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Documentação de

Acessibilidade em Museus
Acervo Museológico
Sumário
Documentação de Acervo Museológico....................................................................3

Apresentação........................................................................................................... 3

Módulo 1 - Entrada do objeto.................................................................................... 5

Como um objeto se torna um bem cultural musealizado?......................................5

O objeto dentro do museu........................................................................................12

Documentação museológica: breve histórico, conceito e importância................16

Legislação Museológica e Código de Ética.............................................................21

Política de Aquisições e Descartes.........................................................................26

Encerramento do módulo 1..................................................................................... 28


Documentação de Acervo Museológico

Apresentação
Olá!

Sejam bem-vindos ao curso de Documentação de Acervo Museológico do Instituto


Brasileiro de Museus - Ibram.

Este curso tem como objetivo ajudar no processo de documentação e gestão dos
acervos museológicos, estabelecendo caminhos para o tratamento documental, e
incentivando o acesso à informação dos objetos museológicos.

O curso é destinado a profissionais que atuam em museus, apresentando padrões e


métodos, para a compreensão da importância do tema e o processamento técnico da
documentação museológica.

A estrutura do curso é composta por 3 módulos complementares.

Módulo 1: Entrada do Objeto

O primeiro, definido como “Entrada do objeto”, abordará o conceito e a importância da


Documentação Museológica, apresentando as definições e as peculiaridades da do-
cumentação de itens tridimensionais, que são os objetos-documentos de um museu.

Módulo 2: Organização – Instrumentos de Gestão

O segundo módulo, definido como “Organização – instrumentos de gestão”, abordará


todos os instrumentos de gestão desse acervo, como o vocabulário controlado,
número de registo, inventário, entre outras práticas.

Módulo 3: Difusão das Informações

E, por último, no módulo “Difusão das informações”, falaremos sobre os objetivos


alcançados com a documentação do acervo: a recuperação e a divulgação da infor-
mação para a sociedade.

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Os museus estão voltados para a preservação, a pesquisa e a comunicação dos tes-
temunhos materiais do homem e do seu meio ambiente: seu patrimônio cultural e
natural. A função básica de preservar engloba os atos de coletar, adquirir, armazenar,
conservar, restaurar, pesquisar, expor e educar sobre aqueles objetos-testemunho:
ações que dependem da documentação.

A documentação é a base para as ações de comunicação e de educação da insti-


tuição, pois sem documentação a disseminação de informação é prejudicada. A do-
cumentação museológica é, portanto, uma função norteadora nas etapas do fazer
museológico, na gestão e no controle do seu acervo.

Então, vocês estão prontos para o curso?! Vamos lá!

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Módulo 1 - Entrada do objeto

Como um objeto se torna um bem cultural musealizado?

Para iniciarmos este módulo, vamos precisar incorporar dois conceitos que aparecem
implícita e explicitamente na frase acima: o que é um bem cultural e o que é um bem
cultural musealizado.

Bens culturais são todos aqueles produzidos pela cultura humana ou pela natureza,
que se transformam em testemunhos materiais e imateriais da trajetória do homem
sobre o seu território. Já os bens culturais musealizados são justamente esses bens
culturais que, ao serem protegidos por museus, se constituem como patrimônio
museológico.

Portanto, um bem cultural musealizado nada mais é do que um objeto que se tornou
acervo de um museu. Entendido isso, vamos conhecer as razões que fazem um objeto
entrar no museu.

Na origem mitológica dos museus, as razões encontravam-se nas profundas relações


entre poder e memória. Raiz do próprio nome “museu”, as musas da mitologia clássica
eram filhas da união mítica entre Zeus (o poder) e Mnemosine (deusa da memória).

Portanto, para Pierre Nora, os museus são vinculados às musas por via materna sen-
do “lugares de memória”; mas por via paterna são vinculados a Zeus, sendo estrutu-
ras e lugares de poder. “Assim, os museus são a um só tempo: lugares de memória e
de poder. Estes dois conceitos estão permanentemente articulados em toda e qual-
quer instituição museológica”. (CHAGAS, 2006. p. 31).

O fazer museológico esteve por muito tempo associado ao colecionismo de objetos


emblemáticos, símbolos de poder, como espadas, mantos reais, uniformes militares,
quadros de batalhas, leis e demais documentos. Sobre essa simbologia, o museólo-
go Mário Chagas nos diz que “a escolha museológica provoca um novo olhar sobre
esses objetos, na medida em que busca um outro sentido além do sentido aparente,
um olhar que sem eliminar definitivamente a função primeira dos objetos acrescenta-
-lhes novas funções, transformando-os em representações, em documentos ou su-
portes de informação”. (CHAGAS, 1996. p. 56).

