira vez: “Veja, que lindo!
Um cachorro! Um au-au”. A criança observa aquele animal com quatro pernas, peludo, com
focinho brilhante e que late (assimilação). Mais adiante os dois encontram um gato e a
criança diz: “Au-au!”, sendo corrigida pelo adulto: “Não. Este é o gato. É o miau!”
(acomodação).
- Os períodos de desenvolvimento segundo Piaget
Utilizando-se da palavra operação, no sentido de ação do sujeito sobre o objeto de
conhecimento, Piaget definiu quatro estágios do desenvolvimento da inteligência:
. de 0 a 2 anos: período sensório-motor;
. de 2 a 7 anos: período pré-operacional;
. de 7 a 13 anos: período operacional concreto;
. de 13 anos em diante: período das operações formais.
No período sensório-motor, os bebês expressam sensações de fome, frio, calor, dor,
conforto e desconforto inicialmente chorando ou sorrindo, depois balbuciando sons e
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finalmente falando, evoluindo de uma percepção desprovida de palavras para uma
percepção orientada e expressa pela fala.
Durante esse período, a criança é atraída por sons, cores e formatos e está sempre
lavando objetos à boca, usando o próprio corpo para conhecer o ambiente, movimentando
os braços, mãos, pernas, cabeça e tronco até chegar a andar.
Também é nessa fase que, com o objetivo de suprir suas primeiras necessidades de
comunicação, a criança, a partir do que ela ouve e do que os adultos conversam com ela,
inventa uma linguagem oral, sem reproduzir fielmente a fala do adulto, criando expressões
como “que”, “dá”, “nenê” qué papá”, “mãmã” e muitas outras, num processo de construção
e reconstrução da linguagem falada.
Por volta de 2 anos de idade, a criança ingressa no período pré-operacional, que se
estende, mais ou menos, até os 7 anos. Nessa fase, desenvolvem-se a percepção, a
memória e a atenção, e a criança ingressa num mundo mais amplo, comunicando-se de
forma coloquial, brincando de faz de conta, começando a rabiscar garatujas (formas
circulares, rabiscos verticais e horizontais) sobre qualquer superfície plana a seu alcance:
chão, paredes, papel.
Ao final desse período, por volta dos 6, 7 anos, a criança começa a aceitar regras de
reciprocidade social, de troca de conhecimento, e, por isso, passa a ser considerada apta a
frequentar o primeiro ano do Ensino Fundamental.
Segundo Piaget (1986), o desenho é uma forma de função semiótica que, para a
criança, se inscreve entre o jogo simbólico e a imagem mental, com as primeiras garatujas
não são imitações do que a criança vê, mas puro exercício de uma atividade motora.
No início do período pré-operacional as crianças ainda não possuem percepção
autorreflexiva, isto é, elas sabem mostrar com as mãos quantos anos têm e dizer seus
nomes (comum a partir de 3 anos), porém não têm consciência do que sabem.
Por volta dos 4 anos conforme as pesquisas de Ferreiro (1990), e Teberosky (1990),
a criança tenta imitar os adultos na maneira de escrever, criando formas hipotéticas de
escrita, com base na observação do mundo letrado que a cerca.
Vale dizer que estamos falando de crianças sem problemas de visão, audição ou
locomoção, e que estão sendo estimuladas por adultos e por um ambiente que favorece seu
desenvolvimento.
No terceiro período, denominado operacional concreto, a introspecção ou consciência
se desenvolve e a criança se torna consciente de seus processos mentais, podendo, daí para
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frente, operar sobre o concreto, isto é, construir conhecimento de maneira mais autônoma,
desde que diante de uma situação concreta que lhe possibilite pensar e agir.
O quarto e último período descrito por Piaget é conhecido como o das operações
formais e se caracteriza pelo desenvolvimento do pensamento hipotético-dedutivo,
iniciando-se por volta dos 13 anos e estendendo-se pela vida da pessoa.
Resta observar que Piaget vem sofrendo críticas justamente por ter dividido o
desenvolvimento mental das crianças em períodos estanques, como se fossem inatos.
Porém, assim como Vygotsky, em alguns momentos de sua obra, Piaget escapa desse
determinismo estrutural, colocando a interação entre o indivíduo e o ambiente como
determinantes do desenvolvimento do pensamento e da linguagem e responsável pelas
diferenças individuais que caracterizam os seres humanos.
Com base na pertinência da psicologia genética de Piaget, a argentina Emilia Ferreira
e a espanhola Ana Teberosky dedicaram-se a pesquisar as formas iniciais de conhecimento
de língua escrita e os processos de conceituação construídos por crianças a partir de 3-4
anos de idade no confronto de suas próprias ideias com a realidade que o meio lhes propõe.
Como docentes da Universidade de Buenos Aires, durante os anos de 1974 1975 e
1976 essas duas cientistas empreenderam um trabalho experimental que resultou no livro
intitulado “Psicogênese da língua escrita”, obra originalmente publicada em espanhol sob o
título “Los sistemas de escrita em el desarrollo del niño”, em 1984.
A pesquisa envolveu 180 crianças, entre 4 e 7 anos, de duas classes sociais: classe
média (CM) e classe baixa (CB). Algumas crianças nunca tinham frequentado a escola,
outras, estavam na pré-escola ou na antiga 1ª série do Ensino Fundamental. Todas foram
entrevistadas em três ocasiões: no começo, no meio e no final de um ano.
A importância desses assuntos se deve a uma nova maneira de interpretar a
aquisição da leitura e da escrita, do ponto de vista da criança, em situações experimentais,
em que se colocam a escrita tal como a criança a vê, a leitura tal como ela entende e os
problemas, tal como ela os propõe para si.
Desde muito cedo (entre 3 e 4 anos), qualquer criança, tendo a seu dispor lápis, giz,
carvão ou apenas gravetos, passa a usá-los como instrumentos capazes de deixar marcas
sobre uma espécie plana, e, inicialmente, no ato de rabiscar, o que a criança realmente
deseja é visualizar o resultado de sua ação. Porém, quando o rabisco “fica pronto”, ela
procura ver nele alguma imagem conhecida e assim faz outros rabiscos e começa a dizer o
que desenhou: “É um passarinho!” “Fiz a mamãe!”.
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Nessa fase, as crianças juntam a fala ao ato de desenhar e o desenho substitui a
escrita, assim como números substituem letras no ato de escrever. Porém, logo apresentam
tentativas de escrever (principalmente seu próprio nome), diferentes das tentativas de
desenhar. Dessa maneira, por volta dos 4 anos de idade, a criança descobre que as
ilustrações de um livro servem “para olhar ou para ver”, enquanto os textos escritos servem
“para ler” porque têm letras.
Apesar de já reconhecer a diferença entre texto e imagem, a criança não aprende a
escrita como uma representação da linguagem falada, e, por isso, para ela:
a escrita conserva propriedades do objeto que nomeia, por isso o tamanho de
uma palavra deve ser proporcional ao da imagem nomeada. Por exemplo: ao
escolher cartazes com figuras e palavras, costuma trocar as grafias de
FORMIGUINHAS e TREM uma pela outra;
a palavra aparece como a etiqueta de uma ilustração, ou seja, diante da figura de
um relógio, a palavra a seguir será lida como RELÓGIO, mesmo que ali esteja escrito
HORA;
a escrita representa apenas o nome do objeto (ou objetos), e as demais palavras
de uma oração são “apagadas” ou não precisam ser escritas, havendo uma
distinção, entre “o que está escrito” e “o que se pode ler”.
Ao chegar a essa última suposição a “hipótese do nome” a análise que a criança faz
se desloca do desenho para a linguagem propriamente dita resolvendo o primeiro conflito:
desenho e escrita são formas diferentes de representar “as coisas”? Daí para a frente
fazendo perguntas do tipo “como se escreve?” ou “como se diz?”, solicitando do adulto a
leitura de histórias, em interação com modelos que o meio lhes oferece ou recebendo
conhecimentos transmitidos pelos adultos na escola as crianças começam a construir uma
consciência linguística, que se desenvolve em etapas ou níveis de construção do
conhecimento.
Além disso, se as letras se repetem, não podem ser lidas, daí a segunda exigência: é
preciso uma variedade de caracteres para que alguma coisa esteja escrita uma leitura ou
expresse uma mudança de significado.
Nesse início de aprendizagem, as crianças costumam reproduzir (desenhar) seus
nomes, pela memorização da imagem visual que lhes foi ensinada pelo adulto, mas não
conseguem fazer uma análise sonora das partes que os constituem.
No nível 2, algumas crianças com 4, 5 e 6 anos começam a se desligar da leitura
global e a tentar uma correspondência entre as partes que constituem cada palavra (suas
sílabas). Porém, sem abandonar as duas exigências anteriores, realizam escritas e leituras
estranhas.
Por exemplo, a criança “escreve” repetindo as letras que conhece, apenas invertendo
alguns caracteres:
Valéria 4 anos
Aron = sapo
Aorn = pato
IAon = casa
Vejamos a seguir os fundamentos sociopsicolinguísticos e psicogenéticos da alfabetização.
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1.3 Fundamentos da alfabetização
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alfabetizadores possibilitam ao professor considerar os seus saberes de forma científica para
que as atividades propostas enfatizem a construção do conhecimento mais do que a tarefa
mecânica de copiar, por exemplo. Privilegia-se, assim, o “como ensinar”, partindo-se do
“como aprender”. Conhecendo o desenvolvimento do processo de aquisição da língua
escrita pela criança e ciente de que o aprendizado é um modo particular de construção de
conhecimentos em uma situação em que há uma intervenção intencional externa, o docente
pode organizar situações que favoreçam a aquisição e da escrita.
Saber ler e escrever não significa apenas conhecer o sistema alfabético da língua
escrita, saber fazer letras ou lê-las em um ato de leitura. O uso adequado da linguagem
escrita e de outras linguagens supõe saber ler criticamente diferentes tipos de texto
literário, expressar claramente, em uma carta, os sentimentos. Quem escreve põe em jogo
seus conhecimentos sobre a língua escrita, o sistema de escrita ou o sistema de notação
alfabética e também sobre situação de produção.
Ferreiro (1995, p. 22-35), distingue três grandes níveis no processo de construção do
sistema de escrita pela criança:
.um primeiro nível no qual ela consegue diferenciar a escrita de outros sistemas de
representação gráfica e estabelece na escrita certas condições internas para que esta possa
dizer algo;
um segundo nível, em que estabelece variações no sistema de escrita com a
intenção de produzir diferenças de significado;
um terceiro nível, em que “fonetiza” a escrita, isto é, estabelece relações com a
pauta sonora da fala.
As pesquisas de Ferreiro e Teberosky, já há 20 anos divulgadas e aplicadas nos mais
diversos países do mundo, são relevantes para os avanços em alfabetização, especialmente
em relação às concepções dos professores, porque desafiam sua postura pedagógica.
“Diagnóstico, avaliação, programação e sequência das atividades, método como modelo de
diálogo pedagógico, materiais, organização social da classe foram influenciados pela
perspectiva psicoevolutiva” (TEBEROSKY 1994 p. 74).
Apesar dessas inovações e avanços, “a descrição evolutiva que informa sobre aquilo
que a criança sabe tanto quanto sobre o que não sabe é usada apenas para diagnosticar e
avaliar, mas não para programar o ensino” (TEBEROSKY, 1994, p. 74). Os dois aspectos,
como diferentes elementos de uma proposta de alfabetização, merecem atenção em sala de
aula, na organização curricular da escola e nas políticas educacionais que são de
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competência do município, do estado e do país. Uma nova metodologia emerge da postura
evolutiva e torna mais eficaz o processo de ensino e de aprendizagem.
Nesse sentido, rejeitam-se os métodos tradicionais de alfabetização que, centrados
na demonstração reiterada, não correspondem às características do pensamento infantil em
função das contradições e dos conflitos enfrentados pela criança. Quando sua conceituação
de escrita é silábica, por exemplo, na tentativa de escrever palavras com a mesma letra, a
produção é rechaçada pela hipótese de variedade. Constata-se tal procedimento na hipótese
expressa pela criança que, ao ser convidada a escrever a palavra “pasta”, afirma ser isso
impossível uma vez que se salienta as vogais, inexistem sequências com letras iguais. Não
basta, pois, que a criança conheça as letras correspondentes aos fonemas para chegar a ler
e a escrever. É preciso que a leitura e a escrita sejam propostas coerentes e adequadas
para a idade das crianças.
Assim, adotar uma visão socioconstrutivista da linguagem escrita significa rever as
relações entre as modalidades (oral e escrita) do discurso e, também, considerar o papel
constitutivo da interação social, especialmente quando fora da escola não há o uso da
leitura e da escrita, situação que restringe os conhecimentos que melhor poderiam subsidiar
o processo de alfabetização. A organização de um ambiente alfabetizador ou leiturizador ou,
ainda, de uma sala de aula textualizada constitui recurso para o desenvolvimento da leitura
e da escrita.
No entanto, constata-se que, quando se reconhece a importância do ambiente
alfabetizador, a tendência de muitos professores é prender-se ao material exposto (livro,
revista, jornais, cartazes), deixando de lado o aspecto linguístico e desconsiderando a
relação dialógica imprescindível. O aspecto material e externo ao sujeito não é o que
influencia o desenvolvimento da leitura; o ambiente linguístico, no qual se discute,
questiona, reflete é que desencadeia o acesso ao mundo letrado. Se houvesse relação entre
aquisição da língua escrita e a quantidade de material exposto do aprendiz, não haveria
analfabetos.
O grande desafio proposto ao professor é alfabetizar tendo o texto como unidade
básica e ensinar a ler a partir da reflexão sobre o processo envolvido na alfabetização. A
autonomia na leitura desenvolve-se com o aumento da experiência, na medida em que
ocorre a ampliação de conhecimentos que servem de apoio à identificação de palavras, de
frases e de modalidades de texto.
Não se formam bons leitores oferecendo materiais de leitura empobrecidos,
justamente no momento em que as crianças são iniciadas no mundo da escrita. As pessoas
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aprendem a gostar de ler quando, de alguma forma, a qualidade de suas vidas melhora com
a leitura.
Idealmente, a criança vem à escola com habilidades de linguagem oral, bem
desenvolvidas, o que constitui um fundamento para o domínio da língua, da leitura e da
escrita. Traz também, o conhecimento de narrativas, poemas, parlendas, trava-línguas e
adivinhações. Porém, a aquisição da escrita requer o conhecimento das estruturas
fonológicas da língua e de como as unidades gráficas se conectam às unidades faladas.
Uma proposta de ensino articuladas às necessidades reais das crianças inclui intervenções
do docente sustentadas por fundamentos teóricos sólidos.
No processo de alfabetização, é essencial incorporar às práticas de sala de aula o
texto literário – narrativas e poemas – para, de maneira particular, compor o conhecimento
da criança e redimensionar a afetividade, pela mediação dos signos verbais ou mesmo não
verbais. Alfabetizar, assim, inclui a reinvenção da linguagem, a expressão da subjetividade e
as singularidades próprias do código escrito.
Partindo da questão
alfabetização e linguagem em que a
aquisição desta é proveniente da
significação das palavras organizadas de
modo lógico a fim de produzir
comunicação, lancemos um olhar
quanto às questões de alfabetização.
Fonte: http://migre.me/pJbJJ
“Nosso conhecimento inicial de nossa língua materna é oral. Nosso saber apoia-se,
portanto, sobre unidades orais que são ao mesmo tempo som e sentido. Falar ou
compreender é atualizar o conhecimento das palavras, compreender o sentido das palavras;
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em certos casos, apenas som, quando não sabemos ‘o que isso quer dizer’”. (BRESSON,
2009. p.32)
A língua é uma das ferramentas mais poderosas do ser humano, e sua importância
é dada pelo motivo de propiciar uma representação de palavras como meio de comunicação
e expressão, seja ela falada ou escrita, constituindo regras aceitas por uma comunidade
linguística.
Intimamente ligado ao primeiro, o termo linguagem apresenta uma extensão de
sentido, por comunicar ideias, sentimentos e ações por meio dos signos convencionados
pelas pessoas, a fim de aumentar a capacidade de entendimentos de informações gráficas,
sonoras ou gestuais.
O estudo da língua é fundamental, sem ele não avançamos muito no campo da
linguagem; mas, por outro lado, é essencial conhecer o uso efetivo dos termos
“Alfabetização” e “Letramento” em sociedade.
Segundo Mello (2007), os estudos apontam para a perspectiva histórico – cultural a
fim de garantir uma relação entre infância, educação e escola da infância. Os estudos
focalizam a necessidade de pensar o direito à infância como condição para máxima
apropriação das qualidades humanas.
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Mesmo as contribuições de Ferreiro (1990), como terreno comum para as
perspectivas mais modernas, que embasam programas de formação continuada e propostas
curriculares Brasil afora, acabam chegando à escola de maneiras distintas. Vem daí a
discussão que traz dois enfoques, que ficaram conhecidos como construtivismo e
letramento.
Em meio à disputa, perde a aprendizagem. Apenas oito em cada 100 brasileiros de
15 a 64 anos são plenamente capazes de se expressar com letras e números, segundo o
Indicador de Alfabetização Funcional (INAF). Para mudar essa característica no futuro, é
preciso agir agora. Quais são, afinal, as práticas mais adequadas para alfabetizar? As
diferenças entre duas concepções modernas realmente existem, mas a prática de sala pode
até se enriquecer contemplando atividades de ambas. Bandeira branca para que todos
possam aprender a ler e escrever.
Até a metade do século XX, as pessoas foram alfabetizadas do mesmo jeito:
Primeiro, ensinavam-se as letras, depois se juntavam as letras para formar palavras. Essas
atividades eram sem sentido, porque se demorava a chegar ao significado.
Na virada para o século XX, novas propostas se dividiam em dois grupos. O primeiro,
dos métodos sintéticos, desenhava um caminho de ensino da parte para o todo, começando
com a compreensão de unidades como a letra (método alfabético), fonema (método fônico)
ou sílaba (método silábico). Um segundo grupo, o dos métodos analíticos, propunha a
trajetória inversa: do todo para a parte, iniciando com o estudo de palavras (palavração),
frases (sentenciação) ou do texto inteiro (método global).
Essas teorias chegavam aos professores de forma inflexível e fechada, o que trouxe
problemas. Entre os métodos sintéticos, privilegiava-se a decifração, com os alunos
memorizando sílabas (ba-be-bi-bo-bu) para depois tentar formar palavras ou frases
descontextualizadas (“eu vejo a barriga do bebê”). Boa parte deles se focava em exercícios
mecânicos e práticas hoje reconhecidas como ineficientes. Em comum: todas elas tratam o
processo de alfabetização como a aquisição de uma técnica, relacionada apenas às relações
entre sons e letras. São procedimentos lineares, sequências de atividades que não preveem
a participação ativa do aluno.
Já entre os métodos analíticos, a crítica era a falta de reflexão sobre o
funcionamento do sistema alfabético. Na busca exclusiva pelo significado do que estava
escrito, dedicava-se pouco tempo ao estudo das relações grafofônicas – a ligação entre os
sons da fala e suas possíveis grafias. Para os especialistas, cresce o consenso de que é
preciso trabalhar, ao mesmo tempo, tanto as unidades menores (investigar com quantas e
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quais letras se escreve uma palavra, e onde elas devem estar posicionadas) quanto aos
processos de compreensão e produção de textos (estudar as características de cada gênero
– marcas de estilo, intenção de escrita e destinatário -, possibilitando à turma ler e escrever
antes de dominar convencionalmente esses processos). É fundamental a eficácia da
combinação entre análise da língua e compreensão. É importante compreender a estrutura
de uma frase e estar familiarizados com a organização de gêneros impressos para ler com
fluência.
“A psicogênese da língua escrita deve influenciar o trabalho de qualquer um que
volte para alfabetização”, afirma Magda Soares (2009, p.24), professora emérita da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Por exemplo, desde os 4 anos antes de
serem capazes de ler textos, as crianças possuem critérios para admitir se uma marca
gráfica pode ou não ser lida – ou seja, distinguem letras e números de simples grafismo.
Todo esse aprendizado começa antes mesmo da escolarização. Os pequenos
aprendem interagindo com textos nas mais diferentes situações: em celulares e tablets, na
televisão, ao observar livros existentes em casa e em outros momentos, como em agendas
telefônicas ou observando placas com o nome de ruas. Novamente essa constatação tem
espaço no ensino de muitos países. Para o Conselho Nacional de Educação da Finlândia,
uma das razões de o país figurar no topo do ranking de avaliações internacionais como o
Pisa é o fato de sua população ler muito. Os finlandeses contam com uma excelente rede de
bibliotecas públicas, a maioria das famílias assina ao menos um jornal e ler histórias para as
crianças antes de dormir é uma tradição.
As descobertas sobre como as crianças aprendem também impactaram
profundamente o trabalho em aula, tornando indispensável uma série de práticas. Em geral,
elas estão relacionadas à importância de fazer com que os pequenos reflitam sobre o
sistema alfabético enquanto se inserem no mundo da cultura escrita – justamente a mescla
de perspectiva de alfabetização e letramento.
Os estudiosos também concordam quanto à importância de se observar, durante
todo o trabalho, como crianças estão avançando em suas hipóteses de escrita: pré-silábica
(o aluno conhece as letras, mas elas não correspondem ao que se fala), silábica (cada letra
ou símbolo corresponde a uma sílaba falada), silábica-alfabética (ora se escreve atribuindo a
cada sílaba uma letra, ora representando todo fonema ) e alfabética (o aluno entende que
cada caracter corresponde a um valor sonoro menor do que a sílaba). O trabalho consiste
em garantir que o aluno avance progressivamente de um nível para o seguinte, defende
Soares (2009).
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Apesar de unidos pela referência à psicogênese da língua, o enfoque de inspiração
construtivista e a perspectiva do letramento divergem quanto a um aspecto fundamental: a
relação entre fala e escrita. Para os construtivistas, a língua escrita constitui um sistema de
representação independente da fala e escrita. O ensino, então, não pode se basear apenas
na relação entre os sons e as letras. As crianças tomam consciência dessa relação como
uma consequência do processo de compreensão da escrita.
Já para os adeptos do letramento, é necessário um ensino sistemático dessas
relações. “Para que a criança avance, devemos orientá-la a prestar atenção na palavra
como som, e como som que pode ser segmentado em fonemas, estes, finalmente,
representados por letras”, afirma Soares (2009, p.32).