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Saiba mais
No campo da historiografia, a história tradicional começou a ser contesta-
da no final da década de 1920, por um movimento historiográfico francês
chamado “Movimento dos Annales”. Novos atores, para além dos grandes
monarcas e estadistas, passaram a ser sujeitos históricos das narrativas
acadêmicas.

Na década de 1960, outro movimento historiográfico contribuiu para conso-


lidar o lugar do “homem comum”: o movimento da “história vista de baixo”.
Essa história, em oposição à antiga história tradicional do poder, buscou
explorar a vida, os costumes e as tradições daqueles que costumavam ser
esquecidos: servos, escravos, trabalhadores pobres livres, mulheres, etc.

Essa renovação não se limitou ao campo da historiografia, ao longo do


século XX os museus passaram a questionar suas tipologias, o elitismo
da formação de seus acervos e – primordialmente – sua função social. O
campo passou a ver os museus cada vez menos como espaços exclusivos
das elites e cada vez mais como um espaço de toda a sociedade – um mu-
seu está a serviço do desenvolvimento dessa sociedade.

Essa era, portanto, uma das razões mais antigas para um objeto ser musealizado:
sua estreita ligação com instâncias ou pessoas de poder. É claro que o pensar e o
fazer museológico já passaram por inúmeras revisões: as razões para um objeto ser
musealizado são as mais diversas na atualidade. Essas transformações no campo
dos museus existem desde a década de 1950 e foram consagradas na década de
1970, com a Declaração da Mesa Redonda de Santiago, em 1972, quando houve a
ampliação do conceito de patrimônio, incluindo o ambiente natural, chegando-se ao
conceito de “Museu Integral”.

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Saiba mais
O Museu Integral leva em consideração a totalidade dos problemas da so-
ciedade, proporcionando à comunidade uma tomada de consciência do
seu próprio meio natural e cultural. Assim, os museus deveriam se engajar
socialmente, com participação da própria comunidade. O território e o pa-
trimônio estão ligados intimamente à comunidade, sendo esta população
ativa no museu e não mais se restringindo unicamente ao papel de visitan-
te. As transformações e o desenvolvimento social são aspectos básicos
para o desempenho desse novo museu: princípios da “Nova Museologia”.

Ao falar do passado: o museu fala do hoje. E isso claramente se reflete (ou deveria
refletir), inclusive, na entrada de novos itens em um museu.

Lembre-se que “bens culturais” são todos aqueles bens que se transformam em
testemunhos da trajetória do homem sobre o seu território: e todos eles são passíveis
de musealização! Qualquer objeto pode ser musealizado, basta que ele se enquadre
dentro da missão do museu e demais documentos norteadores, como a sua Política
de Aquisição e Descarte: falaremos sobre Política de Aquisição e Descarte mais
adiante neste curso, o documento que estabelece os critérios para a entrada e a saída
de itens no acervo de um museu.

Embora qualquer objeto seja passível de musealização, apenas um pequeno número


será, pois sempre ocorre um recorte dentro do universo museável. Para o museólo-
go Mário Chagas, só se pode falar de musealização a partir do momento em que se
estabelece uma intenção de que tal objeto passe a representar outra coisa. A musea-
lização é uma cristalização do olhar museológico. No entanto, apenas um recorte da
realidade será musealizado. A passagem do museável para o musealizado é que se
denomina processo de musealização. (CHAGAS, 1996. p. 58)

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Importante
É importante frisar que o bem material incorporado a um museu perde
as suas funções originais e ganha outros valores simbólicos, artísticos,
históricos e/ou culturais, passando a corresponder ao interesse e objetivo
de preservação, pesquisa e comunicação de um museu.

Entendidas as razões para um objeto ser musealizado, agora vamos ao “como” esse
processo acontece. As formas de entrada podem ser várias: coleta, compra, doação,
legado, permuta, transferência, produção interna ou guarda temporária (cessão, co-
modato e fiel depositário). Conheça cada uma delas:

Coleta

Retirada de um bem do seu lugar de origem, com a finalidade de estudo e preservação.


Exemplo: uma coleção de besouros de um museu de ciências.

Compra

Contrato pelo qual o museu adquire de pessoa


física ou jurídica a propriedade e a posse de um
bem, mediante o pagamento do preço conven-
cionado. Exemplo: “quadro Barão e Baronesa de
Nova Friburgo”, pintado por Emil Baunch em 1867,
e comprado pelo Museu da República-Ibram em
2018.

Quadro Barão e Baronesa de Nova


Friburgo. Autor Emil Baunch, 1867.