Se do ponto de vista teórico uma conciliação total parece distante – seria preciso
questionar os princípios que fundamentam cada um dos enfoques, mas a situação é bem
menos radical em sala de aula. É verdade que, por causa de seus fundamentos, as
propostas para cada caminho divergem: para os construtivistas, muitos aspectos da língua
escrita – como a orientação do texto, a sua organização em linhas, a diferença entre letras
e outros sinais – são aprendidos pela criança por meio de seu contato com os materiais
escritos. Já para a perspectiva do letramento, é importante reservar momentos em que as
crianças os observem por meio de exercícios de identificação de sílabas em palavras, por
exemplo.
Nesse momento, ainda não há pesquisas que indiquem uma clara vantagem de um
dos lados. Os dois têm bons resultados. Para você, professor, o avanço é que nenhum dos
enfoques nega o outro: embora a ênfase varie, os dois combinam atividades de reflexão
sobre o sistema de escrita com outras que privilegiam a compreensão de textos em seu uso
social. Em vez de aprisionar, eles aumentam o leque de opção para ensinar.
Conhecer linhas de alfabetização é essencial. Primeiro para separar o que está ultrapassado
do que funciona. Segundo, para escolher as práticas mais eficientes para cada aluno e cada
ocasião. Na sua aula, o direito de aprender deve estar acima das disputas.
ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO
Dicas
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Antes de continuar seu estudo, realize o Exercício 1 e a
Atividade 1.1.
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UNIDADE 2
TEXTO E LEITURA
OBJETIVO DA UNIDADE: Conhecer a noção de texto e leitura e seus respectivos
estudos na atualidade que influenciam o ato de ler.
Sem dúvida alguma, a palavra texto é familiar a qualquer pessoa ligada à prática
escolar. Ela aparece com alta frequência no linguajar cotidiano tanto no interior da escola
quanto fora dos seus limites. Não são estranhas a ninguém expressões como as que
seguem: “redija um texto”, “texto bem elaborado”. O estudante tem algumas noções sobre
o que significa texto. Entre essas noções, algumas ganham importância especial para esta
disciplina, que se propõe a refletir sobre texto e intertextualidade. Neste estudo sobre a
noção de texto, vamos fazer uma primeira consideração.
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talvez a única mentira de sua vida (referência à Bíblia Sagrada, Livro do Evangelho de João,
cap.18, 25-26).
Como se pode notar, a defesa do secretário foi infeliz e desastrosa, produzindo
efeito contrário ao que ele tinha em mente. A citação, no caso, ao invés de inocentá-lo,
acabou por comprometê-lo.
Sob o novo ponto de vista da análise do texto, qual teria sido a razão do equívoco
lamentável cometido pelo secretário? Sem dúvida, a resposta é esta: ao citar a passagem
bíblica, o acusado esqueceu-se de que ela faz parte de um texto e, em qualquer texto, o
significado das frases não é autônomo.
Desse modo, não se pode isolar frase alguma do texto e tentar conferir-lhe o
significado que se deseja. Como bem observou o repórter, no episódio bíblico citado pelo
secretário, São Pedro, enquanto Cristo estava preso, foi reconhecido como um de seus
companheiros e, ao ser indagado pelo soldado, negou três vezes seguidas conhecer aquele
homem. Segundo a mesma Bíblia, posteriormente Pedro arrependeu-se da mentira e chorou
copiosamente.
Esse relato serve para demonstrar de maneira simples e clara que uma mesma frase
pode ter significados distintos dependendo do contexto dentro do qual está inserida. O
grande equívoco do secretário, para sua infelicidade, foi o de desprezar o texto de onde ele
extraiu a frase, sem se dar conta de que, no texto, o significado das partes depende das
correlações que elas mantêm entre si.
Isso nos leva à conclusão de que, para entender qualquer passagem de um texto, é
necessário confrontá-la com as demais partes que o compõe sob pena de dar-lhe um
significado oposto ao que ela de fato tem.
Entende-se por contexto uma unidade linguística maior onde se encaixa uma
unidade linguística menor. Assim, a frase encaixa-se no contexto do parágrafo, o parágrafo
encaixa-se no contexto do capítulo, o capítulo encaixa-se no contexto da obra toda. Uma
observação importante a fazer é que nem sempre o contexto vem explicitado
linguisticamente. O texto mais amplo dentro do qual se encaixa uma passagem menor pode
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vir implícito: os elementos da situação em que se produz o texto podem dispensar maiores
esclarecimentos e dar como pressuposto o contexto em que ele se situa.
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Voltemos aos três colocados no princípio desta lição. O poema de Gonçalves Dias
possui muitas virtualidades de sentido. Entre elas, a exaltação ufanista da natureza
brasileira. Para ele, nossa pátria é sempre mais e melhor do que outros lugares. Os versos
do Hino Nacional retomam o texto de Gonçalves Dias para reafirmar esse sentido de
exaltação da natureza brasileira. Já os versos de Murilo Mendes citam Gonçalves Dias com
intenção oposta, pois pretendem ridicularizar o nacionalismo exaltado que pode ser lido no
poema Gonçalves Dias.
Um texto cita outro com basicamente duas finalidades distintas:
Para reafirmar alguns dos sentidos do texto citado.
Para inverter, contestar e deformar alguns dos sentidos do texto citado; para
polemizar com ele.
Em relação ao texto de Gonçalves Dias, o Hino Nacional enquadra-se no primeiro
caso, enquanto o de Murilo Mendes encaixa-se no segundo. Quando um texto cita outro
invertendo seu sentido, temos uma paródia. Os versos do Hino Nacional, colocados no
princípio desta lição, parafraseiam versos de Gonçalves Dias; os de Murilo Mendes
parodiam-nos.
A percepção das relações intertextuais, das referências de um texto a outro,
depende do repertório do leitor, do seu acervo de conhecimentos literários e de outras
manifestações culturais. Daí a importância da leitura, principalmente daquelas obras que
constituem as grandes fontes da literatura universal. Quanto mais se lê, mais se amplia a
competência para apreender o diálogo que os textos travam entre si por meio de
referências, citações e alusões. Por isso cada livro que se lê torna a capacidade de
aprender, de maneira mais completa, o sentido dos textos.
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É possível perceber que o texto sempre se mostra impregnado de recordações de
outros textos, por isso, podemos entender que o texto não surge do nada, mas sim de algo
que existiu no passado. Quando alguém nos conta uma estória, ao formar o texto, o(a)
falante nem sempre tira algo elaborado por ele(a) mesmo(a), no entanto, busca em outros
enunciados algo que possa assemelhar-se ao estilo dele.
Os enunciados não são indiferentes relacionam-se mutuamente e devem ser
considerados, como respostas a enunciados anteriores do passado imediato ou remoto, ou
ainda a outros enunciados do presente. Podemos, então, introduzir direta ou indiretamente
o enunciado de outro no nosso próprio contexto. É possível parafrasear o enunciado de
outro e incorporá-lo em nosso texto e fazemos referência a ele como a opinião. A linguagem
e estilo se esclarecem mutuamente. A relação do gênero discursivo com relação ao sentido
encarnado na palavra não é aleatória.
Todo texto é um desafio ao leitor. Desafio porque podemos encontrar, dentro de
um mesmo texto, vários outros textos, vários diálogos com outros textos. A
intertextualidade é condição de produção de textos. Isto significa que um texto sempre
retoma ideias em relação a outro; um filme se relaciona a um programa de tv, um conto, a
outro conto. Nesse sentido, a intertextualidade tem campo de ação muito amplo. Podemos
destacar:
Intertextualidade manifesta.
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Evidentemente, a intertextualidade está ligada ao “conhecimento de mundo”, que
deve ser compartilhado, ou seja, comum ao produtor e ao receptor de textos. Trata-se da
possibilidade de criar um texto a partir de outros textos. As obras de caráter científico
remetem explicitamente a autores reconhecidos, garantindo, assim, a veracidade das
afirmações.
A intertextualidade pressupõe um universo cultural muito amplo e complexo, pois
implica a identificação / o reconhecimento de remissões a obras ou a textos / trechos mais,
ou menos conhecidos, além de exigir do interlocutor a capacidade de interpretar a função
daquela citação ou alusão em questão.
A relação que o leitor estabelece entre um texto e outro depende de um lado da
marcação mais ou menos clara no texto, e de outro, da cultura de quem o lê. Fiorin (1995,
p.14), afirma que “a percepção das relações intertextuais, das referências de um texto a
outro, depende do repertório do leitor, do seu acervo de conhecimento literário e de outras
manifestações culturais”.
Para entender a relação estabelecida entre um texto e outro, dependendo do texto,
é preciso uma erudição por parte do leitor, de modo que esta permitirá uma interpretação
ampla da intertextualidade presente no texto. Além disso, todo texto traz consigo vozes da
sociedade. Há também o jogo de poder dessas vozes. O leitor tem que ser perspicaz para
entender a mensagem inserida do texto. A compreensão integral de um texto depende da
ligação entre ele outro(s), ou seja, o(a) leitor(a) deve estabelecer vínculo entre o texto e
outros muitas vezes oriundo de um passado histórico.
Kristeva nota que “o texto absorve e é construído de textos do passado, textos
sendo os maiores artefatos que constituem a história” (KRISTEVA apud FAIRCLOUGH, 2001,
p. 134). Para Fairclough (2001, p. 138), “a intertextualidade manifesta interdiscursividade,
transformações textuais e como textos constituem as identidades sociais”.
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perspectivam os elementos construtivos do ato de ler, exportando-os para o bojo de uma
estrutura significativa.
O ato de ler em sua definição nos mostra que a leitura se distanciou do ambiente
escolar e das práticas recorrentes de nossos alunos, fazendo com que percam a visualização
de uma linguagem objetiva, projeta-se então um problema que talvez não represente
preocupações graves ao longo do período de escolarização, mas que irá ser enfrentado na
futura formação profissional, quando o mercado de trabalho exigir competências linguísticas
e de expressão oral para a atribuição de um cargo.
A leitura tem em sua concepção, que por meio da percepção, o sujeito toma
consciência de documentos escritos existentes no mundo. Ao busca sua intencionalidade,
abrem-se novas possibilidades de significações, para o alvitramento dos signos. Não
nascemos leitores à altura de sábios, as representações semânticas são aprimoradas
conforme o fortalecimento do nosso nível de linguagem, ao vivenciar textos clássicos e
conseguir criar analogias com os contemporâneos, bem como as situações corriqueiras,
amadureceram as práticas de leitura juntamente com nosso potencial cognitivo.
Silva (2008, p. 41), ressalta que “A leitura se manifesta, como experiência resultante
do trajeto seguido pela consciência do sujeito em seu projeto de desvelamento do texto”,
esse desvelamento irá permitir que esse leitor se constitua como ser social, alguém que
pode enxergar além do que sociedade poderá impor. O leitor experiente encontra nos textos
de temas diversos as possibilidades de reflexões sociais, como suas ideias passam por um
processo de amadurecimento, começam a construir pontes entre as questões da
contemporaneidade representadas dentro de seu contexto e do contexto do livro.
Ao instituir a leitura nas escolas, o processo tem se desvinculado de seu sentido real,
perdendo sua naturalidade, tornando-se uma estafante rotina. Segundo da Silva (2008, p.
48), “a interação entre os textos e leitores foi ficando cada vez mais distorcida, afetada ou
estereotipada, desviando-se de propósitos como fruição significativa e prazerosa, a reflexão,
a discussão, a produção de novos significados”.