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Doação

Contrato em que uma pessoa física ou jurídica trans-


fere, de maneira não onerosa, a posse e a proprieda-
de de bens para o museu. Exemplo: parte da cole-
ção de numismática do Museu Histórico Nacional,
doada por colecionador particular. Exemplo: No ano
de 2018, o cartunista Carlos Latuff doou conjuntos
de documentos iconográficos (incluindo mais de mil
charges) ao Museu da República, retratando temas
da história recente do Brasil. O acervo de Carlos La-
tuff comporá a 30ª coleção do Arquivo Histórico do
Museu da República.
Escola-inclusão. Carlos Latuff
Legado

Modalidade em que uma pessoa destina seus bens culturais a um museu por testa-
mento. O legado pode ou não ter restrições, dependendo das considerações deixadas
em testamento. Exemplo: imóvel e acervo do Museu Casa da Hera, deixado em testa-
mento por Eufrásia Teixeira Leite.

Quadro de Eufrásia Teixeira Leite. Traje de montaria de Eufrásia Teixeira


Museu Casa da Hera - Ibram. Leite. Museu Casa da Hera - Ibram.

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Permuta

Ato de troca permanente, com transferência de posse e propriedade entre instituições


da sua mesma esfera, de um bem por outro, sem ônus para as partes envolvidas.

Transferência

Ação definitiva, de transferência gratuita da posse e da propriedade do bem de uma


instituição para outra da mesma mantenedora (órgão ou entidade), segundo critérios
claros preestabelecidos. Exemplo: O Museu Nacional de Belas Artes (Ibram-RJ), no
ano de 2017, transferiu cerca de 50 obras do pintor Victor Meirelles para o Museu
Victor Meirelles (Ibram-SC).

Mulheres Suliotas. Desenho de Vitor Meirelles. MVM 040


Cópia de um original de Ary Schaffer de 1827. MVM 025 transferenciado
transferenciado MNBA MNBA

Produção interna

São aqueles confeccionados, produzidos no próprio órgão. Exemplo: O Museu da


Imagem do Inconsciente, formado em grande parte com acervo produzido em seus
ateliês pelos pacientes do Centro Psiquiátrico Nacional (criado pela psiquiatra Nise
da Silveira), que criam diariamente novos documentos plásticos. Com isso seu acervo
não cessa de crescer e se atualizar.

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Cessão de uso

Empréstimo, não oneroso ou oneroso, por tempo determinado, de bens culturais


musealizados de instituições públicas, para pessoas jurídicas de direito público ou
privado sem fins lucrativos, sem transferência de domínio ou propriedade, para fins
de exposição, estudos, referências, reprodução, pesquisa, conservação, restauração
ou intercâmbio científico e cultural.

Comodato

Empréstimo, por tempo determinado, de bens culturais musealizados de instituições


privadas, para pessoas jurídicas de direito público ou privado sem fins lucrativos, sem
transferência de domínio ou propriedade, para fins de exposição, estudos, referências,
reprodução, pesquisa, conservação, restauração ou intercâmbio científico e cultural.

Fiel depositário

Modalidade de guarda temporária, que ocorre por força de lei, em desempenho de


uma obrigação legal, determinada por mandado do juiz, que entrega a uma terceira
parte o bem, visando sua preservação e segurança, até que o processo ao qual ele
está vinculado seja finalizado, podendo ainda, essa determinação ter restrições de
uso desse bem. Exemplo: Obras de arte apreendidas pela Operação Lava Jato que
seguiram para o Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba, como fiel depositário.
http://www.museuoscarniemeyer.org.br/exposicoes/exposicoes/lavajato

A musealização é sempre resultado de um ato de von-


tade. Nesta ordem de ideias, pode-se estabelecer que a
musealização de curta ou de longa duração é uma cons-
trução voluntária de caráter seletivo e político, vinculada
a um esquema de atribuição de valores: culturais, ideo-
lógicos, religiosos, econômicos, etc.

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Siga o objeto
A título de exercício, digamos que você decida organizar as caixas na ga-
ragem da sua casa e encontre alguns brinquedos. E, junto aos brinquedos,
alguns cartões de natal.
Talvez você pense em doar tanto os brinquedos quanto os cartões de natal a
algum museu da sua cidade que tenha uma Política de Aquisição e Descarte
que contemple a entrada desses objetos e, em razão disso, o museu aceite
formalmente a doação. Vamos juntos seguir a entrada documental desses
objetos doados pelos inúmeros setores técnicos do museu?

O objeto dentro do museu

Digamos que alguns novos itens sejam incorporados ao acervo de um museu: um


pião de madeira, uma boneca de pano e cartões de natal.

Saiba mais
É preciso observar que, dentro de um museu podem existir várias tipologias
de acervo: o acervo arquivístico, o bibliográfico e o museológico. Esse curso
trata sobre a documentação de acervo unicamente museológico.
É evidente que objetos tridimensionais (como mobiliário, roupas, utensílios
de cozinha, pinturas, entre tantos outros) integram o acervo museológico.
Mas a dúvida pode surgir quando falamos em documentos em papel.
Quando há no museu a entrada de documentos em papel (como cartas,
certidões de nascimento, desenhos, partituras, processos judiciais, entre
outros), os técnicos do museu devem optar, segundo seus critérios de aqui-
sição e documentação, pelo tratamento documental que darão a esses do-
cumentos em papel: se o tratamento documental da arquivologia ou da
museologia. Ou seja: documentos em papel tanto podem integrar o acervo
museológico (tema do nosso curso), como o acervo arquivístico – basta
que se decida e trabalhe corretamente cada um deles. Posteriormente, é
importante manter o padrão escolhido para novas aquisições semelhantes
ou de uma mesma coleção.

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A título de ilustração, digamos que os cartões de natal citados no exemplo,
entrem no museu seguindo o tratamento documental museológico, assim
como o pião e a boneca de pano.

Então, vejamos quais serão os lugares e eventos pelos quais os itens citados poderão
passar:

Documentação

É o primeiro setor por onde passarão os objetos que entram no museu e que pas-
sam a se chamar: bens culturais musealizados. Aqui o objeto deve entrar em carga
de patrimônio: receber o número de identificação, passando a compor o inventário
da instituição. Além disso, o museu criará uma ficha de catalogação para cada novo
item (com suas informações intrínsecas e extrínsecas - como veremos a seguir). Na
sequência, os objetos seguirão para a Reserva Técnica.

Reserva Técnica

Após passagem pela documentação, o objeto segue para a Reserva Técnica, um es-
paço destinado a garantir a preservação dos objetos que não estão em exposição.
Deve seguir diversas regras de adequação de mobiliário e de acondicionamentos, de
higienização, de controle ambiental, de pragas, de localização de todos os itens e de
segurança, sendo um espaço de restrição de acesso ao público. Além disso, a Reser-
va Técnica equilibra todas as ações técnicas necessárias ao prolongamento da vida
útil dos acervos.

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Reserva Técnica do Museu Nacional de Belas Reserva Técnica do Museu Histórico
Artes, Rio de Janeiro, RJ – Ibram. Nacional, Rio de Janeiro, RJ – Ibram. Esses
são os trainéis para os quadros da seção de
pinacoteca da Reserva Técnica desse museu.

Laboratórios de Restauração

É um espaço técnico dedicado a realização de trabalhos de intervenção de maior


monta no objeto. Dependendo da estrutura do museu e dos profissionais do seu qua-
dro, como a presença de conservadores e restauradores, os laboratórios podem ser
divididos por técnicas e materiais, tais como: papel, têxtil, madeira, tela, cerâmica, etc.

Laboratório de papel do Museu da República, Laboratório de Conservação do Museu


Rio de Janeiro, RJ – Ibram. Histórico Nacional, Rio de Janeiro, RJ –
Ibram.

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Laboratório de Conservação do Museu Victor Laboratório de restauração de obras de arte,
Meirelles, Florianópolis, SC – Ibram. Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro, RJ
– Ibram.

Exposição

Caso o objeto seja selecionado para compor a narrativa conceitual do museu perante
o público, ele segue para o circuito de exposição. Dentro das funções do museu, a ex-
posição apresenta-se como uma das formas mais tradicionais de comunicação. Uma
exposição pode ser de longa duração, de curta duração, itinerante, virtual, enfim: pode
ter diversos formatos e contar com diferentes tipos de acervos e de suportes. Ela
pode ser organizada em um lugar fechado, mas também a céu aberto (parque ou rua)
ou in situ, isto é, sem deslocar os objetos (como no caso de sítios naturais, arqueoló-
gicos ou históricos). O lugar da exposição apresenta-se como um lugar específico de
interações sociais, em que a ação é suscetível de ser avaliada. É isso que propicia o
desenvolvimento de ações educativas e de pesquisa de público.

Sala “Portugueses no mundo”, arte barroca no Museu Histórico Nacional,


Rio de Janeiro, RJ - Ibram.

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Vitrine com vestidos e louças do Império na sala “A construção da Nação”, Museu Histórico
Nacional, Rio de Janeiro - RJ - Ibram.