É justamente na troca de experiências e histórias de leitura que, de fato, ocorre a
interação entre leitores. Contudo, a escola parece não estimular a função interativa das
práticas de leitura, ao privilegiar atividades que desmotivam o aluno e provocam a aversão
dos educadores ao mundo dos livros.
Se o objeto de estudo se mostra tão amplo, é necessário que o educador procure
selecionar conhecimentos mais que a produção de memorização de conteúdos, prezando
pela universalidade e objetividade da linguagem, o que tornará possível aos educandos a
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abertura de reflexões mais amplas e lógicas. Assim, o desvelamento do texto, vai visibilizar
suas relações internas visando à comunicação e a persuasão, bem como o seu lugar na
cultura e na sociedade.
Partindo do pressuposto de Lajolo (1997), somos herdeiros de uma tradição
educacional pobre e improvisada, alegando que os professores leem pouco e os alunos leem
menos ainda, fato este que nos evidencia o problema de descuido com a gramática e
interpretação textual que nós vivenciamos diversos níveis educacionais.
O leitor crítico sempre leva à produção ou construção de outro texto: produção essa
advinda do conhecimento provocado no leitor. Deste modo, a leitura crítica sempre gera
expressão: o ser leitor se torna construtor de novas significações. Assim, este tipo de leitura
é muito mais do que um simples processo de apropriação de significado; esse tipo de leitura
caracteriza-se como uma elaboração de um projeto, pois se concretiza a partir de uma
proposta por um agente e ressignificada e colocada em prática por outro.
A leitura literária deveria ser trabalhada na escola como essa “janela para o
mundo”. A obra literária poderá, assim, ser recriada e reinventada pelos leitores, tendo em
vista as diferenças de repertórios, de experiências prévias de leituras, bem como a
diversidade e heterogeneidade de expectativas dos leitores.
Ler é olhar para o mundo por intermédio das palavras, o diálogo que os meios de
comunicação tentam esclarecer por vezes é objetiva, por outras é subjetiva. O contexto seja
ele de uma leitura literária, informacional ou publicitária revela uma intenção que é emitida
e interpretada diferentemente em cada indivíduo e, para que possa exercer domínio sobre
essas leituras, é necessário que se torne um usuário competente da capacidade de leitura.
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atividades que induzam reflexões sobre diversos temas presentes no cotidiano de seus
alunos.
Na atividade de leitura e produção de sentido, colocamos em ação várias estratégias
sociocognitivas. Essas estratégias por meio das quais se realiza o processamento textual
mobilizam vários tipos de conhecimento que temos armazenados na memória, como
veremos neste capítulo. Dizer que o processamento textual é estratégico significa que os
leitores diante de um texto, realizam simultaneamente vários passos interpretativos
finalisticamente orientados, efetivos, eficientes, flexíveis e extremamente rápidos. Para
termos uma ideia de como ocorre o processamento textual, basta pensar que, na leitura de
um texto, fazemos pequenos cortes que funcionam como entradas a partir dos quais
elaboramos hipóteses de interpretação.
Koch (2002, p.32), afirma que, para o processamento textual, recorremos a três
grandes sistemas de conhecimento:
. conhecimento linguístico;
. conhecimento enciclopédico;
. conhecimento interacional.
- Conhecimento linguístico
Texto 1
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Para a compreensão dessa tirinha, é necessário considerar a ligação entre a ideia 2
não necessariamente a certa estabelecida pelo elemento coesivo – mas -, conjunção que
expressa oposição em relação ao esperado, ao pressuposto. No caso, se é mão única,
espera-se que seja a certa. O que o uso do “mas” expressa, no exemplo, é justamente a
oposição à ideia pressuposta. Certamente, poderemos realizar leituras e leituras em relação
à tirinha, porém, nessa atividade de produção do sentido, o mas é elemento relevante.
Texto 2
Fonte: http://migre.me/vCId4
A mesma Pitú que você bebe em qualquer lugar do Brasil pode ser encontrada em
vários lugares do mundo. Na Europa, desde os anos de 1970. Na Ásia e na América do
Norte, desde os anos de 1980. Já faz tanto tempo que a cachaça pernambucana é
conhecida no exterior que, lá fora, o nome da marca confunde-se com o nome da bebida.
Muita gente pede Pitú ao invés de pedir cachaça. E assim fica com uma ótima referência
dessa bebida genuinamente brasileira.
No texto, o enunciado “Pitu is on the table” nos chama a atenção por dois motivos,
não necessariamente na ordem em que apresentamos: primeiro porque está escrito em
letras garrafais; segundo, porque contém uma expressão – com a função sintática de
predicado – não em língua portuguesa, mas em língua inglesa.
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A compreensão da mensagem exige do leitor resposta à questão: o que significa a
expressão em inglês? A expressão is on the table, cujo significado é “está sobre a mesa”,
pode ser entendida por alguém que conheça um mínimo de língua inglesa. Esse
conhecimento da língua e do significado da expressão é pressuposto para compreensão que
será mais completa se o leitor:
perceber a “brincadeira” feita a partir de uma frase básica que os inciantes
em inglês aprendem: “The book is on the table”;
levar em conta que o uso do inglês e não de uma outra língua é indicadora
de prestígio e abrangência da língua inglesa no cenário mundial;
considerar não só a mensagem produzida, mas também o meio de circulação
e o objetivo: veiculado em revista brasileira de grande tiragem, o anúncio
objetiva atingir novos consumidores com base na ideia da apreciação-
aceitação da cachaça brasileira (leia-se Pitú) em vários lugares do mundo.
Além disso, contudo, necessário se faz que o leitor considere os aspectos
relacionados ao conhecimento e uso da língua, à organização do material linguístico na
superfície textual, ao uso dos meios coesivos para introduzir e retomar um referente. No
texto, a referenciação a Pitú é construída por meio das expressões nominais: a cachaça
pernambucana, o nome da bebida, bebida genuinamente brasileira, destacando-se a
seleção lexical adequada ao tema ou aos modelos cognitivos ativados.
Texto 1
Texto 2
Como os personagens de tirinhas fazem a barba
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Texto 3
QUEBROU, PAGOU
- Conhecimento interacional
Refere-se às formas de interação por meio da linguagem e engloba os conhecimentos:
. ilocucional;
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. comunicacional;
. metacomunicativo;
. superestrutural.
- Conhecimento ilocucional
Permite-nos reconhecer os objetivos ou propósitos pretendidos pelo produtor do
texto, em uma dada situação interacional. No trecho a seguir, extraído do livro A maior flor
do mundo, escrito por José Saramago, reconhecemos o propósito do autor: desculpar-se
antecipadamente, caso o livro não agrade ao público infantil (os virtuais leitores), uma vez
que se trata de sua primeira obra endereçada a criança. Trata-se de um exemplo muito
bom de conhecimento ilocucional. Vejamos.
Por sua vez, no texto a seguir, o autor propõe que consideremos, para a produção
de sentido, a falta de conhecimento ilocucional, revelada no balão do último quadrinho
referente à fala do garoto em resposta à “bronca-crítica” do pai. Vejamos.
Na infância, ele era diferente. Acreditava nos outros, acreditava nas coisas.
Quando alguém dizia:
- Por que não vai ver se estou na esquina?
Ele corria até a esquina, olhava esperava um pouco, reconfirmava e voltava:
- Não tem ninguém na esquina.
- Quer dizer que voltei.
- Por que não me avisou que voltou?
- Voltei por outro caminho.
- Que outro caminho?
- O caminho das pedras. Não conhece o caminho das pedras?
Não.
- Então não vai ser nada na vida.
Outra vez, numa discussão, alguém foi imperioso:
- Quer saber? Vá plantar batatas.
Ele correu no armazém, comprou um quilo de batatas e foi até o quintal, plantou
tudo. Não é que as batatas germinam? Houve também aquele dia em que um amigo
convidou:
- Vamos matar o bicho?
- Onde o bicho está?
- Ali no bar.
- Que bicho? É perigoso? Me dê um minuto, passo em casa, pego a espingarda do
meu pai...
- Espingarda? Venha com sede.
- Matar o bicho, meu caro, é beber uma pinga.
Em outra ocasião para a Mercedes?
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- Não. Por quê?
- Ela passou por mim, está com a cara amarrada.
- Amarrada com barbante, com corda, com arame? Por que uma pessoa amarra a
cara da outra?
- Nada, esqueceu! Você ficou com cara de mamão macho, me deixou com cara de
tacho. É um cara de pau e ainda fica aí me olhando com a mesma cara.
Outra vez, uma menina que ele queria namorar, se encheu:
-Pára! Não me amole! Por que não vai pentear macaco?
Naquela tarde, ele foi surpreendido no minizoológico do bairro, com um pente na
mão e tentando agarrar um macaco, a quem procurava seduzir com bananas.
Uma noite, combinaram de jogar baralho e um dos parceiros propôs:
Vai ser a dinheiro ou a leite de pato?
- Leite de pato, propuseram os jogadores.
Ele se levantou:
- Então, esperem um pouco. Trouxe dinheiro, mas não leite de pato. Vou
providenciar.
- E onde vai buscar leite de pato?
- Leite de pato, propuseram os jogadores. Ele se levantou: - Então, esperem um
pouco. Trouxe dinheiro, mas não leito e de pato. Vou providenciar. - E onde vai buscar leite
de pato?
- A Mirela, ali da esquina, tem um galinheiro enorme, está cheio de patos. Vou ver o
que arranjo.
Voltou meia hora depois: - Não vou poder jogar. Os patos, me disse a Mirela, não
estão dando leite faz uma semana.
Riram e mandaram ele sentar e jogar. Em certo momento, um jogador se irritou,
porque o adversário, apesar de ingênuo e inocente, tinha muita sorte. - Vou parar. Você
está jogando com cartas marcadas.
- Claro que tem marca! É Copag, a melhor fábrica de baralhos. Boa marca, não
conheço outra. - Está me fazendo de bobo, mas aí tem dente de coelho.
- Juro que não! Por que haveria de ter dente de coelho? Quem tirou o dente do
coelho?
- Além do mais, você mente com quantos dentes tem na boca. A gente precisa ficar
de orelha em pé.
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- Não estou fazendo nada. Estou na minha, com meu joguinho, vocês é que
implicam. - Desculpa de mau jogador.
- Não devo nada a ninguém aqui.
- Deve os olhos da cara.
- Devo? Não comprei os meus olhos. Nasceram comigo. Só se meus pais compraram
e não pagaram.
Todos provocaram, pagavam para ver. - Não venha com conversa mole, pensa que
dormimos de botina?
- Não penso nada. Aliás, nunca vi nenhum de vocês de botina.
- Melhor enrolar a língua, se não se enrosca todo.
- Não venha nos fazer a boca doce, que bem te conhecemos!
As conversas eram sempre assim. Pelo menos foram até meus 20 anos, quando
deixei a cidade. A essa altura, vocês podem estar pensando que ele era sonso, imbecilizado.
Garanto que não. Tanto que, hoje, é um empresário bem-sucedido, fabrica lençóis, fronhas
e edredons, é dono de uma marca bem conhecida, a Bem Querer & Bem-Estar. Não sei se
um de vocês já comprou. Se não, recomendo. Claro, recomendo a quem não dorme de
touca, quem não tem conversa mole para boi dormir, quem não dorme no ponto, quem não
dorme na portaria, para aqueles que não dormem sobre louros. Enfim, para quem não
dorme com um olho aberto e o outro fechado. (Fonte: BRANDÃO, In O Estado de São
Paulo, 8 jul. 2005. Caderno 2, p. D14)
- Conhecimento comunicacional
Diz respeito à:
. quantidade de informação necessária, numa situação comunicativa concreta, para
que o parceiro seja capaz de reconstruir o objetivo da produção do texto;
. seleção da variante linguística adequada a cada situação de interação;
. adequação do gênero textual à situação comunicativa.