Documentação museológica: breve histórico, conceito e importância

O cenário geral de desenvolvimento técnico na área dos museus começa a se confi-


gurar, de forma mais efetiva, com a criação da Oficina Internacional de Museus - OIM,
em 1926, poucos anos após a Primeira Guerra Mundial. A OIM desempenhou suas
atividades até o ano de 1946, quando foi sucedida pelo Conselho Internacional de
Museus - ICOM.

Entretanto, ainda em meados do século XIX, observamos algumas iniciativas técnicas


pontuais, como as das associações nacionais de museus, nos Estados Unidos e na
Alemanha, que passaram a se preocupar com questões voltadas à normatização e à
uniformização de critérios para a elaboração de inventários, catálogos e guias. Como
se observa, o tema do curso, Documentação Museológica, começava a dar os seus
primeiros passos.

1926 1946 1972 1992


Oficina Conselho Mesa Redondo Declaração de
Internacional de Internacional de de Santiago do Caracas
Museus Museus Chile

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Com o passar dos anos, diversos encontros internacionais serviram para debater te-
mas e práticas relacionadas a museus, contudo, em 1992, como resultado do se-
minário “A Missão dos Museus na América Latina Hoje: Novos Desafios”, realizado
na Venezuela, surge um marco referente ao tema - Documentação Museológica, a
Declaração de Caracas.

No documento, entre outros aspectos, é preconizado que a função museológica de


documentar deveria explicar e orientar as atividades referentes à coleção, à conser-
vação e à exibição do patrimônio cultural e natural, sendo abordada como processo
de comunicação e divulgação do conhecimento.

Saiba mais
Leia aqui a Declaração de Caracas de 1992:

http://www.ibermuseus.org/wp-content/uploads/2014/07/declaracao-
de-caracas.pdf

Dessa forma, para um museu atender a essas recomendações é necessária a criação


de mecanismos e garantias que culminem no acesso à informação e na possibilidade
de interação com seus públicos. Com isso, dentro de um contexto atual, a Documen-
tação se mostra como um instrumento que desempenha simultaneamente o papel
da gestão administrativa, da gestão de acervos e o papel social, via interação com a
comunidade/público.

No Brasil, podemos destacar a criação do Curso de Museus, em 1932, no Museu His-


tórico Nacional. O curso foi concebido para: “a formação de funcionários públicos
que iriam ocupar funções em museus nacionais” (BARROSO, Gustavo. Introdução à
técnica de museus. Rio de Janeiro: Gráfica Olímpica, 1946. v. 1), constando, em sua
grade curricular, disciplinas dedicadas a identificação, classificação e conservação
dos diferentes tipos de objetos que formavam as coleções dos museus nacionais.

Agora que tomamos conhecimento da sua gênese histórica, aplicada a museus,


podemos passar para o próximo ponto que é, o conceito de comunicar.

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Curso de Museus, 1939.

Curso de Museus em aula, 1962.

A Documentação Museológica tem como particularidade reconhecer os acervos mu-


seológicos, independentemente de sua natureza, como suportes de informação. E
está focada na busca, reunião, organização, preservação e disponibilização de todas
as informações, sobre quaisquer suportes, que digam respeito a esses mesmos acer-
vos.

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Neste curso, portanto, documentar compreende “o conjunto de informações sobre
cada um dos itens das coleções e, por conseguinte, a representação destes por meio
da palavra, da imagem e da fotografia. Ao mesmo tempo, é um sistema de recupera-
ção de informação capaz de transformar as coleções dos museus de fontes de infor-
mações em fontes de pesquisa científica: em instrumentos de transmissão de conhe-
cimento” (FERREZ, 1994).

Este conceito apresenta uma ação interligada às demais atividades do museu, que
tem na Documentação Museológica uma espécie de catalizador e difusor de dados
dentro e para fora da instituição.

Importante
Embora a Documentação tenha sua matriz na Biblioteconomia e na Ciên-
cia da Informação, o processo de documentar em museus tem a sua es-
sência baseada na documentação do objeto tridimensional. Com isso, o
processo documental se adaptou a uma demanda específica das insti-
tuições museológicas, sendo entendido como: o “resgate de informações
sobre o objeto, tem como suporte algumas técnicas e procedimentos re-
tirados da documentação da Biblioteconomia, que foram adequadas aos
objetivos relacionados com a questão do estudo do objeto, sua segurança
e controle” (NASCIMENTO, 1994).

A documentação exerce nos museus – ou deveria exercer – um papel primordial. Em


alguns países sua importância vem sendo gradativamente reconhecida, na medida
em que o corpo prático-teórico dos museus passam a atuar cada vez mais como
instituições sociais, criadas para prestar serviços a uma comunidade: e os objetivos
da documentação são justamente maximizar tanto o acesso aos itens quanto o uso
da informação contida nos itens, beneficiando a comunidade.

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Segundo Mensch (1987, 1990), os objetos produzidos pelo homem são portadores de
informações intrínsecas (invariáveis) e extrínsecas (variáveis) que, para uma aborda-
gem museológica, precisam ser identificadas em 3 categorias. As informações intrín-
secas são as deduzidas do próprio objeto, através da análise das suas propriedades
físicas. Por exemplo:

1. Propriedades físicas dos objetos (descrição física).

a) Composição material

b) Técnica construtiva

c) Morfologia

§§ Forma espacial, dimensões


§§ Estrutura da superfície
§§ Cor
§§ Padrões de cor, imagens
§§ Texto, se existente
As extrínsecas, (informações contextuais/variáveis), são aquelas obtidas de outras
fontes que não o objeto. Helena Dodd Ferrez afirma que apenas nas últimas décadas
as informações extrínsecas vêm recebendo mais atenção por parte dos encarregados
de administrar coleções museológicas. Elas nos permitem conhecer os contextos
nos quais os objetos existiram, funcionaram e adquiriram significado. E geralmente
são fornecidas quando da entrada dos objetos no museu, ou através das fontes
bibliográficas e documentais existentes.

Os componentes invariáveis, por sua vez, são elementos intrínsecos, estáveis da


peça, como suas dimensões e informações sobre o seu material constitutivo e
técnicas utilizadas na sua produção. Essas observações são de grande valia durante
o processo de registro dos dados sobre o objeto.

“Na média dos museus, a documentação, por si, não é prioritária, provavelmente porque
é invisível. A documentação é produto de várias pessoas: registradores, curadores,
conservadores, etc. Por isso, ela varia de acordo com os interesses profissionais, assim
como com os pontos de vista pessoais dos indivíduos envolvidos. O resultado é que a
documentação dos acervos é, geralmente, muito desigual, e raramente integrada em
um sistema completo”. (Elizabeth Orna & Charles Pettitt 1980)

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Na busca por criar padrões para a documentação do acervo museológico, é impor-
tante estabelecer critérios de registro de dados e mantê-los ao longo de todo o pro-
cesso documental, para a criação de um Sistema de Documentação Museológica, o
qual veremos mais à frente neste curso.

Saiba mais
Existem duas tendências no trato com a documentação: uma reflexiva, que
segue perspectiva francesa e observa o objeto como documento e suporte
de informações; e outra chamada de tecnicista, que visa os registros e o
acesso rápido aos dados. Esta última é a linha norte-americana, e nela bus-
ca-se o controle das coleções por meio de conexões entre registros, fichas
e fichários, com o cruzamento de informações que podem ser recuperadas
(CERAVOLO, 2000). O resultado dessas duas escolas é o processo de Do-
cumentação realizado nos museus do Brasil.

Como podemos observar, os registros sobre o histórico dos objetos podem orientar
processos de conservação e restauração, ajudar no gerenciamento e monitoramento
dos acervos e orientar curadorias, cujo intuito seja o de divulgar o acervo por meio de
exposições e das ações educativas orientadas para as demandas diferenciadas do
público do museu.

Concluindo, a documentação de acervos museológicos deverá ser desenvolvida visando


à catalogação, à classificação e à indexação dos objetos. Tais procedimentos técnicos
são essenciais, pois visam a preservação e a gestão efetiva e eficaz do conhecimento,
pontos vitais para o desencadeamento, a continuidade e o desdobramento de outros
processos, presentes no museu.

Legislação Museológica e Código de Ética


A documentação museológica é tema crucial para a proteção do patrimônio cultural de
qualquer país, e no Brasil ela está prevista até em nossa magna carta: a Constituição
Federal de 1988, em seu art. 216:
§ 1º - O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá
e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários,
registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas
de acautelamento e preservação.

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Portanto, inventariar o acervo de um museu é obrigação legal: constitucional. Essa
obrigação se estende a todos os museus: tanto os museus públicos (por indicação
literal do texto constitucional, que informa “O Poder Público protegerá”) quanto os
museus privados (no trecho que informa “com a colaboração da comunidade”).

Legislação
Ao promulgar lei que regulamenta o setor museológico, a Lei n. 11.904 de
2009, conhecida como Estatuto de Museus, o Estado Brasileiro reforça a
importância e a obrigatoriedade de inventariar os acervos museológicos em
seus artigos 39 e 40:

Art. 39. É obrigação dos museus manter documentação sistematica-


mente atualizada sobre os bens culturais que integram seus acervos,
na forma de registros e inventários.