O trecho a seguir, extraído do livro Harry Potter e o cálice de fogo, apresenta no
tocante à reflexão da personagem sobre o que e como ser conhecimento comunicacional.
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Vamos ao texto.
Harry tornou a examinar o quarto, desanimado, e seus olhos pousaram nos
cartões de aniversário que seus dois melhores amigos tinham lhe mandado no fim de
julho. Que será que diriam se lhes escrevesse para contar que a cicatriz estava doendo?
Na mesma hora a voz de Hermione Granger penetrou sua cabeça, aguda e cheia de
pânico.
“Sua cicatriz está doendo? Harry, isso é realmente sério... Escreva ao Professor
Dumbledore! Vou verificar no meu livro Aflições e Males Comuns na Magia... Quem sabe
tem alguma coisa lá sobre cicatrizes produzidas por feitiços...”
É, este seria o conselho de Hermione: vai procurar o diretor de Hogwarts, e, enquanto
isso, vai consultando um livro. Harry contemplou pela janela o céu azul, quase negro.
Duvidava muito que um livro pudesse ajudá-lo. Que ele soubesse, era a única pessoa que
tinha sobrevivido a um feitiço como o de Voldemort; portanto, era pouco provável que
encontrasse os seus sintomas descritos em Aflições e Males Comuns na Magia. Quanto a
informar ao diretor, Harry não fazia a menor ideia de onde Dumbledore passava as férias
de verão. Só por um momento divertiu-se em imaginar Dumbledore, com suas longas
barbas prateadas, vestes compridas de bruxo e chapéu cônico, estirado em uma praia
qualquer, passando filtro solar no longo nariz torto.
Mas onde quer que Dumbledore estivesse, Harry tinha certeza de que Edwiges
seria capaz de encontrá-lo; a coruja de Harry, até aquele dia, jamais deixara de entregar
uma carta, mesmo sem endereço. Mas o que iria escrever?
Mesmo em sua cabeça as palavras pareciam idiotas.
Então ele tentou imaginar a reação do seu outro melhor amigo, Rony Weasley e,
num instante, o rosto sardento, de nariz comprido, do amigo começou a flutuar diante de
Harry com uma expressão de atordoamento.
“Sua cicatriz doeu? Mas... Mas Você-Sabe-Quem não pode estar por perto agora,
pode? Quero dizer... Você saberia, não saberia? Ele estaria tentando matar você outra
vez, não é? Sei não, Harry, vai ver as cicatrizes produzidas por feitiços sempre doem um
pouquinho... Vou perguntar ao meu pai...”
[...] O garoto massageou a cicatriz com os nós dos dedos. O que ele realmente
queria (e se sentiu quase envergonhado de admitir para si mesmo) era alguém como um
pai ou uma mãe para um bruxo adulto a quem pudesse pedir um conselho sem se sentir
burro, alguém que gostasse dele, que tivesse tido experiência com artes das trevas...
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E então lhe ocorreu a solução. Era tão simples, tão óbvia, que ele nem podia acreditar que
tivesse levado tanto tempo para lembrar — Sirius.
Harry saltou da cama, saiu correndo e se sentou à escrivaninha; puxou um
pergaminho para perto, molhou a pena de águia no tinteiro, escreveu “Caro Sirius”, e em
seguida parou, pensando qual seria a melhor maneira de contar o seu problema, ainda
admirado com o fato de não ter pensado nele logo de saída.
Fonte: Rowling, J. K. Harry Potter e o cálice de fogo. Rio de Janeiro: Rocco, 2001.
- Conhecimento metacomunicativo
É aquele que permite ao locutor assegurar a compreensão do texto e conseguir a
aceitação pelo parceiro dos objetivos com que é produzido. Para tanto, utiliza-se de vários
tipos de ações linguísticas configuradas no texto por meio da introdução de sinais de
articulação ou apoios textuais, atividades de formulação ou construção textual, como será
destacado nos textos a seguir.
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No texto 1, Satrápolis:
. a grafia do não com realce;
. as expressões que se constituem como comentários sobre o próprio discurso (em
destaque no texto) são exemplificadoras do conhecimento metalinguístico. Vejamos, a
seguir.
Texto 1
Texto 2
Texto 1
Virgem (23 ago. a 22 de set.)
Um parceiro turrão azeda seu humor? Ao criticá-lo cuide de deixar portas abertas
por onde ele possa escapar, sem provocar ferimentos graves no seu espaço de manobra.
Um sócio lento atrapalha seus planos de negócios? Seja discreto; hoje não é dia em que
você conquistará pela finura e observação. (Fonte: Folha de São Paulo, 16 abr. 2004)
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Texto 2
Fonte: Almanaque Brasil de cultura popular (Ano 5, n. 55, out. 2003, p. 29)
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Os modelos são constitutivos do contexto, no sentido em que hoje é entendido no
interior da Linguística Textual. Conectar a teoria e a prática também é papel do educador,
dado que a escola é um reflexo em menor escala das relações que serão construídas na
sociedade. Tendo em vista a necessidade de comunicação e interpretação de informações,
as considerações particulares do grupo com que se trabalha se transformam em uma
questão vital, junto com os estudos dos conteúdos regulares.
Contextualizar os textos dentro de sala de aula traz como benefício a compreensão
dos conteúdos, uma vez que introduzidos propriamente, serão relacionados com as
experiências pessoais dos indivíduos na sala de aula, fator que facilitará a relação de
significações para as leituras.
Segundo Koch (2006), o contexto é um conjunto de suposições que se baseiam nos
saberes de interlocutores, que se mobilizam para a interpretação de um texto. Quando a
interação é iniciada por intermédio de um texto em que os dois lados desse “canal”
possuem seus conhecimentos prévios já construídos e em algum ponto os seus contextos
partilham de uma mesma noção. As diferenças que cada um apresenta permitirá alterar e
ampliar as informações, além de criar novas a partir da junção desses conhecimentos.
Assim, ao compreender textos, utilizamos nossas competências lexicais (nosso
conhecimento da palavra), além de processos de análise sintática e de integração
semântica; utilizamos nossos conhecimentos empíricos, partes desse processo influenciam
nossa compreensão a linguagem falada. Os processos e conhecimentos possibilitam uma
compreensão melhor dos materiais escritos, antes mesmos de aprendermos a ler.
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Antes de continuar seu estudo, realize a Atividade 2.1 e o
Exercício 3.
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UNIDADE 3
Nesta unidade você vai estudar sobre gêneros textuais e práticas de leitura e
literatura.
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Para a cobertura, misture o suco de laranja, o suco de um limão e, aos poucos, uma
xícara de açúcar, até formar uma calda grossa, que deverá ser despejada sobre o bolo
assim que ele for retirado do forno.
Relato de experiência
Documentação e vivida; Reportagem;
memorização das ações Crônica social;
Relato de viagem;
humanas;
Diário íntimo; Crônica esportiva
Relatar;
Testemunho; Relação histórico;
Contar fatos reais ou
experiências vividas, Caso autobiografia; Ensaio ou perfil
situando-as no tempo e no biográfico
Curriculum vitae;
espaço. Biografia.
Notícia.
Texto expositivo;
Artigo enciclopédico;
Exposição oral;
Tomada de notas;
Transmissão e Seminário;
construção de saberes; Resumo de textos
Conferência; expositivos e explicativos;
Expor;
Comunicação oral; Resenha;
Apresentar diferentes
formas do conhecimento. Palestra; Relatório científico;
Entrevista de especialista; Relatório oral de
experiência.
Verbete.
Fonte: Adaptado de Schneuwly e Dolz (2004)
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3.2 Leitura, literatura e leitores
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- A participação de outros agentes
Vista como atividade essencial a qualquer área de conhecimento (SILVA, 1987, p.
43), a leitura está relacionada com o sucesso, não apenas acadêmico, mas também social e
econômico, pois se lhe atribui a capacidade de promover o indivíduo diante de si mesmo e
de seu contexto; por possibilitar-lhe paz, de situar o indivíduo diante de si mesmo e de seu
contexto; por possibilitar-lhe a percepção de variados pontos de vista e por estimular sua
criatividade. Entretanto, a ruptura entre essas manifestações consensuais e a prática dos
agentes que respondem, juntamente com a escola, pela valorização da literatura, permite
identificar fatores alheios à práxis pedagógica, que, todavia, interferem de modo negativo
na formação do leitor.
A leitura e a troca de experiências de leitura e de vida já não fazem parte dos
encontros familiares. O encantamento oriundo de fábulas e de lendas, de narrativas
fantásticas ou realistas, das histórias de vida, marcadas por fracassos e sofrimentos ou por
sucesso e alegrias, bem como o ludismo dos jogos poéticos não mais agregam a família em
torno de um círculo solidário e cedem lugar aos programas televisivos ou aos jogos
eletrônicos, comprovando a afirmação de procedimentos que estimulam o individualismo e
empobrecem o sujeito em sua capacidade de diálogo.
Além da influência dos padrões culturais de comportamento, é preciso reconhecer
outro fator conjuntural que enfraquece os laços familiares e age sobre a prática da leitura.
As condições socioeconômicas da população brasileira inibem o contato familiar, já que
necessidades impostas pela sobrevivência chegam a exigir dos pais dupla jornada de
trabalho e solicitam a participação no orçamento doméstico até mesmo dos idosos, aqueles
que traduziam uma voz do passado, apta a estabelecer o contraponto com a experiência do
presente, e revelavam a riqueza da tradição oral pela recuperação de narrativas, de de
parlendas.
O fator econômico impede o acesso de alunos à escola ou os obriga a abandoná-la
antes de se terem tornado leitores efetivos, lacuna que, por um lado, denuncia os reflexos
nefastos da estrutura social sobre a educação e, por outro, impede os indivíduos de
exercerem seu papel como sujeitos históricos. Entretanto, embora a urgência do
atendimento das necessidades vitais prevaleça sobre a informação e o saber, a importância
do domínio dos códigos da lecto-escritura é reconhecida por esse indivíduo. Repete-se,
assim, no estrato social menos privilegiado, ainda que por razões diversas, a mesma
posição manifestada diante da leitura pela classe média e alta e que encontra nos
procedimentos do núcleo familiar sua expressão mais sintomática.
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Como instância que legitima a leitura e interfere na institucionalização da literatura,
a família rende-se a uma prática discursiva cujas contradições a realidade denuncia: ao
expurgar a leitura e ignorar a riqueza cultural de textos narrativos poéticos, ela deixa de
assentar as bases do processo de letramento e de reforçar o sentido social da leitura;
paralelamente, deixa de propiciar a função mediadora que as diferentes modalidades
literárias instalam entre o sujeito e o outro, o sujeito e o mundo.