§ 1º. O registro e o inventário dos bens culturais dos museus devem


estruturar-se de forma a assegurar a compatibilização com o inventário
nacional dos bens culturais.

§ 2º. Os bens inventariados ou registrados gozam de proteção com


vistas em evitar o seu perecimento ou degradação, a promover sua
preservação e segurança e a divulgar a respectiva existência.

Art. 40. Os inventários museológicos e outros registros que identifiquem


bens culturais, elaborados por museus públicos e privados, são
considerados patrimônio arquivístico de interesse nacional e devem
ser conservados nas respectivas instalações dos museus, de modo a
evitar destruição, perda ou deterioração.

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E o Decreto n. 8124/2013, que regulamenta dispositivos tanto do Estatuto
de Museus (Lei nº. 11904/2009) quanto da Lei de criação do Ibram (Lei n.
11906/2009), institui que:

Art. 3º. Compete ao Ibram:

IV - regular, coordenar e manter atualizado para consulta:

a) o Registro de Museus;

b) o Cadastro Nacional de Museus - CNM;

c) o Inventário Nacional dos Bens Culturais Musealizados; e

d) o Cadastro Nacional de Bens Culturais Musealizados Desaparecidos;

Art. 4º. Compete aos museus, públicos e privados:

II - inserir e manter atualizados informações:

a) no Cadastro Nacional de Museus, quando cadastrados;

b) no Cadastro Nacional de Bens Culturais Musealizados Desaparecidos;

c) no Inventário Nacional dos Bens Culturais Musealizados;

III - manter atualizada documentação sobre os bens culturais que in-


tegram seus acervos, na forma de registros e inventários em conso-
nância com o Inventário Nacional dos Bens Culturais Musealizados;

Aqui devemos explicar o que é o Inventário Nacional de Bens Culturais Musealizados


(INBCM): é um instrumento para registro dos dados sobre os bens culturais que
integram os acervos museológico, bibliográfico e arquivístico dos museus brasileiros,
para fins de acautelamento, preservação e consulta.

Para atendimento do INBCM, o Ibram já lançou em 2014 duas resoluções normativas


que, tanto instituem o que virá a ser o INBCM, quanto estabelecem os elementos de
descrição das informações sobre o acervo museológico, bibliográfico e arquivístico
que devem ser declarados no INBCM. Como vocês viram no parágrafo anterior, embora
este curso trate unicamente de documentação de acervo museológico, o INBCM será
um repositório de todos os acervos de um museu (o arquivístico e o bibliográfico

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também). Portanto, torna-se importante a adequação e atualização constante dos
inventários dos museus do país ao INBCM.

A seguir, veremos neste curso a Política de Aquisição e Descartes, uma obrigação de


todos os museus prevista no Estatuto de Museus.

Saiba mais
Constituição da República Federativa do Brasil, 1988

Estatuto de Museus (Lei n. 11904/2009)

Lei de criação do Ibram (Lei n. 11906/2009)

Decreto n. 8124/ 2013

Resolução Normativa Nº 1, de 31 de julho de 2014, que normatiza o Inventário


Nacional dos Bens Culturais Musealizados em consonância com o Decreto nº
8.124.

Resolução Normativa Nº 2, de 29 de agosto de 2014, que estabelece os ele-


mentos de descrição das informações sobre o acervo museológico, bibliográ-
fico e arquivístico que devem ser declarados no Inventário Nacional dos Bens
Culturais Musealizados.

Quando falamos de processos e métodos relacionados à área de museologia sabe-


mos da importância da multidisciplinaridade das equipes de um museu, porém não
podemos nos esquecer do profissional museólogo. A profissão foi regulamentada
pela Lei n. 7.287 de 18 de dezembro de 1984, que estabelece diversas atribuições,
como as específicas voltadas para a área de documentação: solicitar o tombamento
de bens culturais e o seu registro em instrumento específico; coletar, conservar, pre-
servar e divulgar o acervo museológico; planejar e executar serviços de identificação,
classificação e cadastramento de bens culturais; promover estudos e pesquisas so-
bre acervos museológicos.

Como desdobramento dessa lei, foi criado o Conselho Federal de Museologia - CO-
FEM que estabeleceu em seu Código de Ética Profissional do Museólogo a obrigação
de: “Seguir as normas aceitas internacionalmente (ICOM/UNESCO) no que tange à
aquisição, documentação, conservação, exposição e difusão educativa dos acervos

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preservados nos museus, contribuindo para a salvaguarda das coleções e divulgação
junto ao público; bem como em relação aos trabalhos museológicos extramuros”.

Por sua vez, o ICOM estabeleceu seu código de ética para museus, que constitui-se
em instrumento de auto-regulamentação profissional que traz uma série de princípios
fundamentados em diretrizes para práticas profissionais desejáveis.

Sobre o ato de documentar, “os acervos dos museus devem ser documentados de
acordo com normas profissionais reconhecidas. Esta documentação deve permitir a
identificação e a descrição completa de cada item, dos elementos a ele associados,
de sua procedência, de seu estado de conservação, dos tratamentos a que já foram
submetidos e de sua localização. Estes dados devem ser mantidos em ambiente
seguro e estar apoiados por sistemas de recuperação da informação que permitam o
acesso aos dados por profissionais do museu e outros usuários autorizados”.

Em relação à entrada de objetos em uma unidade museológica, por exemplo, o ICOM


orienta que cada museu deve adotar e tornar público um documento relativo à política
de aquisição, proteção e utilização de acervos. Esta política deve esclarecer a situação
dos objetos que não serão catalogados, preservados ou expostos: como veremos a
seguir.

Saiba mais

Código de Ética do COFEM

Código de Ética do ICOM

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Política de Aquisições e Descartes

Lembrando o início deste módulo, que falava como um objeto se torna um bem
cultural musealizado, trataremos agora de um documento fundamental para o bom
funcionamento de um museu: a Política de Aquisições e Descartes. Esse documento
serve para que o museu:

I. adquirira um bem cultural em consonância com o seu planejamento conceitual,


com as linhas de acervo e com a pesquisa do museu (portanto, é necessário que já
haja uma definição prévia de seu planejamento conceitual – missão, visão, valores –
o que corresponde à primeira etapa de construção de um Plano Museológico);

II. dê transparência, seriedade ao processo decisório e respaldo à tomada de decisão,


quanto às novas aquisições e descartes de bens;

III. estabeleça e divulgue os critérios técnicos e administrativos para o processo de


aquisições e descartes de bens culturais;

IV. mantenha o equilíbrio e a integridade na formação dos acervos;

V. melhore a organização e otimização das atividades;

VI. respeite a identidade dos acervos;

VII. viabilize os descartes de acervos não pertinentes ao seu planejamento conceitual.

Importante
É importante que esse documento, assim como todos os demais docu-
mentos de gestão de um museu, seja elaborado de forma participativa. O
Ibram recomenda que os museus criem comissões técnicas para analisar
todas as formas de aquisições e descartes da instituição. E, sempre que
necessário, recomendamos que o museu solicite a colaboração de um
especialista externo para auxiliar o parecer da comissão técnica.

Como construir uma Política de Aquisição e Descarte?

O Ibram recomenda a seguinte estrutura descritiva:

I - caracterização, histórico e linhas do acervo do museu;

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II - diretrizes, procedimentos e critérios para as aquisições e os descartes de bens
culturais;

III - composição da comissão técnica e os responsáveis pelo acompanhamento da


aplicação da política;

Percebam que no ponto II dessa estrutura descritiva, pedimos atenção às diretrizes e


critérios para a entrada e saída de bens no museu. Aqui seguem alguns exemplos de
diretrizes que podem pautar a aquisição de bens em um museu:

§§ O acervo a ser incorporado deve estar em consonância com a missão e objetivos


da instituição;
§§ Certificação da legalidade da procedência;
§§ Estar em conformidade com a legislação vigente e os códigos de ética nacionais
e internacionais;
§§ Avaliação do estado de conservação.
E aqui seguem as modalidades de descarte:

Descarte de bens culturais musealizados: processos de exclusão (baixa ou desincor-


poração) do bem cultural, podendo ser por meio de alienação ou inutilização:

a) Alienação de bens culturais musealizados: desincorporação de bem cultural, onde


há a transferência do direito de propriedade mediante venda, permuta, transferência
ou doação.

b) Inutilização de bem cultural musealizado: desincorporação de bem cultural, que


consiste na sua destruição parcial ou total, implicando a renúncia ao direito de
propriedade do bem, devido à ameaça vital para as pessoas, acervo, risco de prejuízo
ecológico ou inconveniente de qualquer natureza para os museus.

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Encerramento do módulo 1
Vimos neste primeiro Módulo como um objeto se torna um bem cultural musealizado,
além dos lugares que o objeto passa por dentro de um museu. Também estudamos um
breve histórico, o conceito, a importância e a legislação relacionada à documentação
museológica.

Agora que já aprendemos o processo de entrada de um objeto em um museu, vamos


ao passo a passo de como documentá-lo.

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