A produção editorial da literatura dirigida à criança e aos adolescentes cresceu
desmesuradamente no Brasil, a partir da década de 80, atraindo autores renomados e
voltando-se para a adaptação de clássicos estrangeiros ou endossando, através de
reedições, a valorização de obras da literatura brasileira, promovida pela transposição dos
textos literários para a linguagem televisiva. Transformada em promissora fonte de renda
para o mercado editorial e para os escritores que a ela se dedicam, a literatura infanto-
juvenil alcança um faturamento estimado em 25 milhões de reais, vendendo 4 milhões de
exemplares a cada ano. Esse aspecto positivo da realidade sociocultural brasileira
demonstra a expansão da escola, a solidez da indústria do livro e a capacidade de absorção
do público leitor. Entretanto, é preciso considerar também os interesses mercantilistas que
aí estão em jogo e que produzem estratégias de marketing capazes de atuar sobre as
instâncias responsáveis pela legitimação do produto. Como “qualidade não é condição de
consumo, nem a crítica, filtro do mercado” (LAJOLO, 1997, p. 117), o mérito estético das
obras em circulação é inversamente proporcional ao número de publicações.
Nesse contexto, as escolas rendem-se, com frequência, às campanhas colocadas a
serviço do consumo e transformam-se em extensão do próprio mercado editorial,
promovendo feiras de livro, abrindo espaço para o contato de escritores com o público
infanto-juvenil e munindo suas bibliotecas com livros “graciosamente” ofertados, sem
demonstrar qualquer preocupação com a qualidade do produto que ela divulga.
Paralelamente, os professores, destituídos de uma bagagem de referenciais que os
capacitem a emitir juízos críticos, submetem-se ao modismo dos temas e adotam obras
elaboradas por encomenda de editoras, que privilegiam o valor mercadológico e não tem
perspectiva pedagogizante.
Como não poderia deixar de ser o tratamento formal de tais produções coaduna-se
com o processo de configuração do mundo possível, reproduzindo procedimentos técnico-
composicionais já desgastados e incompatíveis com o ponto de vista do receptor. A opção
dos professores por tal modalidade de texto cobra como tributo o afastamento do leitor,
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sendo a responsabilidade do insucesso, mais uma vez, transferida para a escola, sem que
seja considerada a ação de outros agentes.
Pelo exposto, comprova-se que a escola não é a única instância que interfere no
processo de formação do leitor, sendo necessário considerar fatores conjunturais. Ao
contrapor o texto literário e as formas de manifestação da cultura de massa, a família opta
pela última; a classe editorial deprecia seu objeto, investindo no valor de troca e não no
estético; a escola deixa de exercer seu poder seletivo na valoração do objeto livro; a
sociedade confirma o desprestígio da leitura, instaurando um discurso hipócrita em que o
reconhecimento de sua importância é secundado por políticas educacionais que impedem a
realização de um trabalho eficaz.
Entre as consequências geradas pelo descaso para com a educação, a falta de
competência dos professores em lidar com o texto literário e com a leitura, em geral é uma
das mais evidentes. Porém, a inclusão da disciplina de Literatura Infanto-Juvenil no currículo
dos cursos de Letras e de Pedagogia; a realização de inúmeras monografias e dissertações
que têm esse subgênero da literatura por tema; a promoção de congressos e seminários
voltados para a problemática da leitura; as exigências da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDBEN), Lei n. 9394/1996, que prevê a formação superior para
professores que atuam nas séries iniciais e o posicionamento favorável à promoção da
leitura e da literatura de muitas secretarias municipais de educação sinalizam a possibilidade
de alteração do atual quadro em relação à leitura e à literatura. As mudanças possíveis e
necessárias identificam alternativas de sucesso e situam o professor como principal agente
de transformações, já que também ele busca conquistar o leitor e deseja, em função desse
objetivo, superar as lacunas de sua prática pedagógica.
As dificuldades enfrentadas pelo docente em conquistar e manter o leitor decorrem,
fundamentalmente, do equívoco quanto à concepção de texto literário, que se conjuga à
finalidade, também falaciosa, atribuída ao ato de ler. Despojada da extensão dos horizontes
nela inscritos, a leitura do texto continua a ser reduzida à apreensão do código, isto é, ao
estabelecimento de uma relação binária entre significante e significado. Entretanto, Freire
(1982, pp. 1-2), afirma que:
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Segundo Silva (1987, p.69), a base “ontológica existencial” da linguagem manifesta
no discurso a articulação homem-mundo, exigindo que a leitura, assim como ato produtor
que deu origem ao texto, sejam visualizados como fenômeno comunicacional, que integra
três protagonistas: texto-mundo-leitor. Isso significa que o leitor aciona as significações do
texto, relacionando-as à sua compreensão de mundo. Consequentemente, é o leitor quem
faz o texto falar e, embora esse estabeleça limites às possibilidades interpretativas, é o
leitor quem o reconstitui vinculando as significações à sua condição de sujeito histórico e
culturalmente determinado.
Mario Quintana, em “Os poemas” (1980, p. 9), expressa essa dependência entre a
significação textual e a capacidade interpretativa do leitor.
Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam voo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto;
alimentam-se um instante em cada
par de mãos e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...
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Situando-se frente ao texto, que não lhe dá sentido pronto e acabado, mas apenas
sugerido pelo poder de evocação das palavras e pelo contexto singular da comunicação
ficcional, o leitor preenche os vazios significativos e correlaciona a mensagem literária à
realidade circundante. Nesse confronto visado pelo texto, realiza-se a função formadora da
literatura, que induz o indivíduo a melhor conhecer a si e ao mundo que o cerca.
Paralelamente, pelos artifícios da linguagem literária, o leitor desenvolve um posicionamento
crítico frente aos cursos expressivos da língua, buscando, ele próprio, novas formas de dizer
e ampliando, portanto, sua capacidade linguística.
Consequentemente, é a compreensão da finalidade da literatura, bem como dos
processos inerentes ao ato de ler, que conduz a mudança das atividades com o texto na
escola. Ela inclui, inevitavelmente, a seleção de obras cujo mundo funcional, constituído
graças à concepção original da linguagem, estabelece um vínculo solidário com a psicologia
do leitor, permitindo-lhe atuar como sujeito de produção. Por sua vez, a escolha de obras
potencialmente ricas em experiências rejeita a imposição de leituras comprometidas com
um sistema rígido de harmonia entre professor e aluno que pode levar à descoberta coletiva
dos modos de ler que produzam prazer e conhecimento e que incentivem o leitor a compor,
através de textos, uma cadeia de significações ou “anéis” (LACAN, 1988, p. 245).
A importância da relação aluno-texto expressa-se de modo ainda mais significativo
quando se conjuga ao desafio escrito. Aí, a leitura é mais do que descoberta e revelação: é
posse da linguagem enquanto forma-substância concretamente percebida, que conduz à
autocompreensão e ao estabelecimento das mais ricas relações interpessoais.
As narrativas infantis abrangem várias espécies literárias, que podem ser agrupadas,
quanto à origem, em folclóricas e artísticas. Na primeira, incluem-se as histórias criadas
coletivamente pelo povo em diferentes épocas, como fábulas, contos populares, lendas e
contos de fadas tradicionais. Na segunda, estão as obras escritas por autores identificados
nominalmente, abrangendo contos de fadas modernos, textos infantis que, por sua
brevidade, simplicidade de enredo e relação estreita entre discurso e imagem, são
denominados histórias curtas e narrativas formadas somente por imagens.
Cada uma das espécies pode constituir-se objeto de leitura para as crianças em
processo de alfabetização, segundo seus interesses. É importante que o professor conheça
os vários tipos de narrativas, a fim de que coloque à disposição de seus alunos textos
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diversificados quanto à espécie, ao assunto e ao tema, para que eles, diante das opções
oferecidas, procedam à escolha. Com o objetivo de colaborar com o professor de obras a
serem sugeridas para seus alunos, apresenta-se a seguir um levantamento desses tipos de
textos, mostrando-se suas principais características.
- Fábula
A fábula, em sentido amplo, pode ser definida como narrativa curta com ações
protagonizadas por vegetais, objetos, animais e seres humanos, que, apresentando uma
moral implícita, tem como função divertir e instruir. Sua estrutura divide-se em duas partes:
(1) a narrativa, também chamada de corpo, em que se revelam as ações realizadas pelos
seres acima criados e, (2) a moral, denominada de alma, que explica o ensinamento
pretendido. A fábula apresenta um discurso alegórico resultante da harmonia das duas
partes de sua estrutura. Dessa forma, a leitura de obras como “O cordeiro e o lobo”, de La
Fontaine, evidencia como o ingênuo e o inocente podem se tornar presa fácil do
prepotente; “A raposa e as uvas”, e “O lobo e o cão”, de Esopo, ensinam, respectivamente,
que não se deve esperar recompensa de homens maus, e que a liberdade do ser humano
tem valor.
A fábula, muitas vezes, é confundida com o apólogo e a parábola, conforme aponta
Massaud Moisés, na medida em que essas modalidades literárias também se caracterizam
por apresentar, implícita ou explicitamente, uma moral. Para diferenciar os três modelos, o
autor refere que “há quem as distinga pelas personagens: o apólogo seria protagonizado
por objetos inanimados (plantas, pedras, rios, relógios, moedas, estátuas, etc.), ao passo
que a fábula conteria de preferência animais irracionais, e a parábola, seres humanos”
(MOISÉS, 1982, p. 34). Ele também aponta que na Bíblia se encontram muitos exemplos de
parábolas, como a do “Semeador” e a do “Filho pródigo”, entre outras.
A origem da fábula perde-se ao longo da história do homem, mas parece ponto de
concordância, entre os estudiosos desse assunto, que ela já teria existência quase mil anos
antes do Esopo, no Egito e na Índia. Atribui-se a Esopo (século VI a. C.) sua introdução na
Grécia e a Fedro (séc. I a. C.) em Roma, através da tradução do fabulário de Esopo. No
século XVII, o francês Jean de La Fontaine premia o povo com sua coleção de fábula,
muitas delas plasmadas nos modelos de Esopo e de Fedro.
No Brasil, Monteiro também dá atenção ao gênero. No seu livro Fábulas (v. 3, s. d.),
ele reconta algumas narrativas dos fabulistas clássicos, aproximando-as a realidade do leitor
brasileiro. Exemplo de tal aproximação é a fábula “A menina do balde”. Lobato, ao
apresentá-la, altera o nome da personagem principal e acrescenta comentários das
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personagens de O sítio do Picapau Amarelo a respeito da moral da fábula. É interessante
observar que essa história aparece no antigo livro indiano Calila e Dimna, como “O eremita,
a jarra e o mel”, no fabulário de Esopo, como “A menina do leite”, e no de La Fontaine, com
o nome de “A moça e o pote de leite”.
O professor Câmara Cascudo, estudioso dos contos folclóricos do Brasil, inclui na sua
coletânea Contos tradicionais do Brasil sob o subtítulo “Contos de animais”, várias fábulas
pertencentes a Esopo, Fedro e La Fontaine recolhidas do folclore brasileiro. Nelas aparecem
animais com o nome de cágado, teiú, timbu e preguiça, o que evidencia o abrasileiramento
das narrativas clássicas feito pelo povo.
É interessante também destacar que a fábula pode ser apresentada em prosa ou em
versos. Sua forma original é versificada. Entretanto, nas traduções, foi-se alterando sua
forma expressiva, o que explica a existência de versões da mesma fábula em verso e em
prosa. Esse modelo de narrativa como objeto de leitura para a criança é recomendado,
principalmente, pela natureza alegórica de seu discurso e pela possibilidade de discussão
sobre a moral, levando o leitor a questioná-la com o mundo atual.
- Lenda
A lenda mostra o assombro do homem primitivo e o seu temor diante do mundo.
Essa modalidade literária reflete o pensamento infantil da humanidade, ou seja, o momento
em que o homem, diante de acontecimentos que não compreendia, os quais envolviam
agentes e fenômenos da natureza, e comportamentos adotados pelos indivíduos, explicava-
os através de narrativas (JESUALDO, 1982, p. 109-111). Assim, a existência de rios, plantas,
animais, sol, estrelas, chuva, dia e noite era esclarecida por relatos. A lenda revela a função
mágica das palavras como fundadoras e reveladoras do mundo. Essa modalidade literária
pode ser definida, então, como a narrativa que explica o surgimento de algo do universo,
ensina e fixa costumes e crenças de determinada região. Sua função explicativa e normativa
faz com que os povos, ao longo de sua história, preservem seus relatos, transmitindo-os
pela oralidade de geração a geração.
Observa-se que, entre suas personagens, aparecem seres sobrenaturais,
pertencentes ao imaginário do povo do qual ela se desenvolve. Por exemplo, nas lendas
brasileiras são frequentes as figuras de Tupã, Cobra-Grande ou Boiúna, Caipora, Saci,
Curupira e outros. É por intermédio das ações, das ordens, dos desejos ou das aparições
desses seres sobrenaturais que se processa a criação do fenômeno explicado pela lenda,
caracterizando a presença do maravilhoso na narrativa.
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Outro traço característico da lenda é o sentido de fatalidade ou tragicidade que
marcava a personagem central da história, como mortes, isto é, desaparecimentos ou
metamorfoses. Tal sentido mostra a presença do destino, ou seja, os poderes estranhos
contra os quais o homem primitivo não pode lutar, demonstrando como seu pensamento é
denominado pelas forças do desconhecido.
A estrutura da lenda é semelhante a narrativas tradicionais, isto é, apresenta três
partes distintas: introdução, desenvolvimento e conclusão. A introdução é a parte inicial, em
que é feita a apresentação das personagens e, em algumas, a localização espacial dos
fatos. Nela, observam-se também expressões que mostram o distanciamento temporal do
acontecimento. Naquele tempo os campos ainda eram abertos, não havia entre eles divisas
nem cercas; somente nas volteadas se apanhava a gadaria chucra, e os veados e as
avestruzes corriam sem empecilhos.
Era uma vez um estancieiro, que tinha uma ponta de surrões cheios de onças e
meias doblas e mais muita prataria; porém era muito cauíla e muito mau.
A expressão “Naquele tempo os campos ainda eram abertos, não havia entre eles
divisas nem cercanias”, que inicia a lenda “O negrinho do Pastoreio”, revela o
distanciamento temporal dos acontecimentos, identificando-o como período primitivo e
original do Rio Grande do Sul.
O desenvolvimento apresenta as ações realizadas pelas personagens para o
estabelecimento da crença ou do fato explicado pela lenda. A caracterização das
personagens contribui para identificar a região original do relato. É interessante observar
que a ação reveladora do estabelecido na narrativa é marcada pelo trágico vivido pelas
personagens e pela interferência de personagens sobrenaturais. Em “O negrinho do
Pastoreio”, a morte da personagem homônima motivada pelos castigos recebidos de seu
patrão, pela perda da carreira e desaparecimento dos animais sob guarda – e seu
reaparecimento junto com os animais perdidos que podem ser encontrados com a ajuda do
Negrinho, quando se lhe acende uma vela para iluminar os caminhos. A conclusão é
constituída por uma expressão explicitadora dos eventos da narrativa e instalada a
permanência de uma tradição que se mantém atual.
- Contos populares
Assim como as lendas e as fábulas tem sua origem no folclore, muitos contos
também procedem de fonte popular. Cristalizado na tradição oral dos povos, através da
memória de consecutivas gerações, o conto popular é um agente de transmissão de
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valores, éticos, conceitos morais, modelos de comportamento e concepções de mundo.
Contudo, sua função não se restringe somente a esse aspecto educativo ou doutrinador,
pois as situações vividas pelas personagens do universo ficcional das histórias também
funcionam como válvula de escape para o homem que, pelo processo de identificação,
satisfaz suas necessidades básicas de sonho e fantasia. Ainda hoje, essa forma simples de
expressão literária continua encantando crianças e jovens. Entre seus modelos mais
significativos, estão os contos de diferentes regiões ou países e os contos de fadas.
Os contos populares brasileiros incluem narrativas pertencentes ao folclore do país
que, em grande parte, se revelam como histórias próprias para crianças. Muitos desses
contos, transmitidos pela tradição oral nas várias regiões do Brasil, são variantes de relatos
trazidos pelos povos que compõem a etnia brasileira. Entre eles, aparecem versões de
contos de fadas tradicionais, como “O Chapeuzinho Vermelho” e “Pequeno Polegar”; de
fábulas antigas, como “O gato e a raposa”; de contos divulgados na Europa durante a Idade
Média, como “Uma lição do Rei Salomão”, e de relatos oriundos da Índia, como os “Quatro
ladrões”.
- Contos de fadas tradicionais
Os contos de fadas, como modelos de histórias para crianças, surgem na França, no
final do século XVII, quando Charles Perrault publica a obra Os contos de Mãe Gansa. Nela,
ele reúne os contos populares que circulam em seu país naquela época. Posteriormente os
irmãos Grimm, na Alemanha, no século XIX, lançam a obra Contos de fadas para crianças e
adultos, uma coletânea de narrativas pertencentes ao folclore alemão. Ainda no século XIX,
na Dinamarca, Hans Cristian Anderson (1990) publica contos recolhidos do folclore de seu
país, como “A princesa e o grão de ervilha”, e outros de sua própria criação, como “O
Patinho Feio”. O material reunido por esses autores forma o acervo dos contos de fadas que
povoa o imaginário de crianças e adultos.
Os contos de fadas tradicionais também são chamados, indistintamente, de contos
maravilhosos. No entanto, Coelho (1987), teórica da Literatura Infantil, estabelece diferença
entre conto de fada e conto maravilhoso. Segundo a autora, essa distinção evidencia-se, na
narrativa, por meio da carência manifestada pela personagem principal. Nos contos
maravilhosos, como “O Gato de Botas”, “Aladin e a Lâmpada maravilhosa”, a carência das
personagens relaciona-se com uma dificuldade social e econômica, ou seja, reflete um
desejo de autorrealização satisfeito pela conquista de bens materiais. Portanto, são todas as
narrativas, sem fadas, com o maravilhoso representado por animais falantes, objetos
mágicos, gênios, duendes, anões, gigantes, etc. em que a personagem principal apresenta
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uma necessidade de natureza socioeconômica. Já os contos de fadas, como “A Bela
Adormecida”, “Rapunzel”, “Branca de Neve” e “Cinderela”, são histórias em que os
elementos do maravilhoso e do feérico são representados por reis, rainhas, príncipes, fadas,
gênios, bruxas, gigantes, objetos mágicos e metamorfose. Com ações desenvolvidas em um
tempo e em um espaço fora da realidade conhecida, esses contos têm como motivo gerador
das ações da narrativa um problema existencial do herói (COELHO, 1987, p. 12-13).
A autora observa ainda que nos contos de fadas, a superação da carência da
personagem inclui obstáculos ou provas a serem vencidas pelo protagonista, à semelhança
de um ritual iniciático. No final, a autorrealização existencial do herói é alcançada pelo
encontro de sua identidade ou do amor ideal.
Os seres que atuam no universo dos contos de fadas podem ser crianças, jovens
em idade de casar, príncipes, princesas, reis, rainhas, trabalhadores, anõezinhos, gigantes,
duendes, fadas, bruxas e animais dotados de características humanas. Esses seres são
considerados tipos, pois se apresentam com virtudes ou defeitos exageradamente
destacados. Assim, personificam o orgulho, a modéstia, a covardia, a feiura, a beleza, a
bondade, a maldade. Suas características evidenciam-se no desenvolvimento da trama e
interferem no destino dos protagonistas, na medida em que o bem triunfa sobre o mal, a
coragem sobre a covardia, o belo sobre o feio, a modéstia sobre a prepotência.
O ambiente onde ocorrem as ações das histórias é distante e impreciso, sendo
caracterizado por expressões como “Num certo reino...”, para indicar o espaço, ou “Era uma
vez...” para referir o tempo, que deixam aflorar imagens de um universo maravilhoso,
localizado fora dos domínios espaciais e temporais da criança. É nesse espaço longínquo
que se situam os bosques misteriosos, os castelos encantados, as grutas sombrias, onde as
personagens vivem situações que encantam o leitor. A imprecisão da representação
temporal e espacial faz com que a criança se insira nesse ambiente e o configure, dele
transitando para a realidade de seu mundo.
A estrutura dos contos de fadas e dos contos maravilhosos é extremamente simples,
o que talvez contribua para seu sucesso junto às crianças. A narrativa inicia com uma
situação de equilíbrio, que é alterada pela manifestação de carência ou conflito por parte do
herói. A seguir, são apresentadas as peripécias vividas pela personagem, que com a ajuda
de seres ou objetos mágicos, vence os obstáculos e emerge vitoriosa no final. Então, a
situação de harmonia inicial é novamente instaurada.
O psicanalista Bettelhein (1979), observa que, nos contos de fadas a estrutura da
narrativa, o tipo de carência manifestada pela personagem e o modo como é superado o
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conflito constituem-se em elementos que conferem uma simbologia a esse modelo literário.
Tal simbologia, ao ser percebida, inconscientemente, pela criança, ajuda-a a resolver seus
problemas existenciais. O autor salienta a importância de se apresentar os contos de fadas
ao público infantil em sua versão original. A supressão de qualquer um dos elementos
citados quebra a cadeia simbólica expressa na íntegra da história, abolindo seu efeito sobre
o inconsciente do ouvinte ou do leitor (BETTELHEIN, 1979, pp. 20-22). Dessa forma, são
desaconselháveis as adaptações feitas a esses contos, uma vez que se suprimem ou se
atenuam episódios que os adultos consideram cruéis ou angustiantes.
Os contos de fadas e os contos maravilhosos que circulam no Brasil são originários
das versões francesas, alemãs e dinamarquesas. Oriundos de fontes distintas alguns
apresentam formas diferentes, como “Cinderela”, “Chapeuzinho Vermelho” e “Pequeno
Polegar”.
Constata-se, também, desde a década de 70, a circulação de obras reveladoras da
recomposição dos contos de fadas tradicionais no que se refere à temática, à estrutura e
aos aspectos ideológicos apresentados. Caracteriza esse modelo de narrativas. A fada que
tinha ideias, de Fernanda Lopes de Almeida (1992), e outras histórias que contêm
elementos do feérico. Essas criações são conhecidas como contos de fadas modernos,
porque, embora mantenham o maravilhoso, conduzem o leitor a uma percepção de si
mesmo e da sociedade que o circunda diferente da apresentada nos contos tradicionais. Na
obra citada, a personagem principal, Clara Luz, recusa-se a aprender mágicas através do
Livro das Fadas, pois, segundo a fadinha, ele está embolorado. Essa atitude desafia a fada
Rainha, que ordenava todas as fadas a aprenderem suas mágicas através do referido livro.
A protagonista prefere inventar suas mágicas, que, às vezes, não dão certo na primeira
tentativa, mas ela não desanima e continua com suas invenções. A atitude de Clara Luz
revela que o questionamento e o desafio ao pré-estabelecido levam o ser humano ao
crescimento e a sociedade a mudanças significativas. De acordo com Lajolo e Zilberman
(1985, p. 158-159), nos contos de fada tradicionais, os elementos fantásticos, em constante
intercâmbio com o real, acabaram servindo a interpretações que os viam como metáforas
de situações sociais e psicológicas muito marcadas, sendo que os contos de fadas modernos
se insurgem contra o maniqueísmo dessas interpretações.
- Narrativas curtas
As histórias curtas abrangem obras que se observa, na sua forma de
representação, uma relação estreita entre a imagem e o texto escrito. São indicadas a pré-
leitoras, a criança recém-alfabetizada e àquelas com pouca experiência de leitura.
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As obras apresentam narrativas com enredos simples, que revelam episódios do
mundo infantil ocorridos em curto período de tempo, em espaço único e com poucas
personagens, tendo como temas passeios, visitas, brincadeiras, encontros com amigos ou
com animais. As ilustrações ocupam quase toda a página e auxiliam a criança a identificar,
na narrativa, as características externas das personagens ou os espaços onde ocorrem as
cenas. A linguagem é simples sem muitos elos frasais. A história constrói-se, quase sempre,
através de diálogos, e apresenta pouca narração. Por exemplo, em O Peru de peruca, de
Sônia Junqueira (1992), é narrado o acontecido com um peru, Ari, que encontra uma
peruca e coloca-a em sua cabeça para se enfeitar. A partir desse fato, ocorre uma série de
episódios provocados pelo medo dos animais, seus amigos, que não o reconhecem com o
adorno na cabeça e imaginam-no um monstro inimigo.
As ilustrações agradáveis à visão do leitor são complementares à história e
contribuem para sua compreensão. Os temas dessas obras relacionam-se a vivências
infantis (brincadeiras, passeios, pequenas aventuras), aspectos ligados à interioridade das
personagens (busca de identidade, insegurança e medos) ou relações interpessoais
(desentendimentos familiares e solidariedade). Lúcia-já-vou-indo, de Maria Heloísa Penteado
(1987), é um exemplo desse modelo de narrativa. O texto apresenta a história de uma
lesminha que recebe o convite para uma festa, mas devido à sua lentidão, não chega a
estar presente. Ela chora muito pelo acontecimento, chamando a atenção de suas amigas
libélulas, que resolvem organizar uma festa na casa de Lúcia para que ela possa participar.
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3.4 Ler e escrever e a função do educador
Estamos certos de que para aprender a ler e escrever, isto é, para que uma criança
incorpore a língua materna como leitor e escritor competente, será preciso memorizar
letras, sílabas, palavras e até normas gramaticais. Porém, mais do que isso será preciso que
o indivíduo reconstrua a língua para si mesmo, estando exposto e interagindo com ela,
motivado pelas vivências e leituras que o meio lhe oferecer.
Por sua vez, a língua que será construída/aprendida pela criança não pode ser
compreendida como um código que o aprendiz decodifica por meio de métodos é técnicas,
mas deve ser vista como atividade cognitiva do ser humano, intermediária entre ele e o
mundo, que vai sendo tecida/construída à medida que a criança se relaciona com as coisas
que a cercam, com outras pessoas e com ela mesma, ao longo de sua vida, num processo
contínuo, que só termina com a morte.
Isso equivale a dizer que a ação de uma pessoa no mundo depende da competência
linguística que venha a adquirir para se expressar, se comunicar, compreender o que lê e o
que ouve e para escrever com coerência e criatividade.
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- A leitura do mundo
Crianças pequenas não percebem que as palavras são formadas por letras
agrupadas convencionalmente e que nossa língua é de escrita alfabética, mas de leitura
silábica.
Quando começam a ler e escrever, algumas crianças apenas soletram as letras que
aprenderam e não conseguem ler a palavra toda.
Para outras, a própria segmentação das palavras oferece dificuldades, sendo comum
encontrarmos formas estranhas de leitura e escrita, como nos exemplos a seguir.
- Leitura de versos
Texto 1
Marcha, soldado, cabeça de papel,
Quem não marchar direito
Vai preso pro quartel
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Obs: Uma criança com 6 anos de idade, como sabia os versos de memória, leu o primeiro
verso até o final do segundo, amontoando o resto da leitura no verso final. A princípio não
conseguia localizar as palavras direito e preso e confundia marcha e marchar.
Texto 2
O cravo brigou com a rosa,
Debaixo de uma sacada,
O cravo saiu ferido,
E a rosa, despedaçada.
Obs: Uma criança, ainda silábica, não lia com a, pois pronunciava ca. Teve grande
dificuldade para focalizar as palavras rosa e cravo, talvez pela própria repetição.
Segundo Ferreiro e Teberosky (1990), nas primeiras hipóteses de leitura e escrita as
crianças não conseguem delimitar o que seja uma palavra, e muitas não entendem que
todas as palavras que falamos podem estar escritas. Num primeiro momento apenas os
nomes e os verbos são admitidos, daí a junção de artigo e substantivo, de advérbio e
verbos, de preposições e artigos, ou a presença de separações estranhas. Veja, a seguir.
1. Mas um dia delhairão agaiola aberta e ele sumiu e numcamais votou para casa.
2. ...o gato bateu na galinha e a galinha numcamaismexeucou gato.
3. ...vovó foi es covar os dentes com a es cova.
4. ...ele quista aí.
Nesses exemplos, podemos verificar que, apesar de saber falar a língua e de já estar
escrevendo alfabeticamente, algumas crianças ainda não conseguem segmentar a cadeia
sonora em seus componentes mínimos, por isso acabam produzindo formas que fogem à
normalidade, separando partes de uma mesma palavra, como em es covar, ou juntando
mais de uma palavra, como em numcamaismexecou.
Nos erros de ortografia do tipo delhairão/deixaram e votou/voltou, estamos supondo
que a criança confunde o que ouve com o que escreve porque ainda não fixou ou não
percebeu.
. a diferença de grafia e de som da letra x e do dígrafo lh;
. o som da letra l em final de sílaba;
. o som de am que se confunde com ão, na oralidade;
. a existência da vogal i no ditongo dei, porque não a pronuncia ao falar.
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Esses grupos que as crianças apresentam em suas primeiras leituras e escritas
podem ser chamados de erros construtivos, pois, na tentativa de ler e escrever, a criança
apresenta sua hipótese ou o que ela considera certo.
Na verdade, precisamos abandonar a ideia que predomina em nossa mentalidade
escolar de que o erro deve ser evitado a qualquer custo. As crianças precisam experimentar
suas hipóteses, para que o professor possa intervir e mediar a aprendizagem.
Sem esse movimento de ir do erro para o acerto, qualquer aprendizagem se apoiará
apenas na memória e na adivinhação, e sabemos muito bem que aprender é muito mais do
que simplesmente memorizar e adivinhar.
Assim, a linguagem humana tem função comunicativa. Mas essa é apenas uma
dentre uma série de outras funções, e nem sempre a comunicação é a função mais
importante no uso da linguagem.
Os textos seriam concebidos como “linguagens como práticas sociais”. Há
várias implicações que derivam daí. O discurso figura tanto como modo de ação, quanto
como modo de representação; existe uma relação dialética entre o discurso e a estrutura
social, entre a prática social e a estrutura social – a última é condição e efeito da primeira;
também o discurso contribui para construir as chamadas “identidades sociais”, as relações
sociais entre as pessoas e o sistema de conhecimento e crença.
O texto e o discurso envolvem o que se chama prática discursiva, sendo que esta
abrange processos de produção, distribuição e consumo textual e conjunto das práticas que
subjazem aos eventos discursivos e que se relacionam às questões como relações de poder,
ideologia e estrutura social.
Fonte: http://migre.me/oU7a8
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Resumindo
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REFERÊNCIAS
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______. Estética da criação verbal. Trad. M. E. Pereira. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes,
1997.
BETTELHEIN, B. A psicanálise dos contos de fadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
______. Language and power. London and New York: Longman, 1989.
______. Critical Dircourse Analysis. London and New York: Longman, 1995.
______. Discurso e Mudança Social. Tradução (Org.) Izabel Magalhães. Brasília: UNB,
2001.
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FIORIN, J. L. Linguagem e ideologia. São Paulo: Ática, 1995.
GERALDI, João Wanderley. O texto na sala de aula. São Paulo: Ática, 2000.
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SILVA, Ezequiel Theodoro. Unidades de leitura: trilogia pedagógica. 2. ed. Campinas/SP:
Autores Associados, 2008.
PLATÃO, Savioli; FIORIN, Francisco. Lições de texto. São Paulo: Editora Ática, 1996.
______. Linguagem e escola: uma perspectiva social. São Paulo: Ática, 1991.
WEISZ, Telma. E na prática, a teoria é outra? Projeto Ipê: isto se aprende com o Ciclo
Básico. São Paulo: CENP/SE, 1986.
ZILBERMAN, R; LAJOLO, M. Literatura infantil brasileira: história & história. São Paulo:
Ática, 1985.
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EXERCÍCIOS E ATIVIDADES
ATIVIDADE 1.1
EXERCÍCIO 1
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b) “Peraí, mãe. Acho que tô a ponto de desmaiar”.
c) As variações da língua de ordem geográfica são chamadas de regionalismos.
d) “Dizque um chega, logo dão terra pra ele cultivar... É lavoura de café...”
ATIVIDADE 2.1
EXERCÍCIO 2
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uma carta, uma passagem de ônibus com uma nota fiscal, por exemplo.
Considerando para o texto anterior esses mesmos aspectos, é possível afirmar
que ele pertence ao gênero:
a) Relatório.
b) Editorial.
c) Notícia.
d) Resenha.
EXERCÍCIO 3
De acordo com o texto, as florestas crescem onde chove, ou chove onde crescem
as florestas?
a) Onde chove, há floresta.
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b) Onde a floresta cresce, chove.
c) Onde há oceano, há floresta.
d) Apesar da chuva, a floresta cresce.
ATIVIDADE 3.1
EXERCÍCIO 4
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que se inserem.
II. É compromisso da escola ensinar somente a variedade padrão, mas não trabalhar com
a língua que o aluno traz de casa.
III. Para dominar uma língua, basta conhecer as palavras, seus sentidos e as leis
gramaticais que regem a combinação dessas palavras.
a) Apenas os enunciados I e II estão corretos.
b) Apenas os enunciados I, II e III estão corretos.
c) Apenas os enunciados II e III estão corretos.
d) Apenas o enunciado I está correto.
EXERCÍCIO 5
101
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b) “[...] após seis meses, todo aposentado sobe pelas paredes e implora para voltar a
trabalhar”.
c) “Os americanos, ano após ano, trabalham seis horas a mais em relação ao ano
anterior”.
d) A gente achava tudo um horror.
e) Me informaram que o pessoal conseguiu se arranjar.
EXERCÍCIO 6
102
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b) Apenas às práticas discursivas orais, priorizando sempre a realização das rodas de
conversas, de leituras orais e silenciosas.
c) O direito da criança de manter contato com a escrita, mas esse contato não deve
ocorrer pela criação de contextos didáticos artificiais.
d) O direito da criança de manter contato com a escrita e esse contato deve ocorrer pela
criação de contextos didáticos artificiais.
ATIVIDADE 3.2
103
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